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Começamos a conversar, pois tínhamos uma língua em comum, e esse homem me disse uma coisa que jamais esqueci: “Seja qual for sua profissão, em algum momento você vai se perguntar se não está perdendo tempo, ou até mesmo causando algum mal. Seja você comerciante, arcebispo, pescador, músico ou médico, cedo ou tarde terá a impressão de estar perdendo seu tempo. Só existe uma exceção: se você planta árvores, tem a certeza de que está fazendo algo de bom”. Eu gostei muito do que ele disse. Para mim elas são vivas, maravilhosas, extremamente autônomas, e insistirei nesse ponto porque a autonomia é essencial: a única coisa que uma árvore pede é que a deixem em paz. Acho que elas são muito úteis à espécie humana, discretas, às vezes um tanto caladas, e nem um pouco violentas. São muitas qualidades em que nossas sociedades atuais poderiam muito bem se inspirar. Podemos nos perguntar também se elas têm defeitos. Não que isso seja propriamente um defeito, mas elas são tão estáveis e silenciosas que acabam não sendo vistas. Na cidade, a maioria das pessoas nem repara nas árvores, a não ser quando são derrubadas. Para muitos contemporâneos nossos, elas não são seres vivos. Essa ideia, evidentemente falsa, se deve à sua discrição e ao seu silêncio. Antes de explicar por que gosto tanto delas, quero lembrar que algumas pessoas não gostam, pessoas ilustres que deixaram por escrito registros incontestáveis dessa falta de afeto pelas árvores, como fez Jean-Paul Sartre em A náusea. Em um jardim público, o narrador percebe de repente que, junto ao seu banco, ergue-se um tronco cujas raízes entram e saem da terra, e para ele essa visão é insuportável. É preciso também citar Gilles Deleuze, outro filósofo. Não estou criticando esses escritores, apenas constatando o que eles pensavam das árvores. Em uma pequena obra de poucas páginas intitulada Rizoma, Deleuze vê a árvore como um verdadeiro símbolo do totalitarismo. Lembro também de Ronald Reagan. Quando ele era presidente dos Estados Unidos, levaram-no para ver as sequoias na Califórnia e Reagan declarou: “Quem viu uma, viu todas”. Há, ainda, Samuel Beckett. Em Esperando Godot, um personagem chamado Estragon diz: “Uma árvore não serve para nada, a não ser para se enforcar”. Talvez tenha sido isso o que me estimulou a escrever um apelo em defesa da árvore, que considero muito mais adequado do que essas opiniões negativas. Observem que as pessoas que disseram coisas boas a seu respeito são bem mais numerosas. A começar por Jean Giono, com seu conto O homem que plantava árvores. Voltaire, já idoso, recolhido em Ferney, escreveu a seus amigos parisienses: “Não faço outra coisa senão plantar árvores; sei que estou velho demais para tirar proveito de seus frutos ou de sua sombra, mas não vejo maneira melhor de pensar no futuro”. Essa frase é maravilhosa. É preciso falar também do revolucionário Danton, de Victor Hugo, Khalil Gibran, André Gide e Francis Ponge, por quem tenho um carinho especial pelo fato de sermos da mesma cidade no sul da França, e que escreveu: “Os animais correspondem ao oral; as plantas, ao escrito”. Acho que, em poucas palavras, ele captou uma ideia muito importante. Os animais podem ser muito simpáticos, divertidos e nos fazer rir, mas não podemos contar com eles, porque se locomovem e não estarão mais ali no dia seguinte. Ao passo que, com uma árvore, nós podemos contar. Não se pode esquecer de Rilke, Colette, Blaise Cendrars e Paul Valéry, que disse coisas essenciais. Ele escreveu um pequeno livro de poucas páginas intitulado Diálogo da árvore. Quando era estudante, li o Diálogo da árvore sem ter qualquer conhecimento específico sobre árvores, na época, e fiquei com a impressão de não ter entendido o que esse homem escrevia, uma vez que ele era um literato, e eu, um cientista. Achei normal que não nos compreendêssemos e não tirei proveito desse texto. Eu o reli algum tempo atrás e agora o releio regularmente. Ele diz: “A árvore mostra seu tempo”. Acho isso forte e profundo. Esses poetas e literatos têm sacadas brilhantes, às vezes em áreas que não são as suas, pois Valéry era mais um matemático. “A árvore mostra seu tempo.” De fato, agora entendo o que ele quis dizer: a árvore é uma forma pela qual o tempo se torna visível. Pensem em Goethe, Emil Cioran ou Buda, que disse: “A árvore é um ser tão generoso, que oferece sua sombra a quem vem derrubá-la”. Essa frase também é linda. Há também François Chateaubriand, Casimir Fabre e Mandela, com quem vou encerrar. Nelson Mandela passou 27 anos na prisão, a maior parte deles na Ilha Robben, diante da Cidade do Cabo. Segundo ele, se conseguiu sobreviver e se manter com saúde, foi porque os guardas da prisão perceberam que ele gostava de plantas e lhe ofereceram tambores serrados ao meio, cheios de terra boa. Ali, ele cultivava verduras e legumes – primeiro, para seus companheiros de cela, depois para toda a prisão e, finalmente, para a Ilha Robben inteira. Ele também cultivava árvores frutíferas. Em sua autobiografia, escreveu esta frase que acho magnífica: “Eu estou preso, mas minhas plantas são livres”. Quero compartilhar com vocês uma razão objetiva dessa minha simpatia pelas árvores. É o extraordinário contraste entre o pouco de que necessitam e a enormidade do que realizam. De que uma árvore precisa? Coisas fáceis de encontrar, triviais: de água, de alguns minerais encontrados na água e na terra, de luz e de gás carbônico, ou CO2. Ora, este último, como vocês sabem, não só não nos faz falta, como temos cada vez mais. Dá para imaginar um ser vivo mais frugal, mais modesto em suas necessidades? Aliás, reparem que a água, a luz e o CO2 são iguais em toda parte, o que é muito coerente com o fato de que as árvores, em geral, nem saem do lugar. Um animal, que pode ter necessidades alimentares bastante refinadas, é obrigado a se deslocar. Uma palavra sobre o gás carbônico. Vocês sabem que ele se tornou um verdadeiro poluente. Desde o fim da Segunda Guerra Mundial e dos anos 1940, as curvas que indicam a proporção de gás carbônico na atmosfera são muito preocupantes. Esse gás de efeito estufa é extremamente abundante e, em grande parte, o responsável pelo aquecimento global e por todas asmudanças climáticas associadas a ele. Uma árvore pode conter uma enorme quantidade de matéria, centenas de metros cúbicos de madeira que podem atingir milhares de toneladas. De onde ela vem? Todos sabem que, no início, havia apenas uma minúscula semente. Essa coisa enorme tem que sair de algum lugar. Quando faço essa pergunta aos meus contemporâneos, as pessoas respondem que a matéria da árvore sai da terra. Sinto muito, mas a resposta está errada. Nos desenhos animados que meus netos assistem, vemos realmente as árvores saírem da terra, mais ou menos como a pasta de dentes sai de um tubo ao apertarmos. Mas, ao contrário, a árvore é um amontoado de poluentes atmosféricos que vêm do ar. Ela retira do ar o poluente a que me refiro, o gás carbônico. Claro, também retira alguma coisa da terra, mas em torno de uma colher de café, não mais. A maior parte vem de uma depuração atmosférica; inclusive, podemos perfeitamente comparar uma árvore a uma estação de tratamento. Mais uma razão para respeitar as árvores nas cidades. Enfim, elas precisam de água, minerais, luz e CO2. Existe algo mais banal? Agora, vamos analisar a dimensão do que elas realizam. Essa discrepância entre as duas coisas sempre me espanta e me parece admirável. Atualmente, conhecemos 70 mil espécies de árvores. Esse número cresce muito rápido, porque a cada ano os botânicos descobrem e descrevem cerca de cem espécies. Noventa por cento da biomassa – isto é, do peso acumulado de tudo o que está vivo e de tudo o que já esteve e agora está morto – é formada pelas árvores. Os maiores de todos os seres vivos são as árvores, e sempre foram, durante as eras geológicas anteriores. O maior animal atual é a baleia-azul, que mede 40 metros. As maiores árvores atuais são as sequoias-gigantes da Califórnia, com uma altura recorde de 120 metros, equivalente a duas vezes a altura das torres da catedral de Notre Dame, em Paris. Sem recorrer a esse exemplo extremo, peguem uma árvore comum de 15 metros de altura e tentem calcular a área de sua superfície. Por quê? Porque, ao contrário de nós, as árvores e plantas são seres de superfície. Não é uma tarefa fácil, temos que trabalhar por aproximação. É preciso considerar cada folha em sua frente e verso, estender os pequenos galhos geometricamente, ou seja, transformá-los em retângulos, assim como os galhos médios, os grandes e o tronco, o que vai resultar num grande retângulo. Depois temos o problema das raízes. Estimo que a área de uma árvore comum, como aquelas que encontramos em nossas cidades, seja de duzentos hectares, embora esse número possa parecer exagerado ou muito modesto para vários colegas. Imaginem que uma árvore de tamanho médio, totalmente estendida, cobriria todo o principado de Mônaco. Para ter uma ideia da superfície de uma árvore, basta imaginá-la molhada: ela pesaria duas vezes mais, não porque a água tivesse penetrado em seus tecidos, mas unicamente por causa de sua imensa superfície molhada. As árvores não apenas são os maiores seres vivos existentes, como são também os que vivem mais. A longevidade das árvores é algo que muito me interessa. Não sou zoólogo, mas acho que o animal mais longevo é uma tartaruga-gigante das ilhas Seychelles; ela vive trezentos anos, bem mais tempo que um ser humano, mas isso é pouco comparado ao que vivem as árvores. Tempos atrás, pude admirar na Califórnia uma árvore impressionante que havia sido atingida por um raio quando jovem e da qual havia brotado uma série enorme de troncos grossos como colunas. Chamava-se “Partenon”, como o templo grego, contou o guarda-florestal americano que me acompanhava. Surpreso com essa lembrança repentina da cultura europeia num ambiente em que normalmente não se espera, achei a analogia bonita e perguntei a idade da árvore. Três mil anos. Não é um cálculo aproximado, essas árvores possuem anéis que podem ser contados. Não se pode imaginar que uma árvore da Califórnia tenha dois anéis por ano, nem que em algum ano ela tenha deixado de crescer e produzir um anel, isso é impossível. Portanto, esse é um número realmente confiável. Então, fui pesquisar a idade de nosso Partenon europeu: 2.400 anos. Quando os gregos decidiram construir o templo à deusa Atena na colina da Acrópole, essa árvore já tinha seiscentos anos, media cem metros de altura e quatro metros de diâmetro. Provavelmente foi nessa época que um raio a fulminou, mas ela sobreviveu. Toda a história de nossa civilização greco-romana cabe na vida de uma árvore. Para nós, europeus, o Partenon simboliza o berço de nossa cultura. As Pinus longaeva, também da Califórnia, que têm cerca de 5 mil anos, brotaram na época em que os faraós egípcios estavam construindo as pirâmides. O recorde atual – digo, precisamente, “atual” porque tenho certeza de que um dia será ultrapassado – é de 43 mil anos e pertence a uma árvore da Tasmânia, a grande ilha ao sul do continente australiano, que é chamada de Azevinho Real da Tasmânia. Quarenta e três mil anos correspondem ao Pleistoceno, que precedeu nossa era geológica atual. Nessa época, não existia uma única espécie humana como hoje, e sim duas: a nossa, Homo sapiens, e o homem de Neandertal, bem mais forte. Toda a história de nossa evolução biológica cabe na vida de uma árvore. Como essas árvores conseguem viver tanto tempo? Vamos tomar como exemplo a oliveira, que cresce como uma pequena árvore comum. Em seu tronco, surgem pequenas protuberâncias que a cada ano vão descendo até alcançarem o chão, onde se acumulam formando uma poça, como gotas de cera que escorrem por uma vela. Dessa poça, que pode ter o tamanho do palco de um teatro, saem milhares de oliveiras. Algumas são grandes, velhas e talvez já estejam até mortas; outras são vigorosas e estão em plena produção; embaixo, encontra-se uma infinidade de pequenas oliveiras. E tudo isso veio de uma única semente. A oliveira encerra em si toda uma dinâmica florestal. Em Roquebrune, na Côte d’Azur, existe uma oliveira contemporânea da estrada romana que ia de Roma até Narbonne, então chamada de Gália Narbonense. Ela tem 2 mil anos e não mostra nenhum sinal de envelhecimento. Muitas árvores são potencialmente imortais, o que significa que não têm um programa de senescência. Se colocarmos uma árvore nas melhores condições possíveis durante toda a sua vida e a deixarmos escrupulosamente protegida de todos os ataques, todos os perigos, todos os infortúnios que possam lhe acontecer, veremos que ela não morrerá. Enquanto garantirmos as condições adequadas, ela permanecerá viva e continuará a crescer. O que é um programa de senescência? Vejamos o caso dos seres humanos, cuja senescência conhecemos melhor, por ser a mais estudada. Nós temos 26 mil genes, isto é, as partículas hereditárias que são responsáveis pela cor dos nossos olhos, pelo aspecto dos nossos cabelos, pelas nossas características físicas. No início, quando somos crianças, todos esses genes funcionam bem, estão todos ativos, mas com o passar dos anos nossos genes vão se apagando como velas que cobrimos com um abafador. Isso se chama metilação. Nós conservamos esses 26 mil genes até nosso último suspiro, mas o número de genes ativos diminui. Colegas espanhóis da Universidade de Oviedo, no norte da Espanha, demonstraram recentemente que isso não acontece da mesma maneira nas árvores. Ocorrem metilações, mas ao longo do ano, entre a primavera e o inverno. Na primavera seguinte, quando os botões se abrem, há uma desmetilação total e a árvore volta a ter o mesmo número de genes ativos que tinha quando era jovem. Esses organismos vivos se beneficiam de uma desmetilase, uma enzina capaz de remover o capuz da metilação. Alguns gerontólogos questionam o motivo da ausência dessa enzima no homem. Uma palavra sobre o genoma. O genoma é a coleção de todos os nossos genes, que são 26 mil no ser humano. Esse número foi anunciado há uma década, nos Estados Unidos, como uma vitória. O ser humano sempre secolocou no topo da evolução; é uma posição autoproclamada, mas tudo bem. Por azar, dois anos depois, o genoma do arroz – 50 mil genes – colocou em dúvida a regra simples segundo a qual, quanto mais evoluído é um ser vivo, mais genes ele tem. Somente o geneticista Axel Kahn defende que não se abandone a regra em questão. “Se o arroz tem mais genes que o ser humano”, afirmou ele, “é porque é mais evoluído do que nós.” Diante do espanto e incredulidade demonstrados por sua plateia, ele declarou: “Experimentem passar o inverno com os pés na água fria, alimentando-se exclusivamente de um sol fraco e de gás carbônico. Não vão conseguir, porque não temos um número suficiente de genes, nosso genoma é muito pequeno para fazermos uma coisa dessas”. Quero desfazer um mal-entendido. Não estamos competindo com as plantas, pois para isso precisaríamos estar correndo na mesma direção. No entanto, temos a impressão de que as plantas tomaram um rumo e os animais, outro, e acho que precisamos simplesmente ter a modéstia de admitir que as plantas chegaram mais longe em sua direção do que nós, na nossa. A bioquímica das árvores é apaixonante. Pelo fato de não saírem do lugar, essas plantas precisam se defender de muitas coisas por meio de um verdadeiro virtuosismo bioquímico. Existem árvores medicinais, sem dúvida a mais conhecida é a quina, que tem sido usada há muitos anos para combater a malária e continua sendo um dos melhores tratamentos contra o paludismo. O ginkgo é cultivado em abundância no sul da Europa, hoje em dia, e usado para melhorar a circulação sanguínea no cérebro. Certas moléculas do teixo constituem o melhor tratamento atual contra o câncer. Árvores medicinais não faltam, portanto, mas prefiro me concentrar no controle das chuvas. Uma árvore é uma imensa superfície que envia para a atmosfera toneladas de vapor- d’água, o que é praticamente função sua. Há cerca de vinte anos, enquanto trabalhava no Gabão, uma equipe de pesquisadores da qual eu fazia parte percebeu que, paralelamente, cada espécie de árvore emitia moléculas voláteis específicas. Os ingleses usaram o termo VOC (Volatile Organic Compound) para designar essas moléculas orgânicas que são liberadas na atmosfera. Mais recentemente, um pesquisador brasileiro, Antonio Nobre, que trabalha no coração da bacia amazônica em um maravilhoso laboratório chamado Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia), descobriu o papel dessas emissões. Não basta a presença de vapor-d’água na atmosfera para chover. São necessárias sementes em torno das quais se aglomerem cada vez mais moléculas de água, para que acabem formando uma gota d’água que caia. Essas sementes podem ser poeira, mas ela não existe na floresta amazônica. Então os VOCs fazem o papel de sementes. Essas moléculas emitidas pelas árvores são muito variadas, elas contêm etanol, formaldeído, diversas enzimas e uma molécula bastante perigosa: o metilmercaptano, um poluente. Quero deixar claro que podemos muito bem conviver com algumas moléculas de metilmercaptano. As árvores não só liberam o vapor-d’água na atmosfera, como também conseguem controlar o retorno dessa água sob a forma de chuva. Quando eu era um jovem pesquisador na África, lembro de ter visto uma nuvem no horizonte em plena savana. Seguindo naquela direção, descobrimos uma pequena floresta abaixo dessa nuvem. Alguns hectares de floresta são o bastante para que chova. Outra proeza bioquímica é a comunicação entre as árvores. Há trinta anos, essa ideia teria provocado risos porque era algo totalmente desconhecido. O divisor de águas veio em 1990, ano em que um colega da Universidade de Pretória, na África do Sul, de nome Van Hoven, chamou atenção para o fato de que as árvores se comunicavam entre si. Na savana ao redor de Pretória encontram-se pequenas árvores de cinco metros de altura, as Acacia caffra, e grandes gazelas chamadas kudus. Essas acácias servem de alimento para os kudus. Van Hoven observou atentamente uma dessas situações. Curiosamente, as gazelas comem as folhas da acácia durante um período bastante curto, uns vinte segundos, depois vão embora, embora seja óbvio que ainda estejam com fome. Por quê? Van Hoven comparou a constituição bioquímica das folhas de acácia antes e depois de serem arrancadas pelo kudu. A primeira descoberta: ocorre uma súbita modificação na bioquímica da folha, que antes era comestível e passa a se tornar imprópria para o consumo, ou até mesmo tóxica, depois das poucas mordidas dadas pelo kudu. Esse primeiro resultado já desperta interesse, mas o que ocorre a seguir é ainda mais interessante. O kudu abandona aquela acácia e vai em direção a outra. É fácil perceber que, para ir de uma acácia a outra, ele anda contra o vento. Todas as acácias que estão do outro lado, a favor do vento, tornaram-se tóxicas. A primeira acácia a ser comida enviou uma mensagem às outras que pode ser traduzida assim: “Cuidado, amigas, há um kudu por perto; se não quiserem ter algumas folhas arrancadas, precisam se tornar tóxicas agora”. Embora tenha sido rápido entender que a mensagem era levada pelo vento, demorou um pouco mais para identificar que a molécula envolvida era o etileno, uma substância muito simples que faz parte dos hormônios vegetais. Van Hoven classificou sua árvore como “altruísta”. Em geral, não gosto muito que as pessoas atribuam sentimentos humanos às árvores. Mas é preciso reconhecer que, nesse caso específico, não foi inadequado porque essa acácia alimenta os kudus, ainda que em pequenas porções, ao passo que outra solução consistiria em ser tóxica o tempo todo. Muitas plantas se protegem dos predadores assim. A Acacia caffra torna-se tóxica quando necessário e volta a ser comestível em 24 horas. Portanto, ela alimenta os kudus e alerta suas companheiras por uma espécie de altruísmo. Atualmente, muitos laboratórios do mundo todo estudam essas formas de comunicação entre as árvores. Além dessa comunicação por via aérea, existem outras, dos mais variados tipos. As árvores vivem em simbiose com fungos do solo, sem os quais não existiriam. Eles permitem a comunicação entre as árvores porque um mesmo fungo pode manter uma relação simbiótica com duas árvores bem distantes uma da outra, e que às vezes não são nem da mesma espécie. Por exemplo, se uma árvore está com falta de determinado elemento, como o fósforo, as árvores vizinhas o enviam por meio do filamento do fungo. Em 1996, meu colega Danchin mostrou em seu artigo “Le cri du haricot” [O grito do feijão] que um feijão praguejado por pulgões emite um VOC na atmosfera que atrai os predadores dos pulgões. Dá para imaginar um pesticida menos poluente ou mais eficaz? É assim que as plantas se comunicam entre si e com os animais. Precisamos nos dedicar também à estranha questão das folhas subterrâneas. As longas raízes subterrâneas também contêm folhas. Durante muito tempo, elas foram chamadas de raízes finas, ou ainda de “braquirrizas”. Porém, graças ao trabalho dos paleobotânicos que estudam os fósseis de vegetais, hoje sabemos que são folhas. Proveniente de um período geológico muito antigo, o Carbonífero, a árvore denominada Lepidodendron é um dos fósseis mais conhecidos. Nela, não existe diferença entre os galhos repletos de folhas e as raízes longas que sustentam raízes finas, a ponto de ser impossível distinguir os fósseis aéreos dos subterrâneos. Essa simetria da árvore, que faz do solo um verdadeiro espelho, não existe mais, mas resta ainda uma simetria funcional. Quando perdem suas folhas no mês de novembro, as árvores perdem também as finas raízes subterrâneas. Elas não caem porque já estão na terra, mas morrem. Na primavera, a raiz longa cresce juntamente com os galhos. Nos novos prolongamentos dos galhos, crescem novas folhas, tanto fora como dentro da terra. Essa descoberta não é apenas de interesse teórico: o cogumelo conhecido como trufa se instala nessas folhas subterrâneas. Portanto, os truficultoresficam felicíssimos ao saber da existência de folhas subterrâneas. Um outro ponto, relacionado a um campo totalmente distinto, também vem abalando a comunidade científica: a influência da Lua. Na zona rural, as pessoas mais velhas costumam levar em consideração as fases da Lua para todo tipo de atividades agrícolas: semear, transplantar, enxertar... Até bem recentemente, a comunidade científica observava esse fenômeno, que considerava subjetivo e empírico, com certa condescendência. Em Camarões, por exemplo, a influência da Lua na agricultura é evidente. Mas, aqui, não gostamos de empirismo, preferimos que alguma teoria nos ajude a entender as coisas. Em 1998, na célebre revista britânica Nature, uma equipe suíça, italiana e francesa publicou um artigo intitulado “Tree stem diameters fluctuate with tide” [O diâmetro dos troncos de árvore varia de acordo com a maré]. Essa mistura entre o diâmetro dos troncos de árvore e um fenômeno estritamente astronômico como o das marés pode causar espanto. Quando a Lua exerce atração, a maré sobe naquele ponto e a árvore fica um pouco mais alta e mais estreita. Uma árvore representa uma massa de água suficiente para se mensurar a atração lunar. Quando essa atração não ocorre, a árvore fica um pouco mais baixa e mais grossa. As marés resultam da ação de dois astros: da Lua, mas também do Sol. Quando a Lua e o Sol atraem no mesmo sentido, produz-se o que os marinheiros chamam de “marés vivas” com uma grande amplitude entre a maré alta e a maré baixa. Quando os dois astros atraem em sentidos opostos, ocorrem as “marés mortas” com uma amplitude muito baixa. Tudo isso se reflete nos diâmetros dos troncos. Esse exemplo é muito interessante do ponto de vista epistemológico: uma tradição empírica muito antiga acerca da influência da Lua sobre as plantas, e mais particularmente sobre as árvores, que prevaleceu em todos os continentes e todas as épocas, encontrou validação no plano científico. Olivier de Serres escreveu no século XVI: “É importante observar a posição da Lua para, na fase crescente, cortar lenha para se aquecer e, na minguante, madeira para as construções”. Dependendo da fase da Lua, não se obtém nada além de lenha para queimar, ou podem-se obter vigas que continuarão de pé daqui a cinco séculos. A Suíça é o país europeu mais avançado no que se refere à madeira e sua utilização. Vocês sabem que na Suíça são construídas muitas casas de madeira – os chalés. Quem não tem muito dinheiro constrói um chalé que vai durar cinquenta anos, mas não muito além disso. Quem tem mais recursos compra a “madeira da lua”, como é chamada, e constrói um chalé que vai durar três séculos tranquilamente. Os suíços fazem até lareiras de madeira. É preciso prestar muita atenção à época em que a árvore é derrubada, senão a lareira pode pegar fogo. Mas a mesma árvore pode se tornar resistente ao fogo. Um ofício que sempre levou em consideração as fases da Lua é o dos luthiers, que fabricam instrumentos musicais. Os fabricantes dos Stradivarius jamais usariam uma madeira sem saber em que período lunar foi derrubada. Eles acompanham grande parte da vida da árvore e a derrubam na época mais adequada do ano, isto é, em pleno inverno, quando a Lua não aparece. Termino com uma pergunta um tanto delicada, uma questão identitária: os antepassados da espécie humana viviam em árvores? Essa questão científica bastante séria coloca em oposição na própria França, atualmente, duas escolas de pensamento. Uns acham que nossos antepassados viviam em árvores, que descendemos de seres arborícolas; os outros absolutamente não acreditam nisso. Yvette Deloison, pesquisadora-chefe do Centro Nacional de Pesquisas Científicas da França, escreveu em seu livro Préhistoire du piéton [Pré-história do pedestre] que, por mais que recuemos na linhagem do homem, sempre encontraremos seres terrestres, verticais e bípedes. Nossa linhagem, afirma Yvette Deloison, não tem nada a ver com as árvores. Uma escola que se opõe a essa visão está ligada ao Collège de France e inclui Yves Coppens e Pascal Picq, paleoantropólogos de cujas ideias compartilho, que acham que nas origens de nosso gênero Homo havia animais arborícolas. Essa questão antiga ainda não está resolvida. Quando Darwin regressou de sua volta ao mundo na expedição Beagle e muitos anos depois escreveu a frase que todos conhecem, de que “o homem descende do macaco”, isso significava que, segundo ele, nossos antepassados eram arborícolas. Hoje em dia, já não expressaríamos essa convicção da mesma maneira. O macaco e o homem, por serem contemporâneos, não podem descender um do outro. Na linguagem evolutiva atual, diríamos que o homem e o macaco possuem um ancestral comum. Quando Darwin fez essa afirmação, causou verdadeiro pânico na Grã-Bretanha. O Império Britânico vinha se estabelecendo na África Oriental e os ingleses da era vitoriana não estavam nada de acordo com a ideia de ter macacos como ancestrais. Darwin foi declarado “o homem mais perigoso da Inglaterra”. Um membro da alta sociedade vitoriana chegou a dizer: “Tomara que esse tal senhor Darwin esteja enganado e, se por azar ele estiver certo, tomara que isso possa ficar entre nós”. Por que tamanha recusa? Os ingleses da época só conheciam macacos trancados em zoológicos, onde eram infelizes, sujos, violentos... Eu tive a chance de viver no dossel da floresta e ver macacos ao meu redor. São animais extraordinários e muito dignos de serem nossos ancestrais! Eles são simpáticos, bastante agitados, às vezes têm disputas ferozes, mas possuem técnicas muito boas para resolver os conflitos. Coppens, que me inspirou muito, diz que nossos antepassados eram os “senhores do dossel”. Gosto dessa ideia. Ela não é recente: a origem de nosso gênero (no sentido naturalista da palavra) Homo situa- se na transição do Oligoceno para o Mioceno, ou seja, entre 30 e 15 milhões de anos atrás, na África Oriental, nas latitudes equatoriais, no dossel das florestas. Vamos admitir que nossos antepassados fossem arborícolas e nos perguntar: existe algo em nossa organização física atual que remeta a essa época? Existem recordações de nossa origem arborícola? A resposta é sim. O ser humano é um animal vertical, fenômeno muito raro. Existem pouquíssimos animais verticais. O cavalo-marinho se locomove na posição vertical, assim como certos peixes tropicais que nadam de cabeça para baixo entre os espinhos de grandes ouriços-do-mar. O pinguim-imperador, famoso pelo filme A marcha dos pinguins, dirigido por Luc Jacquet, anda na posição vertical como um homenzinho. E há nós. Esse fato requer uma explicação. Existem dois tipos de macacos: os que andam de quatro pelos galhos, que não nos interessam aqui, e os que praticam a braquiação, uma fantástica maneira de se locomover. Eles agarram um galho com uma das mãos e se balançam para alcançar outro com outra mão, a quase dois metros de distância. Os gibões da Ásia, por exemplo, locomovem-se por braquiação dessa forma, oferecendo um espetáculo admirável, ainda mais por suas extraordinárias vocalizações. Eles descem até o chão de vez em quando, espontaneamente; embora não tão à vontade, ficam na posição vertical e andam sobre dois pés. Segundo Coppens e Picq, devemos nossa verticalidade a nossos antepassados que praticavam a braquiação. Outra coisa importante: nossas mãos têm polegares oponíveis a qualquer outro dedo, o que é ideal para praticá-la. Todos os macacos braquiadores – porque os gibões não são os únicos, existem outros, principalmente na América do Sul – têm as mãos estruturadas dessa forma. Isso é totalmente evolutivo. Um órgão criado para um determinado propósito pode continuar a existir, se encontrar outra utilidade. Seja no cabo de uma ferramenta ou no volante de um caminhão, a mão é útil e por isso a preservamos. Mas ela não foi criada para esse propósito; sem dúvida, foi para a braquiação. Temos os olhos próximos, e portanto um rosto, e isso estáligado ao deslocamento em três dimensões imposto pela locomoção entre as copas das árvores. Sei disso por experiência própria, é preciso ter uma excelente noção de profundidade para se locomover no dossel. Tentar agarrar um galho achando que ele está mais perto do que está realmente é queda na certa, e a 50 metros de altura, é morte – a seleção natural de Darwin entra em ação. Portanto, é fundamental enxergar o relevo. E, para isso, é preciso ter os olhos próximos um do outro. Quem não é tão ambicioso e se locomove apenas em um plano pode ter um olho de cada lado. Em geral, os olhos dos peixes são assim. Nossos olhos próximos, portanto, também seriam uma recordação de nossa ascendência arborícola. Naturalmente, ter os olhos na frente do rosto traz uma desvantagem, um grande ponto cego na parte de trás. Um animal com um olho de cada lado pode enxergar praticamente tudo ao seu redor, ao passo que eu não vejo o que está atrás de mim. Alguns antropólogos norte-americanos sugerem que a vida em sociedade teria resultado desse ponto cego e da necessidade de que ele fosse coberto por um amigo. Eu percebo que os grandes primatas no dossel das florestas nunca estão sozinhos, eles vivem em pequenos grupos de oito ou nove indivíduos e, embora briguem o tempo todo, estão ali para proteger a integridade do grupo. Medindo minhas palavras, terminarei esta pequena conferência dizendo o seguinte: sem as árvores, não seríamos seres humanos. Não sei o que seríamos, mas fisicamente não teríamos a aparência que temos agora. Montreuil, 5 de fevereiro de 2011. Perguntas e respostas Eu gostaria de saber se todas as árvores são sexuadas. Não conheço nenhuma que não seja. E as samambaias? As samambaias também são sexuadas. Existem samambaias arborescentes gigantescas de 25 metros de altura, mas elas têm sexo. A reprodução só pode ser sexuada? Não, ela pode ser vegetativa, principalmente nas samambaias, mas o sexo está ali, macho e fêmea. Acho que posso afirmar categoricamente que todas as árvores são sexuadas. Você disse que estamos perdendo genes, não entendo o que isso quer dizer. Eles vão se apagando, não quer dizer que os perdemos. Não sei qual é a cor dos seus olhos, mas obrigatoriamente eles têm uma cor. Quando você era um bebezinho, o gene que você carrega determinou a cor dos seus olhos; depois esse gene vai se apagar, mas você não precisará mais dele, porque seus olhos já estão aí. Esse é um gene que pode se apagar sem causar problemas. Só que genes que ainda estavam funcionando e que nos fazem falta também se apagam, é isso que perdemos. Mais uma vez, o gene não desaparece – é como uma vela que alguém soprasse. Se conseguíssemos acendê-los novamente, seria muito interessante. Qual é o maior diâmetro que um tronco de árvore pode ter? É uma boa pergunta. Já foram realizadas competições internacionais para descobrir qual era o tronco mais grosso. O recorde atual é de uma árvore existente em Santa María del Tule, no México; o cipreste de Tule tem um tronco da largura do palco do teatro. Como os concorrentes não gostaram muito, eles tentaram demonstrar que se tratava de várias árvores unidas. Um estudo genético confirmou que aquele tronco pertencia a uma única árvore. Portanto, atualmente o cipreste de Tule é a árvore com o maior diâmetro de tronco. Mas, atenção: existe um sério concorrente na Sicília, nas encostas do monte Etna. Você já deve saber que, quando as árvores ficam muito velhas, costumam se tornar ocas. Na Sicília, o círculo formado por uma castanheira conhecida como “árvore dos cem cavalos” – porque nela cabe uma cavalaria inteira – seria, na verdade, uma castanheira oca cujos pedaços se separaram uns dos outros e continuam crescendo. Você sabe por que algumas árvores vivem mais que as outras? É uma excelente pergunta. Nem todas as árvores são potencialmente imortais. Uma palmeira, por exemplo, não ultrapassa um século e meio de vida. Uma bétula, aquela árvore de casca branca, vive uns cinquenta anos, não mais que isso. Nas regiões tropicais, as chamadas árvores- guarda-sol, muito bonitas, não vivem mais de cinquenta anos. Portanto, não se pode generalizar. Algumas árvores vivem pouco tempo e outras são potencialmente imortais. Sua pergunta é sobre como distingui-las. Ainda é cedo para dizer, mas tenho alguns palpites. A árvore-guarda-sol não tem a aparência de uma árvore de vida longa; isso não é muito científico, mas certas árvores de madeira macia não podem durar muito tempo. A bétula é macia, os pinheiros são macios, as palmeiras não contêm propriamente madeira. Por outro lado, espécies como o carvalho, o meranti asiático ou o moabi africano são grandes árvores de madeira dura. Se for mantida em condições adequadas, a árvore pode viver para sempre. Talvez não tenha me estendido o bastante nesse ponto. Uma árvore pode morrer, é claro, todas elas podem morrer. Só que, quando uma árvore morre, é por alguma razão externa, porque ela não tem programa de senescência. Pode morrer porque foi derrubada pelo vento, por causa de uma geada, de um raio, de pragas ou atacada por predadores, mas tudo isso é externo a ela, algo que não estava programado. Mas algumas árvores são programadas para morrer, como o salgueiro-chorão, por exemplo, que cresce muito rápido. Quanto mais rápido elas crescem, menos tempo duram? Não, cuidado com essas evidências. Você sabia que é comum cortarem a copa do salgueiro-chorão? Isso era uma prática em toda a Europa e, em grande parte, ainda é. A árvore é podada na altura de um homem e, regularmente, cresce uma quantidade de brotos que as pessoas cortam e usam como gravetos, pois sabem que voltarão a crescer no ano seguinte. Ela pode ser podada dessa maneira por milhares de anos. Isso prolonga sua existência. Se permanecesse intocada, viveria menos de um século, mas tratada dessa maneira pode viver indefinidamente e se tornar potencialmente imortal. Por que você escolheu trabalhar com árvores? Quando eu tinha sua idade, a França estava em guerra com a Alemanha. Meus pais nos levaram para Seine-et-Marne, onde tinham um pequeno pedaço de terra. Tenho seis irmãos e irmãs, éramos sete mais nossos pais, portanto nove ao todo. Durante toda a ocupação alemã, vivemos em menos de um hectare de terra. Esqueci de dizer que meu pai era agrônomo, ele entendia de plantações e criação de animais. Fiquei com essa ideia de que um pedaço de terra bem cuidado pode alimentar muita gente. Não apenas vivíamos bem, como todos os nossos vizinhos podiam se beneficiar das cestas que mandávamos para eles. São coisas que ficam guardadas dentro de nós. Para mim, uma árvore capaz de dar frutos ou fornecer madeira é uma solução, e será sempre uma solução. É preciso ler Le recours aux forêts [O recurso às florestas], de Michel Onfray. Volto a pensar naquela história de ascendência arborícola, fiz esta observação em Camarões um dia desses. Você está na floresta, de repente escuta um barulho e percebe que há algum animal por perto. Não chega a vê-lo, mas sabe que é grande e que é melhor não se arriscar. Numa situação como essa, todo mundo procura uma árvore em que possa subir. Não estou dizendo que vamos fazer isso, mas encontramos uma árvore porque, para nós, ela representa segurança. É por isso que me interesso pelas árvores. Quantas espécies de árvores existem? Setenta mil, mas, como já disse, esse número aumenta muito depressa, cerca de uma centena por ano, descobertas por botânicos que trabalham em áreas de floresta ainda pouco conhecidas. Por que os anéis das árvores têm cores diferentes? Boa pergunta. Quando a madeira é jovem, ela é branca, enfim, é bem clara, então a seiva circula sem dificuldades por essa madeira branca que é também externa. A madeira envelhece à medida que novas camadas vão se acumulando a cada ano na parte de fora, e a madeira no centro morre. Uma árvore é constituída principalmente de madeira morta, por onde já não corre seiva. Os taninosque se acumulam ali deixam a madeira marrom, amarelo-escura ou, às vezes, totalmente preta, como nessas magníficas árvores chamadas ébanos, que têm o centro preto e incrivelmente duro, parece até pedra. É por isso que a madeira tem várias cores, porque há madeira jovem e madeira velha. Existe alguma árvore que não precise de luz? Uma árvore que não precisasse de luz? Seria como uma “árvore-motriz” no fundo do porão de um navio. Não, todas as árvores de verdade precisam de luz. Há algumas plantinhas que conseguem viver no escuro, mas elas não são muito altas. Não existe nenhuma árvore que possa viver sem luz. Elas não precisam de muita coisa, mas são irredutíveis no pouco que necessitam. E a luz realmente faz parte de suas exigências. Quando plantamos uma árvore, o que tem dentro da semente? Tem uma árvore bem pequenininha. Parece engraçado, mas se você pegar uma semente e partir ao meio, verá que contém uma minúscula árvore, com pequenas raízes, um pequeno caule e pequenas folhinhas. No fundo, o crescimento de uma árvore é o crescimento desse embrião que vemos no centro da semente. O freixo é a melhor árvore para entender isso. Se você encontrar uma semente de freixo, terá que pegar uma faca e abri-la no sentido do comprimento para ver o pequeno freixo lá dentro. Os cactos também desenvolvem embriões? Sim, esses germens se desenvolvem em todas as plantas que produzem sementes. Isso não acontece com a samambaia, por exemplo, porque não existem sementes de samambaia. Numa semente de cacto encontra-se um pequeno cacto em miniatura. É comum vermos os cactos em vasos, como uma bola coberta de espinhos, mas essas plantas podem se tornar grandes árvores, às vezes enormes. Os maiores cactos não caberiam debaixo deste teto. Eles viram árvores bem grandes, esse é um fato pouco conhecido. Os cactos precisam de água para poderem crescer? Com certeza, eles precisam de água como qualquer outra árvore. Só que, quando a encontra, o cacto se enche de água como um reservatório. Dessa forma, pode passar meses e meses sem água, já que a contém no interior de seu próprio caule e de suas folhas, pois alguns cactos têm folhas. Eles têm um enorme sistema radicular e, quando chove, o menor vestígio de umidade é canalisado para o cacto, que acumula uma grande reserva de água, permitindo-lhe ficar sem ela depois. Mas suas necessidades de água são equivalentes às de qualquer outra árvore. Para mim, ser vivo significava nascer e morrer. Então, a árvore seria um ser vivo imortal? Toda a biologia é dominada pela observação de animais e, principalmente, de seres humanos. É por isso que colocamos na cabeça que todos os seres vivos são mortais, porque nós somos mortais. Mas as árvores não têm esse problema – como você pode observar, elas não foram convidadas para o debate. Não podemos prever o modo como as árvores e as plantas em geral vão se comportar porque, mais uma vez, nossa biologia é dominada pelo estudo do animal e do ser humano. Se tudo correr bem, certas árvores não terão por que morrer. É necessário ser mais específico. Uma árvore bem grande é, basicamente, madeira morta, uma fina camada viva sobre uma enorme pilha de madeira morta. Tempos atrás, conversei com alguns estudantes de Vilvoorde, nos arredores de Bruxelas, e fiquei muito admirado com o que me disseram: “Por que derrubamos as árvores para tirar a madeira? Era só esvaziá- las”. Parece utópico, mas trata-se de uma excelente ideia: poderíamos tirar a madeira morta de uma árvore sem derrubá-la, para que continuasse a produzir madeira. Vamos ter que pensar nessas coisas. Existem espécies de árvores que tenham desaparecido? Como você já viajou pelo mundo todo, eu gostaria de lhe perguntar sobre a situação das árvores e o futuro delas, levando-se em conta a poluição. Sim, muitas árvores já desapareceram. Neste planeta, as árvores existem desde período Devoniano, isto é, há 380 milhões de anos. As árvores que existiam naquela época não eram como as nossas e desapareceram. As pessoas não tiveram nada a ver com isso, porque simplesmente não estavam lá. É normal que uma espécie viva desapareça. O problema é saber se o homem faz espécies de árvores desaparecerem, o que está relacionado com sua segunda pergunta, sobre a situação das árvores neste planeta. Quanto ao modo como elas reagem à poluição, não sou nem um pouco pessimista. Uma árvore se ergue com a ajuda de poluentes. Ela se comporta muito melhor do que nós diante dos poluentes, é capaz até de utilizá-los. Do que as árvores do planeta têm medo? De nós. Não somos sequer o seu principal inimigo, somos o único. Eu trabalho nas florestas equatoriais, onde vejo a atividade das madeireiras. Um homem com uma motosserra derruba em quinze minutos uma árvore de 3 ou 4 mil anos para beneficiar pessoas que nunca pisaram na floresta e não têm a menor vontade de ir lá. Para as árvores de nosso planeta, o perigo somos nós. Claro, existem doenças que podem matar árvores, e ventos tão fortes que as derrubam. Mas as doenças e tempestades, ao eliminarem as árvores fracas, selecionam as fortes, contribuindo assim para melhorar as espécies. A tragédia, no caso do homem, é que ele derruba as árvores mais bonitas e deixa as que não são tão bonitas; consequentemente, as espécies vão se enfraquecendo a longo prazo. Se cortarmos uma árvore, deixando só o toco, ela voltará a crescer? Depende da árvore, não existe uma regra geral. Se cortarmos um pinheiro, ele não voltará a brotar. Mas, se cortarmos um carvalho, ele crescerá outra vez e, em poucos anos, nem vai dar mais para ver que foi cortado. A resposta é ainda mais complexa porque algumas árvores voltam a brotar se forem cortadas ainda jovens, mas não depois de crescidas. De qualquer forma, não há uma única resposta simples. Boa noite. Temos a sorte de ter um jardim em que há uma cerejeira de cinquenta anos, e gostaria que me explicasse como é que essa árvore consegue dar cerejas todo ano, sendo que grande parte dela está morta? Uma coisa muito engraçada sobre as árvores, que as distancia totalmente do ser humano, é que, como você observou, elas podem estar vivas de um lado e mortas do outro. Ou estou vivo, ou morto; não existe ambiguidade. Ao passo que uma árvore, mesmo estando plenamente saudável, o que não parece ser o caso da sua cerejeira, pode ter galhos mortos. Como ela faz isso? O fato de aparentemente estar morrendo estimula sua sexualidade e, como resultado, multiplica o número de cerejas. A árvore produz mais flores e, portanto, mais frutos. Isso não é um bom sinal, mas aproveitem enquanto ela estiver dando cerejas. Quero me referir ao seu livro Plaidoyer pour l’arbre [Apelo em defesa da árvore, em tradução livre], do qual gostei muito, onde você fala sobre a definição de árvore. Agora há pouco falamos de palmeiras e cactos e você não corrigiu quem estava com a palavra, dizendo que eles talvez não fossem árvores. Sem dúvida, isso requer uma intervenção mais longa, mas você poderia dizer algumas palavras sobre a definição apresentada em sua obra? Esqueça, porque ela está errada. Isso deu um problema danado. É engraçado, porque todo mundo sabe o que é uma árvore, mas é uma enorme dificuldade na hora de defini-la. Vamos deixar para lá a definição contida em Plaidoyer pour l’arbre porque, nesse meio tempo, tive oportunidade de ir para a África do Sul, onde me mostraram árvores subterrâneas. Eu não sabia que isso existia. A única coisa que sai da terra são as folhas. Um espaço do tamanho desta sala fica repleto de folhas e flores. Na estação chuvosa, isso é tudo o que vemos; na estação seca, queima tudo e não vemos mais nada. Quando voltam as chuvas, ou um pouco antes, vemos saírem folhas e flores. Colegas sul-africanos mediram a velocidade com que a mancha de folhas aumenta. É tão lenta que esses organismos têm milhares de anos. Não há razão para lhes negar a qualidade de árvore, porque eles são perenes, vivem muito tempo e, se cavarmos,encontraremos os galhos e o tronco. Ingenuamente, alguns anos atrás, quando tinha ideias mais simples sobre o assunto, eu dizia: se você bater com o carro nela e estragar o carro, é uma árvore. Agora essa definição não serve mais, precisamos começar tudo outra vez. É muito curioso, mas não temos uma definição para algo tão banal como uma árvore. Uma árvore precisa de CO2 para crescer, e fazemos de tudo para poluir menos. Isso vai prejudicar o crescimento das árvores? Não se preocupe, não vai faltar CO2. Fazemos esforços consideráveis para diminuir as emissões de CO2, mesmo assim, emitimos cada vez mais. Isso está realmente se tornando um problema, apesar das tentativas de reduzi-lo. As árvores são nossas maiores aliadas no combate ao CO2. Muito engenhosamente, elas não necessitam de toda a molécula de CO2 – precisam apenas do C, o carbono, mas não do O2, o oxigênio, e por isso o liberam na atmosfera. Isso é muito conveniente para nós, pois é o que nos permite respirar. Há uma espécie de harmonia entre as árvores e os seres humanos, que considero magnífica. Quando vejo a devastação nas florestas equatoriais, penso comigo que algumas pessoas estão ganhando muito dinheiro, mas teremos dificuldades para respirar, e isso já começou. As árvores atuais ainda vão evoluir ou já completaram sua evolução? Não há nenhuma razão para que a evolução tenha terminado. Aliás, ela está acontecendo diante de nossos olhos. Não existe um determinado período da Terra em que as coisas tenham evoluído e depois parado de evoluir, de jeito nenhum. As árvores continuam em processo de evolução e pode ser que o aumento de CO2 em nossa atmosfera abra novos caminhos evolutivos. A evolução das árvores não estagnou de forma alguma, nem a dos seres humanos. Você falou sobre a comunicação entre as árvores e os animais. Gostaria de saber se podemos imaginar uma forma de comunicação entre as árvores e as pessoas. Por uma questão de sobrevivência, elas poderiam se comunicar conosco? Um poeta chamado Michel Valentin disse: “O homem é a conquista mais nobre da planta”. Pelo fato de passarmos a vida cuidando delas, recolhendo sementes, fazendo-as viajar, plantando-as aqui e ali, de um continente a outro, somos um dos melhores meios de dispersão que as árvores possuem. Isso não é exatamente uma forma de comunicação. Como cientista, procuro me manter totalmente distante do obscurantismo. Muitos amigos me dizem que falam com as árvores, que isso faz bem a elas, que se encostar num tronco de árvore faz passar sua dor nas costas. Tudo bem, fiquem à vontade, mas não me peçam para apoiar isso. O trabalho do cientista não é negar; claro, não devemos ignorar, mas também não se pode aceitar ao pé da letra tudo o que dizem. Para mim, até agora, a comunicação entre as pessoas e as árvores está mais para o lado do obscurantismo. Estou à espera de alguma evidência real, mas, por enquanto, não vejo nenhuma. Precisamos cortar as árvores para ver quantos anéis elas têm? Não, pode-se usar um arco de pua, uma espécie de furadeira manual com a ponta oca que é introduzida no tronco e, ao ser retirada, fornece uma amostra semelhante a um lápis que permite contar os anéis sem matar a árvore. É preciso ter o cuidado de desinfetar o furo e tapá-lo outra vez. É perfeitamente possível contar os anéis sem derrubar a árvore, ainda bem. Na sua introdução, você disse que as árvores eram essencialmente pacíficas, mas não existe nenhuma exceção a essa regra? Por acaso lhe ocorre alguma? Eu trabalho com árvores e às vezes sou obrigado a me afastar por causa do pólen, que pode ser perigoso, urticante. Algumas plantas são muito perigosas e não se pode nem chegar perto delas. Tem razão, é preciso ter cuidado com certas árvores. Na região do Caribe existe uma árvore que se chama mancenilheira e todos sabem que não devem cochilar debaixo de sua copa. Trata-se de um gênero particular de euforbiácea. Se ficar debaixo dela, você começa a se coçar e surgem manchas vermelhas na sua pele por causa dos VOCs, as moléculas voláteis específicas. Há também o estranho caso das figueiras estranguladoras. Isso não existe por aqui, nossa figueira europeia não é estranguladora, e sim nos trópicos, onde há cerca de mil espécies de figueiras, cujos figos são comidos por pássaros. Depois o pássaro deixa suas fezes no alto de uma árvore, as sementes ficam ali e brotam. A primeira coisa que a figueira faz é lançar suas raízes em direção ao solo e, quando chegam lá, ela passa a ter um suprimento normal de água que lhe permite crescer para cima. As raízes não descem em linha reta e sim em espiral, em ambas as direções, de modo a se cruzarem. Quando encostam uma na outra, elas se unem. Em poucos anos, a árvore de suporte é envolvida por um denso emaranhado de raízes. É um estrangulamento? Isso é meio enganoso. Se eu quiser estrangular alguém, tenho que apertar. Mas a figueira não aperta, é a árvore que não consegue mais crescer; é um pouco diferente. Seja como for, sem conseguir crescer, a árvore morre e acaba sendo reaproveitada pela figueira. Isso acontece em regiões equatoriais quentes e úmidas, produzindo um composto orgânico que a figueira reaproveita. Ao fim de alguns anos, a árvore de suporte desapareceu e não resta nada além da figueira, que pode se tornar gigantesca. Ainda assim, ela precisava de outra árvore para crescer, porque a mesma semente na terra não teria germinado. Pode haver uma certa violência nisso, mas, por mais que eu procure, esse é o único exemplo que consigo encontrar. Por que existem árvores de tantas cores diferentes e por que nunca vi nenhuma azul? Existe madeira roxa na América do Sul. O azul não é uma cor comum em madeiras. Por que existem tantas cores? Porque há uma imensa diversidade biológica – 70 mil espécies, não é pouca coisa – e cada tipo tem sua bioquímica particular. Você já viu que as moléculas voláteis variam de uma espécie para outra, o que justifica as colorações diferentes. Essa variabilidade existe em todos os aspectos. Na floresta equatorial, não conseguimos ver as folhas que ficam bem lá no alto, então fazemos um pequeno ferimento no tronco e, ouvindo com atenção, percebemos que algumas árvores fazem barulho, outras não. Há cheiros estranhos também. Algumas árvores têm cheiro de carro novo, por exemplo. Não dá para descrever, só fazendo uma comparação. Outras cheiram a vômito ou têm um cheiro delicioso. Isso quer dizer que a bioquímica está ligada à espécie, é o que acontece com as cores da madeira. Por que às vezes vemos pequenas manchas pretas na madeira do assoalho? Acredito que as tábuas tenham sido cortadas no sentido do comprimento do tronco, ou que, quando jovem, essa árvore tinha galhos que foram removidos durante o trabalho de carpintaria. É interessante entender que, se procurarmos no meio de uma enorme árvore, encontraremos a árvore jovem com seus galhos. Na hora de fazer as tábuas, esses galhos são cortados e provavelmente são essas as manchas pretas a que você se refere. Você pode explicar como uma velha pereira oca, que parece estar totalmente morta, pode continuar vivendo e dando frutos? Isso é típico das velhas pereiras, na verdade. Não é de admirar, uma vez que a madeira em seu interior está morta, e por isso ela é atacada por fungos e bactérias. Mas não é uma coisa sistemática, então que tipo de acidente pode causar esse fenômeno? Nesse caso, houve uma porta de entrada para os fungos e bactérias, que pode facilmente ter sido um corte numa raiz ou um ferimento no tronco. É preciso que esses organismos penetrem em seu interior. Uma vez lá dentro, o tecido morto vai desaparecer e se transformar num composto friável. É perfeitamente normal que isso não mate a árvore, pois ela é uma fina camada viva recobrindo madeira morta. A camada viva não será atacada nem pelas bactérias, nem pelos fungos. Os físicos nos ensinam que um tubo oco é tão resistente quanto um maciço. Do ponto de vista puramentemecânico, não há nenhuma razão para derrubarem as árvores ocas, pena que os dirigentes dos espaços verdes nem sempre raciocinem dessa maneira. Eu gostaria de saber como a seiva circula nas árvores. Eu imagino algo parecido com o sangue humano, mas não acho que seja exatamente igual. Não, porque não existe um coração, bombeando. É totalmente diferente. A seiva entra por baixo, pelas folhas subterrâneas que mencionei, que é por onde entra a água. Ela vai subindo à medida que se evapora, desta vez pelas folhas aéreas. Essa evaporação faz a coluna de água subir. Isso tem um limite, porque as árvores têm uma altura máxima e aparentemente aquele número que passei a vocês, 120 metros, é o máximo que a água pode subir. As árvores mais altas atingem 120 metros; algumas plantas chegam a ter 400 metros, mas não ficam em pé, são cipós. Pode haver plantas com um quilômetro de comprimento, mas ainda não se pode dizer com certeza, pois é complicado medir uma planta desse tamanho. Eu gostaria de fazer uma pergunta sobre os bonsais. Você se interessa por eles, é algo que aprecie? Existem bonsais naturais? Sim. Minha posição a respeito deles é bem sucinta. Eu detesto bonsais, porque detesto fazer as árvores sofrerem. Mas isso é apenas uma parte da resposta porque, em termos científicos, há fenômenos admiráveis que podem ser estudados nos bonsais, como a timidez. Existem árvores tímidas, são aquelas cujas copas não se tocam. Uma das técnicas de bonsai envolve o cultivo de nove árvores da mesma espécie crescendo lado a lado. Nesse caso, a timidez se estabelece por si mesma, não é preciso ser tímido. Na minha opinião, o único interesse dos bonsais é que eles proporcionam um material experimental incrível. Por que você acha que eles sofrem? Essa é uma pergunta difícil. Não temos nenhuma evidência de que eles sofram, mas isso não significa que não sofram. Há alguns anos, no sul da China, o diretor de um jardim botânico me perguntou se eu conhecia a planta que dança. Respondi que não, e me apresentaram uma plantinha que não tem nada de mais, mas suas folhas se mexem quando fazemos barulho na frente dela. Você tem que bater palmas e cantar; se você parar, elas param de se mexer. Eles me fizeram cantar em francês, e funcionou. Quem iria imaginar que uma planta pudesse dançar? Ninguém. Então, vamos considerar essa questão do sofrimento do vegetal com humildade, como uma questão aberta. Mesmo que o bonsai não sofra, ele me transmite a ideia de sofrimento. Mas são muito bonitos. Também acho muito bonitos, mas absolutamente não me vejo torturando uma arvorezinha que não me fez nada. Com certeza, existem alguns que crescem naturalmente em fendas nas rochas, às vezes com milhares de anos. São bonsais naturais, torturados por elementos adversos. Título original: La Vie des arbres. Publicado originalmente por Bayard Éditions, Montrouge em 2011. Tradução: Maria Luisa de Abreu Lima Paz Edição: Otavio Nazareth Ilustração: Olavo Costa Design gráfico: Daniel Brito Assistente de design: Geovana Martinez Produção do livro digital: Booknando 1ª edição, 2022 Qualquer forma de reprodução, distribuição, comunicação pública ou transformação desta obra só pode ser realizada com a autorização expressa de seus titulares, salvo exceção prevista pela lei. Caso seja necessário reproduzir algum trecho desta obra, seja por meio de fotocópia, digitalização ou transcrição, entrar em contato com a Editora. A Editora não se pronuncia, expressa ou implicitamente, a respeito da acuidade das informações contidas neste livro e não assume qualquer responsabilidade legal em caso de erros ou omissões. © Bayard Éditions, 2011 © da tradução: Maria Luisa de Abreu Lima Paz para a edição em português: © Editora Olhares, 2022 Impressão: Loyola ISBN: 978-65-88280-58-4 Fontes: Wigrum e Pona Impresso em papel offset 120g pela gráfica Loyola. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Ficha elaborada segundo a AACR2r H183v Hallé, Francis A vida secreta das árvores : uma pequena conferência / Francis Hallé — São Paulo : Olhares, 2022. 68 p. : il. color. ; 21 cm. ISBN 978-65-88280-89-8 1. Árvores. 2. Plantas. 3. Botânica. I. Título CDD 582.16 Ficha catalográfica elaborada pela bibliotecária Renata Baralle — CRB- 8/10366 EO Editora Ltda Rua General Jardim, 618 – cj.72 - CEP 01223-010 . São Paulo - SP editoraolhares.com.br https://editoraolhares.com.br/ Folha de rosto Conferência sobre as árvores Perguntas e respostas