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Módulo de
Biologia Evolutiva
Universidade Pedagógica
Rua João Carlos Raposo Beirão nº 135, Maputo
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Ficha técnica
Autoria: Rodrigo de Mello
Revisão Científica: André Machava Manhiça
Revisão da Engenharia de EAD e Desenho Instrucional: Cornélio Mucaca
Edição Linguistica: Orlanda Gomane
Edição técnica/Maquetização: Aurélio Armando Pires Ribeiro
Primeira Edição © 2017
Impresso e Encadernado por:
© Todos os direitos reservados. Não pode ser publicado ou reproduzido em nenhuma forma ou meio –mecânico ou
eletrónico- sem a permissão da Universidade Pedagógica.
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Índice
Unidade no 1: Teorias interpretativas sobre a origem das espécies ................................................................................................. 11
Lição no 1: Introdução à Biologia Evolutiva ................................................................................. 12
1.1. O foco de estudo da Biologia Evolutiva .................................................................................... 13
1.2. Há contradição entre evolução e religião? ............................................................................... 14
1.3. Conceitos relevantes da Biologia Evolutiva ............................................................................... 18
1.4. Selecção natural vs. selecção artificial ................................................................................... 20
Lição no 2: Selecção Natural: a força motriz da evolução biológica ................................................ 30
2.1. Tipos de selecção natural: processos e mecanismos de actuação ................................................... 31
2.2. O neutralismo molecular: nem toda mudança sofre selecção ........................................................ 34
Lição no 3: Teorias interpretativas sobre a origem e diversificação de espécies ............................. 47
3.1. Teorias e hipóteses fixistas: as ideias sobre evolução antes de Darwin ............................................ 48
Lição no 4: Tipos de evidências sobre a existência da evolução I ................................................... 65
4.1. Evidências morfológicas de espécies vivas ............................................................................... 66
Lição no 5: Tipos de evidências sobre a existência da evolução II................................................... 92
5.1. Evidências embriológicas e a biologia do desenvolvimento (EvoDevo) .............................................. 93
5.2. Evidências biogeográficas: distribuição geográfica, clima e atributos ecológicos do ambiente ............... 99
Unidade no 2: Princípios e Perspectivas da Acção da Evolução ............................................................. 106
Lição no 6: A relação entre adaptação, nicho ecológico e sucesso reprodutivo .............................. 107
6.1. Os seres vivos apresentam adaptações e estas podem favorecer indivíduos diferentes ..................... 108
6.2. O contexto ecológico da evolução: disponibilidade de nicho e adaptação ........................................ 110
6.3. Evolução na perspectiva macroecológica (Cladogénese) ........................................................... 112
Lição no 7: . Modelos de especiação e mecanismos de isolamento reprodutivo ............................... 116
7.1. O que é uma espécie? Conceitos e escopo teórico .................................................................... 117
7.2. Mecanismos de Isolamento Reprodutivo ................................................................................ 123
7.3. As espécies e sua formação .............................................................................................. 125
Lição no 8: Tipos de especiação e factores relacionados à divergência genética ............................ 131
8.1. A especiação alopátrica exige isolamento reprodutivo completo .................................................. 132
8.2. A especiação simpátrica ocorre sem separação física ............................................................. 134
Unidade no 3: Tipo de Evolução ........................................................................................................................................................ 142
Lição n0 Os rumos da evolução: linhagens convergentes e divergentes ........................................ 143
9.1. . Evolução convergente: nem todas as características semelhantes são homólogas .......................... 144
9.2. Gradualismo: surgimento lento e gradual de novas linhagens ..................................................... 147
9.3. Equilíbrio Pontuado: rápidas mudanças em curtos períodos (geológicos) de tempo .......................... 148
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Unidade no 4: Origem da Terra e da Vida ........................................................................................................................................153
Lição no 10: . Tempo geológico e histórico da Terra ................................................................... 154
10.1. Origem do universo e origem do nosso sistema solar............................................................... 155
10.2. A origem da vida e o surgimento das primeiras células ............................................................ 156
Lição no 11: Teorias sobre a complexidade e diversificação da vida .............................................. 160
11.1. A origem da vida pluricelular .............................................................................................. 161
11.2. Evolução dos sistemas de respiração e fotossíntese ................................................................ 162
11.3. A ‘explosão do cambriano’ e o florescimento e diversificação da vida ........................................... 164
Unidade no 5: Vias Evolutivas das Plantas ........................................................................................................................................ 171
Lição no 12: .Principais linhagens de diversificação dos vegetais ................................................. 172
12.1. Origem, desenvolvimento e níveis de organização ................................................................... 173
12.2. Origem e evolução das plantas espermatófitas: a transição ao modo de vida terrestres ................... 178
12.3. Aparecimento das sementes nas Gimnospermas e Angiospermas ............................................... 183
12.4. A importância e o papel das plantas na evolução de ecossistemas .............................................. 186
Unidade no 6: Vias Evolutivas dos Animais ......................................................................................................................................195
Lição no 13: Principais linhagens de diversificação dos animais ................................................... 197
13.1. O surgimento dos primeiros vertebrados ........................................................................... 198
13.2. Evolução dos tetrápodes ................................................................................................ 200
13.3. A diversificação dos mamíferos e suas diferenças em relação aos seus ancestrais reptilianos ......... 201
Unidade no 7: Origem e Evolução Do Homem ................................................................................................................................... 211
Lição no 14: História evolutiva dos sereshumanos .................................................................... 212
14.1. Origem e evolução da espécie humana ............................................................................... 213
14.2. Classificação do Homem como organismo e as evidências fósseis dos primeiros hominídeos ............ 218
Lição no 15: As relações filogenéticas entre o Homem e outros primatas ............................................. 226
15.1. A ancestralidade recente dos humanos: a aurora da humanidade .............................................. 227
15.2. As relações de parentesco entre humanos e os macacos antropóides actuais .............................. 229
15.3. Ética e evolução: a espécie humana como gerenciadora da biodiversidade contemporânea .............. 231
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Visão Geral do Módulo
Apresentação
Nada faz sentido em biologia exceto à luz da evolução. Essa frase, frequentemente citada,
é título de um famoso trabalho de Theodosius Dobzhansky – que foi um dos biólogos
evolucionistas mais eminentes do século XX - e resume bem a importância dos conceitos
evolutivos para as ciências biológicas. A teoria da evolução por seleção natural é, sem dúvida
alguma, a generalização mais importante até agora feita no campo das ciências naturais e pode ser
testada cientificamente em todas essas áreas de conhecimento. Ela é uma das ideias mais
poderosas em todas as áreas da ciência e é a única teoria que pode seriamente reivindicar a
condição de unificar a biologia. Neste material irei abordar como o pensamento evolucionista foi
se modificando e se aprimorando ao longo do tempo, e como essa ciência sempre foi cercada por
aspectos religiosos e culturais, tanto que encontra barreiras para o seu entendimento até nos dias
de hoje.
Veremos como a publicação de A Origem das Espécies por Charles Darwin, em 1859,
influenciou o estudo evolucionista e os pesquisadores a partir de então, por ter feito mais do que
qualquer outro indivíduo, antes ou depois dele, para modificar a atitude e a visão do homem em
relação ao fenômeno da vida. Os conceitos evolutivos forneceram à biologia um arcabouço
científico coerente de ideias, em vez de uma abordagem composta de mitos e superstições,
fazendo com que a evolução por seleção natural se tornasse um fato inegável, compreensível
como processo e abrangente como conceito. A emergência do darwinismo e o avanço
tecnológico, principalmente na genética, permitiram o desenvolvimento de novas teorias e o
aprimoramento de antigas. Veremos como a seleção natural, o isolamento reprodutivo e as
barreiras geográficas e ecológicas são os principais mecanismos que atuam nas populações
naturais, impulsionando-as a divergências evolutivas que contribuíram ao longo do tempo para a
diversificação e estabelecimento da majestosa biodiversidade de nosso planeta. Uma das
principais conclusões que espero é que o estudo deste módulo possa despertar em cada aluno a
ideia de que somente em um contexto evolutivo o ser humano é capaz de olhar a Natureza com
humildade e vislumbre, colocando-se não mais no centro de uma visão antropocêntrica para
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compreender a diversidade das formas de vida da atualidade. E isso só se é possível quando
aplicamos os princípios das teorias evolutivas para interpretar, criticar e debater diferentes versões
da origem e evolução das espécies.
Assim, os temas são aqui divididos em oito unidades que abordarão, respectivamente, (1)
as principais teorias que buscam respostas sobre a origem das espécies; (2) as evidências da ação
da evolução por seleção natural; (3) os princípios e perspectivas da ação da evolução; (4) os tipos
de evolução; (5) a origem da Terra e da vida; (6) as vias evolutivas das plantas; (7) as vias
evolutivas dos animais e, por fim, (8) a origem e evolução do ser humano. Os conteúdos dentro de
cada unidade serão distribuidos em diversas lições, com a finalidade de dividir temporal e
coerentemente os principais conceitos para estudo.
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Objectivos do Módulo
• Apresentar o campo de estudo da Biologia Evolutiva, distinguindo a
evolução biológica da não biológica;
• Explicar e apresentar o histórico do pensamento evolucionista;
• Identificar e comparar as diferentes teorias interpretativas sobre a
origem e evolução das espécies.
Ícones de Actividades
Caro estudante, para lhe ajudar a orientar-se no estudo deste módulo e
facilmente localizar cada um dos elementos da lição, foram usados marcadores de
texto do tipo ícones. Os ícones (na sua maioria) foram concebidos pelo CEMEC
(Centro de Estudos Moçambicanos e Etnociência) da Universidade Pedagógica.
Tomou-se em consideração a diversidade cultural Moçambicana. Encontre, a
seguir, a lista de ícones, o que a figura representa e a descrição do que cada um
deles indica no módulo:
1. Exercício
[enxada em actividade]
2. Actividade
[colher de pau com alimento
para provar]
3. Auto-Avaliação
[peneira]
8
4. Exemplo/estudo de caso
[Jogo Ntxuva]
5. Debate
[à volta da fogueira]
6. Trabalho em grupo
[mãos unidas]
7. Tome nota/Atenção
[batuque soando]
8. Objectivos
[estrela cintilante]
9. Leitura
[livro aberto]
10. Reflexão
[embondeiro]
11. Tempo
[sol]
12. Resumo
[sentados à volta da
fogueira]
13. Terminologia/
Glossário
14. Vídeo/Plataforma
[computador]
15. Comentários
[balão com texto]
1. Exercício (trabalho, exercitação) – A enxada relaciona-se com um tipo de trabalho, indica que é
preciso trabalhar e pôr em prática ou aplicar o aprendido.
2. Actividade - A colher com o alimento para provar indica que é momento de realizar uma
actividade diferente da simples leitura, e verificar como está a ocorrer a aprendizagem.
http://www.freepik.com/index.php?goto=27&url_download=aHR0cDovL3d3dy5mbGF0aWNvbi5jb20vZnJlZS1pY29uL2NoYXQtY2lyY3VsYXItYnViYmxlLXdpdGgtbWVzc2FnZS10ZXh0LWxpbmVzXzUwMDEx&opciondownload=318&id=aHR0cDovL3d3dy5mbGF0aWNvbi5jb20vZnJlZS1pY29uL2NoYXQtY2lyY3VsYXItYnViYmxlLXdpdGgtbWVzc2FnZS10ZXh0LWxpbmVzXzUwMDEx&fileid=792302
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3. Auto-Avaliação – A peneira permite separar elementos, por isso indica que existe uma proposta
para verificação do que foi ou não aprendido.
4. Exemplo/Estudo de caso – Indica que há um caso a ser resolvido comparativamente ao jogo de
Ntxuva em que cada jogo é um caso diferente.
5. Debate – Indica a sugestão de se juntar a outros (presencialmente ou usando a plataforma digital)
para troca de experiências, para novas aprendizagens, como é costume fazer-se à volta da fogueira.
6. Trabalho em grupo –Para a sua realização há necessidade de entreajuda, que se apoiem uns aos
outros
7. Tome nota/Atenção – Chamada de atenção
8. Objectivos – orientação para organização do seu estudo e daquilo que deverá aprender a fazer ou a
fazer melhor
9. Leitura adicional – O livro indica que é necessário obter informações adicionais através de livros
ou outras fontes.
10. Reflexão – O embondeiro é robusto e forte. Indica um momento para fortalecer as suas ideias,
para construir o seu saber.
11. Tempo – O sol indica o tempo aproximado que deve dedicar á realização de uma tarefa ou
actividade, estudo de uma unidade ou lição.
12. Resumo – Representado por pessoas sentadas à volta da fogueira como é costume fazer-se para se
contar histórias. É o momento de sumarizar ou resumir aquilo que foi tratado na lição ou na
unidade.
13. Terminologia/Glossário – Representado por um livro de consulta, indica que se apresenta a
terminologia importante nessa lição ou então que se apresenta um Glossário com os termos mais
importantes.
14. Vídeo/Plataforma – O computador indica que existe um vídeo para ser visto ou que existe uma
actividade a ser realizada na plataforma digital de ensino e aprendizagem.
15. Balão com texto – Indica que existemcomentários para lhe ajudar a verificar as suas respostas às
actividades, exercícios e questões de auto-avaliação.
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Pág. 11 -104
Teorias interpretativas sobre a
origem das espécies
Conteúdos
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ID
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E
Lição no 1: Introdução à Biologia Evolutiva
1.1. O foco de estudo da Biologia Evolutiva
1.2. Há contradição entre evolução e religião?
1.3. Conceitos relevantes da Biologia Evolutiv
1.4. Selecção natural vs. selecção artificial
Lição no 2: Selecção Natural: a força motriz da
evolução biológica
2.1. Tipos de selecção natural: processos e mecanismos de
actuação 31
2.2. O neutralismo molecular: nem toda mudança sofre
selecção
Lição no 3: Teorias interpretativas sobre a origem e
diversificação de espécies
3.1. Teorias e hipóteses fixistas: as ideias sobre
evolução antes de Darwin
Lição no 4: Tipos de evidências sobre a existência da
evolução I
4.1. Evidências morfológicas de espécies vivas
Lição no 5: Tipos de evidências sobre a existência da
evolução II
5.1. Evidências embriológicas e a biologia do
desenvolvimento (EvoDevo)
5.2. Evidências biogeográficas: distribuição geográfica,
clima e atributos ecológicos do ambiente
11
Unidade no 1: Teorias interpretativas sobre a origem das
espécies
Introdução
Desde os primórdios da humanidade há evidências de que nossos
antepassados buscam uma explicação para a diversidade de vida que nos rodeia.
Qualquer pessoa que analise e reflita sobre isso, prontamente se perguntará: “Mas
como as diferentes espécies surgiram?”. Durante muitos séculos não houve uma
resposta cientificamente satisfatória para essa pergunta. Muitas das melhores
explicações eram baseadas em mitos, divindades criadoras ou mesmo
superstições. Somente em meados do século XIX é que tivemos uma explicação
plausível para essa questão sustentada por evidências científicas mais robustas e
coerentes. Isso reflecte que no desenvolvimento do pensamento evolutivo, assim
como em toda a ciência, nenhuma novidade científica surge sem conhecimentos
prévios estabelecidos e investigados por outros cientistas que já buscavam
aprimorar as respostas para antigas questões. Nesta unidade, você irá conhecer as
principais teorias e hipóteses que sustentam o pensamento evolutivo, como a
origem das espécies tem fascinado os cientistas durante séculos e como
aprendemos a ter benefícios no dia-a-dia por meio de um conhecimento mais
rebuscado sobre a evolução biológica.
Objectivos
No fim desta unidade você deverá ser capaz de:
• Conhecer o campo de estudo da Biologia Evolutiva, distinguindo a
evolução biológica da não biológica;
• Ter ciência dos principais acontecimentos e mudanças de paradigmas no
contexto histórico do pensamento evolucionista;
• Identificar e comparar as diferentes teorias interpretativas sobre a origem
e evolução das espécies.
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Lição no 1: Introdução à Biologia Evolutiva
Introdução
A biologia evolutiva, como toda a ciência, se desenvolveu e tem se
desenvolvido constantemente pelos esforços e investigações de uma infinidade de
cientistas. Como disciplina essencialmente ecléctica, ela exige uma interação com
outras disciplinas, o que lhe confere uma abordagem multidisciplinar. Nesta lição
inicial, você irá conhecer os campos de actuação da disciplina e os principais
conceitos envolvidos em seu escopo teórico. Ainda, conhecerá um breve histórico
de como as ideias sobre evolução se desenvolveu e se consolidou ao longo do
tempo.
Objectivos
No fim desta lição você deverá ser capaz de:
• Situar o campo de actuação da Biologia Evolutiva dentro das Ciências
Biológicas;
• Definir as principais linhas de investigação e metodologias dentro da
Biologia Evolutiva;
• Discutir a controvérsia entre religião e evolução;
• Conhecer os principais conceitos de evolução;
• Distinguir selecção natural de selecção artificial.
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1.1. O foco de estudo da Biologia Evolutiva
Evolução significa mudança, mudanças herdadas geneticamente na forma e
no comportamento dos organismos ao longo das gerações. A forma dos
organismos, em todos os níveis, desde sequências de DNA até a morfologia
macroscópica e o comportamento social, podem ser modificadas a partir dos seus
ancestrais durante a evolução.
Como os seres vivos modificam-se ao longo das gerações, e parte dessas
modificações é herdável, o meio ambiente actua como um filtro – ele selecciona
somente os mais adaptados às suas condições actuais. Quando os membros de
uma população se reproduzem e a geração seguinte é produzida, podemos
imaginar uma linhagem formada por uma série de populações ao longo do tempo.
Cada população actual tem como ancestral alguma população da geração anterior.
A evolução é, portanto, mudança entre gerações de uma linhagem de
populações (Ridley, 2006). Darwin definiu evolução como “descendência com
modificação”, e a palavra “descendência” aqui refere-se ao modo como a
modificação evolutiva tem lugar na série de populações que são descendentes
uma da outra.
Por isso, abandonemos o pensamento de que evolução tende a um
progresso; tenhamos sempre em mente que a Selecção Natural opera na
variabilidade que já se encontra disponível no ambiente. Um bom exemplo
desse processo que ocorre em tempo real (poucos dias) é uma pessoa com a
garganta inflamada. O que acontece quando tomamos um antibiótico para uma
garganta infeccionada, e paramos de tomar o remédio antes de sararmos
totalmente? É comum as pessoas dizerem que “ela volta mais forte”, não é? No
entanto, essa ‘força’ é apenas uma selecção que favoreceu as variedades mais
resistentes ao antibiótico.
Em uma garganta inflamada há bactérias mais e menos resistentes a um
dado antibiótico, assim como há seres humanos mais ou menos resistentes à uma
gripe, com maior e menor altura, mais ou menos melanina na pele, etc. Quando
paramos de tomar um antibiótico antes do tempo previsto, a grande maioria das
bactérias foram eliminadas, mas uma pequena quantia ainda persiste – aquelas
14
que eram naturalmente mais resistentes ao antibiótico aplicado. Como o cíclo de
vida de uma bactéria é em torno de horas (por isso tomamos antibióticos de seis
em seis horas, oito em oito, etc.), estas bactérias, que há princípio eram em
pequeno número, agora deixam muito mais descendentes na próxima geração, e
assim se prolifera no tecido infeccionado. Nesse caso em específico, o ambiente
das bactérias é a nossa garganta, e a aplicação do remédio funciona como um
filtro selectivo que favorece (ou elimina) variedades genéticas pré-existentes.
É baseado nesse princípio que muitos grupos de animais e plantas se
extinguiram e outros prosperaram durante os últimos milhões de anos. De acordo
com Ridley (2006), nenhuma outra ideia em biologia é tão poderosa
cientificamente ou tão estimulante do ponto de vista intelectual quanto a evolução
biológica, uma vez que ela pode acrescentar uma dimensão extra de interesse às
faces mais atraentes da história natural. Nos dias de hoje, esse raciocínio parece
óbvio a qualquer biólogo, mas nem sempre foi assim.
Ao propor sua teoria, Charles Robert Darwin (1809-1882) estabeleceu a mais
vasta contribuição até hoje feita à Biologia; mas quando tratamos de Ciência,
sabemos que investigador algum pode fazer uma descoberta sem se basear em
conhecimentos deixados por seus antecessores. Assim, a seguir é apresentado um
breve histórico dos principais nomes e acontecimentos referentes ao surgimento e
amadurecimento do pensamento evolutivo
1.2. Há contradição entre evolução e religião?
A evolução é, sem dúvida, um assunto delicado e polêmico. Por isso, antes
de apresentar um contexto histórico sobre os conceitos e ideias envolvidas no
desenvolvimento do raciocínio evolucionista,faz-se necessário esclarecer alguns
pontos fundamentais para se evitar potenciais preconceitos. Primeiramente, essa
polémica se dá pela aparente controvérsia entre ciência e religião.
Muitas pessoas pensam que devemos optar por uma ou outra; que tomando
partido por uma, exclui-se automaticamente a crença na outra. Para cristãos e
15
judeus, especialmente, a evolução se opõe a suas interpretações literais da Bíblia,
especialmente os primeiros capítulos de Gênesis, que retratam a criação do paraíso,
da Terra, dos animais, plantas e humanos em seis dias.
Entretanto, há muitas linhas de pensamento que caminham em harmonia
entre esses dois campos do saber humano, tendo consciência que eles podem,
inclusive, se complementar – ou invés de repelirem-se. Partilho da visão de que
ciência e religião não estão em conflito, apenas pertencem a domínios distintos do
saber.
O primeiro passo, entretanto, para essa comunhão de crenças é aceitar que a
Bíblia (ou qualquer outro livro religioso) é, em sua essência, um livro de carácter
espiritual, com inúmeras metáforas literárias, que visa guiar seus leitores pelas
veredas do aprimoramento moral e da fé; mas não é um livro de ciência. Não
podemos extrair dela postulados e hipóteses testáveis que sirvam para embasar
conceitos nos moldes científicos formais.
Muitos religiosos, de facto, entendem certas descrições da Bíblia como
verdades simbólicas, e não verdades literais ou científicas. Um bom exemplo de que
religião e evolução podem coexistir em concordância é que até mesmo a Igreja
Católica já considerou, em Outubro de 1996, a validação da teoria evolutiva. Em
uma carta formal endereçada à Pontifícia Academia de Ciências, o então Papa João
Paulo II declarou que:
“...de facto é notável que esta teoria tenha sido progressivamente
aceite por pesquisadores, após uma série de descobertas em vários
campos de conhecimento. A convergência de resultados de trabalhos
que foram conduzidos independentemente são, em si mesmo,
argumentos significativos em favor desta teoria. É uma hipótese
séria, válida de ser investigada a fundo (...) e compatível com a fé
cristã” (João Paulo II, 1996; Scott, 1997).
Além de João Paulo, o actual Chefe de Estado do Vaticano, o Papa
Francisco – Jorge Mario Bergoglio, o primeiro papa nascido no continente
americano e também o primeiro pontífice do hemisfério sul - anunciou recente a
opinião da Igreja Católica sobre a teoria da evolução: "Papa Francisco declara que
as teorias da evolução e do Big Bang são reais e que Deus não é um mágico com
16
uma varinha. (...) A evolução na natureza não é inconsistente com a noção de
criação, porque a evolução requer a criação [i.e., surgimento] de seres que evoluem
[i.e., se modificam]" (ver notícia completa e vídeos da declaração no Saiba Mais
dessa lição).
Se pusermos de lado o egocentrismo humano e refletirmos sobre nossa
limitada noção sobre o tempo, notamos que mesmo com a maior parte da população
crendo em um Deus único (que deveria, em teoria, abarcar todos os conceitos
politeístas), paradoxalmente seguimos cada vez mais em desarmonia com o que
antigamente era tomado como sagrado por tribos ou civilizações pretéritas, através
de seus mitos ou lendas que sempre envolvem a Natureza - o mundo biológico no
qual a espécie humana está incluída.
Independentemente de sermos crentes, ateus ou agnósticos, deveríamos ter
respeito não apenas com nosso próximo – que é a sugestão unânime de todas as
religiões -, mas com todos os nossos antepassados biológicos. O ideal seria
continuarmos com o respeito e a admiração sagrada dos antigos por nossos biomas,
corpos d’água, florestas e demais variedades bióticas, unindo informações
científicas para sua preservação.
Sem a ideia de evolução, tanto a genética como a fisiologia perderiam a
coerência; numerosas aplicações práticas da biologia seriam puramente empíricas e
teriam uma fundamentação teórica muito fraca, se é que teriam alguma. De um
ponto de vista filosófico, certamente nada pode trazer mais satisfação do que
conseguir um entendimento sobre a nossa origem e a dos outros seres vivos.
À medida que aprendemos mais sobre a genética humana, passamos a
avaliar melhor a uniformidade da espécie humana, o que contribuir para acabarmos
de vez com preconceitos raciais ainda vigentes na sociedade. À medida que
estendemos as explicações científicas dentro dos domínios da biologia humana, nós
ganhamos confiança – ou ficamos aterrorizados – pela conscientização de que nosso
destino como espécie muitas vezes depende do nosso próprio discernimento e
compaixão de uns para com os outros; e não dos caprichos de uma entidade
sobrenatural. À medida que pensamos com humildade sobre o nosso lugar na
história biológica e que refletimos sobre nossa origem comum com outros seres
vivos, podemos passar a perceber e a nos preocupar mais com outras incontáveis
17
formas surpreendentes de vida que nos cerca (Futuyma, 1992).
Assim, minha postura como autor é uma tentativa de, ao mesmo tempo,
cultivar o respeito tanto pelos dogmas da religião quanto pelos princípios da ciência.
A concepção evolutiva vem para engrandecer nossa maneira de ver e entender a
vida, e não para disputar preferências com doutrina alguma.
Embora a controvérsia acerca da evolução das espécies a partir de um
ancestral em comum tenha sempre sido palco para amplas discussões - e por vezes
ainda carrega um estigma de heresia, talvez pela difusão equivocada de seus
conceitos -, esta nunca foi a intenção do próprio Charles Darwin. Nos parágrafos
finais de sua principal obra ele deixa claro que sua vontade era compartilhar com o
mundo um novo vislumbre ao olharmos a natureza:
“Há grandeza nessa visão da vida. É interessante contemplar uma ribeira
luxuriante, atapetada com numerosas plantas pertencentes a numerosas
espécies, abrigando aves que cantam nos ramos, insectos variados voando
aqui e ali, e pensar que estas formas tão admiravelmente construídas, tão
diferentemente conformadas, e dependentes umas das outras de uma
maneira tão complexa, têm sido todas produzidas por leis que actuam em
volta de nós e em nós mesmos. Enquanto que o nosso planeta, obedecendo
à lei fixa da gravitação, continua a girar na sua órbita, uma quantidade
infinita de belas e admiráveis formas, saídas de um começo tão simples,
não têm cessado de se desenvolver e ainda se desenvolvem” (Darwin,
1859).
18
1.3. Conceitos relevantes da Biologia Evolutiva
“Como podem ser questionados os esforços que cada indivíduo deve
despender para alcançar sua subsistência, em que qualquer modificação
ínfima de estrutura, hábito ou instinto, deixa-o mais adaptado às novas
condições, dando-lhe mais vigor e saúde? Na adversidade ele terá uma
melhor oportunidade de sobrevivência e assim ocorrerá com os
descendentes que herdarem essa modificação; mesmo sendo o menor
detalhe, ele lhe dará uma maior oportunidade.”
A declaração acima de Darwin, mesmo escrita há mais de 150 anos,
permanece uma excelente expressão da ideia de evolução por selecção natural em
ação. O termo adaptação possui dois significados em biologia evolutiva. O primeiro
refere-se às características que aumentam a sobrevivência e o sucesso reprodutivo
dos indivíduos que as possuem. Por exemplo, acredita-se que as asas são adaptações
para o voo, que a teia de uma aranha é uma adaptação para a captura de insectos
voadores, e assim por diante.
O segundo significado refere-se ao processo pelo qual essas características
são adquiridas – ou seja, os mecanismos evolutivos que as produzem (Purves et al.,
2006). Para que uma dada população possa evoluir é necessário que seus membros
apresentem diversidade, que será a matéria-prima sobre a qual actuarão os agentes
evolutivos.
A composição genética dos organismos ou das populações não é
directamente observadapor nós no dia-a-dia. O que vemos na natureza é aquilo que
chamamos de fenótipo, ou seja, a expressão física dos genes dos organismos. Uma
característica herdável é, ao menos em parte, influenciada pela constituição genética
que governa essa característica – o seu genótipo.
Uma população evolui quando indivíduos com diferentes genótipos
sobrevivem ou se reproduzem em taxas distintas. É importante lembrar que
diferentes formas de um gene, denominados alelos, podem existir em um
determinado lócus. Um dado indivíduo possui apenas alguns dos possíveis alelos
encontrados na população à qual ele pertence. A soma de todos os alelos
encontrados nas diversas populações que constituem uma espécie é o que
19
denominamos como pool genético.
Esse pool contém a variabilidade que produz os diferentes fenótipos sobre
os quais a evolução actua (ver Figura 1). Quando discutimos evolução, falamos
sobre sobrevivência e sucesso reprodutivo, pois esses são os factores que
determinam quantos indivíduos diferentes contribuem geneticamente para as
gerações subsequentes. Assim, para passarem seus genes à geração seguinte, os
indivíduos devem sobreviver tempo suficiente para atingir a idade reprodutiva e
procriar. A contribuição relativa dos indivíduos se reflecte na adaptabilidade de um
genótipo que, por sua vez, é determinada pela taxa média de sobrevivência e
reprodução dos indivíduos da população que os possui.
Figura 1. Um pool genético é a soma de todos os genes presentes em uma dada população (ou
conjunto de populações) de uma espécie. O exemplo aqui é aplicado ao caso dos cães domésticos,
evidenciando uma combinação de genes limitada à uma raça em particular, a Brittany Spaniel. Apesar
de terem variações morfológicas bem marcantes, as quais denominamos ‘raças’, todos os cães são
versões polimórficas de uma única espécie – Canis familiares. Assim, dentro de C. familiares
encontramos diversos alelos (‘versões gênicas’) distintos que, em seu conjunto, compõe a diversidade
genética total da espécie, representado aqui por todas as letras dentro dos círculos.
20
1.4. Selecção natural vs. selecção artificial
A selecção artificial em animais e plantas domésticas - vacas leiteiras, gado
e aves criados para o corte, animais de estimação, frutas maiores e/ou sem sementes,
árvores mais densas para maior produção de papel, etc. – é um processo de
manipulação humana da variedade genética dessas espécies. Nós seleccionamos
características nesses seres que nos interessam: sejam vacas que dão mais leites,
cavalos mais velozes para corrida, tomates maiores ou bananas e uvas sem
sementes.
Para adquirir uma melhor compreensão do mecanismo de evolução na
natureza, Darwin também estudou o método que os criadores de plantas e animais
usavam para modificar suas colheitas e criações. O organismo preferido do
naturalista era o pombo doméstico, tendo-se tornado ele próprio um criador para
aprender as técnicas dos especialistas (Freeman & Herron, 2009). Para entender o
que depois foi cunhado por Darwin mais de tarde como Selecção Natural, era
preciso também compreender como se escolhia características em plantas e animais
domésticos de nosso interesse; ou seja, como selecionar artificialmente
características herdáveis.
Darwin deve ter utilizado o termo “selecção natural” porque estava
familiarizado com a selecção artificial praticada por criadores de animais e
especialistas de plantas. A observação de plantas cultivadas e animais domésticos
foi de extrema valia para seus estudos sobre a natureza das variações. Ele estava
ciente, manifestamente, da extraordinária diversidade de cores, tamanhos, formas e
comportamentos dos pombos que criou – reconhecendo e estabelecendo paralelos,
aproximando o processo usado na selecção de plantas cultivadas e animais
domésticos e a selecção que ocorria na natureza (Purves et al., 2006).
Numa experiencia típica de selecção artificial, uma nova geração é formada
permitindo-se que somente uma minoria seleccionada da geração corrente se
reproduza. Em quase todos os casos, a média da próxima geração se moverá na
direcção selecionada. O procedimento é rotineiramente utilizado na agricultura – a
21
selecção artificial tem sido utilizada, por exemplo, para alterar o número de ovos
postos por galinhas, as propriedades da carne de bovinos e a produção de leite de
vacas. Em algumas experiências, foram seleccionados ratos para maior e menor
suscetibilidade a cáries dentárias sob uma dieta controlada. E os resultados
indicaram que os ratos puderam ser seleccionados com sucesso para desenvolverem
dentes melhores ou piores.
As mudanças evolutivas podem, portanto, ser geradas artificialmente, como,
nesse caso, a selecção de dentes melhores e piores em ratos. Hunt e colaboradores
(1955) cruzaram selectivamente cada geração sucessiva de ratos descendentes de
ratos parentais que desenvolveram cáries mais tarde (resistentes) ou mais cedo
(suscetíveis) durante a vida. A idade (em dias) na qual os descendentes dos
cruzamentos desenvolveram cáries foi medida.
A selecção artificial pode produzir mudanças dramáticas, se continuar por
um tempo suficientemente longo (um bom exemplo é ilustrado na Figura 2). Um
tipo de selecção artificial gerou, por exemplo, quase todas as nossas plantações
agrícolas e animais domésticos. Não restam dúvidas de que, nesses casos – alguns
deles iniciados milhares de anos atrás – foram utilizadas técnicas menos formais do
que as que seriam hoje utilizadas por um especialista moderno. Entretanto, o longo
tempo decorrido levou a alguns resultados marcantes.
Darwin (1859) ficou impressionado com as variedades de pombas
domésticas, tanto que o primeiro capítulo de A Origem das Espécies inicia com uma
discussão a respeito daquelas aves. A razão desses e de outros exemplos é ilustrar
adicionalmente como se pode demonstrar de modo experimental, em uma pequena
escala, que as espécies não têm formas fixas.
22
Figura 2 – Dentro do que reconhecemos como espécie, existe, em geral, uma considerável
variação, da qual parte é hereditária – é sobre essa variação intra-específica que a seleção natural
trabalha. Muito antes de Darwin e Wallace, fazendeiros e agricultores estavam usando a ideia de
seleção para causar mudanças nas características de suas plantas e animais ao longo de décadas.
Fazendeiros e agricultores permitiram a reprodução apenas de plantas e animais com características
desejáveis, causando a evolução do estoque da fazenda. Esse processo é chamado de seleção artificial
porque são as pessoas (ao invés da natureza) que selecionam quais organismos vão se reproduzir. O
exemplo apresentado aqui mostra como os fazendeiros têm cultivado numerosas variedades de culturas
a partir da mostarda silvestre (Sinapis arvensis), selecionando artificialmente certos atributos.
A selecção natural é, basicamente, o mecanismo pelo qual alguns indivíduos
da população tendem a contribuir com uma descendência maior para a próxima
geração. Quando postula que os que indivíduos são seleccionados pelo ambiente,
está se afirmando que há algumas características na população que melhoram a
sobrevivência e aumentam a taxa de reprodução. Considerando-se que a prole
lembra seus pais, qualquer atributo de um organismo que o leve a deixar mais
descendentes do que a média terá́ frequência maior na população com o passar do
tempo (Ridley, 2006). Futuyma (1997), discutindo sobre a evolução por selecção
natural ser uma teoria factual nos relembra que muitas vezes, na linguagem do dia-a-
dia, ‘teoria’ soa como uma mera especulação. No entanto, ao afirmarmos que os
organismos descenderam, com modificações, a partir de ancestrais comuns não é
apenas uma teoria, é um facto comprovado – tanto quanto as revoluções da Terra ao
redor do Sol. Nenhum biólogo,hoje, pensaria em propor alguma publicação
intitulada “Novas Evidências para a Evolução” – há um século que, simplesmente,
23
isto não é questionável. A Figura 3 ilustra dois exemplos para entendermos a
selecção natural.
Figura 3 – Dois exemplos de seleção natural atuando em escala de tempo pequena. As
mariposas da espécie Biston betularia são polimórficas, ou seja, apresentam vários genes
alelos para uma determinada característica, e isto fenotipicamente se expressa em mariposas
de dois tipos - a variedade não-melânica (clara; A) e a variedade melânica (escura; B). A
forma melânica era rara e a forma não-melânica mais comum de serem encontradas nos
bosques ingleses, antes das indústrias começarem suas atividades nos arredores, com
lançamento de gases poluentes, o que causou o enegrecimento dos troncos das árvores. Com
isso este fator, ocorreu um aumento da frequência da forma melânica que passou a ser bem
mais frequente, uma vez que a outra variedade passou a ser muito mais predada por pássaros.
O outro exemplo é o uso do composto químico DDT (C), que foi largamente usado após a
Segunda Guerra Mundial para o combate aos mosquitos vetores da malária. A aplicação do
pesticida com o intuito de matar os mosquitos Anopheles (D) causa uma pressão seletiva em
seus indivíduos, principalmente nas formas larvais (E), deixando somente os mais
resistentes, que tendem a aumentar sua frequência se não forem eliminados. Fonte: Imagens
de domínio publico – Wikimedia (www.commons.wikimedia.org).
Em pequena escala, a evolução pode ser observada em relação a tempos
relativamente curtos. Pessoas portadoras do vírus HIV (do inglês, Human
Immunodeficiency Virus - Síndrome da Imunodeficiência Adquirida) ilustram a
evolução em uma escala de tempo medida em dias (Ridley, 2006). A evolução da
resistência a substâncias químicas (e.g., antibióticos) pode ser acompanhada em
nível molecular (i.e. processos reprodutivos e metabólicos das moléculas de DNA e
RNA) por técnicas hoje rotineiras em laboratórios nas diversas áreas da biologia
24
médica. Com o desenvolvimento e a redução de custos relacionados a técnicas para
análises de evolução a nível molecular, hoje é sabido que nas populações humanas
alguns indivíduos contêm alelos que os tornam mais ou menos resistentes à infecção
pelo HIV (Freeman & Herron, 2009).
O uso de inseticidas para controle de pragas ou doenças, e mesmo remédios
antibióticos para controle de infecções no corpo humano (ou medicamentos para
combater a gripe) são todos exemplos de evolução em tempo real; elas envolvem,
em maior ou menor grau, a selecção dos indivíduos mais aptos aos ‘novos
ambientes’ que surgem. O uso do composto químico conhecido como ‘DDT’ foi
muito utilizado após a Segunda Guerra Mundial para o combate aos mosquitos
vetores da malária.
A aplicação do pesticida com o intuito de matar os mosquitos Anopheles
causa uma pressão selectiva em seus indivíduos, deixando somente os mais
resistentes, que tendem a aumentar sua frequência se não forem eliminados. Esse
mesmo raciocínio também se aplica ao uso de antibióticos para combate às bactérias
que causam a inflamação em nossa garganta. Se pararmos de tomar o remédio antes
dela sarar totalmente, as poucas bactérias que sobreviveram às primeiras doses - por
serem mais resistentes - tendem a se proliferar, dando continuidade à inflamação.
Por isso, para os variados tipos de seres vivos do planeta, o meio ambiente
para cada um deles é relativo. A uns pode corresponder a boa parte de um
continente, uma floresta ou oceano; a outros, pode ser nossa horta ou até nossa
própria garganta ou algum órgão interno (no caso de parasitismo). Assim, a
evolução realmente abarca todos os aspectos biológicos; não só aqueles relacionados
à origem e diversificação de espécies, mas também a toda gama de fenómenos que
nos rodeiam.
Em uma escala de tempo maior, as evidências para a transformação de
espécies a partir de ancestrais em comum podem ser vistas, principalmente, na
ordenação dos principais grupos nos registros fósseis e no padrão da classificação
biológica dos organismos actuais. A sucessão geológica dos principais grupos e a
maioria das homologias morfológicas e moleculares clássicas sugere fortemente que
os grandes grupos biológicos têm ancestrais em comum (Ridley, 2006).
Darwin terminou a introdução da primeira edição de A Origem das Espécies
com uma afirmativa que ainda representa a visão de consenso dos biólogos
evolutivos: “A selecção natural foi o principal meio de modificação, não o único”
(Darwin, 1859, p. 490). A visão darwiniana da vida, como uma competição entre os
25
indivíduos mais capacitados e variáveis para sobreviver e reproduzir, comprovou
estar correta em quase todos os relatos (Freeman & Herron, 2009).
A evolução por selecção natural é, assim, um dos dois pilares essenciais da
obra de Darwin; apesar dela agir sobre os indivíduos, as consequências são vistas
nas populações. Isso equivale a dizer que, embora a selecção ocorra sobre os
fenótipos dos organismos (i.e., as características visíveis, sejam elas morfológicas,
fisiológicas ou comportamentais), a evolução consiste em mudanças na frequência
de genótipos (i.e., genes, sequências de nucleotídeos do material genético, DNA)
presentes em uma população.
É importante relembrar a essa altura que, tal como a população humana,
qualquer outra população de seres vivos é composta de membros com características
que variam entre os indivíduos. Em um pequeno grupo de pessoas vemos sempre
alguns mais altos que outros, tonalidades de pele, formatos de olhos, composições
óssea e muscular distintas, meninos que desenvolvem mais ou menos pêlos, etc.
A variabilidade genética, portanto, está presente – naturalmente – em
qualquer grupo de organismos, e por isso, os seres humanos não fogem à regra, uma
vez que esse raciocínio pode ser extrapolado para todas as populações de seres vivos
do planeta. Nós, homens e mulheres, assim como qualquer outra espécie, possuímos
polimorfismos – uma variação de características dentro de uma mesma espécie.
Purves et al. (2006) ressaltam que os factos utilizados por Darwin no
desenvolvimento de sua teoria da evolução por selecção natural eram conhecidos da
maioria dos biólogos de sua época; o que diferenciou o naturalista inglês dos demais
foi sua percepção de que populações de todas as espécies possuem capacidade de
aumentar o número de indivíduos de forma exponencial. Para ilustrar essa situação,
ele usou o seguinte exemplo:
“Suponhamos que existam oito casais de pássaros e apenas quatro
desses reproduzem anualmente, produzindo apenas quatro filhotes
cada, e que esses, por sua vez, irão procriar seguindo essa mesma taxa.
Assim, ao final de sete anos (um período de vida bastante curto se
desconsiderarmos a possibilidade de morte violenta de qualquer um dos
pássaros), dos 16 indivíduos originais teremos uma população
constituída por 2.048 pássaros. ”
26
Essa concepção populacional de Darwin foi fruto da leitura dos Ensaios
sobre os Princípios da População (do inglês, Essay on the Principles of Population)
(1798). Nessa obra, o economista Thomas R. Malthus observou que o crescimento
populacional, entre 1650 e 1850, dobrou decorrente do aumento da produção de
alimentos, das melhorias das condições de vida nas cidades, do aperfeiçoamento do
combate às doenças, das melhorias no saneamento básico e dos benefícios obtidos
com a Revolução Industrial. Isso tudo havia feito com que a taxa de mortalidade
declinasse, ampliando, assim, o crescimento natural da população humana. Uma
taxa de aumento populacional tão alta, no entanto, raramente é observada na
natureza.
Assim, Darwin, percebeu que a taxa de mortalidade nessas mesmas
populações deveria ser alta. Sem a ocorrência de altas taxas de mortalidade, mesmo
populaçõesde espécies com baixíssimos índices de reprodução rapidamente
chegariam a tamanhos enormes. Também observou que, apesar dos filhotes
assemelharem-se a seus pais, a prole da maioria dos organismos não é idêntica a
nenhum dos genitores. Ele então sugeriu que pequenas diferenças existentes entre os
indivíduos poderiam afectar significativamente a sobrevivência de um dado
indivíduo e o número de filhotes que ele produziria, uma vez que o ambiente fornece
sempre mais recursos àqueles organismos que estão mais ajustados a ele. Chamando
esse sucesso reprodutivo diferencial dos indivíduos de selecção natural – que é o
resultado tanto da sobrevivência quanto da capacidade reprodutiva diferencial dos
indivíduos em dado ambiente.
Ridley (2006) aprofunda essa discussão acerca das variações ressaltando que
elas são amplamente difundidas em populações naturais – tanto em níveis
morfológico, celular, bioquímico ou de DNA -, e que as variações existentes em
uma população são os recursos sobre os quais a selecção natural opera. A selecção
natural, desta maneira, age sempre sobre esse polimorfismo preexistente.
27
Sumário
Para que novas espécies apareçam deve ocorrer variação dos indivíduos e
consequentemente das populações. Assim, as espécies não são imutáveis, porém se
transformam incessantemente dentro do tempo de aparecimento das variações
individuais. A mudança é gradual e ritmada por acúmulo das pequenas graduações
e se estendem em larga escala pelas gerações. Compreender a vida sob o prisma
evolutivo não necessariamente exclui qualquer crença religiosa. Ciência e religião
são apenas linhas distintas da compreensão humana acerca do mistério da vida. A
palavra evolução pode ter várias atribuições, mas no contexto histórico conhecido
como “teoria da evolução”, ela é um vasto domínio do conhecimento, com
inúmeras facetas e ainda longe de um ponto final. Um dos principais expoentes
nesse cenário é Charles Robert Darwin, naturalista inglês, cujos livros e discussões
revolucionaram a biologia clássica e forneceu os fundamentos da biologia
moderna. Alfred Russell Wallace foi um coautor menos conhecido, porém de vasta
importância na decisão final de Darwin. Na teoria da evolução, os organismos
apresentam variabilidade individual, apresentam maior número de descendentes
que o meio possa sustentar e o sucesso reprodutivo é essencial na acumulação das
variações que possam ser selecionáveis pelo meio.
Leitura
✓ “O Gene Egoísta”: livro de Richard Dawkins de muito sucesso
primeiramente publicado em 1976. A ideia central é que os organismos são
máquinas de sobrevivência a serviço dos genes. Disponível de forma
gratuita em: http://www.livrosgratis.net/download/344/ogene-egoista-
richard-dawkins.html
✓ “Admirável Mundo Novo” (Brave New World na versão original em
língua inglesa) é um livro escrito por Aldous Huxley e publicado em 1932
que narra um hipotético futuro onde as pessoas são pré-condicionadas
biologicamente e condicionadas psicologicamente a viverem em harmonia
com as leis e regras sociais, dentro de uma sociedade organizada por
castas. A sociedade desse "futuro" criado por Huxley não possui a ética
http://www.livrosgratis.net/download/344/ogene-egoista-richard-dawkins.html
http://www.livrosgratis.net/download/344/ogene-egoista-richard-dawkins.html
28
religiosa e valores morais que regem a sociedade actual. Qualquer dúvida e
insegurança dos cidadãos era dissipada com o consumo da droga sem
efeitos colaterais aparentes chamada "soma". As crianças têm educação
sexual desde os mais tenros anos da vida. O conceito de família também
não existe. Disponível de forma gratuita em:
http://www.clube-de-leituras.pt/upload/e_livros/clle000075.pdf
Filmes/Vídeos
✓ “GATTACA: experiência genética”. Lançamento, 1997 (1h52min),
dirigido por Andrew Niccol
Sinopse: um futuro no qual os seres humanos são criados geneticamente em
laboratórios, as pessoas concebidas biologicamente são consideradas "inválidas".
Vincent Freeman (Ethan Hawke), um "inválido", consegue um lugar de destaque
em uma corporação, escondendo sua verdadeira origem. Mas um misterioso caso
de assassinato pode expor seu passado. Esta ficção científica aborda as
preocupações sobre as tecnologias reprodutivas que facilitam a eugenia e as
possíveis consequências de tais desenvolvimentos tecnológicos para a sociedade.
Trailer: https://www.youtube.com/watch?v=PC6ZA1dFkVk
✓ O vídeo a seguir (11min) é um bom resumo dos principais mecanismos e
processos envolvidos na evolução por selecção natural, confira!
https://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=hOfRN0KihOU
✓ Notícia e links para a declaração do Papa Francisco sobre as teorias do
Big Bang e da Evolução:
Jornal Folha de São Paulo:
http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2014/10/1539614-teorias-do-big-bang-e-
evolucao-estao-corretas-diz-papa-francisco.shtml
Links para vídeo com a declaração oficial:
https://www.youtube.com/watch?v=WJa77zYwymg
✓ A música também evolui e, portanto, obedece a regra de
ancestralidade em comum. É possível fazermos uma analogia entre o conceito
http://www.clube-de-leituras.pt/upload/e_livros/clle000075.pdf
http://www.freepik.com/index.php?goto=27&url_download=aHR0cDovL3d3dy5mbGF0aWNvbi5jb20vZnJlZS1pY29uL2ZpbGVfMTE4MDk4&opciondownload=318&id=aHR0cDovL3d3dy5mbGF0aWNvbi5jb20vZnJlZS1pY29uL2ZpbGVfMTE4MDk4&fileid=917606
https://www.youtube.com/watch?v=PC6ZA1dFkVk
https://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=hOfRN0KihOU
https://www.youtube.com/watch?v=WJa77zYwymg
29
de ancestralidade em comum com a história da música? Há quem diga que sim,
uma vez que todo artista/música/banda foi influenciado por outros ritmos, estilos
ou artistas que o precedeu. Esse facto lembra bastante a ancestralidade com
modificações do processo evolutivo. Veja a animação a seguir (History of Music,
lições ilustradas) e o trailer do filme abaixo, e diga se você concorda com a
comparação entre ancestralidade em comum, tanto na música quanto na natureza:
https://www.youtube.com/watch?v=dpMBWdkKV3w
Auto-Avaliação
1. Procure na Internet mais detalhes sobre as teorias básicas de Malthus
e discuta como elas poderiam ou não ser aplicáveis à nossa
actualidade.
2. Procure uma obra que contenha a biografia completa de Charles
Robert Darwin, relate detalhes de sua vida em um fórum ou grupo de
discussão, detalhes estes que podem ter direcionado sua mente aos
questionamentos evolutivos.
3. Procure na Internet nomes de cientistas, pesquisadores, filósofos
(tanto brasileiros quanto estrangeiros) vivos, que, na actualidade,
sejam as grandes referências em suas respectivas áreas. Dê enfoque
na biologia e no estudo evolutivo.
4. Procure o significado de empirismo em contraponto ao racionalismo,
em ciências. Inclua na pesquisa o significado de método científico e
experimentação.
5. Proponha um plano de aula para o Nível Médio para este módulo.
https://www.youtube.com/watch?v=dpMBWdkKV3w
30
Lição no 2: Selecção Natural: a força motriz da evolução biológica
Introdução
Uma vez apresentados os principais acontecimentos da história do
pensamento evolucionista, vamos aprofundar mais os nossos conhecimentos sobre
os mecanismos e sobre os processos que sustentam a teoria evolutiva. A selecção
natural é a força motriz da evolução, seleccionando os mais adaptados ou aos
poucos portadores de mutações vantajosas. É assim que as espécies evoluem de
variedades pré-existentes - por meio da selecção natural. Após o vislumbre
relevado pelo raciocínio de divergência de linhagens que foram sendo favorecidas
(ou descartadas) pelos ambientes em constante mudança, toda e qualquer
característica de um ser vivo pode virtualmente ser explicada, ou pelo menos
melhor fundamentada, pela selecção natural. Entretanto,há limites para sua
actuação, e desde a década de 1960 o conhecimento sobre regiões “neutras” do
genoma (i.e., que parecem não sobre selecção natural) vem acalorando as
discussões evolutivas nas últimas décadas. Actualmente, a biologia evolutiva está
revigorada pelas técnicas de biotecnologia e avanços da genética, e iniciando uma
conversa muito promissora com a geografia e geologia para continuarmos
desvendando os passos deixados pela Evolução no planeta Terra.
Objectivos
No fim desta lição você deverá ser capaz de:
• Descrever os diferentes padrões resultantes da força de actuação da
selecção natural;
• Apresentar e descrever as limitações da actuação da selecção natural: o
neutralismo molecular do DNA;
• Demonstrar o impacto das mudanças ambientais e interações entre
organismos na evolução das espécies;
31
2.1. Tipos de selecção natural: processos e mecanismos de actuação
Para continuarmos a falar da selecção natural, é preciso agora salientar e
reforçar alguns pontos-chave acerca de seus efeitos. Freeman & Herron (2009)
listam os mais relevantes para o nosso estudo:
(i) A selecção natural age sobre os indivíduos, mas suas consequências
ocorrem nas populações;
(ii) A selecção natural age sobre os fenótipos, mas a evolução consiste em
modificações nas frequências dos alelos (genótipo);
(iii) A selecção natural não prevê o futuro. Uma vez que cada geração
descende dos sobreviventes à selecção exercida pelas condições
ambientais que predominavam na geração anterior, há uma
concepção errada bem comum de que os organismos podem ser
adaptados a condições futuras, ou que a selecção pode adiantar-se no
sentido de prever mudanças ambientais que poderão ocorrer durante
as gerações futuras. A selecção natural adapta as populações a
condições que predominavam no passado, não a condições que
possam ocorrer no futuro. A evolução está, portanto, sempre uma
geração atrás de qualquer mudança ambiental;
(iv) Novas características podem evoluir, embora a selecção natural atue
sobre características preexistentes;
(v) A selecção natural não leva à perfeição; ela não otimiza simultaneamente
todas as características. Ela leva à adaptação, não à perfeição;
(vi) A selecção natural actua sobre os indivíduos, não pelo bem da espécie.
Descobriu-se que todo comportamento altruísta que tenha sido
estudado em detalhe aumenta a aptidão do altruísta, seja porque os
beneficiários desse comportamento são parentes geneticamente
próximos, seja porque os beneficiários o retribuem, ou por ambas as
razões.
Os indivíduos, portanto, são diferentes no que diz respeito às características
hereditárias que determinam o sucesso de seus esforços reprodutivos. Nem todos
os indivíduos sobrevivem e se reproduzem de forma igual em um ambiente
32
específico e, por conseguinte, alguns indivíduos contribuem com uma prole mais
numerosa do que outros para a composição da próxima geração (Purves et al.,
2006). Dependendo de quais características são favorecidas na população, a
selecção natural pode resultar em qualquer um de uma série de resultados
substancialmente diferente (Figura 4)
Com isso, podemos então apresentar as três formas de actuação da selecção
natural (Figura 6). Ela pode, no primeiro caso, preservar as características da
população favorecendo os indivíduos que apresentam fenótipos intermediários
(Figura 4A). A selecção pode também modificar as características da população
favorecendo indivíduos cujas características encontram-se em apenas um dos
extremos da distribuição (Figura 4B). Por último, a selecção pode modificar as
características da população favorecendo indivíduos cujas características
encontram-se em ambos os extremos da distribuição (Figura 4C).
Figura 4: Tipos de seleção natural atuando, nesse caso, sob a cor da pelagem em coelhos e
tamanho/formato de bico em aves. As setas representam as pressões seletivas (negativas) em cada
uma das situações. Na figura apresento esses dois exemplos hipotéticos pelo seu fácil entendimento,
mas a partir deles podemos extrapolar a ideia para quaisquer outros exemplos na natureza.
33
Muitos caracteres, entretanto, não existem como tipos distintos na
maioria das espécies. Ao invés disso, apresentam uma variação contínua. O
tamanho corporal humano, por exemplo, não vem na forma de dois tipos
distintos, “grande” e/ou “pequeno”. Uma amostra de seres humanos apresentará
uma gama de tamanhos, distribuídos em uma “curva em forma de sino”
(comumente chamada de distribuição normal).
Em biologia evolutiva, é muitas vezes útil pensar-se na evolução de
caracteres contínuos, como tamanho corporal, em termos um pouco diferentes
daqueles utilizados na consideração da evolução de caracteres discretos (i.e.,
resistência e a suscetibilidade a drogas, presença ou ausência de alguma
característica, etc).
Até agora estivemos considerando características influenciadas por alelos
de um único locus (ver Glossário). Entretanto, a maioria das características é
influenciada por mais de um locus. O tamanho de um organismo, por exemplo,
parece ser controlado por vários loci diferentes. Se vários loci influenciam o
tamanho e não existe selecção, então, a distribuição de diferentes tamanhos em
uma população pode se aproximar da curva em forma de sino (ou curva de
distribuição normal).
Glossário
Locus: latim de lugar (plural loci), que em genética designa a localização
específica de um gene no respectivo cromossomo.
Alelos: formas alternativas de um gene. Para polimorfismos de sequência, os
alelos referem-se ao nucleotídeo específico (A, T, G, C) encontrado em uma
determinada posição no cromossomo.
Pool genético ou pool de genes: conjunto completo de alelos que podem ser
encontrados em uma determinada população. A fração de genes que pertence a um
dado alelo é denominado frequência alélica.
34
2.2. O neutralismo molecular: nem toda mudança sofre selecção
A teoria neutra da evolução molecular foi primeiramente proposta em um
artigo da prestigiada revista científica Nature, em fevereiro de 1968, pelo
geneticista japonês Motoo Kimura (1924-1994). Posteriormente, vários outros
trabalhos vieram confirmando, duvidando ou incorporando actualizações à ideia
do pesquisador. O próprio Kimura, inclusive, faz actualizações e revisões
baseadas nos postulados que formulou (e.g. Kimura, 1983, 1991). No entanto,
para a nossa discussão, vamos nos limitar à essência dos conceitos de
neutralidade e à quebra de alguns paradigmas que vieram com eles.
Há muito tempo sabemos que os aminoácidos são formados por trincas de
nucleotídeos, ou seja, cada combinação de três bases nitrogenadas da fita de DNA
(A, C, T, G) produz um aminoácido. No entanto, pode haver mais de uma
combinação para o mesmo aminoácido. Assim, mesmo se o DNA sofrer
mutações, ele pode continuar produzindo os mesmos aminoácidos. Esse tipo de
mutação é chamado de mutação sinónima ou neutra – aquela que não causa
mudança no respectivo aminoácido a ser formado. A Figura 5 nos dá alguns
exemplos dessas possíveis combinações, e apresenta uma analogia possível com
os acordes musicais de uma guitarra ou violão.
35
Figura 5. O código genético é degenerado ou redundante por existirem vários códons que
codificam o mesmo aminoácido (A); notem, por exemplo, que os códons UCU, UCC, UCA e UCG
codificam todos os aminoácidos Serina (Ser). Uma analogia dessa redundância molecular pode ser
feita com os acordes musicais (no caso, um dó maior) em um braço de guitarra, uma vez que eles
podem ser formados por diversas combinações (B).
O geneticista japonês analisou os dados publicados sobre sequências de
aminoácidos em diversas espécies e notou que a maior parte da variação genética
em nível molecular não tinha qualquer valor adaptativo– as mutações de DNA e
proteínas, tanto dentro como entre diferentes espécies, eram neutras com relação
à selecção. Isto equivale a dizer que boa parte dos diferentes alelos para um
36
mesmo loco (i.e., o local onde o gene se encontra na fita de DNA) possui o
mesmo valor adaptativo.
Com o devido rigor matemático e estatístico, Kimura calculou que na
história evolutiva dos mamíferos as substituições nucleotídicas têm sido tão
rápidas que, em média, um par de nucleotídeos tem sido substituído na população
a cada dois anos. Tal informação contrastava directamente com a bem conhecida
estimativa de Haldane (1957), que sugeria que um novo alelo pode ser substituído
em uma população a cada 300 gerações.
Quando dizemos “selectivamente neutro” quer dizer selectivamente
equivalente: formas mutantes podem fazer o trabalho igualmente bem em termos
de sobrevivência e reprodução nos indivíduos que os possui (Kimura, 1991).
Portanto, uma grande fracção das substituições evolutivas de nucleotídeos que
ocorreu em partes funcionalmente importantes do genoma também seriam
selectivamente neutras (Figura 6). Assim, a evolução neutra assevera que a
maioria da variabilidade intraespecífica ao nível molecular, como revelado por
polimorfismos de proteína e DNA, é selectivamente neutra, e é mantida nas
espécies por um balanço aleatório entre adição e extinção de mutações (Kimura &
Ohta, 1971).
Figura 6. Esquema das fitas em dupla hélice do DNA (A) e gráfico demonstrando que a maioria
das mutaçõe não altera a aptidão dos organismos, enfatizando que grande parte das substituições no
DNA é neutra (B).
37
Por fim, outro ponto importante que é trazido à tona pela lógica do
neutralismo molecular é que as moléculas (sejam aminoácidos, proteínas ou
DNA) evoluem de forma mais ou menos constante ao longo do tempo. Essa
percepção fez com que pudéssemos estabelecer um ‘relógio molecular’, hoje
comumente usado para inferir as datas de divergência entre os táxones biológicos.
Alguns aspectos do uso do relógio molecular e o impacto no neutralismo nas
filogenias moleculares são mostrados no Quadro “Saiba Mais: relógios
moleculares”
Quadro 1 Relógios Moleculares
O grande impacto da genética molecular na sistemática e genética de populações, que
começou com a proposta de que os marcadores moleculares neutros evoluem de forma
semelhante a um relógio, fez com que a Biogeografia recebesse um enorme
revigoramento no final da década de 1980. O facto de que mudanças evolutivas são mais
completamente compreendidas quando consideramos o contexto geográfico motivou o
desenvolvimento de ferramentas analíticas para revelar as pegadas da história espacial
em sequências moleculares contemporâneas.
Assumir um modelo de variação das taxas do relógio molecular permite selecionar um
modelo mais apropriado de variação de taxas ao longo dos ramos em uma árvore
filogenética (Figura 7). O modelo de relógio molecular permite que as datas de
divergências de táxones diversos sejam calculadas com base na melhor adequabilidade
para taxas de mutação ao longo da árvore. Ao se comparar as relações evolutivas das
linhagens genéticas com suas localidades geográficas, ganhamos um melhor
entendimento sobre as forças biogeográficas históricas que devem ter tido um papel
importante no estabelecimento da arquitetura genética na distribuição geográfica das
espécies.
38
Figura 7. O padrão dos ‘relógios moleculares’ pode ser ilustrado por um gráfico com tempos de
divergência e número de mudanças nucleotídicas. Perceba que apesar das taxas de evolução serem
diferentes, as três moléculas têm taxas de divergências constantes. Fazendo-se uma analogia com
um relógio analógico, o ponteiro que ‘andaria mais rápido’ seria a molécula que tem o maior
número de mutações em um tempo menor. Por outro lado, o ‘ponteiro mais lento’ seria a molécula
que tem menos mutações ao longo desse mesmo tempo (A). A aplicação dessas técnicas de
datação molecular tem revolucionado a Biogeografia Histórica e Evolução, pois atualmente é
possível inferir sobre quando provavelmente ocorreu uma divergência evolutiva (B), e se há
correspondência com algum evento geológico (ou ecológico) importante na história da paisagem
estudada.
Saiba mais
Desafio à teoria da selecção natural: a eusocialidade dos insectos.
“Há que se admitir a existência de casos que apresentam especial
dificuldade com relação à teoria da selecção natural. Um dos mais
curiosos é o da existência de duas ou três castas definidas de formigas-
operárias ou fêmeas estéreis na mesma comunidade de insectos”
(Darwin, 1859).
O próprio Darwin, com a frase acima, traz um momento de flexibilização
da teoria evolutiva, que actualmente vem alimentando actualizações: os indivíduos
que são seleccionados são aqueles que têm maior capacidade de deixar
descendentes. Porém, os insectos sociais são um exemplo de vida cooperativa.
Segundo os especialistas, pouco é conhecido sobre os mecanismos moleculares
39
envolvidos na transição de vida solitária para social e a manutenção e
eusocialização em insectos.
Como o comportamento não individual foi dominado pelo social no curso
evolutivo? Este problema perturbou os biologistas, como o próprio Darwin. Em A
Origem das Espécies o autor declarou este paradoxo - em particular, para as
formigas - como um dos mais importantes desafios à sua teoria. Os exemplos,
muito conhecidos de altruísmo, encontrados no reino animal e observados em
várias espécies de insectos, foram considerados por Darwin como um dos pontos
mais vulneráveis de sua teoria evolutiva.
Como é possível explicar o sacrifício dos operários que, além de não se
reproduzirem, travam batalhas e morrem em benefício de toda a colónia? Se um
indivíduo é estéril, jamais poderá deixar descendente e não terá qualquer aptidão
(capacidade de deixar descendentes directos) algo que, pensando sob o olhar
clássico da evolução, torna-se paradoxal. Esta dificuldade torna-se ainda maior se
considerarmos que estas castas inférteis apresentam marcadas diferenças
morfológicas: como essas diferenças poderiam ser selecionadas num sistema no
qual não há reprodução.
Isso não fornece valor adaptativo aos indivíduos, ao contrário. A solução
oferecida por Darwin é que toda a colônia deveria ser tratada como uma unidade
única de selecção. Assim, colónias desprovidas das operárias suicidas seriam com
mais frequência predadas e assim diminuiriam de frequência do que aquelas que
possuem.
A eusocialidade não é um fenómeno marginal no mundo vivo.
Considerando somente formigas (entre as abelhas, vespas e outros insectos
eusociais) estas compõem uma biomassa de animais que, sozinha, constitui metade
de todos os insectos e excede a de todos os vertebrados terrestres não humanos!
Estes “superorganismos” são tão bizarros em sua constituição que devem constituir
um nível distinto de organização biológica.
A primeira ideia bem elaborada sobre a eusocialidade foi estabelecida por
Haldane J. B. S. em 1955, a qual foi completamente estabelecida por W. D.
Hamilton em 1964. O conceito de grupo ganhou força até meados da década de
1960, mas foi grandemente destronada com a teoria alternativa de Hamilton.
40
A ideia principal expressa por Hamilton foi que a presença de um
comportamento do indivíduo altruísta (operário) só poderia acontecer quando o
decréscimo de aptidão característico do altruísta (no caso a reprodução, uma
aptidão selectiva) é compensado pelo aumento da mesma aptidão no indivíduo que
recebe os favores desse indivíduo altruísta (rainha). Esta relação significa que a
cooperação é favorecida pela selecção natural.
Ao mostrar que genes em um indivíduo poderiam ser seleccionados mesmo
que não tenham um valor adaptativo direto, mas sim, indireto, os genes passaram a
ocupar o lugar de indivíduos,como a unidade central sobre a qual a selecção
natural actua. Essa mudança de foco foi extensamente apresentada por Richard
Dawkins em 1976 (na obra “O gene egoísta”).
De forma genérica, um gene poderia ser seleccionado mesmo quando seus
efeitos directos na aptidão darwiniana sejam negativos. A visão nos genes foi e está
sendo usada com sucesso para entender a evolução dos mais diversos tipos de
interação. Os artigos publicados por Hamilton em 1964 sobre a selecção de
parentesco mudaram sensivelmente a biologia evolutiva. No trabalho intitulado
“Molecular evolutionary analyses of insect societies” – traduzido: “Análise
evolutiva molecular das sociedades de insectos”, publicado em 2011 na revista
PNAS – Proceedings of National Academy of Sciences of the United States of
America, traduzido: Actualizações da Academia Americana de Ciências, os autores
Fischman, Woodard e Robinson apresentam uma revisão que faz análise evolutiva
sobre os insectos sociais, vistos de forma a identificar as mudanças moleculares
adaptativas envolvidas na evolução social da eusocialidade.
Fonte do texto: Ceccatto, V. M. & Ponte, E. L. 2012. Material de Biologia
Evolutiva, Secretaria de Educação à Distância (SEAD/UECE).
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Uma teoria neutra da função molecular
Autor: Michael Eisen | 7 de setembro de 2012
Em 1968 Motoo Kimura publicou um pequeno artigo na Nature em que
argumentava que “a maioria das mutações produzidas por substituições de
nucleotídeos são quase completamente neutras em relação a selecção natural”. Este
41
fantástico artigo é geralmente visto como tendo estabelecido a “teoria neutra” da
evolução molecular, cujo princípio central foi definido por Jack King e Lester
Jukes em um artigo da Science no ano seguinte:
“A mudança evolutiva nos níveis morfológico, funcional ou
comportamental resulta do processo de selecção natural, operando
através de mudanças adaptativas no DNA. Disso não necessariamente se
segue que toda, ou quase toda, mudança evolutiva no DNA seja devida a
ação da selecção natural Darwiniana.”
É difícil exagerar a importância desses artigos. Eles ofereceram um desafio
imediato à crença profundamente infundamentada, mas amplamente difundida, de
que todas as alterações do DNA deveriam ser adaptativas - uma suposição que
estava envenenando a maneira com que a maioria dos biólogos estavam avaliando a
primeira onda de dados de sequências de proteínas. E como suas ideias foram
rapidamente aceitas no campo emergente da evolução molecular, a teoria neutra
pairava sobre praticamente todas as análises de variação de sequência dentro e
entre as espécies nas décadas vindouras.
O que Kimura, King e Jukes realmente fizeram foi estabelecer um "modelo
nulo" novo contra o qual qualquer exemplo hipotético de mudança molecular
adaptativa deveria ser julgado. Na verdade, a neutralidade ofereceu uma explicação
tão boa para alterações nas sequências ao longo do tempo que, quando eu entrei no
campo no início dos anos 90, os pesquisadores ainda lutavam para encontrar um
único exemplo de mudança molecular para o qual uma explicação neutra pudesse
ser rejeitada.
Embora a explosão de dados de sequências na década passada finalmente
rendeu evidências inequívocas de evolução adaptativa molecular em grande escala,
é difícil exagerar o quão poderoso o modelo nulo neutro foi em forçar as pessoas a
pensar claramente sobre o que significam as mudanças adaptativas, e como alguém
deveria proceder para identificar exemplos claros delas. Penso muito sobre Kimura,
sobre a teoria neutra, e os efeitos salutares de modelos nulos claros cada vez que eu
me envolvo em discussões sobre a função, ou a falta dela, de eventos bioquímicos
observados em experiências de genómica, como os desencadeados esta semana
pelas publicações do projeto ENCODE.
42
É fácil ver os paralelos entre a maneira que as pessoas falam sobre
transcritos de RNAs, interações DNA-proteína, regiões hipersensíveis à Dnase e
etc, com a forma que as pessoas falavam sobre mudanças em sequências PK (pré
Kimura). Embora muitas das pessoas realizando RNA-seq, ChIP-seq, etc. foram
indoutrinadas com Kimura em algum ponto de suas carreiras, a maioria parece
incapaz de aplicar as lições dele ao seu próprio trabalho. O resultado é um campo
impregnado implícita ou explicitamente com um pensamento que segue essa linha:
Eu observo A ligar-se a B. A poderia só ter evoluído para ligar-se a B se
estivesse fazendo algo de útil. Logo, a ligação entre A a B é “funcional”.
Pode-se entender a tentação de pensar desta forma. Na perspectiva de livro-
texto da biologia molecular, tudo é altamente regulado. Os genes são transcritos
com um propósito. Os factores de transcrição ligam-se ao DNA quando estão
regulam alguma coisa. Quinases fosforilam alvos para alterar sua actividade ou
localização subcelular. E assim por diante. Embora sempre houve muitas razões
para descartar essa maneira de pensar, até cerca de uma década atrás, era assim que
a literatura científica parecia. Nos dias em que artigos descreviam genes únicos e
interações individuais, quem se daria ao trabalho de publicar um artigo sobre uma
interação não-funcional que haviam observado?
Mas a genómica experimental explodiu este mundo isolado e idílico da
biologia molecular. Por exemplo, quando Mark Biggin e eu começamos a fazer
experiências ChIP-chip em embriões de Drosophila, descobrimos que factores não
apenas ligavam-se com sua dúzia ou mais de alvos, mas a milhares e, em alguns
casos, dezenas de milhares de lugares em todo o genoma. Tendo estudado Kimura,
eu simplesmente assumi que a grande maioria destas interações tinha evoluído por
acaso - uma consequência natural, essencial, da fixação alterações nucleotídicas
neutras que aconteceram e que por ventura criaram sítios de ligação de factores de
transcrição. E assim eu fiquei chocado que quase todos com quem conversava
sobre esses dados assumiam que cada um desses eventos de ligação servia para
alguma coisa - só não tínhamos descoberto ainda para quê.
Mas se você pensar sobre isso, você se dará conta que isso simplesmente
não pode ser assim. Como nós e muito outros temos mostrado agora, as interações
moleculares não são raras. Transcritos, sítios de ligação de factores de transcrição,
modificações ao DNA, modificações na cromatina, sítios de ligação de RNA, sítios
43
de fosforilação, interacções proteína-proteína, etc … estão em toda a parte. Isso
sugere que este tipo de eventos bioquímicos são fáceis de criar – mude um
nucleotídeo aqui – Tcham!, um novo factor de transcrição se liga, e um sítio de
splicing é perdido, um novo promotor é criado, um sítio de glicosilação é
eliminado.
Será que isso entra em conflito com a teoria neutra? Não mesmo! Na
verdade, é perfeitamente consistente com ela. A teoria neutra não exige que a
maioria das alterações nas sequências não tenham nenhum efeito mensurável sobre
os organismos. Pelo contrário, a única coisa que você tem que assumir é que a
grande maioria dos eventos bioquímicos que ocorrem como consequência de
mutações aleatórias não afetam significativamente aptidão dos organismos.
Dado que uma fração tão grande do genoma é bioquimicamente ativa, a
mesma lógica básica Kimura, King e Jukes usaram para argumentar pela
neutralidade - que seria simplesmente impossível que um número tão grande de
características moleculares tivesse sido levadas a fixação pela selecção - indica
fortemente que a maioria dos acontecimentos bioquímicos não contribuem
significativamente para a aptidão. Na verdade, dado a frequência aparente com que
novas interacções moleculares surgem, é praticamente impossível que nós ainda
existíssemos se cada novo evento molecular tivesse um efeito fenotípico forte.
Isto, naturalmente, não significa que todos esses eventos moleculares não
façam nada - a sua existência é uma forma de função. Masestamos geralmente
interessados em diferentes tipos de função - coisas que surgiram por meio da
selecção natural, são mantidas por meio de da selecção purificadora, cuja
perturbação vai causar uma doença ou outro fenótipo significativo. É claro que
essas coisas existem no meio dos escombros. A questão é como encontrá-las. E
aqui eu acho que devemos, mais uma vez, tomar nossa pista de Kimura.
Como argumentei acima, o campo da evolução molecular desenvolveu um
núcleo intelectual poderoso em grande parte por que os pesquisadores tiveram que
se ver as voltas com a poderosa hipótese neutra – significando que a mudança
adaptativa teria que ser demonstrada, não pressuposta. Nós temos que aplicar a
mesma lógica às interacções moleculares.
Ao invés de assumir – como tantos pesquisadores do ENCODE parecem
44
fazer – que os milhões (ou seriam bilhões?) de eventos moleculares que eles
observam são um tesouro de elementos funcionais aguardando para serem
compreendidos, eles deveriam encarar cada um e todos os eventos com um
ceticismo Kimuriano. Nós jamais deveríamos aceitar a existência ou uma molécula
ou uma observação de que ela interage com algo como uma evidência prima facie
de que é algo importante. Ao contrário, nós deveríamos assumir que todas essas
interações são não-funcionais até prove-se o contrário, e desenvolver melhores,
convincentes, maneiras de rejeitar essa hipótese nula.
Parafraseando King e Jukes:
A vida depende da produção de e das interacção entre DNAs, RNAs,
proteínas e outras biomoléculas. Isso não significa necessariamente que
todas as biomoléculas, ou a maioria delas, e as interacções entre elas,
sejam devidas à acção da selecção natural darwiniana.
Quero terminar salientando que há muitas pessoas (eu e meu grupo,
incluídos) que têm criado polémica sobre esta questão, com muitas ideias
interessantes, e os resultados já por aí. Do ponto de vista intelectual, eu gostaria de
destacar particularmente a influência que os escritos de Mike Lynch tiveram em
mim - ver especialmente este.
Fonte: it is NOT junk: 'a blog about genomes, DNA, evolution, open science,
baseball and other important things'. Postagem original: A neutral theory of
molecular function. Tradução: Rodrigo Véras
_______________________________________
Michael Eisen é um biólogo evolutivo da Universidade de Berkeley e pesquisador do
Instituto Médico Howard Hughes. Sua pesquisa se concentra na genómica evolutiva e de
populações da regulação genética em moscas, e sobre as formas que os micróbios
controlam o comportamento de seus hospedeiros animais. Eisen é um forte defensor da
ciência aberta, e um co-fundador da Public Library of Science., o famoso periódico
científico PloS (Public Library of Science, https://www.plos.org/ )
https://www.plos.org/
45
Filmes/Vídeos
✓ Animação sobre selecção Natural no Paint
https://www.youtube.com/watch?v=7t8sukiyWw0
✓ Selecção sexual em aves: comportamento animal:
- Aves-do-paraíso: https://www.youtube.com/watch?v=QdPYGDtuUGU
- ‘Moonwalk’ Bird: https://www.youtube.com/watch?v=o42C6ajjqWg
- Animação sobre os processos que causam mutação no DNA:
https://www.youtube.com/watch?v=WARPg30K8o0
✓ Para relembrar o papel do sexo como fonte de variabilidade genética e
revisar dois mecanismos fundamentalmente importantes na divisão celular e
dinâmica dos cromossomos:
• Mitose: https://www.youtube.com/watch?v=gV4wytyyqKU
• Mitose e Meiose: https://www.youtube.com/watch?v=b6oPQ58rINU
https://www.youtube.com/watch?v=OGX8Bn7Kjjc
Leitura
✓ Ciência - textos didácticos - A teoria neutra da evolução
molecular
http://www2.bioqmed.ufrj.br/prosdocimi/chicopros/ensino/didaticos/neutrali
smo.html
✓ Artigo para quem quiser se aprofundar na parte matemática dos
modelos de evolução molecular. Introdução à evolução molecular:
o modelo de Jukes-Cantor
http://www.puc-
rio.br/pibic/relatorio_resumo2008/relatorios/ctc/mat/mat_adriana.pdf
http://www.freepik.com/index.php?goto=27&url_download=aHR0cDovL3d3dy5mbGF0aWNvbi5jb20vZnJlZS1pY29uL2ZpbGVfMTE4MDk4&opciondownload=318&id=aHR0cDovL3d3dy5mbGF0aWNvbi5jb20vZnJlZS1pY29uL2ZpbGVfMTE4MDk4&fileid=917606
https://www.youtube.com/watch?v=7t8sukiyWw0
https://www.youtube.com/watch?v=QdPYGDtuUGU
https://www.youtube.com/watch?v=o42C6ajjqWg
https://www.youtube.com/watch?v=WARPg30K8o0
https://www.youtube.com/watch?v=gV4wytyyqKU
https://www.youtube.com/watch?v=b6oPQ58rINU
https://www.youtube.com/watch?v=OGX8Bn7Kjjc
http://www2.bioqmed.ufrj.br/prosdocimi/chicopros/ensino/didaticos/neutralismo.html
http://www2.bioqmed.ufrj.br/prosdocimi/chicopros/ensino/didaticos/neutralismo.html
http://www.puc-rio.br/pibic/relatorio_resumo2008/relatorios/ctc/mat/mat_adriana.pdf
http://www.puc-rio.br/pibic/relatorio_resumo2008/relatorios/ctc/mat/mat_adriana.pdf
46
Sumário
Um dos pontos mais relevantes a ser considerado em relação à esta lição é a
noção de que as espécies evoluíram de variedades pré-existentes, por meio da
selecção natural. A consequência imediata disso é que grupos superiores (géneros,
família, etc.) evoluem pelos mesmos mecanismos. Quanto maior as similares entre
taxa, mais fortemente eles estão correlacionados devido ao menor tempo da sua
divergência a partir de seu último ancestral em comum. O maior entendimento
sobre os limites da selecção natural também fez florescer de teorias e metodologias
para a biologia molecular e a para a genética. Hoje podemos datar divergências
evolutivas importantes para melhor inferirmos sobre quando ocorreram os eventos
que impulsionaram a diversificação de espécies no tempo e no espaço. Essa noção
será fundamental para a próxima lição, que tratará de apresentar as principais
explicações para os padrões evolutivos que identificamos na natureza.
Auto-Avaliação
1. Pesquise institutos de pesquisa em seu país que investiguem os aspectos
genéticos e evolutivos relacionados à flora e fauna local. Ressalte as linhas de
pesquisa que utilizam técnicas de biologia molecular e da genética em suas
investigações.
2. Faça uma resenha crítica contextualizando o papel dos avanços
integrativos entre genética, geografia e geologia.
3. Elabore actividades para grupos de trabalho destinado aos alunos do ensino
fundamental e médio para reforçar uma aula teórica sobre selecção natural.
4. Pesquise e explique exemplos de selecção natural direccional, disruptiva e
estabilizadora.
5. Crie um esquema didáctico para explicar a selecção sexual.
47
Lição no 3: Teorias interpretativas sobre a origem e diversificação
de espécies
Introdução
De posse dos conceitos relacionados à actuação da selecção natural nos
organismos, vamos agora conhecer os processos relacionados à diversificação de
linhagens. Você perceberá que o “pensamento em árvore” trazido por Darwin
demorou para ser formulado e entendido. Mesmo nos dias actuais, muitas pessoas
assumem preconceitos devido a erros na interpretação e ‘leitura’ das histórias
evolutivas compartilhadas pelos seres vivos. Veremos que os trabalhos de Darwin
revolucionaram a Biologia, onde a biologia actualmente é o seu cerne, de onde
gravitam todas as outras disciplinas da área. Afinal, linhagens evolutivas são as
unidades mais fundamentais dentro da Biologia, que podem ser subdivididas para
representar táxones intermediários entre elas. O conceito biológico de espécie
guiou por muito tempo o reconhecimento da maioria das espécies do planeta, e
actualmente incorpora métodos e teorias da Sistemática Filogenética para
continuar esse árduo trabalho de catalogar, descrever ou delimitar espécies – que
não são imutáveis através do tempo, mas se modificam durante o curso da
evolução.
Objectivos
No fim desta lição você deverá ser capaz de:
• Indicar as principais teorias relacionadas à evolução das espécies;
•Descrever os pressupostos que sistemas as teorias evolutivas;
• Salientar o contexto histórico do desenvolvimento das ideias sobre a
origem das espécies;
• Discutir a importância dos trabalhos de Charles Darwin para as ciências
naturais;
• Comparar as hipóteses fixistas e evolucionistas;
• Enfatizar as diferenças mais relevantes entre as hipóteses fixistas e
evolucionistas.
48
3.1. Teorias e hipóteses fixistas: as ideias sobre evolução antes de Darwin
A inquietação em relação aos mistérios da diversidade biológica deve ter
surgido bem cedo na história do pensamento humano. Ainda que os registros
sejam dispersos e escassos, a forma do pensamento sobre a evolução e o caminho
da humanidade até as civilizações conhecidas se mostram presente desde a
vanguarda da filosofia. Desde Tales de Mileto, filósofo grego que viveu cerca de
cinco séculos antes do início do calendário cristão, busca-se no ambiente aquático
a origem da vida.
Muitas décadas depois, Platão postula que os objetos possuem uma
essência que reflecte suas propriedades básicas, e que suas variações na natureza
seriam apenas distorções dessa realidade. Ele propunha que todas as espécies que
vemos actualmente são apenas ‘imperfeições’ de seres vivos ideais; um cavalo,
por exemplo, seria apenas um representante mundano, uma imitação imperfeita
de um unicórnio de um mundo imutável e perfeito.
Naturalistas e filósofos de um século ou dois antes de Darwin chegaram a
especular sobre as transformações das espécies (Valva & Diniz-Filho, 1998).
Contudo, nenhum deles elaborou uma explicação que pode ser reconhecida hoje
como uma teoria satisfatória para explicar por que as espécies mudam ao longo
do tempo.
Mesmo Carl Linnaeus (1707-1778), principal historiador natural da
ciência que criou o sistema hierárquico de classificação dos organismos, jamais
imaginou a ideia de evolução. A sua principal obra, Systema Naturae, de 1735,
mesmo profundamente influente sobre a classificação dos organismos vivos,
ainda não tocava no assunto das espécies mudarem ao longo do tempo.
Ela ainda seguiu a ideia que imperava nas ciências naturais da época:
catalogar os elos da ‘Grande Escala dos Seres’ e descobrir sua ordenação, tal
como foi proposta pela Teologia Natural vigente na época - que, em essência,
atribuía as adaptações dos organismos como evidências da benevolência do
Criador.
A essa altura da história, conceitos consagrados como a posição da Terra
49
foram desafiados por Newton e Descartes e outros que desenvolveram teorias que
explicavam cientificamente fenómenos físicos. Ao final do século XVIII, o
conceito de um mundo mutável foi aplicado à astronomia por Kant e Laplace, que
desenvolveram noções sobre evolução estelar e fundamentos de geologia, quando
vieram à luz evidências de mudanças na crosta terrestre e da extinção de espécies.
Os geólogos reconheceram que as rochas sedimentares tinham sido
depositadas em épocas diferentes e começaram a perceber que a Terra poderia ser
muito mais velha do que a idade proposta até então. Antes tida pela interpretação
literal da bíblia, a Terra era avaliada com menos de 5.000 anos; somente em 1779
é que foi sugerido que ela pudesse ser muito mais antiga (Futuyma, 1997; Ridley,
2006; Freeman & Herron, 2009).
O facto da evolução foi proposto por vários pesquisadores no final do
século XVIII e início do século XIX, incluindo o Conde de Buffon, Erasmus
Darwin (avô de Charles) e o eminente biólogo francês Jean-Baptiste Lamarck
(Eiseley, 1958; Desmond & Morre, 1991). O próprio Darwin (1872) citou
Lamarck como o primeiro escritor “cujas conclusões sobre o assunto me
despertaram muita atenção”.
Em trabalhos publicados em 1809 e 1815, Lamarck expôs a noção de que
todas as espécies são derivadas, por evolução gradual, de outras espécies. Esse
processo foi impulsionado, segundo Lamarck, pela herança de características
adquiridas e por uma tendência inerente a todos os organismos de progredir das
formas simples para as complexas. A fim de explicar a existência continuada das
formas simples de vida, Lamarck sugeriu que essas formas são continuamente
reabastecidas pela geração espontânea da matéria não-viva.
Já em 1844 e 1853, Robert Chambers publicou 10 edições de um livro
popular, intitulado The Vestiges of Natural History of Creation (Vestígios da
história natural da criação). Darwin considerou confuso o raciocínio científico de
Chambers e inadequadas as suas evidências, porém reconheceu o mérito de
Chambers em promover a ideia da evolução e “eliminar o preconceito” contra ela.
O rompimento dessa visão estática das espécies, desde seus surgimentos,
só foi primeiramente trazido à discussão pelo naturalista francês Jean-Baptiste
Lamarck (1744-1829) no seu trabalho Philosophie Zoologique, publicada
50
primeiramente no ano de 1809. Embora Lamarck seja mais lembrado hoje em dia
pelo seu erro em explicar a evolução pela regra do uso e desuso – onde uma
espécie passaria às gerações posteriores as modificações morfológicas adquiridas
ao longo da vida – não foi ele que inventou tal ideia. Essa visão é antiga e já era
discutida na Grécia Antiga.
Entretanto, o pensamento mais moderno sobre o papel desse processo na
evolução foi inspirado por ele e, por isso, a herança de caracteres adquiridos é
agora chamada, mais por convenção do que por motivos históricos, de herança
lamarckiana (Ridley, 2006). Apesar disso, ele foi o primeiro defensor de que as
espécies mudam ao longo do tempo, que elas não estão fixas desde sua criação.
Foi ele que também primeiramente afirmou que estas mudanças são influenciadas
pelos seus respectivos ambientes, motivo pelo qual os historiadores preferem a
palavra contemporânea “transformismo” para descrever tal raciocínio.
Lamarck supunha que as linhagens de espécies persistiam
indefinidamente, mudando de uma forma para outra; no seu sistema, as linhagens
não se ramificavam nem se extinguiam. O mecanismo proposto por Lamarck é
aquele pelo qual ele é lembrado hoje: a herança de caracteres adquiridos. Os
biólogos utilizam a palavra “caráter” como uma abreviatura estenográfica para
“característica”.
Um caráter é qualquer propriedade distinguível de um organismo; o
termo não se refere, aqui, a caráter no sentido de personalidade. À medida que um
organismo se desenvolve, ele adquire muitos caracteres individuais devido à sua
história particular de acidentes, doenças e exercícios musculares. Lamarck
sugeriu que uma espécie poderia ser transformada se essas modificações
adquiridas individualmente fossem herdadas pela progênie do indivíduo.
Em sua famosa discussão sobre o pescoço da girafa, ele argumentou que
as girafas ancestrais haviam se esticado para atingir folhas mais altas nas árvores.
O esforço fez com que seus pescoços se tornassem levemente maiores. Seus
pescoços mais longos foram herdados pela sua prole, a qual iniciou sua vida com
uma propensão a ter pescoços mais longos do que os de seus genitores. Depois de
muitas gerações de alongamento de pescoço, o resultado foi o que vemos hoje.
Lamarck descreveu o processo como sendo determinado pelo “esforço” da girafa,
e ele frequentemente descrevia os animais como “desejando” ou “querendo”
51
mudanças em si próprios. A sua teoria foi, por isso, muitas vezes caricaturada,
pois sugeria que a evolução acontecia de acordo com a flexibilidade no
desenvolvimento do organismo (Ridley, 2006).
Provavelmente, para o próprio Lamarck, o mecanismo do uso e desuso
invocado para explicar como as espécies mudam ao longo do tempo devia ter
menos importância do que esses outros dois mecanismos entrelaçados: a
influência do meio ambiente proporcionando mudanças nas espécies ao longo do
tempo. Talvez por isso é que Futuyma (1997) afirma que “Lamarck é injusta e
infelizmente lembrado mais como alguém que estava errado”.
Oevolucionismo foi, de facto, em parte devido a ele, um tópico de
discussão em meados do século XIX (Lovejoy, 1959) e o livro Vestígios da
História Natural da Criação publicado anonimamente por Robert Chambers em
1844, por exemplo, foi um trabalho sobre evolução que empregava as ideias de
Lamarck e que foi amplamente lido na época (Valva & Diniz-Filho, 1998).
Entretanto as evidências favoráveis à evolução ainda não haviam sido
completamente agrupadas e ordenadas e, uma vez que Lamarck tinha sido
desacreditado, nenhum mecanismo evolutivo satisfatório era conhecido.
Em meados do século XIX, a maioria dos biólogos e geólogos aceitava a
visão de George Cuvier (1769-1832); como fundador da anatomia comparada e
um dos biólogos e paleontólogos mais respeitados do século XIX, ele criticou
duramente Lamarck que, a essa altura já possuía outros interesses além da
biologia, como a química e a meteorologia. Além disso, Lamarck já estava
convencido de que havia uma conspiração de silêncio contra suas ideias e, em
meados do século XIX, a maioria dos biólogos e geólogos aceitava a visão de
Cuvier – de que cada espécie tinha uma origem e depois permanecia constante em
sua forma até sua extinção (Valva & Diniz-Filho, 1998; Ridley, 2006). De acordo
com Mayr (1964), embora a ideia da evolução tenha estado em discussão durante
décadas, foi Darwin que convenceu a comunidade científica de sua veracidade –
que as espécies da Terra são produtos de descendência com modificações, a partir
de um ancestral comum.
52
3.2. Teorias evolucionistas e o pensamento vivo de Darwin
A história da biologia evolutiva começa realmente em 1859, com a
publicação de On the Origin of Species (Sobre a Origem das Espécies), de
Charles Darwin (ver Quadro “A gestação de uma teoria: aspectos relevantes da
biografia de Charles Darwin”). Entretanto, muitas das ideias do naturalista inglês
têm uma origem mais antiga. A afirmativa mais imediatamente controversa da
teoria de Darwin é a de que as espécies não têm uma forma fixa e de que uma
espécie evolui em outra. (“fixa”, aqui, significa sem mudança.)
A linhagem ancestral humana, por exemplo, passa por uma série contínua
de formas, que nos leva de volta a um estágio unicelular. A fixidez das espécies
era a crença ortodoxa na época de Darwin, embora isso não significasse que
ninguém a tivesse questionado até́ então. Naturalistas e filósofos de um século ou
dois antes de Darwin chegaram a especular sobre a transformação de espécies. O
cientista francês Pierre Louis Maupertuis discutiu a evolução, assim como o
fizeram alguns enciclopedistas, como Diderot. O avô de Darwin, Erasmus
Darwin, é um outro exemplo. Contudo, nenhum desses pensadores elaborou
qualquer ideia que pudesse ser reconhecida hoje como uma teoria satisfatória para
explicar por que as espécies mudam. Eles estavam interessados principalmente na
possibilidade factual de que uma espécie poderia transformar-se em outra (Valva
& Diniz-Filho, 1998; Ridley, 2006).
Segundo Ernst Mayr (1991), aquela que hoje é considerada como a teoria
de Charles Darwin é constituída por cinco teorias diferentes, cada uma das quais
seria suficiente para torná-lo merecedor da fama que tem. Na ordem cronológica
da sua formulação, as teorias são: (i) existência da evolução, (ii) o processo
gradual de tal processo, (ii) ancestralidade comum, (iv) multiplicação das
espécies e (v) selecção natural. Outros, como Lamarck e Chambers, tinham-se
posicionado a favor da existência da evolução, mas Darwin foi o primeiro a
prová-la de uma maneira científica apoiando-se num grande número de
evidências.
Ele também foi o primeiro a afirmar que todos os organismos descendem
de um ancestral em comum por um contínuo de ramificação. Ele adotou o
gradualismo com base nas suas observações na natureza e percebeu que uma certa
53
descontinuidade é consequência da extinção de tipos intermediários. Mas o
conceito mais revolucionário da teoria de Darwin é representado pela selecção
natural, que forneceu uma explicação materialista para a evolução, derrubando
assim a teologia natural (Valva & Diniz-Filho, 1998).
Quadro 2 A gestação de uma teoria: aspectos relevantes da biografia de Charles
Darwin
Há um dito que diz que a sorte favorece mentes preparadas. Sem dúvida
alguma, deve ser contado que o naturalista inglês Charles Darwin (Figura 8) era uma
pessoa muito inteligente, mas quando ele lançou a teoria da evolução ele já havia
estudado aquela questão há três décadas. Quando se conta a história apenas salientando
sua brilhante teoria sobre a origem das espécies, quais são as conclusões que se tira?
Que ele era um gênio e que nunca qualquer um será como ele, porque ou se nasce desse
jeito ou não. Mas isso não é verdade. Darwin foi um Homem de um tempo com um
espírito investigativo – brilhante, aliás! - que foi favorecido pela estrutura intelectual que
o cercou da infância à vida adulta.
Figura 8. Retrato do jovem Darwin pintado por George Richmond em 1830 (esquerda) e uma
fotografia nos seus últimos anos de vida (direita). Fotografia de J. Cameron. Imagens de domínio
público. Fonte: Wikimedia Commons (http://commons.wikimedia.org/wiki/Charles_Darwin)
Charles Robert Darwin (1809-1882) foi o quinto dos seis filhos do médico
Robert Darwin e sua esposa Susannah Darwin. Seu avô materno, o famoso ceramista
Josiah Wedgwood, era de uma proeminente e abastada família e parte da elite intelectual
da época. Seu avô paterno foi Erasmus Darwin. Além de exercer a medicina e se ocupar
também com a poesia, seu avô também possuía um espírito inventivo, tendo contribuído
até para inovações mecánicas para as carruagens e moinhos da época.
Para nosso interesse aqui, destacamos que uma obra de sua autoria intitulada
Zoonomia, de 1792, já abordava aspectos acerca da evolução - a transmutação das
espécies - tendo antecipado os mecanismos de selecção, sendo grandemente admirada
http://commons.wikimedia.org/wiki/Charles_Darwin
54
mais tarde por seus netos, Charles Darwin e Francis Galton. Este último foi um famoso
antropólogo, meteorologista, matemático e estatístico inglês de seu tempo (1822-1911).
A mãe de Charles Darwin morreu quando ele tinha apenas oito anos. No ano
seguinte, em 1818, Darwin foi enviado para uma escola em Shrewsbury, no interior da
Inglaterra onde ele se interessou em coleccionar minerais, insectos e ovos de pássaros,
cães e ratos. Em 1825, depois de passar o verão como médico aprendiz ajudando o seu
pai no tratamento dos pobres da cidade, Darwin foi estudar medicina na Universidade de
Edimburgo.
Contudo, sua aversão à brutalidade da cirurgia da época (a anestesia não estava
tão desenvolvida com a de hoje) levou-o a negligenciar os seus estudos médicos.
Entretanto, durante esse período na universidade, ele aprendeu algo sobre a história
natural dos organismos e se iniciou na taxidermia - a técnica de preservar animais como
vemos nos museus. Alguns anos mais tarde, ele foi pupilo de Robert Edmund Grant, um
pioneiro no desenvolvimento das teorias de Jean-Baptiste Lamarck e do seu avô
Erasmus Darwin sobre a evolução de características adquiridas. Darwin tomou parte das
investigações de Grant a respeito do ciclo de vida de animais marinhos. Tais
investigações contribuíram para a formulação da teoria de que todos os animais possuem
órgãos similares e diferem apenas em complexidade. Em cursos de história natural, ele
também aprendeu sobre geologia. Por fim, ele foi treinado na classificação de plantas
enquanto ajudava nos trabalhos com as grandes coleções do Museu da Universidade de
Edimburgo.
Em 1827, seu pai, decepcionado com a falta de interesse de Darwin pela
medicina, matriculou-o em um curso de bacharelado em Artes na Universidade de
Cambridge para que ele se tornasse um clérigo. Nesta época, a classe eclesiástica (i.e.,
arcebispos, padres,párocos, vigários) tinham uma renda que lhes permitia uma vida
confortável e muitos eram naturalistas uma vez que, para eles, "explorar as maravilhas
da criação de Deus" era uma de suas obrigações. Em Cambridge, Darwin passava muito
do seu tempo colectando besouros com o seu primo William Darwin Fox. Este o
apresentou ao reverendo John Stevens Henslow, professor de botánica e especialista em
besouros que, mais tarde, viria a se tornar o seu tutor. Darwin ingressou no curso de
história natural de Henslow e se tornou um de seus alunos favoritos.
Durante esta época, Darwin se interessou pelas ideias de William Paley, em
particular, a noção de projecto divino na natureza. Seguindo os conselhos e exemplo de
Henslow, ele ingressou no curso de Geologia do reverendo Adam Sedgwick, um forte
proponente da teoria de projeto divino, e viajou com ele como um assistente no
mapeamento estratigráfico no País de Gales. Depois Darwin foi recomendado a ser
acompanhante de Robert FitzRoy, capitão do barco inglês HMS Beagle, que deveria
mapear a costa da América do Sul. Isto lhe deu a oportunidade de desenvolver a sua
carreira como naturalista, o que mudou tanto a sua vida quanto a história da Biologia
para sempre.
Durante a viagem do Beagle, que estava programada para durar apenas dois
anos, se estendeu por quatro anos e nove meses, dois terços dos quais Darwin esteve em
terra firme. Ele estudou uma rica variedade de características geológicas, fósseis,
organismos vivos e conheceu muitas pessoas, entre nativos e colonos. Darwin colectou
metodicamente um enorme número de espécimes, muitos dos quais novos para a ciência.
55
Isto estabeleceu a sua reputação como um naturalista e fez dele um dos precursores do
campo da Ecologia. Suas anotações detalhadas mostravam seu dom para a teorização e
formaram a base para seus trabalhos posteriores, bem como forneceram visões sociais,
políticas e antropológicas sobre as regiões que ele visitou.
Fonte: Mello, R. 2014. A revolução da evolução: ideias do jovem Darwin exigiram
longo e árduo trabalho antes que ele as apresentasse. Revista Ciência Hoje, v. 52, p. 52,
seção ‘Ensaios’.
Uma das maiores influências para Darwin foi o livro Princípios da
Geologia (Principles of Geology)(1830-33) de Charles Lyell (1797-1875), que
descrevia características geológicas como o resultado de processos graduais que
ocorriam ao longo de grandes períodos de tempo. Ele, então, passou a ver as
formações naturais na Patagónia como se através dos olhos de Lyell: degraus
planos de pedras com o aspecto característico de erosão por água e conchas; no
Chile, ele observou pilhas de mexilhões encalhadas acima da maré alta o que
mostrava que toda a área havia sido elevada; e mesmo no alto dos Andes ele foi
capaz de colectar conchas.
Darwin também foi profundamente influenciado ao ler o livro Ensaio
Sobre os Princípios de População (Essay on the Principles of Population) (1798)
do economista Thomas Malthus. Essa obra foi essencial para Darwin desenvolver
seu raciocínio sobre o crescimento exponencial das espécies e suas lutas pela
sobrevivência em meio a competições, predações e doenças que regulavam sua
taxa de sobrevivência.
Ao retornar de sua viagem com o Beagle, ele se dedicou a trabalhar com
sua colecção de pássaros das ilhas Galápagos, no Equador; ele se deu conta de
que devia ter registrado de qual ilha vinha cada espécime, pois eles variavam de
ilha para ilha. Ele havia inicialmente suposto que os tentilhões das Galápagos
pertenciam todas a uma única espécie; depois, com a ajuda de um de especialistas
em aves (i.e., ornitólogos), ficou claro que cada ilha possuía a sua própria e
distinta espécie. A partir daí ele imaginou que todos os tentilhões tinham evoluído
de um ancestral comum.
Ele ficou igualmente impressionado pela maneira como as emas, aves
similares a avestruzes, diferiam de uma região para outra na América do Sul.
56
Foram essas observações de variação geográfica que levaram Darwin a aceitar
inicialmente que as espécies podiam mudar. A próxima etapa importante era criar
uma teoria para explicar por que as espécies mudam. Os cadernos de notas de
Darwin desse período ainda existem. Eles revelam como ele considerou várias
ideias, inclusive o lamarckismo, mas rejeitou-as porque todas elas falhavam em
explicar um facto crucial – a adaptação. A sua teoria teria que explicar não
somente porque as espécies mudam, mas também por que elas são bem-adaptadas
à vida.
Esse processo deu a Darwin o que ele mesmo chamou de “uma teoria
pela qual trabalhar”; e ao trabalho que iniciou com a organização de suas
anotações e espécimes colectados em campo, foi continuamente adequado e
aprimorado em seu esquema teórico por cerca de 20 anos, uma vez que desde a
segunda metade da década de 1830, Darwin estava concentrado na redacção de
um livro, intitulado provisoriamente de Selecção Natural, no qual pretendia expor
em detalhes a sua teoria da evolução, ora acrescentando, ora retirando material.
O empreendimento parecia não ter fim, quando recebeu uma carta de um
naturalista britânico, Alfred Russel Wallace, que independentemente havia
chegado a uma ideia bastante similar à da selecção natural de Darwin depois de
expedições pelo sudeste da Ásia. Os dois já tinham estabelecido uma
correspondência antes. Dessa vez, o jovem naturalista de 35 anos pedia a Darwin
(então com quase 50 anos) que lesse o manuscrito que seguia em anexo e, caso
encontrasse nele alguma relevância, o encaminhasse a terceiros (Freeman &
Herron, 2009; Costa, 2014).
Darwin ficou impressionado com o que leu: o manuscrito de Wallace
continha uma descrição bastante familiar de suas próprias ideias a respeito do
processo de evolução por selecção natural. Além de abalado, a coincidência o
deixou profundamente preocupado – afinal, alguém que lesse o manuscrito de
Wallace e, em seguida, lesse o seu livro em gestação poderia facilmente acusá-lo
de plágio (Costa, 2014).
Vendo que o trabalho de sua vida – e sua originalidade! - estava
comprometido, ele imediatamente relatou o ocorrido a seus amigos mais íntimos,
o geólogo Charles Lyell (1797-1875) e o botânico Joseph Dalton Hooker (1817-
1911), na esperança de que o impasse pudesse ser equacionado. Lyell e Hooker,
57
que conheciam versões anteriores do manuscrito de Selecção natural, terminaram
propondo uma solução: promover a leitura de uma nota conjunta, contendo as
linhas gerais da teoria formulada independentemente pelos dois. Além disso,
alguns materiais suplementares, redigidos separadamente por cada um deles,
também deveriam ser incluídos. E assim foi feito. O primeiro esboço público das
ideias que mais tarde viriam a constituir o corpo central do darwinismo foi
divulgado por meio de uma nota, intitulada “Sobre a tendência de espécies
formarem variedades; e sobre a perpetuação de variedades e espécies por meios
naturais de selecção”, lida em uma reunião ocorrida na The Linnean Society of
London, na noite de 01/07/1858 (Ridley, 2006; Freeman & Herron, 2009; Costa,
2014).
Um ano mais tarde, Darwin publica a sua obra-prima - A Origem das
Espécies, um dos trabalhos mais importantes de toda a história da ciência, digna
de emparelhar-se com os clássicos de Isaac Newton Física e Albert Einstein na
Física. Dependendo de sua edição, o livro tem cerca de 500 páginas e, no entanto,
tem apenas uma figura - a única imagem que Darwin utilizou em sua obra foi
justamente uma representação de linhagens evolutivas divergentes ao longo do
tempo (Figura 9)
Figura 9 – O esboço de uma “árvore da vida”, registrado por Darwin num dos seus diários de
campo, é uma das representações mais marcantes da Teoria da Evolução (A). Essa representação
gráfica em forma de árvore mais tarde deu origem a única figura de A Origem das Espécies (1859)
que mostra a visão de Darwin para os processosmicro e macroevolutivos. O eixo y (vertical)
representa o tempo e o eixo x (horizontal) variáveis ecológicas. As letras A e L são espécies de
gêneros hipotéticas, sendo que cada número romano – I a XIV - nas linhas orientais representam
intervalos de tempo (milhares de gerações). Note que as espécies A e I se diversificam ao longo do
tempo, enquanto as outras (B, C, D, E G, H, K e L) se tornam extintas. A cada intercessão entre as
linhagens que se diversificam e as divisões no tempo, a linhagem é representada por linhas
58
tracejadas, que são variedades que diferem umas das outras em características e uso de habitat (B).
Fonte: Imagens de domínio publico – Wikimedia (www.commons.wikimedia.org)
Quando o naturalista inglês descreveu a evolução como descendência
com modificação, ele reconheceu que espécies estreitamente relacionadas – isto é,
espécies que compartilham um ancestral comum mais recente – são
provavelmente muito similares ecologicamente. Em outras palavras, elas devem
compartilhar muitas características herdadas de um ancestral comum, uma vez
que divergiram dele há pouco tempo.
Devido à luta pela vida, formas que são mais bem-adaptadas à
sobrevivência deixam uma progénie maior e automaticamente aumentam em
frequência de uma geração para a outra. Como o ambiente muda ao longo do
tempo (por exemplo, de húmido para árido), diferentes formas de uma espécie
estarão mais bem-adaptadas a ele do que as formas do passado. As formas mais
bem-adaptadas terão sua frequência aumentada, enquanto as formas mal
adaptadas terão sua frequência diminuída. À medida que o processo continua, ela
acaba por resultar na formação de uma nova espécie.
A partir dos trabalhos e pressupostos teóricos que floresceram ainda em
meados do século XIX, os princípios evolutivos têm funcionado como um ímã,
incorporando várias áreas ao seu escopo conceitual. Assim como o rapaz de 22
anos que embarcou no Beagle em 1831, a biologia evolutiva moderna parece
exibir uma eterna juventude, pois a cada momento surgem novas e mais
abrangentes perspectivas para o estudo da organização e diversificação da vida.
À luz da evolução, continuamos a dissipar sombras e nevoeiros
conceituais, metodológicos e filosóficos na tarefa de descrever os padrões e
processos históricos que deram origem à diversidade biológica. Os registros
fósseis e estudos de DNA têm adicionado, e continuam a adicionar, suportes
esmagadores para esta visão da história da vida.
A evolução é hoje um dos princípios mais amplamente e melhor
documentados da ciência moderna. A vida na Terra tem mudado dramaticamente
ao longo do tempo. A teoria da evolução propõe que por meio de processos de
selecção natural e outros eventos naturais que se desenrolaram ao longo de
milhões de gerações, diversificando os seres vivos que surgem à partir de outras
http://www.commons.wikimedia.org/
59
pré-existentes.
Isto significa que todos os seres vivos são relacionados uns com os outros
por ancestrais com formas antigas diferentes das actuais. Em outras palavras, se
você seguir sua árvore família (genealógica) longe o bastante no passado, você
encontrará um ancestral em comum não só com qualquer outro ser vivo, mas
também com todo ser que já existiu.
Ridley (2006), entretanto, ressalta que quando Darwin divulgou a sua
teoria da evolução por selecção natural, ele não dispunha, na época, de uma teoria
de herança satisfatória. As experiências com ervilhas de jardim do monge
austríaco Gregor Mendel e o mecanismo da hereditariedade foi ignorado
praticamente por todos na época que veio à tona. Somente em 1900 é que o
trabalho de Mendel foi redescoberto independentemente por outros
pesquisadores, levando ao desenvolvimento da genética de populações ao longo
dos 30 anos seguintes.
Posteriormente, a genética de populações uniu-se à selecção natural, e sua
combinação foi usada para explicar a evolução gradual, a especiação e a
macroevolução1. Dos pesquisadores que participaram dessa “síntese moderna”,
muitos consideram a obra de T. Dobzhansky, Genetics and the origin of Species
(Genética e a origem das espécies), publicada em 1937, como o livro que marcou
o estabelecimento da biologia evolutiva moderna (Freeman & Herron, 2009). A
síntese das teorias de Darwin e de Mendel é actualmente conhecida como síntese
moderna, teoria sintética da evolução ou de neodarwinismo.
Saiba mais
Texto “Uma caracterização histórica do Darwinismo”:
http://observatoriodaimprensa.com.br/jornal-de-
debates/_ed814_uma_caracterizacao_historica_do_darwinismo/
✓ Página no Facebook sobre nomes científicos e de divulgação científica
(Biologia em geral) com actualizações constantes sobre, etimologia,
nomenclatura, filogenia, taxonomia, pronúncia e curiosidades em geral
relacionadas aos nomes científicos dos seres vivos:
1 refere-se aos mecanismos evolutivos que ocorrem a um nível superior a espécie (e.g., comunidades, ecossistemas,
padrões de biodiversidade global).
http://observatoriodaimprensa.com.br/jornal-de-debates/_ed814_uma_caracterizacao_historica_do_darwinismo/
http://observatoriodaimprensa.com.br/jornal-de-debates/_ed814_uma_caracterizacao_historica_do_darwinismo/
60
https://www.facebook.com/NomesCientificosNoFace?fref=ts
✓ Revista Ciência Hoje – divulgação científica
http://cienciahoje.uol.com.br
✓ Darwinismo:
www.brasilescola.com/biologia/darwinismo.htm
www.darwinismo.wordpress.com/
✓ Sites com notícias sobre biologia evolutiva e molecular
http://www.biomol.net/
✓ Coleção de artigos em ensaios sobre a discussão das origens físicas e
biológicas. University of Ediacara. http://www.talkorigins.org/
Filmes/Vídeos
✓ “O desafio de Darwin” (do título original americano: Darwin’s Darkest
Hour), Lançado em 2009. Direcção: John Bradshaw. 104 minutos.
Sinopse: A trama do filme se desenvolve a partir de meados de 1858, quando as
vidas pessoal e profissional do pesquisador Charles Darwin (Henry Ian Cusick)
pareciam estar desmoronando. Na Inglaterra victoriana, sua revolucionária teoria da
evolução das espécies está sendo contestada pela comunidade religiosa e até
mesmo pela científica visto que outro pesquisador teria publicado ideias parecidas
com a de seus estudos. Sua esposa Emma (Frances O’Connor), uma devota cristã, o
surpreende com a ajuda que ela lhe oferece fazendo-o perceber que aquilo que ele
chamava de mistérios da vida é afinal a verdade escondida há milhares de anos
sobre a evolução das espécies e com provas científicas, não apenas palavras vagas.
O filme tenta compilar como ocorreram os estudos, observações e experimentos
que levaram Darwin a criar sua tão famosa teoria e a discursar sobre a selecção
natural, o seu legado de toda uma vida de dedicação à ciência, mas por suas
verdades entrarem em conflito com os valores religiosos da época, ele relutou
muito até decidir publicá-las.
Trailer: https://www.youtube.com/watch?v=ybEN32du3IM
✓ “Criação” (do título original britânico: Creation). Lançado em 2010 (no
https://www.facebook.com/NomesCientificosNoFace?fref=ts
http://cienciahoje.uol.com.br/
http://www.brasilescola.com/biologia/darwinismo.htm
http://www.darwinismo.wordpress.com/
http://www.biomol.net/
http://www.talkorigins.org/
http://www.freepik.com/index.php?goto=27&url_download=aHR0cDovL3d3dy5mbGF0aWNvbi5jb20vZnJlZS1pY29uL2ZpbGVfMTE4MDk4&opciondownload=318&id=aHR0cDovL3d3dy5mbGF0aWNvbi5jb20vZnJlZS1pY29uL2ZpbGVfMTE4MDk4&fileid=917606
https://www.youtube.com/watch?v=ybEN32du3IM
61
Brasil). Direcção: Jon Amiel. 108 minutos.
Sinopse: O filme que narra o relacionamento de Charles Darwin com sua filha
mais velha, Annie, enquanto se esforça para escrever A Origem das Espécies, e
também os conflitos com sua esposa anglicana. Produzido por Jeremy Thomas,
o filme foi dirigido porJon Amiel e estrelado por Paul Bettany e Jennifer
Connelly como Charles e Emma Darwin. John Collee escreveu o roteiro
baseado na biografia de Darwin escrita por Randal Keynes.
Trailer: https://www.youtube.com/watch?v=ZcRP822h22A
✓ “Planeta dos Macacos: A Origem” (do título original americano: Rise of
the Planet of the Apes). Lançado em 2011. Direcção: Rupert Wyatt. 105
minutos.
Sinopse: Will Rodman (James Franco) é um cientista que trabalha em um
laboratório onde são realizadas experiências com macacos. Ele está interessado
em descobrir novos medicamentos para a cura do mal de Alzheimer, já que seu
pai, Charles (John Lithgow), sofre da doença. Após um dos macacos escapar e
provocar vários estragos, sua pesquisa é cancelada. Will não desiste e leva para
casa algumas amostras do medicamento, aplicando-as no próprio pai, e também
um filhote de macaco de uma das cobaias do laboratório. Logo Charles não
apenas se recupera como tem a memória melhorada, graças ao medicamento. Já
o filhote, que recebe o nome de César, demonstra ter inteligência fora do
comum, já que recebeu geneticamente os medicamentos aplicados na mãe. O
trio leva uma vida tranquila, até que, anos mais tarde, o remédio para de
funcionar em Charles e, em uma tentativa de defendê-lo, César ataca um
vizinho. O macaco é então engaiolado, onde passa a ter contacto com outros
símios e, cada vez mais, se revolta com a situação.
Trailer: https://www.youtube.com/watch?v=pr_hTAj0C5I
✓ “Avatar”. Lançado em 2009, Direcção: James Cameron. 162 minutos.
Sinopse: Jake Sully (Sam Worthington) ficou paraplégico após um combate na
https://www.youtube.com/watch?v=ZcRP822h22A
https://www.youtube.com/watch?v=pr_hTAj0C5I
62
Terra. Ele é seleccionado para participar do programa Avatar em substituição
ao seu irmão gêmeo, falecido. Jake viaja a Pandora, uma lua extraterrestre,
onde encontra diversas e estranhas formas de vida. O local é também o lar dos
Na'Vi, seres humanóides que, apesar de primitivos, possuem maior capacidade
física que os humanos. Os Na'Vi têm três metros de altura, pele azulada e
vivem em paz com a natureza de Pandora. Os humanos desejam explorar a lua,
de forma a encontrar metais valiosos, o que faz com que os Na'Vi aperfeiçoem
suas habilidades guerreiras. Como são incapazes de respirar o ar de Pandora, os
humanos criam seres híbridos chamados de Avatar. Eles são controlados por
seres humanos, através de uma tecnologia que permite que seus pensamentos
sejam aplicados no corpo do Avatar. Desta forma Jake pode novamente voltar à
activa, com seu Avatar percorrendo as florestas de Pandora e liderando
soldados. Até conhecer Neytiri (Zoe Saldana), uma feroz Na'Vi que conhece
acidentalmente e que serve de tutora para sua ambientação na civilização
alienígena.
Trailer: https://www.youtube.com/watch?v=cWZ0cNTEbtk
Cinco conceitos errónios sobre evolução (texto em inglês, mas com
boas figuras explicativas): http://www.sciencealert.com/this-
infographic-breaks-down-the-top-five-misconceptions-about-
evolution
✓ Para quem quiser ter conhecimentos aprofundados sobre a biografia
de Charles Darwin, o link abaixo é parte de um documentário da
BBC sobre o contexto histórico do período de gestão de suas teorias,
bem como o impacto de suas ideias no mundo contemporâneo.
Trecho do documentário “A perigosa ideia de Darwin”:
https://www.youtube.com/watch?v=5L0F7lk3Ghc&list=PLMlIYJO1
HfUn-bU-tpQs2xa94qxMufiUW
✓ Página da WGBH Educational Foundation com dezenas de
aplicativos para visualização de questões evolutivas (em inglês).
https://www.youtube.com/watch?v=cWZ0cNTEbtk
http://www.sciencealert.com/this-infographic-breaks-down-the-top-five-misconceptions-about-evolution
http://www.sciencealert.com/this-infographic-breaks-down-the-top-five-misconceptions-about-evolution
http://www.sciencealert.com/this-infographic-breaks-down-the-top-five-misconceptions-about-evolution
https://www.youtube.com/watch?v=5L0F7lk3Ghc&list=PLMlIYJO1HfUn-bU-tpQs2xa94qxMufiUW
https://www.youtube.com/watch?v=5L0F7lk3Ghc&list=PLMlIYJO1HfUn-bU-tpQs2xa94qxMufiUW
63
Aplicativos para professores e estudantes.
http://www.pbs.org/wgbh/evolution/
✓ DARWIN, C. A origem das espécies - Disponível em:
http://ecologia.ib.usp.br/ffa/arquivos/abril/darwin1.pdf
Sumário
Existe um contexto histórico e autoral conhecido como “teoria da evolução”,
como um vasto domínio do conhecimento, com inúmeras facetas e ainda longe
de um ponto final. Neste contexto, o autor principal é Charles Robert Darwin,
naturalista inglês, cujos livros e discussões revolucionaram a biologia clássica
e forneceu os fundamentos da biologia moderna. Alfred Russell Wallace foi
um coautor menos conhecido, porém de vasta importância na decisão final de
Darwin. Na teoria da evolução, os organismos apresentam variabilidade
individual, apresentam maior número de descendentes que o meio possa
sustentar e o sucesso reprodutivo é essencial na acumulação das variações que
possam ser selecionáveis pelo meio.
http://www.pbs.org/wgbh/evolution/
http://ecologia.ib.usp.br/ffa/arquivos/abril/darwin1.pdf
64
Auto-Avaliação
1. Veja pelo menos algum dos filmes recomendados na lição e faça um
fichamento e uma crítica, contextualizando a Biologia Evolutiva nestes
filmes.
2. Veja as referências no final deste capítulo. Escolha três revistas científicas
internacionais e avalie-as como um todo, com relação aos seguintes critérios:
acessibilidade aos artigos e possibilidade de uso para ensino. Escolha um
artigo de cada para refinar e exemplificar sua avaliação. Use a ferramenta de
tradução do site do Google como complemento e auxílio para o trabalho.
3. Como abordar a questão da variação e adaptação em sala de aula de forma
didáctica e interativa? Elabore um plano de aula que demonstre sua linha de
pensamento sobre essa questão.
65
Lição no 4: Tipos de evidências sobre a existência da evolução I
Introdução
A principal meta dessa lição é demostrar os factos da evolução biológica,
evidenciando as mudanças que ocorreram (e ocorrem) nos seres vivos ao
longo do tempo. As fontes são abundantes e detalhadas, mas o objectivo
primordial aqui é apresentar algumas das diversas linhas de investigação
científica que explicitam as evidências dos mecanismos envolvidos na
evolução dos seres vivos, sejam eles em escala continental, ecossistêmica,
organísmica ou molecular. Assim, vamos agora nos enveredar pelas trilhas
abertas e desbravadas pelas diferentes metodologias e teorias dentro da
Biologia para conhecermos um pouco mais sobre a diversificação
biológica. Ao olharmos mais de perto os caminhos percorridos pelo
fenómeno da vida, perceberemos como ela se ramifica para todas as
direcções e em constante adaptação às mudanças do ambiente.
Objectivos
No fim desta lição você deverá ser capaz de:
• Expor as principais evidências em espécies vivas e no registro fóssil que
corroboram a existência da evolução;
• Analisar as metodologias e abordagens relacionadas às principais linhas
de investigação que comprovam a existência da evolução;
• Discutir as evidências deixadas pela evolução nos organismos vivos para
incitar o raciocínio crítico para debates;
• Demonstrar que existe um corpo teórico bem estabelecido que, aliado a
dados independentes, comprovam a existência da evolução das espécies.
66
4.1. Evidências morfológicas de espécies vivas
Como ficou evidente nos tópicos anteriores, as modificações
evolutivas em seres vivos têm algumas propriedades distintas, sendo a de
maior destaque o facto de que a evolução não prossegue ao longo de um
curso previsível. Em vez disso, os detalhes da evolução dependem do
ambiente no qual uma população vive e das variantes genéticas que
surgem (por um processo quase aleatório chamo ‘deriva genética’,que será
discutido mais a diante) naquela população. Mais do que isso, a evolução
da vida vem ocorrendo em um padrão ramificado que lembra os galhos de
uma árvore. Isso equivale a dizer que a variedade actual de espécies foi
gerada pela bipartição repetida de linhagens desde um único ancestral
comum de todos os seres vivos.
Mudanças que acontecem na política, na economia, na história, na
tecnologia e mesmo em teorias científicas humanas são as vezes descritas,
com algum grau de liberdade, como “evolutivas”. Nesse sentido, evoluir
significa principalmente que houve mudança com o passar do tempo, mas
não necessariamente em uma direcção preordenada.
As ideias e as instituições humanas podem, às vezes, ser divididas
durante suas histórias, mas essas histórias não apresentam um padrão de
árvore claramente ramificado como acontece com a história da vida.
Mudança e divergências evolutivas constituem dois dos principais temas
da teoria evolutiva (Ridley, 2006).
Por outro lado, a Teoria da Criação Especial afirma que as espécies,
uma vez criadas, são imutáveis. Essa asserção é contestada por várias
linhas de evidência, que sustentam a hipótese alternativa de que as
populações de organismos mudam ao longo do tempo. Os dados que aqui
examinaremos são provenientes tanto de espécies vivas quanto de formas
extintas preservadas apenas no registro fóssil.
Freeman & Herron (2009) ressaltam que as evidências da
67
descendência com modificações provêm de duas formas. Primeiramente,
mediante a monitoração de populações naturais, podemos observar
directamente as modificações em pequena escala, o que denominamos
como microevolução. Depois, se examinarmos os corpos de organismos
vivos, encontramos evidências de mudança dramática, ou macroevolução.
Abaixo são listadas algumas provas quase que incontestáveis quanto a
existência da evolução.
1) Órgãos vestigiais: Na época em que Darwin começou a pesquisar
“a questão das espécies”, os anatomistas comparativos descreveram muitas
características curiosas denominadas “estruturas vestigiais”. Uma estrutura
vestigial é uma versão rudimentar ou inútil de uma parte do corpo, que tem
uma função importante em outra espécie muito relacionada. Darwin
argumentava que as características vestigiais são inexplicáveis pela Teoria
da Criação Especial, mas claramente interpretáveis à luz da Teoria da
Evolução.
O kiwi da Nova Zelândia, Apteryx mantelli (Figura 10), uma ave não-
voadora, tem suas asas diminutas e eriçadas. A cobra Charina bottae
(popularmente conhecida como ‘jibóia’ no Brasil – (Figura 10), tem
membros posteriores remanescentes, representados internamente por ossos
dos quadris e das pernas, e externamente por diminutos esporões. A
interpretação evolutiva dessas estruturas vestigiais é a de que os kiwis e as
cobras são descendentes, com modificações, de ancestrais cujas asas ou
pernas posteriores eram completamente formadas e funcionais (Freeman &
Herron, 2009). Outro órgão vestigial de desenvolvimento pode ser visto na
serpente africana (Figura 10c), que ainda possui resquício de um dedo com
unha.
68
Figura 10. Exemplos de espécies que apresentam órgãos vestigiais: a ave da família Apterygidae
endêmica da Nova Zelândia que possui apenas um gênero, o Apteryx, e são popularmente chamados
de quiuí, ou kiwi. Esta ave é a menor das ratitas vivas, as aves não voadoras e não nadadoras (A).
Outro exemplo interessante é o vestígio de membros posteriores da espécie Boa constrictor, uma
cobra conhecida popularmente como ‘jibóia’ no Brasil (B), sugerindo que essa serpente derivou de
um ancestral que possuía pernas; assim como a espécie africana Python sebae (C), que ainda possui
resquício de um dedo com unhas, como pode ser visto no detalhe.
Quadro 3 Os seres humanos também possuem estruturas vestigiais
O cóccix, um minúsculo osso remanescente da cauda (Figura 11A). Além disso,
temos músculos ligados aos nossos folículos pilosos que se contraem, fazendo nossos
pêlos corporais arrepiar-se quando estamos com frio ou com medo (Figura 11B). Por isso,
se fôssemos peludos, como os chimpanzés ou qualquer outro primata, a contracção dos
músculos eretos dos pêlos aumentaria a superfície de nossa pelagem, mantendo-nos
aquecidos ou tornando-nos aparentemente maiores e mais ameaçadores aos inimigos.
Todavia, não somos peludos, portanto ficamos apenas com a pele arrepiada, o
que implica que somos descendentes de ancestrais que eram mais peludos do que nós. Do
mesmo modo, nossos pequenos ossos remanescentes da cauda indicam que nos
originamos de ancestrais dotados de caudas. Outro exemplo de estrutura vestigial está em
nossa dentição; os denominados ‘dentes do siso’ são os últimos molares de cada lado dos
maxilares (Figura 11C).
São também os últimos dentes a nascer, geralmente entre os 16 e 20 anos de
idade. Como os dentes do siso são os últimos dentes permanentes a aparecer, geralmente
69
não há espaço suficiente em sua boca para acomodá-los. Isto pode fazer com que os
dentes do siso fiquem inclusos - dentes presos embaixo do tecido gengival por outros
dentes ou osso, ou podendo causar inchaço ou dor.
Os dentes do siso que erupcionam apenas parcialmente ou nascem mal
posicionados também podem causar problemas. Como os dentes antes dos 20 anos de
idade têm raízes em menor estágio de desenvolvimento, causam menos complicações ao
serem removidos. Por isso, recomenda-se que as pessoas entre 16 e 19 anos tenham seus
dentes do siso examinados para verificar se precisam ser extraídos. A extracção se dá por
uma cirurgia simples e rotineira com anestesia local.
Figura A
70
Figura B
Figura C
Figura 11. Algumas estruturas vestigiais que os seres humanos compartilham com outros
primatas de parentesco próximo da nossa espécie. Ossos do cóccix (A), estrutura do
sistema epitelial dos mamíferos salientando os folículos pilosos (B), que são os
responsáveis para o arrepio que sentimos, por exemplo, quando temos frio. Esse mesmo
sistema epitelial é utilizado por outros mamíferos quando eriçam seus pelos quando estão
agressivos, o que aumenta o tamanho corporal para amedrontar potencias predadores e/ou
adversário. O último exemplo é relacionado aos conhecidos ‘dentes do siso’ (C), nossos
terceiros molares, os últimos dentes a nascerem nos seres humanos.
2) As espécies-anel: a evolução das espécies ao vivo e a cores
O primeiro tipo de evidência de ancestralidade comum que se
poderia buscar é a documentação de que uma espécie pode dividir-se em
duas. O zoólogo inglês Mark Ridley define uma espécie ‘em anel’ como
71
“uma situação na qual duas populações que vivem em uma mesma região e
não se reproduzem estão conectadas por um anel geográfico de populações
que se reproduzem”.
Para entender isso, vale a pena recorrer a um exemplo descrito em
1942 pelo biólogo Ernst Mayr sobre duas espécies de gaivotas da
Inglaterra, a de asa preta e a de asa prateada. A primeira se acasala com
raças ligeiramente diferentes ao longo da Europa e da Ásia, e a segunda
cruza com variedades da América do Norte. No Alasca e na Sibéria,
variedades das duas espécies ficam tão parecidas que procriam (pela
definição clássica, espécies são grupos de populações naturais que têm o
potencial de intercruzar e que estão reprodutivamente isolados de outros
grupos).
Desse caso surge um dilema: o anel de gaivotas deve ser classificado
como uma única espécie ou como duas espécies distintas? A dificuldade
lógica surge porque uma delas varia quase imperceptivelmente ao longo do
globo e chega ao ponto de partida como uma nova espécie. É impossível
dizer onde acaba uma e começa a outra. Se as formas intermediárias não
existissem, veríamos duas espécies totalmente distintas, como se tivessem
sido criadas de maneira independentes.
A maioria das espécies,entretanto, acaba mesmo se separando.
Formas intermediárias se extinguem, criando a ilusão de categorias que
sempre estiveram isoladas. Mas como se dá esse processo? João
Alexandrino, biólogo da Unesp de Rio Claro, estado de São Paulo, Brasil,
testemunhou esse processo em curso ao estudar salamandras do género
Ensatina, um exemplo famoso de espécie-anel. Em 2005 ele trabalhou na
equipa de David Wake, da Universidade da Califórnia de Berkeley.
72
Quadro 4 O segredo da salamandra: um clássico exemplo de espécie-anel
As salamandras do género Ensatina povoam quase toda a Califórnia. Está ausente
apenas no leste do estado e na região conhecida como Vale Central, onde o ambiente é
desfavorável. Ela se caracteriza como uma espécie-anel, já que as variedades enchscholtzii
e klauberi não cruzam entre si. O anel não é muito homogéneo, já que a xanthoptica
conseguiu atravessar o vale e se mostrou sexualmente compatível com a platensis. Na
prática, porém, as duas populações acabaram não se misturando, pois factores genéticos e
ecológicos desfavoreceram a proliferação de grandes grupos híbridos. O fenómeno
mostrou como as barreiras ecológicas podem induzir a formação de barreiras biológicas
que eventualmente culminam em especiação.
As espécies do género Ensatina foram inicialmente estudadas por Robert
Stebbins, na Universidade da Califórnia, EUA, em 1949. O anel formado por essa espécie
envolve uma região da Califórnia chamada Vale Central, onde não há salamandras. A
cadeira de montanhas onde vive esse animal se estende do norte ao sul da Califórnia. Ela
se bifurca ao passar pelo Vale Central e se reintegra no sul. Na cadeia costeira, a oeste, a
variedade oregonensis se transforma gradualmente em picta, xanthoptica e enchscholtzii,
com diferenças de cor, mas todas com um padrão liso. Ao leste, em Sierra Nevada, a
oregonensis se converte em platensis, croceater e klauberi, com manchas coloridas cada
vez maiores. Ao longo dos dois caminhos, as salamandras se reproduzem com as
subespécies vizinhas, mas quando as variedades enchscholtzii e klauberi se encontram ao
sul, elas não procriam entre si (Figura 12).
73
Figura 12. Um dos exemplos mais clássicos de espécie-anel, as salamandras do gênero Ensatina ao
longo de uma cadeia de montanhas ao longo da costa dos Estados Unidos. Uma vez que espécies
são definidas pela sua inabilidade de intercruzar com outras espécies, Ensatina parece representar
todos os processos de especiação – mudanças graduais que se acumulam em duas linhagens ao
ponto de não se reconhecerem mais quando se reencontram.
Alexandrino estudou um fenómeno bem na metade da cadeia. No passado, houve
momentos em que salamandras conseguiram atravessar o vale. “A distribuição da
xanthoptica ao sopé de Sierra Nevada seria resultado de um processo de colonização –
expansão geográfica – relativamente recente”, diz Alexandrino. Essa colonização as
tornou vizinhas da subespécie platensis na Sierra. As duas populações actualmente se
encontram e cruzam entre si formando híbridos em uma faixa estreita onde ocorre uma
mudança na vegetação.
A estrutura genética das salamandras foi analisada de uma vizinhança à outra,
passando pela zona de hibridação. Características externas, como o padrão de cores,
também foram comparadas. Os achados foram reveladores. O principal deles foi que a
análise genética das populações híbridas (intercruzadas nas áreas de sobreposição de
74
variedades da espécie) mostrava que os híbridos de primeira geração eram raros porque
havia uma forte selecção contra eles, o que diminuía nas gerações retrocruzadas
subsequentes.
Por que a selecção natural estaria eliminando os híbridos? Há duas causas
possíveis, mas não se sabe qual é a responsável ou se ambas são relevantes. A primeira
reside nas incompatibilidades genéticas que se desenvolvem entre duas populações
separadas, explica Alexandrino. Em uma espécie, existem várias versões de cada gene,
produzidas por mutações ao longo do tempo e conhecidas como alelos. Em geral, para um
gene específico, dois desses alelos, um recebido do pai, outro da mãe, se alojam em cada
indivíduo.
Na geração seguinte, um determinado alelo terá de conviver num mesmo corpo
não só com outro no mesmo gene como também com outros genes cujos alelos nunca
foram encontrados antes. É como mudar a tripulação de um navio a cada viagem
subsequente. As funções existentes (genes) permanecem as mesmas, mas novas
combinações de pessoas (alelos) se sucedem, sem nunca terem trabalhado em equipa.
Portanto, cada indivíduo é uma combinação genética nunca testada anteriormente. Mas
para produzir corpos capazes de viver e se reproduzir, essas diferentes combinações
precisam funcionar bem em conjunto.
Por causa disso, genes que invariavelmente se mostrem “bons companheiros” são
os que prosperam dentro da espécie. Os seus donos se reproduzem com sucesso e os
propagam. Essa lógica de equipa, porém, só vale até o momento em que uma população se
separa em duas e novas mutações surgem em cada uma delas. A partir daí um alelo
recém-formado de um gene precisa se manter compatível apenas com os outros genes que
ele continua encontrando em sua própria população.
Não há necessidade de se dar bem com os genes da outra população que ele
nunca encontra. O resultado é que, se por ventura as duas populações voltarem a se unir
depois de muito tempo, elas ainda terão muitos genes compatíveis. Porém, quanto mais
tempo elas tiverem passado separadas, maior a chance de alguns genes não se
combinarem bem com os da outra população. Retomando a analogia dos navios, duas
esquadras (populações) terão se formado, e as tripulações (genes) de suas naus
(indivíduos), poderão pô-las a pique ao se misturar.
A segunda pressão selectiva contra os híbridos é de natureza ambiental. Duas
variedades podem divergir ecologicamente mesmo que inicialmente não tenham
incompatibilidades genéticas. Como visto, a zona híbrida é uma região de transição entre
florestas abertas de carvalhos no sopé da montanha Sierra Nevada (o lar de xanthoptica) e
75
uma floresta densa de montanha mais acima (o habitat de platensis). Os dois ambientes se
fundem nessa zona. Cada subespécie seria adaptada a um diferente nicho, e os híbridos
não seriam adaptados a nenhum deles.
“Outro factor ambiental importante é que as duas subespécies desenvolveram
estratégias distintas para evitar predadores”, diz Alexandrino. A aparência da xanthoptica,
com o tempo, passou a lembrar a de uma parente distante, a salamandra aquática venenosa
Taricha torosa. Assim, apesar de inofensiva, ela engana seus predadores fingindo-se
peçonhenta. Já a platensis tem manchas espalhadas pelo corpo para se camuflar. Ou seja,
enquanto uma tenta passar despercebida, a outra alardeia seu falso veneno. Híbridos entre
as duas subespécies não se beneficiam de nenhuma das estratégias tão bem quanto os pais.
Fonte: - Maçães, B. 2006. A marca da evolução das espécies-anéis. Scientific American
Brasil. Ano 4 N49 Junho.
Ridley, M. 2006. Evolução. 3ª ed. Artmed, Porto Alegre, RS, 752p.
4.2. Evidências provindas de espécies já extintas: os registros
fósseis
Fóssil é qualquer traço de vida do passado, e são os documentos
históricos da vida na Terra impressos na efemeridade dos séculos
passados. Os fósseis mais óbvios são partes do corpo, tais como conchas,
ossos e dentes; mas eles também incluem restos de actividades de seres
vivos, tais como tocas ou pegadas (chamados traços ou vestígios fósseis),
ou produtos químico-orgânicos que eles produzem (substâncias químicas
fósseis). Podemos considerar esses eventos, aplicando-os às partes duras,
embora aspectos análogos também se apliquem a vestígios e a substâncias
fósseis.
O estudo da paleontologia por meio dos fósseis nos permite saber
quais organismos habitaram a Terra e hoje já nãoexistem mais. Além de
sabermos as formas de vida extintas, através do registro fóssil podemos
observar as mudanças evolutivas através da história da Terra, estudando
uma espécie desde o seu aparecimento até a sua extinção. Um exemplo de
evolução bem estudada é a do cavalo (Equus caballus), desde o Eoceno até
a actualidade. Por meio dos estudos paleontológicos, sabemos que muitos
76
organismos passaram por mudanças e que actualmente assumiram formas
diferentes dos ancestrais.
O que intriga muitos pesquisadores é a forma como ocorre este
processo. Seria de forma lenta e gradual, ou de uma forma repentina
surgiriam novas linhagens? Por que o Homem por meio de escavações não
consegue encontrar todas as formas intermediárias entre um ancestral e um
organismo actual? Existiriam essas formas intermediárias?
Durante anos, todas essas questões influenciaram os cientistas a
proporem correntes de pensamentos divergentes, propondo teorias para
explicar a formação e a perpetuação de novas espécies, através dos
mecanismos de especiação. O saltacionismo, o gradualismo e o equilíbrio
pontuado, são três diferentes teorias propostas na tentativa de explicarem o
surgimento de novas espécies (Ridley, 2006; Freeman & Herron, 2009).
Quando um organismo morre, geralmente suas partes moles são
comidas por necrófagos ou apodrecem por acção microbiana. Por isso,
organismos constituídos principalmente por partes moles (como vermes e
plantas) têm menor probabilidade de deixar fósseis do que os organismos
que têm partes duras. Existem alguns fósseis de partes moles, mas só́ por-
que se depositaram em circunstâncias excepcionais ou porque preservaram
formas de vida excepcionalmente abundantes.
As plantas fósseis costumam tomar a forma de “fósseis de
compressão”, em que as partes moles da planta foram comprimidas em
posição estendida. O carvão, por exemplo, contém uma quantidade enorme
de fósseis de samambaias comprimi- das. Entretanto, mesmo em plantas, a
maioria dos fósseis é das partes duras, como sementes ou esporos
resistentes (Ridley, 2006).
Embora as partes duras de um organismo sejam as que têm a
melhor chance de fossilização, mesmo elas geralmente são destruídas em
vez de fossilizadas. As partes duras podem ser trituradas por rochas ou
77
pedras, ou pela acção das ondas, ou quebradas pelos necrófagos. Se a parte
dura resiste, a próxima etapa da fossilização é o enterramento em
sedimento, sob uma coluna de água – somente as rochas sedimentares
contêm fósseis.
Ridley (2006) ressalta que os geólogos distinguem três tipos
principais de rochas: (i) ígneas, frequentemente formadas por acção
vulcânica; (ii) sedimentares, formadas por sedimentos; e (iii)
metamórficas, formadas nas profundezas da crosta terrestre, pela
metamorfose dos outros tipos de rochas – quando rochas sedimentares
sofrem metamorfoses, todos os fósseis são perdidos. Os animais que
normalmente vivem nos sedimentos têm maior probabilidade de serem
enterrados neles antes de serem destruídos.
Por isso, esses animais têm uma probabilidade maior de deixar
fósseis do que as espécies que vivem em outros locais. Igualmente,
espécies que vivem na superfície do sedimento (por exemplo, no fundo do
mar) têm mais probabilidades de serem fossilizados do que aqueles que
nadam na coluna d’água. As espécies terrestres são as que têm a menor
probabilidade de serem fossilizadas.
Por outro lado, para a maioria dos animais mais frágeis que vivem
no fundo do mar, tais como crinóides (uma classe de equinodermos) e
vermes, o único modo possível de deixar fósseis é por meio de um
sepultamento “catastrófico”, como uma camada de sedimentos de águas
pouco profundas que chega às profundezas e arrasta e enterra alguns
animais com esqueletos moles. Os crinóides, por exemplo, são conhecidos
por se desfazerem em cerca de 48 horas após a morte no fundo do mar; por
isso, para ter alguma chance de fossilização, eles precisam ser enterrados
rapidamente (Ridley, 2006).
Uma vez enterrados em sedimentos, os restos de organismos
podem permanecer ali por tempo potencialmente indefinido. Se mais
sedimento se empilha sobre o antigo, este é compactado – a água é
78
expelida e as partículas do sedimento são forçadas a se aproximarem. As
partes duras do fóssil podem ser destruídas ou deformadas no processo. À
medida que se compactam, os sedimentos gradualmente se transformam
em rocha sedimentar. Subsequentemente, eles podem ser movimentados
para cima, para baixo ou em torno do globo, por movimentos tectônicos,
reaparecendo em uma área terrestre (Ridley, 2006). Então, os fósseis que
eles contiverem podem ser catados ou escavados da terra (Figura 13).
Figura 13. Um esquema simplificado do processo de formação dos fósseis.
Qualquer rocha sedimentar será́ constituída por sedimentos que
foram depositados em certa época, ou durante certo intervalo de tempo, no
passado geológico. Quaisquer fósseis nela pertencerão a organismos que
viveram na época em que os sedimentos foram depositados. É possível
traçar um mapa geológico de uma área, mostrando as idades das rochas
que estão expostas na superfície ou próximas dela, mas escondidas sob o
solo. Muitos mapas desse tipo foram produzidos, com vários níveis de
detalhes, para muitas áreas do globo.
O mapa geológico é o primeiro guia sobre os locais onde é possível
79
achar fósseis de determinadas idades. Os dinossauros, por exemplo,
viveram no Mesozóico. No mapa geológico dos Estados Unidos, podemos
verificar, por exemplo, no Texas e no Novo México e daí́ para cima, no
Colorado, em Wyoming e em Montana, são regiões propícias para
procurar fósseis de dinossauros. De facto, podem ser encontrados restos
abundantes de dinossauros em certos sítios dessas localidades. O padrão de
tipos de rochas e o mapa geológico podem ser entendidos em termos da
teoria da tectônica de placas (Ridley, 2006).
Como podemos demonstrar que as espécies mudam ao longo do
tempo e que as espécies modernas têm um ancestral comum? Alguém que
nunca pensou sobre o assunto poderia supor que o mundo sempre foi como
ele é hoje, porque as plantas e animais não parecem mudar muito de ano
para ano no seu jardim – ou no jardim do vizinho, considerando o mesmo
aspecto.
No entanto, a existência de certos tipos de semelhança
(homologias) entre as espécies indica que tais similaridades não seriam
esperadas se cada espécie tivesse se originado independentemente. As
homologias podem ser classificadas em agrupamentos arranjados de modo
hierárquico, uma vez que evoluíram por meio de uma árvore da vida, e não
independentemente em cada espécie (Ridley, 2006; Freeman & Herron,
2009).
A ordem na qual os principais grupos de animais aparecem no
registro fóssil faz sentido quando se considera que ela surgiu por evolução,
mas o seu surgimento seria muito improvável de qualquer outra maneira.
Finalmente, a existência de adaptação nos seres vivos não possui qualquer
explicação não-evolutiva, embora o modo exato como a adaptação pode
ser utilizada para sugerir evolução dependa da alternativa contra a qual se
pretende argumentar.
As descobertas feitas pela geologia e arqueologia comprovam a
existência de seres já extintos que já povoaram o nosso planeta em tempos
80
pretéritos, como, por exemplo, os dinossauros. Esses registros sugerem que
o mundo não foi sempre o mesmo, testemunhando sua existência por
‘documentos fossilizados’ registradas em formações geológicas nos mais
variados lugares da Terra. Um fóssil é um vestígio de qualquer organismo
que viveu no passado. A colecção total mundial de fósseis, dispersa entre
milhares de instituições e indivíduos diferentes, é denominada registro
fóssil Figura 14. O simples facto de que os fósseis existem e que a vasta
maioria de formas fósseis é diferente das espécies ora existentes é um
argumentode que a vida mudou bastante ao longo do tempo.
Figura 14. A escala geológica do tempo e os registros fósseis. Exemplares de espécies de trilobitas
(A), grupo de artrópodes marinhos já extintos encontrados em rochas datadas do Período
Cambriano (540-490 milhões de anos atrás) expostos no American Museum of Natyonal History,
em Nova Iorque, EUA. Registro fóssil do peixe Priscacara clivosa (B) encontrado no em formações
rochosas do estado de Wyoming, EUA, que provavelmente viveu no início do Período Eoceno (~50
milhões de anos atrás). Não são somente animais que testemunham sua existência passada nas
rochas, as plantas também o fazem, como mostra essa imagem de microscopia eletrônica de um
grão de pólen da extinta planta Aquilapollenites attenuatus (C). Esse fóssil foi encontrado em uma
formação rochosa do Período Cretárceo (70-150 milhões de anos atrás), na Dakota do norte (Hell
Creek Formation), EUA.
81
Três observações específicas são levantadas por Freeman & Herron (2009)
sobre como os registros fósseis ajudaram Darwin e outros cientistas do
século XIX a justificar que esses documentos históricos (de vidas
pretéritas gravados nas rochas) são evidências da evolução:
(1) O facto da extinção: Em 1801, o anatomista comparativo Barão
Georges Cuvier publicou uma lista de 23 espécies que haviam deixado de
existir. Essa lista era um desafio direto à hipótese amplamente aceita de
que as formas raras no registro fóssil deveriam ser encontradas finalmente
como espécies vivas, quando os cientistas europeus tivessem visitado todas
as partes do mundo. Cuvier apontou o mastodonte e outras criaturas
enormes que haviam sido escavadas das rochas de Paris.
Essas espécies eram tão grandes, argumentou ele, que era impossível
que ainda estivessem vivas e tivessem simplesmente escapado à detecção.
A controvérsia sobre o facto da extinção terminou depois de 1812, quando
Cuvier publicou um exame cuidadoso de fósseis do alce irlandês – o
enorme cervo da era glacial (Figura 15). Os fósseis desse cervo haviam
sido encontrados em todo o norte europeu e nas ilhas britânicas. Outros
cientistas sugeriram que o alce irlandês pertencia a uma espécie viva,
como a do alce americano ou a da rena européia. Essas sugestões eram
mais razoáveis do que podem parecer actualmente.
Figura 15. Ilustração de um macho e uma fêmea do alce irlandês (Cervus megaceros), espécie de
cervídeo fóssil descrita por Georges Cuvier. A reprodução da pintura foi feita por John Henry
Smith. Imagem de domínio público. Fonte: Wikimedia Commons
82
(http://commons.wikimedia.org/wiki/)
Para espécies como a do alce americano era difícil a obtenção de seus
espécimes, ou mesmo de suas descrições confiáveis. A análise anatômica
feita por Cuvier provou que o alce irlandês não era o alce americano ou a
rena, mas sim de uma espécie já extinta. Na época em que Darwin
escreveu A Origem das Espécies, plantas e animais extintos estavam sendo
descobertos em camadas rochosas formadas em muitos lugares e ocasiões
diferentes. Os criacionistas sustentavam que essas espécies haviam
perecido em uma série de dilúvios semelhantes ao evento bíblico da época
de Noé. Darwin e outros biólogos, por sua vez, interpretavam as espécies
extintas como aparentadas como os organismos vivos, apontando o facto
da extinção como evidência de que a flora e a fauna terrestres haviam
mudado ao longo do tempo.
(2) A lei de sucessão: No início do século XVIII, o paleontólogo
William Clift foi o primeiro a publicar uma observação posteriormente
confirmada e expandida por Charles Darwin (Darwin, 1859; Dugan, 1980;
Eiseley, 1958). Os fósseis e os organismos vivos existentes na mesma
região geográfica são aparentados entre si e nitidamente diferentes de
organismos encontrados em outras regiões. Clift pesquisou os mamíferos
extintos da Austrália e observou que eram marsupiais, cuja relação
próxima às formas vivas actuais daquele país foi posteriormente
confirmada por Richard Owen.
Darwin estudou os tatus da Argentina e suas relações com os
gliptodontes - um mamífero extinto, membro da família Glyptodontidae –
cujos fósseis ele descobriu quando esteve naquele país. As faunas de
mamíferos de ambos os continentes são obviamente diferentes, contudo, a
fauna existente em cada continente mostra notável semelhança com as
formas fósseis recentes encontradas no respectivo local. O padrão geral de
correspondência entre as formas fósseis e as formas vivas de um mesmo
83
lugar veio a ser conhecido como a lei de sucessão.
Essa lei é sustentada pelas análises de ampla variedade de locais e
grupos taxonómicos, sendo facilmente explicada pela teoria da evolução
de Darwin. As espécies actuais descendem, com modificações, de
ancestrais que viveram na mesma região (Figura 16) portanto, deve-se
esperar que guardem maior semelhança com seus ancestrais recentes do
que com espécies de parentesco mais distante, localizadas em outras partes
do mundo.
Figura 16. Réplica de fóssil de um gliptodonte (Glyptodon sp.) exposto em um museu em Paris,
França (A) e um exemplar de um tatu atual no estado do Rio Grande do Norte, Brasil (B). Imagem
de domínio público. Fonte: Wikimedia Commons (http://commons.wikimedia.org/wiki/)
84
(3) Formas de transição: Darwin afirmava que as espécies são
descendentes, com modificações, de formas anteriores e que os fósseis
representam populações antigas, das quais algumas eram ancestrais dos
seres que existem hoje em dia. Se Darwin estivesse certo, então o registro
fóssil deveria captar evidências de progressão dessas modificações:
espécies de transição que mostrassem uma mistura de características, com
traços típicos da população ancestral e novos traços observados
posteriormente nas descendentes.
Na época de Darwin, haviam sido descobertas poucas formas de
transição, por isso esse pesquisador teve de se esforçar para explicar por
que seriam raras no registro fóssil. Desde aquela época, no entanto, têm
sido encontrados muitos fósseis de transição. A forma de transição mais
famosa, o Archaeopteryx (Figura 17), foi descoberta pouco depois de
Darwin publicar A Origem das Espécies (mas ver Christiansen & Bonde,
2004).
Figura 17. O fóssil original de Archaeopteryx exposto no Museum für Naturkunde¸em Berlim,
Alemanha (A) e um modelo para possivelmente reconstruir a constituição corporal da espécie que
está exposto na Oxford University Museum, na Inglaterra. Imagens de domínio público. Fonte:
Wikimedia Commons (http://commons.wikimedia.org/wiki/) (Ver slide 17)
Esse animal do tamanho de um corvo viveu há 145-150 milhões de
http://commons.wikimedia.org/wiki/
85
anos, na região da actual Alemanha. O facto de que ele era dotado de
penas e, aparentemente, tinha alguma capacidade para voar classifica-o
entre as aves (Padian & Chiappe, 1998; Alonso et al., 2004). Seu
esqueleto, no entanto, era tão reptiliano – com dentes, mãos com três
garras e uma longa cauda óssea – que os exemplares de Archaeopteryx
foram confundidos com restos do dinossauro Campsognathus (Wellnhofer,
1988).
Thomas Henry Huxley, defensor e amigo pessoal de Darwin,
estava entre os primeiros a reconhecem as similaridades esqueléticas entre
os dinossauros e as aves, sugerindo que o Archaeopteryx corresponde a
uma transição evolutiva de répteis para aves. A saber, quando
denominamos o Archaeopteryx de fóssil de transição, não estamos
afirmando que esse fóssil estava na linha de descendência directa dos
dinossauros às aves modernas. Ao contrário, é provável que o
Archaeopteryx represente um ramo lateral extinto, na árvore evolutiva que
conecta os dinossauros às aves.
Esse animal é considerado um fóssil de transição porque demonstra
a existência prévia de espécies de formas intermediárias entre os
dinossauros e as aves. Com suas penas inteiramente recentese esqueleto
de dinossauro, o Archaeopteryx indica que as aves evoluíram suas
características próprias aos poucos. As penas vieram primeiro, antes das
modificações esqueléticas e musculares associadas aos voos
modernamente equipados (Garner et al., 1999). Se as penas se incluíam
entre as primeiras etapas evolutivas na trajetória dos dinossauros às aves,
então o registro fóssil deveria conter outro tipo de forma de transição:
dinossauros com penas em vários estágios de evolução (Unwin, 1998).
É mais provável que esses dinossauros com penas se ocultassem
entre os terópodes – os carnívoros bípedes, que incluem o Compsognathus
e o Tyrannosaurus rex, com os quais as aves compartilham o maior
número de inovações evolutivas (Gauthier, 1986; Prum, 2002).
86
Recentemente, ao escavar bacias sedimentares de fósseis na
província de Liaoning, na China, alguns paleontólogos desenterraram
vários terópodes com penas (Norell & Xu, 2005). O exemplar de
Sinosauropteryx prima (Figura 18), com o tamanho aproximado de uma
galinha, está primorosamente preservado (Chen et al., 1998). Muitos
paleontólogos acreditam que as estruturas eriçadas em seu pescoço, dorso,
flancos e cauda sejam simplesmente penas (Chen et al., 1998; Unwin,
1998; Currie & Chen, 2001).
Figura 18. Réplica de fossil de Sinosauropteryx prima exposto no National Geological Museum of
China, em Beijing, China (A)¸ um dinossauro terópode com penas do Período Cretáceo.
Reconstrução esquelética de S. prima (B) feita por Ji & Ji (1996) . Imagens de domínio público.
Fonte: Wikimedia Commons (http://commons.wikimedia.org/wiki/)
Os paleontólogos interpretam essas estruturas como penas, uma vez
que elas contêm aspectos essenciais que actualmente são encontrados
somente nas penas e correspondem a estágios intermediários preditos por
um modelo de evolução das penas, com base no seu modo de
desenvolvimento (Ji et al., 2001; Sues, 2001; Xu et al., 2001; Prum &
Brush, 2002).
Outros fósseis encontrados também mostram indícios de estruturas
muito semelhantes as penas actuais, com ramificação de filamentos ou
barbas (rama) a partir de um eixo central (raque), que adornam outro
domeossauro fóssil (Norell et al., 2002; Xu et al., 2003). Para alguns
87
fósseis bem conhecidos pela ciência que foram mostrados em um famoso
filme do cinema, veja o Quadro “Os répteis ressuscitados pelo cinema:
ficção científica, Stephen Spielberg e o filme Jurassic Park”.
Outro exemplo de formas de transição, levantado por Freeman & Herron
(2009), é o das baleias – esses mamíferos aquáticos que são os maiores
vertebrados nos mares do mundo. Uma vez que os fósseis mais antigos de
mamíferos representam espécies terrestres, os biólogos inferem que os
ancestrais das baleias também viviam em terra. Mostrando que essa ideia é
plausível, algumas baleias modernas ainda têm ossos vestigiais da pelve e
das pernas (Figura 19 A). Então, entre os ancestrais terrestres e as baleias
modernas, existiram formas intermediárias que apresentam membros
funcionais, além de características que as identificam como espécies de
ambiente oceânico.
O espécime fóssil descoberto e analisado por Philip Gingerich e
colaboradores (1990), que foi batizado de Basilosaurus isis (Figura 19 B),
viveu há aproximadamente 38 milhões de anos. Era um animal
exclusivamente aquático, mas tinha membros posteriores completos,
embora diminutos. Gingerich afirma que esses membros eram
demasiadamente reduzidos para funcionarem na natação, mas serviriam
como garras durante a cópula.
Outro achado fóssil, o Ambulocetus natans (Figura 19C),
descoberto e descrito por J. G. M. Thewissem e colaboradores (1994),
viveu há cerca de 50 milhões de anos. Tinha membros posteriores enormes
que o tornavam desajeitado em terra. Todavia, a partir de uma análise da
articulação de seus membros com o corpo, Thewissen sugere que esse
animal seria um excelente nadador que usava seus membros do mesmo
modo que as lontras actuais. Esses fósseis assinalam uma importante
transição evolutiva. Conforme se predisse, sua forma é intermediária a dos
ancestrais providos de membros e a de seus descendentes sem eles.
88
Figura 19. Estruturas anatômicas que testemunham ancestralidade em comum entre formas de
transição de ambientes. As baleias, apesar de serem mamíferos aquáticos, ainda guardam
testemunhos esqueléticos que invocam uma origem terrestre, uma vez que ainda apresenta os ossos
da pelve (A), assim como sugerem as ossadas (B) da espécie fóssil Basilosaurus Isis (C),
provavelmente um ancestral comum das baleias. Outro registro fóssil bem conhecido que dá pistas
sobre transições entre hábitat terrestre e aquáticos é do extinto Ambulocetus natans, (D) que é
considerado um dos primeiros cetáceos e um ancestral das baleias e golfinhos modernos.
Provavelmente ele tenha vivido durante o período Eoceno (~56-34 milhões de anos atrás) na região
onde hoje é o Paquistão (nesse período, o Paquistão era uma área costeira). Imagens de domínio
público. Fonte: Wikimedia Commons
89
Quadro 5
Os répteis ressuscitados pelo cinema: ficção científica, Stephen
Spielberg e o filme Jurassic Park
O filme Jurassic Park (no Brasil, Jurassic Park: O Parque dos Dinossauros; em Portugal,
Parque Jurássico) é um filme norte-americano de ficção científica e aventura dirigido por
Steven Spielberg e baseado no livro homónimo escrito por Michael Crichton. É estrelado
por Sam Neill, Laura Dern, Jeff Goldblum, Richard Attenborough, Ariana Richards,
Joseph Mazzello, Samuel L. Jackson e Bob Peck. O filme é centrado na fictícia Isla
Nublar, onde um filantropo bilionário e uma pequena equipa de geneticistas criam um
parque temático em uma ilha, onde as principais atrações são variadas espécies de
dinossauros recriados através da engenharia genética.
Muitas espécies que foram descritas com base em estudos fósseis encontrados em
diversas localidades do mundo foram ‘ressuscitadas’ para essa ficção científica do cinema.
O tiranossauro (extinta Tyrannosaurus rex; Figura 20A), um dos maiores predadores que
já andou pela Terra, é o principal antagonista do filme, de acordo com Spielberg. Uma
espécie do género Velociraptor (Figura 20B) também tem um papel importante e é
retratado como antagonista secundário do filme.
Figura 20. Réplica anatômica de Tyrannosaurus rex (A) exposta no American Museum of Natural
History, em Nova Iorque, EUA. Um desenho ilustrativo da provável forma de Velociraptor (B) e a
ideia de dimensão do tamanho corporal da réplica de Brachiosaurus (C) exposta no Museum für
Naturkunde, em Berlim, Alemanha. Imagens de domínio público. Fonte: Wikimedia Commons
(http://commons.wikimedia.org/wiki/)
Dinossauros desse género viveram cerca de 75 milhões de anos atrás (Cretáceo) e
duas espécies fósseis são reconhecidas actualmente, sendo a espécie-tipo o Velociraptor
http://commons.wikimedia.org/wiki/
90
mongoliensis, e a outra V. osmolskae - ambas encontradas em escavações na Mongólia,
China. Os indícios anatómico no registro fóssil sugerem que esses répteis eram carnívoros
bípedes (i.e., andavam sob duas patas), emplumado com uma longa cauda, e uma garra em
forma de foice em cada pata traseira, que é pensado para ter sido usado para combater a
presa. O Velociraptor pode ser distinguido de outros dromaeossaurídeos por seu crânio
longo e baixo, com um nariz voltado para cima.
Outra espécie bem conhecida (nos registros fósseis) mostrada no filme é o
braquiossauro (Brachiosaurus sp., Figura 20; ele é, inclusive, o primeiro dinossauro visto
pelos visitantes do parque (ver link para a cena do filme, a seguir). O seu pescoço tinha 10
metros de altura. Ele tinha mais de 15 metros de altura, 25 metros de comprimento,
chegando a pesar 1000 toneladas. O primeiro braquiossauro foi descoberto em 1900 no
Colorado, Estados Unidos, mas também viveuna área onde se localiza hoje a Argélia e a
Tunísia, há aproximadamente 144 milhões de anos, durante o período Jurássico. Esse
animal provavelmente não poderia erguer-se nas patas traseiras como mostra o filme
"Jurassic Park", pois elas eram mais curtas que as dianteiras. Mesmo assim sua altura lhe
permitia, sem esforço, comer as copas das árvores (provavelmente pinheiros e outras
coníferas), sua actividade principal.
Sumário
No decorrer da lição, vimos que há uma gama de evidências de que os
organismos se modificaram no decorrer do tempo geológico, e ainda
continuam se modificando. Os padrões de mudanças ocorrem em várias
escalas e são corroboradas por pesquisas que abordagem os aspectos
morfológicos, fisiológicos, geográficos e genéticos que estruturam os seres
vivos. Essa complexidade arquiteticamente fornece aos corpos maneiras e
mecanismos para se adaptarem ao ambiente. Uns prosperam e outros não, e
parte desse cenário pode ser resgatado e revelado pelas diferentes
metodologias e abordagens científicas que se aprimoram em reconhecer e
vislumbrar os ramos que se extinguem e brotam incessantemente na árvore
da vida.
91
Saiba mais
✓ Evidências da evolução dos seres vivos:
http://www.ebah.com.br/content/ABAAABMSgAG/evidencias-evolucao-
dos-seres-vivos
✓ Paleobotánica: porque não só de dinossauros vive a Paleontologia.
Estudos de outros elementos que existiram no passado, como plantas e até
grãos de pólen, ajudam os cientistas a compreender melhor o processo de
evolução do nosso planeta. Acesse o link:
http://www.clickciencia.ufscar.br/portal/edicao23/materia3_detalhe.php
✓ Cientistas descobrem fóssil da mais antiga ave já registrada:
http://ciencia.estadao.com.br/noticias/geral,cientistas-descobrem-fossil-da-mais-
antiga-ave-ja-registrada,1682464
Auto-Avaliação
1. Pesquise na internet exemplos de estudos que evidenciam a evolução
biológica por meio da utilização de técnicas de biologia molecular. Enfatize
as maiores contribuições dessa linha de investigação e quais disciplinas estão
associadas a esse tipo de pesquisa.
2. Procure por vídeos educacionais sobre a formação dos fósseis, e enumere
os principais processos relacionados à preservação de espécimes já
encontrados e que são de grande importância geológica.
3. Liste os principais tipos de fósseis provindos de plantas e de animais.
Quais as metodologias utilizadas para a investigação de cada um desses
grupos?
4. Defina com suas palavras o que é uma espécie em anel.
5. Elabore uma actividade didáctica para trabalhar o assunto “espécies em
anel”. Busque três exemplos na internet para se basear seus estudos de caso.
http://www.ebah.com.br/content/ABAAABMSgAG/evidencias-evolucao-dos-seres-vivos
http://www.ebah.com.br/content/ABAAABMSgAG/evidencias-evolucao-dos-seres-vivos
http://www.clickciencia.ufscar.br/portal/edicao23/materia3_detalhe.php
http://ciencia.estadao.com.br/noticias/geral,cientistas-descobrem-fossil-da-mais-antiga-ave-ja-registrada,1682464
http://ciencia.estadao.com.br/noticias/geral,cientistas-descobrem-fossil-da-mais-antiga-ave-ja-registrada,1682464
92
Lição no 5: Tipos de evidências sobre a existência da evolução II
Introdução
Aqui daremos continuidade às provas da existência da evolução. Veremos que
os precursores do pensamento evolucionista pavimentaram um caminho largo
para a Biologia entender mais acuradamente o mundo vivo que nos cerca. O
insight profético de Charles Darwin e sua analogia esboçada com a árvore da
vida, vem sendo constantemente comprovada, discutida e aprimorada para
termos uma noção cada vez mais nítida dos passos deixados pela evolução. As
descobertas fósseis mais recentes, padrões biogeográficos e a biologia
molecular moderna têm acrescentado cada vez mais dados e evidência no
corpo teórico e metodológico para o melhor entendimento dos processos e
mecanismos da evolução biológica
Objectivos
No fim desta lição você deverá ser capaz de:
• Indicar as evidências embriológicas e biogeográficas que corroboram a
existência da evolução;
• Conhecer os estudos de caso já bem documentados na literatura e ter
ciência de sua importância no melhor entendimento das mudanças
evolutivas;
• Analisar criticamente notícias da mídia, reportagens e assuntos
relacionados à evolução biológica;
• Ter embasamento teórico para argumentar em debates sobre as evidências
deixadas pela evolução nos organismos vivos;
93
5.1. Evidências embriológicas e a biologia do desenvolvimento (EvoDevo)
Com a divulgação de A origem das espécies por Darwin, em 1859, uma
nova abordagem em evolução foi concebida. Além de propor a selecção natural
como mecanismo regedor dos processos evolutivos, Darwin também propôs que
os organismos evoluiriam de um ancestral comum, porém sem ser de uma
maneira sequencial, mas em um processo aberto, modelado pela selecção natural.
Esta nova visão de Darwin mudou o pensamento sobre a evolução dos
organismos. Antes achavam que os organismos unicelulares em uma cadeia
evolutiva deram origem a todos os organismos, até chegar ao Homem. Com a
nova visão darwiniana, a evolução não teria sido sequencial, e sim ramificada.
Desta forma, todas as espécies seriam descendentes de um ancestral
comum. Com o passar do tempo, sob a acção da selecção natural, diferentes
linhagens foram surgindo, como resposta a adaptação ao ambiente. Portanto, a
evolução é mais bem vista como uma árvore ou arbusto ramificando-se, com as
pontas de cada ramo representando alguma espécie viva actual. Neste sentido,
todas as espécies vivas que actualmente conhecemos são, neste momento, o final
da história evolutiva, não sendo ancestrais das espécies actuais. Os que são
ancestrais, hoje já não vivem mais.
Um erro comum acerca deste pensamento refere-se à evolução do ser
humano, considerando que os humanos evoluíram de alguma espécie viva de
macaco. Humanos e macacos compartilham um ancestral comum, que hoje já não
existe mais. Tanto os humanos quanto os macacos actuais são espécies totalmente
modernas, o ancestral do qual evoluímos era uma espécie de macaco, que
actualmente se encontra extinto e não é nenhum dos macacos que vivem nos dias
actuais. Os estudos genómicos revelaram que dos macacos existentes os parentes
mais próximos do Homem seriam o chimpanzé e o bonobo e, posteriormente, o
gorila (Lições nº 14 e 15).
Contudo, podemos nos perguntar: em que momento da evolução surge
um novo indivíduo? Como ocorre a formação de novas características
morfológicas que distinguirão esses novos indivíduos? Essas são perguntas que a
Biologia Evolutiva do Desenvolvimento (em inglês, 'Evo-Devo' - Evolutionary
94
Developmental Biology) se predispôs a responder. Esta área se dedica a estudar
como se originam novas formas nos diferentes grupos de organismos a partir de
alterações no seu desenvolvimento embrionário.
Para isto, além de estudos na área de anatomia e embriologia comparada,
a Evo-Devo aborda o campo da biologia do desenvolvimento, que estuda como os
organismos se desenvolvem desde a fecundação até a forma adulta, a genética,
que pesquisa sobre genes e moléculas, e a evolução, que estuda como as espécies
evoluem ao longo da escala temporal, desde a sua origem a partir de um ancestral
comum (Ridley, 2006; Freeman & Herron, 2009).
Em suma, a Evo-Devo examina como ocorre a evolução através do
aparecimento de novas estruturas morfológicas em decorrência da expressão de
genes durante o desenvolvimento do embrião. Por exemplo, todos os animais
cordados, desde o embrião até o nascimento, passam por um complexo processo
de diferenciação e desenvolvimento de todas as suas características morfológicas
e fisiológicas.
Cada indivíduo origina-se a partir de uma só célula formada no momento
da fecundação. Essa célula irá passar porum processo de inúmeras divisões,
gerando grupos de células que se diferenciam ao longo do desenvolvimento e
formam os vários tecidos, membros e órgãos dos embriões, presentes no animal
ao seu nascimento. Os genes do desenvolvimento são responsáveis pelo molde
deste novo embrião. Todo este processo de desenvolvimento de um organismo é
estudado pela ontogenia. Mudanças evolucionárias e genéticas no
desenvolvimento são os mecanismos de quase todas as mudanças na morfologia.
A forma ou presença de estruturas específicas no corpo de um animal têm
clara associação com a informação contida em seu material genético e que
alterações nestes genes podem modificar o desenvolvimento e a evolução
morfológica. Resultados de pesquisas nesta área fornecem suporte para entender
as relações filogenéticas entre os organismos. As relações de parentesco entre os
organismos, assim como a determinação de seus ancestrais extintos são temas
abordados em filogenia (Ridley, 2006).
Em seus estudos, Darwin observou que nas fases iniciais de
desenvolvimento embrionário de vertebrados existia uma grande semelhança
95
entre estes embriões, que posteriormente no transcorrer do desenvolvimento cada
um se modificaria tomando as características pertencentes à espécie. O estágio em
que os organismos apresentam um mesmo padrão de desenvolvimento foi
chamado de estágio filotípico (Figura 21). Esta semelhança demonstraria a
ancestralidade de cada espécie. Para Darwin, esta observação seria uma grande
evidência de sua teoria evolutiva.
Figura 21. Estágios filotípicos (ao centro) de quatro espécies de vertebrados: humano, porco,
lagarto e galinha.
Inspirado por este pensamento, em 1868 um zoólogo alemão, chamado
Ernst Haeckel, propôs a “Lei Biogenética” ou “Lei da Recapitulação”. De acordo
com essa lei, um organismo passa por estágios que repetem a estrutura da fase
adulta dos ancestrais da espécie durante o desenvolvimento, ou seja, este
desenvolvimento embrionário mostraria as etapas da evolução ocorrida na espécie
da qual pertencia o embrião.
A Lei Biogenética ficou conhecida pela expressão “a ontogenia recapitula
a filogenia”, na qual a ontogênese recapitularia as formas adultas dos ancestrais,
nesse sentido, a história do desenvolvimento de um organismo (ontogenia) repete
o desenvolvimento evolucionário de sua espécie (filogenia). Por exemplo, tanto
os embriões da galinha quanto os dos humanos passam por um estágio onde têm
fendas e arcos nos seus pescoços que são idênticos às fendas e arcos branquiais
dos peixes. Dessa maneira, de acordo com a Lei Biogenética, galinhas e humanos
compartilham um ancestral comum com o peixe. Portanto, essas características
ontogênicas poderiam ser usadas para a construção de filogenias.
96
Quadro 6 Quadro. A fraude de Haeckel?
Foi em seu livro, A história natural da Criação ("Natürliche Schöpfungs-
geschichte", publicado em alemão, em 1868), que Haeckel representou por meio
de ilustrações o desenvolvimento embrionário de uma série de organismos.
Nessas ilustrações, Haeckel enfatizou a semelhança entre as etapas iniciais do
desenvolvimento embrionário destes organismos vertebrados (Figura 22).
Figura 22. Desenho feito no final do século 19 por Ernst Haeckel (1874), que compara as
semelhanças entre embriões e adultos de várias espécies de vertebrados. Contudo, há mais de um
século os cientistas atestam a fraude cometida por Haeckel, alegando que os embriões de
vertebrados não são tão parecidos como foi ilustrado.
Dentre as várias ilustrações, uma em especial colocou o pesquisador em
contradição. Ao comparar o embrião de cachorro de quatro semanas com um
embrião humano de mesma idade, Haeckel adulterou os desenhos originais para
que as semelhanças ficassem mais acentuadas e as diferenças atenuadas,
reforçando assim a sua teoria. Alguns pesquisadores da época descobriram as
adulterações e denunciaram Haeckel, que posteriormente confirmou a fraude
alegando que estaria somente preenchendo e reconstruindo os elos evolucionários
frente à falta de evidências.
Um embriologista chamado de Karl Ernst von Baer também contestou a
teoria de Haeckel. Ele concordava que a ontogenia guardaria traços semelhantes
entre os organismos relacionados nos primeiros estágios do crescimento
97
embrionário. Contudo, para von Baer, o que se assemelham são traços do
desenvolvimento embrionário e não as formas adultas dos ancestrais.
Apesar de ter confessado a fraude relativa às ilustrações, a teoria de
Haeckel permaneceu inabalada e se popularizou, pois era muito atraente para os
evolucionistas. Ainda hoje, é ensinada como evidência da evolução em escolas e
universidades, possuindo alguns defensores.
Em 1997, um embriologista britânico chamado Michael Richardson e
seus colegas publicaram fotografias comparando embriões reais com desenhos de
Haeckel no jornal Anatomy and Embryology. No mesmo ano, esta comparação foi
noticiada pelo jornal Science sob o título de: "Os embriões de Haeckel: Fraude
redescoberta" (Pennisi, 1997). A Figura 23 mostra diagramas com base em
fotografias de Richardson (caixa central) comparados aos diagramas de Haeckel
(43). As similaridades vistas por Haeckel não são as mesmas mostradas na figura
anterior.
Figura 23. Ilustrações de Haeckel’s (acima) comparado com as de Richardson (caixa central), de
grupos diferentes de vertebrados. Fonte: Wells, 2000.
Informações retiradas de: Truth in Science. Inglaterra, nov. de 2005. Disponível
em:< http://www.truthinscience.org.uk/content.cfm?id=3163>. Acessado em: 02
ago. 2014.
A Biogeografia é a ciência que procura explicar a distribuição das
98
espécies e de táxones mais elevados na superfície da Terra. Com ela, podemos
perceber que as espécies têm distribuições geográficas distintas. Quando os
biogeógrafos do século XIX examinaram as distribuições de grande número de
espécies no globo, verificaram que, frequentemente, diferentes espécies viviam
nas mesmas áreas amplas.
O primeiro mapa dessas regiões faunísticas foi elaborado para aves pelo
ornitólogo britânico Philip Lutley Sclater (1829-1913), e logo Alfred Russel
Wallace generalizou as regiões de Sclater para outros grupos animais. Assim, a
Terra foi dividida em seis regiões biogeográficas principais. Elas são definidas
principalmente pela distribuição de aves e mamíferos e poderiam não ter sido
reconhecidas se outros grupos tivessem sido analisados (Ridley, 2006).
Padrões globais de riqueza de espécies, contudo, têm resistido a
explicações desde que chamaram a atenção dos ecólogos na década de 1960. A
principal falha da ecologia em integrar totalmente o assunto da diversidade jaz na
derivação inapropriada de conceitos de comunidades e na rejeição da história
como contextos formativos para sistemas ecológicos. Tradicionalmente, os
ecólogos têm sustentado as relações entre a riqueza de espécies e condições
físicas dos ambientes na habilidade das populações coexistirem localmente.
Julian Huxley, em um de seus ensaios (1964), ressalta que o
estudo do curso da evolução, seguindo as ideias de Darwin sobre divergências e a
formação de grupos dominantes, revelou que o avanço evolutivo ocorre numa
série de etapas, por uma sucessão de tipos dominantes. Mais cedo ou mais tarde,
cada grupo alcança todas as suas possibilidades inerentes e se estabiliza, incapaz
de um avanço maior, excepto por um acontecimento raro que envolva
organização com vantagens adicionais, permitindo, desta forma, a abertura para
uma nova etapa de progresso. Parece que isso jamais ocorre duas vezes, pois a
competição com o tipo já estabelecido impedirá, automaticamente, uma segunda
invasão do mesmo território evolutivo, ou zona adaptativa, como o chamam
modernos evolucionistas, como Gaylord G. Simpson. Este foi um esclarecimento
importante no cenário biológico.
995.2. Evidências biogeográficas: distribuição geográfica, clima e atributos
ecológicos do ambiente
Os limites da distribuição de uma espécie são estabelecidos por seus
atributos ecológicos. Uma maneira de entender como os factores ecológicos
limitam essa distribuição é em termos da distinção entre nicho fundamental e
nicho efetivo (ou realizado), que foi feita pela primeira vez na década de 1950 por
Hutchinson & MacArthur.
Uma espécie é capaz de tolerar certa variedade de factores físicos –
temperatura, umidade e assim por diante – e, teoricamente, poderia vivem em
qualquer lugar em que esses limites de tolerância fossem satisfeitos. Esse é o
nicho fundamental dela. Entretanto, espécies que estão competindo, em geral, só
ocupam parte desse âmbito, e a competição pode ser intensa demais para permitir
que duas espécies existam. Desse modo, o nicho efetivo de cada espécie será
menor do que o fisiologicamente possível: cada uma ocupará um âmbito menor
do que poderia ocupar se não houvesse competição.
As distribuições geográficas também podem ser influenciadas pela
dispersão. Um bom exemplo do poder da dispersão foi o processo de colonização
de organismos depois de uma erupção vulcânica que cobriu de cinzas a pequena
ilha indonésia de Krakatca, em 1883, matando todos os animais e plantas ali
existentes. Os biólogos, então, registraram a recolonização da ilha, especialmente
quanto a aves e plantas. Ela foi estonteantemente rápida.
Cinquenta anos depois, a ilha já estava recoberta por uma floresta tropical
que continha 271 espécies de plantas e 31 espécies de pássaros. Também vieram
animais invertebrados, como insectos, embora seus números não fossem tão bem
monitorados. A maior parte dos migrantes veio das ilhas vizinhas de Java (a 40
km) e Sumatra (a 80 km); as aves teriam se dispersado por voo ativo e as plantas
teriam vindo carregadas na forma de sementes. Portanto, em circunstâncias
correctas, a dispersão pode ter um claro efeito sobre o âmbito das espécies
(Ridley, 2006).
100
Uma das radiações adaptativas mais espetaculares entre insectos é um
exemplo soberbo de isolamento geográfico por meio de dispersão. As moscas do
género Drosophila na região do Havaí (Figura 24), parentes próximos das
moscas-das-frutas, compreendem umas 1.000 espécies estimadas e são famosas
por sua excepcional diversidade ecológica – elas podem ser encontradas desde o
nível do mar até habitats de montanhas, de arbustos secos até florestas úmidas
(Purves et al., 2006).
Figura 24. Esquema mostrando que as espécies mais recentes de Drosophila correspondem às ilhas
mais novas, fato que evidencia fortemente que a atual distribuição desses insetos se deu por
colonização (i.e., dispersão das ilhas mais antigas para as mais recentes). Fonte das figuras:
Wikimedia (www.wikicommons.org). Autor da foto da mosca: Botarus, 2007.
As distribuições geográficas também são influenciadas pelo clima. A era
geológica actual é chamada quaternária e começou há 2,5 milhões de anos. O
clima tem sido mais frio durante o quaternário em geral do que na era terciária
precedente e a temperatura tem oscilado para mais e para menos. Muitos períodos
dos tempos mais frios foram glaciais e os períodos mais quentes foram
interglaciais. Essas mudanças climáticas aconteceram com profundidade
101
suficiente para que, em alguns casos, o documento fóssil fosse completamente
revelador.
No hemisfério Norte, quando o clima se torna mais frio, a distribuição
das espécies animais e vegetais tendem a se contrair e se deslocar para o sul. Em
qualquer lugar, a ecologia local pode mudar por causa da alteração do clima. Por
exemplo, a mudança de um ecossistema temperado para outro do tipo tundra foi
bem documentada por meio de dados sobre pólen nas zonas temperadas do norte,
durante as glaciações mais recentes (Ridley, 2006). Assim, os movimentos (i.e.,
dispersão e migração) das espécies devido às glaciações tiveram consequências
evolutivas.
Irradiação adaptativa significa que uma espécie ancestral evolui em
várias espécies descendentes com adaptações ecológicas distintas. Geralmente,
quando duas espécies com adaptações ecológicas diferentes evoluem de uma só
espécie ancestral, ocorre um único evento de especiação. Uma irradiação
adaptativa local acontece quando vários de tais eventos de especiação ocorrem
em uma mesma área. A conhecida Explosão do Cambriano é um óptimo exemplo
de irradiação adaptativa. Aqui, porém, examinaremos irradiações adaptativas em
pequena escala – que são uma ligeira extensão do processo de especiação.
Os lagartos do género Anolis nas ilhas do Caribe são um exemplo de
como as espécies evoluem para ocupar vários nichos ecológicos e têm adaptações
adequadas aos seus modos de vida. Algumas espécies de Anolis vivem nas
ramagens, outras nos dosséis e outras no capim. As que vivem nas ramagens têm
caudas longas e patas curtas; as que vivem no capim têm caudas curtas; as que
vivem nos troncos de árvores baixas têm patas longas.
Os Anolis são encontrados em todas as principais ilhas das Grandes
Antilhas e ocupam distribuições de habitats parecidos em cada ilha. Todas as
espécies que vivem em ramagens, por exemplo, assemelham-se e têm caudas
longas e patas curtas, sejam elas de Cuba, Haiti, Jamaica ou Porto Rico. Os outros
tipos ecológicos também apresentam semelhanças nas várias ilhas.
Podemos perguntar se uma espécie que vive nas ramagens de outras ilhas
compartilha um ancestral comum mais recente com as espécies de ramagens de
outras ilhas ou com os Anolis ecologicamente diferentes dela, de sua própria ilha?
102
Losos et al. (1998) responderam a essa questão construindo uma filogenia
molecular das espécies. Eles verificaram que, na maioria das vezes, cada tipo
ecológico de lagarto evoluiu independentemente em cada ilha. (Figura 25).
Figura 25. Relações filogenéticas das espécies de Anolis de diferentes tipos ecológicos em quatro
ilhas caribenhas. Notar que cada tipo ecológico tende a evoluir independentemente nas diversas
ilhas; a especiação dos grupos ocorreu mais por ilhas do que por tipo ecológico. Figura modificada
de Ricklefs (2006) e Losos et al. (1998).
Desse modo, cada ilha tendia a ser colonizada por uma população de
lagartos que, então, irradiava o conjunto usual de tipos ecológicos nesse local. Há
algumas excepções, mas a maior parte das espécies está agrupada por ilha, e não
por tipo ecológico. Provavelmente, a força que dirige a irradiação é a competição
ecológica. A irradiação adaptativa dos lagartos Anolis caribenhos seria, portanto,
um exemplo em miniatura do “princípio da divergência” de Darwin.
103
Sumário
Há uma diversidade de fontes de evidência para a existência da evolução, e alguns
padrões de como os organismos vendo sendo modificados ao longo do tempo e do
espaço. Se extrapolarmos a ideia de ancestralidade em comum para outras áreas, é
fácil perceber que tudo evolui (uma vez que tudo se modifica). Estes aspectos
referem-se a algumas áreas da sistemática filogenética, do desenvolvimento de órgãos
e do estudo genómico. Estes aspectos são extremamente interligados e dinâmicos, o
que torna seu estudo fascinante e também mais complexo em determinados aspectos.
A sistemática filogenética é a base para o entendimento da classificação dos
organismos e consequentemente, da evolução. Discute-se a questão da recapitulação e
da utilização Evo-Devo. Tanto caracteres morfológicos quanto moleculares são
utilizados na construção de filogenias. A classificação deve refletir a história
evolutiva dos organismos. Os pontos de interesse para os cladistas incluem a distinção
de homologia e homoplasia e a identificação dos grupos monofiléticos. Um grande
desafio é a produção da “árvore da vida”. A utilização de genes é muito promissora,
porém deve ser criteriosa parao entendimento tanto da evolução quanto do
desenvolvimento.
Filmes/Vídeos
https://www.youtube.com/watch?v=GzLDQf3pN7I
✓ Neste vídeo do Projeto Cassiopeia são apresentadas mais evidências da
evolução provindas de estudos moleculares:
https://www.youtube.com/watch?v=W5t2hlQglYk
✓ Este é o segundo vídeo da série Cassiopeia que trata sobre evolução. Este
trata especificamente de como o registro fóssil é analisado, dos órgãos
vestigiais e das estruturas homólogas:
https://www.youtube.com/watch?v=YGzfYo7i2nI
http://www.freepik.com/index.php?goto=27&url_download=aHR0cDovL3d3dy5mbGF0aWNvbi5jb20vZnJlZS1pY29uL2ZpbGVfMTE4MDk4&opciondownload=318&id=aHR0cDovL3d3dy5mbGF0aWNvbi5jb20vZnJlZS1pY29uL2ZpbGVfMTE4MDk4&fileid=917606
https://www.youtube.com/watch?v=GzLDQf3pN7I
https://www.youtube.com/watch?v=W5t2hlQglYk
https://www.youtube.com/watch?v=YGzfYo7i2nI
104
Auto-Avaliação
1. Pesquise três registros fósseis (flora e fauna), especificando a região que
foi encontrada e as metodologias utilizadas.
2. Discuta a questão da importância do registro fóssil na Biologia Evolutiva.
Procure na Internet quais são os locais mais importantes de registro fóssil na
África, na América do Sul e na Europa.
3. Elabore uma actividade para o ensino médio, propondo uma
discussão/debate que trate sobre as evidências do desenvolvimento
embrionário.
105
Pág. 104 - 140
Princípios e Perspectivas da
Acção da Evolução I
Ficha técnica 2
Lição no 6: A relação entre adaptação, nicho ecológico e
sucesso reprodutivo
6.1. Os seres vivos apresentam adaptações e estas podem
favorecer indivíduos diferentes
6.2. O contexto ecológico da evolução: disponibilidade de
nicho e adaptação
6.3. Evolução na perspectiva macroecológica
(Cladogénese)
Lição no 7: . Modelos de especiação e mecanismos de
isolamento reprodutivo
7.1. O que é uma espécie? Conceitos e escopo teórico 117
7.2. Mecanismos de Isolamento Reprodutivo 123
7.3. As espécies e sua formação 125
Lição no 8: Tipos de especiação e factores relacionados
à divergência genética
8.1. A especiação alopátrica exige isolamento reprodutivo
completo
8.2. A especiação simpátrica ocorre sem separação física
Conteúdos
2
U
N
ID
A
D
E
106
Unidade no 2: Princípios e Perspectivas da Acção da Evolução
Introdução
Nos conteúdos anteriores vimos que a selecção natural interpõe o darwinismo
mostrando que só é possível que aconteça quando existe: possibilidade de
reprodução, herança e variação entre os membros individuais, além da variação
na capacidade reprodutiva. A nova síntese incorpora à histórica evolução de
Darwin a questão mendeliana e molecular, além de outras importantes sub-
revoluções como a genética populacional, essencialmente em seus primórdios. A
nova síntese é um dos maiores desafios intelectuais da Biologia actual para
ampliarmos nosso entendimento sobre a evolução das espécies.
Objectivos
Ao completar esta unidade, você será capaz de:
• Demonstrar a relação entre ambiente, selecção natural e adaptação;
• Evidenciar a correlação entre diversidade genética e potencial adaptativo;
• Identificar os aspectos ecológicos subjacentes à história evolutiva das
espécies;
• Discutir como o ambiente pode influenciar a expressão e
desenvolvimento dos organismos vivos.
107
Lição no 6: A relação entre adaptação, nicho ecológico e sucesso
reprodutivo
Introdução
Através do processo da evolução, os atributos das populações e das espécies são
gradualmente ajustados às mudanças ambientais. Os organismos também podem
responder individualmente a essas mudanças e a selecção natural ocorre quando os
factores genéticos influenciam a sobrevivência e o sucesso reprodutivo. A
evolução é a consequência directa da existência de variação herdada do
ajustamento de uma população e as características genéticas dos indivíduos que
atingem um sucesso reprodutivo maior aumentam em frequência de geração para
geração. Os organismos individuais podem responder às mudanças em seus
ambientes alterando seu comportamento, fisiologia ou morfologia seleccionando
micro-habitats cujas condições físicas situam-se dentro de um intervalo
conveniente, dessa forma otimizando sua relação com o ambiente. A distribuição
de uma população no espaço é a sua abrangência geográfica, que geralmente está́
limitada pela extensão de habitat adequado e por barreiras à dispersão. A
abrangência das condições físicas nas quais uma espécie pode persistir é
denominada de seu nicho fundamental. Neste espaço ecológico, a distribuição de
uma espécie pode ser ainda mais limitada por predadores e competidores no seu
nicho.
Objectivos
No fim desta lição você deverá ser capaz de:
• Apresentar os principios e perspectivas da acção da evolução;
• Indicar as evidências das adaptações na natureza e sua relação com a
sobrevivência diferencial dos organismos;
• Entender a importância e o papel dos nichos ecológicos na diversificação
das espécies;
108
6.1. Os seres vivos apresentam adaptações e estas podem favorecer
indivíduos diferentes
A adaptação é um mecanismo fundamental da teoria evolutiva, pois é
sempre o organismo que está mais bem ajustado ao ambiente que vai ter um
maior sucesso reprodutivo (i.e., deixará mais descendentes). De facto, ela é um
dos principais instrumentos da biologia evolutiva moderna para explicar as
características encontradas entre os seres vivos.
Adaptação refere-se à concepção da vida – aquelas propriedades dos seres
vivos que os tornam capazes de sobreviver e de se reproduzirem na natureza. O
conceito é mais facilmente compreendido por meio de um estudo de caso. Ridley
(2006) lembra que o pica-pau era um dos exemplos favoritos de Darwin para a
adaptação.
A adaptação mais óbvia do pica-pau é o seu bico poderoso e
característico, já que ele permite que o pica-pau abra buracos nas árvores (Figura
26A). Assim, ele pode alimentar-se, ao longo de todo ano, de insectos que vivem
sob a casca das árvores ou que perfuram a madeira, e também da seiva da própria
árvore. Buracos nas árvores também constituem sítios seguros para a construção
de ninhos.
Os pica-paus possuem várias outras características específicas além de
seus bicos. No interior deles, está uma língua longa, própria para sondagem, que
está́ bem-adaptada à extração de insectos do interior de um buraco de árvore. Eles
também possuem pernas curtas e uma cauda rígida, que é utilizada como suporte.
Suas patas possuem dedos longos e curvos, que contribuem para estas aves
agarrem-se firmemente à casca das árvores. As concepções do bico e do corpo
também são adaptativas e, portanto, o pica-pau apresenta uma probabilidade
maior de sobrevivência no seu habitat por possuí-las. É importante frisar aqui que
essas adaptações não surgem com uma finalidade já pré-determinada, como se o
pica-pau soubesse que para poder agarrar-se com maior eficiência precisaria ter
109
dedos longos e curvos.
Peguemos como exemplo as adaptações relacionadas aos dedos do pica-
pau para exercitarmos o raciocínio evolutivo. Ao longo da história de vida dos
pica-paus, durante inúmeras gerações, a selecção natural favoreceu aqueles
indivíduos que possuíam dedos mais longos e mais curvos.
Essa característica muito provavelmente deve ter conferido uma maior
eficiência na alimentação da espécie, então aqueles indivíduos que possuíam
dedos maiores e mais curvos deixassem um maior número de descendentes do
que aqueles de dedos menores. E como esta característica tem origem genética (e
portanto, é herdável), ela foi sendo transmitida às gerações posteriores, até os
actuais pica-paus.
A camuflagem é um outro claro exemplo de adaptação. Espécies que se
camuflam possuem padrões decor, detalhes de forma e/ou comportamento que as
tornam menos visíveis em seus ambientes. É isso que confere à camuflagem uma
característica adaptativa, pois ela auxilia na sobrevivência do organismo,
tornando-o menos visível para seus inimigos naturais (ver Figura 26B).
Figura 26. Exemplos clássicos de adaptações ecológicas. As aves conhecidas popularmente como
pica-paus (família Picidae) possuem bicos adaptados para abrirem buracos em troncos de árvores
para se alimentar de larvas de insetos. Além do formato do bico e potência das garras dos membros
posteriores, a cauda também possui músculos e penas robustas para o animal se apoiar no tronco
enquanto coleta alimento, como pode ser visto nessa pica-pau-de-banda-branca (Dryocopus
lineatus), no estado de São Paulo, Brasil. (A). Os lagartos são répteis que muitas vezes apresentam
coloração críptica que os camuflam de potenciais predadores. O exemplar mostrado aqui (B) é
conhecido como ‘lagartixa-cauda-de-folha’, que é uma espécie (Uroplatus phantasticus) de
lagartixa, pertencente à família Gekkonidae e é encontrado apenas na África, mais precisamente na
ilha de Madagascar. Fonte: Imagens de domínio publico – Wikimedia
(www.commons.wikimedia.org)
110
A adaptação, contudo, não é um conceito isolado, referindo-se apenas a
algumas poucas propriedades especiais dos seres vivos – ela se aplica a quase
qualquer parte do corpo. No Homem, as mãos estão adaptadas à preensão, os
olhos para a visão, o canal alimentar para a digestão de alimento e as pernas para
movimentação: todas essas funções ajudam-nos a sobreviver. Embora a maioria
das coisas óbvias que notamos sejam adaptativas, nem todo detalhe da forma e do
comportamento de um organismo necessariamente o é. As adaptações são,
contudo, tão comuns que devem ser explicadas. Darwin considerou a adaptação
como o problema central que qualquer teoria da evolução tinha de resolver. Na
teoria de Darwin – assim como na biologia evolutiva moderna – o problema é
solucionado pela selecção natural (Ridley, 2006).
Embora os conceitos de ancestralidade comum e de descendência com
modificações tenham sido aceites de forma quase que imediata, o mesmo não
aconteceu em relação à selecção natural. Esse mecanismo não foi amplamente
aceite como o mecanismo da evolução adaptativa até a década de 1930. Em seu
lugar, o lamarckismo e outros mecanismos evolutivos mantinham sua
popularidade. Havia muitas razões para o prolongado debate (Gould, 1982;
Bowler, 2002). Entre elas estava a de que a selecção natural depende de variação
genética, mas o problema era que ninguém entendia de genética na época.
6.2. O contexto ecológico da evolução: disponibilidade de nicho e adaptação
A demonstração de que as características dos organismos são, na verdade,
adaptações tem sido uma das principais actividades da biologia evolutiva desde
aépoca de Darwin (Mayr, 1983). O significado adaptativo de traços (i.e.,
características, atributos) é óbvio: os olhos evidentemente são dispositivos para
detectar objetos a distância, mediante concentração e análise da luz; em muitas
espécies de animais, os indivíduos de boa visão terão melhor capacidade para
encontrar alimento e evitar predadores do que os que têm má visão. Imagine, por
exemplo, que em uma população de peixes em um lago existam alguns indivíduos
com nadadeiras levemente maiores do que o restante dos representantes daquela
111
espécie naquele local.
Se esse maior tamanho proporcionar uma maior velocidade ou
mobilidade em sua natação, esses indivíduos com nadadeiras maiores podem ter
maior sucesso em fugir de predadores ou aumentar sua taxa de captura de presa.
O maior sucesso reprodutivo desse grupo, que aumentaria a frequência de seus
alelos naquele lago, é uma consequência evolutiva do processo de selecção
natural; uma característica, ou um conjunto integrado de características, que
aumenta a aptidão de seu possuidor é denominada adaptação, e se diz que é
adaptativa.
No entanto, as explicações óbvias, especificamente, podem ser
perigosamente sedutoras. Nenhuma explicação para o valor adaptativo de uma
característica deve ser aceita meramente por ser plausível e fascinante (Gould &
Lewontin,1979).
Futuyma (1992) salienta que o ambiente ecológico inclui tanto factores
bióticos quanto abióticos. Ou seja, além das espécies – incluindo presas,
predadores, agentes patogénicos, competidores e mutualistas – e suas interações,
oambiente é parte importante para o mecanismo evolutivo. O ambiente, pode-se
dizer, é o palco onde a selecção natural contracena com as dinâmicas
populacionais das diversas espécies na natureza (ver Quadro Interacção espécie-
ambiente).
Quadro 7 Quadro Interacção Espécie-Ambiente: Um Exemplo Nos
Besouros
As características do ambiente que mais importam variam de espécie para espécie
porque suas às suas histórias evolutivas são distintas. Não é exagero dizer que, em virtude
de sua evolução passada, as espécies criam seus próprios ambientes. Para um besouro
predador, a composição química das plantas entre as quais forrageia é, em grande parte,
irrelevante; mas se um besouro desenvolve o hábito da herbivoria, os compostos químicos
vegetais que agem como toxinas, repelentes ou estimulantes alimentares tornam-se
extremamente importantes.
Espécies de besouros cujas larvas se alimentam nas superfícies superiores das
folhas enfrentam um ambiente muito mais quente e seco que aqueles que se alimentam
112
nas superfícies inferiores; as larvas de besouros que perfuram os ramos das plantas
habitam um ambiente inteiramente diferente. Não somente a evolução passada de uma
espécie determinada o seu ambiente; assim também o faz suas actividades actuais, uma
vez que espécies escasseiam recursos, liberam metabólitos tóxicos e alteram suas
vizinhanças de numerosas outras maneiras.
Assim, espécies e ambiente alteram uma o outro demaneira recíproca. É errónio
pensar em espécie como simples recipientes passivos de um rigoroso destino externo; elas
são participantes ativas numa troca dialética entre organismos e ambiente
Figura 27. Larva e indivíduo adulto de um gênero (Harmonia) de joaninha. Na primeira foto, a
larva está se alimentando de um afídeo – também conhecido como pulgão ou piolhos-das-plantas –
que, por sua vez, se alimenta da seiva de plantas. Fonte fotos: larva, domínio público em Wikimedia
(www.wikimedia.org) ; adulto, Wikimedia, autor: Jon Sullivan, 2003 (www.pdphoto.org).
Fonte: Futuyma, D. J. 1992.
6.3. Evolução na perspectiva macroecológica (Cladogénese)
Ricklefs (2006) afirma que a principal falha da ecologia em integrar
totalmente o assunto da diversidade jaz na derivação inapropriada de conceitos de
comunidades e a rejeição da história evolutiva com o contexto formativos para
sistemas ecológicos. O autor diz que os ecólogos têm sustentado as relações entre
a riqueza de espécies e condições físicas dos ambientes na habilidade das
populações coexistirem localmente. No entanto, muitos ecólogos agora
reconhecem que esta relação pode ter se desenvolvido historicamente, ou seja,
que a diversificação evolutiva de linhagens pode ter ocorrida dentro e entre zonas
http://www.pdphoto.org/
113
ecológicas (Figura28).
Figura 28. Diversificação evolutiva de um clado dentro de sua zona ecológica de
origem, com mudanças adaptativas ocasionais (*) para diferentes zonas
ecológicas. Esta figura são adaptações das figuras em Ricklefs (2006) e Wiens et
al. (2010).
Para verificar os papéis relativos de restrições ecológicas locais versus
desdobramento regional e histórico de relações diversidade-meio ambiente,
devemos abandonar conceitos locais de comunidade e adotar métodos que levam
em conta a história (particularmente filogenéticos) e a geografia para avaliarmos
a evolução dentro de grandes regiões e como isso influenciaa diversidade em
escala local (Ricklefs, 2006). Esta perspectiva integrada abre novas direções para
a pesquisa para que os ecólogos explorem a formação de espécies, a
diversificação adaptativa e os ajustes de distribuições ecológicas de espécies em
escala regional.
Sumário
Vimos que a adaptação é um mecanismo fundamental da teoria evolutiva, pois é
sempre o organismo que está mais bem ajustado ao ambiente que deixará mais
descendentes. De facto, ela é um dos principais instrumentos da biologia evolutiva
moderna para explicar as características encontradas entre os seres vivos. O ambiente
ecológico inclui tanto factores bióticos quanto abióticos, e suas interações, oambiente
é parte importante para o mecanismo evolutivo. Assim, o ambiente sendo
constantemente moldado pela selecção natural é estreitamente relacionado com as
114
dinâmicas populacionais das diversas espécies na natureza. A modelagem de nicho
ecológico pode ser usada para prever a distribuição real ou potencial de uma
população. As variáveis climáticas nos locais onde uma espécie foi registrada são
usadas para determinar o envelope ecológico da espécie: o intervalo de condições sob
as quais a espécie pode persistir. Confrontados com a variação na qualidade de
habitat, e assumindo uma liberdade para escolher onde viver, os indivíduos devem
tender a se distribuir proporcionalmente aos recursos disponíveis, no que é́ conhecido
como uma distribuição livre ideal. Habitats mais pobres são por fim ocupados porque
populações densas reduzem a qualidade de habitats intrinsecamente superiores
Filmes/Vídeos
✓ The origin of species: lizards in the phylogenetic tree: vídeo (17min)
produzido pela Howard Huges Medical Institute baseado nas pesquisas do
biólogo Jonathan Losos (Harvard University) sobre os mecanismos de
especiação subjacentes aos lagartos do género Anolis em ilhas da América
Central. Losos e sua equipa tem descoberto que atributos morfológicos que
fazem com que dezenas de espécies de Anolis se adaptem a diferentes
nichos. O vídeo tem a opção de legendas em Inglês e em Espanhol.
http://www.hhmi.org/biointeractive/origin-species-lizards-evolutionary-tree
✓ Este é o terceiro vídeo da série Cassiopeia Evolução. Neste vídeo são
abordados: ancestralidade comum, extinção de organismos e
especiação:
https://www.youtube.com/watch?v=syw3Fn1wmdo
Auto-Avaliação
1. Como abordar a questão da variação e adaptação em sala de aula de forma
didáctica e interativa? Elabore um plano de aula que demonstre sua linha de
pensamento sobre essa questão.
2. Procure alguma notícia no jornal local de sua cidade que reflita os efeitos
negativos das mudanças antrópicas. Enumere os conceitos evolutivos e
implicações ecológicas da fragmentação de habitat e poluição de ambientes
naturais causadas pelo Homem.
3. Elabore uma aula sobre a importância da conservação de ambientes
http://www.freepik.com/index.php?goto=27&url_download=aHR0cDovL3d3dy5mbGF0aWNvbi5jb20vZnJlZS1pY29uL2ZpbGVfMTE4MDk4&opciondownload=318&id=aHR0cDovL3d3dy5mbGF0aWNvbi5jb20vZnJlZS1pY29uL2ZpbGVfMTE4MDk4&fileid=917606
http://www.hhmi.org/biointeractive/origin-species-lizards-evolutionary-tree
https://www.youtube.com/watch?v=syw3Fn1wmdo
115
naturais, e como eles sustentam e estruturam os ecossistemas actuais.
4. Defina, em suas palavras, o que é (i) nicho ecológico e (ii) cladogénese.
5. Qual a relação entre variabilidade genética e adaptação?
6. Como o conceito de Darwin de descendência com modificação explica a
evolução de estruturas complexas como os olhos dos vertebrados?
116
Lição no 7: . Modelos de especiação e mecanismos de isolamento
reprodutivo
Introdução
Com os conteúdos das lições anteriores em mãos, podemos agora
discutir mais a fundo um dos assuntos mais polémicos da biologia. Afinal, o
que significa “espécie”? Podemos utilizar um mesmo critério conceitual
para definir uma baleia e uma bactéria? Veremos que apesar de parecer uma
questão já bem definida, o conceito de espécie sempre foi, e ainda é, um
campo muito vasto onde abundam conceitos e polémicas. Ao longo da
lição, você conhecerá as diferentes fontes de variação que impulsionam a
diversificação dos organismos, e qual a importância de especificarmos os
limites de uma espécie no contexto conservacionista. O conceito biológico
de espécie tem por definição uma comunidade reprodutiva de populações
(isolada reprodutivamente de outras) que ocupa um nicho específico na
natureza. Ela não é imutável através do tempo, mas se modifica durante o
curso da evolução. Como o conceito biológico de espécie é difícil de aplicar
em ambas as dimensões, temporal e espacial, e também porque exclui
formas que apresentam reprodução assexuada, conceitos alternativos foram
propostos.
117
Objectivos
No fim desta lição você deverá ser capaz de:
• Discutir os padrões mais reconhecíveis da evolução ao longo do
tempo;
• Definir o conceito de especiação e os mecanismos pelos quais ela
ocorre;
• Analisar o processo de especiação, evidenciando os debates ainda
recentes sobre o tema;
• Ter ciência da importância do isolamento reprodutivo no
surgimento de novas espécies.
7.1. O que é uma espécie? Conceitos e escopo teórico
A literatura sobre o conceito de espécies deve ser maior do que
qualquer outro assunto da biologia evolutiva, mas a questão da delimitação
de espécies tem recebido pouca atenção em relação aos debates
intermináveis sobre o que são espécies. Os emergentes debates sobre
delimitação de espécies sugerem que tanto sistematas quanto biólogos que
trabalham com populações estão dando séria atenção ao assunto
actualmente, e há concordância de que o processo de especiação cria
limitações confusas sobre os quais todos os métodos ocasionalmente
falharão ou serão discordantes entre si (Sites & Marshall, 2003).
Estudos empíricos com as salamandras do complexo Ensatina
eschscholtzii são um bom exemplo para demonstrar a variedade de
espécies encontradas, dependendo do método usado nas análises, que
podem oferecer resultados que reflcetem múltiplas propriedades que
mudam durante a especiação. Assim, poucas generalidades podem ser
118
feitas sobre qual método é o ‘melhor’ para uma variedade de táxones e
propriedades biológicas.
Sites & Marshall (2004) sumarizaram as propriedades biológicas de
maior relevância para as espécies que podem ser acessadas por avaliação
empírica, os tipos de dados requeridos, e alguns dos pontos fortes e
limitações de cada método. Os autores concluíram que todos os métodos
algumas vezes falham em delimitar precisamente os limites de uma
espécie ou darão resultados contraditórios, e que virtualmente todos os
métodos requerem monofilia e que os pesquisadores façam julgamentos
quantitativos.
Estes factos, somados à natureza confusa dos limites de espécies,
requerem uma abordagem diversificada para delimitar espécies e cautela
em confiar em um único conjunto de dados ou método quando delimitando
espécies. As propriedades em comum podem incluir tais processos como
interconectividades de populações por fluxo génico, padrões não
ramificados de descendentes de uma população ancestral comum,
similaridade morfológica, zonas adaptativas ou nichos ecológicos
compartilhados, ou sistemas de reconhecimento para acasalamento, entre
outros (Sites & Marshall, 2003, 2004).
Por essas razões, um consenso emergente entre biólogos
evolucionistas é que somente dados colhidos de várias metodologias,
baseados em diferentes propriedades comuns, podem ser úteis em
delimitar distintos segmentos de uma linhagem. Nenhum método sozinho,
ou um único conjunto de dados, dará sempre ‘a melhor resposta’; isto deve
ser esperado, dado as muitas contingências associadas ao processo de
especiação.
Harrison (1998) sugereque todas as delimitações de espécies em
última análise dependem de inferências de padrões de variação e
distribuição de estado de caracteres. Como populações naturais são
diagnosticáveis (na teoria e na prática) quando elas exibem uma ou mais
diferentes estados de caráter fixados. Em consequência disso, os táxons
119
são grupos exclusivos somente quando todas as genealogias génicas se
tornam concordantes, com a coalescência de genes dentro de cada grupo
ocorrendo mais recentemente que qualquer coalescência de genes entre
grupos, então a exclusividade é uma exigência muito mais rigorosa para o
status de espécies.
Ernst Mayr definiu que “os mecanismos que isolam uma espécie
reprodutivamente de outras são talvez o mais importante conjunto de
atributos que uma espécie possui, por que eles são, por definição, os
critérios da espécie” (Mayr, 1963, p. 89). Segundo esse raciocínio, é claro
notar que as decisões em relação ao status de uma dada espécie dependem
de informações sobre os padrões de trocas genéticas, independentemente
do facto de se tentar delinear espécies em termos de limites entre elas (i.e.,
barreiras intrínsecas ao fluxo génico) ou os limites de mecanismo de
coesão ou sistemas de fertilização em comum. A origem do isolamento e
da coesão, por sua vez, é de particular interesse não só por causa dos
processos evolutivos subjacentes serem únicos, mas também por causa da
natureza das mudanças que ocorrem (Harrison, 1998).
A percepção de que todas as definições modernas sobre o que é
uma espécie são na verdade variações do conceito geral de espécie ajuda a
clarear a natureza das diferenças entre elas. Cada critério, assim, fornece
um tipo diferente de informação sobre a separação entre linhagens, ou ela
descreve um estágio diferente na divergência de linhagens. Em cada caso,
há concordância quase universal sobre a natureza geral das entidades que
denominamos como espécies (De Queiroz, 1998).
Fica claro, portanto, que existem diversos critérios que podem dar
base a um sistema de classificação para quaisquer conjuntos de entidades,
e a teoria da evolução proposta por Darwin deixou claro que as relações de
parentesco entre as espécies forneciam um critério para uma classificação
hierárquica, consistente e única dos organismos.
Todas as culturas humanas reconhecem diferentes tipos de
organismos na natureza e os denominam. Esses sistemas taxonómicos, ou
120
de nomeação, baseiam-se em julgamentos sobre o grau de similaridade
entre organismos. Intuitivamente, as pessoas agrupam os semelhantes. O
desafio dos biólogos tem sido trocar esses julgamentos informais por uma
definição de espécie que seja mecanicista e testável e para um sistema de
nomeação e classificação da diversidade da vida que reflita, com precisão,
a história evolutiva dos organismos.
No entanto, esses objectivos têm sido difíceis de alcançar, ainda
que a maioria dos biólogos concorde quanto ao que seja uma espécie: é a
menor unidade evolutiva independente. Embora essa definição pareça
simples, frequentemente é difícil pô-la em prática. O desafio é estabelecer
critérios práticos para identificar quando é que as populações realmente
estão evoluindo independentemente.
Para dar andamento a esse ponto, consideraremos três conceitos de
espécies mais importantes actualmente em uso. Todos eles são
concordantes em que as espécies são unidades evolutivas independentes,
que estão isoladas por falta de fluxo génico, mas cada um utiliza critérios
diferentes para determinar que a independência esteja efetivamente
ocorrendo (Freeman& Herron, 2009).
No conceito de morfoespécie, as espécies são denominadas com
base em semelhanças e diferenças morfológicas. Em biologia, a análise
cuidadosa de diferenças fenotípicas é a base da identificação de
morfoespécie. A grande vantagem desse conceito é sua ampla aplicação.
Morfoespécies podem ser identificadas em espécies extintas ou actuais e
de reprodução sexuada ou assexuada. O maior empecilho a este conceito é
que, quando não aplicado com cautela, as definições podem se tornar
arbitrárias e idiossincráticas, ou seja, elas podem mudar de acordo com a
pessoa que analisa a espécie. Além disso, o conceito pode ser difícil de
aplicar a grupos como o das bactérias e muitos tipos de fungos, que são
pequenos e têm poucas características morfológicas mensuráveis para
avaliar.
121
Os paleontólogos têm outras restrições a contornar para identificar
espécies. As espécies fósseis que diferiam quanto à cor ou à anatomia dos
tecidos moles não podem ser distinguidas. Também não o podem as
populações que são morfologicamente semelhantes, mas eram muito
divergentes em características como o canto, temperatura ou tolerância à
seca, ao uso do habitat ou a comportamentos de cortejo. Sejam actuais ou
fósseis, populações desse tipo são chamadas espécies crípticas. O adjetivo
críptico é apropriado porque grupos que foram, ou efetivamente são,
independentes entre si parecem ser membros da mesma espécie, com base
na semelhança morfológica.
Já o conceito biológico de espécie (CBE) tem o isolamento
reprodutivo como principal critério de identificação da independência
evolutiva. Especificamente, se populações de organismos não hibridizam
regularmente na natureza ou se, quando o fazem, são incapazes de produzir
prole fértil, elas estão isoladas reprodutivamente e são consideradas boas
espécies. O conceito biológico de espécie tem sido amplamente aceito
desde que Ernst Mayr o propôs em 1942. Ele é utilizado na prática por
muitos zoólogos e constitui a definição legal utilizada no Endangered
Species Act (Lei das Espécies Ameaçadas), que é a legislação emblemática
da biodiversidade nos Estados Unidos. O grande trunfo do CBE é que o
isolamento reprodutivo é um critério significativo de identificação de
espécies porque confirma a ausência de fluxo génico.
Por último, o conceito filogenético de espécie (CFE) é aquele que
os sistematas (i.e., os biólogos responsáveis pela classificação da
diversidade da vida) e biólogos evolutivos usam como uma alternativa ao
conceito biológico de espécie. Essa abordagem enfoca um critério de
identificação de espécies chamado monofilia. A lógica que está por trás do
CFE é que as características somente podem distinguir populações em uma
filogenia se as populações estiverem isoladas em termos de fluxo génico e
tenham divergido genética e, possivelmente, morfologicamente.
122
Dito de outro modo, para serem chamadas de espécies
filogeneticamente separadas, as populações devem ter ficado
evolutivamente separadas durante um tempo suficiente para permitir a
evolução das características diagnósticas. As populações de uma mesma
espécie compartilharam as características derivadas que as distinguem das
populações de outras espécies.
Essa abordagem tem como atractivo o facto de ser aplicada a
qualquer tipo de organismo – de reprodução sexuada ou assexuada, fóssil –
e de ser testável: as espécies são denominadas com base nas diferenças
estatisticamente significativas quanto às características usadas para estimar
a filogenia. A dificuldade é pôr esse critério em prática. Estimar as
relações evolutivas entre as espécies exige quantidades significativas de
tempo, dinheiro e análises cuidadosas.
Como consequência, até aqui só um número relativamente pequeno
de grupos dispõe de filogenias construídas com cuidado e boa sustentação.
Além disso, é amplamente reconhecido que a instituição do CFE poderia
facilmente duplicar o número das espécies já denominadas e criar uma
grande confusão se houvesse uma mudança dos nomes e identidades
tradicionais das espécies.
Entretanto, os proponentes desse conceito não estão preocupados
com a perspectiva do reconhecimento de muitas espécies adicionais.
Análises recentes constataram que, concordando com essa previsão,
frequentementeo CFE distingue uma série de espécies crípticas em
populações que antes eram consideradas como espécie única (e.g.,
Werneck et al., 2012; Giugliano et al., 2013; Domingos et al., 2014).
123
7.2. Mecanismos de Isolamento Reprodutivo
O isolamento geográfico pode ocorrer por meio de dispersão e
colonização de novos habitats ou por meio de eventos de vicariância – quando
uma amplitude geográfica existente é fragmentada pelo surgimento de uma nova
barreira física (Figura 29). Os eventos de vicariância fragmentam a distribuição
de uma espécie em duas ou mais distribuições isoladas e desencorajam ou
impedem o fluxo génico entre elas.
Há muitos eventos possíveis de vicariância, variando desde processos
lentos como o surgimento de um ambiente de montanha ou uma tendência a uma
seca prolongada, que fragmenta uma floresta, até eventos rápidos como um
derrame de lava com a lagarta de quilómetros que divide uma população de
caracóis.
Figura 29. Esquemas ilustrativos dos processos de vicariância e dispersão.
Knowlton & Weigt (1998) estudaram um evento clássico de vicariância: a
recente separação dos organismos marinhos em cada lado da América Central. As
evidências geológicas estabeleceram que o Istmo do Panamá se fechou há cerca
de 3 milhões de anos. Quando o istmo surgiu e criou uma ponte de terra entre as
124
Américas do Norte e Sul, as populações de organismos marinhos ficaram
separadas do lado atlântico e no pacífico. Quando os oceanos foram assim
separados, será que as populações que ficaram de cada lado se especiaram?
Os autores analisaram uma série de populações de camarão pistola
(Alpheus) de cada lado do istmo. Com base no conceito de morfoespécie, as
populações que eles amostraram pareciam representar sete pares de espécies
estreitamente relacionadas (i.e., espécies irmãs) com um membro de cada par
encontrado em cada lado da ponte terrestre. A partir dos dados de sequências de
DNA, a filogenia desses camarões confirma essa hipótese. Os pares de espécies
de cada lado do istmo, inferidas como irmãs com base na morfologia, são, sem
dúvida, os mais proximamente aparentados entre si. Esse resultado é concordante
com a previsão feita segundo a hipótese de vicariância (Figura 30).
Figura 30. Esquema demonstrando que as espécies de camarão pistola mais semelhantes entre si
estão em lados diferentes do Istmo do Panamá. As cores iguais em cada lado da barreira especifica
representam as similaridades genéticas entre as espécies/populações.
125
7.3. As espécies e sua formação
Poucas palavras no vocabulário causam maior impacto intelectual na história
como a palavra ‘espécie’ e até hoje tanto a definição quanto a identificação de
espécies continuam sendo problemáticas. Segundo Dobzhansky (1973), a meta de
Darwin foi demonstrar que espécies são apenas variedades permanentes e
fortemente marcadas, e que cada espécie existiu primeiro como uma variedade.
Um avanço nesse campo é o entendimento que a palavra geralmente usada por
biólogos significa um tipo distinto de individualidade biológica (assim como
ocorre com ‘organismo’ ou ‘célula’), e não simplesmente denota um grupo de
organismos similares.
Os biólogos de hoje tentam reconstruir a história evolutiva e os eventos
biogeográficos das espécies e, com base nelas, tentar encontrar alguma
organização lógica. Portanto, investigando o critério de parentesco - e não
somente o da semelhança - como prioritário na classificação biológica, a
Sistemática Filogenética e a Filogenia Molecular representam um sistema
hierárquico de relações de ancestro-descendência, isto é, árvores filogenéticas nas
quais embasamos nossas hipóteses. Assim, as classificações deixaram de ser
somente para nomear organismos, e passaram a tentar refletir as relações de
parentesco (evolutiva) entre eles. Árvores filogenéticas, portanto, tentam agrupar
relações genealógicas entre os táxones de acordo com os atributos
compartilhados, ou seja, suas homologias.
O interesse em delimitar espécies e inferir sobre os padrões e
mecanismos de especiação segundo esses critérios foi grande em meados do
século XX, na conhecida era da “Nova Sistemática” (Mayr, 1982). Depois a
actividade declinou (Wiens, 1999), mas recentemente apareceram sinais de um
“Renascimento” (Sites & Marshall, 2003), e alguns métodos novos têm sido
propostos para testar os limites de espécies em um quadro estatístico rigoroso
(Puorto et al., 2001; Templeton, 2001; Wiens & Penkrot, 2002). A Biogeografia
História, por exemplo, está actualmente revigorada devido à revolução na
genética molecular aplicado à Sistemática e à Genética de Populações e/ou de
Paisagens (Riddle et al., 2008; Riddle, 2009).
126
Da perspectiva mais ampla da teoria evolutiva, a delimitação de espécies é
importante no contexto de entender mecanismos e processos evolutivos. Como as
populações na natureza evoluem ecologias distintas, dizer que houve especiação é
dizer que os sistemas de acasalamento divergiram até um ponto onde os
organismos não mais reconhecem um ao outro como parceiros potenciais. As
populações passam, portanto, por estágios polifiléticos, parafiléticos e
monofiléticos em termos de componentes génicos (Avise, 2000; De Queiroz,
2007), como pode ser visualizado na Figura 31.
Figura 31. Ilustração da mudança de status filogenético de uma árvore gênica ao longo do tempo
em duas populações (ou espécies) recentemente separadas. Fonte: Modificado de Avise (2000).
O problema é que estas mudanças não ocorrem todas ao mesmo tempo, e elas
não ocorrem necessariamente em uma ordem regular. Esta é a razão pela qual os
diferentes conceitos de espécies, apesar de compartilharem um elemento comum
fundamental, podem levar a diferentes conclusões, pois consideram qual
linhagem merece ser reconhecida como espécie (De Queiroz, 1998).
127
Outros novos métodos relevantes para delimitação de espécies fazem uso
mais direto de informações geográficas do que abordagens mais tradicionais. A
informação geográfica é crucial porque quase todas as espécies exibem variação
geográfica, e é possível existir grandes diferenças entre populações que estão
dentro de uma espécie antiga e de ampla distribuição geográfica do que entre
populações de espécies diferentes, mas separadas recentemente (De Queiroz&
Good, 1997).
Esta situação põe em questão todos os métodos que adotam como um critério
operacional um nível de divergência em particular, se derivado de casos de
estudos prévios, modelos teóricos, ou baseados em um critério mais arbitrário de
parcimônia. A informação geográfica é necessária para distinguir
descontinuidades verdadeiras (i.e., separação de linhagem) de diferenciação que
ocorre dentro da espécie como um resultado de fenómenos como o isolamento
por distância.
De Queiroz (2007) diz que não pretendeu revisar ou propor novos métodos,
mas apenas apontar que alguns deles representam um movimento de afastamento
dos critérios de espécies tradicionais, e em direcção a tratamento mais explícitos
do problema de delimitação de espécies como a inferência de linhagens evoluindo
separadamente. A etapa crítica na formação de uma nova espécie é a separação do
conjunto genético da espécie ancestral em dois conjuntos separados.
Posteriormente, cada conjunto génico isolado, as frequências dos genes e
alelos podem mudar como resultado da acção das forças evolutivas. Durante esse
período de isolamento, se diferenças significativas forem acumuladas, as duas
populações podem não mais trocar genes se voltarem a ocupar o mesmo espaço
(Figura 32). O fluxo génico, portanto, entre as populações pode ser interrompido
de diversas formas, cada uma das quais caracteriza um modo de especiação. A
seguir, apresentamos os três tipos mais clássicos de especiação disponíveis na
literatura.
128Figura 32. Esquema de divergência evolutiva provocada por isolamento reprodutivo de populações
ao longo do tempo. Quanto maior o tempo e menor o fluxo gênico entre populações, maior é a
diferenciação genética devido a taxas de mutação (µ1 e µ2) independentes em cada população
Sumário
Apesar de uma infinidade de definições, todas parecem concordar que
devemos assumir que as espécies são linhagens evolutivas independentes que vem
se diversificando no tempo e no espaço. Afinal, todas as espécies descendem de um
tronco central que se divide e ramifica com o passar do tempo em um processo
contínuo de ramificações. Dizer que uma espécie é mais proximamente relaciona
com outra tem implicações genéticas - os organismos possuem herança. E essa
herança pode ser definida, como a aquisição ou predisposição de organismos a
apresentar semelhanças ao organismo que o gerou. Tanto caracteres morfológicos
quanto moleculares são utilizados na construção de filogenias. A classificação deve
refletir a história evolutiva dos organismos. Os pontos de interesse para os cladistas
incluem a distinção de homologia e homoplasia e a identificação dos grupos
monofiléticos. Esses conceitos alternativos incluem o conceito evolutivo de
espécie, o conceito de coesão de espécie e o conceito filogenético de espécie.
Nenhum conceito é universalmente aceite por todos os zoólogos, porém os
zoólogos estão de acordo em que uma espécie deve constituir uma linhagem
populacional com uma história de descendência evolutiva distinta de outras
linhagens semelhantes. Um grande desafio é a produção da “árvore da vida”. A
129
utilização de genes é muito promissora, porém deve ser criteriosa para o
entendimento tanto da evolução quanto do desenvolvimento. Embora a
macroecologia tenha identificado muitos padrões gerais, as espécies estão
frequentemente ausentes do que parecem ser ambientes adequados, e espécies
intimamente aparentadas, que presumivelmente têm demandas ecológicas
semelhantes, frequentemente ocupam distribuições de extensões fantasticamente
diferentes.
Saiba mais
✓ Filogenia Mastigada 1: Princípios de Filogenia e conceitos básicos
http://evolucionismo.org/profiles/blogs/filogenia-mastigada-para-bi-logos-e-
demais-curiosos-1-princ-pios
✓ Filogenia Mastigada 2: Polarização de Séries de Transformações e o
conceito de Homoplasia
http://evolucionismo.org/profiles/blogs/filogenia-mastigada-para-bi-logos-e-
demais-curiosos-2-s-ries-de
✓ Filogenia Mastigada 3. Grupos Monofiléticos e Merofiléticos e a
filosofia por detrás da Filogenia
http://evolucionismo.org/profiles/blogs/filogenia-mastigada-3-grupos-monofil-
ticos-e-merofil-ticos-e-a
✓ Filogenia Mastigada 4 : Interpretando uma árvore filogenética
http://evolucionismo.org/profiles/blogs/filogenia-mastigada-4-interpretando-uma-
arvore-filogenetica-parte
✓ Filogenia Mastigada 5 – Interpretando uma árvore filogenética
http://evolucionismo.org/profiles/blogs/filogenia-mastigada-5-interpretando-uma-
arvore-filogenetica-2-2
✓ A Evolução da Metamorfose e a "Síndrome das Homonímias
Mascarantes" na Biologia
http://evolucionismo.org/profiles/blogs/a-evolu-o-da-metamorfose-e-a-s-ndrome-
das-sinon-mias-mascarantes
http://evolucionismo.org/profiles/blogs/filogenia-mastigada-para-bi-logos-e-demais-curiosos-1-princ-pios
http://evolucionismo.org/profiles/blogs/filogenia-mastigada-para-bi-logos-e-demais-curiosos-1-princ-pios
http://evolucionismo.org/profiles/blogs/filogenia-mastigada-para-bi-logos-e-demais-curiosos-2-s-ries-de
http://evolucionismo.org/profiles/blogs/filogenia-mastigada-para-bi-logos-e-demais-curiosos-2-s-ries-de
http://evolucionismo.org/profiles/blogs/filogenia-mastigada-3-grupos-monofil-ticos-e-merofil-ticos-e-a
http://evolucionismo.org/profiles/blogs/filogenia-mastigada-3-grupos-monofil-ticos-e-merofil-ticos-e-a
http://evolucionismo.org/profiles/blogs/filogenia-mastigada-4-interpretando-uma-arvore-filogenetica-parte
http://evolucionismo.org/profiles/blogs/filogenia-mastigada-4-interpretando-uma-arvore-filogenetica-parte
http://evolucionismo.org/profiles/blogs/filogenia-mastigada-5-interpretando-uma-arvore-filogenetica-2-2
http://evolucionismo.org/profiles/blogs/filogenia-mastigada-5-interpretando-uma-arvore-filogenetica-2-2
http://evolucionismo.org/profiles/blogs/a-evolu-o-da-metamorfose-e-a-s-ndrome-das-sinon-mias-mascarantes
http://evolucionismo.org/profiles/blogs/a-evolu-o-da-metamorfose-e-a-s-ndrome-das-sinon-mias-mascarantes
130
Auto-Avaliação
1. Pesquisa páginas na internet que fornecem árvores filogenéticas sobre os
principais grupos de seres vivos.
2. Prepare uma aula para o ensino médio com a utilização de árvores
filogenéticas, e compare-as com as imagens errôneas que geralmente são
comuns na internet (como a evolução do Homem ser linear, à partir dos
macacos, e não compartilhando um ancestral recente em comum)
3. Conceitue, em suas palavras, o que significa ‘cladogénese’.
4. Liste os principais atributos e tipos de dados que são utilizados
actualmente para reconstrução de árvores filogenéticas.
5. A especiação pode ocorrer rapidamente entre populações divergentes; no
entanto, o tempo entre eventos de especiação é frequentemente de mais de
milhões de anos. Explique por que essa aparente contradição.
131
Lição no 8: Tipos de especiação e factores relacionados à
divergência genética
Introdução
Dando continuidade ao assunto de especiação, esta lição abordará desta
vez os diferentes tipos de especiação mais comuns na natureza. Assim,
ficará mais explícitos quais eventos e processos são os maiores
impulsionadores para a divergência evolutiva. No entanto, desta vez
deveremos nos focar mais no nível de população, pois quaisquer duas
espécies proximamente relacionadas foram antes populações que
divergiram por algum motivo – seja ele de uma fonte ambiental ou
comportamental. A especiação pode ocorrer rápido ou devagar e pode
resultar de mudanças em poucos ou em muitos genes. Novas espécies
podem se formar rapidamente uma vez que comecem a divergir – mas
pode levar milhões de anos até isso acontecer. O intervalo de tempo entre
os eventos de especiação varia bastante: de poucos milhares a dezenas de
milhões de anos. Novos desenvolvimentos em genética permitiram aos
pesquisadores a identificação de genes específicos envolvidos em alguns
casos de especiação.
Objectivos
No fim desta lição você deverá ser capaz de:
• Indicar a diferença entre modelos de especiação na natureza;
• Descrever o processo de especiação, evidenciando as causas que fazem
populações ancestrais divergirem;
• Indicar a importância do isolamento reprodutivo no surgimento de novas
espécies.
132
8.1. A especiação alopátrica exige isolamento reprodutivo completo
A especiação resultante quando uma população é dividida por uma barreira
geográfica é chamada de especiação alopátrica (allo, diferente; patris, lugar de
origem – ou seja, pátrias diferentes’), ou especiação geográfica. Pensa-se que a
especiação alopátrica seja a forma predominante de especiação para a maioria dos
grupos de organismos.
A área de vida de uma espécie pode ser dividida por uma barreira, como
um curso d´água para organismos terrestres, ou terra seca para indivíduos
aquáticos, ou uma cadeia de montanhas. As barreiras podem se formar pela deriva
dos continentes, de transgressões marinhas ou de mudanças no clima. As
populações separadas dessa forma costumam ser grandes inicialmente. As
diferenças entre elas evoluem porque os locais onde permanecem são, ou se
tornam, diferentes (Figura 33).
Figura 33. Mecanismos subjacentes ao processo de especiação alopátrica.
De maneira alternativa, a especiação alopátrica pode ocorrer quando
alguns membros de determinada população cruzam uma barreira e formam nova
133
população.Nesse caso, as populações recém-formadas diferenciam-se
geneticamente das populações parentais porque o pequeno grupo de indivíduos
fundadores é uma representação incompleta dos genes encontrados na população-
fonte.
Os tentilhões do arquipélago de Galápagos, a 1.000 km da costa do
Equador, demostram a importância do isolamento geográfico na especiação. Os
tentilhões-de-Darwin (como são normalmente chamados, pois Darwin foi o
primeiro cientista a estudá-los, e eles foram fundamentais para o desenvolvimento
de suas ideias sobre evolução por selecção natural) surgiram em Galápagos pela
especiação de uma única espécie sul-americana que colonizou as ilhas. Hoje,
existem 14 espécies de tentilhões em Galápagos, e todas diferem de maneira
marcante do tiziu (um tentilhão granívoro da América do Sul), seu mais provável
ancestral (Purves et al., 2006).
As ilhas de Galápagos são isoladas o bastante umas das outras, de modo
que os tentilhões raramente migram entre elas. Além disso, as condições
ambientais também diferem entre as ilhas. Algumas são relativamente planas e
áridas; outras possuem escarpas cobertas por floresta. As populações de tentilhões
nas diferentes ilhas diferenciam-se o suficiente umas das outras de tal forma que
quando migrantes ocasionais chegam de outras ilhas, eles ou não cruzam com as
espécies residentes ou, se o fazem, a prole resultante não sobrevive tão bem
quanto aquela de pares residentes. Assim, as diferenças genéticas entre as
diversas populações, bem como sua unidade, são mantidas.
134
8.2. A especiação simpátrica ocorre sem separação física
A subdivisão de um conjunto génico quando os membros da espécie-filha não
estão separados geograficamente da espécie-mãe é chamada de especiação
simpátrica (sym, com; patris, mesmo lugar de origem; ou seja, ‘mesmo lugar’).
O modo mais comum de especiação simpátrica (Figura 34) é por poliploidia em
plantas, um aumento no número de cromossomos. A poliploidia surge de duas
formas. Uma delas é a produção acidental, durante a divisão celular, de células
contendo quatro (tetraploide) em vez de dois (diploide) conjuntos de
cromossomos.
Figura 34. Exemplo de especiação simpátrica, onde o processo de divergência evolutiva ocorre sem
necessidade de isolamento geográfico. Nesse caso, a especiação pode ser causada por
especialização de nicho.
135
Esse processo produz um indivíduo que possui mais de dois conjuntos de
cromossomos derivados de uma única espécie. Tal indivíduo é incapaz de
produzir prole fértil caso se cruze com diplóides, mas pode produzi-la se
fertilizar-se ou cruzar-se com outros indivíduos tetraplóides. Entre os animais, a
especiação simpátrica é aparentemente rara, mas pode resultar de uma selecção
específica sobre lugares de vida e de reprodução pelos indivíduos (Via, 2001).
8.3. A especiação parapátrica separa populações adjacentes
Algumas vezes o isolamento reprodutivo desenvolve-se em populações
subjacentes (i.e., vizinhas, próximas) na ausência de uma barreira geográfica.
Esse tipo de especiação, conhecido como especiação parapátrica (para, ao lado),
é na verdade uma espécie alopátrica na qual o limite que separa as populaçõess
não é uma barreira física, mas uma diferença de condição. Para que a especiação
parapátrica ocorra, a selecção natural deve ser muito mais forte do que o fluxo
génico. De outra forma, o fluxo génico evitaria a diferenciação entre as duas
populações. Desta forma, qualquer factor que reduza o fluxo génico ou aumente o
gradiente de pressões selectivas, entre pequenas distâncias, pode gerar condições
favoráveis à especiação parapátrica (Figura 35).
Figura 35. Esquema do processo de especiação parapátrica. O uso de recursos distintos entre as
populações, como o tipo de solo, alimento e nutrientes de uma mesma região geográfica pode fazer
com que populações da mesma espécie utilizem nichos diferentes em uma mesma região
136
geográfica.
Alguns desses factores são gerados por mudanças abruptas nas condições
do solo como as criadas pela actividade mineradora, que deixa os restos de
cascalho com altas concentrações de metais pesados, como o chumbo e o zinco.
Os solos formados com tais refugos contêm concentrações de metais pesados que
são danosos ao crescimento da maioria das plantas. Há uma forte selecção
favorecendo a tolerância a metais pesados nas plantas que crescem nesses locais.
Nos últimos séculos, as plantas capazes de crescimento nesse tipo de solo
evoluíram em várias espécies de gramíneas. Uma delas é a Anthoxanthum
odoratum.
Um isolamento reprodutivo quase completo existe entre populações de A.
odoratum que crescem em solos originados de refugos e outras populações que
crescem em solo normal, pois seu florescimento se dá em épocas diferentes. Além
disso, as plantas tolerantes a metal pesado se autopolinizam mais frequentemente
do que as plantas de solos normais, reduzindo ainda mais o fluxo génico. O
isolamento reprodutivo entre as plantas tolerantes e intolerantes a metais pesados
é quase completo, demonstrando que o fluxo génico pode diminuir ou crescer
mesmo na ausência de uma barreira física distinta (Purves et al., 2006).
Cada espécie pode sobreviver apenas sob certo conjunto de condições
ambientais, as quais definem seu nicho ecológico. Se não existissem
competidores, predadores ou organismos patogénicos em seu ambiente, uma
espécie seria capaz de sobreviver sob uma amplitude mais ampla de condições
ambientais (seu nicho fundamental) do que faria na presença de outras espécies
que a afetam negativamente (seu nicho realizado). Por outro lado, a presença de
espécies benéficas pode aumentar a gama de condições físicas nas quais uma
espécie pode sobreviver.
Segundo Hutchinson (1957), nós podemos desenhar um gráfico
bidimensional no qual o único ponto represente um ambiente comum a
temperatura e tamanho de presa particulares. Parte desse espaço representa, então,
a gama de possibilidades da qual uma espécie pode persistir. Podemos adicionar
um terceiro eixo, correspondendo, digamos, à salinidade, definindo deste modo
um espaço tridimensional que contém a região que representa combinações
137
toleráveis de temperatura, tamanho de presa e salinidade (Figura36). Assim, em
relação a determinadas variáveis ambientais, uma população pode ter um nicho
amplo ou estreito; em outras palavras, ela pode ser relativamente especializada ou
generalizada.
Figura 36. Modelo de sobreposição de nichos, baseado em Hutchinson, 1957.
Dessa forma, é fácil perceber que ao se tomar qualquer acção
conservacionista é necessário levar em conta toda a complexidade de interações
biológicas e abióticas de um dado local. Ou seja, os ambientes também devem ser
pensados como possuidores de características únicas que evoluíram ao longo de
milhares de anos. Ao estabelecermos Parques Nacionais para preservar locais
estratégicos e de importância ecológica, evolutiva e até mesmo cultural, estamos
agindo de forma a resguardar toda a complexidade e unicidade biológica ali
presentes
.
138
Sumário
O conceito biológico de espécie enfatiza o isolamento reprodutivo e, em
suma, definimos uma espécie biológica como um grupo de populações cujos
indivíduos têm o potencial de cruzar e produzir prole viável e fértil entre si, mas
não com membros de outras espécies. O conceito biológico de espécie enfatiza o
isolamento reprodutivo por meio de barreiras pré e pós-zigóticas que separam os
pools gênicos. Entretanto, embora seja útil pensar como a especiação ocorre, o
conceito biológico de espécie tem as suas limitações. Por exemplo, ele não pode ser
aplicado a organismos conhecidos apenas como fósseis ou a organismos que se
reproduzem apenas assexuadamente. Assim, cientistas usam outros conceitos de
espécie, como o conceito morfológicode espécie, em certas circunstâncias. Na
especiação alopátrica, o fluxo génico é reduzido quando duas populações de uma
espécie se tornam geograficamente separadas. Uma ou ambas as populações podem
sofrer mudanças evolutivas durante o período de separação, resultando no
estabelecimento de barreiras pré ou pós-zigóticas para a reprodução. Já na
especiação simpátrica, uma nova espécie pode se originar na mesma área
geográfica da espécie parental. Espécies de plantas (e mais raramente de animais)
evoluíram simpatricamente por poliploidia. A especiação simpátrica também pode
ser resultado de mudanças de hábitat e de selecção sexual.
Saiba mais
✓ O que é uma espécie? Artigo da revista Scientific American (em
português) que mostra que ainda hoje cientistas continuam a debater essa questão.
Uma melhor definição poderá alterar a lista das espécies ameaçadas.
http://www2.uol.com.br/sciam/aula_aberta/o_que_e_uma_especie_.html
✓ Revisão dos diferentes conceitos de espécie. Acesse os seguintes links da
Unviersidade de São Paulo (USP) para rever os principais conceitos e explicações
para o que seria – e como se formaria – uma espécie.
http://www.ib.usp.br/evosite/evo101/VA1BioSpeciesConcept.shtml
http://www.ib.usp.br/evosite/evo101/VA2OtherSpeciesConcept.shtml
http://www2.uol.com.br/sciam/aula_aberta/o_que_e_uma_especie_.html
http://www.ib.usp.br/evosite/evo101/VA1BioSpeciesConcept.shtml
http://www.ib.usp.br/evosite/evo101/VA2OtherSpeciesConcept.shtml
139
✓ Por que há tantas espécies no mundo? Acesse o artigo discute modelos
propostos para explicar processo que criou a grande diversidade de seres
vivos, e utiliza como analogia a história da Rainha Vermelha e o Bobo da
Corte!
http://cienciahoje.uol.com.br/revista-ch/revista-ch-2009/258/a-rainha-
vermelha-e-o-bobo-da-corte
✓ Novos estudos podem ajudar a conservar serpente com características
únicas. Veja este artigo da revista Ciência Hoje que A fauna das ilhas de
pequeno porte é em geral pouca diversificada. Muitos animais insulares,
porém, são endêmicos – só ocorrem naquela ilha. Um exemplo, no Brasil, é
a jararaca-ilhoa, serpente venenosa que vive na ilha da Queimada Grande,
em São Paulo. Nos últimos sete anos, o modo de vida dessa espécie
ameaçada vem sendo estudado detalhadamente, o que será útil para a sua
conservação.
http://eco.ib.usp.br/labvert/insularis%20ciencia%20hoje.pdf
✓ Até que os Andes os separem. Cientistas descrevem nova aranha e
apontam ancestral comum às quatro espécies do seu género.
http://cienciahoje.uol.com.br/noticias/zoologia/ate-que-os-andes-os-
separem/
Auto-Avaliação
1. Enumere três tipos de especiação descritos na literatura, e dê exemplos de
espécies endêmicas da flora e da fauna do seu país ou região.
2. Pesquise por reportagens ou artigos científicos relacionados à descrição de
novas espécies e liste os principais conceitos da lição que estão relacionados
ao manuscrito.
3. Diferencie, com suas palavras, a relação entre especiação simpátrica e
parapátrica. Dê exemplos.
4. Qual dos seguintes factores não contribui para a especiação alopátrica?
a) A população separada é pequena e ocorre deriva genética
b) A população isolada é exposta a pressões de selecção diferentes
http://cienciahoje.uol.com.br/revista-ch/revista-ch-2009/258/a-rainha-vermelha-e-o-bobo-da-corte
http://cienciahoje.uol.com.br/revista-ch/revista-ch-2009/258/a-rainha-vermelha-e-o-bobo-da-corte
http://eco.ib.usp.br/labvert/insularis%20ciencia%20hoje.pdf
http://cienciahoje.uol.com.br/noticias/zoologia/ate-que-os-andes-os-separem/
http://cienciahoje.uol.com.br/noticias/zoologia/ate-que-os-andes-os-separem/
140
daquelas da população ancestral
c) Mutações diferentes começam a distinguir o pool génico das
populações separadas
d) O fluxo génico entre as duas populações é alto
5. Prepare um plano de aula para o ensino fundamental ou médio sobre os
mecanismos de especiação, elaborando, ao final, alguma actividade didáctica
em grupo para discussão.
6. Qual a base biológica para a designação de uma só́ espécie para as
populações humanas? Você̂ consegue imaginar um cenário em que uma
segunda espécie humana se origine no futuro?
7. Nos Estados Unidos, o raro lobo vermelho (Canis lupus) tem hibridizado
com o coiote (Canis latrans), muito mais numeroso. Embora os lobos
vermelhos e coiotes sejam diferentes em termos de morfologia, DNA e
comportamento, evidências genéticas sugerem que os indivíduos actuais de
lobo vermelho sejam, na verdade, híbridos. Os lobos vermelhos são
considerados uma espécie ameaçada de extinção; portanto, recebem proteção
legal no “Endangered Species Act” (Lei Americana de Espécies Ameaçadas).
Algumas pessoas pensam que a sua condição de espécie ameaçada deve ser
retirada, pois os lobos vermelhos remanescentes na verdade são híbridos e
não membros de uma espécie “pura”. Você concorda? Por quê?"
141
Pág. 142- 151
Tipo de Evolução
Contents
Lição no 9 Os rumos da evolução: linhagens
convergentes e divergentes
9.1. . Evolução convergente: nem todas as características
semelhantes são homólogas 144
9.2. Gradualismo: surgimento lento e gradual de novas
linhagens 147
9.3. Equilíbrio Pontuado: rápidas mudanças em curtos
períodos (geológicos) de tempo
Conteúdos
3
U
N
ID
A
D
E
142
Unidade no 3: Tipo de Evolução
Introdução
A evolução pode seguir muitos caminhos a partir da ancestralidade em
comum, e esses caminhos reflectem certos padrões detectáveis pela ciência. Ter
investigado os mecanismos e processos subjacentes à especiação nas lições
anteriores nos dá agora um ferramental teórico e metodológicos para
continuarmos nossa saga em busca das pegadas deixadas pela evolução. Aqui
ficará mais evidente as que as estruturas que propiciam a adaptação dos
organismos aos seus ambientes não precisam necessariamente ser “criadas”,
surgindo como novidades evolutivas. Ao contrário, elas são modificadas, e se
essas modificações trouxerem vantagens, elas permanecem; se não, elas não serão
favorecidas pelo ambiente.
Objectivos
Ao completar esta unidade, você será capaz de:
• Definir o conceito de evolução molecular da molécula de DNA;
• Reconhecer as linhas de investigação evolutiva em escala geológica;
• Descrever as principais teorias relacionadas aos padrões de história de
vida documentados nos registros fósseis;
• Argumentar a respeito dos tipos de evolução e seus distintos padrões
possíveis.
143
Lição no 9: Os rumos da evolução: linhagens convergentes e
divergentes
Introdução
Nesta lição veremos os diferentes padrões evolutivos com a que vida
moldou os organismos. Há organismos que compartilham semelhanças
morfológicas que são definidas mais por suas ecologias do que pela ancestralidade
recente. Por outro lado, os caminhos trilhados pela evolução são testemunhos de
que uma maior divergência evolutiva geralmente requer um tempo maior para que
ocorra a diversificação. De qualquer forma, os cientistas conseguem identificar
padrões importantes na natureza que nos auxilia a desembaraçar a história
evolutiva dos organismos.
Objectivos
No fim desta lição você deverá ser capaz de:
• Identificar a direcção da diversificação biológica em termos de
divergência ou convergência evolutiva;
• Reconhecer os padrões pelos quais novas linhagens surgem no registro
fóssil;
• Discutir a respeito das áreas de pesquisas que actualizaram e
complementaram o entendimento sobre os registros fósseis.
144
9.1. . Evolução convergente: nem todas as características semelhantes são
homólogas
Entre os vertebrados, tanto os crocodilos quanto os hipopótamos têm
olhos localizados na parte superior de seus crânios, e não nas laterais.Todavia, os
crocodilos possuem um conjunto de características que os identificam como
répteis, enquanto os hipopótamos compartilham a pelagem, a lactação e outros
traços/atributos derivados com os mamíferos.
Freeman & Herron (2009) discutem que as diferenças morfológicas,
como olhos e crânios evoluem independentemente em diferentes linhagens,
devido à evolução convergente, que ocorre quando a selecção natural favorece
estruturas similares como soluções a problemas criados por ambientes similares.
Tanto os hipopótamos quanto os crocodilos passam grande parte do dia
submersos na água, portanto propõe-se a hipótese de que a localização de seus
olhos na parte superior do crânio tenha sido uma vantagem adaptativa fornecida
pela selecção natural ao longo da evolução, pois ajuda-os a ficar alertas às presas
ou aos predadores enquanto mantém as cabeças refrescadas e ocultas (Figura 37).
Outros exemplos da evolução convergente incluem as asas dos morcegos e das
aves, as formas aerodinâmicas dos tubarões e baleias, as semelhanças
morfológicas entre mamíferos placentários da América do Sul e os mamíferos
marsupiais da Austrália. Devido ao habitat ou a hábitos de vida semelhantes à
evolução acaba por gerar características e adaptações similares em grupos
biológicos de linhagens distintas (Freeman & Herron, 2009).
Figura 37. Exemplos de evolução convergente. Embora sejam vertebrados de grupos distintos,
tanto o hipopótamo (A) quanto o crocodilo (B) apresentam características morfológicas semelhantes
devido ao hábitat em que vivem. Fonte das figuras: Wikimedia (www.commns.wikimedia.org)
145
Ridley (2006) nos oferece outro exemplo bem conhecido a respeito de
evolução convergente na literatura, e desta vez em nível molecular. Os resultados
de pesquisas nos dão indícios de que o gene da lisozima evoluiu de forma
convergente nos mamíferos que digerem celulose. A lisozima é uma enzima
altamente difundida, utilizada na defesa contra bactérias. A enzima faz buracos na
parede celular bacteriana, causando o rompimento da célula bacteriana. A
lisozima é encontrada nos fluidos corporais, como na saliva, no soro sanguíneo,
na lágrima e no leite.
Em dois grupos de mamíferos, ruminantes (tais como gado e ovelha) e
macacos colobíneos comedores de folhas (tais como lêmures), uma nova versão
de lisozima evoluiu adicionalmente. Ambos os táxons utilizam a lisozima para
digerir bactérias em seus estômagos. As próprias bactérias do estômago digerem
celulose das plantas, e o gado e os lêmures, por sua vez, obtém nutrientes a partir
da celulose digerindo a bactéria.
Ruminantes e macacos colobíneos secretam lisozima em seus estômagos,
os quais são ambientes mais ácidos do que os encontrados nos fluidos corporais
normais. Quando as sequências das lisozimas do estômago de ruminantes e
colobíneos foram comparadas com a sequência da lisozima padrão, verificou-se
que ocorreram várias trocas de aminoácidos idênticas, de forma independente nas
duas linhagens (Figura 38). As trocas de aminoácidos permitiram à lisozima
trabalhar melhor em ambientes acidificados, bem como forneceu outras
vantagens.
146
Figura 38. Evolução convergente das lisozimas estomacais em lêmures e ruminantes. Nas
linhagens evolutivas que levam aos lêmures e ao gado, as trocas ocorreram nos mesmos cinco sítios
na proteína lisozima, e as trocas foram similares ou idênticas. Os números referem-se aos sítios de
aminoácidos na proteína.
As lisozimas de ruminantes e macacos colobíneos são um exemplo de
evolução convergente. A convergência é normalmente devida à adaptação a um
ambiente comum. Nesse caso, a convergência é uma boa evidencia de que a
selecção esteve agindo sobre o gene da lisozima. O exemplo pode ser reforçado
de duas maneiras. A primeira é que uma terceira espécie, um pássaro sul-
americano, denominado hoatzin (Opisthocomus hoazin), também evoluiu a
digestão da celulose de forma independente.
Ele também usa uma lisozima secretada em seu estômago para digerir
bactérias que digerem celulose. O gene da lisozima do hoatzin é relacionado
147
àqueles reorganizados em ruminantes e lêmures, mas ele apresenta o mesmo
conjunto de trocas de aminoácidos. Em segundo lugar, a evolução da lisozima em
ruminantes e no gado apresenta uma razão dN/dS elevada, o que é sugestivo de
evolução adaptativa fortalecida pela selecção, como vimos na seção anterior
(Messier & Stewart, 1997; Ridley, 2006)
9.2. Gradualismo: surgimento lento e gradual de novas linhagens
Darwin, ao longo de seus trabalhos, argumentava que a evolução procedia
por pequenas mudanças sucessivas (gradualismo) ao invés de grandes saltos
(saltacionismo). A evolução teria sido lenta e gradual, pelo acúmulo de mutações.
Este acúmulo mutacional, resultaria na existência de várias formas intermediárias
desde o ancestral até a forma actual. A este processo de especiação Darwin
chamou de gradualismo.
Ao observar diferentes fenótipos dentro de uma espécie animal, como
cães e bovídeos, Darwin supunha que essas diferenças na forma e tamanho
representariam uma continuidade evolucionária, e esta continuidade deveria estar
representada nos registros fósseis. Entretanto, os achados fósseis actuais
revelaram uma grande descontinuidade de fenótipos em alguns grupos de
animais. Um exemplo é a falta de intermediários entre as baleias e os demais
mamíferos, assim como entre as briófitas e as plantas vasculares.
A falta de registros fósseis acabou se tornando um ponto contra a teoria
de Darwin, pois não confirmaria o gradualismo entre as novas linhagens. Para
Darwin, esta falta de uma sequência longa e contínua de formas intermediárias
ligando o ancestral e o descendente ocorreria porque o registro fóssil é muito
incompleto, estes intermediários ainda não foram ou nunca serão descobertos
(Freeman & Herron, 2009).
Mas é possível que nossas espécies possam surgir ‘aos saltos’? Antes
de Darwin, muitos investigadores acreditavam que as espécies poderiam surgir de
forma abrupta, por “saltos”. Cientistas como Hugo de Vries achavam que os
pássaros se originaram dos dinossauros por saltos, e o embriologista Karl Ernst
Von Baer, foi um entusiasta da proposta. Os que defendiam o saltacionismo,
como o geneticista Richard Goldschmidt e o paleontólogo Otto Schindewolf,
148
postulavam que o saltacionismo consistia no principal meio de surgimento de
novas linhagens.
Ele resultaria da fixação de uma simples mutação de grande efeito, ou
seja, uma súbita mudança de uma geração para a seguinte, em comparação com a
variação normal de um organismo, resultando em novas espécies. Freeman &
Herron (2009) discutem que a hipótese do saltacionismo se apoiava
principalmente na falta de fósseis intermediários. Com isto eles supunham que
esta falta de fósseis indicariam os episódios de “salto” nas linhagens evolutivas.
Ao contrário do gradualismo, o saltacionismo assegurava que os estágios
intermediários nunca existiram e que os descendentes mutantes diferem
drasticamente de seus pais.
9.3. Equilíbrio Pontuado: rápidas mudanças em curtos períodos (geológicos)
de tempo
Em 1972, surgiu uma teoria científica formulada pelos paleontólogos
evolucionistas Stephen Jay Gould e Niles Eldredge, denominada de equilíbrio
pontuado (pontualismo ou teoria dos equilíbrios intermitentes). Segundo essa
teoria, a evolução de uma espécie não ocorre de forma constante, mas alternada
em períodos de poucas mudanças ao longo do tempo geológico, e quando estas
mudanças ocorrem, elas se dão com súbitos saltos, de forma rara e localizada,
diferentemente do gradualismo (Figura 39). Para eles, a evolução acontece em
saltos relativamente rápidos, de cerca de 10.000 anos. Uma vez desenvolvidas, as
espécies tendem a se manter constantes por até milhões de anos, um período
denominado estase (Futuyma, 1992; Ridley,2006).
149
Figura 39. Diferença entre gradualismo e equilíbrio pontuado ao longo do tempo. Note que no
gradualismo as mudanças vão ocorrendo de forma lenta e gradual de forma que o aparecimento de
novas espécies ocorre de forma sutil. Já no equilíbrio pontuado, as taxas de mutações são mais
rápidas e quando surge uma nova espécie, este evento ocorre por pequenos ‘saltos’.
Este entendimento, para compreensão da especiação, fundamentou--se em
questionamentos acerca da descontinuidade do registro fóssil, consequência da
não constatação de indícios com relação às mudanças graduais. Este tipo de
mudança brusca pode ocorrer quando há mutações em genes reguladores do
desenvolvimento embrionário, gerando uma mudança repentina na prole.
Em geral, este tipo de mudança gera mudanças adaptativas com defeito,
mas se uma destas mutações é adaptativa, como poderia ser o surgimento de uma
pluma em vez de uma escama, como foi o aparecimento dos primeiros pássaros a
partir de uma linhagem de dinossauros, esta mudança na população seria definida
para transmitir aos descendentes. Um exemplo citado por Gould é o ‘sexto dedo’
do urso panda (Figura 40). Na verdade, não existe um sexto dedo no panda, o que
aconteceu foi uma mutação vantajosa no desenvolvimento do gene regulador do
pulso que lhe permitiu ter um osso longo e preênsil, que funciona como um
polegar, possibilitando ao panda obter alimento e apreendê-lo com as mãos, o que
o resto dos ursos plantígrados não conseguem (Gould, 1989).
150
Figura 40. Ilustração da anatomia do "polegar" do urso panda — que não é um polegar de todo —
mas uma extensão do sesamoide radial que o animal utiliza para prender os brotos e talos de bambu
que consome, como se fosse realmente um polegar.
Sumário
O processo darwiniano é o gradualismo, porém o gradualismo interpõe várias
vertentes e dificuldades, como a questão da quebra do registro fóssil. A irradiação
adaptativa e extinção também são fenómenos que justificam a biodiversidade e
precisam ser melhores estudadas para saber como esses processos alteram e/ou
alteraram a quantidade de espécies do nosso planeta. Para isso, a biologia deve
estar aliada à geologia e outras áreas de pesquisa para expandirmos nosso
conhecimento sobre o passado biológico do planeta.
Saiba mais
✓ Artigo sobre Stephen J. Gould, “O detetive da evolução”. Com olhar
apurado e cérebro afinado, Stephen Jay Gould via teorias complexas e
histórias maravilhosas onde os outros só enxergavam ossos e rochas.
Conheça esse discípulo rebelde de Darwin.
http://super.abril.com.br/ciencia/biologo-stephen-jay-gould-o-detetive-da-
evolucao
http://super.abril.com.br/ciencia/biologo-stephen-jay-gould-o-detetive-da-evolucao
http://super.abril.com.br/ciencia/biologo-stephen-jay-gould-o-detetive-da-evolucao
151
Auto-Avaliação
1. Procure o significado mais amplo de gradualismo em contraponto à teoria
do equilíbrio pontuado.
2. Proponha um plano de aula para o Nível Médio para este módulo.
3. Pesquise exemplos de evolução convergente e divergente, ressaltando suas
características morfológicas e seus aspectos ecológicos.
4. De acordo com o modelo de equilíbrio pontuado:
a) Depois de um tempo suficiente, a maioria das espécies existentes irão
se ramificar gradativamente em novas espécies
b) A maioria das espécies novas acumula as suas características
exlusivas tão rápido quanto surgem, sofrendo poucas mudanças pelo
resto de suas vidas como espécies
c) A evolução ocorre principalmente em populações simpátricas
d) A especiação ocorre geralmente devido a uma única mutação.
5. Pesquise sobre o cientista Stephen Jay Gould, salientando aspectos
importantes de sua biografia. Enfatize as obras que mais impactaram os
estudos sobre o registro fóssil de organismos já existiram no planeta.
152
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Origem da Terra e da Vida
Ficha técnica ................................................................................................................................................................... 2
Lição no 10: . Tempo geológico e histórico da Terra
10.1. Origem do universo e origem do nosso sistema solar
10.2. A origem da vida e o surgimento das primeiras células
Lição no 11: Teorias sobre a complexidade e
diversificação da vida
11.1. A origem da vida pluricelular
11.2. Evolução dos sistemas de respiração e fotossíntese
11.3. A ‘explosão do cambriano’ e o florescimento e
diversificação da vida
Conteúdos
4
U
N
ID
A
D
E
153
Unidade no 4: Origem da Terra e da Vida
Introdução
Até hoje não existe uma resposta científica definitiva sobre a origem da
vida no planeta. A primeira ideia foi a de que a vida teria vindo do espaço, fruto
de uma "semente" de outro planeta. Hoje a hipótese mais difundida é a da origem
terrestre. A vida surge há cerca de 3,5 bilhões de anos quando o planeta tem uma
composição e atmosfera bem diferentes das actuais. As primeiras formas surgem
em uma espécie de caldo de cultura resultante de complexas reações químicas e
de radiação cósmica. Assim como explicar "o que é a vida" é ainda mais obscuro
para a Biologia explicar "como surgiu a vida". Existem várias teorias que buscam
esclarecer como isso ocorreu. Algumas delas convivem actualmente e não há
como comprová-las ou refutá-las. Outras teorias, como a da Geração Espontânea
tiveram grande valor e impacto na época em que foram divulgadas, mas hoje já
foi provado que partem de premissas equivocadas.
Objectivos
Ao completar esta unidade, você será capaz de:
• Descrever as teorias relacionadas ao surgimento dos primeiros seres
vivos;
• Analisar as principais evidências da origem da organização celular;
• Ordenar os eventos e explicar a evolução das células e do metabolismo
celular;
• Explicar os processos relacionados à evolução do metabolismo celular;
• Destacar os mecanismos relacionados à diversificação da vida na Terra.
154
Lição no 10: . Tempo geológico e histórico da Terra
Introdução
O planeta Terra possui aproximadamente 4,6 bilhões de anos, o que pode
ser considerado muito tempo, em função das referências que têm. Para nós, seres
humanos, esse tempo é quase que inimaginável, uma vez que nossa existência no
mundo data de algumas centenas de milhares de anos. A invenção da escrita e a
constituição das primeiras civilizações, por sua vez, são ainda mais recentes,
iniciando-se há cerca de sete mil anos ou até menos. Em razão dessa brutal
diferença de tempo, torna-se importante estabelecer a distinção entre a escala de
tempo geológico e a escala de tempo histórico. O tempo geológico refere-se ao
processo de surgimento, formação e transformação do planeta Terra.
Objectivos
No fim desta lição você deverá ser capaz de:
• Identificar as principais hipóteses relacionadas à origem do universo e de
nosso sistema solar;
• Discutir sobre as principais hipóteses relacionadas à origem da vida na
Terra.
• Entender que as tendências evolutivas podem ser causadas por factores
como a selecção natural em um ambiente que se modifica;
• Reconhecer que as tendências evolutivas resultam de interações entre os
organismos e os seus ambientes actuais.
155
10.1. Origem do universo e origem do nosso sistema solar
A história da vida na terra é muitas vezes difícil de compreender pelo
intelecto humano, que está acostumado a medir sua história em centos ou milhões
de anos; mas para poder compreendê-la melhor, temos que ampliar nossa escala
temporal para centenas de milhões ou bilhões de anos. Os avanços no
conhecimento da história da vida no planeta têm exigido e gerado profundas
modificações no pensamento científico, filosófico e religioso dos humanos.
Areconstrução da história da vida no planeta não tem sido uma tarefa fácil.
Mesmo com o desenvolvimento de novas tecnologias, que nos permitem estudar
traços de bactérias e outros microrganismos em rochas de alguns bilhões de anos,
o Homem ainda está longe de descrever completamente os sucessos que levaram
à aparição e evolução da vida na terra, e com certeza alguns deles nunca serão
esclarecidos.
Antes dos primeiros organismos terem aparecido na Terra, ela passou por
um longo período de alguns bilhões de anos (para o leitor menos observador e
pouco amigo da matemática é bom esclarecer que um bilhão de anos é
representado por: 1.000.000.000) que poderíamos chamar de “preparatório”, onde
se desenvolveram as condições necessárias para o desenvolvimento da vida como
a conhecemos (Ridley, 2006).
Tudo parece ter começado com uma grande explosão. Aproximadamente
entre 18 a 10 bilhões de anos atrás o universo pode ter sido formado a partir de
uma grande explosão: o Big-Bang. Segundo esta teoria toda a matéria do universo
contida em um volume menor ao de um átomo se transformou em uma enorme
quantidade de matéria e energia, em uma explosão que durou poucos segundos. A
condensação da poeira interestelar e gases cósmicos derivados do Big-Bang
formaram as galáxias e sistemas incluindo o sistema solar. Segundo as pesquisas
astronômicas, o sistema solar teria se formado há aproximadamente 4,5 bilhões
de anos, originando inicialmente o sol e posteriormente os planetas, suas luas e
asteroides.
156
10.2. A origem da vida e o surgimento das primeiras células
A maior parte das pesquisas sobre a origem da vida não é com fósseis, mas
consiste em pesquisa de laboratório sobre o tipo de reações químicas que também
poderiam ter acontecido na Terra há 4 bilhões de anos. Ridley (2006) usa uma
analogia interessante para a arquitetura da vida em nosso planeta: “muitos dos
tijolos das construções moleculares da vida (como os aminoácidos, os açúcares e os
nucleotídeos) podem ser sintetizados a partir de uma solução de moléculas mais
simples, do tipo que provavelmente existia nos mares pré-bióticos, se uma descarga
elétrica, ou a radiação ultravioleta a atravessar. Existindo os tijolos para a
construção molecular, o passo crucial seguinte é a origem de uma molécula
replicável e simples”.
Embora não saibamos qual era a molécula replicável mais ancestral, várias
linhas de evidência sugerem que a molécula de RNA precedeu molécula de DNA.
Por exemplo, o RNA (que é uma fita de DNA única) é mais simples do que o
DNA, que sempre é de dupla-fita. O DNA precisa de enzimas para “abrir” suas
duas fitas para que a informação nos nucleotídeos seja lida ou replicada.
O DNA sempre assume a estrutura de dupla hélice. O RNA, de modo
diverso, pode interagir directamente com seu ambiente. Ele pode ser lido ou
replicado directamente. Dependendo de sua sequência nucleotídica, ele também
pode assumir várias estruturas diferentes. Uma molécula auto-replicável é um dos
mais simples sistemas vivos imagináveis, que devem ter tido um papel importante
nas “experiências com a sopa pré-biótica” que provavelmente produziram os
primeiros ácidos nucleicos do planeta (Ridley, 2006; Freeman & Herron, 2009).
Ridley (2006) trata desse assunto salientando a fase (hipotética) primordial
da vida, quando o RNA era usado como molécula hereditária, que é chamada de
“mundo do RNA”. A vida passou a usar o DNA mais tarde na história. Um motivo
para a mudança de RNA para DNA pode ter sido que a vida baseada em RNA era
limitada pela taxa de mutação relativamente alta do RNA. Formas de vida mais
complexas não poderiam evoluir antes que a taxa de mutação se reduzisse. A
evolução do DNA teria reduzido a taxa de mutação, ou a teria levado à redução. O
registro fóssil revela pouco sobre a origem da vida porque, nesta, os eventos eram
157
em escala molecular. Entretanto, o registro revela-nos alguma coisa sobre a
cronologia e leva-nos à etapa seguinte.
Estima-se que a Terra tem cerca de 4,5 bilhões de anos de existência.
Durante as primeiras poucas centenas de milhões de anos, acredita-se que nosso
planeta tenha sido bombardeado por enormes asteroides, que vaporizaram todos os
oceanos. As temperaturas eram altas demais para permitir a vida. Provavelmente,
há mais de 4 bilhões de anos, a vida não poderia ter-se originado.
Das rochas conhecidas, as mais antigas ficam em um sítio na Groenlândia,
e têm 3,8 bilhões de anos. Elas contêm traços químicos do que podem ser ou não
fósseis químicos de formas de vida (van Zuilen et al., 2002). Existem outras
evidências de células fósseis no período de 3 a 3,5 bilhões de anos (Knoll &
Baghoorn, 1977, e Schopf, 1999, por exemplo, revisam as evidências). Portanto,
provavelmente as células evoluíram cerca de 3,5 bilhões de anos atrás, ou um
pouco depois disso. É mais ou menos por essa época que se acredita que a vida
microbiana procariótica parece ter existido em vários ambientes e ter desenvolvido
vários processos metabólicos (Ridley, 2006).
Uma vez que o surgimento de membranas que delimitaram essas unidades
básicas da vida, as células, foi possível que moléculas replicadoras ficassem
encerradas dentro desse novo ambiente e seus produtos metabólicos ficassem
confinados a um meio diferente do meio externo. Outra vantagem das membranas
celulares é que as enzimas metabólicas podem organizar-se espacialmente; daí,
uma cadeia de reações metabólicas pode operar em uma sequência eficiente.
Portanto, as primeiras células provavelmente não eram muito mais do que uma
molécula replicadora rodeada por membranas ou organizada dentro delas. As
células procarióticas modernas são versões complexas dessa forma de vida (Ridley,
2006).
A divisão classificatória mais inicial da vida celular é uma árvore
trifurcada em arques, bactérias e eucariotos (Figura 41). As arques e as bactérias
são procariotos, e as evidências científicas sugerem que ambas já existiam na Terra
há 2 ou 3 bilhões de anos. O outro tipo de célula, a eucariótica, evoluiu depois dos
procariotos, mas a época de origem dos eucariotos ainda é incerta. O quadro mais
antigo é de cerca de 2,7 bilhões de anos. Brocks et al. (1999) encontraram fósseis
158
químicos de certas gorduras que são características do metabolismo eucariótico em
rochas australianas com 2,7 bilhões de anos. Isso pode significar que foi quando os
eucariotos evoluíram. Ou pode ser que as gorduras não sejam bons sinalizadores da
vida eucariótica.
Figura 41. Divisão da vida em três grupos: arques, bactérias e eucariotos, de acordo com Margulis, L.
& K. Schwartz. (1988).
Afinal, novos procariotos são descobertos a cada ano, com uma variedade
sempre crescente de novas aptidões. Desse modo, embora os fósseis químicos não
sejam uma evidência de origem eucariótica, eles levantam a possibilidade de que
os eucariotos já́ tivessem evoluído há 2,7 bilhões de anos. Os eucariotos actuais
diferem dos procariotos em muitos aspectos. Formalmente, a diferença definitiva
entre eles é a presença ou ausência de um núcleo. Os eucariotos também possuem
organelas, inclusive as mitocôndrias e (nas plantas) os cloroplastos. Os eucariotos
têm um processo especial de divisão celular chamado mitose, em que se forma um
dispositivo com fibras móveis, que separa os cromossomos duplicados para polos
opostos.
159
Sumário
A complexidade da vida assume diferentes formas, e para que os organismos
pudessem expandir seus limites metabólicos e de tamanho corporal, necessariamente
teve que ocorrer eventos de reorganização. Uma única célula, embora realize todas
as actividades metabólicas análogas à organismos mais complexos, não atinge um
nível de complexidade e eficiência como organismos multicelulares. Células e
tecidos especializados parecem ser uma fonte inesgotável de reorganização e
renovaçãode estruturas vivas que dirigem os rumos da diversificação biológica.
Saiba mais
✓ O que é vida? De acordo com o artigo da revista Ciência Hoje, A vida
constitui apenas uma parte ínfima do universo conhecido.
http://www.ebah.com.br/content/ABAAAAcyIAK/que-vida
✓ O maravilhoso fenómeno da vida: qual a origem de todos os seres vivos?
Autor de artigo fala sobre os processos físicos e químicos envolvidos no
surgimento, manutenção e perpetuação da vida.
http://cienciahoje.uol.com.br/colunas/fisica-sem-misterio/o-maravilhoso-fenomeno-
da-vida
Auto-Avaliação
1. Prepare uma apresentação de 15 minutos sobre a origem da vida e
apresente para sua turma. Após a apresentação escreva suas principais
dificuldades e exponha as possíveis soluções.
2. Liste e discuta os principais eventos geológicos que, segundo a ciência,
proporcionaram o surgimento e diversificação da vida no planeta Terra.
3. Enumere as hipóteses alternativas que explicam a diversidade biológica, e
prepare uma aula ou dinâmica complementar sobre o assunto trabalhado na
lição.
http://www.ebah.com.br/content/ABAAAAcyIAK/que-vida
http://cienciahoje.uol.com.br/colunas/fisica-sem-misterio/o-maravilhoso-fenomeno-da-vida
http://cienciahoje.uol.com.br/colunas/fisica-sem-misterio/o-maravilhoso-fenomeno-da-vida
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Lição no 11: Teorias sobre a complexidade e diversificação da vida
Introdução
Dando continuidade ao assunto iniciado na lição passada, iremos explorar
mais a fundo o papel e importância da aquisição de membranas, a vida em
colônia e o aumento da complexidade. A fotossíntese, por exemplo, foi um
dos eventos mais fundamentais para o florescimento da vida no planeta, uma
vez que alterou a composição da atmosfera, e ajudou a impulsionar a
diversidade de outros organismos, como os animais. Um grande corpo de
evidências ressalta que alguns períodos do passado foram mais importantes
que outros na diversificação dos organismos. Entender mais a fundo esses
eventos pretéritos nos dá subsídios mais robustos para manejarmos e
conservarmos os ambientes contemporâneos cada vez mais degradados pelo
Homem. As grandes mudanças evolutivas documentadas pelos registros
fósseis reflectem o surgimento e desaparecimento de importantes grupos de
organismos. Por sua vez, o surgimento ou a extinção de um determinado
grupo é resultado do equilíbrio entre as taxas de especiação e de extinção.
Um grupo aumenta em tamanho quando a taxa na qual seus membros
produzem novas espécies é maior do que a taxa da extinção, e um grupo
diminui de tamanho se a taxa de extinção for maior que a taxa de especiação.
Uma alteração na sequência ou na regulação de um gene de desenvolvimento
pode produzir importantes mudanças morfológicas. Em alguns casos, essas
mudanças morfológicas permitem que o organismo desempenhe novas
funções ou viva em novos ambientes, causando, potencialmente, radiação
adaptativa e formação de um novo grupo de organismos.
161
Objectivos
No fim desta lição você deverá ser capaz de:
• Definir os principais conceitos sobre metabolismo celular e origem de
compostos orgánicos complexos;
• Indicar as evidências do surgimento de estruturas celulares importantes
no metabolismo;
• Apresentar os principais períodos de radiação adaptativa no registro
fóssil.
11.1. A origem da vida pluricelular
De acordo com Ridley (2006), vida pluricelular não se refere à
simples presença de mais de uma célula em um organismo, mas a mais de
um tipo celular – isto é, à diferenciação celular. As formas de vida com
mais de um tipo de célula desenvolvem, à partir de um zigoto unicelular,
um adulto com tipos celulares especializados. O surgimento do
desenvolvimento é um passo importante na evolução da vida. Na vida
primitiva existiam formas de vida consistindo-se de uma sucessão de
muitas células idênticas.
O artigo de Schopf (1993), sobre possíveis fósseis com 3,5 bilhões
de anos, descreve filamentos multicelulares desse tipo. Mas a vida
pluricelular, no sentido de vida com desenvolvimento de trabalho e
diferenciação celular, evoluiu muito mais tarde. Com algumas poucas
exceções, todas as formas de vida com diferenciação celular são
eucarióticas. O relógio molecular sugere que a vida pluricelular se originou
há cerca de 1,5 bilhão de anos. Isso é anterior, mas nem tanto, aos fósseis
pluricelulares mais antigos. Actualmente, os mais antigos desses fósseis
são algas de 1,2 bilhão de anos (Butterfield, 2000).
162
Os fósseis mais antigos de animais definitivamente pluricelulares
(Metazoa) provêm dos depósitos de Ediacara, na Austrália. Estes, e outros
depósitos semelhantes em outras partes do mundo, datam do período de
670 a 550 milhões de anos. Os fósseis de Ediacara são animais aquáticos
sem partes rígidas, como medusas e vermes. Fosseis bem-preservados de
animais e plantas aquáticos pluricelulares dessa mesma época também são
encontrados na China (Xiao et al., 1998). Em Ediacara, a abundância dos
fósseis diminui depois dos 550 milhões de anos. O declínio foi atribuído à
extinção em massa, mas é mais provável que reflita mudanças nas
condições de preservação dos fósseis; fósseis do tipo dos de Ediacara
continuaram a existir no cambriano (Jensen et al., 1998).
11.2. Evolução dos sistemas de respiração e fotossíntese
É quase certo que as mitocôndrias e os cloroplastos se originaram por
simbiose. Inicialmente, foi a semelhança morfológica entre essas organelas e as
bactérias, que sugeriu a origem simbiótica. A teoria tem sido reforçada pelas
evidências moleculares. Os genes das mitocôndrias das células eucarióticas
assemelham-se mais aos genes de bactérias de vida livre do que aos genes
comparáveis, dos núcleos das células que possuem mitocôndrias (Gray et al., 1999).
Provavelmente, a evolução do núcleo e, a seguir, a mitose e a meiose foram
eventos separados, talvez anteriores – talvez posteriores – da origem das organelas
(Figura 42). As demais diferenças entre células eucarióticas e procarióticas
poderiam ter evoluído em outras épocas. Desse modo, a origem da célula eucariótica
teria sido um processo em múltiplas etapas, ao longo de um vasto período de tempo.
163
Figura 42. Esquema simplificado da Teoria da Endossimbiose, que propõe uma origem para as
organelas mitocôndria e cloroplasto por meio da assimilação de tipos de células procarióticas
ancestrais.
Um evento importante associado com a origem dos eucariotos é a evolução
da fotossíntese, ou da fotossíntese em escala maciça. A fotossíntese, em si,
provavelmente se originou mais cedo, mas por volta da mesma época em que as
células eucarióticas estavam evoluindo, também houve um aumento na quantidade
de oxigénio, sugerindo que a fotossíntese estava tornando-se muito mais importante.
O oxigénio atmosférico não teria aumentado imediatamente após a evolução
da fotossíntese. O primeiro oxigénio teria sido absorvido pelas rochas, que se
oxidariam (na verdade, no registro geológico, o principal modo de inferência da
fotossíntese é a forma oxidada das rochas ricas em ferro). O oxigénio só́ se
acumularia na atmosfera depois que as rochas tivessem absorvido todo o oxigénio
que pudessem.
Há pouco menos de 2 bilhões de anos, a concentração de oxigénio
atmosférico provavelmente irrompeu. O motivo mais provável é que os organismos
fotossintetizantes se tornaram mais abundantes e estavam eliminando o oxigénio
como um subproduto. Igualmente, as células eucarióticas, contendo cloroplastos,
eram fotossintetizantes mais eficientes do que os antigos procariotos, e, por isso, a
concentração de oxigénio aumentou mais ou menos ao mesmo tempo em que os
eucariotos estavam evoluindo.
164
Qualquer que seja a razão, quando o oxigénio começou a ser liberto em
grandes quantidades, ele provavelmente era um veneno para a maioria dasformas de
vida existentes porque elas tinham evoluído em ambientes com pouco oxigénio. As
formas de vida subsequentes descendiam principalmente das espécies que haviam
evoluído para tolerar e depois usa essa novidade química. Em torno dessa época, a
respiração aeróbia utilizando mitocôndrias pode ter-se tornado vantajosa (Ridley,
2006).
11.3. A ‘explosão do cambriano’ e o florescimento e diversificação da vida
O registro fóssil de plantas e animais pluricelulares só tem início,
efctivamente, no cambriano, que começou há́ cerca de 540 milhões de anos. Na
verdade, os principais períodos de tempo dos registros fósseis começam no
cambriano (Figura 43). Até́ a década de 1940, os fósseis do pré-cambriano não eram
conhecidos, e na época de Darwin presumia-se que eles não existiam. Embora
saibamos, agora, que eles existem, seu quadro, um pouco anterior aos 500 milhões
de anos, é o de uma proliferação súbita, e não de um início súbito da vida fóssil.
Figura 43. Esquema ilustrativo da ‘Explosão do cambriano’, que uma denominação para o
aparecimento relativamente rápido, em um período de alguns milhões de anos, dos filos mais
importantes cerca de 530 milhões de anos atrás, conforme encontrado no registro fóssil.
165
A dita ‘explosão do cambriano’ é assim usada porque mostra de a maior
parte dos nove filos animais dos quais há registro fóssil tem início no período
Cambriano (490-540 milhões de anos atrás), ou perto disso. Uma leitura superficial
das evidências poderia ser dramatizada do seguinte modo. A vida vem evoluindo há
4 bilhões de anos e hoje se distribui em uma série de filos principais – cordados,
moluscos, artrópodes e assim por diante. Ridley (2006) discute o facto que quase
todos eles surgiram com uma diferença de menos de 40 milhões de anos entre si, ou
em um período equivalente a menos de 1% da história da vida.
Entretanto, o relógio molecular (ver Quadro Saiba Mais: relógios
moleculares) sugere um panorama radicalmente diferente. Medindo-se as distâncias
moleculares entre os principais grupos animais e calibrando o relógio, verificamos
que os principais grupos divergiram a partir de um ancestral comum, provavelmente
há 1.200 milhões de anos. Foram feitos vários estudos moleculares, dos quais o de
Wray et al. (1996) foi especialmente influente. Eles inferiram que os metazoários
bilaterais compartilhavam um ancestral há cerca de 1.200 milhões de anos.
Inicialmente, o ancestral comum a todos os animais ainda estaria vivo. Os bilatérios
incluem quase todos os grupos animais, com exceção, por exemplo, das esponjas e
cnidários.
Como conciliar as datas dos fósseis com as datas moleculares? Ridley
(2006) é da opinião que cada uma (ou ambas) poderia estar errada de algum modo.
Entretanto, muitos biólogos suspeitam que ambas estão corretas. A evidência
molecular oferece a data do ancestral comum, enquanto a evidência fóssil nos diz
quando surgiu cada grupo animal, em sua forma moderna. Poderia ter havido um
período, anterior àquele em que os fósseis se depositaram, no qual os ancestrais de
cada grupo existiam, mas eram ou frágeis ou raros demais, ou estavam em local
inadequado, para deixar fósseis. Cooper & Fortey (1998) criaram a imagem de que
um “estopim filogenético” antecedeu a explosão do cambriano.
Por que teve de haver um período tão longo – 500 milhões de anos ou mais
– em que os ancestrais dos actuais filos animais já existiam, mas não havia
deposição de fósseis? A explosão do cambriano é um evento fóssil e,
provavelmente, marca o tempo de origem das partes duras. Os animais com
esqueletos rijos ou conchas deixam fósseis com muito maior frequência do que os
animais que só têm partes moles. Mas se as partes duras se originaram há cerca de
166
540 milhões de anos, isso levanta a questão de por que, repentinamente, as partes
duras se tornaram vantajosas em tantos grupos, quase ao mesmo tempo.
Uma hipótese é a de predadores em geral e uma outra é a de determinados
predadores que caçavam visualmente. Com a evolução dos predadores, partes duras
tornaram-se vantajosas por razões de defesa. Outro factor é que os níveis de
oxigénio podem ter aumentado por volta do final do pré-cambriano. Isso pode ter
sido causado pelo aumento da produtividade das plantas – isto é, do fitoplâncton –
(Knoll & Carroll, 1999). O aumento de produção de plantas (se ele ocorreu então)
teria suportado uma maior massa e diversidade de animais. A maior quantidade de
presas em potencial poderia ter criado uma oportunidade que levou à evolução dos
predadores.
No presente, a explosão do cambriano é assunto de intensa pesquisa. Os
biólogos e paleontólogos estão estudando justamente quão abrupto foi esse evento.
Outros estão a estudar evidências moleculares, com novas moléculas e novos
procedimentos de calibração. Se, como parece, ocorreu algum evento evolutivo
importante por volta dos 540 milhões de anos, a questão é: o que o causou? As
hipóteses actuais estão examinando mudanças no ambiente externo ou inovações
biológicas internas, ou uma mistura das duas. Mas ainda não há consenso sobre isso
(Ridley, 2006).
Sumário
O apogeu e a queda de grupos de organismos reflectem as diferenças nas taxas
de especiação e extinção. Nas placas tectônicas, as placas continentais se
movem gradual- mente ao longo do tempo, alterando a geografia física e o
clima da Terra. Essas mudanças levam à extinção alguns grupos de organismos
e promovem a especiação de outros. A história evolutiva foi marcada por cinco
extinções em massa que radicalmente alteraram a história da vida. Algumas
dessas extinções podem ter sido causadas por mudanças nas posições dos
continentes, actividades vulcânicas ou por impactos de meteoritos ou cometas.
Grandes aumentos na diversidade da vida resultaram de radiações adaptativas
que ocorreram depois das extinções em massa. As radiações adaptativas
também ocorreram em grupos de organismos que tinham importantes inovações
evolutivas ou que colonizaram novas regiões onde existia pouca competição
167
com outros organismos. Alterações evolutivas resultam das interações entre
organismos e seu ambiente actual, e nenhum propósito está envolvido nesse
processo. À medida que o ambiente muda com o tempo, as características dos
organismos favorecidas pela selecção natural também podem mudar. Quando
isso acontece, o que uma vez pode ter sido considerado um “propósito”
evolutivo (por exemplo, melhoria na função de uma característica previamente
favorecida pela selecção natural) pode deixar de ser benéfica ou mesmo se
tornar prejudicial. A “explosão do Cambriano” se refere a um intervalo
relativamente curto de tempo (535-525 milhões de anos atrás) durante o qual
grandes formas do filo animal presente hoje surgiram pela primeira vez nos
registros fósseis. As mudanças evolutivas que ocorreram durante esse período,
como o aparecimento de grandes predadores e presas, foram importantes porque
determinaram o momento dos eventos fundamentais da história da vida nos
últimos 500 milhões de anos.
Saiba mais
✓ Os ecólogos e biólogos evolutivos modernos vêm utilizando a
literatura como inspiração para o aprimoramento de teorias. A
Hipótese da Rainha Vermelha, (que também é conhecida como
Corrida Armamentista) é uma hipótese evolutiva que busca
explicar os fenómenos relacionados às vantagens da reprodução
sexuada no nível do indivíduo e a constante ‘corrida evolutiva’ entre
espécies competidoras. O termo advém do livro Alice through the
looking glass (no Brasil, Alice através do espelho) de Lewis Carroll.
A Rainha de Copas, em uma passagem famosa do livro, diz à
personagem principal: "It takes all the running you can do to keep in
the same place." (É preciso correr o máximo possível, para
permanecermos no mesmo lugar). Quer saber mais sobre o assunto?
Confira os links abaixo:
http://scienceblogs.com.br/ensaios/tag/rainha-vermelha/http://cienciahoje.uol.com.br/colunas/deriva-genetica/parasitas-evolucao-e-
sexo
http://scienceblogs.com.br/ensaios/tag/rainha-vermelha/
http://cienciahoje.uol.com.br/colunas/deriva-genetica/parasitas-evolucao-e-sexo
http://cienciahoje.uol.com.br/colunas/deriva-genetica/parasitas-evolucao-e-sexo
168
Filmes/Vídeos
✓ Documentário da BBC: A Aventura da Vida 4/5 - Vivendo
juntos: http://www.dailymotion.com/video/x28edoz_bbc-a-
aventura-da-vida-4-5-vivendo-juntos_tech
✓ Do Big Bang até a Evolução da Vida na Terra (parte do
documentário Cosmos, apresentado por Carl Sagan):
https://www.youtube.com/watch?v=03qb4T25F5U
Auto-Avaliação
1. Defina o que é “Explosão do Cambriano” e o que isso significa?
2. A revolução do oxigénio mudou drasticamente o ambiente na Terra.
Quais das seguintes adaptações apresentaram vantagem na presença de
oxigénio livre nos oceanos e atmosfera?
a) A evolução da respiração celular que usou oxigénio para ajudar a
retirar energia de moléculas orgânicas.
b) A persistência de alguns grupos animais em habitats anaeróbios.
c) A evolução de pigmentos fotossintéticos que protegeram as algas
primitivas de efeitos corrosivos do oxigénio.
d) A evolução dos cloroplastos depois dos protistas primitivos terem
incorporado cianobactérias fotossintéticas.
3. Uma mudança genética que levou certos genes Hox a serem
expressos na extremidade do embrião do membro de um vertebrado,
em vez de utilizarem outra região, tornou possível a evolução dos
membros dos tetrápodes. Esse tipo de mudança é ilustrativa de:
a) influência do ambiente no desenvolvimento
b) pedomorfose
http://www.freepik.com/index.php?goto=27&url_download=aHR0cDovL3d3dy5mbGF0aWNvbi5jb20vZnJlZS1pY29uL2ZpbGVfMTE4MDk4&opciondownload=318&id=aHR0cDovL3d3dy5mbGF0aWNvbi5jb20vZnJlZS1pY29uL2ZpbGVfMTE4MDk4&fileid=917606
http://www.dailymotion.com/video/x28edoz_bbc-a-aventura-da-vida-4-5-vivendo-juntos_tech
http://www.dailymotion.com/video/x28edoz_bbc-a-aventura-da-vida-4-5-vivendo-juntos_tech
https://www.youtube.com/watch?v=03qb4T25F5U
169
c) mudanças em um gene de desenvolvimento ou na sua regulação que
alterou a organização espacial das partes do corpo
d) heterocronia
4. A herbivoria (alimentação com base em plantas) evoluiu
repetidamente em insectos, em geral a partir de ancestrais que se
alimentavam de carne ou detritos (detrito é matéria orgânica morta).
Mariposas e borboletas, por exemplo, comem plantas, ao passo que o
seu “grupo-irmão” (o grupo de insectos ao qual elas estão mais
relacionadas), os tricópteros, se alimenta de animais, fungos ou
detritos. Como ilustrado na árvore filogenética a seguir, o grupo
combinado de mariposa/borboleta/mosca d’água compartilha ancestral
comum com moscas e pulgas. Assim como os tricópteros, as moscas e
as pulgas provavelmente evoluíram de ancestrais que não se
alimentavam de plantas.
Existem 140.000 espécies de mariposas e borboletas e 7.000 espécies
de tricópteros. Construa uma hipótese sobre o impacto da herbivoria na
radiação adaptativa dos insetos. Como essa hipótese pode ser testada?
170
Pág. 171 - 193
Vias Evolutivas das Plantas
Lição no 12: .Principais linhagens de diversificação dos
vegetais
12.1. Origem, desenvolvimento e níveis de organização
12.2. Origem e evolução das plantas espermatófitas: a
transição ao modo de vida terrestres
12.3. Aparecimento das sementes nas Gimnospermas e
Angiospermas
12.4. A importância e o papel das plantas na evolução de
ecossistemas
Conteúdos
5
U
N
ID
A
D
E
171
Unidade no 5: Vias Evolutivas das Plantas
Introdução
Nessa unidade, você conhecerá alguns factos mais importantes desde os
primórdios da vida neste planeta até a evolução das plantas e ecossistemas para o
desenvolvimento da agricultura e civilização. Esses amplos tópicos são de grande
interesse para diversos pesquisadores que não os botânicos. Os esforços urgentes
de botânicos e agrônomos serão necessários para alimentar a população humana
em rápida expansão no mundo. As plantas actuais, algas e bactérias são a maior
esperança de prover uma fonte renovável de energia para as actividades humanas,
assim como as plantas, algas e bactérias extintas são responsáveis pelo acúmulo
maciço de gás, óleo e carvão, dos quais nossa moderna civilização industrial
depende. Em um enfoque ainda mais fundamental, o papel das plantas, da mesma
maneira que o das algas e bactérias fotossintetizantes, exige nossa atenção. Como
produtores de compostos energéticos no ecossistema global, estes organismos
fotossintetizantes são o meio pelo qual todos os outros seres vivos, incluindo nós
mesmos, obtêm energia, oxigénio e muitos outros materiais necessários à
continuidade de sua existência. Como estudante de botánica, você estará em
melhor posição para compreender as importantes questões ecológicas e
ambientais dos dias de hoje e, ao compreender melhor, ajudar a construir um
mundo mais saudável.
Objectivos
Ao completar esta unidade, você será capaz de:
• Descrever os processos evolutivos das plantas;
• Reconhecer as adaptações envolvidas na transição ao modo de vida
aquático para o ambiente terrestre;
• Indicar a relevância dos vegetais na estruturação e evolução de
ecossistemas;
• Apresentar as principais relações filogenéticas das plantas superiores;
• Descrever as linhas evolutivas que originaram o Homo sapiens.
172
Lição no 12: .Principais linhagens de diversificação dos vegetais
Introdução
Esta unidade focará no grupo dos vegetais. Como todos os outros
organismos vivos, as plantas têm uma longa história durante a qual
evoluíram, ou mudaram, com o passar do tempo. No início da história
evolutiva, os principais organismos fotossintetizantes eram células
microscópicas, que fluctuavam abaixo da superfície das águas iluminadas
pela luz solar. O corpo de uma planta pode ser entendido em termos de sua
longa história e, em particular, em termos das pressões evolutivas envolvidas
na transição para a terra. Os requisitos para um organismo fotossintetizante
são relativamente simples: luz, água e gás carbônico para a fotossíntese,
oxigénio para a respiração, e alguns minerais. Veremos as principais
linhagens e grupos de plantas, suas principais adaptações para a conquista do
ambiente terrestre e quais suas principais características ecológicas.
Objectivos
No fim desta lição você deverá ser capaz de:
• Listar e discutir os conceitos e mecanismos envolvidos na
diversificação dos vegetais;
• Indicar as principais adaptações relacionadas à conquista do
ambiente terrestre pelas plantas;
• Ter ciência da importância e o papel das plantas na evolução de
ecossistemas;
• Reconhecer a relação ecológica entre plantas e seres humanos.
173
12.1. Origem, desenvolvimento e níveis de organização
As plantas são extremamente importantes na estruturação e funcionamento
dos ecossistemas do planeta. São os vegetais e microrganismos fotossintetizantes
que contribuem directamente para a produtividade primária nos ambientes.
Assim, o ciclo de energia e matéria dependem necessariamente destes organismos
para que as cadeias tróficas na natureza se iniciem. Um dos padrões mais bem
conhecidos nos ecossistemas terrestres, por exemplo, é a correlação directa entre
riqueza de espécies vegetais e riqueza de espécies animais. Podemos dizer, em
outras palavras, que a fauna de uma região vai estar relacionada directamente
com o tipo vegetacional dominante de uma localidade.
Em relação à organização da diversidade da vida, a distinção entre
procariotos e eucariotos foi incorporada por Coperland (1956) como parte de uma
racionalização de um esquema de quatro reinos: Monera (organismos procariotos,
i.e., não possuem envoltórionuclear em suas células), Protoctista (protistas,
fungos e algas), Animalia (invertebrados e vertebrados) e Plantae (todas as
plantas). Dando sequência a essas abordagens, Whittaker (1959) enfatizou a
distinção dos fungos (baseado principalmente em suas características
extracelulares de nutrição e paredes celulares revestidas de quitina) e suas
prováveis origens de ancestrais flagelados unicelulares e sem pigmentação.
Posteriormente, cinco grupos foram formalmente reconhecidos ao nível de
Reinos (Figura 44). Em termos cladísticos, pelo menos dois desses cinco reinos
são provavelmente artificiais (ou parafilético), mas a ‘abordagem cinco-reinos’
tem sido amplamente adoptada com apenas algumas poucas modificações (e.g.,
Margulis & Schwartz, 1988; Raven et al., 1992).
174
Figura 44. A classificação da vida em Cinco Reinos: Monera, Protista, Fungi, Plantae e Animalia
(A), e uma ilustração de uma visão holística da vida na Terra, enfatizando o planeta como o
conjunto desses cinco reinos (B) baseado em Margulis (1998).
Pearson (1995) defende que o conhecimento sobre a diversidade de
plantas é importante para todos, não só para ecólogos, geneticistas ou
taxonomistas, mas sim para toda alma que come e respira. Entretanto, poucas
pessoas parecem apreciar quão dependentes nós somos das plantas, embora elas e
seus produtos estão relacionados com o convívio humano. A vida dos seres
humanos, e mesmo de qualquer outro ser vivo, é impensável sem que haja
alimento e oxigénio – que somente as plantas produzem.
Ao longo do último século, as actividades exploratórias do Homem tem
sido uma constante ameaça a diversidade botánica. Dezenas de milhares de
espécies de plantas se tornaram extintas como resultado de mudanças no
ambiente forjadas pelo abuso humano dos recursos naturais do planeta.
Possivelmente centenas de milhares de espécies ainda não descobertas serão
extintas antes mesmo que possamos cataloga-las, nomeá-las, estuda-las,
principalmente devido à destruição e/ou fragmentação de habitats naturais,
especialmente nas regiões tropicais, poluição de lagos, oceanos e ar (Pearson,
1995).
A fotossíntese, o processo pelo qual as plantas verdes convertem a
energia luminosa em energia química (i.e., biomassa, alimento), liberando gás
175
oxigénio como um subproduto. Ainda, a fotossíntese é a fonte de todas as fibras
pela qual nossas roupas são feitas, os medicamentos que usamos, os papéis que
escrevemos, corantes, perfumes, pesticidas, plásticos, temperos, a mobília de
nossas casas, e a maioria dos materiais construídos para a nossa proteção. Pearson
(1995) também sugere que, para que consigamos traçar e estudar as milhares de
espécies de plantas, devemos contar com um sistema de classificação.
Uma pessoa não é capaz de organizar sozinha todas as características de
todas as espécies de plantas na Terra, mas quando as espécies são arranjadas em
categorias taxonómicas mais elevadas, somos capazes de entendermos e
estudarmos melhor as características desses grupos naturais (táxones). O
agrupamento de organismos em categorias hierárquicas – espécies, géneros,
famílias, ordens, classes, filos e reinos – é chamado de classificação. Um sistema
de classificação é, basicamente, um método básico que o ser humano criou para
organizar a multiplicidade aparentemente caótica de indivíduos que os cercam.
Segundo essa lógica, as plantas são classificadas dentro de três sub-
reinos, em onze divisões e aproximadamente 29 classes - onde cada uma dessas
divisões e classes se originaram de acordo com o registro fóssil. A Figura 45
ilustra a evolução das plantas a partir das bactérias mais primitivas e algas azuis
até os três reinos das complexas e altamente evoluídas plantas de hoje em dia.
176
Figura 45. Ilustração resumida da origem e diversificação das plantas a partir das bactérias mais
primitivas e algas azuis até os grandes grupos complexos de plantas de hoje em dia.
De acordo com Kenrick & Crane (1997), a origem e diversificação de
plantas terrestres (embriófitas), bem como a transição evolutiva de algas verdades
para briófitas (musgos) e pteridófitas (samambaias), tem sido há muito tempo
reconhecido como eventos fundamentais na evolução das plantas. A importância
de se entender a diversidade de plantas é comparada à “explosão do Cambriano”
para se investigar a diversidade dos Metazoa (Reino Animalia, ou seja, todos os
animais existentes no planeta).
De uma perspectiva sistemática, a evolução da flora terrestre marca a
origem de muitos dos principais grupos de plantas verdes, e o claro entendimento
das relações filogenéticas (parentesco) entre esses grupos ancestrais é crítico para
uma apreciação mais completa de padrões filogenéticos em grade escala no reino
177
das plantas.
Da perspectiva morfológica, a emergência das plantas terrestres foi um
período de inovações nunca antes registradas. A morfologia das plantas terrestres
evoluiu rapidamente sob condições dos ecossistemas terrestres: de uma relativa
simplicidade das algas verdes para morfologias complexas que determinaram as
características das plantas terrestres no final do período Devoniano (~350-400
Mya2).
Já de uma perspectiva fisiológica, as drásticas mudanças envolvidas no
processo de transição de uma existência aquática para uma existência terrestre
tiveram consequências biológicas profundas, e muitas das inovações
morfológicas, fisiológicas e bioquímicas das plantas podem ser interpretadas
como adaptações necessárias para a sobrevivência em um meio gasoso (e não
aquático). Por fim, da perspectiva ecológica, os padrões e processos evolutivos
subjacentes à origem da flora terrestre são pilares centrais para o entendimento as
primeiras assembleias dos ecossistemas terrestres; e em consequência a evolução
dos animais que são característicos de ecossistemas terrestres (Kenrick & Crane,
1997).
Isso posto, fica claro que abordagens para se investigar as origens e
diversificação das plantas envolvem diversas disciplinas, incluindo as que lidam
com os registros fósseis – paleobotánica, palinologia (estudo dos grãos de pólen
fósseis), geologia e estratigrafia – bem como estudos botânicos comparativos em
relação a morfologia, desenvolvimento e biologia molecular.
2 Million years ago (milhões de anos atrás)
178
12.2. Origem e evolução das plantas espermatófitas: a transição ao modo de
vida terrestres
A origem das plantas terrestres persiste sendo um tema central na
botánica evolutiva por mais de um século, e durante esse período,
abordagens para a reconstrução filogenética tem sofrido mudanças
fantásticas. A história de ideias sobre as relações de parentesco das plantas
terrestres reflecte as mudanças de perspectivas nesse campo da ciência.
Raven e colaboradores (2014) relatam que, em carta a um amigo, Charles
Darwin uma vez se referiu ao surgimento aparentemente repentino das
angiospermas no registro fóssil como “um mistério abominável”.
Nos estratos fossilíferos mais antigos, com cerca de 400 milhões de
anos de idade, foram encontradas plantas vasculares simples, como
riniófitas e trimerófitas. Em seguida, no Devoniano e no Carbonífero,
houve proliferação de samambaias, licófitas, esfenófitas e
progimnospermas, que dominaram até cerca de 300 milhões de anos. As
primeiras plantas com sementes surgiram no período Devoniano tardio e
levaram ao aparecimento das floras mesozóicas dominadas por
gimnospermas. Finalmente, no início do Cretáceo, há cerca de 135 milhões
de anos, as angiospermas apareceram no registro fóssil, gradualmente
alcançando dominância global na vegetação ao redor de 90 milhões de
anos. Há cerca de 75 milhões de anos, muitas famílias modernas e alguns
géneros modernos desse filo já existiam.
As primeiras contribuiçõespara esclarecer a filogenia das plantas
focaram-se em evidências de morfologias comparadas, muito influencias
pela pesquisa de Hofmeister (1869) sobre os ciclos de vida das plantas. A
descoberta da notável similaridade de suas estruturas e processos
associados com reprodução sexual em briófitas, pteridófitas (musgos e
samambaias, respectivamente) e algumas plantas com sementes forneceu
grandes indícios de parentesco e ancestralidade comum, e o
179
reconhecimento de gametas masculinos dotados de mobilidade nas
briófitas e pteridófitas que apontava para uma ancestralidade aquática.
Com base nas similaridades de pigmentos fotossintetizantes,
estruturas celulares e morfologia de células reprodutivas, foi também
amplamente aceito que as plantas terrestres provavelmente se originaram
de organismos que possuíam um nível de organização comparável ao das
algas verdes (Bower, 1890, 1908; Campbell, 1895; Haeckel, 1868, 1894).
O primeiro esquema filogenético mais explícito para as plantas
terrestres foi feito por Ernst Haeckel (1868), que representou as relações
de parentesco entre os maiores grupos como uma árvore ramificada
(Figura 46). Haeckel baseou essa árvore em similaridades morfológicas
que eram interpretadas como evidências de ancestralidade em comum. Em
termos cladísticos actuais, Haeckel viu as plantas terrestres (Muscinae,
Filicinae, Phanerogamae), plantas vasculares (Filicinae, Phanerogamae),
plantas com sementes (Phanerogamae), e as plantas com flores
(Angiospermas) como grupos monofiléticos, ou seja, que tinham todos a
mesma origem, enquanto ele interpretou as briófitas (Muscinae),
pteridófitas (Filicinae) e gimnospermas (Gymnospermae) como
parafilético. As hepáticas (Hepaticae) foram colocadas na posição basal
entre as embriófitas, musgos (Frondosae) e plantas vasculares – que foram
vistas como um grupo irmão. Haeckel previu a origem da primeira
radiação das plantas terrestres acontecendo rapidamente no início do
Devoniano.
180
Figura 46. Ilustração de Ernst Haeckel (1868) em um contexto de árvore filogenética mostrando o
padrão de diversificação dos principais grupos de plantas, protistas e animais. Imagem de domínio
público. Fonte: Wikimedia Commons (http://commons.wikimedia.org/wiki/).
.Apesar de seu surgimento relativamente tardio no registro fóssil, por que
as angiospermas chegaram a dominar o mundo e depois continuaram a
diversificar-se de forma tão espetacular? Neste capítulo, tentaremos responder a
esta pergunta, centrando nossa discussão nos possíveis ancestrais das
http://commons.wikimedia.org/wiki/
181
angiospermas, seu período de origem e diversificação; nas relações filogenéticas
dentro das angiospermas; na evolução da flor e de seus polinizadores (Figura
47); na evolução dos frutos; e no papel de certas substâncias químicas na
evolução das angiospermas. Todos os cinco tópicos ilustrarão algumas das razões
para o sucesso evolutivo das plantas com flores.
Figura 47. Flores e polinizadores fazem parte de uma interação ecológicas das mais importantes
para a estruturação e funcionamento de ecossistemas terrestres. A abelha da foto, ao se alimentar da
planta, também dispersa seu grão de pólen a distâncias maiores do que somente pelo vento.
A evolução das folhas coincide com a enorme diminuição, de cerca de
90%, na concentração do dióxido de carbono atmosférico. Uma hipótese
relaciona esses eventos. A evolução inicial das plantas terrestres pode ter
removido o dióxido de carbono da atmosfera, não só́ por sua actividade
fotossintética relativamente pequena, através do tronco, mas, o que foi mais
importante, por meio da evolução de raízes.
As raízes aumentam o intemperismo do solo, e este remove grandes
quantidades de dióxido de carbono da atmosfera. Essa redução do dióxido de
carbono posiciona a forca selectiva a favor das folhas – e a evolução das folhas e
uma fotossíntese mais eficiente reduzem ainda mais os níveis de dióxido de
carbono (Ridley, 2006).
As plantas com sementes constituem os principais grupos actuais
182
de plantas terrestres. Existem sementes fósseis do carbonífero, quando se
formaram os depósitos de carvão. Naquela época, porém, as plantas com
sementes eram um grupo minoritário. A maior parte do carvão é formada
por pteridófitos fósseis. Os dois grupos de plantas com sementes – as
gimnospermas (coníferas) e as angiospermas (plantas com flores) –
proliferaram mais tarde.
As angiospermas aparecem no registro fóssil com clareza no
Cretáceo inferior, há cerca de 125 milhões de anos (Sun et al, 2002).
Ridley (2006) lembra que a filogenética molecular moderna tem ajudado
muito a descobrir as relações entre as angiospermas e destas com as
gimnospermas. Frequentemente, a proliferação das angiospermas no
Cretáceo e no Terciário é explicada em termos de co-evolução com
insectos polinizadores.
Mais tarde, há cerca de 60 milhões de anos, o registro fóssil mostra
a origem e a proliferação global das gramíneas. Esta foi explicada por
coevolução com os mamíferos. Os mamíferos proliferaram na mesma
época e incluíam formas com dentes especializados para pastar. A
pastagem está bem-adaptada para germinar onde há mamíferos herbívoros
presentes, porque o capim brota da base e não da ponta do caule. A
disseminação das pastagens, por sua vez, pode ter ajudado na formação da
etapa da futura evolução dos humanos. Se é que ainda há dúvidas, a
evolução humana seguidamente é associada a um salto do habitat arbóreo
para o habitat das savanas com pastagens (Ridley, 2006).
183
12.3. Aparecimento das sementes nas Gimnospermas e Angiospermas
As monocotiledôneas e as dicotiledôneas têm uma imensa
representatividade no mundo vegetal, uma vez que compreendem 97% das
espécies do filo Anthophyta. As monocotiledôneas claramente tiveram um
ancestral em comum, como é indicado por seu cotilédone único e por
várias outras características. O mesmo é verdade para as eudicotiledôneas,
que têm uma característica derivada típica, seu pólen triaperturado (i.e.,
pólen com três sulcos ou poros).
Os remanescentes 3% das angiospermas vivas incluem aquelas que
retêm algumas das características mais primitivas. Elas consistem em
diversas linhagens evolutivas que são bem distintas umas das outras. Suas
relações com outros grupos de angiospermas foram especificadas com
maior precisão em anos recentes, graças a comparações macromoleculares
e análises estritas das relações entre linhagens evolutivas baseadas em suas
características ancestrais e derivadas (Raven et al., 2014).
Várias linhas evolutivas de angiospermas surgiram antes da
separação entre monocotiledôneas e eudicotiledôneas. Todas essas plantas
arcaicas que foram vistas como “dicotiledôneas” até recentemente são tão
dicotiledôneas quanto são monocotiledôneas. Todos esses grupos de
plantas, como as monocotiledôneas, têm pólen monoaperturado ou alguma
modificação desse tipo, indicando que o pólen triaperturado das
eudicotiledôneas é uma característica derivada que marca esse último
grupo (Raven et al., 2014).
O primeiro representante de uma angiosperma que é bem
documentado no registro fóssil é Archaefructus, que foi descoberta na
China no final de 1980 e datada em 125 milhões de anos de idade.
Archaefructus era uma planta pequena, herbácea, aquática, sem flores
vistosas, com ausência de perianto (sépalas e pétalas). Seus ramos
184
possuem estames e carpelos que ultrapassam a superfície da água, e
acredita-se que os numerosos estames podem ter tido papel fundamental na
atracção de polinizadores. A natureza aquática dessa angiosperma antiga
pode indicar que a evolução inicial das angiospermas ocorreu em um
ambiente aberto, aquático ou húmido e sujeito a distúrbios frequentes.
Tais condições podem ter favorecido plantas pequenas, com
crescimento rápido e uma geração de curtaduração, um conjunto de
características que ainda estão presentes nas angiospermas actuais.
Recentemente, o primeiro fóssil intacto (porção acima do solo) de uma
eudicotiledônea madura foi encontrado também na China. Designada
Leefructus mirus, essa planta com 125 milhões de anos foi colocada entre
as Ranunculaceae (ranúnculo) (Raven et al., 2014).
Como eram as flores das primeiras angiospermas? É claro que
não sabemos isso por meio de observação directa, mas podemos deduzir
sua natureza a partir do que sabemos de certas plantas actuais e do registro
fóssil. Em geral, as flores dessas plantas eram diversas, tanto no número de
peças florais quanto na disposição dessas peças. A maior parte das famílias
modernas de angiospermas tende a ter padrões florais mais fixos e que não
variam muito em suas características estruturais básicas dentro de uma
família específica. As linhagens mais antigas das angiospermas –
angiospermas da grade basal – são colocadas abaixo do resto das plantas
com flor, as mesangiospermas.
As mesangiospermas incluem as Chloranthales, magnoliídeas,
monocotiledôneas, Ceratophyllales e eudicotiledôneas. Dentro das
eudicotiledôneas estão os dois maiores grupos monofiléticos: as rosídeas
com 16 ordens e as asterídeas com 14 ordens. As rosídeas têm,
tipicamente, óvulos com dois tegumentos e o nucelo constituído por duas
ou mais camadas de células. As asterídeas têm, tipicamente, óvulos com
um único tegumento e o nucelo composto de uma única camada de células.
185
Algumas rosídeas comuns são: violetas, begónias, leguminosas,
brassicáceas (incluindo Arabidopsis thaliana) e pepinos, bem como
linhaça, algodoeiro e olmos. As asterídeas incluem as bem conhecidas
plantas de mirtilo (Vaccinium spp.), boca-de-leão, dogwoods (Cornus
spp.), tomates, batatas, cenouras, campânulas (campainhas), mentas
(hortelãs) e margaridas (Figura 48).
Figura 48. Cladograma mostrando as relações filogenéticas das angiospermas. Fonte: modificada
de Raven et al. (2014; Fig. 20.7).
186
12.4. A importância e o papel das plantas na evolução de ecossistemas
Um ecossistema se consiste de todas as plantas e animais, juntamente
com os factores e forças de seus componentes abióticos (‘não-vivos’, p. ex.: água,
luz, temperatura, pH, etc.), que existem juntos em uma área geográfica contígua e
distinta. Cada ecossistema é separado de um ecossistema adjacente por ecótonos.
Um exemplo de ecótono são as margens de um lago, as transições entre
vegetações de uma montanha, ou as bordas entre plantações de monoculturas. Os
ecossistemas que apresentam estruturas similares e associadas entre si em uma
mesma área são agrupados no que se denomina um bioma. A distribuição de
biomas terrestres em relação aos seus principais factores climáticos é
demonstrada no diagrama da Figura 49.
Figura 49. Principais regiões biogeográficas do mundo em padrões de fitofisionomias dominantes.
Cada cor representa uma diversidade de hábitat diferente, como se mostra na legenda.
Devemos manter em mente que as espécies não evoluem como entidades
independentes, mas como partes de componentes de um ecossistema. A evolução
só pode ser entendida sob um enfoque ecológico, em nível de ecossistema. Um
conceito elaborado pelo matemático italiano Vito Volterra (1860-1940) trouxe à
tona o conceito de ‘lei de exclusão competitiva’ (Gause, 1934, 1935), onde
somente uma espécie poderia existir em qualquer nicho ecológico dentro de um
espaço de tempo específico, e esta será a espécie que estiver melhor adaptada
aquele nicho; ou seja, a espécie que estiver mais ajustada a um determinado
187
ambiente.
O primeiro traço a se desenvolver, dada uma vantagem adaptativa para
um nicho ecológico, são geralmente controlados por poucos genes. Conforme a
característica se estabelece na população daquela espécie, interações entre muitos
genes se desenvolvem, fornecendo uma estabilidade cada vez maior (Stebbins,
1966). Consequentemente, a evolução pode não ocorrer em “eventos explosivos”,
súbitos, conforme novos nichos se tornam disponíveis, seguido por períodos de
estabilidade na qual a mudança é muito menor. O exame do registro fóssil fornece
um suporte para essa expectativa.
Um princípio básico sobre a evolução de ecossistemas é o conceito de
sucessão ecológica e equilíbrio. Sempre que um novo tipo completo de habitat
surge, muito diferente dos habitats existentes em uma dada região, ele é o
primeiro a ser invadido por organismos denominados “pioneiros”, que investem a
maior parte de sua energia em reprodução, para se alastrar por aquele novo
habitat. Esses primeiros organismos são plantas verdes (fotossintetizantes) que
evoluíram adaptações marcantes que as permite sobreviver naquele ambiente
antigamente inóspito (Pearson, 1995).
Quando um ambiente é colonizado por essas espécies pioneiras, ele é
modificado: o pH e acidez do solo podem mudar, o que, por sua vez, permite que
agora outras espécies possam também colonizar aquele ambiente recém
colonizado. Esse processo acontece naturalmente ao longo do tempo – um grupo
de espécies literalmente ‘prepara o terreno’ para a chegada de outras espécies, o
que torna aquele ambiente cada vez mais complexo, com cada vez mais
interações ecológicas. Uma das interações mais comuns na natureza é a que se dá
entre fungos e raízes das plantas, que permite às plantas verdes absorver o
componente nitrogênio do solo (Figura 50)
188
Figura 50. O solo é o maior reservatório de microrganismos do planeta, que direta ou indiretamente
recebe todos os dejetos dos seres vivos, e onde ocorre a transformação da matéria orgânica em
substâncias nutritivas. É no solo onde as raízes das plantas entram em contato com bactérias e hifas
de fungos – uma das associações simbiótica mais importantes na Natureza, uma vez que é devido ao
metabolismo dos fungos que as plantas conseguem absorver os nutrientes minerais do solo.
Uma vez que esse novo ambiente se torna repleto de plantas, essas atraem
animais herbívoros, que se alimentam de suas folhas, sementes ou frutos. A
chegada dos herbívoros, por sua vez atrai finalmente os animais carnívoros.
Assim, fica claro que os ecossistemas tendem a ser instáveis até que os carnívoros
chegam, já que sem a presença destes, os herbívoros poderiam sobre explorar as
folhas das plantas até o ponto de elas serem extintas da maioria plantas
suscetíveis à herbívora, ameaçando a sobrevivência de organismos produtores
(Gebelein, 1976; Scott & Taylor, 1983).
Em ecossistemas terrestres há um grande aceleramento na erosão do solo
quando a vegetação é destruída; sem solo, a maioria dos ecossistemas terrestres
não pode sobreviver, ilustrando mais uma vez a importância de predadores como
protetores de ecossistemas. O registro fóssil releva evidência de forte pastoreio
pelos primeiros artrópodes durante as primeiras épocas do Devoniano (~ 410-360
milhões de anos atrás), acompanhadas por fluctuações constantes na presença ou
ausência de muitos das espécies de plantas (Pearson, 1995).
189
Quadro 8 Semelhanças das albuminas entre humanos e macacos antropóides
Em pesquisas e investigações diversas sobre a origem da agricultura, o conte xto
histórico aponta que os seres humanos modernos, que substituíram os Neandertais, logo
migraram por toda a superfície do globo. Eles colonizaram a Sibéria logo em seguida à
sua aparição na Europa e na Ásia ocidental e chegaram à América do Norte
aproximadamente há 14.000 anos. Essa migração aconteceu durante um dos períodos mais
frios do Pleistoceno, quando savanas com numerosos bandos de mamíferos herbívoros
sofreram acentuada redução. Enquanto migravam, eles podem ter sido responsáveis pela
extinção de muitas espécies desses animais. De qualquer modo, a intensificação na caça
por grupos humanos e grandes alterações no clima ocorreramde modo concomitante ao
desaparecimento desses animais em muitas partes do mundo.
No fim do período glacial, há cerca de 18.000 anos, as geleiras iniciaram uma
retracção, como já havia ocorrido 18 a 20 vezes durante os 2 milhões de anos anteriores.
Florestas migraram em direcção ao norte, através da Eurásia e América do Norte,
enquanto pradarias tiveram suas áreas reduzidas e os grandes animais associados a elas
diminuíram em número. Provavelmente, havia menos de 5 milhões de seres humanos em
todo o mundo, e eles gradualmente começaram a utilizar novos recursos para a
alimentação. Alguns deles viviam ao longo dos litorais, onde animais que poderiam ser
utilizados localmente como recurso alimentar eram abundantes; outros, incluindo alguns
povos costeiros, iniciaram o cultivo de plantas, obtendo assim uma fonte nova e
relativamente segura de alimento.
O primeiro plantio deliberado de sementes foi provavelmente a consequência
lógica de uma série simples de eventos. Por exemplo, os cereais selvagens (representantes
da família das gramíneas, Poaceae, que produzem grãos) crescem facilmente em áreas
abertas ou degradadas, canteiros ou terrenos desmatados, onde há poucas outras plantas
que ofereçam competição. Pessoas que colectavam esses grãos regularmente devem ter
deixado cair acidentalmente alguns deles próximo aos seus acampamentos, ou os
plantados deliberadamente, e dessa forma criaram uma nova fonte confiável de alimento.
Em locais onde gramíneas selvagens e leguminosas eram abundantes e
facilmente obtidas, os seres humanos devem ter permanecido por longos períodos, por
fim, aprendendo como aumentar as suas colheitas pelo armazenamento e plantio de suas
sementes, pela irrigação e adubação do solo, e pela protecção de suas culturas contra
ratos, aves e outras pragas. Essa gestão contínua de recursos “selvagens” pode ter se
intensificado gradualmente em direcção ao que hoje é considerado cultivo.
Ao longo do tempo, como os seres humanos começaram a selecionar variáveis
genéticas específicas, as características destas plantas mudaram gradualmente à medida
que mais sementes foram selecionadas a partir daquelas que eram mais fáceis de coletar e
armazenar. Este é o processo de domesticação, através da qual as alterações genéticas em
populações de plantas foram desenvolvidas por conta do cultivo e selecção pelos seres
humanos.
Com os cereais – cevada, trigo, arroz e milho – a domesticação fez surgir grãos
maiores e em maior quantidade, eixos mais grossos, sementes que se separam facilmente
da “casca” e melhor sabor. Uma característica adicional compartilhada por cereais, e a
190
maioria das outras culturas – e fundamental para a sua domesticação –, foi a perda do
processo natural de dispersão de sementes, o que é exigido por espécies selvagens para
produzir a próxima geração. Plantas domesticadas retêm as sementes maduras, permitindo
que sejam colhidas por seres humanos para alimentação e replantio. Assim, como o
processo de domesticação continuou, as plantas cultivadas tornaram-se cada vez mais
dependentes dos seres humanos, assim como os seres humanos tornaram-se mais e mais
dependentes das plantas que cultivavam.
Até recentemente a maioria dos botânicos arqueólogos (botânicos que estudam
plantas e resíduos de plantas existentes em sítios arqueológicos), consideravam o advento
da agricultura como uma ruptura abrupta – 200 anos ou menos – do estilo de vida
caçador-coletor praticado por seres humanos por milhões de anos: uma “revolução
agrícola”. Pensava-se que os cultivos domesticados apareceram após um período muito
breve, logo depois que as pessoas iniciaram a cultivar os campos. Hoje, no entanto, muitos
botânicos arqueólogos acreditam que a domesticação plena de trigo e outras culturas pode
realmente ter levado milhares de anos. Novos dados sugerem que o caminho de coleta e
domesticação de plantas selvagens foi “longo e sinuoso”. Sob tais circunstâncias,
questiona-se se este processo muito longo deve ser caracterizado como uma “revolução”.
Implementos associados à colheita e processamento de grãos, incluindo foices de
lâminas de sílex, pedras de moagem e alguns almofarizes e pilões, já não eram mais
usados desde muito antes de os seres humanos começarem a cultivar plantas. Lâminas de
foice foram encontradas em depósitos datados em 12.000 anos, e uma pedra de moagem
foi encontrada no território que hoje é chamado de Israel, tendo sido datada em 23.000
anos. A pedra de moagem continha grãos de amido característicos de cevada selvagem.
Grãos de amido obtidos a partir das superfícies das ferramentas do período médio da
Idade da Pedra em Moçambique indicam que os seres humanos utilizavam outras
espécies de grãos, há pelo menos 105.000 anos; 89% dos grãos de amido foram
identificados como sendo de espécies de Sorghum.
Fonte: Raven, M., Evert, R., Eichhorn, Vieira, E. 2014. Biologia Vegetal, 8ª edição.
Guanabara Koogan, 02/2014. VitalBook file.
Sumário
O facto de que o clado com flores bilateralmente simétricas teve mais espécies
estabelece uma correlação entre a forma da flor e a taxa de especiação vegetal.
A forma da flor não é necessariamente responsável pelo resultado porque a
forma (i.e., simetria bilateral ou radial) pode ter sido correlacionada com outro
factor que seja a real causa do resultado observado. O tegumento de um óvulo
se desenvolve no revestimento protetor de uma semente. As gimnospermas
surgiram há cerca de 305 milhões de anos, o que as torna um grupo bem-
sucedido em termos de longevidade evolutiva. Gimnospermas possuem os cinco
caracteres derivados comuns a todas as plantas com sementes (gametófitos
191
reduzidos, heterosporia, óvulos, pólen e sementes), por isso estão muito bem
adaptadas para a vida terrestre. Por dominar imensos ecos- sistemas terrestres
nos dias de hoje, o grupo também é muito bem-sucedido em termos de
distribuição geográfica. Evidências fósseis demonstram que as angiospermas
surgiram e começaram a se diversificar por um período de 20 a 30 milhões de
anos, um evento não tão rápido como sugeriam os fósseis conhecidos no tempo
de Darwin. Descobertas fósseis também revelaram linhagens extintas de plantas
com sementes lenhosas que podem ter sido intimamente relacionadas às
angiospermas;
Saiba mais
✓ DI STASI, L. C.; HIRUMA-LIMA, C. A. Plantas medicinais na
Amazônia e na Mata Atlântica. 2 ed. São Paulo: Editora da Unesp.
2002. 592 p. Disponível em:
http://www.livrosgratis.com.br/arquivos_livros/up000036.pdf
✓ Estratégias subterrâneas das plantas. Nos campos rupestres, onde
a vegetação pode crescer sobre rochas ou na areia, as plantas usam
estratégias especializadas para absorver os escassos nutrientes.
Pesquisadores descobriram especializações nas raízes que permitem
que as plantas vivam no ambiente infértil dos campos rupestres, que
não chegam a 1% do território brasileiro, mas abrigam cerca de um
terço da biodiversidade vegetal do país. Confira o estudo acessando
o vídeo da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São
Paulo (FAPESP):
https://www.facebook.com/PesquisaFapesp/videos/8521209948367
74/
✓ Mapeamento dos solos. O mapa digital de carbono orgânico dos
solos brasileiros recém-lançado pela Embrapa (Empresa Brasileira
de Pesquisa Agropecuária) une modelagem matemática e
conhecimentos levantados em campo para ajudar em diversos
programas de conservação de recursos naturais. Um dos
beneficiários imediatos será o Programa Agricultura de Baixa
Emissão de Carbono (ABC) do Ministério da Agricultura, Pecuária
http://www.livrosgratis.com.br/arquivos_livros/up000036.pdf
https://www.facebook.com/PesquisaFapesp/videos/852120994836774/
https://www.facebook.com/PesquisaFapesp/videos/852120994836774/
192
e Abastecimento que poderá utilizá-lo para direcionar práticas de
redução de emissão de gases de efeito estufa.http://mundogeo.com/blog/2014/09/18/embrapa-lanca-novo-mapeamento-
digital-dos-solos-brasileiros/
Filmes/Vídeos
✓ Animação em 3D sobre sistema de transporte em plantas:
xilema, floema e transpiração:
https://www.youtube.com/watch?v=xGCnuXxbZGk
✓ Fotossíntese e transporte em plantas:
https://www.youtube.com/watch?v=cMte2VCtZ-I
http://mundogeo.com/blog/2014/09/18/embrapa-lanca-novo-mapeamento-digital-dos-solos-brasileiros/
http://mundogeo.com/blog/2014/09/18/embrapa-lanca-novo-mapeamento-digital-dos-solos-brasileiros/
http://www.freepik.com/index.php?goto=27&url_download=aHR0cDovL3d3dy5mbGF0aWNvbi5jb20vZnJlZS1pY29uL2ZpbGVfMTE4MDk4&opciondownload=318&id=aHR0cDovL3d3dy5mbGF0aWNvbi5jb20vZnJlZS1pY29uL2ZpbGVfMTE4MDk4&fileid=917606
https://www.youtube.com/watch?v=xGCnuXxbZGk
https://www.youtube.com/watch?v=cMte2VCtZ-I
193
Auto-Avaliação
1. Três das seguintes características são evidências que as carófitas são
as parentes algáceas mais próximas das plantas. Selecione a exceção.
a) Estrutura similar do núcleo espermático.
b) A presença de cloroplastos.
c) Semelhanças na formação da parede celular durante a divisão
celular.
d) Semelhanças genéticas nos cloroplastos.
2. Qual das seguintes características das plantas não está presente em
seus parentes mais próximos, as algas carófitas?
a) Clorofila b.
b) Celulose nas paredes celulares.
c) Reprodução sexuada.
d) Alternância de gerações multicelulares.
3. Nas plantas, quais das seguintes estruturas são produzidas por
meiose?
a) Gametas haploides.
b) Gametas diploides.
c) Esporos haploides.
d) Esporos diploides.
4. Desenhe uma árvore filogenética que represente nossa compreensão
actual das relações evolutivas entre um musgo, uma gimnosperma, um
licófita e uma samambaia. Use uma alga carófita como grupo externo.
(Revise a história evolutiva desses grupos na lição.) Identifique cada
ponto de ramificação da filogenia com ao menos um caráter derivado
exclusivo ao clado descendente do ancestral comum representado pelo
ponto de ramificação.
5. Estómatos estruturas presentes nas folhas das plantas. Descreva
como os estômatos e outras adaptações facilitaram a vida sobre o solo e
por fim levaram à formação das primeiras florestas.
194
Pág. 194 - 209
Vias Evolutivas dos Animais
Lição no 13: Principais linhagens de
diversificação dos animais
13.1. O surgimento dos primeiros vertebrados
13.2. Evolução dos tetrápodes
13.3. A diversificação dos mamíferos e suas
diferenças em relação aos seus ancestrais
reptiliano
Conteúdos
6
U
N
ID
A
D
E
195
Unidade no 6: Vias Evolutivas dos Animais
Introdução
Ao longo desta unidade, aprofundaremos mais o nosso conhecimento do mundo
animal, aplicando activamente princípios orientadores importantes às nossas
investigações. Mais especificamente, o foco no grupo dos animais será dado aos
vertebrados, uma vez que não há espaço para se apresentar os grupos mais basais,
os invertebrados. O conhecimento sobre os animais só tem pleno sentido quando
os princípios evolutivos que usamos para a sua construção são bem
compreendidos. Nossa curiosidade zoológica é guiada e limitada pela tecnologia
disponível, e a exploração do mundo animal depende criticamente das nossas
perguntas, métodos e princípios. O conhecimento sobre os animais só tem pleno
sentido quando os princípios evolutivos que usamos para a sua construção são
bem compreendidos. Actualmente, para melhor estudarmos a zoologia moderna é
importante saber que muitas disciplinas estão atreladas a ela. Muitos princípios
derivam de leis da física e da química, obedecidos por todos os sistemas vivos.
Outros derivam do método científico e nos informam que nossas explicações
hipotéticas sobre o mundo animal devem nos guiar para a obtenção de dados que,
potencialmente, possam refutar essas explicações. Os princípios conhecidos com
o estudo de um grupo podem, frequentemente, ser aplicados a outros, porque
todos os seres vivos compartilham uma origem evolutiva comum. Rastreando-se
as origens dos nossos princípios condutores, vemos que os zoólogos não são uma
ilha, mas parte da comunidade científica. Começamos nosso estudo da zoologia
por uma procura abrangente dos nossos princípios mais básicos e de suas diversas
fontes. Esses princípios simultaneamente guiam nossos estudos dos animais e os
integram ao contexto mais amplo do conhecimento humano.
196
Objectivos
No fim desta unidade você deverá ser capaz de:
• Identificar os principais eventos nas vias evolutivas dos animais;
• Indicar as principais evidências e teoria relacionadas à origem dos
primeiros vertebrados;
• Reconhecer as principais adaptações envolvidas na diversificação dos
tetrápodes;
• Distinguir as exclusividades evolutivas presentes na linhagem dos
mamíferos.
197
Lição no 13: Principais linhagens de diversificação dos animais
Introdução
A evolução produziu uma grande diversidade de espécies no Reino Animal. Os
cientistas já́ descreveram mais de 1,5 milhão de espécies de animais, e milhares
de espécies novas são descritas todos os anos. Alguns zoólogos estimam que as
espécies descritas até o momento constituam sendo menos de 20% de todos os
animais existentes, e menos de 1% de todos os que já́ existiram. Todas as culturas
humanas classificam animais comuns de acordo com padrões observados na
diversidade animal. Entretanto, os biólogos organizam a diversidade animal em
uma hierarquia organizada de grupos dentro de grupos, de acordo com as relações
evolutivas reveladas por padrões ordenados pelo compartilhamento de
características homólogas. Esse ordenamento é chamado de “sistema natural”,
pois reflecte as relações que existem entre animais na natureza. Um zoólogo ou
sistemata tem três grandes objectivos: descobrir novas espécies de animais,
reconstruir suas relações evolutivas e comunicar essas relações ao construir um
sistema taxonómico informativo.
Objectivos
No fim desta lição você deverá ser capaz de:
• Apresentar as principais hipóteses sobre o surgimento de animais
pluricelulares;
• Explicar os principais mecanismos relacionados ao surgimento dos
primeiros vertebrados;
• Classificar as principais diferenças entre grupos distintos de vertebrados.
198
13.1. O surgimento dos primeiros vertebrados
Os vertebrados fósseis mais antigos conhecidos são os peixes, que
datam das épocas do Cambriano ou mesmo (alguns fósseis da China,
recentemente descritos) do Pré-cambriano superior. Os peixes proliferaram
no documentário fóssil do Ordoviciano, mas podemos escolher a mesma
história que deu início às plantas: o avanço para a terra. As evidências
fósseis indicam o Devoniano superior, há cerca de 360 milhões de anos,
como a época de origem dos vertebrados terrestres. Provavelmente, as
plantas terrestres prepararam o caminho.
Durante o Devoniano elas proliferaram às margens das águas. A
presença de plantas com suas raízes crescendo para dentro de água e a
fauna de artrópodes associada a elas combinaram-se para criar um novo
habitat à beira da água. Os peixes teriam evoluído para explorar aqueles
recursos. O registro fóssil revela, com excelentes detalhes, a transição
evolutiva dos peixes para os anfíbios terrestres. Os anfíbios foram o
primeiro grupo de tetrápodes a evoluir. (Tetrápodes são os animais
vertebrados de quatro patas: os anfíbios, os répteis, as aves e os
mamíferos). Ridley (2006) destaca alguns aspectos dessa história.
Os peixes actuais (ou, mais exactamente, os peixes ósseos) dividem-se
em dois grupos principais: os peixes de nadadeiras raiadas e os peixes de
nadadeiras lobadas. A maioriados peixes tem nadadeiras raiadas, mas os
tetrápodes actuais descendem de peixes ancestrais de nadadeiras lobadas.
Os peixes pulmonados actuais e o celacanto são peixes de nadadeiras
lobadas. Dentre os peixes de nadadeiras lobadas, supõe-se que os
pulmonados, e não o celacanto, são os parentes mais próximos dos
tetrápodes.
As evidências morfológicas eram ambíguas e, na década de 1980, uma
análise cladística sugeriu que o celacanto estava mais próximo dos
199
tetrápodes do que os peixes pulmonados (Rosen et al., 1981). Porém,
evidências moleculares da década de 1990 apontavam para uma hipótese
alternativa. Actualmente a evidência molecular em geral é a aceita.
Entre os peixes pulmonados há uma série de formas fósseis que variam
desde o Eusthenopteron (Figura 51A), com forma completa de peixe,
passando pelos tetrápodes aquáticos (Acanthostega; Figura 51B), e
parcialmente terrestres (Ichthyostega; Figura 51C), até os anfíbios. A
evidência fóssil que mostra a transição gradual é notável por si mesma
porque poucas transições evolutivas importantes estão tão bem
documentadas. Ela também revela alguns detalhes importantes, como a
condição de que os tetrápodes parecem ter evoluído, de início, em
vertebrados inteiramente aquáticos. O Acanthostega tinha quatro boas
patas, homólogas aos quatro membros de um gato ou de um lagarto, mas
também tinha brânquias e um perfil natatório. Por isso, a evidência fóssil
sugere que os membros dos tetrápodes inicialmente evoluíram como
remos, para nadar. Seu posterior uso para andar é uma etapa de pré-
adaptação (Ridley, 2006; p. 292).
Figura 51. Formas fósseis que evidenciam transição de grupos vertebrados em relação à conquista
definitiva do ambiente terrestre. Eusthenopteron (A) é um gênero de peixe pré-histórico que é
considerado como uma forma transicionais que compartilha características únicas com os primeiros
tetrápodes. Acanthostega (B) era um anfíbio primitivo que viveu há aproximadamente 380 milhões
de anos, durante o período Devoniano. Seus membros eram bem desenvolvidos e acredita-se que
este anfíbio foi um dos primeiros tetrápodes (4 membros), os quais um dia iriam dominar o meio
terrestre. Acredita-se que suas patas eram mais utilizadas para "andar" pela vegetação aquática, dos
pântanos onde vivia, como as atuais salamandras. Ichthyostega (C) foi um dos primeiros
vertebrados terrestre conhecidos no registro fóssil; acredita-se que tenha surgido no Devoniano
Superior (há uns 375 milhões de anos). As quatro patas palmadas indicam que caminhava e estava
adaptado à vida terrestre, mas é provável que não passasse muito tempo em terra firme. Todas as
imagens são de domínio público (http://commons.wikimedia.org/wiki/) e são modelos reconstruídos
baseados nos registros fósseis e que são exibidos no State Museum of Natural History, na
Alemanha.
200
13.2. Evolução dos tetrápodes
Nos tetrápodes actuais, o pé sempre tem cinco dígitos (ou, se o número
difere de cinco, pode-se constatar que derivou de uma condição
pentadáctila). Os tetrápodes do Devoniano, porém, incluem formas com
números de dígitos diferentes, como sete ou nove. Presumivelmente, os
tetrápodes actuais acabaram derivando de ancestrais pentadáctilos e
mantiveram essa condição. O grande passo subsequente na evolução dos
vertebrados terrestres foi o surgimento do ovo amniótico (figura 52): os
répteis, as aves e os mamíferos são amniotas (i.e., todos os animais cujos
embriões são rodeados por uma membrana durante a fase embrionária) e
os membros desses grupos, ao contrário da maioria dos anfíbios, não
retornam para a água durante as etapas iniciais de seu ciclo de vida.
Figura 52. Principais modificações que fizeram os répteis serem os primeiros vertebrados a
conquistar em definitivo o ambiente terrestre ovo amniótico.
Embora a origem dos tipos de ovos não possa ser traçada directamente
no registro fóssil, há boas evidências de mudanças morfológicas na
estrutura esquelética dos répteis. Provavelmente os répteis evoluíram no
201
Carbonífero, como sugere a pequena criatura tipo-lagarto encontrada nos
depósitos fósseis da Nova Escócia. Acredita-se que o Hylonomus, cujo
nome significa “morador da floresta”, foi um dos primeiros répteis
conhecidos, que viveu há aproximadamente 315 milhões de anos atrás
durante o Carbonífero no Canadá.
Depois do surgimento dos répteis, os dois principais eventos na
evolução dos vertebrados foram (i) o surgimento do voo das aves e (ii) a
origem dos mamíferos. Não examinaremos aqui a evolução das aves,
dando uma ênfase mais aprofundada no surgimento dos mamíferos, já que
é uma das transições mais bem-documentadas no campo da Biologia
Evolutiva, com evidências robustas no documentário fóssil (Ridley, 2006)
13.3. A diversificação dos mamíferos e suas diferenças em relação
aos seus ancestrais reptilianos
Os mamíferos são um grupo que difere em vários aspectos dos
répteis. Ridley (2006) salienta as principais características que definem um
mamífero: (i) eles têm sangue quente e temperatura corporal constante e,
por isso, uma alta taxa de metabolismo e um mecanismo homeostático; (ii)
eles têm um modo de locomoção, ou andar, característico, em que o corpo
é mantido ereto, com as pernas embaixo dele (contrastando com o andar
“arqueado” dos répteis, como os lagartos, em que as patas se projetam para
os lados); (iii) eles têm cérebros grandes; (iv) seu modo de reprodução,
inclusive a lactação, também é distintivo; (v) o activo metabolismo dos
mamíferos exige alimentação eficiente, por isso os mamíferos têm
mandíbulas potentes e um conjunto de dentes relativamente duráveis,
diferenciados em vários tipos dentários. Isto mostra que quando os
mamíferos evoluíram dos répteis, foram necessárias mudanças de muitas
características, em grande escala.
Mas como aconteceu essa transição? Não existe uma resposta
202
simples à essa pergunta, uma vez que nem todas as características
distintivas dos mamíferos ficaram preservadas no documentário fóssil. Os
mais antigos fósseis de mamíferos como o Megazostrodon (figura 53)
datam do Triássico superior, há cerca de 200 milhões de anos. Não se sabe
directamente se o Megazostrodon era vivíparo e lactante. Porém, há
indícios de que tinha mandíbula, andar e estrutura dentária de mamífero, e
daí inferimos ele provavelmente também tinha uma fisiologia de sangue
quente.
Figura 53. Modelo de Megazostrodon, que foi um mamífero primitivo (extinto) que parece ter
vivido há cerca de 200 milhões de anos atrás. Ele provavelmente representa o estágio final de
transição entre os cinodontes, ou ‘répteis parecidos com mamíferos’ e os mamíferos verdadeiros. A
réplica reconstruída acima está exposta no Natural History Museum, em Londres, Inglaterra.
Imagem de domínio público. Fonte: Wikimedia Commons (http://commons.wikimedia.org/wiki/)
A origem dos mamíferos pode ser traçada até́ antes de 200 milhões
de anos, por meio de uma série de grupos de reptilianos informalmente
chamados de “répteis tipo mamíferos” e formalmente chamados de
sinapsídeos. Eles evoluíram durante um período de aproximadamente 100
milhões de anos, do Pensilvaniano até́ o final do Triássico, quando
apareceu o primeiro mamífero verdadeiro. Alguns sinapsídeos persistiram
no Jurássico, época em que os dinossauros já haviam proliferado e se
estabelecido em diversos habitats. Nenhum outro tetrápode terrestre se
desenvolveu antes da extinção dos dinossauros, no fim do Cretáceo.
As características que podem ser reconstituídas com maior clareza
nos fósseis são as relacionadas com locomoção e alimentação, porque
estão relacionadas de modo simples com a forma dos ossos e dentes
preservados. As mandíbulas dos répteis diferem das dos mamíferos em
203
muitos aspectos (Figura 54). Os dentes dos mamíferos têm estrutura
complexa, multicúspide (i.e.,várias pontas), e são diferenciados em
caninos, molares e assim por diante, enquanto os dos répteis formam uma
carreira relativamente indiferenciada e têm estrutura mais simples.
Figura 54. Ilustrações que evidenciam as diferenças em muitos aspectos da anatomia das
mandíbulas dos répteis e mamíferos.
As maxilas superiores e inferior dos répteis articulam-se (isto é,
flexionam-se) na parte posterior, onde estão os músculos que
simplesmente as fecham. Já a mandíbula dos mamíferos recebe os
músculos das bochechas, que envolvem os dentes e permitem que ela
feche com muito mais forca e precisão do que a reptiliana. Durante a
evolução dos mamíferos, à medida que o ponto de articulação da
mandíbula se deslocou para a frente, os ossos à retaguarda da mandíbula
ficaram liberados e evoluíram em ossos do ouvido (Ridley, 2006).
Na evolução dos répteis e mamífero, podemos distinguir três fases
principais. A primeira fase corresponde a uma das duas maiores divisões
do grupo, os pelicossauros. Seus fósseis mais bem preservados estão no
sudoeste dos Estados Unidos. Nesta região, há cerca de 300 milhões de
anos, viveu o Archaeothyris, que era um pelicossauro primitivo. Era um
animal tipo lagarto, com cerca de 50 cm de comprimento, e sua principal
204
diferença em relação aos outros grupos de répteis é uma abertura nos ossos
atrás do olho. Esta é chamada janela temporal e, no animal vivo, permitia a
passagem de um músculo. Este agia fechando a mandíbula, sendo a
abertura temporal o primeiro indício do poderoso mecanismo mandibular
dos mamíferos. (A propósito, a janela temporal é a característica que
define os sinapsídeos.)
Um pelicossauro mais bem conhecido é o Dimetrodon, com suas
enigmáticas velas nas costas. Os pelicossauros tinham pouca ou nenhuma
diferenciação dentária e tinham o andar arqueado dos répteis. Na Figura
55) pode ser observado o conflito de caracteres na filogenia de aves e
répteis referente a anatomia do crânio ligam os crocodilos e as aves; o
número de patas, a fisiologia e a superfície externa ligam os grupos de
répteis. O crânio dos anapsídeos não tem aberturas, excepto as órbitas; a
característica-chave do crânio dos diapsídeos é uma abertura única na
região temporal superior, embora a maioria deles também tenha mais uma
abertura, mais abaixo. Os arcossáurios e os lepidossáurios diferem quanto
ao crânio (para sermos exatos, os lepidossáurios não têm o arco temporal
inferior). Durante sua história de 50 milhões de anos, eles evoluíram em
três grupos principais, e a maioria deles extinguiu-se de forma bastante
súbita, há cerca de 260 milhões de anos (Ridley, 2006).
205
Figura 55. Ilustração que mostra o conflito de caracteres na filogenia de aves e répteis referente a
anatomia do crânio ligam os crocodilos e as aves; o número de patas, a fisiologia e a superfície
externa ligam os grupos de répteis. Adaptado de Ridley (2006).
A evolução dos terapsídeos constitui a segunda fase principal dos
répteis “tipo mamíferos”, no Permiano e no Triássico. Fosseis de
terapsídeos são encontrados em várias partes do mundo, mas os melhores
depósitos estão na África do Sul. O padrão de evolução dos terapsídeos foi
extremamente semelhante ao dos pelicossauros, mas suas janelas
temporais geralmente são maiores e mais semelhantes às dos mamíferos do
que as dos pelicossauros, seus dentes, em alguns casos, apresentam uma
série maior de diferenciações, e as formas mais recentes já́ haviam
desenvolvido um palato secundário. O palato secundário permite que o
animal coma e respire ao mesmo tempo e indica um modo de vida mais
activo, talvez de sangue quente (Ridley, 2006).
Uma sequência imediata de fósseis conecta os répteis ancestrais
206
com os mamíferos actuais. Os mamíferos viventes são divididos em três
grupos: prototérios (inclusive as équidnas), metatérios e eutérios. Os
metatérios e os eutérios também são conhecidos, respectivamente, como
marsupiais e placentários. Os fósseis mais antigos de eutérios que se
conhece são os da formação Yixian, na China, datando do Cretáceo
inferior (Ji et al., 2002).
Provavelmente a divergência dos três principais grupos de
mamíferos deu-se no Jurássico. Os eutérios, por sua vez, divergiram em
várias ordens principais (isto é, grupos como os primatas, os carnívoros, os
proboscídeos e os roedores). A cronologia dessa divergência é controversa,
mas, provavelmente, os primatas originaram-se no Cretáceo, embora seu
registro fóssil só́ surja no Terciário (Ridley, 2006). O próximo evento que
examinaremos aqui é a origem dos humanos na ordem dos primatas.
Sumário
A partir dos organismos relativamente simples que marcam o início da vida na
Terra, a evolução animal produziu formas mais complexamente organizadas.
Enquanto um organismo unicelular executa todas as funções vitais dentro do
confinamento de uma única célula, um animal multicelular é uma organização
de unidades subordinadas unidas em um sistema hierárquico. Todo organismo
tem um plano corpóreo herdado que pode ser descrito em termos de simetria do
corpo, número de folhetos germinativos embrionários, grau de organização e
número de cavidades corpóreas. Os corpos animais baseiam-se em uma
hierarquia de células, tecidos, órgãos e sistemas, e isso se reflecte nas suas
relações de parentesco – em suas filogenias. A forma e a função dos animais
estão correlacionadas em todos os níveis de organização. As leis físicas
restringem o tamanho e a forma de um animal. Essas restrições contribuem para
a evolução convergente ou divergentes de corpos dos animais.
207
Saiba mais
✓ Artigo científico “Paleoclimas e especiação em animais da
América do Sul tropical - P. E. Vanzolini, 1992:
http://www.revistas.usp.br/eav/article/view/9580
✓ Reportagem da revista National Geographic Brasil (2015) sobre
animais planadores em Bornéu, que é um bom exemplo de evolução
convergente, ou seja, hábitos e estruturas evoluídas
independentemente em diferentes grupos que exercem a mesma
função: http://viajeaqui.abril.com.br/materias/animais-
borneu?utm_source=redesabril_viagem&utm_medium=facebook&u
tm_campaign=redesabril_ngbrasil
✓ Acesso o link da revista National Geographic Brasil e conheça 20
animais de cada bioma do Brasil. Algum deles lembra alguma
algum animal presente no continente africano?
http://viajeaqui.abril.com.br/materias/fotos-de-animais-do-brasil
Filmes/Vídeos
✓ Trecho do documentário “Life in Cold Blood”, da BBC: Golden
Frog: Fighting & Mating:
https://www.youtube.com/watch?v=A1FWQvaBoRg
✓ Ascensão dos animais (19-40min: peixes e anfíbios; 39-59min:
répteis e aves):
https://www.youtube.com/watch?v=QbZXxQNPwGk
✓ Ascensão dos animais – Triunfo dos vertebrados
(mamíferos)https://www.youtube.com/watch?v=8YOnCkWVJ6E
✓ Documentário “Aranhas Incríveis”, mostrando as adaptações,
peculiaridades e curiosidades sobre estes artrópodes:
https://www.youtube.com/watch?v=6HA_OO8xyMo
✓ Sistemática filogenética e evolução – O que define um
mamífero? Acesse o link abaixo e confira esta animação que
explica de maneira didáctica os conceitos de ancestralidade em
comum e compartilhamento de características em um contexto
filogenético:
https://www.youtube.com/watch?v=v1wDmjUCxbk&list=UURFW
http://www.revistas.usp.br/eav/article/view/9580
http://viajeaqui.abril.com.br/materias/animais-borneu?utm_source=redesabril_viagem&utm_medium=facebook&utm_campaign=redesabril_ngbrasil
http://viajeaqui.abril.com.br/materias/animais-borneu?utm_source=redesabril_viagem&utm_medium=facebook&utm_campaign=redesabril_ngbrasil
http://viajeaqui.abril.com.br/materias/animais-borneu?utm_source=redesabril_viagem&utm_medium=facebook&utm_campaign=redesabril_ngbrasil
http://viajeaqui.abril.com.br/materias/fotos-de-animais-do-brasil
http://www.freepik.com/index.php?goto=27&url_download=aHR0cDovL3d3dy5mbGF0aWNvbi5jb20vZnJlZS1pY29uL2ZpbGVfMTE4MDk4&opciondownload=318&id=aHR0cDovL3d3dy5mbGF0aWNvbi5jb20vZnJlZS1pY29uL2ZpbGVfMTE4MDk4&fileid=917606https://www.youtube.com/watch?v=A1FWQvaBoRg
https://www.youtube.com/watch?v=QbZXxQNPwGk
https://www.youtube.com/watch?v=8YOnCkWVJ6E
https://www.youtube.com/watch?v=6HA_OO8xyMo
https://www.youtube.com/watch?v=v1wDmjUCxbk&list=UURFW_wxn_c36xSImtJ9Vofg
208
_wxn_c36xSImtJ9Vofg
✓ Artigo com informações sobre a biologia e história de vida da
baleia jubarte:
http://monografias.brasilescola.com/biologia/as-ameacas-as-baleias-jubarte-
acoes-visando-sua-conservacao.htm
✓ Vídeo de uma cobra predando um ovo. Acesse o link abaixo e
observe as adaptações do aparato bucal que faz com que este réptil
consiga ingerir uma presa que bem grande para o seu tamanho
corporal: https://www.youtube.com/watch?v=YDXzKt4l9cU
Auto-Avaliação
1. Qual das seguintes características aumenta a taxa de troca de
calor entre um animal e seu ambiente?
a) Plumagem ou pelagem.
b) Vasoconstrição.
c) Vento soprando na superfície da pele.
d) Trocador de calor contracorrente.
2. Considere as alocações energéticas para um Homem, um
elefante, um pinguim, um camundongo e uma serpente.
O ________ teria o gasto energético anual total mais alto e o/a
________ teria o mais alto gasto energético por unidade de
massa.
a) Elefante; camundongo.
b) Elefante; Homem.
c) Camundongo; serpente.
d) Pinguim; camundongo.
3. Comparada com uma célula menor, uma célula maior da
mesma forma tem:
a) menor área de superfície.
b) menor área de superfície por unidade de volume.
c) a mesma razão entre área de superfície e volume.
d) uma razão menor entre área de superfície e volume.
4. As entradas de energia e de material em um animal excederiam
suas saídas:
a) se ele fosse um endotermo, que deve sempre receber mais
energia devido às altas taxas metabólicas.
https://www.youtube.com/watch?v=v1wDmjUCxbk&list=UURFW_wxn_c36xSImtJ9Vofg
http://monografias.brasilescola.com/biologia/as-ameacas-as-baleias-jubarte-acoes-visando-sua-conservacao.htm
http://monografias.brasilescola.com/biologia/as-ameacas-as-baleias-jubarte-acoes-visando-sua-conservacao.htm
https://www.youtube.com/watch?v=YDXzKt4l9cU
209
b) se ele estivesse procurando activamente por alimento.
c) se ele estivesse crescendo e aumentando sua massa.
d) nunca; a homeostase sempre equilibra essas alocações de
energia e material.
5. Você está a estudar um grande réptil tropical que tem uma
temperatura corporal alta e relativamente estável.
a) Pela sua temperatura corporal alta e estável, você̂ reconhece
que deve ser um endotermo.
b) Você submete esse réptil a diferentes temperaturas no
laboratório e constata que a sua temperatura corporal e taxa
metabólica mudam com a temperatura ambiental. Você conclui
que é um ectotermo.
c) Você observa que seu ambiente tem uma temperatura alta e
estável. Visto que a temperatura corporal do animal se iguala à
temperatura ambiental, você conclui que ele é um ectotermo.
d) Você̂ mede a taxa metabólica do réptil e, por ela ser mais alta
do que a de uma espécie aparentada que vive em florestas
temperadas, você̂ conclui que esse réptil é um endotermo e seu
parente é um ectotermo.
6. Qual dos seguintes animais usa a maior percentagem do seu
orçamento energético para regulação homeostática?
a) Uma água-viva (geleia-do-mar, um invertebrado)
b) Uma serpente de uma floresta temperada
c) Um insecto do deserto
d) Uma ave do deserto
7. Em 1847, o biólogo alemão Christian Bergmann observou que
mamíferos e aves vivendo em latitudes mais elevadas (mais
distantes do equador) são, em média, maiores e mais encorpados
do que espécies aparentadas encontradas em latitudes mais
baixas. Sugira a hipótese evolutiva para explicar essa observação.
8. Em um ensaio sucinto (em torno de 100-150 palavras)
focalizando a transferência e a transformação de energia, discuta
as vantagens e as desvantagens da hibernação.
210
Pág 211-240
Pág. 1 - 9
Teorias interpretativas sobre a
origem das espécies
Lição no 14: História evolutiva dos seres humanos
14.1. Origem e evolução da espécie humana
14.2. Classificação do Homem como organismo e as
evidências fósseis dos primeiros hominídeos
Lição no 15: As relações filogenéticas entre o Homem e
outros primatas
15.1. A ancestralidade recente dos humanos: a aurora
da humanidade
15.2. As relações de parentesco entre humanos e os
macacos antropóides actuais
15.3. Ética e evolução: a espécie humana como
gerenciadora da biodiversidade contemporânea
Conteúdos
7
U
N
ID
A
D
E
211
Unidade no 7: Origem e Evolução Do Homem
Introdução
Uma vez que nos aventuramos pelas principais linhagens evolutiva dentro do
Reino Animal e tivemos bem definido os principais conceitos evolutivos, é hora
de adentrarmos um dos assuntos mais polêmicos na sociedade – a evolução
humana. A ideia de que os humanos compartilham uma descendência comum
com os grandes macacos e outros animais era repugnante no mundo victoriano,
que reagiu com a indignação previsível. Como naquela época poucos fósseis
humanos haviam sido encontrados, Darwin baseou suas ideias principalmente em
comparações anatómicas entre humanos e grandes macacos. Para Darwin, as
estreitas semelhanças entre esses dois grupos só́ poderiam ser explicadas por
descendência a partir de um ancestral comum.
Objectivos
No fim desta unidade você deverá ser capaz de:
• Identificar o nível de parentesco do Homem moderno com outros
primatas;
• Descrever as linhas evolutivas que originaram o Homo sapiens;
• Debater sobre questões relacionadas à evolução dos seres humanos;
• Analisar criticamente o papel ético e moral da espécie humana em
relação à conservação da biodiversidade contemporânea.
212
Lição no 14: História evolutiva dos seres humanos
Introdução
Os humanos, biologicamente falando, são primatas e isso é um facto que até́ o
pré-evolucionista Linnaeus reconhecia. Todos os primatas compartilham certas
características como dedo preênseis em todos os quatro membros, unhas planas
em vez de garras e olhos voltados para frente, com visão binocular e excelente
percepção de profundidade. A busca por fósseis, especialmente por um “elo
perdido” que proporcionasse uma conexão entre grandes macacos e humanos,
teve início quando dois esqueletos de neandertais foram encontrados na década de
1880. Então, em 1891, o famoso homem de Java (Homo erectus) foi descoberto.
Algumas das descobertas mais espetaculares, entretanto, têm sido feitas na África
e estudos bioquímicos comparativos demonstraram que os humanos e os
chimpanzés são tão semelhantes geneticamente quanto muitas espécies irmãs. A
citologia comparada forneceu evidências de que os cromossomos dos grandes
macacos e dos humanos são homólogos. A hipótese de Darwin de que os
humanos descendem de outros macacos tem sido confirmada por diversas áreas
científicas.
Objectivos
No fim desta lição você deverá ser capaz de:
• Identificar a classificação do ser humano dentro do reino animal;
• Discutir a respeito das principais evidências sobre a evolução da espécie
humana;
• Situar historicamente a origem recente do Homo sapiens;
• Discernir as relações de parentesco entre os humanos e outros primatas.
213
14.1. Origem e evolução da espécie humana
Quando Charles Darwin escreveu A Origem das Espécies, abordou
a evolução de organismos que variam de orquídeas a baleias, mas,
notadamente, deixou de fora de sua obra-prima um debate consistente
sobre a origem dos humanos, limitando-se a comentar: “Luz será lançada
em relação à origem do Homem e sua história”. Estudiosos atribuem o
referido silêncio de Darwin sobre o assunto à sua relutância em alfinetar
ainda mais a igreja victoriana, e sua mulher devota, para quem a origem de
todas as coisas – principalmenteos humanos – era obra divina.
Thomas Henry Huxley, o biólogo anatomista conhecido como o
“buldogue de Darwin”, por outro lado, não guardava nenhuma restrição.
Em 1863 escreveu a obra Evidências do lugar do Homem na natureza,
onde aplicou abertamente a teoria da evolução de Darwin aos humanos,
defendendo que certamente descendíamos de um ancestral comum aos
macacos (ver Figura 56 para desfazer-se qualquer ideia errônea já
propagada sobre o assunto).
Figura 56. Visão equivocada, embora comum, da evolução humana onde se passa a ideia de que
viemos do chimpanzé, dando impressão que a evolução se dá em linha reta, de forma progressista
(A). A visão correta da evolução humana, entretanto, deve ser sempre ramificada, para não dar
214
margens a interpretações errôneas. Somente no contexto filogenético é possível visualizar que
compartilhamos um ancestral em comum com o chimpanzé (B), ancestral este que deve ter vivido
há cerca de 5 milhões de anos.
Doze anos mais tarde, o próprio Darwin, possivelmente encorajado
pela iniciativa de Huxley, escreveu A descendência do Homem, onde
declarava o chimpanzé e o gorila como nossos parentes vivos mais
próximos, com base nas semelhanças anatómicas; e ainda previa que nosso
ancestral mais remoto poderia ser encontrado na África, habitat actual dos
primatas vivos (ditos, ‘do Velho Mundo’). Ao mesmo tempo, tinha-se
notícia de apenas um punhado de fósseis humanos, todos eles de
Neandertais de sítios na Europa Ocidental (Scientific American, 2009).
Desde então, diversas evidências com fósseis e análises genéticas
validaram as alegações de Darwin. Hoje sabemos que nosso parente mais
próximo é mesmo o chimpanzé e que os humanos surgiram na África entre
cinco e sete milhões de anos atrás, depois que nos diversificamos da
linhagem do chimpanzé. Descobriu-se também que durante boa parte da
pré-história os nossos antecessores dividiram o planeta com uma ou mais
espécies de hominídeos. Mas, longe de ser uma sucessão linear de
criaturas pouco a pouco mais erecta, a árvore genealógica humana
exibe diversos ‘galhos secos’ (i.e., linhagens fósseis, extintas).
Um consenso actual é que ainda falta muito para completar
totalmente a história de nossa origem. Paleontólogos estão ansiosos para
encontrar fósseis do último ancestral comum entre chimpanzés e humanos,
por exemplo. Os pesquisadores querem saber como exactamente o Homo
sapiens conseguiu superar os Neandertais e outros humanos arcaicos.
Pairam ainda muitos mistérios sobre o nosso passado coletivo. E as
considerações de Darwin sem dúvida continuarão a iluminar o caminho até
resolvê-los, ou pelo menos entendermos mais a fundo. Suas preocupações
iniciais eram bem fundadas, já que implicações humanas na biologia
evolutiva foram, e continuam sendo, causa de aquecida controvérsia tanto
215
dentro da comunidade científica quanto entre o público leigo.
Freeman & Herron (2009) salientam que existem cinco espécimes
fósseis que são indiscutivelmente humanos e utilizam para eles os
seguintes nomes: Homo ergaster, H. erectus, H. heidelbergensis, H.
neanderthalensis e H. sapiens. Entretanto, há consideráveis incertezas e
discussões sobre quantas espécies elas efeticvamente representam e sobre
como foi que os humanos modernos, os Homo sapiens, emergiram dentre
os demais.
Dentre as muitas controvérsias sobre a origem dos humanos
modernos, os paleontólogos ficam divididos em relação à situação
taxonómica do H. ergaster e do H. erectus. Alguns pesquisadores
consideram essas duas formas como variantes regionais de uma mesma
espécie (H. erectus), enquanto outros consideram o H. erectus como uma
espécie distinta, uma descendente asiática da espécie africana H. ergaster.
Mais recentemente foi sugerido que uma nova espécie, Homo
antecessor, era o ancestral comum aos neandertais e aos humanos
modernos (Bermúdez de Castro et al., 1997; Arsuaga et al., 1999).
Entretanto, os paleontólogos concordam que os humanos modernos são
descendentes de alguma das populações, ou de todas, do grupo H.
ergaster/erectus. Entretanto, o modo e o local de ocorrência da transição
de H. ergaster/erectus para H. sapiens ainda é objeto de discussão.
Todos os hominídeos anteriores a H. ergaster/erectus confinaram-
se à África. Entretanto, os exemplos mais antigos de H. ergaster/erectus
aparecem quase simultaneamente, no registro fóssil, em Koobi Fora,
África; em Dmanisi, na região do Cáucaso, Europa ocidental na Caverna
de Longgupo, China, e em Sangiran e Mojokerto, Java – todos entre 1,6 e
1,9 milhão de anos (Wood & Turner, 1995; Gabunia et al., 2000). Como
os ancestrais imediatos e os parentes mais próximos do H. erectus
pareciam restritos à África, a maioria dos paleontólogos pressupôs que H.
216
erectus evoluiu na África e dali se deslocou para a Ásia.
Contudo, os fósseis da Caverna de Longgupo, na China, são
suficientemente semelhantes ao H. habilis e ao H. ergaster africanos para
sugerir que o H. erectus pode ter evoluído na Ásia, a partir de migrantes
mais antigos (Huang et al., 1995). Seja como for, é quase certo que, até
antes de 2 milhões de anos atrás, os ancestrais de nossa espécie
pertencentes ao género Homo viviam na África.
O Homo sapiens moderno aparece pela primeira vez no registro
fóssil há cerca de 100.000 mil anos, na África e em Israel, e, algo mais
tarde, na Europa e na Ásia (Stringer, 1988; Valladas et al., 1988; Aiello,
1993; White et al., 2003; McDougall et al., 2005).
Até o advento da agricultura, os humanos sobreviveram através da
caça e da coleta, assim como ainda fazem algumas populações tribais.
Estudando essas populações de caçadores-coletores contemporâneos,
podemos deduzir que é muito provável que aquelas populações tivessem
densidade populacional baixa e que a maioria delas fosse constituída de
bandos pequenos de nómados, cujos trajetos podem ser razoavelmente
determinados. A população mundial em 10.000 a. C. foi estimada como
sendo algo na faixa dos dez milhões – não mais do que a população actual
da cidade de Nova York (Ammerman & Cavalli-Sforza, 1984).
Uma população caracterizada por pequenos grupos dispersos e
confinados por barreiras topográficas (que hoje em dia poderiam ser
ultrapassadas em algumas horas de carro ou avião) favorece intensamente
a divergência por deriva genética; esse, sem dúvida, é o mecanismo
responsável por grande parte da variação geográfica da espécie humana. É
evidente que uma parte da variação geográfica é consequência da selecção
natural.
Por exemplo, o comprimento de membros superiores e inferiores
em relação ao tamanho do corpo é menor em populações de grandes
217
latitudes do que nas populações tropicais, como é esperado por uma
selecção que favoreça redução da perda de calor. A variação geográfica da
cor da pele provavelmente é adaptativa, mas sua vantagem ainda não foi
determinada com segurança.
As populações que dependem da agricultura são maiores do que as
de caçadores-coletores, devido muito mais à taxa de natalidade maior do
que à taxa de mortalidade menor. Entretanto, elas são muito mais
sedentárias, de forma que o fluxo de genes entre essas populações
geralmente é prevenido por normas matrimoniais que frequentemente
estimulam um certo grau de troca entre clãs vizinhos, embora a estrutura
dos acasalamentos das populações humanas tem sido de divisão em demes
muito bem localizados, na maior parte da história da humanidade. Por
exemplo, foram relatadas diferenças em frequências génicas mesmo entre
vilas indígenas ao longo das praias do labo Atitlán, na Guatemala (Cavalli-
Sforza & Bodmer, 1971).
Ao longo da história, entretanto, esse padrão de diferenciação local
vem sendo alterado por migrações e lutas. A estrutura genética das
populações dos indígenas norte-americanos foi alterada para sempre
quando eles foram massacrados pelosbrancos e confinados às reservas; as
vilas de Atitlán, estudadas na década de 60, foram, desde então, deslocadas
e massacradas em uma série de regimes governamentais marcados pela
violência. De 8.000 a 5.500 a. C., as populações do Oriente Médio
começaram a migrar para a Europa na direcção noroeste numa taxa de
aproximadamente 1 km por ano, intercruzando-se com pelo menos
algumas das tribos locais de caçadores-coletores, à medida que
avançavam.
Este movimento deixou suas marcas nas frequências génicas, as quais
variam de maneira clinal em vários lócos, num padrão que reflecte a
história da disseminação da agricultura. Nas sociedades industriais do
mundo moderno, a taxa de fluxo génico entre os centros populacionais é
218
provavelmente a maior de toda a história da humanidade, embora muitas
populações do mundo ainda vivam em comunidades tradicionais entre as
quais ocorre troca bastante limitada (Ridley, 2006; Freeman & Herron,
2009).
14.2. Classificação do Homem como organismo e as evidências fósseis
dos primeiros hominídeos
O registro fóssil sobre os humanos primitivos e seus parentes é
frustrantemente escasso, mas vem melhorando de forma constante (Tattersall,
1995; Johanson et al.,1996; Tattersall, 1997). Os paleontólogos discordam acerca
dos nomes mais apropriados para muitos dos espécimes já encontrados. Com
algumas exceções, usarei os nomes utilizados por Johanson et al. (1996), por
acreditar que sejam os nomes mais familiares aos leitores.
Os paleontólogos também discordam a respeito do número de espécies; por
exemplo, os espécimes de Homo habilis e de Homo rodolfensis, são ambos de
Koobi Fora, no Quénia, e ambos têm aproximadamente 1,9 milhão de anos de
idade. Alguns pesquisadores consideram estes fósseis variantes de uma mesma
espécie, enquanto outros os consideram como espécies diferentes. A seguir
veremos, de forma resumida e cronológica, os principais registros de fósseis
hominídeos já encontrados. A Figura 57 ilustra os mais importantes no
conhecimento sobre nossa história evolutiva.
O fóssil hominídeo mais antigo já descoberto – da espécie
Sahelanthropus tchadensis – foi encontrado no Deserto de Djurab, no Chade, em
julho de 2001, pela equipa liderada por Michel Brunet; esse crânio quase inteiro
aturdiu os paleontólogos (Brunet et al., 2002, 2005; Gibbon, 2002). Por um lado,
ele tem aproximadamente 6 milhões de idade, que o coloca no extremo mais
antigo do período estimado pelos biólogos moleculares como aquele em que os
humanos teriam divergido dos chimpanzés.
219
Figura 57. Quadro esquemático com os principais fósseis hominídeos já encontrados.
Por outro lado, ele presenta uma curiosa mistura de características. Visto
detrás, sua caixa craniana pequena (320 a 380cm3) o faz parecer com um
chimpanzé. De frente, porém, sua face relativamente plana o faz parecer com um
Australopitecus, um Kenyanthropus ou um Homo tão recentes como 1,75 milhão
de anos (Wood, 2002). Em outras palavras, ele parece ter um parentesco muito
mais próximo com os humanos do que se poderia esperar de um fóssil tão antigo.
O Sahelanthropus tchadensis poderia ser um parente próximo do último ancestral
comum – ou mesmo, em princípio, ser o próprio ancestral comum (Freeman &
220
Herron, 2009).
Um candidato rival ao título de fóssil mais antigo é Voronin tugenensis,
que viveu há cerca de 6 milhões de anos onde hoje é o Quénia. Basicamente,
sabe-se dele somente a partir de três fêmures (e.g., Aiello & Collard, 2001).
Exemplos de outros hominídeos antigos indiscutíveis são os autralopitecíneos
gráceis (Australopithecus gari, A. africanus e A. aferensis), o Kenyanthropus e o
Ardipithecus. As espécies de Australopithecus tinham crânios com caixas
cranianas pequenas (de 400 até pouco mais de 500 cm3) e faces relativamente
grandes e projetadas (Johanson et al., 1996; Asfaw et al., 1999).
As fêmeas de A. africanus e A. aferensis atingiam até cerca de 1,1 metro,
e enquanto os machos tinham em torno de 1,4 a 1,5 metro de altura (ver Reno et
al., 2003). As duas espécies andavam sobre duas pernas. As evidências de sua
postura erecta provêm de muitos ossos do esqueleto, compreendendo quadris,
joelhos, pés, as proporções dos membros e a coluna vertebral, todos
anatomicamente modificados para permitir a postura vertical e a sustentação da
massa corporal sobre dois pés, em vez de sobre quatro. Outra evidência da
locomoção bípede aparece em impressões fossilizadas dos pés de uma dupla de A.
aferensis que caminhou lado a lado sobre as cinzas do vulcão Sadiman, em
Laetoli, na Tanzânia, há cerca de 3,5 milhões de anos (Stern & Susman, 1983;
White & Suwa, 1987).
O Kenyanthropus platyops, com 3,5 milhões de anos de idade, foi
descoberto em Agosto de 1999 (Leakey et al., 2001). Ele tem o cérebro do
tamanho igual ao do Australopithecus aferensis, que viveu na mesma época, e
tem várias outras características cranianas ancestrais. Ao mesmo tempo, K.
platyops tem dentes menores e uma face mais achatada e mais humanizada do
que o A. aferensis ou qualquer outra espécie tradicionalmente classificada como
Australopithecus.
Tim White (2003), ao contrário, alega que a aparência mais humanizada do K.
platyops é uma ilusão resultante do facto de o crânio ter sido fragmentado e
deformado pelas rochas que o preservaram. White acredita que, se não tivesse
sido deformado, ele estaria dentro dos limites da variação já reconhecida para os
fósseis de idade similar, que são alocados no género Australopithecus
221
Sumário
Biologicamente, Homo sapiens é um produto dos mesmos processos
responsáveis pela evolução de todos os organismos desde a origem da vida.
Mutação, isolamento, deriva genética e selecção natural têm operado para nós
como para outros animais. Nós somos, entretanto, singulares, com uma
evolução cultural não genética que proporciona uma retroalimentação constante
entre a experiência passada e a futura. Nossas linguagens simbólicas,
capacidade de pensamento conceitual, conhecimento de nossa história e poder
de manipular nosso ambiente emergem desse dote cultural não genético. Por
fim, devemos muito de nossas realizações culturais e intelectuais à nossa
descendência a partir de um ancestral arborícola, que nos deu visão binocular,
uma magnífica discriminação visual e tátil e o uso manipulativo de nossas
mãos. Os primeiros primatas eram provavelmente animais pequenos e
nocturnos, de aparência semelhante aos musaranhos arborícolas. Essa linhagem
ancestral de primatas deu origem a duas linhagens, uma das quais deu origem
aos lêmures e lóris (família Strepsirhini); e a outra aos társios, macacos e
grandes macacos. Tradicionalmente, lêmures, lóris e társios têm sido
denominados prossímios, um grupo parafilético, e os grandes macacos e
macacos têm sido denominados símios ou antropoides.
Saiba mais
✓ Acesso o artigo a seguir que faz um apanhado geral sobre as
origens da espécie humana. Homo sapiens – somos todos
africanos: http://observatoriodaimprensa.com.br/feitos-
desfeitas/_ed786_somos_todos_africanos/
✓ Confira a reportagem de capa da National Geographic Brasil
(janeiro de 2015) “A mente dos bebês. Segundo as evidências
discutidas no texto, o cérebro de um bebê precisa de amor para
se desenvolver. Por isso, o primeiro ano explica quase tudo o
que somos.
http://observatoriodaimprensa.com.br/feitos-desfeitas/_ed786_somos_todos_africanos/
http://observatoriodaimprensa.com.br/feitos-desfeitas/_ed786_somos_todos_africanos/
222
http://viajeaqui.abril.com.br/materias/a-mente-dos-bebes-cerebro-
criancas
✓ Bonobos: uma nova perspectiva. Confira a reportagem da
National Geographic Brasil sobre as novas descobertas sobre o
comportamento desta espécie. O bonobo, caso você não saiba,
é o membro associado a “faça o amor, e não a guerra” na
linhagem dosprimatas, muito mais lascivo e menos belicoso
do que o seu primo de primeiro grau, o chimpanzé. De acordo
com as pesquisas, as principais diferenças entre os bonobos e
os chimpanzés se notam no âmbito do comportamento,
sobretudo no que se refere ao sexo. Tanto em cativeiro como
em liberdade, os bonobos se relacionam sexualmente de
maneiras muito variadas. Segundo De Waal, “enquanto os
chimpanzés realizam o acto sexual quase sempre da mesma
forma, os bonobos agem como se tivessem lido o Kama Sutra,
experimentando todas as posições e variações concebíveis”.
http://viajeaqui.abril.com.br/materias/bonobos-africa-rio-
congo?utm_source=redesabril_viagem&utm_medium=facebook&
utm_campaign=redesabril_ngbrasil
✓ Por que andamos de pé e não somos peludos? Artigo da CH
apresenta uma proposta, baseada em conceitos da física, para
explicar a origem do bipedalismo nos ancestrais humanos.
http://cienciahoje.uol.com.br/revista-ch/2015/324/por-que-
andamos-de-pe-e-nao-somos-peludos
http://viajeaqui.abril.com.br/materias/a-mente-dos-bebes-cerebro-criancas
http://viajeaqui.abril.com.br/materias/a-mente-dos-bebes-cerebro-criancas
http://viajeaqui.abril.com.br/materias/bonobos-africa-rio-congo?utm_source=redesabril_viagem&utm_medium=facebook&utm_campaign=redesabril_ngbrasil
http://viajeaqui.abril.com.br/materias/bonobos-africa-rio-congo?utm_source=redesabril_viagem&utm_medium=facebook&utm_campaign=redesabril_ngbrasil
http://viajeaqui.abril.com.br/materias/bonobos-africa-rio-congo?utm_source=redesabril_viagem&utm_medium=facebook&utm_campaign=redesabril_ngbrasil
http://cienciahoje.uol.com.br/revista-ch/2015/324/por-que-andamos-de-pe-e-nao-somos-peludos
http://cienciahoje.uol.com.br/revista-ch/2015/324/por-que-andamos-de-pe-e-nao-somos-peludos
223
Auto-Avaliação
1. À luz do conhecimento actual, observe a ilustração abaixo
e aponte a alternativa que melhor responde a pergunta: o
Homem é originário do macaco?
a) A espécie Homo sapiens se distingue de outros hominídeos e,
portanto, não se originou dos macacos, que são primatas.
b) Os géneros Homo e Australopithecus representam o Homem
moderno e conviveramna mesma época com os macacos; assim,
nãosão seus descendentes.
c) Chimpanzés são bípedes e parecidos morfologicamente com o
Homem; portanto, os chimpanzés deram origem ao Homem.
d) Os seres humanos e chimpanzés possuíam um ancestral em
comum e divergiram ao longo da evolução.
e) Os seres humanos e chimpanzés convergiram ao longo da
evolução desenvolvendo características análogas.
2. A respeito da evolução humana existem hipóteses sendo
reformuladas constantemente conforme as descobertas mais
recentes. Conforme os estudos mais modernos, assinale o que for
correcto.
( ) A evolução humana é representada como uma sucessão de
espécies, uma atrás da outra, a começar pelo macaco, indo em
direcção ao Homem. Em cada época somente existiu um tipo de
hominídeo sobre a Terra e cada espécie teria originado a
seguinte, seguindo um progresso crescente em direcção ao
Homem actual.
( ) A partir do segundo hominídeo, o Australopithecus
afarensis, evoluíram os Paranthropus, que foram os
Australopithecus robustus e que originaram o Homem moderno.
Também do Australopithecus afarensis originaram-se os
demaisaustralopitecos menores, todos eles ainda na América.
( ) O primeiro hominídeo, o Australopithecus ramidus, viveu,
estima-se, há quatro milhões de anos e pode ser interpretado
como um elo entre os macacos e os seres humanos.
( ) Várias espécies de hominídeos habitaram o planeta ao
mesmo tempo, e até nos mesmos lugares. Sabe-se que cinco
diferentes espécies, dos géneros Homo e Paranthropus,
conviveram na África. Nada se sabe sobre o tipo do
relacionamento entre elas, mas o facto é que havia várias
espécies competindo num mesmo ambiente.
( ) A partir de linhagens do Australopithecus afarensis apareceu
224
o primeiro representante do género Homo. Trata-se do Homo
habilis, que, embora com capacidade craniana pequena,
provavelmente foi quem iniciou a fabricação de ferramentas.
3. Há três milhões de anos, os ancestrais dos seres humanos ainda
passavam grande parte de suas vidas nas árvores. Mas, de acordo
com um novo estudo, é possível que naquela época eles já
caminhassem como bípedes. Há mais de 30 anos foi descoberto
em Laetoli, na Tanzânia, um rastro de pegadas fósseis
depositadas há 3,6 milhões de anos e preservadas em cinzas
vulcânicas. A importância dessas pegadas para o estudo da
evolução humana tem sido intensamente debatida desde então.
As pegadas, que mostravam clara evidência de bipedalismo – a
habilidade para caminhar na posição vertical –, haviam sido
produzidas, provavelmente, por indivíduos da única espécie
bípede que vivia naquela área na época: os Australopithecus
afarensis. Essa espécie inclui Lucy, um dos fósseis de
hominídeos mais antigos encontrados até hoje e cujo esqueleto é
o mais completo já conhecido.
De acordo com o texto:
a) As pegadas fósseis encontradas na Tanzânia eram de
indivíduos da espécie Homo sapiens.
b) O Homem evoluiu a partir de macacos que viviam em árvores.
c) Os Australopithecus afarensis caminhavam na posição
vertical.
d) Lucy é o mais antigo fóssil da espécie Homo sapiens já
encontrado.
e) Lucy e os da sua espécie não tinham habilidade para caminhar
na posição vertical.
4. Há cerca de 40.000 anos, duas espécies do género Homo
conviveram na área que hoje corresponde à Europa: H. sapiens e
H. neanderthalensis. Há cerca de 30.000 anos, os neandertais se
extinguiram, e tornamo-nos a única espécie do género. No início
de 2010, pesquisadores alemães anunciaram que, a partir de
DNA extraído de ossos fossilizados, foi possível sequenciar cerca
de 60% do genoma do neandertal. Ao comparar essas sequências
com as sequências de populações modernas do H. sapiens, os
pesquisadores concluíram que de 1 a 4% do genoma dos
europeus e asiáticos é constituído por DNA de neandertais.
Contudo, no genoma de populações africanas não há traços de
225
DNA neandertal.
Isto significa que:
a) Os H. sapiens, que teriam migrado da Europa e Ásia para a
África, lá chegando entrecruzaram com os H. neanderthalensis.
b) Os H. sapiens, que teriam migrado da África para a Europa, lá
chegando entrecruzaram com os H. neanderthalensis.
c) O H. sapiens e o H. neanderthalensis não têm um ancestral em
comum.
d) A origem do H. sapiens foi na Europa, e não na África, como
se pensava.
e) A espécie H. sapiens surgiu independentemente na África, na
Ásia e na Europa.
226
Lição no 15: As relações filogenéticas entre o Homem e outros
primatas
Introdução
O ser humano tem muitas definições. Essas definições podem ser biológicas,
sociais, políticas ou filosóficas. O ancestral comum a todos os primatas actuais era
arborícola e apresentava dedos preênseis e olhos voltados para frente capazes de
visão binocular. Os primatas diversificaram-se e hoje incluem os lêmures e lóris,
társios, macacos e grandes macacos (incluindo os humanos). À luz da biologia, o
Homem é classificado como Homo sapiens, ou seja, “Homem racional”, “Homem
sábio”. É um primata bípede a fazer parte da superfamília Hominoidea,
juntamente com outros símios não menos importantes, a saber, chimpanzés,
gibões, gorilas e orangotangos (além de outras espécies actualmente extintas —
ou ainda não catalogadas em virtude do receio humano pela concorrência). Os
humanos modernos divergiram de outras espécies do género Homo na África há
aproximadamente 800.000 anos. Esses primeiros humanos, anteriormente
considerados Homo sapiens “arcaicos“, são agora designados como H. antecessor
e H. heidelbergensis. O encéfalo de H. heidelbergensis (cerca de 1.250 cm3) era
maior do que o de seus ancestrais, e as cristas supra orbitais e os dentes eram
reduzidos(embora não tão reduzidos como em Homo sapiens). Há
aproximadamente 200.000 anos, Homo heidelbergensis foi substituído por dois
hominínios, H. neanderthalensis, na Europa, e H. sapiens, na África. entre todos
os eventos evolutivos que culminaram com o advento do sistema nervoso central
do Homem, sem dúvida o que mais se destaca é a aquisição da linguagem, uma
vez que é esta qualidade que tornou possível todo o desenvolvimento da cultura
humana, inclusive no sentido real de viabilizar a própria continuação da evolução
humana, que deixou de ser biológica e passou a ser cultural.
227
Objectivos
No fim desta lição você deverá ser capaz de:
• Indicar a posição a posição do ser humano na classificação do reino
animal;
• Classificar os principais grandes grupos do reino animal;
• Reconhecer as principais evidências sobre a evolução da espécie humana;
• Ter ciência da origem recente do Homo sapiens e seu impacto ecológico
no planeta;
• Discutir as relações de parentesco entre os humanos e outros primatas.
15.1. A ancestralidade recente dos humanos: a aurora da humanidade
De acordo com as evidências, a última vez que os humanos e os
chimpanzés compartilharam um ancestral foi há cerca de 5,4 milhões de
anos (Satauffer et al., 2001). Com os devidos cuidados, podemos usar o
que se sabe a respeito dos humanos, dos chimpanzés e dos bonobos para
inferir algo sobre a natureza desse último ancestral comum.
É provável que ele tenha deixado como legado evolutivo ao menos
alguns dos comportamentos que são compartilhados por seus três
descendentes actuais, como andar sobre as falanges médias dos dedos, uma
dieta variada, uso de instrumentos para obter e processar alimentos ou
mesmo caçar (Freeman & Herron, 2009).
Esse último ancestral pode ter tido uma cultura – que é qualquer
comportamento que é ensinado e aprendido e que varia entre populações.
Assim como os humanos, os chimpanzés actuais apresentam variações
culturais (de Waal, 1999; Whiten et al., 1999; Whiten, 2005). Na verdade,
essa cultura pode ter surgido em nossa linhagem muito antes do nosso
último ancestral em comum com os chimpanzés e bonobos, pois também
228
está presente no orangotango (van Schaik et al., 2003).
Depois de se separar da dos chimpanzés, nossa linhagem deu
origem a várias espécies de hominídeos africanos bípedes. Seus fósseis
proporcionam forte evidências da coexistência de várias espécies, das
quais somos os únicos sobreviventes dessa irradiação evolutiva que já foi
bem mais diversa no passado. Os primeiros membros do género Homo
deixaram a África há cerca de 2 milhões de anos.
Saber se essas populações, afinal, contribuíram com (quais) genes
para as actuais populações humanas, ou não, é um assunto em debate. Não
foram realizados testes definitivos, mas um balanço das evidências sugere
que todas as populações actuais, não-africanas, descendem de um onda
mais recente e emigrantes que deixaram a África nos últimos 200.000
anos. Isso implica que a variação geográfica actual entre populações
humanas tem uma origem relativamente recente, como pode ser observado
na Figura 58.
Figura 58. Uma ilustração de Ernst Haeckel salientando o domínio de grandes grupos taxonômicos
ao longo das eras geológicas. Note que a ‘idade do homem’ aparece muito recentemente (logo
depois da ascensão dos mamíferos, após o colapso dos répteis de grande porte) na história da vida
na Terra Árvore evolução homem datada (A). Resumo das principais evidências fósseis e prováveis
229
relações filogenéticas entre o ser humano e seus ancestrais comuns mais recentes. Repare que não
‘viemos’ do chimpanzé, e sim compartilhamos um ancestral em comum com ele, e esse ancestral
deve ter vivido há cerca de 5 milhões de anos.
Dentre as características derivadas exclusivas de nossa espécie
estão a manufactura, o uso de instrumentos complexos e a capacidade para
a linguagem. Como o comportamento não se fossiliza, os pesquisadores
dependem de outras evidências para reconstituir a história dessas
características. O uso de utensílios surgiu há pelo menos 2,5 milhões de
anos, e é mais provável que tenha surgido em uma espécie primitiva de
Homo, embora seja possível que os autralopitecíneos (i.e., género
Australopithecus) robustos também tenham usado instrumentos de pedra.
As evidências quanto à linguagem são ainda mais tênues, mas sugerem que
ela pode ter surgido quase tão cedo quanto o uso de ferramentas (Freeman
& Herron, 2009).
15.2. As relações de parentesco entre humanos e os macacos
antropóides actuais
A espécie humana (Homo sapiens) pertence ao táxon dos primatas
Catarrhini (Goodman et al., 1998), que inclui os macacos do Velho
Mundo, como os babuínos e os macacos, e os antropoides. Os antropóides
compreendem os gibões (Hylobates), do sudeste asiático, e os grandes
antropóides – orangotango (Pongo pygmaeus), também do sudeste da Ásia,
e três espécies africanas: o gorila (Gorilla gorila), o chimpanzé comum
(Pan troglodytes) e o bonobo ou chipanzé pigmeu (Pan paniscus).
Existe concordância universal entre os cientistas de que os
humanos evoluíram dentro da linhagen dos antropóides. Os humanos
compartilham inúmeras características derivadas (sinapomorfias) com os
antropoides. Essas inovações evolutivas distinguem os antropoides dos
demais Catarrhini e indicam que eles descendem de um ancestral comum
(Freeman & Herron, 2009).
230
As características derivadas compartilhadas com os antropoides
compreendem cérebros relativamente grandes e alongados, ausência de
cauda, uma postura mais erecta, maior flexibilidade dos quadris e
tornozelos, aumento da flexibilidade do pulso e do polegar, mudanças na
estrutura e no uso do braço e do ombro, cristas superciliares aumentadas,
dentes caninos encurtados, embora robustos, com mudanças na parte
frontal da maxila superior (pré-maxilar), fusão de determinados ossos do
pulso, ovários e glândulas mamárias aumentados, mudanças na anatomia
muscular e a rarefação de pelagem (Andrews, 1992; Ward & Kimbel,
1983; Groves, 1986; Andrews & Martin, 1987; Begun et al., 1997).
Além dessas evidências morfológicas, as análises moleculares
também demostram inequivocamente a próxima relação de parentesco
conosco. Estamos agrupados dentro do mesmo clado que os grandes
macacos antropóides africanos. Desde o início da moderna sistemática
molecular, elas têm indicado um parentesco próximo entre os humanos e
os grandes macacos antropoides africanos.
Depois de décadas, os pesquisadores chegaram a um certo
consenso quanto às relações evolutivas entre os humanos e os grandes
macacos antropoides africanos. Os humanos e os chimpanzés, por
exemplo, são mais estreitamente relacionados entre si do que cada um é
com os gorilas (Figura 36). A análise combinada de vários conjuntos de
dados moleculares também dá uma forte sustentação de que os humanos e
os chimpanzés são os parentes mais próximos (e.g., Ruvolo et al. 1994;
Horai et al., 1992; Goodman et al., 1994; Kim & Takenaka, 1996).
231
Quadro 9 Semelhanças das albuminas entre humanos e macacos antropóides
Usando uma técnica iniciada por George H. F. Nuttall (1904) e por Morris Goodman
(1962), Vincent Sarich e Allan Wilson (1967) injectaram albumina sérica humana
purificada, uma proteína do sangue, em coelhos. Após aguardar que esses coelhos
fizessem anticorpos contra a proteína da albumina humana, Sarich & Wilson obtiveram
soro sanguíneo deles. Esse soro continha anticorpos anti-humanos de coelho. Os
pesquisadores misturaram o soro de coelho com albumina sérica purificada de diferentes
macacos antropoides do Velho Mundo.
Os autores usaram a intensidade da reacção imune entre os anticorpos anti-humanos de
coelhos e as albuminas dos primatas como uma medida da semelhança entre as albuminas
testadas