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OLE E TRUFA A HISTÓRIA DE DUAS FOLHAS ISAAC BASHEVIS SINGER A história infantil, que fez parte de minha infância e a qual contei aos meus filhos e contarei aos meus netos foi escrita pelo Prêmio Nobel de Literatura de 1978, Isaac Bashevis Singer (1902 - 1991), filho e neto de rabinos que viviam no bairro judeu de Varsóvia até 1935, ano em que ele emigrou para os Estados Unidos, a mesma, não tem uma pessoa como protagonista, mas as duas últimas folhas de uma árvore no inverno. É uma história profundamente comovente que nos ensina que a morte não é nada mais do que um eterno renascer. Fiz a tradução livre do conto que acompanha meu coração até os dias de hoje. Espero que gostem. A floresta era densa e plena de árvores frondosas, era o mês de novembro. Normalmente nesta época do ano já faz frio e até pode nevar, mas neste mês de novembro o clima ainda estava ameno as noites eram frescas e quando o sol despontava pela manhã, começava a esquentar e por um breve momento podia se pensar que ainda era verão, exceto pela tapeçaria na qual as folhas caídas transformavam o chão da floresta. Umas, de cor amarelo açafrão, outras de um vermelho vinho, ainda havia as que pareciam ouro e se misturavam a paleta multicor. Folhas haviam se desprendido na última chuva, algumas pelo vento, outras durante o dia e ainda algumas durante a noite. Elas agora formavam este espesso tapete que era o chão da floresta. Ainda que já estivessem quase secas, exalavam um agradável perfume. O sol brilhava através dos galhos ainda verdes acalentando suas folhas matizadas, as lagartas e os insetos que de alguma forma sobreviveram às intempéries do tempo caminhavam por entre elas. Os grilos, os camundongos do campo e muitos outros pequenos animais encontravam abrigo debaixo da abóboda de folhas coloridas. Os pássaros que não migraram para terras mais quentes posavam nos galhos desnudos das árvores. Saltavam, chilreavam e gorjeavam a procurar a comida que a floresta lhes oferecia nesta época do ano. Na copa de uma outrora frondosa árvore, que havia perdido todas as suas folhas, todavia restavam duas, uma se chamava Ole e a outra Trufa. Tanto uma quanto a outra estavam no mesmo galho e, como estavam bem no topo da árvore, recebiam muito sol. Por alguma razão que ambas desconheciam haviam sobrevivido a todos os infortúnios, a todas as noites frias, aos ventos, e seguiam como que acorrentadas ao seu galho. Quem sabe por que motivo uma folha cai e a outra permanece? Ole e Trufa tinham a certeza de que permaneciam no topo da árvore, pelo grande amor que as unia. Ole era um pouco maior que Trufa, e alguns dias mais velha. No entanto Trufa era mais bonita e delicada. Uma folha pode fazer muito pouco pela outra quando o vento começa a soprar, quando a chuva começa a cair ou o granizo as castiga e quando chega o outono, já não há muito que se pode fazer. Ainda assim Ole não perdia a oportunidade de animar Trufa. Durante as piores tormentas ao som estarrecedor dos trovões, em meio aos clarões assustadores, onde o vento não arrancava somente as folhas, mas levava consigo galhos inteiros, Ole dizia a Trufa: ─ Não desista, agarre-se com toda a sua força. Às vezes durante as frias noites de tormenta Trufa se lamentava: ─ Chegou minha hora Ole, mas você precisa permanecer firme, não se solte. ─ Para que? ─ perguntava Ole, ─ sem você minha vida perderia o sentido. Se caíres, cairei contigo. ─ Não Ole não faça isso ─ retrucava Trufa ─ enquanto uma folha puder se manter viva ela jamais deve soltar-se. ─ Mas, tudo depende que fiques comigo─ respondia-lhe Ole ─ de dia te contemplo e admiro a sua beleza, de noite aspiro sua fragrância. Ser a única folha de uma árvore, não, jamais! ─ Ole, suas palavras são tão doces, mas não estão corretas, ─ disse Trufa ─ você sabe bem que não sou mais bela, veja como estou enrugada, toda minha seiva secou e tenho vergonha de ser vista pelos pássaros, tão belos, eles me observam com tanta pena. As vezes tenho a impressão que fazem graça de minha condição envelhecida. Já perdi tudo, mas, todavia me resta algo, meu amor por você. ─ Isto não é o suficiente? ─ replica Ole ─ de todas as nossas forças, o amor e o maior de todos, a mais bonita, enquanto nos amarmos, permaneceremos aqui e não haverá chuva ou tormenta que possa nos destruir. Tenho que te confessar algo Trufa nunca te amei tanto como lhe amo agora. ─ Por que Ole, por quê? Estou completamente amarelada! ─ Quem disse que verde é bonito e amarelo não é? Todas as cores são igualmente belas! Justo no momento em que Ole pronunciava estas palavras sucedeu o que Trufa tanto temia, um vento muito forte agarrou Ole e a arrancou de seu galho. Trufa começou a tremer e sacudia tanto que parecia que também ela seria levada pelo vento. Mas estava firmemente atada ao seu galho e teve que observar como Ole era levada pelo vento e a chamou no idioma das folhas. ─ Ole, por favor, volte não me deixe aqui. Mas antes que conseguisse terminar a frase Ole desapareceu de sua vista misturando-se as outras folhas caídas e Trufa ficou para trás sozinha e desolada. Durante o resto do dia Trufa fez um esforço muito grande para suportar sua dor, mas ao cair da noite uma chuva penetrante começou a cair e Trufa se desesperou. Por alguma razão que ela mesma desconhecia começou a culpar a árvore pelo infortúnio das folhas, ao tronco com suas poderosas raízes! Enquanto as folhas caíam, o tronco ali permanecia enraizado e firme. Não havia vento, chuva ou granizo que pudessem derrubá-lo. Por que uma árvore, que provavelmente viveria por toda eternidade, se importaria com a sorte de suas folhas? Para Trufa, o tronco era uma espécie de Deus, que durante alguns meses se cobria de folhas para logo se desfazer das mesmas, as alimentava com sua seiva enquanto isto lhe era de agrado para logo depois deixa-las morrer de fome. Trufa então suplicou a árvore que lhe devolvesse Ole e que se fizesse verão novamente, mas a árvore não a escutou ou não quis escutar suas lamentações. Trufa não imaginou que uma noite podia durar tanto, ser tão escura e tão gelada. Ela conversava com Ole esperando uma resposta que nunca veio. Trufa então pediu à árvore que a deixasse ir, uma vez que lhe tinha tirado o que mais amava, mas a árvore parecia nem ter tomado conhecimento da súplica de Trufa. Depois de um tempo Trufa adormeceu. Não era um sonho parecia mais uma estranha languidez, acordou e descobriu que não estava mais atada ao galho, o vento a havia levado suavemente enquanto dormia e agora a sensação de acordar era distinta da que ela havia sentido na árvore, era como se o sol a tivesse abraçado e feito desaparecer angústias e temores. Este despertar ainda lhe trouxe uma consciência que ela jamais havia experimentado antes, saber que não era apenas uma folha levada pelo vento, mas que fazia parte de todo um universo lhe fez ter a compreensão de que não era pequena, débil e nem passageira senão parte do todo. Através de uma misteriosa força, Trufa compreendeu o milagre de suas moléculas, seus átomos, prótons e elétrons, a enorme energia que formava e o plano divino da qual ela era parte. Perto dela repousava Ole e puderam se saudar com um amor ainda infinitamente maior que o anterior. Já não era um amor que dependia da sorte ou do capricho, senão um amor tão poderoso e eterno quanto o próprio universo. O que temiam dia após dia, entre abril e novembro, resultou não ser a morte, senão apenas um renascimento. image1.png image2.jpeg