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<p>Autor: Profa. Lílian Pessoa</p><p>Colaboradores: Profa. Silmara Maria Machado</p><p>Prof. Nonato Assis de Miranda</p><p>Metodologia e</p><p>Prática do Ensino</p><p>da Língua Portuguesa</p><p>Professora conteudista: Lílian Pessoa</p><p>Doutoranda em educação, com foco em psicologia da educação pela PUC‑SP, onde também obteve o título</p><p>de mestre na mesma e enfoque, em 2010. Cursou graduação em pedagogia pela Universidade São Judas Tadeu,</p><p>a qual concluiu em 2000.</p><p>Atualmente, é professora efetiva da Secretaria de Estado da Educação de São Paulo, atuando como</p><p>professora coordenadora da oficina pedagógica – PCOP, na diretoria de ensino norte 1, e como professora</p><p>universitária do curso de pedagogia na Universidade Paulista (UNIP).</p><p>© Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou</p><p>quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem</p><p>permissão escrita da Universidade Paulista.</p><p>Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)</p><p>P475 Pessoa, Lílian</p><p>Metodologia e Prática do Ensino da Língua Portuguesa . / Lílian</p><p>Pessoa. São Paulo: Editora Sol, 2020.</p><p>84 p., il.</p><p>Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e</p><p>Pesquisas da UNIP, Série Didática, ISSN 1517‑9230.</p><p>1.Ensino 2.Língua Portuguesa 3. Metodologia I.Título</p><p>CDU 801</p><p>U509.13 – 20</p><p>Prof. Dr. João Carlos Di Genio</p><p>Reitor</p><p>Prof. Fábio Romeu de Carvalho</p><p>Vice-Reitor de Planejamento, Administração e Finanças</p><p>Profa. Melânia Dalla Torre</p><p>Vice-Reitora de Unidades Universitárias</p><p>Profa. Dra. Marília Ancona‑Lopez</p><p>Vice-Reitora de Pós-Graduação e Pesquisa</p><p>Profa. Dra. Marília Ancona‑Lopez</p><p>Vice-Reitora de Graduação</p><p>Unip Interativa – EaD</p><p>Profa. Elisabete Brihy</p><p>Prof. Marcello Vannini</p><p>Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar</p><p>Prof. Ivan Daliberto Frugoli</p><p>Material Didático – EaD</p><p>Comissão editorial:</p><p>Dra. Angélica L. Carlini (UNIP)</p><p>Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR)</p><p>Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT)</p><p>Apoio:</p><p>Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD</p><p>Profa. Deise Alcantara Carreiro – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos</p><p>Projeto gráfico:</p><p>Prof. Alexandre Ponzetto</p><p>Revisão:</p><p>Virgínia M. Bilatto</p><p>Amanda Casale</p><p>Sumário</p><p>Metodologia e Prática do Ensino</p><p>da Língua Portuguesa</p><p>APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................7</p><p>INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................................7</p><p>Unidade I</p><p>1 ASPECTOS HISTÓRICOS EM RELAÇÃO AO ENSINO ...............................................................................9</p><p>2 O ENSINO QUE RECEBEMOS ....................................................................................................................... 12</p><p>3 O ENSINO QUE DESEJAMOS ....................................................................................................................... 14</p><p>4 O MOMENTO ATUAL: AVANÇOS E EQUÍVOCOS DO PROCESSO DE TRANSFORMAÇÃO ...... 15</p><p>Unidade II</p><p>5 A LEITURA NO COTIDIANO ESCOLAR DO ALUNO ............................................................................... 20</p><p>5.1 O propósito da leitura ......................................................................................................................... 27</p><p>5.2 O acesso dos alunos ao acervo literário ...................................................................................... 28</p><p>6 A ATUAÇÃO DO PROFESSOR NO DESENVOLVIMENTO DO ALUNO .............................................. 30</p><p>6.1 A mobilização dos conhecimentos prévios ................................................................................ 31</p><p>6.2 A apresentação e problematização da atividade..................................................................... 32</p><p>6.3 O acompanhamento e a intervenção .......................................................................................... 35</p><p>6.4 A discussão coletiva e legitimação das aprendizagens ........................................................ 39</p><p>Unidade III</p><p>7 UTILIZAÇÃO DE TÉCNICAS E ESTRATÉGIAS NA PRÁTICA DE LEITURA ........................................ 50</p><p>7.1 Previsão/antecipação .......................................................................................................................... 52</p><p>7.2 Inferência ................................................................................................................................................. 56</p><p>7.3 Verificação ............................................................................................................................................... 58</p><p>8 DA FALA À ESCRITA: UM CAMINHO PERCORRIDO EM PARCERIA .............................................. 60</p><p>8.1 A necessidade de refletir sobre o sistema de escrita ............................................................. 65</p><p>8.2 Produção coletiva de textos............................................................................................................. 69</p><p>8.3 Revisão coletiva de textos .................................................................................................................71</p><p>7</p><p>APRESENTAÇÃO</p><p>Prezado aluno,</p><p>Nesta disciplina, discutiremos aspectos fundamentais do ensino da língua portuguesa nos anos</p><p>iniciais do Ensino Fundamental, mais especificamente no que se refere ao ensino da leitura e da escrita</p><p>para os alunos que já compreenderam o funcionamento do nosso sistema de escrita, ou seja, aqueles</p><p>que, segundo os estudos realizados por Emília Ferreiro, encontram‑se na hipótese alfabética.</p><p>Nosso objetivo, portanto, é fornecer fundamentos e reflexões que possam contribuir para que o</p><p>aluno dos anos iniciais do Ensino Fundamental desenvolva a competência leitora e escritora. Para isso,</p><p>trilharemos um percurso que fará um resgate histórico de algumas marcas significativas no ensino da</p><p>leitura e da escrita, discutiremos o papel do professor nesse processo e buscaremos refletir criticamente</p><p>sobre o desenvolvimento do que estamos chamando de competência leitora e escritora.</p><p>Os objetivos propostos por essa disciplina exercem um papel muito importante na formação do</p><p>professor dos anos iniciais do Ensino Fundamental, na medida em que lhe possibilita compreender os</p><p>motivos que originaram esta ou aquela prática de ensino, bem como suas contribuições para a formação</p><p>do aluno. Tal conhecimento serve de suporte ao trabalho em sala de aula, pois será a partir dele que as</p><p>decisões sobre práticas leitoras e escritoras serão tomadas.</p><p>Não esperamos que ao final desse estudo você esteja “pronto” para ensinar a ler e a escrever (não</p><p>alcançamos essa “prontidão” que buscamos, mas os estudos contínuos nos tornam mais próximos dela).</p><p>Queremos, isto sim, que você tenha mobilizado seus saberes ao ponto de compreender que é preciso um</p><p>esforço contínuo para reelaborar a prática pedagógica.</p><p>Bons estudos!</p><p>INTRODUÇÃO</p><p>Costumamos olhar com admiração para aqueles que, durante uma conversa, discussão, ou palestra,</p><p>comentam, com pertinência, sobre os livros que leu. Muitas vezes, tais comentários despertam o interesse</p><p>pela leitura das obras citadas. Entretanto, quem de nós já não se dispôs a ler um livro indicado por</p><p>alguém que conhece e não passou da leitura das primeiras páginas? Obras consideradas clássicas pela</p><p>crítica literária, best‑sellers, campeões em vendas, nenhuma dessas condições é suficiente para garantir</p><p>que possamos prosseguir nossa leitura até o final. Se o livro tratar de um assunto teórico, o problema se</p><p>torna ainda maior, pois, diante de tal leitura encontramos:</p><p>[...] dificuldades logo julgadas insuperáveis e que reforçam uma atitude de</p><p>desânimo e de desencanto, geralmente acompanhada de um juízo de valor</p><p>depreciativo em relação ao pensamento teórico. (SEVERINO, 2002, p.47).</p><p>Esse possível desinteresse pela leitura, que nutre, em nós, uma sensação de incompetência, nos</p><p>afasta cada vez mais</p><p>devido à relevância dessa temática, propomos nos</p><p>deter um pouco mais nesse espaço de discussão.</p><p>A atuação do professor, nas atividades que desenvolve junto aos seus alunos, perpassa a sua concepção</p><p>de ensino; ou seja, suas práticas pedagógicas, estão intrinsecamente relacionadas com aquilo que ele</p><p>entende por ensinar, por aprender. E, para essa compreensão, resgatamos um pouco do que foi discutido</p><p>na unidade I desta disciplina, mais especificamente no que se refere às apropriações equivocadas de</p><p>uma concepção de ensino.</p><p>E já que estamos falando de bons textos, há uma história muito interessante, escrita por Eva Furnari,</p><p>que se chama “Abaixo das canelas” e que pode ser um ponto de partida interessante para a reflexão que ora</p><p>propomos. Conta a história, que os habitantes de Poscovônia não podiam mostrar os pés. Podiam mostrar</p><p>qualquer outra parte do corpo, mas não os pés. Até a pronúncia da palavra “pé” era por eles evitada. Num</p><p>belo dia, Joãozinho resolve perguntar ao seu professor o motivo pelo qual os pés não podem ser mostrados.</p><p>Claro que isso o desestabiliza, mas também o intriga, e o professor resolve investigar a questão (sozinho,</p><p>pois não envolveria os seus alunos numa questão tão polêmica). Assim, ele chega ao mais antigo morador</p><p>do lugar, que mora sozinho, num casebre em uma montanha um pouco afastada da cidade, e o encontra</p><p>descalço. Depois de conversarem a respeito de vários assuntos, chegam ao ponto esperado pelo professor.</p><p>O antigo morador conta que, quando era pequeno, surgiu na região uma erva rasteira com espinhos</p><p>venenosos que cobriu toda a terra. E, para não espetarem os pés e morrerem envenenados, as pessoas</p><p>tinham que andar sempre calçadas. O professor conclui que as regras caducam e que, em muitos casos, as</p><p>pessoas se esquecem de olhar o seu prazo de validade e a continuam usando.</p><p>Saiba mais</p><p>FURNARI, E. Abaixo das canelas. São Paulo: Moderna, 2000.</p><p>Essa é uma boa dica de leitura. Também indicada na construção das</p><p>regras da classe, a obra revela que as situações se modificam, o que exige</p><p>revisão das normas.</p><p>31</p><p>METODOLOGIA E PRÁTICA DO ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>Tal como na história de Poscovônia, desconhecer as razões que motivaram essa ou aquela ação gera</p><p>atitudes que, por não serem oriundas de análises e reflexões, não contribuem para a aprendizagem. Mais</p><p>do que isso, limitam a participação criativa do aluno e a atuação mediadora do professor. Por esse motivo,</p><p>é de extrema importância que o professor conheça o que se pretende com as atividades que propõe ao</p><p>aluno. É preciso que ele levante alguns questionamentos para os quais saiba ao menos uma resposta</p><p>possível. Considera‑se, porém, que há perguntas que admitem várias respostas e, além disso, que há a</p><p>possibilidade de estarmos enganados na nossa compreensão sobre algo, o que nos leva a conclusões</p><p>igualmente equivocadas, mas isso faz parte do processo reflexivo. Por esse motivo, dizemos que as</p><p>nossas respostas são provisórias, o que quer dizer que elas estão sempre sendo reelaboradas, porque</p><p>nossos saberes, nosso conhecimento sobre algo, nas experiências pessoais que nos constituem como</p><p>pessoas e como profissionais, estão em processo contínuo de mudança. Não ter respostas provisórias é</p><p>o que se torna perigoso, pois, nesse caso, isso pode indicar a ausência de informações e de elementos</p><p>que viabilizem uma escolha criteriosa de nossas ações.</p><p>Fica claro, portanto, que o aluno tem um papel ativo no processo de sua aprendizagem, mas essa</p><p>atividade não é exclusividade dele. O professor também atuará dinamicamente, mobilizando saberes,</p><p>propondo desafios, observando, discutindo, validando estratégias e conhecimentos, propiciando a troca</p><p>de experiências e, acima de tudo, aprendendo também com os seus alunos.</p><p>6.1 A mobilização dos conhecimentos prévios</p><p>Dizer que, para ensinar, é necessário partir de conhecimentos prévios tornou‑se uma afirmação</p><p>comum entre os educadores. Porém, parece que esse é um conhecimento que já deve estar estabelecido</p><p>a priori, ou seja, ninguém explica, mas todos devem saber. Ora, as coisas não funcionam bem assim.</p><p>É preciso dizer aquilo que parece óbvio e entender qual é a sua importância. E, sobre a questão dos</p><p>conhecimentos prévios, Solé (1998) insiste que:</p><p>[...] frente à leitura na escola, parece necessário que o professor se pergunte</p><p>com que bagagem as crianças poderão abordá‑la, prevendo que esta</p><p>bagagem não será homogênea. Esta bagagem condiciona enormemente</p><p>a interpretação que se constrói e não se refere apenas aos conceitos e</p><p>sistemas conceituais dos alunos; também está constituída pelos seus</p><p>interesses, expectativas, vivências... Por todos os aspectos relacionados ao</p><p>âmbito afetivo e que intervêm na atribuição de sentido ao que se lê (SOLÉ,</p><p>1998, p. 104).</p><p>Desse modo, é preciso que tenhamos clareza de que os alunos chegam à escola com muitos</p><p>conhecimentos acerca de diferentes assuntos. E o conhecimento que possuem varia muito de criança</p><p>para criança. Isso porque, como afirmou Solé, eles são constituídos também nas experiências vivenciadas</p><p>pelos alunos e, como a experiência de cada um é única, também os saberes prévios devem considerar essa</p><p>perspectiva. As discussões que antecedem a abordagem de um tema, as considerações iniciais antes da</p><p>leitura de um determinado texto, as hipóteses levantadas e as antecipações com base nas informações</p><p>contidas num livro, por exemplo, são formas de mobilizar os conhecimentos prévios dos alunos, de</p><p>modo que eles contribuam para a compreensão do que será lido. Para tanto, o professor é quem deve</p><p>32</p><p>Unidade II</p><p>promover essas discussões com os alunos. Por exemplo, se o professor escolhe realizar a leitura de</p><p>um clássico conto de fadas, precisa mostrar a capa do livro aos alunos antes da leitura, perguntar se</p><p>conhecem a história, deixar que eles falem sobre as informações apresentadas na capa (o que está</p><p>escrito, o que sugere a ilustração, se houver) e permitir que levantem hipóteses que podem ou não</p><p>ser confirmadas ao final da leitura. Algumas impressões ou informações, trazidas pelas crianças nessas</p><p>oportunidades podem não fazer muito sentido no contexto da discussão. Caberá ao professor avaliar</p><p>se aquilo que trazem os alunos é pertinente ao que está sendo tratado e, com habilidade, mostrar que</p><p>outras informações podem consideradas em outras situações, mas não são adequadas àquele momento.</p><p>Ainda sobre os conhecimentos prévios, Vygotsky (1998) já afirmava:</p><p>O ponto de partida dessa discussão é o fato de que o aprendizado das</p><p>crianças começa muito antes de elas frequentarem a escola. Qualquer</p><p>situação de aprendizado com a qual a criança se defronta na escola tem</p><p>sempre uma história prévia. Por exemplo, as crianças começam a estudar</p><p>aritmética na escola, mas muito antes elas tiveram alguma experiência</p><p>com quantidades – tiveram que lidar com operações de divisão, adição,</p><p>subtração e determinação de tamanho. Consequentemente, as crianças têm</p><p>sua própria aritmética pré‑escolar, que somente psicólogos míopes podem</p><p>ignorar (VYGOSTSKY, 1998, p. 110).</p><p>A advertência final de Vygotsky aos psicólogos é válida também a qualquer um de nós professores.</p><p>É imprescindível que possamos entender que os conhecimentos prévios dos alunos devem ser utilizados</p><p>a favor da aprendizagem. Na verdade, eles são o ponto de partida para o trabalho do professor e isso</p><p>significa que se parte em direção a um destino conhecido: a aprendizagem. É recorrente uma compreensão</p><p>(daquelas equivocadas que já nos referimos várias vezes nesta unidade e na anterior), em que se acredita</p><p>que trabalhar com os conhecimentos prévios é propiciar ao aluno a utilização daquilo que já sabem. Bem,</p><p>isso é apenas o ponto de partida; não podemos nele permanecer. Se, como professores, não ampliarmos o</p><p>que os alunos já sabem ou não sistematizarmos aquilo que já conhecem, de que maneira promoveremos</p><p>a aprendizagem? É preciso que isso fique muito claro: o trabalho do professor parte dos conhecimentos</p><p>prévios dos alunos, mas ele tem uma</p><p>direção maior, que visa mostrar outras vertentes, outras possibilidades.</p><p>O professor quer ir além do que já é conhecido e esse é o objetivo que se sustenta no conhecimento já</p><p>adquirido: ancorado naquilo que já é sabido, é possível dar um salto na direção daquilo que é novo.</p><p>Lembrete</p><p>O trabalho com conhecimentos prévios é “ponto de partida” para o</p><p>trabalho do professor e não “ponto de fixação”. É preciso ir além do que já</p><p>é conhecido.</p><p>6.2 A apresentação e problematização da atividade</p><p>Considerando‑se, ainda, os estudos realizados por Vygotsky, sabemos que o autor considera a</p><p>existência daquilo que chamou de Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP), compreendida como a</p><p>33</p><p>METODOLOGIA E PRÁTICA DO ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>diferença entre aquilo que a criança consegue realizar sozinha (nível de desenvolvimento real) e aquilo</p><p>que ela consegue realizar com ajuda de alguém mais experiente (nível de desenvolvimento potencial).</p><p>Sintonizando‑nos com Vygotsky, entendemos que a atuação do professor deve ocorrer justamente</p><p>neste intervalo por ele chamado de ZDP. Vamos tentar explicar um pouco melhor. Suponhamos que uma</p><p>criança de 3 ou 4 anos demonstra que já consegue calçar seu tênis sozinha, mas não consegue amarrá‑lo,</p><p>a menos que a mãe a auxilie. A ação de calçar o tênis identifica o seu nível de desenvolvimento real, ou</p><p>seja, ela sabe fazê‑lo sem a ajuda de ninguém. Entretanto, para amarrar o calçado, necessita da ajuda</p><p>da mãe, o que revela que esse é o seu nível de desenvolvimento potencial. Considerando‑se a distância</p><p>entre o que essa criança faz sem ajuda (calçar o tênis) e o que necessita de ajuda para fazer (amarrá‑lo),</p><p>temos um campo fértil de aprendizagem (a ZDP) a ser explorado pelo professor.</p><p>Há, porém, alguns critérios a serem considerados nessa atuação. Um deles refere‑se ao fato de que</p><p>somos atraídos por desafios. Por esse motivo, gostamos tanto de jogos, charadas, enigmas, quebra‑cabeças</p><p>etc. Essa visão nos remete à compreensão de que devemos propor atividades desafiadoras aos alunos.</p><p>Não é por acaso que, atualmente, fala‑se tanto em situações problemas como estratégias de ensino.</p><p>Mas, que situações são essas? Que desafios propor?</p><p>Voltando a Vygotsky, os desafios propostos devem considerar a ZDP. Vamos entender o motivo desse</p><p>princípio. Se nos é apresentada uma situação para a qual devemos encontrar uma solução e, ao analisá‑la,</p><p>percebemos que essa solução é óbvia, muito fácil de ser encontrada, perdemos a motivação para realizá‑la.</p><p>É interessante que, diante de casos como esse, o alunos chegam a verbalizar a sua frustração: “Ah... isso</p><p>é muito fácil!”. Nesse caso, dizemos que o desafio proposto não está adequado à aprendizagem do aluno,</p><p>pois não mobilizou os seus saberes, nem trouxe uma reflexão que pudesse desestabilizar o que já se sabia,</p><p>na busca de soluções novas. É um desafio que está aquém do potencial que o aluno pode utilizar.</p><p>Por outro lado, apresentar aos alunos um desafio cuja resolução seja praticamente impossível para</p><p>eles, também não contribui para a aprendizagem, uma vez que tendemos a nos desinteressar por aquilo</p><p>cuja solução não conseguimos encontrar. É o caso, por exemplo, de muitas pessoas que cursam inglês e</p><p>desistem no meio do caminho, sob a justificativa de que não gostam do idioma. Na maioria das vezes,</p><p>a verdade reside no fato de que, como não conseguem se situar nas aulas, nem compreender o que</p><p>está sendo dito pelo professor, nem responder às tarefas solicitadas, as pessoas acabam desistindo de</p><p>tal aprendizagem. É como se a nossa psique tentasse nos proteger das frustrações, mascarando o nosso</p><p>“fracasso”, com a desculpa de que não queremos aprender porque não gostamos daquilo. É menos</p><p>doloroso dizer que não gostamos e, portanto, não estamos interessados, do que assumir que não estamos</p><p>conseguindo aprender. Desse modo, os desafios que estão além de nossas capacidades também geram</p><p>desinteresse. E, já que estamos falando em desafios, entendemos que o grande desafio do professor está</p><p>na adequação das atividades para os seus alunos: nem além, nem aquém do que podem realizar.</p><p>Assim, o professor precisa, sistematicamente, elaborar questionamentos a si mesmo, tais como:</p><p>o que pretendo que o meu aluno aprenda com essa atividade? De que maneira ela lhe será útil,</p><p>considerando‑se as práticas sociais da nossa cultura? O que posso fazer para encaminhar a atividade</p><p>de modo a alcançar os objetivos propostos? Que intervenções trarão contribuições significativas? Como</p><p>avaliar as aprendizagens nesse processo? A busca de respostas para tais questionamentos conduzirá o</p><p>professor a uma compreensão mais ampla da sua atuação no comando das atividades que propõe aos</p><p>34</p><p>Unidade II</p><p>alunos. E isso é essencial para o êxito do trabalho, pois, se isso não acontece, ficamos como os habitantes</p><p>de Poscovônia, à mercê de uma ação que, um dia, foi necessária, mas que, no contexto atual, não faz o</p><p>menor sentido.</p><p>Mais uma vez, reiteramos o fato de que não queremos, com isso, dizer que todas as ações educativas</p><p>praticadas no passado não nos servem mais. Isso é não é verdade. O que destacamos é a sua utilização</p><p>sem o conhecimento do que pode ser alcançado por meio dela, sem saber se, de fato, esse é o melhor</p><p>caminho e desconsiderando a participação ativa do aluno.</p><p>A atuação do professor junto aos alunos deve combinar observações advindas de um olhar atento</p><p>e sensível, que o levará a intervenções adequadas, que mobilizam os saberes dos alunos e favorecem</p><p>a aprendizagem. Assim, quando ele encaminha atividades a serem realizadas pelos alunos, seja</p><p>individualmente ou em grupo, é de suma importância que circule pela classe, observando e acompanhando</p><p>os caminhos percorridos pelos alunos para encontrarem a solução para o desafio proposto. É nesse</p><p>momento que o professor pode, por exemplo, captar informações que revelam a necessidade de uma</p><p>intervenção de sua parte com determinado aluno; é nessa hora que poderá se aproximar um pouco</p><p>mais do que sabem seus alunos e se distanciar daquele modelo de ensino praticado no passado, em que</p><p>a aprendizagem não era encaminhada de modo reflexivo, em que o processo de leitura, por exemplo,</p><p>situava‑se na decodificação das palavras, sem que houvesse preocupação com a sua compreensão ou</p><p>com a opinião do leitor sobre o texto. É como revelam os PCN (Parâmetros Curriculares Nacionais) de</p><p>língua portuguesa:</p><p>Figura 3</p><p>35</p><p>METODOLOGIA E PRÁTICA DO ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>A leitura, como prática social, é sempre um meio, nunca um fim. Ler é resposta</p><p>a um objetivo, a uma necessidade pessoal. Fora da escola, não se lê só para</p><p>aprender a ler, não se lê de uma única forma, não se decodifica palavra</p><p>por palavra, não se responde a perguntas de verificação do entendimento</p><p>preenchendo fichas exaustivas, não se faz desenho sobre o que mais gostou</p><p>e raramente se lê em voz alta. Isso não significa que, na escola, não se possa</p><p>eventualmente responder a perguntas sobre a leitura, de vez em quando</p><p>desenhar o que o texto lido sugere, ou ler em voz alta quando necessário.</p><p>No entanto, uma prática constante de leitura não significa a repetição</p><p>infindável dessas atividades escolares (BRASIL, 1997, p. 38)</p><p>Por esse motivo, as atividades que apresentam desafios adequados ao perfil da classe constituem‑se</p><p>num modo produtivo de tratar a leitura e a escrita. Sempre que possível, o professor deve apresentar</p><p>situações problematizadoras para que os alunos encontrem uma solução possível. Depois disso, deve</p><p>abrir espaço para que os alunos apresentem as suas soluções, contando o caminho percorrido até</p><p>chegarem a elas, já que um mesmo problema ou situação pode admitir mais de uma resposta. Será nessa</p><p>troca de experiências, também, que o aluno terá a oportunidade de analisar se a solução que encontrou</p><p>para a situação é, de fato, a melhor para o caso em questão. Essa reflexão é muito rica, se considerarmos</p><p>que o aluno estará compreendendo o ponto de vista do outro, pensando e comparando os percursos</p><p>percorridos</p><p>e ampliando as suas possibilidades de resolução para uma determinada situação. Essa é a</p><p>mobilização de saberes que gera a aprendizagem, que tanto desejamos.</p><p>6.3 O acompanhamento e a intervenção</p><p>Já falamos sobre a importância do professor em acompanhar as reflexões que o aluno faz durante o</p><p>desenvolvimento da atividade. Dada a sua importância no processo de aprendizagem, é preciso retomá‑la</p><p>em diferentes momentos, o que por ora fazemos.</p><p>Há professores que planejam uma atividade interessante para os seus alunos, mas colocam tudo</p><p>a perder quando não fazem o devido acompanhamento do seu desenvolvimento. Se as atividades</p><p>propostas pelos professores têm como objetivo mobilizar os conhecimentos dos alunos para que esses</p><p>avancem em suas aprendizagens, muito mais do que conferir resultados finais (avaliando se estão certos</p><p>ou errados), o professor precisa considerar o processo, ou seja, observar quais foram as escolhas feitas</p><p>pelos alunos para chegar àquele resultado, àquela conclusão e o que foi considerado por eles para</p><p>cumprir a tarefa. Nesse sentido, é imprescindível o acompanhamento do professor para que se possa</p><p>compreender o que pensam os alunos e, a partir de então, realizar intervenções que contribuam com a</p><p>sua aprendizagem, tal como afirma Zabala (1998):</p><p>[...] a interação direta entre alunos e professor tem que permitir a</p><p>este, tanto quanto for possível, o acompanhamento dos processos</p><p>que os alunos e alunas vão realizando na aula. O acompanhamento e</p><p>uma intervenção diferenciada, coerente com o que desvelam, tornam</p><p>necessária a observação do que vai acontecendo. Não se trata de uma</p><p>observação “desde fora”, mas de uma observação ativa, que também</p><p>36</p><p>Unidade II</p><p>permita integrar os resultados das intervenções que se produzam</p><p>(ZABALA, 1998, p. 90‑91).</p><p>Concordamos com o autor no que se refere à necessidade, por parte do professor, de observar seus</p><p>alunos na realização de suas tarefas para, assim, intervir adequadamente. Mas, como quase tudo na</p><p>educação, as coisas não são tão simples. É fato que, no papel de professores, precisamos conhecer aquilo</p><p>que o aluno sabe. Disso não discordamos. Entretanto, é preciso ir além. Referimo‑nos à necessidade de</p><p>compreender, tanto quanto possível, o que o aluno pensa quando está diante do desafio de encontrar</p><p>uma solução para a atividade escolar proposta. Isto quer dizer que será preciso um esforço, por parte do</p><p>professor, em compreender a lógica utilizada pelo aluno, mas considerando o ponto de vista do aluno.</p><p>Muitas vezes, conseguimos, por meio da aplicação de avaliações sistemáticas, conhecer o que o aluno</p><p>sabe ou não sabe. E só isso já é muito importante para o planejamento de uma boa intervenção. Mas,</p><p>se queremos contribuir para que o aluno realmente possa avançar em suas aprendizagens, é preciso</p><p>centrar‑se no percurso por ele estabelecido na resolução de um problema, na tentativa de compreender:</p><p>que decisões são tomadas por ele na realização da atividade; até que ponto ele consegue caminhar</p><p>sozinho; que pensamento/raciocínio o levou ao equívoco; quais os entraves que encontra diante do</p><p>desafio que lhe foi proposto e que tipo de intervenção poderia contribuir para que ele avance no</p><p>desenvolvimento daquela atividade.</p><p>Essas e muitas outras perguntas devem nortear o acompanhamento que faz o professor junto aos</p><p>seus alunos. Constatar o que erraram ou acertaram, para lhes oferecer mais atividades semelhantes</p><p>até que aprendam, pouco contribuirá com a formação deles, pois é sabido que posturas como essa</p><p>favorecem a memorização e a execução mecanizada de atividades, sem possibilitar a reflexão que</p><p>propiciará, posteriormente, generalizações importantes para a resolução de diferentes desafios que</p><p>nos são impostos na vida social. Talvez, as palavras da professora Telma Weisz (2003) nos ajudem a</p><p>compreender um pouco melhor o que estamos querendo enfatizar. Diz ela:</p><p>Quando se fala da importância de o professor compreender o que seus</p><p>alunos sabem ou não sabem para poder atuar, a questão é mais complexa do</p><p>que parece. Pensa‑se sempre que é preciso ter uma boa noção daquilo que</p><p>os alunos sabem do ponto de vista do conteúdo a ser aprendido, visto da</p><p>perspectiva do adulto – ou seja, de como os adultos veem a matéria que está</p><p>sendo ensinada. [...] Trata‑se de uma constatação simples, mas não é disso</p><p>que estou falando. Volto a me referir ao saber do ponto de vista do aprendiz,</p><p>porque esse é o conhecimento necessário para fazer o aluno avançar do que</p><p>ele já sabe para o que não sabe (WEISZ, 2003, p. 39).</p><p>Acreditamos, como dito anteriormente, que a criança chega à escola com uma diversidade de saberes</p><p>que não pode ser ignorada, mas validada ou reformulada, conforme o meio em que se encontra. Assim,</p><p>há conhecimentos que fazem parte da bagagem cultural da criança, do adolescente, do aprendiz de</p><p>um modo geral, que não foram ensinados na escola, mas emergiram da cultura e, em algum momento</p><p>e por razões que nem sempre nos são claras, fizeram sentido para essa pessoa, que passa a utilizá‑la</p><p>sistematicamente em diferentes ocasiões. Vamos pensar num exemplo prático para entender essa ideia.</p><p>Suponhamos que, na produção de um texto, um aluno tenha escrito a frase “Eu mati a barata que</p><p>37</p><p>METODOLOGIA E PRÁTICA DO ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>estava na minha caixa de brinquedos.” Poderíamos simplesmente constatar que esse aluno não sabe</p><p>conjugar corretamente os verbos e selecionariamos uma série de exercícios que o fizessem repetir a</p><p>situação correta. Contudo, um professor atento, que está sempre a observar a atuação dos seus alunos</p><p>na resolução das atividades que propõe, vai notar que esse é um erro comum entre os alunos menores,</p><p>especialmente os das séries iniciais do Ensino Fundamental, que são o foco da nossa atuação como</p><p>pedagogos. Eles costumam dizer “eu mati”, “eu gosti”, “eu fazi”, no lugar de “eu matei”, “eu gostei”, “eu</p><p>fiz”. Assim, notar que essa é uma generalização que foi elaborada a partir da constatação de que muitos</p><p>verbos são conjugados desse modo (venci, corri, comi etc.) e considerar que, apesar de incorreta, partiu</p><p>de uma reflexão que teve como base o modo pelo qual são conjugados tantos outros verbos, faz toda a</p><p>diferença na prática educativa.</p><p>Se sabemos que o aluno observou a conjugação de outros verbos e dele extraiu uma regularidade</p><p>(ainda que incorreta), será preciso mostrar‑lhe tantas outras situações textuais e orais em que os verbos</p><p>tenham diferentes terminações e, paulatinamente, dessas reflexões, extrair outras regularidades que</p><p>forneçam‑lhe elementos e informações para que possa fazer escolhas adequadas no momento de sua</p><p>produção escrita ou da comunicação oral. Não podemos deixar de destacar que a criança levanta muitas</p><p>hipóteses acerca dos assuntos que queremos lhe ensinar. Mas tais hipóteses, mesmo que incorretas</p><p>inicialmente, possuem um fundamento, uma lógica real. Resta‑nos compreendê‑las, sempre do ponto</p><p>de vista da criança e não do adulto, e validá‑las ou reformulá‑las, conforme o caso.</p><p>O conceito de que os verbos conjugados no passado terminam com “i” é um daqueles saberes</p><p>que, possivelmente, já faziam parte da bagagem da criança ao ingressar no Ensino Fundamental. Esse</p><p>conceito não seria ensinado na escola, pois sabemos que é incorreto. Por esse motivo, é também um</p><p>daqueles saberes que precisam ser reformulados a partir de situações sociais reais que façam sentido</p><p>para o aluno. Caso contrário, sucederá, tal como esta anedota: Diz‑se que uma professora, cansada</p><p>de corrigir o Juquinha que insistia em dizer “meu livro não cabeu na mala”, disse ao garoto que se</p><p>sentasse e escrevesse, em uma folha do caderno, 50 vezes a palavra “coube”. A ordem da professora</p><p>foi prontamente atendida. Ao final da tarefa,,a professora, surpresa, questiona: “Juquinha, disse a você</p><p>para escrever 50 vezes, mas aqui só tem 45! Explique‑se.” Disse o aluno: “Professora, não cabeu tudo na</p><p>minha folha!”</p><p>A relevância desse esforço que deve fazer o professor para compreender o que o aluno sabe,</p><p>mas do</p><p>ponto de vista do aluno, é de tal ordem que Weisz (2003), afirma enfaticamente:</p><p>Esse é um conhecimento importante que o professor deve reconhecer</p><p>no processo de aprendizagem da escrita. Caso não possa fazê‑lo, suas</p><p>chances de ajudar o aluno a avançar são pequenas. Nesse caso, se a</p><p>criança aprender a ler, provavelmente terá sido por sua própria conta e</p><p>risco (WEISZ, 2003, p. 39).</p><p>Outro desafio que se impõe ao professor refere‑se as suas limitações diante de uma classe com muitos</p><p>alunos, realidade na maioria dos estados brasileiros. Como fazer esse acompanhamento individual? De que</p><p>maneira é possível aproximar‑se do que sabem os alunos? Como lidar com a diversidade de saberes que as</p><p>crianças possuem e, ao mesmo tempo, atuar na individualidade? Mais uma vez, retomamos aqui a questão</p><p>38</p><p>Unidade II</p><p>da diversidade na sala de aula. A perspectiva de que os alunos possuem diferentes saberes exige do professor</p><p>diferentes formas de acompanhá‑los e tratá‑los em sua prática pedagógica. Isso implica uma organização</p><p>didática que, em alguns momentos, priorize a observação de alguns grupos de alunos e, em outros momentos,</p><p>dos demais grupos. Vamos esmiuçar um pouco essa discussão para compreendê‑la melhor.</p><p>Suponhamos que você, professor, organizou os seus alunos em grupos de três componentes, solicitando</p><p>que fizessem a revisão de um bilhete que foi escrito anteriormente (numa outra aula ou num outro</p><p>momento), por outro grupo da mesma classe. No espaço de uma ou duas aulas (no caso de serem seguidas),</p><p>você poderá ter mais de dez grupos a serem observados, intervindo nas suas discussões e tomando nota</p><p>dos aspectos que devem ser retomados na coletividade, por serem exemplos do que pensam muitos alunos.</p><p>Logo, não é difícil compreender que o desenvolvimento de uma tarefa tão complexa como essa não possa</p><p>ser realizado em tão pouco espaço de tempo. Soma‑se a isso o fato de que, na medida em que os outros</p><p>grupos vão concluindo a sua atividade, ficam impacientes e, se não receberem atenção por parte do</p><p>professor, ficam inquietos e comprometem o andamento da atividade. Como agir, então, nesses casos?</p><p>Há que se ter clareza de que esse acompanhamento realizado pelo professor, ao qual nos referimos</p><p>várias vezes nesta disciplina, ocorrerá ao longo de um determinado tempo. Numa única atividade,</p><p>dificilmente o professor conseguirá observar e acompanhar a produção de todos os alunos. Desse</p><p>modo, precisa utilizar‑se de seu instrumento de registro (o professor deve ter o hábito de assinalar as</p><p>observações que realiza sobre seus alunos para retomá‑las quando for necessário) para decidir quantos</p><p>e quais grupos acompanhará na atividade que está sendo proposta. Assim, é possível que, no exemplo</p><p>dado anteriormente (revisão de um bilhete), você consiga observar, de modo mais próximo, cinco grupos.</p><p>É imprescindível que os seus registros contemplem quais grupos e seus respectivos componentes foram</p><p>observados, bem como o que foi possível notar de dificuldades ou possibilidades em comum entre eles,</p><p>para que elas sejam retomadas ou validadas oportunamente, pois uma dificuldade que se repete em</p><p>alguns grupos indica a necessidade de se trabalhar aquele aspecto com a classe toda.</p><p>Lembrete</p><p>O professor precisa desenvolver a habilidade de registrar as observações</p><p>que realiza enquanto acompanha seus alunos no desenvolvimento</p><p>das atividades. Esse instrumento o ajudará a potencializar a sua prática</p><p>pedagógica.</p><p>Desse modo, observar mais intensamente o trabalho realizado por alguns grupos é mais interessante</p><p>do que dedicar‑se à observação aligeirada e superficial de todos os grupos. Por outro lado, isso</p><p>exigirá que o professor desenvolva a habilidade de registrar as atividades e as considerações sobre o</p><p>acompanhamento realizado, pois, em outra atividade similar, outros grupos devem ser observados mais</p><p>intensamente e não os mesmos já acompanhados anteriormente, o que garantirá que todos sejam</p><p>atendidos, ainda que não no mesmo momento ou na mesma atividade.</p><p>É importante ressaltar que os pais devem ser comunicados de tais procedimentos que, por</p><p>sua vez, precisam ser esclarecidos, de modo que fiquem claras para as famílias as vantagens em</p><p>39</p><p>METODOLOGIA E PRÁTICA DO ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>adotá‑los na prática pedagógica do professor. Caso contrário, poderão surgir questionamentos que</p><p>venham abalar a credibilidade do trabalho desenvolvido pelo professor, o que é prejudicial para o</p><p>desenvolvimento escolar do aluno. Quando o professor tem clareza da proposta que acredita e realiza,</p><p>consegue estabelecer parceria com as famílias dos alunos, apresentando‑lhes não somente o seu</p><p>modo de atuar, mas também os resultados que estão sendo obtidos com o desenvolvimento do seu</p><p>trabalho (nas reuniões de pais, por exemplo), o que confere mais segurança e conforto aos pais que</p><p>acompanham a vida dos seus filhos.</p><p>Assim, entendemos que o professor é um agente atuante no desenvolvimento das atividades dos</p><p>seus alunos. Quando falamos nisso nos referimos não somente à observação e registro dos aspectos</p><p>relevantes que surgem, mas também às intervenções que realiza por ocasião de sua proximidade com</p><p>o grupo, questionando, propondo desafios, fornecendo pistas, validando os saberes etc. Desse modo,</p><p>não há sentido em propor uma tarefa em que não haverá qualquer acompanhamento por parte do</p><p>professor; aquelas que são dadas e recolhidas para correção posterior não revelam o que pensaram os</p><p>alunos na sua elaboração e, portanto, não explicitam a essência do que acreditamos ser indispensável</p><p>para o professor: conhecer o processo, a construção, a elaboração. Pode ser que o resultado final de</p><p>uma determinada atividade esteja equivocado, o que não necessariamente significa que o aluno não</p><p>soube realizá‑lo. Por outro lado, às vezes, um resultado final pode ser considerado adequado, mas ser</p><p>fruto de ação mecanizada que, fora daquele contexto escolarizado, não dará ao aluno condições para</p><p>resolver situações práticas.</p><p>Lembrete</p><p>Entendemos por validar os saberes dos alunos a confirmação, a</p><p>legitimação do professor sobre o que os alunos sabem sobre um assunto,</p><p>dando‑lhes segurança para prosseguir na execução da atividade.</p><p>6.4 A discussão coletiva e legitimação das aprendizagens</p><p>Partimos do pressuposto de que o processo de aprendizagem se dá na interação do indivíduo</p><p>com o objeto do conhecimento, oportunidade em que se reflete, analisa, levanta hipóteses, busca</p><p>informações e troca experiências. Precisamos salientar a ideia de que, na troca de experiências,</p><p>tanto entre professor e aluno como entre aluno e aluno (além de outras possibilidades que houver),</p><p>o aprendizado é potencializado. Não são raros os casos em que o professor retoma a explicação de</p><p>um determinado assunto que esteja discutindo em classe, com o objetivo de esclarecer o que não</p><p>foi compreendido por uma parcela de alunos. Ele explica, explica de novo e mais uma vez... Alguns</p><p>dizem que, então, compreenderam, outros, talvez, finjam ter compreendido, mas há aqueles que,</p><p>decididamente não conseguiram compreender e não escondem isso. E é dispensável dizer que eles</p><p>estão corretos em não esconderem esse fato, não é mesmo? O professor, em situações como essa,</p><p>muitas vezes, já não sabe mais o que fazer quando, de súbito, um colega diz apenas uma frase, em</p><p>geral muito simples, e aquele aluno, que parecia estar diante de uma dificuldade gigante, diz: “Ah,</p><p>é isso? Agora entendi!”</p><p>40</p><p>Unidade II</p><p>Fatos como esse não devem nos frustrar profissionalmente, uma vez que sabemos que não somos</p><p>mais detentores do saber, mas atuamos como mediadores, como facilitadores na construção do</p><p>conhecimento e, enquanto os alunos aprendem com as estratégias que planejamos para mobilizar</p><p>os seus saberes, também aprendemos nesse processo. E muita coisa! Por exemplo: aprendemos a</p><p>planejar atividades, tendo em vista o que os alunos sabem e o que precisam saber para avançar em</p><p>suas aprendizagens (o que parece relativamente simples, mas a sua real complexidade</p><p>só é percebida</p><p>na prática); aprendemos a observá‑los na resolução de situações‑problema, para intervirmos</p><p>adequadamente; aprendemos a conduzir uma discussão sobre os assuntos tratados, de modo que os</p><p>alunos participem criticamente; enfim, toda essa dinâmica, que envolve a aprendizagem no cotidiano</p><p>escolar, é também desafiadora para nós professores. Os desafios mobilizam nossos saberes em busca</p><p>de uma solução possível e, desse modo, aprendemos, lembra? Tal como fazemos para que os nossos</p><p>alunos aprendam.</p><p>Nesse contexto, há que se considerar a necessidade que temos de outro aprendizado: organizar</p><p>os alunos para que a realização da atividade aconteça do modo mais produtivo possível. Mas, o que</p><p>isso quer dizer? Vamos refletir sobre o assunto. Para tanto, resgataremos alguns pontos já discutidos</p><p>anteriormente, para que possamos articulá‑los na compreensão da temática ora proposta.</p><p>No item em que abordamos a importância dos conhecimentos prévios no processo de aprendizagem,</p><p>foi dito que os alunos não chegam à escola com um conhecimento homogeneizado, isto é, sabendo as</p><p>mesmas coisas. Pelo contrário, suas experiências, suas crenças, seus hábitos, sua possibilidade de acesso</p><p>à cultura (teatro, cinema, show, parque, livros, tecnologia de comunicação etc.) constituirão a formação</p><p>individual que os acompanha na forma como pensam, como se expressam, como interagem, como</p><p>aprendem. Não podemos perder de vista esse princípio. Isto posto, fica claro que não acreditamos na ideia</p><p>de um ensino linear, que tenha como pressuposto um ensino igual, para que todos cheguem ao “mesmo</p><p>nível” de conhecimento. Ora, se todos aprendessem as mesmas coisas e pudessem chegar ao mesmo</p><p>grau de saber, teríamos que afirmar que esse conhecimento pode ser homogeneizado, igualado. Como</p><p>acreditamos que isso não é possível, nossas estratégias de ensino devem considerar essa diversidade de</p><p>saberes e de interações, as quais serão estabelecidas durante as aulas.</p><p>Para a maioria de nós que recebeu uma educação em que era considerada correta somente uma</p><p>possibilidade de resposta para uma questão, pode parecer que essa heterogeneidade retira da escola</p><p>a chance de organizar‑se para o ensino, pois, no processo de aprendizagem, como será possível partir</p><p>daquilo que sabe cada um dos alunos? De fato, como já assinalamos antes, esse é um grande desafio</p><p>para nós educadores. Entretanto, garantir que as nossas aulas contemplem alguns procedimentos</p><p>didáticos, como as trocas de experiências em grupos e a exposição dos caminhos percorridos para a</p><p>resolução de uma atividade, tem se revelado algo bastante eficaz no trabalho com a diversidade de</p><p>saberes presente numa sala de aula. Dada a sua contribuição para o trabalho do professor, discutiremos</p><p>esses dois procedimentos mencionados. Antes, porém, destacamos as orientações contidas nos PCN de</p><p>língua portuguesa:</p><p>Uma prática constante de leitura na escola deve admitir várias</p><p>leituras, pois outra concepção que deve ser superada é a do mito da</p><p>interpretação única, fruto do pressuposto de que o significado está</p><p>41</p><p>METODOLOGIA E PRÁTICA DO ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>dado no texto. O significado, no entanto, constrói‑se pelo esforço</p><p>de interpretação do leitor, a partir não só do que está escrito, mas</p><p>do conhecimento que traz para o texto. É necessário que o professor</p><p>tente compreender o que há por trás dos diferentes sentidos atribuídos</p><p>pelos alunos aos textos: às vezes é porque o autor “jogou com as</p><p>palavras” para provocar interpretações múltiplas; às vezes é porque</p><p>o texto é difícil ou confuso; às vezes é porque o leitor tem pouco</p><p>conhecimento sobre o assunto tratado e, a despeito do seu esforço,</p><p>compreende mal. Há textos nos quais as diferentes interpretações</p><p>fazem sentido e são mesmo necessárias: é o caso de bons textos</p><p>literários. Há outros que não: textos instrucionais, enunciados de</p><p>atividades e problemas matemáticos, por exemplo, só cumprem suas</p><p>finalidades se houver compreensão do que deve ser feito (BRASIL,</p><p>1997, p.38).</p><p>Quanto ao trabalho em grupo, dizemos que este precisa ser a base do trabalho em sala de aula.</p><p>Hoje, a maioria dos profissionais que atuam nas mais diferentes áreas existentes no mercado de</p><p>trabalho exerce sua função em equipe, seja na elaboração de uma proposta de trabalho, de um</p><p>projeto, de um planejamento, seja na sua execução e até na tomada de decisões. Quando nos</p><p>sentimos pertencentes a um grupo, o medo de errar fica diluído, já que as decisões tomadas,</p><p>quando equivocadas, não colocarão uma única pessoa em situação desconfortável, mas todo um</p><p>grupo, o que diminui o sentimento de frustração causado pelo erro. Há que se considerar, também,</p><p>o fato de que as discussões que ocorrem durante todo esse processo (o confronto de ideias, as</p><p>escolhas, a argumentação para defender um ponto de vista, o posicionamento diante de uma</p><p>sugestão, a crítica, a avaliação, a necessidade de refazer um trabalho etc.), ou seja, as trocas de</p><p>experiências, solidificam aquilo que cada um já sabe sobre o assunto e, mais do que isso, ampliam</p><p>a visão que se tinha sobre o assunto.</p><p>Ainda que possamos considerar que as especificidades de um grupo de alunos dos anos iniciais</p><p>do Ensino Fundamental (que realiza uma dada tarefa escolar), são diferentes daquelas que movem</p><p>a atuação de um grupo de profissionais, o princípio de funcionamento é o mesmo: a discussão</p><p>que gera a troca de experiência é o combustível para que a aprendizagem ocorra. Sendo assim,</p><p>enfatizamos aqui que o aluno não aprende só com o professor; esse entendimento já não nos</p><p>serve mais, porque não acreditamos que ele seja o detentor do conhecimento que o aluno precisa</p><p>aprender. Como acreditamos que o aluno aprende nas interações que se estabelecem (seja com o</p><p>objeto do conhecimento, seja com seus pares), não se pode pensar em aprendizagem significativa</p><p>se não propiciarmos aos alunos situações em que possam, cotidianamente, realizar trabalhos em</p><p>grupos. O trabalho em grupo, apesar de barulhento (no início pode ser mais tumultuado, mas,</p><p>com a rotina, a classe aprende a controlar a ansiedade e a impulsividade), contribui sobremaneira</p><p>para que se efetive a aprendizagem, especialmente quando o assunto em pauta é a leitura e a</p><p>escrita.</p><p>42</p><p>Unidade II</p><p>Figura 4</p><p>No entanto, há critérios para que esses grupos de discussão sejam formados. Há momentos em</p><p>que é possível deixar que se agrupem espontaneamente, por afinidade. Esse, porém, não pode ser</p><p>o único (talvez nem o mais utilizado) critério no agrupamento dos alunos. As regras para que a</p><p>discussão seja a mais produtiva possível não são válidas para todas as situações, todas as classes,</p><p>todos os professores. Como tudo o que temos visto até aqui, a prática pedagógica do professor</p><p>é construída, em grande medida, a partir das observações que realiza dos seus alunos durante a</p><p>realização das atividades. São essas observações que lhe fornecerão elementos para, entre outros</p><p>fatores, organizar os agrupamentos.</p><p>Consideremos a seguinte situação: numa classe temos um aluno que não tem a sua escrita muito bem</p><p>desenvolvida e, por esse motivo, apresenta dificuldades de diferentes naturezas (ortográficas e gramaticais,</p><p>por exemplo), mas sua argumentação oral costuma ser muito boa; há também, outro aluno cuja escrita é</p><p>considerada adequada para o ano que está cursando, mas a forma com que se expressa oralmente não o</p><p>favorece. Tendo o professor observado essas características em seus alunos, pode pensar em promover uma</p><p>atividade em dupla em que esses dois alunos estejam juntos. Imagine o quanto um não pode aprender</p><p>com o outro! Entretanto, é preciso considerar que, em outra situação, o agrupamento pode ser diferente,</p><p>os pares podem (e devem) ser trocados sistematicamente, de modo a possibilitarem que os objetivos da</p><p>atividade proposta sejam atingidos. A quantidade de alunos que compõe um agrupamento também varia:</p><p>duplas, trios, quartetos, quintetos etc. Enfim, qualquer que seja a forma com que o professor os agrupe, o</p><p>que importa é</p><p>que diferentes saberes estejam sendo colocados em discussão, para a realização da atividade</p><p>proposta pelo professor. Não se descarta, contudo, que as tarefas para realização individual também sejam</p><p>43</p><p>METODOLOGIA E PRÁTICA DO ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>importantes em alguns momentos. Não podemos, aqui, definir em que proporção devem acontecer as</p><p>atividades individuais ou em grupo. Sobre essa discussão, Zabala (1998) nos fornece algumas considerações</p><p>importantes, que nos ajudam a ampliar a compreensão que temos desse processo:</p><p>[...] na boa lógica construtivista, parece mais adequado pensar numa</p><p>organização que favoreça as interações em diferentes níveis: em relação</p><p>ao grupo‑classe, quando de uma exposição; em relação aos grupos de</p><p>alunos, quando a tarefa o requeira ou permita; interações individuais, que</p><p>permitam ajudar os alunos de forma mais específica; etc. Assim se favorece a</p><p>possibilidade de observar, que é um dos pontos em que se apoia a intervenção.</p><p>O outro ponto de apoio é constituído pela plasticidade, a possibilidade de</p><p>intervir de forma diferenciada e contingente nas necessidades dos alunos</p><p>(ZABALA, 1998, p. 91).</p><p>O que queremos enfatizar é que não podemos mais permanecer naquele único modelo de</p><p>organização, em que impera a realização individual de atividades, com os alunos enfileirados</p><p>olhando para a nuca do colega que senta à frente. Quando o modelo existente é pautado nessa</p><p>dinâmica, normalmente há indisciplina na classe e o professor tem muita dificuldade para ministrar</p><p>suas aulas. Esse desinteresse demonstrado pelos alunos, gerador da indisciplina na sala de aula,</p><p>da qual tantos nos queixamos, (guardadas as particularidades de cada escola/comunidade/região),</p><p>pode ser um indicador de que algo não vai bem com a forma pela qual estamos querendo que o</p><p>nosso aluno aprenda. Talvez seja a hora de rever concepções e princípios e tentar algo diferente,</p><p>assumindo os riscos do erro, sem o qual o processo de mudança e de consequente melhoria no</p><p>ensino não se efetiva.</p><p>Saiba mais</p><p>Você pode assistir a vídeos que o ajudarão a compreender a realização</p><p>de atividades coletivas ou em grupo no endereço <http://www.educavideosp.</p><p>com.br>.</p><p>Acessando a guia do Programa Ler e Escrever (no alto da página) você</p><p>vai encontrar atividades de leitura e escrita, que foram realizadas e filmadas</p><p>pelos profissionais da Secretaria de Estado da Educação de São Paulo, e</p><p>armazenadas nesse domínio para que nos sejam referenciais para reflexão,</p><p>estudo e discussão. Uma das sugestões é o vídeo Revisar para aprender a</p><p>produzir, em que a formadora Marly Barbosa conduz a atividade, propiciando</p><p>a participação de todos os alunos da classe.</p><p>Ler os comentários que são postados abaixo de cada vídeo apresentado</p><p>também é uma forma interessante de conhecer um pouco mais sobre o que</p><p>está sendo exibido.</p><p>44</p><p>Unidade II</p><p>Figura 5</p><p>Outro procedimento igualmente valioso, quando o assunto é a aprendizagem dos alunos, é a</p><p>apresentação dos resultados ou conclusões encontradas para uma determinada atividade. Isto quer</p><p>dizer que, ao propor uma tarefa para ser realizada em pequenos grupos, deve‑se prever e reservar</p><p>um momento para a socialização das escolhas realizadas por cada equipe, para que se chegue ao</p><p>resultado obtido. Assim, numa atividade, em que se propõe a produção, em grupos, de um convite</p><p>para uma feira cultural que haverá na escola, há que se possibilitar aos grupos oportunidades de</p><p>eles mostrarem a sua produção aos colegas da classe, explicitando o porquê de escolherem colocar</p><p>essa ou aquela informação em primeiro lugar, de utilizarem determinadas palavras, os recursos que</p><p>foram pensados para chamar a atenção do leitor, as discussões geradas pelo grupo no momento da</p><p>produção e como foram sanadas etc.</p><p>A riqueza desse momento de exposição é surpreendente. Os alunos que estão expondo seu trabalho</p><p>desenvolvem a sua habilidade de expressão oral, uma vez que precisam explicar algo para quem não</p><p>participou da discussão, escolhendo as informações mais importantes do processo para que sejam</p><p>relatadas com clareza e, por conseguinte, compreendidas por seus interlocutores. Além disso, há que</p><p>se considerar o fato de que, quando questionados a respeito de algo que não foi compreendido por</p><p>quem os ouve, ou mesmo quando um dos colegas faz alguma observação ou crítica em relação à</p><p>produção apresentada, aquele que expõe o trabalho necessitará buscar elementos no processo de</p><p>produção do texto para argumentar, explicar ou justificar as escolhas feitas: o que também se torna</p><p>uma aprendizagem valiosa.</p><p>A atuação do professor junto aos alunos, nesse momento, é de grande importância. A sua forma</p><p>de conduzir a atividade é que garantirá o seu sucesso. É importante que o encaminhamento da</p><p>atividade esteja claro para todos os alunos, ou seja, eles precisam saber antecipadamente o que</p><p>é esperado deles e o que necessitam levar em consideração, tanto no momento da realização da</p><p>atividade, como na discussão sobre ela. Sabemos que não é fácil receber uma crítica a respeito do</p><p>nosso trabalho, há muitos adultos com essa dificuldade. Entretanto, a crítica é necessária, pois é por</p><p>45</p><p>METODOLOGIA E PRÁTICA DO ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>meio dela que podemos aperfeiçoar o nosso trabalho e, para tanto, precisamos aprender a recebê‑la</p><p>como contribuição e não como um ataque. Pode ser até que algumas delas não sejam consideradas</p><p>adequadas por nós (autores de uma produção), o que não nos dispensa de respeitar aquele que as</p><p>proferiram e comentá‑las educadamente. Outra aprendizagem igualmente importante é a maneira</p><p>como se faz uma crítica ao trabalho de um colega. Independente de qual seja a nossa opinião sobre</p><p>a produção de alguém, é preciso compreender que aquela obra (seja um texto, um desenho, uma</p><p>montagem, uma criação de qualquer natureza) diz muito sobre seu autor e portanto, precisa ser</p><p>analisada e comentada com cuidado. E isso deve ser aprendido também na escola, fazendo parte da</p><p>rotina dos alunos desde a Educação Infantil. Como se vê, será a atuação do professor na mediação de</p><p>tais discussões que garantirá a qualidade e a contribuição das críticas na formação dos alunos. Caso</p><p>contrário, se o professor não encaminhar e atuar muito próximo a eles, no momento das discussões,</p><p>podem surgir desentendimentos que comprometerão o desenvolvimento da atividade e a contribuição</p><p>proposta pelo debate em pauta.</p><p>Também, é preciso retomar que, no momento da realização de uma atividade, o professor não</p><p>é um mero espectador da construção das aprendizagens dos alunos, mas interage com eles nesse</p><p>processo. Reservar boas perguntas que possam desencadear análise e reflexão sobre o que está sendo</p><p>discutido é sempre uma boa estratégia a ser adotada. A continuidade de atividades em que imperam</p><p>as discussões coletivas, refinará a atuação do professor, de modo que este passe a compreender</p><p>a dinâmica de sua turma e, cada vez mais, saiba o momento certo para intervir nas situações de</p><p>aprendizagem. Isto significa que a sensibilidade proveniente da sua interação com os alunos lhe</p><p>fornecerá pistas para detectar quando colocar em xeque aquilo que os alunos já sabem, possibilitando</p><p>que a argumentação desenvolvida solidifique o seu conhecimento, questione posições equivocadas</p><p>acerca de um determinado assunto, compare a utilização de diferentes estratégias utilizadas pelos</p><p>alunos ao explorar a viabilidade de cada uma delas, valide os saberes apresentados nos momentos de</p><p>discussão; enfim, que saiba que o alcance dos objetivos da atividade proposta depende também da</p><p>sua atuação.</p><p>É importante compreender que, nessa perspectiva, a avaliação das aprendizagens ocorrerá de</p><p>modo contínuo, a partir de frequentes observações do professor, ficando minimizados os efeitos</p><p>deformadores da realidade, causados pela utilização de um único instrumento de avaliação,</p><p>normalmente a prova. Nossa proposta é a de que a prova seja apenas um (e não o mais importante)</p><p>entre os demais instrumentos que avaliam as aprendizagens</p><p>do aluno. Seu propósito é o de possibilitar</p><p>a análise que deve fazer o professor em relação aos conteúdos a serem trabalhados, aos assuntos</p><p>a serem retomados, aos alunos que precisam de mais atenção. Enfim, por meio da avaliação, o</p><p>professor poderá organizar o seu trabalho pedagógico, de modo a preencher lacunas relativas aos</p><p>conteúdos cuja proposta não foi bem compreendida pelos alunos e potencializar as aprendizagens</p><p>de um modo geral.</p><p>Resumo</p><p>O professor exerce um papel de relevância no processo de aprendizagem</p><p>dos seus alunos. Ele não deve atuar como mero espectador da produção</p><p>46</p><p>Unidade II</p><p>das crianças, mas planejar intervenções que provoquem reflexões sobre o</p><p>que está sendo estudado.</p><p>É preciso considerar que os alunos têm vivências diferentes e, por esse</p><p>motivo, chegam à escola com uma diversidade de conhecimentos que deve</p><p>ser considerada pelo professor que, com habilidade, vai validando o que for</p><p>possível e reorganizando informações equivocadas.</p><p>É significativa a aprendizagem por meio das chamadas</p><p>situações‑problema, visto que essas nos desafiam na busca de soluções</p><p>possíveis para o seu encaminhamento. Por esse motivo, o professor deve</p><p>oferecer aos alunos atividades desafiadoras, que os envolvam na busca de</p><p>soluções e que, concomitantemente, lhes forneçam elementos para que</p><p>possam resolver problemas oriundos da sua prática cotidiana.</p><p>O professor precisa estar preparado para conduzir as discussões que</p><p>deve promover com a classe, de maneira que o respeito e a compreensão</p><p>entre os alunos imperem e os objetivos da atividade proposta sejam</p><p>alcançados.</p><p>Durante as aulas, os alunos podem (e devem) ser organizados de</p><p>diferentes maneiras: em duplas, trios, quartetos, quintetos e, em alguns</p><p>casos, individualmente.</p><p>A avaliação das aprendizagens ocorrerá principalmente ao longo de</p><p>todo o processo; não será medida por um único instrumento para classificar</p><p>o aluno numa escala qualquer.</p><p>Exercícios</p><p>Vamos ver se você consegue retomar alguns pontos de discussão tratados ao longo desta</p><p>unidade. Depois, juntos, analisaremos cada uma das possibilidades apresentadas, tal como fizemos</p><p>na unidade I, lembra?</p><p>Bom estudo!</p><p>Questão 1 (Enade 2005, adaptada). A professora Maria Amélia, que atua no Ensino</p><p>Fundamental, trabalha a literatura infantil como uma das possibilidades de alargamento dos</p><p>horizontes cognitivos do leitor iniciante. Com essa abordagem, deseja ir além com o seu grupo da</p><p>“alfabetização”, entendida como o processo de codificação/decodificação de sons e letras visando</p><p>ao letramento.</p><p>Maria Amélia organizou uma atividade de leitura do seguinte texto:</p><p>47</p><p>METODOLOGIA E PRÁTICA DO ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>A Festa</p><p>Renata está noiva do amigo Rodrigo. No dia da festa de noivado, Rodrigo dá um baile para os</p><p>seus convidados. O baile está muito animado. Mas vejam só que confusão! No meio da festa, Rodrigo</p><p>tropeça, cai de cara no bolo e se estatela no chão!</p><p>Renata muda de opinião:</p><p>‑ Rodrigo é um bobalhão! Este noivo não quero mais não!</p><p>A seguir, solicitou às suas crianças da 1ª série a criação de outra história. José Gil escreveu, então, o</p><p>texto O Noivado.</p><p>O Noivado</p><p>Eu gosto dessa história porque o bobo do Rodrigo caiu de cara no chão.</p><p>Como ele é um bobão.</p><p>A Renata disse para ele:</p><p>– Eu vou embora dessa festa e nunca mais quero ver o bobalhão do Rodrigão.</p><p>Todo mundo confiou na Renata.</p><p>José Gil, 1ª Série do Ensino Fundamental.</p><p>A atividade proposta pela professora possibilitou à criança:</p><p>I – Explorar a rima para aumento de vocabulário.</p><p>II – Desenvolver os elementos sensório‑motores.</p><p>III – Emitir opinião sobre a situação narrada;</p><p>IV – Analisar questões de comportamento.</p><p>São corretas as afirmativas:</p><p>A) I e II, apenas.</p><p>B) I e III, apenas.</p><p>C) I, III e IV, apenas.</p><p>D) II, III e IV, apenas.</p><p>E) I, II, III e IV.</p><p>Resposta correta: alternativa C.</p><p>48</p><p>Unidade II</p><p>Análise das afirmativas</p><p>I – Afirmativa correta.</p><p>Justificativa: podemos dizer que, ao explorar as rimas, há uma ampliação do vocabulário. Por esse</p><p>motivo, parlendas, canções e poemas são utilizadas desde a Educação Infantil até o Ensino Fundamental.</p><p>II – Afirmativa incorreta.</p><p>Justificativa: essa afirmativa cita o desenvolvimento sensório‑motor, que é uma fase de</p><p>desenvolvimento das crianças em estágio da Educação Infantil.</p><p>III – Afirmativa correta.</p><p>Justificativa: o aluno, ao elaborar um texto, pode emitir opinião sobre o fato narrado na estória</p><p>contada pela professora, conforme pode se ver da maneira com que ele inicia o seu texto: “Eu gosto</p><p>dessa estória porque [...]”.</p><p>IV – Afirmativa correta.</p><p>Justificativa: o aluno analisou o comportamento de Rodrigo, o protagonista da estória.</p><p>Questão 2 (Enem 2012, adaptada).</p><p>O trovador</p><p>Sentimentos em mim do asperamente</p><p>Dos homens das primeiras eras...</p><p>As primeiras do sarcasmo</p><p>intermitentemente no meu coração arlequinal ...</p><p>intermitentemente...</p><p>Outras vezes é um doente, um frio</p><p>na minha alma doente como um longo som redondo...</p><p>Cantabona! Cantabona!</p><p>Dlorom...</p><p>Sou um tupi tangendo um alaúde!</p><p>ANDRADE, M. In: MANFIO, D. Z. (Org.) Poesias completas de Mário de Andrade. Belo Horizonte: Itatiaia, 2005.</p><p>Cara ao Modernismo, a questão da identidade nacional é recorrente na prosa e na poesia de Mário</p><p>de Andrade. Em O trovador, esse aspecto é:</p><p>A) Abordado subliminarmente, por meio de expressões como “coração arlequinal” que, evocando o</p><p>carnaval, remete à brasilidade.</p><p>49</p><p>METODOLOGIA E PRÁTICA DO ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>B) Verificado já no título, que remete aos repentistas nordestinos, estudados por Mário de Andrade</p><p>em suas viagens e pesquisas folclóricas.</p><p>C) Lamentado pelo eu lírico, tanto no uso de expressões como “Sentimentos em mim do asperamente”</p><p>(v. 1), “frio” (v. 6), “alma doente” (v.7), como pelo som triste do alaúde “Dlorom” (v.9).</p><p>D) Problematizado na oposição tupi (selvagem) x alaúde (civilizado), apontando a síntese nacional</p><p>que seria proposta no Manifesto Antropofágico, de Oswald de Andrade.</p><p>E) Exaltado pelo eu lírico, que evoca os “sentimentos dos homens das primeiras eras” para mostrar o</p><p>orgulho brasileiro por suas raízes indígenas.</p><p>Resolução desta questão na plataforma.</p><p>Metodologia e Prática do Ensino da Língua</p><p>Portuguesa</p><p>Unidade II – Questão 2</p><p>Resposta correta: alternativa D (Problematizado na oposição tupi</p><p>(selvagem) x alaúde (civilizado), apontando a síntese nacional que seria</p><p>proposta no Manifesto Antropofágico, de Oswald de Andrade).</p><p>Análise das alternativas</p><p>A) Alternativa incorreta.</p><p>Justificativa: a questão da identidade nacional não é abordada subliminarmente</p><p>no poema, mas de forma explícita em metáforas que evidenciam oposição e as</p><p>contradições da identidade nacional: “Sou um tupi tangendo um alaúde!”</p><p>B) Alternativa incorreta.</p><p>Justificativa: o repente não está sendo tratado no poema, apesar do título</p><p>poder ser uma alusão ao tema.</p><p>C) Alternativa incorreta.</p><p>Justificativa: o poema não menciona que o som do alaúde é triste.</p><p>D) Alternativa correta.</p><p>Justificativa: o movimento modernista liderado por Mário e Oswald de Andrade</p><p>trabalhava justamente com a problematização na oposição, e o verso “Sou um</p><p>tupi tangendo um alaúde!” evidencia essa oposição e as contradições da</p><p>identidade nacional do período.</p><p>E) Alternativa incorreta.</p><p>Justificativa: o movimento modernista não fazia exaltação das origens</p><p>brasileiras. O movimento literário que fez isso foi o romantismo com seus</p><p>autores indigenistas.</p><p>50</p><p>Unidade III</p><p>Unidade III</p><p>Nossa proposta nesta unidade é discutir aspectos que são essenciais no desenvolvimento das</p><p>competências leitora e escritora. Entendemos que é nosso papel, como professores, fazermos com que</p><p>o aluno saiba utilizar a leitura e a escrita adequadamente no seu cotidiano, que saiba lançar mão</p><p>desses conhecimentos na solução de situações práticas e também que, dessa forma, possa ter acesso</p><p>ao conhecimento que deseja ou busca. Para que isso seja possível, abordaremos possibilidades de</p><p>desenvolvimento de tais competências.</p><p>7 UTILIZAÇÃO DE TÉCNICAS E ESTRATÉGIAS NA PRÁTICA DE LEITURA</p><p>Vamos imaginar que fomos a uma livraria para escolher um livro para leitura nas férias, mas não</p><p>temos um título em mente. Diante de todo o acervo que nos é deixado à disposição, como realizar a</p><p>escolha do livro? O que deve ser observado? Como obter informações sobre a obra? O que pode ser um</p><p>indicador de uma obra interessante? O que nos leva a decidir sobre o título que deve ser comprado? Uma</p><p>coisa é certa: a escolha é pessoal e portanto, os critérios são variados. Cada um de nós, de acordo com as</p><p>experiências que tivemos, tem um jeito muito próprio de fazer tal seleção. É verdade que, num primeiro</p><p>momento, a capa de um livro nos chama a atenção; porém só esse impacto visual não é suficiente para</p><p>que façamos nossa opção. Buscar as informações que constam no livro, buscando conhecer um pouco</p><p>sobre o autor e a trama desenvolvida na história, é uma prática interessante que nos fornece elementos</p><p>para a necessária tomada de decisão. Uma folheada na obra, se for possível, para verificar aspectos</p><p>estéticos, organização da leitura, tamanho e tipo de letra, também podem contribuir para a seleção</p><p>do livro a ser adquirido. Todas essas medidas, juntas, nos auxiliam na decisão do que vamos ler; elas</p><p>diminuem a possibilidade de adquirirmos algo que não esteja de acordo com as nossas expectativas.</p><p>Diminui mas não extingue; é bom salientar que, ainda assim, corremos o risco de não gostar da leitura,</p><p>pois essa certeza só surge após a leitura da obra; além disso, esses são apenas alguns (e, talvez, os mais</p><p>utilizados) critérios para a escolha de livros. Não podemos perder de vista o fato de que cada indivíduo</p><p>estabelece parâmetros de seleção que lhe são próprios, pessoais. As indicações de leitura feitas por</p><p>amigos, professores ou pessoas com as quais tenhamos alguma afinidade também são valiosas nesse</p><p>momento.</p><p>Mas, por que estamos falando sobre esse assunto no início desta unidade? É preciso que</p><p>pensemos que são muitos os saberes mobilizados apenas na escolha de um livro para leitura de</p><p>férias, como é o caso do nosso exemplo. Na verdade, o que queremos, com isso, é tornar claro o fato</p><p>de que toda atividade que envolve a leitura e a escrita é complexa, pois se articula com aspectos</p><p>práticos (como a seleção do texto e a leitura propriamente dita), cognitivos (como o que sabemos</p><p>sobre o que será lido e sobre o autor) e com as nossas experiências pessoais (como as expectativas</p><p>em relação à leitura e as nossas preferências). Apesar de sua importância no cotidiano de qualquer</p><p>leitor, podemos dizer que, dificilmente, o aprendizado de tais procedimentos ocorre no ambiente</p><p>escolar. Na maioria das vezes, tudo isso é aprendido na prática, na troca de experiências com</p><p>51</p><p>METODOLOGIA E PRÁTICA DO ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>parceiros (amigos, familiares etc.), entretanto, a escola precisa fornecer condições para que o leitor</p><p>em formação tenha boas referências para constituir o seu próprio comportamento leitor de forma</p><p>competente. Eis o que justifica a importância de exercemos essa prática no ambiente escolar, de</p><p>possibilitar aos alunos que falem sobre o que leram, sobre o que gostaram ou não, justificando</p><p>sempre a sua opinião a respeito da leitura realizada. Vejamos o que é afirmado nos Parâmetros</p><p>Curriculares Nacionais (PCN):</p><p>Formar um leitor competente supõe formar alguém que compreenda o que</p><p>lê; que possa aprender a ler também o que não está escrito, identificando</p><p>elementos implícitos; que estabeleça relações entre o texto que lê e outros</p><p>textos já lidos; que saiba que vários sentidos podem ser atribuídos a um</p><p>texto; que consiga justificar e validar a sua leitura a partir da localização de</p><p>elementos discursivos (BRASIL, 1997, p.36).</p><p>No caso da leitura, há procedimentos e estratégias que são utilizados na prática, mas não os</p><p>ensinamos aos leitores iniciantes. E, talvez, não o façamos pelo simples desconhecimento da sua</p><p>importância, de sua relevância na formação do aluno. Além disso, há o fato de que tais estratégias,</p><p>na maioria das vezes, são utilizadas quase que intuitivamente. É como nos adverte Solé (1998, p.</p><p>71): “Pode ser um pouco difícil explicar isso, pois você, como todos os leitores experientes, utiliza as</p><p>estratégias de forma inconsciente.” Os recursos que utilizamos na leitura são elementos fundamentais</p><p>no processo de desenvolvimento da competência leitora, visto que podem ser compreendidos como</p><p>formas eficientes de se conseguir um intento que, no caso que vamos tratar agora, é a compreensão</p><p>do que está sendo lido.</p><p>Observação</p><p>Estratégias são procedimentos que contribuem para a fluência da</p><p>leitura, aumentando a compreensão que se tem a respeito do assunto,</p><p>tema ou conteúdo que está sendo lido.</p><p>Há que se esclarecer que é especialmente nos momentos em que encontramos alguma dificuldade</p><p>na leitura (seja ela uma simples palavra desconhecida ou a incompreensão de alguma parte do texto)</p><p>que lançamos mão de estratégias que possam nos auxiliar na compreensão do que estamos lendo. Isto</p><p>quer dizer que é justamente no momento em que nos deparamos com alguma dificuldade ou quando,</p><p>de alguma maneira, a fluência necessária à compreensão do conteúdo escrito é comprometida, que</p><p>lançamos mão de estratégias, como procedimentos que nos possibilitam resgatar o caminho necessário</p><p>ao entendimento do texto. Esse é o motivo pelo qual nossa atenção é direcionada, no processo de</p><p>formação dos alunos, ao ensino das estratégias de leitura. Vejamos o que Solé (1998) nos diz a esse</p><p>respeito:</p><p>Por que é necessário ensinar estratégias de compreensão? Em síntese,</p><p>porque queremos formar leitores autônomos, capazes de enfrentar</p><p>de forma inteligente textos de índole muito diversa, na maioria das</p><p>52</p><p>Unidade III</p><p>vezes, diferentes dos utilizados durante a instrução. Esses textos</p><p>podem ser difíceis, por serem muito criativos ou por estarem mal</p><p>escritos. De qualquer forma, como correspondem a uma grande</p><p>variedade de objetivos, cabe esperar que sua estrutura também seja</p><p>variada, assim como sua possibilidade de compreensão (SOLÉ, 1998,</p><p>p. 72).</p><p>Por concordarmos com o fato de que a utilização adequada de estratégias de leitura contribui para</p><p>a formação do leitor autônomo, nos deteremos um pouco mais na análise de algumas delas, muito</p><p>utilizadas por nós e que talvez, por isso mesmo, por já fazerem parte do nosso cotidiano, percebemos a</p><p>falta de investimento dessa prática nas situações propostas no ambiente escolar.</p><p>7.1 Previsão/antecipação</p><p>Figura 6</p><p>Quando estamos diante de um material a ser lido, seja ele um livro, um jornal, uma revista, uma</p><p>propaganda, ou qualquer outro portador de texto, podemos extrair informações importantes dele,</p><p>mesmo antes de realizar a sua leitura completa. Como assim? Vejamos.</p><p>O título de um texto, por exemplo, nos diz muito sobre ele. Quando estamos fazendo</p><p>uma pesquisa (seja ela escolar ou não) ou quando estamos à procura de algo cuja leitura nos</p><p>interessa, costumamos nos deter nos títulos como forma de seleção do material a ser lido. Em</p><p>muitos casos, pode ser que aquilo que nos sugeriu o título do texto não esteja de acordo com</p><p>as nossas expectativas a seu respeito. Entretanto, essa análise não deixa de ser um critério</p><p>muito interessante, que nos ajuda a entender qual será o tema tratado no texto. Quando</p><p>nos deparamos com um livro que tem como título A verdadeira história dos três porquinhos,</p><p>não encontramos nele elementos que nos levem a acreditar que a obra irá discutir sobre</p><p>futebol, por exemplo (ainda que, utilizando a criatividade, isso seja possível). Por outro lado,</p><p>conseguimos estabelecer alguma relação desse título com o clássico conto de fadas Os três</p><p>porquinhos. Assim, entendemos que o título de uma obra nos fornece informações a partir das</p><p>quais podemos antecipar dados sobre o assunto discutido no texto. É claro que há títulos que</p><p>são pouco esclarecedores, como é o caso de Matilda, pois, a partir de um nome próprio, não</p><p>conseguimos antecipar o assunto.</p><p>53</p><p>METODOLOGIA E PRÁTICA DO ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>Saiba mais</p><p>Você vai gostar de conhecer as duas obras citadas nesta unidade!</p><p>SCIESZKA, J. A verdadeira história dos três porquinhos. São Paulo:</p><p>Companhia das Letrinhas, 1993.</p><p>A verdadeira história dos três porquinhos, de Jon Scieszka, publicada</p><p>pela Companhia das Letrinhas, é contada na perspectiva do lobo que, é</p><p>claro, relata fatos da história dos três porquinhos, partindo do seu ponto de</p><p>vista. Essa leitura costuma agradar leitores de todas as idades.</p><p>DAHL, R. Matilda. São Paulo; Martins Fontes, 1999.</p><p>Matilda, por sua vez, é um clássico da literatura infantil, do renomado</p><p>autor Roald Dahl, publicado pela editora Martins Fontes. A obra conta</p><p>a história de uma menina que adorava ler e tinha certos “poderes”,</p><p>que a ajudaram a se livrar de alguns problemas na escola e na família,</p><p>mas também colaboraram para que outros muito engraçados fossem</p><p>criados.</p><p>Vale a pena conferir!</p><p>Sabemos, então, que a leitura e a análise dos títulos de uma obra é importante, mas não são as</p><p>únicas formas de obtermos informações que nos aproximem do tema antes que façamos a leitura. O</p><p>exemplo citado anteriormente, Matilda, é representativo para o que estamos falando. Nesse caso, a</p><p>análise das ilustrações contidas na capa, bem como a leitura da sinopse que pode vir na aba do livro</p><p>(também conhecida pelo nome de “orelha”) ou na contra capa, são fundamentais para que possamos</p><p>compreender do que trata a obra. Tais procedimentos, contudo, também não costumam ser ensinados na</p><p>escola. É mais um daqueles procedimentos que utilizamos intuitivamente, mas que, agora que sabemos</p><p>de sua importância, queremos ensiná‑los aos nossos alunos. Como fazê‑lo?</p><p>Observação</p><p>Vale a pena esclarecer que intuição é entendida, nesta disciplina, como</p><p>o conhecimento adquirido pela experiência, sem fundamento teórico. Não</p><p>está relacionado com a vertente mística ou sobrenatural da palavra.</p><p>Vejamos o exemplo que segue. Ele foi extraído do livro de Isabel Solé (1998), Estratégias de leitura,</p><p>e apresenta a transcrição de uma parte, um fragmento da sessão de leitura com a 3ª série do Ensino</p><p>Fundamental, na qual as crianças realizam a leitura do texto As sopas de alho!.</p><p>54</p><p>Unidade III</p><p>(Todas as crianças estão com o livro aberto na mesma página).</p><p>P. Vamos ver... Escutem um momento. Ainda não vamos começar a ler. Não</p><p>vamos começar a ler porque antes temos que pensar um pouco olhando só</p><p>para o título, certo? Vamos ver... Olhando o título... Este título das “sopas de</p><p>alho”... Sobre o que será essa história?</p><p>Várias crianças: Sobre uma sopa de alho! (Algumas fazem caretas de nojo).</p><p>P.: Sobre uma sopa de alho que não sabemos de quem é nem o que acontece,</p><p>nem nada... E se olharmos o desenho? Vamos olhar o desenho...</p><p>(Muitas crianças começam a falar simultaneamente. P. impõe silêncio e pede</p><p>que uma menina dê a sua opinião).</p><p>Marta: Bem... Deve falar... De um senhor e de uma senhora que moram em</p><p>um sítio e que...</p><p>P.: E que...? Que comem? Risoto de frango?</p><p>Marta: Nãaao! Comem sopa de alho.</p><p>P.: Pode ser... Não sabemos, certo? Vamos ver, David.</p><p>David: Um senhor mora na casa de uma senhora e a senhora lhe prepara</p><p>sopas de alho.</p><p>P.: Também pode ser...</p><p>Outra criança: Uns senhores que são velhos e que quase sempre comem</p><p>sopas de alho e que têm um sítio.</p><p>P.: Pode ser, não sabemos. Alguém tem uma idéia diferente? Pode falar.</p><p>Uma menina: Um casal que mora em uma casa no campo e que normalmente</p><p>comem alhos.</p><p>P.: Bem, isto é o que nos parece olhando para o título e para o desenho.</p><p>Pois agora todos podem começar a ler em silêncio para ver se é verdade que</p><p>eles tomam sopas de alho. Primeiro vamos ler a história inteira para nós</p><p>mesmos e depois em voz alta, para ver se é verdade que tudo o que dissemos</p><p>acontece nessa história.</p><p>(As crianças lêem o texto em silêncio) (SOLÉ, 1998, pp. 107‑108).</p><p>55</p><p>METODOLOGIA E PRÁTICA DO ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>Embora a situação apresentada anteriormente seja apenas a descrição de uma parte da atividade</p><p>de leitura, para nós, ela é muito significativa, pois permite que percebamos tanto a dinâmica da sessão</p><p>como a atuação da professora junto aos alunos. Vamos explorar um pouco mais esses dois aspectos.</p><p>A ideia tradicional de sessão de leitura nos remete a uma sala de aula absolutamente silenciosa,</p><p>com todos os alunos lendo individualmente, sem trocar nenhuma informação a respeito do que está</p><p>sendo lido (até porque isso quebraria o silêncio, então compreendido como essencial para a prática da</p><p>atividade). Contudo, o exemplo da sessão de leitura, que nos é apresentado por Solé, rompe com esse</p><p>padrão ao ser iniciado com uma discussão, entre professor e alunos, sobre as informações apresentadas</p><p>na capa do livro que estão prestes ler. Não podemos deixar de salientar que discussão é sempre uma</p><p>ação em que as ideias são apresentadas e, pelo fato de nem sempre concordarem entre si (o que é</p><p>bom, caso contrário não haveria discussão), as ideias divergentes geram a necessidade de explicações,</p><p>justificativas e argumentações, normalmente acompanhadas pelo “calor” (emoção) das ideias defendidas</p><p>por seu autor. É possível imaginar que tudo isso possa acontecer em silêncio? Não. Porém, também não</p><p>é possível que nos entendamos se todos estiverem falando muito alto e ao mesmo tempo. Por esse</p><p>motivo, diz a transcrição de Solé, o professor impõe silêncio (o que é muito apropriado para a situação)</p><p>quando percebe que a desordem está impossibilitando a comunicação.</p><p>A participação dos alunos e o fato de eles arriscarem opiniões e prejulgamentos sobre o que será lido</p><p>(sabendo que correm o risco de o que dizem não ser confirmado posteriormente), revelam o quanto se</p><p>sentem à vontade no papel ativo que lhes é exigido pelo professor. As hipóteses que são apresentadas,</p><p>sobre o que deve tratar o texto que será lido, são respeitadas por todos os alunos. O modo como o</p><p>professor conduz a atividade não abre espaço para que surjam motivos para menosprezar a opinião de</p><p>quem quer que seja. Todas as hipóteses são consideradas; por isso, as crianças falam sem insegurança ou</p><p>medo de expor o que pensam. Apesar disso, não podemos descartar a hipótese de que comportamentos</p><p>como esses possam aparecer, especialmente quando estamos iniciando esse tipo de atividade com os</p><p>alunos. Porém, será a forma como o professor lida, pontualmente, com essa situação que fará com que</p><p>sua ocorrência vá sendo suprimida, dando lugar ao respeito pelo que pensam os colegas. Os PCN de</p><p>língua portuguesa nos concedem orientações preciosas a esse respeito:</p><p>Para tornar os alunos bons leitores — para desenvolver, muito mais do que a</p><p>capacidade de ler, o gosto e o compromisso com a leitura —, a escola terá de</p><p>mobilizá‑los internamente, pois aprender a ler (e também ler para aprender)</p><p>requer esforço. Precisará fazê‑los achar que a leitura é algo interessante e</p><p>desafiador, algo que, conquistado plenamente, dará autonomia e independência.</p><p>Precisará torná‑los confiantes, condição para poderem se desafiar a “aprender</p><p>fazendo”. Uma prática de leitura que não desperte e cultive o desejo de ler não</p><p>é uma prática pedagógica eficiente (BRASIL, 1997, p.38).</p><p>Como se vê, formar leitores competentes não é tarefa fácil, mas absolutamente necessária. E será uma</p><p>postura docente, como aquela apresentada no exemplo de Solé, que contribuirá para que, entre outros</p><p>aspectos, a estratégia de previsão ou antecipação seja refinada juntamente com o desenvolvimento da</p><p>competência leitora do aluno. E esse é um procedimento que pode ser utilizado com qualquer tipo de</p><p>texto. No cotidiano das práticas de leitura, mais especificamente aquelas realizadas na escola, precisamos</p><p>56</p><p>Unidade III</p><p>nos dedicar à realização desse tipo de discussão com os alunos, o que os levará a olhar para além daquilo</p><p>que está escrito no texto.</p><p>7.2 Inferência</p><p>Iniciemos a análise dessa estratégia de leitura pela sua definição, isto é, pela tentativa de compreender</p><p>o espaço que ela ocupa no processo de leitura. Podemos</p><p>entender como inferência a ação por meio da</p><p>qual o leitor supõe a existência de uma informação não explícita no texto, a partir de outros elementos</p><p>que permitam tal conclusão. Um exemplo, talvez, possa nos ajudar a compreendê‑la um pouco melhor.</p><p>Vamos a ele.</p><p>O trecho a seguir foi extraído do livro As aventuras de Pinóquio, de Carlo Collodi (2002):</p><p>O boneco, voltando para a cidade, começou a contar os minutos</p><p>um por um; e, quando achou que estava na hora, logo voltou pelo</p><p>caminho que levava ao Campo dos Milagres. E, enquanto caminhava</p><p>apressado, o coração batia forte e fazia tic‑tac, tic‑tac, como um</p><p>relógio de sala de visitas quando anda de verdade (COLLODI, 2002,</p><p>p.71).</p><p>Lendo o trecho anteriormente apresentado, é possível afirmar que Pinóquio estava ansioso</p><p>para chegar a algum lugar, não é mesmo? Sim, sabemos que o texto não diz exatamente isso,</p><p>mas nos dá pistas para entender que sim. Que pistas são essas? Bem, já sabemos que o texto não</p><p>afirma que Pinóquio estava ansioso, mas podemos notar que ele descreve tal comportamento</p><p>quando diz que o boneco contou “os minutos um a um” e que “caminhava apressado, o coração</p><p>batia forte [...]”. Esses são os elementos a partir dos quais podemos então inferir a ansiedade de</p><p>Pinóquio.</p><p>A inferência é um procedimento importante que nos permite ler e compreender para além daquilo</p><p>que foi escrito. É ela que nos dá condições, por exemplo, de compreender a ironia ou a situação cômica</p><p>presentes em alguns textos, como a piada. Vejamos a anedota a seguir:</p><p>Joãozinho quebrou o braço e teve que usar uma tipoia. Preocupado, pergunta</p><p>ao médico:</p><p>— Doutor, o senhor acha que, depois que eu tirar o gesso, vou conseguir</p><p>tocar piano?</p><p>— Claro, meu filho.</p><p>— Que bom! Antes eu não conseguia de jeito nenhum.</p><p>Será preciso ler muito mais do que está escrito para compreender a piada. Por exemplo, a pergunta</p><p>que Joãozinho faz pode revelar ao mesmo tempo certa ingenuidade (desejo de tocar piano) e uma boa</p><p>57</p><p>METODOLOGIA E PRÁTICA DO ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>dose de malícia (se não tocava piano antes, como é que consiguirá tocar após a recuperação do braço?).</p><p>De acordo com o texto, nada disso é compreendido pelo médico que, ao ser indagado por Joãozinho,</p><p>entende que o menino tocava piano antes de surgir o problema no braço, o que o leva a afirmar que</p><p>certamente “continuará” a tocar o instrumento. Só podemos achar alguma graça numa piada (e o</p><p>fato de entendermos a ironia e a comicidade nela presentes não garante que, em nossa avaliação, ela</p><p>seja considerada divertida) se compreendemos os principais aspectos que geralmente não são ditos, ou</p><p>escritos.</p><p>Mais uma vez, aqui, cabe recuperar a questão das experiências individuais, ou seja, os</p><p>conhecimentos prévios, a bagagem que cada um traz consigo. Precisamos saber que interagimos</p><p>com cada leitura que realizamos. Isto quer dizer que o que estamos lendo articula‑se diretamente</p><p>com aquilo que sabemos sobre o assunto em questão, sobre o autor, com as nossas crenças,</p><p>expectativas, ideais, enfim, com todo o universo de valores e saberes que vamos construindo a</p><p>partir da cultura da qual somos parte e que nos constitui como pessoas, nas interações de cada dia.</p><p>Tal constituição é única e individual, motivo pelo qual não podemos esperar que a compreensão</p><p>de um texto seja exatamente a mesma para todos aqueles que o lêem. Nesse sentido, mais uma</p><p>vez, enfatizamos a importância da mediação exercida pelo professor, especialmente daquele que</p><p>atua nos anos iniciais do Ensino Fundamental, no processo de formação dos alunos. O debate é</p><p>imprescindível, a discussão é valiosa, a troca de experiências é possibilidade ampliada de aprender.</p><p>E isso tudo precisa ser garantido pelo professor.</p><p>Não podemos mais aceitar um ensino que não tenha clareza de seus objetivos e, por conseguinte,</p><p>um professor que não sabe o que precisa assegurar para que os seus alunos aprendam. Faz‑se necessário</p><p>que haja, em todos os níveis de ensino, um planejamento reflexivo que considere a capacidade de</p><p>aprender do aluno, uma prática pedagógica que privilegie a sua participação, uma avaliação que se</p><p>esforce por compreender como pensam os alunos acerca do que foi tratado durante as aulas. Essa</p><p>avaliação também precisa permitir a retomada do que não ficou muito claro, ao mesmo tempo em</p><p>que possa promover o avanço das aprendizagens. Tudo isso, sempre tendo em vista o cuidado em não</p><p>estabelecer uma divisão entre os saberes construídos na escola e sua possível utilização nas práticas</p><p>sociais. Se essa divisão ocorre, ficamos à mercê dos conteúdos didaticamente “fabricados” para uma</p><p>abordagem escolar, o que obscurece a aprendizagem do aluno, visto que não consegue compreender o</p><p>sentido daquilo que está aprendendo.</p><p>Contudo, quando falamos em inferência, precisamos considerar que nem sempre ela é confirmada</p><p>durante ou após a leitura de um texto. Há casos em que os elementos que nos levaram a crer num</p><p>certo desfecho para um determinado texto apresentam interpretações muito diferentes daquelas que</p><p>imaginamos durante a leitura. Muitos autores utilizam‑se desse recurso (intencionalmente) para que a</p><p>sua história ou enredo tenha um efeito surpreendente ao final da trama. E a habilidade que estes têm</p><p>em encaminhar e articular todos esses fatores é que lhes confere o conceito de bons escritores.</p><p>Como é possível notar, a inferência nos envolve com o texto, porém, faz mais do que isso. Em</p><p>alguns casos, ela permite que cheguemos a informações importantes, por exemplo, num texto que</p><p>não esteja bem escrito. Para tratar de uma situação cotidiana, algo bem simples, vamos imaginar</p><p>a seguinte situação: estamos preparando um bolo, a partir de uma receita que nos foi dada por</p><p>58</p><p>Unidade III</p><p>um amigo que ainda não a testou. Ao final, depois da receita pedir que despejemos a massa numa</p><p>assadeira de alumínio untada, pede‑se que esta seja colocada no forno. Ora, sabemos que hoje temos,</p><p>na maioria das regiões, basicamente o forno convencional e o forno de micro‑ondas, (há também o</p><p>forno a lenha, muito utilizado em algumas dessas regiões). Apesar de não estar explícito na receita</p><p>que o forno a que se refere é o convencional, o fato de ela ter nos orientado a colocar a massa numa</p><p>assadeira de alumínio nos leva a inferir que só poderia se tratar do forno convencional, pois sabe‑se</p><p>que o alumínio não é utilizado no forno de micro‑ondas.</p><p>Devido à sua importância no desenvolvimento da competência leitora, o professor precisa</p><p>criar situações didáticas em que seja possível discutir sobre as inferências que fazemos quando</p><p>lemos um texto. Para tanto, é preciso selecionar, adequada e antecipadamente, um bom texto</p><p>sobre o qual se possam fazer perguntas relevantes, cujas respostas serão dadas pelos alunos após</p><p>análise e discussão. Aliás, as boas perguntas devem sempre estar presentes no cotidiano escolar; o</p><p>professor deve fazer uso delas sempre que possível, já que estas mobilizam os saberes dos alunos</p><p>e possibilitam que, na busca de sentido e argumentação que possa dar conta de respondê‑las,</p><p>avancem em suas aprendizagens.</p><p>7.3 Verificação</p><p>Apesar de constar no último item que trata do assunto, a verificação não é a última nem a menos</p><p>importante estratégia de leitura. Considerando‑se que todas têm sua importância no processo de leitura,</p><p>dizemos que essa é uma delas, que estamos tratando nesta unidade.</p><p>A verificação é uma estratégia que nos permite voltar às informações que fomos reunindo ao longo</p><p>da leitura que realizamos, com o propósito de, como o próprio nome sugere, verificar se o que inferimos,</p><p>se o que antecipamos, se o que imaginamos pode ser considerado válido para aquele texto. Como não</p><p>realizamos uma leitura de modo passivo (a menos que não estejamos compreendendo nada a respeito do</p><p>que está sendo lido e, nesse caso, nossa leitura se situa apenas no nível da decodificação), durante esse</p><p>processo, vamos levantando hipóteses, antecipando situações, fazendo inferências, gerando expectativas</p><p>sobre o desfecho de determinadas situações</p><p>das boas práticas de leitura. Mas por que isso ocorre?</p><p>8</p><p>Unidade I</p><p>Não podemos negar as nossas preferências em relação à leitura. Há quem goste de poesia, quem</p><p>prefira as crônicas, quem aprecie de uma boa obra de ficção científica, entre tantas outras possibilidades.</p><p>Sendo assim, é natural que não nos envolvamos com todos os tipos de leitura. Contudo, de um modo</p><p>geral, a dificuldade que temos para ler determinados textos centra‑se num aspecto fundamental:</p><p>aprendemos um padrão de leitura e queremos que os textos escritos em diferentes gêneros possam ser</p><p>compreendidos da mesma forma, o que não acontece. Não lemos um texto instrucional sobre como</p><p>explorar as ferramentas de um aparelho celular da mesma forma que lemos um livro de contos; nossa</p><p>postura não é a mesma diante de um romance ou de um texto teórico. Portanto, há que se considerar</p><p>as especificidades do texto, para que esse possa ser desvendado. E isso precisa ser ensinado, sobretudo</p><p>na escola.</p><p>Decorre dessa dificuldade de leitura a pouca habilidade na produção de textos. Preferimos, por</p><p>exemplo, as avaliações cujas questões são formuladas objetivamente, sob a alegação de que “sabemos</p><p>explicar oralmente, mas nem sempre conseguimos ‘passar’ as nossas ideias para o papel”.</p><p>Ler e escrever são processos que apresentam aspectos diferentes entre si, mas que estão de tal</p><p>forma imbricados que não podem ser dissociados. Por esse motivo, quando nos propomos a falar sobre</p><p>a leitura, não podemos nos eximir da escrita. Muitos são os obstáculos enfrentados pelo leitor que</p><p>galga seus primeiros passos nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Sabe‑se, também, das limitações</p><p>impostas pela falta de domínio da leitura no seu cotidiano quando adulto. Além disso, pesquisas e</p><p>estudos realizados por órgãos públicos e instituições privadas revelam lacunas e deficiências na formação</p><p>oferecida nos anos escolares iniciais, tornando clara a necessidade de um debate sobre as práticas de</p><p>ensino, as metodologias, o papel do professor e os processos de ensino e aprendizagem.</p><p>No que se refere ao ensino da leitura e da escrita, muito do que até aqui foi feito pode ser mantido.</p><p>Há práticas, porém, que precisam ser revistas com demasiada urgência. Contudo, não há um “novo</p><p>manual” a ser seguido, um “passo a passo” para nortear a prática educativa do professor; toda a mudança</p><p>necessária só se faz a partir de discussão e reflexão, propósito desta disciplina.</p><p>9</p><p>METODOLOGIA E PRÁTICA DO ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>Unidade I</p><p>Nesta unidade, faremos uma breve reflexão sobre alguns fatores que tiveram impacto na educação.</p><p>Conhecê‑los e discuti‑los amplia a visão que temos sobre as práticas pedagógicas (atuais e remotas),</p><p>além de contribuir para que possamos buscar a formulação de uma atuação docente que potencialize</p><p>a aprendizagem dos alunos.</p><p>1 ASPECTOS HISTÓRICOS EM RELAÇÃO AO ENSINO</p><p>Há, nos dias atuais, muita gente afirmando que é necessário adotar novas formas para se</p><p>ensinar na escola e, como o efeito de uma grande onda, esse discurso vai tomando força e</p><p>arrastando todos por onde passa. Os defensores dessa ideia são contra o ensino mecanizado, a</p><p>repetição de modelos, a cópia, a memorização etc. E é um discurso atual, sedutor, “moderno”. Para</p><p>fazer parte dessa equipe de visão mais “avançada”, algumas palavras são proibidas, são quase</p><p>ofensivas. Entre elas, podemos citar: cópia, treino e modelo. Entretanto, a maioria daqueles que</p><p>são adeptos desse modo pensar não sobrevive ao primeiro questionamento ou argumentação</p><p>contrária.</p><p>Por que isso acontece? A resposta é simples: porque repetem um discurso que, por qualquer razão,</p><p>acharam conveniente, mas não conhecem, de fato, a extensão das suas palavras. Sequer conseguem</p><p>perceber que o ato de repetir o que falam os outros sobre o ensino, sem conhecer o assunto com um</p><p>pouco mais de profundidade (ou seja, realizar uma repetição ao estilo “papagaio”, que não sabe o que</p><p>diz), é justamente aquilo que criticam: a reprodução sem reflexão.</p><p>Neste momento, não queremos concordar ou discordar do que está sendo dito, mas entender o</p><p>que está acontecendo na sociedade em geral e, de modo mais específico, na educação, para que essa</p><p>bandeira da necessidade de modificar o modo de ensinar seja levantada.</p><p>As perguntas que nos movem são: por que motivo é preciso modificar o modo de ensinar? Por que</p><p>a educação, que a tantos formou no passado, não mais é adequada para os dias atuais? É, de fato,</p><p>necessário modificar todo o ensino? O que buscamos e o que queremos, especialmente em relação aos</p><p>anos iniciais do Ensino Fundamental?</p><p>Para discutir sobre novas metodologias, adequações da didática, concepções de ensino etc., é preciso</p><p>conhecer um pouco mais sobre alguns acontecimentos históricos que contribuíram para que, num</p><p>determinado período, os fatos fossem como foram.</p><p>Se não nos dedicarmos a essa compreensão, mais uma vez ficamos à mercê da opinião de outras</p><p>pessoas e não nos resta nada além de “papagaiar”, de repetir o que não é compreendido. Sendo</p><p>assim, agora faço um convite a você, caro(a) aluno(a), para juntos realizarmos um resgate de fatos e</p><p>10</p><p>Unidade I</p><p>acontecimentos que possam nos ajudar a entender o momento histórico atual e a sua exigência de</p><p>mudanças no modo de ensinar.</p><p>Não pense que faremos uma reconstituição de toda a história da educação. Esse não é o nosso</p><p>propósito aqui. O que queremos, isto sim, é realizar um recorte cuidadoso de alguns fatos que impactaram</p><p>a sociedade, de tal modo que é possível perceber os seus efeitos na educação (o que é uma tarefa</p><p>delicada por causa do risco de haver distorções no momento em que um aspecto é retirado do sistema</p><p>de relações de sua época).</p><p>Vamos a eles!</p><p>Durante muito tempo, a escola nos inseriu numa prática de leitura e escrita mecanizada. Isto quer</p><p>dizer que as primeiras leituras que fazíamos, com a orientação dos professores, não exigiam uma</p><p>reflexão sobre o que estava escrito (tanto do ponto de vista dos aspectos ortográficos e gramaticais,</p><p>como no que se refere ao conteúdo do texto lido) e, quando isso ocorria, geralmente era sob a forma de</p><p>um questionário que precisávamos responder a partir da localização das informações no texto. Nessa</p><p>perspectiva, nos era apresentada apenas uma possibilidade de resposta correta e, de um modo geral,</p><p>esta não era questionada ou discutida. Nas provas que realizávamos, era preciso reproduzir as respostas</p><p>tal como as tínhamos estudado nas aulas, motivo pelo qual a memorização era tão valorizada.</p><p>Com a escrita nada era diferente. A associação de palavras simples, a utilização de poucos recursos</p><p>(como os pequenos textos que produzíamos usando basicamente o parágrafo), a letra maiúscula (para</p><p>os nomes próprios e início das frases) e o ponto final (sem os pontos de interrogação, exclamação, nem</p><p>mesmo as vírgulas ou outros recursos linguísticos), em muitos casos, limitavam a nossa criatividade e</p><p>não ofereciam oportunidade para que pudéssemos expressar o que conhecíamos acerca do assunto em</p><p>questão. Apesar disso, se não houvesse erros ortográficos e gramaticais nas nossas produções textuais,</p><p>conseguíamos a nota máxima. Por outro lado, quem decidisse se aventurar na escrita de algo que não</p><p>havia sido ensinado em sala de aula e cometesse erros de qualquer natureza tinha seu comportamento</p><p>autônomo desencorajado e recebia modelos aos quais precisava se adaptar.</p><p>Qual era a concepção de ensino vigente na época? Qual era o panorama social que tornava válidos</p><p>procedimentos de ensino como esses?</p><p>Antes de tudo, é preciso destacar que o ensino mecanizado da leitura e da escrita (realizado com</p><p>ênfase na memorização e na repetição de modelos) não ocorria dessa forma por falta de competência</p><p>do professor. As práticas que atualmente são chamadas de tradicionais eram, em sua época,</p><p>compreendidas como a melhor forma de ensinar a ler e a escrever. Na verdade, dois aspectos precisam</p><p>ser compreendidos.</p><p>O primeiro refere‑se aos interesses válidos naquele momento histórico, ou seja: para um regime de</p><p>etc. Todos esses procedimentos, além de outros não citados</p><p>aqui, são mobilizados na leitura de um bom texto.</p><p>Entretanto, nem sempre nossas hipóteses se confirmam ou, ainda, apenas algumas podem ser</p><p>validadas e outras não. Mas só sabemos disso se temos a oportunidade de verificá‑las em algum</p><p>momento, ou seja, se podemos comparar o que pensamos inicialmente com o desfecho apresentado</p><p>pelo autor do texto. Vamos compreender o funcionamento da estratégia de verificação, considerando</p><p>um exemplo prático. Ítalo Calvino, em sua obra intitulada O visconde partido ao meio, escrita em 1951,</p><p>conta‑nos que, durante uma batalha, Medardo di Terralba foi partido ao meio por uma bala de canhão.</p><p>O acidente dividiu‑o em dois, sendo que numa metade ficou concentrada sua porção boa e, na outra,</p><p>sua parte má, como pode ser percebido no trecho da obra, que apresentamos a seguir:</p><p>Mas começavam a chegar notícias de várias fontes sobre uma natureza</p><p>dupla de Medardo. Crianças perdidas no bosque, cheias de medo, eram</p><p>abordadas pelo homem de muleta, que as conduzia para casa pela mão e</p><p>59</p><p>METODOLOGIA E PRÁTICA DO ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>lhes oferecia figos e bolinhos fritos; viúvas pobres eram ajudadas por ele</p><p>a carregar lenha; cães picados por cobras eram encontrados pelos pobres</p><p>nos parapeitos e nos portais, árvores frutíferas arrancadas pelo vento eram</p><p>replantadas e fixadas em seus canteiros antes que os proprietários pusessem</p><p>o nariz fora da porta.</p><p>Porém, ao mesmo tempo, as aparições do visconde meio enrolado no manto</p><p>negro assinalavam acontecimentos terríveis: crianças sequestradas eram</p><p>encontradas prisioneiras em grutas obstruídas por pedras; avalanches de</p><p>troncos e rochas rolavam em cima das velhotas; abóboras maduras eram</p><p>despedaçadas por pura maldade.</p><p>Fazia tempo que a besta do visconde só golpeava as andorinhas; e não para</p><p>matá‑las, mas para feri‑las e aleijá‑las. Contudo, agora podiam ser vistas no</p><p>céu andorinhas com as patas enfaixadas e amarradas com gravetos de apoio</p><p>ou com as asas coladas e com curativos; havia um bando de andorinhas assim</p><p>ataviadas que voavam com prudência todas juntas, feito convalescentes de</p><p>um hospital de passarinhos e, inverossimilmente, dizia‑se que o próprio</p><p>Medardo era o médico (CALVINO, 1997, p.82).</p><p>Agora que conhecemos um pouco sobre essa obra de Calvino, podemos levantar algumas hipóteses</p><p>a respeito do seu desenvolvimento, imaginar como será o seu desfecho. A leitura apenas do trecho</p><p>aqui apresentado, em certa medida, pode nos levar a torcer pelo fim da parte má do visconde. Como</p><p>seria bom se pudéssemos nos deliciar com a leitura sobre a bondade sem medida da metade boa de</p><p>Medardo, em meio a tantas maldades que ouvimos nos noticiários diariamente, não é mesmo? Quem</p><p>sabe, até as ações bondosas do visconde pudessem servir de inspiração para os seus leitores e, nesse</p><p>caso, poderíamos pensar num mundo melhor etc. Porém, para saber se nossas hipóteses se concretizam,</p><p>é preciso continuar a leitura. Vejamos o que acontece na convivência com a metade inteiramente boa</p><p>do visconde:</p><p>E andava sempre entre eles pregando moral, metendo o nariz nos negócios</p><p>deles, escandalizando‑se e fazendo sermões. Os leprosos não o suportavam.</p><p>Os tempos beatos e licenciosos de Prado do Cogumelo tinham acabado.</p><p>Com aquela exígua figura rígida numa perna só, vestida de negro,</p><p>cerimoniosa e distribuindo regras, ninguém podia fazer o que lhe apetecia</p><p>sem ser recriminado em praça pública, suscitando malignidade de despeito.</p><p>Até a música, à força de ouvi‑la ser recriminada como fútil, lasciva e não</p><p>inspirada em bons sentimentos, acabou provocando aversão, e os estranhos</p><p>instrumentos deles se cobriram de pó. As mulheres leprosas, sem o desafogo</p><p>das farras, viram‑se de repente sozinhas diante da doença, e passavam as</p><p>noites chorando e se desesperando.</p><p>— Das duas metades a boa é pior que a mesquinha ─ começavam a comentar</p><p>em Prado do Cogumelo (CALVINO, 1997, p. 101).</p><p>60</p><p>Unidade III</p><p>Não é a toa que Calvino é considerado um autor de talento peculiar, reconhecido mundialmente. Se</p><p>nossas predições iniciais tendiam à ideia de que a parte má deveria ser extinta, na leitura desse outro</p><p>trecho, comprovamos que aquilo que achávamos que poderia ou deveria acontecer precisa ser revisto,</p><p>reelaborado. A verificação, nesse caso, não confirma nossas ideias iniciais acerca de um possível desfecho</p><p>para o visconde. Entretanto, para que possamos, de fato, conhecer o final dessa trama, é preciso realizar</p><p>a leitura integral da obra.</p><p>Saiba mais</p><p>CALVINO, I. Os nossos antepassados. São Paulo: Companhia das Letras,</p><p>1997.</p><p>O livro de Ítalo Calvino, Os nossos antepassados, é composto por</p><p>uma trilogia de agradável leitura. A história do Visconde partido ao</p><p>meio é apenas uma delas. As outras duas são: O barão nas árvores e O</p><p>cavaleiro inexistente. O que há em comum nas três obras é o fato de que,</p><p>partindo de situações irreais (como um visconde que se parte ao meio,</p><p>permanecendo exatamente dividido em metade má e metade boa), são</p><p>criadas alegorias que tratam da condição humana. A obra pode ser lida</p><p>com o simples propósito de entretenimento, mas também pode ter seus</p><p>elementos centrais analisados numa perspectiva psicológica, filosófica ou</p><p>sociológica.</p><p>Eis uma boa indicação para leitura!</p><p>Ainda que não tenhamos feito uma referência direta ao fato de que usamos todas essas estratégias</p><p>enquanto lemos, sem que haja uma hierarquização (primeiro utilizamos essa, depois aquela) ou uma</p><p>divisão bem demarcada entre elas, podemos inferir que uma está ligada à outra e a sua utilização pelo</p><p>leitor é evocada na medida em que necessita, durante a leitura que realiza. Com isso, uma coisa é certa:</p><p>precisamos explorá‑las em sala de aula, junto aos alunos, para que possam aprender a fazer uso de</p><p>cada uma delas de forma autônoma, de acordo com a sua necessidade. Para tanto, podemos abusar</p><p>das situações de leitura junto aos alunos: roda de leitura, leitura individual, indicação literária, leitura</p><p>coletiva, leitura feita pelo professor, leitura compartilhada, leitura de diferentes gêneros etc.</p><p>8 DA FALA À ESCRITA: UM CAMINHO PERCORRIDO EM PARCERIA</p><p>Apesar dos vários equívocos já citados no processo de apropriação de uma concepção de ensino</p><p>que tivesse uma orientação mais próxima de uma formação por competências, que trouxesse</p><p>contribuições nas práticas sociais, podemos afirmar que já obtivemos avanços significativos no processo</p><p>de alfabetização. Há, ainda, muito que aprender, muito a caminhar. Mas também, já colhemos bons</p><p>resultados que demonstram que estamos trilhando um caminho melhor.</p><p>61</p><p>METODOLOGIA E PRÁTICA DO ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>Em nossa prática educativa, porém, sempre que alcançamos respostas para alguns questionamentos,</p><p>quando conseguimos compreendê‑los e atribuir‑lhes sentido no nosso fazer pedagógico, outras questões</p><p>surgem, incitando‑nos a avançar em nossas aprendizagens docentes (que são infindas). Referimo‑nos à</p><p>grande questão que atualmente assombra professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental: depois</p><p>que o aluno compreende que o nosso sistema de escrita é alfabético, ou seja, o que fazer depois que ele</p><p>começa a escrever alfabeticamente? Como, a partir de então, é possível contribuir para que ele continue</p><p>avançando em suas aprendizagens? O que precisa ser ensinado?</p><p>Poderíamos elencar inúmeros questionamentos, muito pertinentes por sinal, sobre o que fazer com</p><p>o aluno que escreve alfabeticamente. E queremos deixar bem claro que não temos respostas prontas a</p><p>eles. O que pretendemos é apresentar alguns encaminhamentos possíveis, a partir dos quais o professor</p><p>pode orientar a sua prática pedagógica, construindo, ele mesmo, uma forma possível de propiciar o</p><p>desenvolvimento da competência escritora desses alunos. Nosso propósito é também mostrar algumas</p><p>premissas que, ao nosso entender, devem estar presentes na atuação do professor dos anos iniciais do</p><p>Ensino Fundamental, se queremos o desenvolvimento da competência escritora dos alunos.</p><p>Para começar a pensar sobre os questionamentos apresentados inicialmente, tomamos por base o</p><p>que nos dizem os PCN de língua portuguesa:</p><p>A conquista da escrita alfabética não garante ao aluno a possibilidade de</p><p>compreender e produzir textos em linguagem escrita. Essa aprendizagem</p><p>exige um trabalho pedagógico sistemático (BRASIL, 1997, p.23).</p><p>Para tratar desse trabalho pedagógico sistemático, referido na citação dos PCN, muito do que já foi</p><p>apresentado nesta disciplina, sobre o processo de desenvolvimento da competência leitora, nos será</p><p>válido também na discussão sobre o desenvolvimento da competência escritora. Assim, no decorrer</p><p>dessa reflexão, quando for pertinente, retomaremos (mais brevemente) aspectos já apresentados. Não</p><p>podemos deixar de enfatizar que tal procedimento não poderia ser diferente, visto que não acreditamos</p><p>numa concepção de ensino para o desenvolvimento da competência leitora e outro para a competência</p><p>escritora. Estamos transitando numa mesma perspectiva de ensino que, é necessário destacar, entendemos</p><p>que seja válida para qualquer área do conhecimento. Nesta disciplina estamos tratando especificamente</p><p>da leitura e da escrita, mas os princípios são válidos para quaisquer outros estudos ou áreas, afinal de</p><p>contas, estamos falando de aprendizagem.</p><p>Espera‑se que nos anos iniciais do Ensino Fundamental, até, no máximo, o 3º ano, a criança já</p><p>esteja escrevendo alfabeticamente. Vale dizer que, de um modo geral, as crianças apresentam um</p><p>potencial considerável para a aprendizagem, o que deve ser explorado pela escola, considerando‑se</p><p>as especificidades e características que são próprias da sua idade. Sendo assim, apesar de sabermos</p><p>que temos até o final do 3º ano para ensinar a criança a escrever alfabeticamente, se as atividades</p><p>desenvolvidas nos anos anteriores privilegiarem a reflexão sobre o sistema de escrita, naturalmente, esse</p><p>aprendizado ocorre antes do esperado. Acerca desse assunto, há também muitas opiniões de educadores</p><p>que são divergentes, ou seja, uma parte deles considera que não devemos “antecipar” o processo de</p><p>alfabetização; outros, no entanto, acreditam que não há nenhum malefício quando as crianças aprendem</p><p>a ler e escrever precocemente.</p><p>62</p><p>Unidade III</p><p>Sem querer transpor, para esse espaço o debate em questão, o que achamos conveniente salientar é</p><p>o fato de que não se deve “forçar” a aprendizagem da criança. Entretanto, não há como ignorar o fato</p><p>de que as crianças, justamente na idade em que ingressam no Ensino Fundamental, estão numa fase</p><p>muito rica do ponto de vista das aprendizagens. Sendo assim, utilizar esse potencial a favor do processo</p><p>de alfabetização é, geralmente, muito interessante. Mais uma vez, ressaltamos que não se trata de</p><p>obrigá‑la a codificar e decodificar a escrita, mas sim de lhe propor reflexões e desafios possíveis para a</p><p>sua idade e conhecimento que possui. Essa é, sem dúvida, uma prática que favorece o processo natural</p><p>de aprendizagem.</p><p>Voltando ao foco da nossa discussão, consideramos que, uma vez compreendida a lógica do sistema</p><p>de escrita alfabético, ao aluno poderão ser apresentados outros desafios que lhe permitam refinar,</p><p>progressivamente, o seu conhecimento sobre a escrita e, consequentemente, sobre a leitura. Entre tais</p><p>conhecimentos, é possível destacar a escrita com letra cursiva e a reflexão sobre questões ortográficas e</p><p>gramaticais. Propomos, nesta unidade, uma discussão acerca desses dois aspectos.</p><p>Entre as tantas dúvidas e incertezas que rondam o professor dos anos iniciais do Ensino Fundamental,</p><p>temos aquela que se refere a qual seria o momento mais apropriado para o ensino da letra cursiva ao</p><p>aluno. Muitas vezes, os pais compreendem que, quanto mais cedo o filho puder dominar essa prática,</p><p>melhor será a sua aprendizagem. Com esse princípio em mente, pressionam professores, coordenadores</p><p>e diretores, para que a ensinem o quanto antes aos seus filhos. As comparações são inevitáveis nessa</p><p>fase. É comum ouvirmos comentários, como “Meu filho já está escrevendo com ‘letra de mão’” ou</p><p>“Aquela professora é muito boa, meu filho já está aprendendo a escrever com letra cursiva”. Sem muitos</p><p>argumentos para apresentarem aos pais, os professores cedem à pressão e, cada vez mais cedo, ensinam</p><p>a escrita cursiva aos alunos. Entretanto, o que precisamos compreender é a utilidade desse recurso ou</p><p>habilidade, bem como sua pertinência nesse processo inicial de aprendizagem.</p><p>Uma criança que ainda não compreendeu o funcionamento do nosso sistema de escrita, quer dizer, o</p><p>aluno que ainda não escreve alfabeticamente, terá muito mais dificuldade em avançar na direção dessa</p><p>compreensão se não puder realizar análises das letras no contexto da palavra, da frase ou de qualquer</p><p>que seja o portador em questão. O início e o fim de uma letra, quando a conhecemos e dominamos</p><p>a escrita alfabética, parece‑nos bem evidente. Entretanto, quando estamos no início do processo de</p><p>desenvolvimento da leitura e escrita, quando sequer conseguimos entender que há uma relação direta</p><p>entre a fala e a escrita, que esta é representação daquela, escrever com letra bastão nos ajuda a pensar</p><p>sobre a escrita que nos é apresentada, além de possibilitar que outras relações sejam estabelecidas, uma</p><p>vez que, no cotidiano de cada um, nos são expostas, na maioria das vezes, escritas que se assemelham à</p><p>escrita bastão (como nos letreiros, placas, jornais, revistas, gibis etc.).</p><p>Antecipar esse processo, isto é, ensinar a escrita cursiva antes que a criança compreenda o</p><p>funcionamento do código alfabético, além de não contribuir para o avanço nas suas aprendizagens,</p><p>pode confundir o aluno que deixa de ter uma referência precisa (a letra), para ter que lidar com uma</p><p>escrita que não lhe fornece elementos necessários para identificar onde começa e onde termina</p><p>cada letra. Essa confusão, causada pela inserção da escrita cursiva no momento inadequado, pode</p><p>levar o aluno a se sentir incapaz de compreender o processo de escrita e causar certo desinteresse</p><p>sobre tal aprendizagem. Consideramos, assim, que ensinar a escrita cursiva antes que a criança tenha</p><p>63</p><p>METODOLOGIA E PRÁTICA DO ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>compreendido o funcionamento alfabético do sistema torna‑se um desafio inadequado, tendo em vista</p><p>o fato de que tal feito se encontra muito além daquilo que a criança pode resolver, seja sozinha ou com</p><p>a ajuda de seus pares. É uma atividade que, normalmente, se situa além da Zona de Desenvolvimento</p><p>Proximal (ZDP), conforme sugere Vygotsky, estudado na unidade II desta disciplina.</p><p>Contudo, uma vez que o professor nota que o aluno já apresenta uma escrita alfabética (o que não</p><p>significa que não cometa mais erros ortográficos), pode‑se iniciar o ensino da escrita cursiva, visto que</p><p>o aluno já terá elementos suficientes para compreendê‑la, o que minimizará as possibilidades de que</p><p>essa seja uma aprendizagem “dolorosa”. Novamente nesse ponto, é possível que alguns pais, notando</p><p>a dificuldade ou a recusa do seu filho em relação à escrita cursiva, voltem a questionar professores,</p><p>coordenadores e diretores, esperando que eles justifiquem a necessidade desse tipo de escrita, já que</p><p>a nossa sociedade, impregnada de tecnologia de comunicação, utiliza essencialmente a escrita bastão</p><p>ou algum tipo próximo a ela. Caso isso ocorra, é preciso explicar aos pais a finalidade da escrita cursiva.</p><p>Sabemos por que a utilizamos ou por que a temos que ensinar?</p><p>Quando escrevemos com a letra bastão, retiramos o lápis do papel a cada vez que vamos traçar</p><p>uma letra ou uma parte dela e isso demanda tempo. Por mais ágeis que possamos ser na escrita bastão,</p><p>sabemos que gastaríamos menos tempo se não fosse necessário colocar e retirar tantas vezes o lápis. É</p><p>aí que entra a escrita cursiva. Nela, ganhamos fluência e agilidade, pois esse tempo, entre a retirada e</p><p>retorno do lápis ao papel, é suprimido com a escrita cursiva.</p><p>“Ah, mas existem tantos adultos que escrevem com letra bastão e nunca apresentaram problema”,</p><p>podem argumentar</p><p>alguns pais. E eles têm razão. No nosso meio social, sempre encontramos alguém</p><p>que, num dado momento, optou pela escrita bastão e não teve problemas em relação a ela. Contudo,</p><p>não podemos privar o nosso aluno desse conhecimento que tanto favorece a fluência da escrita. Pode</p><p>ser que, mais tarde, por opção, ele retorne à escrita bastão. Entretanto, até para que possamos fazer</p><p>nossas escolhas pessoais, é preciso que tenhamos conhecimento dos dois processos. Só pode fazer</p><p>escolhas aquele que tem opções. Se a escrita bastão for a única apresentada ao aluno, como poderá</p><p>avaliar qual será o melhor modo para ele? Ademais, trata‑se também de verificar, no convívio social,</p><p>qual foi a opção da maioria das pessoas. Mesmo sem analisar pesquisas, estudos ou dados estatísticos,</p><p>é possível verificar que a maioria das pessoas permanece com a sua escrita cursiva. Será que essa não é</p><p>uma constatação significativa?</p><p>Ao se compreender a necessidade de ensinar aos alunos a escrita cursiva e que o melhor momento</p><p>para fazê‑lo é quando a criança compreendeu o funcionamento alfabético do nosso sistema de escrita, é</p><p>preciso deixar os preconceitos de lado e recorrer ao velho e eficiente caderno de caligrafia, abandonado,</p><p>nos últimos tempos, em virtude daquelas já citadas compreensões equivocadas sobre a concepção de</p><p>ensino. O desenvolvimento da escrita é um daqueles conteúdos que só aprendemos praticando, ou seja,</p><p>é procedimental, conforme nos é apresentado por Zabala (1998):</p><p>Um conteúdo procedimental – que inclui, entre outras coisas, as regras,</p><p>as técnicas, os métodos, as destrezas ou habilidades, as estratégias, os</p><p>procedimentos – é um conjunto de ações ordenadas e com um fim, quer</p><p>dizer, dirigidas para a realização de um objetivo (ZABALA, 1998, p. 43).</p><p>64</p><p>Unidade III</p><p>A grande crítica dirigida ao uso do caderno de caligrafia referia‑se à sua utilização inadequada,</p><p>antes do aluno compreender o funcionamento da escrita. A maioria dos educadores o aboliu por não</p><p>entender seu uso e por ficar sem referência sobre o que fazer em determinados momentos do processo</p><p>de desenvolvimento da escrita do aluno, fato que culminou com a autorização de uma escrita quase</p><p>que espontânea por parte dos aprendizes, sem o traçado adequado e, consequentemente, incorreta. Não</p><p>podemos negar ao aluno o direito que ele tem de desenvolver o traçado correto das letras e usufruir</p><p>dos seus benefícios no cotidiano social. Para tanto, devemos nos preocupar com esse ensino utilizando</p><p>o caderno de caligrafia, o que facilita essa aprendizagem na fase inicial.</p><p>A outra questão que precisamos explorar é o ensino das convenções ortográficas e gramaticais,</p><p>a partir de um processo de discussão e reflexão, que deve ocorrer especialmente quando o aluno já</p><p>escreve alfabeticamente. Apesar de passarmos do enfoque da leitura para o enfoque da escrita, vamos,</p><p>mais uma vez, ressaltar que não mudamos nossa concepção de ensino. Em virtude disso, muito do que</p><p>já foi discutido anteriormente sobre o processo de formação do leitor competente nos servirá de suporte</p><p>para essa discussão sobre o processo de formação do escritor competente.</p><p>Se pensarmos nas hipóteses iniciais de escrita, quando o aluno ainda não compreendeu nem que esta</p><p>representa a fala, nem a lógica em torno da qual é organizada, não é difícil perceber que não trará nenhuma</p><p>contribuição ao seu desenvolvimento a informação de que a palavra casa, por exemplo, é escrita com S e</p><p>não com Z. Nessa fase, o que o professor diz, o aluno acata, já que não dispõe de conhecimento suficiente</p><p>acerca do assunto para discuti‑lo com o professor. Essa informação só será significativa quando o aluno</p><p>já estiver escrevendo alfabeticamente. E é por esse motivo que o ensino das convenções ortográficas e</p><p>gramaticais deve acontecer somente a partir da conquista da escrita alfabética.</p><p>Lembrete</p><p>É preciso lembrar que a escrita alfabética não corresponde à grafia correta</p><p>das palavras, mas a uma escrita cuja estrutura demonstra compreensão da</p><p>lógica alfabética utilizada no sistema.</p><p>Resgatando o que dissemos anteriormente sobre a importância de apresentar bons modelos para que</p><p>sirvam de boas referências aos alunos, é necessário que saibamos que as primeiras produções precisam</p><p>ser realizadas juntamente com o professor que, por sua vez, será o parâmetro para a criança realizar</p><p>a sua produção. Sendo assim, as primeiras propostas de produção de texto devem ser realizadas em</p><p>conjunto, sendo o professor o “escriba” dos alunos nesse momento.</p><p>Observação</p><p>A palavra escriba remonta à Antiguidade e refere‑se àqueles que</p><p>possuíam o domínio da escrita e a utilizavam a mando dos governantes</p><p>para comunicarem‑se com o povo. Também atuavam como copistas,</p><p>arquivistas etc.</p><p>65</p><p>METODOLOGIA E PRÁTICA DO ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>Na medida em que, juntamente com os alunos, o professor vai revelando como se dá forma ao</p><p>texto, também propõe reflexões sobre as linguagens oral e escrita, pois, quando as crianças começam a</p><p>produzir textos, normalmente trazem marcas da oralidade, como aí, então, né, daí etc. Além disso, ainda</p><p>não se preocupam com a utilização dos pronomes em substituição aos nomes. Todas essas orientações</p><p>serão introduzidas pelo professor, na forma de problematização, no momento da produção coletiva. Ele</p><p>deve aproveitar esse instante e suscitar reflexão e análise sobre o que está sendo proposto, sempre que</p><p>surgir a possibilidade de discutir aspectos que se relacionam com marcas da oralidade, com ortografia,</p><p>com a concordância etc., que são comuns nos textos dos escritores em processo de formação inicial.</p><p>Será, também, esse o momento adequado para que o professor faça com que o aluno perceba a</p><p>necessidade de uma descrição mais detalhada do assunto tratado na produção escrita, para que o</p><p>leitor, que muitas vezes não sabemos quem é, possa compreendê‑lo. De um modo geral, as crianças</p><p>costumam narrar situações com expressões como “...quando ela foi lá...” (quem é ela? onde é “lá”?) ou</p><p>“...de repente ele chegou...” (ele quem? chegou de onde?) e, pela falta de habilidade para se colocar</p><p>no lugar do leitor, não percebem a ausência de elementos fundamentais para a compreensão do</p><p>texto. Nesse caso, a produção coletiva é também uma oportunidade em que essa compreensão pode</p><p>ser explorada pelo professor, uma vez que encontrará, nessa atividade, a expressão de muitos desses</p><p>aspectos aqui discutidos.</p><p>Nessas vivências, o aluno aprende a refinar a sua elaboração escrita, abandonando gradativamente</p><p>os vícios de linguagem para adotar uma perspectiva de escrita mais formal, tal como costuma encontrar</p><p>nos textos lidos diariamente pelo professor (eis aí, mais uma vez, a confirmação de sua importância)</p><p>que, em diferentes momentos, podem servir de modelo, de referência a ser seguida na sua produção</p><p>escrita.</p><p>8.1 A necessidade de refletir sobre o sistema de escrita</p><p>As convenções ortográficas e gramaticais sempre nos foram impostas sem que tivéssemos a</p><p>oportunidade de compreender, um pouco que fosse, sobre o seu funcionamento. Não é difícil encontrar,</p><p>entre nós, adultos que afirmam não gostar de língua portuguesa justamente por causa dessa prática,</p><p>considerada “arbitrária” no discurso de muitos deles. Conseguimos compreender essa alegação, tendo</p><p>em vista o fato de que, quando desconhecemos as premissas que regem a sua utilização, ficamos “dando</p><p>tiros no escuro”, sem referências que possam dirigir nossa produção.</p><p>Por esse motivo é que a concepção de ensino atual prevê que haja reflexão, discussão e análise das</p><p>regras e convenções que regem o nosso sistema de escrita. É como nos afirma Andaló (2000):</p><p>Estamos certos de que, para aprender a ler e a escrever, isto é, para que</p><p>uma criança incorpore sua língua materna enquanto leitor e escritor</p><p>competente, será preciso memorizar letras, sílabas, palavras e até normas</p><p>gramaticais. Porém, mais do que isso, será preciso que o indivíduo</p><p>reconstrua a língua para si mesmo, estando exposto e interagindo com</p><p>ela, motivado pelas vivências e leituras</p><p>que o meio lhe oferecer (ANDALÓ,</p><p>2000, p.47).</p><p>66</p><p>Unidade III</p><p>Fica evidente, com essa afirmação, que não negamos a necessidade de trabalhar com a memorização</p><p>em diferentes situações. Entretanto, precisamos de discernimento para compreender em que momento</p><p>ela deve acontecer. Já vimos, quando discutimos os aspectos relacionados ao desenvolvimento da</p><p>competência leitora, que a decodificação é parte do processo da formação do leitor, entretanto, acreditar</p><p>que essa etapa satisfaz as exigências de uma leitura competente é um equívoco que precisa ser desfeito</p><p>com urgência.</p><p>O mesmo ocorre em relação ao processo de aquisição da escrita. Decorar regras, sem</p><p>compreendê‑las, sem analisá‑las no seu contexto, sem discutir suas regularidades e exceções,</p><p>não garante que o aluno saberá utilizá‑las no momento de sua produção. Justifica‑se, aqui, a</p><p>necessidade de propor discussões para que tal compreensão possa, sempre que possível, emergir</p><p>desses debates que ocorrem na sala de aula. Serão essas as oportunidades em que o professor</p><p>poderá sistematizar nossas convenções ortográficas e gramaticais, extraindo do aluno aquilo que</p><p>se observa sobre suas regularidades.</p><p>Precisamos de um exemplo que nos permita compreender melhor essa prática, não é mesmo? Então,</p><p>vamos a ele. Digamos que queremos desenvolver, com nossos alunos de 5º ano, um trabalho para que</p><p>compreendam a regularidade contida nas palavras terminadas em ‑isse e ‑ice. O que podemos fazer?</p><p>Em primeiro lugar, é preciso situar essas palavras num portador de texto social. Não devemos</p><p>apresentar aos alunos uma lista de palavras terminadas em ‑isse e ‑ice, pois, desse modo, os estaremos</p><p>privando de conhecer em quais situações poderão fazer uso de tais palavras ou, ainda, de reconhecer a</p><p>importância de aprender tal regularidade na escrita das palavras, que se fazem presentes nos textos que</p><p>geralmente são apresentados pelo professor, os quais a classe aprecia.</p><p>Uma vez escolhido um bom texto, de acordo com o perfil dos alunos e com o objetivo da atividade</p><p>(deve‑se garantir que o texto possua um número suficiente de palavras terminadas em ‑isse e ‑ice), o</p><p>professor deve realizar todo o trabalho de leitura: antecipação a partir da análise do título e da gravura</p><p>(se houver) e explicação breve sobre o autor e outras obras que ele escreveu, a fim de que os alunos</p><p>possam apreciar a obra que será lida. Após a leitura, é preciso reservar um momento para que eles</p><p>expressem suas impressões, suas opiniões pessoais sobre o texto. O trabalho com a ortografia pode ter</p><p>início numa outra aula em que o texto seja retomado brevemente.</p><p>Para o início do trabalho com a ortografia, é sugerido que duas palavras sejam destacadas do</p><p>texto: uma terminada em ‑isse e a outra, em ‑ice, como tolice e partisse. A partir delas, os alunos,</p><p>preferencialmente em grupos (duplas, trios, etc.), devem buscar outras palavras no texto, com o desafio</p><p>de organizá‑las em dois grupos distintos. Depois disso, pede‑se que apresentem os seus agrupamentos,</p><p>bem como os critérios utilizados para suas escolhas. O desafio, agora, seria propor que observassem as</p><p>palavras que compuseram um e outro grupo. O professor tem um papel fundamental nesse momento</p><p>pois, por meio de propostas, reflexões e desafios, deve ajudar os alunos a perceberem a regularidade</p><p>presente nos grupos criados, ou seja: as palavras terminadas em ‑isse são verbos (conjugados no</p><p>pretérito, na segunda pessoa do singular) e as palavras terminadas em ‑ice são substantivos. É preciso</p><p>ressaltar que, sem a intervenção do professor, é pouco provável que os alunos cheguem a essa conclusão</p><p>sozinhos. O professor deve ser aquele que vai fornecer os elementos que fomentarão a discussão e</p><p>67</p><p>METODOLOGIA E PRÁTICA DO ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>possibilitarão a compreensão da regularidade presente. Vale lembrar que, caso o aluno desconheça o</p><p>significado de alguma palavra, o professor deve esclarecê‑la, pois é importante que os alunos estejam</p><p>trabalhando com palavras conhecidas.</p><p>Esse exemplo pode nortear a prática pedagógica em diferentes situações em que ensinamos tanto as</p><p>regularidades presentes nas regras ortográficas, como aquelas que orientam as convenções gramaticais.</p><p>É preciso contextualizar, discutir, focalizar, analisar e concluir. Sem que haja esse movimento de discussão</p><p>junto aos alunos, será difícil contribuir para que eles realmente compreendam quando e como utilizar as</p><p>regras que orientam a nossa escrita.</p><p>O que colocamos em foco, agora, é o momento de realizar uma correção sobre algo escrito pelo</p><p>aluno ou de intervir na sua produção. Todo esse esforço em tornar a escrita e a leitura significativas</p><p>para o aluno deve ser cercado de cuidados, para que o nosso objetivo seja alcançado. Além disso, um dos</p><p>momentos mais difíceis, tanto do ponto de vista da aprendizagem do aluno como da intervenção a ser</p><p>realizada pelo professor, é a hora da correção/intervenção. Vamos pensar um pouco mais sobre isso.</p><p>É imprescindível que saibamos que os erros dos alunos nos revelam informações sobre o que eles</p><p>sabem e o que precisam saber, bem como sobre o que devemos ou podemos fazer para que eles ampliem</p><p>o seu conhecimento sobre o assunto tratado. Entretanto, nem sempre devemos julgar o momento em</p><p>que nos deparamos com o erro do aluno ou em que o vimos cometer um equívoco, como sendo o certo</p><p>para corrigi‑lo. Há fatores essenciais que precisam ser considerados nesse processo. Por exemplo, quando</p><p>estamos diante de uma criança cuja escrita revela uma hipótese silábica sobre o nosso sistema de escrita</p><p>e que, por esse motivo, utiliza as letras xvo para escrever chuveiro, precisamos compreender que, nesse</p><p>momento, indicar que a primeira sílaba dessa palavra é escrita com x e não com ch será irrelevante</p><p>para o aprendizado dessa criança, pois ela sequer compreendeu que escrevemos alfabeticamente as</p><p>palavras, e não silabicamente. A correção, nesse momento, não trará nenhuma contribuição para o seu</p><p>aprendizado. Há, portanto, um instante adequado de se fazer uma intervenção ou correção em relação</p><p>à escrita produzida pelo aluno, o que significa que o professor deve pensar, constantemente, o que de</p><p>fato pode ser feito para que a criança aprenda, para que compreenda para além do que já sabe, para que</p><p>avance em suas aprendizagens.</p><p>Assim como acreditamos ser de suma importância a sensibilidade do professor em relação ao aluno que</p><p>está em processo de compreensão do nosso sistema de escrita, tal disposição também deve ser levada em</p><p>conta quando colocamos o aluno frente a novos desafios; como pode ser o caso da produção de texto, em</p><p>que são colocados em jogo aspectos gramaticais e ortográficos. Isso significa dizer que essa sensibilidade</p><p>requerida do professor deve respeitar o momento de criação do aluno, como quando ele está produzindo</p><p>uma história, por exemplo, e está centrado na criação do enredo, na sua apresentação lógica, nos recursos</p><p>que deve utilizar para expressar o que deseja, enfim, na seleção dos aspectos que tornarão o seu texto não</p><p>só compreensível, mas interessante. Será produtiva, para a aprendizagem do aluno, uma correção realizada</p><p>pelo professor, no momento em que está tomando todas essas decisões em relação ao texto? Ainda que</p><p>seja possível identificar, nesse momento, erros que poderiam ser corrigidos, não seria mais proveitoso</p><p>considerar que há uma série de saberes que estão sendo mobilizados nesse momento e precisamos de um</p><p>olhar atento para compreender que, se corrigirmos tudo o que o aluno escreve, desconsiderando todo o</p><p>seu esforço de articulação dos conhecimentos exigidos na elaboração de um texto, podemos desmotivar a</p><p>68</p><p>Unidade III</p><p>produção desse aluno? Será por esse motivo que encontramos, nos anos iniciais do Ensino Fundamental,</p><p>tantos alunos que gostam de copiar textos ao invés de produzi‑los? Note que, na cópia, temos a possibilidade</p><p>de não cometer nenhum erro, desde que façamos a atividade atentamente.</p><p>Por outro lado, sabemos de todos os problemas que são desencadeados</p><p>pela falta de correção ou</p><p>intervenção adequada na produção de um texto, pois, caso a correção/intervenção não aconteça, o</p><p>aluno pode adotar um padrão impróprio como correto e passar a usá‑lo em diferentes situações. Diante</p><p>disso, como deve agir o professor?</p><p>Weisz (2003) nos aponta uma possibilidade interessante, ao afirmar que:</p><p>Se, naquele momento, o menino está escrevendo uma história, e articulando</p><p>o fluxo das ideias, interrompê‑lo para corrigir a ortografia não faz sentido,</p><p>a não ser que ele mesmo pergunte: “Cachorro é com “x” ou com “ch”?”, e</p><p>aí, é claro, o professor deve responder. Isso não significa que ele não vá</p><p>trabalhar com situações de reflexão sobre a ortografia, mas que vai priorizar,</p><p>naquele momento, o desenvolvimento da escrita do texto, criando uma</p><p>nova oportunidade, em outro momento, para intervir especificamente na</p><p>aprendizagem de ortografia. Este novo momento poderá ser apoiado naquele</p><p>texto em particular para aquela criança ou pode ser um trabalho coletivo, no</p><p>qual o professor tratará de questões ortográficas comuns a várias crianças</p><p>da classe (WEIZ, 2003, p. 86‑87).</p><p>Será que, remexendo nossas memórias escolares, poderíamos reviver a sensação que nos invadia</p><p>quando a professora nos devolvia as nossas redações (que, na minha época, eram chamadas de</p><p>composições), com inúmeras correções a serem feitas? A menos que nos fosse cobrada a reescrita</p><p>ortográfica e gramaticalmente correta daquela produção, tal como geralmente era assinalado em caneta</p><p>vermelha, quem de nós naturalmente estudava cada um dos erros cometidos, para não cometê‑los</p><p>novamente aos 7, 8, 9 ou 10 anos de idade? É possível que, entre nós, haja alguns casos em que essa</p><p>prática era adotada espontaneamente. A esses, meus parabéns!</p><p>Entretanto, acredito que esse não era o caso da maioria das pessoas, entre a qual me incluo. Receber</p><p>de volta, depois de tanto esforço, um texto com diversos erros a serem corrigidos era desanimador.</p><p>Invadia‑nos uma vontade de não escrever mais. Como solução para minimizar os efeitos desse problema,</p><p>muitos alunos passavam a escrever menos, uma vez que, com a produção de textos menores, mais</p><p>curtos, era provável que se errassem menos também. E, desse modo, os textos foram ficando pouco</p><p>criativos, limitados, sem um enredo interessante; mas, como queriam muitos, “mais corretos” do ponto</p><p>de vista da gramática e da ortografia. Daí para frente, não seria exagerado dizer que a escola produziu,</p><p>ao contrário do que sempre foi o seu desejo e propósito ao menos no discurso, uma série de pessoas</p><p>que não gostam de escrever e que, talvez por efeito colateral e por um jeito desinteressante de tratar a</p><p>leitura, também não gostam de ler.</p><p>Toda essa compreensão, que envolve os aspectos afetivos e cognitivos implicados no processo de</p><p>aprendizagem, nos revela a necessidade de uma mudança de postura. A solução também não será, como</p><p>69</p><p>METODOLOGIA E PRÁTICA DO ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>se acreditou por algum tempo (e isso também faz parte daquelas compreensões equivocadas as quais já</p><p>nos referimos ao longo desta disciplina), não corrigir mais os textos produzidos pelos alunos. O desafio que</p><p>nos é apresentado tem como foco a intervenção no momento mais adequado, na medida certa, algo que é</p><p>bastante difícil de identificar e para o qual não temos um manual de procedimentos proposto. Entretanto,</p><p>uma prática por meio da qual temos conseguido obter bons resultados é a identificação de um trecho</p><p>representativo das necessidades do aluno, a partir da qual podemos propor uma reflexão e reescrita.</p><p>Entendamos como isso ocorre: quando recebemos a produção textual de um aluno, é comum</p><p>que alguns erros se repitam e, portanto, perpassem toda a sua produção. Outros, porém, ocorrem</p><p>ocasionalmente. Há, ainda, aqueles que, apesar de não aparecessem com muita frequência, comprometem</p><p>a estrutura do texto e, por esse motivo, precisam ser tratados de imediato. Assim, escolhemos um trecho</p><p>do texto produzido pelo aluno, que contemple todos esses equívocos, para que seja a a base da nossa</p><p>proposta de reflexão sobre o que foi escrito. Depois disso, podemos pedir para que o aluno reescreva</p><p>aquele trecho e, agora sim, ao reescrevê‑lo depois de discuti‑lo com o professor, poderá repensar sobre</p><p>um modo de melhorá‑lo. Dessa forma, como se trata de apenas um trecho, isso não tenderá a ser tão</p><p>desmotivador.</p><p>Essa prática tem apresentado um bom resultado, pois, na medida em que entendemos que</p><p>o aluno não é passivo no processo de aprendizagem e propomos reflexões sobre as atividades que</p><p>realizadas, percebemos que ele mesmo realiza generalizações sobre suas aprendizagens. Assim, não será</p><p>preciso corrigir uma grande quantidade de erros de mesma natureza, pois acreditamos que, uma vez</p><p>compreendida a grafia e o emprego das palavras em determinadas situações, será possível, ao aluno,</p><p>aplicá‑las de modo eficiente em outros contextos. E, ainda que erre novamente, será valioso permitir que</p><p>ele volte a atuar de modo autônomo e vá percebendo seu desempenho, ou seja: equívocos e progressos</p><p>alcançados.</p><p>8.2 Produção coletiva de textos</p><p>Quem de nós nunca se deparou com a necessidade de escrever um texto para alguém – seja numa</p><p>produção pessoal, escolar ou profissional – sem saber por onde nem como começá‑lo? Nessas situações,</p><p>costumamos recorrer a alguém, não é mesmo? Alguém que sabemos já ter executado essa tarefa ou</p><p>que julgamos ter conhecimento suficiente para nos orientar a respeito. Se esse é um procedimento que</p><p>adotamos sempre que não sabemos realizar uma atividade, seria diferente para o desenvolvimento da</p><p>competência escritora dos alunos dos anos iniciais do Ensino Fundamental? Acredito que você concorda</p><p>comigo que a resposta é não.</p><p>Para os pequenos escritores, precisamos organizar momentos em que eles possam acompanhar</p><p>uma produção feita por alguém que saiba mais do que eles. Nesse caso, a produção coletiva, realizada</p><p>pelo professor na discussão e negociação junto aos alunos, é uma prática que tem contribuído</p><p>significativamente com o desenvolvimento dos alunos quando o assunto em pauta é a produção de</p><p>textos.</p><p>Vamos pensar num exemplo prático para visualizar como seria uma situação pedagógica como essa.</p><p>Sem perder de vista a função social da escrita, quer dizer, o papel que ela desempenha no cotidiano dos</p><p>70</p><p>Unidade III</p><p>alunos, imagine que a professora propõe a redação de uma carta que será enviada à direção da escola,</p><p>com o propósito de informá‑la sobre os principais acontecimentos do passeio recentemente realizado</p><p>ao jardim zoológico da cidade.</p><p>Primeiro, é preciso explicar a proposta da atividade para os alunos, esclarecendo o assunto e o</p><p>objetivo da carta, bem como o seu destinatário. Depois disso, o professor pode realizar, junto aos</p><p>alunos, um levantamento dos pontos que não podem ser esquecidos e, na medida em que esses vão</p><p>sendo elencados pelos alunos, o professor os anota num canto da lousa para que sejam utilizados</p><p>posteriormente. Nesse momento, se houver algum aspecto importante a ser lembrado e os alunos não o</p><p>fizerem, o professor deve intervir, fornecendo pistas para que percebam o que está faltando. Se, mesmo</p><p>assim não se recordarem, deve o professor revelar a informação, a fim de incluí‑la na lista que comporá</p><p>a carta.</p><p>Uma vez findada essa etapa, deve‑se passar à redação da carta. Uma boa dica para esse momento</p><p>é utilizar um papel grande, como a cartolina ou o papel Kraft, que permitirá o resgate do texto em</p><p>outra oportunidade. Assim, os alunos vão ditando para o professor o que deve ser escrito. A cada frase</p><p>finalizada, o professor realiza a leitura em voz alta e pergunta aos alunos se concordam com o que está</p><p>escrito ou se acham que é melhor fazer alguma alteração. Esse é um momento de aprendizagem muito</p><p>rico, pois, de um modo geral, os alunos costumam demonstrar que sabem que uma coisa é a linguagem</p><p>oral e outra coisa é a linguagem escrita. Para o sucesso da atividade, é importante que o professor</p><p>tenha sensibilidade para captar o que está</p><p>sendo dito pelos alunos, validando as informações por eles</p><p>apresentadas ou reformulando o que estiver inapropriado. Na medida em que a forma de escrever vai</p><p>sendo negociada, com a mediação do professor, surgem as discussões sobre ortografia e gramática.</p><p>É quando, por exemplo, ao ditar a palavra engraçado, o professor lança a pergunta para a classe:</p><p>“Engraçado é com ‘s’ ou ‘ç’?”. Ou, ainda, quando algum aluno lhe dita “A gente fomos ao zoológico” e o</p><p>professor solicita auxílio aos demais alunos para buscar uma forma mais adequada para escrevê‑la.</p><p>Após uma primeira redação, algo ainda provisório, o professor pode sugerir aos alunos a continuidade</p><p>da escrita numa outra aula. Esse procedimento tem a finalidade de possibilitar a eles um distanciamento</p><p>do texto para que, ao retornar a ele, seja possível resgatar o que já foi discutido sobre a produção e</p><p>ampliá‑la. Outro motivo que justifica a realização dessa produção em etapas é o fato de não torná‑la</p><p>tão cansativa para o aluno. Será também nessa dinâmica, que o aluno poderá perceber que um texto</p><p>sempre pode ser melhorado, por meio das modificações que julgamos mais adequadas nos diferentes</p><p>momentos em que o revisamos; além disso, poderá compreender a importância do registro dos textos</p><p>provisórios, que vão progressivamente sendo lapidados, até que cheguem a uma forma que nos deixe</p><p>satisfeitos. É, em suma, o papel do rascunho na produção textual.</p><p>Desse modo, o professor vai propondo reflexões sobre a escrita até então produzida, como chamar</p><p>a atenção dos alunos para as palavras que estão sendo muito repetidas (em geral, os pronomes e as</p><p>marcas da oralidade, como aí, então, daí etc.), sugerindo que pensem em modos de expressar a mesma</p><p>ideia sem que tais repetições sejam necessárias e realizando as alterações apontadas pelos alunos. Tais</p><p>procedimentos vão se repetindo até que o professor e a classe estejam satisfeitos com o resultado</p><p>obtido na produção. O próximo passo será, então, garantir que o material chegue ao seu destinatário,</p><p>no caso do nosso exemplo, o diretor.</p><p>71</p><p>METODOLOGIA E PRÁTICA DO ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>A conclusão dessa sequência de procedimentos numa produção escrita fornece aos alunos os</p><p>elementos necessários para que possam realizar seu próprio texto. Utilizando como referência os</p><p>métodos adotados pelo professor na produção coletiva, os alunos poderão iniciar sua própria produção</p><p>escrita, pois contam com as referências utilizadas pelo professor durante o processo.</p><p>Contudo, sabemos que uma produção escrita não envolve somente os conhecimentos que possuímos</p><p>a respeito da nossa linguagem escrita. Como já dissemos em diferentes momentos desta disciplina, os</p><p>saberes que temos sobre um assunto fazem muita diferença quando estamos diante de uma proposta</p><p>de produção textual. Vamos imaginar que estamos participando de um concurso público para seleção</p><p>de professores e precisamos fazer uma redação a partir de um dos temas propostos na prova: economia</p><p>política ou educação para jovens e adultos. Mesmo que nunca tenhamos trabalhado com educação para</p><p>jovens e adultos, é provável que a maioria de nós escolha esse tema para dissertar. Isto porque o que</p><p>conhecemos sobre o funcionamento da linguagem escrita não nos é suficiente para redigir sobre um</p><p>assunto que não conhecemos muito bem.</p><p>É partindo dessa compreensão, que acreditamos ser preciso repertoriar o aluno antes de solicitar‑lhe a</p><p>escrita sobre um determinado assunto. Lembram‑se da famosa redação que nos era solicitada no retorno</p><p>das férias? Invariavelmente, o título era Minhas férias. Alguma vez nos foi lida alguma história interessante,</p><p>contada sobre as férias de crianças então da nossa idade? Tivemos a oportunidade de ouvir uma poesia,</p><p>uma crônica, ou outro gênero qualquer sobre esse tema? Por acaso, a professora fazia a redação sobre as</p><p>suas férias e nos apresentava como uma proposta possível de construção textual envolvendo o assunto?</p><p>Analisemos então esses fatores. Não nos basta conhecer o funcionamento e o emprego adequado</p><p>do sistema de escrita. Também não nos é suficiente conhecer o assunto tratado. Essas duas faces da</p><p>produção escrita precisam, necessariamente, caminhar juntas; não é possível dissociá‑las, separá‑las,</p><p>dividi‑las. Para produzir um bom texto, eu preciso de referências sobre o assunto, preciso que ele faça</p><p>sentido para mim, que me seja interessante; mas também preciso conhecer formas de organizar minhas</p><p>ideias na escrita, de usar recursos linguísticos para chamar a atenção sobre algo que quero destacar,</p><p>de manter algo em suspense etc. Como vemos, na produção escrita, são muitos os fatores envolvidos e</p><p>tratá‑los de maneira inadequada acaba por não contribuir para a formação de bons escritores.</p><p>Por esses e muitos outros motivos, insistimos na prática da leitura diária junto aos alunos, para que</p><p>eles possam encontrar referências para o momento de sua produção individual. A discussão dos assuntos</p><p>tratados na leitura de modo coletivo, permitindo a participação do aluno, solicitando a sua opinião,</p><p>convidando‑o a pensar como seria um final diferente para determinada história, ou modificando um</p><p>acontecimento ao imaginar que o enredo fosse diferente, contribui para a construção do repertório que</p><p>julgamos ser tão importante para a sua formação como escritor competente.</p><p>8.3 Revisão coletiva de textos</p><p>Depois de ter realizado algumas produções escritas de modo coletivo, o professor pode propor</p><p>produções em grupo, depois em duplas e, então, individualmente. Em qualquer uma dessas propostas, é</p><p>preciso que haja um acompanhamento efetivo das necessidades dos alunos na realização da atividade.</p><p>Assim, não faz sentido solicitar uma produção escrita para a qual não haverá devolutiva ao aluno.</p><p>72</p><p>Unidade III</p><p>No entanto, como realizar a devolutiva individual de tantas produções com tantas particularidades?</p><p>Na realidade das escolas que possuem de 25 a 40 alunos em sala de aula (como é o caso das escolas</p><p>públicas em várias regiões do país), um procedimento como esse se torna impraticável, não é mesmo?</p><p>Sabemos de todas essas limitações do sistema de ensino brasileiro e temos conhecimento também</p><p>que elas precisam ser superadas, para que possamos garantir a aprendizagem dos alunos. O que propomos</p><p>aqui não é uma novidade, trata‑se de uma prática que já se faz presente no cotidiano de muitos</p><p>professores e que tem se revelado muito eficiente. Estamos falando da revisão coletiva de textos.</p><p>Em que se baseia essa revisão coletiva e como funciona?</p><p>Uma vez realizada a produção pelos alunos (aquela que sugerimos ser em grupo, trio, dupla ou</p><p>individual), o professor a recolhe para a sua avaliação. Esse é o momento em que realiza seus registros</p><p>acerca daquilo que observa como uma constante nos textos; ou seja, sua análise sobre as produções</p><p>redigidas pelos alunos deve ser norteada pelas seguintes questões: quais são as dificuldades que mais</p><p>aparecem nos textos? Quais os recursos estudados que, de um modo geral, não têm sido utilizados por</p><p>eles? O que será preciso resgatar e em que é possível avançar?</p><p>Lembrete</p><p>Precisamos compreender a avaliação na perspectiva da análise: o que</p><p>o aluno já sabe, as dificuldades apresentadas e o que é necessário propor</p><p>para que avance em suas aprendizagens.</p><p>Será com base nessa análise que o professor deverá selecionar um trecho significativo para ser</p><p>revisado de modo coletivo junto aos alunos. Para isso, é necessário que o propósito dessa seleção esteja</p><p>bem claro para todos nós. Vamos, então, aos esclarecimentos.</p><p>Por que a revisão de apenas um trecho de um único texto? Em primeiro lugar, porque se, a cada</p><p>vez que os alunos produzirem um texto, nós, professores, solicitarmos que eles o refaçam por inteiro,</p><p>estaremos indiretamente fazendo com que eles reduzam a quantidade produzida para que, no caso</p><p>de terem que revisá‑la, não tenham muito trabalho. Desse modo, o aluno, que antes escrevia sem se</p><p>preocupar com a quantidade mínima de linhas e produzia um texto criativo (apesar dos erros</p><p>gramaticais</p><p>e ortográficos), deixa de fazê‑lo para limitar‑se ao mínimo necessário, o que não queremos que aconteça</p><p>de modo algum. Em segundo lugar, porque, na maioria das vezes, as dificuldades apresentadas por um</p><p>aluno se repetem para outros e costumam aparecer em diferentes produções; sendo assim, trabalhar</p><p>coletivamente contribuirá para a aprendizagem de todos. Em terceiro lugar, porque essa é uma forma</p><p>de conseguirmos tempo suficiente para uma análise realmente aprofundada da produção escrita, sem</p><p>exceder o tempo de concentração e atenção dos alunos, o que tornaria a atividade muito cansativa e,</p><p>portanto, improdutiva.</p><p>Diante de tantas possibilidades, fica sob a responsabilidade do professor a tarefa de escolher um</p><p>trecho que seja, de fato, significativo para tal revisão. Essa seleção precisa levar em conta um trecho que</p><p>73</p><p>METODOLOGIA E PRÁTICA DO ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>represente as dificuldades da sala, caso contrário, não será possível explorar as questões elencadas, no</p><p>momento da avaliação e análise dos textos.</p><p>Não se deve esquecer que, para que o trecho do texto seja apresentado para a classe com o propósito</p><p>de ser revisado, será necessário avisar antecipadamente o(s) seu(s) autor(es), uma vez que este(s) pode(m)</p><p>não se sentir confortável(is) nessa situação e isso deve ser respeitado. No entanto, quando a condução</p><p>da atividade é realizada pelo professor de modo que os alunos compreendam que muitos cometeram os</p><p>mesmos equívocos e que não há nenhum problema nisso, pois estamos num processo de aprendizagem</p><p>e aprendemos uns com os outros, a classe costuma aceitar bem a atividade e o professor não enfrentará</p><p>problemas quanto a essa exposição. Além disso, os alunos saberão que hoje é o texto do colega que está</p><p>sendo exposto, mas amanhã poderá ser os deles, pois todos os textos sempre podem ser melhorados</p><p>com a ajuda dos colegas.</p><p>Assim, selecionado o trecho a ser revisado com os alunos, deve‑se preparar a sua reprodução,</p><p>considerando‑se utilizar os recursos tecnológicos, como o retroprojetor e o projetor multimídia, ou a</p><p>reprodução manual, nesse caso, o professor deve ampliar o trecho numa junção de cartolinas ou papel</p><p>Kraft, com todos os erros cometidos, para que seja possível analisá‑los. O importante é garantir que</p><p>todos os alunos possam enxergar o excerto apresentado pelo professor, para que possam pensar em</p><p>soluções, considerando o contexto em que se insere.</p><p>Tal como na produção coletiva, no caso da revisão, o professor irá levantar as dificuldades apresentadas</p><p>e discutir quais seriam as melhores opções para melhorar o texto. As correções podem ser apontadas</p><p>no próprio material apresentado pelo professor ou escritas na lousa para que não sejam esquecidas</p><p>posteriormente. Divergências entre os alunos constituem‑se em momentos valiosos de aprendizagem</p><p>em que eles precisam fundamentar e expressar suas argumentações; entretanto, devem sempre contar</p><p>com a mediação do professor que, por meio de problematizações e reflexões, fará com que cheguem à</p><p>resposta mais adequada à situação.</p><p>Uma prática constante de revisão coletiva de textos fará com que os alunos se tornem</p><p>produtores reflexivos, exigentes e coerentes. Além disso, o próprio processo de discussão</p><p>coletiva fará com que desenvolvam o respeito pela opinião do colega, que compreendam</p><p>a necessidade de esperar a vez de falar, que aceitem sugestões, que percebam o erro como</p><p>constituinte do processo de aprendizagem e não como algo vexatório, enfim, que desenvolvam</p><p>comportamentos e atitudes indispensáveis para o convívio social. É o que queremos todos nós,</p><p>educadores!</p><p>Resumo</p><p>O professor deve ser um facilitador no processo de desenvolvimento das</p><p>competências leitora e escritora do aluno desde a Educação Infantil, porém</p><p>será nos anos iniciais do Ensino Fundamental que sua prática poderá ser</p><p>intensificada.</p><p>74</p><p>Unidade III</p><p>Tanto a leitura como a escrita devem ser significativas para o aluno.</p><p>Assim sendo, precisam relacionar‑se com o seu uso cotidiano, desvendar</p><p>conhecimentos que estejam ligados a interesses próprios da faixa etária</p><p>em que se encontram os alunos, possibilitar a resolução de problemas de</p><p>ordem prática e oferecer possibilidades para que possam, autonomamente,</p><p>ir além do que lhes é proposto.</p><p>Nesse sentido, compreender e ensinar a utilizar algumas estratégias</p><p>de leitura, tal como fazem os leitores competentes, torna‑se uma prática</p><p>bastante eficiente para a aprendizagem dos alunos. Tais estratégias são:</p><p>• Previsão/antecipação: Análise dos elementos‑chave que compõem</p><p>o texto que será lido, tais como título, subtítulo, ilustrações, nome do</p><p>autor etc., com vistas a aproximar‑se do assunto que será tratado.</p><p>Vale lembrar que, no decorrer da leitura, essas informações podem</p><p>ou não ser confirmadas.</p><p>• Inferência: Capacidade de ler o que não está escrito, obter informações</p><p>contidas nas entrelinhas, articular informações apresentadas no texto</p><p>com outras que se referem aos conhecimentos de âmbito cultural,</p><p>levando o leitor a uma compreensão para além daquela descrita no</p><p>texto.</p><p>• Verificação: Análise de elementos que permitem o confronto entre</p><p>as previsões e até inferências realizadas no decorrer da leitura e a</p><p>apresentação dos fatos no texto, com vistas a possibilitar ao leitor a</p><p>compreensão adequada do tema desenvolvido.</p><p>No caso do desenvolvimento da competência escritora, sabemos que</p><p>esta deve sempre acontecer a partir da análise do nosso sistema de escrita</p><p>e, conforme o aluno avança em sua compreensão, o nível dos desafios que</p><p>lhe são propostos precisa ser elevado. Desse modo, assim que compreende</p><p>o funcionamento alfabético da escrita, há duas questões centrais que</p><p>precisam ser adequadamente trabalhadas: o ensino da escrita cursiva e a</p><p>reflexão sobre o sistema ortográfico e gramatical por meio da análise de</p><p>suas regularidades.</p><p>Para tanto, o trabalho coletivo é uma estratégia valiosa que possibilita o</p><p>debate, o confronto de ideias e a ampliação da percepção das regularidades</p><p>presentes no nosso sistema de escrita. A discussão que surge dessa interação</p><p>dos alunos revela ao professor aspectos que precisam ser corrigidos,</p><p>potencializados ou sistematizados. É, portanto, um momento muito</p><p>interessante para a sua intervenção.</p><p>75</p><p>METODOLOGIA E PRÁTICA DO ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>Exercícios</p><p>Chegou a nossa hora de refletir e discutir sobre o que foi apresentado nesta unidade!</p><p>Questão 1 (Enem 2012, adaptada).</p><p>Logia e mitologia</p><p>Meu coração</p><p>de mil novecentos e setenta e dois</p><p>já não palpita fagueiro</p><p>sabe que há morcegos de pesadas olheiras</p><p>que há cabras malignas que há</p><p>cardumes de hienas infiltradas</p><p>um porco belicoso de radar</p><p>e que sangra e ri</p><p>e que sangra e ri</p><p>a vida anoitece provisória</p><p>centuriões sentinelas</p><p>do Oiapoque ao Chuí.</p><p>CACASO. Lero‑lero. Rio de janeiro: 7 Letras; São Paulo: Cosac & Naify, 2002.</p><p>O título do poema explora a expressividade de termos que representam o conflito do momento</p><p>histórico vivido pelo poeta na década de 1970. Nesse contexto, é correto afirmar que:</p><p>A) O poeta utiliza uma série de metáforas zoológicas com significado impreciso.</p><p>B) “Morcegos”, “cabras” e “hienas” metaforizam as vítimas do regime militar vigente.</p><p>C) O “porco”, animal difícil de domesticar, representa os movimentos de resistência.</p><p>D) O poeta caracteriza o momento de opressão através de alegorias de forte poder de impacto.</p><p>E) “centuriões” e “sentinelas” simbolizam os agentes que garantem a paz social experimentada.</p><p>Resposta correta: alternativa D.</p><p>Análise das alternativas</p><p>A) Alternativa incorreta.</p><p>Justificativa: as metáforas zoológicas (com animais) não são imprecisas.</p><p>76</p><p>Unidade III</p><p>B) Alternativa incorreta.</p><p>Justificativa: os animais citados metaforizam não as vítimas, mas os algozes do regime militar.</p><p>C) Alternativa incorreta.</p><p>Justificativa: o porco não é um animal difícil de domesticar e no poema ele não simboliza a resistência,</p><p>mas um dos animais que são os algozes do regime militar.</p><p>D) Alternativa correta.</p><p>Justificativa: as alegorias</p><p>são de forte impacto que simboliza a violência da época.</p><p>E – Alternativa incorreta.</p><p>Justificativa: os “centuriões” e “sentinelas” simbolizam justamente os militares, aqueles que</p><p>impunham a ordem pela força naquela época, ou seja, o contrário da paz.</p><p>Questão 2 (Enade 2008, adaptada).</p><p>Fonte: Jornal do Brasil. Rio de Janeiro.</p><p>A tirinha de Ziraldo apresenta‑nos uma situação corriqueira. De um modo geral, tem‑se a concepção</p><p>de que as crianças aprenderão os conhecimentos em um único dia e de uma única forma. Essa concepção</p><p>perde o sentido quando se pensa, por exemplo, nos ciclos básicos de alfabetização, pois os mesmos</p><p>pressupõem que a alfabetização é:</p><p>A) Marcada por estágios.</p><p>B) Linearmente construída.</p><p>C) Construída em processo.</p><p>D) Elaborada sem interrupções.</p><p>E) Aprendida por etapas sucessivas.</p><p>Resolução desta questão na plataforma.</p><p>77</p><p>FIGURAS E ILUSTRAÇÕES</p><p>Figura 1</p><p>LAURA Bush reads I love you little one.PHP. 1 fotografia, color. Disponível em: <http://free‑photos.biz/</p><p>photographs/architecture/libraries/14639_laura_bush_reads__i_love_you__little_one_.php>. Acesso</p><p>em: 5 jul. 2011.</p><p>Figura 2</p><p>CHILDREN in Istambul.JPG. 1 fotografia, color. Disponível em: <http://commons.wikimedia.org/wiki/</p><p>File:Children_in_Istanbul.jpg>. Acesso em: 5 jul. 2011.</p><p>Figura 3</p><p>STUDENT in Uttaradit.JPG. 1 fotografia, color. Disponível em: <http://commons.wikimedia.org/wiki/</p><p>File:Student_In_Uttaradit_1.JPG>. Acesso em: 5 jul. 2011.</p><p>Figura 4</p><p>STUDENT in Khung Taphao Subdistrict.JPG. 1 fotografia, color. Disponível em:<http://www.free‑photos.</p><p>biz/photographs/people/children/358431_student_in_khung_taphao_subdistrict.php>. Acesso em: 5</p><p>jul. 2011.</p><p>Figura 5</p><p>RUBY Bridges Hall student question.JPG. 1 fotografia, color. Disponível em: <http://commons.</p><p>wikimedia.org/wiki/File:Ruby_Bridges_Hall_student_question.JPG>. Acesso em: 5 jul. 2011.</p><p>Figura 6</p><p>JORNAL da turma.JPG. 295 × 295 pixels, tamanho: 13 kB. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/</p><p>Ficheiro:Jornal_da_Turma.jpg>. Acesso em: 5 jul. 2011.</p><p>REFERÊNCIAS</p><p>Audiovisuais</p><p>DEU a louca na Chapeuzinho. Dir. Cory Edward, Estados Unidos. 2007. 81 min.</p><p>Textuais</p><p>ANDALÓ, A. Didática de língua portuguesa para o Ensino Fundamental: alfabetização, letramento,</p><p>produção de texto. São Paulo: FTD, 2000.</p><p>ARANHA, M. L. de A. História da educação e da pedagogia. 3ª ed. São Paulo: Moderna, 2006.</p><p>78</p><p>BRASIL, MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa.</p><p>Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/livro02.pdf>. Acesso em: 5 jul. 2011.</p><p>CALVINO, I. Os nossos antepassados. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.</p><p>COLLODI, C. As aventuras de Pinóquio. São Paulo: Iluminuras, 2002.</p><p>DAHL, R. Matilda. São Paulo; Martins Fontes, 1999.</p><p>___. O BGA: o bom gigante amigo. São Paulo: Editora 34, 1999.</p><p>FERREIRO, E.; TEBEROSKY, A. Psicogênese da língua escrita. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1999.</p><p>QUEIRÓS, B. C. de. Foram muitos, os professores. In: ABRAMOVICH, F. Meu professor inesquecível. São</p><p>Paulo: Gente, 1997.</p><p>FURNARI, E. Abaixo das canelas. São Paulo: Moderna, 2000.</p><p>LERNER, D. Ler e escrever na escola: o real, o possível e o necessário. Porto Alegre: Artmed, 2002.</p><p>MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica. Delegação de Cabo</p><p>Verde vem para o Brasil para troca de experiências. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/index.</p><p>php?option=com_content&view=article&id=16514:delegacao‑de‑cabo‑verde‑vem‑ao‑brasil‑para‑</p><p>troca‑de‑experiencias&catid=209&Itemid=86>. Acesso em: 5 jul. 2011.</p><p>RONCA, V. F. de C. Docência e Ad‑miração: da imitação à autonomia. São Paulo: Edesplan, 2007.</p><p>SCIESZKA, J. A verdadeira história dos três porquinhos. São Paulo: Companhia das Letrinhas, 1993.</p><p>SEVERINO, A. J.. Metodologia do trabalho científico. São Paulo: Cortez, 2002.</p><p>SORIANO, M. (Org.). Contos de Grimm. São Paulo: Cia das Letrinhas, 1996.</p><p>SOLÉ, I. Estratégias de Leitura. São Paulo: Artmed, 1998.</p><p>SOUZA, F. de. Que história é essa? São Paulo: Companhia das Letrinhas, 1995.</p><p>VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1998.</p><p>WEISZ, T. O diálogo entre o ensino e a aprendizagem. São Paulo: Ática, 2003.</p><p>ZABALA, Antoni. A prática educativa: como ensinar. Porto Alegre: Artmed, 1998.</p><p>Sites</p><p>http://www.fvc.org.br/projeto‑entorno.shtml</p><p>http://www.educavideosp.com.br</p><p>79</p><p>Exercícios</p><p>Unidade I – Questão 1: INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO</p><p>TEIXEIRA (INEP). Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (ENADE) 2008: Pedagogia. Questão</p><p>19. Disponível em: <http://download.inep.gov.br/download/Enade2008_RNP/PEDAGOGIA.pdf>. Acesso</p><p>em: 18 mai. 2013.</p><p>Unidade I – Questão 2: INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO</p><p>TEIXEIRA (INEP). Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (ENADE) 2008: Pedagogia. Questão</p><p>25. Disponível em: <http://download.inep.gov.br/download/Enade2008_RNP/PEDAGOGIA.pdf>. Acesso</p><p>em: 18 mai. 2013.</p><p>Unidade II – Questão 1: INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO</p><p>TEIXEIRA (INEP). Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (ENADE) 2005: Pedagogia. Questão</p><p>25. Disponível em: <http://download.inep.gov.br/download/enade/2005/provas/PEDAGOGIA.pdf>.</p><p>Acesso em: 18 mai. 2013.</p><p>Unidade II – Questão 2: INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO</p><p>TEIXEIRA (INEP). Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) 2012: 2º dia. Disponível em: <http://download.</p><p>inep.gov.br/educacao_basica/enem/gabaritos/2012/dia2_cinza.pdf>. Acesso em: 18 mai. 2013.</p><p>Unidade III – Questão 1: INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO</p><p>TEIXEIRA (INEP). Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) 2012: 2º dia. Disponível em: <http://download.</p><p>inep.gov.br/educacao_basica/enem/gabaritos/2012/dia2_cinza.pdf>. Acesso em: 18 mai. 2013.</p><p>Unidade III – Questão 2: INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO</p><p>TEIXEIRA (INEP). Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (ENADE) 2008: Pedagogia. Questão</p><p>24. Disponível em: <http://download.inep.gov.br/download/Enade2008_RNP/PEDAGOGIA.pdf>. Acesso</p><p>em: 18 mai. 2013.</p><p>80</p><p>81</p><p>82</p><p>83</p><p>84</p><p>Informações:</p><p>www.sepi.unip.br ou 0800 010 9000</p><p>Metodologia e Prática do Ensino da Língua</p><p>Portuguesa</p><p>Unidade III – Questão 2</p><p>Resposta correta: alternativa C (Construída em processo).</p><p>Análise das alternativas</p><p>A) Alternativa incorreta.</p><p>Justificativa: é o desenvolvimento da criança que é marcado por estágios e não</p><p>a aprendizagem. Além disso, a afirmativa, sem mais explicações, passa a ideia</p><p>de estágios estanques e sucessivos quando, na verdade, o desenvolvimento</p><p>da aprendizagem se dá num processo dialógico, feito de idas e vindas.</p><p>B) Alternativa incorreta.</p><p>Justificativa: importantes teóricos da educação afirmam que o desenvolvimento</p><p>da criança é um processo descontínuo, cheio de contradições e conflitos.</p><p>C) Alternativa correta.</p><p>Justificativa: o desenvolvimento da criança é um processo descontínuo, cheio</p><p>de contradições e conflitos. Ocorre em estágios que possuem uma estreita</p><p>relação entre si.</p><p>D) Alternativa incorreta.</p><p>Justificativa: em períodos de crise, podem reaparecer comportamentos em</p><p>desacordo com o estágio de desenvolvimento do indivíduo, e é possível que a</p><p>criança apresente pequenas interrupções no seu processo de aprendizagem.</p><p>E) Alternativa incorreta.</p><p>Justificativa: o desenvolvimento da criança não se faz por etapas sucessivas, é</p><p>um processo descontínuo, cheio de contradições e conflitos.</p><p>94</p><p>Maria do Céu Roldão</p><p>Revista Brasileira de Educação v. 12 n. 34 jan./abr. 2007</p><p>Ensinar enquanto especificidade</p><p>profissional do professor</p><p>A questão prévia que norteia a análise que neste</p><p>texto se procurará desenvolver é a seguinte: Que é um</p><p>professor? O que o distingue de outros actores sociais</p><p>e de outros agentes profissionais? Qual a especificida-</p><p>de da sua acção, o que constitui a sua “distinção?”</p><p>(Reis Monteiro, 2000). Será a partir da discussão da</p><p>natureza da função específica</p><p>do professor que se pro-</p><p>curará contribuir para a análise das questões do conhe-</p><p>cimento profissional docente, na medida em que estas</p><p>duas dimensões se configuram como interdependentes.</p><p>A questão enunciada, tal como as possíveis ten-</p><p>tativas de resposta, não existe per se, como sabemos;</p><p>trata-se de uma construção histórico-social em per-</p><p>manente evolução. Todavia, em cada tempo e con-</p><p>texto, a consciência da mutabilidade, historicidade e</p><p>relatividade dos conceitos, papéis e funções sociais e</p><p>profissionais não impede – antes exige – que, no tem-</p><p>po e no contexto em que se vive, sejamos capazes de</p><p>a ler com a clareza possível à luz do conhecimento e</p><p>dos referentes disponíveis. É nesta perspectiva que se</p><p>avançam as ideias defendidas neste texto.</p><p>Assim, o caracterizador distintivo do docente,</p><p>relativamente permanente ao longo do tempo, embo-</p><p>ra contextualizado de diferentes formas, é a acção de</p><p>ensinar. Mas coloca-se a este respeito um conjunto</p><p>de questões, quer históricas quer conceptuais: por um</p><p>lado, importa saber o que se entende por ensinar, o</p><p>que está longe de ser consensual ou estático; por ou-</p><p>tro, o reconhecimento da função não é contemporâ-</p><p>neo do reconhecimento e afirmação histórica de um</p><p>grupo profissional associado a ela. Pelo contrário, a</p><p>função existiu em muitos formatos e com diversos</p><p>estatutos ao longo da história, mas a emergência de</p><p>um grupo profissional estruturado em torno dessa fun-</p><p>ção é característico da modernidade, mais propriamen-</p><p>te a partir do século XVIII.</p><p>No que respeita à representação do conceito de</p><p>ensinar, a sua leitura é ainda hoje atravessada por uma</p><p>tensão profunda (Roldão, 2005c) entre o “professar</p><p>um saber” e o “fazer outros se apropriarem de um</p><p>saber” – ou melhor, “fazer aprender alguma coisa a</p><p>alguém”. No limite, e simplificando, tem-se associa-</p><p>Função docente: natureza e</p><p>construção do conhecimento profissional*</p><p>Maria do Céu Roldão</p><p>Universidade do Minho, Centro de Estudos da Criança</p><p>* Foi conservada a ortografia de Portugal.</p><p>Função docente</p><p>Revista Brasileira de Educação v. 12 n. 34 jan./abr. 2007 95</p><p>do à primeira leitura a postura mais tradicional do</p><p>professor transmissivo, referenciado predominante-</p><p>mente a saberes disciplinares, e à segunda uma leitu-</p><p>ra mais pedagógica e alargada a um campo vasto de</p><p>saberes, incluindo os disciplinares.</p><p>Na verdade, essa dicotomia, com típicos movi-</p><p>mentos pendulares fortemente ideologizados nas prá-</p><p>ticas das administrações e das escolas e professores,</p><p>tem sido, na nossa perspectiva, eminentemente redu-</p><p>tora. Do nosso ponto de vista, a dialéctica do ensino</p><p>transmissivo versus o ensino activo faz parte de uma</p><p>história relevante, mas passada, e remete, na sua ori-</p><p>gem, para momentos e situações contextuais e sócio-</p><p>históricas específicas. À luz do conhecimento mais</p><p>actual, importa avançar a análise para um plano mais</p><p>integrador da efectiva complexidade da acção em cau-</p><p>sa e da sua relação profunda com o estatuto profissio-</p><p>nal daqueles que ensinam: a função específica de en-</p><p>sinar já não é hoje definível pela simples passagem</p><p>do saber, não por razões ideológicas ou apenas por</p><p>opções pedagógicas, mas por razões sócio-históricas.</p><p>O entendimento de ensinar como sinónimo de</p><p>transmitir um saber deixou de ser socialmente útil e</p><p>profissionalmente distintivo da função em causa, num</p><p>tempo de acesso alargado à informação e de estrutu-</p><p>ração das sociedades em torno do conhecimento en-</p><p>quanto capital global. Num passado mais distante, pelo</p><p>contrário, essa interpretação de ensinar assumia um</p><p>significado socialmente pertinente, quando o saber</p><p>disponível era muito menor, pouco acessível, e o seu</p><p>domínio limitado a um número restrito de grupos ou</p><p>indivíduos. Nesses contextos – que, de um modo glo-</p><p>bal, caracterizaram o desenvolvimento da escolari-</p><p>dade até finais da primeira metade do século XX –</p><p>era socialmente justificada a associação da ideia de</p><p>ensinar com a de passar conhecimento, de “profes-</p><p>sar” o saber, de torná-lo público, de “lê-lo”1 para os</p><p>outros que o não possuíam.</p><p>A função de ensinar, nas sociedades actuais, e</p><p>retomando uma outra linha de interpretação do con-</p><p>ceito,2 é antes caracterizada, na nossa perspectiva, pela</p><p>figura da dupla transitividade e pelo lugar de media-</p><p>ção. Ensinar configura-se assim, nesta leitura, essen-</p><p>cialmente como a especialidade de fazer aprender</p><p>alguma coisa (a que chamamos currículo, seja de que</p><p>natureza for aquilo que se quer ver aprendido) a al-</p><p>guém (o acto de ensinar só se actualiza nesta segunda</p><p>transitividade corporizada no destinatário da acção,</p><p>sob pena de ser inexistente ou gratuita a alegada acção</p><p>de ensinar) (Roldão, 2005a).</p><p>Tal não significa que nos possamos satisfazer com</p><p>esta proposição conceptual para analisar o que é ensi-</p><p>nar, e muito menos tomar qualquer destas tentativas</p><p>exploratórias do conceito e da função como definitivas</p><p>ou definidoras... Avançamo-las, sim, como uma hipó-</p><p>tese de trabalho que nos parece potenciadora de algu-</p><p>ma clarificação no debate científico sobre a profissio-</p><p>nalidade docente. Como Shulman (1986, p. 29) bem</p><p>sublinhou, “teaching is a beautifully ambiguous term”.</p><p>A história recente dos professores, na sua consti-</p><p>tuição gradual como grupo profissional, ou pré ou</p><p>semiprofissional (Gimeno Sacristán, 1995), desenvol-</p><p>ve-se num processo complexo de profissionalização</p><p>que Nóvoa (1995) organiza num modelo de análise</p><p>clarificador.3 No conjunto de factores complexos cuja</p><p>relação esse modelo nos permite interpretar, entende-</p><p>1 Veja-se o termo “lente”, que se aplicava em Portugal, num</p><p>passado não muito distante, ao professor catedrático, expoente</p><p>máximo da posse de um saber, e do conseqüente poder de o distri-</p><p>buir, apresentar, professar.</p><p>2 Este entendimento de ensinar como “conduzir” o outro a</p><p>aprender remete para as origens do termo pedagogo – etimologi-</p><p>camente, aquele que conduz (ago) a criança (paidos) ao conheci-</p><p>mento e à cultura –, associadas, como sabemos, à prática de ensi-</p><p>no cometida a escravos gregos na antiga Roma, tornados educa-</p><p>dores dos filhos dos romanos vencedores.</p><p>3 Ver Nóvoa (1995, p. 20). O modelo aí desenvolvido orga-</p><p>niza-se em quatro etapas evolutivas e em torno de duas dimen-</p><p>sões: (a) corpo de conhecimentos e de técnicas e (b) conjunto de</p><p>normas e valores, em cujo cruzamento se estabelece como eixo</p><p>estruturante, em cada momento, o estatuto social e económico dos</p><p>professores. Ver também Nóvoa (2005), para a dimensão histórica</p><p>da construção da profissão.</p><p>96</p><p>Maria do Céu Roldão</p><p>Revista Brasileira de Educação v. 12 n. 34 jan./abr. 2007</p><p>mos destacar, na perspectiva que aqui adoptamos, a</p><p>ligação particular desse caminho para a profissionali-</p><p>zação do professorado a dois processos sociais, dis-</p><p>tintos mas complementares:</p><p>a) um, extrínseco, de natureza político-organi-</p><p>zativa: a institucionalização da escola como</p><p>organização pública, e do currículo que a le-</p><p>gitima no plano social, a partir da necessida-</p><p>de de: (a) alfabetizar a população, incluindo</p><p>a trabalhadora, no pós-Revolução Industrial;</p><p>e (b) viabilizar um maior grau de politização</p><p>das populações, necessário mesmo para os</p><p>níveis mínimos de participação na vida pú-</p><p>blica nas sociedades pós-antigo regime; é as-</p><p>sim a afirmação social da instituição escola</p><p>que vai funcionar como alavanca principal,</p><p>ainda que não única, do processo gradual de</p><p>afirmação dos docentes como grupo profis-</p><p>sional socialmente identificável;</p><p>b) outro, de natureza intrínseca, associado à ne-</p><p>cessidade de legitimar esse grupo social dos</p><p>docentes pela posse de determinado saber</p><p>distintivo: a afirmação de um conhecimento</p><p>profissional específico, corporizado, e, por sua</p><p>vez, estimulado pelo reconhecimento da ne-</p><p>cessidade de uma formação própria para o</p><p>desempenho da função, reconhecimento que</p><p>constituiu um dos grandes passos, no início</p><p>do século XX em particular, para o reconhe-</p><p>cimento social dos docentes enquanto grupo</p><p>profissional.</p><p>Tal processo de profissionalização</p><p>não é, contu-</p><p>do, linear nem unidireccional. Como sublinha Nóvoa</p><p>(1995, p. 21), alternam na história dos professores</p><p>desde o século XIX períodos de profissionalização e</p><p>desprofissionalização, pautados por conflitos de inte-</p><p>resses e actores: “A afirmação profissional dos pro-</p><p>fessores é um percurso repleto de lutas e de conflitos,</p><p>de hesitações e de recuos. […] A compreensão do pro-</p><p>cesso de profissionalização exige, portanto, um olhar</p><p>atento às tensões que o atravessam”.</p><p>Vive-se de novo, actualmente, um momento par-</p><p>ticularmente crítico desse processo de desenvolvimen-</p><p>to do grupo profissional, em que se joga, quanto a</p><p>nós, a afirmação ou esbatimento da profissionalidade</p><p>docente, por força de factores como a massificação</p><p>escolar, com a conseqüente expansão e diversifica-</p><p>ção dos públicos escolares, a imobilidade persistente</p><p>dos dispositivos organizacionais e curriculares da es-</p><p>cola geradora do seu anacronismo ante as realidades</p><p>actuais, a pressão das administrações e dos poderes</p><p>económicos para uma funcionarização acrescida dos</p><p>docentes, todavia também largamente alimentada pe-</p><p>los próprios professores, prisioneiros de uma cultura</p><p>que se instalou ao longo deste processo e que contra-</p><p>diz a alegada reivindicação – no discurso político e</p><p>no discurso dos próprios docentes – de uma maior</p><p>autonomia e decisão, desejavelmente associadas a um</p><p>reforço de profissionalidade.</p><p>Neste quadro de contradições e tensões, parti-</p><p>mos do pressuposto da absoluta centralidade do co-</p><p>nhecimento profissional, embora enquadrado na teia</p><p>de todos os outros elementos, como factor decisivo</p><p>da distinção profissional, na fase do processo de evo-</p><p>lução histórica da profissão que se atravessa, clara-</p><p>mente marcado pela tensão entre o salto para um ní-</p><p>vel mais consistente de profissionalidade ou o risco</p><p>de recuo para situações de proletarização e funciona-</p><p>rização reforçadas (Apple, 1997).</p><p>O lugar do conhecimento na definição</p><p>da profissionalidade docente, ou da urgência</p><p>da delimitação de um saber específico</p><p>Todas as profissões que construíram ao longo do</p><p>tempo o reconhecimento de um estatuto de profissio-</p><p>nalidade plena (médicos, engenheiros, arquitectos,</p><p>entre outros) se reconhecem, se afirmam e são</p><p>distinguidas, na representação social, pela posse de</p><p>um saber próprio, distinto e exclusivo do grupo que o</p><p>partilha, produz e faz circular, conhecimento esse que</p><p>lhe legitima o exercício da função profissional em</p><p>causa (Rodrigues, 1997). Por isso insistimos ante-</p><p>riormente na clarificação da função de ensinar: é que</p><p>Função docente</p><p>Revista Brasileira de Educação v. 12 n. 34 jan./abr. 2007 97</p><p>existe uma estreitíssima ligação entre a natureza da</p><p>função e o tipo de conhecimento específico que se</p><p>reconhece como necessário para a exercer.</p><p>No caso dos professores, quer a função quer o</p><p>conhecimento profissional se têm mutuamente conta-</p><p>minado, por um lado, por uma tendência para a difu-</p><p>são envolvida de uma discursividade humanista abran-</p><p>gente, que não permite aprofundar a especificidade da</p><p>função nem do saber; por outro lado, e no extremo opos-</p><p>to, por uma orientação para a especificação operativa,</p><p>associada à redução do ensino a acções práticas que se</p><p>esgotam na sua realização, em que o saber é mínimo e</p><p>a reflexão dispensável, e que acabam traduzindo-se</p><p>numa tecnicização da actividade. Nenhuma destas ten-</p><p>dências se constitui em produtora credível de desen-</p><p>volvimento e afirmação profissional.</p><p>Por isso afirmámos noutro local ser o conhecimen-</p><p>to profissional o “elo mais fraco” da profissão docente</p><p>(Roldão, 2005a), aquele em que importa investir como</p><p>alavanca capaz de reverter o descrédito, o desânimo, o</p><p>escasso reconhecimento – factores repetidamente iden-</p><p>tificados na investigação sobre professores e desenvol-</p><p>vimento profissional (Roldão, 2005b).</p><p>Para discutir o conhecimento profissional docente</p><p>e analisar o seu peso no desempenho da actividade</p><p>dos docentes, com implicações evidentes no estado</p><p>de desenvolvimento ou esbatimento, presente e futu-</p><p>ro, da sua profissionalidade, e no sentido de isolar</p><p>uma vertente dentro da complexidade da problemáti-</p><p>ca, decidimos situar esta análise não nas questões da</p><p>construção e uso desse conhecimento,4 mas a mon-</p><p>tante, na tentativa de clarificação da sua natureza.</p><p>Da natureza do conhecimento profissional</p><p>docente: o teórico e o prático, ou talvez não…</p><p>As dificuldades na clarificação da especificida-</p><p>de do conhecimento profissional docente resultam de</p><p>vários factores. Entre esses factores conta-se a pró-</p><p>pria complexidade da função, como anteriormente se</p><p>referiu. Outros factores de complexidade ligam-se à</p><p>inevitável miscigenação de elementos pessoais e pro-</p><p>fissionais no desempenho docente, agravados com o</p><p>peso da história e dos multissignificados que ensinar</p><p>assumiu em contextos tão diversos como o da mis-</p><p>sionação, ou o do perceptorado, miscigenação essa</p><p>que dificulta por vezes a clarificação da natureza da</p><p>acção docente. Tal indefinição, acrescida da influên-</p><p>cia de correntes teóricas diversas, umas de matriz</p><p>personalista, ou subsidiárias da não directividade,</p><p>outras orientadas pelos conceitos do behaviorismo ou</p><p>da educação eficaz nos seus formatos mais radicais,</p><p>empurram a função de ensinar ora para a indefinição</p><p>ora para a tecnicização, na esteira do que Mark Holmes</p><p>(1991, p. 65) identificava como o efeito do balanço</p><p>pendular entre uma perspectiva tecnocrática e uma</p><p>perspectiva terapêutica relacional, ambas, na sua</p><p>óptica, subversivas da educação.</p><p>Outros factores de dificuldade, e de não menos</p><p>importância, resultam da preexistência histórica da</p><p>acção de ensinar ante a formalização da formação</p><p>para ensinar, que vem a articular os corpos de saber</p><p>necessários à formação de alguém que ensina. Lourdes</p><p>Montero (2005, p. 19) sublinha a este propósito a com-</p><p>plexidade da “conversão de um campo de prática pro-</p><p>fissional num campo de conhecimento”, conversão</p><p>que, segundo Honore (1980, p. 18), se configura me-</p><p>diante um processo de reflexão.</p><p>A actividade de ensinar – como sucedeu com</p><p>outras actividades profissionais – praticou-se muito</p><p>antes de sobre ela se produzir conhecimento sistema-</p><p>tizado. Estas profissões transportam por isso uma ine-</p><p>vitável “praticidade” que, a não ser questionada/</p><p>teorizada, jamais transformaria a actividade em acção</p><p>profissional e mante-la-ia prisioneira de rotinas não</p><p>questionadas e incapazes de responder à realidade.</p><p>Todavia, a progressiva teorização da acção, neste</p><p>como noutros domínios, foi gerando, por sua vez,</p><p>novos corpos de conhecimento, que passam a alimen-</p><p>tar – e a transformar – a forma de agir dos profissio-</p><p>nais em causa.</p><p>4 Da clarificação da natureza do conhecimento profissional</p><p>docente – articulada com a sua construção e o seu uso – decorrem</p><p>as principais implicações para as questões da formação. Ver Rol-</p><p>dão (2006a).</p><p>98</p><p>Maria do Céu Roldão</p><p>Revista Brasileira de Educação v. 12 n. 34 jan./abr. 2007</p><p>Esta anterioridade/interacção da prática ante sua</p><p>teorização, comum às actividades sociopráticas (De</p><p>Castell, Luke & Luke, 1989) como a medicina ou o</p><p>ensino, carreia toda a complexidade daquilo que o</p><p>jargão académico invoca como a relação teoria-prá-</p><p>tica. É aí de facto que se joga grande parte da dificul-</p><p>dade de estabelecer a natureza do conhecimento pro-</p><p>fissional docente e de configurar os modos e</p><p>identificar os actores da sua produção e uso. É justa-</p><p>mente neste interface teoria-prática que se jogam, jul-</p><p>gamos, as grandes questões relativas ao conhecimen-</p><p>to profissional docente que hoje estão na agenda da</p><p>formação e da profissionalização dos professores,</p><p>questões que adiante nos propomos discutir.</p><p>A formalização do conhecimento profissional li-</p><p>gado ao acto de ensinar implica a consideração de uma</p><p>constelação de saberes de vário tipo, passíveis de di-</p><p>versas formalizações teóricas – científicas, científico-</p><p>didácticas, pedagógicas (o que ensinar, como ensinar,</p><p>a quem e de acordo com que finalidades, condições</p><p>governo autoritário, como foi o caso da ditadura militar no Brasil, no período de 1964 a 1985, bastava que</p><p>as pessoas compreendessem o que era esperado delas e soubessem cumprir ordens. Questionamentos e</p><p>reflexões eram, na maioria das vezes, entendidos como expressões de rebeldia. Cada um deveria conhecer</p><p>e acatar passivamente o seu papel e o seu lugar na sociedade, conforme nos conta a autora Maria Lúcia</p><p>11</p><p>METODOLOGIA E PRÁTICA DO ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>A. Aranha (2006, p.314), quando afirma: “Foi proibida qualquer tentativa de ação política: ‘estudante é</p><p>para estudar; trabalhador para trabalhar.’” Assim, para conter aqueles que pensavam de modo diferente</p><p>daquele ditado pelo governo, foram instituídos diversos mecanismos de controle e repressão, como</p><p>fiscalização, censura, prisão, tortura, exílio etc.</p><p>O segundo aspecto revela que muitas pesquisas sobre “como o aluno aprende” e, consequentemente,</p><p>“o que favorece essa aprendizagem” não haviam sido difundidas no meio docente; inclusive, boa parte</p><p>delas ainda estava acontecendo. Mesmo aquelas que já tiveram obtido resultados que poderiam</p><p>contribuir para uma prática pedagógica mais eficiente ainda não haviam sido amplamente divulgadas</p><p>e discutidas, por motivos diversos. Assim, o tipo de ensino que recebíamos era, em sua época, o que</p><p>acreditávamos ser a melhor forma de ensinar.</p><p>Lembrete</p><p>Lembre‑se de que a velocidade de circulação das informações,</p><p>atualmente, é muito diferente de outras épocas, pois temos eficientes</p><p>veículos de comunicação a nosso favor, como é o caso da internet.</p><p>Porém, mesmo com todas essas inadequações do ensino da leitura e da escrita, muitos de nós</p><p>aprendemos desse modo, o que justifica o discurso daqueles que são contra mudanças na forma de</p><p>ensinar. Há também outro fator que precisa ser considerado: se o ensino tradicional foi eficiente numa</p><p>determinada época, será preciso uma modificação radical? Por outro lado, há que se considerar o fato de</p><p>que a sociedade não se mantém estática, parada no tempo, mas tem um caráter dinâmico e está sempre</p><p>em transformação. No que se refere à forma pela qual aprendemos, sabemos que esta não forneceu, à</p><p>maioria de nós, as condições necessárias para atuar criticamente, o que resulta numa necessidade de</p><p>esforço contínuo individual para alcançar tal intento. O ensino que recebemos servia a quais interesses? O</p><p>que pretendemos, quando propomos o ensino da leitura e da escrita de modo reflexivo? A que interesses</p><p>servimos?</p><p>O processo educativo não está isolado de outras instâncias sociais. Ele apresenta estreita relação com as</p><p>e perspectivas da sociedade em qualquer parte do mundo. Tais perspectivas podem estar essencialmente</p><p>a favor daqueles que estão no poder ou podem refletir, fundamentalmente, as transformações sociais</p><p>necessárias; normalmente, esses dois aspectos estão em jogo, visto que têm, entre si, implicações</p><p>mútuas.</p><p>Mas, o que tudo isso tem a ver com o ensino da leitura e da escrita nos anos iniciais do Ensino</p><p>Fundamental?</p><p>Num país de regime ditatorial (autoritário), por exemplo, pode interessar àqueles que detêm o</p><p>poder que o ensino da leitura e da escrita permaneça na esfera do “decifrar as palavras”. Não haverá</p><p>investimento para que se compreenda esse processo como uma prática que permite pensar sobre a</p><p>mensagem que está sendo comunicada para, posteriormente, emitir posicionamentos pessoais, como</p><p>concordar, discordar, admirar, criticar, estabelecer comparações, reelaborar conclusões, indicar a leitura</p><p>12</p><p>Unidade I</p><p>etc. Quanto menos acesso à informação e menor poder de argumentação tiver a população, melhor será</p><p>para que tudo permaneça como está.</p><p>Refletir sobre esses aspectos de caráter histórico‑político é essencial para que saibamos a importância</p><p>de romper com modelos que já não contribuem para a formação de uma sociedade melhor. É preciso,</p><p>também, conhecer o papel que a leitura e a escrita desempenham nesse processo, pois, constituem‑se</p><p>vias de acesso à informação, a partir das quais podemos interpretar o que ocorre na sociedade, tomar</p><p>decisões, fazer exigências, enfim, sair da passividade para a atividade.</p><p>Sabemos que aqueles que não têm acesso à informação por meio da leitura e da escrita terão diminuídas</p><p>as suas possibilidades de aproximação com a realidade dos fatos, pois dependerão do relato da opinião</p><p>e da interpretação de outros, para que possam posicionar‑se diante de algo. Entretanto, o depoimento</p><p>desses outros revela suas “impressões pessoais” a respeito do que está sendo tratado (não há como ser</p><p>diferente) e será muito mais difícil, para aqueles que não dominam o sistema de escrita, argumentar a</p><p>respeito do que diz aquele que buscou a informação na fonte escrita (jornal, revista, livro, placa, folheto,</p><p>internet etc.). Isso não significa dizer que nós, leitores e escritores, sempre acessamos informações que nos</p><p>revelam a “verdade” dos fatos; até que chegue a nós, a informação já passou por uma série de filtros e</p><p>interpretações pessoais e, na maioria das vezes, sofreu distorções. Porém, para nós que lemos e escrevemos,</p><p>há a possibilidade da investigação na fonte, da consulta de documentos diversos, o que diminui a distância</p><p>entre o que acreditamos ser real e o que querem que acreditemos que seja real.</p><p>Desse modo, a leitura e a escrita precisam ser compreendidas também na perspectiva de instrumentos</p><p>que viabilizam uma participação social mais eficiente, contibuindo com transformações necessárias para</p><p>a construção da sociedade, com condições favoráveis de desenvolvimento para todos.</p><p>2 O ENSINO QUE RECEBEMOS</p><p>É possível que, ao resgatar as lembranças do seu processo de aprendizagem da leitura e da escrita na</p><p>escola, você tenha se deparado com situações parecidas com estas:</p><p>• Momentos de leitura silenciosa.</p><p>• Solicitação para fazer um desenho, a partir da história que foi lida (ou para colorir o desenho que</p><p>já estava pronto).</p><p>• Atividades de interpretação em que tínhamos que, como tarefa, identificar e copiar as respostas,</p><p>tal como eram apresentadas no texto.</p><p>• Identificação das palavras desconhecidas e a busca do significado correspondente no dicionário,</p><p>para formar o glossário do texto.</p><p>• Reescrita de frases (que faziam parte de um texto ou eram criadas para ensinar um conteúdo),</p><p>para que a fizéssemos conforme o modelo que nos era dado (passá‑las para o plural, para o</p><p>masculino, mudar os verbos para o passado etc.).</p><p>13</p><p>METODOLOGIA E PRÁTICA DO ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>É preciso compreender que todas essas atividades podem contribuir para a aprendizagem da leitura</p><p>e da escrita. Contudo, é necessario saber que, para o desenvolvimento da competência leitora e escritora</p><p>(entendida como a mobilização dos saberes construídos ao longo do desenvolvimento, para a solução</p><p>de um problema numa situação prática), será preciso ir além de atividades que não oferecem a reflexão</p><p>sobre o nosso sistema de escrita, nem sobre a mensagem que está sendo lida.</p><p>Atividades que solicitam do aluno uma resposta com base na memorização ou na simples identificação</p><p>de um trecho do texto não favorecem a utilização desse conhecimento quando o aluno está frente a uma</p><p>situação em que precisa agir de forma autônoma e criativa. Esse é também um dos motivos pelos quais</p><p>muitos alunos que possuem um histórico escolar admirável não conseguem obter aprovação em concursos</p><p>públicos, por exemplo. E aqui é necessário desfazer um equívoco: quando afirmamos que há atividades que se</p><p>pautam essencialmente na memorização, no ato de decorar um conceito e na simples identificação de uma</p><p>informação no texto, não estamos, com isso, querendo dizer que tais procedimentos não são importantes</p><p>para a formação leitora e escritora do aluno. Essa é uma interpretação distorcida que não traz contribuições</p><p>para a prática educativa. O que queremos enfatizar aqui é que não se deve permanecer apenas nessa esfera.</p><p>E mais: que tais atividades não devem ser desvinculadas dos demais aspectos que envolvem a leitura e a</p><p>escrita competente.</p><p>e</p><p>recursos), que contudo, se jogam num único saber in-</p><p>tegrador, situado e contextual – como ensinar aqui e</p><p>agora –, que se configura como “prático”.</p><p>Importa distinguir, contudo, no uso dos termos</p><p>teórico e prático, os limites com que aqui os aborda-</p><p>mos. Trata-se, em ambos os casos, da possibilidade de</p><p>uma dupla aproximação, já que podemos nos referir:</p><p>1) ao saber teórico produzido e formalizado pela in-</p><p>vestigação sobre a prática de ensinar, ou 2) ao conhe-</p><p>cimento teórico produzido ou mobilizado pelos actores</p><p>na prática de ensinar (que não exclui a anterior, mas a</p><p>utiliza noutra sede). Por seu lado, ao referenciar o co-</p><p>nhecimento dito “prático”, podemos designar: a) o “sa-</p><p>ber fazer” apenas (resultando num praticismo ou num</p><p>tecnicismo simplista), ou, pelo contrário, b) o saber</p><p>fazer, saber como fazer, e saber porque se faz. Em am-</p><p>bos os conceitos, é a segunda opção a que aqui</p><p>adoptamos e procuraremos discutir. Consideramos que</p><p>a clássica fórmula relação teoria-prática transporta uma</p><p>conceptualização simbólica que pode ser pouco</p><p>operativa, ocultando a íntima dependência de um cam-</p><p>po diante do outro. De facto, tal formulação vem sen-</p><p>do apropriada no sentido de uma visão destes dois cam-</p><p>pos como entidades separadas no seu desenvolvimen-</p><p>to, cuja interligação se traduziria apenas em processos</p><p>de aplicação – da teoria à prática. É essa leitura</p><p>aplicacionista que se evidencia como dominante entre</p><p>os docentes, tal como a investigação nos dá conta (Rol-</p><p>dão, 2006a). Requer-se assim, julgamos, na situação</p><p>específica dos saberes sociopráticos, como é o caso do</p><p>conhecimento específico subjacente à função de ensi-</p><p>nar, um esforço de reconceptualização da proclamada</p><p>relação teoria-prática.</p><p>Relativamente à natureza do conhecimento pro-</p><p>fissional docente, é abundante a teorização produzida,</p><p>de que Montero (2005) nos oferece uma extensa e pro-</p><p>funda análise crítica e posicionamento próprio. Na vas-</p><p>ta produção sobre o conhecimento profissional docen-</p><p>te, é possível identificar, segundo a autora, duas linhas</p><p>dominantes, ainda assim admitindo múltiplas versões</p><p>no seu interior e aproximações entre si: uma linha que</p><p>se aproxima dos estudos de Lee Shulman (1986, 1987)</p><p>e Shulman e Shulman (2004), que operam sobretudo</p><p>pela desmontagem analítica dos componentes envolvi-</p><p>dos no conhecimento global docente (do conhecimento</p><p>do currículo ao conhecimento dos alunos, do conheci-</p><p>mento científico ao conhecimento didáctico do conteú-</p><p>do e ao conhecimento científico-pedagógico); e uma</p><p>outra que, na linha de Freema Elbaz (1983) e Connelly</p><p>e Clandinin (1984), da corrente teórica do “pensamen-</p><p>to do professor” desenvolvida a partir dos anos oitenta</p><p>do século XX e, sobretudo, sob a forte influência de</p><p>Donald Schön e da sua epistemologia da prática (1983,</p><p>1987), se centra na construção do conhecimento profis-</p><p>sional enquanto processo de elaboração reflexiva a par-</p><p>tir da prática do profissional em acção.</p><p>Segundo Fenstermarcher (1994, p. 15), o primeiro</p><p>grupo de teóricos acentuaria mais o carácter normati-</p><p>vo do conhecimento profissional docente – procuran-</p><p>do estabelecer o que os professores devem saber para</p><p>ensinar bem, ao passo que os investigadores mais li-</p><p>gados à linha do conhecimento prático privilegiam a</p><p>vertente descritiva/interpretativa do saber profissio-</p><p>nal, analisando o conhecimento que manifestam os</p><p>professores que ensinam bem. Preferimos distingui-</p><p>los pelo predomínio de uma vertente analítico-</p><p>Função docente</p><p>Revista Brasileira de Educação v. 12 n. 34 jan./abr. 2007 99</p><p>conceptual nos primeiros, e pela valorização de uma</p><p>vertente holística e contextual nos segundos. Contu-</p><p>do, a análise mais detalhada indicia inúmeros pontos</p><p>de contacto entre ambas as teorizações. Note-se que</p><p>a abordagem de Shulman inclui aproximações claras</p><p>ao modelo do professor investigador (Stenhouse,</p><p>1991) e do prático reflexivo (Schön, 1987), e que o</p><p>conhecimento resultante da prática não se reporta à</p><p>legitimação de uma qualquer prática, mas ao conhe-</p><p>cimento que resulta da reflexão analítica de professo-</p><p>res competentes – reflexão e competência que implici-</p><p>tamente convocam, de forma integrada, as categorias</p><p>que em Shulman aparecem na forma de componentes.</p><p>Não pretendemos simplificar a multiplicidade e</p><p>a riqueza da investigação produzida a dualidades re-</p><p>dutoras. Lourdes Montero sublinha que em ambas as</p><p>correntes referenciadas existe um ponto comum im-</p><p>portantíssimo: são amplamente sustentadas por estu-</p><p>dos de caso que fundamentam e iluminam as suas teo-</p><p>rizações respectivas, ou seja, alimentam-se, de facto,</p><p>do conhecimento expresso pelos professores em si-</p><p>tuação real. Muitos autores procuram produzir sínte-</p><p>ses das diversas abordagens teorizadoras do conheci-</p><p>mento profissional docente, entre os quais a própria</p><p>Montero (2005, p. 218), que sistematiza da forma se-</p><p>guinte o seu conceito de conhecimento profissional:</p><p>O conjunto de informações, aptidões e valores que os</p><p>professores possuem, em conseqüência da sua participação</p><p>em processos de formação (inicial e em exercício) e da aná-</p><p>lise da sua experiência prática, uma e outras manifestadas</p><p>no seu confronto com as exigências da complexidade, in-</p><p>certeza, singularidade e conflito de valores próprios da sua</p><p>actividade profissional; situações que representam, por sua</p><p>vez, oportunidades de novos conhecimentos e de cresci-</p><p>mento profissional.</p><p>Para uma tentativa de clarificação de</p><p>dispositivos “geradores de especificidade” do</p><p>conhecimento profissional docente</p><p>Da reflexão anterior pode concluir-se que, no</p><p>plano da clarificação da natureza do conhecimento</p><p>profissional docente, se configuram duas tendências</p><p>interpretativas predominantes: uma centrada na aná-</p><p>lise das suas componentes, outra centrada na valori-</p><p>zação da prática profissional reflectida como sua fonte</p><p>primeira. Tendências que divergem na matriz de aná-</p><p>lise, mas convergem na interpretação da práxis e do</p><p>conhecimento que a sustenta – ainda que uma enfati-</p><p>zando o conhecimento prévio necessário, outra valo-</p><p>rizando o conhecimento emergente da prática e da</p><p>reflexão sobre ela.</p><p>Para os propósitos que anteriormente enunciá-</p><p>mos, é-nos, julgamos, indispensável retomar ambas:</p><p>por um lado, a vertente que alguns considerarão ana-</p><p>lítica e mais normativa porque, no plano epistemoló-</p><p>gico, nos parece possível e necessário desocultar a</p><p>natureza desse conhecimento particular que é o co-</p><p>nhecimento profissional docente através da desmon-</p><p>tagem das suas componentes; por outro lado porque</p><p>se reconhece a valia da epistemologia da prática en-</p><p>quanto iluminadora da sustentação nuclear do conhe-</p><p>cimento profissional na reflexão antes, sobre, na e após</p><p>a acção.</p><p>Mas, para além da questão das fontes e dos mo-</p><p>dos de construção e desenvolvimento do conhecimen-</p><p>to profissional que neste texto não incluímos, ao tentar</p><p>clarificar a natureza desse conhecimento detemo-nos</p><p>preferencialmente sobre aqueles aspectos que, na nos-</p><p>sa perspectiva, são os geradores de especificidade, e</p><p>que funcionam como agregadores dos outros elemen-</p><p>tos já teorizados e que antes brevemente recordámos.</p><p>A questão que nos move situa-se na compreen-</p><p>são do que há de específico e distintivo neste conheci-</p><p>mento profissional que “deve” (dimensão normativa)</p><p>caracterizar o conhecimento profissional que, por sua</p><p>vez, é o conhecimento que subjaz, com mais ou me-</p><p>nos articulação, ao que os bons professores fazem e</p><p>como o fazem (dimensão descritiva). Aparentemente,</p><p>já quase tudo terá sido dito sobre aquilo que o consti-</p><p>tui ou sobre a sua construção no desenvolvimento da</p><p>prática profissional. Contudo, e se comparamos com</p><p>o saber definidor de outras profissões, talvez não nos</p><p>baste o jogo lógico da dimensão analítica e da dimen-</p><p>são narrativa e contextual-reflexiva. Onde se joga afi-</p><p>100</p><p>Maria do Céu Roldão</p><p>Revista Brasileira de Educação v. 12 n. 34 jan./abr. 2007</p><p>nal a especificidade desse conhecimento que permite</p><p>exercer fundamentadamente</p><p>a função de ensinar?</p><p>Em forma tentativa, e tendo em conta que esta</p><p>análise tem implicações para os processos de forma-</p><p>ção inicial e contínua, e respectiva sustentabilidade,</p><p>propomos um conjunto de caracterizadores que conce-</p><p>bemos como agregadores e factores de distinção do</p><p>conhecimento profissional docente. Decorrem simul-</p><p>taneamente de uma lógica normativa – explicitar o “sa-</p><p>ber ideal” ante a função de ensinar e sua eficácia – e de</p><p>uma lógica interpretativa da prática real – na medida</p><p>em que se apoiam em investigação sobre práticas do-</p><p>centes e experiências de formação (Roldão, 2006a).</p><p>1. Um primeiro aspecto do conhecimento pro-</p><p>fissional docente que o distingue é a sua natureza</p><p>compósita, que é diferente de composta. Não se trata</p><p>de um conhecimento constituído de várias valências</p><p>combinadas por lógicas aditivas, mas sim por lógi-</p><p>cas conceptualmente incorporadoras – o que tam-</p><p>bém se distingue da ideia de simples integração. Nas</p><p>práticas de qualidade, verificamos que não basta que</p><p>se integrem os conhecimentos de várias naturezas,</p><p>mas que eles se transformem, passando a constituir-</p><p>se como parte integrante uns dos outros. Por exem-</p><p>plo, o conhecimento didáctico de conteúdo incluirá,</p><p>modificando-o, o conhecimento de conteúdo. Não</p><p>basta ao professor conhecer, por exemplo, as teorias</p><p>pedagógicas ou didácticas e aplicá-las a um dado</p><p>conteúdo da aprendizagem, para que daí decorra a</p><p>articulação desses dois elementos na situação con-</p><p>creta de ensino. Há que ser capaz de transformar con-</p><p>teúdo científico e conteúdos pedagógico-didácticos</p><p>numa acção transformativa, informada por saber</p><p>agregador, ante uma situação de ensino “ por apro-</p><p>priação mútua dos tipos de conhecimento envolvi-</p><p>dos, e não apenas por adição ou mera aplicação. Ou</p><p>seja, um elemento central do conhecimento profis-</p><p>sional docente é a capacidade de mútua incorpora-</p><p>ção, coerente e transformadora, de um conjunto de</p><p>componentes de conhecimento (tomando as catego-</p><p>rias shulmianas como referente dessas componentes).</p><p>Esta capacidade de agregação implica necessariamen-</p><p>te que cada uma dessas componentes tenha sido pre-</p><p>viamente apropriada com profundidade, mas vai para</p><p>além dessa apropriação prévia, num processo de co-</p><p>nhecimento transformativo.</p><p>2. Outro elemento que consideramos, nesta pro-</p><p>posta de análise, “gerador de especificidade” do co-</p><p>nhecimento profissional, é a capacidade analítica,</p><p>aspecto que a linha da prática reflexiva vem também</p><p>acentuando. Tal exercício permanente da capacidade</p><p>analítica opõe-se directamente ao agir docente roti-</p><p>neiro, ainda que este possa assentar em conhecimen-</p><p>to técnico ou mesmo artístico, tantas vezes convoca-</p><p>dos para legitimar o saber docente no quotidiano. Não</p><p>é a perícia técnica da aula, tampouco a pura inspira-</p><p>ção criativa, que fazem a especificidade do saber do-</p><p>cente. E, contudo, o conhecimento profissional (do</p><p>professor, do médico, entre outros) exige sem dúvida</p><p>o rigoroso domínio de muito saber técnico (como fa-</p><p>zer) e o domínio de uma componente improvisativa e</p><p>criadora ante o “caso”, a “situação”, que podemos</p><p>chamar de “artística”. Mas só se converte em conhe-</p><p>cimento profissional quando, e se, sobre tais valên-</p><p>cias (técnica e criativa) se exerce o poder conceptua-</p><p>lizador de uma análise sustentada em conhecimentos</p><p>formalizados e/ou experienciais, que permite dar e</p><p>identificar sentidos, rentabilizar ou ampliar potencia-</p><p>lidades de acção diante da situação com que o profis-</p><p>sional se confronta.</p><p>3. Um outro elemento que consideramos “gera-</p><p>dor de especificidade” do conhecimento profissional</p><p>docente é a sua natureza mobilizadora e interrogati-</p><p>va – freqüentemente ausente da cultura e das práticas</p><p>dos professores, com conseqüências no respectivo su-</p><p>cesso do seu ensino. Em todo o processo de ensinar5</p><p>se joga constantemente a componente da mobiliza-</p><p>ção – das componentes categoriais de Shulman, aqui</p><p>tomadas como referente possível, de situações vivi-</p><p>das, de semelhanças e diferenças com outros casos/</p><p>5 Adopto como significado de ensinar promover intencio-</p><p>nalmente a aprendizagem de alguma coisa por outros. Ver Roldão</p><p>(2005a).</p><p>Função docente</p><p>Revista Brasileira de Educação v. 12 n. 34 jan./abr. 2007 101</p><p>situações observadas. Mobilizar implica convocar in-</p><p>teligentemente, articulando elementos de natureza</p><p>diversa num todo complexo. De igual modo, e em</p><p>paralelo com a mobilização, o conhecimento profis-</p><p>sional docente, pela singularidade e imprevisibilidade</p><p>das situações e das pessoas, requer o questionamento</p><p>permanente, quer da acção prática (mas não só dela,</p><p>como induzem algumas leituras do senso comum dian-</p><p>te do paradigma reflexivo), quer do conhecimento de-</p><p>clarativo previamente adquirido, quer da experiência</p><p>anterior. Como na construção do conhecimento cien-</p><p>tífico formal, também aqui estas duas valências se con-</p><p>figuram como essenciais ao desenvolvimento bem-</p><p>sucedido de uma acção socioprática tão complexa</p><p>como ensinar.</p><p>4. Outro “gerador de especificidade” do conhe-</p><p>cimento profissional docente, relacionado com a ca-</p><p>pacidade de questionamento, é a meta-análise, reque-</p><p>rendo postura de distanciamento e autocrítica,</p><p>implícita nos pressupostos de uma prática reflexiva,</p><p>mas que, sublinha-se, não pode prescindir dos contri-</p><p>butos dos vários tipos do conhecimento formal que</p><p>constituem o saber docente, do conteudinal ao peda-</p><p>gógico-didáctico.</p><p>5. Finalmente, a construção de um conhecimen-</p><p>to profissional docente implica um outro “gerador de</p><p>especificidade”: comunicabilidade e circulação. Será</p><p>talvez esta a dimensão que mais afasta, na realidade</p><p>dominante das práticas actuais de ensino, os docentes</p><p>da posse de um conhecimento profissional pleno, na</p><p>medida em que a acentuação da representação da ver-</p><p>tente prática do conhecimento docente tem sublinha-</p><p>do as componentes tácitas de conhecimento que de</p><p>facto a integram. Mas sobre esse conhecimento tácito</p><p>importa saber exercer, pela meta-análise referida, a</p><p>desconstrução, desocultação e articulação necessárias</p><p>à sua passagem a saber articulado e sistemático, pas-</p><p>sível de comunicação, transmissão, discussão na co-</p><p>munidade de pares e perante outros – sem o que o seu</p><p>desenvolvimento resulta impossível ou diminuto, per-</p><p>dendo-se infindáveis energias e progressos relevan-</p><p>tes do conhecimento produzido pelos docentes, por</p><p>força desta limitação, muito forte na classe, e expli-</p><p>cável entre outros factores, pelo praticismo que his-</p><p>toricamente se associou à representação social do pro-</p><p>fessor.</p><p>Relação teoria-prática? Ou o saber profissional</p><p>como a teorização da prática?</p><p>Não nos parece, pois, muito produtiva a eterna</p><p>discussão acerca do peso relativo da teoria e da práti-</p><p>ca no exercício da função de ensinar – e na respectiva</p><p>formação. Na perspectiva em que nos colocamos neste</p><p>texto, a função de ensinar é socioprática sem dúvida,</p><p>mas o saber que requer é intrinsecamente teorizador,</p><p>compósito e interpretativo. Por isso mesmo, o saber</p><p>profissional tem de ser construído – e refiro-me à for-</p><p>mação – assente no princípio da teorização, prévia e</p><p>posterior, tutorizada e discutida, da acção profissio-</p><p>nal docente, sua e observada noutros.</p><p>Prefiro, assim, em vez de prática docente, falar</p><p>da acção de ensinar, enquanto acção inteligente, fun-</p><p>dada num domínio seguro de um saber. Esse saber</p><p>emerge dos vários saberes formais e do saber expe-</p><p>riencial, que uns e outro se aprofundam e questio-</p><p>nam. Torna-se saber profissional docente quando e se</p><p>o professor o recria mediante um processo mobilizador</p><p>e transformativo em cada acto pedagógico, contextual,</p><p>prático e singular. Nessa singularidade de cada situa-</p><p>ção o profissional tem de saber mobilizar todo o tipo</p><p>de saber prévio que possui, transformando-o em fun-</p><p>damento do agir informado, que é o acto de ensinar</p><p>enquanto construção de um processo de aprendiza-</p><p>gem de outros e por outros – e, nesse sentido, arte e</p><p>técnica, mas fundada em ciência.</p><p>Dominar esse saber, que integra</p><p>e mobiliza, ope-</p><p>rando a convergência que permite ajustá-lo a cada si-</p><p>tuação, é sim alguma coisa de específico, que se afas-</p><p>ta do mero domínio dos conteúdos como da simples</p><p>acção relacional e interpessoal (Roldão, 2006b). O</p><p>professor profissional – como o médico ou o enge-</p><p>nheiro nos seus campos específicos – é aquele que</p><p>ensina não apenas porque sabe, mas porque sabe en-</p><p>sinar. E saber ensinar é ser especialista dessa com-</p><p>plexa capacidade de mediar e transformar o saber</p><p>102</p><p>Maria do Céu Roldão</p><p>Revista Brasileira de Educação v. 12 n. 34 jan./abr. 2007</p><p>conteudinal curricular (isto é, que se pretende ver ad-</p><p>quirido, nas suas múltiplas variantes) – seja qual for a</p><p>sua natureza ou nível6 – pela incorporação dos pro-</p><p>cessos de aceder a, e usar o conhecimento, pelo ajuste</p><p>ao conhecimento do sujeito e do seu contexto, para</p><p>adequar-lhe os procedimentos, de modo que a alqui-</p><p>mia da apropriação ocorra no aprendente – processo</p><p>mediado por um sólido saber científico em todos os</p><p>campos envolvidos e um domínio técnico-didáctico</p><p>rigoroso do professor, informado por uma contínua</p><p>postura meta-analítica, de questionamento intelectual</p><p>da sua acção, de interpretação permanente e realimen-</p><p>tação contínua. Aprende-se e exerce-se na prática, mas</p><p>numa prática informada, alimentada por velho e novo</p><p>conhecimento formal, investigada e discutida com os</p><p>pares e com os supervisores – ou, desejavelmente, tudo</p><p>isto numa prática colectiva de mútua supervisão e cons-</p><p>trução de saber inter pares (Roldão, 2005c).</p><p>Saber produzir essa mediação não é um dom,</p><p>embora alguns o tenham; não é uma técnica, embora</p><p>requeira uma excelente operacionalização técnico-es-</p><p>tratégica; não é uma vocação, embora alguns a possam</p><p>sentir. É ser um profissional de ensino, legitimado por</p><p>um conhecimento específico exigente e complexo, de</p><p>que procurámos clarificar algumas dimensões.</p><p>Defendo, com Ivor Goodson (1999), a afirma-</p><p>ção do investigador educacional como um “intelec-</p><p>tual público” e julgo legítimo estender essa condição</p><p>ao profissional de ensino, capaz de investigar e teorizar</p><p>a sua acção docente. Nem por isso menos “prático”,</p><p>porque é de acção e interacção que se trata no ensi-</p><p>no – mas acção assente num poderoso conhecimento</p><p>em constante actualização. A ênfase praticista, que</p><p>tem dominado a cultura profissional dos professores,</p><p>não contribui, a meu ver, para o crescimento desta</p><p>profissão, tanto mais necessária quanto o mundo</p><p>actual, dito sociedade da informação, está longe de</p><p>ser um mundo do conhecimento, e muito menos de</p><p>conhecimento para todos. Que a informação se torne</p><p>conhecimento e que o conhecimento seja algo demo-</p><p>craticamente acessível, num mundo em que conhecer</p><p>é poder, depende em larga medida deste novo salto</p><p>na profissionalização dos professores: a afirmação e</p><p>o reforço de um saber profissional mais analítico,</p><p>consistente e em permanente actualização, claro na</p><p>sua especificidade, e sólido nos seus fundamentos.</p><p>Referências bibliográficas</p><p>APPLE, Michael. Os professores e o currículo: abordagens socio-</p><p>lógicas. Lisboa: Educa, 1997.</p><p>BRUNER, Jerome. The process of education. Cambridge: Harvard</p><p>University Press, 1960.</p><p>CONNELLY, F. Michael; CLANDININ, D. Jean. Personal practical</p><p>knowledge at Bay Street school. In: HALKES, Rob; OLSON, John</p><p>K. (Eds.). Teacher thinking: a new perspective on persisting problems</p><p>in education. Lisse: Swets & Zeitlinger, 1984. p. 134-148.</p><p>DE CASTELL, Suzanne; LUKE, Alan; LUKE, Carmen (Eds).</p><p>Language, authority and criticism: readings on the school textbook.</p><p>London: Falmer Press, 1989.</p><p>ELBAZ, Freema. Teacher thinking. A study of practical knowledge.</p><p>Londres: Croom Helm, 1983.</p><p>FENSTERMARCHER, Gary. The knower and the known: the</p><p>nature of knowledge in research on teaching. Review of Research</p><p>in Education, n. 20, p. 3-56, 1994.</p><p>GIMENO SACRISTÁN, José. Consciência e acção sobre a práti-</p><p>ca como libertação profissional dos professores. In: NÓVOA,</p><p>António (Org.). Profissão professor. Porto: Porto Editora, 1995.</p><p>p. 63-92.</p><p>GOODSON, Ivor. The educational researcher as a public</p><p>intellectual. British Educational Research Journal, v. 25, n. 3,</p><p>p. 277-297, 1999.</p><p>HOLMES, Mark. Bringing about change in teachers: rationalistic</p><p>technology and therapeutic human relations in the subversion of</p><p>education. Curriculum Inquiry, v. 21, n. 1, p. 65-90, 1991.</p><p>HONORE, Bernard. Para una teoria de la formacion. Madrid:</p><p>Narcea, 1980.</p><p>MONTERO, Lourdes. A construção do conhecimento profissio-</p><p>nal docente. Trad. Armando P. Silva. Lisboa: Instituto Piaget, 2005.</p><p>NÓVOA, António (Org.). Profissão professor. 2. ed. Porto: Porto</p><p>Editora, 1995.</p><p>6 Recordo a conhecida afirmação de Jerome Bruner, em 1960,</p><p>de que é possível ensinar seja o que for em qualquer idade desde</p><p>que se utilizem processos intelectualmente honestos.</p><p>Função docente</p><p>Revista Brasileira de Educação v. 12 n. 34 jan./abr. 2007 103</p><p>. E vid ente mente: histórias da educação. Porto: Edi-</p><p>ções Asa, 2005.</p><p>REIS MONTEIRO, Agostinho. Ser professor. Inovação, v. 3, n. 2-3,</p><p>p. 11-37, 2000.</p><p>RODRIGUES, Maria de Lourdes. Sociologia das profissões.</p><p>Oeiras: Celta, 1997.</p><p>ROLDÃO, Maria do Céu. Formação de professores, construção</p><p>do saber profissional e cultura da profissionalização: que</p><p>triangulação? In: ALONSO, Luísa; ROLDÃO, M. Céu (Orgs.).</p><p>Ser professor de 1º ciclo – construindo a profissão. Braga: CESC/</p><p>Almedina, 2005a. p. 13-26.</p><p>. Formar para a excelência profissional – pressupos-</p><p>tos e rupturas nos níveis iniciais da docência. In: SIMPÓSIO</p><p>NACIONAL DE EDUCAÇÃO BÁSICA: PRÉ-ESCOLAR E 1º</p><p>CICLO – FORMAÇÃO DE PROFESSORES E EDUCADORES</p><p>DE INFÂNCIA: QUESTÕES DO PRESENTE E PERSPECTI-</p><p>VAS FUTURAS, 1., 2003, Aveiro. Anais... Aveiro: Universidade</p><p>de Aveiro, 2005b. 1 CD-ROM.</p><p>. Profissionalidade docente em análise – especifici-</p><p>dades dos ensinos superior e não superior. Revista NUANCES,</p><p>Universidade do Estado de São Paulo, ano XI, n. 13, p. 108-126,</p><p>jan./dez. 2005c.</p><p>. A formação de professores como objecto de pesqui-</p><p>sa: contributos para a construção do campo de estudo a partir de</p><p>pesquisas portuguesas. Revista Eletrônica de Educação, Univer-</p><p>sidade Federal de São Carlos, 2006a. Disponível em:</p><p><www.portaldosprofessores.ufscar.br>. Acesso em:jan./jun. 2007.</p><p>. Currículo e natureza profissional do conhecimento</p><p>dos professores: focagem ou difusão? In: COLÓQUIO SOBRE</p><p>QUESTÕES CURRICULARES, 7./ COLÓQUIO LUSO-BRA-</p><p>SILEIRO SOBRE QUESTÕES CURRICULARES, 3., 2006,</p><p>Braga. Actas… Braga: s.ed., 2006b.</p><p>SCHÖN, Donald. The reflective practitioner: how professionals</p><p>think in action. London: Temple Smith, 1983.</p><p>. Educating the reflective practitioner. New York:</p><p>Jossey-Bass, 1987.</p><p>SHULMAN, Lee. Those who understand: knowledge growth in</p><p>teaching. Educational Researcher, v. 15, n. 2, p. 4-14, 1986.</p><p>. Knowledge and teaching: foundations of the new</p><p>reform. Harvard Educational Review, n. 57, p. 4-14, 1987.</p><p>SHULMAN, Lee; SHULMAN, Judith. How and what teachers</p><p>learn: a shifting perspective. Journal of Curriculum Studies, v. 36,</p><p>n. 2, p. 257-271, mar./apr. 2004.</p><p>STENHOUSE, Lawrence. Investigación y desarrollo del currícu-</p><p>lo. 3. ed. Madrid: Morata, 1991.</p><p>MARIA DO CÉU ROLDÃO, doutora em teoria curricular</p><p>pela Simon Fraser University, do Canadá, e agregada em educa-</p><p>ção pela Universidade de Aveiro, Portugal, é professora coorde-</p><p>nadora aposentada da Escola Superior de Educação de Santarém,</p><p>e investigadora do Centro de Estudos da Criança (CESC) da Uni-</p><p>versidade do Minho (Portugal). As suas actividades docente e de</p><p>pesquisa centram-se nas áreas do currículo e da formação de pro-</p><p>fessores. Publicou diversos livros nestes dois domínios entre os</p><p>quais: Diferenciação curricular revisitada – conceito, discurso e</p><p>práticas (Porto: Porto Editora, 2003), e numerosos artigos, alguns</p><p>no Brasil, como é o caso de Profissionalidade docente em análi-</p><p>se – especificidades dos ensinos superior e não superior (Revista</p><p>NUANCES, Universidade do Estado de São Paulo, ano XI, n. 13,</p><p>p. 108-126, jan./dez. 2005).</p><p>Organizou diversos livros sobre cur-</p><p>rículo e educação, entre os quais, em parceria com Luisa Alonso,</p><p>Ser professor de 1º ciclo – construindo a profissão (Braga: CESC/</p><p>Almedina, 2005). Desenvolve neste momento, no âmbito de uma</p><p>equipe de pesquisa que co-coordena na Universidade do Minho, o</p><p>projecto “Prática Pedagógica e Construção do Conhecimento Pro-</p><p>fissional”. O texto agora publicado resultou do seu trabalho de</p><p>colaboração com a Associação Nacional de Pós-Graduação e Pes-</p><p>quisa em Educação (ANPEd), por iniciativa do Grupo de Traba-</p><p>lho Formação de Professores (GT 8), tendo resultado de comuni-</p><p>cação apresentada na 29ª Reunião Anual realizada em outubro de</p><p>2006. E-mail: maria.roldao@netvisao.pt</p><p>Recebido em outubro de 2006</p><p>Aprovado em dezembro de 2006</p><p>Resumos/Abstracts/Resumens</p><p>180 Revista Brasileira de Educação v. 12 n. 34 jan./abr. 2007</p><p>Resumos/Abstracts/Resumens</p><p>Maria do Céu Roldão</p><p>Função docente: natureza e</p><p>construção do conhecimento</p><p>profissional</p><p>Analisa-se a especificidade da função</p><p>de ensinar enquanto caracterizadora da</p><p>actividade do professor e examina-se a</p><p>evolução e pluralidade de sentidos as-</p><p>sociados ao conceito de ensinar e suas</p><p>implicações no desenvolvimento pro-</p><p>fissional dos docentes ao longo da evo-</p><p>lução histórica da actividade. Em um</p><p>segundo momento, analisa-se também</p><p>a natureza do conhecimento específico</p><p>necessário ao desempenho da função</p><p>de ensinar, procurando dar conta das</p><p>teorizações existentes acerca desse co-</p><p>nhecimento, e propondo e discutindo</p><p>um conjunto de caracterizadores distin-</p><p>tivos desse saber que a autora designa</p><p>como geradores de especificidade. A</p><p>proposta do trabalho situa-se no quadro</p><p>de uma valorização da dimensão analí-</p><p>tica e teorizadora da acção de ensinar</p><p>por parte do professor, no sentido de</p><p>desenvolvimentos futuros da docência</p><p>que possam reforçar a afirmação social</p><p>da profissionalidade dos docentes.</p><p>Palavras-chave: função docente; for-</p><p>mação profissional</p><p>Teacher’s role: nature and construction</p><p>of professional knowledge</p><p>In this paper, the specificity of teaching</p><p>as a social function is under analysis.</p><p>The author examines the evolution of</p><p>the very concept of teaching and the</p><p>plurality of possible meanings that</p><p>have been associated with it, as well as</p><p>their implications in teachers</p><p>professional development as a group</p><p>throughout its historic evolution.The</p><p>nature of the specific knowledge</p><p>required to teach will be also</p><p>discussed, supported by existing</p><p>theorizations on teaching professional</p><p>knowledge. A set of distinctive</p><p>descriptors of such knowledge is</p><p>proposed and discussed. The whole</p><p>perspective of this discussion is based</p><p>on the reinforcement and valuing of the</p><p>dimension of analysis and theorization</p><p>of teaching activity by teachers</p><p>themselves, assumed as enhancing the</p><p>development of the social recognition</p><p>of teachers as professionals.</p><p>Key words: teaching function; teaching</p><p>professional knowledge</p><p>Función docente: naturaleza y</p><p>construcción del conocimiento</p><p>profesional</p><p>Se analiza la especificidad de la</p><p>función de enseñar en cuanto</p><p>caracterizadora de la actividad del</p><p>profesor y se examina la evolución y la</p><p>pluralidad de sentidos asociados al</p><p>concepto de enseñar y sus</p><p>implicaciones en el desenvolvimiento</p><p>profesional de los docentes a lo largo</p><p>de la evolución histórica de la</p><p>actividad. En un segundo momento, se</p><p>analiza también la naturaleza del</p><p>conocimiento específico necesario al</p><p>desempeño de la función de enseñar,</p><p>procurando dar cuenta de las</p><p>teorizaciones que existen a respecto de</p><p>ese conocimiento, proponiendo y</p><p>discutiendo un conjunto de</p><p>caracterizadores distintivos de ese sa-</p><p>ber que la autora designa como</p><p>Resumos/Abstracts/Resumens</p><p>Revista Brasileira de Educação v. 12 n. 34 jan./abr. 2007 181</p><p>generadores de especificidad. La</p><p>propuesta del trabajo se sitúa en el</p><p>cuadro de una valorización de la</p><p>dimensión analítica y teorizadora de la</p><p>acción de enseñar por parte del</p><p>profesor, en el sentido de</p><p>desenvolvimientos futuros de la</p><p>docencia que puedan reforzar la</p><p>afirmación social de la profesionalidad</p><p>de los docentes.</p><p>Palabras claves: función docente;</p><p>conocimiento profesional</p><p>1</p><p>A BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR E O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA NOS</p><p>ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL</p><p>A Base Nacional Comum Curricular para os anos iniciais do Ensino Fundamental valoriza</p><p>as situações lúdicas de aprendizagem adquiridas nas experiências vivenciadas na</p><p>Educação Infantil, articulando com o desenvolvimento dos alunos de novas formas de</p><p>relação com o mundo, novas possibilidades de ler e formular hipóteses sobre os fenômenos</p><p>e de elaborar conclusões, em uma atitude ativa na construção de conhecimentos.</p><p>As crianças, no período inicial do Ensino Fundamental, vivem mudanças importantes em</p><p>seu processo de desenvolvimento que influenciam nas relações consigo mesmas, com os</p><p>outros e com o mundo.</p><p>De acordo com a BNCC:</p><p>As características dessa faixa etária demandam um trabalho no ambiente escolar</p><p>que se organize em torno dos interesses manifestos pelas crianças, de suas</p><p>vivências mais imediatas para que, com base nessas vivências, elas possam,</p><p>progressivamente, ampliar essa compreensão, o que se dá pela mobilização de</p><p>operações cognitivas cada vez mais complexas e pela sensibilidade para apreender</p><p>o mundo, expressar-se sobre ele e nele atuar. (BNCC, p.54)</p><p>Nos dois primeiros anos do Ensino Fundamental, o foco da ação pedagógica é a</p><p>alfabetização, com a finalidade de garantir amplas oportunidades para que os alunos se</p><p>apropriem do sistema de escrita alfabética de modo articulado ao desenvolvimento de</p><p>outras habilidades de leitura e de escrita e ao seu envolvimento em práticas diversificadas</p><p>de letramentos.</p><p>A BNCC está estruturada em três etapas, conforme o nível de ensino da Educação Básica</p><p>– Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio. Cada etapa está organizada por</p><p>áreas de conhecimento. E cada área de conhecimento por componentes curriculares com</p><p>as especificidades próprias dos saberes que os constituem.</p><p>Na etapa do Ensino Fundamental anos iniciais, a BNCC está organizada em cinco áreas</p><p>de conhecimento, com seus respectivos componentes curriculares, a saber:</p><p>- Área de Linguagens: Língua Portuguesa, Arte, Educação Física.</p><p>- Área de Matemática: Matemática.</p><p>- Área de Ciências da Natureza: Ciências.</p><p>- Área de Ciência Humanas: História e Geografia.</p><p>- Área de Ensino Religioso: Ensino Religioso.</p><p>2</p><p>Desta forma, o componente curricular da Língua Portuguesa está inserido na área de</p><p>Linguagens e considera os conhecimentos fundamentais para a formação básica do ser</p><p>humano no exercício de sua cidadania.</p><p>As atividades humanas realizam-se nas práticas sociais, mediadas por diferentes</p><p>linguagens: verbal (oral ou visual-motora, como Libras, e escrita), corporal, visual, sonora</p><p>e, contemporaneamente, digital. Por meio dessas práticas, as pessoas interagem consigo</p><p>mesmas e com os outros, constituindo-se como sujeitos sociais. Nessas interações, estão</p><p>imbricados conhecimentos, atitudes e valores culturais, morais e éticos.</p><p>Ao componente curricular Língua Portuguesa cabe, então, proporcionar aos estudantes</p><p>experiências que contribuam para a ampliação dos letramentos, de forma a possibilitar a</p><p>participação significativa e crítica nas diversas práticas sociais permeadas/constituídas pela</p><p>oralidade, pela escrita e por outras linguagens. As práticas de linguagem contemporâneas</p><p>não só envolvem novos gêneros e textos cada vez mais multissemióticos e multimidiáticos,</p><p>como também novas formas de produzir, de configurar, de disponibilizar, de replicar e de</p><p>interagir. As novas ferramentas de edição de textos, áudios, fotos, vídeos tornam acessíveis</p><p>a qualquer um a produção e disponibilização de textos multissemióticos nas redes sociais</p><p>e outros ambientes da Web. Não só é possível acessar conteúdos variados em diferentes</p><p>mídias, como também produzir e publicar fotos, vídeos diversos, podcasts, infográficos,</p><p>enciclopédias colaborativas, revistas e livros</p><p>digitais etc. Depois de ler um livro de literatura</p><p>ou assistir a um filme, pode-se postar comentários em redes sociais específicas, seguir</p><p>diretores, autores, escritores, acompanhar de perto seu trabalho; podemos produzir</p><p>playlists, vlogs, vídeos-minuto, escrever fanfics, produzir e-zines, nos tornar um booktuber,</p><p>dentre outras muitas possibilidades. Em tese, a Web é democrática: todos podem acessá-</p><p>la e alimentá-la continuamente. Considerando que esse espaço é livre e bastante familiar</p><p>para crianças, adolescentes e jovens de hoje, a escola precisa, de alguma forma,</p><p>considerá-lo.</p><p>Na BNCC, a Língua Portuguesa para os anos iniciais do ensino fundamental está</p><p>organizada por eixos de integração que são aqueles correspondentes às práticas de</p><p>linguagem e por campos de atuação.</p><p>Eixos de Integração:</p><p>- Oralidade, leitura/escuta,</p><p>- Produção (escrita e multissemiótica) e</p><p>- Análise linguística/semiótica (que envolve conhecimentos linguísticos – sobre o sistema</p><p>de escrita, o sistema da língua e a norma-padrão –, textuais, discursivos e sobre os modos</p><p>de organização e os elementos de outras semioses).</p><p>3</p><p>Campos de Atuação:</p><p>- Campo da vida cotidiana</p><p>- Campo artístico-literário</p><p>- Campo das práticas de estudo e pesquisa</p><p>- Campo da vida pública</p><p>Eixos de Integração:</p><p>► Eixo Leitura: compreende as práticas de linguagem que decorrem da interação ativa do</p><p>leitor/ouvinte/espectador com os textos escritos, orais e multissemióticos e de sua</p><p>interpretação, sendo exemplos as leituras para: fruição estética de textos e obras literárias;</p><p>pesquisa e embasamento de trabalhos escolares e acadêmicos; realização de</p><p>procedimentos; conhecimento, discussão e debate sobre temas sociais relevantes;</p><p>sustentar a reivindicação de algo no contexto de atuação da vida pública; ter mais</p><p>conhecimento que permita o desenvolvimento de projetos pessoais, dentre outras</p><p>possibilidades.</p><p>Leitura no contexto da BNCC é tomada em um sentido mais amplo, dizendo respeito não</p><p>somente ao texto escrito, mas também a imagens estáticas (foto, pintura, desenho,</p><p>esquema, gráfico, diagrama) ou em movimento (filmes, vídeos etc.) e ao som (música), que</p><p>acompanha e cossignifica em muitos gêneros digitais.</p><p>A oralidade compreende as práticas de linguagem que ocorrem em situação oral com ou</p><p>sem contato face a face, como aula dialogada, webconferência, mensagem gravada, spot</p><p>de campanha, jingle, seminário, debate, programa de rádio, entrevista, declamação de</p><p>poemas (com ou sem efeitos sonoros), peça teatral, apresentação de cantigas e canções,</p><p>playlist comentada de músicas, vlog de game, contação de histórias, diferentes tipos de</p><p>podcasts e vídeos, dentre outras. Envolve também a oralização de textos em situações</p><p>socialmente significativas e interações e discussões envolvendo temáticas e outras</p><p>dimensões linguísticas do trabalho nos diferentes campos de atuação.</p><p>► Eixo da Produção de Textos compreende as práticas de linguagem relacionadas à</p><p>interação e à autoria (individual ou coletiva) do texto escrito, oral e multissemiótico, com</p><p>diferentes finalidades e projetos enunciativos como, por exemplo, construir um álbum de</p><p>personagens famosas, de heróis/heroínas ou de vilões ou vilãs; produzir um almanaque</p><p>que retrate as práticas culturais da comunidade; narrar fatos cotidianos, de forma crítica,</p><p>lírica ou bem-humorada em uma crônica; comentar e indicar diferentes produções culturais</p><p>por meio de resenhas ou de playlists comentadas; descrever, avaliar e recomendar (ou não)</p><p>um game em uma resenha, gameplay ou vlog; escrever verbetes de curiosidades</p><p>4</p><p>científicas; sistematizar dados de um estudo em um relatório ou relato multimidiático de</p><p>campo; divulgar conhecimentos específicos por meio de um verbete de enciclopédia digital</p><p>colaborativa; relatar fatos relevantes para a comunidade em notícias; cobrir acontecimentos</p><p>ou levantar dados relevantes para a comunidade em uma reportagem; expressar posição</p><p>em uma carta de leitor ou artigo de opinião; denunciar situações de desrespeito aos direitos</p><p>por meio de fotorreportagem, fotodenúncia, poema, lambe-lambe, microrroteiro, dentre</p><p>outros.</p><p>► Eixo da Análise Linguística/Semiótica: envolve os procedimentos e estratégias</p><p>(meta)cognitivas de análise e avaliação consciente, durante os processos de leitura e de</p><p>produção de textos (orais, escritos e multissemióticos), das materialidades dos textos,</p><p>responsáveis por seus efeitos de sentido, seja no que se refere às formas de composição</p><p>dos textos, determinadas pelos gêneros (orais, escritos e multissemióticos) e pela situação</p><p>de produção, seja no que se refere aos estilos adotados nos textos, com forte impacto nos</p><p>efeitos de sentido. Assim, no que diz respeito à linguagem verbal oral e escrita, as formas</p><p>de composição dos textos dizem respeito à coesão, coerência e organização da progressão</p><p>temática dos textos, influenciadas pela organização típica (forma de composição) do gênero</p><p>em questão. No caso de textos orais, essa análise envolverá também os elementos próprios</p><p>da fala – como ritmo, altura, intensidade, clareza de articulação, variedade linguística</p><p>adotada, estilização etc. –, assim como os elementos paralinguísticos e cinésicos – postura,</p><p>expressão facial, gestualidade etc. No que tange ao estilo, serão levadas em conta as</p><p>escolhas de léxico e de variedade linguística ou estilização e alguns mecanismos sintáticos</p><p>e morfológicos, de acordo com a situação de produção, a forma e o estilo de gênero.</p><p>Na BNCC, a organização das práticas de linguagem (leitura de textos, produção de textos,</p><p>oralidade e análise linguística/semiótica) por campos de atuação aponta para a importância</p><p>da contextualização do conhecimento escolar, para a ideia de que essas práticas derivam</p><p>de situações da vida social e, ao mesmo tempo, precisam ser situadas em contextos</p><p>significativos para os estudantes.</p><p>A escolha por esses campos, de um conjunto maior, deu-se por se entender que eles</p><p>contemplam dimensões formativas importantes de uso da linguagem na escola e fora dela</p><p>e criam condições para uma formação para a atuação em atividades do dia a dia, no espaço</p><p>familiar e escolar, uma formação que contempla a produção do conhecimento e a pesquisa;</p><p>o exercício da cidadania, que envolve, por exemplo, a condição de se inteirar dos fatos do</p><p>mundo e opinar sobre eles, de poder propor pautas de discussão e soluções de problemas,</p><p>como forma de vislumbrar formas de atuação na vida pública; uma formação estética,</p><p>vinculada à experiência de leitura e escrita do texto literário e à compreensão e produção</p><p>5</p><p>de textos artísticos multissemióticos. Os campos de atuação considerados em cada</p><p>segmento já contemplam um movimento de progressão que parte das práticas mais</p><p>cotidianas em que a circulação de gêneros orais e menos institucionalizados é maior</p><p>(Campo da vida cotidiana), em direção a práticas e gêneros mais institucionalizados, com</p><p>predomínio da escrita e do oral público (demais campos).</p><p>Considerações Finais</p><p>Os Campos de Atuação, que aparecem mais estruturados na Base, também vão influenciar</p><p>na prática do professor, no dia a dia da escola. Estamos partindo da concepção de que os</p><p>textos fazem sentido – sejam eles digitais ou impressos – em um determinado contexto,</p><p>regido pelo campo de atuação. Afinal, as interações são feitas de maneiras diferentes</p><p>dependendo do contexto. Agora, a ideia é que o professor preste atenção a como esses</p><p>campos funcionam e como os gêneros se encaixam em cada um. Em resumo, o objetivo é</p><p>se aproximar mais das habilidades de interpretação do que de decodificação. A proposta é</p><p>trazer o conceito de gênero para algo que faz parte da vida da linguagem e não para algo</p><p>que simplesmente organiza estruturas. O objetivo não é fazer o aluno estudar qual é a forma</p><p>de composição dos gêneros, mas preparar o jovem para ler, entender, inferir a ideologia</p><p>que o texto traz e ainda ser capaz de</p><p>atuar em relação àquele conteúdo. A Base traz muitos</p><p>gêneros novos. Como isso deve chegar à sala de aula? Há uma infinidade de gêneros</p><p>citados e é preciso que se escolha aquilo que combina com os objetivos de aprendizagem,</p><p>com o que se pretende ensinar. Gêneros, hoje em dia, são multimodais, multissemióticos,</p><p>misturam linguagens, na internet predominantemente. Mas muitos deles se complementam.</p><p>Posso fazer os alunos lerem Dom Casmurro, de Machado de Assis, e, ao mesmo tempo,</p><p>confrontar com trechos da minissérie televisiva Capitu, por exemplo.</p><p>Há que se considerar a falta de acesso à tecnologia, dentro das escolas, como uma</p><p>barreira? Acho que essa é uma questão menor. Atualmente, todas as escolas estão</p><p>razoavelmente conectadas e boa parte dos alunos, em todas as classes sociais, tem um</p><p>celular. O maior desafio, para o professor, vai ser o de se familiarizar com esses novos</p><p>gêneros. Mas, ao mesmo tempo, ele terá a oportunidade de aprender com os alunos. Para</p><p>isso, a pedagogia tem que mudar, tem que haver mais espaço para a interação. A Base</p><p>propõe um diálogo muito mais amplo com a cultura pop. O que deve surgir dessa interação?</p><p>A ideia é trazer o que os alunos estão familiarizados a consumir fora da escola, com o</p><p>objetivo de prepará-los para uma leitura mais crítica desses conteúdos, como vídeos etc.</p><p>Não é só para valorizar, para dizer que estamos atualizados, mas até para colocar os</p><p>6</p><p>gêneros mais tradicionais, como os jornalísticos e a literatura, em relação com esses</p><p>gêneros que os jovens conhecem bem, e que são mais recentes. O aluno pode, por</p><p>exemplo, fazer uma playlist e, depois, escrever uma resenha baseada naqueles artistas</p><p>que ele escolheu e de quem ele realmente gosta. Ou seja, a ideia não é só trabalhar os</p><p>gêneros novos, mas ampliar as possibilidades, até mesmo para dar a oportunidade ao aluno</p><p>de comparar e perceber as diferenças entre eles.</p><p>Observação:</p><p>Semiótica é o estudo dos signos, que consistem em todos os elementos que representam</p><p>algum significado e sentido para o ser humano, abrangendo as linguagens verbais e não</p><p>verbais. A semiótica busca entender como o ser humano consegue interpretar as coisas,</p><p>principalmente o ambiente que o envolve.</p><p>Em uma sociedade do conhecimento, em que há uma multiplicidade de informações</p><p>disponíveis aos leitores, os textos multissemióticos permitem representar imageticamente</p><p>uma informação, de modo que esse leitor tenha, além do texto verbal, recursos visuais que</p><p>o auxiliarão na leitura e compreensão do conteúdo em questão.</p><p>(www.ileel.ufu.br )</p><p>7</p><p>Referências Bibliográficas</p><p>ROJO, Roxane; BARBOSA, Jaqueline P. Hipermodernidade, multiletramentos e gêneros</p><p>discursivos. São Paulo: Parábola Editorial, 2015.</p><p>Sites pesquisados</p><p>http://portal.mec.gov.br/conselho-nacional-de-educacao/base-nacional-comum-curricular-</p><p>bncc</p><p>https://box.novaescola.org.br/etapa/4/bncc-na-pratica/</p><p>http://guiabncc-ne-lingua-portuguesa-final-corrigido</p><p>https://materiais.sae.digital/kit-completo-bncc</p><p>www.coletivoleitor.com.br/ - A Literatura nas competências da BNCC</p><p>www.sistemaaprendebrasil.com.br/</p><p>http://portal.mec.gov.br/conselho-nacional-de-educacao/base-nacional-comum-curricular-bncc</p><p>http://portal.mec.gov.br/conselho-nacional-de-educacao/base-nacional-comum-curricular-bncc</p><p>https://materiais.sae.digital/kit-completo-bncc</p><p>https://www.google.com/aclk?sa=l&ai=DChcSEwiV_Kbe6PfpAhWIDJEKHegIDckYABABGgJjZQ&sig=AOD64_1vtG_aFKw3V-JlYJmv8CGeeqCePw&adurl=&q=</p><p>https://www.google.com/aclk?sa=l&ai=DChcSEwiV_Kbe6PfpAhWIDJEKHegIDckYABABGgJjZQ&sig=AOD64_1vtG_aFKw3V-JlYJmv8CGeeqCePw&adurl=&q=</p><p>https://www.google.com/aclk?sa=l&ai=DChcSEwiSk4ye6ffpAhWED5EKHa8WDqQYABACGgJjZQ&sig=AOD64_3f5n8jUfuu3mM3TJaPvX5HIxofow&adurl=&q=&nb=1&rurl=https%3A%2F%2Fwww.google.com%2F&nm=28&nx=6&ny=8&is=644x733</p><p>Acreditamos que boa parte do insucesso no ensino da leitura e da escrita, nos dias atuais,</p><p>deve‑se a compreensões equivocadas ou distorcidas sobre a concepção de ensino.</p><p>Outro fator que revela a importância de desenvolver uma postura crítica e reflexiva no aluno é o</p><p>perfil exigido, atualmente, no mercado de trabalho. Basta abrir qualquer jornal no caderno de empregos</p><p>e verificar as características profissionais que as empresas têm exigido para os cargos que estão sendo</p><p>oferecidos. Tais exigências incluem: dinamismo, capacidade de trabalhar em grupo, liderança, criatividade,</p><p>autonomia, boa comunicação, entre outros quesitos. Entretanto, há que se considerar que não é de um</p><p>dia para o outro que desenvolvemos esta ou aquela característica, postura, capacidade. Tudo isso precisa</p><p>fazer parte do cotidiano do indivíduo, o que inclui a rotina escolar.</p><p>Assim, reconhecemos a importância de oferecer, ao aluno, possibilidades de agir sobre a escrita, de modo que, a</p><p>partir de uma aprendizagem específica, ele possa extrair elementos para resolver problemas na sua vida prática.</p><p>Saiba mais</p><p>Agora é com você:</p><p>Tente rememorar suas primeiras experiências com a leitura e a escrita</p><p>no âmbito escolar. Lembra‑se do seu primeiro livro? O que gostava de ler?</p><p>Como eram as leituras realizadas na escola? E as produções escritas? Você</p><p>gostava de realizá‑las? Quais eram as regras para essas produções?</p><p>Como fonte de inspiração, vale a pena ler “Foram muitos, os professores”</p><p>(QUEIRÓS, B. C. de. In: ABRAMOVICH, F. Meu professor inesquecível. São</p><p>Paulo: Gente, 1997).</p><p>14</p><p>Unidade I</p><p>Nesse texto, o autor resgata suas memórias sobre os conhecimentos</p><p>adquiridos antes do ingresso na escola: as aprendizagens com a mãe, com</p><p>o pai e com a empregada da casa. Também trata das memórias sobre sua</p><p>primeira professora e da sua relação com o saber nesse período escolar</p><p>inicial.</p><p>3 O ENSINO QUE DESEJAMOS</p><p>Como já assinalado anteriormente, o que se pretende obter com o ensino escolar, desde os anos</p><p>iniciais do Ensino Fundamental (e também na Educação Infantil, ainda que o enfoque seja diferente),</p><p>é o desenvolvimento de competências, ou seja, queremos que o nosso aluno possa utilizar os seus</p><p>conhecimentos (pessoais e escolares, pois acreditamos na impossibilidade de separá‑los) na resolução</p><p>de situações de ordem prática.</p><p>No caso desta disciplina, queremos que o aluno utilize o sistema de escrita de modo reflexivo, a tal</p><p>ponto que, frente a um desafio que lhe é proposto, ou diante de um texto de conteúdo polêmico ou</p><p>duvidoso, ele saiba argumentar, emitir sua opinião, contestar, concordar com justificativa adequada,</p><p>propor modificações, enfim, que tenha conhecimentos suficientes para adotar um posicionamento, o</p><p>mais adequado possível, frente a uma situação que exija decisões. Caso contrário, sua participação ficará</p><p>limitada a “assinar embaixo” do que dizem as outras pessoas; e sabemos que esse tipo de comportamento</p><p>é perigoso para o desenvolvimento da sociedade.</p><p>Tomemos como exemplo o caso das eleições no Brasil. Nosso país é referência em termos de</p><p>democracia e tecnologia no processo eleitoral. Durante o período das eleições, recebemos visitas de</p><p>representantes de outras nações para observarem e aprenderem sobre o equipamento tecnológico, as</p><p>estratégias e procedimentos utilizados, a apuração dos votos, a organização, enfim, sobre a totalidade</p><p>prática do processo. Entretanto, mesmo com todas essas medidas eficientes, o país ainda amarga as</p><p>escolhas feitas por uma população de eleitores que, alegando não entender e, portanto, não gostar de</p><p>política, muitas vezes seleciona seus representantes a partir de critérios arbitrários como, por exemplo,</p><p>a aparência pessoal, a distribuição de brindes, o discurso cativante e o favorecimento pessoal. Quando</p><p>olhamos para o panorama social da atualidade e nos deparamos com a urgência de investimentos</p><p>na saúde, na educação, no transporte e na segurança (pra citar apenas as áreas básicas), fica clara</p><p>a necessidade de uma atuação política e social ativa e, por esse motivo, o perfil de cidadão, citado</p><p>anteriormente, não contribui para que possamos construir uma sociedade melhor. Contudo, esse</p><p>cidadão, de quem nos queixamos, foi educado para agir assim: a família o ensinou tão somente a</p><p>obedecer e a escola ofereceu‑lhe modelos para repetir; foi considerado um bom menino/boa menina</p><p>quando não respondeu, não criticou e, apesar de indignado em diferentes situações, não contestou.</p><p>Quanto às competências e habilidades exigidas, não somente para atuação no mercado de trabalho,</p><p>mas para a vida de um modo geral, precisamos saber que elas são desenvolvidas ao longo do processo</p><p>educativo e precisam ter espaço garantido na escola, pois, caso não tenham tido início no seio familiar,</p><p>é papel da escola criar espaços em que sejam exigidas dos alunos – de acordo com a sua faixa etária</p><p>– atitudes que envolvam autonomia, comunicação, criatividade etc.</p><p>15</p><p>METODOLOGIA E PRÁTICA DO ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>Para muitas crianças, a escola será a única possibilidade de ampliar os seus saberes para além daqueles</p><p>oriundos da sua comunidade; não por condições cognitivas, mas sociais e financeiras.</p><p>Ninguém se torna criativo de um dia para o outro. Essa formação é processual, ou seja, acontece de</p><p>modo gradativo, ao longo de um tempo que varia de indivíduo para indivíduo.</p><p>Isso é o que a sociedade atual espera que a escola ofereça aos seus alunos: a apropriação dos</p><p>conhecimentos culturalmente valorizados e o desenvolvimento de competências para utilizá‑los em</p><p>situações práticas.</p><p>4 O MOMENTO ATUAL: AVANÇOS E EQUÍVOCOS DO PROCESSO DE</p><p>TRANSFORMAÇÃO</p><p>Todas essas discussões acerca da necessidade de se adotar uma concepção de ensino‑aprendizagem</p><p>diferente daquela até então praticada nas escolas trouxe uma série de dúvidas e incertezas à educação,</p><p>o que é muito interessante, pois nos move na direção de soluções para os problemas em questão.</p><p>As pesquisas realizadas por Emília Ferreiro, sob a orientação de Jean Piaget, sobre o que pensam</p><p>as crianças quando estão aprendendo a ler e a escrever, revelaram que elas levantam hipóteses sobre</p><p>o sistema de escrita, de forma a aproximarem‑se da compreensão sobre o seu funcionamento, que é</p><p>alfabético.</p><p>Saiba mais</p><p>Você pode conhecer mais sobre as hipóteses de escrita de crianças e</p><p>adultos em processo de alfabetização, lendo o livro Psicogênese da Língua</p><p>Escrita, de autoria de Emília Ferreiro e Ana Teberosky, publicado pela Editora</p><p>Artmed.</p><p>Esse livro é fruto da tese de doutorado da primeira autora, quando</p><p>esteve sob a orientação do próprio Piaget. Fundamenta‑se, também, nas</p><p>considerações que foram elaboradas partindo das observações realizadas no</p><p>período em que as autoras eram docentes da Universidade de Buenos Aires,</p><p>na década de 70.</p><p>Revelam as autoras, nessa obra, que “além dos métodos, dos manuais, dos</p><p>recursos didáticos, existe um sujeito buscando a aquisição de conhecimento;</p><p>sujeito esse, que se propõe problemas e trata de solucioná‑los, seguindo sua</p><p>própria metodologia” (FERREIRO e TEBEROSKY, 1999, p.V).</p><p>No afã de colocar em prática, o mais rápido possível, uma nova proposta de ensino, as escolas</p><p>se apropriaram de conceitos, orientações e encaminhamentos dessa “nova” concepção, de forma</p><p>16</p><p>Unidade I</p><p>muito precipitada. Essa nova concepção seria pautada na teoria de Jean Piaget, que postula que o</p><p>homem constrói o conhecimento na interação com o objeto e, por esse motivo, a concepção de ensino</p><p>denominada construtivista é fundamentada em suas teses. Contudo, nesse período de transição,</p><p>a formação de professores seria extremamente importante, uma vez que possibilitaria a passagem</p><p>gradual e consistente de uma percepção tradicional de ensino (sem desprezar as contribuições por ela</p><p>deixadas) a uma concepção construtivista. Mas o processo de formação dos professores foi deixado para</p><p>o segundo plano e foram adotados alguns procedimentos que, além de muito diferentes daqueles até</p><p>então praticados, não faziam muito</p><p>sentido para os professores, a quem pouco foi explicado sobre os</p><p>motivos que geraram as mudanças que estavam ocorrendo naquele momento e que agora se viam na</p><p>obrigação de cumpri‑los. É desse modo que foram difundidas, nas escolas, ideias como: o professor não</p><p>pode mais corrigir o aluno; não se deve mais utilizar a caneta vermelha quando for necessário escrever</p><p>para o aluno; os assuntos tratados devem partir do interesse da classe; é preciso deixar o aluno construir</p><p>o seu conhecimento, entre outras.</p><p>Ora, se o professor não pode mais corrigir e ensinar, pois o aluno constrói o seu conhecimento sozinho</p><p>(a proposta foi assim entendida por muitos educadores), qual será então o papel a ser desempenhado</p><p>pelo professor junto ao aluno? Muitos compreenderam que seria necessário aguardar passivamente que</p><p>o aluno tivesse um click e construísse o seu conhecimento acerca da leitura e da escrita.</p><p>Esse entendimento equivocado é compreendido quando pensamos que a aprendizagem é processual.</p><p>Isso também é válido para os professores e, portanto, as mudanças propostas deveriam, necessariamente,</p><p>acompanhar a formação continuada deles, oportunidade em que suas justificativas poderiam ser</p><p>apresentadas de modo consistente e as dúvidas poderiam ser tratadas adequadamente. Mas, a contradição</p><p>desse período de transição reside justamente no fato de que, aos professores, foi dito que a aprendizagem dos</p><p>alunos não pode ser compreendida na perspectiva da homogeneidade, isto é, os alunos têm conhecimentos</p><p>diversificados e ritmos próprios. Entretanto, o caráter processual da aprendizagem dos professores não foi</p><p>considerado; a eles restava a tarefa de modificar a sua prática pedagógica, adotando uma perspectiva</p><p>construtivista, ainda que não tivessem compreendido seus fundamentos.</p><p>Observação</p><p>É preciso considerar que, apesar de existirem diferentes modos de</p><p>ensinar e de aprender, a concepção de aprendizagem processual é válida</p><p>para todas as idades, o que inclui o professor.</p><p>Como a formação continuada não foi uma realidade na maioria das escolas, cada professor entendeu</p><p>como foi possível, naquele determinado momento histórico. Como resultado, tivemos uma série de</p><p>alunos que concluíram o Ensino Fundamental sem saber ler e escrever, o que é pior, pois nem a forma</p><p>mecanizada de leitura e escrita esses alunos dominavam.</p><p>Com resultados tão desastrosos, a sociedade começou a cobrar da escola providências quanto</p><p>ao fracasso escolar dos alunos, no que se refere à leitura e à escrita. Os professores passaram a ser</p><p>questionados pelas famílias e, na falta de uma boa justificativa para os novos procedimentos adotados</p><p>17</p><p>METODOLOGIA E PRÁTICA DO ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>(até para se convencerem), elaboravam respostas superficiais e pouco consistentes, o que colocou em</p><p>xeque a credibilidade do trabalho docente. A mídia, por sua vez, denunciou de maneira implacável</p><p>os índices de crianças que, após frequentarem vários anos de escola, não sabiam ler e escrever. A</p><p>profissão docente foi desvalorizada. Iniciou‑se, assim, um movimento para que as práticas pedagógicas</p><p>tradicionais retornassem à escola, ao mesmo tempo em que a palavra construtivismo (associada aos</p><p>estudos de Emília Ferreiro e à teoria piagetiana) era revestida de preconceito e insegurança.</p><p>O que deu errado nesse processo?</p><p>Entendemos que saímos de um extremo em direção ao outro extremo. Saímos de uma prática</p><p>pedagógica pautada unicamente no modelo, na memorização, na cópia, para uma prática em que tudo</p><p>isso foi rejeitado e nada foi oferecido para ocupar o seu lugar. É preciso que, hoje, procuremos analisar</p><p>a situação, livrando‑nos do preconceito existente (tanto no que se refere ao ensino tradicional, quanto</p><p>ao construtivista), para analisar criticamente aquilo que realmente pode contribuir para a aprendizagem</p><p>dos alunos. Há um ditado popular que ilustra bem o que estamos dizendo: é preciso cuidado para não</p><p>jogar fora a água do banho com o bebê dentro.</p><p>Mas o que isso quer dizer?</p><p>Nem tudo que pertence ao sistema de ensino tradicional, que tanto criticamos, é ruim. Assim como</p><p>nem tudo o que está relacionado com uma nova concepção de ensino (a que propomos) é realmente</p><p>bom para aprendizagem. É preciso uma análise cautelosa de vários fatores para que possamos, realmente,</p><p>contribuir para a construção de uma educação de qualidade. Sem essa análise e reflexão, torna‑se</p><p>inviável qualquer mudança na prática educativa.</p><p>E isso é o que estamos propondo ao longo desta disciplina!</p><p>Resumo</p><p>O processo educativo é marcado por interesses e expectativas sociais e,</p><p>por esse motivo, sofre modificações ao longo da história.</p><p>O ensino que recebemos na escola, quando aprendemos a ler e a</p><p>escrever, não mais atende, na sua íntegra, às expectativas da formação do</p><p>cidadão que queremos hoje em nossa sociedade.</p><p>O que pretendemos com o ensino da leitura e da escrita, hoje, na escola,</p><p>é contribuir para o desenvolvimento de competências que possibilitem ao</p><p>aluno a sua utilização na resolução de problemas na vida prática.</p><p>A apropriação equivocada de preceitos (normas, regras) da concepção</p><p>construtivista desestabilizou o sistema de ensino e trouxe, como</p><p>consequência, os altos índices de alunos que cursaram os anos iniciais do</p><p>Ensino Fundamental e não aprenderam a ler e a escrever.</p><p>18</p><p>Unidade I</p><p>É preciso lançar um olhar reflexivo sobre as práticas pedagógicas</p><p>existentes, para que seja possível compreendê‑las e avaliar de que forma</p><p>elas podem ser úteis na formação dos alunos.</p><p>Exercícios</p><p>Chegou a sua vez!</p><p>Vamos refletir sobre o que acabamos de discutir. Faça os exercícios a seguir apresentados, os quais</p><p>serão discutidos na sequência.</p><p>Questão 1 (Enade 2008, adaptada). Uma professora propõe uma atividade em que as crianças</p><p>devem escrever um bilhete para uma personagem. Ao longo da tarefa, a professora percorre todas</p><p>as mesas, lê em voz alta ou silenciosamente alguns bilhetes, comenta as adequações e inadequações</p><p>na escrita, leva as crianças a refletirem a partir dos erros ortográficos e pede que os bilhetes sejam</p><p>reescritos em casa.</p><p>De acordo com a descrição dessa situação, a prática avaliativa realizada pela professora é</p><p>oposta a qual das concepções e seus propósitos, apresentados no quadro a seguir?</p><p>Concepção Propósito</p><p>(A) Diagnóstica</p><p>conhecer os conhecimentos já aprendidos pelas</p><p>crianças</p><p>(B) Classificatória</p><p>medir erros e acertos das aprendizagens das</p><p>crianças em relação à escrita</p><p>(C) Formativa</p><p>acompanhar o processo individoal de</p><p>aprendizagem nas crianças</p><p>(D) Mediadora</p><p>intervir nas aprendizagens realizadas pelas</p><p>crianças</p><p>(E) Investigativa</p><p>conhecer os indícios das aprendizagens</p><p>realizadas pelas crianças</p><p>Resposta correta: alternativa B.</p><p>Análise das alternativas</p><p>A) Alternativa incorreta.</p><p>Justificativa: a postura da professora na situação descrita no enunciado não se opõe ao propósito de</p><p>verificar os conhecimentos já aprendidos pelos alunos.</p><p>19</p><p>METODOLOGIA E PRÁTICA DO ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>B) Alternativa correta.</p><p>Justificativa: a questão pede que se identifique a postura oposta da professora descrita no enunciado.</p><p>Na concepção classificatória, não há espaço para a reflexão a partir do erro por parte do aluno, muito</p><p>menos a possibilidade de debates entre os educandos. O professor submete o texto ao modelo correto,</p><p>seja de ortografia ou sintaxe, indicando os erros e o que deve ser modificado.</p><p>C) Alternativa incorreta.</p><p>Justificativa: a postura da professora na situação descrita no enunciado não se opõe ao propósito de</p><p>acompanhar o aprendizado de cada um dos alunos.</p><p>D) Alternativa incorreta.</p><p>Justificativa: a alternativa é incorreta, pois a postura da professora na situação descrita no enunciado</p><p>não se opõe ao propósito de interferir no aprendizado dos alunos.</p><p>E) Alternativa incorreta.</p><p>Justificativa: a postura da professora na situação descrita no enunciado não se opõe ao propósito de</p><p>investigar o aprendizado dos alunos.</p><p>Questão 2 (Enade 2008, adaptada). Numa sala de aula de terceiro ano do Ensino Fundamental,</p><p>com</p><p>crianças oriundas de várias regiões do Brasil, um aluno pronunciou a palavra olho como [oio]. Outra criança</p><p>da turma chamou‑lhe a atenção, corrigindo‑lhe a fala. A professora aproveitou a oportunidade e pediu</p><p>a todos para que, a partir dali, falassem sempre como se escreve, ou seja: os que falassem [sau] deveriam</p><p>sempre falar [sal]; os que falassem [viage] deveriam sempre falar [viagem]; os que falassem [bodi] deveriam</p><p>sempre falar [bode]; os que falassem [cantano] deveriam sempre falar [cantando]. Rapidamente as crianças</p><p>perceberam que ficou muito difícil falar e que seria impossível falar sempre exatamente como se escreve.</p><p>A professora aproveitou para explicar que ninguém fala exatamente como se escreve.</p><p>Essa professora sabe que</p><p>A) As relações arbitrárias e não perfeitas entre sons e letras são raras.</p><p>B) As variações dialetais de origem social e regional devem ser superadas.</p><p>C) As variações da língua falada têm significados afetivos e culturais.</p><p>D) A língua portuguesa escrita não é fonética.</p><p>E) A correspondência entre os sons da fala e a escrita fonética é invariável.</p><p>Resolução desta questão na plataforma.</p><p>Metodologia e Prática do Ensino da Língua</p><p>Portuguesa</p><p>Unidade I – Questão 2</p><p>Resposta correta: alternativa C (As variações da língua falada têm</p><p>significados afetivos e culturais).</p><p>Análise das alternativas</p><p>A) Alternativa incorreta.</p><p>Justificativa: as relações arbitrárias entre sons e letras não podem ser</p><p>consideradas raras.</p><p>B) Alternativa incorreta.</p><p>Justificativa: as variações regionais de fala não devem ser superadas. A</p><p>diversidade das variações dialetais e de origem social deve ser preservada,</p><p>pois faz parte do patrimônio de um povo.</p><p>C) Alternativa correta.</p><p>Justificativa: além da estrutura gramatical, existem variações linguísticas que</p><p>podem ter significados afetivos e culturais diversos, que devem ser</p><p>respeitados.</p><p>D) Alternativa incorreta.</p><p>Justificativa: a alternativa é incorreta, pois a língua portuguesa escrita é</p><p>fonética.</p><p>E) Alternativa incorreta.</p><p>Justificativa: a correspondência entre os sons da fala e a escrita fonética pode</p><p>ser variável.</p><p>20</p><p>Unidade II</p><p>Unidade II</p><p>Nesta unidade, o que colocamos em discussão é o lugar do professor no processo de ensino da</p><p>leitura e da escrita; o papel que por ele deve ser desempenhado para que seja possível atingir bons</p><p>níveis de desenvolvimento da competência leitora e escritora. Faz‑se necessário destacar o fato de</p><p>que, em alguns momentos, no decorrer desse estudo, você irá se deparar com assuntos que envolvem</p><p>a leitura e a escrita separadamente. Entretanto, devemos ter clareza de que essa é somente uma</p><p>forma de enfatizar esse ou aquele aspecto do processo de aquisição da linguagem escrita. Leitura e</p><p>escrita não são práticas independentes, pelo contrário, estão necessariamente imbricadas de modo</p><p>que não nos é possível, na prática, separá‑las. A cisão entre ambas só ocorre devido à necessidade de</p><p>discuti‑las detalhadamente.</p><p>5 A LEITURA NO COTIDIANO ESCOLAR DO ALUNO</p><p>Ler é entrar em outros mundos possíveis. É indagar a realidade para</p><p>compreendê‑la melhor, é se distanciar do texto e assumir uma postura</p><p>crítica frente ao que se diz e ao que se quer dizer, é tirar carta de cidadania</p><p>no mundo da cultura escrita (LERNER, 2002, p. 73).</p><p>Figura 1</p><p>Muitos são os autores que ressaltam a importância da leitura na formação do indivíduo. Entretanto,</p><p>é preciso considerar que a relação que estabelecemos com a leitura precisa ser mediada por um leitor</p><p>mais experiente. Qual é a criança que não gosta de sentar‑se ao lado de um adulto para ouvir uma</p><p>boa história? Aventura, mistério, magia, romance, ironia, comédia, ensinamento etc. Pode até ser que a</p><p>história a ser lida já seja conhecida pela criança, mas isso não altera o seu contentamento e empolgação</p><p>para ouvi‑la diversas vezes.</p><p>21</p><p>METODOLOGIA E PRÁTICA DO ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>Mas há um fato curioso que precisa ser observado com atenção, pois deve ser compreendido por nós</p><p>adultos: mesmo aqueles que já sabem ler, apreciam a leitura feita pelo professor. O que isto quer dizer?</p><p>Vamos conversar a respeito de alguns pontos que merecem ser destacados aqui.</p><p>Primeiro, é preciso que reconheçamos que até mesmo nós, adultos, gostamos que nos seja lida</p><p>uma boa história. Quando a disciplina que leciono no curso de pedagogia trata de leitura e escrita,</p><p>sempre escolho um bom texto para iniciar a aula e explico para os alunos que acredito que essa é uma</p><p>prática fundamental, para que possamos compreender o encantamento que o ato de ler exerce sobre</p><p>nós. Por meio da leitura, como nos foi dito por Délia Lerner, na citação que dá início a esse estudo,</p><p>temos a possibilidade de viajar por outros mundos, conhecer outras culturas, vivenciar aventuras sem</p><p>correr os seus riscos. Uma boa leitura nos permite transitar entre o passado, o presente e o futuro. E</p><p>isso é fantástico! Muitos alunos relatam que, enquanto realizo a leitura escolhida para o início da aula,</p><p>eles ficam mais calmos e se sentem mais relaxados; desaceleram em relação à correria do cotidiano</p><p>casa‑trabalho‑escola. Se, por algum motivo, anuncio que não haverá leitura naquela aula, demonstram</p><p>decepção e insatisfação. Lembre‑se de que estamos falando de alunos do curso de pedagogia, ou seja,</p><p>adultos (e das mais diferentes idades). Ao final da aula, sempre há um ou outro aluno que vem pedir pra</p><p>que eu repita o nome do livro, do autor e da editora, pois tem interesse em adquirir a obra.</p><p>A prática de realizar a leitura de história para as crianças, infelizmente, tem ficado sob a inteira</p><p>responsabilidade de professores que atuam na Educação Infantil ou das famílias, nas quais o hábito</p><p>de ler tem sido cada vez menos valorizado, por razões diversas. A passagem do aluno da Educação</p><p>Infantil para o Ensino Fundamental é, na maioria dos casos, acompanhada por uma ruptura de rotina</p><p>e de práticas pedagógicas, para a qual não se encontra fundamento. A descontinuidade, por exemplo,</p><p>do hábito de ler para os alunos que ingressam no 1º ano do Ensino Fundamental (atualmente aos seis</p><p>anos de idade), justifica‑se pelo discurso de que “agora há muitos conteúdos a serem trabalhados e</p><p>a leitura só pode ser realizada se, e somente se, sobrar tempo”. Ora, que conteúdos podem ser mais</p><p>importantes do que o desenvolvimento da competência leitora? Ou será que é a falta de conhecimento</p><p>dos benefícios propiciados pela leitura realizada aos alunos, que faz com que educadores, de um modo</p><p>em geral, sacrifiquem esse momento para, em seu lugar, propor atividades em que a abordagem de um</p><p>determinado conteúdo está mais explícita?</p><p>Vamos partir de um pressuposto comum para que, juntos, possamos avançar na reflexão sobre essa</p><p>temática: é papel da escola ensinar o aluno a ler e escrever para além da codificação; seu objetivo é que ele</p><p>desenvolva competência leitora e escritora. Sendo assim, cabe ao professor buscar meios para garantir aos</p><p>seus alunos o desenvolvimento de tais competências. O paradoxo existente em muitas práticas pedagógicas</p><p>atuais está justamente no fato de que, para contribuir no desenvolvimento de uma leitura competente por</p><p>parte do aluno, nós (professores) deixamos de ler para ele. Se isso ocorre, de que maneira podemos esperar</p><p>que esse aluno venha a gostar de ler? Não é lógico que ele possa pensar que se ler fosse bom, aprazível,</p><p>se ajudasse a ampliar vocabulário, e tudo mais que costumamos discursar enquanto falamos sobre a</p><p>importância de desenvolver o hábito da leitura, nós faríamos isso juntos, na escola?</p><p>Mais uma vez, insistimos na importância de conhecer as razões implícitas nas práticas adotadas.</p><p>Então, podemos nos perguntar: quais são os benefícios de uma leitura realizada pelo professor aos</p><p>alunos? Vamos a eles!</p><p>22</p><p>Unidade II</p><p>É quando o professor lê para os alunos (e essa deve ser uma prática que permeia, necessariamente,</p><p>todos os anos iniciais do Ensino Fundamental, do 1º ao 5º ano e, quem dera, continuasse nos demais</p><p>anos</p><p>que o sucedem) que o texto ganha vida. A entonação, as expressões, o gestual, o ritmo, a fluência,</p><p>enfim, toda a postura do professor revela ao ensinar como deve ser uma leitura. O professor, leitor</p><p>competente, enquanto lê, oferece aos alunos um bom modelo do que é essa atividade.</p><p>Lembra‑se da palavra modelo? Aquela que acreditávamos estar proibida, considerando‑se uma</p><p>perspectiva de ensino diferente da tradicional?</p><p>Esse é o primeiro preconceito que necessita ser revisto. O professor precisa oferecer modelos para o</p><p>seu aluno, sim. Entretanto, o modelo a que nos referimos não é mais aquele que necessita ser repetido</p><p>tal como foi apresentado ao aluno. O modelo, ora proposto, deve ser um ponto a partir do qual o aluno</p><p>possa sustentar o seu conhecimento em construção. É um ponto de partida, uma referência que não</p><p>será reproduzida, mas que lhe apresentará caminhos pelos quais será possível imprimir o seu estilo</p><p>próprio.</p><p>Um exemplo, talvez, possa tornar mais claro o entendimento do que estamos chamando de modelo.</p><p>Suponhamos que você acabou de ingressar numa escola para lecionar no 2º ano do Ensino Fundamental.</p><p>Logo depois que você realizou a sua primeira reunião de pais, a coordenadora pedagógica pede que você</p><p>lhe entregue um relatório sobre a reunião. É certo que você sabe o que é um relatório; mesmo assim, a</p><p>dúvida de como elaborá‑lo começa a incomodá‑lo. E não é para menos, pois há diferentes possibilidades</p><p>de redação e estruturação de um relatório. Nesse caso, se você recorrer a um professor que já realizou</p><p>esse trabalho de modo satisfatório e este permitir que você leia o relatório dele, certamente, você terá</p><p>referências que nortearão a sua redação. Isso não significa que você reproduzirá o relatório escrito pelo</p><p>seu colega, mas utilizará pontos comuns para desenvolver o seu. O resultado final pode ser até melhor</p><p>do que aquele que você consultou inicialmente, pois isso apenas lhe serviu de plataforma sobre a qual</p><p>você edificou o seu relatório.</p><p>Esse é o papel que o professor realiza enquanto lê para os seus alunos. Isto quer dizer que ele vai</p><p>desbravando, perante os estudantes, os caminhos da leitura que realiza. Ele oferece um bom modelo, um</p><p>bom estilo de leitura para que, apoiado nele, o aluno possa desenvolver o seu estilo próprio.</p><p>Vera Ronca, em suas aulas, apresenta, aos alunos, obras de Van Gogh que foram inspiradas em Millet,</p><p>seu mestre, e, pela similaridade das imagens, observa o despertar de sentimentos de:</p><p>[...] decepção em relação ao mito “sagrado”, Van Gogh, e abalam a crença</p><p>fortemente instalada no gênio como alguém que não precisa de referências</p><p>externas ou modelos como fonte de inspiração para suas produções, pois</p><p>se acredita ser ele dotado de dons inatos tão potentes que os desenvolve</p><p>durante a vida independentemente dos outros e das circunstâncias que o</p><p>cercam (RONCA, 2007, p. 46).</p><p>A autora faz uma escolha feliz quando chama de mito a crença de que alguém tão talentoso como</p><p>Van Gogh não precisaria de inspirações, modelos e referências.</p><p>23</p><p>METODOLOGIA E PRÁTICA DO ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>Saiba mais</p><p>RONCA, V. F. de C. Docência e Ad‑miração: da imitação à autonomia.</p><p>São Paulo: Edesplan, 2007.</p><p>O trabalho de autoria de Vera de Faria Caruso Ronca trata da relação</p><p>entre modelo e aprendiz e sua leitura é, aqui, recomendada. Ele é resultado</p><p>de sua tese de doutorado e o título já é, por si só, bastante significativo</p><p>para o que estamos discutindo nesta unidade: Docência e Ad‑miração: da</p><p>imitação à autonomia.</p><p>Nele, a autora nos apresenta várias obras de autoria de Van Gogh que</p><p>foram inspiradas em Millet. Entretanto, esse caminho da imitação foi imbuído</p><p>de um estilo próprio, que possibilitou ao aprendiz superar o mestre. Tanto</p><p>isto é verdade que Van Gogh é mais conhecido do que Millet. Diz a autora</p><p>sobre Van Gogh: “Imitou conscientemente, copiou, reproduziu repetidas</p><p>vezes fotos e gravuras com o intuito de aprender as regras elementares do</p><p>desenho.” (RONCA, 2007, p. 51)</p><p>Entretanto, é fundamental que o modelo de leitura a ser apresentado aos alunos seja bom. Para</p><p>garantir essa qualidade, devem ser considerados alguns quesitos, sem os quais a possibilidade de fracasso</p><p>se torna realidade. São eles:</p><p>• O professor deve ser um bom leitor: Nesse processo, há que se considerar a competência leitora do</p><p>professor que atuará como o parceiro mais experiente do aluno, ou seja, a referência, o modelo, e cuja</p><p>intimidade com o texto lido revelará, pela condução da atividade, a importância de atribuir sentido ao</p><p>texto. Vale lembrar que ler uma poesia com a mesma entonação do início ao fim é muito diferente</p><p>de ler a mesma poesia modificando a entonação de acordo com os sentimentos ou fatos que vão se</p><p>revelando no decorrer do texto e isso, o aluno só vai aprender observando como os outros leem.</p><p>• A escolha prévia do texto: É imprescindível que o texto selecionado tenha sido previa e</p><p>cuidadosamente escolhido (considerando‑se o perfil da classe, seus interesses, a faixa etária etc.)</p><p>e que a sua leitura tenha sido realizada antecipadamente pelo professor, possibilitando que ele</p><p>explore, junto aos alunos, os diversos recursos utilizados pelo autor para envolver o leitor; contos de</p><p>fada, de mistério, notícias de jornal, poemas, entrevistas, biografias, reportagens, enfim, qualquer</p><p>que seja o texto escolhido pelo professor, deve ter sido selecionado previamente, obedecendo a</p><p>critérios que considerem a dinâmica e o interesse da classe.</p><p>• Os comentários sobre o autor e a obra: Outro aspecto fundamental é que o professor selecione algumas</p><p>informações sobre o autor do texto para fornecê‑las aos alunos antes da realização da leitura; dados</p><p>de sua biografia, da obra da qual o texto está sendo retirado e de outras publicações do mesmo autor,</p><p>por exemplo, aguçam o interesse dos alunos para a leitura, além de ajudá‑los a estabelecer algumas</p><p>24</p><p>Unidade II</p><p>relações entre o escritor e sua obra. Esse aspecto também tem sua importância pautada no fato de</p><p>que os alunos, fora do ambiente escolar, quando se deparam com textos ou informações sobre algum</p><p>autor que conheceram na escola, revelam maior interesse em saber o que está sendo dito sobre tal e,</p><p>portanto, interessam‑se pela leitura de outros materiais desse mesmo autor.</p><p>• A utilização do portador do texto: A leitura realizada pelo professor deve, necessariamente, ser</p><p>realizada diretamente no seu portador, isto é, se o que está sendo lido é um conto de fadas que foi</p><p>contado pelos Irmãos Grimm, é essa obra que deve ser apresentada aos alunos e o professor deve</p><p>realizá‑la no próprio livro. O texto não deve ter sido reproduzido (manual ou mecanicamente), pois</p><p>o aluno precisa aprender onde é que ele pode encontrar os diferentes tipos de texto que lhe são</p><p>apresentados. Assim, se o texto lido é uma matéria que foi publicada no jornal, o professor deverá</p><p>levar, para a sala de aula, o próprio jornal, mostrando ao aluno como localizar a informação nesse</p><p>portador. Se levasse a matéria recortada, por exemplo, privaria o aluno dessa aprendizagem.</p><p>• A leitura em capítulos: Outra importante estratégia a ser utilizada pelo professor, para mostrar</p><p>aos alunos o comportamento leitor, é a leitura feita em capítulos. Um bom livro de aventura, por</p><p>exemplo, pode ser a escolha certa para envolvê‑los na leitura, além de, pelo próprio procedimento</p><p>do professor, ensiná‑los que nem todos os livros foram pensados para que os lêssemos de uma vez</p><p>só. A exemplo das novelas televisivas, o professor atrai o aluno para leitura, na trama nela contida,</p><p>interrompendo‑a num momento de suspense (escolhido previamente, lembra?), no momento em</p><p>que algo importante está para acontecer ou para ser revelado. Agindo assim, é muito provável</p><p>que, no dia seguinte, os alunos estejam ávidos pela retomada da leitura.</p><p>• A qualidade dos textos: Os critérios adotados pelo professor para a escolha dos textos são</p><p>estabelecidos a partir do conhecimento que ele tem a respeito da sua sala de aula, aliado a</p><p>alguns aspectos considerados</p><p>fundamentais para tal seleção. O principal deles refere‑se à leitura</p><p>de obras de referência na literatura infantil. O mercado nos oferece, atualmente, uma série de</p><p>publicações cuja linguagem foi simplificada (subestimando a capacidade de compreensão</p><p>da criança) e, portanto, empobrecida do ponto de vista literário. Se entendermos que os bons</p><p>modelos, como dissemos anteriormente, funcionam como pilares nos quais nos apoiamos quando</p><p>estamos aprendendo algo, como esperar que o aluno possa produzir bons textos, se as leituras que</p><p>realizamos para ele no cotidiano escolar apresentam qualidade questionável? Aquilo que não é</p><p>compreendido pelo aluno precisa ser discutido na coletividade, com todos os demais participando</p><p>da discussão, levantando hipóteses que vão sendo esclarecidas ou validadas pelo professor, o</p><p>que fornecerá a eles elementos suficientes para que possam identificar recursos semelhantes</p><p>utilizados em outros textos. A argumentação de que há textos cujas expressões são de difícil</p><p>compreensão para as crianças pode sugerir que o professor considere duas possibilidades: que</p><p>talvez seja a hora de ensiná‑las a buscar o significado das palavras no dicionário ou que o texto</p><p>não esteja adequado para a faixa etária em que elas se encontram. Entretanto, na maioria dos</p><p>casos, sabe‑se que muitas dúvidas que surgem a partir da leitura de um texto (e as dúvidas são</p><p>bem‑vindas no processo de aprendizagem dos alunos, pois os mobilizam a buscar respostas e,</p><p>portanto, conduzem à aprendizagem) podem ser sanadas em discussões em que o professor atua</p><p>como mediador. Considere, também, o fato de que, como leitores competentes que somos, muitas</p><p>palavras cujo significado desconhecemos podem ser compreendidas no seu contexto, sem que</p><p>25</p><p>METODOLOGIA E PRÁTICA DO ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>seja necessária a utilização do dicionário; outras, porém, exigem que essa consulta seja feita e será</p><p>a experiência leitora de cada um de nós que decidirá qual procedimento será adotado em cada</p><p>situação. Entretanto, após a leitura, é importante mostrar aos alunos essas duas possibilidades.</p><p>• A leitura compartilhada: Ocorre quando todos têm acesso ao texto escrito e podem acompanhar e</p><p>participar da leitura feita pelo professor. Ter acesso ao texto escrito significa que os alunos podem</p><p>acompanhar a leitura do professor, observando em que momento ele realiza suas pausas, o que o</p><p>faz modificar a entonação, quando sua expressão se torna mais acentuada, enfim, pode observar</p><p>o comportamento leitor adotado por esse outro leitor mais experiente, na sua interação com o</p><p>texto escrito. Para tanto, cada aluno, dupla ou trio, deve ter em mãos o portador do texto. Outra</p><p>forma interessante é a projeção do texto numa tela para toda a classe.</p><p>• A hora da leitura: Sabe‑se que há vários relatos de professores que dizem ler para os seus</p><p>alunos quando “sobra um tempinho” ou ao final da aula, enquanto aguardam o sinal que</p><p>autoriza a saída. Esse não é o lugar que gostaríamos que a leitura ocupasse na escola. Dada a</p><p>sua importância na formação dos alunos, ela precisa ocupar um lugar de destaque; precisa ser</p><p>planejada, acontecer diariamente e, de preferência, no início da aula, ou seja, no momento em</p><p>que os alunos estão chegando à escola e, portanto, estão mais dispostos. Ela precisa ser desejada</p><p>e esperada pelos alunos; só assim estaremos contribuindo para que se tornem verdadeiramente</p><p>bons leitores.</p><p>Figura 2</p><p>26</p><p>Unidade II</p><p>• O lugar para ler: O local de leitura, seja ela feita pelo aluno ou pelo professor, pode variar. É</p><p>possível ler na classe, na quadra, na biblioteca, no pátio, no bosque, enfim, vários espaços podem</p><p>ser utilizados para essa prática, o que também ajuda a fazer com que os alunos gostem desse</p><p>momento. Reunir os alunos para uma leitura à sombra de uma árvore, por exemplo, costuma ser</p><p>uma experiência prazerosa. Entretanto, é preciso que o professor se organize com antecedência,</p><p>pois há lugares que precisam ser reservados (como é o caso do uso da biblioteca em algumas</p><p>escolas) e outros que precisam ser preparados para receber os alunos (às vezes, trata‑se de um</p><p>lugar até então não muito utilizado e que precisa de uma arrumação prévia).</p><p>• O manuseio do material: Após a realização de cada leitura, o professor deve permitir que o material</p><p>lido (livro, revista, jornal etc.) circule entre os alunos, para que eles possam explorá‑lo. Os alunos</p><p>precisam ter essa oportunidade de apreciação pessoal, de proximidade com a leitura escolhida</p><p>pelo professor. Essa prática permitirá que eles construam referenciais para a escolha pessoal de</p><p>um bom texto.</p><p>Saiba mais</p><p>A seguir, são apresentadas algumas indicações do que consideramos</p><p>serem publicações com textos de qualidade literária reconhecida e, portanto,</p><p>podem ser utilizadas no trabalho com os alunos dos anos iniciais do Ensino</p><p>Fundamental:</p><p>SORIANO, M. (Org.). Contos de Grimm. São Paulo: Cia das Letrinhas,</p><p>1996.</p><p>Coletânea que reúne onze contos clássicos que foram resgatados da</p><p>tradição oral e eternizados pela escrita dos Irmãos Grimm. Esses contos</p><p>foram selecionados por Marc Soriano para compor essa obra.</p><p>DAHL. R. O BGA: o bom gigante amigo. São Paulo: Editora 34, 1999.</p><p>Nessa aventura, Sofia se torna amiga de um gigante bom, entre tantos</p><p>maus com os quais ele convivia. A aventura, que é salpicada de humor</p><p>por causa da linguagem utilizada pelo gigante, termina num castelo da</p><p>Inglaterra. Esse é um clássico do renomado escritor de “A Fantástica Fábrica</p><p>de Chocolate”, e uma boa sugestão para a leitura feita em capítulos.</p><p>Desse modo, entendemos que o papel que o professor desempenha como leitor, junto aos seus alunos,</p><p>é muito importante para o desenvolvimento da competência leitora. Nessa fase de aprendizagem, será</p><p>a partir dos critérios estabelecidos pelo professor que os alunos terão contato com textos de qualidade</p><p>literária reconhecida, possibilitando a ampliação do vocabulário, a identificação e utilização de recursos</p><p>linguísticos que valorizam o texto, a reflexão sobre o que foi lido (tanto sobre o tema tratado, como sobre</p><p>27</p><p>METODOLOGIA E PRÁTICA DO ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>aspectos próprios da linguagem escrita), enfim, será a prática de leitura diária na escola que possibilitará,</p><p>ao aluno, um mergulho prazeroso no mundo da leitura. É preciso ressaltar, porém, que as escolhas que</p><p>fazemos para a leitura são bastante subjetivas, quer dizer, obedecem a critérios pessoais e, por esse motivo,</p><p>aos alunos deve ser dada a oportunidade de não gostarem da leitura que ouviram. Há livros que são</p><p>considerados best‑sellers, o que não significa que todas as pessoas ficarão satisfeitas após a sua leitura.</p><p>Nesse sentido, o professor também deve mediar discussões acerca das leituras que realiza, propondo que</p><p>os alunos se manifestem livremente, mas que argumentem sobre as impressões que tiveram sobre a leitura</p><p>que ouviram ou que realizaram. Por isso, essa é uma prática de extrema importância em que o professor</p><p>atuará como referência para os alunos caminharem na direção da autonomia leitora.</p><p>Saiba mais</p><p>SOUZA, F. de. Que história é essa? São Paulo: Companhia das Letrinhas,</p><p>1995.</p><p>Nessa obra, o autor reconta os mais tradicionais contos de fada, adotando</p><p>a perspectiva de um autor considerado como personagem secundário no</p><p>texto. Por exemplo, a história de João e Maria, que é escrita a partir do</p><p>ponto de vista do passarinho que come as migalhas deixadas pelos irmãos</p><p>enquanto estão sendo levados para a floresta. O sucesso do livro tornou</p><p>possível a publicação de uma segunda coletânea de textos dessa natureza,</p><p>intitulada Que história é essa? 2, publicada pela mesma editora.</p><p>DEU a louca na Chapeuzinho. Dir. Cory Edward, Estados Unidos. 2007.</p><p>81 min.</p><p>Ainda na perspectiva de recontar uma mesma história, considerando‑se</p><p>pontos de vistas diferentes, esse desenho animado apresenta quatro</p><p>versões distintas para a história da Chapeuzinho Vermelho, contadas pelos</p><p>seus personagens: a vovó, o lobo, o lenhador e a própria Chapeuzinho.</p><p>O</p><p>desfecho, porém, revela uma surpresa interessante.</p><p>Observação</p><p>Best‑seller: expressão utilizada para identificar uma obra de ampla aceitação entre os leitores; uma</p><p>obra muito vendida. Sua popularidade a leva a reedições, traduções e adequações para outros idiomas.</p><p>5.1 O propósito da leitura</p><p>Há leituras para diferentes propósitos: divertir, informar, aprender, emocionar, distrair, orientar. Por</p><p>exemplo, se queremos aprender a manusear um aparelho celular novo, lemos o seu manual de instruções;</p><p>28</p><p>Unidade II</p><p>se a ideia é divertimento, podemos escolher uma boa crônica; para fazer uma sobremesa de chocolate,</p><p>existe a receita; para estudar para a prova, lemos o material indicado pela professora. É preciso considerar</p><p>que muitas escolhas podem variar, pois são fortemente marcadas pela subjetividade do indivíduo, ou seja,</p><p>posso ler uma crônica para me divertir e, outra pessoa, para a mesma finalidade, pode preferir histórias em</p><p>quadrinhos (HQs). Entretanto, é certo que essa diversidade textual deve ser revelada ao aluno nos anos iniciais</p><p>do Ensino Fundamental; ele só poderá estabelecer critérios pessoais para escolher o que será lido se tiver tido</p><p>a oportunidade de conhecer os diferentes gêneros existentes. E isso deve ser propiciado pela escola.</p><p>Isto posto, entendemos que o professor não pode se fixar num único gênero textual a ser lido para</p><p>os seus alunos. O fato de uma determinada turma gostar da leitura de contos de fada, não pode levar</p><p>o professor a entender que deva realizar somente esse tipo de leitura. Os alunos precisam compreender</p><p>o que se pretende em cada leitura e, além disso, conhecer outros gêneros, para que também saibam</p><p>apreciá‑los e utilizá‑los quando necessário.</p><p>Sobre esse aspecto, Solé (1998) revela:</p><p>[...] É preciso levar em conta que o propósito de ensinar as crianças a ler com</p><p>diferentes objetivos é que, com o tempo, elas mesmas sejam capazes de se</p><p>colocar objetivos de leitura que lhes interessem e que sejam adequados. O</p><p>ensino seria muito pouco útil se, quando o professor desaparecesse, não</p><p>pudesse se usar o que aprendeu (SOLÉ, 1998, p. 101).</p><p>Saiba mais</p><p>Há professores e organizações que desenvolvem projetos muito</p><p>interessantes sobre leitura com os seus alunos. Muitos deles, inclusive, são</p><p>publicados por instituições que valorizam tais iniciativas e as disponibilizam,</p><p>com a devida autorização de seus autores, para consulta.</p><p>É o caso, por exemplo, do “Projeto Entorno”, uma iniciativa da Fundação</p><p>Victor Civita, que tem por objetivo a formação de leitores nas escolas e,</p><p>para tanto, busca instituir, por meio de um processo formativo, práticas</p><p>de leitura no cotidiano escolar. Esse projeto, em andamento desde 2006,</p><p>recebeu menção honrosa no Prêmio Vivaleitura em 2008. Recomendamos</p><p>uma consulta ao site em que estão publicadas várias informações (incluindo</p><p>atividades a serem desenvolvidas com os alunos) sobre o projeto: <http://</p><p>www.fvc.org.br/projeto‑entorno.shtml>.</p><p>5.2 O acesso dos alunos ao acervo literário</p><p>O desenvolvimento da competência leitora supõe um comportamento autônomo por parte do</p><p>aluno. Quando se trata dessa questão, sabe‑se que será preciso, em vários momentos, deixar que o aluno</p><p>29</p><p>METODOLOGIA E PRÁTICA DO ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>escolha o material que deseja ler; o que significa que ele precisa estar em constante interação com a</p><p>diversidade textual. Por isso, cada classe deve possuir um acervo composto por livros de diferentes</p><p>gêneros e autores, para que sejam manuseados livremente. É preciso ressaltar que não nos referimos</p><p>aqui ao acervo que compõe a biblioteca da escola. É certo que esse também é um material e um espaço</p><p>que devem ser explorados por professores e alunos, contudo, é preciso aproximá‑lo ainda mais dos</p><p>estudantes. É necessário que haja um acervo na sala de aula, garantindo a constante possibilidade de</p><p>realizar uma leitura.</p><p>A aquisição de títulos para compor tal acervo é uma questão sempre assinalada por muitas escolas,</p><p>devido à falta de recursos financeiros para esse fim. Essa falta de investimento revela também a pouca</p><p>importância que se dá à leitura e é preciso que esse assunto seja amplamente discutido com os gestores</p><p>das escolas, a fim de se encontrar uma solução viável para o assunto. Entretanto, esse não é o propósito</p><p>desta disciplina (não por ser um assunto menos importante, mas devido à necessidade de manter o foco</p><p>nos objetivos por ela propostos), motivo pelo qual não faremos essa discussão aqui. Mas não se podem</p><p>deixar de reconhecer o esforço e empenho de muitos professores que, compreendendo a importância</p><p>de haver um acervo na sala de aula, recorrem aos pais, à comunidade, às editoras, enfim, a todos que</p><p>puderem contribuir para a reunião desse material de suma importância para o seu trabalho.</p><p>O acesso ao acervo da classe permitirá, ao aluno, retomar, por exemplo, uma leitura que foi realizada</p><p>pelo professor e pela qual tenha se interessado, buscando localizar as partes que mais gostou no</p><p>texto. Essa proximidade com os diversos títulos também possibilitará que os alunos, entre si, façam</p><p>recomendações de leituras, buscando justificativas que possam convencer o colega a ler a mesma obra,</p><p>o que contribui significativamente para o desenvolvimento da oralidade e da argumentação.</p><p>Além de ser acessível para os alunos, as obras que compõem o acervo da sala devem ser passíveis de</p><p>empréstimo, segundo regras que a professora estabelecerá em conjunto com a classe, como cuidados</p><p>para não riscar, rasgar, amassar, sujar etc. Os alunos devem poder levá‑la para casa. Pensemos o quão</p><p>prazeroso se torna a leitura quando podemos compartilhá‑la com aqueles de quem gostamos. Levar para</p><p>casa uma aventura lida pelo professor e, na leitura com os familiares, poder imitar o comportamento</p><p>leitor da professora, ou ainda, mostrar para os seus entes queridos o quanto conhece sobre aquela obra,</p><p>torna muito propícia a aprendizagem de aspectos essenciais da leitura, além de envolvimento agradável</p><p>com o texto.</p><p>Há ainda outro fator a ser considerado no acesso do aluno ao acervo literário: a indicação de leitura.</p><p>Essa prática, que nos acompanha por toda a vida, precisa ser motivada pelo professor. Quando fazemos</p><p>a indicação de algo que gostamos, seja um filme que assistimos, uma música que ouvimos, um lugar</p><p>que visitamos, um restaurante em que comemos, enfim, de toda uma infinidade de possibilidades</p><p>presentes no nosso cotidiano, desenvolvemos também a habilidade de extrair, da experiência vivida, a</p><p>informação essencial para fornecê‑la a quem estamos fazendo a indicação; e isto é a realização de uma</p><p>síntese, tão necessária quando queremos, por exemplo, fazer o resumo de um texto. Assim, a utilização</p><p>das informações selecionadas fundamentará a argumentação a ser desenvolvida para a realização da</p><p>indicação, pois sabemos que toda indicação pressupõe uma justificativa, uma argumentação: leia esse</p><p>livro porque é muito divertido; assista àquele filme porque ele tem uma trilha sonora maravilhosa; vá</p><p>àquele restaurante porque o atendimento é de primeira linha.</p><p>30</p><p>Unidade II</p><p>Ao professor caberá o planejamento de situações em que tais propostas sejam colocadas em prática.</p><p>Contudo, se ele não estiver ciente de que a sua mediação nesse processo é o que potencializará a</p><p>aprendizagem dos alunos, os objetivos requeridos por meio do desenvolvimento de atividades com a</p><p>leitura não serão alcançados.</p><p>6 A ATUAÇÃO DO PROFESSOR NO DESENVOLVIMENTO DO ALUNO</p><p>O contato da criança com a leitura é tão importante quanto o papel que o professor exerce nessa</p><p>interação. Muitas propostas de atividades consideradas boas, adequadas, interessantes, desafiadoras,</p><p>revelam‑se infrutíferas se o professor não se localiza diante do que elas suscitam em seus alunos,</p><p>quando estão nelas envolvidos. Não queremos, com isso, dizer que a atividade por si só é garantia de</p><p>aprendizagem. Se assim fosse, não estaríamos ressaltando a importância do papel do professor para o</p><p>avanço nas aprendizagens do aluno. Pelo contrário,</p>

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