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EMBRIOLOGIA CLÍNICA Lisiane Cervieri Mezzomo Espermatogênese e ovogênese Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: � Definir os principais eventos na formação dos espermatozoides. � Reconhecer os principais eventos na formação dos óvulos. � Identificar semelhanças e diferenças entre as gametogêneses feminina e masculina. Introdução Na reprodução sexuada, um organismo resulta da fusão de dois gametas (células germinativas) diferentes: um produzido pelo pai e outro pela mãe. Cada gameta recebe um único conjunto de cromossomos por meio da meiose (mei = diminuição; ose = condição de) — um tipo especial de divisão celular reprodutiva. Os gametas se diferem das células somáticas, pois contêm um único conjunto de 23 cromossomos simbolizados como n. Eles são, por con- seguinte, ditos haploides (hapl = único). Após a fertilização, quando o gameta masculino (espermatozoide) se une ao gameta feminino (ovócito secundário), a célula resultante contém um conjunto de 23 cromosso- mos de cada um dos pais, totalizando 46 cromossomos (2n), os quais, consequentemente, são diploides. Espermatogênese A espermatogênese é o processo pelo qual os túbulos seminíferos dos testículos produzem espermatozoides. Ela ocorre em todos os túbulos durante a vida sexual ativa em decorrência da estimulação dos hormônios gonadotróficos LH (hormônio luteinizante) e FSH (hormônio folículo estimulante) secretados pela hipófise anterior. Esse processo se inicia na puberdade, por volta dos 13 anos de idade, e prossegue durante toda a vida, diminuindo acentuadamente com o avanço da idade (HALL, 2017; TORTORA; DERRICKSON, 2016). Estágios da espermatogênese As espermatogônias são células epiteliais germinativas que revestem os túbulos seminíferos. Essas células se proliferam continuamente para manter o seu número e se diferenciam pelos estágios definidos de desenvolvimento para formar os espermatozoides. Todo o período da espermatogênese, desde o início da divisão celular, em uma espermatogônia, até a liberação dos espermatozoides, no lúmen do túbulo seminífero, leva de 65 a 75 dias. As espermatogônias contêm o número diploide de cromossomos (46). Depois que uma espermatogônia sofre mitose, uma célula permanece próxima à membrana basal como espermatogônia, desse modo, restam células-tronco para futuras mitoses. A outra célula se diferencia em um espermatócito primário (diploides, assim como as espermatogônias). Esse espermatócito primário, por sua vez, divide-se pelo processo de meiose I para formar dois espermatócitos secundários, haploides, que contêm 23 cromossomos. Depois de alguns dias, esses espermatócitos secundários se dividem (meiose II) para formar as espermátides, também haploides, que acabam se modificando e se transformando em espermatozoides. O estágio final da espermatogênese, no qual as espermátides amadurecem em espermatozoides, é chamado de espermiogênese (HALL, 2017; TORTORA; DERRICKSON, 2016; RAFF; LEVITZKY, 2012; SILVERTHORN, 2017). No ser humano, a espermatogênese demora de 64 a 74 dias: quase 16 dias no período de mitoses das espermatogônias; 24 dias na primeira meiose; cerca de 8 h na segunda meiose e quase 24 dias na espermatogênese. Durante a passagem do estágio de espermatócito para o estágio de espermátide, os 46 cromossomos (23 pares) do espermatócito são divididos, de modo que 23 vão para uma espermátide e os outros 23 cromossomos vão para a segunda espermátide gerada a partir do processo de divisão celular. Essa divisão também divide os genes cromossômicos, dessa forma, apenas metade das características do futuro feto provém do pai, enquanto a outra metade origina-se do ovócito da mãe (HALL, 2017; TORTORA; DERRICKSON, 2016). Espermatogênese e ovogênese2 Em cada espermatogônia, um dos 23 pares de cromossomos carrega a informação genética que determina o sexo de cada futuro descendente. Esse par é composto por um cromossomo X, denominado cromossomo feminino, e por um cromossomo Y, chamado de cromossomo masculino. O sexo do futuro feto é determinado de acordo com o espermatozoide que irá fertilizar o óvulo. Espermatozoides Os espermatozoides são produzidos pelos dois testículos, na taxa de 300 milhões por dia. Uma pequena quantidade pode ser armazenada no epidídimo (maturação dos espermatozoides), porém, a maioria é armazenada no canal deferente. Eles podem permanecer armazenados, mantendo sua fertilidade por pelo menos um mês. Durante esse tempo, os espermatozoides são mantidos em estado inativo e em supressão. Os espermatozoides que não são ejaculados são fagocitados e reabsorvidos. Uma vez ejaculados, os espermatozoides se tornam móveis e adquirem a capacidade de fertilizar o óvulo. Após a ejacu- lação, a maioria não sobrevive por mais de 48 h no trato genital feminino. Os espermatozoides são compostos por cabeça, peça intermediária e cauda. A cabeça é constituída pelo núcleo condensado da célula (DNA), com apenas uma fina camada citoplasmática e a membrana celular em torno da superfície. No lado externo da parte anterior da cabeça, há o acrossoma (acro = topo), uma vesícula contendo enzimas que ajudam na penetração do espermatozoide no ovócito secundário. As enzimas são hialuronidase (digere fragmentos proteoglicanos dos tecidos) e proteolíticas (digerem proteínas). O acrossoma é produzido a partir do aparelho de Golgi e suas enzimas são semelhantes ao conteúdo dos lisossomos nas células típicas. Essas enzimas desempenham um importante papel ao permitir que o espermatozoide penetre no óvulo, fertilizando-o. A peça intermediária, também denominada corpo da cauda, contém mitocôndrias que fornecem energia na forma de adenosina trifosfato para a locomoção. A cauda do espermatozoide é chamada de flagelo e é responsável pela motilidade do espermatozoide (movimento flagelar). 3Espermatogênese e ovogênese O espermatozoide tem um esqueleto central que é constituído por 11 mi- crotúbulos, coletivamente denominados axonema, e uma fina membrana que o recobre (Figura 1). O espermatozoide normal desloca-se em meio líquido a uma velocidade de 1 a 4 mm/min. Esse movimento permite a sua mobilidade no trato genital feminina à procura do óvulo (HALL, 2017; TORTORA; DERRICKSON, 2016; RAFF; LEVITZKY, 2012; SILVERTHORN, 2017). É importante citar que os espermatozoides móveis e férteis normais são capazes de ter movimento flagelado no meio líquido. Figura 1. Partes de um espermatozoide Fonte: Martini, Timmons e Tallitsch (2009). Espermatogênese e ovogênese4 Fatores hormonais que estimulam a espermatogênese No início da puberdade, as células neurossecretoras do hipotálamo aumentam a secreção do hormônio liberador de gonadotrofinas (GnRH). Esse hormônio estimula a hipófise anterior a aumentar a secreção do LH e do FSH. Esses hormônios controlam as células de Leydig e de Sertoli dos testículos e esti- mulam a espermatogênese (HALL, 2017; TORTORA; DERRICKSON, 2016). As células de Leydig estão localizadas nos túbulos seminíferos e secretam o principal andrógeno masculino: o hormônio esteroide testosterona. Esse hormônio atua no modo de retroalimentação negativa para suprimir a secreção de LH na hipófise anterior e para suprimir a secreção de GnRH pelo hipotálamo. As células de Sertoli, também chamadas de células de sustentação, estão localizadas entre as células espermáticas no túbulo seminífero. Elas sustentam, protegem e nutrem as células espermatogônicas, fagocitam as células espermatogênicas em degeneração, secretam o fluido para o transporte de espermatozoides e liberam o hormônio inibina, que ajuda a regular a produção dos espermatozoides Alguns hormônios, juntamente com a testosterona, desempenham papéis essenciais na espermatogênese. A testosterona, secretada pelas células de Leydig nos testículos a partir do colesterol, é essencial para o crescimento e a divisão das células germinativas, que constituem a primeira etapa da for- mação dos espermatozoides.O LH secretado pela hipófise anterior estimula as células de Leydig a secretar testosterona. O FSH, também secretado pela hipófise anterior, estimula as células de Sertoli para converter as espermátides em espermatozoides (espermiogênese). Os estrogênios, formados a partir da testosterona pelas células de Sertoli, quando são estimulados pelo FSH, são também essenciais para a espermiogênese (HALL, 2017; TORTORA; DERRICKSON, 2016; RAFF; LEVITZKY, 2012; SILVERTHORN, 2017). 5Espermatogênese e ovogênese O hormônio do crescimento é necessário para controlar as funções metabólicas básicas dos testículos, pois atua promovendo a divisão inicial das espermatogônias. Na sua ausência, a espermatogênese está gravemente deficiente, ou ausente, resultando em infertilidade. Ovogênese Ovogênese é o nome que se dá à formação dos gametas nos ovários (ovo=ovo). A ovogênese se inicia nas mulheres antes do nascimento, portanto, quando nascem, as mulheres já têm todos os óvulos da sua vida. Durante o desenvol- vimento fetal inicial, as células dos ovários se diferenciam em ovogônias, que podem dar origem às células que se desenvolvem em ovócitos secundários. A maioria dessas células se degenera antes do nascimento, mas algumas permanecem e se desenvolvem em ovócitos primários. Esses, por sua vez, iniciam a divisão celular (meiose I) ainda durante o desenvolvimento fetal, mas só a completam depois da puberdade, quando produzem um ovócito secundário e o primeiro corpo polar, que pode ou não se dividir novamente. Ao nascer, cerca de 200 mil a 2 milhões de ovócitos primários permanecem em cada ovário. Destes, restam cerca de 400 mil na puberdade e apenas 400 continuam a amadurecer e ovulam durante a vida reprodutiva da mulher. O restante se degenera (HALL, 2017; TORTORA; DERRICKSON, 2016; RAFF; LEVITZKY, 2012; SILVERTHORN, 2017). Crescimento do folículo ovariano Após a puberdade, os hormônios LH e FSH começam a ser secretados pela adeno-hipófise em quantidades significativas e estimulam o início da ovogê- nese, que passa a ocorrer mensalmente. Nesse período, os ovários, juntamente com alguns dos folículos, começam a crescer. A meiose I reinicia em vários ovócitos primários, embora em cada ciclo apenas um folículo tipicamente alcance a maturidade necessária para a ovulação. O ovócito primário começa a meiose I resultando em duas células haploides, de tamanhos desiguais, ambas com 23 cromossomos (n). A célula menor é chamada de primeiro corpo polar Espermatogênese e ovogênese6 e é essencialmente um pacote de material nuclear descartado. A célula maior, conhecida como ovócito secundário, recebe a maior parte do citoplasma. Uma vez que o ovócito secundário é formado, ele inicia a meiose II e não para. O folículo no qual esses eventos estão ocorrendo logo se rompe e libera o ovócito secundário, um processo conhecido como ovulação. Essas etapas são descritas na Figura 2 (HALL, 2017; TORTORA; DERRICKSON, 2016). Figura 2. Ovogênese. Fonte: Só Biologia (2019). Ovogênese Célula germinativa Mitose 2n Ovogônias 2n 2n Mitose Ovogônias 2n 2n 2n 2n Ovócito I Meiose I Ovócito II 2n n n Meiose II n n n n Glóbulos polares Pe rí od o ge rm in ia no Pe rí od o de cr es ci m en to Pe rí od o de m at ur aç ão Glóbulo polar Crescimento sem divisão celular Óvulo 7Espermatogênese e ovogênese Ovulação Depois de aproximadamente uma semana de crescimento, um dos folículos começa a crescer mais do que os outros (folículo dominante), enquanto os folículos (5 a 11) remanescentes em desenvolvimento involuem — processo denominado atresia. A atresia é importante, pois normalmente permite que apenas um dos folículos cresça o suficiente para ovular a cada mês, impedindo, com isto, o desenvolvimento de mais de um feto em cada gravidez. O folículo dominante se torna um folículo maduro (de Graaf) e continua a aumentar até que esteja pronto para a ovulação. A ruptura do folículo maduro (ovulação) e a liberação do ovócito secundário na cavidade pélvica geralmente ocorrem no dia 14 em uma mulher com ciclo de 28 dias (Figura 3) (HALL, 2017; TORTORA; DERRICKSON, 2016). Figura 3. Estágios do crescimento folicular no ovário, mostrando também a formação do corpo lúteo. Fonte: Tefi/Shutterstock.com. Espermatogênese e ovogênese8 Em geral, há a ovulação de apenas um oócito secundário em cada ciclo sexual feminino. Se mais oócitos forem liberados, quando fecundados, eles resultarão em gêmeos não idênticos. Em animais com múltiplos filhotes, vários oócitos são ovulados, assim, se um espermatozoide penetrar no ovócito secundário, ocorre a fertilização e a meiose II recomeça. O ovócito secundário se divide em duas células haploides (n) de tamanhos desiguais. A célula maior é o óvulo, ou ovo maduro, e a menor é chamada de segundo corpo polar. Os núcleos do espermatozoide e do óvulo se unem, formando um zigoto diploide (2n) (HALL, 2017; TORTORA; DERRICKSON, 2016). Semelhanças e diferenças na gametogênese Gametogênese é o termo que se refere à produção de gametas. O gameta masculino é o espermatozoide e o gameta feminino é o óvulo. A produção de espermatozoides é chamada de espermatogênese e ocorre nos testículos, já a gametogênese feminina é chamada de oogênese e ocorre nos ovários. Diferentemente da espermatogênese, que se inicia nos homens na puberdade, a ovogênese tem início nas mulheres antes mesmo do seu nascimento. Além disso, outra diferença marcante é que os homens produzem novos espermato- zoides ao longo de toda a sua vida, até a morte do indivíduo (apesar de haver a redução em sua produção conforme a idade for avançando), ao passo que as mulheres já têm todos os óvulos da sua vida quando nascem. Apesar de a oogênese se iniciar ainda durante a fase embrionária, ela é interrompida por volta dos 50 anos de idade, com o declínio da secreção dos hormônios gonadotróficos que é ocasionado pela hipófise anterior em um processo conhecido como menopausa. Contudo, em termos gerais, a ovogênese ocorre essencialmente da mesma maneira que a espermatogênese. A gametogênese é relacionada à ocorrência de dois processos de divisão celular: a meiose e a mitose. (Figura 4). A mitose garante o aumento da população de células, enquanto a meiose garante a redução do material genético do gameta, de diploide para haploide, e ainda proporciona a variabilidade genética. A redução do material genético é importante para que, no momento da fecundação, ocorra o retorno do número de cromossomos da espécie (cada gameta contendo 23 cromossomos, totalizando 46). Assim, com a fusão do gameta masculino ao feminino, a diploidia da espécie é restabelecida (HALL, 2017; TORTORA; DERRICKSON, 2016; RAFF; LEVITZKY, 2012; SILVERTHORN, 2017). 9Espermatogênese e ovogênese Diferentemente da espermatogênese, a ovogênese apresenta períodos de interrupção em seu processo. A meiose I, por exemplo, é interrompida ainda durante o desenvolvimento embrionário e só será retomada na puberdade. Ao final do processo de espermatogênese, uma célula é capaz de produzir quatro espermatozoides, porém, na ovogênese, é formado apenas um gameta viável. Figura 4. Gametogênese. Fonte: Resumov (2015). Espermatogênese e ovogênese10 HALL, J. E. Guyton & Hall: tratado de fisiologia médica. 13. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2017. MARTINI, F. H.; TIMMONS, M. J.; TALLITSCH, R. B. Anatomia humana. 6. ed. Porto Alegre: Artmed, 2009. (Série Martini). RAFF, H.; LEVITZKY, M. G. Fisiologia médica: uma abordagem integrada. Porto Alegre: AMGH, 2012. RESUMOV. Fuvest 2015: prova V: questão 82: gametogênese humana. Brasil, 2015. Dispo- nível em: https://www.resumov.com.br/provas/fuvest/2015-q82/. Acesso em: 9 set. 2019. SILVERTHORN, D. U. Fisiologia humana: uma abordagem integrada. 7. ed. Porto Alegre: Artmed, 2017. SÓ BIOLOGIA. A ovogênese. Brasil, 2019. Disponível em: https://www.sobiologia.com. br/conteudos/Citologia2/nucleo16.php. Acesso em: 9 set. 2019. TORTORA, G. J.; DERRICKSON,B. Princípios de anatomia e fisiologia. 14. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2016. 11Espermatogênese e ovogênese