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a um novo nível."
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Sumário
Capa
Folha de rosto
Conferência sobre as árvores
Perguntas e respostas
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Eu não pensaria nem por um instante em esconder a simpatia que as
árvores me inspiram, nem a admiração que há muito tempo sinto por
elas. Tempos atrás, eu estava num avião. Ao meu lado sentou-se um
industrial, acho que foi em Teerã. Começamos a conversar, pois
tínhamos uma língua em comum, e esse homem me disse uma coisa que
jamais esqueci: “Seja qual for sua profissão, em algum momento você
vai se perguntar se não está perdendo tempo, ou até mesmo causando
algum mal. Seja você comerciante, arcebispo, pescador, músico ou
médico, cedo ou tarde terá a impressão de estar perdendo seu tempo. Só
existe uma exceção: se você planta árvores, tem a certeza de que está
fazendo algo de bom”. Eu gostei muito do que ele disse.
Para mim elas são vivas, maravilhosas, extremamente autônomas, e
insistirei nesse ponto porque a autonomia é essencial: a única coisa que
uma árvore pede é que a deixem em paz. Acho que elas são muito úteis
à espécie humana, discretas, às vezes um tanto caladas, e nem um pouco
violentas. São muitas qualidades em que nossas sociedades atuais
poderiam muito bem se inspirar.
Podemos nos perguntar também se elas têm defeitos. Não que isso seja
propriamente um defeito, mas elas são tão estáveis e silenciosas que
acabam não sendo vistas. Na cidade, a maioria das pessoas nem repara
nas árvores, a não ser quando são derrubadas. Para muitos
contemporâneos nossos, elas não são seres vivos. Essa ideia,
evidentemente falsa, se deve à sua discrição e ao seu silêncio.
Antes de explicar por que gosto tanto delas, quero lembrar que algumas
pessoas não gostam, pessoas ilustres que deixaram por escrito registros
incontestáveis dessa falta de afeto pelas árvores, como fez Jean-Paul
Sartre em A náusea. Em um jardim público, o narrador percebe de
repente que, junto ao seu banco, ergue-se um tronco cujas raízes entram
e saem da terra, e para ele essa visão é insuportável. É preciso também
citar Gilles Deleuze, outro filósofo. Não estou criticando esses
escritores, apenas constatando o que eles pensavam das árvores. Em uma
pequena obra de poucas páginas intitulada Rizoma, Deleuze vê a
árvore como um verdadeiro símbolo do totalitarismo. Lembro também
de Ronald Reagan. Quando ele era presidente dos Estados Unidos,
levaram-no para ver as sequoias na Califórnia e Reagan declarou:
“Quem viu uma, viu todas”. Há, ainda, Samuel Beckett. Em
Esperando Godot, um personagem chamado Estragon diz: “Uma
árvore não serve para nada, a não ser para se enforcar”. Talvez tenha
sido isso o que me estimulou a escrever um apelo em defesa da árvore,
que considero muito mais adequado do que essas opiniões negativas.
Observem que as pessoas que disseram coisas boas a seu respeito são
bem mais numerosas. A começar por Jean Giono, com seu conto O
homem que plantava árvores. Voltaire, já idoso, recolhido em
Ferney, escreveu a seus amigos parisienses: “Não faço outra coisa senão
plantar árvores; sei que estou velho demais para tirar proveito de seus
frutos ou de sua sombra, mas não vejo maneira melhor de pensar no
futuro”. Essa frase é maravilhosa. É preciso falar também do
revolucionário Danton, de Victor Hugo, Khalil Gibran, André Gide e
Francis Ponge, por quem tenho um carinho especial pelo fato de sermos
da mesma cidade no sul da França, e que escreveu: “Os animais
correspondem ao oral; as plantas, ao escrito”. Acho que, em poucas
palavras, ele captou uma ideia muito importante. Os animais podem ser
muito simpáticos, divertidos e nos fazer rir, mas não podemos contar
com eles, porque se locomovem e não estarão mais ali no dia seguinte.
Ao passo que, com uma árvore, nós podemos contar.
Não se pode esquecer de Rilke, Colette, Blaise Cendrars e Paul Valéry,
que disse coisas essenciais. Ele escreveu um pequeno livro de poucas
páginas intitulado Diálogo da árvore. Quando era estudante, li o
Diálogo da árvore sem ter qualquer conhecimento específico sobre
árvores, na época, e fiquei com a impressão de não ter entendido o que
esse homem escrevia, uma vez que ele era um literato, e eu, um cientista.
Achei normal que não nos compreendêssemos e não tirei proveito desse
texto. Eu o reli algum tempo atrás e agora o releio regularmente. Ele diz:
“A árvore mostra seu tempo”. Acho isso forte e profundo. Esses poetas e
literatos têm sacadas brilhantes, às vezes em áreas que não são as suas,
pois Valéry era mais um matemático. “A árvore mostra seu tempo.” De
fato, agora entendo o que ele quis dizer: a árvore é uma forma pela qual
o tempo se torna visível. Pensem em Goethe, Emil Cioran ou Buda, que
disse: “A árvore é um ser tão generoso, que oferece sua sombra a quem
vem derrubá-la”. Essa frase também é linda. Há também François
Chateaubriand, Casimir Fabre e Mandela, com quem vou encerrar.
Nelson Mandela passou 27 anos na prisão, a maior parte deles na Ilha
Robben, diante da Cidade do Cabo. Segundo ele, se conseguiu
sobreviver e se manter com saúde, foi porque os guardas da prisão
perceberam que ele gostava de plantas e lhe ofereceram tambores
serrados ao meio, cheios de terra boa. Ali, ele cultivava verduras e
legumes – primeiro, para seus companheiros de cela, depois para toda a
prisão e, finalmente, para a Ilha Robben inteira. Ele também cultivava
árvores frutíferas. Em sua autobiografia, escreveu esta frase que acho
magnífica: “Eu estou preso, mas minhas plantas são livres”.
Quero compartilhar com vocês uma razão objetiva dessa minha simpatia
pelas árvores. É o extraordinário contraste entre o pouco de que
necessitam e a enormidade do que realizam. De que uma árvore precisa?
Coisas fáceis de encontrar, triviais: de água, de alguns minerais
encontrados na água e na terra, de luz e de gás carbônico, ou CO2. Ora,
este último, como vocês sabem, não só não nos faz falta, como temos
cada vez mais. Dá para imaginar um ser vivo mais frugal, mais modesto
em suas necessidades? Aliás, reparem que a água, a luz e o CO2 são
iguais em toda parte, o que é muito coerente com o fato de que as
árvores, em geral, nem saem do lugar. Um animal, que pode ter
necessidades alimentares bastante refinadas, é obrigado a se deslocar.
Uma palavra sobre o gás carbônico. Vocês sabem que ele se tornou um
verdadeiro poluente. Desde o fim da Segunda Guerra Mundial e dos
anos 1940, as curvas que indicam a proporção de gás carbônico na
atmosfera são muito preocupantes. Esse gás de efeito estufa é
extremamente abundante e, em grande parte, o responsável pelo
aquecimento global e por todas asmudanças climáticas associadas a ele.
Uma árvore pode conter uma enorme quantidade de matéria, centenas
de metros cúbicos de madeira que podem atingir milhares de toneladas.
De onde ela vem? Todos sabem que, no início, havia apenas uma
minúscula semente. Essa coisa enorme tem que sair de algum lugar.
Quando faço essa pergunta aos meus contemporâneos, as pessoas
respondem que a matéria da árvore sai da terra. Sinto muito, mas a
resposta está errada. Nos desenhos animados que meus netos assistem,
vemos realmente as árvores saírem da terra, mais ou menos como a
pasta de dentes sai de um tubo ao apertarmos. Mas, ao contrário, a
árvore é um amontoado de poluentes atmosféricos que vêm do ar. Ela
retira do ar o poluente a que me refiro, o gás carbônico. Claro, também
retira alguma coisa da terra, mas em torno de uma colher de café, não
mais. A maior parte vem de uma depuração atmosférica; inclusive,
podemos perfeitamente comparar uma árvore a uma estação de
tratamento. Mais uma razão para respeitar as árvores nas cidades. Enfim,
elas precisam de água, minerais, luz e CO2. Existe algo mais banal?
Agora, vamos analisar a dimensão do que elas realizam. Essa
discrepância entre as duas coisas sempre me espanta e me parece
admirável. Atualmente, conhecemos 70 mil espécies de árvores. Esse
número cresce muito rápido, porque a cada ano os botânicos descobrem
e descrevem cerca de cem espécies. Noventa por cento da biomassa –
isto é, do peso acumulado de tudo o que está vivo e de tudo o que já
esteve e agora está morto – é formada pelas árvores. Os maiores de todos
os seres vivos são as árvores, e sempre foram, durante as eras geológicas
anteriores. O maior animal atual é a baleia-azul, que mede 40 metros.
As maiores árvores atuais são as sequoias-gigantes da Califórnia, com
uma altura recorde de 120 metros, equivalente a duas vezes a altura das
torres da catedral de Notre Dame, em Paris. Sem recorrer a esse exemplo
extremo, peguem uma árvore comum de 15 metros de altura e tentem
calcular a área de sua superfície. Por quê? Porque, ao contrário de nós,
as árvores e plantas são seres de superfície. Não é uma tarefa fácil,
temos que trabalhar por aproximação. É preciso considerar cada folha
em sua frente e verso, estender os pequenos galhos geometricamente, ou
seja, transformá-los em retângulos, assim como os galhos médios, os
grandes e o tronco, o que vai resultar num grande retângulo. Depois
temos o problema das raízes. Estimo que a área de uma árvore comum,
como aquelas que encontramos em nossas cidades, seja de duzentos
hectares, embora esse número possa parecer exagerado ou muito
modesto para vários colegas. Imaginem que uma árvore de tamanho
médio, totalmente estendida, cobriria todo o principado de Mônaco.
Para ter uma ideia da superfície de uma árvore, basta imaginá-la
molhada: ela pesaria duas vezes mais, não porque a água tivesse
penetrado em seus tecidos, mas unicamente por causa de sua imensa
superfície molhada.
As árvores não apenas são os maiores seres vivos existentes, como são
também os que vivem mais. A longevidade das árvores é algo que muito
me interessa. Não sou zoólogo, mas acho que o animal mais longevo é
uma tartaruga-gigante das ilhas Seychelles; ela vive trezentos anos, bem
mais tempo que um ser humano, mas isso é pouco comparado ao que
vivem as árvores. Tempos atrás, pude admirar na Califórnia uma árvore
impressionante que havia sido atingida por um raio quando jovem e da
qual havia brotado uma série enorme de troncos grossos como colunas.
Chamava-se “Partenon”, como o templo grego, contou o guarda-florestal
americano que me acompanhava. Surpreso com essa lembrança
repentina da cultura europeia num ambiente em que normalmente não se
espera, achei a analogia bonita e perguntei a idade da árvore. Três mil
anos. Não é um cálculo aproximado, essas árvores possuem anéis que
podem ser contados. Não se pode imaginar que uma árvore da
Califórnia tenha dois anéis por ano, nem que em algum ano ela tenha
deixado de crescer e produzir um anel, isso é impossível. Portanto, esse
é um número realmente confiável. Então, fui pesquisar a idade de nosso
Partenon europeu: 2.400 anos. Quando os gregos decidiram construir o
templo à deusa Atena na colina da Acrópole, essa árvore já tinha
seiscentos anos, media cem metros de altura e quatro metros de
diâmetro. Provavelmente foi nessa época que um raio a fulminou, mas
ela sobreviveu. Toda a história de nossa civilização greco-romana cabe
na vida de uma árvore. Para nós, europeus, o Partenon simboliza o berço
de nossa cultura. As Pinus longaeva, também da Califórnia, que têm
cerca de 5 mil anos, brotaram na época em que os faraós egípcios
estavam construindo as pirâmides. O recorde atual – digo, precisamente,
“atual” porque tenho certeza de que um dia será ultrapassado – é de 43
mil anos e pertence a uma árvore da Tasmânia, a grande ilha ao sul do
continente australiano, que é chamada de Azevinho Real da Tasmânia.
Quarenta e três mil anos correspondem ao Pleistoceno, que precedeu
nossa era geológica atual. Nessa época, não existia uma única espécie
humana como hoje, e sim duas: a nossa, Homo sapiens, e o homem
de Neandertal, bem mais forte. Toda a história de nossa evolução
biológica cabe na vida de uma árvore.
Como essas árvores conseguem viver tanto tempo? Vamos tomar como
exemplo a oliveira, que cresce como uma pequena árvore comum. Em
seu tronco, surgem pequenas protuberâncias que a cada ano vão
descendo até alcançarem o chão, onde se acumulam formando uma
poça, como gotas de cera que escorrem por uma vela. Dessa poça, que
pode ter o tamanho do palco de um teatro, saem milhares de oliveiras.
Algumas são grandes, velhas e talvez já estejam até mortas; outras são
vigorosas e estão em plena produção; embaixo, encontra-se uma
infinidade de pequenas oliveiras. E tudo isso veio de uma única semente.
A oliveira encerra em si toda uma dinâmica florestal. Em Roquebrune,
na Côte d’Azur, existe uma oliveira contemporânea da estrada romana
que ia de Roma até Narbonne, então chamada de Gália Narbonense. Ela
tem 2 mil anos e não mostra nenhum sinal de envelhecimento.
Muitas árvores são potencialmente imortais, o que significa que não têm
um programa de senescência. Se colocarmos uma árvore nas melhores
condições possíveis durante toda a sua vida e a deixarmos
escrupulosamente protegida de todos os ataques, todos os perigos, todos
os infortúnios que possam lhe acontecer, veremos que ela não morrerá.
Enquanto garantirmos as condições adequadas, ela permanecerá viva e
continuará a crescer. O que é um programa de senescência? Vejamos o
caso dos seres humanos, cuja senescência conhecemos melhor, por ser a
mais estudada. Nós temos 26 mil genes, isto é, as partículas hereditárias
que são responsáveis pela cor dos nossos olhos, pelo aspecto dos nossos
cabelos, pelas nossas características físicas. No início, quando somos
crianças, todos esses genes funcionam bem, estão todos ativos, mas com
o passar dos anos nossos genes vão se apagando como velas que
cobrimos com um abafador. Isso se chama metilação. Nós conservamos
esses 26 mil genes até nosso último suspiro, mas o número de genes
ativos diminui. Colegas espanhóis da Universidade de Oviedo, no norte
da Espanha, demonstraram recentemente que isso não acontece da
mesma maneira nas árvores. Ocorrem metilações, mas ao longo do ano,
entre a primavera e o inverno. Na primavera seguinte, quando os botões
se abrem, há uma desmetilação total e a árvore volta a ter o mesmo
número de genes ativos que tinha quando era jovem. Esses organismos
vivos se beneficiam de uma desmetilase, uma enzina capaz de remover o
capuz da metilação. Alguns gerontólogos questionam o motivo da
ausência dessa enzima no homem.
Uma palavra sobre o genoma. O genoma é a coleção de todos os nossos
genes, que são 26 mil no ser humano. Esse número foi anunciado há
uma década, nos Estados Unidos, como uma vitória. O ser humano
sempre secolocou no topo da evolução; é uma posição autoproclamada,
mas tudo bem. Por azar, dois anos depois, o genoma do arroz – 50 mil
genes – colocou em dúvida a regra simples segundo a qual, quanto mais
evoluído é um ser vivo, mais genes ele tem. Somente o geneticista Axel
Kahn defende que não se abandone a regra em questão. “Se o arroz tem
mais genes que o ser humano”, afirmou ele, “é porque é mais evoluído
do que nós.” Diante do espanto e incredulidade demonstrados por sua
plateia, ele declarou: “Experimentem passar o inverno com os pés na
água fria, alimentando-se exclusivamente de um sol fraco e de gás
carbônico. Não vão conseguir, porque não temos um número suficiente
de genes, nosso genoma é muito pequeno para fazermos uma coisa
dessas”. Quero desfazer um mal-entendido. Não estamos competindo
com as plantas, pois para isso precisaríamos estar correndo na mesma
direção. No entanto, temos a impressão de que as plantas tomaram um
rumo e os animais, outro, e acho que precisamos simplesmente ter a
modéstia de admitir que as plantas chegaram mais longe em sua direção
do que nós, na nossa.
A bioquímica das árvores é apaixonante. Pelo fato de não saírem do
lugar, essas plantas precisam se defender de muitas coisas por meio de
um verdadeiro virtuosismo bioquímico. Existem árvores medicinais,
sem dúvida a mais conhecida é a quina, que tem sido usada há muitos
anos para combater a malária e continua sendo um dos melhores
tratamentos contra o paludismo. O ginkgo é cultivado em abundância no
sul da Europa, hoje em dia, e usado para melhorar a circulação
sanguínea no cérebro. Certas moléculas do teixo constituem o melhor
tratamento atual contra o câncer. Árvores medicinais não faltam,
portanto, mas prefiro me concentrar no controle das chuvas. Uma árvore
é uma imensa superfície que envia para a atmosfera toneladas de vapor-
d’água, o que é praticamente função sua. Há cerca de vinte anos,
enquanto trabalhava no Gabão, uma equipe de pesquisadores da qual eu
fazia parte percebeu que, paralelamente, cada espécie de árvore emitia
moléculas voláteis específicas. Os ingleses usaram o termo VOC
(Volatile Organic Compound) para designar essas moléculas
orgânicas que são liberadas na atmosfera. Mais recentemente, um
pesquisador brasileiro, Antonio Nobre, que trabalha no coração da bacia
amazônica em um maravilhoso laboratório chamado Inpa (Instituto
Nacional de Pesquisas da Amazônia), descobriu o papel dessas
emissões. Não basta a presença de vapor-d’água na atmosfera para
chover. São necessárias sementes em torno das quais se aglomerem cada
vez mais moléculas de água, para que acabem formando uma gota
d’água que caia. Essas sementes podem ser poeira, mas ela não existe na
floresta amazônica. Então os VOCs fazem o papel de sementes. Essas
moléculas emitidas pelas árvores são muito variadas, elas contêm etanol,
formaldeído, diversas enzimas e uma molécula bastante perigosa: o
metilmercaptano, um poluente. Quero deixar claro que podemos muito
bem conviver com algumas moléculas de metilmercaptano. As árvores
não só liberam o vapor-d’água na atmosfera, como também conseguem
controlar o retorno dessa água sob a forma de chuva. Quando eu era um
jovem pesquisador na África, lembro de ter visto uma nuvem no
horizonte em plena savana. Seguindo naquela direção, descobrimos uma
pequena floresta abaixo dessa nuvem. Alguns hectares de floresta são o
bastante para que chova.
Outra proeza bioquímica é a comunicação entre as árvores. Há trinta
anos, essa ideia teria provocado risos porque era algo totalmente
desconhecido. O divisor de águas veio em 1990, ano em que um colega
da Universidade de Pretória, na África do Sul, de nome Van Hoven,
chamou atenção para o fato de que as árvores se comunicavam entre si.
Na savana ao redor de Pretória encontram-se pequenas árvores de cinco
metros de altura, as Acacia caffra, e grandes gazelas chamadas
kudus. Essas acácias servem de alimento para os kudus. Van Hoven
observou atentamente uma dessas situações. Curiosamente, as gazelas
comem as folhas da acácia durante um período bastante curto, uns vinte
segundos, depois vão embora, embora seja óbvio que ainda estejam com
fome. Por quê? Van Hoven comparou a constituição bioquímica das
folhas de acácia antes e depois de serem arrancadas pelo kudu. A
primeira descoberta: ocorre uma súbita modificação na bioquímica da
folha, que antes era comestível e passa a se tornar imprópria para o
consumo, ou até mesmo tóxica, depois das poucas mordidas dadas pelo
kudu. Esse primeiro resultado já desperta interesse, mas o que ocorre a
seguir é ainda mais interessante. O kudu abandona aquela acácia e vai
em direção a outra. É fácil perceber que, para ir de uma acácia a outra,
ele anda contra o vento. Todas as acácias que estão do outro lado, a favor
do vento, tornaram-se tóxicas. A primeira acácia a ser comida enviou
uma mensagem às outras que pode ser traduzida assim: “Cuidado,
amigas, há um kudu por perto; se não quiserem ter algumas folhas
arrancadas, precisam se tornar tóxicas agora”. Embora tenha sido rápido
entender que a mensagem era levada pelo vento, demorou um pouco
mais para identificar que a molécula envolvida era o etileno, uma
substância muito simples que faz parte dos hormônios vegetais. Van
Hoven classificou sua árvore como “altruísta”. Em geral, não gosto
muito que as pessoas atribuam sentimentos humanos às árvores. Mas é
preciso reconhecer que, nesse caso específico, não foi inadequado
porque essa acácia alimenta os kudus, ainda que em pequenas porções,
ao passo que outra solução consistiria em ser tóxica o tempo todo.
Muitas plantas se protegem dos predadores assim. A Acacia caffra
torna-se tóxica quando necessário e volta a ser comestível em 24 horas.
Portanto, ela alimenta os kudus e alerta suas companheiras por uma
espécie de altruísmo. Atualmente, muitos laboratórios do mundo todo
estudam essas formas de comunicação entre as árvores. Além dessa
comunicação por via aérea, existem outras, dos mais variados tipos. As
árvores vivem em simbiose com fungos do solo, sem os quais não
existiriam. Eles permitem a comunicação entre as árvores porque um
mesmo fungo pode manter uma relação simbiótica com duas árvores
bem distantes uma da outra, e que às vezes não são nem da mesma
espécie. Por exemplo, se uma árvore está com falta de determinado
elemento, como o fósforo, as árvores vizinhas o enviam por meio do
filamento do fungo. Em 1996, meu colega Danchin mostrou em seu
artigo “Le cri du haricot” [O grito do feijão] que um feijão praguejado
por pulgões emite um VOC na atmosfera que atrai os predadores dos
pulgões. Dá para imaginar um pesticida menos poluente ou mais eficaz?
É assim que as plantas se comunicam entre si e com os animais.
Precisamos nos dedicar também à estranha questão das folhas
subterrâneas. As longas raízes subterrâneas também contêm folhas.
Durante muito tempo, elas foram chamadas de raízes finas, ou ainda de
“braquirrizas”. Porém, graças ao trabalho dos paleobotânicos que
estudam os fósseis de vegetais, hoje sabemos que são folhas. Proveniente
de um período geológico muito antigo, o Carbonífero, a árvore
denominada Lepidodendron é um dos fósseis mais conhecidos. Nela,
não existe diferença entre os galhos repletos de folhas e as raízes longas
que sustentam raízes finas, a ponto de ser impossível distinguir os fósseis
aéreos dos subterrâneos. Essa simetria da árvore, que faz do solo um
verdadeiro espelho, não existe mais, mas resta ainda uma simetria
funcional.
Quando perdem suas folhas no mês de novembro, as árvores perdem
também as finas raízes subterrâneas. Elas não caem porque já estão na
terra, mas morrem. Na primavera, a raiz longa cresce juntamente com os
galhos. Nos novos prolongamentos dos galhos, crescem novas folhas,
tanto fora como dentro da terra. Essa descoberta não é apenas de
interesse teórico: o cogumelo conhecido como trufa se instala nessas
folhas subterrâneas. Portanto, os truficultoresficam felicíssimos ao saber
da existência de folhas subterrâneas.
Um outro ponto, relacionado a um campo totalmente distinto, também
vem abalando a comunidade científica: a influência da Lua. Na zona
rural, as pessoas mais velhas costumam levar em consideração as fases
da Lua para todo tipo de atividades agrícolas: semear, transplantar,
enxertar... Até bem recentemente, a comunidade científica observava
esse fenômeno, que considerava subjetivo e empírico, com certa
condescendência. Em Camarões, por exemplo, a influência da Lua na
agricultura é evidente. Mas, aqui, não gostamos de empirismo,
preferimos que alguma teoria nos ajude a entender as coisas. Em 1998,
na célebre revista britânica Nature, uma equipe suíça, italiana e
francesa publicou um artigo intitulado “Tree stem diameters fluctuate
with tide” [O diâmetro dos troncos de árvore varia de acordo com a
maré]. Essa mistura entre o diâmetro dos troncos de árvore e um
fenômeno estritamente astronômico como o das marés pode causar
espanto. Quando a Lua exerce atração, a maré sobe naquele ponto e a
árvore fica um pouco mais alta e mais estreita. Uma árvore representa
uma massa de água suficiente para se mensurar a atração lunar. Quando
essa atração não ocorre, a árvore fica um pouco mais baixa e mais
grossa. As marés resultam da ação de dois astros: da Lua, mas também
do Sol. Quando a Lua e o Sol atraem no mesmo sentido, produz-se o que
os marinheiros chamam de “marés vivas” com uma grande amplitude
entre a maré alta e a maré baixa. Quando os dois astros atraem em
sentidos opostos, ocorrem as “marés mortas” com uma amplitude muito
baixa. Tudo isso se reflete nos diâmetros dos troncos. Esse exemplo é
muito interessante do ponto de vista epistemológico: uma tradição
empírica muito antiga acerca da influência da Lua sobre as plantas, e
mais particularmente sobre as árvores, que prevaleceu em todos os
continentes e todas as épocas, encontrou validação no plano científico.
Olivier de Serres escreveu no século XVI: “É importante observar a
posição da Lua para, na fase crescente, cortar lenha para se aquecer e, na
minguante, madeira para as construções”. Dependendo da fase da Lua,
não se obtém nada além de lenha para queimar, ou podem-se obter vigas
que continuarão de pé daqui a cinco séculos. A Suíça é o país europeu
mais avançado no que se refere à madeira e sua utilização. Vocês sabem
que na Suíça são construídas muitas casas de madeira – os chalés. Quem
não tem muito dinheiro constrói um chalé que vai durar cinquenta anos,
mas não muito além disso. Quem tem mais recursos compra a “madeira
da lua”, como é chamada, e constrói um chalé que vai durar três séculos
tranquilamente. Os suíços fazem até lareiras de madeira. É preciso
prestar muita atenção à época em que a árvore é derrubada, senão a
lareira pode pegar fogo. Mas a mesma árvore pode se tornar resistente ao
fogo. Um ofício que sempre levou em consideração as fases da Lua é o
dos luthiers, que fabricam instrumentos musicais. Os fabricantes dos
Stradivarius jamais usariam uma madeira sem saber em que período
lunar foi derrubada. Eles acompanham grande parte da vida da árvore e
a derrubam na época mais adequada do ano, isto é, em pleno inverno,
quando a Lua não aparece.
Termino com uma pergunta um tanto delicada, uma questão identitária:
os antepassados da espécie humana viviam em árvores? Essa questão
científica bastante séria coloca em oposição na própria França,
atualmente, duas escolas de pensamento. Uns acham que nossos
antepassados viviam em árvores, que descendemos de seres arborícolas;
os outros absolutamente não acreditam nisso. Yvette Deloison,
pesquisadora-chefe do Centro Nacional de Pesquisas Científicas da
França, escreveu em seu livro Préhistoire du piéton [Pré-história do
pedestre] que, por mais que recuemos na linhagem do homem, sempre
encontraremos seres terrestres, verticais e bípedes. Nossa linhagem,
afirma Yvette Deloison, não tem nada a ver com as árvores. Uma escola
que se opõe a essa visão está ligada ao Collège de France e inclui Yves
Coppens e Pascal Picq, paleoantropólogos de cujas ideias compartilho,
que acham que nas origens de nosso gênero Homo havia animais
arborícolas. Essa questão antiga ainda não está resolvida. Quando
Darwin regressou de sua volta ao mundo na expedição Beagle e
muitos anos depois escreveu a frase que todos conhecem, de que “o
homem descende do macaco”, isso significava que, segundo ele, nossos
antepassados eram arborícolas. Hoje em dia, já não expressaríamos essa
convicção da mesma maneira. O macaco e o homem, por serem
contemporâneos, não podem descender um do outro. Na linguagem
evolutiva atual, diríamos que o homem e o macaco possuem um
ancestral comum. Quando Darwin fez essa afirmação, causou verdadeiro
pânico na Grã-Bretanha. O Império Britânico vinha se estabelecendo na
África Oriental e os ingleses da era vitoriana não estavam nada de
acordo com a ideia de ter macacos como ancestrais. Darwin foi
declarado “o homem mais perigoso da Inglaterra”. Um membro da alta
sociedade vitoriana chegou a dizer: “Tomara que esse tal senhor Darwin
esteja enganado e, se por azar ele estiver certo, tomara que isso possa
ficar entre nós”. Por que tamanha recusa? Os ingleses da época só
conheciam macacos trancados em zoológicos, onde eram infelizes,
sujos, violentos... Eu tive a chance de viver no dossel da floresta e ver
macacos ao meu redor. São animais extraordinários e muito dignos de
serem nossos ancestrais! Eles são simpáticos, bastante agitados, às vezes
têm disputas ferozes, mas possuem técnicas muito boas para resolver os
conflitos. Coppens, que me inspirou muito, diz que nossos antepassados
eram os “senhores do dossel”. Gosto dessa ideia. Ela não é recente: a
origem de nosso gênero (no sentido naturalista da palavra) Homo situa-
se na transição do Oligoceno para o Mioceno, ou seja, entre 30 e 15
milhões de anos atrás, na África Oriental, nas latitudes equatoriais, no
dossel das florestas.
Vamos admitir que nossos antepassados fossem arborícolas e nos
perguntar: existe algo em nossa organização física atual que remeta a
essa época? Existem recordações de nossa origem arborícola? A resposta
é sim. O ser humano é um animal vertical, fenômeno muito raro.
Existem pouquíssimos animais verticais. O cavalo-marinho se locomove
na posição vertical, assim como certos peixes tropicais que nadam de
cabeça para baixo entre os espinhos de grandes ouriços-do-mar. O
pinguim-imperador, famoso pelo filme A marcha dos pinguins,
dirigido por Luc Jacquet, anda na posição vertical como um
homenzinho. E há nós. Esse fato requer uma explicação. Existem dois
tipos de macacos: os que andam de quatro pelos galhos, que não nos
interessam aqui, e os que praticam a braquiação, uma fantástica maneira
de se locomover. Eles agarram um galho com uma das mãos e se
balançam para alcançar outro com outra mão, a quase dois metros de
distância. Os gibões da Ásia, por exemplo, locomovem-se por
braquiação dessa forma, oferecendo um espetáculo admirável, ainda
mais por suas extraordinárias vocalizações. Eles descem até o chão de
vez em quando, espontaneamente; embora não tão à vontade, ficam na
posição vertical e andam sobre dois pés. Segundo Coppens e Picq,
devemos nossa verticalidade a nossos antepassados que praticavam a
braquiação. Outra coisa importante: nossas mãos têm polegares
oponíveis a qualquer outro dedo, o que é ideal para praticá-la. Todos os
macacos braquiadores – porque os gibões não são os únicos, existem
outros, principalmente na América do Sul – têm as mãos estruturadas
dessa forma. Isso é totalmente evolutivo. Um órgão criado para um
determinado propósito pode continuar a existir, se encontrar outra
utilidade. Seja no cabo de uma ferramenta ou no volante de um
caminhão, a mão é útil e por isso a preservamos. Mas ela não foi criada
para esse propósito; sem dúvida, foi para a braquiação. Temos os olhos
próximos, e portanto um rosto, e isso estáligado ao deslocamento em
três dimensões imposto pela locomoção entre as copas das árvores. Sei
disso por experiência própria, é preciso ter uma excelente noção de
profundidade para se locomover no dossel. Tentar agarrar um galho
achando que ele está mais perto do que está realmente é queda na certa,
e a 50 metros de altura, é morte – a seleção natural de Darwin entra em
ação. Portanto, é fundamental enxergar o relevo. E, para isso, é preciso
ter os olhos próximos um do outro. Quem não é tão ambicioso e se
locomove apenas em um plano pode ter um olho de cada lado. Em geral,
os olhos dos peixes são assim. Nossos olhos próximos, portanto,
também seriam uma recordação de nossa ascendência arborícola.
Naturalmente, ter os olhos na frente do rosto traz uma desvantagem, um
grande ponto cego na parte de trás. Um animal com um olho de cada
lado pode enxergar praticamente tudo ao seu redor, ao passo que eu não
vejo o que está atrás de mim. Alguns antropólogos norte-americanos
sugerem que a vida em sociedade teria resultado desse ponto cego e da
necessidade de que ele fosse coberto por um amigo. Eu percebo que os
grandes primatas no dossel das florestas nunca estão sozinhos, eles
vivem em pequenos grupos de oito ou nove indivíduos e, embora
briguem o tempo todo, estão ali para proteger a integridade do grupo.
Medindo minhas palavras, terminarei esta pequena conferência dizendo
o seguinte: sem as árvores, não seríamos seres humanos. Não sei o que
seríamos, mas fisicamente não teríamos a aparência que temos agora.
Montreuil, 5 de fevereiro de 2011.
Perguntas e 
respostas
Eu gostaria de saber se todas as árvores são
sexuadas.
Não conheço nenhuma que não seja.
E as samambaias?
As samambaias também são sexuadas. Existem samambaias
arborescentes gigantescas de 25 metros de altura, mas elas têm sexo.
A reprodução só pode ser sexuada?
Não, ela pode ser vegetativa, principalmente nas samambaias, mas o
sexo está ali, macho e fêmea. Acho que posso afirmar categoricamente
que todas as árvores são sexuadas.
Você disse que estamos perdendo genes, não
entendo o que isso quer dizer.
Eles vão se apagando, não quer dizer que os perdemos. Não sei qual é a
cor dos seus olhos, mas obrigatoriamente eles têm uma cor. Quando
você era um bebezinho, o gene que você carrega determinou a cor dos
seus olhos; depois esse gene vai se apagar, mas você não precisará mais
dele, porque seus olhos já estão aí. Esse é um gene que pode se apagar
sem causar problemas. Só que genes que ainda estavam funcionando e
que nos fazem falta também se apagam, é isso que perdemos. Mais uma
vez, o gene não desaparece – é como uma vela que alguém soprasse. Se
conseguíssemos acendê-los novamente, seria muito interessante.
Qual é o maior diâmetro que um tronco de árvore
pode ter?
É uma boa pergunta. Já foram realizadas competições internacionais
para descobrir qual era o tronco mais grosso. O recorde atual é de uma
árvore existente em Santa María del Tule, no México; o cipreste de Tule
tem um tronco da largura do palco do teatro. Como os concorrentes não
gostaram muito, eles tentaram demonstrar que se tratava de várias
árvores unidas. Um estudo genético confirmou que aquele tronco
pertencia a uma única árvore. Portanto, atualmente o cipreste de Tule é a
árvore com o maior diâmetro de tronco. Mas, atenção: existe um sério
concorrente na Sicília, nas encostas do monte Etna. Você já deve saber
que, quando as árvores ficam muito velhas, costumam se tornar ocas. Na
Sicília, o círculo formado por uma castanheira conhecida como “árvore
dos cem cavalos” – porque nela cabe uma cavalaria inteira – seria, na
verdade, uma castanheira oca cujos pedaços se separaram uns dos outros
e continuam crescendo.
Você sabe por que algumas árvores vivem mais que
as outras?
É uma excelente pergunta. Nem todas as árvores são potencialmente
imortais. Uma palmeira, por exemplo, não ultrapassa um século e meio
de vida. Uma bétula, aquela árvore de casca branca, vive uns cinquenta
anos, não mais que isso. Nas regiões tropicais, as chamadas árvores-
guarda-sol, muito bonitas, não vivem mais de cinquenta anos. Portanto,
não se pode generalizar. Algumas árvores vivem pouco tempo e outras
são potencialmente imortais. Sua pergunta é sobre como distingui-las.
Ainda é cedo para dizer, mas tenho alguns palpites. A árvore-guarda-sol
não tem a aparência de uma árvore de vida longa; isso não é muito
científico, mas certas árvores de madeira macia não podem durar muito
tempo. A bétula é macia, os pinheiros são macios, as palmeiras não
contêm propriamente madeira. Por outro lado, espécies como o
carvalho, o meranti asiático ou o moabi africano são grandes árvores de
madeira dura. Se for mantida em condições adequadas, a árvore pode
viver para sempre. Talvez não tenha me estendido o bastante nesse
ponto. Uma árvore pode morrer, é claro, todas elas podem morrer. Só
que, quando uma árvore morre, é por alguma razão externa, porque ela
não tem programa de senescência. Pode morrer porque foi derrubada
pelo vento, por causa de uma geada, de um raio, de pragas ou atacada
por predadores, mas tudo isso é externo a ela, algo que não estava
programado.
Mas algumas árvores são programadas para morrer,
como o salgueiro-chorão, por exemplo, que cresce
muito rápido. Quanto mais rápido elas crescem,
menos tempo duram?
Não, cuidado com essas evidências. Você sabia que é comum cortarem a
copa do salgueiro-chorão? Isso era uma prática em toda a Europa e, em
grande parte, ainda é. A árvore é podada na altura de um homem e,
regularmente, cresce uma quantidade de brotos que as pessoas cortam e
usam como gravetos, pois sabem que voltarão a crescer no ano seguinte.
Ela pode ser podada dessa maneira por milhares de anos. Isso prolonga
sua existência. Se permanecesse intocada, viveria menos de um século,
mas tratada dessa maneira pode viver indefinidamente e se tornar
potencialmente imortal.
Por que você escolheu trabalhar com árvores?
Quando eu tinha sua idade, a França estava em guerra com a Alemanha.
Meus pais nos levaram para Seine-et-Marne, onde tinham um pequeno
pedaço de terra. Tenho seis irmãos e irmãs, éramos sete mais nossos
pais, portanto nove ao todo. Durante toda a ocupação alemã, vivemos
em menos de um hectare de terra. Esqueci de dizer que meu pai era
agrônomo, ele entendia de plantações e criação de animais. Fiquei com
essa ideia de que um pedaço de terra bem cuidado pode alimentar muita
gente. Não apenas vivíamos bem, como todos os nossos vizinhos
podiam se beneficiar das cestas que mandávamos para eles. São coisas
que ficam guardadas dentro de nós. Para mim, uma árvore capaz de dar
frutos ou fornecer madeira é uma solução, e será sempre uma solução. É
preciso ler Le recours aux forêts [O recurso às florestas], de Michel
Onfray. Volto a pensar naquela história de ascendência arborícola, fiz
esta observação em Camarões um dia desses. Você está na floresta, de
repente escuta um barulho e percebe que há algum animal por perto.
Não chega a vê-lo, mas sabe que é grande e que é melhor não se arriscar.
Numa situação como essa, todo mundo procura uma árvore em que
possa subir. Não estou dizendo que vamos fazer isso, mas encontramos
uma árvore porque, para nós, ela representa segurança.
É por isso que me interesso pelas árvores.
Quantas espécies de árvores existem?
Setenta mil, mas, como já disse, esse número aumenta muito depressa,
cerca de uma centena por ano, descobertas por botânicos que trabalham
em áreas de floresta ainda pouco conhecidas.
Por que os anéis das árvores têm cores diferentes?
Boa pergunta. Quando a madeira é jovem, ela é branca, enfim, é bem
clara, então a seiva circula sem dificuldades por essa madeira branca que
é também externa. A madeira envelhece à medida que novas camadas
vão se acumulando a cada ano na parte de fora, e a madeira no centro
morre. Uma árvore é constituída principalmente de madeira morta, por
onde já não corre seiva. Os taninosque se acumulam ali deixam a
madeira marrom, amarelo-escura ou, às vezes, totalmente preta, como
nessas magníficas árvores chamadas ébanos, que têm o centro preto e
incrivelmente duro, parece até pedra. É por isso que a madeira tem
várias cores, porque há madeira jovem e madeira velha.
Existe alguma árvore que não precise de luz?
Uma árvore que não precisasse de luz? Seria como uma “árvore-motriz”
no fundo do porão de um navio. Não, todas as árvores de verdade
precisam de luz. Há algumas plantinhas que conseguem viver no escuro,
mas elas não são muito altas. Não existe nenhuma árvore que possa
viver sem luz. Elas não precisam de muita coisa, mas são irredutíveis no
pouco que necessitam. E a luz realmente faz parte de suas exigências.
Quando plantamos uma árvore, o que tem dentro da
semente?
Tem uma árvore bem pequenininha. Parece engraçado, mas se você
pegar uma semente e partir ao meio, verá que contém uma minúscula
árvore, com pequenas raízes, um pequeno caule e pequenas folhinhas.
No fundo, o crescimento de uma árvore é o crescimento desse embrião
que vemos no centro da semente. O freixo é a melhor árvore para
entender isso. Se você encontrar uma semente de freixo, terá que pegar
uma faca e abri-la no sentido do comprimento para ver o pequeno freixo
lá dentro.
Os cactos também desenvolvem embriões?
Sim, esses germens se desenvolvem em todas as plantas que produzem
sementes. Isso não acontece com a samambaia, por exemplo, porque não
existem sementes de samambaia. Numa semente de cacto encontra-se
um pequeno cacto em miniatura. É comum vermos os cactos em vasos,
como uma bola coberta de espinhos, mas essas plantas podem se tornar
grandes árvores, às vezes enormes. Os maiores cactos não caberiam
debaixo deste teto. Eles viram árvores bem grandes, esse é um fato
pouco conhecido.
Os cactos precisam de água para poderem crescer?
Com certeza, eles precisam de água como qualquer outra árvore. Só que,
quando a encontra, o cacto se enche de água como um reservatório.
Dessa forma, pode passar meses e meses sem água, já que a contém no
interior de seu próprio caule e de suas folhas, pois alguns cactos têm
folhas. Eles têm um enorme sistema radicular e, quando chove, o menor
vestígio de umidade é canalisado para o cacto, que acumula uma grande
reserva de água, permitindo-lhe ficar sem ela depois. Mas suas
necessidades de água são equivalentes às de qualquer outra árvore.
Para mim, ser vivo significava nascer e morrer. Então,
a árvore seria um ser vivo imortal?
Toda a biologia é dominada pela observação de animais e,
principalmente, de seres humanos. É por isso que colocamos na cabeça
que todos os seres vivos são mortais, porque nós somos mortais. Mas as
árvores não têm esse problema – como você pode observar, elas não
foram convidadas para o debate. Não podemos prever o modo como as
árvores e as plantas em geral vão se comportar porque, mais uma vez,
nossa biologia é dominada pelo estudo do animal e do ser humano. Se
tudo correr bem, certas árvores não terão por que morrer. É necessário
ser mais específico. Uma árvore bem grande é, basicamente, madeira
morta, uma fina camada viva sobre uma enorme pilha de madeira morta.
Tempos atrás, conversei com alguns estudantes de Vilvoorde, nos
arredores de Bruxelas, e fiquei muito admirado com o que me disseram:
“Por que derrubamos as árvores para tirar a madeira? Era só esvaziá-
las”. Parece utópico, mas trata-se de uma excelente ideia: poderíamos
tirar a madeira morta de uma árvore sem derrubá-la, para que
continuasse a produzir madeira. Vamos ter que pensar nessas coisas.
Existem espécies de árvores que tenham
desaparecido? Como você já viajou pelo mundo
todo, eu gostaria de lhe perguntar sobre a situação
das árvores e o futuro delas, levando-se em conta a
poluição.
Sim, muitas árvores já desapareceram. Neste planeta, as árvores existem
desde período Devoniano, isto é, há 380 milhões de anos. As árvores que
existiam naquela época não eram como as nossas e desapareceram. As
pessoas não tiveram nada a ver com isso, porque simplesmente não
estavam lá. É normal que uma espécie viva desapareça. O problema é
saber se o homem faz espécies de árvores desaparecerem, o que está
relacionado com sua segunda pergunta, sobre a situação das árvores
neste planeta. Quanto ao modo como elas reagem à poluição, não sou
nem um pouco pessimista. Uma árvore se ergue com a ajuda de
poluentes. Ela se comporta muito melhor do que nós diante dos
poluentes, é capaz até de utilizá-los. Do que as árvores do planeta têm
medo? De nós. Não somos sequer o seu principal inimigo, somos o
único. Eu trabalho nas florestas equatoriais, onde vejo a atividade das
madeireiras. Um homem com uma motosserra derruba em quinze
minutos uma árvore de 3 ou 4 mil anos para beneficiar pessoas que
nunca pisaram na floresta e não têm a menor vontade de ir lá. Para as
árvores de nosso planeta, o perigo somos nós. Claro, existem doenças
que podem matar árvores, e ventos tão fortes que as derrubam. Mas as
doenças e tempestades, ao eliminarem as árvores fracas, selecionam as
fortes, contribuindo assim para melhorar as espécies. A tragédia, no caso
do homem, é que ele derruba as árvores mais bonitas e deixa as que não
são tão bonitas; consequentemente, as espécies vão se enfraquecendo a
longo prazo.
Se cortarmos uma árvore, deixando só o toco, ela
voltará a crescer?
Depende da árvore, não existe uma regra geral. Se cortarmos um
pinheiro, ele não voltará a brotar. Mas, se cortarmos um carvalho, ele
crescerá outra vez e, em poucos anos, nem vai dar mais para ver que foi
cortado. A resposta é ainda mais complexa porque algumas árvores
voltam a brotar se forem cortadas ainda jovens, mas não depois de
crescidas. De qualquer forma, não há uma única resposta simples.
Boa noite. Temos a sorte de ter um jardim em que há
uma cerejeira de cinquenta anos, e gostaria que me
explicasse como é que essa árvore consegue dar
cerejas todo ano, sendo que grande parte dela está
morta?
Uma coisa muito engraçada sobre as árvores, que as distancia totalmente
do ser humano, é que, como você observou, elas podem estar vivas de
um lado e mortas do outro. Ou estou vivo, ou morto; não existe
ambiguidade. Ao passo que uma árvore, mesmo estando plenamente
saudável, o que não parece ser o caso da sua cerejeira, pode ter galhos
mortos. Como ela faz isso? O fato de aparentemente estar morrendo
estimula sua sexualidade e, como resultado, multiplica o número de
cerejas. A árvore produz mais flores e, portanto, mais frutos. Isso não é
um bom sinal, mas aproveitem enquanto ela estiver dando cerejas.
Quero me referir ao seu livro Plaidoyer pour l’arbre
[Apelo em defesa da árvore, em tradução livre], do
qual gostei muito, onde você fala sobre a definição
de árvore. Agora há pouco falamos de palmeiras e
cactos e você não corrigiu quem estava com a
palavra, dizendo que eles talvez não fossem árvores.
Sem dúvida, isso requer uma intervenção mais longa,
mas você poderia dizer algumas palavras sobre a
definição apresentada em sua obra?
Esqueça, porque ela está errada. Isso deu um problema danado. É
engraçado, porque todo mundo sabe o que é uma árvore, mas é uma
enorme dificuldade na hora de defini-la. Vamos deixar para lá a
definição contida em Plaidoyer pour l’arbre porque, nesse meio
tempo, tive oportunidade de ir para a África do Sul, onde me mostraram
árvores subterrâneas. Eu não sabia que isso existia. A única coisa que sai
da terra são as folhas. Um espaço do tamanho desta sala fica repleto de
folhas e flores. Na estação chuvosa, isso é tudo o que vemos; na estação
seca, queima tudo e não vemos mais nada. Quando voltam as chuvas, ou
um pouco antes, vemos saírem folhas e flores. Colegas sul-africanos
mediram a velocidade com que a mancha de folhas aumenta. É tão lenta
que esses organismos têm milhares de anos. Não há razão para lhes
negar a qualidade de árvore, porque eles são perenes, vivem muito
tempo e, se cavarmos,encontraremos os galhos e o tronco.
Ingenuamente, alguns anos atrás, quando tinha ideias mais simples sobre
o assunto, eu dizia: se você bater com o carro nela e estragar o carro, é
uma árvore. Agora essa definição não serve mais, precisamos começar
tudo outra vez. É muito curioso, mas não temos uma definição para algo
tão banal como uma árvore.
Uma árvore precisa de CO2 para crescer, e fazemos
de tudo para poluir menos. Isso vai prejudicar o
crescimento das árvores?
Não se preocupe, não vai faltar CO2. Fazemos esforços consideráveis
para diminuir as emissões de CO2, mesmo assim, emitimos cada vez
mais. Isso está realmente se tornando um problema, apesar das
tentativas de reduzi-lo. As árvores são nossas maiores aliadas no
combate ao CO2. Muito engenhosamente, elas não necessitam de toda a
molécula de CO2 – precisam apenas do C, o carbono, mas não do O2, o
oxigênio, e por isso o liberam na atmosfera. Isso é muito conveniente
para nós, pois é o que nos permite respirar. Há uma espécie de harmonia
entre as árvores e os seres humanos, que considero magnífica. Quando
vejo a devastação nas florestas equatoriais, penso comigo que algumas
pessoas estão ganhando muito dinheiro, mas teremos dificuldades para
respirar, e isso já começou.
As árvores atuais ainda vão evoluir ou já
completaram sua evolução?
Não há nenhuma razão para que a evolução tenha terminado. Aliás, ela
está acontecendo diante de nossos olhos. Não existe um determinado
período da Terra em que as coisas tenham evoluído e depois parado de
evoluir, de jeito nenhum. As árvores continuam em processo de
evolução e pode ser que o aumento de CO2 em nossa atmosfera abra
novos caminhos evolutivos. A evolução das árvores não estagnou de
forma alguma, nem a dos seres humanos.
Você falou sobre a comunicação entre as árvores e
os animais. Gostaria de saber se podemos imaginar
uma forma de comunicação entre as árvores e as
pessoas. Por uma questão de sobrevivência, elas
poderiam se comunicar conosco?
Um poeta chamado Michel Valentin disse: “O homem é a conquista
mais nobre da planta”. Pelo fato de passarmos a vida cuidando delas,
recolhendo sementes, fazendo-as viajar, plantando-as aqui e ali, de um
continente a outro, somos um dos melhores meios de dispersão que as
árvores possuem. Isso não é exatamente uma forma de comunicação.
Como cientista, procuro me manter totalmente distante do
obscurantismo. Muitos amigos me dizem que falam com as árvores, que
isso faz bem a elas, que se encostar num tronco de árvore faz passar sua
dor nas costas. Tudo bem, fiquem à vontade, mas não me peçam para
apoiar isso. O trabalho do cientista não é negar; claro, não devemos
ignorar, mas também não se pode aceitar ao pé da letra tudo o que
dizem. Para mim, até agora, a comunicação entre as pessoas e as árvores
está mais para o lado do obscurantismo. Estou à espera de alguma
evidência real, mas, por enquanto, não vejo nenhuma.
Precisamos cortar as árvores para ver quantos anéis
elas têm?
Não, pode-se usar um arco de pua, uma espécie de furadeira manual
com a ponta oca que é introduzida no tronco e, ao ser retirada, fornece
uma amostra semelhante a um lápis que permite contar os anéis sem
matar a árvore. É preciso ter o cuidado de desinfetar o furo e tapá-lo
outra vez. É perfeitamente possível contar os anéis sem derrubar a
árvore, ainda bem.
Na sua introdução, você disse que as árvores eram
essencialmente pacíficas, mas não existe nenhuma
exceção a essa regra?
Por acaso lhe ocorre alguma?
Eu trabalho com árvores e às vezes sou obrigado a
me afastar por causa do pólen, que pode ser
perigoso, urticante. Algumas plantas são muito
perigosas e não se pode nem chegar perto delas.
Tem razão, é preciso ter cuidado com certas árvores. Na região do
Caribe existe uma árvore que se chama mancenilheira e todos sabem que
não devem cochilar debaixo de sua copa. Trata-se de um gênero
particular de euforbiácea. Se ficar debaixo dela, você começa a se coçar
e surgem manchas vermelhas na sua pele por causa dos VOCs, as
moléculas voláteis específicas. Há também o estranho caso das figueiras
estranguladoras. Isso não existe por aqui, nossa figueira europeia não é
estranguladora, e sim nos trópicos, onde há cerca de mil espécies de
figueiras, cujos figos são comidos por pássaros. Depois o pássaro deixa
suas fezes no alto de uma árvore, as sementes ficam ali e brotam. A
primeira coisa que a figueira faz é lançar suas raízes em direção ao solo
e, quando chegam lá, ela passa a ter um suprimento normal de água que
lhe permite crescer para cima. As raízes não descem em linha reta e sim
em espiral, em ambas as direções, de modo a se cruzarem. Quando
encostam uma na outra, elas se unem. Em poucos anos, a árvore de
suporte é envolvida por um denso emaranhado de raízes. É um
estrangulamento? Isso é meio enganoso. Se eu quiser estrangular
alguém, tenho que apertar. Mas a figueira não aperta, é a árvore que não
consegue mais crescer; é um pouco diferente. Seja como for, sem
conseguir crescer, a árvore morre e acaba sendo reaproveitada pela
figueira. Isso acontece em regiões equatoriais quentes e úmidas,
produzindo um composto orgânico que a figueira reaproveita. Ao fim de
alguns anos, a árvore de suporte desapareceu e não resta nada além da
figueira, que pode se tornar gigantesca. Ainda assim, ela precisava de
outra árvore para crescer, porque a mesma semente na terra não teria
germinado. Pode haver uma certa violência nisso, mas, por mais que eu
procure, esse é o único exemplo que consigo encontrar.
Por que existem árvores de tantas cores diferentes e
por que nunca vi nenhuma azul?
Existe madeira roxa na América do Sul. O azul não é uma cor comum
em madeiras. Por que existem tantas cores? Porque há uma imensa
diversidade biológica – 70 mil espécies, não é pouca coisa – e cada tipo
tem sua bioquímica particular. Você já viu que as moléculas voláteis
variam de uma espécie para outra, o que justifica as colorações
diferentes. Essa variabilidade existe em todos os aspectos. Na floresta
equatorial, não conseguimos ver as folhas que ficam bem lá no alto,
então fazemos um pequeno ferimento no tronco e, ouvindo com atenção,
percebemos que algumas árvores fazem barulho, outras não. Há cheiros
estranhos também. Algumas árvores têm cheiro de carro novo, por
exemplo. Não dá para descrever, só fazendo uma comparação. Outras
cheiram a vômito ou têm um cheiro delicioso. Isso quer dizer que a
bioquímica está ligada à espécie, é o que acontece com as cores da
madeira.
Por que às vezes vemos pequenas manchas pretas na
madeira do assoalho?
Acredito que as tábuas tenham sido cortadas no sentido do comprimento
do tronco, ou que, quando jovem, essa árvore tinha galhos que foram
removidos durante o trabalho de carpintaria. É interessante entender
que, se procurarmos no meio de uma enorme árvore, encontraremos a
árvore jovem com seus galhos. Na hora de fazer as tábuas, esses galhos
são cortados e provavelmente são essas as manchas pretas a que você se
refere.
Você pode explicar como uma velha pereira oca,
que parece estar totalmente morta, pode continuar
vivendo e dando frutos?
Isso é típico das velhas pereiras, na verdade. Não é de admirar, uma vez
que a madeira em seu interior está morta, e por isso ela é atacada por
fungos e bactérias.
Mas não é uma coisa sistemática, então que tipo de
acidente pode causar esse fenômeno?
Nesse caso, houve uma porta de entrada para os fungos e bactérias, que
pode facilmente ter sido um corte numa raiz ou um ferimento no tronco.
É preciso que esses organismos penetrem em seu interior. Uma vez lá
dentro, o tecido morto vai desaparecer e se transformar num composto
friável. É perfeitamente normal que isso não mate a árvore, pois ela é
uma fina camada viva recobrindo madeira morta. A camada viva não
será atacada nem pelas bactérias, nem pelos fungos. Os físicos nos
ensinam que um tubo oco é tão resistente quanto um maciço. Do ponto
de vista puramentemecânico, não há nenhuma razão para derrubarem as
árvores ocas, pena que os dirigentes dos espaços verdes nem sempre
raciocinem dessa maneira.
Eu gostaria de saber como a seiva circula nas
árvores. Eu imagino algo parecido com o sangue
humano, mas não acho que seja exatamente igual.
Não, porque não existe um coração, bombeando. É totalmente diferente.
A seiva entra por baixo, pelas folhas subterrâneas que mencionei, que é
por onde entra a água. Ela vai subindo à medida que se evapora, desta
vez pelas folhas aéreas. Essa evaporação faz a coluna de água subir. Isso
tem um limite, porque as árvores têm uma altura máxima e
aparentemente aquele número que passei a vocês, 120 metros, é o
máximo que a água pode subir. As árvores mais altas atingem 120
metros; algumas plantas chegam a ter 400 metros, mas não ficam em pé,
são cipós. Pode haver plantas com um quilômetro de comprimento, mas
ainda não se pode dizer com certeza, pois é complicado medir uma
planta desse tamanho.
Eu gostaria de fazer uma pergunta sobre os bonsais.
Você se interessa por eles, é algo que aprecie?
Existem bonsais naturais?
Sim. Minha posição a respeito deles é bem sucinta. Eu detesto bonsais,
porque detesto fazer as árvores sofrerem. Mas isso é apenas uma parte
da resposta porque, em termos científicos, há fenômenos admiráveis que
podem ser estudados nos bonsais, como a timidez. Existem árvores
tímidas, são aquelas cujas copas não se tocam. Uma das técnicas de
bonsai envolve o cultivo de nove árvores da mesma espécie crescendo
lado a lado. Nesse caso, a timidez se estabelece por si mesma, não é
preciso ser tímido. Na minha opinião, o único interesse dos bonsais é
que eles proporcionam um material experimental incrível.
Por que você acha que eles sofrem?
Essa é uma pergunta difícil. Não temos nenhuma evidência de que eles
sofram, mas isso não significa que não sofram. Há alguns anos, no sul
da China, o diretor de um jardim botânico me perguntou se eu conhecia
a planta que dança. Respondi que não, e me apresentaram uma plantinha
que não tem nada de mais, mas suas folhas se mexem quando fazemos
barulho na frente dela. Você tem que bater palmas e cantar; se você
parar, elas param de se mexer. Eles me fizeram cantar em francês, e
funcionou. Quem iria imaginar que uma planta pudesse dançar?
Ninguém. Então, vamos considerar essa questão do sofrimento do
vegetal com humildade, como uma questão aberta. Mesmo que o bonsai
não sofra, ele me transmite a ideia de sofrimento.
Mas são muito bonitos.
Também acho muito bonitos, mas absolutamente não me vejo torturando
uma arvorezinha que não me fez nada. Com certeza, existem alguns que
crescem naturalmente em fendas nas rochas, às vezes com milhares de
anos. São bonsais naturais, torturados por elementos adversos.
Título original: La Vie des arbres. 
Publicado originalmente por Bayard Éditions, Montrouge
em 2011.
Tradução: Maria Luisa de Abreu Lima Paz 
Edição: Otavio Nazareth 
Ilustração: Olavo Costa 
Design gráfico: Daniel Brito 
Assistente de design: Geovana Martinez 
Produção do livro digital: Booknando
1ª edição, 2022
Qualquer forma de reprodução, distribuição, comunicação
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prevista pela lei. Caso seja necessário reproduzir algum
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A Editora não se pronuncia, expressa ou implicitamente, a
respeito da acuidade das informações contidas neste livro e
não assume qualquer responsabilidade legal em caso de
erros ou omissões.
© Bayard Éditions, 2011 
© da tradução: Maria Luisa de Abreu Lima Paz 
para a edição em português: 
© Editora Olhares, 2022
Impressão: Loyola 
ISBN: 978-65-88280-58-4
Fontes: Wigrum e Pona 
Impresso em papel offset 120g pela gráfica Loyola.
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) 
Ficha elaborada segundo a AACR2r
H183v Hallé, Francis
A vida secreta das árvores : uma pequena conferência / Francis Hallé — São Paulo :
Olhares, 2022. 
68 p. : il. color. ; 21 cm.
ISBN 978-65-88280-89-8
1. Árvores. 2. Plantas. 3. Botânica. I. Título
CDD 582.16 
Ficha catalográfica elaborada pela bibliotecária Renata Baralle — CRB-
8/10366
EO Editora Ltda 
Rua General Jardim, 618 – cj.72 - CEP 01223-010 . São Paulo - SP 
editoraolhares.com.br
https://editoraolhares.com.br/
	Folha de rosto
	Conferência sobre as árvores
	Perguntas e respostas

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