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INTRODUÇÃO À LINGUÍSTICA Aline Azeredo Bizello História da gramática tradicional e da reflexão linguística Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Descrever o percurso histórico das gramáticas tradicionais. Identificar as diferenças entre gramática como conceito teórico e gramática como instrumento linguístico. Analisar as diferentes abordagens que fundamentam as gramáticas contemporâneas brasileiras. Introdução Existem diferentes sentidos para gramática. Conhecê-los é uma forma de refletir sobre o funcionamento da língua. Qual é o papel e a origem da gramática tradicional? Que outras perspectivas existem? Para refletir sobre a língua materna, existe a perspectiva da competência linguística, a gramática tradicional e a gramática descritiva. Compreender cada perspectiva e avaliar as situações de aprendizagem que auxiliem os alunos a desenvolver sua gramática internalizada é o papel do professor de língua portuguesa. Neste capítulo, você vai estudar a gramática tradicional e a reflexão linguística, acompanhando o percurso histórico das gramáticas tradicio- nais, conhecendo as diferenças entre gramática como conceito teórico e como instrumento linguístico, além das diferentes abordagens que fundamentam as gramáticas contemporâneas brasileiras. Percurso histórico das gramáticas tradicionais Ainda na atualidade, quando se pensa em refl exão linguística sobre a língua portuguesa brasileira, recorre-se aos preceitos da gramática tradicional. As gramáticas publicadas no século XXI também são oriundas de caminhos teórico-metodológicos percorridos pelos autores tradicionais. Para compreender esses manuais, é importante conhecer seu percurso histórico. Os estudiosos da história das ideias linguísticas afirmam que há, desde a antiguidade clássica grega até hoje, uma espécie de continuidade nas reflexões sobre o uso da língua. Afinal, os pesquisadores costumam conhecer e respeitar as obras de seus predecessores. Assim, embora se encontrem alterações em teorias, nas definições ou nos métodos, é comum o estabelecimento de uma linha ininterrupta de erudição no tratamento da linguagem. A história das ideias linguísticas é um ramo da linguística que analisa os estudos históricos sobre as línguas com ênfase aos dicionários e às gramáticas. Platão foi um dos precursores nos estudos sobre os problemas linguísticos. Sua forma de analisar as questões linguísticas permaneceu até o final da Idade Média. Nessa época, o foco da investigação era a imanência e a sincronia do sistema linguístico. Pretendia-se descrever determinadas línguas (grego e latim) e refletir sobre as categorias linguísticas. No Renascimento, surgiu o interesse pela história e pela comparação linguís- tica, isto é, surgiu um olhar para as questões sociais e externas da linguagem. Nas palavras de Francisco Eduardo Vieira da Silva (2015, documento on-line): Nota-se que esse olhar para a história dos estudos linguísticos a cinde em dois planos temporais, situados antes e depois do Renascimento, período marcado pela formação e consolidação dos estados nacionais modernos e de suas respectivas línguas de cultura. É verdade que, nessa época, os horizon- tes dos estudos linguísticos, antes limitados à realidade greco-latina, foram ampliados e novas linhas de pensamento sobre a linguagem começaram a surgir, muito por conta da investigação de outras línguas, como o hebreu, o árabe, os próprios vernáculos europeus e as línguas ameríndias. História da gramática tradicional e da reflexão linguística2 Alguns estudiosos consideram que, ao longo da história dos estudos linguísticos, houve duas perspectivas paralelas para tratar sobre a língua. Bagno (2009) afirma que, atualmente, essas perspectivas podem ser traduzidas como gramática descritiva e gramática prescritiva. A primeira descreve o funcionamento e o uso da língua, e a segunda impõe usos considerados mais corretos ou elegantes. A origem das duas tendências é a Grécia antiga: a primeira, no contexto da filosofia clássica; a segunda, da filologia alexandrina. De forma geral, Platão, Aristóteles e os estoicos buscaram estabelecer categorias de palavras que serviram de inspiração para a criação de uma metalinguagem para a descrição e análise de suas línguas. Silva (2015, docu- mento on-line) considera que: […] embora os alexandrinos sejam considerados os primeiros gramáticos do Ocidente, […] Dionísio e seus colegas beberam nos estudos linguísticos dos precursores […] para criar um modo inédito de se estudar a linguagem, então sinônimo de grego homérico. Foi esse modo que chegou posteriormente aos gramáticos latinos e, através deles, aos gramáticos medievais e renascentis- tas, sendo estes últimos os responsáveis por nossa ‘colonização gramatical’. Com essa forma de pensar a linguagem, os alexandrinos deram continuidade à tradição filosófica de estudar a linguagem e criaram uma gramatização das línguas. Eles consideravam os literatos os detentores da língua correta, e essa forma de falar e de escrever passou a nortear as concepções envolvidas no pensamento e na prática gramatical desde essa época. Assim, durante o Império Romano e a Idade Média, os latinos absorveram o sistema metodológico e ideológico baseado em noções arbitrárias de “certo” e “errado”. Esse fato demonstra que, desde a antiguidade clássica, já havia uma discussão: a língua seria constituída por regularidades ou irregularidades de forma e sentido? O fato é que dois campos de estudos ocorreram concomitantemente ao longo dos estudos linguísticos desde a antiguidade até hoje: o teórico (refle- xão sobre a linguagem para descrevê-la) e o doutrinário (estabelecimento de prescrições de uso correto da linguagem). Veja na Figura 1 as influências mútuas dos dois campos. 3História da gramática tradicional e da reflexão linguística Figura 1. Perspectiva da ramificação e influências mútuas entre os campos teórico e doutrinário. Fonte: Silva (2015, documento on-line). O campo doutrinário se originou no período helenístico, época em que o grego falado em Atenas passou a ser tratado como uma língua de prestígio por questões de poder político e econômico. Embora houvesse variedades nessa língua e surgissem novidades linguísticas a cada nova conquista territorial, houve uma manutenção do ideal linguístico-cultural de reverência à tradição História da gramática tradicional e da reflexão linguística4 literária anterior também no Império Romano. Na tentativa de preservar a língua “correta” de Homero, os gramáticos alexandrinos consideravam todas as mudanças da língua como negativas. Para Silva (2015, documento on-line), Assim, os primeiros filólogos gramáticos da história ocidental estabeleceram juízos de valor negativos para as inevitáveis transformações e diferenças do grego homérico, cometendo dois equívocos fundamentais: a distorção das relações entre fala e escrita, duas entidades sociolinguísticas completamente distintas; e a assunção da visão negativa da mudança linguística, considerada prejudicial à pureza do idioma grego. É desse modo que os eruditos alexandri- nos inauguraram a tradição prescritivo-normativa e o preconceito linguístico nos estudos gramaticais, dando as primeiras diretrizes epistemológicas e ideológicas do PTG. Francisco Eduardo Vieira da Silva (2015) defende a ideia de que o paradigma tradicional de gramatização (PTG) é o modelo responsável por nortear, há mais de dois mil anos, a elaboração de gramáticas no Ocidente. Nesse contexto e com esses propósitos, surgiu a primeira gramática de uma língua europeia que recebeu respaldo como tal, a elaborada por Dionísio Trácio (170-90 a.C.). Ele dividiu a gramática em seis partes: leitura e prosódia; exegese dos tropos poéticos; restituição de sentido das palavras estranhas e das estórias; descoberta da etimologia; cálculo da analogia; crítica dos poemas. Um dos legados dessa gramática de Dionísio é considerara frase/oração como a unidade máxima de análise. Nas gramáticas da língua portuguesa, encontra-se uma terminologia gramatical que “[…] advém direta ou indireta- mente do legado dionisíaco e, consequentemente, das sucessivas gerações de filósofos, que deram o mote categorial e terminológico para o surgimento da tradição gramatical na Alexandria helênica” (SILVA, 2015, documento on-line). Dessa forma, tanto a gramática dionisíaca quanto as contemporâneas tratam as classes como se fossem fixas e autônomas. Contudo, uma palavra não terá sempre a mesma classificação, pois o contexto de uso pode alterá-la. Em linhas gerais, nota-se que os gramáticos atuais buscam encaixar definições em categorias que já estavam prontas/indicadas pela tradição e não criar uma teoria nova que dê conta de novas classes, por exemplo. 5História da gramática tradicional e da reflexão linguística Conforme alerta Neves (1987), na atualidade, evidencia-se a influência gramatical do latino Varrão (I a.C.): seu modelo sistemático serviu para a elaboração das primeiras gramáticas vernaculares europeias. No século VI, o gramático Prisciano de Cesareia descreveu o latim dos autores clássicos, e sua obra chegou ao Ocidente. Até o Renascimento, seu livro serviu como base das teorias gramaticais e ainda permanece em nossos dias como base do ensino de latim. Nesse sentido, a gramática de Prisciano, representa o elo entre a erudição gramatical antiga e medieval. Com a Idade Média, a gramática passou a ser parte da doutrina cristã. As mudanças linguísticas, então, não receberam atenção nesse período. Desde a queda do Império Romano, as formas de falar regionais, chamadas de romances, passaram a ganhar mais espaço. Junto com as gramáticas latinas, surgiram transcrições fonéticas das línguas populares que aos poucos se organizariam em torno de normas mais ou menos consensuais (SILVA, 2015). De qualquer forma, para todo processo de gramatização das línguas na- cionais europeias, já na Idade Moderna, o latim esteve presente, e as primei- ras gramáticas se basearam nos modelos latinos. Como as nações europeias precisavam alcançar unidade linguística em função das questões políticas, buscaram legitimar um padrão de língua (NEVES, 1987). Em suma, as normas das gramáticas tradicionais surgiram da necessidade de manter um padrão linguístico venerado ou que representasse uma unidade política. Como os estudiosos bebem da fonte de seus predecessores, é comum que algumas estruturas de descrição e normatização da língua sejam utilizadas como modelo, embora os contextos se modifiquem. Diferenças entre gramática como conceito teórico e como instrumento linguístico É comum que as pessoas identifi quem o termo gramática apenas com um con- junto de normas de uma língua. Entretanto, há pelo menos duas possiblidades de uso dessa palavra: uma como conceito teórico e outra como instrumento linguístico. A primeira possibilidade de sentido de gramática refere-se a um manual de regras sobre o bom uso da língua e corresponde ao que se costuma chamar de gramática normativa. Nas palavras de Franchi (2006, p. 16), Gramática é o conjunto sistemático de normas para bem falar e escrever, estabelecidas pelos especialistas, com base no uso da língua consagrado História da gramática tradicional e da reflexão linguística6 pelos bons escritores. Dizer que alguém ‘sabe gramática’ significa dizer que esse alguém ‘conhece essas normas e as domina tanto nacionalmente quanto operacionalmente’. Note que, nessa definição de gramática, considera-se apenas a variedade padrão que, como alerta Travaglia (1998), mobiliza argumentos estéticos (valorização da elegância; depreciação da cacofonia, por exemplo), elitistas (estratificação entre linguagem popular e aristocrática); políticos (valorização do purismo e da vernaculidade e perseguição aos estrangeirismos); comuni- cacionais (adequada expressão do pensamento) e históricos (valorização da tradição). Para essa concepção, é preciso instrução formal, pois há regras específicas que diferenciam o uso cotidiano da língua do uso “certo”. Enunciados como “Eu vi ela no cinema” e “Me dá um pedaço de bolo” são considerados errados, pois não obedecem às regras de uso de pronomes oblíquos e de colocação pronominal. De acordo com as regras tradicionais, os pronomes retos (ela) não podem funcionar como objeto; essa função é dos pronomes oblíquos. Assim, teríamos: “Eu a vi no cinema”. Outra regra diz respeito à colocação de pronomes oblíquos: eles nunca podem iniciar uma frase. Assim, teríamos: “Dá-me um pedaço de bolo”. A origem da construção desse tipo de gramática é bastante antiga: remete aos gregos, que pretendiam exaltar a literatura clássica cujos autores produziram obras em uma variante linguística não reconhecida pela população. A intenção dos gramáticos gregos era garantir ampliar o acesso à leitura dessas obras. O uso dessas gramáticas para prescrever o bom uso da linguagem inspirou muitos gramáticos e se perpetua até a atualidade. Essa é a concepção de gramática que costuma surgir nas avaliações das produções textuais dos estudantes brasileiros. Geralmente, os professores verificam se os alunos utilizam uma linguagem de acordo com as normas. Caso essa sintonia com as regras não ocorra, costuma-se afirmar que o texto está mal escrito. Essa valorização de uma modalidade de língua revela pre- conceitos elitistas, acadêmicos e de classe. Silva (2015, documento on-line) afirma que há alguns traços constitutivos do paradigma tradicional de gramatização: 7História da gramática tradicional e da reflexão linguística A gramática é um instrumento que constrói um modelo artificial e ideal de língua. A gramática é um instrumento que regula a língua, prescrevendo suas formas legítimas. Descrever uma língua se confunde com normatizá-la, prescrevê-la. A gramática, independentemente do seu uso escolar, tem função pedagógica. A função da gramática é ensinar a língua correta. A melhor língua é a língua das camadas dominantes da sociedade. O português de Portugal é melhor que o português do Brasil. A língua é a expressão do pensamento. A língua é um objeto autônomo, independe dos seus usuários. A língua equivale à sua modalidade escrita. A língua é homogênea. Os usos que se afastam das formas legitimadas pela gramática são ignorados ou classificados como vícios. A língua é estática. A língua deve ser preservada. A língua literária é a mais bem elaborada e deve, portanto, servir de modelo. A língua das gerações pregressas é melhor que a das gerações atuais. O aparato conceitual e taxionômico de tradição greco-latina serve para todas as línguas. A gramática de uma língua se divide em fonologia, morfologia e sintaxe. A gramática de uma língua é a gramática das frases (períodos) da língua, tomadas como unidade máxima de análise. As frases de uma língua têm sentido pleno, bastam-se a si mesmas. A exposição do conteúdo da gramática é sistemática: categoria, definição, subdivisão e exemplo. As categorias gramaticais são fixas, estanques e avessas a controvérsias. As fontes teóricas não precisam ser apresentadas no corpo da gramática. Há ainda uma concepção de gramática chamada de descritiva, pois ela descreve o funcionamento, a forma e a função da língua. Travaglia (1998, p. 27) a define como “[…] um conjunto de regras que o cientista encontra nos dados que analisa, à luz de determinada teoria e método”. Os gramáticos descritivos, nas palavras de Franchi (2006, p. 20): Analisam a estrutura das expressões de uma língua, dividindo-a em unida- des simples e associando cada uma dessas unidades, por diferentes critérios categoriais, a diferentes classes […] organizam essas diferentes classes em subclasses […] Verificam quais as relações (os modos de conexão) que se esta- belecem entre essas diferentes unidades e classes, possibilitando a construção de unidades complexas […] Definem os papéis específicos que essas unidades desempenham ao entrarnas construções complexas em que se relacionam […] Enfim, consultam como se empregam, na língua considerada, as diferentes História da gramática tradicional e da reflexão linguística8 palavras […] dizem quais são as expressões autorizadas e quais as expressões não autorizadas pela gramática da língua. Portanto, a gramática descritiva associa-se às variedades linguísticas, isto é, tudo que atende às regras de funcionamento da língua em determinada variedade linguística é considerado gramática. Nesse sentido, todos os enun- ciados considerados agramaticais na gramática normativa são gramaticais para a gramática descritiva. Se o falante pronuncia “Nois voltemo cedo” ou “Isso é pra mim fazê”, é sinal de que ele sabe distinguir expressões da língua portuguesa, inserindo-as em categorias e funções e estabelecendo relações entre elas. Isso demonstra que o usuário da língua está descrevendo a estrutura interna da língua a que tem acesso. O critério de gramaticalidade não está na varie- dade linguística de prestígio ou na variedade utilizada nas obras clássicas e sim no atendimento às regras de funcionamento da língua em uma variedade específica. Como se nota, a descrição gramatical e das regras de uso são o foco dessa gramática. Essa tendência é baseada em duas correntes teóricas: o estrutu- ralismo e a teoria gerativa-transformacional, pois privilegia a descrição da língua oral e trabalha com enunciados ideais. Nesse sentido, essa gramática propõe também uma homogeneidade do sistema linguístico. Travaglia (1998, p. 28) afirma que: “[…] as duas correntes básicas da gramática descritiva fazem o que se pode chamar […] de uma linguística da langue, do sistema formal e abstrato da língua, visto como algo uniforme que regula as variedades da parole (fala, uso)”. A terceira possibilidade de uso da palavra gramática vai ao encontro da definição de Travaglia (1998, p. 28): gramática é “[…] um conjunto de regras que o falante de fato aprendeu e das quais lança mão ao falar”. Isso significa que o falante tem uma competência internalizada que se desenvolve gradualmente a partir de suas atividades linguísticas. Portanto, é um saber que não depende de escolarização. Depende apenas de interações comunicativas que levem o falante a ter contato e a utilizar uma variedade condizente com a sua sociedade. 9História da gramática tradicional e da reflexão linguística Em outras palavras, depende de ativação e de amadurecimento progressivo, de hipóteses sobre o que seja a linguagem, de suspeitas sobre como funcionam suas regras e princípios. Essa gramática internalizada não pode ser descrita em livros: ela está atrelada a determinada situação comunicativa. Qualquer falante nativo tem um conhecimento implícito sobre sua língua, embora nem sempre consiga explicitá- -lo. A aquisição desse conhecimento ocorre naturalmente e é o que permite ao falante construir diversas frases e textos. É justamente essa competência gramatical que oferece princípios que regem a conversação e a interpretação. Como a gramática internalizada está em sintonia com contexto sócio- -histórico-ideológico, não há erro na aplicação das regras e sim inadequação, ou seja, o texto e sua construção mudam conforme o efeito de sentido que se deseja produzir. Nas palavras de Travaglia (1998, p. 30) “[…] a gramática internalizada é a que constitui não só a competência gramatical do usuário, mas também sua competência textual e sua competência discursiva […] e, portanto, a que possibilita a sua competência comunicativa”. Independentemente da modalidade de linguagem utilizada pelo falante, constata-se que toda criança já chega à escola dominando a gramática. Afinal, a linguagem não é algo que se aprende: ela surge espontaneamente e amadurece ao longo dos anos. Todas as crianças com acesso à linguagem dominam-na rapidamente, pois os princípios e regras internalizados lhes permitem cons- truir ou ativar a gramática da sua língua. Franchi (2006, p. 25) afirma “[…] a gramática é uma práxis ou se desenvolve na práxis por um processo de balizamento das possibilidades e virtualidades da manifestação verbal, feitas ou aceitas pela comunidade linguística de que o falante participa”. Portanto, não se pode buscar, nas aulas de língua portuguesa, tentar con- trapor uma linguagem erudita a uma linguagem vulgar, por exemplo, ou determinar que uma é melhor do que a outra. Conforme orienta Franchi (2006, p. 32), o professor, em matéria gramatical deve: ▪ saber muito bem a gramática da modalidade culta; ▪ saber compreender a gramática da modalidade de seus alunos (e todas as questões relativas à variação linguística); ▪ dispor de um bom aparelho descritivo (pelo menos o que nos oferece a gramática tradicional) para ser capaz de analisar expressões nesse diferen- tes modalidades, compará-las, identificar seus contrastes e, eventualmente, discorrer sobre tudo isso. Um dos papeis do professor é diagnosticar a realidade linguística dos alunos e o estágio do desenvolvimento linguístico para auxiliá-los a vivenciar mais História da gramática tradicional e da reflexão linguística10 experiências linguísticas. Desse modo, podemos oferecer às crianças não só condições de domínio da modalidade culta, mas também condições para que ampliem seus recursos linguísticos. Nesse sentido, no trabalho de desenvolvimento da língua materna e no ensino de gramática, é conveniente reconhecer os variados tipos de gramática e que atividades podem ser trabalhadas com base neles. Diferentes abordagens que fundamentam as gramáticas contemporâneas brasileiras As diferentes concepções de gramática norteiam as abordagens que funda- mentam as gramáticas contemporâneas brasileiras. Essas abordagens são: gramática normativa, descritiva, internalizada, implícita, explícita, refl exiva, contrastiva, geral, histórica e comparada. Vamos conhecer as características de cada uma delas? A gramática normativa se debruça, principalmente, sobre os dados da língua escrita, descrevendo os fatos da norma culta. Quando essa abordagem se dedica a analisar a língua oral, compara-a à escrita, buscando uma homogenei- dade entre as duas variedades. Suas descrições referem-se à classificação das formas morfológicas e léxicas que servem de parâmetro para o estabelecimento de regras que regem a fala e a escrita corretas. Travaglia (1998, p. 31) afirma: Gramática normativa é uma espécie de lei que regula o uso da língua em uma sociedade. A parte de descrição da norma culta e padrão não se transforma em regra na gramática normativa até que seja dito que a língua só é daquela forma. É preciso, pois, separar a descrição que se faz da norma culta da língua, que é apenas gramática descritiva de uma variedade da língua, com a transformação do resultado dessa descrição em leis para uso da língua. Isso significa que o gramático pode constatar, por exemplo, que, na va- riedade padrão da língua portuguesa, as frases não começam com pronome oblíquo e descrever essa constatação. No entanto, quando essa descrição serve de base para a construção de regras de uso da língua, surge uma gramática normativa. Esse é o tipo de gramática a que, geralmente, as pessoas se referem na escola. Um dos problemas do ensino dessa gramática é o privilégio à nomen- clatura e à norma em detrimento da descrição. Além disso, as estratégias de aprendizagem e os conhecimentos trabalhados se detêm à modalidade escrita. 11História da gramática tradicional e da reflexão linguística Contudo, o ponto principal a criticar é que a escola, muitas vezes, entende que ensino de língua materna é ensino dessa gramática apenas. A gramática descritiva descreve determinada variedade da língua em um dado momento (abordagem sincrônica). Não trabalha apenas uma variedade, como a tradicional. Ela surge das observações dos estudiosos sobre as unidades e as categorias linguísticas presentes na realidade e da criação de hipóteses que expliquem os mecanismos da língua identificados. Asgramáticas descritivas se associam a determinadas correntes linguísticas. Podem, por isso, receber nomes diferentes, como: gramática estrutural, gerativa-transformacional, estratificacional, funcional (TRAVAGLIA, 1998). Outra abordagem que fundamenta as gramáticas contemporâneas brasileiras é a gramática implícita. Ela se refere à competência internalizada do falante. Este não tem consciência dela, por isso também é chamada de inconsciente. Travaglia (1998, p. 33) alerta que essa gramática “[…] por possibilitar o uso automático da língua, está diretamente relacionada com o que se chama no ensino de gramática, no trabalho escolar com a gramática, de gramática de uso”. Já a abordagem explícita ou teórica pretende explicitar a estrutura, a constituição e o funcionamento da língua. Para tanto, são utilizadas atividades metalinguísticas relacionadas aos mecanismos dominados pelo falante e que possibilitam o uso da língua. Dessa forma, evidencia-se que essa abordagem se associa às gramáticas normativas e descritivas. A gramática reflexiva refere-se às atividades de observação e reflexão “[…] sobre a língua que buscam detectar, levantar suas unidades, regras e princípios, ou seja, a constituição e funcionamento da língua” (TRAVAGLIA, 1998, p. 33). Portanto, é a gramática em explicitação, ou seja, aquela que busca explicar a gramática implícita do falante por meio de evidências linguísticas. Travaglia (1998) indica ainda mais possibilidades de tipos de gramáticas: contrastiva, geral, universal, histórica e comparada, conforme explicitado a seguir. Há a gramática contrastiva, também chamada de transferencial. Ela estuda duas línguas por meio da comparação: os padrões de uma língua são verificados na outra língua. Seu uso é comum no ensino de uma língua História da gramática tradicional e da reflexão linguística12 estrangeira, mas no ensino de língua materna pode ser útil para a observação das variedades linguísticas. Já a gramática geral compara muitas línguas ao mesmo tempo. A ideia é reconhecer todos os fatos linguísticos e as condições para que eles se rea- lizem. Para tanto, quanto mais línguas em análise, melhor. Diz-se que é uma gramática de previsão de possibilidades, pois está centrada em identificar os princípios gerais das línguas. A gramática universal é muito próxima da geral, pois também tem base comparativa. Aliás, muitos estudiosos não costumam diferenciá-las. Entre- tanto, a finalidade da universal é descrever e classificar os fatos linguísticos. A gramática histórica investiga a história diacrônica de uma língua, isto é, pesquisa os fatos e as características de uma língua desde sua origem até suas transformações. Nesse sentido, quando se explica, nas salas de aula, a origem do português e se remete ao latim vulgar, por exemplo, utiliza-se a gramática histórica. A gramática comparada também oferece um estudo diacrônico, pois também investiga as fases evolutivas das línguas, mas de forma comparada. Comparam-se pontos comuns entre línguas diferentes. Essas diferentes abordagens estão presentes nas gramáticas brasileiras atuais, como: Gramática Houaiss da língua portuguesa, de José Carlos de Azeredo (2008), Gramática do português brasileiro, de Mário Alberto Perini (2010) e Gramática pedagógica do português brasileiro, de Marcos Bagno (2012). Nas introduções de cada gramática, estão expostas suas pretensões, mas se nota que há um desenvolvimento híbrido que não permite delimitar uma gramática como pertencente a uma vertente de forma estrita. A gramática de Azeredo (2008, p. 26) apresenta os fatores que nortearam a sua construção, que estão listados a seguir. a) A análise e o ensino do português escrito no Brasil ao longo do último século estão amparados numa tradição descritiva que obviamente precisa ser revista, mas nunca ignorada. b) Continuam a ser indevidamente estigmatizadas como ‘erros gramaticais’ muitas formas e construções regularmente empregadas em textos formais de circulação pública em território brasileiro escritos em português. c) A maioria dos compêndios escolares disponíveis já reconhece a língua de jornais, revistas e obras não literárias como expressão do uso padrão, mas ainda se revela tímida para a renovação conceitual e descritiva. d) Algumas vertentes da linguística contemporânea, muito influentes nos meios acadêmicos brasileiros, colocam a atividade discursiva — e o texto em que ela se materializa – no centro das preocupações dos pesquisadores. e 13História da gramática tradicional e da reflexão linguística e) Consequentemente, a tradicional unidade máxima da análise — a oração — perdeu este status e passou a ser descrita no contexto maior de sua ocorrência. Note que, pelos fatores que fundamentaram o planejamento da obra, evidencia-se que a gramática pretende romper com alguns posicionamentos tradicionais, mas também revela a necessidade de garantir os princípios da gramática descritiva. Dessa forma, a proposta da Gramática Houaiss é mesclar tradição e inovação. Tanto que ela se constrói em tópicos gramaticais, mas com longos parágrafos explicativos que permitem uma reflexão e uma crítica à tradição. Na análise de Silva (2015, documento on-line), a Gramática Houaiss […] se desloca, em certos pontos, da tradição gramatical conceitual e descri- tiva, a qual não segue à risca, mas também não ignora. Afirma que pretende reconhecer usos não literários como possíveis expressões do padrão linguístico, considerar aspectos da atividade textual-discursiva como indispensáveis à descrição gramatical e legitimar construções indevidamente estigmatizadas mas empregadas amplamente em nosso território. A Gramática do português brasileiro, de Mário Alberto Perini (2010, p. 21), nas páginas iniciais, declara uma ruptura com a tradição e uma tendência à gramática descritiva, pois se apresenta como uma gramática que “[…] pretende descrever como é o PB, não prescrever formas certas e proibir formas erradas”. Ao longo da obra, essa ruptura com a gramática tradicional se evidencia com, por exemplo, o alerta de que não se pode afirmar exatamente a quan- tidade de classes gramaticais do português do Brasil. Entretanto, embora o autor tente revelar a complexidade da tarefa de descrever o funcionamento da língua, não foge das categorias convencionais. Na análise de Silva (2015, documento on-line): Em linhas gerais, digo que a GP descreve a norma culta falada brasileira em contexto informal, embora efetue a homogeneização dessa norma, priorizando os falares do Sudeste urbano. Se, por um lado, a obra gramatiza aspectos morfossintáticos do PB — tais como as mudanças no paradigma dos pronomes pessoais e possessivos, o enfraquecimento do paradigma de flexão verbal, a possibilidade de ausência de concordância verbal e nominal, as novas estraté- gias de indeterminação do sujeito, as mudanças nas formas verbais de alguns tempos e modos etc. —, por outro lado, opõe dicotomicamente fala e escrita, considerando a primeira enquanto sinônimo de PB e a segunda enquanto o português padrão, purista, castiço. História da gramática tradicional e da reflexão linguística14 A Gramática pedagógica do português brasileiro, de Marcos Bagno (2012), apresenta uma parte inicial dedicada a revelar a teoria do conhecimento e da linguagem que fundamenta os posicionamentos da obra. Estes são relacio- nados à não finalidade de uso escolar e à intenção de proporcionar reflexões sobre mudanças/aprimoramentos da prática do professor no ensino da língua materna. Silva (2015, documento on-line) afirma: […] a despeito dos muitos pontos em comum entre as regularidades gramaticais do PB e as regras da norma-padrão do português (inclusive em se tratando dos tópicos listados acima relativos ao verbo), os aspectos morfossintáticos em evidência e o modo de abordá-los condizem com a postura militante e propositiva da GB em favor do reconhecimento do PB como língua plena e autônoma. Em linhas gerais, essa obra se revelauma gramática de contrastes entre a prescrição tradicional e a descrição real da língua dos brasileiros, focalizada não em sua totalidade, mas sim em seus aspectos essenciais a uma pedagogia de ensino de língua que promova a reflexão crítica sobre os verdadeiros usos linguísticos contemporâneos dos brasileiros cultos e urbanos. Em suma, atualmente as gramáticas brasileiras revelam uma intenção em romper com a tradição, embora ainda demonstrem alguma relação com as convenções da norma culta. O interessante é que elas servem de instrumento e objeto de análise para que surjam reflexões sobre a língua portuguesa. Portanto, embora esses materiais possam ser utilizados como uma ferramenta de trabalho para pesquisa, estudar os fenômenos linguísticos a partir dessas gramáticas também demanda uma postura investigativa. AZEREDO, J. C. de. Gramática Houaiss da língua portuguesa. São Paulo: Publifolha, 2008. BAGNO, M. Gramática: passado, presente e futuro. Curitiba: Aymará, 2009. BAGNO, M. Gramática pedagógica do português brasileiro. São Paulo: Parábola, 2012. FRANCHI, C. Mas o que é mesmo gramática. São Paulo: Parábola, 2006. NEVES, M. H. de M. Vertente grega da gramática tradicional: uma visão do pensamento grego sobre linguagem. São Paulo: Unesp, 1987. PERINI, M. A. Gramática do português brasileiro. São Paulo: Parábola, 2010. 15História da gramática tradicional e da reflexão linguística SILVA, F. E. V. Gramáticas brasileiras contemporâneas do português: linhas de continuidade e movimentos de ruptura com o paradigma tradicional de gramatização. 2015. 446 f. Tese (Doutorado) — Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2015. Disponível em: https://repositorio.ufpe.br/bitstream/123456789/15665/1/TESE%20-%20Francisco%20 Eduardo%20Vieira%20da%20Silva.pdf. Acesso em: 16 dez. 2019. TRAVAGLIA, L. C. Gramática e interação: uma proposta para o ensino de gramática no 1º e 2º graus. São Paulo: Cortez, 1998. Os links para sites da Web fornecidos neste capítulo foram todos testados, e seu fun- cionamento foi comprovado no momento da publicação do material. No entanto, a rede é extremamente dinâmica. suas páginas estão constantemente mudando de local e conteúdo. Assim, os editores declaram não ter qualquer responsabilidade sobre qualidade, precisão ou integralidade das informações referidas em tais links. História da gramática tradicional e da reflexão linguística16 INTRODUÇÃO À LINGUÍSTICA Debbie Mello Noble Gramática Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Relacionar as diferentes concepções de língua às diferentes concep- ções de gramática. Reconhecer as características das gramáticas prescritiva, descritiva e internalizada. Interpretar fenômenos de linguagem de acordo com as diferentes linhas teóricas. Introdução O termo “gramática” pode ter diferentes significados dependendo da área da linguística que se propõe a estudá-la. Pode ser considerada um conjunto de regularidades que compõem uma língua, as regras da lín- gua, o que é certo ou errado, de uma maneira mais prescritiva. Pode ser também o estudo da língua em uso pelos falantes, de uma maneira mais descritiva. Sem contar a gramática internalizada, que é o sistema de regras da língua que o falante domina, inato a ele. Além disso, para as duas primeiras concepções — prescritiva e descritiva —, há a obra (nor- malmente um livro) que as registra e também é chamada de gramática. O conceito de gramática é, portanto, amplo. Neste capítulo, você vai conferir os diferentes conceitos de língua e de gramática que determinam suas abordagens, passando também pelo conceito de gramaticalização. Também vai estudar as características das gramáticas prescritiva, descritiva e internalizada, além de conhecer os fenômenos da linguagem segundo diferentes abordagens teóricas. Gramática: conceito e história A primeira gramática da língua portuguesa foi publicada em 1536 por Fernão de Oliveira, em Lisboa. A Grammatica da lingoagem portuguesa não seguia o modelo das gramáticas que até aquele momento eram produzidas, apesar de ter um caráter normativo, que buscava “[…] propor uma norma para o português do século XVI” (PINTO, 2004, documento on-line). Tinha também um caráter linguístico e cultural, aludindo ao modo de falar dos portugueses daquele período. A obra era composta de 50 capítulos, contendo normas gramaticais, fonéticas, lexicológicas e, sobretudo, estudos etimológicos e sobre a sintaxe. Tinha o objetivo de ser um primeiro registro da língua portuguesa, a fim de perpetuá-la. Naquela época, Portugal estava buscando por uma “autonomia nacional”. A gramática, então, seria uma forma de afirmar a identidade do povo português, da nação portuguesa (PINTO, 2004). Acesse o link a seguir e conheça a Grammatica da lingoagem portuguesa. https://qrgo.page.link/3nN8N Hoje, o conceito de gramática é muito amplo e debatido por teóricos, que possuem distintas concepções sobre ela. É impossível falar de gramática sem pensar em língua e sem trazer à tona a necessária relação entre elas. As diferentes formas como a língua é concebida apontam para diferentes concepções de gramática. Uma das acepções de gramática é aquela que designa um livro, que possui como assunto “[…] uma apresentação de elementos constitutivos de uma língua” (FARACO; VIEIRA, 2016, p. 293). No entanto, os próprios autores alertam para a abrangência do termo e da definição, refletindo sobre a ne- cessidade de se manter aberta a pergunta o que é gramática? Isso ocorre porque a língua é um objeto de estudo muito amplo e complexo, que suscita diferentes reflexões e enfoques. Uma gramática é um livro que, como tal, tem autoria e, consequentemente, contém as percepções e os estudos de um determinado autor, sendo produzido conforme as necessidades do momento histórico em que se insere. Não há, portanto, apenas uma possibilidade de ver a língua, quer dizer, não há um único conjunto de regras que a define. Gramática2 Para estudar a língua, é necessário estudar o seu funcionamento. Segundo Nasi (2007), a forma como as diferentes correntes teóricas dos estudos da lin- guagem estudam os processos de fala e de escrita demonstra suas concepções de língua e de gramática. Gramatização A gramatização das línguas foi abordada por Sylvain Auroux no livro A revolução tecnológica da gramatização, e é um processo importante para o estudo da gramática. A gramatização no mundo ocidental, que se dá a partir do Renascimento na Europa, é equivalente a uma revolução tecnológica, como o surgimento da escrita. Esse processo “[…] conduz a descrever e a instru- mentar uma língua na base de duas tecnologias, que são ainda hoje os pilares de nosso saber metalinguístico: a gramática e o dicionário” (AUROUX, 1992, p. 65). Assim como o dicionário é, ainda hoje, um instrumento de consulta sobre o certo e o errado na língua, a gramática também funciona como um instrumento linguístico, uma vez que “[…] se torna simultaneamente uma técnica pedagógica de aprendizagem das línguas e um meio de descrevê-las” (AUROUX, 1992, p. 36). Da gramaticalização, partem as noções de língua fluida e língua ima- ginária, propostas por Orlandi e Souza (1988). Refletindo sobre a oposição entre a língua “do mundo” — aquela falada no dia a dia, língua da interação dos sujeitos — as autoras propuseram a ideia de língua fluida, ou seja, a língua que não cabe em um conjunto de normas e, portanto, não é passível de normatização. Por outro lado, a língua imaginária seria aquela sistematizada pelos estudiosos da linguagem, que, a partir de certos artefatos, torna-se uma língua da norma, um instrumento de coerção e de poder por parte daqueles que possuem o domínio de seus saberes. Essas propostas são relevantes para que você reflita, enquanto professor de língua em formação, sobre a necessidade de estudar o funcionamento da língua e sobre o papel das gramáticas, evitando abordá-las como um amontoadode regras passíveis de serem apreendidas. 3Gramática Gramáticas prescritiva, descritiva e internalizada Como pode ser observado, as concepções de língua e gramática andam juntas. Por isso, é essencial que você compreenda as diferenças entre as formas como a língua é compreendida em cada teoria para entender os tipos de gramática que delas derivam. A seguir, você vai conferir a distinção entre as gramáticas prescritiva (ou normativa), descritiva e internalizada, ao mesmo tempo em que vai conhecer os entendimentos sobre a língua que as sustentam. Gramática prescritiva (normativa) A gramática prescritiva, ou normativa, é aquela a que você provavelmente foi exposto ao longo de sua escolarização. Isso porque, em geral, é essa a aborda- gem usada para refl etir sobre a linguística na disciplina de língua portuguesa. No entanto, essa gramática pressupõe uma visão de língua homogênea, ou seja, um modelo de língua que todo falante de uma língua deve seguir para estar de acordo com suas regras. A gramática que acompanha essa visão de língua é a prescritiva, ou normativa, aquela que dita normas e regras de um certo modelo de língua como se ele fosse o único possível. Conforme Franchi (2006, p. 16), alguns professores consideram que a gra- mática seria “[…] o conjunto sistemático de normas para bem falar e escrever, estabelecidas pelos especialistas, com base no uso da língua consagrado pelos bons escritores. Dizer que alguém sabe gramática significa dizer que esse alguém conhece essas normas e as domina”. É nesse ponto que reside o maior problema da abordagem prescritiva da gramática na escola. Ao considerá-la o padrão de excelência, a escola leva seus alunos a perseguirem esse modelo ao longo da vida escolar. Porém, se esse é o único ponto de vista gramatical ao qual se tem acesso, passa-se a acreditar que todo o resto que produzimos como falantes em nosso dia a dia está errado. Nesse caso, o aluno passa a vida acreditando que fala errado, que a língua é difícil, e duvida de sua competência internalizada. Prioriza-se, nessa abordagem, a norma- -padrão e, portanto, deixa-se de lado as variações da língua, que são muitas e dependem de inúmeros fatores — sociais, econômicos, geográficos, entre outros. Isso não quer dizer que a gramática normativa não tenha valor escolar, mas o ensino de língua baseado somente na norma-padrão não pode desconsiderar as variações e uma profunda reflexão linguística que passa, inclusive, pelas regras da gramática normativa. Entra em jogo, nesse ponto, outra questão: muitos professores afirmam compreender a variação linguística, mas consideram Gramática4 que ela deve ficar apenas no âmbito da fala, sendo a escrita normatizada pela gramática da norma-padrão. No entanto, os exemplos presentes em Franchi (2006) mostram que a escrita escolar também não pode ser somente pautada nos padrões de certo e errado da gramática normativa. Franchi (2006) apresenta dois textos de alunos de 3º ano do ensino fundamental e faz algumas análises das percepções de professores sobre eles. Veja um trecho de cada um dos textos a seguir. Texto 1 Era uma vez um passarinho que vivia em uma árvore na frente da casa de João. E o João temtava pegalo todos os dias mas não comsiguia. Até que um dia ele temtou muito, mas muito, que ele acabou catando o passarinho. Texto 2 Lá na fazenda do meu avô tem cavalos, galinha, pato, vaca, boi e porcos. Quando eu vou lá, eu ando de cavalo e tomo leite de vaca. Os animais gostam muito de carinho e amor. Eu gosto muito dos animais. No primeiro exemplo, os professores consultados consideraram o texto “um de- sastre”, ressaltando os erros como a troca de letras (m por n nas palavras destacadas) e o desconhecimento das regras da língua. O Texto 2, por seu turno, não tem erros gramaticais consideráveis e foi considerado um texto “limpinho, em bom português” (FRANCHI, 2006). Nesse exemplo, a concepção de gramática dos professores citados por Franchi (2006) está associada à gramática normativa, que segue uma concepção de língua dos escritores e de uma linguagem que seria mais culta e bela do que a falada no dia a dia. O “bom português”, no entanto, como mostra Franchi (2006), nem sempre garante um texto criativo. No Texto 1, apesar dos desvios gramaticais, é possível notar uma maior criatividade e, no Texto 2, uma maior contenção. Além disso, Franchi (2006, p. 26) ressalta que o texto 1 não deixa de mostrar um “[…] razoável grau de amadurecimento linguístico e textual”, considerando a capacidade do aluno escritor do Texto 1 de construir uma série de operações complexas com a língua, como em “Era uma vez um passarinho que vivia em uma árvore na frente da casa de João”, enquanto o Texto 2 tem estruturas bastante simples como “Eu gosto muito dos animais”. 5Gramática Para Franchi (2006), portanto, esses exemplos evidenciam que o aluno do Texto 1 demonstra um “controle” da língua muito superior, de certa forma, ao demonstrado pelo aluno do Texto 2. Gramática descritiva A proposta da gramática descritiva tem como base o princípio da observação dos fenômenos linguísticos. Ao contrário da gramática prescritiva, ela não tem o intuito de prescrever regras, de ditar como a língua deve ser, mas sim de observar e descrever como a língua tem sido utilizada pelos falantes. Para Ferraz e Olivan (2011), a gramática descritiva é um conjunto de regras que descrevem os fatos da língua. Analisando e descrevendo a língua real que os falantes utilizam, é possível observar quais fenômenos linguísticos ocorrem, como a língua se estrutura, o que é aceitável ou não em termos de língua. Essas regras ajudam a observar o que é gramatical e o que é agramatical. Gramatical é aquilo que atende “[…] às regras da língua segundo determinada variedade linguística” (FERRAZ; OLIVAN, 2011, p. 2236). Em outras palavras, gramaticais são aquelas estruturas e frases comuns à comunidade de falantes. Veja o exemplo a seguir. Todos os motoristas entraram em greve. Os motoristas todos entraram em greve. Os motoristas entraram todos em greve. *Os todos motoristas entraram em greve. *Os motoristas entraram em todos greve. O sinal * significa que a frase é agramatical. Observe o posicionamento linear dos elementos que constituem as sentenças. É possível notar que nem toda posição é possível do ponto de vista da gramática internalizada do falante. Não se trata, portanto, de prescrever o que é certo ou errado, mas de observar que certas construções sintáticas não fazem sentido para os falantes; é agramatical (PERINI, 2005). É necessário eleger certos fatos da língua para observar, já que seria im- possível dar conta da totalidade de fatos da língua. Estudam-se, então, os fatos Gramática6 sintáticos, aqueles de particular interesse à teoria, uma vez que a sintaxe é a parte da gramática de organização da língua. Na descrição de um fato sintá- tico, como a posição linear que os elementos de uma frase ocupam, como no exemplo dado, é possível observar que a língua permite certos posicionamentos e não outros. Com o exemplo, nota-se que a gramática descritiva considera o falante, sua intuição, sua língua internalizada, isto é, as possibilidades e impossibilidades da língua por meio de fatos que são bastante intuitivos. O autor explica que: “[…] os falantes têm muitas vezes intuições bem definidas […] em outros casos as intuições não são claras, e é preciso lançar mão de outros recursos, como tentar observar o comportamento sintático de uma sequência em outras frases” (PERINI, 2005, p. 45). Toda gramática descritiva, portanto, pressupõe hipóteses e observação e, consequentemente, constitui-se como resultado de uma pesquisa, argumen- tando e justificando o caminho tomado. Por isso, do ponto de vista descritivo, não é possível estudar gramática sem, ao mesmo tempo, fazer gramática, no sentido de refletir, investigar e pensar nos fenômenos da língua. Além disso, o trabalho de descrever uma língua inclui a descriçãodos seus aspectos formais somados aos significados que eles veiculam. Primeiro, é realizada a descrição do aspecto formal e do semântico separadamente, posteriormente realizando-se um confronto entre ambos (PERINI, 2005). No Brasil, a norma considerada oficial está associada à língua escrita, não à língua que é falada no país. No entanto, a estrutura da língua que escrevemos é muito diferente da estrutura da língua que falamos e, por isso, é muito mais difícil refletir sobre a língua. Há, portanto, uma disjunção que não é observada pela gramática normativa e que se reflete na forma como o brasileiro escreve. Tentamos reproduzir, na escrita, as regras e os padrões de um modelo estabelecido por uma língua diferente daquela que falamos no dia a dia. Considerando isso, haveria duas línguas no Brasil, cada qual com seu domínio próprio. Este fato tem origem não somente na colonização, mas também na tentativa da coroa portuguesa de unificar as línguas e tornar o português a única língua oficial e obrigatória nas escolas. Isso era feito por meio de decretos, ou seja, por uma via não natural. Com essa unificação forçada, não se aplica a gramática internalizada e a linguagem inata do falante brasileiro, mas sim a tentativa de escrever nos padrões de uma língua forjada como materna (PERINI, 2001). 7Gramática O gerativismo e a gramática internalizada A gramática internalizada é entendida como aquela que todos os falantes possuem de maneira inata. Essa seria uma predisposição genética que permite não somente a aquisição da linguagem, mas também o desenvolvimento de uma lógica interna de organização da língua. De acordo com essa perspectiva, a linguagem humana, expressa por meio de uma língua natural, é entendida como um fenômeno cognitivo. A língua é tomada como produto da mente humana, e é este entendimento que sustenta a teoria sobre a gramática internalizada. Cognição é o termo científico utilizado para fazer referência ao conjunto das inteligên- cias humanas. Segundo Kenedy (2013), o termo diz respeito aos fenômenos mentais que têm relação com a aquisição, o armazenamento, a ativação e o uso do conhecimento. Segundo Kenedy (2013), a linguagem é um conhecimento implícito, incons- ciente no conjunto da cognição humana. Um indivíduo é capaz de produzir uma infinidade de sentenças na sua língua materna sem se dar conta de que está realizando isso, ou seja, ocorre de maneira inconsciente. Por isso, a linguagem é entendida como um conhecimento tácito que os indivíduos possuem. Essa concepção está ancorada no gerativismo, que tem como expoente prin- cipal o cientista Noam Chomsky. Surge nos anos de 1950, quando o Chomsky, então professor do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, formula suas ideias sobre a “natureza mental da linguagem humana”. A teoria propunha a descrição dos procedimentos mentais que “[…] geram as estruturas da linguagem, como as palavras, as frases e os discursos”, sendo as frases organizadas por meio de regras inconscientes na mente dos indivíduos (KENEDY, 2013, p. 17). Além disso, a teoria gerativista entende que as línguas naturais não só são produto da mente humana, mas também possuem uma exterioridade; elas só se tornam úteis como línguas naturais se puderem ser compartilhadas pelos indivíduos. Para que uma língua exista, seu léxico precisa ser compartilhado pelos falantes. Assim, pode-se dizer que há duas dimensões da língua, as quais foram denominadas por Chomsky de língua-I (interna, individual e intensional), ou Gramática8 seja, a língua enquanto faculdade cognitiva, e língua-E (externa e extensional), a língua como código linguístico. Os gerativistas se interessam por estudar a língua-E para descrever os traços do léxico das línguas (fonemas, morfemas, palavras) utilizados na formação das representações mentais. Sendo a língua-E entendida como um produto sócio-histórico, ela está sujeita “[…] às contingências da experiência cultural humana” (KENEDY, 2013, p. 33). Assim, os gerativistas entenderam que a mente humana é capaz de adquirir essas informações da língua-E para produzir e compreender expressões linguísticas no cotidiano da Língua-I. É a língua-I, portanto, o principal objeto de estudo da concepção gerativista, uma vez que esta faz parte do sistema cognitivo do indivíduo. O estudo da língua-I é o estudo da capacidade humana de colocar em prática os códigos da língua, como fonemas, morfemas, palavras, frases. Entendendo que a língua-I está presente em todos os indivíduos, Chomsky percebeu que, em vez de buscar uma descrição de cada língua separadamente, era possível investigar as características universais das línguas. Publicou, então, em 1965, Aspectos da teoria da sintaxe, em que explica os conceitos de competência e desempenho. Competência linguística é o que permite ao falante “[…] produzir o conjunto de sentenças de sua língua”. É por meio de sua capacidade inata de linguagem que o falante desenvolve essa competência. Por outro lado, o desempenho é o comportamento linguístico, são os fatores externos ou não linguísticos, de ordens variadas, como inserção social, crenças, interlocutores, e também o diferente “[…] funcionamento dos mecanismos psicológicos e fisiológicos envolvidos na produção dos enunciados” (PETTER, 2015, p. 11). Isso quer dizer que o a competência está internalizada no falante, enquanto o desempenho depende de outros fatores. Por exemplo, você sabe falar em português, tem a competência linguística. Porém, está apresentando um trabalho a uma turma cheia de alunos e começa a esquecer palavras e gaguejar; seu desempenho está afetado pelo nervosismo. A teoria desenvolvida por Chomsky para explicar e analisar os dados foi denominada de gramática gerativa, uma vez que, segundo ela, o falante pode, por meio de um limitado número de regras internas que possui, gerar um infinito número de sentenças. A gramática gerativa, portanto, tem por objetivo explicar e analisar as frases potencialmente realizáveis em uma língua, cuja 9Gramática intuição do falante é o “[…] critério da gramaticalidade ou agramaticalidade da frase” (PETTER, 2015, p. 11). Observe a frase a seguir. Problema este muito seu difícil é. Neste exemplo, como falante, você consegue perceber que algo não está bem na construção da sentença. Você não precisa ser um especialista em linguística para perceber isso. É esse estranhamento que Chomsky entende como a intuição do falante. Por menos escolarizado que o falante seja, ele é capaz de organizar os elementos linguísticos que compõem esta sentença, tornando-a novamente gramatical. Uma sequência de palavras é agramatical quando, segundo Petter (2015), não respeita as regras gramaticais internalizadas pelo falante. Um falante pode utilizar sua competência inata para organizar o exemplo acima como: Este seu problema é muito difícil. Todo falante de uma língua natural possui competência para refletir sobre a língua. Dessa forma, na escola, o professor de língua pode fazer valer essa competência para proporcionar uma verdadeira reflexão sobre o objeto de estudo da sua disciplina, utilizando-se de situações e exemplos do cotidiano dos alunos. No entanto, não é isso que ocorre geralmente nas aulas de língua. Interpretando fenômenos de linguagem A linguagem é um fenômeno que permeia nossa vida social em diversos aspectos e é de fundamental importância em nosso dia a dia. É necessário, então, entender a gramática como uma forma de refl etir sobre o funcionamento da linguagem (e não somente como um amontoado de regras em um livro). Dessa forma, estudar gramática na escola é importante, porque proporciona um espaço de reflexão e pesquisa, podendo inclusive promover a autonomia, a criticidade e a curiosidade científica dos alunos (PERINI, 2005). Uma vez que se passe a enxergar a gramática como meio de observar e interpretar os fenômenos da linguagem que ocorrem no cotidiano, o sentido e a significação do ensino de gramática tomamoutro rumo e abrem caminho para diversas oportunidades. No exemplo a seguir, é possível realizar uma interpretação muito simples de um fato da linguagem. Gramática10 O poema Pronominais, de Oswald de Andrade (1972), demonstra a diferença entre a gramática descritiva e a prescritiva (normativa). Observe a seguir. Dê-me um cigarro Diz a gramática Do professor e do aluno E do mulato sabido Mas o bom negro e o bom branco Da Nação Brasileira Dizem todos os dias Deixa disso camarada Me dá um cigarro. O primeiro verso traz a colocação pronominal de acordo com a norma-padrão, que sustenta a interpretação dos fenômenos da linguagem pela gramática normativa (Dê-me). Já a língua do último verso representa a língua que sustenta a descrição da gramática descritiva, que observa os fenômenos da linguagem pelo uso dos falantes (Me dá). Isso quer dizer que, apesar de a gramática prescritiva orientar a não começar frases com pronomes oblíquos, a construção da última frase “Me dá um cigarro” é completamente possível, pois é compreendida pelos falantes da língua e utilizada cotidianamente. Essa possibilidade está relacionada à gramática internalizada dos falantes, uma vez que a língua materna, ou seja, aquela que o brasileiro possui inter- nalizada, permite essa construção. De acordo com Perini (2001, p. 13), todo falante “[…] possui um conhe- cimento implícito, altamente elaborado da língua, muito embora não seja capaz de explicitar esse conhecimento”. No Brasil, especialmente, em virtude da distinção muito evidente entre a língua brasileira falada e a norma culta do português, é possível perceber que esse conhecimento da língua é algo naturalmente adquirido, e não fruto da instrução escolar. A interpretação dos fenômenos linguísticos pode se dar em vários aspectos, que compõem as gramáticas de uma língua: a fonologia, a morfologia, a sintaxe e a semântica. No entanto, esses aspectos não esgotam as possibilidades de interpretação, pois ainda se poderia observar a história das formas linguísticas, por exemplo. Esses aspectos “[…] constituem o estudo da estrutura interna 11Gramática de uma língua — aquilo que a distingue das outras línguas do mundo, e que não decorre diretamente de condições da vida social ou do conhecimento do mundo” (PERINI, 2005, p. 50). Refletindo sobre os fenômenos linguísticos Na escola, como você já viu anteriormente, não ocorre efetivamente uma interpretação dos fenômenos da linguagem. Na maioria das vezes, na aula de língua portuguesa, ensinam-se regras que não fazem sentido para o aluno. Utilizam-se exemplos de grandes escritores, que geralmente não são do século XXI. Portanto, o aluno tem acesso a uma gramática e a exemplos de língua que não condizem com a língua conhecida por ele. Muito diferente do que muitos estudiosos defendem ser o ideal: […] o que deveríamos esperar do aluno ingressante no ensino médio é a ca- pacidade de lidar com os aspectos da língua de modo reflexivo, sendo apto a selecionar os recursos linguísticos e a estrutura gramatical adequados às atividades de produção oral e escrita (FERRAZ; OLIVAN, 2011, p. 2238). Em relação a essa postura reflexiva de língua e às concepções de gramática que você viu até o momento, considere o fenômeno da regência verbal. A regência é a relação entre um elemento, considerado regente e outro que o complementa. De acordo com a gramática prescritiva, o verbo é o regente, e seus complementos variam de acordo com o que o verbo “pede”. De acordo com a gramática descri- tiva, a regência de um verbo é variável, dependendo do contexto. Além disso, varia segundo ao longo do tempo, “[…] porque os falantes passam a interpretar de forma diferente o significado dos verbos” (TENÓRIO; SILVA; SILVA, 2018, p. 233). Considera-se, portanto, a gramática internalizada do falante. O verbo “assistir”, por exemplo, tem na regência uma importante variação da significação. Que variações são essas e como as diferentes linhas teóricas sobre gramática a interpretam? No ponto de vista da gramática normativa, o verbo “assistir” é apresentado como transitivo indireto ou direto, observando-se a mudança de sentido conforme a mudança na transitividade. Observe a seguir: 1. verbo transitivo indireto: aponta para o sentido de presenciar, ver, observar; rege a preposição a e não admite a substituição do termo regido pelo pronome oblíquo lhe, mas sim o(s) e a(s); 2. verbo transitivo indireto: aponta para o sentido de caber (direito a alguém), pertencer; rege a preposição a e admite a substituição do termo regido pelo pronome oblíquo lhe(s); Gramática12 3. verbo transitivo direto: aponta para o sentido de socorrer, prestar assistência e não rege qualquer preposição (A REGÊNCIA…, [200-?], documento on-line). Assim, quando “assistir” for empregado para indicar os sentidos aponta- dos em (1) e (2), é obrigatória a presença da preposição regida. Nesse caso, a gramática trata da regência e da transitividade do verbo como uma prescrição, informando o que é admitido ou não como complemento do verbo. Além disso, prescreve como obrigatória a presença da preposição regida pelo verbo nos casos 1 e 2. A distinção e a prescrição da regência desse verbo é semantica- mente determinada, como por exemplo, em: Assistimos ao jogo (1) Não lhe assiste dizer se isto é certo ou errado (2). Pela gramática descritiva, por outro lado, é possível entender o verbo “assistir” também em suas ocorrências como transitivo direto, que rege um objeto direto, sem preposição. Um possível exemplo é a própria acepção de assistir em “Assistimos o jogo”. Isso porque observou-se, analisando os fenô- menos linguísticos, que o uso de grande parte dos verbos vem modificando a normatização. Notou-se também que há uma relação mais direta entre o falante e a pessoa ou objeto a que ele se refere. Por outro lado, o verbo “assistir” com o sentido de ajudar, auxiliar, socorrer, já é normatizado como um verbo transitivo direto e é assim utilizado pelos falantes. É possível também observar a forma como a gramática internalizada dos falantes organiza esses usos. Podemos refletir sobre a voz ativa e a voz passiva em relação ao verbo “assistir”. Observe que, pelas regras da gramática nor- mativa, um verbo só possui voz passiva quando é classificado como transitivo direto ou bitransitivo (direto e indireto). No entanto, é perfeitamente coerente e bastante utilizada pelos falantes a ocorrência passiva, como na frase a seguir: O filme de terror foi assistido pelas crianças. Se, pelo viés da gramática normativa, “assistir” com sentido de ver, olhar, deve ser transitivo indireto, tal ocorrência não poderia existir. No entanto, pela gramática internalizada do falante, é perfeitamente corriqueira a ocorrência da voz passiva nesse caso. Pode-se concluir que há uma discrepância entre aquilo que a gramática normativa prescreve e aquilo que o falante entende intuitivamente como adequado. 13Gramática Por fim, conhecer as regras gramaticais e saber como usá-las é também importante. Por meio desse estudo, é possível ensinar as diversas configurações da língua para preparar os alunos para as também diversas situações com que vão se deparar na vida. Como explica Ferraz e Olivan (2011, p. 2236): […] saber gramática depende da ativação e do amadurecimento progressivo de hipóteses sobre o que é a linguagem e quais seus princípios e regras. Nela, o que pode ocorrer é uma inadequação da variedade linguística em um dado momento de interação comunicativa, mas não o erro linguístico. Para que possam se adequar às variedades linguísticas, portanto, os alunos precisam conhecê-las, como todas as suas diversidades. No entanto, deve-se ter como premissa que o aluno já tem conhecimento sobre a língua mesmo antes de entrar na escola para ser alfabetizado. Considera-se, assim, sua gramática interna, sua capacidade de produzir linguagem a partir do que já conhece. Além disso, é fundamental incentivar o estudo da gramática por meio da reflexãodos fenômenos linguísticos, que, como vimos, pode ser feita em certo grau por pessoas que não são especialistas em linguística. Mais importante do que apontar erros e acertos, é promover a reflexão sobre a língua. ANDRADE, O. Obras completas. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1972. v. 6-7. A REGÊNCIA e o verbo assistir. In: MINI GRAMÁTICA. Disponível em: http://www.nilc.icmc. usp.br/nilc/minigramatica/mini/aregenciaeoverboassistir.htm. Acesso em: 8 jan. 2020. AUROUX, S. A revolução tecnológica da gramatização. Campinas: Unicamp, 1992. FARACO, C. A.; VIEIRA, F. E. (org.). Gramáticas brasileiras: com a palavra, os leitores. São Paulo: Parábola, 2016. 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Rio de Janeiro: Dialogarts, 2018. Leitura recomendada BIBLIOTECA NACIONAL DE PORTUGAL. Grammatica da lingoagem portuguesa. Lisboa: BNP, 2020. Disponível em: http://purl.pt/120/1/index.html#/1/html. Acesso em: 8 jan. 2020. 15Gramática MORFOSSINTAXE I Patrícia Hoff Conceitos e interfaces: sintaxe e morfologia Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: � Reconhecer os conceitos de sintaxe e morfologia. � Identificar os procedimentos metodológicos na interface. � Avaliar a importância da conexão entre sintaxe e morfologia. Introdução Livro é um substantivo, certo? Sim, é. E livro também pode ser sujeito ou objeto direto, por exemplo. No primeiro caso, a classificação é mor- fológica; no segundo, é sintática. Esse tipo de análise é possível porque a língua é um sistema complexo e pode ser estudada a partir de diferentes abordagens e variados enfoques de investigação. O objetivo, no entanto, é sempre o mesmo: estudar as funcionalidades da língua. Neste capítulo, você vai estudar os conceitos de sintaxe e morfolo- gia, duas ciências que propõem, respectivamente, a análise da função sintática e da classe gramatical dos termos de uma oração como forma de estabelecer conexões e significados no texto. Você também vai en- tender como se dá o funcionamento da formação de palavras, base da morfologia, que serve de ferramenta para adaptar palavras em relação ao significado que queremos comunicar. Morfologia vs. sintaxe Morfologia é a parte da gramática que estuda as palavras de acordo com a classe gramatical a que elas pertencem. As classes gramaticais são: substan- tivos, artigos, pronomes, verbos, adjetivos, conjunções, interjeições, prepo- sições, advérbios e numerais. Já a sintaxe estuda a função que as palavras desempenham dentro da oração, isto é: sujeito, adjunto adverbial, objeto direto e indireto, complemento nominal, aposto, vocativo, predicado, entre outros. O filho obedece aos pais. Análise morfológica � O: artigo definido masculino singular. � Filho: substantivo comum, simples, concreto, masculino singular. � Obedece: verbo obedecer, segunda conjugação. � Aos: combinação (a – preposição + os – artigo definido masculino plural). � Pais: substantivo simples, comum, plural. Análise sintática � O: adjunto adnominal. � O filho: sujeito simples. � Filho: núcleo do sujeito simples. � Obedece aos pais: predicado verbal. � Aos pais: objeto indireto. O filho tem obediência aos pais. Análise morfológica � O: artigo definido masculino singular. � Filho: substantivo comum, simples, concreto, masculino singular. � Tem: verbo ter, segunda conjugação. � Obediência: substantivo abstrato. � Aos: combinação (a – preposição + os – artigo definido masculino plural). � Pais: substantivo simples, comum, plural. Análise sintática � O: adjunto adnominal. � O filho: sujeito simples. � Filho: núcleo do sujeito simples. � Tem obediência aos pais: predicado verbal. � Obediência: objeto direto. � Aos pais: complemento nominal. Quando se trata de análise morfológica, os termos da oração são analisados isoladamente. Já na análise sintática, eles são analisados de acordo com a sua posição, ou seja, de acordo com a função desempenhada. Conceitos e interfaces: sintaxe e morfologia2 Tradicionalmente, a morfologia estuda os domínios da palavra, enquanto a sintaxe estuda os domínios da frase, da oração e do período. De acordo com o apresentado pelas gramáticas modernas, você deve consi- derar que a definição de palavra é uma unidade de som composta por vogais, consoantes, semivogais, sílabas e acentos que compõem enunciados, além de possuírem classificação morfológica. Já a frase trata-se do enunciado em si, com capacidade de comunicar, e é analisada sintaticamente. Estrutura morfológica Quanto à estrutura, você precisa conhecer alguns elementos importantes na formação das palavras: Morfema: unidade mínima de caráter significativo na palavra. Considere a palavra “mesinhas”: mes — elementos básicos da palavra, radical que a identifica. inh — indica que a palavra está no diminutivo. a — indica que a palavra é feminina. s — indica que a palavra é plural. Raiz ou radical: é a unidade irredutível da palavra, que concentra o seu significado. Considere a palavra “casa”, cujo radical é cas: casinha casebre casarão A partir do radical, você pode constituir várias palavras, acrescentado outros elementos. 3Conceitos e interfaces: sintaxe e morfologia Desinência: é a unidade responsável por caracterizar as flexões. Pode ser nominal (indicando gênero e número) ou verbal (indicando modo e tempo). Desinência nominal — menina, menino, criança, crianças. Desinência verbal — corri, correu, corremos, correram, correrias, correrá. Prefixos: são morfemas inseridos antes da palavra, modificando seu sentido. Atemporal Contraindicação Desconfigurado Refeito Sufixos: são elementos acrescentados ao final da palavra, também dando um novo significado. Panfletagem Casamento Rinite Perfeccionismo A frase no discurso Forma e função O debate da prioridade da forma sobre a função ou da função sobre a forma é antigo, e não se limita somente à área da linguística. Porém, a disposição em contrariar as abordagens que privilegiam uma ou outra tem sido forte na linguística moderna. Na abordagemfuncionalista, a sintaxe é vista como o reflexo das funções comunicativas veiculadas pela frase. A partir desse ponto de vista, forma e uso não podem ser divididos em partes na explicação dos fenômenos na área da sintaxe. Na abordagem da Teoria da Gramática Gerativa desenvolvida por Chomsky, ao contrário, a sintaxe é um componente independente, com princípios próprios que independem do uso. Todavia, mesmo nessa aborda- gem, a questão da relação entre forma e função, entre gramática e uso, entre Conceitos e interfaces: sintaxe e morfologia4 estrutura e interpretação semântica, constitui-se uma questão central nas diversas formulações do modelo ao longo dos anos. Não faz sentido estudar a morfologia se ela não for aplicada ao enunciado. Por exemplo, palavras que isoladamente têm determinado sentido, no texto, podem apresentar outro sentido — uma vez que não trabalhamos sem levar em consideração o contexto em que as formas e funções estão inseridas. Veja um exemplo muito difundido: Ele não sabia que a aula terminaria mais cedo naquele dia. O sabiá nem sempre se aproxima das pessoas. Ele agora está são. São duas horas agora. Hoje é dia de São Jorge. ABAURRE, M. L.; PONTARA, M. N.; FADEL, T. Português: língua, literatura, produção de texto. 2. ed. São Paulo: Moderna, 2004. BECHARA, E. Moderna gramática portuguesa. 37. ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 2006. CUNHA, C.; CINTRA, L. Nova gramática do português contemporâneo. 6. ed. Rio de Ja- neiro: Lexikon Editorial, 2013. FIORIN, J. L. Sintaxe. São Paulo: Contexto, 2009. ORLANDI, E. A linguagem e seu funcionamento: as formas do discurso. 4. ed. Campinas: Pontes Editores, 2006. 5Conceitos e interfaces: sintaxe e morfologia Conteúdo: MORFOSSINTAXE I Nádia Castro Noções básicas de morfologia Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: � Apontar a estrutura interna das palavras através da análise morfológica. � Refletir sobre as questões decorrentes dos processos de formação de palavras e suas implicações para o ensino. � Analisar as contribuições históricas para os estudos de morfologia. Introdução Neste capítulo, você vai estudar as noções básicas de morfologia. Este campo de estudo da língua portuguesa objetiva analisar as estruturas que compõem o funcionamento interno das palavras. Enquanto a sintaxe investiga a relação entre as palavras dentro de uma oração, a morfologia desvenda a estrutura, a formação e a classificação de palavras de uma determinada língua. Portanto, neste capítulo, você vai estudar a estrutura interna das palavras por meio da análise morfológica, refletindo sobre as questões decorrentes dos processos de formação de palavras e suas implicações para o ensino e analisando as contribuições históricas para os estudos de morfologia. Estrutura interna das palavras O léxico é definido, tradicionalmente, como o conjunto de palavras de certa língua. Em sua abordagem clássica, o estudo do léxico tem por objetivo uma ampliação dos conhecimentos das características e propriedades de cada palavra. Isso no passado e no presente, uma vez que há mudança de acordo com o espaço, o tempo e a história de constituição de uma língua, uma vez que esta não é estática, ela se movimenta conforme as sociedades evoluem. Pense, por exemplo, em palavras como: internet, imprimir, escanear, tuitar. Há inserção delas no vocabulário de língua portuguesa — algumas ainda sem registro formal, por enquanto — pelo senso comum. Na tradição dos estudos gramaticais, a morfologia concentra-se em es- tudos da flexão. Os diferentes processos de derivação e de mudança, bem como de extensão de palavras, servem para funções predeterminadas, as quais se traduzem em estruturas morfológicas lexicais. Lembre-se de que a morfologia não existe por acaso, ela é historicamente a subdivisão mais antiga da gramática, mas reconhecida como tal apenas na segunda metade do século XIX. Os linguistas que iniciaram os estudos sobre morfologia não se percebiam, até então, como morfologistas. Dessa forma, o léxico representa um depósito de elementos de designação, pois fornece unidades básicas para a construção de enunciados e também comporta os processos de formação das palavras. Aqui, o objetivo é fornecer para você, leitor, estudioso da língua, professor de português, uma visão articulada dos principais processos de formação de palavras. Você sabe por que esse conhecimento é relevante? Porque as estruturas morfológicas constituem um instrumento fundamental tanto para a aquisição como para a expansão do léxico individual e coletivo. Agora, pense: de que forma o léxico se constitui na língua? Cada novo conceito passa a ser registrado? Mas, assim, teríamos uma combinação de sequências que não conseguiríamos realmente dar conta de guardar na memória? Portanto, para máxima eficiência, a expansão do léxico acontece através dos processos de formação de palavras. Ou seja, a partir de fórmulas padronizadas de construção de novas palavras a partir do que já existe no léxico. Para Basílio (2006, p. 10), o léxico é “ecologicamente correto”, pois tem um banco de dados em permanente extensão, mas utilizando material já existente, assim, reduzindo a dependência de memória e garantindo a comunicação automática. Por exemplo, em palavras como: computacional, globalização, etc., percebe-se formas novas de palavras já existentes: o verbo computar, por exemplo, já existia, e serviu de base para a formação de computador; o sufixo –ção, também já existente, possibilita a constru- ção da palavra computação, e assim por diante. Para compreender melhor, observe a Figura 1. Noções básicas de morfologia2 Figura 1. Abordagens da morfologia, da semântica e da sintaxe. Fonte: Machado (2017). Morfologia Semântica Sintaxe Estrutura, formação e classi�cação das palavras Sentido das palavras Relações formais entre os elementos que constituem as sentenças Classes de palavras As classes de palavras, ou categorias lexicais, envolvidas em processos de formação de palavras são: � Substantivo � Adjetivo � Artigo � Pronome � Numeral � Verbo � Advérbio � Conjunção � Preposição 3Noções básicas de morfologia A classe de palavras denominada substantivo é definida pela sua proprie- dade morfológica de apresentar e determinar flexão de gênero e número; além de sua propriedade semântica de designar seres ou entidades; e sua propriedade sintática de ocupar o núcleo do sujeito e complementos. A classe dos adjetivos é definida pela propriedade de caracterizar ou qualificar os seres designados pelos substantivos e desta forma concordar em gênero e número com eles. Já os verbos, são definidos como aquela classe de palavras que representa ações e relações (eventos, estados, etc.) no tempo, tendo como função a predicação e apresentando flexões de tempo e de modo. Os advérbios representam a classe de palavras invariáveis com função de modificar verbos, adjetivos e também outros advérbios e enunciados. O artigo é conhecido como aquele que antecede o substantivo e funciona como determinante ou indeterminante deste último. Os artigos podem ser flexionados em número e gênero. A classe de palavras denominada pronome contempla aquelas palavras que identificam o indivíduo no momento comu- nicacional, ou seja, evidencia as pessoas do discurso. Agora, o numeral é um conjunto representado por palavras com função de quantificar numericamente ou indicar ordem de sequência para aquilo a que faz referência na construção da comunicação. A conjunção, por sua vez, liga elementos dentro da construção dos enunciados. Essa função também é a das preposições, ou seja, para que se tenha clareza no discurso, uma palavra deve estar ligada à outra. Os processos de formação de palavras apresentam funções gramaticais e funções semânticas; e os seus produtos, ou seja, as palavras formadas, apresentam propriedades morfológicas, sintáticas e semânticas. Para segmentar as variaçõesdas palavras, é possível dividi-las em variáveis e invariáveis. Noções básicas de morfologia4 Variáveis As palavras variáveis podem ser flexionadas em gênero e número (algumas, inclusive, em grau). São elas: � Adjetivo � Artigo � Pronome � Substantivo � Verbo Invariáveis Já as palavras consideradas como invariáveis são aquelas que não se modificam em gênero ou número. Ou seja, independentemente da construção enunciada, elas mantêm o mesmo formato. O contexto não interfere e, da mesma forma, o arranjo textual não as modifica. São elas: � Advérbio � Conjunção � Preposição Observe um exemplo no quadro a seguir. A colaboradora geóloga ficou muito revoltada Artigo feminino singular Substantivo feminino singular Adjetivo feminino singular Verbo conjugado no feminino singular Advérbio invariável Adjetivo feminino singular Neste exemplo, percebemos que todas as palavras que compõem o enun- ciado concordam em gênero e número, ou seja, estão no feminino singular de acordo com o núcleo do sujeito (colaboradora), com exceção apenas para o advérbio de intensidade muito. Este, conforme visto anteriormente, é invariável. Por fim, tenha em mente que o processo de formação de palavras pode ocorrer por derivação sufixal ou prefixal; parassintética, conversiva, siglada, grafêmica, silábica, fortuita, por composição e onomatopeia. 5Noções básicas de morfologia Formação de palavras e suas implicações para o ensino O conhecimento acerca dos processos de formação de palavras (que pode ocorrer através da reflexão sobre o funcionamento da nossa língua portuguesa) possibilita que os indivíduos percebam que a língua existe como meio de comunicação entre homens; sendo que as significações linguísticas estão na base dessa comunicação. Quanto mais se compreende o funcionamento da língua como um sistema vivo e mutante, mais habilitados os sujeitos esta- rão para compreender o contexto no qual estão inseridos e aumentam-se as possibilidades de interpretação e amplia-se a noção do certo e do errado e passamos então a perceber a língua como algo que demarca historicamente um povo e um tempo. Diz-se com muita intensidade que vivemos na sociedade da comunicação e da informação, na qual a palavra dita e, sobretudo, escrita é utilizada com grande intensidade. As redes sociais modificaram as relações dos indivíduos com o uso da palavra, o domínio dela, por conseguinte, é possibilidade de ocupar diferentes espaços de forma adequada e fazendo uso da riqueza que a língua oferece. O processo de formação de palavras traz implicações para o ensino, uma vez que é preciso constante atualização e contextualização para que não se limite o espaço do aprendiz. Se você parar para pensar, podemos citar inúmeras novas palavras na nossa língua: agito, xingo, desmate, carreata, entre outras (ROCHA, 1998). A partir dessas novas criações podemos nos perguntar: por que algumas causam estranheza e outras não? Por exemplo, a palavra desmorrer, já que a forma desmerecer é aceita. Por que razão a palavra atingimento não é considerada como uma palavra existente na língua, mas possível de ser criada? Por que uma palavra proferida por uma figura pública causa tanto comentário? Pense na palavra imexível e o que ela gerou após ter sido pronunciada por um ministro do Estado. Por que no Rio Grande do Sul temos como forma consagrada lavagem e em Santa Catarina lavação? Estas e outras perguntas devem ser discutidas no âmbito da morfologia. No decorrer do processo de ensino é necessário levantar alguns questionamentos com os alunos: � Qual o objetivo de formar novas palavras? � De que maneira formamos novas palavras? � Quando parece ser emergente apropriar-se de novas palavras ou de palavras de outras línguas? Noções básicas de morfologia6 � Quais são as partes integrantes de uma palavra? � A partir de que critério(s) podemos dizer que uma palavra existe em uma língua? Portanto, para os processos de ensino e aprendizagem, uma teoria mor- fológica da língua objetiva definir como e quais novas palavras podem ser formadas. Assim, um falante que escuta uma palavra, quer seja pela primeira vez, tem capacidade de reconhecê-la como uma palavra de sua língua e assim permite a intuição sobre a estruturação dela e de seus possíveis significados. Dessa forma, uma teoria morfológica descreve esses fatos, sobretudo os me- canismos formais que criam novas palavras e a análise de palavras que já circulam nessa língua. É imperativo que a língua precisa ser ensinada na escola. A gramática normativa, então, traz as regras. Mas a norma não pode ser uniforme e rígida. Ela precisa ser elástica e contingente, evidenciando a sua adaptação de acordo com cada situação social específica em que está inserida. Pense: o professor fala em casa da mesma e exata forma que fala em sala de aula ou em uma conferência? Se a língua é variável no espaço e na hierarquia social, como definir uma única representação como a correta? Reflita sobre essa questão. Contribuições históricas para os estudos de morfologia Qualquer gramática de língua portuguesa que seja consultada dedica um capítulo ao estudo da morfologia, isso quando consideramos as gramáticas do tipo normativas. No contexto da linguística, ou seja, no que se refere ao estudo científico do funcionamento da linguagem, a morfologia como campo de estudo tem, historicamente, dias de valorização e de esquecimento. No período da gramática estrutural, ela foi centro de atenção e, portanto, alcan- çou um progresso. Já no período da linguística gerativo-transformacional, a morfologia ficou esquecida se comparada à sintaxe e à fonologia. Observe o que diz Bauer (1983 apud ROCHA, 1998, p. 7): No momento, o estudo da formação de palavras está sujeito a alterações frequentes. Não há um corpo de doutrina pacificamente aceito nesse campo, de tal forma que os pesquisadores estão sendo obrigados a estabelecer a sua própria teoria e procedimentos à medida que caminham. 7Noções básicas de morfologia Porém, com o percurso histórico das sociedades e um ensaio cada vez maior de compreensão dos fenômenos que estão postos no mundo, este pensamento tem dado lugar para estudos cada vez mais aprofundados sobre morfologia. No âmbito da língua portuguesa, autores se consagram nesse campo e ampliam a visibilidade e a importância do estudo da ciência das linguagens. Margarida Basílio, por exemplo, tem uma relevante obra publicada no Brasil, com o título: Estruturas Lexicais do Português: uma abordagem gerativa, evidenciando assim o interesse crescente pela disciplina. Quatro são as escolas que estudam e analisam o componente morfológico da língua: o descritivismo, o historicismo, o estruturalismo e o gerativismo. Para as gramáticas tradicionais, este tema é de menor relevância. No entanto, no período de influência do estruturalismo houve um maior interesse, este logo ultrapassado pela teoria gerativista (Quadro 1). Descritivismo Historicismo Estruturalismo Gerativismo Relação entre lógica e linguagem Filologia românica; filologia germânica Ferdinand Saussure — estruturalismo europeu Noam Chomsky Regularidades vs. irregularidades Língua: português, francês, espanhol e italiano com suas origens no latim vulgar O arbitrário do signo: a língua é um sistema de valores constituído por diferenças puras Língua inerente à condição humana Fixar paradigmas Filologia: um estudo histórico Língua = sistema de valores Capacidade criadora de um ser pensante Elemento e paradigma Estudos linguísticos com abordagem diacrônica A oposição forma as estruturas da língua Instrumento para livre expressão do pensamento Descrição e fixação Evolução na morfologia histórica Leonard Bloomfield — estruturalismo norte-americano Linguagem não é mero instrumento de comunicação Quadro 1. Descrição do componente morfológico das línguas pelas quatro grandes escolas (Continua) Noções básicas de morfologia8Quadro 1. Descrição do componente morfológico das línguas pelas quatro grandes escolas Descritivismo Historicismo Estruturalismo Gerativismo Aristóteles — partes do discurso Privou o estudo da língua em uso Preocupação com a filosofia da linguagem Estrutura profunda e superficial Estoicos — casos nominais Gramática histórica ou comparativa: preocupada com a evolução da palavra como um todo Caráter prático e utilitarista — morfema (= menor unidade da palavra); uma visão procedimental Regras morfológicas que operam dentro do componente lexical (Continuação) No Brasil, em meados da década de 1960, até inícios da década de 1970, identificam-se os estágios iniciais da consolidação desse campo, isso com a obrigatoriedade do ensino da linguística nos cursos de Letras. Em sua segunda fase, a disciplina passa a integrar com as demais um campo desenvolvido de pesquisa na graduação e na pós-graduação no país. Trabalhos começam a se destacar, entre eles os do estudioso Mattoso Câmara Júnior (1970, 1971). É em meados da década de 1970 que a morfologia volta a ser legitimada como objeto de estudo na Teoria Gerativa, destacando-se o nome de Noam Chomsky (1970). Neste período de consolidação não poderia ser diferente, como o estudo das estruturas internas da palavra, a morfologia se confronta com dificuldades de definição do seu objeto de estudo. Com o decorrer das pesquisas em torno dessa temática melhores definições são estabelecidas. Passa-se a trabalhar com regras de formação de palavras. A partir dessa interpretação, historica- mente, consolida-se o foco na competência linguística. Ou seja, parte-se da possibilidade de pensar não apenas nas formas existentes das formas lexicais, mas potencializar o estudo da ciência linguística a partir da valorização da potencialidade das línguas para a formação do novo, com o objetivo principal de atender as necessidades comunicativas. 9Noções básicas de morfologia Conheça melhor a morfologia histórica do português fazendo a leitura do artigo disponível no link ou código a seguir (FREITAS; AREÁN-GARCÍA, 2010). https://goo.gl/UHtMjr BASÍLIO, M. Formação e classe de palavras no português do Brasil. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2006. CHOMSKY, N. Remarks on nominalization. In: JACOBS, R. A.; ROSENBAUM, P. S. (Orgs.) Readings in English transformational grammar. Waltham, Mass: Ginn & Co, 1970. c. 12, p. 104-221. CÂMARA JR., J. M. Estrutura da língua portuguesa. 2. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1970. CÂMARA JR., J. M. Problemas de linguística descritiva. 5. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1971. MACHADO, L. B. Morfologia x sintaxe x semântica para nunca mais esquecer. 2017. Disponível em: <https://luconcursos.blogspot.com/2017/04/morfologia-x-sintaxe-x- semantica-para.html>. Acesso em: 21 dez. 2018. ROCHA, L. C. A. Estruturas morfológicas do português. Belo Horizonte: UFMG, 1998. Leituras recomendadas CAMARA JR, J. M. Estrutura da língua portuguesa. 8. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1977. CUNHA, C.; CINTRA, L. F. L. Nova gramática do português contemporâneo. 6. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2013. FREITAS, E. S. S.; AREÁN-GARCÍA, N. Morfologia histórica do português. Revista Philologus, ano 16, n. 47, p. 109-118, 2010. Disponível em: <http://www.filologia.org.br/revista/47/07. pdf>. Acesso em: 21 dez. 2018. Noções básicas de morfologia10 Conteúdo: MORFOSSINTAXE Nádia Castro Morfemas Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: � Reconhecer as unidades morfológicas e a estrutura interna das palavras. � Definir os morfemas da língua portuguesa. � Diferenciar morfemas e sintagmas. Introdução Neste capítulo, você vai estudar alguns aspectos de aprofundamento em morfologia. Nesta etapa, você vai conhecer as unidades morfológicas e as estruturas internas das palavras, a partir do estudo dos morfemas em língua portuguesa. Além desses saberes, você também vai apropriar-se das características dos morfemas e da diferença entre eles e os sintagmas. Unidades morfológicas e estrutura interna das palavras O primeiro aspecto que você precisa ter em mente está relacionado com o surgimento de novas palavras em língua portuguesa. Pense: quando se formam novas palavras? Como se formam novas palavras? Por que se formam novas palavras? Primeiro, novas palavras são formadas a todo momento. Isso considerando todas as suas modalidades. Mas, quais seriam essas modalidades? Podemos destacar as seguintes: coloquial, culta, literária, técnica, científica, de pro- paganda, entre outras. Dessa forma, a partir do uso e das necessidades dos falantes, e também conforme o contexto e o período histórico, novos itens lexicais passam a fazer parte de uma comunidade linguística. As formações podem ser esporádicas ou institucionalizadas, conforme delimita Rocha (1998). As formações esporádicas são aquelas relacionadas com o momento. Por exemplo, desmorrer. Nesse caso, uma criança que brinca e diz que a formiga desmorreu. Ou seja, o contexto motiva a criação da palavra por associação a outras parecidas e já existentes. Mas não significa que ela venha a fazer parte do registro de palavras da língua. Esta e outras palavras são criadas por impulsos momentâneos. A forma institucionalizada de criar novas palavras é diferente e por este motivo é denominada desta forma. Pense na palavra imexível. Ela foi pronun- ciada em um contexto de publicidade de ato de um falante. Dessa forma, várias pessoas ouviram e passaram a repeti-la. A circunstância era especial e tornou o vocábulo familiar para os indivíduos. Por conseguinte, imexível passou a ser um vocábulo institucionalizado. No entanto, você precisa saber: um vocábulo pode ser institucionalizado dentro de um grupo de falantes de determinada língua. Por exemplo, indesmentível está institucionalizada em determinada família e determinada residência. Logo, esta formação é institucionalizada naquele grupo específico, mesmo que não seja conhecido de outros grupos de falantes. O que você precisa se perguntar é: mas por que alguns se tornam institucionalizados e outros não? Conforme Rocha (1998), precisamos considerar a visibilidade do “criador” da palavra e, em seguida, o poder da mídia dessa palavra. Ou seja, em que proporção esse vocábulo vai ser disseminado. Um vocábulo criado em um contexto mais restrito e de forma esporádica, pode até ser institucionalizado, isso depende da dimensão que ele atinge. Mantendo-se restrito, não será institucionalizado, mas, caso contrário, passe a integrar a fala de um grupo maior de pessoas, ele poderá ser registrado. As redes sociais, atualmente, têm um papel importante para a fixação de novos vocábulos. Quando compatilhado por muitos, a palavra passa a ser conhecida e as pessoas a utilizam fora das redes sociais. O poder da mídia é evidente neste exemplo. Palavras como sextou e trolar saem das redes sociais e passam a fazer parte dos diálogos entre os falantes. Outra situação que mobiliza a formação de novos vocábulos tem relação com o fato de que certos processos são mais apelativos e enfáticos do que outros. Por exemplo, dizer fumódromo no lugar de sala de fumantes. Portanto, é importante você saber que é difícil responder plenamente à pergunta: tal palavra existe? Pense nisso. No nível morfológico, no entanto, passamos a tentar compreender as uni- dades de sentido que compõem as palavras. No campo da análise linguística, estudamos diferentes níveis, desde aqueles mais amplos, ou seja, os que estudam as unidades mais amplas do discurso, até as unidades menores, como as sílabas e os sons. Entre eles há um nível intermediário que estuda as unidades da língua as quais apresentam certa autonomia formal. Essas unidades podem ser encontadas como entradas lexicais do dicionário. Estamos, portanto, falando Morfemas2 das palavras. Inserido nisso, temos o estudo em nível morfológico. Ou seja, aquele que estuda as unidades de sentido que compõem aspalavras. Etimologicamente, a palavra morfologia se constitui de dois elementos: morfo e logia. Originária do grego, significam, respectivamente, forma e estudo. Por conseguinte, definido na gramática como o estudo que descreve as formas das palavras. Mais detalhadamente: o estudo que tem como objeto de investigação a estrutura interna das palavras. A morfologia, conforme Bechara (2010), é o estudo dos morfemas que compõem as palavras e investiga os seus arranjos no processo de formação de palavras. Morfemas da língua portuguesa Conforme descrito nos parágrafos anteriores, compreender o que é morfolo- gia pressupõe entender o que é forma, no sentido de sinônimo de estrutura, composta esta de partes denominadas morfemas. A primeira informação que você precisa internalizar é a de que toda estrutura é composta de elementos que estão relacionados. Ou seja, isso explica que: todas as palavras são formadas por unidades menores, as quais, quando combinadas, produzem significado. Essa combinação não é aleatória. Na verdade, as estruturas internas, quando combinadas de determinada forma, estabelecem relação e produzem signifi- cado. Assim, podemos afirmar que determinadas palavras combinadas com outras exercem funções específicas nos enunciados. Conclui-se que forma, função e sentido são solidários entre si e, até mesmo, interdependentes (BE- CHARA, 2010). Pense: quando afirmamos que lindos é um adjetivo masculino plural ou que trabalhássemos é um verbo de 1ª conjugação que está no pretérito imperfeito do subjuntivo e na 1ª pessoa do plural, estamos indicando que há marcas formais e gramaticais, as quais delimitam esses enquadramentos, não é mesmo? Exatamente, essas marcas formais são chamadas de morfemas. 3Morfemas Os tipos de morfema: radical e afixos No exemplo anterior — lindos — a marca do masculino está no final -o, e a demarcação de plural está em -s. Já no verbo citado, trabalhássemos, a marca do pretérito imperfeito do subjuntivo está em -ss e a marca da 3ª pessoa do singular está em -mos. Agora, lindos tem um significado diferente de ricos, pequenos ou lisos. O que há de comum entre eles, no entanto, são os morfemas -o e -s. Por esta similaridade identificamos que ricos, pequenos e lisos também são palavras masculinas compostas de plurais. O significado específico desses vocábulos está em lin-, ric-, pequen- e lis-. O mesmo ocorre com o verbo trabalhássemos. Neste, a diferenciação está em trabalh-. Na comparação com escrev- (escrevês- semos) e part- (partíssemos). Os responsáveis pelos significados lexicais, nos exemplos supracitados, são classificados como radicais (BECHARA, 2010). Radicais: núcleos contendo o significado relacionado com as noções externas do mundo: ações, estados, ofícios, seres, etc. Com esta reflexão, podemos concluir que a palavra é constituída de dois tipos de morfema: � Aquele que expressa os significados na noção de mundo: lexical ou externo (o radical). � Outro que expressa o significado gramatical ou interno (os afixos re- presentados por morfemas de flexão e de derivação). Vogal temática: o tema Ainda, saiba que entre o radical e os afixos é permitido inserir uma vogal temática (BECHARA, 2010). A missão dela é de classificação, uma vez que ela diferencia os nomes e os verbos em grupos ou classes. Estes são conhecidos como grupos nominais (casa/livro/ ponte, etc.) e grupos verbais (denominados conjugações). Morfemas4 Por essa razão, podemos afirmar que o verbo trabalhássemos pertence à primeira conjugação: trabalh-á-sse-mos. O verbo escrevêssemos é de segunda (escrev-ê-sse-mos) e partíssemos (part-í-sse-mos) é de terceira conjugação. A união do radical com a vogal temática representa o tema (BECHARA, 2010). Este é a parte da palavra que está pronta para funcionar no discurso e também que está apta para receber os afixos: casa + s = casas linda + s = lindas livro + s = livros Em algumas ocorrências, ao receber determinados afixos, a vogal temática pode desaparecer — por exemplo em casinha [cas(a)inha]. Nos nomes, as vogais temáticas são representadas por -a e -o. Estes dois demarcam o grupo nominal e também indicam o gênero: a casa (feminino); o livro (masculino). Ainda nos nomes, as vogais temáticas -o e -e podem ser representadas por uma semivogal de um ditongo: pão/pães. Enquanto o -o pode passar para a variante -u: afeto/afetuoso (afeto + oso = afetuoso). Os nomes terminados por vogal tônica ou por consoante perdem a vogal temática quando presentes no singular — por exemplo, em fé, mar, paz e mal. Nesses casos, são chamados de atemáticos. No caso dos nomes terminados em consoante, a vogal temática -e, destacada no singular, reaparece quando a palavra estiver no plural: mar/mares (mar-e-s) paz/ pazes (paz-e-s) mal/ males (mal-e-s) Por fim, é importante reforçar que a vogal temática aparece tanto nos temas simples (livr-o) quanto nos derivados (livr-eir-o). 5Morfemas Morfemas livres e presos O morfema será livre quando tiver uma forma que pode aparecer de forma autônoma no discurso. Caso contrário, será preso. No exemplo agricultura, agri- é um morfema preso, pois ele, sozinho, não tem sentido no discurso. Para significar campo, ele precisa combinar com outro morfema (agrimensor, agrícola, agricultor, etc.). Diferentemente de cultura, por exemplo, pois este tem vida independente no discurso (a cultura do campo). O radical pode ter uma variante que só aparece como forma presa. Este é o caso, por exemplo, de caber, que tem variante presa -ceber. Aparecendo ela em: receber, perceber e conceber. A variante do morfema nesses caos é alomorfe (BECHARA, 2010). Os elementos, portanto, podem ser todos livres (compor, apor) ou todos presos (agrícola, perceber), ou, ainda, combinados (agricultura, gasoduto). Assim, uma só forma pode representar mais de um morfema. O -s, por exemplo, pode marcar plural (casa/casas) e também 2ª pessoa do singular nos verbos (tu amas, escreves, partes). Características dos morfemas e diferenças dos sintagmas Outra questão que precisa ser esclarecida está relacionada com a interpretação dos sintagmas. Você precisa saber que além dos processos de formação e flexão da palavra, à morfologia também cabe certa classificação das palavras. Ou seja, deste processo devem ser considerados, além dos critérios formais, alguns sintáticos e semânticos. Tudo isso pela possibilidade de classificação de uma palavra apenas pela sua forma. Isso mesmo! A forma canto, por exemplo, pode desempenhar papel de substantivo ou um verbo. Isso apenas depende da função e do sentido em que passa a ser empregada. Observe: O canto dos pássaros. Eu canto como um pássaro. No primeiro exemplo, a palavra funciona como um substantivo. Diferente- mente da segunda ocorrência, em que canto passa a funcionar como um verbo. Nesse caso, o que deve ser considerado é a relação sintagmática. Ou seja, a Morfemas6 combinação com outros termos na frase ou no sintagma. Lembre-se de que qualquer forma pode desempenhar função substantiva. Por exemplo: não gosto do cantar acelerado que ela força. Nesse caso, cantar desempenha função de substantivo. Isso é possível de ser concluído pela relação sintagmática que a expressão expressa na aproximação com os outros sintagmas. Para Saussure (2006), o sintagma se compõe sempre de duas ou mais unidades consecutivas: re-ler; contra todos; a vida humana. Ou seja, as relações sintagmáticas estão baseadas no caráter linear do signo linguístico. Nesse entendimento, excluímos a possibilidade de pronunciar dois elementos da frase ao mesmo tempo. Os termos se sucedem, um após o outro, de forma linear. Isso são os sintagmas. Na cadeia sintagmática, um termo passa a ter valor a partir do contraste com os outros; ou aqueles que antecedem ou aqueles precedem. Em alguns casos, ocorre com ambos. Tudo isso devido ao caráter linear dos sintagmas. Analise: Hoje faz calor. Não é possível pronunciar jeho faz lorca. Não há sentido na inversãolinear dos termos. Essa cadeia fônica faz com que se estabeleçam relações sintagmáticas entre os elementos que a compõem. A partir dessas análises, podemos concluir que morfemas são as menores unidades formais associadas e dotadas de significado. Enquanto os sintagmas são as sequências hierarqui- zadas de elementos linguísticos, os quais compõem uma unidade na sentença; linearmente e na cadeia da fala. Dessa forma, a noção de sintagma se aplica para além da palavra. A noção de sintagma se aplica aos grupos de palavras e também às unidades complexas (palavras compostas, derivadas, frases inteiras, etc). As relações sintagmáticas existem em todos os planos da língua: fônico, mórfico e sintático. Portanto, tenha em mente: morfemas são apenas as menores unidades da forma das palavras; sintagmas, no entanto, são todas e quaisquer combinações de unidades linguísticas na sequência de sons da fala, a serviço da forma (rede de relações + componente semântico) de determinada língua. Os morfemas são caracterizados, então, por um ou mais fonemas, mas diferentemente destes últimos, apresentam significado. Os fonemas isolados não apresentam significado. Observe: /m/ /a/ /r/ /i/ /s/ 7Morfemas Isolados, esses fonemas não fazem sentido. Mas, quando combinados, constituem unidades mínimas de significado. Veja: [mar] [mais] [mas] Por fim, podemos afirmar que os morfemas são caracterizados como: � elementos mínimos das emissões linguísticas com significado individual; � unidade mínima em um sistema de expressões que pode ser correla- cionada com alguma parte do conteúdo; � as menores unidades significativas que podem construir vocábulos ou parte deles; � a menor parte indivisível da palavra que tem uma relação direta ou indireta com a estrutura de significação. BECHARA, E. Gramática escolar da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2010. ROCHA, L. C. A. Estruturas morfológicas do português. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1998. SAUSSURE, F. Curso de línguística geral. São Paulo: Cultrix, 2006. Leituras recomendadas CAMARA JUNIOR, J. M. Estrutura da língua portuguesa. Petrópolis, RJ: Vozes, 2001. CARVALHO, C. Para compreender Saussure: fundamentos e visão crítica. Petrópolis, RJ: Vozes, 2003. MARGOTTI, F. W.; MARGOTTI, R. C. M. F. Morfologia do português. Florianópolis: LLV/ CCE/UFSC, 2011. Morfemas8 Conteúdo: MORFOSSINTAXE Nádia Castro Noção de sintagma e tipos de sintagmas Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: � Identificar os fatos sintáticos em língua portuguesa e suas funções. � Examinar a estrutura sintática do português como fator de construção da gramaticalidade. � Classificar os sintagmas através de sua composição. Introdução Neste capítulo, você vai aprofundar seus conhecimentos sobre aspectos da morfossintaxe. Você vai identificar os fatos sintáticos em língua portu- guesa e suas funções; vai examinar a estrutura sintática desta língua como fator de construção da gramaticalidade e também vai conhecer de que forma é possível classificar os sintagmas por meio de sua composição. O objetivo principal deste capítulo é apresentar os fatos sintáticos da língua portuguesa, descritos e analisados de acordo com os pressupostos da abordagem tradicional da gramática. A sintaxe é um estudo complexo, desenvolvido em diversas etapas. Conhecer cada uma delas é importante para a compreensão precisa destes saberes. A importância desse estudo, em seu caráter descritivo normativo, está centrada na observação da língua em uso, ou seja, a partir deste tipo de prática é possível promover reflexão sobre os usos reais que o falante faz da língua. Fatos sintáticos e suas funções A linguística interpretada como ciência é fundamental para a compreensão da natureza e do funcionamento da linguagem humana. A análise sintática como tal continua gerando receio para os alunos, muito ainda por causa da forma como ela é abordada na escola. O primeiro passo para desfazer o mito da análise sintática é compreender que sintaxe (do grego syntaxis) significa ordem e disposição. Dessa forma, corresponde a um nível (entre outros) de análise da língua. O objetivo desse nível de análise é o de descrever as regras responsáveis pela formação das sentenças. Portanto, estamos tratando de uma das ramificações da linguística. Entre elas, têm-se fonética, fonologia, morfologia e semântica. Cada uma delas possui especificidades de análise bem detalhadas, mas com alguns pontos que se aproximam e colaboram entre si para explicar certos apontamentos. Assim, podemos afirmar que elas tratam de níveis que trabalham em conjunto, mas que cada uma representa um nível de análise específico. A sintaxe, no entanto, se dedica à compreensão da forma de organização e de funcionamento das estruturas e os diversos fenômenos gramaticais. Esta ramificação da linguística investiga o funcionamento interno da língua, pois ela é responsável pela formação das sentenças. É pelas regras da sintaxe que se determina a possibilidade e a impossibilidade de determinadas sentenças. Por exemplo: 1. No Rio de Janeiro há praias lindas. 2. Praias Rio de Janeiro há lindas no. Quando realizada a leitura das sentenças, identificamos que a primeira é compreensível e a segunda não o é. Neste caso, o nível sintático é o responsável por determinar essas regras. Sintaticamente, a construção do exemplo 1 está correta e a do exemplo 2 está errada, pois a ordem das palavras não está de acordo com o que há de descrição sintática na gramática, segundo a qual a ordem para as palavras nas sentenças deve cumprir certas exigências. Evidentemente, em contextos específicos, a inversão (como observamos no exemplo 2) pode ser realizada como, por exemplo, em um teatro, em uma fábula, em um jogo de palavras e frases etc. Entretanto, do ponto de vista da gramática tradicional, esta construção apresenta erro sintático ainda que, fo- nologicamente, sejamos capazes de reconhecer as palavras e, semanticamente, identificarmos os significados. Noção de sintagma e tipos de sintagmas2 É por meio da análise sintática que podemos explicar, por exemplo, as seguintes estruturas: 1. Maria comprou um caderno novo. 2. Um caderno novo, Maria comprou. 3. Comprou um caderno novo, Maria. 4. Comprou, Maria, um caderno novo. A primeira construção é reconhecida de forma imediata, uma vez que está na ordem direta: sujeito + verbo + complemento. Certo? No entanto, as outras estruturas são compreensíveis da mesma forma e, inclusive, exigem certa pontuação (uso das vírgulas) para que se mantenham gramaticalmente corretas. As sentenças 2, 3 e 4 estão em ordem indireta, mas elas se mantêm corretas, do ponto de vista da análise sintática. Mas e por que isso acontece? Porque há aplicação de regras que possibilitam a formação de algumas unida- des, limitando a relação entre elas. Observe que em um caderno novo existe relação de ordem obrigatória entre as três palavras, pois elas ocorrem sempre juntas e na mesma ordem: artigo + substantivo + adjetivo. A ordem é alterada nas quatro estruturas, mas essa unidade permanece intacta. Da mesma forma, entre Maria e comprar há relação de proximidade obrigatória, não é mesmo? Exatamente, e podemos observar essa relação pela própria conjugação que o sujeito (Maria) exige do verbo (comprar). A concordância verbal evidencia essa questão. Observe: 1. Maria comprou um livro. 2. Maria e João compraram um livro. A ordem é importante e pode modificar o sentido das frases. Você pode estar se perguntando como isso pode ocorrer. Observe esses dois exemplos: 1. O gato correu atrás do rato. 2. O rato correu atrás do gato. As duas sentenças são compostas pelas mesmas classes de palavras (artigo + substantivo + verbo + advérbio + preposição + substantivo) e apresentam estrutura sintática igual (sujeito + predicado), mas você reconhece que elas não significam a mesma coisa não é mesmo? Exato, a mudança de posiçãodas palavras gato e rato alterou o significado das frases. Podemos concluir 3Noção de sintagma e tipos de sintagmas que, alterando a ordem dos elementos que compõem as frases, neste caso, modificamos a interpretação da sentença. O que você pôde ver até aqui é que a sentença é o objeto de estudo da sintaxe. Mas fique sabendo que há unidades menores que também fazem parte dessa análise. Essas unidades, no contexto da análise sintática, são chamadas de sintagmas. Não confunda erro e acerto, no contexto da análise sintática, com as estruturas pro- duzidas pelos falantes de uma língua. Certo e errado na produção oral dos falantes é diferente! Ficou com dúvida? Analise as frases a seguir: 1. Ontem, Jonas viu Ana. 2. Ontem, Jonas a viu. 3. Ontem, Jonas viu ela. Com base na gramática normativa, a sentença 3 está errada, enquanto 1 e 2 estão corretas. Mas isso apenas com relação ao caráter normativo da gramática, pois a sen- tença 3 é recorrente entre os falantes e possibilita sucesso no processo de comunicação. Estrutura sintática e gramaticalidade As reflexões anteriores evidenciam que a estrutura sintática da Língua Por- tuguesa é fator de construção da gramaticalidade. Pois bem, Chomsky (1975) defende a noção da existência da dicotomia competência X desempenho. Para o autor, competência tem relação direta com os conhecimentos internalizados que os falantes têm de suas línguas. É essa competência que se manifesta a partir do desempenho; ou seja, a partir do uso concreto e particular de cada um dos indivíduos de acordo com as exigências das situações de fala. Considere a fala de crianças: 1. Eu volti da escolinha. 2. Escolinha da volti eu. 3. Eu tomi a água. 4. Eu água tomi a. Noção de sintagma e tipos de sintagmas4 Contemplando a gramaticalidade, ou seja, em relação às regras gramaticais, e a agramaticalidade (não respeito às regras da gramática de determinado sistema linguístico), as sentenças anteriores podem ser analisadas. Porém, não confunda os dois conceitos anteriores com “certo” e “errado” da gramática normativa. Com relação aos exemplos anteriores, devemos questionar: o que motiva as crianças a produzir 1 e 3, mas a não externalizar 2 e 3? Com base na teoria da língua, as crianças reconhecem, de forma intuitiva, que 2 e 3 não estão de acordo com os princípios da gramaticalidade da língua. Uma vez que essa ordem de palavras não está presente no mundo de forma significativa. Ou seja, a criança reconhece que a ordem dos elementos altera o significado, portanto, obedece à ordenação sintática. Mas elas conhecem as regras sintáticas? A partir da teoria é evidente que elas não conhecem, mas pelo uso que os adultos fazem, elas identificam que há estruturas que ordenam adequadamente os elementos que compõem as frases. Chomsky (1975) nos apresenta uma frase para entender a gramaticalidade na prática: Incolores ideias verdes dormem furiosamente. Esta sentença é gramatical do ponto de vista da ordenação dos elementos, pois tem-se a ordem básica sujeito + verbo + advérbio. Mas, a frase só é possível em um mundo imaginário (plano conotativo). No plano denotativo (mundo real) ela não faz sentido. Na frase, ideias não podem ser verdes e incolores ao mesmo tempo, por exemplo. Dessa forma, esse conjunto de palavras só é frase por causa da estrutura gramatical, mas, com relação à mensagem (fim de comunicação), esta mesma frase só pode ser mensagem em um plano me- tafórico. Concluímos, portanto, que clareza (inteligibilidade) é uma condição necessária para que exista gramaticalidade. A ideia de gramaticalidade não é interpretada de maneira uniforme entre os falantes de determinada língua. Um indivíduo pode considerar como gramatical algo agramatical para outro. Portanto, o julgamento que se faz das estruturas depende do ponto de vista e do contexto em que ocorrem. 5Noção de sintagma e tipos de sintagmas Podemos concluir que há certas propriedades já conhecidas pelas crianças, as quais são acionadas durante o processo de aquisição da linguagem. Nos exemplos citados, percebemos que as crianças identificam que os itens lexicais voltar e tomar podem ser flexionados e ocupam certa posição nas frases. Com o processo de desenvolvimento da linguagem, os indivíduos passam por um processo de maturação da língua e passam a incorporar novos modelos de regras, de forma a aperfeiçoar o uso da língua em todas as suas possibilidades. Dessa forma, a criança, com o tempo, observa e avalia as diversas com- binações de regras e depois escolhe o que considera melhor para obter a sua intenção de comunicação. Assim, a partir da observação a criança reconhece as irregularidades e as regularidades do sistema linguístico e com o tempo vai se aproximando da fala dos adultos, fazendo uso daquelas estruturas que considera como gramaticais e reduzindo, gradativamente, aquelas que são agramaticais. Observamos que, com o tempo, a criança amplia e internaliza regras de estruturação sintática das sentenças em língua portuguesa. Os sintagmas e suas composições Outro item importante em análise sintática considera a compreensão e a classificação dos sintagmas por meio de sua composição. No que se refere aos sintagmas é necessário compreender que o eixo sintagmático compreende as combinações, ou seja, é na cadeia sintagmática que as palavras têm as funções determinadas, por meio do contraste estabelecido entre os elementos, sejam eles antecessores ou sucessores. Observe na prática: 1. O cachorro correu atrás do gato. 2. O gato comeu o rato. 3. Jarbas é um gato. No eixo paradigmático, palavras como gato, rato, homem, cadeira, entre outras tantas, têm propriedades em comum, uma vez que todas são substan- tivos. Certo? No eixo paradigmático, encontramos um conjunto de unidades que podem ser suscetíveis de aparecer em diferentes contextos. Agora, no eixo sintagmático, quando selecionamos uma dessas palavras, como gato, por exemplo, é que se tem estabelecida a função. É na cadeia sintagmática, ou seja, relação com outros sintagmas da frase que definimos qual será a função da Noção de sintagma e tipos de sintagmas6 palavra. Retomando os três exemplos anteriores, analise a função da palavra gato em cada uma das três construções. Percebeu? Exatamente, na primeira sentença (o cachorro correu atrás do gato), gato desempenha função de objeto, pois está posicionado depois do verbo. Agora, na estrutura da segunda sentença (o gato comeu o rato), o sintagma gato passa a desempenhar papel de sujeito; ou seja, formando unidade com o artigo o e antecedendo o verbo, ele passa a ter função de sujeito. No último exemplo (3), em conjunto com o artigo um, gato passa a desempenhar papel de predicativo (observe a presença do verbo de ligação ser). Isolado, o sintagma gato pode desempenhar diferentes funções. É apenas na relação sintagmática, ou seja, com a ordem/posição que ocupa nas sentenças, que é possível definir a função exata deste e de cada um dos sintagmas que compõem as sentenças. Partindo desse pressuposto, podemos inferir que os falantes de determinada língua, a partir da oposição entre as relações paradigmáticas e sintagmáticas e a forma como estas se correlacionam, produzem material linguístico (sin- tagmas, frases, enunciados). Assim, o falante tem consciência de que forma são construídas as sentenças. Primeiro, ele recorre ao eixo paradigmático (disponibilidade das palavras conforme as propriedades que são inerentes a elas) e depois parte para o eixo sintagmático (ordem das palavras nas sentenças para representar a função adequada). Outra inferência que você precisa realizar, a partir dessa reflexão, é a dife- rença entre classe e função. Exatamente! Há diferença entre elas! Lembra-se palavra gato nos exemplos listados acima? Ela pertence à classe de palavras denominada substantivo, mas pode desempenhar função diferente em outro contexto. Gato pode ser um adjetivo, como exemplificado na terceira frase. Portanto, não confunda classe comfunção e lembre-se de que classe pode adquirir outra função em outro contexto. Ou seja, o contexto é determinante para a noção de função e não de classe. O contexto é determinante para a noção de função, não de classe! 7Noção de sintagma e tipos de sintagmas Composição dos sintagmas Os sintagmas, então, apresentam certa composição. Primeiramente, lembre- -se de que os sintagmas designam dois elementos consecutivos. Um deles é determinado (principal) e o outro é determinante (subordinado). Na composição do sintagma o gato, o elemento determinante é o artigo o (subordinado) e gato é o elemento determinado (principal). No sintagma básico, seguindo nessa lógica, há presença de sujeito e do predicado, sendo que o elemento determinado é o verbo e o determinante é o sujeito. Podemos concluir que sintagma é a combinação das formas mínimas de uma unidade linguística, a qual é percebível pela linearidade do signo. Assim, excluímos a possibilidade de pronunciar dois elementos ao mesmo tempo, porque um termo só passa a ter função (e valor) a partir do instante em que ele estabelece relação com os outros elementos da frase. De acordo com Saussure (2006), é possível abranger diferentes tipos de construções, ainda que exista certa hierarquia entre elas. Observe: � Sintagma morfossintático: consiste na combinação dos morfemas em uma palavra. Exemplos: re-fa-zer, chá-l-eira. � Sintagma suboracional: consiste na combinação das palavras que formam um membro oracional. Exemplos: bom dia, leite magro. � Sintagma oracional: composto por membros oracionais. Exemplo: A vida é bela. � Sintagma superoracional: composto por orações. Exemplo: Se fizer bom tempo, vou sair. Assim, os elementos se alinham um após o outro, tanto na fala quanto na escrita, e tais combinações, apoiadas na extensão, são chamadas de sintagmas. Por fim, indicamos que os sintagmas são compostos de duas ou mais unida- des consecutivas. A relação sintagmática, portanto, só existe com presença. Apenas na presença efetiva que um termo adquire valor, pois é na oposição entre os elementos que precedem e que seguem, ou ambos, que o sintagma exerce o seu papel. Noção de sintagma e tipos de sintagmas8 Observe os exemplos de sintagmas como composição de unidades consecutivas: � Rever: re-ver (e não ver-re, a inversão das unidades consecutivas faz com que ela deixe de ter sentido, portanto, a ordem dos elementos é fundamental). � Contra tudo (tudo contra até pode ser aceito, depende do contexto). � A vida humana (Humana vida a: esta ordem não faz sentido). � Se o tempo estiver bom, sairemos para passear (Passear para estiver bom se o sairemos tempo: esta ordem não faz sentido). CHOMSKY, N. Aspectos da teoria da sintaxe. Coimbra: Arménio Amado, 1975. SAUSSURE, F. Curso de linguística geral. São Paulo: Cultrix, 2006. Leituras recomendadas BECHARA, E. Gramática escolar da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2010. CAMARA JUNIOR, J. M. Estrutura da língua portuguesa. Petrópolis, RJ: Vozes, 2001. CARVALHO, C. Para compreender Saussure: fundamentos e visão crítica. Petrópolis, RJ: Vozes, 2003. 9Noção de sintagma e tipos de sintagmas Conteúdo: MORFOSSINTAXE Nádia Castro Palavras e sintagmas Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: � Descrever itens lexicais e seus aspectos na análise morfossintática. � Reconhecer os mecanismos mórficos ou sintáticos para a identificação das palavras em classes. � Identificar as características do sintagma nominal e do sintagma verbal. Introdução A partir da leitura deste capítulo, você compreenderá alguns aspectos da morfossintaxe. Vamos tratar do léxico da língua portuguesa, com o objetivo de ampliar os conhecimentos sobre as características e as propriedades de cada palavra. Observaremos o conjunto arbitrário de palavras e conheceremos a relação que se estabelece entre palavras e sintagmas, analisando o que isso significa para o funcionamento da língua portuguesa. Os objetivos do capítulo estão centrados na descrição dos itens le- xicais e nos aspectos que eles englobam na análise morfossintática; na demonstração dos mecanismos mórficos ou sintáticos para a identifica- ção das palavras em classes; e, por último, no exame das características do sintagma nominal e do sintagma verbal. Itens lexicais na análise morfossintática Segundo Basílio (2004), o léxico apresenta certo teor de regularidade e é elemento fundamental da organização linguística da língua, seja do ponto de vista semântico ou gramatical. O conhecimento lexical permite analisar certas estruturas da língua, seja em uma abordagem textual ou mesmo estilística. O que ocorre é que os diferentes processos de derivação, de mudança e de extensão das classes das palavras são traduzidos em estruturas morfológicas lexicais. É por essa característica que se destaca a relevância do conhecimento dos itens lexicais e de seus aspectos no contexto da análise morfossintática. Primeiramente, é preciso saber que existe uma vasta possibilidade de nomenclatura. De acordo com diferentes estudiosos, é possível encontrar semelhanças e diferenças na classificação das palavras, dos vocábulos, dos lexemas, das unidades ou itens lexicais. Neste capítulo, o foco se manterá na compreensão da palavra, dos itens lexicais e dos sintagmas. Vamos iniciar com os itens lexicais. Você sabe o que é um item lexical? A língua existe para que possamos nos comunicar. Logo, é necessário identificar as coisas sobre as quais queremos falar. Assim, é possível designar pessoas, lugares, objetos, etc. Identificamos a língua como um sistema de classificação e de comunicação. Nesse contexto, o papel do léxico apresenta dupla função para língua: ele é um banco de dados com uma classificação prévia que fornece unidades básicas para que o falante construa enunciados (BASÍLIO, 2004). Assim sendo, o léxico categoriza aquelas coisas sobre as quais falamos, fornecendo unidades de designação denominadas palavras. A palavra, portanto, desempenha papel fundamental no processo de comuni- cação, pois possibilita identificação, categorização e nomeação da realidade que cerca os falantes. É assim que os indivíduos geram o léxico de sua língua. Consideremos, agora, a seguinte questão: o que é palavra e o que é léxico? Compreendemos a palavra como unidade de designação utilizada para a construção de enunciados. No entanto, um conjunto fechado dessas unidades não é suficiente para uma língua. Observe, por exemplo, as palavras que são incorporadas ao cotidiano de fala dos indivíduos de determinada língua. Esse sistema não é estático, ampliamos as unidades de designação, pois temos necessidade de classificar situações, objetos e pessoas de formas não antes feitas. Por esse motivo, produzimos (e reproduzimos) novas denominações. Precisamos de um sistema dinâmico, que seja capaz de se expandir e de se moldar conforme às necessidades dos falantes. Por exemplo, o léxico oferece as unidades de designação, como global; a partir delas, elaboramos novos itens lexicais, tal como globalização. O léxico não se limita a um conjunto fechado de palavras. Ele é dinâmico e apresenta estruturas que podem ser utilizadas para sua expansão. Dito de outro modo, o léxico é mais do que palavra. No léxico, estão as estruturas e os processos de formação de palavras que possibilitam a formação de novas unidades lexicais e, por conseguinte, permitem a aquisição de palavras novas para os falantes. Não devemos confundir item lexical com palavra: o primeiro faz referência aos itens que estão armazenados na memória do falante; o segundo nomeia o Palavras e sintagmas2 termo que é utilizado de acordo com a teoria gramatical. Assim sendo, existe o léxico externo e o interno, conforme delimita Basílio (2004). Como conjunto de palavras, temos o léxico externo, ou seja, aquele grupo que se verifica nos enunciados dos falantes. O conjunto interno, ou mental, correspondeàs palavras conhecidas pelo falante e também aos padrões gerais de estruturação para interpretação e produção de novas formas. Para a análise morfossintática, essa diferenciação é importante. Interpretamos palavra como categoria mais genérica. Item lexical, no entanto, deve ser percebido como unidade de nome- ação de verbos e substantivos e outros, ou seja, como unidade semanticamente registrada no léxico de uma língua, com potencial de combinação com outros elementos afixais para formação de outras unidades ou sintagmas. A utilização do termo unidade lexical refere-se a itens com uma sequência fonológica e morfológica com significado intrínseco. Dessa forma, considere a indivisibilidade do termo. Para a análise morfossintática, a normalização dos itens lexicais é impres- cindível, pois esse é o processo que reduz as variações de uma palavra para sua forma única. Os componentes formadores de palavras são o radical e os afixos. O radical é o elemento básico, enquanto os afixos podem ser incorporados às palavras para formar outras. Esses processos afetam significativamente a palavra original; podem, inclusive, alterar a sua categoria morfológica. Observe o exemplo a seguir: � Casa � Casebre � Casinha � Casarão Nestes exemplos, cas- (cas-a; cas-ebre; cas-inha e cas-arão) é o elemento que faz referência ao mundo extralinguístico. Esse é o radical que faz parte de todas as palavras e é a significação desse radical que é denominada de lexical. Ou seja, a formação de palavras, nesse caso, é chamada de formação lexical. 3Palavras e sintagmas Mecanismos mórficos ou sintáticos para a identificação das palavras em classes Classes de palavras são conjuntos abertos de palavras, os quais podem ser defi- nidos a partir das propriedades ou funções semânticas e gramaticais. Conhecer as classes de palavras é fundamental para a compreensão do funcionamento de uma língua, pois elas expressam as propriedades gerais das palavras. De fato, só é possível descrever os mecanismos gramaticais mais óbvios, como a concordância de gênero e número do artigo com o substantivo, se soubermos determinar qual palavra pertence a cada classe. De acordo com a gramática tradicional, podemos classificar as palavras de diversas maneiras. É possível indicar uma classificação conforme acentuação (átonas ou tônicas) por exemplo. Entretanto, o que está convencionado como classe de palavras (ou categorias lexicais) corresponde a uma classificação mais específica, a qual está relacionada com critérios semânticos ou grama- ticais de análise. Classes de palavras são necessárias para a descrição gramatical. Existe um critério ou um conjunto de critérios de classificação de palavras? Existem divergências quanto a isso, mas, neste momento, é relevante pensar nos critérios, uma vez que as classes de palavras são importantes para a descrição gramatical. Dessa forma, pense na definição apenas semântica do substantivo, sobre como ele se comportam nos enunciados. Esse critério daria conta da explicação? Não. A posição de ocorrência das palavras na elaboração dos enunciados é essencial para descrição gramatical. Desse modo, apenas o critério semântico não basta para a descrição gramatical. A definição sintática do substantivo como núcleo do sujeito, agente da passiva ou objeto indica posições estruturais, mas não evidencia as proprie- dades de concordância do substantivo em relação ao adjetivo, por exemplo. Do mesmo modo, a definição sintática ou semântica do verbo não evidencia as necessidades das várias formas verbais que expressam tempo, modo, nú- mero e pessoa. Portanto, conclui-se que os propósitos de descrição gramatical Palavras e sintagmas4 exigem das classes de palavras uma definição com diversos critérios. Assim sendo, para efeitos da descrição gramatical, as classes de palavras devem ser definidas simultaneamente por critérios morfológicos, sintáticos e semânticos. Principais categorias lexicais Como elementos do léxico, as classes de palavras podem ser denominadas categorias lexicais. Segundo Basílio (2006), as classes de palavras que estão envolvidas em processos de formação de palavras são as seguintes: � Substantivos � Adjetivos � Verbos � Advérbios A primeira classe de palavras, substantivos, é definida pela propriedade semântica de designação de seres ou entidades; pela propriedade morfológica de determinação de gênero e número; e, por fim, pela propriedade sintática de ocupar a posição de núcleo do sujeito ou complemento. A classe dos adjetivos é definida pela propriedade de caracterização ou qualificação, sobretudo dos seres designados pelos substantivos. Os verbos, como classe de palavras, representam relações no tempo e têm a função de predicação com flexões de tempo e modo. Por último, a classe dos advérbios representa aquela composta de palavras invariáveis com função de modificar os verbos, os adjetivos e outros advérbios e enunciados. As classes de palavras (ou categoria lexicais) são a base para a descrição dos processos de formação de palavras. Por exemplo, a adição do sufixo -dade a um adjetivo forma um substantivo: no caso do adjetivo leal, por meio da adição do sufixo -dade, temos o substantivo lealdade. Assim, podemos constatar que a definição de classes de palavras deve seguir os requisitos da descrição gramatical, bem como aqueles requisitos relacionados ao processo de formação de palavras. Quando afirmamos que o sufixo -ção é adicionado aos verbos para a for- mação de substantivos, não se afirma apenas que ele se acrescenta a palavras que ocupam o núcleo do predicado para formação de palavras que ocupam o núcleo do sintagma nominal; na verdade, consideramos que palavras a que -ção é aplicável designam eventos e situações que estão representadas no tempo e apresentam flexão de tempo/modo/aspecto e número-pessoa. Portanto, as palavras produzidas designam eventos e situações sem a marca de represen- 5Palavras e sintagmas tação no tempo, sem flexão e com a propriedade de acionar os mecanismos de concordância tanto de gênero quanto de número. Sintagma nominal e sintagma verbal Sintagma é um termo utilizado para designar dois elementos consecutivos. Um deles é o determinado (principal) e o outro é o determinante (subordinado). Quem introduziu este termo foi Ferdinand de Saussure (2006). Por exemplo, em um sintagma básico, composto de sujeito e predicado, o elemento determinado é o verbo; o determinante, o sujeito. O que o sintagma identifica é a impossibilidade de dois termos serem pronunciados ao mesmo tempo, ou seja, existe linearidade na expressão do signo. Além disso, um termo apenas passa a ter valor depois de ser contrastado com outro. O sintagma, portanto, trata da combinação de formas mínimas em unidades linguísticas superiores. O que existe, em essência, é reciprocidade, coexistência e solidariedade entre os elementos presentes na fala. Essa relação é sintagmática e concebe o sintagma no plano mórfico e sintático. Dentro desse contexto, identifica-se uma subdivisão dos sintagmas, de acordo com o núcleo que os compõem. Os tipos de sintagma são: nominal, verbal, adjetival, adverbial e preposicional. Neste momento, vamos centralizar nosso estudo em apenas dois tipos: nominal e verbal. Sintagma nominal De acordo com Mioto, Silva e Lopes (2005), o sintagma nominal é composto, obrigatoriamente, por um nome, seguido de seus determinantes. Esses deter- minantes podem ser pronomes ou palavras que, em suas origens, pertenciam a determinadas classes lexicais, mas que, a partir da recategorização, passaram a desempenhar o papel de nomes. O núcleo, portanto, pode ser combinado com outros elementos, como complementos (a conquista da batalha), modificadores (o vestido azul) e também especificadores, que podem ser definidos pelos determinantes e pelos quantificadores (muitas balas). Portanto, as funções sintáticas que o sintagma nominal pode representar são: sujeito, predicativo, objeto direto, indiretoe oblíquo (nominal e verbal), aposto, adjunto adverbial e vocativo. Palavras e sintagmas6 No caso de o sintagma nominal apresentar apenas um especificador, este ocorrerá na posição inicial do sintagma (esta aluna, muitos estudantes, etc.). Por outro lado, quando o especificador for um quantificador não determinante, este pode acorrer entre um determinante definido e o nome. Por exemplo: as várias amigas da Luiza. Neste caso, a posição é intermediária. Assim sendo, os quantificadores todos e ambos, quando iniciando sintagma nominal, não podem preceder diretamente um nome sem a presença de um determinante. Por exemplo: todas as ruas, ambas as ruas. Para confirmar essa afirmação, pense na possibilidade da estrutura: todas casas e ambas casas. Essas duas construções são agramaticais. No entanto, estes quantificadores podem ocorrer na posição pós-verbal. Observe os exemplos de substituição: Todos os carros eram vermelhos → Os carros eram todos vermelhos. Ambas as meninas comeram doces → As meninas comeram ambas os doces. Com relação à função sintática exercida pelo sintagma nominal, no con- texto da oração, temos, na maioria dos casos, sujeito e complementos verbais da oração. Analise o exemplo e as funções desempenhadas pelos sintagmas nominais: Os estudantes escreveram um texto. Neste exemplo, são registrados dois sintagmas nominais: um na função de sujeito e outro na função de objeto (complemento direto). Primeiramente, na função de sujeito temos os estudantes como núcleo; sendo que o núcleo está em estudantes, acompanhado do especificador os. Na função de objeto (complemento) direto, temos um texto. Nesse segundo sintagma nominal, o núcleo é texto, e o especificador determinante, um. Sintagma verbal O segundo tipo de sintagma é o verbal, conforme apresenta Mioto, Silva e Lopes (2005). Como o nome enuncia, o sintagma verbal é constituído pelo predicado da oração. Nesse caso, o núcleo é o próprio verbo. Observe o exemplo a seguir: As colegas chegaram. 7Palavras e sintagmas Nesse exemplo, o predicado é o verbo chegaram. Este representa o sintagma em evidência. Nesse tipo de sintagma, os elementos relacionados a ele são denominados argumentos do verbo, os quais podem ocorrer inclusive na forma de sintagma nominal, adjetival, adverbial ou preposicional. Desempenhando funções de predicativo (predicação secundária), de objeto (complemento) direto, indireto ou oblíquo (adverbial e nominal), os constituintes são exigidos pelo verbo. Sem esses determinantes, não há oração com sentido completo; tanto sintaticamente quanto semanticamente, são necessários para organização coerente das orações. Com relação aos argumentos dos verbos, eles podem ser externos (o sujeito) ou internos (os complementos). No entanto, nem todos os sintagmas verbais apresentam complemento. Os verbos intransitivos, por exemplo, são exemplos de sintagmas verbais desse tipo. Observe: Chove. Nevou. Nesses exemplos, as frases são compostas de apenas um membro: o verbo. Desse modo, este é autossuficiente e não precisa de complemento para dar sentido. Esse tipo de sintagma verbal é denominado sintagma verbal reduzido. BASÍLIO, M. Formação e classes de palavras no português do Brasil. São Paulo: Contexto, 2004. MIOTO, C.; SILVA, M. C. F.; LOPES, R. E. V. Novo manual de sintaxe. Florianópolis: Insular, 2005. SAUSSURE, F. Curso de linguística geral. 27. ed. São Paulo: Cultrix, 2006. Leituras recomendadas BECHARA, E. Gramática escolar da língua portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fron- teira, 2010. CARVALHO, C. Para compreender Saussure: fundamentos e visão crítica. 12. ed. Petró- polis: Vozes, 2003. MARGOTTI, F. W.; MARGOTTI, R. C. M. F. Morfologia do português. Florianópolis: UFSC, 2008. Palavras e sintagmas8 Conteúdo: MORFOSSINTAXE Nádia Castro Processos de formação das palavras Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: � Reconhecer os processos de formação de palavras. � Classificar flexão, derivação e composição. � Identificar as contribuições da gramática descritiva como suporte para descrição dos fenômenos de formação de palavras no Português. Introdução Neste capítulo, compreenderemos em maior profundidade alguns as- pectos de morfossintaxe. Em especial, vamos tratar dos processos de formação de palavras. Esse é um tema relevante para todos aqueles interessados na estrutura interna das palavras e na compreensão crítica da língua portuguesa. Os objetivos do texto estão centrados na classificação da flexão, da derivação e da composição, entendidas como processos de formação de palavras em língua portuguesa. Nesse contexto, será igualmente necessário que reflitamos sobre as contribuições da gramática descritiva, interpretada como suporte para descrição de tais fenômenos. Formação de palavras A língua apresenta mecanismos linguísticos de funcionamento por meio dos quais se cria a oportunidade de formação de novas palavras. Se pensarmos no léxico, ou seja, naquele banco de dados de palavras que apresenta certa regularidade (BASÍLIO, 2004), constataremos que este conjunto fechado não é suficiente para a designação e a construção dos enunciados em língua portuguesa. Os falantes têm necessidade de identificar, classificar e nomear as coisas sobre as quais desejam comunicar algo. Na prática, é preciso um sistema dinâmico, o qual seja capaz de se expandir conforme são necessárias novas unidades de designação para uma construção plural de novos enunciados. A partir do momento em que se identificam novos objetos, novas práticas, novos sentimentos, entre outros, o léxico precisa ser ampliado para fornecer unidades de designação que sejam condizentes com a realidade dos falantes. Como exemplo desse processo, pensemos na palavra global. Hoje, fala-se em globalização, globalizar, etc. Todas essas novas pa- lavras foram elaboradas pelas necessidades do contexto atual. Outro exemplo diz respeito à palavra internet. Hoje, temos o termo internetês como um neologismo para designar a linguagem específica utilizada no mundo virtual. De fato, o léxico não é apenas um conjunto de palavras. Como sistêmico dinâmico, apresenta estruturas a serem utilizadas em sua expansão (BASÍ- LIO, 2004). Essas estruturas, ou seja, os processos de formação de palavras, permitem a formação de novas unidades no léxico como um todo e, assim, a aquisição de novas palavras por parte de cada falante. Entretanto, a língua, como sistema de comunicação, não pode se resumir apenas ao aumento do número de símbolos. Fosse assim, o falante precisaria decorar uma série de novos símbolos: o sistema seria ineficiente e dependeria da memória do falante. Na realidade, o que temos é uma expansão do léxico a partir de processos de formação de palavras. Flexão, derivação e composição A língua apresenta alguns mecanismos linguísticos por meio dos quais se formam novas palavras. Vamos conhecer a flexão, a derivação e a composição de palavras em língua portuguesa. Destacamos que o componente lexical de uma gramática, conforme Scalise (1994), é organizado em três blocos de regras. São eles: regras de composição, regras de derivação e regras de flexão. Flexão A primeira informação considerar é que, no processo de flexão, são conside- rados o gênero, o número e o grau dos nomes e a pessoa, o número, o tempo e o modo dos verbos. Segundo Câmara Jr. (2001), os morfemas flexionais apresentam-se de maneira regular e sistemática. Portanto, vamos analisar o que acontece com a flexão nominal e verbal. Processos de formação das palavras2 Nos casos de flexão, lembre-se: � Há regularidade. � Há concordância. � Não é opcional. As desinências, ou morfemas flexionais, constituem classe fechada, obri- gatória, e representam as noções gramaticais de gênero, número, modo, tempo e pessoa. Dessa forma, as classes de vocábulos que podem ser submetidos aos processos de flexão são os nomes e os verbos. Esses dois grupos de vocábulossão variáveis e englobam substantivos, adjetivos, pronomes, artigos, numerais e verbos. Segundo Margotti e Margotti (2008), podemos classificar as desinências nominais em: � desinência de gênero (masculino e feminino); � desinências de número (singular e plural). Já as desinências verbais classificam-se em: desinências modo-temporais (tempo e modo do verbo) e desinências de número e de pessoa. Para entender melhor, observe a Figura 1. Figura 1. Flexão nominal e verbal. Fonte: Adaptada de Margotti (2008). Flexão De nomes e pronomes De verbos De gênero De número De modo e tempo De número e pessoa Masculino Feminino Singular Plural 3Processos de formação das palavras No processo de flexão, há regularidade, pois o nível sintático impõe normas de concordância. Os vocábulos subordinados devem concordar em gênero e número. Por exemplo, em uma estrutura em que há presença de vocábulos subordinados a um substantivo, eles deverão concordar com este em gênero e número. O mesmo ocorre com a presença do verbo em um enunciado: ele exige flexão de pessoa e número. O número do substantivo evidencia a regularidade. Por exemplo: menino, meninos; garoto, garotos. Dessa forma, o número do substantivo deve ser considerado como flexão. O gênero é indicado por critério sintático. Nos casos dos substantivos como livro, caneta, dente, o masculino e o feminino são determinados pelos anexos determinantes flexionais. Observe: O livro. Aquela caneta. Este dente cariado. Mais detalhadamente, o nome pode ser formado por um morfema, ou seja, uma raiz, mas também pode ser ampliado por meio de morfemas flexionais (desinências de gênero e número). O número do substantivo deve ser conside- rado como flexão, pois, emitido determinado substantivo, podemos prever seu plural de forma regular. Para Rocha (1998), os casos de substantivos invariáveis são muito reduzidos e não impactam na análise linguística (por exemplo: o ônibus/os ônibus; o atlas/os atlas). Com relação ao gênero, é preciso análise sintática para indicação. É o caso dos exemplos anteriores: livro, caneta, dente, pijama, tribo. Estes são femininos ou masculinos pelos determinantes flexionados em um dos dois gêneros. O livro chato. A caneta vermelha. Aquele pijama listrado. Em verdade, há certos substantivos em que, além de o gênero poder ser assinalado por um determinante, pode ser indicado por marca morfológica. Observe: Aquele menino preguiçoso. Aquela menina preguiçosa. Um gato branco. Uma gata branca. Processos de formação das palavras4 Em seus estudos sobre formação de palavras, Rocha (1998) destaca que a quase totalidade dos substantivos em língua portuguesa não apresentam marca morfológica de gênero. Assim sendo, quase todos os substantivos pertencem a um gênero único, o qual é assinalado por um expediente sintático. Com relação à flexão e ao gênero, lembre-se de que gênero é uma no- ção gramatical atribuída a todos os substantivos. Por isso, temos: o lápis, o computador, o relógio, a caneta, a meia, a maré. Em português, podemos encontrar gêneros que variam, por exemplo o/a soja, o/a dinamite, o/a dia- bete. Alguns substantivos também são indiferentes quanto ao gênero, ou seja, podem aparecer tanto no masculino quanto no feminino. Estes são os casos de o/a analista, o/a sentinela. O que vai determinar o gênero é a concordância. Por último, temos também aqueles substantivos que designam tanto feminino quanto masculino. É o caso, por exemplo, de a onça, o jacaré, a cobra. Sobre a flexão verbal, observamos, nas gramáticas, que as noções de pes- soa, número, tempo e modo são expressas nos verbos por meio de morfemas flexionais. Observe o exemplo: Estudávamos. Nessa ocorrência do verbo, -va- é um morfema denominado cumulativo, pois ele indica tempo e modo. A desinência -mos também é cumulativa e expressa noções de pessoa e de número. Seguindo a mesma lógica, e os preceitos de Câmara Júnior (2001), esses dois elementos (-va- e -mos) são classificados como morfemas flexionais, pois as desinências modo-temporais e número- -pessoais apresentam regularidade e sistematização: quando enunciado o verbo, podemos constatar sua existência com marcas variadas de pessoa, número, tempo e modo. Com relação aos verbos, é necessário compreender que existem paradigmas distintos: � Primeira conjugação: cant-a-r; salt-a-r; grit-a-r. � Segunda conjugação: desc-e-r; corr-e-r; perd-e-r. � Terceira conjugação: dirig-i-r; sum-i-r; ped-i-r. Portanto, as desinências verbais, conforme o que foi anteriormente explici- tado, são cumulativas. Assim sendo, as desinências modo-temporais expressam modo e tempo dos verbos; enquanto as desinências número-pessoais indicam, respectivamente, número e pessoa. Observe o exemplo: 5Processos de formação das palavras Infinitivo impessoal: cant-a-r Primeira pessoa do plural: cant-á-va-mos Quando utilizamos o recurso da comparação, percebemos de forma di- reta que cantavam é segmentado da seguinte forma: cant–a–va–m. Desse modo, cant é radical, a é vogal temática, va é desinência modo-temporal e m é desinência número-pessoal. Portanto, quanto à flexão, todos os tempos e modos verbais apresentam desinências modo-temporais e desinências número- -pessoais. São exceções apenas os tempos infinitivo impessoal, particípio e gerúndio; para estes, não há ocorrência de desinências número-pessoais. Derivação Com relação à derivação, é preciso considerar os casos em que são utilizados os sufixos derivacionais, ou apenas sufixos, como processo de formação de novas palavras e ampliação do léxico. Por exemplo: formiga, formigueiro; paquerar, paquerador. Nos processos de formação de novos vocábulos por derivação, os falantes têm liberdade, sem imposição gramatical. Utilizam-se prefixos e sufixos para formação de novos vocábulos. Nos casos de derivação, lembre-se: � Há irregularidade. � Não há concordância. � Há opcionalidade. A derivação, como processo de formação de novas palavras, acontece quando um vocábulo formado por apenas um radical primário recebe afixos (prefixos ou sufixos). Exemplos: Processos de formação das palavras6 Panela + eiro = paneleiro Im + possível = impossível Difícil + mente = dificilmente No caso da derivação, o acréscimo de prefixos e sufixos realiza-se com a adição de um afixo a um radical, o qual pode ou não conter outros afixos. Pense, por exemplo, no vocábulo legalização. Este vem de legalizar, que, por sua vez, deriva de legal. Resumidamente, a derivação pode ocorrer por acréscimo de prefixo, de sufixo ou prefixo e sufixo, modificando o tema ou a classe gramatical. Composição A composição, como processo de formação de palavras em língua portuguesa, ocorre quando se combinam dois ou mais radicais. Exemplos: � Dedo-duro � Beija-flor � Auriverde A composição acontece com a união de vocábulos já existentes na língua, como em quebra-nozes. Entretanto, também pode ocorrer pela combinação de bases consideradas não autônomas. Diferentemente do processo de derivação, no qual se registra apenas um radical primário, nos processos de composição existem duas ou mais raízes. Entretanto, no processo de composição, os vocá- bulos existentes perdem a significação para formar um novo conceito e nomear outro objeto da língua. Tomemos o exemplo de beija-flor: separadamente, tem-se beija e flor; quando unidos por composição, indicam um pássaro, ou seja, criam um novo conceito. Vocábulos compostos comutam com aqueles simples, também ocorrendo o movimento contrário. Contribuições da gramática descritiva Conforme Bechara (2010), a renovação do léxico está associada à criação de novas palavras. Para este gramático, as múltiplas atividades dos falantes, no convívio em sociedade, favorecem a criação de palavras, de forma a atender necessidades culturais, científicas e comunicacionais. Nesse âmbito, encontra- mos os neologismos, como expressão efetiva dessa necessidade renovadora, 7Processos de formação das palavras e os arcaísmos,como aquelas palavras que, por falta de uso, deixam de ser utilizadas por determinada comunidade linguística. Em alguns casos, os arcaísmos permanecem, demarcando comunidades mais conservadoras. Conforme a gramática descritiva, os neologismos, ou criações novas, são inseridos na língua por diversos caminhos. O primeiro deles ocorre por meio dos elementos que já existem na língua, sendo estes palavras, prefixos ou sufixos. Eles podem combinar-se e emitir delimitações com significado usual ou mudança de significado. Como processos formais, temos a composição e a derivação, mas também os empréstimos. Estes ocorrem por incorporação de termos de outras línguas — traduzidos ou não — ao português. Portanto, podemos inferir que a gramática descritiva contribui na descrição e no registro das variedades linguísticas de certo momento de uma língua. Trata-se de uma abordagem sincrônica que descreve as unidades existentes na língua, as categorias linguísticas disponíveis, os tipos de construção que são possíveis e a função dos elementos. Indica, ainda, as condições de uso de cada um deles. Dessa forma, a gramática descritiva contribui para que os falantes compreendam a variedade da língua, não apenas da língua culta. Sendo assim, o que há de registro oral também é validado por essa abordagem. Evitando as noções de erro e de acerto, a gramática descritiva identifica as formas de expressão existentes em determinado tempo, evidenciando, portanto, que não há língua uniforme. BASÍLIO, M. Formação e classes de palavras no português do Brasil. São Paulo: Contexto: 2004. BECHARA, E. Gramática escolar da língua portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fron- teira, 2010. CAMARA JR., J. M. Estrutura da língua portuguesa. 34. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2001 MARGOTTI, F. W.; MARGOTTI, R. C. M. F. Morfologia do português. Florianópolis: UFSC, 2008. ROCHA, L. C. A. Estruturas morfológicas do português. Belo Horizonte: UFMG, 1998. SCALISE, S. Morfologia. Bologna: il Mulino, 1994. Processos de formação das palavras8 Leituras recomendadas LEMOS, M. Mecanismo da flexão verbal e desvios do padrão geral. In: MONTEIRO, J. L. Morfologia portuguesa. 4. ed. Campinas, SP: Pontes, 2002. MIOTO, C.; SILVA, M. C. F.; LOPES, R. E. V. Novo manual de sintaxe. Florianópolis: Insular, 2005. 9Processos de formação das palavras Conteúdo: MORFOSSINTAXE I Nádia Castro Predicação nominal e complementos nominais Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: � Identificar a relação entre as classes de palavras e suas funções sintáticas. � Reconhecer a relação entre morfologia e sintaxe. � Analisar a construção do predicado nominal e seus papéis temáticos. Introdução Com a leitura deste capítulo, você vai compreender cada vez mais a morfossintaxe. Você vai conhecer alguns aspectos referentes às classes de palavras, sobretudo no contexto da predicação nominal e dos com- plementos nominais. Os objetivos estão centrados na determinação da relação entre as classes de palavras e suas funções sintáticas; no estabelecimento da relação entre morfologia e sintaxe e também na análise da construção dos elementos que compõem o predicado nominal e seus papéis temáticos na estruturação dos textos em língua portuguesa. Classes de palavras e funções sintáticas As classes de palavras, também denominadas categorias lexicais, são elementos que pertencem ao léxico. Dessa forma, em língua portuguesa, são encontradas dez diferentes classes de palavras. São elas: � Substantivo � Adjetivo � Artigo � Pronome � Numeral � Verbo � Advérbio � Preposição � Conjunção � Interjeição A classe de palavras denominada substantivo, por exemplo, é definida desta forma por sua propriedade semântica de designar seres ou entidades. Pela sua propriedade morfológica, apresenta determinação de flexão de gênero e número e pela propriedade sintática ocupa o núcleo do sujeito e complementos. Portanto, cada uma das categorias lexicais é denominada de acordo com os três critérios: morfológico, semântico e sintático. Nesta análise, vamos nos valer do critério sintático para a caracterização das dez classes gramaticais. Logo, o substantivo é um termo determinado e ocupa o núcleo de uma expressão, ou seja, é sintagma nominal. Os adjetivos, como segunda classe lexical, é composta de termos determinantes, ou seja, é representada por termos que qualificam o substantivo a que fazem referência, portanto, concordam em gênero e número com ele. Substantivo: termo determinado com posição de núcleo (N) de uma expressão (sintagma nominal). Exemplo: A bola (N) caiu. Adjetivo: termo determinante do substantivo a que se refere; termos, estes, que qualificam o substantivo e concordam em gênero e número com N. Exemplo: A pequena (adjetivo feminino singular que determina o substantivo feminino bola) bola caiu. A terceira classe de palavras engloba outros termos determinantes, são eles os artigos. Estes determinam ou indeterminam o substantivo (N) a que se referem. Esta classe de palavras também concorda em gênero e número com o núcleo do sintagma nominal. Em seguida, temos os pronomes, como quarta classe de palavras. Estes itens especificam o substantivo, e nesta situação são determinantes, ou substituem o substantivo, nesta situação passam a ser termos determinados (BECHARA, 2005). Predicação nominal e complementos nominais2 Artigo: termo (in)determinante do substantivo; concorda em gênero e número. Exemplo: A (artigo feminino singular, determina o substantivo feminino bola) bola (N) caiu. Pronome: termo determinante do substantivo a que se refere; termo, este, que qualifica o substantivo e concorda em gênero e número com N. Exemplo: A minha (pronome feminino singular que determina o substantivo fe- minino bola) pequena bola caiu. Pode substituir o substantivo. Exemplo: Ela caiu. Os verbos como classe de palavras, do ponto de vista sintático, são predi- cadores que selecionam e relacionam os termos da oração. Mas, podem ser, também, de ligação, e expressar noções gramaticais de tempo, modo, aspecto número e pessoa. Dessa forma, junto com o nome, compõem a predicação. Após os verbos, temos o advérbio como sétima classe lexical. Como termos determinantes, os advérbios especificam a significação do termo a que se referem (BECHARA, 2005). Verbo: predicadores (selecionam e relacionam os termos da oração) ou de ligação (expressam noções gramaticais). Exemplos: A bola quebrou (verbo predicador) o vidro. A bola é (verbo de ligação) pesada. Advérbio: termo determinante do substantivo a que se refere; este tipo de classe, especifica a significação do termo a que se refere. Exemplo: A bola furou ontem (noção de tempo para o verbo furar). A preposição, como classe de palavras, é identificada pela sua característica sintática de conexão dos elementos da oração, subordinando-os. A conjunção também conecta termos, mas pode subordinar ou coordenar elementos. Já a classe lexical composta pelas interjeições tem função sintática de frase, pois apresenta sentido completo (BECHARA, 2005). 3Predicação nominal e complementos nominais Preposição: conecta e subordina elementos da oração. Exemplo: A bola da Joana furou. (preposição de + artigo a = da, preposição que subordina o elemento bola à Joana) Conjunção: responsável por conectar termos, mas pode subordinar ou coor- denar os elementos. Exemplos: Ela perdeu a bola porque foi desatenta. (conjunção subordinativa adver- bial causal; logo, a causa de perder a bola foi a desatenção) Julia gosta de jogar bola, mas também de ler. (conjunção coordenativa: Julia gosta de jogar bola/Julia gosta de ler; logo, conjunção coordenativa aditiva) Interjeição: estes termos apresentam sentido completo, logo, têm função sintática de frase. Exemplo: Puxa! A bola furou! (puxa = interjeição que sintetiza uma frase exclamativa) Conforme você pode identificar, as classes de palavras em língua portu- guesasão representadas por dez grupos específicos. Cada um deles apresenta determinada classificação conforme critérios semânticos, morfológicos e sintáticos. Nesta etapa de leitura, o estudo está concentrado na análise sintática das classes lexicais. Certo? Com relação às funções sintáticas desempenhadas pelas diferentes classes gramaticais temos algumas definições. Os substantivos exercem por excelência a função de sujeito (ou núcleo do sujeito) da oração e, no domínio da cons- tituição do predicado, podem exercer função de objeto direto, complemento relativo, objeto indireto, predicativo, adjunto adnominal e adjunto adverbial. Os adjetivos, como classe de palavras que se relaciona diretamente com os substantivos, podem desempenhar função sintática de adjunto adnominal ou de predicativo. Como predicativo ele é necessário para completar o sentido da oração. Observe: O dia está bonito. (O dia está . Neste caso, o adjetivo funciona como predicativo, completa o sentido da oração e qualifica o substantivo dia.) Predicação nominal e complementos nominais4 O dia belo começava com o raiar no horizonte. (Neste caso, o adjetivo desempenha função sintática de adjunto adnominal, não sendo um termo necessário — O dia começava com o raiar no horizonte — e qualifica o substantivo dia.) Os artigos, como terceira classe de palavras, conforme ordem de apresen- tação neste material, são termos que sintaticamente desempenham função de adjunto adnominal, uma vez que sempre se referem a um substantivo — ou a uma palavra por ele substantivada — e indicam seu gênero e seu número. Exemplo: Ninguém entendeu o porquê dessa fúria. O pronomes, como classe de palavras que reúne termos que especifi- cam e que substituem o substantivo, podem desempenhar diversas funções quando estabelecidas relações sintáticas entre os elementos que compõem as orações. Entre elas, podem desempenhar papel de sujeito. Por exemplo, em uma estrutura como: Eles chegaram cedo. Mas o pronome também pode ser classificado sintaticamente como objeto indireto. Exemplo: Não fale nada para ele. E também como predicativo do sujeito: As culpadas foram elas. Em tempo: os pronomes podem desempenhar função sintática de adjunto adnominal. Exemplo: Muitos viajantes desistiram da viagem por causa do preço do dólar. Com relação aos numerais, é preciso observar, primeiramente, se eles estão substituindo ou acompanhando o substantivo. Nas orações em que o numeral é substantivo, ele pode desempenhar as mesmas funções do substantivo. Logo, pode ser sujeito, objeto direto, complemento relativo, objeto indireto, 5Predicação nominal e complementos nominais predicativo, adjunto adnominal e adjunto adverbial. Nesta primeira situação, temos o seguinte exemplo de numeral substantivo: Um é pouco e três é demais. Agora, o numeral adjetivo, como aquele que acompanha um substantivo, a função sintática possível é de adjunto adnominal. Neste segundo caso, temos o exemplo: Duas pessoas compareceram à aula. Os verbos, como uma extensa classe de palavras, desempenham função sintática de núcleo do predicado verbal. Todas as orações são organizadas em torno de um verbo (ou ausência de um) ou de uma locução verbal e o verbo sempre faz parte do predicado. Logo, os verbos desempenham função sintática de núcleo do predicado verbal. Nos casos dos verbos de ligação eles não desempenham papel de núcleo do predicado. Neste caso, eles ligam dois elementos da oração: o sujeito e o seu predicativo. Advérbio desempenha na oração papel de adjunto adverbial. Estes termos são de natureza nominal ou pronominal e se referem ao verbo, ou ainda, dentro de um grupo nominal unitário, a um adjetivo ou um outro advérbio (nesse caso como intensificador). Exemplo: Maria é muito boa escritora. (o advérbio refere-se ao adjetivo boa) Maria escreve muito bem. (o advérbio refere-se ao advérbio bem) A preposição não desempenha papel sintático nas orações. Elas estabelecem conexão entre elementos (próximo do descrito anteriormente para os verbos de ligação). É por este fato que são classificadas como conectivas ou palavras relacionais. Mas lembre-se de que as preposições são fundamentais para a coesão textual. Além dessas, as conjunções também desempenham papel de elementos de ligação. Nesse caso, a morfossintaxe da língua identifica as conjunções como conectivos. A última classe de palavras, ou seja, a das interjeições, faz o fechamento desta etapa da leitura. Esse grupo lexical abrange as expressões com que os indivíduos traduzem os seus estados emotivos. As interjeições têm existência autônoma e, a rigor, constituem verdadeiras orações. Elas podem assumir papel de unidades interrogativas-exclamativas e também de chamamento, desempenhando, neste caso, papel de vocativo. Predicação nominal e complementos nominais6 Relação entre morfologia e sintaxe Conforme vimos até o momento, a análise desenvolvida para a interpretação das possíveis funções sintáticas das classes de palavras está diretamente rela- cionada com a análise sintática e morfológica dos elementos que compõem a língua portuguesa. Apenas é possível delimitar a função sintática das palavras, a partir da relação que elas estabelecem com os outros termos da oração. À morfologia cabe o estudo da estrutura, da formação e da classificação das palavras. Neste campo de estudo, olhamos para as palavras de forma isolada. É no contexto da morfologia que identificamos as dez classes de palavras, os seus respectivos integrantes e as suas especificidades (ROCHA, 1998). À sintaxe, por sua vez, investiga a disposição das palavras que compõem as frases e as orações. Ou seja, na relação entre os elementos (relações sintáticas) podemos identificar diferentes funções sintáticas para uma mesma classe gramatical. É por este caráter de análise relacional que um substantivo pode desempenhar função de sujeito e em outra situação pode ser classificado sintaticamente como objeto direto. Logo, a relação entre morfologia e sintaxe é denominada morfossintaxe, ou seja, neste contexto, analisamos as palavras e identificamos as classes as quais elas pertencem (substantivo, artigo, adjetivo, pronome, numeral, verbo, advérbio, preposição, conjunção e interjeição), mas, uma vez complementada pela análise sintática, os elementos das classes de palavras podem ser: sujeito, predicado, objeto direto, objeto indireto, predicativo do sujeito, predicativo do objeto, complemento nominal, agente da passiva, adjunto adnominal, adjunto adverbial e aposto. Dessa forma, é na análise simultânea que podemos delimitar as funções sintáticas das classes gramaticais. Morfologicamente, as classes são estáticas, mas sintaticamente se movimentam e um mesmo elemento pode desempenhar diferentes funções. A função sintática que a palavra desempenha é definida pela relação que ela esta- belece com os outros elementos da oração. Podemos definir essa função apenas por meio da análise sintática. É a língua em uso! A classe gramatical da palavra é definida de forma isolada. Ou seja, é a análise morfológica da palavra independentemente da posição dela na oração. É a língua fora do uso! 7Predicação nominal e complementos nominais Predicado nominal Na relação entre sujeito e predicado temos que o primeiro grupo, corretamente identificado, exerce função sintático-semântica chamando-se sujeito, e o se- gundo grupo exerce função sintático-semântica chamada de predicado. Logo: Sujeito Predicado As mulheres desejam paz. Eu estudo língua portuguesa. Muitas crianças viram os brinquedos. O sol é um astro luminoso. O bom filho reconhece o esforço dos pais. Neste momento, vamos concentrar a nossa análise para conhecer melhor o predicado com seu núcleo e determinantes. A primeira informação que você precisa destacar é a de que o núcleo do predicado é constituído pela classe de palavras denominada verbo. Segundo, o predicado de uma oração pode ser simples ou complexo, conforme o conteúdo léxico doverbo que lhe serve de núcleo (BECHARA, 2005, p. 414). Não detalharemos os predicados complexos, apenas os citamos, pois nosso objetivo é olhar para a construção do predicado nominal e os papéis temáticos que ele pode assumir. Dessa forma, como tipos de argumentos determinantes do predicado complexo temos o complemento direto ou objeto direto, o objeto direto preposicionado, a preposição como posvérbio, o complemento relativo. O complemento objeto indireto, o complemento predicativo, entre alguns outros. Mas é válido diferenciar o predicado verbal do predicado nominal. O que acontece é um esvaziamento do signo léxico representado pelo verbo. O que é superado pela inserção de um nome (substantivo ou adjetivo) e a concordância do predicativo em gênero e número com o sujeito. Assim, tem-se predicado verbal (Paula dança) e predicado nominal (Paula é dançarina). Nos predicados nominais retira-se do verbo o status de verbo, pois a sua missão gramatical se restringiria a ligar o predicativo ao sujeito. Por este fato, denominados copulativos, de ligação ou relacionais. Conclui-se que o predicado nominal é composto de um verbo de ligação e do seu complemento, denominado predicativo (ALMEIDA, 2009, p. 418). Predicação nominal e complementos nominais8 Nesse contexto, a realidade comunicada residiria no nome predicativo e o verbo seria apenas o marcador do tempo, modo e aspecto da oração. As- sim, é possível definir que o predicado do tipo nominal apresenta a seguinte constituição: Predicado nominal: � Tem como núcleo um nome (substantivo ou adjetivo). � Um verbo de ligação e um predicativo do sujeito fazem parte da sua formação. � Tem função de indicar estado ou qualidade dos nomes (dos núcleos). Nos exemplos a seguir, destaca-se o predicado nominal, conforme exigên- cias de constituição. Observe: Ela está feliz. está = verbo de ligação feliz = predicativo do sujeito A natureza é imprevisível. é = verbo de ligação imprevisível = predicativo do sujeito O homem parecia calmo. parecia = verbo de ligação calmo = predicativo do sujeito Nos predicados nominais percebemos, conforme exemplos acima, um núcleo que é sempre um nome, desempenhando a função de predicativo do sujeito. Como intermediário dos dois, temos um verbo de ligação que, conforme o nome enuncia, estabelece a ligação entre o sujeito e o predicado nominal. Agora, é importante destacar a questão do papel temático desempenhado pelo predicado nominal. Parte-se do pressuposto de que o sujeito é o ponto de partida 9Predicação nominal e complementos nominais e o que se diz dele é o predicado. Dessa forma, conforme Câmara Jr. (2001), mesmo sem uma posição extremamente rígida, há colocações mais usuais. Ou seja, o princípio básico é a articulação sujeito-predicado, em que se atribui ao segundo (predicado) a responsabilidade do valor informativo. O sujeito, por esta interpretação, é o tema da informação que está contida no predicado. ALMEIDA, N. M. Gramática metódica da língua portuguesa. 46. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. BECHARA, E. Moderna gramática portuguesa. 37. ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 2005. CAMARA JR., J. M. Estrutura da língua portuguesa. 34. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2001. ROCHA, L. C. A. Estruturas morfológicas do português. Belo Horizonte: UFMG, 1998. Leituras recomendadas BECHARA, E. Gramática escolar da língua portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fron- teira, 2010. CEGALLA, D. P. Novíssima gramática da língua portuguesa. 47. ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2008. MIOTO, C.; SILVA, M. C. F.; LOPES, R. E. V. Novo manual de sintaxe. Florianópolis: Insular, 2005. Predicação nominal e complementos nominais10 Conteúdo: ROBERTA AZEVEDO 2015 Azevedo_Iniciais_ed_Impresso_final.indd iii 30/04/2015 09:34:32 Versão impressa desta obra: 2015 A993p Azevedo, Roberta. Português básico [recurso eletrônico] / Roberta Azevedo. – Porto Alegre : Penso, 2015. e-PUB Editado como livro impresso em 2015. ISBN 978-85-8429-055-0 1. Português - Fundamentos. I. Título. CDU 811.134.3 Catalogação na publicação: Poliana Sanchez de Araujo – CRB 10/2094 Azevedo_Iniciais_ed_Impresso_final.indd ii 30/04/2015 09:34:32 25CLASSES GRAMATICAIS SUBSTANTIVO Substantivos são palavras que usamos para designar ou nomear seres em geral, se- jam eles reais ou imaginários. Formalmente falando, pode-se dizer que os substantivos são palavras que podem apresentar fl exões de gênero, número e grau, que podem ou não vir precedidas de artigos ou pronomes. Ao se observar os substantivos do ponto de vista funcional, pode-se dizer que eles caracterizam-se por serem núcleos dos sintagmas nominais de nossa língua. Assim, os substantivos são as palavras que constituem: ▶ Sujeitos (A festa estava ótima.) ▶ Objetos diretos (Peguei o bolo da festa.) ▶ Objetos indiretos (Dei o presente à criança.) ▶ Predicativos do sujeito (Você parecia criança ao ver a festa.) ▶ Predicativos do objeto (Considero você uma criança.) ▶ Complementos nominais (O choro do menino era horrível.) ▶ Adjuntos adnominais (Isto é choro de criança.) ▶ Adjuntos adverbiais (Saí com o rapaz.) ▶ Agentes da passiva (O vidro da janela foi quebrado pela criança.) ▶ Apostos (Minha vida, uma longa história, passou devagar.) ▶ Vocativos (Filho, arrume a cama!) CLASSIFICAÇÃO DOS SUBSTANTIVOS ▶ Substantivos concretos ou abstratos Os substantivos concretos designam seres que têm existência independente de ou- tros seres, podendo ser reais ou imaginários. Ex.: livro, Deus, ar, Roberta, vela, etc. Azevedo_Cap_03.indd 25 29/04/2015 16:24:51 26 português básico Já os substantivos abstratos estabelecem a designação de seres que possuem exis- tência dependente de outro. Ou seja, sua ocorrência sempre está vinculada à existên- cia de um outro ser, sendo portanto, abstrações. Ex.: amor, ódio, limpeza, doença, colheita, etc. ▶ Substantivos próprios, comuns e coletivos Os substantivos próprios nomeiam seres específi cos dentro de uma determinada es- pécie, tornando esses seres únicos dentro de um grupo maior (espécie). Ex.: Roberta, Bom Despacho, Minas Gerais, Brasil. Os substantivos comuns estabelecem referência a seres em geral, ou seja, todos de uma mesma espécie, não havendo, portanto, especifi cações. Ex.: mulher, cidade, estado, país, lápis, fl or. Já os substantivos coletivos são aqueles que, embora estejam na forma singular, de- signam um conjunto de seres/elementos da mesma espécie. A seguir veja uma lista de substantivos coletivos. ▶ SUBSTANTIVO COLETIVO ▶ CONJUNTO DE ALCATEIA LOBOS ARQUIPÉLAGO ILHAS ARSENAL ARMAS, MUNIÇÕES ATLAS MAPAS BANCA EXAMINADORES BANDO AVES, CIGANOS, SALTEADORES BATALHÃO SOLDADOS CACHO BANANAS, UVAS CÁFILA CAMELOS CARAVANA VIAJANTES CÂMARA DEPUTADOS, SENADORES, VEREADORES COLMEIA ABELHAS Azevedo_Cap_03.indd 26 29/04/2015 16:24:51 27CLASSES GRAMATICAIS CONSTELAÇÃO ESTRELAS DISCOTECA DISCOS ELENCO ARTISTAS ESQUADRA NAVIOS DE GUERRA ESQUADRILHA AVIÕES EXÉRCITO SOLDADOS FEIXE LENHA, CAPIM FLORA PLANTAS DE UMA REGIÃO FAUNA ANIMAIS DE UMA REGIÃO JUNTA BOIS, MÉDICOS, EXAMINADORES LEGIÃO SOLDADOS, ANJOS, DEMÔNIOS MANADA BOIS, BÚFALOS, ELEFANTES MATILHA CÃES DE RAÇA MOLHO CHAVES, VERDURAS MULTIDÃO PESSOAS PENCA FRUTOS QUADRILHA LADRÕES, MALFEITORES RÉSTIA ALHOS, CEBOLAS SÉCULO PERÍODO DE CEM ANOS TRIPULAÇÃO TRIPULANTES VARA PORCOS VOCABULÁRIO PALAVRAS SIMPLES E COMPOSTOS Os substantivos simples constituem-se de um único radical. Ex.: cama, roupa, menino. Já os substantivos compostos são formados por mais de um radical. Ex.: guarda-roupa, pé-de-meia, limpa-vidro. Azevedo_Cap_03.indd 27 29/04/2015 16:24:51 28 português básico PRIMITIVOS E DERIVADOS São chamados de substantivos primitivos aqueles que não se originam de nenhum outro radical de nossa língua, ao contrário, eles é que dão origem a novas palavras. Ex.: pedra, bola, fl or, cabeça. Os substantivos derivados são aquelesque têm sua origem ligada a algum outro radi- cal de nossa língua. Ex.: pedregulho, bolota, fl orista, cabeçote. FLEXÃO DOS SUBSTANTIVOS A fl exão é a modifi cação do substantivo de acordo com o gênero (masculino ou femi- nino), número (singular ou plural) ou grau (aumentativo ou diminutivo). ▶ Flexão de gênero A língua portuguesa apresenta dois gêneros: masculino e feminino. Pertencem ao gênero masculino os substantivos que podem ser antecedidos pelo artigo masculino. Veja o uso dos substantivos masculinos na fábula transcrita a se- guir. FÁBULA: O LOBO E O CORDEIRO Um cordeiro estava bebendo água num riacho. O terreno era inclinado e por isso ha- via uma correnteza forte. Quando ele levantou a cabeça avistou um lobo, também bebendo da água. – Como é que você tem a coragem de sujar a água que eu bebo - disse o lobo, que estava há alguns dias sem comer e procurava algum animal apetitoso para matar a fome. – Senhor - respondeu o cordeiro - não precisa fi car com raiva porque eu não estou sujando nada. Bebo aqui, uns vinte passos mais abaixo, é impossível acontecer o que o senhor está falando. – Você agita a água - continuou o lobo ameaçador - e sei que você andou falando mal de mim no ano passado. Azevedo_Cap_03.indd 28 29/04/2015 16:24:51 29CLASSES GRAMATICAIS – Não pode - respondeu o cordeiro - no ano passado eu ainda não tinha nascido. O lobo pensou um pouco e disse: – Se não foi você foi seu irmão, o que dá no mesmo. – Eu não tenho irmão - disse o cordeiro - sou fi lho único. – Alguém que você conhece, algum outro cordeiro, um pastor ou um dos cães que cuidam do rebanho, e é preciso que eu me vingue. Então ali, dentro do riacho, no fundo da fl oresta, o lobo saltou sobre o cordeiro, agarrou-o com os dentes e o levou para comer num lugar mais sossegado. MORAL: A razão do mais forte é sempre a melhor. Fonte: La Fontaine (c2005-2015). Fonte: alexjuve/iStock/Thinkstock. Observe que os substantivos masculinos geralmente estão antecedidos por um ar- tigo defi nido ou indefi nido “o cordeiro”, “o lobo”, “um pastor”, “um dos cães”. Entre- tanto, nem sempre a presença do artigo está explícita no texto, cabendo ao leitor sua pressuposição. Existem, ainda, alguns substantivos que podem suscitar dúvidas com relação ao gê- nero gramatical a que pertencem. É o caso dos seguintes substantivos masculinos: O ANEURISMA, O CHAMPANHA, O CLÃ, O CONTRALTO, O DIABETE, O DÓ (COMPAIXÃO), O ECLIPSE, O ECZEMA, O FORMICIDA, O GENGIBRE, O GRAMA (PESO), O GUARANÁ, O LANÇA-PERFUME, O SOPRANO, O TELEFONEMA Azevedo_Cap_03.indd 29 29/04/2015 16:24:51 30 português básico Formação do feminino A formação do gênero gramatical feminino na língua portuguesa ocorre de duas for- mas: por meio de processos centrados nos radicais e pela fl exão. Processo centrado nos radicais A diferenciação entre masculino ou feminino é clara, visto que a distinção é feita atra- vés dos radicais. Isso acontece com os substantivos chamados “heterônimos”, ou seja, apresentam uma forma para o masculino e outra forma para o feminino. Observe: BOI – VACA HOMEM – MULHER CAVALO – ÉGUA Há também a formação do feminino através do acréscimo das palavras “macho” e “fêmea” após o radical. Esses são os chamados substantivos epicenos. A BORBOLETA MACHO – A BORBOLETA FÊMEA O BESOURO MACHO – O BESOURO FÊMEA A COBRA MACHO – A COBRA FÊMEA É possível, ainda, a indicação do gênero de determinado substantivo através da ante- posição de determinantes aos radicais. Nesse caso, os substantivos recebem o nome de “comuns de dois gêneros”. O DENTISTA – A DENTISTA O ARTISTA – A ARTISTA O SELVAGEM – A SELVAGEM Há também aqueles substantivos que a partir do seu gênero gramatical específi co podem designar indivíduos de ambos os sexos. Veja: A CRIANÇA O CÔNJUGE A VÍTIMA Azevedo_Cap_03.indd 30 29/04/2015 16:24:51 31CLASSES GRAMATICAIS Formação do feminino pela fl exão (mudança na terminação da palavra) Nos casos em que ocorre a formação do feminino pela mudança na terminação da palavra, diz-se que o masculino é o termo não marcado e que o feminino é o termo marcado. O morfema específi co para determinar nomes femininos na língua portu- guesa é o sufi xo –a. Observe como ocorre a formação do feminino na língua através do acréscimo do sufi xo –a: Suprime-se a vogal temática –o e acrescenta-se o morfema feminino –a. MENINO – MENINA ALUNO – ALUNA GATO – GATA Acrescenta-se o morfema –a àqueles substantivos sem vogal temática na forma mas- culina e com o radical terminado em consoante. PROFESSOR – PROFESSORA DOUTOR – DOUTORA CHINÊS – CHINESA Substantivos terminados em –ão formam o substantivo feminino quando terminados em –oa, –ã ou –ona: LEÃO – LEOA PATRÃO – PATROA IRMÃO – IRMÃ COMILÃO – COMILONA ▶ Flexão de número A fl exão de número ocorre quando há manifestação do substantivo sobre a forma singular ou plural. As formas marcadas, em termos e fl exão de número, pelo morfema –s são as do plural, e as não marcadas, as do singular. Vejamos as regras de formação do plural: Azevedo_Cap_03.indd 31 29/04/2015 16:24:51 32 português básico Substantivos terminados em vogal ou ditongo. Regra geral: acrescenta-se o morfema –s. BOLA – BOLAS CARRO – CARROS BOI – BOIS A mesma regra deve ser seguida quando o substantivo terminar com a letra “m”. Neste caso, troca-se o “m” pelo “n” e acrescenta-se o morfema –s. ATUM – ATUNS ÁLBUM – ÁLBUNS SOM – SONS Substantivos terminados em –ão. Os substantivos terminados em –ão fazem o plural de três maneiras: troca-se o –ão por –ões, troca-se o –ão por –ães ou acrescenta-se o morfema –s à forma singular do substantivo. BALÃO – BALÕES CAMINHÃO – CAMINHÕES PÃO – PÃES ALEMÃO - ALEMÃES CIDADÃO – CIDADÃOS MÃO – MÃOS Substantivos terminados em consoante Acrescenta-se –es à forma singular dos substantivos terminados em –r, –z ou –n. AÇÚCAR = AÇÚCARES XADREZ = XADREZES Azevedo_Cap_03.indd 32 29/04/2015 16:24:52 33CLASSES GRAMATICAIS Substantivos oxítonos terminados em –s recebem a terminação –es, mas se forem paroxítonos ou proparoxítonos são invariáveis. FREGUÊS = FREGUESES PORTUGUÊS = PORTUGUESES LÁPIS = OS LÁPIS ÔNIBUS = OS ÔNIBUS Substantivos terminados em –al, –el, –ol, –ul troca-se –l por –is. JORNAL = JORNAIS PAPEL = PAPÉIS ÁLCOOL = ÁLCOOIS AZUL = AZUIS Substantivos terminados em –il troca-se –l por –s, se oxítonos, e quando terminados em –el troca-se –l por –is, se paroxítonos. FUZIL = FUZIS PROJÉTIL = PROJÉTEIS Substantivos que fazem o diminutivo em –zinho e aumentativo em –zão exigem mar- cação de plural não somente do sufi xo, mas também no radical (perde-se o –s do plural no radical): PAPELZINHO = PAPEIZINHOS (PAPÉI (S)+ ZINHOS) BARZINHO = BAREZINHOS (BARE (S) + ZINHOS) Substantivos compostos Nos substantivos compostos não ligados por hífen apenas o segundo radical vai para o plural. AGUARDENTE = AGUARDENTES LOBISOMEM = LOBISOMENS Azevedo_Cap_03.indd 33 29/04/2015 16:24:52 34 português básico Nos substantivos compostos ligados por hífen há três possibilidades de realização do plu- ral: Apenas o primeiro radical vai para o plural (quando os radicais são ligados por prepo- sição ou quando o segundo elemento especifi ca o primeiro). PÉ-DE-CABRA = PÉS-DE-CABRA PIMENTA-DO-REINO = PIMENTAS-DO-REINO Apenas o segundo radical vai para o plural (quando o primeiro radical é verbo ou pa- lavra invariável). GUARDA-CHUVA = GUARDA-CHUVAS VICE-PRESIDENTE = VICE-PRESIDENTES Ambos os radicais vão para o plural (compostos formados por palavras variáveis). CARTÃO-POSTAL = CARTÕES-POSTAIS AMOR-PERFEITO = AMORES-PERFEITOS ▶ Flexão de grau Na língua portuguesa os substantivos podem ser utilizados no grau normal, aumen- tativo ou diminutivo. Para marcar a variação de grau são utilizados dois processos: Sintético: a partir do uso de sufi xos aumentativos ou diminutivos acrescentados ao radical da palavra.MENINO = MENININHO = MENINÃO BONECA= BONEQUINHA= BONECONA Analítico: através do acréscimo de um adjetivo que indique aumento ou redução da ideia de tamanho. MENINO = MENINO PEQUENO = MENINO GRANDE BONECA= BONECA MINÚSCULA= BONECA GRANDE Azevedo_Cap_03.indd 34 29/04/2015 16:24:52 35CLASSES GRAMATICAIS O uso do aumentativo e diminutivo podem indicar, além da redução ou aumento de tamanho, alterações no valor semântico do substantivo, manifestando assim a subje- tividade da linguagem através de conotações afetivas ou depreciativas. Veja: ▶ Amorzinho = conotação afetiva ▶ Amigão= conotação afetiva ▶ Jornaleco = conotação depreciativa ▶ Mulherzinha = conotação depreciativa É preciso esclarecer que o valor semântico do aumenta- tivo ou diminutivo está intimamente ligado ao contexto de uso, portanto, é necessário estar atento ao contexto no qual estão sendo utilizadas as formas diminutiva e au- mentativa. ARTIGO Artigo é a palavra que, vindo antes de um substantivo, indica se ele está sendo em- pregado de maneira defi nida ou indefi nida, indicando ao mesmo tempo, o gênero e o número dos substantivos. O artigo defi nido indica um ser determinado no interior de uma espécie. São artigos defi nidos: o, a, os, as. A LÂMPADA ACABOU DE QUEIMAR. O artigo indefi nido indica um sentido genérico, apresentando um ser/elemento de forma indefi nida e muitas vezes vaga. São artigos indefi nidos: um, uma, uns, umas. UMA LÂMPADA ACABOU DE QUEIMAR. Azevedo_Cap_03.indd 35 29/04/2015 16:24:52 36 português básico Fonte: ratch0013/iStock/Thinkstock. ADJETIVO Adjetivos são palavras que caracterizam os substantivos. Assim, pode-se dizer que ele é o elemento determinante e o substantivo é o elemento determinado, pois, ao adjetivo dá-se a função de ampliar ou limitar o sentido de um substantivo. Note: HOMEM HONESTO, MULHER ESPERTA, CRIANÇA CHORONA Quanto à formação os adjetivos, dividem-se em primitivos ou derivados, simples ou compostos. ADJETIVOS PRIMITIVOS São aqueles que possuem radicais indicadores de características, independente de seres ou ações que os representem. AZUL, PEQUENO, TRISTE, ESCURO, VERMELHO ADJETIVOS DERIVADOS São aqueles formados a partir de outros radicais. AZULADO, ENTRISTECIDO, DESCONFORTÁVEL, APAVORADO Azevedo_Cap_03.indd 36 29/04/2015 16:24:52 37CLASSES GRAMATICAIS Ainda dentro dos adjetivos derivados é preciso mencionar a existência dos adjetivos pátrios, que são substantivos derivados que se referem ao local de origem de deter- minado elemento. BRASILEIRO, MINEIRO, PAULISTA, BELO-HORIZONTINO, CATARINENSE ADJETIVOS SIMPLES Apresentam um único radical. GRANDE, ESPECIAL, BRANCO, INFELIZ, AMEDRONTADO ADJETIVOS COMPOSTOS Formados por mais de um radical. VERMELHO-SANGUE, SOCIOECONÔMICO, LUSO-BRASILEIRO ▶ Flexão dos adjetivos Assim como os substantivos, os adjetivos também fl exionam-se em gênero, número e grau, pois os adjetivos devem acompanhar e concordar com os substantivos que determinam. Logo, se o adjetivo determina um substantivo feminino no plural, ele também deve estar na forma feminina e no plural: AS MENINAS BONITAS. Fonte: KakigoriStudio/iStock/Thinkstock. Azevedo_Cap_03.indd 37 29/04/2015 16:24:52 38 português básico Flexão de gênero Os adjetivos não possuem gênero defi nido, eles adquirem o gênero do substantivo que determinam. Assim, quanto ao gênero, podemos dizer que eles classifi cam-se como biforme ou uniforme. Biformes são os adjetivos que apresentam duas formas: uma para o masculino e ou- tra para o feminino. Observe: BONITO = BONITA MAGRO = MAGRA ALTO = ALTA Para a formação do feminino dos adjetivos veremos agora algumas regras: Adjetivos terminados em –o fazem o feminino trocando essa terminação por –a: MENINO ESPERTO = MENINA ESPERTA Adjetivos terminados em –u , -ês ou –or recebem o acréscimo do sufi xo –a: ARROZ CRU = CARNE CRUA HOMEM PORTUGUÊS = MULHER PORTUGUESA Alguns adjetivos terminados em –dor e –tor trocam essa terminação por –triz, ou substituem –or por –eira: IMPULSO MOTOR = FORÇA MOTRIZ HOMEM TRABALHADOR = MULHER TRABALHADEIRA Adjetivos terminados em –ão fazem o feminino com –ã ou –ona: HOMEM CRISTÃO = MULHER CRISTÃ MENINO COMILÃO = MENINA COMILONA Azevedo_Cap_03.indd 38 29/04/2015 16:24:52 39CLASSES GRAMATICAIS Os adjetivos que têm terminação em ditongo –eu fazem o feminino em –eia: ATOR EUROPEU = ATRIZ EUROPEIA Os terminados em –éu formam o feminino em –ao: ILHÉU = ILHOA É preciso mencionar também a exceção do adjetivo mau, que forma o feminino com a forma má. Quanto aos adjetivos compostos biformes, a maioria fl exiona no gênero feminino ape- nas o segundo elemento: Consultório médico-dentário = clínica médico-dentária ▶ Azul-marinho (que é uniforme) e surdo-mudo, cujos dois elementos fl exionam-se no gênero feminino (sur- da-muda). ▶ Os adjetivos uniformes são aqueles que apresentam uma forma única, tanto para o masculino como para o feminino. Ex.: especial, forte, insuportável, difícil. Flexão de número Os adjetivos estabelecem a concordância com os substantivos que determinam; as- sim, se o adjetivo acompanhar um substantivo no singular, ele permanecerá no singu- lar e se acompanhar um substantivo no plural, será fl exionado no plural. A formação do plural dos adjetivos simples ocorre da mesma maneira que se forma o plural dos substantivos simples. Já nos adjetivos compostos formados por dois adje- tivos somente o segundo elemento fl exiona-se no plural: CLÍNICA MÉDICO-DENTÁRIA = CLÍNICAS MEDICO-DENTÁRIAS ACORDO LUSO-BRASILEIRO = ACORDOS LUSO-BRASILEIROS Azevedo_Cap_03.indd 39 29/04/2015 16:24:52 40 português básico ▶ Azul-marinho e azul-celeste (invariáveis) e surdo- -mudo, cujos dois elementos pluralizam-se (surdos- -mudos). ▶ Adjetivos compostos referentes a cores, cujo segundo elemento é um substantivo, também são invariáveis: Tinta amarelo-ouro = tintas amarelo-ouro; blusa ver- de-água = blusas verde-água. Flexão de grau Quanto à variação de grau, os adjetivos modifi cam-se de acordo com os graus em que se encontram, comparativo ou superlativo, e variam através das formas sintéticas ou analíticas. Grau comparativo Há comparação entre características de dois ou mais seres. Essa comparação pode ressaltar igualdade, superioridade ou inferioridade, ocorrendo na maioria das vezes na forma analítica. Veja: O MEU VIZINHO É TÃO RICO QUANTO O SEU. (COMPARATIVO DE IGUALDADE) O PAI DE JOSUÉ É MAIS ALTO QUE O DE CAMILA. (COMPARATIVO DE SUPERIORIDADE) O CARRO DE MÁRCIO É MENOS RÁPIDO QUE O DE MARCUS.(COMPARATIVO DE INFERIORIDADE) Fonte: IgorZakowski/iStock/Thinkstock. Alguns poucos adjetivos apresentam forma sintética para exprimir o comparativo de superioridade: bom e mau (melhor e pior), grande e pequeno (maior e menor). Azevedo_Cap_03.indd 40 29/04/2015 16:24:52 41CLASSES GRAMATICAIS Grau superlativo No grau superlativo, uma característica é intensifi cada de forma relativa ou absoluta, dessa forma, o superlativo divide-se em superlativo relativo ou superlativo absoluto. Com a utilização do grau superlativo relativo pretende-se destacar uma característica de um ser, em maior ou menor grau, dentro de um conjunto de seres: ELE É O MENOS ESPERTO DA SUA TURMA. ANDRÉIA É A MAIS ALTA DA ESCOLA. Com a forma absoluta do superlativo pretende-se transmitir a ideia de que determina- do ser/elemento possui uma característica em alto grau. O grau superlativo absoluto pode ser expresso na forma sintética ou analítica, observe: O MENINO É MUITO ESPERTO/ O MENINO É ESPERTÍSSIMO. O BRINQUEDO É MUITO CARO/ O BRINQUEDO É CARÍSSIMO. Azevedo_Cap_03.indd 41 29/04/2015 16:24:52 Encerra aqui o trecho do livro disponibilizado para esta Unidade de Aprendizagem. Na Biblioteca Virtual da Instituição, você encontra a obra na íntegra. MORFOSSINTAXE I Francisco De Souza Gonçalves Classes de palavras: pronome, numeral e verboObjetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: � Reconhecer as classes de palavras: pronomes, numerais e verbos. � Conceituar pronomes, numerais e verbos. � Relacionar e empregar aspectos linguísticos, semânticos e discursivos dos pronomes, dos numerais e dos verbos em situações concretas de interação verbal, orais ou escritas. Introdução O estudo das classes de palavras é marcado pela vontade do homem de compreender a realidade na qual está inserido e de tentar, de alguma maneira, controlá-la. Compreender a linguagem, em seus imbricados processos, sempre foi uma preocupação do ser humano. Analisar e ca- tegorizar foram os primeiros caminhos encontrados para compreender os mecanismos da fala e da escrita. Organizar as palavras em classes, mediante suas características, é uma evidência desse ímpeto humano (CUNHA; ALTGOTT, 2004). Neste capítulo, você estudará algumas importantes classes de palavras das quais se ocupa o estudo da morfologia, conhecendo, então, um pouco mais sobre os pronomes, os numerais e os verbos. Pronome A classe dos pronomes é aquela que agrupa palavras cuja função é substituir ou acompanhar o substantivo (nome) em uma oração (AZEVEDO, 2015). Primei- ramente, é possível distinguir dois tipos principais de pronomes: os pronomes substantivos e os pronomes adjetivos. Enquanto os pronomes substantivos exercem papel similar ao do substantivo, substituindo-o, os pronomes adjetivos acompanham ou modificam um substantivo ou um pronome substantivo. Os pronomes são flexionáveis em gênero, em número e de acordo com a pessoa do discurso. Exemplos: Ele era meu padrinho. (pronome substantivo) Minha caneta é azul, aquelas canetas são azuis. (pronome adjetivo) Classificação dos pronomes Os pronomes podem ser classificados de acordo com a função que exercem. Pronomes pessoais — Esse tipo de pronome é utilizado para representar as pessoas do discurso (1ª, 2ª ou 3ª, tanto do singular quanto do plural). Há os pronomes pessoais do caso reto e os pronomes pessoais do caso oblíquo. Os primeiros podem exercer função sintática de sujeito; são eles: eu, tu, ele/ela, nós, vós, eles/elas. Já os pronomes pessoais do caso oblíquo são aqueles que, numa oração, podem complementar os verbos: me, mim, comigo, nos, conosco; te, ti, contigo, vos, convosco; o, a, lhe, se, si, consigo, os, as, lhes, etc. Pronomes de tratamento — São pronomes que indicam o tratamento for- mal ou informal que é dado a um indivíduo (você, Vossa Excelência, Vossa Majestade, Eminência, Vossa Magnificência, etc.). Pronomes relativos — São aqueles usados para referir-se a um termo anterior- mente mencionado, sem precisar repeti-lo (que, cuja, cujo, o qual, as quais, quem, etc.). Flexionam-se em gênero e número, de acordo com o substantivo. Pronomes demonstrativos — Pronomes utilizados para situar algo no tempo e no espaço (este, isto, isso, aquilo, etc.). Pronomes possessivos — São aqueles que expressam uma relação de posse (meu, minha, teu, sua, nosso, vosso, etc.). Flexionam-se de acordo com o gênero, o número e a pessoa do discurso a que se referem. Pronomes indefinidos — São aqueles que substituem ou acompanham um nome, expressando de modo vago ou impreciso, a quantidade daquilo que representam (alguém, ninguém, qualquer, quaisquer, etc.). Classes de palavras: pronome, numeral e verbo2 Pronomes interrogativos — São os pronomes utilizados para a elaboração de interrogações. Geralmente, um pronome relativo converte-se em interrogativo para a construção de perguntas (quem, que, qual, etc.). Numeral Como o próprio nome já enuncia, nessa classe agrupam-se os termos que dizem respeito aos números. Essas palavras são instrumentalizadas para quantificar substantivos ou indicar posições numéricas ou ordinais de algo ou alguém. A representação gráfica do numeral pode se dar de forma simbólica, pelo número, ou em sua escrita por extenso (CEGALLA, 2004). O que difere o numeral um do artigo um é que, no contexto semântico, o artigo indica uma indefinição do substantivo, enquanto o numeral indica a quantidade do substantivo. Classificação dos numerais Convencionou-se classificar os numerais da seguinte forma: Cardinal — A forma mais comum, observada quando o numeral indica a quantidade do substantivo ou é utilizado para contabilizar alguma coisa. Um, três, cinco, quatro, dois. Podem cair mil à tua esquerda, Dez mil à tua direita (Livro de Salmos na Bíblia Sagrada) 3Classes de palavras: pronome, numeral e verbo Ordinal — Ocorre quando o falante ou o narrador deseja ordenar ou sequenciar alguma coisa. Terceiro, décimo-segundo, enésimo, quinquagésimo-sétimo. Quando o segundo sol chegar, para realinhar as órbitas dos planetas (O segundo sol — Nando Reis) Multiplicativo — É utilizado quando se necessita enunciar cômputos multiplicativos. Triplo, dupla, dobro, sêxtuplo, décuplo, duodécuplo, tercio décuplo. Nem centavo, nem milhão Nem o dobro, nem metade Nem a prata, nem o ouro Nem o Euro, nem o Dólar Nem fortuna, nem esmola Nada do que eu conheço paga o preço de viver sem liberdade (Tudo certo — Gabriel o Pensador) Fracionário — Aparece na fala ou no texto quando o interlocutor necessita enunciar a parte de um todo ou as porções fracionadas deste. Classes de palavras: pronome, numeral e verbo4 Terço, quinto, oitavo, sexto, um terço, três quartos. Quem sabe eu ainda sou uma garotinha, Esperando o ônibus da escola sozinha Cansada com minhas meias três quartos Rezando baixo pelos cantos Por ser uma menina má Quem sabe o príncipe virou um chato Que vive dando no meu saco Quem sabe a vida é não sonhar. (Malandragem — Cássia Eller) Coletivo — Lança-se mão desse tipo de numeral quando se precisa expressar um conjunto de algo. Dúzia, cento, dezena. O homem disse para o amigo: — Breve irei a tua casa e levarei minha mulher. O amigo enfeitou a casa e quando o homem chegou com a mulher, soltou uma dúzia de foguetes. (Sociedade — Carlos Drummond de Andrade) A língua é dinâmica e fluida, e a criatividade do falante é infinita. Dessa forma, o emprego dos numerais pode se dar de diversas formas. Para designar a sucessão de papas, de reis, de imperadores, dos séculos e de partes de alguma obra, são utilizados 5Classes de palavras: pronome, numeral e verbo os números ordinais até o décimo; depois, são empregados os números cardinais, desde que o numeral venha depois do substantivo. Quando se trata de leis, decretos e portarias, a gramática preconiza o uso do numeral ordinal até o nono, e do cardinal a partir do dez. Para os dias do mês, utilizam-se os cardinais, com exceção da indicação do primeiro dia, que é feita tradicionalmente pelo ordinal “primeiro”. Flexões do numeral De maneira geral, o numeral pode flexionar-se em gênero (feminino e mascu- lino) e número (singular e plural), de acordo com o substantivo que o determina, ou seja, pode flexionar-se de acordo com sua indicação quantitativa e com seu gênero (AZEVEDO, 2015). Os numerais cardinais são majoritariamente invariáveis. Todavia, em alguns casos, podem variar em gênero (um/uma, dois/ duas, duzentos/duzentas, trezentos/trezentas) e número (um/uns, milhão/ milhões). No caso dos numerais ordinais, as flexões são mais frequentes, ocor- rendo em função do substantivo que os determina. Podem ser de gênero e/ou de número (segundo/segunda/segundos/segundas). Os numerais multiplicativos são invariáveis quando desempenham função substantiva, ou seja, quando substituem um substantivo; se atuam em função adjetiva, podem-se flexionar em gênero e número (As senhoras leiloaram o dobro das joias para obter atenções triplas). Os numerais fracionários também podem variar em gênero e em número (um terço/dois terços/a terça parte, um oitavo/sete oitavos). Os numerais coletivos são inflexionáveis em gênero, mas flexionam-se em número (uma dúzia, duas dúzias, um milheiro). Verbo As palavras que pertencem a essa classe gramatical são aquelas quepossuem conteúdo semântico de ação (pôr, comer), estado (permanecer, ser), fenômeno da natureza (anoitecer, trovejar) ou ocorrência (aconteceu, sucedeu). Na sintaxe, esses termos têm a função de núcleo do predicado de uma oração. Os verbos podem flexionar-se de inúmeras maneiras, já que sua conjugação é realizada por meio das variações de pessoa, número, tempo, modo, voz e aspecto (ALMEIDA, 2009). A estruturação de um verbo se dá a partir de três elementos básicos: radi- cal, vogal temática e desinências. O radical é a parte fundamental do verbo, Classes de palavras: pronome, numeral e verbo6 uma base a partir da qual ele se edifica morfologicamente. Ele contém a significação do termo. Radical: AND- (and-ar), CORR- (corr-er), PART- (part-ir). A vogal temática é a partícula que se une ao radical, a fim de que este possa se ligar às desinências e, desta maneira, promover a conjugação dos verbos. Ao produto da junção do radical à vogal temática, dá-se nome de tema (tema = radical + vogal temática). Tema: ANDA- (anda-r), CORRE- (corre-r), PARTI- (parti-r). É a vogal temática que determinará a conjugação a qual o verbo pertence: na primeira conjugação, agrupam-se os verbos cuja vogal temática é -A — falar, amar, beijar, dançar —; na segunda conjugação, estão os verbos cuja vogal temática são -E ou -O — correr, ler, ter, pôr —; finalmente, na terceira conjugação, figuram os verbos cuja vogal temática é -I — partir, definir, ir. A gramática organiza os verbos em três grupos de flexões, as quais denominamos conjugações. Esses grupos identificam-se pelas vogais temáticas -A, -E/-O e -I, respec- tivamente. Essas conjugações servem para indicar o paradigma, isto é, o modelo pelo qual são conjugados os verbos regulares. 7Classes de palavras: pronome, numeral e verbo As desinências são elementos que, juntamente ao tema (radical + vogal temática), facultam as conjugações. Podem ser de dois tipos: � Modo-temporais: indicam o modo e o tempo em que uma ação ocorre. � Número-pessoais: indicam o número e a pessoa. Andávamos va → desinência que indica o tempo pretérito perfeito do modo indicativo mos → desinência que indica 1ª pessoa do plural (nós) Correrei re → desinência que indica tempo futuro do presente do modo indicativo i → desinência que indica de 1ª pessoa do singular (eu) Partamos a → desinência que indica o tempo presente do modo subjuntivo mos → desinência de 1ª pessoa do plural Para se conjugar um verbo, é preciso levar em conta as seguintes flexões: 1. Pessoa: 1ª (eu, nós); 2ª (tu, vós) e 3ª (ele, eles). 2. Número: singular (eu, tu, ele) e plural (nós, vós, eles). 3. Tempo: presente, pretérito e futuro. 4. Modo: indicativo, subjuntivo e imperativo. 5. Voz: voz ativa, voz passiva e voz reflexiva. Classificação dos verbos A classe dos verbos é a que tem o maior número de flexões em nossa língua. Os verbos podem ser classificados como regulares, irregulares, defectivos ou abundantes. Essa classificação toma por critério as flexões verbais, e não o significado dos verbos. Estes flexionam-se em número (singular e plural), pessoa (1ª, 2ª e 3ª), modo (indicativo, subjuntivo, imperativo), tempo (presente, pretérito, futuro) e voz (ativa, passiva, reflexiva) (AZEVEDO, 2015). Classes de palavras: pronome, numeral e verbo8 Verbos regulares — Verbos cujo radical não se altera; seguem um modelo de conjugação. Exemplos: falar, torcer, tossir. Verbos irregulares — Verbos cujo radical altera-se na conjugação; não se- guem um paradigma de conjugação como os regulares. As irregularidades aparecem no radical, nas terminações ou em ambos. Exemplos: dar, caber, medir. Observação: se a alteração do radical é muito profunda, esses verbos passam a ser chamados de verbos anômalos, casos dos verbos ser e vir. Verbos defectivos — Verbos que não se conjugam em todas as pessoas, tempos e modos. Essas pessoas nas quais os verbos não se flexionam simplesmente inexistem. Os verbos defectivos podem ser de três tipos: � Impessoais: aqueles que indicam, especialmente, fenômenos da natureza. Só podem ser conjugados na 3ª pessoa do singular, já que não possuem sujeito. Exemplos: chover, trovejar, amanhecer. � Unipessoais: aqueles que definem sons feitos por animais. São conjugados na 3ª pessoa do singular ou do plural. Exemplos: ladrar, miar. � Pessoais: verbos que não são conjugados em todos os tempos e todas as pessoas do discurso. Exemplos: banir, falir, reaver. A linguagem conotativa permite que esses verbos sejam usados em outras pessoas do discurso, já que outorga a aplicação deles a situações que envolvam seres humanos: Eu ladrei, mas não pude morder: o divórcio saiu. 9Classes de palavras: pronome, numeral e verbo Verbos abundantes — São aqueles que permitem ao falante duas ou mais maneiras de flexão. Exemplos: aceitado/aceito, inserido/inserto, segurado/ seguro. Compreender melhor as classes gramaticais, como o numeral, o pronome e o verbo é de suma importância para o estudo da língua portuguesa, especialmente para os estudos da morfologia vernácula. Os pronomes e os numerais, como acessórios linguísticos, complementam o sentido das sentenças. Os verbos são o cerne das orações, a alma das línguas, os termos que dão movimento e vida aos textos (CUNHA; ALTGOTT, 2004). ALMEIDA, N. T. Gramática de língua portuguesa para concursos, vestibulares, ENEM, colégios técnicos e militares. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. AZEVEDO, R. Português básico. Porto Alegre: Penso, 2015. CEGALLA, D. P. Nova minigramática da língua portuguesa. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2004. CUNHA, A.; ALTGOTT, M. A. A. Para compreender Mattoso Camara. Petrópolis, RJ: Vozes, 2004. Leituras recomendadas CIPRO NETO, P. Gramática da língua portuguesa. 3. ed. São Paulo: Scipione, 2008. DICIONÁRIO Priberam da língua portuguesa. c2018. Disponível em: <https://dicionario. priberam.org>. Acesso em: 5 jan. 2019. HOUAISS, A.; VILLAR, M. S. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2017. LIMA, R. Gramática normativa da língua portuguesa. 49. ed. Rio de Janeiro: José Olym- pio, 2011. Classes de palavras: pronome, numeral e verbo10 Conteúdo: MORFOSSINTAXE II Francisco De Souza Gonçalves Palavras fóricas e referenciação situacional e textual Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: � Definir as palavras fóricas e sua função na língua portuguesa. � Descrever os mecanismos de referenciação situacional. � Analisar mecanismos de referencial textual por meio de exemplos. Introdução O termo “comunicação” vem do latim communicare e significa tornar comum, partilhar, participar alguém de algo. Através dessa habilidade, o ser humano compartilha diversas informações, tornando o ato de comunicar uma atividade essencial para o âmbito social. Para que haja diálogo entre os falantes, é necessário que todos se entendam num contexto comunicativo. Com essa finalidade, o homem criou inúmeros mecanismos que dão fluidez à comunicação, e um deles é o uso da referenciação, processo pelo qual o falante consegue con- catenar ideias e organizá-las, aludindo a elementos do próprio texto ou de fora dele. Neste capítulo, você vai conhecer melhor os processos de referencia- ção e um dos principais instrumentos utilizados para operacionalizá-lo: o uso das palavras fóricas. Mecanismo de referenciação e palavras fóricas Um texto pode ser conceituado como sendo, genericamente, um agrupamento de vocábulos organizados para composição de sentidos: as palavras formam frases, que constituem parágrafos, que, por sua vez, estruturarão o próprio texto. A unidade textual edificada apresentará sentido completo e servirá, exclusivamente, aos propósitos comunicativos (KESIK, 1987). Para argamassar esses feixes semânticos, assim como o cimento une os tijolos numa construção, algumas palavras servem para conectá-los e formarem um texto. Essas palavras têm a função de referenciar elementosde dentro e/ ou de fora do texto, completando, semanticamente, todas as significações da enunciação. Este grupo de vocábulos é chamado de palavras fóricas. Assim, podem-se conceituar as palavras fóricas como vocábulos que aludem a outros termos de dentro do próprio texto ou de fora dele, com vistas a promover entre- laçamentos significativos: “fórico é o elemento que tem como traço categorial a capacidade de fazer referência” (PERDICOYANNI-PALÉOLOGOU, 2001, documento on-line). Os termos fóricos podem se apresentar por meio de dois grandes meca- nismos de referenciação: o exofórico e o endofórico. A função exofórica se dá quando o referente se remete a um elemento extratextual, isto é, que está fora do texto, mas inserido no contexto. Em contrapartida, a função endofórica se dá quando o referente alude a um termo que está dentro do próprio texto (SANTOLA, [2017]). Os elementos linguísticos que estabelecem a conectivi- dade e a retomada, e garantem a coesão, são os referentes textuais. Esses referentes estabelecem uma relação de sentidos e significados tanto com os elementos que os antecedem quanto com os que os sucedem, cons- truindo uma cadeia textual significativa através da referenciação. A evolução referencial se dá com base numa complexa relação entre linguagem, mundo e pensamento estabelecida no discurso. Os referentes são construtos alimentados pelas atividades linguísticas que podem estar dentro do texto ou não. A referenciação endofórica pode se dar quando o objeto designado é localizado no contexto linguístico. Já a referência exofórica se dá quando o objeto é localizado na situação extralinguística, porém ainda no contexto situacional em que é produzido aquele texto. Palavras fóricas e referenciação situacional e textual2 Subtipos de referenciação As relações exofóricas se estabelecem entre texto e contexto, portanto elas necessitam de informação extratextual para serem compreendidas. A língua contará com recursos para sinalizá-las (pronomes, advérbios e até certos verbos) que corretamente empregados remetem, de certa forma, a este âmbito extratexto. O mecanismo exofórico não se subcategoriza. Modernamente, as referências exofóricas são, exclusivamente, denominadas dêixis. Dessa forma, a dêixis designa o conjunto de palavras ou expressões fóri- cas que têm por função apontar para o contexto situacional, isto é, assinalando marcas de enunciação: como o narrador, sujeito que enuncia; o interlocutor, sujeito a quem se dirige a enunciação; o tempo e o espaço da enunciação etc. Dêixis, etimologicamente, se relaciona ao ato de mostrar algo, de apontar alguma coisa através da linguagem e isso poderia se estender a qualquer meca- nismo de referenciação. Por isso, ainda hoje, alguns linguistas e semanticistas consideram todo processo dessa natureza como um processo dêitico, isto é, o pronome (ou dêixis) divide-se em três tipos, de acordo com a posição do termo a que ele se refere: dêixis ad oculos, dêixis anafórica, dêixis catafórica. Hoje, a maioria dos estudiosos restringe a dêixis ao processo de alusão a elementos extratextuais, porém, dentro do contexto da enunciação. Assim, os termos como dêixis anafórica e dêixis catafórica são apenas chamados de anáfora e catáfora, sendo a dêixis restrita somente ao âmbito da referenciação exofórica (PERDICOYANNI-PALÉOLOGOU, 2001). Já as relações endofóricas, cujo referente alude a um elemento de dentro da própria enunciação, se subdividem em duas subcategorias: a anáfora e a catáfora. Basicamente, a anáfora é o processo pelo qual as palavras fóricas remetem a elementos linguísticos que se localizam em partes anteriores do próprio texto, trata-se de um termo ou expressão fóricos que fazem referência direta ou indireta a um outro termo anterior. A expressão anafórica retoma um termo anterior, total ou parcialmente, de modo que, para apreender sua significação completa dependemos de termo antecedente. Todavia, conceituar a anáfora em toda sua extensão é, ainda, algo problemático e não consensual entre linguistas. 3Palavras fóricas e referenciação situacional e textual Anáfora é um termo derivado do grego, anaphorein, que significa lembrar, repetir. Há registro de seu uso desde o século II d.C. nos escritos do gramático Apolônio Díscole, que empregava sua noção para referir-se aos pronomes que remetem a segmentos do discurso (FERREIRA, 2011; O’KELLY, 2004). Ferreira (2011, documento on-line), em estudo sobre o tema, sublinha que: […] [a anáfora] é um fenômeno textual de referenciação e de correferenciação (mesma referência), de ativação e reativação de referentes ao longo do texto”, cujo uso “possibilita a retomada/ repetição pelo viés da pronominalização de um elemento do contexto anterior determinando, assim, um trabalho de interpretação da referência dos elementos nela envolvidos. Os elementos que mais se notabilizam nas operações anafóricas são os pronomes. Os pronomes anafóricos são os que apresentam uma referência a um termo antecedente. A seguir, confira alguns exemplos do uso da anáfora. 1. Alejandro está mal. Encontrei-o no mês passado. � O pronome oblíquo o retoma o vocábulo Alejandro. 2. Ana comprou um cão. O animal já conhece todos os cantos da casa. � O sintagma o animal refere-se ao termo antecedente o cão. 3. A sala de aula está degradada. As carteiras estão todas riscadas. � O sintagma as carteiras é compreendido mediante a compreensão do termo anterior sala de aula. 4. Maria é uma moça tão bonita que assusta. Essa sua beleza tem um quê de mistério. � O pronome demonstrativo essa refere-se à beleza de Maria, ideia que se encontra implícita no enunciado anterior. Palavras fóricas e referenciação situacional e textual4 Já a catáfora, é o mecanismo linguístico através do qual um pronome ou outra expressão fórica faz referência a outro termo procedente, localizado à frente no texto, sendo, este, o referente. Como na anáfora, são representados prevalentemente pela classe dos pronomes e são aqueles que fazem referência a um termo subsequente, estabelecendo com ele uma relação de interdepen- dência (NEVES, 2000). Para detectar uma expressão catafórica é necessário localizar e interpretar o termo ao qual ele faz referência. A seguir, confira alguns exemplos do uso da catáfora. 1. A aluna olhou-a e disse: — Professora, estás com um ar cansado. � O pronome a refere-se ao termo procedente Professora. Observe que só é possível compreender quem é o referente, ou seja, a quem o pronome se refere, quando se promove toda a leitura da sentença, através de uma apreensão semântica completa (KESIK, 1987). 2. Os nomes mais comuns na língua portuguesa são estes: Maria, José e João. � O pronome estes faz referência aos vocábulos que o sucedem (Maria, José e João). Poder-se-ia dizer que a catáfora é quase uma subcategoria da anáfora, já que estabelece os mesmos tipos de relação coesiva entre os termos, porém o vocábulo anafórico se encontra antes do seu referente, o oposto do que acontece no fenômeno catafórico, em que o referente vem depois da palavra catafórica. FERREIRA, L. C. V. Anáfora: mecanismo coesivo de referenciação textual. 2011. Trabalho de Conclusão de Curso (Especialização em Gramática e Ensino de Língua Portuguesa) — Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2011. Disponível em: https://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/60695/000862143.pdf?sequence=1. Acesso em: 12 mar. 2019. KESIK, M. La distinction exophore: endophore et le fonctionnement de l'adjectif sui- vant. L'Information Grammaticale, [s. l.], n. 35, p. 3–9, 1987. DOI: https://doi.org/10.3406/ igram.1987.2073. Disponível em: http://www.persee.fr/doc/igram_0222-9838_1987_ num_35_1_2073. Acesso em: 12 mar. 2019. 5Palavras fóricas e referenciação situacional e textual NEVES, M. H. M. A gramática: conhecimento e ensino. In: AZEREDO, J. C. (org.). Língua portuguesa em debate: conhecimento e ensino. Petrópolis: Vozes, 2000. p. 52–73. O’KELLY, D. Le problèmede l’anaphore sans antécédent. Cycnos, [s. l.], v. 18, n. 2, 15 juil. 2004. Disponível em: http://revel.unice.fr/cycnos/index.html?id=42. Acesso em: 12 mar. 2019. PERDICOYANNI-PALÉOLOGOU, H. Le concept d’anaphore, de cataphore et de déixis. Revue québécoise de linguistique, [s. l.], v. 29, n. 2, p. 55–77, 2001. DOI: 10.7202/039441ar. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/272893954_Le_concept_d'anaphore_ de_cataphore_et_de_deixis_en_linguistique_francaise. Acesso em: 12 mar. 2019. SANTOLA, E. Língua portuguesa sem dúvidas! [S. l.: s. n.], [2017]. Palavras fóricas e referenciação situacional e textual6 MORFOSSINTAXE I Francisco De Souza Gonçalves Classes de palavras: advérbio, interjeição, preposição e conjunção Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: � Reconhecer os advérbios, as interjeições, as preposições e as conjun- ções em contextos comunicativos diversos. � Relacionar aspectos linguísticos, semânticos e discursivos de cada uma das classes gramaticais em situações concretas de interação verbal orais ou escritas. � Conceituar advérbios, interjeições, preposições e conjunções de forma autônoma e proficiente. Introdução O estudo da morfologia é marcado pelo ávido desejo do homem de compreender a linguagem em seus complexos processos. Entender, analisar, conceituar e categorizar os inúmeros elementos que fazem parte do processo comunicativo sempre foi uma preocupação (CUNHA; ALTGOTT, 2004). Neste capítulo, você estudará algumas importantes classes de palavras das quais se ocupam a morfologia: o advérbio, a preposição, a interjeição e a conjunção. Advérbio Correspondem à classe de palavras que agrupa termos invariáveis, cuja função é modificar, delimitar ou amplificar a significação de um verbo, de um adjetivo, de outro advérbio ou de uma oração, expressando circunstâncias como lugar, tempo, modo, negação, dúvida, afirmação e intensidade. Locução adverbial A locução adverbial consiste na junção de dois ou mais termos que, juntos, passam a ter valor semântico e gramatical de um advérbio. Geralmente possuem uma preposição em seu processo de composição. Graus dos advérbios Os advérbios não se flexionam em gênero ou número, mas podem variar em grau, da mesma forma que os adjetivos. Os graus do advérbio são o comparativo e o superlativo. O grau comparativo pode ser de igualdade, de superioridade ou de inferioridade. Já o grau superlativo pode ser analítico ou sintético (LIMA, 2011). Em uma construção analítica, o aumento do grau do termo é efetuado com o auxílio de outro advérbio. Em uma sintética, o que promove o aumento de grau é o sufixo -íssimo. Observe: Grau comparativo de inferioridade: menos que (ou do que). Exemplo: Jussara fala menos pausadamente que Alexandre. Grau comparativo de igualdade: tão... quanto; tão... como; tão/tanto... quanto; quão. Exemplo: Jussara fala tão rápido quanto eu. Grau comparativo de superioridade: mais que (ou do que). Exemplo: Jussara fala mais lentamente do que Ariane. Grau superlativo absoluto analítico: acompanhado de outro advérbio (muito + advérbio). Exemplo: O artista pinta muito bem. Grau superlativo relativo de superioridade: quando a intensidade do ele- mento determinado é aumentada. Exemplo: O cavaleiro mora pertíssimo. Classes de palavras: advérbio, interjeição, preposição e conjunção2 Observação: a utilização de formas diminutivas em alguns advérbios — pertinho, longinho, pouquinho, cedinho — é bastante utilizada pelos falantes do português. Esse recurso transmite ideias como: algo que está muito longe, muito perto, muito pouco, muito cedo, etc. Grau superlativo absoluto sintético: advérbio + sufixo (normalmente, o sufixo -íssimo). Exemplo: O marinheiro chegou cedíssimo ao embarque. Advérbio: bem � Comparativo: melhor, mais bem � Superlativo: otimamente, muito bem Advérbio: mal � Comparativo: pior, mais mal � Superlativo: pessimamente, muito mal Advérbio: muito � Comparativo: mais � Superlativo: muitíssimo, o mais Advérbio: pouco � Comparativo: menos � Superlativo: pouquíssimo, o menos Classificação dos advérbios Os advérbios podem ser classificados de acordo com a modificação/comple- mentação semântica que promovem no termo que acompanham. Advérbios de lugar Esse tipo de advérbio traz uma indicação, quase sempre espacial, de lugar para o termo que acompanha. Alguns exemplos: aqui, lá, próximo, perto, longe, frente, atrás, dentro, fora, abaixo, acima, ali, adiante. Exemplos: 3Classes de palavras: advérbio, interjeição, preposição e conjunção Estacione lá! A menina chegou perto do precipício. Advérbios de tempo Esse tipo de advérbio traz uma indicação de tempo, durativa ou cronológica, à palavra que acompanha. Como exemplos, temos: depois, hoje, antes, logo, já, amanhã, ontem, desde, agora, finalmente, nunca, às vezes, quando, anteontem, de repente, sempre, tarde, jamais, cedo. Exemplos: Fale hoje, brinque amanhã. Jamais mencione o nome dela. Advérbios de modo Esse tipo de advérbio fornece uma indicação da maneira pela qual determinada coisa acontecerá. A grande maioria das palavras deste grupo se formam a partir da adição do sufixo -mente aos vocábulos. Exemplos: bem, mal, melhor, pior, assim, depressa, devagar, debalde, expressamente, infelizmente, constantemente, frequentemente. Exemplos: Mal falou e a mulher chegou. Andou devagar, atrasou-se. Advérbios de negação Este tipo de advérbio indica uma negação. Como exemplos, podemos citar: não, nem, tampouco, nunca, jamais. Exemplos: “Nunca mais sentirei fome!” Naquele dia, não arrumou a mesa do café. Advérbios de dúvida São advérbios de intensidade, de modo, de lugar, de tempo, etc., que possuem sua função redirecionada para serem usados em sentenças interrogativas. Destacam-se: porventura, quiçá, talvez, provavelmente, possivelmente. Exemplos: Classes de palavras: advérbio, interjeição, preposição e conjunção4 Quiçá daqui uns anos? Porventura escrevestes aquele relatório? Advérbio de afirmação Esse tipo de advérbio traz uma indicação de afirmação para o termo que o acompanha. São alguns exemplos: sim, deveras, indubitavelmente, decidi- damente, certamente, realmente, decerto, certo, efetivamente. Exemplos: Certamente foi um pássaro. Estamos realmente felizes com a gravidez. Advérbios de intensidade Este tipo de advérbio dá uma indicação de quantidade à palavra que modifica. Exemplos: bastante, quão, muito, pouco, demais, mais, meio, tão. Exemplos: Falaram muito e fizeram pouco. “Quão grande és Tu!” Os advérbios bem, mal, muito e pouco assumem formas irregulares nos graus comparativo e superlativo. Interjeição Interjeição é toda palavra invariável que expressa sensações, ações, estados de espírito e emoções, de formas variadas. Como exemplo: ah!, ufa!, oba!, Credo!, Que horror! (ALMEIDA, 2009). As interjeições aparecem, quase sempre, seguidas de um ponto de exclamação, que pode estar imediatamente depois delas ou no final da frase. 5Classes de palavras: advérbio, interjeição, preposição e conjunção Droga! Preste atenção quando eu estou falando! Atente que, no exemplo, o termo Droga! foi utilizado pelo interlocutor para exteriorizar a sua raiva: isso se fez no contexto comunicativo por meio do vocábulo. Observe que as interjeições são uma espécie de palavra-frase, ou seja, há uma ideia expressa por uma palavra (ou um conjunto de palavras), que poderia ser colocada nos termos de uma sentença. É um recurso da linguagem afetiva, em que não há uma ideia organizada de maneira lógica, como nas sentenças da língua, mas sim a manifestação de um suspiro, um estado da alma decorrente de uma situação particular, um momento ou um contexto específico. O significado das interjeições está vinculado à maneira como elas são proferidas. Fonte: Michichelli (2015). As interjeições são palavras invariáveis, isto é, não sofrem variação de gênero, número e grau, como os nomes, nem de número,pessoa, tempo, modo, aspecto e voz, como os verbos. No entanto, em usos específicos, algumas interjeições sofrem variação em grau. Deve-se ter claro, nestes casos, que não se trata de um processo natural dessa classe de palavra, mas tão somente uma variação que a linguagem afetiva permite. Exemplos: oizinho, bravíssimo, até loguinho. Quando a interjeição é expressa por mais de uma palavra, recebe o nome de locução interjetiva. Exemplos: Ora bolas! Cruz credo! Puxa vida! Desse modo, o tom da fala dita o sentido que a expressão vai adquirir em cada contexto de enunciação. As interjeições cumprem, normalmente, duas funções, podendo ser for- madas por: Classes de palavras: advérbio, interjeição, preposição e conjunção6 a) Simples sons vocálicos: Oh! Ah! Ó! Ô! b) Palavras: Oba! Olá! Claro! c) Grupos de palavras (locuções interjetivas): Meu Deus! Ora bolas! Confira no Quadro 1 os sentidos expressos pelas interjeições. Sentido Exemplos Advertência Cuidado! Devagar! Calma! Sentido! Atenção! Olha! Alerta! Afugentamento Fora! Passa! Rua! Xô! Alegria; satisfação Oh! Ah! Eh! Oba! Viva! Alívio Arre! Uf! Ufa! Ah! Estímulo Vamos! Força! Coragem! Eia! Ânimo! Adiante! Firme! Toca! Apelo; chamamento Alô! Olá! Psiu! Socorro! Ei! Aplauso; aprovação Bravo! Bis! Apoiado! Viva! Boa! Concordância Claro! Sim! Pois não! Tá! Hã-hã! Repulsa; desaprovação Credo! Irra! Ih! Livra! Safa! Fora! Abaixo! Francamente! Xi! Chega! Basta! Ora! Desejo; intenção Oh! Pudera! Tomara! Oxalá! Desculpa Perdão! Dor; tristeza Ai! Ui! Ai de mim! Que pena! Ah! Oh! Eh! Dúvida; incredulidade Qual! Qual o quê! Hum! Epa! Ora! Espanto; admiração Oh! Ah! Uai! Puxa! Céus! Quê! Caramba! Opa! Virgem! Vixe! Nossa! Hem?! Hein? Cruz! Putz! Impaciência; contrariedade Hum! Hem! Irra! Raios! Diabo! Puxa! Pô! Ora! Medo; terror Uh! Ui! Oh! Credo! Cruzes! Pedido de auxílio Socorro! Aqui! Piedade! Quadro 1. Sentidos expressos pelas interjeições (Continua) 7Classes de palavras: advérbio, interjeição, preposição e conjunção Fonte: Adaptado de Michichelli (2015). Quadro 1. Sentidos expressos pelas interjeições Sentido Exemplos Saudação; chamamento; invocação Salve! Viva! Adeus! Olá! Alô! Ei! Tchau! Ô! Ó! Psiu! Socorro! Valha-me, Deus! Silêncio Psiu! Bico! Silêncio! Surpresa; admiração Puxa! Céus! Caramba! Opa! Virgem! Pô! Uai! (Continuação) Usadas com muita frequência na língua falada informal, quando empregadas na língua escrita, as interjeições costumam conferir um tom inconfundível de coloquialidade ao texto. Além disso, elas podem indicar traços pessoais do falante, como escassez de vocabulário, temperamento agressivo ou dócil e, até mesmo, origem geográfica. Nos textos narrativos, particularmente nos diálogos, é comum fazer uso das interjeições com o objetivo de caracterizar personagens. Graças à sua natureza sintética, as interjeições são mobilizadas para conferir agilidade às falas. Em razão de sua natureza sintética e conteúdo mais emocional do que racional, as interjeições são presença constante nos textos publicitários. Preposição Preposição é toda palavra invariável que se põe antes de um termo (pré + posição), a fim de ligá-lo a outro, estabelecendo, semanticamente, inter-relações de sentido e de dependência entre eles. A preposição exerce uma função conectiva. A palavra anterior à preposição é chamada de regente, e a que a sucede é conhecida como regida (CEGALLA, 2004). Exemplos: Casaco de Letícia. (exprime relação de posse) Saiu com a moça. (exprime relação de companhia) Classes de palavras: advérbio, interjeição, preposição e conjunção8 Conectivos são palavras que ligam diferentes elementos. Várias palavras podem se comportar como conectivos, ligando palavras, orações e parágrafos. Classificação das preposições As preposições podem ser essenciais e acidentais. As preposições essenciais são as que só funcionam, morfologicamente, como preposições: a, ante, após, até, com, contra, de, desde, em, entre, para, perante, por, sem, sob, sobre, trás (CAMARA JR, 2004). As preposições acidentais são palavras provenientes de outras classes gramaticais que, em algumas sentenças, funcionam como preposição: afora, como, conforme, durante, exceto, mediante, menos, salvo, segundo, visto. Por exemplo: Marina agiu segundo suas convicções. Observe que o numeral ordinal segundo serviu como preposição. As preposições recebem classificação sob o ponto de vista semântico, uma vez que, dentro do contexto frasal, podem indicar muitas relações diferen- tes, como de lugar, tempo, modo, distância, causa, companhia, instrumento, finalidade. Relações semânticas promovidas pelas preposições: � relógio de ouro (material) � homem de Piracicaba (origem) � livro de Cecília Meireles (autoria) � livro de professor (posse) � morreu de frio (causa) � saiu de manhã (tempo) � veio de Lisboa (lugar) 9Classes de palavras: advérbio, interjeição, preposição e conjunção � Breve irei à França. (lugar) � O avião pousará em duas horas. (tempo) � A maçã foi comida com ansiedade. (modo) A preposição é um morfema gramatical inflexionável, dotado de função conectiva, sem papel sintático próprio. Serve para estabelecer, entre palavras, uma relação chamada de regência. Exemplo: Um homem de coragem homem → regente de coragem → regido, subordinado As palavras homem e coragem são substantivos. Isso significa que funcionam como núcleos de um sintagma nominal quando as agrupamos com outras palavras. Entretanto, se quisermos fazer com que um desses substantivos se torne regido, subordinado ao outro, podemos fazer uso de preposição. Nesse caso, ocorrerá um sintagma preposicional (ou preposicionado). Outro fato a ser destacado é que a preposição estabelece subordinação entre palavras e termos. Observe que, ao passo que o substantivo é o núcleo de um sintagma nominal, a preposição não tem uma função sintática própria. Isso não significa que ela não é importante, mas que seu papel sintático é ligar ideias, ligar palavras. Locução prepositiva Quando a relação entre duas ou mais palavras se estabelece por meio de uma expressão, e não por meio de uma única palavra, temos uma locução prepo- sitiva. Exemplos: abaixo de, atrás de, acima de, por causa de, ao lado, de a de, defronte a, de acordo com, até a, perto de. Conjunção Gramaticalmente, conjunção é a palavra invariável que tem por função ligar orações ou termos de mesmo valor gramatical. Semanticamente, a conjunção pode estabelecer relações entre orações e entre palavras. Morfologicamente, Classes de palavras: advérbio, interjeição, preposição e conjunção10 a conjunção é um morfema gramatical que não sofre flexão. Sintaticamente, a conjunção é um conectivo e não tem função sintática própria. Serve para estabelecer relação de subordinação ou de coordenação entre orações e relação de coordenação entre palavras. Conjunção significa ligação, união, junção (CAMARA JR, 2004). Marcia e João saíram. (adição) Uma ou outra será eleita nossa representante. (alternância, exclusão) Trabalhe, pois precisas sobreviver! (explicação) Embora estivesse triste, festejou. (concessão) Ficou em casa porque estava doente. (causa) Falei tudo como me pediram. (conformidade) Diferenciemos coordenação de subordinação. Observe a frase: Encontrei Pedro e o irmão. Os termos Pedro e o irmão são complementos do verbo encontrar, ou seja, tanto Pedro quanto o irmão sofrem a ação de serem encontrados. Estão conectados por um vocábulo que adiciona um ao outro. Perceba a independência sintática entre os dois elementos: Encontrei Pedro. Encontrei o irmão. Os termos em destaque não dependem sintaticamente um do outro, isto é, um não se subordina ao outro. São termos ligados por uma conjunção. Vejamos a mesma conjunção empregada para ligar orações: Fui ao colégio. Falei com o professor. Note que essas duas orações têm independência sintática, tanto que se estruturam separadamente. Podemos, porém, conectá-las com a conjunção e. 11Classes de palavras:advérbio, interjeição, preposição e conjunção Fui ao colégio e falei com o professor. A relação de independência entre palavras e orações chama-se coordenação. Agora, observe este exemplo: Ela saiu de manhã. O substantivo manhã está subordinado ao verbo sair porque está presente na frase para indicar uma circunstância de tempo da ação verbal. Essa relação de regência foi estabelecida pela preposição de. Se quisermos estabelecer relação de subordinação entre orações, faremos uso de conjunções. Veja: Ela saiu quando o galo cantou. Há duas orações no período acima (duas declarações verbais), porém só uma está presente para indicar circunstância de tempo para o verbo da outra oração. Essa relação entre orações chama-se subordinação. Observe que a preposição subordina palavras, e a conjunção subordina orações. Vejamos mais exemplos de coordenação e subordinação: Ricardo será nomeado como diretor. Maurício será nomeado como diretor. Veja que os dois termos independem um do outro. Assim, podemos coordená-los. Ricardo ou Maurício será nomeado diretor. Podemos usar essa mesma conjunção coordenativa para ligar orações, isto é, declarações verbais. Ele será nomeado diretor. Ele ficará louco. Ele será nomeado diretor e ficará louco. Note que, nesse caso, usamos a conjunção coordenativa e para ligar orações. Veja outro exemplo: Classes de palavras: advérbio, interjeição, preposição e conjunção12 Ela disse algo. Ela estava cansada. Se quisermos que ela estava cansada seja equivalente a algo na primeira oração apresentada (Ela disse algo), podemos escrever: Ela disse que estava cansada. Perceba que que estava cansada passa a ser informação subordinada a Ela disse, pois essa informação só aparece para complementar o que foi dito por ela. Considere agora que a frase fosse: Ela disse. Nesse caso, faltaria uma informação nessa oração. Assim, a conjunção subordinativa “prende” a segunda ideia à primeira, fazendo com que aquela dependa desta. Veja o exemplo: Ela chegou em determinada hora. Eu estava dormindo. Ela chegou quando eu estava dormindo. Agora, a conjunção subordinativa prende a segunda informação à primeira: dizemos que eu estava dormindo para indicar o momento em que ela chegou. Assim, conjunções subordinativas criam um vínculo de dependência entre duas informações. Observe, também, o seguinte: Quando eu estava dormindo. Essa informação faz sentido? Sabemos que não. Ela precisa ser atribuída à outra ideia, porque é subordinada à outra ideia. Quem estabelece esse vínculo de subordinação é a conjunção subordinativa. Vejamos o que aconteceria se disséssemos: Eu estava dormindo. Não haveria problemas, certo? Mas com a conjunção subordinativa, pre- cisamos atribuir essa oração à outra. Quando eu estava dormindo, ela chegou. 13Classes de palavras: advérbio, interjeição, preposição e conjunção Classificação das conjunções Coordenativas Conjunções coordenativas são aquelas que ligam palavras ou orações sem estabelecer vínculos de subordinação entre elas. As conjunções coordenativas ligam duas orações independentes. Estão divididas em cinco tipos. Aditivas — Exprimem soma: e, nem, bem com, não só… como também, não só… mas também. Exemplos: Leu o livro e foi ao cinema. Os alunos não só foram aprovados como também receberam prêmios. Não veio aqui nem entregou as notas. Adversativas — Exprimem oposição: mas, porém, contudo, entretanto, no entanto, todavia, não obstante. Exemplos: Saiu, porém não levou o guarda-chuva. Estudou; não obteve, todavia, o resultado esperado. Alternativas — Exprimem escolha de pensamentos: ou, ou... ou, ora... ora, já... já, quer... quer, seja... seja, talvez... talvez. Exemplos: Faça os exercícios ou saia de sala. Ela ora gritava, ora sorria. Conclusivas — Exprimem conclusão de pensamento: logo, portanto, por isso, pois, por conseguinte, assim. Exemplos: Penso, logo existo. Veio de carro, portanto pode nos dar uma carona. Explicativas — Exprimem razão e motivo: que, porque, pois, porquanto, por conseguinte, assim. Exemplos: Entre, que está frio. Saiu de casa, pois as luzes estão apagadas. Classes de palavras: advérbio, interjeição, preposição e conjunção14 Conjunções subordinativas São aquelas que conectam sintaticamente orações dependentes umas das outras. São usadas para estabelecer uma melhor coesão e coerência textual. As conjunções subordinativas podem ser integrantes ou adverbiais. Integrantes — Introduzem uma oração que vai completar o sentido da ou- tra. São aquelas que introduzem orações substantivas, isto é, orações que se põem no lugar de termos substantivos (sujeito, objeto direto, objeto indireto...). São apenas duas: que e se. Exemplos: Ela disse que não virá. (introduz objeto direto) É preciso que estudemos. (introduz sujeito) Não sei se ela virá. (introduz objeto direto) Não respondeu se podia vir. (introduz objeto direto) Adverbiais — Introduzem um valor semântico circunstancial, portanto adver- bial, para a ação verbal (CEGALLA, 2004). Podem ser divididas da seguinte forma: 1. Causais: introduzem orações que dão ideia de causa: que, porque, como, pois que, visto que, uma vez que, porquanto, já que, desde que. Exemplos: Não saí porque não me convidaram. Como choveu, não saí. 2. Comparativas: introduzem orações que dão ideia de comparação: como, qual, que, do que (depois de mais, menos, maior, menor, melhor e pior). Exemplos: Ela estava mais bonita que a mãe. Fugiu como um condenado. 3. Concessivas: iniciam orações que indicam contradição: embora, ainda que, mesmo que, se bem que, posto que, por mais que, apesar de que. Exemplos: Embora fosse professor, ainda tinha muito a aprender. Irei, mesmo que ela não vá. 15Classes de palavras: advérbio, interjeição, preposição e conjunção 4. Condicionais: iniciam orações que exprimem hipótese ou condição: se, caso, a menos que, contanto que, salvo se, desde que, a não ser que. Exemplos: Irei, caso ele vá. Ficarás aqui, contanto que fiques quieta. 5. Conformativas: iniciam orações que exprimem acordo: como, con- forme, segundo, consoante. Exemplos: Como combinamos, fizemos o livro. Fez tudo conforme lhe ordenaram. 6. Consecutivas: iniciam orações que indicam consequência: que (pre- cedido de tal, tanto, tão ou tamanho), de modo que, de forma que, de sorte que. Exemplos: Era tão estudioso que sempre era aprovado. Tinha tanta fé que nada temia. 7. Temporais: iniciam orações que dão ideia de tempo: quando, mal, assim que, logo que, antes que, depois que, sempre que, desde que. Exemplos: Saiu depois que o expulsamos. Mal começou a falar, todos o vaiaram. 8. Finais: iniciam orações que exprimem finalidade: porque, a fim de que, para que. Exemplos: Saiu para que não encontrasse ninguém. Venha cá a fim de que conversemos. 9. Proporcionais: iniciam orações que exprimem concomitância: à me- dida que, à proporção que, ao passo que, quanto menos, quanto menor, quanto maior, quanto melhor. Exemplos: À medida que crescia, tornava-se um diabinho. Quanto mais estudava, mais aprendia. Classes de palavras: advérbio, interjeição, preposição e conjunção16 ALMEIDA, N. T. Gramática de língua portuguesa para concursos, vestibulares, ENEM, colégios técnicos e militares. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. CAMARA JR, J. M. Estrutura da língua portuguesa. 36. ed. Petrópolis: Vozes, 2004. CEGALLA, D. P. Nova minigramática da língua portuguesa. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2004. CUNHA, A.; ALTGOTT, M. A. A. Para compreender Mattoso Camara. Petrópolis: Vozes, 2004. LIMA, R. Gramática normativa da língua portuguesa. 49. ed. Rio de Janeiro: José Olym- pio, 2011. MICHICHELLI, B. Língua portuguesa: aula 04. 2015. Disponível em: <http://docplayer. com.br/18746509-Portugues-lingua-portuguesa-aula-04-13-02-15-pmerj-2015-tel-22- 3852-3777-professor-bruna-michichelli.html>. Acesso em: 16 dez. 2018. Leituras recomendadas CIPRO NETO, P. Gramática da língua portuguesa. 3. ed. São Paulo: Scipione, 2008. DICIONÁRIO Priberam da línguaportuguesa. c2018. Disponível em: <https://dicionario. priberam.org>. Acesso em: 12 dez. 2018. HOUAISS, A.; VILLAR, M. S. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2017. 17Classes de palavras: advérbio, interjeição, preposição e conjunção Conteúdo: MORFOSSINTAXE II Francisco De Souza Gonçalves Marcadores de coerência e coesão discursiva Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: � Analisar a importância dos marcadores de coerência e coesão discur- siva para a construção e interpretação textual. � Descrever os marcadores discursivos e sua função no desenvolvimento da coerência textual. � Definir os marcadores discursivos relacionados à construção da coesão textual. Introdução O repertório dos marcadores discursivos é vasto, composto por elementos correntes em nosso dia a dia. Trata-se de uma classe funcional heterogênea formada por elementos provindos de classes morfológicas diversas. Os marcadores do discurso têm como missão vincular fragmentos textuais, garantindo a transição entre eles e, consequentemente, a coesão textual. Os marcadores discursivos são, além disso, responsáveis por manifestar a relação semântico-pragmática que se estabelece entre os elementos que ligam. Caracterização dos marcadores discursivos A pragmática é o campo dos estudos linguísticos que busca abordar a linguagem sob a perspectiva de sua práxis, isto é, debruça-se sobre a instrumentalização concreta desta pelos falantes, levando em conta os seus diversos contextos. Ela investiga as relações entre a significação das palavras, a atuação dos interlocutores e o contexto. Os elementos que entram em conexão através de um marcador discursivo são diversos, ele pode estabelecer uma relação entre frases, entre conjuntos de sentenças dentro de um parágrafo e até entre parágrafos inteiros. Também é possível que o marcador discursivo introduza um elemento linguístico que se conecte a um evento extralinguístico (LOUREIRO; CARAPINHA; PLAG, 2017). Todavia, a função dos marcadores discursivos não é só integrar estruturas sintaticamente, como fazem as conjunções, mas tornar explícitas as relações semânticas e pragmáticas que são estabelecidas entre as unidades textuais que elas colocam em relação. A tradição linguística considerava que os elementos que compunham a classe funcional dos marcadores discursivos eram explícitos, isto é, eram tratados como elementos gramaticais sem qualquer função. Modernamente, entretanto, os estudos sobre análise do discurso, linguística textual e pragmática têm destacado que os marcadores discursivos desempe- nham diferentes funções, tendendo a explicitar: a relação entre afirmações ou pares de afirmações e até as relações entre orador e ouvinte (KOCH, 1990, 2010). O termo marcador discursivo parece prevalecer na bibliografia contem- porânea; entretanto, essas partículas receberam nomenclaturas diferentes ao longo do tempo. Assim, até o início do século XXI, eles foram denominados em termos gerais: expressões de preenchimento, inclinações lexicais. Mas também aplicaram nomes que se referiam ao seu funcionamento extraoracional: partículas extradiscursivas, ordenadores discursivos, operadores conjuntivos, operadores textuais, suportes de conversação, links temáticos, conectores de parágrafo, conectores extrafala, operadores pragmáticos, operadores discur- sivos, partículas discursivas. Os marcadores discursivos são elementos com um significado processual. Ou seja, codificam uma instrução destinada a orientar a interpretação do texto em que aparecem, funcionam como elementos coesivos, sem função sintática: constituem elos supravocais especializados em coesão textual e favorecem a interpretação de enunciados (OLIVEIRA, 2012). Do ponto de vista morfológico, os marcadores discursivos são caracterizados por serem unidades linguísticas invariáveis, pertencentes a diversas categorias gramaticais (FÁVERO, 1991). Não há unanimidade ao estabelecer uma classificação e categorização para os marcadores discursivos. Em grande medida, a dificuldade se dá por tentar definir, como classe categorial, o que é uma classe funcional. Marcadores de coerência e coesão discursiva2 Os elementos que funcionam como marcadores discursivos provêm de diferentes classes de palavras, nem sempre bem estabelecidas nas taxonomias gramaticais existentes. O que eles compartilham é uma função. Formando, assim, uma classe funcional, não categorial, ou seja, o que os une não é a categoria gramatical à qual pertencem, mas a função que desempenham (FÁVERO, 1991). As classificações existentes dos marcadores discursivos são frequentemente baseadas em listas muito exaustivas que tentam capturar todas as nuances significativas expressas pelos marcadores discursivos. Outros, no entanto, tentam fazer agrupamentos gerais, como Loureiro, Carapinha e Plag (2017). Então eles distinguem entre: estruturas da informação, conectores, reformu- ladores, operadores, marcadores de conversação. Classificação dos marcadores discursivos � Estruturadores da informação: elementos que permitem organizar a informação dentro do texto. ■ Comentadores: bem. ■ Computadores: primeiro/segundo; por um lado/por outro lado; de um lado/de outro lado. ■ Digressores: a propósito, para tudo isso, a propósito disso. � Conectores: aparecem ligando um elemento de enunciação a outro, anterior, jungido a uma suposição contextual. ■ Aditivos: também, acima, aparte, par. ■ Consecutiva: portanto, consequentemente, de lá, então, bem, assim. ■ Contra-argumentativo: pelo contrário, porém, no entanto, contudo. � Reformuladores: especializados em introduzir uma nova formulação do que foi dito no discurso anterior. ■ Explicativos: isto é, ou seja. ■ De retificação: melhor dito, melhor ainda, sim. ■ Distanciamento: em qualquer caso, de qualquer maneira. ■ Recapitulativos: em suma, em conclusão, enfim, afinal. 3Marcadores de coerência e coesão discursiva � Operadores: marcadores que não conectam duas unidades e que determi- nam as possibilidades discursivas do segmento em que estão incluídos. ■ Operadores de reforço argumentativo: na verdade, basicamente, de fato. ■ Operadores de realização: por exemplo, em particular. � Marcadores de conversação: típicos da linguagem de conversação. ■ De modalidade epistêmica: claro, óbvio, aparentemente. ■ De modalidade deôntica: bom, mau, valor. ■ Enfocadores da alteridade: homem, olhar, ouvir. ■ Metadiscursivos de conversação: bom, eh, isso. Há, ainda, outras categorizações, que baseiam sua tipificação nos elemen- tos que intervêm na fala, ou seja, falante, ouvinte e discurso (LOUREIRO; CARAPINHA; PLAG, 2017). A posição dos conectores dentro dos marcadores discursivos ainda é de- batida (OLIVEIRA, 2012). Para alguns autores, os conectores são um sub- conjunto dos marcadores de discurso, mas outros circunscrevem-nos ao nome do marcador de discurso que é chamado marcador de conversação, ou seja, elementos vazios de conteúdo, muitas vezes monossilábicos (eh, bom, sim), que funcionam na interação conversacional. Também não é fácil estabelecer limites claros entre os elementos que compõem a classe de marcadores discursivos. Nem entre estes e outros tipos de palavras, como, por exemplo, conjunções. Assim, por exemplo, a diferença entre conjunções e conectores é estabelecida pelo escopo de ambos. As con- junções têm o escopo das sentenças. Os conectores, por outro lado, vinculam sentenças ou parágrafos. Mas na prática não é fácil manter essa distinção. Assim, as conjunções e/ou, admitem usos que as colocam no campo dos marcadores discursivos, vejamos os exemplos: 1. — Ontem Lola me disse que queria separar. — O que você disse? 2. Diga de uma vez. Ou é que você tem medo dele? Em (1), o que marca a continuidade em relação à primeira afirmação, propriedade característica dos marcadores discursivos, e em (2), ou introduz uma justificativa argumentativa.Assim, as conjunções podem ter um funcio- namento discursivo que as liga aos marcadores do discurso. Marcadores de coerência e coesão discursiva4 O esquema que se segue, baseado em Castilho (2010) e em Fávero (1991), ilustra a questão com clareza. � Marcadores de estruturação da informação: com função de ordenar a informação: por um lado, por outro lado, em primeiro lugar, após, antes, depois, em seguida, seguidamente, até que, por último, para concluir. � Marcadores reformuladores: reformular o discurso, explicando-o ou retificando-o: ou seja, isto é, quer dizer, por outras palavras, quer dizer, ou melhor, dizendo melhor, ou antes, como se pode ver, é o caso de, como vimos, quer isto dizer, significa isto que, não se pense que, pelo que referi anteriormente. � Operadores discursivos: servem para reforçar e concretizar ideias: de fato, na verdade, na realidade, com efeito, por exemplo, efetivamente, note-se que, atente-se em, repare-se, veja-se, mais concretamente, é evidente que, a meu ver, creio que, em nosso entender, certamente, decerto, com toda a certeza, naturalmente, evidentemente, pretende- mos, em outras palavras, ou melhor, ou seja, em resumo, em suma. � Marcadores conversacionais ou fáticos: prestam-se a gerir a relação entre os interlocutores: ouve, olha, presta atenção. O segundo tipo que Castilho (2010) enumera são os conectores ou articu- ladores, que têm como função articular, conectar, ligar grupos de palavras; unir frases simples, formando frases complexas; estabelecer nexos lógicos entre períodos e parágrafos, de modo a construir textos coesos e coerentes. Os conectores podem ser classificados com funcionalidades lógicas distintas, de acordo com o contexto de uso. � Aditivos: agrupar, adicionar ideias, segmentos, sequências, informação: e, nem (negativa), bem como, não só… mas também, além disso, mais ainda, igualmente, ainda. � Alternativos/exclusão: apresentar opções, alternativas: ou, ou… ou, ora… ora, seja… seja, alternativamente, em alternativa, opcionalmente. � Contrastivos: indicar uma oposição, um contraste: mas, porém, todavia, contudo, no entanto, contrariamente, pelo contrário. 5Marcadores de coerência e coesão discursiva � Concessivos: negar o efeito, a conclusão; exprimir uma concessão: embora, ainda que, mesmo que, conquanto, apesar de, malgrado, não obstante, mesmo assim, ainda assim. � Temporais: exprimir relações de tempo entre os segmentos do texto/ discurso: quando, mal, assim que, logo que, enquanto, entretanto, depois que, desde que, antes de, mais tarde, ao mesmo tempo. � Finais: traduzir o fim, a intenção, o objetivo: para (que), a fim de, a fim de que, de modo/forma a, com o objetivo de. � Comparativos: exprimir uma comparação: como, tal como, assim como, bem como, também, mais/menos do que. � Causais: exprimir a causa, a razão: porque, visto que, dado que, como, uma vez que, já que. � Condicionais: introduzir hipóteses ou condições: se, caso, desde que, a não ser que, contanto que. � Consecutivos: exprimir a ideia de consequência, resultado, efeito: por isso, daí que, de tal forma… que, tanto… que, tal… que, tão… que. � Conclusivas: expressar uma conclusão, uma inferência (dedução lógica a partir do já exposto): portanto, assim, logo, por conseguinte, con- cluindo, para concluir, em conclusão, em consequência, daí, então, deste modo, por isso, por este motivo. � Completivos: completar o sentido do núcleo do grupo verbal: que, se, para. � Confirmativos ou exemplificativos: documentar, exemplificar: por exemplo, ilustrativamente, documentando, exemplificando. Pelos exemplos apresentados, não só preposições, conjunções, advérbios e expressões que lhes sejam equivalentes, desempenham a função de conectores do discurso. De fato, também os adjetivos, numerais (primeiro, segundo, terceiro) e as formas verbais impessoais (também chamadas de não finitas/ gerundivas, como sintetizando, prosseguindo, concluindo, recapitulando) ou infinitivas antecedidas de preposição (para começar, para concluir, a seguir, a encerrar), também podem funcionar como tal. Finalmente, é possível concluir que um texto não é uma soma arbitrária de palavras ou frases, mas um todo coeso, coerente e estruturado, isto é, um conjunto de elementos interligados de acordo com uma sequência e com as regras gramaticais da língua portuguesa. Marcadores de coerência e coesão discursiva6 Marcadores discursivos e coesão textual Os marcadores discursivos contribuem para a coesão de um texto (oral ou escrito), englobando diversos elementos linguísticos. Eles não desempenham qualquer função sintática na frase, mas permitem estabelecer conexões entre enunciados, de modo a construir um discurso coeso e coerente. Fazem parte dos marcadores discursivos os conectores, que englobam elementos linguís- ticos pertencentes a diferentes classes de palavras (conjunções, advérbios, interjeições, palavras denotativas). A coesão integra um dos requisitos imprescindíveis à construção de todo e qualquer texto. Os marcadores discursivos são estes elementos com o objetivo de promover a materialização da mensagem do emissor de forma clara e precisa para o receptor: eles funcionam como os principais operadores coesivos no ato comunicativo, decisivos para a atribuição de coesão e coerência às edificações textuais. Atuando, ativamente, no processo de construção de enunciados que facultam a comunicação entre os falantes. Exemplo: “Esta é a grande vantagem da morte, que, se não deixa boca para rir, também não deixa olhos para chorar (…)” (ASSIS, 1994, documento on-line) Esta, que e também são marcadores discursivos, através deste exemplo podemos avaliar o quão importantes são para estabelecer a coesão na enun- ciação, dado que marcam uma sequência de ideias. Vejamos: 1. Esta é a grande vantagem da morte. 2. [A morte] Que não deixa boca para rir, não deixa olhos para chorar. 3. [a morte, que, se não deixa boca para rir] também não deixa olhos para chorar. Constatamos que os marcadores discursivos, em (1), (2) e (3), provêm de classes gramaticais diversas. Além de estabelecer ligação entre os termos, o valor destes operadores agrega peso semântico decisivo para a enunciação. As ideias veiculadas no enunciado se organizam estabelecendo relações que atuam na construção do sentido. A seleção dos marcadores discursivos corretos, na costura dos significados, é essencial para a construção de textos mais coesos e coerentes, sendo estes operadores discursivos instrumentos imprescindíveis para a fluidez dos enunciados uma vez que além de os ligarem atribuem logicidade, coesão e, por conseguinte, coerência, aos textos. 7Marcadores de coerência e coesão discursiva ASSIS, M. de. Obra completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994. Disponível em: http:// www.machadodeassis.ufsc.br/obras/romances/ROMANCE,%20Memorias%20Postu- mas%20de%20Bras%20Cubas,%201880.htm. Acesso em: 19 mar. 2019. CASTILHO, A. T. de. Nova gramática do português brasileiro. São Paulo: Contexto, 2010. FÁVERO, L. L. Coesão e coerência textuais. 11. ed. São Paulo: Ática, 1991. KOCH, I. G. V. A coerência textual. São Paulo: Contexto, 1990. KOCH, I. G. V. A coesão textual. 22. ed. São Paulo: Contexto, 2010. LOUREIRO, A. P.; CARAPINHA, C.; PLAG, C. (org.). Marcadores discursivos e(m) tradução. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2017. Disponível em: https://digitalis- dsp.uc.pt/bitstream/10316.2/43261/1/Marcadores.pdf. Acesso em: 19 mar. 2019. OLIVEIRA, I. G. O uso de marcadores discursivos em textos redacionais. 2012. Dissertação (Mestrado em Linguística) — Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2012. Disponível em: http://www.repositorio.ufba.br:8080/ri/bitstream/ri/8374/1/Ilana%20Gomes%20 Oliveira.pdf. Acesso em: 19 mar. 2019. Leituras recomendadas ATALIA, M. Nossa vida. Época, São Paulo, 23 mar. 2009. CAMARA JÚNIOR, J. M. Estrutura da língua portuguesa. 36. ed. Petrópolis: Vozes, 2004. CEGALLA, D. P. Nova minigramáticada língua portuguesa. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2004. CUNHA, A.; ALTGOTT, M. A. A. Para compreender Mattoso Câmara. Petrópolis: Vozes, 2004. GARCIA, O. M. Comunicação em prosa moderna: aprenda a escrever, aprendendo a pensar. 27. ed. Rio de Janeiro: FGV, 2010. Marcadores de coerência e coesão discursiva8 MORFOSSINTAXE II Francisco de Souza Gonçalves Marcadores da expressividade Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: � Examinar o uso de marcadores da expressividade em produções literárias. � Determinar as formas de construção de subjetividade e objetividade através da presença/ausência de marcadores da expressividade nos textos. � Relacionar os marcadores da expressividade às características de estilo textual. Introdução A linguagem, principal instrumento de interação entre os indivíduos, é a grande responsável pela convivência e pelas trocas que promovem o progresso das diversas áreas do pensamento humano: expressar-se através da língua, oral ou escrita, com precisão, para que não haja confusões na mensagem a ser entregue ao receptor, sempre foi o objetivo e um grande desafio para as comunidades humanas desde os primórdios. A maneira decisiva como esta expressão influi na construção da mensagem é o objeto de estudo da estilística. A expressividade é, por isso, importante elemento da mensagem: grande parte do que é dito ou escrito é marcado pela força expressiva do locutor. Definida como “qualidade do que é expressivo; intensidade, força da expressão” (EXPRESSIVIDADE, 2011, p. 88), a expressividade é aquela que deixa suas marcas no texto e atribui a originalidade estilística a ele. Neste capítulo, você estudará como a estilística operacionaliza as marcas de expressividade nos textos. A produção literária e os domínios da expressividade O termo “estilo” vem do latim, stills, e, antigamente, significava “ponta para escrever”, e é utilizado em todas as formas de arte para exprimir a maneira original que um artista trabalha em um determinado momento. O vocábulo também é usado para designar uma característica de um texto de acordo com o tipo de expressão com o qual se afilia: pode-se falar de estilo lírico, épico. Estilo também se refere à forma como um escritor implementa a linguagem. O escritor também pode inspirar-se no estilo de outros escritores (ou de outras épocas). Segundo o Aulete, a estilística é a “disciplina que tem por objeto o estilo, que estuda os processos literários, os modos de composição utilizados por tal autor em suas obras ou as características expressivas pe- culiares a uma linguagem” (ESTILÍSTICA, 2011, p. 70). O estudo estilístico de um texto torna possível destacar os meios implementados por um autor, dentro de um determinado quadro genérico, para compartilhar uma visão específica do mundo. O termo estilística aparece na cena intelectual europeia no século XIX. Nos primeiros anos do século XX, passa a designar uma maneira específica de estudo da escrita “o estudo do seu estilo, do modo peculiar como em cada obra a linguagem está plasmada e utilizada” (AGUIAR E SILVA, 1976, p. 201). Um dos pais da estilística é Charles Bally, linguista suíço, discípulo de Ferdinand Saussure, cuja paternidade está documentada em seu Traité de stylistique française, de 1909, obra considerada o marco inicial desse estudo. A análise estilística de um texto baseia-se, geralmente, no estudo da elo- cução, isto é, na instrumentalização da pontuação, no emprego das figuras de linguagem, na organização da sintaxe das orações enquanto reconcilia forma e substância, significado e significante. A base do estudo estilístico de um escrito é a premissa de que cada texto transmite uma visão subjetiva, isto é, “uma visão não neutra e individual” (CÂMARA JÚNIOR, 1977, p. 101). Marcadores da expressividade110 Enquanto âmbito de investigação, pode-se afirmar que a estilística existe desde a antiguidade clássica, com os estudos de Platão e as teorias sobre retórica de Aristóteles, Quintiliano e Cícero, que enxergavam na estilística um recurso útil para ornamentar o discurso. Essa premissa perdura até o Renascimento. Importante é salientar a an- tiguidade dessa abordagem investigativa da língua. Antes mesmo de A retórica, de Aristóteles (330 a.C.), obra que melhor trata dos mecanismos da comunicação e da expressão enunciativa, Górgias de Leontini (483-375 a.C.) abordava a retórica através da estilística (CÂMARA JÚNIOR, 1975). A pontuação como recurso de expressividade Gramaticalmente, os sinais de pontuação servem para representar pausas ou entonações na fala. O ponto, a vírgula e o ponto e vírgula marcariam pausas expressivas, já o ponto de exclamação e o de interrogação, por exemplo, entonariam, especificamente, um escrito. Entretanto, a estilística mostra que a pontuação faz muito mais do que apenas demarcar pausas na fala ou modu- lações de voz para recitação, estes MARCADORES DE EXPRESSIVIDADE reproduzem, na escrita, emoções, intenções e anseios do emissor (GUIRAUD, 1970). A vírgula é usada para: separar termos de mesma função sintática na oração; isolar um vocativo; isolar o aposto; isolar termos antecipados, como complemento ou adjunto; separar expressões explicativas, conjunções e co- nectivos, como: isto é, ou seja, por exemplo, além disso, pois, porém, mas, no entanto, assim; separar os nomes dos locais de datas; isolar orações adjetivas explicativas (CEGALLA, 2004). Porém, não possuem somente essa função. Podem suprimir verbos para efeito estilístico, provocar pausas dramáticas para efeito suspensivo e relacionam termos em poemas e romances, dispensando, por vezes, os próprios conectores (CÂMARA JÚNIOR, 1977; CUNHA; ALTGOTT, 2004). A vírgula disputa espaço nos escritos modernos com o travessão. Este, cada vez mais empregado como marcador da expressividade, além de indicar mudança de interlocutor em um diálogo, também separa orações intercaladas, desempenhando similares funções às da vírgula e parênteses; além disso, coloca em evidência uma frase, expressão ou palavra (TANAKA, 2016). 111Marcadores da expressividade A vírgula é utilizada para: � Separar uma enumeração de ações verbais: O menino berrou, chorou, esperneou e, enfim, dormiu. � Isolar um vocativo no meio da frase: Então, minha cara, não há mais o que se dizer! � Marcar um aposto, ou seja, uma explicação sobre o elemento anterior: O João, ex-integrante da comissão, veio assistir à reunião. � Isolar termos como adjuntos ou complementos deslocados: ■ Antecipação de complemento verbal: Uma vontade indescritível de beber água, eu senti, quando olhei para aquele copo suado! ■ Antecipação de adjunto adverbial: Nada se fez, naquele momento, para que pudéssemos sair! � Suprimir unidade verbal entendida em contexto: Brasília, 30 de janeiro de 2009: hoje, nada de diferente. � Isolar termos restritivos: O filme, que você indicou para mim, é muito mais do que esperava. Marcadores da expressividade112 Os pontos, como o final, o de interrogação, o de exclamação, o ponto e vírgula, são marcadores com utilizações muito específicas. O ponto-final, usado ao final de frases para indicar pausa total e mais demorada e para marcar abreviaturas, como nos casos de Sr., a. C., ltda., vv., num., adj., obs. etc. Estilis- ticamente, produzem efeitos de ideia finalizada, afirmação peremptória e até de certeza absoluta do emissor a respeito de algo. É a marca da assertividade (CÂMARA JÚNIOR, 1977). O ponto de interrogação é usado para formular perguntas diretas. Já a partir da abordagem estilística, pode indicar surpresa, expressar indignação, exprimir atitude de expectativa diante de uma determi- nada situação; vaguidão por parte do emissor, incerteza ou até insegurança. O conhecido ponto de exclamação é o mais famoso tipo de pontuação expressiva, vindo depois de frases que expressem sentimentos distintos, tais como: entusiasmo, surpresa, súplica,ordem, horror, espanto (CÂMARA JÚNIOR, 1977); depois de vocativos e de algumas interjeições, também empregados nas frases que exprimem desejo (GUIRAUD, 1970). Não é incomum depararmo-nos com a combinação entre o ponto de inter- rogação e o de exclamação, isso ocorre, de maneira geral, quando a intenção comunicativa expressa, ao mesmo tempo, surpresa, questionamento, admi- ração. A repetição do ponto de interrogação ou de exclamação, quando se deseja intensificar ainda mais a admiração ou qualquer outro sentimento é, atualmente, aceito pela gramática (TANAKA, 2016). O ponto e vírgula, que é usado para separar itens enumerados, separar um período que já se encontra dividido por vírgulas, serve para efeitos estilísticos de pausas um pouco mais longas. Ele não disse nada, apenas olhou ao longe, sentou por cima da grama; queria ficar sozinho com seu cão. Os dois-pontos (:), amplamente utilizados no discurso, é empregado como marcador expressivo quando se deseja entonar uma citação ou introduzir uma fala ou, ainda, quando se quer indicar uma enumeração. Pode marcar uma suspeição da narrativa, que provoca efeito de suspense. As aspas são usadas para indicar, principalmente, a citação de alguém ou expressões estrangeiras, neologismos, gírias; estilisticamente, pode marcar ironias e termos com significação dúbia ou deslocada. 113Marcadores da expressividade As reticências, amplamente utilizadas na linguagem poética, gramatical- mente, são usadas para indicar supressão de um trecho, interrupção ou dar ideia de continuidade ao que se estava falando. No âmbito da análise estilística, as reticências são altamente expressivas, especialmente para exprimir a vaguidão ou incompletude do que se está enunciando (CUNHA; ALTGOTT, 2004). Os parênteses são usados quando se quer explicar melhor algo que foi dito ou para fazer simples indicações, muita das vezes representa a intervenção de uma estância superior à da voz no texto, explicativa, funcionando, por vezes, como o travessão (TANAKA, 2016). Cada autor instrumentalizará esses marcadores de acordo com o seu estilo. Eles são largamente explorados especialmente na arte literária. A pontuação exerce atividade decisiva para que o artista da letra consiga exprimir todas as emoções, divagações, pensamentos interrompidos e retomados. Construções de objetividade e subjetividade: sintaxe e concordância como recursos da expressividade Os recursos de sintaxe também são marcadores da expressividade muito im- portantes dentro do universo da estilística. A sintaxe é uma fonte inesgotável de recursos expressivos. As figuras de sintaxe constroem o significado a partir da concatenação de palavras e inversão da ordem direta. Por atuar no nível da frase e por sua versatilidade, oferece variada gama de recursos expressivos, por isso é um dos campos de estudo estilístico mais fértil. Além disso, cabe destacar o relevante impacto que exerce a seleção sintático-tipológica na construção enunciativa. As inversões, deslocamentos e reposicionamento de vocábulos podem causar efeitos estilísticos de alta relevância (CÂMARA JÚNIOR, 1977). Marcadores da expressividade114 A sintaxe subdivide-se em três tipos: sintaxe de colocação, sintaxe de regência e sintaxe de concordância. A sintaxe de colocação ocupa-se do posicionamento correto dos pronomes oblíquos átonos numa oração. O enunciado assume diferentes efeitos expressivos, de acordo com a posição desses termos. Relembrando que há três possíveis lugares em que o pronome oblíquo átono pode estar: em próclise (antes do verbo), em mesóclise (intercalado com o verbo) ou em ênclise (depois do verbo). A sintaxe de regência se debruça sobre o estudo dos tipos de interligação que podem existir entre um verbo e seus complementos (regência verbal) ou entre os nomes e seus complementos (regência nominal). A sintaxe de concordância ocupa-se da relação gramatical entre dois termos; pode ser verbal ou nominal. Na sintaxe de colocação, ressalta-se o caso da mudança de posição do adjetivo, que altera a significação do sintagma. O adjetivo funciona como marcador semântico- -estilístico importante e o sintagma uma só unidade de significado. Exemplo: Pobre homem = homem infeliz; homem pobre = carente de recursos Os casos da permutabilidade substantivo/adjetivo constituem uma fonte inesgotável de recursos expressivos (CÂMARA JÚNIOR, 1977). Na sintaxe de regência, podem ser objeto de estudo não só os exemplos literários, mas também os do discurso publicitário, os jogos verbais são feitos no nível da regência verbal ligada à significação. Exemplo: O Rio de Janeiro assiste à (vê) rede Globo, porque a rede Globo assiste o (ajuda) Rio de Janeiro. A concordância como recurso da expressividade: objetividade versus subjetividade Também a concordância oferece profícuo material de estudo em matéria de marcadores da expressividade textual. Analise o fragmento a seguir, escrito pelo padre Antônio Vieira: Muito trabalhou o diabo e seus ministros para que eu não viesse a Portugal. 115Marcadores da expressividade O exemplo aqui usado mostra que, ao escrever no singular o verbo ante- posto ao sujeito composto, o autor quis carregar a responsabilidade sobre o diabo, pondo-o em primeiro plano e colocando em condição secundária seus “ajudantes”. A subversão da ordem direta somada aos artifícios de plural e singular do sujeito, fazem com que o entendimento do leitor se foque exata- mente onde deseja o autor. Propondo, no mínimo, ambiguidade. As figuras de linguagem: afiadores do estilo textual Outro recurso importante da estilística, significativos marcadores da ex- pressividade, são as figuras de linguagem, também chamadas de figuras de estilo. São operadores estilísticos utilizados na linguagem oral e escrita que aumentam a expressividade da mensagem. De acordo com o viés do campo da linguagem a que se referem, fonológico, semântico ou sintático, as figuras de linguagem podem ser classificadas, em linhas gerais, como figuras de palavra, figuras de construção, figuras de pensamento e figuras de som. As figuras de palavras enfatizam o aspecto semântico da linguagem. Caracterizam-se principalmente pela substituição, comparação e associação de palavras, realçando o seu sentido figurado, podem-se contar entre elas: metáfora, metonímia, alegoria, perífrase ou antonomásia, catacrese, compa- ração ou símile, sinédoque, sinestesia. Já as figuras de construção (também chamadas de figuras de sintaxe) dão ênfase ao aspecto sintático da linguagem. Caracterizam-se por causarem mudanças na estrutura natural da oração, como inversão, repetição ou omissão de termos. Dentre elas contamos: anacoluto, anáfora, anástrofe ou inversão, hipérbato, sínquise, assíndeto, polissíndeto, elipse, zeugma, silepse, hipálage, pleonasmo ou redundância. As figuras de pensamento dão ênfase ao aspecto semântico da linguagem. Caracterizam-se principalmente pela exploração do sentido das palavras, usando-os para provocar emoções no leitor através de: suavização de termos, enfatização de termos, junção de conceitos opostos. As figuras de pensamento são: antítese, apóstrofe, eufemismo, gradação ou clímax, hipérbole, ironia, paradoxo ou oximoro, prosopopeia ou personificação. Finalmente, as figuras de som são as que dão ênfase ao aspecto fonológico da linguagem. Caracterizam-se principalmente pela repetição ou imitação de sons, como: aliteração, assonância, onomatopeia, paronomásia. Marcadores da expressividade116 Finalmente, como se pode constatar, os marcadores da expressividade são artifícios provindos de diferentes campos da língua, mas que servem a um só objetivo: enriquecer as enunciações, possibilitando uma infinidade de combinações expressivas. Tais marcadores corporificam a capacidade criativa do falante o que contribui diretamente para a comunicação de toda uma coletividade. O estudo da Estilística e de suas bases é indispensável para compreender a dinâmica com que se operacionalizamos marcadores da expressividade. AGUIAR E SILVA, V. M. Teoria da literatura. São Paulo: Martins Fontes, 1976. CÂMARA JÚNIOR, J. M. História da linguística. Petrópolis: Vozes, 1975. CÂMARA JÚNIOR, J. M. Contribuição à estilística portuguesa. 3. ed. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1977. CEGALLA, D. P. Nova minigramática da língua portuguesa. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2004. CUNHA, A.; ALTGOTT, M. A. A. Para compreender Mattoso Câmara. Petrópolis: Vozes, 2004. ESTILÍSTICA. In: NOVÍSSIMO Aulete dicionário contemporâneo da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Lexikon, 2011. EXPRESSIVIDADE. In: NOVÍSSIMO Aulete dicionário contemporâneo da língua portu- guesa. Rio de Janeiro: Lexikon, 2011. GARCIA, O. M. Comunicação em prosa moderna: aprenda a escrever, aprendendo a pensar. 27. ed. Rio de Janeiro: FGV, 2010. GUIRAUD, P. A estilística. São Paulo: Mestre Jou, 1970. TANAKA, G. Em torno da escrita: examinando a pontuação e outros recursos da expressão linguística. 2016. Trabalho de Conclusão de Curso (Licenciatura em Letras — Portu- guês) — Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2016. Disponível em: http:// www.bibliotecadigital.unicamp.br/document/?down=74321. Acesso em: 7 abr. 2019. Leitura recomendada LIMA, C. H. da R. Gramática normativa da língua portuguesa. 51. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2013. 117Marcadores da expressividade ACENTUAÇÃO GRÁFICA Conteúdo: Michela Carvalho da Silva 2 INTRODUÇÃO Você sabe qual é a função da acentuação gráfica? Já percebeu que ela está relacionada a regras, e não à intensidade com que as palavras são pronunciadas? Conhece as suas regras conforme o Novo Acordo Ortográfico? O Novo Acordo Ortográfico é um apanhado de normas que visam a unificar as regras ortográficas em todos os países lusófonos, passando a vigorar a partir de 2009 e sendo obrigatório a partir de 2016. OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM Ao final da unidade você deverá ser capaz de: • Identificar as regras de acentuação gráfica conforme o Novo Acordo Ortográfico; • Demonstrar a utilização dos acentos agudo e circunflexo; • Selecionar a regra de acentuação adequada a cada palavra. REGRAS DE ACENTUAÇÃO A acentuação gráfica serve para marcar a posição da sílaba tônica de algumas palavras que fogem à regra da maioria dos vocábulos da língua portuguesa. Acentuamos as palavras para que sejam corretamente lidas e pronunciadas. Antes de iniciar o estudo das regras de acentuação, é importante definir a classificação das palavras conforme a posição da sílaba tônica. Vamos a ela: Oxítona A sílaba tônica é a última Ex: até, sofá Paroxítona A sílaba tônica é a penúltima Ex: cadáver, álbuns Proparoxítona A sílaba tônica é a antepenúltima Ex: trágico, patético 3 Isto posto, passamos às regras de acentuação conforme o Novo Acordo Ortográfico, que entrou em vigor com obrigatoriedade a partir de 1º de janeiro de 2016 e alterou a acentuação de algumas palavras: 1) São acentuados os monossílabos (palavras compostas por uma única sílaba) terminados em: a) – a (s): já, lá, vás b) – e (s): fé, lê, pés c) – o (s): pó, dó, pós, sós. 2) São acentuadas as palavras oxítonas terminadas em: a) – a (s): cajás, vatapá, ananás, carajás b) – e (s): você, café, pontapés c) – o (s): cipó, jiló, avô, carijós d) – em (ens): também, ninguém, vinténs, armazéns. 3) São acentuadas as palavras paroxítonas terminadas em: a) – i (s): júri, cáqui, lápis, tênis b) – us: vênus, vírus, bônus c) – r: caráter, revólver, éter d) – l: útil, amável, nível, têxtil e) – x: tórax, fênix, ônix f) – n: éden, hífen g) – um, – uns: álbum, álbuns, médium h) – ão (s): órgão, órfão, órgãos, órfãos i) – ã (s): órfã, ímã, órfãs, ímãs j) – ps: bíceps, fórceps. 4 IMPORTANTE 1) As paroxítonas terminadas em n são acentuadas, mas as que terminam em ens não são. Ex: edens, hifens. 2) Os prefixos terminados em i e r não são acentuados. Ex: semi, super. 4) Todas as proparoxítonas são acentuadas: cálido, tépido, cátedra, sólido, límpido, cômodo. 5) Casos especiais: a) São sempre acentuadas as palavras oxítonas com ditongos abertos -éis, - éu(s) ou -ói(s). Ex: anéis, fiéis, papéis; céu(s), chapéu(s), ilhéu(s), véu(s), herói(s), sóis. b) São acentuados o i e u, quando representam a segunda vogal tônica de um hiato e desde que não formem sílaba com r, l, m, n, z ou não venham seguidos de nh. Ex: saúde, viúva, saída, caído, faísca, aí. c) São acentuadas as vogais tônicas i e u das palavras oxítonas quando, mesmo precedidas de ditongo decrescente, estão em posição final, sozinhas na sílaba, ou seguidas de s. Ex: Piauí, teiú, teiús, tuiuiú, tuiuiús. 5 IMPORTANTE Se, neste caso, a consoante final for diferente de s, tais vogais não serão acentuadas. Ex: cauim, cauins. d) São acentuadas as palavras terminadas por ditongo oral átono. Ex: ágeis, jóquei, túneis, área, espontâneo, ignorância, imundície, lírio, mágoa, régua, tênue. e) É acentuada a vogal tônica i das formas verbais oxítonas terminadas em - air e -uir, quando seguidas de -lo(s) e -la(s), caso em que perdem o r final. Ex: atraí- lo(s), atraí-lo(s)-ia, possuí-la(s), possuí-la(s)-ia. f) Leva acento diferencial a sílaba tônica da 3ª pessoa do singular do pretérito perfeito pôde, para distinguir-se de pode, forma da mesma pessoa do presente do indicativo. Observação: A forma verbal pôr continuará a ser grafada com acento circunflexo para se distinguir da preposição átona por. g) A 3ª pessoa de alguns verbos é grafada da seguinte maneira: 1) quando termina em – em (monossílabos): 3ª pessoa do singular: ele tem, ele vem 3ª pessoa do plural: eles têm, eles vêm 2) quando termina em – ém: 3ª pessoa do singular: ele contém, ele convém 3ª pessoa do plural: eles contêm, eles convêm 3) quando termina em – ê (crê, dê, lê, vê e derivados): 3ª pessoa do singular: ele crê, ele revê 3ª pessoa do plural: eles creem, eles reveem 6 h) As palavras paroxítonas com os ditongos abertos -ei e –oi não são mais acentuadas. Ex: assembleia, boleia, ideia, proteico; alcaloide, boia, heroico, jiboia, paranoico. SAIBA MAIS Receberá acento gráfico a palavra que, mesmo incluída neste caso, se enquadrar em regra geral de acentuação, como ocorre com blêizer, contêiner, destróier, gêiser e outras, porque são paroxítonas terminadas em -r. i) Não se acentuam os encontros vocálicos fechados. Ex: pessoa, patroa, coroa, boa, canoa; teu, judeu, camafeu; voo, enjoo, perdoo, coroo. j) Perde o acento gráfico a forma para (do verbo parar) quando faz parte de um composto separado por hífen: para-balas, para-brisa(s), para-choque(s), para-lama(s). j) O trema não é mais utilizado nos grupos gue, gui, que, qui, mesmo quando for pronunciado e átono. Ex: aguentar, arguição, eloquência, frequência, tranquilo. Sintetizamos na tabela a seguir as principais regras de acentuação das oxítonas e paroxítonas: TERMINAÇÕES OUTRAS TERMINAÇÕES a(s), e(s), o(s), em e ens l, n, r, x, os, t, ã(s), ão(s), ei(s), i(s), u(s), on(s), um, uns OXÍTONAS sim não PAROXÍTONAS não sim 7 REFERÊNCIAS BECHARA, Evanildo. Moderna gramática portuguesa. 37. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2009. DESLIGAMENTO Conteúdo: João Guterres de Mattos Página em branco