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EVOLUÇÃO AULA 1 Prof.ª Silmara Terezinha Pires Cordeiro 2 CONVERSA INICIAL No decorrer desta aula, trataremos dos questionamentos sobre a evolução das espécies biológicas. As explicações para esse tema são mutáveis e muitas vezes voláteis, por isso nesse passeio seguiremos uma linha temporal objetivando reconhecer os pesquisadores e suas contribuições para o reconhecimento das variáveis que ajudaram a construir a evolução biológica dos seres vivos. A ciência possui como uma de suas características a necessidade intrínseca de ser reavaliada e revalidada. Novos testes podem levar a novas conclusões, e a teoria evolutiva é dinâmica. Nesse sentido, muitos conceitos foram revisitados durante esse período histórico e alguns, considerados superados, voltaram ao centro das discussões numa nova perspectiva. A construção histórica das teorias evolutivas tem muitos personagens e, nesse estudo, iremos conhecer alguns deles, como Platão, que desempenhou um papel importante como um dos primeiros a discutir que os seres vivos se modificavam. Lamarck reviu as ideias de Platão e tentou desvendar as leis da natureza que ocasionariam as modificações e o surgimento de novas espécies de forma linear. Além de reconhecer a importância desses grandes pensadores, passaremos pela construção do darwinismo, conjunto de ideias que teve início com Charles Darwin (1809-1882), que revelou suas ideias sobre a evolução gradual e a seleção natural como explicação para o surgimento de novas espécies. Neste estudo discutiremos ainda o neodarwinismo com a inclusão da genética de populações e uma proposta de síntese ampliada para a teoria evolutiva que contempla áreas da biologia evolutiva que ficaram de fora na síntese neodarwiniana. Apesar de manterem alguns conceitos darwinianos, as propostas são divergentes e consideramos importante que sejam reconhecidas suas semelhanças e diferenças. Assim, a retomada de discussões antigas deve ser reconhecida nas ideias atuais. TEMA 1 – PRÉ-DARWINISMO Na Grécia antiga, já havia discussões sobre o que era chamado de fixismo, a ideia de que tudo que existia no planeta Terra fora criado por uma divindade, mas o impulso dos filósofos em descrever a natureza pela observação 3 e indução levaram Platão a propor que os seres vivos poderiam transmitir as características que adquirissem durante a vida aos seus filhos. Embora controversa, atualmente essa explicação foi aceita por alguns estudiosos como foi o caso da Jean Baptiste de Lamarck (1744-1829). 1.1 Jean Baptiste de Lamarck (1744-1829) Lamarck, além das características adquiridas, que seriam hereditárias, ponderou que órgãos que fossem bastante utilizados poderiam ter seu tamanho ampliado, ao passo que os órgãos pouco utilizados seriam atrofiados, podendo desaparecer. As leis de Lamarck que ficaram conhecida são as seguintes: a transmissão de características adquiridas e o uso ou desuso de órgãos que poderia causar aumento ou atrofia destes. Um dos exemplos mais conhecidos dessa análise refere-se ao cérebro humano, que aumentou de tamanho, ao passo que a mandíbula se reduziu e pode ser observada no documentário fóssil. Figura 1 – Exemplo de transmissão de características adquiridas e uso e desuso Fonte: Tatyana Bakul/Shutterstock. Durante a vida, um homem praticante de fisiculturismo adquire músculos avantajados (o uso leva ao aumento) sendo que essas características poderiam ser transmitidas para a filha (exemplo na Figura 1), que nasceria com músculos aumentados, igual ao pai. 4 Figura 2 – A criação do Planeta Terra e de todos os seres vivos de maneira imutável, inclusive o homem, num período de uma semana Fonte: Satina/Shutterstock. O livro de Lamarck, Philosophie Zoologique, foi publicado em 1809, mesmo ano do nascimento de Charles Darwin. Nesse livro, esse autor propôs ainda a ideia de que haveria uma tendência ao aumento de complexidade e o surgimento de órgãos por necessidade, algo mais tarde conhecido como ortogênese. Nesse período, a principal ideia aceita era a de que a Terra foi criada de acordo com os relatos bíblicos. Essas ideias foram questionadas após novas descobertas que ocorreram durante esse período, como a deriva continental discutida por Lyell (1769-1832) em seu livro Principles of Geology (1830-1833), segundo o qual existe uma proposta de evolução geológica gradual. Já a ideia da imutabilidade dos seres vivos foi abalada com as ideias do anatomista Cuvier (1797-1875), que propôs que algumas espécies de seres vivos que existiram no passado haviam sido extintas. Ele teve essas ideias observando o registro fóssil em estudos de anatomia comparada. Embora ele mesmo fosse um fixista, seu pensamento influenciou as mudanças de paradigmas e as ideias evolucionistas. 5 1.2 As descobertas de Cuvier (1769-1832) e Lyell (1797-1875) A escola de anatomia da qual Georges Cuvier fazia parte realizava estudos anatômicos em animais e desenvolveu uma classificação rudimentar para o reino animal dividindo-os quatro grupos. Além disso, concluíram que algumas espécies de animais já haviam sido extintas, descoberta que não era compatível com a proposta de Lamarck, pois, para este, os seres vivos se modificavam linearmente formando novas espécies, ou seja, as espécies não se extinguiam e sim transformavam-se em outras. O livro de geologia publicado por Charles Lyell chamado Princípios de geologia trazia a teoria da deriva continental causada pela movimentação das placas tectônicas. Segundo essa teoria, existem placas tectônicas na camada da Terra chamada de litosfera e essas placas estão em movimento, sendo esse o motivo do afastamento dos continentes que em tempos primordiais estiveram unidos num grande continente chamado Pangea. Lyell era adepto do fixismo e também contrário às ideias evolutivas de Lamarck embora a deriva continental fosse compatível com a evolução biológica. TEMA 2 – DARWINISMO A compreensão das ideias darwinianas fica mais fácil quando conhecemos o contexto histórico no qual foram forjadas. Para começo de conversa, falaremos de Charles Darwin, nascido em 1809 e falecido em 1882 aos 73 anos. Ele pertencia a uma família de médicos por parte do pai, sendo herdeiro da fábrica de porcelanas Wedgwood por parte da mãe. Na época, era comum o casamento entre primos e com Charles não foi diferente. 6 Figura 3 – Ilhas Galápagos, 650 milhas a oeste do Equador. As ilhas têm abundante vida selvagem. Local das observações de Charles Darwin em 1835, contendo animais e representação do navio Beagle. Fonte: Steve Allen/Shutterstock. Antes de seu casamento, iniciou os estudos em medicina e acabou abandonando para seguir carreira de naturalista. Antes disso, formou-se em Cambridge e realizou sua viagem a bordo do Beagle, custeado pelo pai, a qual durou cerca de cinco anos. Durante esse período, coletou exemplares de seres vivos e de rochas que foram catalogadas e analisadas originando diversas obras. Observe a Figura 3, com uma representação dessa expedição. 2.1 A construção da teoria da evolução por seleção natural Darwin teve diversas influências de seus professores da universidade, de seu avô Erasmus Darwin, simpático às ideias evolucionistas, mas foi na volta da viagem entre 1837 e 1838, enquanto Darwin catalogava o material resultante da expedição, que isso ficou mais claro para ele. Graças à leitura de diversas obras, como as discussões entre Lamarck e seus opositores Lyell e Cuvier, que suas ideias afloraram. A análise do trabalho de Malthus o levou a refletir sobre as causas de controle populacional. Mas foi analisando as aves do gênero Geopiza, que ficaram conhecidos como os Tentilhões de Darwin (Figura 4), que percebeu pertencerem a diferentesilhas de Galápagos e pareciam ser de espécies diferentes, possuindo diferenças em seus bicos. Resolveu então procurar a explicação para essas transformações ocorridas nas espécies, relacionando-as ao que mais tarde chamou de luta pela sobrevivência e disputa por alimentos, características da seleção natural. 7 Figura 4 – Gráfico educacional para irradiação adaptativa dos tentilhões de Galápagos Fonte: Vecton/Shutterstock. 2.2 O anúncio da conclusões de Darwin sobre a evolução biológica Entre 1838 e 1858, Darwin trabalhou em sua teoria, analisou o material coletado, recorreu a especialistas para classificação correta dos espécimes, confrontou ideias de outros estudiosos por meio de correspondências e, em reuniões, durante 20 anos reuniu argumentos e os escreveu no rascunho de sua obra mais famosa A origem das espécies por seleção natural. Mas a publicação só ocorreu após receber uma carta de Alfred Russel Wallace na qual o jovem naturalista expunha ideias similares à sua conclusão sobre a evolução biológica. Darwin recorreu aos amigos Charles Lyell e Joseph Hooker para solucionar esse impasse e, entrando num acordo com Wallace, anunciaram suas ideias em conjunto em 1858. Seu livro foi publicado no ano seguinte. TEMA 3 – SÍNTESE MODERNA DA EVOLUÇÃO A teoria da evolução por seleção natural não foi aceita por muitos estudiosos da época que criticavam a falta de uma teoria de hereditariedade 8 coerente. Os trabalhos do botânico Gregor Mendel foram redescobertos por volta de 1900 e coube aos pesquisadores Fisher, Haldane e Wright, que em diversos trabalhos sobre genética de populações demonstraram matematicamente que o mecanismo da seleção natural era compatível com a hereditariedade proposta por Mendel. Dessa forma, seriam abandonadas as macromutações e a hereditariedade de caracteres adquiridos. 3.1 Gregor Mendel e a genética de populações A teoria de hereditariedade proposta por Mendel é a base da genética moderna e basicamente trata as características herdáveis como arquivos contendo instruções, que ele denominou de fatores e que hoje conhecemos como genes. Segundo Mendel, esses fatores se separam na formação dos gametas de modo que cada indivíduo receba metade dos fatores do pai e metade da mãe, ou seja, não é uma mistura de características e sim uma combinação desses fatores que daria origem ao seu fenótipo, o que hoje conhecemos como expressão gênica. Os fatores (genes) constituem o genótipo, e a expressão desses fatores em conjunto com a ação do ambiente é o que conhecemos como fenótipo. Nos trabalhos desenvolvidos por Fischer, Haldane e Wright, a genética mendeliana foi utilizada para calcular a frequência de genótipos (conjunto de genes) em populações, possibilitando uma demonstração matemática compatível com a ideia de seleção natural. Esses trabalhos levaram a uma conciliação entre os cientistas da época, possibilitando o avanço e o surgimento de diversas áreas de pesquisa da atualidade. TEMA 4 – SÍNTESE ESTENDIDA DA EVOLUÇÃO Novas pesquisas levam a novos questionamentos e às vezes ocorrem mudanças de paradigmas. Por exemplo, as descobertas de ramos da biologia como as áreas de genômica, embriologia e afins levam a discussões e no momento discute-se a necessidade de uma nova sistematização para a teoria da evolução, algo que, além dos fatores já assimilados, acolha áreas que ficaram de fora da proposta neodarwiniana. Para saber um pouco mais sobre essas ideias, recorremos ao artigo publicado em 2015 “The extended evolutionary synthesis: its structure, 9 assumptions and predictions” (A síntese evolutiva prolongada: sua estrutura, suposições e previsões), cujos autores são Laland et al. (2015). Existem outras publicações na mesma linha publicadas no Brasil, como é o caso do trecho a seguir: Os estudos em Biologia englobam uma ampla gama de fenômenos os quais perpassam desde os níveis molecular e celular, até os níveis das populações, dos ecossistemas e da biosfera, constituindo-se, portanto, por fenômenos integrados, complexos e dinâmicos (Meglhioratti et al., 2008). Não podemos mais atribuir univocidade ao processo de transcrição, por exemplo. Sabemos que a linearidade processual de que uma sequência de nucleotídeos determina uma proteína específica não é mais suficiente, uma vez que essa atividade é co- depende de vários outros fatores metabólicos e regulatórios e ainda das condições ambientais (temperatura, alimentação, ph), as quais também podem afetar a atividade genética e, portanto, a expressão dos genes. Dessa forma, os processos biológicos decorrem de uma pluralidade de relações causais. A Teoria Sintética é genecêntrica e foca o poder explicativo- causal da evolução apenas na seleção natural. Para essa, a seleção natural constitui um mecanismo suficiente para explicar tanto a micro quanto a macroevolução, sendo necessário apenas o complemento de mecanismos que expliquem a separação de populações e a interrupção do fluxo gênico, para dar conta da origem de novas espécies (Almeida; El-Hani, 2010, citado por Oliveira; Caldeira, 2013). Mas todas as publicações encontradas sobre esse tema seguem a mesma linha teórica dos autores citados anteriormente e são desenvolvidas dentro do Grupo de Pesquisas em Epistemologia da Biologia (GPEB) da UNESP e se referem aos mesmos autores já citados anteriormente. A seguir, discutiremos os principais pontos da proposta: 4.1 Reciprocidade de causas na evolução Neste tópico, Laland et al. (2015) afirmam que as ações dos indivíduos são consideradas como uma interferência na seleção natural, ou seja, a interação dos organismos agiria como causa da evolução (coevolução). Propõem que os indivíduos atuem de maneira recíproca, sendo causadores da própria evolução biológica além de serem agentes modificadores do ambiente, dessa forma interferindo na evolução biológica dos seres que partilham esse ambiente. Para embasar suas ideias, retoma diversas ideias antigas como observado no trecho a seguir: Embora a ocorrência de construção de nicho não seja contestada (seu reconhecimento remonta a Livros clássicos de Darwin sobre minhocas e corais) a perspectiva de construção de nicho, no entanto, permanece controversa. Pesquisadores diferem sobre até que ponto a construção 10 de nicho requer mudanças na teoria evolutiva (por exemplo, comparar Laland et al. 2014 a Wray et al. 2014). Em particular, a alegação de que a construção de nicho é um processo evolutivo, e uma fonte de adaptação, gerou controvérsia[...]. As divergências dos autores refletem uma disputa mais ampla dentro da teoria evolucionista sobre se a síntese neodarwiniana precisa de reformulação, bem como diferentes usos de alguns termos-chave (por exemplo, processo evolutivo), (Laland et al., 2015). Os exemplos dessa interação são denominados de construção de nicho, que seriam as alterações ambientais, por exemplo, a construção de um ninho ou de uma toca, o que favoreceria os filhotes desse ser vivo para que sobrevivessem e dessa forma perpetuassem sua carga genética, nesse mesmo ambiente ou colonizando novos ambientes, sendo, nesse caso, eles mesmos um fator causador de sua própria evolução. 4.1.1 Hereditariedade não genética Neste outro tópico, Laland et al. (2015) incluem as alterações na expressão dos genes (epigenética), heranças ecológica e social, todos fatores que não estão relacionados à hereditariedade tradicional. É importante lembrar que, para a genética atual, somente são considerados fatores hereditários os transmitidos por meio dos genes, sendo que fatores culturais e sociais são objeto de estudo de áreas humanísticas e mesmo os genes reguladores da expressão gênica são considerados fatores acessórios na hereditariedade e, no caso da ecologia, esta é vista como uma área de estudo à parte. Laland et al.(2015) incluem um direcionamento na variação dos fenótipos atribuídas a mecanismos do desenvolvimento (embrionário ou ontogênico) que facilitariam essa variação por uma “indução ambiental” durante esse processo, ou seja, propõem que o ambiente possa induzir mudanças nos mecanismos reguladores do desenvolvimento embrionário e, dessa forma, surgiriam novos fenótipos na população. Essas variações seriam de indivíduos com os mesmos genes, mas com uma expressão diferente, apresentando características relacionadas ao conjunto de fatores ontogênicos e ambientais. 4.1.2 A variação de fenótipos direcionada Para Laland et al. (2015), a evolução não seria gradual como na proposta de Darwin, existindo a possibilidade de grandes saltos evolutivos por meio de mutações em genes reguladores (epigênicos), modulando comportamentos ou 11 em resposta a desafios ambientais, o que retoma conceitos que podem ser creditados a Lamarck, pois em sua teoria da evolução biológica era considerada direcionada, além das ideias de “ortogenética” e do “saltacionismo”, discutidas no século XIX. Nesse caso, a evolução, além de direcionada, poderia ocorrer em grandes “saltos” evolutivos. 4.1.3 O organismo como ator principal Ainda, Laland et al. (2015) colocam em perspectiva o organismo em vez de seus genes, sendo os fatores evolutivos ligados a uma noção amplificada da ideia de herança, abrangendo processos de “variação adaptativa e modificação ambiental seletiva”, ou seja, uma retomada da herança dirigida, propondo que o organismo seja ator e ao mesmo tempo diretor de sua própria evolução biológica, algo que se contrapõe às ideias darwinianas, pois nesse caso o indivíduo não apresenta capacidade de modificar seu genótipo para adaptar-se ao ambiente. 4.1.4 Processos evolutivos adicionais na macroevolução Nesse ponto, Laland et al. (2015) reinserem a ontogenia, agora como “viés de desenvolvimento” e incluem as interações ecológicas com o intuito de dar mais subsídios que expliquem a macroevolução, sendo perfeitamente compreensível o ponto de vista dos autores com relação a uma busca de integração entre as diversas áreas do conhecimento de forma a unificar a teoria da evolução biológica. As ressalvas ficam por conta da real possibilidade de integrar de maneira interdisciplinar áreas tão distintas para explicar o mesmo fenômeno (no caso, a evolução biológica). A proposta de uma síntese ampliada para a teoria sintética da evolução carece ainda de discussões, sendo que os autores do artigo discutido afirmam esperar que esta seja reavaliada, considerando essa nova perspectiva e que tanto as pesquisas teóricas quanto as de laboratório e/ou campo contribuam para essa reconstrução. 12 TEMA 5 – SUGESTÃO DE LEITURA: A ORIGEM DAS ESPÉCIES, DE CHARLES DARWIN A opção por este capítulo em especial deve-se ao tema principal que é luta pela sobrevivência, um conceito importante para o entendimento geral das ideias de Darwin sobre a evolução dos seres vivos. No capítulo III de seu livro A origem das espécies, Charles Darwin (1859) explica melhor suas ideias sobre a competição que todos os seres vivos enfrentam para sobreviver e se reproduzir. Todos conhecemos o ciclo da vida em que o indivíduo, nasce, cresce, se reproduz e morre, mas Darwin foi mais a fundo propondo que existem leis na natureza que decidem por que um indivíduo nasce, mas tem sua vida ceifada antes do período reprodutivo ou por que, mesmo tornando-se adultos, alguns indivíduos não conseguem se reproduzir, além de tantos outros questionamentos sobre temas adjacentes. 5.1 Sobrevivendo a uma “competição” Darwin foi um naturalista cuja pesquisa utilizou-se de longas observações da vida natural, com base nas quais concluiu que os seres vivos vivem uma batalha constante para sobreviver buscando alimentos, abrigo e parceiros reprodutivos, mas durante sua vida essas necessidades são partilhadas com outros seres de mesma espécie e de espécies diferentes, o que leva a uma competição por esses recursos. Percebeu que alguns apresentavam maior sucesso nessas aquisições e tentou compreender quais eram as leis que regiam esses processos. Darwin (1859) exemplifica, em seu livro, a disputa que plantas parasitas como a erva-de-passarinho travam entre si e com as demais plantas frutíferas, concluindo que o termo mais adequado seria luta pela existência. 5.1.1 Progressões aritmética e geométrica (alimentos x organismos) Neste tópico, Darwin discute a teoria demográfica proposta por Malthus, na qual a produção de alimentos não seria suficiente para atender à demanda mundial, visto que com as tecnológicas da época essa produção seguiria um ritmo de crescimento aritmético, ou seja, cresceria de soma em soma, ao passo que a reprodução dos seres vivos seria exponencial, ou seja, aumentava em ritmo de multiplicação. 13 A observação das populações naturais contrariava essas expectativas, pois as populações biológicas na natureza eram mantidas em equilíbrio, não havendo superpopulações, e a competição ou luta que os seres vivos travam no dia a dia poderia ser um fator decisivo nessa equação. Deveriam existir fatores que controlavam a reprodução. Nesse caso Darwin chega a fazer cálculos para tentar prever o que aconteceria com o Planeta Terra caso a reprodução fosse contínua, concluindo que não seria possível comportar a quantidade de seres gerados. 5.1.2 Aclimatações em animais e plantas Além das observações do tópico anterior, Darwin (1859) narra vários episódios de seres do que ele chama de aclimatação de plantas e animais que se adaptam a regiões para as quais foram levadas pelo homem, obtendo condições privilegiadas em relação aos seres vivos nativos e podem levar à extinção as espécies naturais daquele ambiente. Hoje conhecemos esse fenômeno como espécies invasoras. Nessa narrativa, Darwin (1859) expõe suas conclusões sobre o fenômeno argumentando que o fator controlador não estaria presente nesse caso, pois não haveria predadores e competidores naturais para essas espécies, concluindo que, sem esses fatores, a espécie em questão teria sua população aumentada. Como exemplo, cita a reprodução de aves, plantas e moscas, que, em estado natural, sofrem com a destruição de suas proles e mesmo indivíduos jovens e adultos são destruídos nessa competição, além de verificar que o clima desempenha um papel fundamental, definindo a sobrevivência ou não das espécies. 5.1.3 Competição e relações ecológicas entre os seres vivos As observações de Darwin sobre as consequências de alterações ambientais provocadas pela ação humana o fizeram chegar a algumas hipóteses. Nesse caso, ele cita uma propriedade de um de seus parentes, na qual um espaço de terra foi cercado e semeado com pinheiros, sendo que por vinte e cinco anos nenhuma outra alteração foi feita. Ao analisar as populações, percebeu um aumento de biodiversidade de aves e insetos, além do surgimento de um grande número de novos pinheiros que não foram plantados, levando-o a 14 indagar o porquê de o restante dessa propriedade permanecer encharcada e sem aumento de espécies. Numa análise mais aprofundada, encontrou pinheiros que tentavam se desenvolver na área não cercada. Analisou seus anéis de crescimento e percebeu que possuía vinte e seis anos, concluindo que esta árvore não se desenvolveu por causa do gado que se alimentava de seus brotos, impedindo-a de crescer. Nesse caso, o gado limitou a presença do pinheiro silvestre. Outros exemplos como esse foram por ele citados no livro, que prossegue com outros exemplos, como o das moscas parasitas que põem ovos nos umbigos de animais de quatro patas (por exemplo, cães e cavalos), e que, segundo o autor, seriam o motivo para que no Paraguai esses animais não retornassem ao estado selvagem. Conclui que existem muito mais complexidades entre asrelações entre animais e plantas de que se tem conhecimento e que essas relações interferiam no desenvolvimento mútuo desses seres vivos em ambientes naturais. 5.1.4 Complexidade de relações ecológicas entre os seres vivos Darwin (1859) argumenta que a competição dentro da mesma espécie é mais acirrada do que entre espécies diferentes. Para provar isso, Darwin (1859) usa diversos exemplos de “espécies invasoras”, como a andorinha norte- americana, o tordo-visgueiro, a barata asiática e a abelha importada, que na Austrália estaria exterminando a espécie nativa. Ao fim deste capítulo, observa que essa luta entre as espécies ocorre mesmo em locais inóspitos como desertos e geleiras, concluindo que precisava aceitar o fato de que não tinha todas as informações sobre as inter-relações entre os seres vivos e que “a guerra que se trava na natureza não é incessante, nem produz pânico [...], e que os mais fortes, mais saudáveis e os mais afortunados conseguiram sobreviver e se multiplicar” (Darwin, 1859). NA PRÁTICA Saiba mais Já imaginou se fosse possível ter acesso aos manuscritos originais de Charles Darwin, correspondência além dos livros da biblioteca pessoal? Pois 15 isso é possível e, além do mais, é gratuito, graças ao projeto “Biblioteca de Darwin”. Acesse o link a seguir: CHARLES DARWIN’ LIBRARY. BHL – Biodiversity Heritage Library, 2019. Disponível em: <https://www.biodiversitylibrary.org/collection/darwinlibrary>. Acesso em: 29 out. 2019. A seguir, um texto explicativo sobre o projeto: Charles Darwin’s Library é uma edição digital e uma reconstrução virtual dos livros sobreviventes de propriedade de Charles Darwin. Esta coleção especial da BHL baseia-se em cópias originais e substitutos de outras bibliotecas. Ele também fornece transcrições completas de suas anotações e marcas. Neste primeiro lançamento (2011) nós fornecemos 330 dos 1480 títulos em sua biblioteca, concentrando-se nos livros mais anotados. [...] O Projeto de Manuscritos de Darwin sob uma bolsa da National Science Foundation [...] está preparando transcrições do material manuscrito relevante, com exceção dos Cadernos de Leitura, já publicados pelo Darwin Correspondence Project. Por mais importante que seja a Biblioteca de Darwin, a fim de refazer e reconstruir verdadeiramente a Leitura de Darwin, esses materiais precisarão ser integrados, como, sem dúvida, serão (Charles..., 2019, tradução nossa). Após acessar o projeto e caso tenha dificuldades com o inglês, você pode baixar o aplicativo Google Tradutor disponível para o navegador Google Chrome. Para testar seus conhecimentos na prática, responda às seguintes questões: 1. As leituras realizadas por Charles Darwin durante a expedição influenciaram suas ideias sobre a evolução biológica? Justifique. 2. Quais livros ou autores podem ter tido uma influência fundamental no trabalho de Darwin? 16 FINALIZANDO Figura 5 – Síntese das principais ideias do evolucionismo Teoria sintética ou Neodarwinismo: foi desenvolvida entre 1920 e 1950 •diversos autores, sendo os principais: Fischer, Haldane e Wright acomodaram as ideias da genética mendeliana com pesquisas em genética de populações, um “casamento” entre a genética mendeliana e a evolução darwinista. Lamarckismo Iniciou com as ideias de Platão sobre hereditariedade Lamarck retomou a ideia da herança de caracteres adquiridos em vida proposta por Platão, agregando a lei do uso e desuso. Darwinismo Darwin foi influênciado pelas ideias de Malthus sobre o crescimento exponencial das populações em contra partida com um crescimento aritmético da produção de alimentos; pelas descobertas sobre a geologia do planeta Terra, o movimento das placas tectônicas e a deriva continental, além da existência de fósseis de espécies de animais extintos; Além disso, seu rigor metodológico na observação da natureza, sua experiência na criação de pombos, sua vida no campo, além do apoio de taxonomistas e zoólogos que classificaram os espécimes coletados fornecendo informações sobre os hábitos de vida destes, enfim todo um conjunto de evidências que sustentou e sustenta a teoria da evolução por seleção natural; O anúncio de suas ideias ocorreu em conjunto com Wallace em 1858 e posteriormente foi edificada com a publicação da primeira edição do livro A origem das espécies em 1859. 17 A “luta pela sobrevivência” proposta por Darwin em seu livro A origem das espécies inclui, além da busca por recursos alimentícios e de habitat, fatores de inter-relação entre seres vivos, tanto interespecíficas quanto intraespecíficas, as adaptações ao clima, as alterações climáticas que causam redução nesses indivíduos, a ação do homem sobre o ambiente e seu impacto nas relações entre animais e plantas, a ação de parasitas no controle de determinadas espécies, a relação das espécies invasoras com as espécies nativas, entre outras complexas relações entre os seres vivos. Darwin propõe finalmente que os seres que sobrevivem em detrimento de todas essas interações e que ainda se reproduzem e se perpetuam seriam os mais adaptados ao ambiente, ou seja, foram selecionados pela natureza. Em 2008, surge a proposta de síntese ampliada propõe que além da seleção natural, outros fatores ajam promovendo a evolução biológica, • agrega a genômica, ecologia, embriologia e áreas humanísticas, ideias revisitadas do século XIX e tendo os conceitos ressignificados dentre esses fatores destacam a interação ecológica, os fatores reguladores dos genes que agem na formação e desenvolvimento embrionário os fatores reguladores de genes durante a vida dos seres vivos além de fatores culturais como por exemplo o aprendizado. 18 REFERÊNCIAS CHARLES DARWIN’ LIBRARY. BHL – Biodiversity Heritage Library, 2019. Disponível em: <https://www.biodiversitylibrary.org/collection/darwinlibrary>. Acesso em: 29 out. 2019. DARWIN, C. R. On the Origin of Species. London: John Murray, 1859. LALAND, K. N. et al. The extended evolu-tionary synthesis: its structure, assumptions and predictions. Royal Society of London B, v. 282, n. 1813, p. 2- 14, 2015. OLIVEIRA, T. B.; CALDEIRA, A. M. A. Processo de evolução biológica em um Grupo de Pesquisa em Epistemologia da Biologia (GPEB): a contribuição de discussões epistemológicas para o ensino de biologia. Atas do IX Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências – IX ENPEC. Águas de Lindoia/SP, 10-14 nov. 2013. Disponível em: <http://www.nutes.ufrj.br/abrapec/ixenpec/atas/resumos/R1624-1.pdf>. Acesso em: 29 out. 2019. RIDLEY, M. Evolução. 3. ed. Trad. Henrique Ferreira, Luciane Passaglia e Rivo Fiescher. Porto Alegre: Artmed, 2006.