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Todos os direitos desta edição reservados a Pontes Editores Ltda.
Proibida a reprodução total ou parcial em qualquer mídia 
sem a autorização escrita da Editora.
Os infratores estão sujeitos às penas da lei.
A Editora não se responsabiliza pelas opiniões emitidas nesta publicação.
Comitê Científico-Editorial
Todos os textos que compõem os capítulos deste volume passaram por três rodadas de parecer 
realizadas por comitê interno e externo e supervisionada pelos organizadores da obra.
Profa. Dra. Andréa Antonieta Cotrim Silva (Unip)
Prof. Dr. Bruno Albanese
Profa. Dra. Débora Hissa (UECE)
Prof. Dr. Eduardo de Moura Almeida (USP)
Profa. Dra. Fabiana Poças Biondo Araújo (UFMS)
Profa. Dra. Rosineide de Melo
Profa. Dra. Nara Hiroko Takaki (UFMS)
Profa. Dra. Sandra Regina Buttros Gattolin de Paula (UFSCAR)
Profa. Dra. Souzana Mizan (Unifesp)
P654m Pinheiro, Petrilson; Azzari, Eliane Fernandes (orgs.).
 Multiletramentos em teoria e prática: desafios para a escola de hoje - Volume 2 
 Organizadores: Petrilson Pinheiro e Eliane Fernandes Azzari; Prefácio de Walkyria Monte Mor. 
 1. ed. – Campinas, SP : Pontes Editores, 2023; figs.; tabs.; quadros.
 E-book: 7 Mb; PDF.
 Inclui bibliografia.
 ISBN 978-65-5637-795-7.
1. Análise do Discurso. 2. Linguística. 3. Prática Pedagógica. 
I. Título. II. Assunto. III. Organizadores. 
Bibliotecário Pedro Anizio Gomes CRB-8/8846
Índices para catálogo sistemático:
1. Métodos de ensino instrução e estudo – Pedagogia. 371.3
2. Análise do discurso. 401.41
3. Linguística. 410
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Tuxped Serviços Editoriais (São Paulo - SP)
Copyright © 2023 - Dos organizadores representantes dos colaboradores
Coordenação Editorial: Pontes Editores
Editoração: Eckel Wayne
Capa: Isadora Chaffin Pinheiro
Revisão: Giovanna Benedetto Flores
Conselho Editorial:
Angela B. Kleiman 
(Unicamp – Campinas)
Clarissa Menezes Jordão 
(UFPR – Curitiba)
Edleise Mendes 
(UFBA – Salvador)
Eliana Merlin Deganutti de Barros
(UENP – Universidade Estadual do Norte do Paraná)
Eni Puccinelli Orlandi 
(Unicamp – Campinas)
Glaís Sales Cordeiro
(Université de Genève - Suisse)
José Carlos Paes de Almeida Filho 
(UnB – Brasília)
Maria Luisa Ortiz Alvarez 
(UnB – Brasília)
Rogério Tilio
(UFRJ – Rio de Janeiro)
Suzete Silva 
(UEL – Londrina)
Vera Lúcia Menezes de Oliveira e Paiva 
(UFMG – Belo Horizonte)
PONTES EDITORES
Rua Dr. Miguel Penteado, 1038 - Jd. Chapadão
Campinas - SP - 13070-118
Fone 19 3252.6011
ponteseditores@ponteseditores.com.br
www.ponteseditores.com.br
SUMÁRIO
PREFÁCIO ...................................................................................................... 9
Walkyria Monte Mor
INTRODUÇÃO................................................................................................ 18
Petrilson Pinheiro
Eliane Fernandes Azzari
A PEDAGOGIA DOS MULTILETRAMENTOS: INTERSECÇÕES ENTRE 
ABORDAGENS DIDÁTICAS, PROCESSOS DE CONHECIMENTO E DESIGN 
EM MATERIAIS DIDÁTICOS .......................................................................... 29
Gabriela Martins Mafra
Eliana Merlin Deganutti de Barros
PRÁTICAS DE LETRAMENTOS EM DEEP FAKE E SHALLOW FAKE: 
CONTRIBUIÇÕES PARA O ENSINO DE LÍNGUA MATERNA .......................... 63
Diego Satyro
Gabriela Martins Mafra
PODCAST EM SALA DE AULA: É POSSÍVEL PENSAR EM PRÁTICAS 
TRANSFORMADORAS? ................................................................................. 91
Izabella Baptista Paladine
Robson Rodrigues Navas
HOGWARTS GAMES, UM JOGO AMADOR NO WHATSAPP, SOB O VIÉS DOS 
MULTILETRAMENTOS: POSSÍVEIS CONTRIBUIÇÕES PARA A CULTURA 
ESCOLAR ...................................................................................................... 114
Eliane Fernandes Azzari 
Bruna Eduarda Ignácio 
A INOVAÇÃO NAS PRÁTICAS DE MULTILETRAMENTOS DAS AULAS REMOTAS: 
RELATOS DE QUEM ALFABETIZA NA PANDEMIA ....................................... 133
Jessika Gama Ribeiro
Lara Nantes Antonio Filomeno Mantovani
Paula Regina Mazulquim
O PIPOCAR DA MEMÓRIA DOCENTE PARA O SABOREAR COLETIVO DOS 
MULTILETRAMENTOS DO INSTAGRAM @me_ajuda_a_olhar ....................... 159
Jessika Gama Ribeiro
Lara Nantes Antonio Filomeno Mantovani
Patrícia Pinho Andrade
IDENTIDADES DOCENTES EM ANÁLISE: ÉTICA DO CUIDADO, 
MULTILETRAMENTOS E A INVASÃO DO FUTURO ....................................... 185
Rafaela Bolsarin
Gabriela Claudino Grande
Roziane Keila Grando
MULTILETRAMENTOS E PRÁTICAS DECOLONIAIS NA EDUCAÇÃO 
SUPERIOR DURANTE O ENSINO REMOTO ................................................... 217
Joyce Vieira Fettermann
MULTILETRAMENTOS COMO FORMAS DE (RES)SIGNIFICAR O CORPO E AS 
DIVERSIDADES: REFLEXÕES SOBRE EDUCAÇÃO LINGUÍSTICA, 
DECOLONIALIDADE E ANTIRRACISMO ....................................................... 239
Carlos José Lírio
Eliane Fernandes Azzari
SOBRE OS AUTORES ..................................................................................... 257
7
MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
AGRADECIMENTOS
Este livro é resultado de parcerias e colaborações que foram 
essenciais para a sua concretização. Assim, queremos registrar 
nossos agradecimentos às autoras e aos autores, parceiros do GP 
Multi, que se empenharam no extenso processo de (re)escrita de 
cada capítulo.
Precisamos também deixar nossa gratidão às parceiras e aos 
parceiros que contribuíram gentil e brilhantemente como pareceristas 
ad-hoc: Profa. Dra. Andréa Antonieta Cotrim Silva, Prof. Dr. Bruno 
Albanese, Profa. Dra. Débora Hissa, Prof. Dr. Eduardo de Moura Almei-
da, Profa. Dra. Fabiana Biondo, Profa. Dra. Rosineide de Melo, Profa. 
Dra. Nara Hiroko Takaki, Profa. Dra. Sandra Regina Buttros Gattolin 
de Paula e Profa. Dra. Souzana Mizan. Seus pareceres minuciosos e 
atentos foram essenciais para assegurar a qualidade deste trabalho.
Cabe-nos fazer um registro especial ao colega Prof. Me. Rodrigo 
Geraldo Mendes, que realizou, com muita dedicação, a tradução da 
Introdução deste volume para a Libras. 
Somos especialmente gratos à querida parceira Profa. Dra. 
Walkyria Monte Mor, que escreveu de forma brilhante, perspicaz e, 
como sempre, original, o Prefácio deste volume. Mais do que uma 
parceria acadêmica, nossa amizade, materializada em diversas 
colaborações, é um bem inestimável que certamente não cabe no 
Currículo Lattes. 
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MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
Agradecemos ao Programa de Pós-graduação em Linguística 
Aplicada da Unicamp, que viabilizou o uso de recursos financeiros 
provenientes da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de 
Nível Superior (CAPES) para esta publicação.
Finalmente, agradecemos muitíssimo à Isadora Chaffin Pinhei-
ro, de apenas onze anos de idade, que fez a belíssima e tão original 
capa do livro. Isa, sua imaginação nos contagia!
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MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
PREFÁCIO
Walkyria Monte Mor
Desconstrução-Reconstrução da Educação Linguística na 
Sociedade Digital. Conversas com amigos imaginários
O que diria Derrida se ainda estivesse por aqui e, depois de 
tantas décadas, visse o exercício de desconstruir-reconstruir, 
embora timidamente, presente na educação? E bem sei que 
esse indício não se limita ao contexto brasileiro. 
O que diria Freire se ainda estivesse por aqui e, depois de 
ter suas ideias debatidas por tanto tempo e, por vezes, também 
combatidas, visse a escola buscando trabalhar com outras re-
lações de poder, exercitando o quem ensina também aprende; 
quem aprende também ensina (FREIRE, 1987)? 
Não quero expressar excessivo otimismo, mas sim uma 
centelha de otimismo, em acreditar que ambos estariam... 
pelo menos, pensativos... sobre o que estariam a vivenciar 
nesses últimos anos. E que estariam avidamente discutindo 
essas “novas-antigas” questões. 
E se, por acaso, eu encontrasse com eles duranteum congresso, 
enquanto estivessem descansando numa ampla varanda de hotel, 
batendo-papo, tomando um suco (seria suco, né?) e admirando a 
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MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
vista do mar? Lógico que teriam conseguido estar ali sozinhos, sem 
que outros congressistas os tivessem visto. Só eu os teria visto ali 
(que sorte!). Não perderia a oportunidade de conversar com eles 
desta vez (em tempos passados, perdi algumas chances). Com tantas 
ideias diferentes, inovadoras, fervilhando em várias escolas (porém, 
ainda em uma minoria delas! Uhm... será que posso mesmo entender 
isso como um indicativo de mudança, de “inovação”?), eu teria que 
dividir os temas entre eles, ou as conversas poderiam durar mais 
dias do que o próprio congresso. Seus voos estariam agendados e 
certamente não poderiam dispor de tantas horas – dias? – nessas 
trocas de ideias. 
Na conversa com Derrida, acho que estaríamos conversando 
sobre a relação estrutura-signo-jogo no que chamo de ‘sociedade 
da escrita’ (MONTE MOR, 2017). Por conta das leituras nas áreas 
de filosofia, educação, linguagem, letramentos, educação crítica, 
linguagem digital, letramentos digitais e ter estado a refletir sobre 
a sociedade em que vivemos, de uns tempos para cá, vim a enten-
der que o que nos tem moldado como cidadãos é a escolarização, 
em seus vários níveis, e a falta dela. Aprender a ler e a escrever –, 
principalmente em um modelo de escolarização que privilegia a 
normatização, a homogeneidade, a padronização, a convergência 
de pensamento e a universalização pode ser entendido como um 
processo libertador e, ao mesmo tempo, cerceador. Mesmo quem 
não aprende a ler e escrever – ou aprende só um pouco – se vê mol-
dado – ou impelido a se moldar – pelos valores epistemológicos que 
dominam na sociedade da escrita. Derrida (1974, 1978) tinha razão 
sobre a estrutura, a estruturalidade da estrutura e sobre o centro. 
Quero dizer, o aprendizado do ler e do escrever, da forma em que 
este se disseminou no ocidente, implícita ou subliminarmente, está 
investido de uma disciplina pela “unidade/uniformidade” em detri-
mento das pluralidades e das várias diversidades, como a linguística, 
a cultural, a identitária. Vejo aí o que Derrida (1974, p. 234) manifes-
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MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
tava como “desejo de centro na constituição da estrutura”, ou seja, 
de que a estrutura seja reduzida pelo centro, onde está presente a 
escritura, visando orientar, equilibrar, organizar, dar coerência ao 
sistema que se forma por todas as instituições, a escolar-acadêmica 
entre elas. Em nosso longo caminho escolar-acadêmico-social, em 
que convivemos com o jogo do cotidiano e da vida – um centro-não-
-centro –, há uma estrutura epistêmica que nos impele e empurra 
para o centro fixo, no sentido em que ele nos foi apresentado, como 
origem fixa, estabilidade, sentido esse em que se omitiu que esse 
centro é também um não-centro, que o jogo está nele. 
... o jogo começa a ser alguma coisa e sua presença 
mesma dá ensejo a alguma confiscação dialética. Ele 
ganha sentido e trabalha a serviço do sério, da verdade, 
da ontologia. [...] Assim que chega ao ser e à linguagem, 
o jogo se desfaz como tal. Da mesma forma que a escri-
tura deve se desfazer como tal diante da verdade etc. É 
que não há como tal da escritura e do jogo. Não tendo 
essência, introduzindo a diferença como condição da 
presença da essência, abrindo a possibilidade do duplo, 
da cópia, da imitação, do simulacro, o jogo e a grafia 
vão, sem cessar, desaparecendo. Eles não podem, pela 
afirmação clássica, ser afirmados sem ser negados 
(DERRIDA, 1997, p. 111-112, grifos do autor).
Entendo aqui que a ideia derridiana não está no desvalor da 
escritura, mas naquele entendimento do autor de que remédio pode 
ser veneno, veneno pode ser remédio (DERRIDA, 1999). Trata-se de 
um aprendizado “libertador” que, ao mesmo tempo, tem o potencial 
de ser “enquadrador” às normas vigentes, moldador de identidades, 
definidor de terrenos, de tipologias de culturas e do que vale mais 
ou vale menos, ou que deveria ser negado ou rejeitado. E de como 
a estrutura se consolidou como escolarização:
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MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
 A propagação da escritura, o ensino das suas regras, a 
produção dos seus instrumentos como objetos, Rous-
seau os pensa como uma empresa política de escra-
vização. É o que também se lerá nos Tristes Trópicos 
[Lévi-Strauss]. É do interesse de certos governos que a 
língua se ensurdeça, que não se possa falar diretamente 
ao povo soberano (DERRIDA, 1999, p. 369).
E ainda,
A escritura universal da ciência seria, pois, a aliena-
ção absoluta. A autonomia do representante torna-se 
absurda: atingiu seu limite e rompeu com todo repre-
sentado, com toda origem viva, com todo presente 
vivo. [...] Há suplemento na fonte (DERRIDA, 1999, p. 
371, grifos do autor).
Mas, o que diria Derrida se visse que o jogo está literalmente 
na escola (mesmo que não em todas) ou que muitas escolas já exer-
citam/buscam exercitar ser o centro-não-centro? E que, em várias 
situações, são professores e alunos que desconstroem a estrutura 
ao desviarem-se de convenções para construir aplicativos e gravar 
podcasts, por exemplo? Que nas atividades criadas nessa ecologia de 
saberes, o poder do conhecimento já não é mais apenas do professor, 
como na antiga estrutura fixa do aprender a ler e escrever. E que a 
escritura-como-centro pouco a pouco cede (?) ou perde (?) espaço 
para outras formas de escrituras, reconstruídas por lógicas outras, 
vindas de linguagens digitais em que há quebra de linearidade e 
em que as diversidades linguísticas, culturais e identitárias são 
inevitavelmente visíveis. E que a verdade, como centro-sem-jogo, 
desfaz-se de suas sete saias, ao serem refeitas como fake news, em 
categorias deep/shallow fake. Seria aqui o ponto em que a clássica 
escritura se desfaz como tal? Seria mesmo possível concluir que não 
há como tal nessa versão de escritura e jogo?
13
MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
Ou será que Derrida me pediria para pôr os pés no chão, afinal 
uma instituição que edificou sua credibilidade e se solidificou ao 
longo dos séculos não se altera por lógicas outras que não aquelas 
que as sustenta? Que o digital é o novo centro-sem-jogo? Ou que 
ainda é cedo para saber... por enquanto, é só um o jogo jogando com 
o centro? 
Se, na conversa sobre esse assunto, Freire priorizasse seu 
pensamento de algumas décadas em que a tecnologia digital ainda 
não estava tão presente na sociedade (o que será que ele reveria 
diante disso? Reveria ou não o que realizou em seus projetos de 
educação?), será que se mostraria cético à possibilidade de que todos 
os jovens de famílias “vulneráveis” viessem a ter as mesmas opor-
tunidades de acesso à tecnologia, como o têm os de famílias tidas 
como “privilegiadas”? Talvez se mostrasse muito preocupado com 
o uso da tecnologia na escola, no que concerne a relação da tríade 
crítica-criação-conscientização com a natureza reprodutivista da 
educação bancária priorizada pelo sistema modernista que criticava, 
fato que pode se reiterar na educação da sociedade digital em que 
ter o que chamava de “consciência” crítica do meio e do mundo em 
que se vive era fundamental para ele. 
A [importância da] conscientização, como atitude crí-
tica dos homens na história, não terminará jamais. Se 
os homens, como seres que atuam, continuam aderindo 
a um mundo “feito”, ver-se-ão submersos numa nova 
obscuridade (FREIRE, 2001, p. 27).
Na visão do filósofo, conscientização significava um processo 
que necessariamente implicava perceber que a realidade não esta-
va dada e que pode ser transformada, implicava “percepção de si 
mesmo no mundo/na sociedade” e “compromisso histórico!”, como 
ele afirmava:
14
MultiletraMentos eM teoria eprática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
A conscientização só é possível porque a consciência 
do ser humano, embora condicionada, pode reconhecer 
que é condicionada (FREIRE, 1987, p. 54). 
...a conscientização é um compromisso histórico. É 
também consciência história: é inserção crítica na 
história, implica que os homens assumam o papel de 
sujeitos que fazem e refazem o mundo. Exige que os 
homens criem sua existência com um material que a 
vida lhes oferece... A conscientização não está baseada 
em, de um lado, a consciência, de outro, o mundo; por 
outra parte, não pretende uma separação. Ao contrário, 
está baseada na relação consciência-mundo (FREIRE, 
2001, p. 26-27).
Provavelmente, ele defenderia uma revisita ao papel dos pro-
fessores no que se refere ao acesso e à construção do conhecimento, 
sem perder de vista a função política do educador e da educação. “A 
educação não vira política por causa da decisão deste ou daquele 
educador. Ela é política”, dizia o filósofo (FREIRE, 1996, p. 56).
E a escolarização, que foi construída tendo por base uma tec-
nologia, a escrita, agora se integra com uma tecnologia digital que 
pode – ou não? – contribuir para a democratização do conhecimento, 
para a desconstrução da visão de linguagem, cultura e identidade 
homogêneas, a favor da reconstrução de perspectivas de liberdade, 
emancipação, agência, como ensejava Freire?
Pois, eu poderia contar a ele o que professores e alunos têm feito 
quando assumem a parceria da linguagem digital e seus inumeráveis 
recursos. Acho incrível observar o quanto o conhecimento da tec-
nologia veio a deslocar certezas e centralidades, desequilibrando o 
convencional. Uma questão que muito me chama a atenção é a per-
cepção das pessoas sobre a colonialidade presente no aprendizado da 
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MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
linguagem escrita (do ler e do escrever). Só que essa colonialidade 
pode ocorrer também na interação com a linguagem digital, fato 
cuja “conscientização” ainda pode ser mais ampliada. Sobre os be-
nefícios, a tecnologia digital propiciou o deslocamento do conceito 
de ler e escrever, incentivando a autoria, a criação e a construção 
de sentidos. Narrativas multimodais, multilíngues e translíngues 
passam a ter vida e ser apreciadas; fazer filmagens não mais se 
limita aos especialistas; os que são vistos como leigos no assunto 
– professores e alunos – se permitem experimentar máquinas e apli-
cativos por meio de um celular e se tornam produtores de conteúdo 
para suas próprias experiências acadêmicas e não-acadêmicas. No 
universo virtual, imagens e obras de arte podem ser remixadas e 
ressignificadas. Identidades virtuais podem ser geradas, com corpo, 
face, movimentos e até “personalidade”. Não mais dominam apenas 
as narrativas das autoridades e vencedores; narrativas são criadas, 
recriadas, postadas, alteradas, permitindo, ao mesmo tempo, res-
gatar identidades, culturas e ancestralidades e ter vida própria... 
podendo, inclusive, sair do controle de seus criadores... seria essa 
uma forma de criação franksteiniana, tida como do bem ou do mal? 
Uhm... queria evitar ser binária nessa reflexão... mas escapou... 
mesmo quando se quer ter controle sobre o binarismo, ele é forte 
e está bem ativo por aí.
Bem, já sei que Freire ia logo me questionar se essa mudança 
em que, tudo indica, o professor tanto ensina quanto aprende e que 
o aluno tanto aprende quanto ensina realmente pode vir a consoli-
dar relações menos verticalmente hierárquicas e mais humanas na 
educação... também me indagaria se o mundo digital contribuiria 
para a redução das opressões, inequidades e preconceitos sociais, 
ampliando a percepção crítico-social e agência das pessoas. Se essa 
mudança percebida, na “realidade”, não teria apenas ocorrido na 
percepção sobre quem são os colonizadores, os opressores – poderes 
e controladores outros da sociedade digital –, quando as desigual-
16
MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
dades ainda persistem... Aposto que Derrida ia logo apoiá-lo nessas 
indagações, mencionando as Big Techs...
O que responder? 
Olho para a varanda em que Freire e Derrida estavam batendo-
-papo. Copos vazios, almofadas fora de lugar... Aaahhhh... eles se 
foram. Bem, não vou precisar responder a eles, caro leitor. Mas 
as respostas estão aqui nos textos, nesta edição do livro “(Multi)
letramentos na escola por meio da hipermídia”, organizado pelos 
colegas Eliane Fernandes Azzari e Petrilson Pinheiro. Os capítulos 
refletem, com muita criatividade e brilho, o que poderia ser res-
pondido aos amigos imaginários, indo muito além nas reflexões 
sobre desconstrução-reconstrução de uma educação linguística na 
sociedade digital. 
Boa leitura!
Walkyria Monte Mor
Professora Associada Sênior
DLM-FFLCH
Universidade de São Paulo
Referências
DERRIDA, J. A Escrita e a Diferença. São Paulo: Editora Perspectiva, 2002.
DERRIDA, J. A Farmácia de Platão. São Paulo: Editora Iluminuras, 1997.
DERRIDA, J. Gramatologia. São Paulo: Editora Perspectiva, 1999.
DERRIDA, J. Of Grammatology. Baltimore: John Hopkins University Press, 1974.
DERRIDA, J. Writing and Difference. UK: The Gresham Press, 1978.
17
MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
FREIRE, P. Conscientização: Teoria e prática da libertação. Uma introdução ao 
pensamento de Paulo Freire. São Paulo: Centauro Editora, 2001.
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 7. 
ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996.
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. 28.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
MONTE MOR, W. Sociedade da Escrita e Sociedade Digital: Línguas e Linguagens 
em Revisão. In: TAKAKI, N.; MONTE MOR, W. (orgs.). Construções de Sentido 
e Letramento Digital Crítico na Área de Línguas/Linguagens. Campinas: Pontes 
Editores, 2017, p 267-286.
18
MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
INTRODUÇÃO
Petrilson Pinheiro
IEL/Unicamp
Eliane Fernandes Azzari
PPG Limiar/PUC-Campinas
Tradução para a Libras da Introdução do livro1
Em 2017, foi publicado pela Editora da Universidade do Vale 
do Rio dos Sinos (Unisinos) o livro intitulado Multiletramentos em 
teoria e prática: Desafios para a escola de hoje. A obra foi a materia-
lização de um projeto conjunto de vários participantes do Grupo 
de Pesquisa do CNPQ “(Multi)letramentos na escola por meio da 
hipermídia” (GpMulti), coordenado pelo professor Petrilson Pinhei-
ro, que envolve colegas professores-pesquisadores de diferentes 
instituições públicas brasileiras de Ensino Superior e alunos de pós-
-graduação (mestrado e doutorado) do Programa de Pós-Graduação 
1 A tradução para a Libras da introdução deste livro foi feita por Rodrigo Geraldo Mendes, que 
é surdo e aluno de Programa de Pós-graduação em Linguística Aplicada da Unicamp, a quem 
muito agradecemos. A tradução para a Libras, ainda que apenas da Introdução do livro, sinaliza 
não apenas o caráter multimodal da obra, como também sua diversidade linguístico-cultural, 
que são os dois eixos estruturantes da perspectiva dos multiletramentos.
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MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
em Linguística Aplicada da Unicamp2. Seis anos depois, chegamos 
ao presente livro. 
No período entre a obra anterior e a atual, muitas coisas 
aconteceram, mas, certamente, nenhuma dessas ocorrências foi 
tão relevante e marcante quanto a pandemia por SARS-CoV-19. 
Não bastassem os números assombrosos de mortes decorrentes de 
seu rastro, a pandemia3 também foi responsável por um cenário 
desastroso para a educação, sobretudo para a Educação Básica 
pública. 
Entre os anos de 2020 e 2021, as atividades de ensino básico 
e superior foram realizadas de forma remota – devido ao distan-
ciamento social e ao confinamento das pessoas em seus lares –, o 
que causou, maximizou e/ou evidenciou uma série de problemas.Nesse período, o uso de tecnologias digitais da informação e da 
comunicação (TDIC), que já vinha tendo um impacto crescente na 
educação, alcançou, em nível mundial, proporções inimagináveis – 
consequência do fato de que milhões de professores e alunos tiveram 
que migrar para o ensino remoto emergencial.
Além da falta de socialização proveniente do distanciamento 
físico, a adaptação das atividades de ensino para o contexto pan-
dêmico foi muito árdua para os estudantes, mormente os de escola 
pública, cujas dificuldades de acesso a plataformas específicas de 
ensino remoto estão também relacionadas à falta de equipamentos 
adequados e de acesso à internet (com uma velocidade razoável), 
em seus lares – o que muitas vezes os impedia de estudar e pesqui-
sar. Destacaram-se ainda outros fatores bastante complicadores, 
como, por exemplo, a falta de um espaço adequado para estudar, 
dificuldades familiares e financeiras, problemas de saúde física e 
2 Para mais informações sobre o Grupo de pesquisa do CNPQ “Multiletramentos na escola por 
meio da hipermídia”, acessar a página da internet do Diretório dos Grupos de Pesquisa no 
Brasil do CNPQ. Disponível em: http://dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/2011290069976341.
3 Até o dia 1 de fevereiro de 2023, a pandemia de Covid-19 ocasionou mais de 6.700.000 óbitos 
em todo o mundo. No Brasil, o número de vidas perdidas já chegou a quase 700.000.
http://dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/2011290069976341
20
MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
psicológica etc. 
Ademais, a adaptação repentina e paliativa ao ensino remoto, 
que ocorreu sem o devido preparo, fez com que muitas das ativi-
dades usadas por professores e estudantes (que tiveram acesso 
aos recursos digitais), por vezes se tornassem maçantes e difíceis 
de serem realizadas. Os professores, por sua vez, experienciaram 
o esgotamento físico e mental, bem como situações de controle 
exagerado por parte das famílias de estudantes e de instituições 
de ensino em que trabalham, como apontam os estudos de Azzari 
et al. (2021) e de Pinheiro (2020).
A situação educacional extraordinariamente adversa causada 
pela pandemia de Covid-19, por sua vez, acabou criando uma forte 
tensão entre diferentes setores da sociedade (alunos e suas famílias, 
professores, gestores, intelectuais, políticos, a mídia jornalística 
etc.). Isso fez reacender, de forma bastante intensa, (velhas) crenças 
e valores (e, não raro, preconceitos) relativos ao emprego de TDIC 
na educação: por um lado, os defensores veementes da incorpora-
ção dessas tecnologias pela escola; por outro lado, aqueles que as 
rejeitam, pois consideram que questões de ordem social, histórica, 
cultural e econômica se tornam óbices para pensar qualquer tipo de 
transformação proveniente ou resultante do uso dessas tecnologias. 
Para tentar superar essas posições antitéticas, que endeusam 
ou demonizam as tecnologias, é preciso entender que as práticas 
de letramentos – das práticas mais simples às mais avançadas, que 
podem envolver o emprego de tecnologias bastante complexas – não 
ocorrem em um vácuo social. A relação entre o uso das diferentes 
linguagens e o mundo social se constitui dialeticamente, pois este 
molda aquelas, ao mesmo tempo em que é por elas moldado. Assim, 
pensar a “pedagogia dos multiletramentos”, termo cunhado há qua-
se três décadas pelo New London Group4, ou Grupo de Nova Londres 
4 O termo “pedagogia dos multiletramentos” surgiu, pela primeira fez, em um manifesto publicado 
em 1996, chamado A pedagogy of multiliteracies: designing social futures, de autoria de um 
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MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
(GNL) é sempre um exercício epistemológico que precisa estar ba-
lizado por práticas de letramentos situadas socio-historicamente, 
constituindo-se em um feixe complexo de relações e possibilidades 
de construir significados. 
Com efeito, a influência da pedagogia dos multiletramentos no 
Brasil tem sido crescente nos últimos anos, com uma quantidade 
bastante expressiva de publicações acadêmicas que fazem referência 
ao termo5. Destacamos aqui o livro Letramentos, publicado em 2020 
pela Editora Unicamp, dos autores Mary Kalantzis e Bill Cope – os 
dois membros do New London Group que deram continuidade aos 
estudos sobre os multiletramentos –, em coautoria com Petrilson 
Pinheiro, um dos organizadores da presente obra. Ao entrelaçar 
pressupostos curriculares e recortes de contextos de ensino e 
aprendizagem no Brasil por meio de muitas imagens e textos escri-
tos concernentes a relatos de experiências de letramentos, o livro 
Letramentos procura, de alguma forma, ressignificar a pedagogia 
dos multiletramentos com base em algumas questões educacionais 
relevantes da realidade brasileira.
Além de publicações acadêmicas, é preciso salientar também a 
presença da pedagogia dos multiletramentos em documentos ofi-
ciais mais recentes voltados à Educação Básica, com destaque para 
a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) do Ensino Fundamental 
e Médio de Língua Portuguesa, homologadas, respectivamente, em 
2017 e 20186, balizando algumas de suas competências e habilidades 
grupo de pesquisadores que se intitularam The New London Group. Os membros desse grupo 
eram, em ordem cronológica: Allan Luke, William Cope, Carmen Luke, Courtney Cazden, 
Charles Eliot, Gunther Kress, Jim Gee, Martin Nakata, Mary Kalantzis, Norman Fairclough, 
Sarah Michaels.
5 Ao realizarmos uma busca sobre o termo “Pedagogia dos multiletramentos” no Google Scholar, 
no dia 31 de janeiro de 2023, selecionando apenas o período de 2017 a 2022, obtivemos 2.670 
resultados, o que mostra o volume bastante expressivo de publicações que fazem menção ao 
termo, em um curto período.
6 A esse respeito, Hissa e Souza (2020) analisam o diálogo existente entre o texto da BNCC de 
Língua Portuguesa do Ensino Médio e a pedagogia dos multiletramentos proposta pelo New 
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MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
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a partir de alguns dos preceitos da perspectiva dos “multiletramen-
tos”. De fato, isso é algo bastante relevante, pois mostra o quanto 
o trabalho seminal da pedagogia dos multiletramentos vem cres-
centemente influenciando, direta ou indiretamente, o processo de 
ensino e aprendizagem de línguas no Brasil.
Contudo, para além das práticas de letramentos escolares e 
dos currículos e documentos oficiais que as orientam, é preciso 
também pensar a perspectiva dos multiletramentos em práticas de 
letramentos não-escolares que, de alguma forma, podem estabele-
cer interfaces com práticas escolares. Por isso, diferentemente da 
primeira obra do GpMulti, mencionada logo no início desta introdu-
ção, cuja relação entre teoria e prática dos multiletramentos estava 
focada exclusivamente na escola, no presente livro, procuramos 
também trazer discussões e práticas que buscam ampliar o escopo 
da perspectiva dos multiletramentos, com o intuito de promover 
interconexões com práticas de letramentos que vão além da escola, 
mas que podem ser, de alguma forma, reapropriadas e ressignifica-
das por seus atores no contexto escolar.
Dessa forma, este livro reúne textos que abordam aspectos 
teórico-práticos que, destinados a contemplar diferentes questões 
relacionadas ao ensinar e ao aprender no campo das línguas/lingua-
gens, incorporam a perspectiva dos multiletramentos em suas dis-
cussões colocando-a par-a-par com orientações outras, tais como: 
a perspectiva dos letramentos críticos; os estudos decoloniais; a 
educação antirracista; questões teórico-pedagógicas relacionadas à 
alfabetização; reflexões acerca da formação docente (inicial e con-
tinuada); discussões sobre a cultura participativa e o envolvimento 
de fãs no desenvolvimento de jogos em redes sociais ancoradas em 
mídias digitais e a análise e o uso de materiais didáticos impressos 
e de recursos digitais, entre outros. Trata-se, assim, de um compi-
lado de trabalhos que,desenvolvidos por parceiros/integrantes do 
London Group. 
23
MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
GpMulti, representam o amplo espectro das pesquisas realizadas 
pelo/no grupo. 
Cabe também ressaltar que os textos que compõem este volume 
passaram por (ao menos) três rodadas de pareceres, desenvolvidas 
a partir de um carrossel que contou com pareceres internos, além 
de outros emitidos por pareceristas externos, colegas de área que 
compõem a comissão editorial desta publicação.
Outra menção que merece destaque é que, para além de sim-
plesmente reunir artigos escritos em torno das temáticas trabalha-
das no âmbito do GpMulti, este volume tem por peculiaridade nossa 
proposta que (através do carrossel de leitura entre os/as outora(e)
s) estimulou o diálogo entre os diferentes capítulos. Assim, nosso 
objetivo, enquanto organizadores deste livro, foi o de apresentar 
um trabalho coeso no sentido de que os textos aqui apresentados 
“conversassem” entre si, de forma a propiciar uma leitura consisten-
temente progressiva, integrada e coesa em torno dos temas, teorias 
e objetivos focalizados ao longo do trabalho, visto como um todo.
Destarte, propomos que a leitura seja iniciada pelo capítulo 
de Mafra e Barros “A pedagogia dos multiletramentos: intersecções 
entre abordagens didáticas, processos de conhecimento e design 
em materiais didáticos”. As autoras partem da discussão acerca 
do eixo “como” da Pedagogia dos Multiletramentos (NLG, 1996; 
GNL, 2021) para criar categorias de análise que permitam realizar, 
por intermédio de pesquisa documental, a leitura orientada de 
materiais didáticos. Entre os resultados apresentados, as autoras 
argumentam que há evidência de uma “desconexão da variedade 
de processos de conhecimento com um projeto engajado ao objeto 
de ensino do material, ou seja, com “o que” se tem a ensinar”. Além 
disso, o papel dos “designs disponíveis” no desenvolvimento do que 
Mafra e Barros (2023) destacam como “[...]ações situadas e críticas 
nos materiais didáticos” (MAFRA, BARROS, nesta coletânea). 
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MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
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A seguir, sugerimos a leitura do capítulo intitulado “Práticas de 
letramentos em deep fake e shallow fake: contribuições para o ensino 
de língua materna”, de Satyro e Mafra. Trata-se de um ensaio que 
explora conceitos e categorias analíticas centrais aos estudos dos le-
tramentos: a prática de letramento, na perspectiva dos Novos Estudos 
do Letramento (STREET, 2010, 2012), e as práticas de letramentos, 
conforme sugerem pesquisadores dos multiletramentos e dos novos 
letramentos (MOITA LOPES, 2012; MONTE MÓR, 2015; PINHEIRO, 
2016, 2021 apud SATYRO; MAFRA, 2023 nesta coletânea). 
O capítulo seguinte, “Podcast em sala de aula: é possível pensar 
em práticas transformadoras?”, de Paladine e Navas, apoia-se na 
pedagogia dos multiletramentos e nas discussões de Paulo Freire 
para analisar uma sequência didática (SD), em que se propõe a 
produção de podcasts. Apoiando-se em categorias de análise ad-
vindas das discussões de Kalantizis, Cope e Pinheiro (2020), os 
autores concluem que é possível pensar tanto a análise quanto a 
produção de episódios (podcasts), subsidiando o trabalho docente 
na educação básica. 
O quarto capítulo, “Hogwarts games, um jogo amador no What-
sApp, sob o viés dos multiletramentos: possíveis contribuições para a 
cultura escolar”, de Azzari e Ignácio, percorre um caminho contrário 
aos demais. A proposta parte da apresentação e da análise de uma 
prática (multi)letrada que circula fora dos ambientes escolares, 
entre comunidades de jovens apreciadores da narrativa inglesa de 
Harry Potter, que se aproximam por intermédio de redes sociais 
criadas em mídias digitais on-line para criar, engajar e desenvolver 
um jogo colaborativo e multimodal. As autoras sugerem que, diante 
da ideia de autoria multimidiática (LEMKE, 2010, apud AZZARI; 
IGNÁCIO, nesta coletânea), é possível pensar a prática (do jogo) 
analisada como caminho para (re)significar práticas escolarizadas, 
de modo a torná-las mais relevantes, colaborativas e engajadoras 
para os/as estudantes.
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MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
Ribeiro, Mantovani e Andrade, autoras de “O pipocar da me-
mória docente para o saborear coletivo dos multiletramentos do 
Instagram @me_ajuda_a_olhar”, trazem à análise uma postagem 
do que consideram como o gênero textual “pipoca pedagógica”, 
coletada de um perfil no Instagram. As pesquisadoras colocam em 
diálogo a pedagogia dos multiletramentos e as discussões sobre 
memória de Candau (2016) e de identidade narrativa de Arfuch 
(2010), para repensar as “pipocas pedagógicas” como re-design de 
práticas multiletradas docentes da qual emergem afetividades e 
aspectos lúdicos. 
Na sequência, indicamos a leitura do capítulo seguinte, 
nomeado por “Identidades docentes em análise: ética do cui-
dado, multiletramentos e a invasão do futuro”, escrito por 
Bolsarin, Grande e Grando. O trabalho trata de questões éticas 
e identitárias na formação docente a partir da análise de pro-
duções textuais, tendo como contexto o curso de Licenciatura 
em Letras em uma universidade pública no Mato Grosso do Sul. 
A proposta, de cunho qualitativo, inter-relaciona o conceito de 
ética do cuidado com noções de identidade ao interpretar os textos 
de graduando(a)s de Letras que dissertaram, entre outras coisas, 
sobre suas próprias representações acerca dos multiletramentos, 
enquanto futuros docentes de línguas.
O quinto capítulo discute questões relativas à inserção de tec-
nologias digitais na Educação Básica a partir da análise de excertos 
de relatos docentes. As autoras focalizam o importante tema com 
base em experiências de alfabetização realizadas durante o período 
de isolamento social.
Os dois últimos capítulos que completam este volume apro-
ximam-se em relação às abordagens escolhidas pelos autores, que 
promoveram um diálogo entre perspectivas decoloniais e os mul-
tiletramentos. 
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MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
O oitavo capítulo, “Multiletramentos e práticas decoloniais 
na Educação Superior durante o ensino remoto”, de autoria de 
Fettermann, apresenta uma discussão acerca dos padrões sociais e 
culturais que permeiam práticas multiletradas. Para tanto, a autora 
investiga práticas pedagógicas que, a seu ver, são decoloniais, que 
foram desenvolvidas em contexto de Educação Superior, durante 
o período da pandemia. A análise está apoiada na metodologia 
de Análise de Conteúdo Qualitativa e organizada em categorias 
elencadas pela pesquisadora a partir da leitura que faz dos dados 
investigados. Em seus resultados, a autora aponta que há um tra-
balho premente a ser feito, no âmbito do Ensino Superior, no que 
tange às diversidades linguísticas e culturais, a fim de que se possa 
desconstruir perspectivas coloniais em relação à raça e gênero (entre 
outras aspectos interseccionais), que implicam a segregação nesses 
contextos educacionais.
Finalmente, o texto “Multiletramentos como formas de (res)
significar o corpo e as diversidades: reflexões sobre educação 
linguística, decolonialidade e antirracismo”, escrito por Lírio e 
Azzari, encerra a coletânea com um ensaio que lança luz ao que-
sito “diversidade”, aspecto fundante dos “multi”, na pedagogia dos 
multiletramentos. Partindo do entrelaçamento entre abordagens 
decoloniais e de discussões acerca da diversidade e da pluralida-
de culturais originalmente desenvolvidas nos trabalhos do GNL, 
os autores apontam a necessidade de (re)pensar uma educação 
linguística que se faça atuante no sentido de enfrentar, episte-
mologicamente, visões socialmente excludentes e opressoras, 
decorrentes da escravização de africanos e de seus descentes, em 
nosso país. Destacando o papel de pedagogias que favoreçam pro-
cessos e/ou o exercício de subjetificação, como proposto porBiesta 
(2010), Lírio e Azzari defendem epistemologias que ultrapassem a 
noção de educação como forma de “inserção” dos estudantes em 
cenários já existentes, destacando sua importância para que os/as 
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MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
discentes tenham acesso a (e possam reconhecer) formas outras 
de ser e estar no mundo.
Assim, esperamos que este volume, escrito e organizado por 
múltiplas mãos, possa fomentar discussões e reflexões outras, de-
corrente de suas diferentes proposições. Ademais, desejamos que os 
textos aqui elencados reiterem nossa percepção de que, para além 
de apenas tratar da multimodalidade e das tecnologias digitais nas 
línguas/linguagens, as ideias deflagradas pelos pesquisadores do 
GNL ainda se fazem oportunas e pertinentes no que diz respeito à 
formação inicial e continuada de docentes e discentes, ao caráter 
plural dos letramentos e à diversidade cultural e seus (im)possíveis 
entrelaces com outras teorias e discussões no campo da educação 
linguística.
Referências
ARFUCH, L. O espaço biográfico: dilemas da subjetividade contemporânea. 
Tradução de Paloma Vidal. Rio de Janeiro: UERJ, 2010. 
AZZARI, E. F. et al. Tecnologias digitais, escola pública e letramentos: pesquisa 
em tempos pandêmicos. In: Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR. 
Pesquisa sobre o uso das tecnologias de informação e comunicação nas escolas 
brasileiras: TIC Educação 2020. São Paulo: Comitê Gestor da Internet no Brasil, 
2021, p. 287-295.
BIESTA, G. Good education in an age of measurement. Ethics, politics and 
measurement. London: Paradigm Publishers, 2010.
CANDAU, J. Memória e identidade: do indivíduo às retóricas holistas. In: CANDAU, 
J (org.). Memória e identidade. São Paulo: Contexto, 2016, p. 21-57
HISSA, D. L. A; SOUSA, N. O. A Pedagogia dos Multiletramentos e a BNCC de 
Língua Portuguesa: diálogos entre textos. Revista (Con)Textos Linguísticos, Vitória, 
v. 14, n. 29, 2020, p. 565-583.
GRUPO NOVA LONDRES. Uma Pedagogia dos Multiletramentos: Projetando 
Futuro Sociais. Revista Linguagem em Foco, Fortaleza, v. 13, n. 2, 2021, p. 101–145.
KALANTZIS, M.; COPE, B.; PINHEIRO, P. Letramentos. 1.ed. Campinas: Editora 
Unicamp, 2020. 
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MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
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MOITA LOPES, L. P. O novo ethos dos letramentos digitais: modos de construir 
sentido, revolução das relações e performances identitárias fluidas. In: SIGNORINI, 
Inês; FIAD, Raquel Salek. (orgs.). Ensino de língua: das reformas, das inquietações 
e dos desafios. Belo Horizonte, Editora UFMG, 2012, p. 204-228.
MONTE MÓR, W. Crítica e letramentos críticos: reflexões preliminares. In: ROCHA, 
C. H.; MACIEL, R. F. (orgs.). Língua estrangeira e formação cidadã: por entre 
discursos e práticas. Campinas: Pontes Editores, 2015. p. 31-50. 
PINHEIRO, P. Letramentos a distância na (e na pós) pandemia. Revista Linguagem 
em Foco, Fortaleza, v. 12, n. 2, 2020, p. 355–369. 
PINHEIRO, P. (org.). Multiletramentos em teoria e prática: Desafios para a 
escola de hoje. São Leopoldo: Editora Unisinos, 2017.
STREET, B. V. Os novos estudos sobre o letramento: histórico e perspectivas. In: 
MARINHO, M.; CARVALHO, G. T. (orgs.). Cultura escrita e letramento. Belo 
Horizonte: Editora UFMG, 2010, p. 33-53.
STREET, B. V. Eventos de letramento e práticas de letramento: teoria e prática dos 
novos estudos de letramento. In: MAGALHÃES, I. (org.). Discursos e práticas de 
letramento: pesquisa etnográfica e formação de professores. Tradução de Izabel 
Magalhães. Campinas: Mercado de Letras, 2012, p. 69-92.
29
MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
A PEDAGOGIA DOS MULTILETRAMENTOS: 
INTERSECÇÕES ENTRE ABORDAGENS DIDÁTICAS, 
PROCESSOS DE CONHECIMENTO E DESIGN EM 
MATERIAIS DIDÁTICOS
Gabriela Martins Mafra
Universidade Estadual de Campinas
Eliana Merlin Deganutti de Barros
Universidade Estadual do Norte do Paraná
“Além de um ato de conhecimento, a educação é tam-
bém um ato político. É por isso que não há pedagogia 
neutra.” (FREIRE; SHOR, 1986).
Introdução 
Como em educação nada é neutro, cabe fazer escolhas cons-
cientes dos objetos de conhecimento, dos instrumentos didáticos, 
físicos e simbólicos, das abordagens pedagógicas para construir um 
projeto de ensino robusto, que busque contemplar o funcionamento 
da sociedade, cada vez mais digital, a qual vem sendo denominada 
como Sociedade do Conhecimento1 (PROULX, 2010). Diante de tal 
perspectiva, os alunos assumem o papel de designer, não só conso-
1 Segundo Bruch (2005) e Proulx (2010), a sociedade do conhecimento produz e difunde Tecno-
logias Digitais da Informação e Comunicação (TDICs), o que promove mudanças econômicas, 
sociais, culturais, políticas em prol de uma perspectiva pluralista e de desenvolvimento. 
30
MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
mem textos nas mídias analógicas e digitais, mas também agem/
produzem criticamente sobre elas. 
Esse designer é fruto dos processos de globalização e de uma 
mentalidade 2.02 (LANKSHEAR; KNOBEL, 2007), na qual as barreiras 
de autoria são flexibilizadas e construímos constantes diálogos com 
os mais diversos modos de significação. 
Sendo assim, ter uma pedagogia que organiza o por quê, o 
quê e como ensinar, do modo que a Pedagogia dos Multiletra-
mentos construiu, traz um panorama em relação ao que pode 
ser alcançado, ou seja, aos objetivos de aprendizagem, bem 
como dialoga de forma ímpar com a realidade histórico-social, 
para a construção de indivíduos que serão “solucionadores de 
problemas, capazes de aplicar modos de pensar divergentes; 
que serão mais perspicazes em um contexto complexo e muito 
mais suscetível a constantes mudanças; que assumirão riscos de 
forma inovadora [colaborativa] e criativa (KALANTZIS; COPE; 
PINHEIRO, 2020, p. 24). 
 A Pedagogia dos Multiletramentos despontou no cenário 
internacional em 1996, no manifesto denominado A pedagogy of 
multiliteracies: designing social futures (“Uma pedagogia dos multi-
letramentos — desenhando futuros sociais”), de um grupo de pesqui-
sadores americanos e australianos denominados The New London 
Group (NLG) interessados em linguagem e educação linguística, os 
quais se reuniram na cidade de Nova Londres, estado americano de 
Connecticut (ROJO; MOURA, 2019). 
 Após 25 anos de uma proposta de estudo em torno do con-
ceito de letramento, ainda vivenciamos tempos de mudanças 
2 Lankshear e Knobel (2007) fazem uma comparação entre a mentalidade 1.0 e a mentalidade 2.0 
em analogia à Web 1.0 e 2.0. Na primeira geração da internet, a informação era unidirecional, 
de um para muitos. Com o surgimento de sites como Facebook, Armazon, Instagram, Youtube, 
a web tornou-se muito mais interativa. Na Web 2.0 são os usuários que fomentam o conteúdo 
em postagens e publicações em redes sociais como: Google+, Wikipédia, Twiter etc. 
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MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
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linguísticas, educacionais, sociais, territoriais, tecnológicas, 
que levam, segundo o New London Group (NLG, 1996; GNL, 
2021) a dois multi, do multiculturalimo e da multimodalidade, 
os quais são denominados como interculturalidade e modos 
de significação. O conceito de multiculturalismo decorre da 
urgência de reconhecimento recíproco entre as culturas para 
o enriquecimento mútuo. Já a multimodalidade alerta para a 
singularidade de cada modo particular de significação, e não 
apenas para o advento da multiplicidade e sinestesia3 da lin-
guagem diante da escrita. 
Além de reconhecer esses dois fenômenos, ainda precisamos 
problematizar sua inserção no contexto de ensino. No âmbito 
dessa problematização, Kalantzis, Cope e Pinheiro (2020, p. 52) 
defendem que a educação “pode ter como objetivo mais ambicioso 
o de contribuir para combater as desigualdades” e, para tanto, é 
necessário encarar a escola e, consequentemente, o processo de 
ensino e aprendizagempor um viés múltiplo, tanto no que refere às 
linguagens como às culturas abordadas nesse contexto. Entretanto, 
há de se lutar pela quebra de hegemonia da escrita e das culturas 
dominantes, ditas “eruditas”. 
Conectado a esse propósito, a Pedagogia dos Multiletramen-
tos busca articular-se às dimensões do trabalho, da cidadania e do 
mundo da vida, a fim de contemplar a autoexpressão, a participação 
na comunidade e outras “linguagens necessárias para a construção 
de sentido” (NLG, 1996).
Para dar conta dessa perspectiva dos multi, a Pedagogia pro-
põe o conceito de design, por sua ambiguidade como processo de 
construção e padrão de significados. Trabalhar por design significa 
levar em conta os recursos disponíveis para a expressão, ou seja, 
os designs disponíveis; construir sentidos, a partir dos modos de 
3 Sinestesia é a “alternância entre modos de significar” (KALANTZIS; COPE; PINHEIRO, 
2020, p.183). 
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significação (escritos, orais, imagéticos, gestuais, táteis, sonoros, 
espaciais) e transformar, de alguma forma, os sentidos, sempre em 
(re)construção, em (re)designed. 
E como ensinar por design? Quais movimentos pedagógicos4 
podem ser desenvolvidos em prol dos letramentos? É, pois, esses 
questionamentos que nos motivam a buscar os processos de or-
ganização do conhecimento, que funcionam, na Pedagogia, tanto 
no que se refere ao que e ao como ensinar (KALANTZIS; COPE; 
PINHEIRO, 2020). 
No que refere ao como ensinar, partimos do pressuposto de que 
os processos de conhecimentos estão vinculados a determinadas 
abordagens pedagógicas (KALANTZIS; COPE; PINHEIRO, 2020, 
p. 76) e da premissa de que tais processos e abordagens implicam 
certos designs. Nesse sentido, objetivamos investigar tais fenôme-
nos e sua correlação em um capítulo de livro didático destinado ao 
ensino da produção textual. Embora a pesquisa se volte para um 
único objeto, entendemos que ela pode ser estendida para outros 
contextos, uma vez que as unidades didáticas destinadas ao ensino 
da produção de textos mantêm certa regularidade na organização 
dos saberes didáticos (cf. ALVES, 2022). 
 Para tanto, elencamos como corpus de pesquisa um capítulo 
da coleção didática Se liga na língua: leitura, produção de texto e 
linguagem5, de Ormundo e Siniscalchi (2018), destinada aos anos 
finais do Ensino Fundamental, aprovada pelo Programa Nacional 
do Livro e do Material Didático (PNLD), de 2020. Selecionamos a 
segunda coleção com maior valor de aquisição nacional, aprovada 
pelo PNLD de 2020 (ROCHA, 2020), visto que, nos pressupostos 
teóricos-metodológicos, prescreve ações pedagógicas pautadas na 
4 Os termos “movimentos pedagógicos”, “processos de conhecimento” e “gestos didáticos”, 
nos moldes de Rojo (2012, p. 30), são entendidos como sinônimos. 
5 Disponível em: https://en.calameo.com/read/00289932709452ecc5847?authid=rSsq6DETA5
MR . Acesso em: 30 nov. 2022. 
https://en.calameo.com/read/00289932709452ecc5847?authid=rSsq6DETA5MR
https://en.calameo.com/read/00289932709452ecc5847?authid=rSsq6DETA5MR
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MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
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construção do conhecimento de forma crítica – foco da perspectiva 
teórico-metodológica que pauta este trabalho. 
Com a definição do cenário de pesquisa, alguns questiona-
mentos direcionam nosso olhar analítico: qual abordagem pe-
dagógica sobressai nesse(s) material(ais)?; Quais as implicações 
da incidência de uma determinada abordagem?; De que modo 
podemos perceber indícios de criticidade nas propostas de ativi-
dades?; Os modos de significação estão restritos ou se diversificam 
no processo pedagógico?
Em busca de contemplar tais questões, a investigação 
ancora-se nos estudos dos letramentos (FREIRE, 1981; NLG, 
1996; ROJO, 2012; PINHEIRO, 2020; RIBEIRO, 2020), com foco na 
noção de processos de conhecimento, abordagens pedagógicas 
e pedagogia do design (KALANTIZIS; COPE, 2012; KALANTIZIS; 
COPE, PINHEIRO, 2020). Com esse intuito, convidamos você, caro 
designer de significados, das mais diversas formas de represen-
tação textual multi/hipermidiáticas, a percorrer este caminho de 
reflexão em relação à intersecção do que e como da Pedagogia 
dos Multiletramentos.
Abordagens pedagógicas e processos de conhecimentos 
No livro Literacies, Kalantzis e Cope (2012) expandem as pro-
posições elaboradas no 
Manifesto A pedagogy of multiliteracies: designing social futu-
res (“Uma pedagogia dos multiletramentos — desenhando futuros 
sociais”), do NLG 1996, GNL, 2021) em favor de uma Pedagogia 
dos Multiletramentos, assim como “[...]problematizam o fato 
de que os aprendizes que frequentam os ambientes escolares de 
hoje são outros” (PINHEIRO, 2020, p. 16). São outros, pois suas 
experiências sociais estão condicionadas à lógica da hipermoder-
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MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
nidade6 e, consequentemente, perpassadas por novas formas de 
aprender, de se relacionar com o mundo (cada vez mais global), 
de se informar, de se expressar (multissemioticamente), de ser 
e de existir.
Para dar conta dessa multiplicidade de letramentos, Rojo (2012) 
traz para o contexto brasileiro, quatro princípios para a formação 
dos usuários dos textos e culturas letradas, a partir de Westby 
(2010, p. 68): usuário funcional (functional user); criador de sentidos 
(meaning maker); analista crítico (critical analyzer); transformador 
(transformer) – esquematizados no quadro a seguir:
Figura 1 - Princípios da Pedagogia dos Multiletramentos
Fonte: Westby (2010 apud ROJO, 2012, p. 29, tradução da autora).
6 Compartilhamos da concepção de que não podemos falar em pós-modernidade, mas em uma 
radicalização da modernidade, uma vez que não ultrapassamos seus princípios como: “raciona-
lidade técnica ou desenvolvimento tecnológico-científico, economia de mercado, valorização 
da democracia e extensão da lógica individualista” (ROJO; BARBOSA, 2015, p. 117).
35
MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
A proposta da Pedagogia dos Multiletramentos visa, assim, 
formar usuários funcionais que tenham tanto competência técnica 
como competência experencial em relação às práticas letradas. Mas 
para quê? Para que exerçam, como criadores de sentidos, uma atuação 
crítica na sociedade. Para que isso seja possível, é necessário que 
eles sejam analistas críticos, capazes de transformar [...] os discursos 
e significações, seja na recepção ou na produção” (ROJO; MOURA, 
2012, p. 29, grifos nossos).
Em Letramentos, Kalantzis, Cope e Pinheiro (2020) expandem 
essa proposta e discutem em que perspectiva o ensino pode ser 
conduzido na hipermodernidade. Para tanto, retomam algumas 
abordagens tradicionais da pedagogia dos letramentos, a saber, 
didática, autêntica, funcional e crítica; discutindo-as a partir de 
diferentes processos de conhecimento, os quais se constituem “[...] 
como tipos fundamentais de pensamento em ação ou ‘coisas que 
se podem fazer para conhecer’” (KALANTZIS; COPE; PINHEIRO, 
2020, p. 74). 
Kalantzis, Cope e Pinheiro (2020, p. 74) sistematizam quatro 
processos de conhecimento, subdividindo cada um deles em dois 
subprocessos, sendo eles: 1) experienciando (o conhecido / o 
novo); conceitualizando (por nomeação / por teoria); analisando 
(funcionalmente / criticamente); aplicando (apropriadamente / 
criativamente). Os autores criam um quadro em que articulam 
cada subprocesso a dinâmicas de sala de aula, o qual reproduzi-
mos a seguir: 
36
MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
Quadro 1 – Os processos de conhecimento e sua relação com o ensino
Experienciando
O conhecido: estudantes trazem para a situação de 
aprendizagem perspectivas, objetos, ideias, formas de 
comunicação e informação que lhes são familiares e 
refletem sobre suas próprias experiências e interesses.
O novo: estudantes estão imersos em novassituações 
ou informações, observando ou participando de algo 
novo ou desconhecido.
Conceitualizando
Por nomeação: estudantes agrupam informações 
em categorias, aplicam os termos de classificações e 
defendem esses termos.
Com teoria: estudantes fazem generalizações conec-
tando conceitos e desenvolvendo teorias.
Analisando
Funcionalmente: os estudantes analisam conexões 
lógicas, relações de causa e efeito, estrutura e função.
Criticamente: estudantes avaliam as perspectivas, os 
interesses e os motivos próprios e de outras pessoas.
Aplicando
Apropriadamente: estudantes testam seus conhe-
cimentos em situações reais ou simuladas para ver se 
funcionam de uma maneira previsível em um contexto 
convencional,
Criativamente: estudantes fazem uma intervenção 
inovadora e criativa no mundo, expressando distin-
tamente suas próprias vozes ou transferindo seus 
conhecimentos para um contexto diferente.
Fonte: Kalantzis, Cope e Pinheiro (2020, p. 74-75).
Esses processos, segundo Kalantzis, Cope e Pinheiro (2020), 
foram pensados, originalmente, pelo NLG (1996; GNL, 2021), como 
prática situada (experienciando), instrução explícita (conceitualizan-
do), enquadramento crítico (analisando) e prática transformadora 
(aplicando). De acordo com os autores, a reformulação foi feita, a 
fim de tornar essas concepções mais reconhecíveis, no que se re-
fere ao “[...] planejamento, à documentação e ao rastreamento da 
aprendizagem” (KALANTZIS; COPE; PINHEIRO, 2020, p. 75). 
Entendemos que os processos de conhecimento supracitados 
não podem ser tomados de uma forma “engessada” ou “compar-
timentada”, como se o processo de ensino se reduzisse a um ou 
37
MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
outro processo. Pelo contrário, compreendemos que esses processos 
podem se articular de maneira não hierárquica e não linear na cons-
trução de projetos, sequências ou atividades de ensino. É o objeto de 
ensino, associado ao contexto da ação didática, aos interesses dos 
estudantes e aos objetivos de aprendizagem que deve direcionar a 
mobilização dos processos de conhecimento. 
Nesse sentido, a associação feita por Kalantzis, Cope e Pinheiro 
(2020) entre as abordagens pedagógicas clássicas e os processos 
de conhecimentos deve ser vista, na nossa concepção, somente 
enquanto “ênfases”. Ou seja, é possível vincular certos processos 
de conhecimento a uma determinada abordagem se considerarmos 
a ênfase de tais processos na construção das atividades didáticas 
dessa perspectiva. Entretanto, isso não impede que essa mesma 
abordagem recorra a processos que normalmente são associados a 
outras abordagens didáticas. Nesse sentido, entendemos o Quadro 
2, que descreve a associação feita por Kalantzis, Cope e Pinheiro 
(2020) entre as abordagens pedagógicas e os processos de conhe-
cimento, como um parâmetro para classificarmos, teoricamente, 
uma dessas perspectivas.
38
MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
Quadro 2 – Associação entre as abordagens pedagógicas e os processos de 
conhecimento
Abordagens Principais
 representantes
Principais ênfases dos “processos de 
conhecimentos”
Didática Petrus Ramus
• Experienciar o novo: ler textos literários 
de “alto valor cultural”.
• Conceitualizar por nomeação: aprender 
temos gramaticais e conceitos literários.
• Conceitualizar com teoria: aprender 
regras ortográficas e gramaticais e as 
escolas literárias.
Autêntica John Dewey e 
Maria Montessori
• Experienciar o conhecido: explorar os 
interesses próprios.
Funcional Michael Halliday 
• Analisar funcionalmente: analisar como 
diferentes tipos de textos servem a pro-
pósitos sociais distintos.
• Aplicar apropriadamente: dominar gê-
neros textuais socialmente reconhecidos. 
Crítica Paulo Freire e 
Michael Aple
• Experienciar o conhecido: desenvolver 
voz e identidade pessoais.
• Analisar criticamente: trabalhar agen-
das sociais e vieses de textos. 
• Aplicar criativamente: construir textos, 
incluindo textos das novas mídias digi-
tais, que expressem as identidades, os in-
teresses e as perspectivas dos aprendizes. 
Fonte: Kalantzis, Cope e Pinheiro (2020, p.84).
O Quadro 2, além de fazer a associação entre as abordagens 
pedagógicas e os processos de conhecimento e trazer os principais 
representantes de cada uma dessas concepções, também traz exem-
plos da aplicação de cada processo em atividades de letramento 
escolar, o que auxilia no entendimento do escopo de cada uma das 
abordagens. Dentre elas, a crítica é a que mais se aproxima dos 
ideais da Pedagogia dos Multiletramentos, uma vez que parte do 
39
MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
princípio de que “[...]os letramentos estão no plural, reconhecendo 
as múltiplas vozes que os aprendizes trazem para a sala de aula, os 
diversos locais da cultura popular, as novas mídias e as diferentes 
perspectivas que existem em textos do mundo real” (KALANTZIS; 
COPE; PINHEIRO, 2020, p. 139).
Evidentemente, como ressaltamos, o que os autores preten-
dem é mostrar os processos que melhor representam cada uma das 
abordagens, mas não as restringir a certos “modos de didatizar os 
saberes”. Assim como Lima e Barros (2017, p. 805), entendemos 
que “[...] a divisão em paradigmas educacionais não pode ser vista 
com rigidez”, uma vez que é impossível enquadrar a educação em 
períodos fechados, de maneira tão categórica. Por outro lado, esses 
paradigmas nos ajudam a entender melhor o processo de ensino 
nas escolas e intervir sobre eles, a fim de aperfeiçoá-los, torná-los 
mais apropriados a uma determinada época e contexto pedagógico.
A fim de sintetizar a perspectiva didática dos quatro proces-
sos de conhecimento que utilizamos como categoria de análise, 
aqui, elaboramos um quadro sinóptico, a partir das proposições de 
Kalantzis, Cope e Pinheiro (2020), enfatizando os letramentos no 
processo de ensino.
40
MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
Quadro 3 – Os processos de conhecimento na perspectiva da aprendizagem dos 
letramentos
Experienciando o conhecido Experienciando o novo
Prevê atividades que conectem o aluno 
a suas práticas de letramento cotidia-
nas; que o façam refletir sobre elas. Há 
uma ênfase nos conhecimentos prévios 
dos estudantes, na sua origem cultural 
e interesses, assim como nos processos 
identitários. 
Envolve atividades que mobilizam 
novos textos, modalidades textuais 
ou gêneros. O foco são as práticas de 
letramento que não fazem parte das 
experiências cotidianas dos alunos, a 
fim de se explorar novos significados. 
Conceitualizando por nomeação Conceitualizando por teoria
Foca em atividades metalinguísticas, as 
quais podem tanto estar relacionadas 
a conceitos gramaticais tradicionais 
(sujeito, predicado), como discursivos 
(modalização), midiáticos (hiperlink) 
etc. 
Centra-se em atividades que buscam 
a generalização dos conceitos. Esses 
podem ser transmitidos pelos pro-
fessores ou construídos pelos alunos, 
com a mediação do docente.
Analisando funcionalmente Analisando criticamente
Caracteriza-se por atividades cujo 
objetivo é fazer com que os alunos 
aprendam a funcionalidade dos textos, 
de qualquer modalidade, a identificar 
seus componentes e saber mobilizá-los, 
a contextualizá-los, seja na recepção ou 
produção.
A ênfase está em atividades voltadas 
ao desenvolvimento de capacida-
des de reflexão metacognitiva no 
processo de letramento escolar. A 
autorreflexão busca uma compreen-
são mais crítica sobre as práticas de 
letramento (exemplo: identificação 
de fake news). 
Aplicando adequadamente Aplicando criativamente 
Centra-se em atividades práticas de 
leitura e produção de textos, com o ob-
jetivo de adequá-los aos seus modelos 
de referência social. Há uma ênfase em 
processos de simulação comunicativa.
Focado em atividades de transfor-
mação, deslocamento, ruptura dos 
modelos de textos ou das práticas 
de letramento.A centralidade está 
no desenvolvimento autoral dos 
estudantes. 
Fonte: as autoras, a partir de Kalantzis, Cope e Pinheiro (2020).
O Quadro 3 elucida, em parte, as possibilidades didáticas de 
cada um dos quatro processos de conhecimento, porém, esses não 
se restringem a elas. A intenção foi buscar uma síntese que servisse 
como parâmetro para as nossas análises. 
41
MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
Às abordagens do conhecimento e aos processos de conheci-
mento (how/como) associamos ao “o que” (what) do NLG (1996; GNL, 
2021) na Figura 1, com base na inter-relação de três componentes: 
“Available Designs (Designs – disponíveis), o designing e o (re)designed” 
(NLG, 1996; GNL, 2021). 
Figura 2 – Processos do conhecimento e pedagogia do design
Fonte: as autoras.
De forma geral, avaliable designs (designs disponíveis) são 
recursos disponíveis para representação e comunicação, sejam os 
vários sistemas semióticos como os de filme, fotografia ou gestual, 
seja a ordem do discurso (RIBEIRO, 2020; NLG, 1996, GNL, 2021). 
Já o designing é o trabalho de construção de sentido a partir des-
ses recursos disponíveis, a fim de construir significação por meio 
de modos (oral, escrito, visual, espacial, tátil, gestual e auditivo) 
e de signos (cor, música, expressões faciais, fonemas, grafemas, 
42
MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
territorialidade), por fim o (re)designed, “[...] realiza-se por meio 
do que pode ser organizado pelo sujeito e reconfigurado para o 
seu mundo, abarcando, por assim dizer, a própria ação durante o 
processo de construção de significados” (PINHEIRO, 2016, p. 526), 
ou seja, corresponde à transformação dos significados disponíveis 
(designs disponíveis).
Alguns conceitos como o de design e o de agência foram se 
tornando cada vez menos dissociados como podemos observar: 
A ideia de Design como coração dos processos de co-
nhecimento simplesmente garante um escopo mais 
amplo para a agência participativa no processo de 
ensino e abre o currículo para a diversidade. Quanto 
mais cedo levarmos a agência em conta, mais multifa-
cetadas (multifarious) essas manifestações se tornam, 
assim como mais complexas se tornam as matrizes e 
interseções. E para encarar todas essas agências, uma 
sala de aula! (KALANTZIS; COPE, 2010, p. 48).
Nesta perspectiva, o estudante é um designer, “um construtor-
-colaborador das criações conjugadas na era das linguagens líqui-
das” (ROJO, 2013, p. 8), ou como Freire (1981) denomina um leitor/
produtor capaz de transformar aquilo que lê e o mundo ao seu re-
dor, a partir dos condicionamentos ideológicos dos discursos. Isso 
posto, a Pedagogia dos Multiletramentos “implica a imersão em 
letramentos críticos que requerem análise, critérios, conceitos, uma 
metalinguagem, para chegar a propostas de produção transformada, 
redesenhada, que implicam agência por parte do alunado” (ROJO; 
MOURA, 2012, p. 8-9). 
Para concluir, ressaltamos a importância da tomada de consci-
ência desses processos de conhecimento, no agir pedagógico. Essa 
autoconsciência, na nossa concepção, pode fazer com que os forma-
43
MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
dores tomem decisões mais assertivas no processo de letramento 
escolar de seus alunos, levando-os não apenas ao domínio funcional 
das práticas letradas, mas a se tornarem sujeitos críticos e (trans)
formadores, como assim propõe a Pedagogia dos Multiletramentos.
Figura 3 – Processos de conhecimento na Pedagogia dos Multiletramentos: tradições 
da prática educativa
Fonte: Inspirado em Lim, Cope e Kalantzis (2022, p. 7).
Na representação, buscamos indicar uma articulação entre os 
quatro estágios do processo para melhor representar a proposta 
dos autores, que não o concebem “como uma sequência, já que 
não existe uma ordem predeterminada a ser seguida” (KALANT-
ZIS; COPE; PINHEIRO, 2020, p. 75). Assim, os professores podem 
mobilizar os movimentos estratégicos de design entre um processo 
de conhecimento e outro, sem uma ordem necessária” (LIM, COPE; 
KALANTZIS, 2022)7.
Segundo os autores,
7 Texto original: “The knowledge processes suggest that teachers design strategic moves between 
one knowledge process and another, though in no necessary order”.
44
MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
 [...] é possível, por exemplo, começar com conceitos, 
tentar aplicá-los e conectá-los à experiência pessoal. Do 
mesmo modo, não se exige, necessariamente, a mesma 
divisão entre os elementos, pois alguns assuntos ou 
situações de aprendizagem podem demandar muito 
trabalho conceitual, enquanto outros, mais trabalho ex-
periencial (KALANTZIS; COPE; PINHEIRO, 2020, p. 75). 
Os verbos no gerúndio, para esquematizar os Processos de 
Conhecimento, dão um teor processual e não acabado. Nesse sen-
tido, a concepção pedagógica que sistematiza, cognitivamente, a 
Pedagogia dos Multiletramentos, parece estar mais atualizada à 
dinâmica multifacetada e complexa da aprendizagem escolar, so-
bretudo, neste mundo globalizado8. 
 
Material didático investigado
No movimento de didatizar os conteúdos tidos como es-
senciais pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC) (BRASIL, 
2018) para o Ensino Fundamental II, no planejamento didático, 
entra em palco o Programa Nacional do Livro e do Material Di-
dático (PNLD). Esse é destinado a avaliar e a disponibilizar obras 
didáticas, pedagógicas e literárias, entre outros materiais de apoio 
à prática educativa, de forma sistemática, regular e gratuita às 
escolas públicas de Educação Básica das redes federal, estaduais, 
municipais e distrital, e também às instituições de educação infan-
til comunitárias, confessionais ou filantrópicas sem fins lucrativos 
e conveniadas com o Poder Público9 .
8 Conferir em Lim, Cope e Kalantzis (2022) a problematização em relação à metalinguagem 
empregada na atual nomenclatura dos processos de conhecimento, no tange as raízes cogniti-
vistas, a Teoria de Bloom (1956), e as implicações de aspectos sociomateriais. 
9 Disponível em: http://portal.mec.gov.br/component/content/article?id=12391:pnld. Acesso 
em: 29 nov. 2022.
about:blank
45
MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
Dentre as coleções didáticas aprovadas pelo PNLD, selecio-
namos, como corpus de análise, a segunda com maior valor de 
aquisição de exemplares (ROCHA, 2020) do componente Língua 
Portuguesa, intitulada Se liga na língua: leitura, produção de texto 
e linguagem, de Ormundo e Siniscalchi (2018), especificamente, o 
7º capítulo referente ao 6º ano. Tal seleção é dada tanto pela sua 
notoriedade quanto pelo seu teor representativo, no que se refere 
à possibilidade de correlação entre as abordagens pedagógicas, os 
processos de conhecimentos e a pedagogia do design. 
O capítulo 7 “Comentário de leitor: o direito de opinar” é 
subdividido em leituras, produções, seções especiais e boxes, como 
sistematizamos a seguir:
Figura 4 – Macro-organização do capítulo
Fonte: as autoras. 
46
MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
As subdivisões do capítulo didático são comentadas e analisa-
das na seção seguinte. Cabe pontuar que, ao tomarmos como corpus 
fontes de documentação (GIL, 2008) do tipo registros institucionais 
escritos – aqueles fornecidos por instituições governamentais, 
como projeto de lei, relatórios de órgãos governamentais, entre 
outros –, neste caso, um capítulo de um livro aprovado pelo PNLD 
2020, compreendemos que esta pesquisa delineia-se como de 
abordagem qualitativa-interpretativista no campo da Linguística 
Aplicada. 
Gênero Comentário de leitor: uma análise por meio da 
pedagogia dos multiletramentos
Neste estudo partimos do pressuposto de que os processos 
de conhecimentos estão vinculados a determinadas abordagens 
pedagógicas (KALANTZIS; COPE; PINHEIRO, 2020, p. 76) e da 
premissade que tais processos e abordagens implicam certos de-
signs. Nesse sentido, objetivamos investigar tais fenômenos e sua 
correlação em um capítulo de livro didático destinado ao ensino 
da produção textual do gênero comentário de leitor, presente no 
sétimo capítulo do livro Se liga na língua: leitura, produção de texto 
e linguagem.
De acordo com as orientações específicas do Manual do 
Professor, o sétimo capítulo é voltado para o Campo Jornalístico-
-Midiático e dialoga com as “[...]habilidades relativas ao debate 
respeitoso e ao combate ao discurso de ódio” (ORMUNDO; SI-
NISCALCHI, 2018, p. XLI). Tendo em vista a temática principal 
do capítulo, a crise dos refugiados na Europa, o texto do Manual 
do Professor propõe uma atividade conjunta com os docentes de 
Geografia ou de História em relação aos fluxos imigrantes. Para 
dar um panorama do capítulo 7, bem como das categorias que 
adotamos para a análise, apresentamos, a seguir, o Quadro 4 que 
47
MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
busca sintetizar a análise abordada a seguir. As categorias foram 
discutidas previamente e tomam como base a pedagogia dos letra-
mentos críticos (KALANTIZIS; COPE, 2012; KALANTIZIS; COPE, 
PINHEIRO, 2020).
Quadro 4 – Panorama de análise do Capítulo 7: em prol de qual projeto de ensino?
Tópicos do 
capítulo
Sequência de 
atividades
 do livro
Objeto
Processos 
do conheci-
mento
Pedagogia 
design
Abordagem 
pedagógica Modo
Abertura 
de capítulo
Resposta a 
questionamento 
oral
Fato
Expe-
rienciar o 
conhecido
Designs 
disponíveis Autêntica Oral
Abertura 
de capítulo
Leitura da 
ilustração
Sensibilizar 
a opinião 
pública
Experien-
ciar o novo
Designs 
disponíveis Didática Imagé-
tico
Leitura 1
Leitura de 
comentários 
de leitor sobre 
a temática da 
ilustração
Construção do 
sentido global 
do texto com 
as opiniões 
veiculadas
Experien-
ciar o novo
Designs 
disponíveis Didática Escrito
Desven-
dando o 
texto
Resposta escrita 
a atividades de 
sentido global 
(Leitura 1)
Compreensão 
geral
Analisar 
funcional-
mente
O designing Funcional Escrito
Como fun-
ciona um 
gênero
Resposta escrita 
a atividades 
sobre as carac-
terísticas do 
gênero (Leitura 
1)
Gênero 
comentário de 
leitor (contex-
to de produção 
e circulação, 
estrutura com-
posicional)
Analisar 
funcional-
mente
Analisar 
critica-
mente
O designing Funcional/
crítica Escrito
Leitura 2
Leitura de 
comentários de 
leitor sobre as 
vaias recebidas 
por um atleta 
francês
Construção do 
sentido global 
do texto com 
as opiniões 
veiculadas
Experien-
ciar o novo
Designs 
disponíveis Didática Escrito
Refletindo 
sobre o 
texto
Resposta escrita 
a atividades 
sobre elementos 
do gênero 
comentário
Gênero 
comentário de 
leitor (contex-
to de produção 
e circulação, 
estrutura com-
posicional)
Analisar 
funcional-
mente
O designing Funcional Escrito
Se eu qui-
ser saber 
mais
Atividades de 
discussão oral 
que visa avaliar 
a construção de 
argumentos
Argumentação
Analisar 
funcional-
mente
O designing Funcional Escrito
Meu 
comentário 
do leitor
Produção escrita 
de dois comen-
tários de leitor 
sobre trabalho 
em grupo
Textualização
(planejamen-
to, revisão, 
reescrita e 
avaliação de 
textos).
Aplicar 
funcional-
mente
O desingned Funcional Escrito
48
MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
Textos em 
conversa
Leitura de artigo 
de opinião
Compreensão 
geral
Analisar 
funcional-
mente
Analisar 
critica-
mente
O designing Funcional/
crítica Escrito
Transfor-
mando o 
comentário 
de leitor 
em pedido 
público de 
desculpas
Produção escrita 
de uma carta 
com base na 
Leitura 2
Textualização 
(planejamento, 
revisão, (re)
design e 
avaliação de 
textos).
Aplicar
critica-
mente
O (re) 
desingned Crítica Escrito
Mais da 
língua
Atividades 
escritas, a 
nível textual, de 
interpretação 
global e grama-
tical
Morfossintaxe 
(frase, oração e 
período)
Conceituar
por nome-
ação
O designing Didática Escrito
Isso eu 
já vi
Atividades 
escritas, a 
nível textual, de 
interpretação 
global
Acentuação 
(palavras 
paroxítonas)
Conceituar
por nome-
ação
O designing Didática Escrito
Entre 
saberes
Gravação de 
um podcast 
simulando um 
debate
Produção oral
(elaboração e 
edição).
Aplicar
criativa-
mente
O (re)
desingned Crítica
Oral, 
sonoro e 
escrito.
Produção 
extra
Roda de con-
versa a partir 
de um artigo de 
opinião
Produção de 
comentário 
oral
Aplicar 
funcional-
mente
O designing Funcional Oral e 
escrito.
Fonte: as autoras.
A abertura do capítulo é construída a partir de questionamentos 
fechados como: você já teve vontade de comentar um assunto que 
leu em uma notícia? Já se impressionou com um texto opinativo 
e quis elogiar o autor? (ORMUNDO; SINISCALCHI, 2018, p. 206). 
Essas indagações tomam como objeto de conhecimento um fato, e 
como processo o experienciar o conhecido, visto que a atividade ex-
plora o ato de falar sobre si, sobre uma vivência pessoal. Após essa 
aproximação inicial, na modalidade de teor oral, indica-se a leitura 
de uma ilustração (Anexo 1), criada em 2015, em homenagem ao 
menino refugiado que morreu afogado na Turquia. O movimento 
epistêmico relacionado à leitura da ilustração é o de experienciar 
o novo, uma vez que a temática abordada, muitas vezes, não é de 
interesse da faixa etária do 6º ano, para a qual o capítulo é des-
49
MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
tinado, ademais, outro indício afirmativo sobre esse movimento 
epistêmico é o fato de a ilustração ser um (re)design de fotografias, 
o que constitui um conjunto de possibilidades significativas, como 
é indicado no Manual do Professor “Pergunte aos alunos como 
eles interpretam a ilustração presente nesta página” (ORMUNDO; 
SINISCALCHI, 2018, p.207). 
Em seguida, apresentam-se alguns exemplares do gênero “co-
mentários de leitor” (Leitura 1), que fazem referência ao assunto 
abordado na ilustração exposta anteriormente. Tais opiniões são 
veiculadas em um jornal impresso de grande circulação, o jornal 
Folha de São Paulo. Essa atividade de leitura explora o experenciar 
o novo, partindo do pressuposto do desconhecimento do gênero, já 
que as experiências são subjetivas e situadas. Sumarizando a análise 
até este ponto, podemos dizer que o aluno teria a seu dispor uma 
gama de designs disponíveis, dentre eles: questionamentos orais, 
ilustração e comentários de leitor, envolvendo assim a modalidade 
oral, visual e escrita. 
O tópico seguinte, “desvendando o texto”, implica maior envol-
vimento do aluno, não só na apreciação de objetos, como foi feito 
até o momento, mas na interpretação textual em prol do sentido 
global da Leitura 1, envolvendo, desse modo, um analisar funcio-
nalmente. Defendemos, porém, que esse analisar não se caracteriza 
como crítico, uma vez que não há uma problematização a respeito do 
texto. A tendência é apenas a decodificação dos sentidos do texto. A 
exceção é a questão 4 que, ao final, convida o leitor a uma opinião: 
“o que você acha que o leitor quis dizer com isso” (ORMUNDO; 
SINISCALCHI, 2018, p.207), como podemos avaliar na Figura 5.
50
MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
Figura 5 – Analisar funcionalmente: decodificação textual
Fonte: Ormundo e Siniscalchi (2018, p. 207).
De modo similar, o tópico “Como funciona um gênero” planifica 
atividades sobre as características do gênero “comentário de leitor”. 
Assim, auxilia a compreender como esse artefato/instrumento fun-
ciona no mundo, conseguinte, propicia um analisar funcionalmente. 
A seguir trazemos a Figura 6 para dialogar sobre esse processo de 
conhecimento desenvolvido na seção. 
Figura 6 – Analisar funcionalmente: reconhecimento de palavras
Fonte: Ormundo e Siniscalchi (2018, p. 207).
51
MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hojeVoluMe 2 
À exceção do item c, as outras questões apresentam certa des-
contextualização em relação ao texto e focalizam a decodificação e 
o reconhecimento de palavras, desse modo, não contribui de forma 
efetiva para compreensão metacognitiva do gênero, objetivo desta 
seção. A última questão faz referência ao painel do leitor e convida 
os alunos a opinarem, como podemos observar no trecho a seguir: 
“Os artigos publicados com assinaturas não traduzem a opinião do 
jornal. Você acha que esse alerta também vale para comentários 
de leitor? Por quê?” (ORMUNDO; SINISCALCHI, 2018, p. 208). Isto 
sugere uma abertura para um analisar criticamente.
 Na sequência, a Leitura 2 é exposta de forma a representar 
uma página da internet, em virtude de tratar-se de um jornal on-line. 
A Leitura em questão possibilita experienciar o novo em relação à 
temática dos comentários de leitor: vaias recebidas por um atleta 
francês nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro. Para discutir essa 
Leitura são expostos dois tópicos “Refletindo sobre o texto”, con-
tendo atividades referentes ao contexto de produção e circulação, 
estrutura composicional e elementos estilísticos, e “Se eu quiser 
saber mais” com atividades de discussão oral que visam avaliar a 
construção de argumentos em “comentário de leitor”, no que se 
refere a uma nova temática: livro impresso e digitais. Tais atividades 
visam, majoritariamente, a uma análise funcional, pois colocam em 
ação significados que se prendem à textualidade. Verificamos que o 
capítulo opta por organizar o trabalho com a construção de sentidos, 
designing, a partir desses recursos disponíveis, todavia com predo-
minância de movimentos de análise funcional e não crítica. Além 
disso, detectamos a prevalência do modo escrito nessas aplicações. 
A atividade que se sucede é de produção, denominada “Meu 
comentário de leitor”, a qual traz como instrução a escrita de dois 
comentários de leitor sobre trabalho em grupo, 1ª etapa, posicionar-
-se frente a uma questão polêmica relacionada ao tema, e 2ª etapa, 
resposta a um comentário já escrito por um colega. Tal proposta 
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MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
caracteriza-se como um aplicar adequadamente, pelo teor de ação 
envolvida na atividade e por não buscar diretamente uma ruptura 
do modelo de comentário do leitor, nem propor uma condição de 
produção atrelada a uma prática situada fora do contexto escolar. 
Essa atividade exige que o aluno demonstre sua compreensão para 
construir a textualidade (planejamento, escrita, revisão, reescrita 
e avaliação) do comentário de leitor, dentre as características rela-
tivamente estáveis do gênero. Assim, com esta proposta, almeja-se 
um “[...] agir sobre o conhecimento de maneira esperada, previsível 
ou típica, com base no que foi ensinado” (KALANTIZIS; COPE, PI-
NHEIRO, 2020, p. 76). 
Argumentamos que, com esta produção, o aluno estará em um 
processo de designing, utilizando “[...] um conteúdo conhecido para 
desenvolver, transformar e apropriar-se dele convenientemente, 
na medida em que o transpõe para propostas que considera úteis” 
(GOMES; PINHEIRO, 2015, p. 114). Sustentamos, contudo, que esta 
proposta não envolve um (re)designing, pois não estende sua ação 
para práticas transformadoras, tendo o aluno com agente. 
O tópico seguinte volta a trazer a prática de experienciar, nes-
te caso, um novo texto, pois, em “Textos em conversa”, os alunos 
têm a oportunidade de ler um artigo de opinião sobre o porquê um 
jornalista deixou de receber comentários de leitor no seu blog. Há 
também atividades escritas sobre o texto, as quais possibilitam, 
sobretudo, analisar funcionalmente a textualidade, e uma ação mais 
ampla, que traz, de modo tímido, o agenciamento por parte do alu-
no, ou seja, analisar criticamente. Nesta, pede-se: “Considerando o 
que você estudou neste capítulo e o artigo de Leonardo Sakamoto, 
redija três regras que poderiam ser colocadas como alerta na área 
de comentários de um blog” (ORMUNDO; SINISCALCHI, 2018, p. 
217). A criticidade resulta dos processos implícitos para realização 
da atividade, como, por exemplo, a reflexão e/ou discussão acerca 
do que é ética, processo que pode resultar em um designing crítico.
53
MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
Em seguida, na seção “Transformando o comentário de leitor 
em pedido público de desculpas”, solicita-se a elaboração de uma 
carta com base na Leitura 2, compreendemos que o processo de 
conhecimento envolvido neste processo seja de analisar criativa-
mente, pois, para a produção do gênero “carta”, será necessária a 
transferência de conhecimentos. Desse modo, o desafio é o teor 
desta carta direcionada à comunidade, nos moldes de uma carta 
aberta. Coloca-se em xeque alicerces construídos no capítulo, para 
a articulação dos argumentos em defesa da opinião. Assim, criativa-
mente, os alunos devem tomar algo de seu contexto familiar e fazer 
com que funcione em outro lugar (KALANTIZIS; COPE, PINHEIRO, 
2020). Este lugar pode não ser físico, como neste caso, mas semiótico 
(KRISTEVA, 1978; SANTAELLA, 2019). Em razão dessa transferência 
de conhecimentos, podemos considerar uma transformação dos 
sentidos, um (re)designing, que não está relacionado ao gênero 
“comentário de leitor”, mas à defesa de opinião. 
Novamente, volta-se a uma seção de construção de sentidos, 
de designing, neste caso, a partir do movimento de conceituar por 
nomeação. Na seção “Mais da língua”, apresenta-se um contexto 
prévio para trabalhar questões de decodificação e elementos da 
morfossintaxe (frase, oração e período), como podemos observar 
a seguir:
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MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
Figura 7 – Conceituar por nomeação: morfossintaxe
Fonte: Ormundo e Siniscalchi (2018, p. 219).
A contextualização construída no início não se mantém, logo 
a seguir é apresentado um outro gênero, tirinha, com atividades 
de decodificação como pretexto para trabalhar questões grama-
ticais, como em: “Em qual dos quadrinhos a fala não apresenta 
55
MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
verbo?” (ORMUNDO; SINISCALCHI, 2018, p. 217). Isso se sucede 
nas próximas 10 (dez) páginas com outros gêneros discursivos: 
tirinha, reportagem, fábula e anúncio publicitário, estendendo-se 
ao tópico “Isso eu já vi”, o qual toma como objeto de conhecimento 
o trabalho com acentuação, por meio de um anúncio sobre o Dia 
Mundial da Água, sem conexão com o projeto do capítulo, no que 
concerne ao item trabalhado, podemos citar a seguinte solicitação: 
“explique as regras que justificam os acentos gráficos de água e 
potável” (ORMUNDO; SINISCALCHI, 2018, p. 217), a qual envolve 
conceitualizar com teoria.
Neste movimento, chegamos à última seção, “Entre saberes”, 
que envolve a gravação de um podcast simulando um debate, no 
qual os alunos devem se revezar para mostrar as vantagens do livro 
impresso e do livro digital. Essa temática já tinha sido brevemente 
abordada na seção “Se eu quiser saber mais”, por meio de um co-
mentário de leitor, e nas Leituras 1 e 2, a partir de questões, tais 
como: “Em sua opinião, qual é a vantagem de poder fazer comentá-
rios on-line” (ORMUNDO; SINISCALCHI, 2018, p. 210). A temática 
também é expandida na seção por meio de uma reportagem de 
divulgação científica, todavia, para encaminhar a produção, falta 
um contexto de recepção para os podcasts, que motive os alunos a 
produzi-los de forma significativa. Tal falta de contextualização é 
perceptível no comando/enunciado da atividade, como podemos 
observar na Figura 8:
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MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
Figura 8 – Aplicar criativamente: produção de podcast 
 
Fonte: Ormundo e Siniscalchi (2018, p. 219).
Observamos que há parâmetros de condições de produção, 
como, por exemplo, quem serão os interlocutores, “você e seu cole-
ga” (ORMUNDO;SINISCALCHI, 2018, p. 233), e também elementos 
da construção composicional, “iniciem o podcast cumprimentando 
o leitor e informando o tema” (ORMUNDO; SINISCALCHI, 2018, 
p. 233). Além disso, diferente de outros momentos de produção, o 
aluno, neste, parece ter mais autonomia para explorar tecnologias 
e recursos digitais “vocês podem utilizar um smartphone ou outros 
recursos disponíveis na escola” (ORMUNDO; SINISCALCHI, 2018, 
p. 233) e também maior envolvimento com as modalidades de sig-
nificação, que não se restringem à escrita. Utilizando-se, assim, 
da oralidade e dos significados sonoros, como podemos observar 
em: “Para tornar o podcast mais interessante, vocês podem incluir 
efeitos sonoros, trechos de músicas, trechos de fala de personagens 
bem conhecidos etc.” (ORMUNDO; SINISCALCHI, 2018, p. 233).
Essa prática de produção envolve um aplicar criativamente, 
como se pode notar pelo grau de agenciamento por parte dos 
alunos para construírem o podcast, além de uma transformação 
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MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
criativa, (re)designing, materializada na transferência dos co-
nhecimentos da modalidade escrita para oral, o que certamente 
envolverá certas reconfigurações, uma vez que os modos são in-
comensuráveis. Como já apontamos, não há menção à expansão 
para a vida pública, favorecendo que essa criatividade ocorra em 
outro contexto. 
Por fim, no Manual do Professor, é disponibilizada uma pro-
posta de produção extra, neste caso, com base em um artigo de 
opinião, a produção não prevê o comentário de leitor, mas uma 
roda de conversa (comentários orais) em relação ao artigo. Tal pro-
posição, designing, a nosso ver, pode ser interpretada como aplicar 
adequadamente, uma vez que os alunos já produziram comentários 
e analisaram argumentos em defesa da opinião. 
Em suma, em relação aos processos de conhecimento, verifi-
camos uma incidência grande de analisar funcionalmente, no pro-
cesso de designing, o qual pode estar relacionada a uma pedagogia 
funcional voltada a práticas de leitura e escrita, a qual fornece 
“[...] subsídios aos alunos para que descubram como os textos são 
organizados no sentido de alcançar diferentes propósitos e para 
aprender como usar esses textos em contextos da vida real a fim 
de lidar com significados socialmente poderosos” (KALANTIZIS; 
COPE, PINHEIRO, 2020, p. 121).
Considerações finais
Nosso objetivo com este trabalho foi investigar quais processos 
de conhecimentos, pedagogias e design estão articulados a um capí-
tulo de livro didático aprovado pelo PNLD, parece substancialmente 
pouco analisar um capítulo, todavia as coleções tendem a seguir 
estruturas pré-estabelecidas de seções, subseções, boxes, diferindo 
em gênero e temática, como mostra Alves (2022). Isso demonstra a 
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MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
necessidade de trabalhos mais robustos e ao mesmo tempo evidencia 
a recorrência da abordagem funcional. 
Constatamos que a problemática neste material analisado não 
se dá pela falta de movimento (variação) nos processos de conheci-
mento, mas pela ausência de um projeto didático mais comprome-
tido com o objeto do capítulo, ou seja, com o que se tem a ensinar 
e a aprender sobre o gênero “Comentário de Leitor” e, portanto, 
sobre as demandas da esfera jornalística-midiática em torno desse 
gênero. Uma das possibilidades seria uma análise ampla acerca dos 
campos de atuação (BARBOSA; ROJO, 2019) da BNCC (BRASIL, 2018) 
e das demandas sociais quanto aos possíveis objetos de ensino e 
contextos escolares de utilização do material. 
Assim, entendemos que uma das possibilidades seria abrir para 
ações mais situadas e críticas, e não apenas que visassem contemplar 
uma lista de habilidades e/ou conhecimentos a serem ensinados. 
Tal demanda é contemplada parcialmente pela proposta de protó-
tipos de ensino (cf. ROJO, 2013, 2017a, 2017b), uma arquitetônica 
parcialmente vazada e dialógica que sustenta uma proposta didática 
com abertura para “[...] possíveis alterações por parte do docente, 
de forma a adequá-lo a suas turmas, seus objetivos didáticos, sua 
cultura” (ROJO, 2017b, p. 214).
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MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
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ANEXO 1 – Ilustração 
Fonte: Khalid (2015). 
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PRÁTICAS DE LETRAMENTOS EM DEEP FAKE E 
SHALLOW FAKE: CONTRIBUIÇÕES PARA O ENSINO 
DE LÍNGUA MATERNA
Diego Satyro
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Gabriela Martins Mafra
Universidade Estadual de Campinas
Introdução
Em tom ensaístico, este artigo discute uma questão conceitual 
e epistemológica: as diferenças entre prática(s) de letramento e prá-
ticas de letramentos. Partimos da premissa de que o uso marcado do 
plural confere certas especificidades ao segundo termo, associadas 
diretamente à linguagem da hipermídia e das mídias e redes digitais. 
Em concordância com alguns linguistas aplicados brasileiros, 
como Rojo (2008), Moita Lopes (2012), Monte Mór (2015) e Pinheiro 
(2016, 2021), compreendemos que o conceito de práticas de letra-
mentos é útil a pesquisas interessadas em investigar as práticas 
sociais da cultura digital, evocadas, aliás, pela Base Nacional Co-
mum Curricular (BRASIL, 2018). Esse conceito é especialmente útil, 
defendemos, para se compreender o fenômeno da pós-verdade, o 
qual implica a prevalência das crenças e das ideologias em relação 
à veracidade dos fatos, o que tem acarretado, recentemente, o forta-
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MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
lecimento de certas bolhas ou nichos de natureza antidemocrática 
(ou favorecedoras desses grupos) nas redes digitais.
Como efeito da pós-verdade, surgem ainda práticas de letra-
mentos na forma de fake news, deep fake e shallow fake. Neste texto, 
aprofundamo-nos nas deep fake e shallow fake, as “irmãs siamesas” 
das infames fake news. Elas são peças em áudio e vídeo que podem 
ser, conforme detalharemos, criadas a partir de mera edição ou de 
técnicas de deep learning, isto é, por meio de Inteligência Artificial 
(IA), capaz de alterar o rosto, a voz e o conteúdo verbal dito por 
alguma pessoa e anteriormente gravada.
Adicionalmente, em conjunção com as fake news, as deep fake 
e as shallow fake fazem parte de um certo tipo de arsenal da propa-
ganda política. Trumpistas e bolsonaristas têm participado dessas 
práticas de letramentos a favor da construção de um regime de 
verdade. Como ilustração desse argumento, apresentamos, ainda, 
uma seção sobre o caso recente de uma shallow fake, divulgada em 
agosto de 2022, sobre uma suposta preferência do povo brasileiro 
pela candidatura de Jair Bolsonaro (Partido Liberal) à Presidência 
da República, no primeiro pleito.
Por fim, indicamos a necessidade do investimento por parte 
das instituições de ensino e dos professores de língua materna na 
construção de unidades curriculares (sequências didáticas, protó-
tipos de aprendizagem, projetos pedagógicos etc.) que levem os es-
tudantes dos anos finais do Ensino Fundamental e do Ensino Médio 
a refletirem criticamente sobre as práticas de letramentos em deep 
fake e shallow fake. Essa reflexão, a nosso ver, precisa superar o foco 
nas habilidades, conforme a BNCC dispõe, bem como nos procedi-
mentos tecnológicos, como a edição de vídeos. É preciso haver um 
olhar sobre as questões éticas, pois são elas que podem motivar o 
enfrentamento da pós-verdade, um vírus contra a democracia e a 
dignidade humana. 
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Prática de letramento e práticas de letramentos: dois con-
ceitos e duas epistemologias
Ao entender que as escolhas nunca são neutras, nem sem 
consequências, objetivamos aqui fazer uma (re)leitura atenta do 
uso dos aportes teórico-práticos prática de letramento e práticas de 
letramentos. Historicamente, o primeiro termo surge da vertente 
sociocultural dos Estudos de Letramento ou New Literacy Studies 
(NLS), a qual teve como base os estudos de antropólogos como Heath 
(1982) e Street (1984, 2003)1.
No Brasil, essa vertente ganhou força, a partir dos anos 1990, 
quando algumas obras passaram a discutir o letramento numa 
perspectiva sociocultural e não psicolinguística ou cognitivista. 
Uma dessas obras é a organizada por Kleiman (1995), Os significa-
dos do letramento, que assim define esse termo-chave: “conjunto 
de práticas sociais que usam a escrita, enquanto sistema simbólico 
e enquanto tecnologia, em contextos específicos, para objetivos 
específicos” (KLEIMAN, 1995, p. 19). 
Letramento, enquanto um conjunto de práticas sociais, impli-
ca um agir contextualizado, vivenciável, que exige interação. Esse 
conceito de prática social ajuda-nos a pensar em nossa organização 
socio-histórica, na qual estamos sempre em um contexto situado, 
em contato com pessoas e objetos. Portanto,
1 No Brasil, a expressão “Estudos de Letramento” é uma opção cunhada sobretudo pelos textos 
da pesquisadora Angela B. Kleiman. Essa tradução é considerada mais adequada ao contexto 
brasileiro do que a expressãoinglesa New Literacy Studies, uma vez que, fora do Brasil, havia 
uma tradição evolucionista a ser rompida. Por isso, no Reino Unido, a necessidade de “‘novos 
estudos’, em contraponto aos antigos estudos sobre literacy, ressignificando essa palavra com 
a finalidade de impactar tanto as abordagens teórico-metodológicas sobre o uso da escrita, 
quanto as políticas de alfabetização” (VIANNA et al., 2016, p. 28-29). 
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MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
[...] a maneira como professores e mediadores intera-
gem com seus alunos já é uma prática social que afeta 
a natureza do letramento e as ideias sobre letramen-
to adotadas pelos participantes, especialmente, os 
novos aprendizes e sua posição nas relações de poder 
(STREET, 2003, p.78)2.
Street (1984, p. 1) emprega a expressão “práticas de letramento” 
como meio de focalizar “práticas sociais e concepções de leitura e 
escrita” (STREET, 1984, p. 1). Ressalta-se que as práticas de leitura e 
escrita envolvem os aspectos orais, haja vista os fenômenos como a 
prosódia, os gestos, a entonação e o movimento dos olhos (STREET, 
[1994] 2007). 
Nesse sentido, haveria uma correspondência entre práticas 
sociais, que desenvolvem atividades de leitura e escrita, e práti-
cas de letramento (cf. BAYNHAM; PRINSLOO, 2009; ZANOTTO; 
SUGAYAMA, 2016). Em conjunção com a prática de letramento, o 
antropólogo e linguista inglês propõe outra categoria de análise: o 
evento de letramento. 
Para o autor:
[...] ‘eventos de letramento’ é um conceito útil [...] porque 
permite que os pesquisadores e também os profissionais 
se concentrem em uma situação particular em que as 
coisas estão acontecendo e você pode vê-las acontecen-
do. Este é o evento clássico de letramento em que somos 
capazes de observar um evento que envolve leitura e/ou 
escrita e começamos a traçar suas características: aqui, 
podemos observar um tipo de evento, um evento de 
letramento acadêmico e, ali, outro, que é bem diferente, 
2 Texto original: “The ways in which teachers or facilitators and their students interact is al-
ready a social practice that affects the nature of the literacy being learned and the ideas about 
literacy held by the participants, especially the new learners and their position in relations of 
power”. Esta e outras traduções são de nossa autoria.
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como verificar horários e pegar o ônibus, folhear uma 
revista, sentar na barbearia, ler sinais quando negocia-
mos o caminho (STREET, 2000, p. 21)3.
 
Sendo assim, o evento de letramento busca descrever uma 
situação de interação mediada pelo texto escrito, enquanto as prá-
ticas de letramento buscam estabelecer as relações desses eventos 
com algo mais amplo, numa “dimensão cultural e social” (MARI-
NHO, 2010, p. 78). A seguir, apresentamos uma figura que ilustra a 
inter-relação entre práticas e eventos de letramento.
Figura 1 – Imbricamento entre práticas e eventos de letramento
Fonte: Elaborado por Mafra, nov. 2022
3 Texto original: “Literacy events’ is a helpful concept, I think, because it enables researchers, 
and also practitioners, to focus on a particular situation where things are happening and you 
can see them happening. This is the classic literacy event in which we are able to observe an 
event that involves reading and/or writing and begin to draw out its characteristics: here, we 
might observe one kind of event, an academic literacy event, and there, another, which is quite 
different, such as checking timetables and catching the bus, browsing through a magazine, 
sitting in the barber’s shop, reading signs when negotiating the road”.
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A Figura 1 ilustra como as práticas de letramento orbitam os e 
dão sustentação aos eventos de letramento. Nessa lógica, os eventos 
estão alicerçados pelas práticas, formadas por identidades, cren-
ças, valores, atitudes, construções sociais, discursos, entre outros 
elementos socioculturais (cf. STREET, 2012; VIANNA et al., 2016).
O conceito de práticas de letramento refere-se a aspectos que 
nos permitem perceber rotinas em eventos de letramento e situá-los 
em conjuntos, de forma a conferir-lhes um padrão. Essa padroni-
zação carrega significados socioculturais para os participantes ou 
agentes de letramento (STREET, [2007] 2010). No entanto, por mais 
que haja padrões nas práticas de letramento, não existem configura-
ções universais do letramento, pois cada cultura, cada grupo social 
produz suas próprias manifestações de linguagem. Desta forma, em 
cada cultura, os eventos e as práticas de letramento são diferentes.
Em diálogo com essas definições, Barton, Hamilton e Ivanic 
(2000) evidenciam que
[...] em muitos eventos de letramento há uma mistura 
de linguagem escrita e falada. Muitos estudos das 
práticas de letramento têm como ponto de partida o 
letramento impresso e os textos escritos, mas é claro 
que, nos eventos de letramento, as pessoas usam a 
linguagem escrita de maneira integrada, como parte 
de um conjunto de sistemas semióticos; esses sistemas 
semióticos incluem sistemas matemáticos, notação 
musical, mapas e outras imagens não baseadas em 
texto (BARTON; HAMILTON; IVANIC, 2000, p. 9)4.
4 Texto original: “In many literacy events there is a mixture of written and spoken language. 
Many studies of literacy practices have print literacy and written texts as their starting point 
but it is clear that in literacy events people use written language in an integrated way as part 
of a range of semiotic systems; these semiotic systems include mathematical systems, musical 
notation, maps and other non-text based images”. 
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MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
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Barton, Hamilton e Ivanic (2000) destacam dois pontos im-
portantes em relação aos eventos e às práticas de letramento: o 
primeiro refere-se à hibridização entre linguagem escrita e falada; 
e o segundo, aos sistemas semióticos em conjunção. Com a “mistura 
de linguagem escrita e falada” e a inclusão de outras semioses, na 
perspectiva dos autores do Grupo de Nova Londres, Barton, Hamil-
ton e Ivanic (2000) evocam uma ideia que passou a ser chamada, 
mais tarde, de sinestesia (KALANTZIS; COPE; PINHEIRO, 2020). 
Para esses pesquisadores, a sinestesia corresponde à alternância 
de modos de significar, de maneira agentiva, pelos designers de 
linguagem, numa expansão da noção de multimodalidade, herdada 
pela semiótica social. Quanto aos sistemas semióticos, interessa-
-nos discutir que a escrita é apenas um dos modos de significação 
e o texto escrito, consequentemente, é uma das formas de comuni-
cação (cf. GRUPO DE NOVA LONDRES, 1996; KALANTZIS; COPE; 
PINHEIRO, 2020), que deve configurar uma pedagogia do letramento
Esse foco na multimodalidade, articulada ao multiculturalismo 
ou à diversidade cultural, explica a preferência de Kalantzis, Cope e 
Pinheiro (2020) pelo uso do termo letramentos, no plural, tal como 
discutem Lírio e Azzari (2023). Semelhantemente, em texto anterior, 
Pinheiro (2016, p. 529) emprega o segmento “práticas de letramen-
tos”, o que já indicia uma mudança, a nosso ver, epistemológica. 
Pinheiro (2016) questiona o texto como resultado e intenção das 
práticas de letramentos, por meio do uso dos recursos disponíveis 
e de seu replanejamento e reconstrução (design/redesigned), algo 
ilustrado por Mafra e Barros (2023). Assim, a concepção de texto 
como cristalização das práticas poderia domesticar (ou escolarizar) 
aspectos contingenciais inerentes às próprias práticas. Em outras 
palavras, em termos de letramentos escolares e de pesquisas sobre 
o letramento da escola, a abordagem do texto como um artefato de 
campo, tão afeita à investigação de cunho etnográfico dos pesqui-
sadores ligados ao Novos Estudos do Letramento, parece sacralizar 
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MultiletraMentos eM teoria e prática: desafiospara a escola de hoje
VoluMe 2 
a peça semiótica, colocando em segundo plano os aspectos socio-
culturais. 
A leitura de Pinheiro (2016) também nos despertou o inte-
resse por mapear, nos estudos em Linguística Aplicada de estu-
diosos brasileiros, o uso do segmento práticas de letramentos, para 
compreendê-lo com mais profundidade, partindo de uma hipótese 
interpretativa: em analogia às diferenças entre letramento e letra-
mentos, as práticas de letramentos não dependeriam do uso estrito 
da escrita alfabética. Para esse mapeamento na literatura, citamos 
os trabalhos de Rojo (2008), Moita Lopes (2012), Monte Mór (2015) 
e Pinheiro (2021). 
Rojo (2008, p. 584) usa “práticas de letramentos” para referir-se 
ao processo simultâneo de mudança de ethos e de práticas letradas, 
em decorrência do uso de TDICs (Tecnologias Digitais da Informação 
e da Comunicação). Um exemplo de mudança de ethos, segundo a 
autora, é a diminuição das distâncias espaciais, tanto em termos 
geográficos, como em termos culturais e informacionais, por efeito 
da mídia digital.
Moita Lopes (2012, p. 207), ao discutir os chamados novos le-
tramentos ou letramentos digitais, afirma que nas “[...] práticas de 
letramentos [,] os usuários se envolvem simultaneamente em ações 
discursivas diferentes em tarefas múltiplas, todas elas convergin-
do na tela do computador”. A hipermídia, para o autor, capitaneia 
letramentos, que estão associados, na mesma linha de Rojo (2008), 
a um novo ethos, isto é, a uma nova postura no processo de comu-
nicação pela internet. 
Monte Mór (2015, p. 11) usa “práticas de letramentos” para 
tratar dos letramentos escolares, numa perspectiva interdisciplinar 
que incorpora insumos dos multiletramentos, novos letramentos 
e letramentos críticos. Nesse caso, o foco não incide na mudança 
de ethos apenas, nem nas chamadas epistemologias digitais, mas 
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MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
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na mobilização de várias correntes para se pensar propostas peda-
gógicas que não renunciem o que a autora chama de “habilidade 
crítica” (MONTE MÓR, 2015, p. 11). 
Para Pinheiro (2021, p. 180), o termo “práticas de letramentos” 
está associado às práticas sociais das mídias e redes digitais. O autor 
usa esse segmento para referir-se à circulação viral de mensagens 
por WhatsApp, Facebook e Twitter que estiveram na paisagem semi-
ótica de dois eventos históricos recentes: o protesto de caminho-
neiros brasileiros contra o preço da gasolina e a Primavera Árabe. 
Tal proposição possibilita-nos questionar “que recursos podem 
ser mobilizados nas práticas de letramentos para a construção e 
disseminação de significados” (PINHEIRO, 2021, p. 180). Segundo 
Pinheiro (2021), na tradição dos estudos dos multiletramentos e dos 
novos letramentos, as práticas de letramentos não estão centradas 
nos usos da escrita, porque, considerando a materialidade da hi-
permídia, já se pressupõem a sinestesia e o caráter caleidoscópico 
dos hipertextos (cf. LEVY, 2011). 
Compreendemos que nossa hipótese interpretativa é coerente 
com os projetos de dizer de Rojo (2008), Moita Lopes (2012), Monte 
Mór (2015) e Pinheiro (2016, 2021). Existe, na opção pelo segmento 
práticas de letramentos, outra proposta conceitual: são práticas 
sociais hipermidiáticas. Não se coloca luz, assim, nos usos estritos 
da escrita e da leitura de textos predominantemente alfabéticos, 
mas em peças semióticas de diferentes linguagens. Adicionalmente, 
porque se trata de práticas ancoradas em mídias e redes digitais, não 
existiria, assim, o texto, mas texto, conforme propõe Levy (2011). O 
texto em tela de dispositivos eletrônicos apresenta, muitas vezes, 
uma trajetória discursiva que atravessa contextos, culturas e cenas 
enunciativas, o que o distingue dos textos manuscritos ou impressos, 
oralmente citados, escritos ou lidos em práticas de letramento, na 
linha dos Novos Estudos do Letramento. 
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MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
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Epistemologicamente, o conhecimento produzido pela cate-
goria analítica prática de letramento é dependente da descrição 
do evento de letramento. Parte-se do evento, para se conceituar a 
prática. Esse tipo de conhecimento tem uma ênfase na experiência 
vivida por sujeitos encarnados, situados historicamente de forma 
quase cirúrgica. Por exemplo: em uma sala de aula, de um 2°ano, 
classe média5, do município de Santa Amélia, norte do estado do 
Paraná, localizada no centro, pertencente à rede municipal, deno-
minada de Escola Municipal Prefeito Francisco da Silva Leal - En-
sino Fundamental I, ao mesmo tempo em que são desenvolvidos 
letramentos escolares em eventos que envolvem leitura, escrita, 
oralidade há uma disputa de formação ideológica de influência dos 
saberes locais, mesmo que em interface com os saberes globais, em 
circulação pela internet. 
Já o conhecimento produzido pela categoria analítica práticas 
de letramentos tem uma base menos antropológica e mais semiótica. 
Serve, entendemos, a análises voltadas ao processo de construção 
de significados, tanto na representação, quanto na comunicação 
de enunciados que escapam a uma visão de texto como artefato 
coletável. Parece-nos possível afirmar, ainda, que, no lugar do texto 
da tradição linguística, nessa perspectiva, o hipertexto digital é o 
objeto cotejado pelo pesquisador ou pela pesquisadora. 
Por fim, apresentamos um quadro-síntese com os constructos 
teóricos discutidos, os quais vêm contribuindo com os estudos em 
Linguística Aplicada:
 
5 Definições de classes sociais. Disponível em: https://www.infomoney.com.br/minhas-financas/
classes-d-e-e-continuarao-a-ser-mais-da-metade-da-populacao-ate-2024-projeta-consultoria/. 
Acesso em 30 jan. 2022. 
https://www.infomoney.com.br/minhas-financas/classes-d-e-e-continuarao-a-ser-mais-da-metade-da-populacao-ate-2024-projeta-consultoria/
https://www.infomoney.com.br/minhas-financas/classes-d-e-e-continuarao-a-ser-mais-da-metade-da-populacao-ate-2024-projeta-consultoria/
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Quadro 1 - Prática de letramento e práticas de letramentos
Prática de letramento
Ferramenta teórica que investiga, fundamen-
talmente, os eventos de letramento e as con-
cepções de uso da leitura/escrita em contextos 
específicos. Normalmente, a conceptualização 
da prática de letramento parte de um trabalho 
descritivo oneroso, em que os atores, o modo 
verbal, os gêneros e a cena enunciativa são bas-
tante específicos. 
Práticas de letramentos
Ferramenta teórica que investiga, fundamental-
mente, os recursos mobilizados na construção 
de significados, considerando redes textuais (e 
não somente um texto ou um enunciado), em 
uma perspectiva integradora de signos, modos, 
mídias e discursos. 
Fonte: Elaborado por Satyro, nov. 2022.
Contemporaneamente, frente a fenômenos da pós-verdade, 
como fake news, deep fake e shallow fake, propomos o uso do conceito 
e da categoria analítica práticas de letramentos para pesquisas em 
Linguística Aplicada interessadas em aspectos semióticos, discur-
sivos e educacionais. Usamos o termo práticas, aliás, como uma 
recusa por outros termos e conceitos densamente investigados por 
estudiosos da linguagem, como texto e gênero. Nosso posicionamen-
to é em favor de uma perspectiva menos voltada para o exame de 
uma peça semiótica, e mais direcionada aos usos sociais de peças 
semióticas em mídias e redes digitais. 
Neste texto, privilegiamos a discussão sobre deep fake e shallow 
fake, práticas de letramentos aparentadas com as fake news, que já 
têm servido a projetos de ameaça à democracia. Como se trata de 
um problema ético, que exige formação crítica e cidadã, abordamos 
tais práticas como possíveis objetos de ensino nas aulas de língua 
materna. Para sustentar essa defesa, prosseguimos com alguns 
esclarecimentos sobre a natureza das deep fake e das shallow fake. 
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MultiletraMentos eM teoria e prática: desafiospara a escola de hoje
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Deep fake, shallow fake e pós-verdade
A criação de imagens bi e tridimensionais por meio de Inte-
ligência Artificial (IA) tem resultado em algumas externalidades 
positivas na cultura. Dois exemplos recentes são o projeto em 
andamento de recriação da voz do ator estadunidense James Earl 
Jones, nascido em 1931, dublador do sinistro vilão Darth Vader, na 
franquia Star Wars, e a recriação de voz para a narração em voice-
-over6 de outro artista estadunidense, o pintor, fotógrafo e cineasta 
Andy Warhol (1928-1987). Vejamos alguns detalhamentos dessas 
criações sintéticas. 
O primeiro caso, segundo notícia do portal Splash (2022), parece 
mirar na garantia de uma marca registrada da franquia, ao considerar 
seu projeto de expansão transmídia e a idade do ator e dublador, 
hoje, com 91 anos. O segundo caso, por sua vez, foi mais audacioso: 
o diretor do documentário Diários de Andy Warhol (2022), lançado 
pela plataforma de streaming Netflix, quis conferir personalidade 
aos relatos do próprio artista que, em vida, teria sido gravado em 
áudio uma única vez, durante um período escasso de quatro minu-
tos. O projeto de recriação da voz de Andy Warhol foi aprovado pela 
instituição que leva seu nome, mas não deixou de causar polêmica, 
conforme relatou o cineasta Andrew Rossi à reportagem do portal 
Wire (2022). Afinal, a técnica de IA utilizada é a mesma por trás das 
quase sempre nocivas deep fake. 
O problema ético em torno das deep fake reside em sua mate-
rialidade nas redes sociais digitais, em conjunção com as fake news. 
É por essa razão que Santaella (2021) se refere a essas peças semi-
óticas como irmãs siamesas. Elas parecem funcionar num mesmo 
ecossistema midiático que atende a uma agenda sobretudo política, 
na era da pós-verdade. O termo pós-verdade, por sua vez, refere-se 
6 A narração voice-over é um recurso do design audiovisual, usado como uma espécie de camada 
extra, em áudio, àquilo que se mostra, em vídeo, para o espectador. 
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MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
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a uma sobreposição das crenças e das ideologias em detrimento de 
acontecimentos auditáveis, como devem ser os fatos jornalísticos 
e científicos (cf. LEMOS, 2021; SANTAELLA, 2021). 
Assim, as deep fake são desenvolvimentos de IA que funcionam 
como “[...] uma extensão, em peças de áudio e vídeo, das fake news, 
estas quase sempre verbais” (SANTAELLA, 2021, p. 17). Enquanto 
as semioses parecem diferenciar as fake news das deep fake, as di-
ferenças entre deep fake e shallow fake são mais sutis. Em primeiro 
lugar, a reflexão teórica parece concentrar-se nas deep fake, legando 
às shallow fake um espaço de teorização periférica. Em segundo 
lugar, as shallow fake são justamente mais superficiais, ou rasas, 
como sugere o adjetivo em língua inglesa, porque não dependem 
necessariamente de desenvolvimentos de IA tão refinados. Peças de 
shallow fake podem ser criadas, por exemplo, por meio de progra-
mas de edição de vídeo e manipulação de imagem e áudio, a partir 
de um banco de dados, sem a necessária criação de conteúdo novo 
em imagens tridimensionais. Adiante, analisaremos um exemplar 
desse tipo.
Segundo Sam Gregory, programador da Witness, uma organiza-
ção focada em direitos humanos, em entrevista para o MIT Technolo-
gy Review (JOHNSON, 2019), as shallow fake podem funcionar como 
um vídeo renomeado e reenviado para uma rede social, alterando o 
contexto original do ocorrido, para cumprir com algum propósito 
político perverso, como sugerir que determinado protesto esteja 
ocorrendo em algum lugar do mundo, no instante da postagem, 
quando ele já ocorreu, em outra parte do planeta. As shallow fake 
são, nas palavras do próprio Sam Gregory, “[...] dezenas de milhares 
de vídeos que circulam com intenção maliciosa em todo o mundo 
agora” (JOHNSON, 2019). Certamente, a exigência de certa expertise 
exigida pelas deep fake para a manipulação de vídeos e áudios torna 
a circulação das shallow fake mais frequente e não menos perniciosa. 
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MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
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Outrossim, as deep fake e as shallow fake são, para Maher (2022), 
estudioso da Comunicação e do Audiovisual, um sintoma de uma era 
pós-fatos, em que a cidadania é constantemente ameaçada e toda 
verdade é relativizada. Um exemplo desse ataque à cidadania e aos 
direitos humanos é o caso da jornalista indiana Rana Ayyuab (2018)7. 
Diante dessas questões de ordem tecnológica, ética e social, 
ainda nos parece preciso refletir sobre outros dois elementos das deep 
fake e shallow fake, em conjunção com as fake news e a pós-verdade: 
a questão semiótica e a discursiva. Para Santaella e Nӧth (1998), 
estudiosos da semiótica da imagem, existe uma espécie de natureza 
documental em gêneros pictoriais relacionados à linguagem fotográ-
fica. Eis o motivo porque um “[...] jornal diário que publica uma foto 
em sua seção de notícias assevera a realidade da cena em questão” 
(SANTAELLA; NӦTH, 1998, p. 207). Imagens podem causar um efeito 
de verdade que, muitas vezes, é reforçado quando há a ancoragem de 
texto verbal escrito ou falado, como ocorre na maior parte da comu-
nicação multimídia e hipermídia. Esse efeito é ainda exponenciado 
quando se trata não mais da linguagem estática, como a da fotografia, 
mas da linguagem do vídeo, que dá forma e conteúdo às deep fake (e, 
acrescentamos, às shallow fake), conforme Santaella (2021) atesta:
Enquanto os signos fotográficos, por serem estáticos, já 
demonstram o hiato espaço-temporal entre o registro 
e a realidade que flui e se transforma para além desse 
registro, no caso dos vídeos, cria-se, a par do indu-
bitável do que os olhos veem, o pacto narrativo que 
impede a suspensão da crença (SANTAELLA, 2021, 
p. 24, grifos nossos).
7 Até 2018, Ayyuab dedicava-se a expor a blindagem político-partidária de abusadores de mu-
lheres em seu país. Os ataques cibernéticos não eram novidade para ela, a situação de Ayyuab 
escalou para o adoecimento físico e mental, quando, em um café, em Nova Delhi, recebeu de 
um amigo, por WhatsApp, um vídeo em que ela apareceria supostamente num ato sexual O 
vídeo em questão mostrava uma mulher mais jovem, profissional da indústria pornográfica, 
com o rosto alterado por algum programa de deep learning.
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MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
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Os estudos de Santaella e Nӧth (1998) e de Santaella (2021) 
parecem indicar que a suspensão da dúvida é um problema de ordem 
semiótica. Enquanto os enunciados ostensivamente verbais são mais 
suscetíveis a questionamentos, as imagens diminuem o nível de 
suspeita e, em termos comparativos, os vídeos são mais poderosos 
para cumprir esse fim. Ainda no campo dos estudos sobre a inter-
face entre linguagem e comunicação, residem os jogos de verdade 
que são instaurados em qualquer discurso, independentemente da 
semiose escolhida. Investigam esses jogos e regimes alguns analistas 
de discurso, como Sargentini e Carvalho (2021).
Fundamentados na análise de discurso foucaultiana, Sargen-
tini e Carvalho (2021) compreendem que a verdade é fruto de um 
desejo de verdade. Mais do que um fato auditável (cf. LEMOS, 2021), 
a verdade seria, nessa chave discursiva, uma construção que atende 
a um regime de verdade instaurado por quadros políticos, sociais e 
culturais. Ela serve a um conjunto de crenças e ideologias, e cumpre 
o papel de manter, no topo das estruturas sociais, determinados ato-
res. Nas palavras desses analistas, “[...] admitir que a verdade venha 
se estabelecer por uma vontade de verdade é recusar a existência de 
uma relação binária que opõe verdadeiro ao falso” (SARGENTINI; 
CARVALHO, 2021, p. 75). 
Embora Sargentini e Carvalho (2021) analisem fake news trum-
pistas e bolsonaristas, estendemos sua teorização, por analogia, aos 
jogos de verdade estabelecidos por deep fake e shallow fake. Essas 
práticas sociais criam discursos verdadeirospara os sujeitos que 
se restringem em bolhas ou nichos nas redes digitais e, como tais, 
podem minar as instituições democráticas, os direitos humanos e 
a dignidade humana. 
De acordo com Santaella (2021), algumas formas de mitigar 
os nocivos efeitos de verdade das deep fake e shallow fake são 
ações jurídicas, que operem no nível da circulação de informações 
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MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
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com contextos fabricados ou alterados nas redes sociais, e ações 
educacionais. Estas são, aliás, discutidas de forma um pouco mais 
pormenorizada, na próxima seção. 
Deep fake e shallow fake nas aulas de língua materna
A Base Nacional Comum Curricular (BRASIL, 2018) do Ensino 
Fundamental não aborda as deep fake e shallow fake, mas menciona 
suas irmãs siamesas, as fake news, num contexto de pós-verdade. 
Em decorrência dessa similitude, consideramos pertinente discutir 
como se dá essa abordagem, em termos curriculares. Assevera o 
documento oficial em questão:
A viralização de conteúdos/publicações fomenta 
fenômenos como o da pós-verdade, em que as 
opiniões importam mais do que os fatos em si. 
Nesse contexto, torna-se menos importante checar/
verificar se algo aconteceu do que simplesmente 
acreditar que aconteceu (já que isso vai ao encontro 
da própria opinião ou perspectiva) (BRASIL, 2018, p. 
66, grifos nossos).
[Nos anos finais do ensino fundamental] A questão da 
confiabilidade da informação, da proliferação de 
fake news, da manipulação de fatos e opiniões tem 
destaque e muitas das habilidades se relacionam com 
a comparação e análise de notícias em diferentes fontes 
e mídias, com análise de sites e serviços checadores de 
notícias e com o exercício da curadoria, estando pre-
visto o uso de ferramentas digitais de curadoria. Além 
das habilidades de leitura e produção de textos já 
consagradas para o impresso são contempladas 
habilidades para o trato com o hipertexto e tam-
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MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
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bém com ferramentas de edição de textos, áudio 
e vídeo e produções que podem prever postagem de 
novos conteúdos locais que possam ser significativos 
para a escola ou comunidade ou apreciações e réplicas 
a publicações feitas por outros. Trata-se de promover 
uma formação que faça frente a fenômenos como 
o da pós-verdade, o efeito bolha e proliferação de 
discursos de ódio, que possa promover uma sensibi-
lidade para com os fatos que afetam drasticamente a 
vida de pessoas e prever um trato ético com o debate 
de ideias (BRASIL, 2018, p. 134-135, grifos nossos). 
Como podemos observar, a BNCC impulsiona práticas de lin-
guagem, principalmente nos anos finais do Ensino Fundamental, 
problematizadoras das fake news, sem reduzi-las a meras mentiras 
ou erros jornalísticos, já que enquadra essa questão no contexto 
das redes digitais, como campo de circulação das práticas. O docu-
mento não defende uma suposta neutralidade pedagógica, mas é 
explícito em sua tomada ética e advoga por uma pedagogia que se 
oponha aos fenômenos ligados à pós-verdade, como a proliferação 
de discursos de ódio on-line. 
Na esfera política, esse discurso engendrado pela BNCC nos 
parece adequado à formação de crianças e adolescentes críticos e 
potencialmente preparados para argumentar em prol das institui-
ções democráticas. Na esfera pedagógica, contudo, a nosso ver, há 
um problema estrutural, típico da passagem de qualquer referencial 
curricular para a sala de aula: a formação de professores. 
Noções como a de pós-verdade, fake news, deep fake e shallow 
fake são recentes e não surgiram no discurso pedagógico. A tradu-
ção intercultural desses termos para a escola precisa ser objeto de 
reflexão da formação pré-serviço e em serviço. Precisa, ainda, de 
suportes teóricos interdisciplinares, gestados em campos como o 
80
MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
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da Comunicação e o dos Estudos Semióticos. Aliás, a semiótica foi 
incorporada diretamente pelos redatores da versão final da BNCC, 
que deixaram de usar apenas o segmento análise linguística, para 
empregar análise linguística/semiótica. Nesse sentido, para além de 
uma ênfase terminológica, o trato de deep fake e de shallow fake, 
em particular, exige, sem dúvida, alguns aportes da semiótica da 
imagem e do vídeo. 
Entendemos que algumas habilidades fundamentais, como o 
reconhecimento de cortes abruptos em materiais de áudio e/ou vídeo 
manipulados, ou de inadequações resultantes da alteração da ima-
gem física de pessoas filmadas, precisam ser objeto de capacitação 
de professores de Língua Portuguesa, antes de serem traduzidas em 
unidades curriculares (materiais didáticos, sequências didáticas ou 
protótipos de aprendizagem). 
Recentemente, interessados nos fenômenos da pós-verdade e, 
talvez, influenciados pela impulsão conferida pela BNCC, pesqui-
sadores da Linguística Aplicada propuseram experiências didáticas 
com a leitura de fake news, em aulas de Língua Portuguesa. Silva e 
Tinoco (2019) sugerem o uso de projetos de letramento, assim como 
Cruz e Silva (2021) relatam o trabalho em três oficinas simultâneas, 
com estudantes do Ensino Médio, sobre a identificação de fake news. 
Mais uma vez, por analogia temática, tomamos esses casos como 
parâmetro para pensar um trato possível de deep fake e shallow fake, 
no contexto escolar. 
Em síntese, os dois trabalhos citados fazem uma escolha seme-
lhante: explorar com os estudantes alguns modos de ler e identificar 
a veracidade de uma postagem em rede social digital. Subjacente a 
essas propostas, está o plano de formar habilidades leitoras, como 
a checagem de informações - o fact-checking -, a observação de 
erros ortográficos e o uso de linguagem sensacionalista. Em nosso 
entendimento, essas propostas parecem ainda enfocar o texto no 
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interior da prática de letramento, no sentido conferido pela tradição 
dos Novos Estudos do Letramento. Cruz e Silva (2021), por exemplo, 
classificam as fake news como textos e não como práticas sociais. 
Existe, assim, nas duas propostas, a de projeto de letramento e a 
de oficinas de leitura, um olhar para um corpus selecionado pelos 
professores e seu escrutínio em termos de linguagem escrita. 
Uma possibilidade seria enquadrar as deep fake e shallow fake 
como práticas de letramentos - e não textos em si -, propiciando 
outras abordagens pedagógicas. Desse ângulo, não se exclui a peça 
semiótica, mas ela passa a ser situada em transcontextos ou em 
contextos transversais, já que, ao circular em redes digitais, sua 
trajetória na web é quase sempre não detectável. A análise de uma 
postagem em captura de tela é uma forma possível de se analisar 
a peça, mas pode encapsulá-la, à medida que a aproxima forço-
samente de uma noção de objeto estático, quando sua natureza é 
sempre efêmera, dinâmica e viral. Por isso, é preciso, tomando a 
noção de prática de letramentos como categoria analítica, explorar 
sobretudo a situacionalidade, a historicidade, a criticidade e a ética 
(cf. PINHEIRO, 2021), materializadas em linguagem. Esses pontos 
serão objeto de estudo na próxima seção, em que discutimos o caso 
de uma shallow fake brasileira, veiculada nas redes sociais, equivo-
cadamente, como uma deep fake político-partidária.
Uma shallow fake a serviço da reeleição de Jair Bolsonaro
Segundo uma reportagem do portal UOL News (2022), durante 
a campanha que visava a reeleição à Presidência da República do 
candidato Jair Bolsonaro (Partido Liberal), um vídeo circulou nas 
redes digitais, no qual se vê a jornalista Renata Vasconcellos, âncora 
do Jornal Nacional (TV Globo), noticiando o resultado de uma pes-
quisa do IPEC (Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística) 
sobre a intenção de voto dos eleitores brasileiros. A peça semió-
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tica mostrava a liderança do candidato em questão, com 44% dos 
números de intenção de voto, em oposição aos 32% conquistados 
pelo suposto favorito: o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva 
(PT). Contudo, tratava-se de uma notícia falsa, que inundou redes 
como WhatsApp e Twitter, e que passou a ser veiculada como um 
caso de deep fake. 
O trabalho jornalístico do UOL News (2022) contribuiu para 
trazer a público a veracidade dos fatos, ao desmentir o conteúdo 
do vídeo viralizado. Bolsonaristas digitais manipularam o trabalho 
de arte gráfica da TV Globo e trocaram as fotos dos candidatos: em 
agosto de 2022, Luiz Inácio Lula da Silva tinha 44% dos prováveis 
votos, contra 32% do candidato da ultradireita, conforme o IPEC. 
Entretanto, a mesma webreportagem cometeu um erro conceitual: 
considerou o vídeo um exemplar de deep fake, já que, alegou-se, o 
áudio de Renata Vasconcellos havia sido alterado. Como afirma a 
jornalista Amanda Andrade (2022) do Portal Terra, essa peça semi-
ótica é, na verdade, um exemplar de shallow fake, pois o áudio de 
Renata Vasconcellos foi editado e não alterado por IA. 
Retomando o argumento de Sam Gregory (cf. JOHNSON, 2019), 
o fato de esse vídeo ser uma shallow fake não o torna menos per-
nicioso. Comparativamente, essa característica técnica indicia 
que o produtor desse conteúdo apenas não precisou se valer de 
deep learning para arquitetar a peça. O que mais impressiona, em 
nossa compreensão, é a facilidade em se produzir uma shallow fake. 
Conteúdos em vídeo do Jornal Nacional são facilmente localizados 
no YouTube, assim como a oferta de softwares de edição de imagem, 
análogos ao Adobe Photoshop. Em outras palavras, o design de uma 
shallow fake não demanda muitas habilidades técnicas complexas. 
Talvez, alguns adolescentes dos anos finais do Ensino Fundamen-
tal e do Ensino Médio conheçam os procedimentos por trás dessa 
shallow fake e precisem apenas de um celular e conexão à internet. 
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A Figura 2 mostra uma captura de tela da reportagem em ví-
deo do UOL News (2022), em que se vê uma postagem, no Twitter, 
da shallow fake em questão. Essa indexação na rede digital ilustra, 
em certa medida, nosso argumento a favor de uma perspectiva das 
práticas de letramentos, já que não se observa o texto em si - como 
o vídeo de teor bolsonarista - mas hipertextos em conjunção. Adi-
cionalmente, há questões semióticas e discursivas que estão na 
base dos processos de construção sinestésica de significados (cf. 
KALANTZIS; COPE; PINHEIRO, 2020) que podem ser cotejados a 
partir da imagem. 
Figura 2 - Captura de tela do Twitter8
Fonte: UOL News, ago. 2022
Tomando o tuíte como um dos componentes das práticas de 
letramentos em torno dessa shallow fake, percebemos o tom de 
deboche do produtor (ou da produtora) desse conteúdo. Esse tom, 
8 Por questões éticas, omitimos o nome da autora do tuíte.
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aliás, aparece ainda no texto verbal digitado pela usuária do Twitter, 
que recorre à crítica pessoal à jornalista da TV Globo e a emojis de 
‘gargalhada’. No vídeo, há a faixa, nas cores da bandeira do Brasil, 
com o mote forjado por Jair Bolsonaro e por seus apoiadores, ainda 
na época de sua eleição, em 2018: “DEUS, PÁTRIA E FAMÍLIA”. 
Contextualizada a shallow fake, em linhas gerais, procedemos 
com outros pontos de análise propostos por Pinheiro (2021, p. 181), 
ao discutir as novas práticas de letramentos na era da pós-verdade. 
Para esse linguista aplicado, que examina esses fenômenos co-
municacionais, com especial interesse nos letramentos escolares, 
é preciso situar essas práticas letradas mobilizando os seguintes 
critérios: “situacionalidade e historicidade” e “criticidade e ética”.
Historicamente, o governo de Jair Bolsonaro (2018-2022) ope-
rou a máquina de propaganda por meio das redes digitais, divul-
gando ideias ultradireitistas, que, segundo Lynch (2020), cientista 
político, agrupam conservadores religiosos, militares, liberais de 
mercado e liberais da “‘revolução judiciarista’ (os ‘lavajatistas’)” 
(LYNCH, 2020, p. 27). Esses grupos partilham de um mesmo desejo 
de verdade: o antipetismo. Na visão dos bolsonaristas, o Partido dos 
Trabalhadores teria arruinado o país com a corrupção e suas pautas 
identitárias. Como o desejo de verdade subjuga os fatos, porque 
resulta de um sentimento de aderência a certo regime de verdade, 
é preciso destruir tudo que remeta às ações dos governos petistas 
anteriores. Saem de cena os discursos do estatismo e do culturalis-
mo; entram os discursos religiosos e neointegracionalistas. 
De um viés crítico e ético, o bolsonarismo instalou uma espécie 
de guerra cultural, “[...] como meio de desmoralizar o prestígio das 
elites políticas e culturais, promovendo a confusão, a dissonância 
cognitiva e a inversão informacional” (LYNCH, 2020, p. 29, grifos 
nossos). A estratégia de inversão, aliás, é exatamente o que se vê na 
shallow fake viralizada em agosto de 2022. Os dados levantados pela 
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pesquisa do IPEC foram simplesmente invertidos, de Luiz Inácio 
Lula da Silva para Jair Bolsonaro. A inversão foi suportada, ainda, 
por um projeto de desmoralização da Rede Globo, que vem sendo 
atacada pelos ultradireitistas, que criaram um dilúvio de hashtags, 
como o segmento #GloboLixo. O ataque, nesse caso, é direcionado 
a alguns veículos de mídia tradicionais que passaram a noticiar os 
escândalos da gestão bolsonarista. Esse ataque vem acoplado a outra 
investida: o bombardeio às instituições democráticas por meio de 
fake news e de suas irmãs siamesas, as deep fake e as shallow fake.
As práticas de letramentos associadas a esses fenômenos da 
pós-verdade precisam encontrar um fórum de discussão nas escolas 
de Ensino Fundamental e Médio. Alicerçados pela BNCC, defende-
mos a criação de unidades curriculares que não apenas ensinem 
os adolescentes a identificarem uma deep/shallow fake, mas que os 
levem a refletir criticamente sobre a ética na vida on-line e off-line. 
Um exemplo disso é o tuíte que analisamos acima. Seria prudente, 
considerando os critérios propostos por Pinheiro (2021), discutir 
com os estudantes os efeitos nocivos de um retuíte daquela mesma 
postagem. Ou seja: é necessário debater o problema da circulação 
em massa de mentiras por meio das mídias e redes digitais. Para 
além do enfrentamento do status quo, cabe a conscientização do 
problema contemporâneo de uma crise de atitude crítica em direção 
ao cuidado de si, de fundo ética.
Nesses tempos em que as subjetividades são produ-
zidas em massa, em que o sujeito reflexivo é tão raro 
que se sente inadequado, ainda é possível falar em 
ética? Que ética é ainda possível, ou seja, que reflexão 
sobre os hábitos, os atos, os gestos podem nos ajudar a 
viver melhor? Podemos recuperar o sentido da ciência 
da ética para além das grandes teorias e chegar a uma 
prática útil desse saber, no sentido de um saber prático, 
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que nos ajuda a agir melhor em nossas vidas e construir 
uma sociedade melhor?” (TIBURI, 2019, p.103).
Entendemos que o enfrentamento tanto à produção quanto à 
reprodução de pós-verdade exige saberes didáticos ligados a práticas 
de compartilhamento de ideias, a rodas de conversa, a discussões 
sobre as identidades que são performadas nas redes sociais, aos 
impactos cotidianos da circulação de notícias, fake news, deep fake 
e shallow fake pelas plataformas midiáticas. 
Considerações finais
Prática de letramento e práticas de letramentos são conceitos 
e categorias análogas, mas não idênticas. Sem dúvida, o segundo 
conceito deriva do primeiro, mas eles se diferenciam, à medida que 
os sistemas semióticos se expandem de um foco na escrita para uma 
visão maismultimodal e sinestésica. Essa derivação conceitual e 
metodológica vem impregnada de uma mudança epistemológica. 
De um ângulo conceitual, as práticas de letramentos estão 
diretamente associadas à hipermídia e à produção/compreensão/
circulação de peças semióticas em mídias e redes digitais; de um 
ângulo analítico, essa categoria serve a estudos voltados à cons-
trução de significados em hipertextos, cujos contextos mudam 
exponencialmente, de uma tela a outra, de uma plataforma a outra, 
de um usuário a outro. 
Além disso, a prática de letramento, pensada na tradição 
dos Novos Estudos do Letramento, facilita a construção de um 
conhecimento mais direcionado a experiências localmente vivi-
das, enquanto as práticas de letramentos, teorizadas a partir dos 
multiletramentos e dos novos letramentos, levam à elaboração de 
um conhecimento ostensivamente semiótico e gestado na cultura 
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digital. Logo, não são termos excludentes, mas alternativos, que 
podem ser operados de acordo com a intenção do pesquisador. 
Feito esse contraste terminológico, parece-nos adequado 
empregar o conceito de práticas de letramentos para interpretar o 
fenômeno da pós-verdade. No bojo desse fenômeno, práticas como 
as deep fake e shallow fake podem ser consideradas, materializadas 
em peças em áudio e/ou vídeo que propagam conteúdos falaciosos 
em redes digitais. Essas práticas de letramentos precisam ser de co-
nhecimento público para promover a conscientização, em relação ao 
combate à pós-verdade, que corrói a democracia e suas instituições, 
e a ação didática por parte das instituições escolares.
Adicionalmente, tais práticas funcionam ainda como disposi-
tivos de humilhação e desmoralização de algumas pessoas, como 
ilustramos com o caso da jornalista Rana Ayyuab (2018). Tais ata-
ques provam que não é possível, nem desejável, separar a discussão 
técnica e política dos problemas éticos colocados por essas práticas. 
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MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
PODCAST EM SALA DE AULA: 
É POSSÍVEL PENSAR EM PRÁTICAS 
TRANSFORMADORAS?
Izabella Baptista Paladine
Universidade Estadual de Campinas
Robson Rodrigues Navas
Universidade Estadual de Campinas
Introdução
Em consonância com a Base Nacional Comum Curricular de 
Língua Portuguesa (BRASIL, 2018), os livros didáticos têm apresen-
tado novas propostas de produção de diferentes gêneros discursivos 
para a sala de aula, como os podcasts. Embora essas orientações se-
jam inovadoras e acompanhem as mudanças recentes na sociedade, 
em especial no que tange às novas linguagens e ao desenvolvimento 
das tecnologias da informação e da comunicação, colocam uma série 
de desafios aos professores, como a falta de informação sobre o gê-
nero, a dificuldade em utilizar-se dos recursos digitais na produção 
do podcast, a possível falta de categorias analíticas para estudo de 
significados multimodais, entre outras questões.
Nesse sentido, é preciso ainda estar atento para que práticas 
tradicionais e conteudistas- grafocêntricas, que consideram a língua 
um sistema único e homogêneo e que colocam o aluno como sujeito 
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MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
passivo no processo de ensino-aprendizagem -, típicas do ensino de 
línguas, não sejam reproduzidas em novas roupagens. Afinal, acredi-
tamos que o objetivo da incorporação dessas novas tecnologias deve 
estar alinhado à compreensão da reflexão sobre seu funcionamento, 
bem como a maneiras de contribuir para que os alunos se tornem 
autores de seus textos, integrando seus conhecimentos prévios e 
também participando de práticas que atuem criativamente e de 
maneira transformadora em seus contextos. 
Há de se considerar ainda os motivos da escolha do podcast 
para as análises seguintes: pensamos que esses textos multimodais 
abrangem habilidades importantes a serem desenvolvidas em sala 
de aula. Por meio de estudos e produções desse gênero, é possível 
que os estudantes participem do processo de aprendizagem ati-
vamente, emitindo opiniões sobre determinados assuntos, além 
de possibilitar o exercício de adequação do uso da língua(gem) de 
acordo com as situações comunicativas. Ainda mais, esse trabalho 
permite que possamos explorar textos que circulam a sociedade e 
o entorno da realidade dos alunos, além de proporcionar, como já 
dito, a inclusão das novas tecnologias nas salas de aula, sem precisar 
de grandes e caros recursos.
Assim, fizemos uma breve revisão bibliográfica sobre o uso do 
podcast dentro da sala de aula de Língua Portuguesa, destacando as 
potencialidades e os desafios da inclusão dessa ferramenta. Busca-
mos associar essa revisão às discussões propostas pela Pedagogia 
dos Multiletramentos (GNL, [1996] 2021), refletindo sobre como 
o podcast pode ser utilizado para reforçar o ensino das múltiplas 
linguagens e culturas. 
Em seguida, descrevemos e analisamos uma sequência didática 
relacionada à produção de um podcast presente num material de 
Língua Portuguesa, mais especificamente, o denominado “Som e 
letra”, disponibilizado para alunos do sexto ano do Ensino Funda-
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MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
mental, em estabelecimentos particulares de ensino que adotam 
o material analisado. A partir dessa análise, pretende-se elencar 
maneiras de trabalhar o podcast como proposta de produção em sala 
de aula, reforçando suas características e como pode estar alinhado 
à Pedagogia dos Multiletramentos. Buscamos, assim, refletir sobre 
as possibilidades de uso do podcast para o ensino de línguas, a título 
de ilustração de como esse gênero pode ser adaptado aos diferentes 
contextos escolares. 
Podcast e multiletramentos
O podcast é definido tecnicamente como um arquivo de áudio 
disponibilizado na internet, que pode ser acessado pelos ouvintes 
sob demanda, ou seja, quando e onde quiserem. Este arquivo pode 
conter músicas ou, como mais recentemente tem ocorrido, disponi-
bilizar programas sobre tópicos diversos, como cultura pop e notí-
cias. O podcast surgiu como tecnologia em 2004 e esteve associado 
ao formato RSS, um recurso que permite o acesso a uma lista de 
endereços de arquivos na internet, evitando, assim, a necessidade 
de transmissão de dados e arquivos que tornavam a conexão lenta 
e ocupavam mais espaço do servidor (FOSCHINI; TADDEI, 2018).
Atualmente, os podcasts são encontrados e distribuídos de 
formas variadas, e estão presentes em plataformas e aplicativos de 
streaming. Os episódios são comumente associados aos programas 
de rádio, por utilizarem-se de recursos como música de fundo, 
linguagem sonora, aberturas e vinhetas. Contudo, diferenciam-se 
destes por oferecer aos usuários a liberdade de escolher o conteúdo 
a ser ouvido e o momento mais oportuno para a transmissão. 
Com as mudanças nas leis nacionais em relação aos conteúdos 
a serem ensinados em sala de aula, e a difusão de uma Base Nacio-
nal Comum Curricular no Brasil, novas aprendizagens tornam-se 
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MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
essenciais para atender a educação na sociedade contemporânea, 
conforme apontado pelo New London Group (GNL, [1996] 2021) na 
Pedagogia dos Multiletramentos. A presença das novas tecnologias 
da informação e comunicação em sala de aula alteram também a 
dinâmica das aulas, colocando em foco novos gêneros digitais como 
newsletters, podcasts, etc.
Para exemplificar essa tendência, na BNCC, o podcast aparece 
como parte do ensino de Língua Portuguesa em diversos momentos, 
tanto no Ensino Fundamental quanto no Ensino Médio. Pensando as 
práticas de linguagem contemporâneas, sugere-se que a ferramenta 
possa ser utilizada nos eixos da oralidade, bem como parte da refle-
xão sobre condições de produção dos textos orais, compreensão e 
produção de textos orais, e reconhecimento de recursos linguísticos 
e multissemióticos (BRASIL, 2018). O trabalho com o podcast pode 
ser perpassado também por todos os campos de atuação, conforme 
aponta a tabela abaixo.
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MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
Tabela 1 - Habilidades da BNCC relacionadas ao podcast
Campo de atuação social Habilidade
Todos os campos de atuação social
(EM13LP17) Elaborar roteiros para a produção de 
vídeos variados (vlog, videoclipe, videominuto, 
documentário etc.), apresentações teatrais, narra-
tivas multimídia e transmídia, podcasts, playlists 
comentadas etc., para ampliar as possibilidades 
de produção de sentidos e engajar-se em práticas 
autorais e coletivas. 
Campo das práticas de estudo e 
pesquisa
(EM13LP34) Produzir textos para a divulgação do 
conhecimento e de resultados de levantamentos 
e pesquisas – texto monográfico, ensaio, artigo de 
divulgação científica, verbete de enciclopédia (cola-
borativa ou não), infográfico (estático ou animado), 
relato de experimento, relatório, relatório multimi-
diático de campo, reportagem científica, podcast 
ou vlog científico, apresentações orais, seminários, 
comunicações em mesas redondas, mapas dinâmi-
cos etc. –, considerando o contexto de produção e 
utilizando os conhecimentos sobre os gêneros de 
divulgação científica, de forma a engajar-se em pro-
cessos significativos de socialização e divulgação do 
conhecimento.
Campo jornalístico midiático
(EM13LP45) Analisar, discutir, produzir e socializar, 
tendo em vista temas e acontecimentos de interesse 
local ou global, notícias, fotos denúncias, fotorrepor-
tagens, reportagens multimidiáticas, documentários, 
infográficos, podcasts noticiosos, artigos de opinião, 
críticas da mídia, vlogs de opinião, textos de apresen-
tação e apreciação de produções culturais (resenhas, 
ensaios etc.) e outros gêneros próprios das formas de 
expressão das culturas juvenis (vlogs e podcasts cul-
turais, gameplay etc.), em várias mídias, vivenciando 
de forma significativa o papel de repórter, analista, 
crítico, editorialista ou articulista, leitor, vlogueiro e 
booktuber, entre outros.
Campo artístico literário
(EM13LP53) Produzir apresentações e comentários 
apreciativos e críticos sobre livros, filmes, discos, 
canções, espetáculos de teatro e dança, exposições 
etc. (resenhas, vlogs e podcasts literários e artísticos, 
playlists comentadas, fanzines, e-zines etc.).
Fonte: Elaboração própria a partir de Brasil (2018).
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MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
Neste contexto, a Pedagogia dos Multiletramentos, embasa-
mento teórico principal que subsidia as análises e reflexões deste 
capítulo, torna-se fundamental para a discussão sobre o ensino 
de línguas quando consideramos as transformações advindas da 
ascensão e do desenvolvimento da internet, que propiciaram novas 
formas de comunicação. Novas práticas sociais de leitura e escrita 
surgiram (cf. Satyro e Mafra, nesta obra), ressaltando que um único 
letramento não poderia ser capaz de abranger tantos textos, dis-
cursos e gêneros multissemióticos que circulamdiariamente pela 
sociedade. 
Conforme já apontado no capítulo 1, o impacto crescente das 
tecnologias da informação e da comunicação nas sociedades evi-
dencia que o papel preponderante da escrita e das práticas grafo-
cêntricas deve ser questionado, dando espaço a outras maneiras de 
construir significados, inclusive em sala de aula. A linguagem escrita 
não é mais suficiente para explicar e compreender os fenômenos 
sociais e gêneros multimodais compostos de áudios, imagens e ges-
tos, pois os sons também constroem sentidos e, por isso, precisam 
ser também considerados, no âmbito dos objetos de ensino, para a 
formação de cidadãos letrados que participam ativamente da socie-
dade. Deste modo, os meios tecnológicos, por onde muitos desses 
textos circulam e ganham interlocutores, devem estar presentes nas 
salas de aula: não apenas por facilitar muitos trabalhos pedagógi-
cos, mas também para atender a demanda das novas maneiras de 
pensar e agir que essas ferramentas oportunizam, em um novo ethos 
constituído dessas novas mídias e tecnologias (CARDOSO, 2021). 
Os autores do Manifesto da Pedagogia dos Multiletramentos 
consideram a importância das múltiplas linguagens na construção 
de sentidos - visual, linguística, sonora, gestual, espacial -, uma vez 
que, cada vez mais os significados são construídos multimodalmen-
te. As mudanças sociais contemporâneas influenciam diretamente 
no que deve ser ensinado em sala de aula, pois modificam as lin-
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MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
guagens da vida e alteram significativamente o modo de construção 
de significado em sociedade (GNL, [1996] 2021).
Dessa forma, tanto a Pedagogia dos Multiletramento quanto 
especialmente a sua prática em ambientes de aprendizagem nos 
mostram ser imprescindível considerarmos que os textos contem-
porâneos se constroem por múltiplas linguagens e estão inseridos 
em sociedades culturalmente diversas, conforme apontado no 
capítulo 1. Por isso, o conceito do NLG engloba também questões 
de multiculturalidade em um mundo globalizado, uma vez que 
encontramos, à nossa volta, “[...] produções culturais letradas em 
efetiva circulação social” (CORRÊA; DIAS, 2016, p. 249), negociadas 
para a construção de sentido de cada designer imerso na interação.
Assim, considerando as demandas da sociedade contemporâ-
nea para a formação de estudantes e cidadãos multiletrados, bem 
como a inclusão dos podcasts nos documentos oficiais e em diver-
sos âmbitos educacionais como gênero a ser trabalhado, podemos 
pensar sua utilização em sala de aula, alinhada à Pedagogia dos 
Multiletramentos para o ensino de línguas. 
Num primeiro momento, o podcast surge como uma possibi-
lidade de o professor produzir conteúdos que poderiam auxiliar 
os estudantes para além do ambiente escolar e do horário de aula. 
Conforme apontam Moura e Carvalho (2006), o podcast produzido 
pelo professor permite que os estudantes escutem o conteúdo da 
aula onde e quantas vezes quiserem, respeitando os diferentes 
tempos de aprendizagem dos aprendizes.
Por outro lado, há inúmeros benefícios que podem advir de 
se pensar o trabalho com o podcast do ponto de vista dos alunos, 
colocando-os numa posição de produtores. Neste sentido, confor-
me aponta Freire (2013), é preciso refletir sobre o funcionamento 
da ferramenta em contextos brasileiros. O podcast, em nosso país, 
surgiu atrelado, em certa medida, à exposição de temas que ge-
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MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
ralmente eram ignorados pela mídia tradicional, uma vez que a 
estrutura de produção dos podcasts não demandava altos custos 
nem equipes volumosas. Embora muitas produções contem com 
grandes patrocinadores e milhões de inscritos nas redes, o podcast 
ainda pode estar, em grande medida, associada à ampliação de “vozes 
costumeiramente ignoradas” (FREIRE, 2013, p. 104), uma vez que a 
produção e a distribuição são facilmente acessíveis, mesmo àqueles 
que não possuem grandes recursos técnicos. 
Para o trabalho na escola, essa característica torna-se funda-
mental. Os alunos podem ouvir podcasts de temáticas transversais e 
encorajar-se a compartilhar opiniões que sejam divergentes. Como 
produtores, trabalhar com o podcast pode ser uma maneira de ceder 
o direito à fala para os alunos, donos de valores e posicionamentos 
diversos (FREIRE, 2013). Alinhada a uma pedagogia dos multiletra-
mentos, em especial no que tange à multiculturalidade, esse gênero 
pode oferecer aos estudantes o contato e o despertar para temas, 
valores e opiniões que normalmente são suprimidos na sala de aula 
(FREIRE, 2013), potencializando a fala e a escuta de vozes distintas, 
o que reforça o caráter multicultural das práticas educativas.
Neste sentido, é importante reforçar que o trabalho com o 
gênero podcast em sala de aula deve ir além da mera reprodução 
dos conteúdos aprendidos. Os alunos podem, por exemplo, escolher 
as temáticas que gostariam de tratar, buscar as informações em 
livros e sites de busca de seu interesse, organizar o roteiro do que 
vai ser apresentado em áudio, discutir os efeitos sonoros a serem 
inseridos no programa, para dar o tom de humor ou seriedade pre-
tendido, além de outras funções que apresentam oportunidades e 
potencialidades no desenvolvimento dos alunos. Por meio desses 
movimentos, e pensando para além da reprodução de um conteúdo 
dado em sala, é possível fortalecer movimentos de aprendizagem 
em que os alunos sejam vislumbrados como protagonistas de seus 
processos.
100
MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
Delegar aos estudantes a produção de um podcast pode colocá-
-los ainda em posição de detentores de conhecimento, valorizando 
o fato de que suas visões importam e devem ser compartilhadas com 
o mundo (BAKKE, 2022). A relação dos estudantes com a produção 
do podcast também é vista positivamente por Cruz (2009), que afir-
ma que a ferramenta pode estimular os estudantes a se sentirem 
motivados com a aprendizagem, uma vez que eles se preocupam e 
se engajam mais ao ter ciência de que o resultado de sua produção 
será publicado e ouvido pelos colegas.
É importante ressaltar ainda que o trabalho com o podcast 
pode e deve estar alinhado às culturas de referência dos alunos, que, 
muitas vezes, acompanham e ouvem programas relacionados a elas, 
fora do ambiente escolar. Igualmente fundamental é compreender 
as múltiplas vozes dos aprendizes em sala, colocando os estudantes 
como produtores, agentes, participantes e cidadãos deste processo 
de construção de significados, e não meros espectadores passivos 
(KALANTZIS; COPE; PINHEIRO, 2020).
Outro ponto interessante acerca do podcast relaciona-se a 
pensar o gênero como um trabalho com a oralidade (FREIRE, 2013), 
atendendo e valorizando a produção de significados multimodais, 
como assinala o GNL ([1996] 2021). Reconhecendo-se a necessidade 
de atuar frente ao privilégio que a escrita detém no ensino, o podcast 
pode operar nesse sentido, incorporando reflexões sobre a fala na 
criação de significados. Reforçar a oralidade é ainda uma maneira 
de reconhecer culturas e grupos historicamente negligenciados 
(BAKKE, 2022).
No que tange à multimodalidade, pensada segundo a perspec-
tiva dos multiletramentos, o podcast certamente pode conduzir a 
práticas em sala de aula que despertem nos alunos o olhar para 
essa questão, ampliando a gama de recursos semióticos por eles 
utilizados. O gênero por si só é uma maneira de ressaltar outras 
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VoluMe 2 
formas de significação para além do escrito, oferecendo a oportu-
nidade de discussão crítica sobre as diversas formas de construção 
de significados orais e sonoros. 
Dias e Ferreira (2012) defendem o trabalho com podcasts em 
sala de aula como estratégia para valorizar as experiências de es-
crita e leitura de textos multimodais. Segundo essas autoras, essegênero possibilita o acesso e a democratização tanto de “[...] práticas 
e eventos de letramentos que têm lugar na escola como o universo e 
a natureza dos textos que nela circulam” (ROJO, 2009, p. 108 apud 
DIAS; FERREIRA, 2012, p. 2).
A partir dessas reflexões, buscamos relacionar a utilização do 
podcast no ensino de línguas com a perspectiva dos multiletramen-
tos. Em seguida, trazemos um exemplo com base em um material 
didático, ressaltando as potencialidades do exercício proposto e o 
que não foi efetivamente contemplado, mas poderia ser abordado, 
a fim de expandir as possibilidades de trabalho com o gênero.
Uma proposta de produção de podcasts
A unidade didática a ser analisada faz parte do livro denomi-
nado SAE Digital, e compõe o sistema de ensino de mesmo nome, 
sediado na cidade de Curitiba, capital do estado do Paraná. O con-
tato com esse material deu-se, num primeiro momento, a partir de 
sua utilização em sala de aula. Ademais, trata-se de uma empresa 
presente no mercado editorial que, apesar de não compor o PNLD, 
atende mais de 800 escolas e 230 mil alunos em todos os estados 
brasileiros, de acordo com os dados presentes em seu portal oficial. 
Nas palavras da própria editora, seu trabalho está relacionado ao 
saber, ao agir e ao evoluir, três palavras cujas letras iniciais (SAE) 
compõem o nome do conjunto de materiais didáticos. Esses livros 
atendem alunos e professores da Educação Infantil ao Ensino Médio. 
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MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
Nos canais on-line oficiais do SAE Digital, é possível encontrar 
informações acerca do uso da tecnologia nos materiais didáticos ofe-
recidos: “Aliar a tecnologia à prática pedagógica é uma ambição das 
melhores e mais modernas instituições de ensino. (...) As tecnologias 
educacionais do SAE Digital são totalmente integradas ao material 
impresso”. A preocupação com os recursos tecnológicos, alinhada 
às propostas da Base Nacional Comum Curricular, configura a in-
clusão de gêneros próprios dos meios digitais, como vlogs, posts e 
o próprio podcast, nas unidades didáticas presentes nos materiais. 
A unidade didática analisada neste capítulo foi retirada do 
material de Língua Portuguesa para os alunos do sexto ano, que 
deve ser abordado durante as primeiras aulas do segundo bimestre. 
Estas unidades costumam se organizar sempre da mesma maneira, 
apresentando um texto, desenvolvendo o conteúdo pretendido e, 
por fim, apresentando uma proposta de produção textual. 
A sequência de atividades escolhida para a análise, presente 
no capítulo 3 do material, é denominada “Som e letra”, e funciona 
de maneira semelhante à descrita anteriormente. O objetivo do 
capítulo é analisar o gênero canção ou letra de música e as relações 
entre letras e fonemas, e, como produção de texto final, elaborar 
um podcast. Embora sugira a produção do podcast - como veremos 
mais detalhadamente a seguir - o capítulo se inicia primeiramente 
com atividades de leitura de canções de diferentes gêneros musicais, 
para, em seguida, propor interações orais entre os alunos acerca 
dos diversos estilos de música escutados no Brasil. Por fim, como 
exercício final, objetiva a produção do podcast. 
A primeira sequência de atividades propõe uma breve discussão 
sobre os sons dos instrumentos, como guitarra e bateria. Em seguida, 
apresenta alguns trechos de canções, e sugere exercícios para que os 
estudantes possam identificar semelhanças e diferenças nos textos. 
Trata-se de canções de um gênero popular brasileiro, o sertanejo. Na 
103
MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
unidade, também há uma breve explicação acerca do gênero textual 
letra de música. Após essa discussão, encontram-se as perguntas de 
interpretação das canções apresentadas e três imagens relacionadas 
a outros gêneros musicais. Por fim, encontra-se uma seção que pede 
que os estudantes ouçam e criem uma letra de música.
Em seguida, inicia-se uma seção denominada “Estudo linguís-
tico”. Nela, encontra-se uma apresentação do alfabeto brasileiro, 
das palavras e dos fonemas. Após a leitura, apresentam-se vinte 
exercícios relativos a esse conteúdo, sendo alguns deles vinculados 
a textos e outros apenas de ordem gramatical. 
A proposta de produção do podcast inicia-se em seguida, após 
o estudo gramatical de representações de letras e fonemas, e é pro-
posto nas duas últimas páginas da unidade. A seção é denominada 
“Para saber mais”, e é composta por um quadro com uma descrição 
conceitual e histórica do podcast: “A cada ano há novas tecnologias 
surgindo, bem como novas formas de comunicar e trabalhar com 
informações. Uma dessas novas formas é o podcast” (SAE DIGITAL, 
2022, p. 18). O texto contextualiza o podcasting no Brasil, a impor-
tância de empresas como a Apple na popularização dos programas 
e na variedade de assuntos e formatos, abordando inclusive os 
videocasts, aqueles realizados em vídeos. Algumas das informações 
descritas nessa seção, como, por exemplo, a necessidade de roteiro, 
pesquisa e interlocução, serão necessárias para a produção final do 
aluno, proposta na parte seguinte do material.
A última seção da unidade chama-se “Produção de texto” e 
sugere efetivamente a produção do podcast. Trata-se de uma página 
com um quadro que contém a instrução acerca de como elaborar, 
de fato, o programa. Nas instruções, pede-se que os alunos se or-
ganizem em duplas ou trios e teçam comentários sobre gêneros 
musicais - assunto trabalhado durante a maior parte da unidade 
didática. Em seguida, sugerem-se algumas etapas, a fim de orien-
104
MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
tar alunos e docentes para a elaboração e gravação do podcast. As 
diretrizes são breves, mas detalham o passo a passo da preparação 
e guiam os alunos para: a) definição do gênero musical; b) pesquisa 
acerca do tema; c) preparação do roteiro contendo apresentação dos 
integrantes, do tema, das informações exploradas anteriormente, 
a opinião dos participantes e a finalização; d) gravação (indica-se 
a realização por meio de aparelho celular), com sugestão de dois 
minutos de duração e) compartilhamento do áudio com a turma. 
Além de todas as orientações descritas, o material ainda 
apresenta um QR Code, disponível aos alunos e professores, que os 
encaminha para um arquivo com critérios de correção do programa 
produzido pelos estudantes. A grade é dividida em dois grandes tó-
picos, 1) adequação à proposta e 2) conteúdo, com itens que podem 
ser avaliados de 0 a 2 pontos, englobando a postura dos integrantes 
durante a gravação do conteúdo apresentado no podcast e retoman-
do os guias fornecidos no material didático impresso a respeito da 
produção do conteúdo.
A unidade do livro analisada, embora tenha como foco inicial 
a discussão do gênero letra de música, apresenta como proposta de 
produção final a elaboração de um podcast de comentários sobre 
gêneros musicais, no formato de áudio. Neste sentido, é importante 
ressaltar que o trabalho com o podcast é acionado para abordar um 
conteúdo específico, que foi discutido ao longo da unidade didática. 
Buscamos analisar a proposta de produção com base nos mo-
vimentos pedagógicos propostos pela Pedagogia dos Multiletra-
mentos (GNL,[1996] 2021): a prática situada, a instrução aberta, o 
enquadramento crítico e a prática transformada, descritos, a grosso 
modo, na tabela a seguir:
105
MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
Tabela 2 - Movimentos pedagógicos 
Prática situada Aproximação do aluno das práticas sociais 
trabalhadas, valorizando a experiência.
Instrução explícita
Compreensão de conceitos e uso de meta-
linguagens necessárias para os estudos das 
práticas sociais experienciadas.
Enquadramento crítico Interpretar os contextos social e cultural de 
Designs de sentido específicos.
Prática transformadora
Ressignificação do que está sendo aprendidoe 
aplicação desse trabalho em outros contextos 
sociais.
Fonte: Santos e Tiburtino (2018)
Vale lembrar que esses movimentos pedagógicos não precisam 
ser realizados nesta ou em outra ordem, já que eles podem se cruzar 
ou complementar em diferentes momentos do trabalho docente. 
Podemos vislumbrar uma possível ocorrência da prática 
situada no primeiro momento do capítulo, de maneira breve, ao 
questionar os alunos sobre os instrumentos que eles tocam ou 
gostariam de tocar, além de propor discussões sobre gêneros mu-
sicais no Brasil. Neste sentido, o movimento favorece que alunos 
possam adquirir repertório acerca do conteúdo do podcast final, 
além de permitir que eles conheçam o gênero de texto multimodal 
que precisarão produzir. Entretanto, falta ao material dedicar um 
espaço à escuta de diferentes podcasts, seja em sala de aula ou 
como tarefas propostas para casa. O questionamento acerca dos 
hábitos dos alunos em relação a podcast também fica a cargo do 
professor, e não há no material sugestões acerca disso. O trabalho 
com a interpretação de programas de podcast favorece também a 
construção de sentidos sobre temas que podem ser da escolha dos 
alunos (aliado à multiculturalidade), além de permitir uma visão 
crítica de diferentes áudios acerca do que pode ser adequado ou 
não a diferentes contextos sociais de uso. 
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MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
No segundo movimento, conhecido como instrução explícita, 
espera-se intervenções a fim de garantir a aprendizagem, com a 
finalidade de desenvolver uma conceituação do tópico. Neste mo-
mento, a metalinguagem é fundamental, consistindo numa análise 
sistemática do tópico escolhido. Ao longo da unidade analisada, 
contudo, a metalinguagem e a análise sistemática do conteúdo estão 
relacionadas ao alfabeto, palavras e fonemas. Assim, podemos dizer 
que esse movimento não se relaciona diretamente à proposta final 
de produção do podcast. Por sua vez, no que tange diretamente a 
esta proposta de produção, nas seções “Para saber mais” e “Produção 
de Texto” da unidade “Som e letra”, encontramos uma definição de 
podcast, bem como um texto informativo e orientações com o passo 
a passo da produção. Especificamente nessa parte, o guia busca 
instruir o aluno para construção do programa a ser preparado. 
O terceiro movimento, enquadramento crítico, não se manifes-
ta explicitamente na unidade. Os alunos precisam expressar opini-
ões acerca dos gêneros musicais escolhidos, mas elas se limitam ao 
gosto pessoal, aparentemente mais relacionada a uma perspectiva 
de aproximação com as vivências deles do que como uma construção 
crítica. Neste sentido, opiniões poderiam se limitar apenas a “gosto” 
e “não gosto”, não expandindo necessariamente o repertório dos 
alunos para falar de seus gostos pessoais ou avaliar esteticamente 
gêneros musicais. Assim, tampouco parece ser o suficiente para 
proporcionar que os estudantes critiquem construtivamente e ex-
pliquem localizações culturais dos conceitos aprendidos, conforme 
sugere o Manifesto do GNL ([1996] 2021).
A prática transformadora pode ser diretamente relacionada ao 
motivo da aparição do podcast nesta unidade temática. O trabalho 
com os programas, assim, seria uma maneira de proporcionar aos 
alunos uma forma de ressignificar o conteúdo aprendido acerca 
dos gêneros musicais, a partir da reprodução de procedimentos 
para transformar planos em prática e empregar o conhecimento 
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MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
desenvolvido. Nesse sentido, o podcast seria uma forma de os alunos 
comentarem sobre gêneros musicais e letras de músicas. Contudo, a 
produção, em sala de aula, de um podcast não implica, necessaria-
mente, que o conteúdo aprendido será aplicado em outros contex-
tos sociais. Na verdade, embora se expresse na unidade didática a 
instrução para que haja compartilhamento dos podcasts produzidos 
com a turma, essa mobilização não coincide com a função social do 
podcast de informar ou falar para um público mais amplo.
Podemos mencionar outros desafios relacionados à realização 
dessas atividades. Pinto (2009) ressalta que 
[a]pesar de os textos multimodais, atualmente, estarem 
presentes em todo lugar, sejam em outdoors, na TV, na 
internet, nos jornais e não raro, em livros didáticos, o 
trabalho pedagógico com estes textos, no ambiente 
escolar ainda é incipiente, uma vez que as estratégias 
de leitura contemplam o conceito tradicional de texto 
linear e a imagem figura apenas como suporte ilus-
trativo do texto escrito sendo aceita de forma natural, 
como a representação simples da realidade sem inter-
pretações e/ou questionamentos (PINTO, 2009, p. 255).
O trabalho com esses textos multimodais pode se configurar 
como uma adversidade ao professor, que pode não encontrar sub-
sídios para análise de um conteúdo não escrito. Por isso, o manual 
ofertado ao professor precisa oferecer materiais teóricos que con-
tribuam para o trabalho com o podcast, tanto no que diz respeito à 
análise, quanto no que concerne à produção dos programas. Neste 
sentido, pensando os estudos dos letramentos, e as cinco categorias 
de análise do design, apresentadas em Kalantzis, Cope e Pinheiro 
(2020), estas podem se constituir como um guia para a análise e 
confecção das peças. 
108
MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
Tabela 3 - categorias de análise do design 
Referência A que os significados se referem?
Diálogo Como os significados conectam as pessoas que estão inte-
ragindo?
Estrutura Como os significados em geral se mantém juntos?
Situação Em que contexto os significados estão localizados?
Intenção A que propósitos e interesses esses significados estão desti-
nados a servir?
Fonte: Kalantzis, Cope e Pinheiro (2020)
Aqui, optamos por tratar o podcast como uma proposta de pro-
dução textual, assim como o fez a unidade didática trabalhada em 
questão. Por isso, podemos relacionar o podcast com uma maneira 
de se construir significados orais e sonoros. Ao adotar as categorias 
de análise do design, buscamos descrever os significados a fim de 
pensar sobre eles. 
Conforme apontado na tabela 2, ao pensar a referência, Kalant-
zis, Cope e Pinheiro (2020) ressaltam a reflexão a partir das carac-
terísticas distintivas da fala e dos sons (ritmo, entonação, pausa e 
tom), bem como as referências em relação ao tempo, ao lugar e às 
coisas. Na produção desses significados, é importante atentar-se 
ao andamento e ao ritmo, que imprimem certos e diferentes signi-
ficados. Os áudios a serem utilizados durante a gravação também 
são essenciais, caso se pense em incluir sons não necessariamente 
relacionados à fala, como uma buzina ou o som de pássaros que, por 
sua vez, também estão presentes por certa intenção. Neste sentido, 
pensar a referência na construção do significado é fundamental. 
Apresentar o som de uma buzina, por exemplo, seguidamente a 
uma fala séria, o conjunto pode soar como um alerta, enquanto 
que a buzina, seguida de uma brincadeira, poderia criar um efeito 
de humor.
109
MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
O diálogo, por sua vez, configura as conexões estabelecidas 
entre os participantes que interagem. Neste sentido, pode-se atentar 
às interações existentes entre os apresentadores do podcast, bem 
como a troca de turnos entre eles, interrupções e hesitações. Em 
entrevistas, por exemplo, é comum que um dos interlocutores faça 
perguntas, estabelecendo uma relação entres os falantes, que pode 
ou não se dar de uma maneira hierárquica. A proposta da unidade 
didática sugere apenas que os alunos entrevistem ou leiam trechos 
sobre os comentários do gênero musical. Além disso, há ainda a re-
lação entre os apresentadores do podcast e o ouvinte, que, embora 
não se estabeleça de maneira síncrona, deve influenciar nas decisões 
de produção do episódio. A conexão com o ouvinte, assim,pode se 
dar a partir de perguntas retóricas, ou da repetição de informações 
ao longo da fala, ou mesmo a partir de uma interlocução direta. 
Em seguida, podemos refletir sobre a estrutura, compreendendo 
a coesão entre os significados, ou seja, a maneira pela qual eles se 
organizam conjuntamente. A pausa e a altura da voz, por exemplo, 
podem contribuir para criar um cenário informativo em um podcast. 
Ao descrever situações, é importante que a voz seja clara e pausa-
da, sem despejar necessariamente diversas informações ao mesmo 
tempo. Neste sentido, podemos ainda pensar sobre a completude 
ou incompletude da peça sonora como um todo, refletindo sobre a 
abertura e o término do episódio, a música de fundo, composição 
de vinhetas e outros sons que se combinam para criar uma sequ-
ência. No caso sugerido na unidade didática, a título de ilustração, 
os estudantes são convidados a comentar um gênero musical. Para 
isso, incluir trechos ou músicas desse gênero poderia ser essencial 
na produção do podcast. 
Pensando em termos da situação, devemos verificar inicial-
mente como os significados orais e sonoros são enquadrados pelo 
contexto do podcast. As possibilidades são diversas e podem ser 
desde um diálogo entre duas pessoas, uma exposição oral única de 
110
MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
uma pessoa ou uma discussão entre um grupo de pessoas. Neste 
sentido, é importante destacar, ademais, que os podcasts são geral-
mente produzidos a partir das gravações de áudio, e, portanto, são 
gravados e transmitidos em outro local. O roteiro ou a sua ausência 
podem afetar diretamente a situação desses significados. Espera-
-se que as falas sejam espontâneas ou lidas, mas que funcionem de 
maneira harmônica com a proposta. A unidade didática sugere aos 
alunos que criem um roteiro antes da gravação. Esta pode ser ainda 
uma oportunidade de reflexão sobre a oralidade e as opções de pa-
lavras e expressões escolhidas para falar sobre a temática. Por fim, 
é possível refletir ainda sobre o contexto de gravação do episódio, e 
acerca de como certas interferências poderiam influenciar, como, por 
exemplo, no caso da gravação do episódio ocorrer na escola, onde 
seria interessante reservar um ambiente silencioso e sem ruídos.
A intencionalidade, por sua vez, relaciona-se aos propósitos 
e interesses vinculados aos significados criados. Num podcast de 
notícias, por exemplo, pode ser que a fala pausada e uma atenção 
maior ao roteiro sejam essenciais para imprimir um tom mais sério, 
a fim de convencer o ouvinte da integridade da informação. Contu-
do, em podcasts de entrevista, é comum a presença de risadas, bem 
como expressões características do dia a dia, que imprimem um 
tom informal e leve aos ouvintes. No exemplo do programa a ser 
produzido na unidade didática, a intenção poderia estar relacionada 
ao interesse dos estudantes em convencer ou mostrar aos ouvintes 
um determinado gênero musical, o que determinaria as escolhas em 
relação aos significados criados.
A partir dessa breve exposição, espera-se oferecer aos docentes 
algumas possibilidades de reflexão acerca de como o podcast pode 
ser trabalhado em sala de aula. Há ainda outros desafios com que o 
docente pode se deparar, como, por exemplo, a falta de ferramentas 
para produção, gravação e edição do áudio do programa produzido 
pelos alunos. Neste sentido, podemos pensar que os podcasts em si 
111
MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
mobilizam uma série de recursos técnicos que não costumam ser 
discutidos em sala, como a gravação, edição e manipulação de áudio. 
Logo, não seria condizente esperar que os estudantes realizassem 
uma superprodução sonora. Celulares costumam ser suficientes para 
a gravação, e, caso haja o interesse em se trabalhar com as edições 
sonoras, alguns softwares de uso relativamente simples podem ser 
acionados, tanto para celulares quanto computadores.
Em meio aos desafios, o professor não deve abandonar o tra-
balho com os podcasts que, além de estarem presentes na BNCC, 
também contribuem para a formação de cidadãos que participam 
ativamente da sociedade e podem colaborar nos contextos sociais 
em que estão inseridos. O ponto essencial para a reflexão acerca da 
inclusão desse novo gênero em sala não pode estar desconectado de 
sua intencionalidade pedagógica. Por isso, devemos nos perguntar, 
qual a finalidade do uso da ferramenta em sala? O que esperamos 
dos alunos ao solicitar o podcast? Cumprir um cronograma e aten-
der aos requisitos do trabalho com as novas tecnologias digitais da 
informação e comunicação ou oferecer aos alunos possibilidades 
de reflexão com base em suas culturas, ressaltando a importância 
de suas vozes e protagonismo em sala de aula? Acreditamos nesta 
segunda potencialidade e, alinhados com a pedagogia dos multi-
letramentos, os professores podem utilizar o podcast como uma 
maneira de pensar práticas que sejam transformadoras. 
Considerações finais
Os podcasts ganharam espaço entre os diversos ouvintes e na 
própria sala de aula ao longo dos anos. Buscamos, neste capítulo, 
evidenciar a definição teórica da ferramenta e maneiras pelas 
quais ela pode ser mobilizada no ensino de línguas, em especial, 
alinhando-se à multiplicidade de linguagens e às múltiplas culturas. 
No primeiro caso, é importante refletir sobre como os significados 
112
MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
sonoros e orais são construídos, colocando os alunos numa posição 
de produtores de significados. Além disso, esse gênero pode oferecer 
aos estudantes o contato com e o despertar para temas, valores e 
opiniões que normalmente são suprimidos da sala de aula (FREIRE, 
2013), potencializando a fala e a escuta de vozes distintas, o que 
reforça o caráter multicultural das práticas educativas.
É de extrema relevância ainda que os podcasts produzidos sejam 
pensados para o compartilhamento, a fim de se evitar que o trabalho 
seja apenas feito de maneira controlada, dentro da sala de aula. Os 
podcasts oferecem a oportunidade de aproximar os alunos de seus 
colegas de outros anos, da administração da escola e da comunida-
de, criando um canal de comunicação real entre os agentes, e essa 
potencialidade não deve ser desconsiderada.
No exemplo de material didático escolhido para a análise 
neste capítulo, vimos que esse poder do podcast não é favorecido. 
O material, utilizado em redes particulares de ensino, ao ser obser-
vado pelas lentes da Pedagogia dos Multiletramentos, apresenta 
uma proposta de produção do podcast que proporciona uma breve 
oportunidade de contato dos estudantes com seus interesses, mais 
especificamente, seus interesses sobre gêneros musicais. Contudo, 
essa possibilidade é ainda limitada frente aos movimentos que po-
dem ser trabalhados em sala de aula, pensando-se numa perspectiva 
dos multiletramentos. Por isso, buscamos mostrar iniciativas sobre 
como o podcast poderia ser mobilizado com base nos movimentos 
pedagógicos, além de estratégias de se pensar a produção textual 
tendo em vista os significados sonoros e orais presentes em um 
podcast. 
113
MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
Referências
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Journal of Equity and Social Justice in Higher Education, [S.l.], n.1, p. 33-34, 
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CARDOSO, G. P. O podcast nas aulas de Língua Portuguesa: práticas de 
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CORRÊA, H. T.; DIAS, D. R. Multiletramentos e usos das tecnologias digitais da 
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114
MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
PINHEIRO, P. A. Sobre o Manifesto “a Pedagogy of multiliteracies: designing social 
futures” 20 anos depois. Trabalhos em Linguística Aplicada, Campinas, v. 55, n. 
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e dimensões para o ensino. Revista Con(Textos) Linguísticos, Vitória, v. 12, n. 23, 
p. 163-182, 2018.
115
MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
HOGWARTS GAMES, UM JOGO AMADOR NO 
WHATSAPP, SOB O VIÉS DOS MULTILETRAMENTOS: 
POSSÍVEIS CONTRIBUIÇÕES PARA A CULTURA 
ESCOLAR1 
Eliane Fernandes Azzari - PUC-Campinas
Bruna Eduarda Ignácio - UNIFESP
Cibercultura e eventos de letramentos em práticas do 
universo digital 
Não é de hoje que se fala sobre as diversas possibilidades 
trazidas pelas inovações tecnológicas, que propiciam a interação 
e a atuação ativa dos usuários das plataformas digitais. De caráter 
social, esses ambientes, que agrupam indivíduos que se identificam 
por interesses compartilhados, estabelecem a criação de redes.
Buscando apoio nas proposições de Recuero (2019), optamos 
por adotar os conceitos de “redes sociais” e “mídias digitais” como 
aspectos distintos, por entender que “redes sociais” diz respeito às 
conexões estabelecidas entre grupos/pessoas que, recorrendo aos 
tempos-espaços digitais, ocupam aplicativos e sites (as mídias). 
Assim, entendemos que diferentes usuários estabelecem redes 
sociais em/por mídias digitais. Contextualizando suas práticas na 
cibercultura, integrantes dessas redes se (re)apropriam de tecnolo-
1 Agradecemos ao CNPQ e à FAPESP pelo financiamento da pesquisa.
116
MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
gias digitais não apenas para o consumo de conteúdos disponíveis, 
mas também para o desenvolvimento de novas funcionalidades 
(LEMOS, 2008, p. 48-49), re-imaginando usos e aplicações possíveis. 
Esse é um processo que envolve letramentos diversos, dentre eles 
os digitais, como já sugeriam os estudos do Grupo de Nova Londres 
(GNL), em seu manifesto sobre a Pedagogia dos Multiletramentos 
(2021) – texto que já está amplamente referenciado nos demais 
capítulos deste livro.
Dentre as diversas manifestações socioculturais decorrentes 
das práticas centradas no ciberespaço, interessa-nos aqui destacar 
produções resultantes do engajamento de sujeitos contemporâneos 
envolvidos na cultura participativa. Nesse contexto, participan-
tes, ainda que “não-especialistas”, encontram possibilidades para 
criar, desenvolver e compartilhar suas produções – fruto de sua 
aproximação em redes sociais marcadas por interesses e aprecia-
ções compartilhados (JENKINS, 2006, p. 3). No âmbito da cultura 
participativa, inúmeras práticas letradas (re)configuram as mídias 
e sua linguagem.
Encontrando subsídios nos estudos do Círculo de Bakhtin, en-
tendemos a linguagem como prática social, pois “[...] é na relação 
entre linguagem e mundo que se dá a constituição de sentidos” (VO-
LÓCHINOV, 2018, p. 31). Assim, ao estudar práticas de letramentos 
que se desenvolvem a partir do envolvimento dos sujeitos na cultura 
participativa, com apoio nos recursos e ambientes digitais, observa-
mos que tais práticas se valem da integração de diferentes meios e 
modos para a produção de sentidos. Portanto, trata-se da emergência 
de uma cultura que opera de maneira ampliada, “[...] por diversos 
meios de comunicação e, também, por diversificadas – e algumas 
novas – formas de interatividade” (MONTE MÓR, 2017, p. 274). 
Dentre esses aspectos, há o emprego do hipertexto e da multi-
modalidade como recursos ampliados em práticas de letramentos 
117
MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
situadas em ambientes digitais. Como esclarece Lemke (2010, p. 
471-472), hipertextos agregam conjuntos de informações outras a 
que se tem acesso através de hiperlinks que mobilizam usuários para 
diferentes ambientes, dispostos no ciberespaço, rompendo com a 
linearidade e acionando múltiplas possibilidades de leitura. Tais 
recursos têm sido largamente explorados em práticas socioculturais 
oriundas de comunidades de fãs, caracterizadas como espaços que 
congregam sujeitos que, aproximados por seus interesses comparti-
lhados, comentam, discutem e produzem conteúdos acerca de suas 
apreciações (BLACK, 2005).
Imersos na cultura participativa e empenhados em práticas 
multiletradas, em interfaces com as tecnologias digitais, as comu-
nidades de fãs fomentam culturas de aprendizagem outras, que 
envolvem os sujeitos em novas dimensões, nas quais a construção 
de sentidos advém de seu envolvimento na discussão das temáti-
cas de seus interesses, no convívio com outros membros de suas 
comunidades.
Os designs e os recursos disponíveis nos ambientes digitais 
são então mobilizados em redesigns (KALANTZIS; COPE; PINHEI-
RO, 2020), criados por integrantes das comunidades de fãs. Esses 
conceitos foram ampla e detalhadamente explicitados por Mafra e 
Barros, no capítulo 1 deste livro. Dando asas à imaginação, esses 
novos designs configuram-se, por exemplo, na produção de bricola-
gens e, também, na criação de jogos colaborativos – como é o caso 
dos Massively Multiplayer Online Role Playing Games (MMORPGs), 
desenvolvidos por “produsuários” amadores. Nessa modalidade, 
(que também existe sem a mediação de mídias digitais), os jogadores 
desenvolvem narrativas de faz-de-conta, simulando contextos e 
situações com personagens das histórias apreciadas. 
A virada na difusão de MMORPGs advindos da cultura par-
ticipativa surge exatamente a partir da expansão de redes sociais 
118
MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
que, apoiadas em mídias digitais e na ubiquidade2 das interações 
via internet, agregam inúmeros sujeitos engajados na criação e na 
manutenção de fóruns e sites de comunidades de fãs. A propagação 
de redes sociais em mídias digitais tais como Facebook e WhatsApp 
tornou a criação e a participação em RPGs on-line mais intensa, uma 
vez que a possibilidade de criação de grupos favoreceu a socialização 
entre indivíduos de uma mesma comunidade de fãs. A utilização de 
recursos de postagens, edição e interação entreos usuários dessas 
mídias permitiu que esses jogos assumissem formas outras, tais 
como os jogos de questionários (quizzes), e aqueles que envolvem 
a criação de cenas. 
A passagem do tempo e a evolução no desenvolvimento das 
mídias digitais permitiu a criação de plataformas como o PbF (Play 
by fórum) e o Taulukko3, que simulam o antigo jogo de tabuleiro no 
ciberespaço. Taulukko, por exemplo, é uma plataforma que oferece 
chat, rolagem de dados e suporte para a “ficha de personagens”, 
para a realização das partidas. 
Diante do exposto, notamos que redes sociais firmadas via 
Facebook têm atraído uma legião de usuários que se reúnem em 
comunidades de fãs. Nesses espaços, participantes passaram a di-
vulgar hiperlinks que redirecionam os fãs para outras redes sociais, 
apoiadas em mídias tais quais o WhatsApp, realocando-os em grupos 
destinados à criação de jogos amadores colaborativos.
Assim, utilizando-se majoritariamente da linguagem verbal, 
esses fãs têm desenvolvido jogos que passaram a ser conhecidos 
como “RPGs de WhatsApp”, plataforma digital usada como base para 
o desenvolvimento e para a aplicação de partidas. Nesse contexto, 
os jogadores trabalham em colaboração para simular narrativas já 
2 Neste contexto, levantamos o questionamento acerca da ubiquidade tecnológica, uma vez que 
nem toda interação acontece de forma simultânea, devido à rotina de cada usuário e questões 
relacionadas à dificuldade de acesso e disponibilidade de aparelhos eletrônicos. Fatores que 
são comuns na sociedade brasileira. 
3 Disponível em: https://vol2.taulukko.com.br. Acesso em 30 nov. 2022.
https://vol2.taulukko.com.br
119
MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
existentes, das quais se apropriam, ou para criar novas histórias 
a partir dessas narrativas. Nesse processo criativo, os jogadores 
mobilizam múltiplos letramentos, compartilham diferentes tipos 
de conhecimento (referente às histórias, aos recursos de estilo e de 
meios para a escrita de narrativas, aos usos das mídias digitais etc.), 
de modo que transformam esses ambientes em espaços informais 
de aprendizagem (GEE, 2004).
Hogwarts Games: espaços de socialização e de aprendiza-
gem informal a partir da mimetização de práticas escolares 
Nossa discussão está pautada num recorte de dados extensa-
mente descritos e analisados em pesquisa desenvolvida por Ignácio 
(2022), que investigou um jogo construído nos moldes descritos 
anteriormente.
Hogwarts Games é um tipo de RPG de WhatsApp, desenvolvido 
de modo amador – e com base no trabalho colaborativo – por fãs 
das histórias de Harry Potter, ficção-fantasia escrita por J. K. Ro-
wling. Trata-se de uma saga que narra as aventuras de um menino 
órfão que se descobre “bruxo” aos 11 anos de idade e que, por isso, 
é enviado à “Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts”. A narrativa, 
apresentada em sete livros, aborda aventuras vividas por Potter ao 
lado dos seus melhores amigos, ao longo de sua trajetória escolar. 
Os estudantes que frequentam Hogwarts (e que nela habitam) são 
agrupados na escola com base em critérios pré-determinados pelos 
fundadores da instituição, que apontam marcas da personalidade 
dos alunos. Assim, quando um jovem ingressa nessa escola, verifica-
-se logo de início seu “pertencimento” a uma das seguintes casas 
ou “comunais”: Grifinória, Lufa-Lufa, Sonserina e Corvinal.
Neste texto, com o intuito de apresentarmos nossa discussão, 
vamos nos restringir apenas a alguns detalhes dessa narrativa 
120
MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
literária que se fazem importante para o entendimento do funcio-
namento de Hogwarts Games. 
Geralmente, a trajetória de um fã de Harry Potter, para se tornar 
um jogador de Hogwarts Games, segue o seguinte percurso: aprecia-
dores da saga procuram ingressar em grupos/páginas/comunidades 
públicos e/ou privados, em que se formam redes sociais na platafor-
ma Facebook, por exemplo. Nesses espaços, pessoas interessadas em 
organizar o RPG Hogwarts Games convidam outros participantes e 
compartilham links que redirecionam os interessados para grupos 
criados na mídia WhatsApp. A partir de um grande grupo geral, 
são então criados outros grupos e subgrupos que irão organizar a 
distribuição dos jogadores, os procedimentos e, também, acolher 
as partidas.
Apropriando-se de elementos constitutivos da obra de fantasia 
inglesa, Hogwarts Games mimetiza aspectos fundantes do enredo 
da ficção. Por exemplo, nesse RPG de WhatsApp, há dois “torneios”, 
nomeados por Priori Incantatem e Meteolonjix, nos quais são dis-
postas 25 atividades diferenciadas. Em cada atividade realizada, 
os jogadores acumulam pontos para as suas “Casas”, de modo que 
aquela que obtiver mais pontos durante o torneio ganhará a “Taça 
das Casas” – representado por um emoji que é adicionado ao 
título do grupo no WhatsApp. 
O fluxograma representado em imagem na Fig.1 resume o pro-
cesso de entrada dos participantes em Hogwarts Game, após terem 
acessado o link disponibilizado pelos organizadores (proponentes) 
do jogo, nas redes sociais em outras mídias digitais. 
121
MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
Figura 1 – Fluxograma do processo de admissão em Hogwarts Games
Fonte: Captura de imagem de Ignácio (2022)
Dentre as etapas do processo de admissão e inserção dos 
participantes no jogo, enfatizamos o “Envio do pdf com as regras 
e atividades”. Como é esperado de um jogo, Hogwarts Games está 
organizado em torno de regras criadas pelos organizadores/admi-
nistradores de forma colaborativa. Neste caso, por se tratar de um 
agrupamento de participantes em redes sociais, as regras tratam 
122
MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
tanto dos modos e parâmetros esperados para a socialização entre 
os participantes, quanto das ações referentes ao jogo, propriamente. 
Chama a nossa atenção o fato de que, apesar de se tratar de 
um evento situado no âmbito das tecnologias digitais em ambiente 
síncrono, o que poderia favorecer o uso da multimodalidade, ini-
cialmente, as regras são elaboradas em formato de mensagem de 
texto exclusivamente verbal. A nosso ver, isso aponta o privilégio da 
escrita condicionada pela mente tipográfica (MONTE MÓR, 2017, p. 
271-272). No decorrer do jogo, à medida que se faz necessário, outras 
regras e atividades vão sendo compiladas pelos administradores em 
um arquivo de formato PDF compartilhado com as equipes. 
Essa prática, que remete à valorização do texto verbal, típico 
da sociedade da escrita, demonstra também a mimetização de 
práticas escolarizadas. Dentre as regras, há a exigência de atentar-
-se à escrita de respostas iniciadas com letra maiúscula; ao uso de 
aspas em citações diretas e, espantosamente, a requisição para que 
os jogadores formatem determinadas “respostas” às atividades dos 
torneios conforme as instruções de estilo da Associação Brasileira de 
Normas Técnicas (ABNT) – uma exigência em partidas que envolvem 
produções textuais como tarefa para a pontuação (por exemplo, em 
atividades destinadas a testar os conhecimentos dos participantes 
acerca do enredo da saga de Potter).
Dentre essas regras, denominadas “Lei do Ministério da Magia”, 
destacamos a de número 9, que constitui o jogo: 
9° Lei - As respostas devem seguir grafia, coesão e coerência, 
gramática e pontuação da ordem vigente. Nas respostas, não são 
aceitas abreviações de nenhum tipo.
Note-se que, embora o desenvolvimento do jogo se dê em 
um ambiente digital, são ali replicadas regras já instituídas em 
123
MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
fazeres escolares, tais como a exigência do uso da norma padrão 
vigente da Língua Portuguesa. Desse modo, assim como acontece 
na educação formal, em que os alunos são penalizados se come-
terem “erros” em tarefas escritas, as equipes (“Casas”) perdem 
pontos caso as regrasgramaticais e de estilo não sejam seguidas 
na escrita das atividades. 
O apego às práticas escolarizadas expõe um embate entre 
a “normatização” e a liberdade na elaboração de regras para o 
jogo, já que se trata de uma atividade lúdica, situada na esfera do 
entretenimento. Ancorada em uma plataforma digital destinada 
à comunicação interpessoal, esperar-se-ia que, em tal atividade, 
preponderassem características tais como a informalidade nas 
práticas linguageiras e a descontração, contextos em que o uso de 
gírias, abreviações e coloquialidade são mais usuais. 
Portanto, é possível observar que, conquanto se trate de uma 
prática social que redesenha os usos de uma mídia digital (What-
sApp) destinada primeiramente às interações comunicativas – res-
significando seus usos para torná-la plataforma de um jogo amador 
colaborativo –, a elaboração de Hogwarts Games está aprisionada 
aos fazeres escolares que privilegiam eventos de letramentos gra-
focêntricos e lineares. 
Podemos inferir que tal aprisionamento seja resultante do fato 
de que a própria narrativa do texto de partida que dá vida à Hogwarts 
Games (i.e., as histórias de Harry Potter) já esteja atrelada à escola 
e a seus funcionamentos. Porém, isso não minimiza nosso espanto 
diante do fato de que se trata de um jogo em que, por livre e espon-
tânea vontade, os participantes se voluntariam a encarar tarefas 
em que há bastante escrita formal, ao ponto de serem submetidos 
à “tirania” de um conjunto de normas como a ABNT. Soma-se a isso 
o fato de que, em termos de desenho de interface, WhatsApp é uma 
mídia digital que não favorece os usuários para a escrita de textos 
124
MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
longos e formais – até mesmo porque é possível imaginar que esse 
não era um dos usos previstos por seus desenvolvedores.
Além disso, como aponta a pesquisa desenvolvida por Ignácio 
(2022), o perfil dos participantes do jogo é majoritariamente cons-
tituído por jovens e adolescentes, reconhecidamente um público 
que tende a clamar pela liberdade de regras e normas tanto nas 
interações discursivas do cotidiano quanto nas práticas escolares. 
Caminhando na contramão dessa percepção, o conjunto de regras 
que regulamentam Hogwarts Games resulta de acordos entre os 
próprios jogadores, que o definem em reuniões semestrais, fazen-
do reajustes de acordo com os acontecimentos do jogo e com as 
necessidades do grupo. 
Nesse sentido, recorrendo ao que sugerem Alves e Rojo (2020, 
p. 160), percebemos que a legitimação e a aceitação das normas 
estão conectadas ao fato de que elas foram construídas à maneira 
colaborativa pelos sujeitos participantes dessa prática social, o que 
lhes permite reconhecerem a si mesmos em tais regras. 
Outro aspecto que merece nossa atenção em Hogwarts Games é 
a atividade intitulada “Correio-Coruja”, também conhecida apenas 
como “Coruja” ou “Tarefa”. Cabe frisar que o nome da atividade 
diz respeito ao sistema de envio e recebimento de cartas e pacotes 
do “mundo bruxo”, o que está relacionado à narrativa do texto de 
partida (ficção de Rowling) e às práticas realizadas nessa atividade 
no jogo. Resumidamente, trata-se de uma produção textual colabo-
rativa, em que os jogadores de cada “Casa” devem produzir um texto 
que cumpra todos os requisitos solicitados pelos administradores/
aplicadores, que englobam a contextualização de uma história e até 
mesmo uma quantidade mínima de palavras, já que o objetivo da 
atividade é a criação de uma narrativa. Nessa atividade de Hogwarts 
Games, os jogadores têm liberdade criativa para a construção de 
cenas, cenários, situações e eventos, que podem incluir disciplinas 
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MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
escolares, modalidades esportivas ou outros, a partir do que lhes é 
solicitado e enviado pelos administradores do jogo, como contexto 
de produção. 
Nessa atividade, a pontuação máxima a ser atingida é 100 
pontos. Entretanto, para a atribuição da pontuação há critérios de 
avaliação, tais quais: criatividade e desenvolvimento, que equivalem 
a 30 pontos; cumprimento dos requisitos, que equivale a 40 pontos; 
ortografia, equivalente a 10 pontos e coesão e coerência, equivalente 
a 20 pontos. Neste caso, diante dos diversos recursos disponibilizados 
pelas tecnologias digitais, há a possibilidade de os participantes in-
tegrarem as diversas linguagens, não se restringindo apenas ao texto 
verbal, podendo criar histórias ricas na multimodalidade, como Monte 
Mór (2017, p.276) sugere que deva acontecer nas práticas do digital.
Então, no “Coruja”, os jogadores trocam o envio das produções 
textuais em forma de mensagem, pela compilação de imagens, 
links e textos verbais em arquivos de formato PDF. Também nessa 
modalidade, os administradores do jogo preferem a elaboração da 
atividade de acordo com a formatação ABNT. 
Diante desse cenário, os próprios jogadores já sabem que, ao 
“brincar” de ‘Correio-coruja’, ainda que decidam recorrer à multi-
modalidade, ao preparem um texto verbal, a retomada da ABNT é 
necessária, como se vê na captura de tela com imagem da conversa 
entre jogadores, representada na Figura 2.
Figura 2 – Captura de tela de mensagem avulsa enviada por participante do jogo.
Fonte: arquivo de imagem do banco de dados de Ignácio (2022)
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MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
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Ao dizer “Hoje tem coruja tbm” e “E vamos de ler ABNT”, o/a 
jogador/a entende que é necessário reler o documento da ABNT, 
compartilhado pelos próprios membros da comunidade, no intuito 
de ajudá-los na realização da atividade. Embora nem sempre todas as 
normas sejam seguidas (o que ocasiona a perda de pontos), há uma 
tentativa dos jogadores em formatar os textos seguindo o documento 
normativo. Um exemplo pode ser visto na imagem que ilustra a Figura 3.
Figura 3 – Captura de tela do pdf enviado como atividade dos jogadores da ‘Casa’ 
Grifinória
Fonte: arquivo de imagem do banco de dados de Ignácio (2022).
127
MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
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Na partida referenciada pela imagem da Fig. 3, em específico, os 
jogadores deveriam criar um “centro comercial bruxo”, mimetizando 
o elemento presente na história de Harry Potter (o “Beco Diagonal”). 
Dessa forma, era preciso: descrever a localização, a criação do centro 
e algumas lojas existentes, indicando suas principais características. 
Podemos notar que a atividade entregue pelos jogadores, mem-
bros da “Casa Grifinória”, utiliza algumas das normas de formatação 
apresentadas na ABNT, tais como a fonte, o tamanho e o espaça-
mento entre linhas. Além disso, foi utilizado o recurso de notas de 
rodapé, a fim de explicar conceitos que poderiam ser desconhecidos 
pelos interlocutores. Ademais, a narrativa integra texto verbal e 
imagético, visando enriquecer com detalhes visuais a constituição 
de sentidos acerca do “centro comercial” que foi criado. 
 
Aprendizagem em ambientes informais e a pedagogia dos 
multiletramentos 
Como é possível notar, a partir da mobilização de affordances4 
(KALANTZIS; COPE; PINHEIRO, 2020) ou propiciamentos, dispo-
nibilizadas em/por mídias digitais tais quais o WhatsApp, usuários 
amadores imersos na cultura participativa encontram meios e 
modos para diversificar expressões culturais e, nesse processo, ge-
ram espaços em que se fomenta o desenvolvimento de habilidades 
antes não exploradas (JENKINS, 2006, p. 2). A esse respeito, Monte 
Mór (2017, p. 278) destaca que, na “sociedade digital” ampliam-se 
as possibilidades para a criação de remixes, bricolagens e edições. 
Além disso, o engajamento em práticas situadas no ciberespaço 
também pode propiciar o desenvolvimento de formas outras de 
4 As affordances são propiciamentos peculiares dos espaços digitais que possibilitam novas 
abordagens para o trabalho educacional, sendo elas: aprendizagem ubíqua; aprendizagem 
ativa; sentidosmultimodais; feedback recursivo; inteligência colaborativa; metacognição e 
aprendizagem diferenciada (KALANTZIS; COPE; PINHEIRO, 2020).
128
MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
processamento de dados e de informações que estimulam processos 
contínuos de aprendizagem que mobilizam letramentos.
De acordo com Lemke (2010, p. 456), letramentos são “[...] 
um conjunto de práticas sociais interdependentes que interligam 
pessoas, objetos midiáticos e estratégias de construção de signifi-
cado”. Assim, os sentidos produzidos em eventos de letramentos 
tanto atuam na manutenção de saberes já estabelecidos quanto 
podem se tornar instâncias transformativas na sociedade. Trata-se 
de competências culturais que, para a (re)construção de sentidos 
acionam múltiplas linguagens (verbal, imagética, sonora, audiovi-
sual, corporal etc.). 
Doutra parte, Gee (2008, p. 196) assegura que o processo de 
ensino-aprendizagem se torna mais fácil quando “[...] os alunos 
estão adquirindo-os como parte de seus próprios objetivos e ob-
jetivos baseados em atividades - quando fazem parte do ‘jogo’, o 
aluno deseja jogar”. Defendemos essa ideia, uma vez que é notável 
o engajamento das crianças e adolescentes nessas práticas culturais 
populares, que integram habilidades cognitivas e emocionais.
As marcas de escolarização que permeiam as atividades no 
jogo Hogwarts Games e os recursos mobilizados pelos participantes 
denotam a mobilização de letramentos calcados na colaboração, na 
interação e na socialização, que são acolhidas e fomentadas a partir 
da criação de redes sociais em mídias digitais, que se configuram 
como espaços de afinidades (GEE, 2004). E, como foi possível notar, 
participar de Hogwarts Games implica envolver-se na construção de 
conhecimentos em espaços informais de aprendizagem.
Entretanto, ao vermos o engajamento dos sujeitos nessas práti-
cas em contrapartida ao que se é notado nas escolas, questionamo-
-nos acerca da motivação para essas produções textuais. Nesse 
sentido, tornou-se nítido que o trabalho com temáticas de interesse 
e conteúdos que se relacionam com os gostos dos participantes é a 
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MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
força motriz da agência e da participação ativa nessas atividades, re-
afirmando o que Monte Mór (2017, p. 9) esclarece acerca dos desejos 
das juventudes em verem seus interesses conectados com a escola.
Assim, em seu conjunto, o RPG de WhatsApp Hogwarts Games 
se consagra tanto como produto quanto produtor de uma cultura de 
aprendizagem outra, que demonstra a necessidade de atualização 
das práticas desenvolvidas na escola, a fim de se criar conexões 
com os anseios dos alunos, de modo que se possa proporcionar 
uma aprendizagem significativa através da compreensão situada 
dos sujeitos, como já ocorre em práticas socioculturais populares. 
Desse modo, ao focalizarmos o ciberespaço a partir de seus 
aspectos sociais e das oportunidades de participação que ali podem 
surgir, asseguramos que os jogos digitais calcados em recursos de 
imersão nas narrativas podem fomentar abordagens para que, no 
ambiente escolar, a educação linguística possa ser pensada a par-
tir de um viés situado e genuinamente mais significativo para os 
estudantes. 
Se os jovens se dispõem a ler e a escrever tanto e com tanta 
regra e disciplina formalista aplicadas por vontade própria fora da 
escola, o que será que a docência tem a aprender com essas práticas 
não-escolarizadas a fim de que se possa mobilizar tamanho interesse 
também dentro do contexto educacional formal? 
Considerações finais
De nosso ponto de vista, precisamos reconhecer que o conhe-
cimento colaborativo que é produzido em ambientes informais, tais 
como o dos jogos digitais, é indicativo suficiente da necessidade 
de (re)visão das já consolidadas formas de ensinar e de aprender 
línguas/linguagem na escola. 
130
MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
Estudantes são sujeitos sociais, ativos e participativos, que 
tanto afetam quanto são afetados pelas tecnologias que são mobi-
lizadas nos diferentes eventos de letramentos em que se engajam, 
diariamente. 
Neste trabalho, entendemos que as práticas que observamos 
em Hogwarts Games tanto reproduzem fazeres típicos da educação 
escolar quanto podem auxiliar a (re)pensar esses fazeres. Para tan-
to, é preciso empregar esforços na adoção de uma perspectiva dos 
letramentos que, reconhecendo o caráter participativo e o esforço 
colaborativo empenhados em espaços de imersão e simulação, 
valorize o fato de que a produção do conhecimento acontece de 
forma situada e verdadeiramente significativa para aqueles que ali 
se encontram.
As discussões travadas ao longo dos capítulos apresentados 
nesta coletânea reforçam diferentes aspectos (re)correntes nas pro-
postas pautadas na pedagogia dos multiletramentos. Da diversidade 
e do papel social da educação linguística criticamente orientada 
para ações antirracistas ao conhecimento gerado no emprego de 
ações educativas inspiradas em eventos de letramentos advindos 
da cultura participativa, são muitas as implicações e inferências 
decorrentes dessa visada educativa. 
Mas, é preciso revisitar as considerações iniciais que motivaram 
noções como “new learning”, “design e redesign”. É preciso retomar 
as origens dessas discussões, os diferentes plurais nos “multi” e 
recapitular as propostas e seus propósitos, a fim de atualizar os 
sentidos que, a partir delas, produzimos. 
131
MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
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MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
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133
MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
A INOVAÇÃO NAS PRÁTICAS DE 
MULTILETRAMENTOS DAS AULAS REMOTAS: 
RELATOS DE QUEM ALFABETIZA NA PANDEMIA 
Jessika Gama Ribeiro
Universidade Estadual de Campinas
Lara Nantes Antonio Filomeno Mantovani
Universidade Estadual de Campinas
Paula Regina Mazulquim
Universidade Estadual de Campinas
Introdução
É sempre necessário e oportuno discutir a questão da tecno-
logia nos processos de ensino e aprendizagem da Educação Básica 
e, principalmente, a questão da formação docente e suas nuances 
éticas e de responsabilidade social, ainda mais num cenário como 
o atual: a pandemia causada pela Covid-19. 
Desde março de 2020, o mundo enfrenta a pandemia causada 
pelo novo coronavírus e, para conter a disseminação desse vírus tão 
letal, o governo determinou medidas como isolamento social, uso 
obrigatório de máscaras em estabelecimentos públicos e higieni-
zação constante das mãos com álcool em gel na ausência de água 
e sabão. Além disso, estabelecimentos de serviços considerados 
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MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
não essenciais também foram fechados ou mantidos abertos, mas 
com horários reduzidos. Após 3 anos de pandemia, somente aqui 
no Brasil, o coronavírus já vitimou mais de 695.314 mil pessoas1, 
haja vista que tivemos atrasos na compra de vacinas2 e, inclusive, 
uma CPI instaurada para investigar casos de corrupção no tocante 
aos imunizantes3. 
No caso específico das instituições de ensino, essas foram fe-
chadas em 2020 e, durante quase todo o ano letivo, as aulas se deram 
de maneira remota. Já em 2021, mesmo em meio ao pior momento de 
enfrentamento da crise sanitária no país, as aulas presenciais foram 
retomadas em algumas escolas e ainda tramita no Senado o Projeto 
de Lei 5595/20, que veda a suspensão das atividades educacionais 
em formato presencial nas escolas e instituições de Ensino Superior 
públicas e privadas, tornando-as, assim, um serviço essencial. Tendo 
em vista tal cenário, as aulas ocorreram de maneira rotativa: ora 
os estudantes iam presencialmente para a escola, ora tinham aulas 
remotas em plataformas como o Google Classroom e Google Meet. 
Ribeiro (2020) afirma que, desde o fechamento repentino e 
necessário das escolas, foram notáveis uma série de reflexos e, 
principalmente, uma tensão inédita entre famílias, professores/as e 
gestores/as, pois, em nossa sociedade, a escola e o ensino presencial 
são fundamentais, inclusive quanto à sociabilidade e à rotina das 
famílias. A autora ainda argumenta que, diante desse cenário, os 
profissionais da educação com experiências diferentes e desiguais 
no tocante às tecnologias digitais viram-se obrigados a transformar 
suas aulas presenciais em aulas remotas, ministrando-as por meio 
de vídeos gravados, lives ou outros recursos.
1 Esse era o cenário no momento em que esta pesquisa foi realizada. Fonte: Ministério da Saúde. 
Disponível em: https://covid.saude.gov.br/. Acesso em:14 jan. de 2023.
2 “3 erros que levaram à falta de vacinas contra Covid-19 no Brasil”. Disponível em: <https://
www.bbc.com/portuguese/brasil-56160026> Acesso em: 1 jul. 2021. 
3 “CPI da Covid: as principais revelações e os destaques dos depoimentos até agora”. Disponível 
em: <https://www.bbc.com/portuguese/brasil-57208771> Acesso em: 1 jul. 2021.
https://covid.saude.gov.br/
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-56160026
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-56160026
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-57208771
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Nesse contexto, as tecnologias digitais, para alguns, passaram 
a ser vistas como uma possibilidade de dar continuidade aos estu-
dos, ainda que de maneira improvisada e com pressões de todos os 
lados. Para outros, no entanto, as tecnologias se tornaram verda-
deiras vilãs, pois ampliaram as desigualdades já existentes entre 
estudantes e professores mais/menos preparados para lidar com 
os recursos midiáticos. 
Frente a tal situação, coloca-se aqui a seguinte questão: de que 
forma professoras e professores do ensino básico que lecionam nos 
ciclos de alfabetização transformaram suas propostas de ensino em 
inovadoras para dar continuidade à aprendizagem das crianças?
Assim, com base nos conceitos de inovação postulado por Bruce 
(1993), no letramento e na inovação no ensino focados na forma-
ção de professores/as (SIGNORINI, 2007), e sob a perspectiva dos 
multiletramentos (KALANTZIS; COPE; PINHEIRO, 2020), objetiva-
-se analisar e discutir três relatos de experiência de professoras 
alfabetizadoras que, no contexto da pandemia, tiveram que criar 
contextos de inovação em relação aos seus modos de ensinar as 
crianças nos meios digitais. 
Para melhor compreensão deste capítulo, ele foi organizado em 
três partes: fundamentação teórica com a perspectiva do letramento 
e da inovação no ensino de língua (SIGNORINI, 2007) associada 
aos multiletramentos (KALANTZIS; COPE; PINHEIRO, 2020), que 
consideram grandes mudanças como essenciais para a transforma-
ção da profissão docente, pois novos aprendizes “exigem” novos 
professores, que sejam capazes de propiciar uma aprendizagem 
na qual os estudantes sejam agentes de transformação do próprio 
conhecimento; a discussão e a análise dos relatos com base nos ca-
minhos da mudança (BRUCE, 1993; SIGNORINI, 2007; KALANTZIS; 
COPE; PINHEIRO, 2020); e, por fim, as considerações finais. 
136
MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
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Inovação, mudança e multiletramentos: discutindo os 
conceitos
No contexto da pandemia, muitos professores tiveram que 
adequar suas aulas para o ensino remoto; muitos profissionais, 
inclusive, sem formação para os ambientes digitais e sem equipa-
mentos, tiveram que fazer uso de recursos próprios para ministrar 
suas aulas. 
Diante disso, os docentes precisaram criar contextos em que 
suas práticas de ensino pudessem ser inovadoras, partindo de vari-
áveis situacionais que constituem o letramento escolar. Conforme 
Paladine e Navas (cf. capítulo 3 desta obra), ainda que as orientações 
da Base Nacional Comum Curricular tragam propostas inovadoras e 
que acompanhem as mudanças recentes na sociedade, em especial 
no que diz respeito às novas linguagens e ao desenvolvimento das 
tecnologias da informação e da comunicação, há uma série de desa-
fios para os professores utilizarem os recursos digitais, envolvendo 
o letramento desses profissionais.
Segundo Signorini (2007, p. 1-2), o conceito de letramento 
escolar é compreendido como um “[...]conjunto de práticas socio-
técnicas relacionadas ao uso de materiais escritos desenvolvidos no 
âmbito institucional e interligadas a outros conjuntos de práticas 
institucionais, como as de planejamento, avaliação e gerenciamento 
administrativo”. A autora argumenta que as práticas de letramento 
escolar vão além do ensino da leitura e da escrita, já que, no tocante 
ao trabalho do professor, há uma série de outras práticas institu-
cionais que envolvem o letramento do educador. 
Durante o período pandêmico, as aulas remotas trouxeram 
inovação às práticas de ensino, com impactos positivos do ponto 
de vista dos usos da tecnologia, mas também negativos, haja vista 
que criaram (e até mesmo ampliaram) abismos na aprendizagem 
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MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
dos mais pobres e mudanças na ordem institucional. Essa ordem 
institucional
[...] é algo construído, poroso e complexo, pois é feita 
de estabilidades e instabilidades, não é uma realidade 
dada,ou seja, pronta e acabada; não é uma ordem in-
tegrativa ou funcional, e nem consensual, uma vez que 
resulta também de desalinhamentos e conflitos pró-
prios da atividade coletiva de co-ordenação em função 
de redes de interesses e estruturas de poder e controle 
que informam as práticas institucionais, isto é, que as 
constituem e moldam [...] (SIGNORINI, 2007, p. 179).
Nessa perspectiva, do ponto de vista da inovação, o contexto da 
pandemia privilegiou os processos de contextualização do elemento 
inovador nas práticas institucionais, partindo de novos esquemas 
tácitos de percepção para (re)construir os objetos de conhecimento. 
Tais práticas são complexas, tanto do ponto de vista da diversidade 
linguística, cultural e social quanto do ponto de vista dos modos de 
construção dos significados. 
É nesse momento que cabe, então, a ampliação para o termo 
“multiletramentos” (KALANTZIS; COPE; PINHEIRO, 2020), em que, 
segundo o The New London Group, dois pontos principais entram em 
jogo: de um lado, as diversas e cada vez mais complexas maneiras de 
construir significados em razão dos mais variados modos de comu-
nicação – o que foi denominado “multimodalidade” –; de outro, os 
exponenciais desenvolvimentos da diversidade linguística, cultural 
e social no mundo – o que foi denominado de “multiculturalidade”.
Sob tais perspectivas, o NLG (1996) defende, mais especifi-
camente, que o ensino seja voltado para as diferenças multicul-
turais, dando visibilidade às dimensões profissional, à pessoal e à 
de participação cívica. Assim, os propósitos dos multiletramentos 
138
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(KALANTZIS; COPE; PINHEIRO 2020) se fazem presentes, pois, 
ao considerarmos as mudanças sociais e econômicas oriundas da 
pandemia, mais do que nunca, a escola precisa preparar seus alunos 
para: i) o mundo do trabalho que exige, atualmente, uma econo-
mia do conhecimento; ii) o mundo da cidadania, que possibilita a 
inserção dos alunos em diferentes práticas de letramentos; e, iii) 
vida comunitária, de forma que os sujeitos, em relação às mídias 
digitais, sejam agentes de transformação. 
No caso deste trabalho, a dimensão profissional não está focada 
apenas na alfabetização das crianças, mas também na aprendizagem 
das professoras que remodelaram suas práticas no que diz respeito 
ao ensino da leitura e da escrita, remotamente:
A escrita já foi a principal maneira de construir signi-
ficados em diferentes épocas e lugares. Cada vez mais, 
os modos grafocêntricos de significado podem ser 
complementados ou substituídos por outras formas 
de cruzar o tempo e a distância, como gravações e 
transmissões orais, visuais, auditivas, gestuais e outros 
padrões de significado. Isso quer dizer que uma peda-
gogia voltada ao ensino da leitura e da escrita precisa 
ir além da comunicação alfabética, incorporando, as-
sim, a essas habilidades tradicionais as comunicações 
multimodais, particularmente aquelas típicas das 
novas mídias digitais (KALANTZIS; COPE; PINHEIRO, 
2020, p. 20).
Retomando o conceito de ordem institucional, como explica 
Signorini (2007) e as duas significações do termo “multiletramen-
tos” - no que diz respeito à multiplicidade linguística e cultural e à 
multimodalidade -, há um rompimento dessas diante de um cenário 
tão limítrofe como o que foi causado pela Covid-19. Logo, na escola, 
que representa uma forma dinâmica de organização institucional, 
139
MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
a questão da inovação necessariamente passa pela aprendizagem e 
pela produção do conhecimento com vistas à mudança, a qual rede-
fine os saberes práticos dos sujeitos envolvidos nesse novo contexto.
Bruce (1993, p. 9-32) explica que, quando os educadores tentam 
implementar uma inovação, normalmente se enfrenta o complexo 
desafio de combinar novas ideias com crenças e práticas bem es-
tabelecidas. Como resultado, percebem-se as especificidades das 
velhas e das novas maneiras de se fazer as coisas. É por esse motivo 
que se faz necessário atentar para o que, Paladine e Navas (cf. ca-
pítulo 3 desta coletânea), explicam sobre as práticas tradicionais e 
conteudistas em novas roupagens:
[...] o objetivo da incorporação dessas novas tecnologias 
deve estar alinhado à compreensão e reflexão sobre seu 
funcionamento, bem como as maneiras de contribuir 
para que os alunos [neste caso, professores] se tornem 
autores de seus textos, integrando seus conhecimentos 
prévios e também participando de práticas que atuem 
criativamente e de maneira transformadora em seus 
contextos” (PALADINE e NAVAS, cap. 3, p. 93).
O acesso a novas informações, procedimentos ou ferramentas 
por si só raramente levam à inovação e, a exemplo disso, usa-se o 
aplicativo Powerpoint em sala de aula para expor textos e, muitas 
vezes, é solicitado aos estudantes fazerem cópias dos slides. Nesse 
sentido, Bruce (1993) afirma que a tecnologia pode ter significados 
diferentes em ambientes diferentes. Segundo Lankshear e Knobel 
(2007), que já discorriam sobre o “novo ethos”4, novas tecnologias 
nem sempre resultaram em novas práticas sociais, pois podem ser 
4 O “new ethos stuff”, segundo Lankshear e Knobel (2007), é concebido como uma nova forma 
de conviver com os discursos hodiernos, os quais se afastam da necessidade de conhecimentos 
altamente especializados e se aproximam de uma maior interação, colaboração e assincronia 
dos discursos em desvantagem ao interesse de uma autoria única.
140
MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
apenas novos aparatos, meios/modos de fazer mais do mesmo. 
Logo, emerge a necessidade do uso estar aliado à consciência crítica 
e afastado da transmissão de conhecimento por mera “osmose”, 
isto é, pela recepção passiva desses saberes presentes nas relações 
interpessoais e sociais.
Se, de fato, a tecnologia sofre mudanças conforme o contexto e 
também o altera, a escola é a agência de letramento por excelência 
e é nela que devem ser criados espaços para experimentar dife-
rentes formas de participação de práticas sociais. Na perspectiva 
dos “multiletramentos” (KALANTZIS; COPE; PINHEIRO, 2020), 
nenhuma grande mudança pode ser alcançada sem que haja uma 
transformação da profissão docente. Nesse viés, “novos professores” 
também são novos aprendizes, pois é preciso que sejam designers 
de ambientes de aprendizagem. 
Mudanças significativas e duradouras requerem o apoio 
de todos os setores da comunidade. Nesse sentido, os 
professores precisam se tornar um novo tipo de pro-
fissional, que interaja com membros da comunidade 
no intuito não apenas de explicar as necessidades de 
mudanças que estão ocorrendo na aprendizagem, mas, 
sobretudo, de engajar a própria comunidade na pro-
dução de resultados. Por sua vez, estudantes precisam 
aprender a aprender de novas maneiras. E pais precisam 
participar e apoiar novos tipos de ambientes e meios 
de ensino e aprendizagem, que serão muito diferentes 
dos que experienciaram em sua infância. Isso parece 
marcar a transição da ‘alfabetização’, no sentido tradi-
cional, para os letramentos, em pleno século XXI, que 
vem exigindo mudanças contínuas de nossos processos 
de aprendizagem e de nossos sistemas educacionais 
(KALANTZIS; COPE; PINHEIRO, 2020, p. 29).
141
MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
Nesse sentido, o contexto da Covid-19 nos trouxe novas formas 
de pensar e exigiu de nós novas aprendizagens – a esse novo jeito 
de conceber o conhecimento, Kalantzis, Cope e Pinheiro (2020) 
denominaram de novos fundamentos básicos. Tais fundamentos, 
por sua vez, opõem-se aos fundamentos básicos tradicionais, cujos 
princípios envolvem pessoas que aprendem regras e obedecem a 
elas de maneira passiva e não questionadora. Os novos fundamen-
tos básicos, em contrapartida, possibilitam novas formas de pensar 
voltadas para a contemporaneidade de maneira fluidae colaborativa. 
Assim, com a perspicácia para a solução de problemas, os sujeitos 
são capazes de conviver em um mundo complexo e suscetível a 
mudanças de forma inovadora e criativa.
Ao considerarmos os novos fundamentos como essenciais para 
o efetivo desenvolvimento dos três propósitos dos “multiletra-
mentos”, - aprendizagem para o mundo do trabalho, da cidadania 
e da participação cívica -, Kalantzis, Cope e Pinheiro (2020, p. 280) 
sintetizam o perfil dos “novos professores”:
i) engajam os alunos como ativos construtores do conhecimento;
ii) projetam ambientes de aprendizado em vez de apenas regur-
gitar e entregar o conteúdo;
iii) fornecem aos alunos oportunidades de usar novas mídias;
iv) usam novas mídias para um design de aprendizagem e facilitam 
o acesso do estudante à aprendizagem a qualquer momento e de 
qualquer lugar;
v) são capazes de atribuir mais autonomia para os alunos para 
que eles sejam mais responsáveis por sua própria aprendizagem;
vi) oferecem diferentes possibilidades de aprendizagem para os 
alunos;
142
MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
vii) colaboram com outros professores, compartilhando designs 
de aprendizagem;
viii) avaliam continuamente a aprendizagem dos alunos e usam 
essa informação para criar novas experiências de aprendizagem.
Sob essa perspectiva, é possível relacionar Bruce (1997, p. 
290-292), que aponta seis posturas comumente adotadas pelos 
educadores em relação às tecnologias: o primeiro comportamento 
seria a neutralidade, em que o/a profissional não adota nenhuma 
conduta específica diante das tecnologias, mas acredita que os 
letramentos envolvem sentimentos e ideias e a tecnologia tem 
relação com “coisas”. A segunda postura seria a de oposição, com 
educadores que resistem à tecnologia, pois ela serve somente para 
vigilância, arregimentação e estratificação social. Em terceiro, 
Bruce (1997) apresenta a postura utilitarista, como aquele pro-
fessor que defende a tecnologia e mostra que esta fornece novas 
ferramentas para o ensino e a aprendizagem. Em seguida, o autor 
elucida sobre a postura cética, sendo essa o lado “pessimista” do 
utilitarista, que não vê grandes perigos com as tecnologias, mas 
que só a utiliza quando lhe é necessário e conveniente. A quinta 
postura é a transformacional, quando o educador acredita que as 
novas tecnologias mudarão radicalmente as práticas de letramen-
to. Por último, na postura estética, as tecnologias podem propor-
cionar ricas experiências de criatividade em recursos midiáticos, 
já que pode valer da associação complexa de multimodos de se 
comunicar, envolvendo, por exemplo, texto verbais e não verbais 
na transmissão de uma mensagem.
Nesse sentido, ainda é importante destacar que Bruce (1993, p. 
9-32) faz um levantamento de resultados de várias pesquisas rela-
cionadas ao tema letramento nos contextos educacionais e aponta 
cinco caminhos para a mudança do modus operandi:
143
MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
1. A mudança consoante: é o tipo de mudança em que a inovação 
está em consonância com os valores do sistema social, facilitando 
ou perpetuando as práticas sociais existentes. 
2. A mudança dissonante: quando há uma mudança nos valores 
e nos comportamentos.
3. Resistência à mudança: como o próprio nome diz, quando há 
uma rejeição à inovação.
4. Cascatas de mudanças: são mudanças que geram novas mudan-
ças quando a inovação tem efeitos secundários.
5. Redesenho da inovação: quando as inovações influenciam as 
práticas sociais.
Considerando que as práticas de letramentos são, para Signo-
rini (2007), práticas sociotécnicas em que se verificam complexos 
amálgamas de tecnologia e outras práticas socioculturais e que estas 
estão em constante processo de transformação, a autora aprofunda 
os conceitos de Bruce (1993), estabelecendo relações entre práticas 
sociais, organização institucional da escola e inovação no ensino 
de língua5. No quadro abaixo, apresenta-se o resumo dos processos 
de mudança conforme Signorini (2007):
5 Embora Signorini (2007) trate das especificidades do ensino de língua materna, a análise deste 
capítulo se baseia nas percepções de três professoras no tocante à alfabetização. 
144
MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
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Quadro 1: Os processos de transformação no ensino da linguagem
A inovação no ensino da língua pode ser....
Experimental por natureza A inovação precisa ser sempre re-
criada nas/pelas práticas e contextos 
sociais em que foi inserida.
Carregada de demandas e desafios Mesmo que a inovação seja necessá-
ria, ela mobiliza desafios e demandas 
que, se não forem atendidos, podem 
inviabilizar as mudanças.
Uma provocação nas mudanças de 
valores
É necessário que haja um grau de 
congruência entre os novos valores 
e os já existentes; quando isso não 
acontece, pode ocorrer: i) rejeição 
da inovação, mudanças radicais nos 
modos de inserção, re-criação da ino-
vação e mudança de valores (tanto de 
quem cria a inovação quanto de quem 
usufrui da inovação).
Resistência Quando a inovação ameaça as formas 
sociais já consolidadas.
Resistência à mudança no campo da 
educação
Os padrões de instrução estão organi-
zados de tal forma que há rejeição ou 
adequação à inovação; especificamen-
te na educação, a inovação é criada por 
professores e alunos.
Feita por atores sociais Esses nunca são receptores de novas 
ideias ou abordagens; atribuem sen-
tido à inovação em função de seus 
interesses.
Feita através de práticas de letramento Professores e alunos agem sobre a 
inovação para adequá-la a seus ob-
jetivos.
Em efeito cascata Em primeira ordem, a inovação afeta 
práticas já existentes; em segunda 
ordem, provoca mudanças nos mo-
dos de raciocinar dos envolvidos; em 
terceira ordem, provoca mudanças de 
maior alcance.
Quadro elaborado pelas autoras com base em Signorini (2007).
145
MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
Conforme descrito acima, o processo de mudança diante da 
inovação parte sempre um contexto limítrofe, o que Freire (2011) 
conceitua como inédito-viável: 
[...] Os temas se apresentam encobertos pelas ‘situa-
ções limite’, que se apresentam aos homens como se 
fossem determinantes históricas, esmagadoras, em face 
das quais não lhes cabe outra alternativa senão adap-
tar-se. Desta forma, os homens não chegam a trans-
cender as ‘situações-limite’ e a descobrir ou a divisar, 
mais além delas em relação com elas, o inédito-viável 
[...]. No momento em que estes as percebem não mais 
como uma ‘fronteira entre o ser e o nada, mas como 
uma fronteira entre o ser e o mais ser’, se fazem cada 
vez mais críticos na sua ação, ligada àquela percepção. 
Percepção em que está implícito o inédito-viável como 
algo definido, a cuja concretização se dirigirá sua ação 
(FREIRE, 2011, p. 130). 
A pandemia causada pelo novo coronavírus fez das aulas re-
motas uma situação-limite, implicando na existência de que quem 
resiste à mudança a nega ou a freia. Trata-se de uma situação-limite 
ameaçadora, na qual muitos educadores se viram desconcertados 
sem saber o que fazer perante as tecnologias. Freire (2011) explica 
que é imprescindível a superação das situações-limite por meio 
do inédito viável, ainda mais num contexto em que os homens se 
acham coisificados. 
Para Bruce (1997), muitos temem que a tecnificação da socieda-
de progrida de tal forma a destruir o que nos resta de humanidade. 
No cenário pandêmico e de isolamento social, foram as tecnologias 
que aproximaram o tecnológico do social; no entanto, elas também 
foram responsáveis pela divisão, já que a ausência de recursos (in-
ternet e equipamentos) e de formação docente/discente também 
146
MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
ficou muito distinta nesse período. Entre diversos tempos sombrios 
e embora nem todos tenham conseguido se aproximar,foi por meio 
da introdução de novas tecnologias funcionando como aparatos que 
novas práticas sociais foram propiciadas. 
Como é possível notar, enormes mudanças nas maneiras como 
as pessoas estavam construindo e participando dos significados 
requerem, portanto, que possamos interagir efetivamente usando 
múltiplas linguagens e diferentes formas de comunicação, cruzan-
do fronteiras nacionais, culturais e comunitárias. Nesse sentido, a 
situação limítrofe de ensino-aprendizagem causada pela pandemia 
propiciou a criação de inéditos-viáveis para que as professoras 
pudessem continuar seus trabalhos com a alfabetização, ainda que 
remotamente. De acordo com Kalantzis, Cope e Pinheiro (2020), o 
processo de alfabetização, atualmente, precisa ser complementado 
por uma aprendizagem sobre o design multimodal de textos, pois 
se faz necessário considerar que:
[...] As capacidades a serem trabalhadas em processos 
de letramento devem envolver não apenas o conheci-
mento de convenções formais por meio de uma varie-
dade de modos, mas também a comunicação eficiente 
em diversos ambientes e usos de ferramentas de design 
de textos que são multimodais, em vez de depender 
apenas da modalidade escrita (KALANTZIS; COPE; 
PINHEIRO, 2020, p. 20).
Assim, uma efetiva cidadania e um trabalho produtivo exi-
gem pessoas capazes de circular pelos letramentos nos âmbitos 
do trabalho, da vida pública e da vida comunitária; nesse caso, 
professores dispostos a navegar por novas pedagogias, em diferen-
tes configurações, com flexibilidade e com olhares para variadas 
perspectivas, reconhecendo as múltiplas formas de comunicação 
147
MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
e construção de sentidos, incluindo os modos visual, sonoro, es-
pacial, escrito e gestual.
Inovação nas práticas de letramentos: a perspectiva das 
professoras 
Considerando que o objetivo deste capítulo seja analisar três 
recortes de relatos de experiência de professoras alfabetizadoras 
que, no contexto da pandemia, tiveram que inovar seus modos de 
ensinar as crianças nos meios digitais, pretende-se discutir, sob a 
perspectiva de Bruce (1983), Signorini (2007) e de Kalantzis, Cope 
e Pinheiro (2020), os processos de mudança e inovação por meio 
da linguagem.
As professoras, à época, lecionavam para turmas de 1º ano do 
Ensino Fundamental I, em uma escola da rede municipal, situada 
no bairro de Cangaíba, região leste e periférica da cidade de São 
Paulo. Essas docentes foram convidadas a participar da pesquisa 
por possuírem bastante experiência como alfabetizadoras e por 
trazerem relatos de experiências durante os encontros formativos 
da unidade escolar6, explicando como atuavam diante dos desafios 
do ensino remoto. Os dados foram produzidos por meio de uma 
entrevista semiestruturada7, na qual as professoras alfabetizadoras 
tiveram que responder às seguintes questões:
1. O que você fez de inovador para o ensino durante a pandemia?
2. Comente o que pode ter inviabilizado/dificultado seu trabalho 
durante a pandemia.
6 Cabe ressaltar que uma das autoras deste capítulo é coordenadora pedagógica na unidade 
escolar em questão e, por isso, teve acesso aos encontros formativos.
7 As professoras participantes da pesquisa assinaram um termo de consentimento livre e escla-
recido para que seus relatos pudessem ser publicados neste capítulo. 
148
MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
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3. Qual foi a maior mudança que você percebeu em seu jeito de 
lecionar? 
4. Você teve dificuldades em relação às mudanças no ensino remoto 
durante a pandemia? Como foi esse processo?
Para dar curso à análise, segue o primeiro relato, no qual a pro-
fessora comenta sobre o que fez de inovador em suas aulas remotas:
Excerto 1 - Professora Michele:
“Tudo o que conhecíamos como prática, ficou “ineficiente” no contexto 
remoto de ensino. Mas muitos foram os anseios pra alcançar o aluno 
e, apesar de não obter o “ideal”, sempre observei a importância de 
‘se valorizar o melhor que pode se fazer com os instrumentos que se 
tem’. Então, utilizei aplicativos de mensagens (Whatsapp/e-mails/) 
e chamadas de vídeo (Whatsapp/ Google Meet) e usei materiais 
impressos e visuais (como vídeos, apostilas e materiais de apoio. 
Nesse aspecto, a escola/coordenadores/secretários deram suporte 
na comunicação e envio dos materiais produzidos e selecionados 
pra atender a individualidade do aluno em sua aprendizagem global 
e, consequentemente, alcançar a alfabetização”.8
A Professora Michele, ao comentar que “tudo o que conhecia 
como prática ficou ineficiente”, transmite a ideia de que o ensino 
remoto na pandemia trouxe mudanças significativas no seu fazer 
pedagógico. Nota-se uma mudança consoante (BRUCE, 1983), na 
qual a inovação está em consonância com as mudanças do sistema 
social, modificando as práticas já existentes. 
No âmbito do letramento escolar e, especificamente o letra-
mento docente, o conjunto de práticas sociotécnicas (SIGNORINI, 
8 Vale ressaltar que os trechos em itálico nos relatos são grifos nossos, de forma a realçar aquilo 
que julgamos como possíveis marcas de inovação no ensino.
149
MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
2007) que se relacionam ao uso de materiais escritos desenvolvidos 
institucionalmente e interligados às práticas da escola também 
foram modificadas à medida que a professora reorganizou seu 
planejamento e desenvolveu materiais que atendessem às espe-
cificidades da criança em processo de alfabetização ao mencionar 
que propôs tais atividades.
Com os alunos cada vez mais inseridos em práticas sociais di-
ferentes devido também às inovações tecnológicas na sala de aula, 
Kalantzis, Cope e Pinheiro (2020) apontam para a necessidade de 
mover a concepção de letramento – no singular – para letramentos – 
no plural. Nesse sentido, foi preciso reconhecer não apenas as mais 
variadas maneiras de comunicar, mas também as formas com que 
eles vêm construindo significados, seja por meio do comportamento, 
da audição, da visão, do espaço ou, ainda, dos gestos. 
É nesse momento, então, que os “multiletramentos” devem 
ser compreendidos nas duas subdivisões. A primeira, caracteriza-
da como multiculturalidade, é percebida aqui a partir do trecho 
“[...] escola/coordenadores/secretários deram suporte na 
comunicação e envio dos materiais produzidos e selecionados 
pra atender a individualidade do aluno em sua aprendizagem 
global e, consequentemente, alcançar a alfabetização”, pois a 
professora concebe a diversidade cultural que compõe a sala de aula: 
são variadas as experiências de vida, os gostos, as identidades etc., 
tornando ainda mais significativa a necessidade de pensar em ma-
teriais e práticas docentes capazes de atender os diferentes campos 
pragmáticos da vida profissional, privada ou cívica. 
Quanto à multimodalidade, o segundo “múlti” dos “multile-
tramentos”, ela pode ser vista em “então, utilizei aplicativos de 
mensagens (Whatsapp/e-mails/) e chamadas de vídeo (Whatsapp/ 
Google Meet) e usei materiais impressos e visuais (como vídeos, 
apostilas e materiais de apoio”, pois integra os variados modos 
150
MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
de construção de significados, como o visual, o auditivo e o espacial, 
característicos da mídia de massa. Somado a isso, é válido salientar a 
importância de aprender a comunicação eficaz em diferentes ambien-
tes e usos das diferentes ferramentas de design de textos multimodais, 
já que os esses não se restringem mais somente à forma escrita. 
Outro ponto a ser destacado é que, ao utilizar aplicativos de 
mensagens e de vídeo, Michele apresenta uma postura utilitarista 
diante do uso das tecnologias que, segundo Bruce (1997), é o perfil 
que usa os recursos tecnológicos de maneira a transformá-los em 
novas ferramentas. Além disso, em conformidade com Kalantzis, 
Cope e Pinheiro (2020), adocente, em consonância aos novos fun-
damentos e novas formas do pensar pedagógico, fornece às crianças 
oportunidades para utilizarem novas mídias, facilitando o acesso à 
aprendizagem a qualquer momento e de qualquer lugar.
Conforme aponta Signorini (2007, p. 218), toda inovação é 
“experimental por natureza”, e a professora, ao mencionar que “va-
loriza o melhor que pode-se fazer com os instrumentos que se 
tem”, traz uma perspectiva de mudança de acordo com os recursos 
que já tem disponíveis. Dessa forma, ela ainda inova no tocante ao 
ensino da língua ao fazê-la através de práticas de letramento, agindo 
sobre a mudança e adequando-a a seus objetivos. 
Em outro momento, as professoras entrevistadas relatam suas 
dificuldades em relação às aulas remotas, como é possível ler no 
seguinte excerto:
Excerto 2 - Professora Michele
“Inicialmente, o desafio foi organizar meus conhecimentos, habilida-
des e... adaptar todos pra uma comunicação tecnológica e eficiente, 
sabe? Que atendesse os alunos e famílias de forma acolhedora, 
compreensiva e efetiva pra aprendizagem. Com o passar do tempo, 
o desafio foi inserir essas famílias nessa comunicação onde a tecnolo-
151
MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
gia era o instrumento para trocar informações e estabelecer vínculos 
com o aluno e muitos não tinham acesso e não sabiam utilizar [...]”.
Ao se deparar com desafios e demandas específicas do trabalho 
remoto, Michele altera os modos como organiza seus saberes profis-
sionais a fim de torná-los mais eficientes. A esse tipo de mudança, 
Bruce (1993, p. 12) denomina de dissonante, pois provoca mudanças 
no comportamento da professora quando esta precisa inserir novos 
comportamentos para lecionar.
Signorini (2007) afirma que tais desafios geram novas deman-
das e, se elas não forem atendidas, podem inviabilizar a inovação, 
daí a necessidade de pensar nos “professores do futuro”. A respei-
to disso, Kalantzis, Cope e Pinheiro (2020, p. 27) discutem que, 
se queremos novos aprendizes, precisamos, também, de “novos 
professores”. A partir dessa concepção e considerando o trecho 
“Inicialmente, o desafio foi organizar meus conhecimentos, ha-
bilidades e... adaptar todos pra uma comunicação tecnológica e 
eficiente, sabe?”, verifica-se a preocupação da docente em projetar 
ambientes de aprendizagem diante das dificuldades existentes no 
período pandêmico. Somado a isso, no fragmento “Com o passar 
do tempo, o desafio foi inserir essas famílias nessa comunicação 
onde a tecnologia era o instrumento para trocar informações e 
estabelecer vínculos com o aluno e muitos não tinham acesso e 
não sabiam utilizar [...]”, também é possível encontrar outra ca-
racterística desses “professores do amanhã” (KALANTZIS; COPE; 
PINHEIRO, 2020), pois há tentativa de não apenas promover o uso 
de novas mídias para pesquisar informação em diversas fontes, mas 
também de avaliar continuamente se os alunos estão aprendendo e 
se estão progredindo, sempre levando em consideração a existência 
de diferentes aprendizes e suas individualidades.
Dando continuidade ao mesmo excerto, professora Michele 
ainda acrescenta: 
152
MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
Excerto 3 - Professora Michele
“[...] O obstáculo foi o número alto de falta de interação dos alunos 
e responsáveis, por diversos motivos, que em sua maioria represen-
tavam a fragilidade social e formativa dos familiares como justifi-
cativas reais, como: ‘Professora, não sei ler, não consigo ensinar’. 
‘Professora, meu filho não quer fazer a lição’. ‘Professora, trabalho 
o dia inteiro e não tenho tempo para ensinar meu filho’. ‘Professora, 
meu celular não aguenta os envios/ ou não tenho internet’. Para esses 
alunos, mantive o contato para assisti-los, ao menos, na acolhida 
e no vínculo entre escola e família”.
Nota-se, aqui, que a professora, ao lidar com o desafio da 
falta de interação entre ela e seus alunos, reconhece o motivo da 
problemática. Além disso, ela ainda justifica tamanho desafio por 
meio da reprodução de falas recorrentes das famílias. Os discursos 
dos pais representam uma resistência, ou seja, a inovação ameaça 
as formas sociais já consolidadas e afetam os padrões de instrução 
das famílias (SIGNORINI, 2007).
Bruce (1993) alerta que, na resistência à mudança, em muitas 
situações, o uso das tecnologias pouco modifica as desigualdades 
subjacentes que, no caso da pandemia, foram intensificadas. Nesse 
cenário, há uma mudança radical no modo como as famílias pre-
cisam lidar com a educação formal das crianças e, por não terem 
conhecimentos científicos das questões pedagógicas e de uso das 
tecnologias, ou por demandas laborais, acabam por adotar uma pos-
tura de oposição à inovação. Na perspectiva do mesmo autor, quem 
se opõe à inovação resiste a ela e não atribui sentido à mudança em 
função do não interesse que apresenta.
Contudo, apesar da resistência apresentada por algumas famí-
lias inerente às dificuldades de acesso às atividades propostas em 
decorrência do isolamento social, a professora, dentro do que foi 
153
MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
inédito e viável (FREIRE, 2011), revela sua perspicácia para convi-
ver com a complexidade das relações sociais e de classe de forma 
inovadora e criativa.
Ainda sobre a problemática dos desafios e demandas na ino-
vação, a professora Luciana traz o seguinte relato:
Excerto 4 - Professora Luciana
“Meu ninho de amor, o meu quarto, virou um escritório. A única coisa 
que meu marido não consegue encontrar sou eu, porque de resto 
tem de tudo: ring light, tem... é... lousa, mesa de trabalho, caderno, 
canetão (risos). Tudo que você possa imaginar, livro... Tudo que 
você possa imaginar tem aqui no meu quarto”.
A Professora Luciana, ao relatar um desafio de ordem pessoal, 
haja vista que as aulas remotas afetam as demandas de seu lar, 
apresenta não exatamente uma rejeição da inovação, mas uma mu-
dança radical nos modos de inserção dessa inovação, pois interfere 
significativamente não só em sua rotina, mas também na de seu 
marido. Sob essa perspectiva, Bruce (1993) afirma que a tecnologia 
deve ser adaptada para atender às novas necessidades sociais; no 
entanto, essa inovação apontada por Luciana catalisou mudanças 
em suas relações familiares. 
Ainda, no trecho “meu ninho de amor”, é possível perceber a 
relação de unificação espacial entre a casa da professora e a sua sala 
de aula, que, no período pandêmico, era on-line. Nessa significativa 
mudança, os professores estão inseridos em contextos de apren-
dizagem multifacetados, em que nem todos os envolvidos – nesse 
caso, professores, alunos e, por vezes, pais/responsáveis – precisam 
estar no mesmo lugar e ao mesmo tempo para aprenderem (KA-
LANTZIS; COPE; PINHEIRO, 2020, p. 7), podendo trabalhar com 
assuntos diferentes entre si em processos/relações colaborativas. 
154
MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
Por consequência, isso possibilita maior autonomia aos estudantes, 
já que eles assumem responsabilidades por sua aprendizagem e 
constroem significados ativamente.
Em outra situação, é válido ressaltar que Luciana explica que, 
em determinado momento de suas aulas de alfabetização, precisou 
fazer a sondagem para verificar as hipóteses de leitura e de escrita 
das crianças, uma forma de avaliar o progresso delas. No entanto, 
no contexto remoto, isso se deu de maneira diversa:
Excerto 5 - Professora Luciana
Nós montamos um vídeo ensinando às mães o passo a passo de como 
realizar a sondagem com as crianças. E aí nós pedimos pra elas grava-
rem, entendeu, o desenvolvimento da atividade, né? Elas viam o vídeo, 
como tinha que fazer, que era somente um ditadinho com as quatro, 
cinco palavrinhas do campo semântico que nós escolhemos, mais a 
frase. Daí, depois, cada vez que a criança escrevesse, elas teriam que 
perguntaré... Que que você escreveu aí? E depois solicitar: agora leia 
com o dedinho, do jeito que você escreveu! Algumas mães, é... a maioria, 
acabou intervindo, ajudando, falando letras. Aí, com essas crianças, o 
que eu fazia, eu marcava um horário e eu ligava por vídeo chamada 
e eu aplicava a mesma atividade, só que eu falava assim: ‘mamãe, 
eu estou aqui realizando a atividade com ele e você só vai gravar, 
entendeu? Aí eu consegui perceber a evolução da criança porque era 
ao vivo, era como se estivéssemos na sala de aula, a diferença era que 
eu não tava do lado dele, ele tava do outro lado do celular, né? 
A professora, nessa situação, apresenta uma postura utilitarista 
da tecnologia (BRUCE, 1997), ao utilizá-la como algo necessário para 
seu fazer docente no contexto da pandemia. Além disso, ao ensinar 
as mães das crianças quanto à abordagem que elas deveriam ter ao 
fazerem a sondagem, a professora inova as práticas de letramento 
ao adequá-las às suas necessidades (SIGNORINI, 2007).
155
MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
Considerando que a inovação é feita por atores sociais agentes 
da mudança, Signorini (2007) ressalta que a estratégia metodo-
lógica que contempla a multiplicidade de abordagens tem como 
referência os atores humanos e não os humanos que constituem a 
agentividade da prática situada. Há, assim, um efeito cascata nessa 
situação (BRUCE, 1993; SIGNORINI, 2007). Em primeira ordem, 
há uma mudança em práticas já existentes, neste caso, nos novos 
modos como a professora interveio na sondagem, pois ela depen-
dia da forma como as mães a fizeram. Em segunda ordem, há uma 
mudança nos modos de raciocinar dos envolvidos, pois as mães das 
crianças tiveram que aprender como sondar as hipóteses de leitura 
e escrita de seus filhos/as. 
Além disso, quando se consideram os trechos “nós montamos 
um vídeo ensinando às mães o passo a passo de como realizar a 
sondagem com as crianças.” e “aí eu consegui perceber a evolução 
da criança porque era ao vivo, era como se estivéssemos na sala de 
aula”, também é possível perceber características do que foi con-
cebido por Kalantzis, Cope e Pinheiro (2020, p. 27) de “professores 
do amanhã”, justamente por não apenas avaliarem o progresso 
dos alunos, mas por utilizarem as novas mídias “para um design de 
aprendizagem e facilitar[em] o acesso do estudante à aprendizagem 
a qualquer momento e de qualquer lugar” (KALANTZIS; COPE; 
PINHEIRO, 2020, p. 7).
Por fim, é importante destacar que esse evento de letramento 
representa um redesenho da inovação (BRUCE, 1993), pois essa 
influencia as práticas sociais que são consonantes com os novos 
valores existentes, principalmente em relação à hipermídia presente 
no universo digital, à multimídia e à mídia de massa.
156
MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
Considerações finais
No contexto de aulas remotas trazido pela pandemia da Co-
vid-19, podemos começar a enxergar as tecnologias como parte de 
um sistema maior de relações; ainda que desiguais, é difícil separar 
o tecnológico do social. 
As tecnologias foram adaptadas para atender às novas de-
mandas sociais e práticas de letramento nos processos de ensino 
e aprendizagem da língua escrita, alterando, inclusive as relações 
sociais: se antes ensinar a ler e escrever era uma responsabilidade 
da instituição “escola”, agora os processos de didatização de saberes 
acadêmico-científicos com vistas à inovação devem considerar o 
caráter situado das práticas de letramento com as famílias e em casa.
Nota-se, portanto, que, nos relatos das professoras, ainda há 
uma postura utilitarista em relação ao uso das tecnologias na apren-
dizagem, pois elas tiveram, em muitos momentos, que recriar os 
valores de mudança em seus padrões de instrução já consolidados. 
Percebe-se, ainda, que, apesar dos “inesperados” causados pela 
pandemia, as docentes não rejeitam a inovação, mas, por meio de 
novas práticas de letramento digital, tentam se adequar a seus obje-
tivos de ensino, a caminho, quem sabe, de uma reflexividade que as 
leve a uma postura transformacional. É por isso que a relação com 
os multiletramentos, segundo Kalantzis, Cope e Pinheiro (2020), 
torna-se tão fundamental, justamente por possibilitarem novas par-
ticipações sociais propiciadas por diversas vivências e experiências 
econômicas, sociais e culturais. Assim, nessas enormes mudanças, 
os alunos tendem a deixar de ser meros consumidores passivos de 
informação e se tornam produtores ativos de conhecimentos.
Diante desse cenário, outro ponto a ser destacado é a necessida-
de de superar o temor em relação à tecnificação da sociedade, pois a 
máquina nos permite construir novas relações sociais. Assim, o que 
157
MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
pode destruir o que nos resta de humanidade não é a tecnologia ou 
as novas práticas de letramento no meio digital, mas a indiferença 
e a forma necropolítica de governar.
A pandemia se apresenta como uma situação-limite esmaga-
dora, mas não foi o impeditivo para que as professoras pudessem 
se adaptar e criar inéditos-viáveis (Freire, 2011). Nesse sentido, elas 
caminham numa direção de construir laços coletivos com as famí-
lias e crianças, como relata a professora Michele, que, ao perceber 
as dificuldades dos pais em relação à tecnologia, tenta, ao menos, 
manter o vínculo e dar acolhimento aos alunos. 
Ressalta-se, por fim, que a inovação é algo construído de manei-
ra porosa e complexa, permeada por instabilidades numa realidade 
que não é dada, pronta e acabada, mas moldada conforme os con-
flitos próprios da atividade docente. Nesse sentido, a banalização 
com que os profissionais da educação e seus estudantes são tratados 
dentro de uma perspectiva neoliberal e necropolítica criando a ideia 
de que, no senso de inovação do ensino da língua escrita, profes-
soras que precisam ser “mulheres-maravilha”, fazendo milagres 
com os recursos próprios, desenvolvendo alternativas de trabalho, 
novos padrões de comportamento e estratégias para sobreviver à 
instituição organizacional e à Covid-19. 
Referências
BRASIL. Projeto de Lei 5595 de 18 de dezembro de 2020. Dispõe sobre o 
reconhecimento da Educação Básica e de Ensino Superior, em formato presencial, 
como serviços e atividades essenciais. Disponível em https://www.camara.leg.br/
proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2267745. Acesso em: 28 mai. 
2023.
 BRUCE, B. C. Innovation and social change. In: BRUCE, B. C.; PEYTON, J. K.; 
BATSON, T.W. (eds.), Network-based classrooms: Promises and realities. New 
York: Cambridge University Press, 1993, p. 9–32.
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MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
BRUCE, B. C. Literacy technologies: What stance should we take? Journal of 
Literacy Research, [S.l.], v. 29, n. 2, p. 289-309, 1997.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2011. 
THE NEW LONDON GROUP. (1996). Uma Pedagogia dos Multiletramentos: 
Projetando Futuros Sociais. Tradução de Deise Nancy de Morais et al. Revista 
Linguagem em Foco, Fortaleza, v. 13, n. 2, 2021. p. 101-145.
KALANTZIS, M.; COPE, B.; PINHEIRO, P. Letramentos. 1.ed. Campinas: Editora 
Unicamp, 2020. 
LANKSHEAR, C.; KNOBEL, M. Sampling the new in new literacies. In: 
LANKSHEAR, C.; KNOBEL, M. (eds.), A new literacies sampler. New York, 
Peter Lang, 2007. p. 1-24.
RIBEIRO, A. E. Que futuros redesenhamos? Uma releitura do manifesto da Pedagogia 
dos Multiletramentos e seus ecos no Brasil para o século XXI. Diálogo das Letras, 
Pau dos Ferros, v. 9, p. 1-19, 2020.
SIGNORINI, I. Letramento e inovação no ensino e na formação do professor de 
Língua Portuguesa. In: SIGNORINI, I. (org.) Significados da inovação no ensino 
de Língua Portuguesa e na formação de professores. Campinas: Mercado de 
Letras, 2007, p. 211-228.
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MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escolade hoje
VoluMe 2 
O PIPOCAR DA MEMÓRIA DOCENTE PARA O 
SABOREAR COLETIVO DOS MULTILETRAMENTOS DO 
INSTAGRAM @me_ajuda_a_olhar
Jessika Gama Ribeiro
Universidade Estadual de Campinas
Lara Nantes Antonio Filomeno Mantovani
Universidade Estadual de Campinas
Patrícia Pinho Andrade
Universidade Estadual de Campinas
“La voz, la escritura, la mirada, el recuerdo súbito o 
la introspección, lo que emerge de pronto para ser 
olvidado, lo que queda latente para un no decir… en 
ese devenir incierto se despliegan las narrativas de la 
memoria, que como la biografía, evocan - y -requieren 
- la figura sensible de la delicadeza”. (ARFUCH, 2018, 
p.789 Kindle*)
Introdução: Pipocando os porquês das narrativas no co-
tidiano escolar 
Um espaço escolar é uma atmosfera em ebulição, na alta tem-
peratura dos dilemas da sociedade. Em sua sempre efervescente 
atmosfera, os profissionais da educação vivenciam e experimen-
160
MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
tam uma série de práticas situadas de aprendizagem, que são um 
convite a um enquadramento crítico dentro da perspectiva dos 
multiletramentos, para uma pedagogia investigativa de novas 
formas de se relacionar com os fenômenos de linguagem nesse 
espaço, que nos convida a narrar os nossos dilemas e estórias. 
O profissional da educação sempre tem uma história para 
contar, uma situação vivida entre os alunos, uma experiência de 
ensino significativa ou algo pertinente que acabou de acontecer; 
conta-se essa narrativa para um colega, um gestor pedagógico ou 
um par mais experiente. Liliam Ricarte de Oliveira, professora de 
Educação Infantil da rede municipal de Campinas, foi além. Em 
2004, criou um blog1 e em 2012 sentiu a necessidade de retomar 
as suas publicações, com o intuito de registrar as narrativas das 
suas experiências do cotidiano que, segundo ela mesma, tocavam 
e transformavam o seu caminhar como professora. Do blog às re-
des sociais mais recentes, em 2021, pós-pandemia da Covid-19, 
a referida professora passou a postar suas reflexões docentes na 
rede social Instagram. 
Essa experiência do narrar, esse chamamento para o diálogo 
com o outro é o que os autores Prado et al. (2017) chamam de pipo-
ca pedagógica. Eles explicam que pipoca pedagógica é um gênero 
textual novo, que envolve uma narrativa,
[...] um ocorrido há pouco que lhe dá vontade de contar 
para a colega que você encontra no pátio da escola, 
na hora do recreio. A pipoca é o escrito desse fato que 
você desejou contar. Portanto, é curta, pequena, uma 
simples e ordinária e comum conversa sobre algo que 
lhe surpreendeu, espantou, intrigou... Curta quanto? 
Não medimos a extensão das pipocas por laudas ou 
1 Disponível em: < https://meajudaaolhar.wordpress.com/a-professora-e-a-escrita/> Acesso em: 
9 jan. 2023.
https://meajudaaolhar.wordpress.com/a-professora-e-a-escrita/
https://meajudaaolhar.wordpress.com/a-professora-e-a-escrita/
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MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
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“caracteres com ou sem espaço”, como num artigo 
científico, mas é curta bastante para nos dar a sensação 
de que é... pequena (PRADO et al., 2017, p. 11-12). 
Nesse sentido, ao narrar o acontecido, esses profissionais pas-
sam a expressar o vivido no gênero textual pipoca pedagógica, cujas 
características abrangem conteúdos não ficcionais, abordagens que 
envolvem a escola, de um modo geral, que são provocadas pelo outro 
em interação com esse narrador em seu cotidiano e estão sempre 
abertas a diferentes interpretações e reflexões. Partindo desse 
pressuposto, a vivência nesse cotidiano de “tempos interessantes2” 
possibilita confrontar o habitus docente e vislumbrar as diferentes 
formas de aprender mais sobre nós mesmos, nossos alunos, o tra-
balho escolar e as relações cotidianas. 
Ainda segundo Prado et al. (2017), as pipocas pedagógicas são 
narrativas que
[...] contam por escrito um acontecimento pontual, 
mas que é prenhe de sentidos, de memórias e de ou-
tras narrativas, que ampliam o contexto dialógico de 
pertencimento e expõem tradições, características, 
tendências educativas de espaços, tempos, planos e 
políticas diversos, criando condições para continuar 
a “dizer” para além do contexto originário (PRADO et 
al., 2017, p. 15).
Para os autores Ferreira, Cunha e Prado (2021, p.179), a busca 
por “uma prática discursiva do indivíduo singular não indiferente ao 
outro, na arquitetônica ontológica eu-para-mim, eu-para-o-outro, 
o outro-para-mim”, dentro de uma influência bakhtiniana, tem, 
2 A expressão remete ao provérbio chinês “mais vale ser um cão em tempos de paz do que um 
homem em tempos de caos”. Nesse sentido, “tempos interessantes” representam os períodos 
de inquietação, guerras e lutas. A escola, por si só, é um vasto território de tempos assim.
162
MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
pela prática da narrativa pedagógica, uma prática emancipatória e 
dialógica. Parte do reconhecimento da professora como pesquisa-
dora da sua realidade, pois “[...] é aquela que interroga a sua prática, 
investiga, documenta o seu trabalho, analisa, faz leituras, dialoga e 
constrói uma forma de compreensão e interpretação da realidade” 
(FERREIRA; CUNHA; PRADO, 2021, p.170). Através da análise de 
diversos registros escritos do cotidiano escolar, como: crônicas, diá-
rios de aula, depoimentos orais e transcritos, memórias de formação 
etc., um gênero discursivo, do tipo secundário, derivado do gênero 
discursivo primário oral, vai se constituindo uma ponte entre uma 
prática instituída sociologicamente e uma prática discursiva que 
possibilita a compreensão mútua em uma comunidade narradora 
– a comunidade de professoras.
 Assim, o objetivo deste capítulo é analisar uma postagem 
do gênero textual pipoca pedagógica disponível no Instagram 
@me_ajuda_a_olhar3 sob a perspectiva dos multiletramentos 
(KALANTZIS; COPE; PINHEIRO, 2020), do conceito de memória 
proposto por Candau (2016); e da linguagem, sujeito, espaço bio-
gráfico e identidades narrativas, conforme Arfuch (2010; 2018). 
Rubem Alves, em sua célebre crônica à pipoca, utiliza da metáfora 
culinária para associar a transformação do eu na ebulição dos en-
contros e no calor dos dilemas:
(...) conversando com uma paciente, ela mencionou a 
pipoca. E algo inesperado na minha mente aconteceu. 
Minhas ideias começaram a estourar como pipoca. 
Percebi, então, a relação metafórica entre a pipoca e o 
ato de pensar. Um bom pensamento nasce como uma 
pipoca que estoura, de forma inesperada e imprevisível. 
A pipoca se revelou a mim, então, como um extraordi-
nário objeto poético. Poético porque, ao pensar nelas, 
3 A postagem a ser analisada intitula-se “O eu, o outro e o nós”, foi escrita pela professora em 
outubro de 2020 e publicada no Instagram em 1 set. 2021.
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MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
as pipocas, meu pensamento se pôs a dar estouros e 
pulos como aqueles das pipocas dentro de uma panela 
(ALVES, 1999, p. 59-64).
Esses estouros movimentam o pensamento docente nos diver-
sos ritmos da escola, atribuindo um significado incomensurável, que 
se dá pelo impacto lúdico de tais práticas. Nesse sentido, Luckesi 
(2022), explica que os atores escolares, passam a experienciar um 
contato profundo consigo mesmos, estabelecendo uma experiên-
cia plena que contempla, para além da construção de saberes, um 
equilíbrio entre o sentir, o pensar e o agir. Isso se dá pela ludicidade 
presente nas narrativas feitas pelo professor, já que o cotidiano 
escolar, mais do que um espaço de preparo para um conteúdo, é 
um espaço dinâmico de tomada de consciência do seu aprender, 
no desenvolvimento da identidade desses sujeitos. Esse desejo sig-
nificativo de narrar o ocorrido acontece naturalmente de maneira 
oral pelos corredores da escola ou na sala dos professores, tecendo 
a identidade desses profissionais, que passam a contemplar suasmemórias em seu próprio processo de subjetividade profissional, 
em estágios de novas consciências em torno do seu eu docente. 
Portanto, narrar por escrito provoca em quem narrou uma relação 
outra com o acontecido ao entrar em contato com uma materiali-
dade coletiva, “[...] a narrativa escrita por professoras se configura 
como uma leitura propositiva da realidade, que se funda na cul-
tura e na memória, ao mesmo tempo em que busca diálogo com 
um futuro possível”(FERREIRA; CUNHA; PRADO, 2021, p. 182). 
Permeada por processos de diversificação, de acordo com Georgaka-
poulou (2015), a pesquisa sobre pequenas narrativas vai também 
na direção de um contramovimento aos modelos dominantes de 
estudos narrativos, pois, se antes limitavam a narrativa a uma forma 
textual restritiva ou priorizavam um tipo específico de narrativa 
(relatos longos, ininterruptos, conduzidos por contadores de eventos 
164
MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
passados), agora, os estudos culturais e da linguagem reconhecem 
o pluralismo, a heterogeneidade e a coexistência produtiva desses 
textos menores. 
Ainda segundo Georgakapoulou (2015), a pesquisa de peque-
nas histórias foi concebida como um movimento organizado para 
colocar aquilo que não é considerado canônico como corpus para a 
análise acadêmica, haja vista que, dentro da Sociolinguística, prio-
rizam-se as identidades em interação. Nesse sentido, as pequenas 
narrativas possuem caráter biográfico, pois enfatizam experiências 
afetivas e subjetivas com que as pessoas dão sentido a si mesmas e 
às práticas de linguagem.
Tendo em vista que as pequenas narrativas trazem questões 
de afetividade, subjetividade e linguagem, Georgakapoulou (2015) 
explica que tais histórias apresentam quatro características espe-
cíficas: 
i) representação de desdobramentos de eventos não ou multili-
neares sequenciados (ou não); 
ii) ênfase na criação do mundo, na narração de eventos ordinários 
e cotidianos;
iii) possibilidades de desvinculação e recontextualização de uma 
história em um ambiente específico; 
iv) co-construção do ponto de vista de uma história, eventos e 
personagens entre o narrador e o público. 
Nessa ótica, os lugares de produção de conhecimento não 
são mais os locais superprotegidos e legitimados. As identidades 
não seriam mais resultados de singularidades, como gênero, raça, 
classe social etc.; elas são desenvolvidas nas complexas fronteiras 
165
MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
dos mais diversos contextos históricos e sociais, o que foi denomi-
nado por Bhabha (1998) de “entre-lugares”. Sob a perspectiva do 
autor, o “entre-lugar” é, então, concebido como um pensamento 
considerado liminar e construído nas bordas, nas fronteiras e que 
abarca duas instâncias da experiência humana. Em uma relação 
interpretativa e analógica com nosso estudo, entre os corredores 
da escola e as corridas pela cidadania global, há um entre-lugar de 
encontro de narrativas efervescentes, no qual o docente enxerga 
os sujeitos em suas complexidades e não somente em seus propó-
sitos sociais. A linguagem concisa das pipocas pedagógicas se dá 
em virtude da relação com o acontecimento situado e vinculado 
ao seu horizonte, nas quais as narradoras estão envolvidas com a 
situação. “Na pipoca, é o outro que mobiliza a escrita e os acon-
tecimentos narrados geralmente são momentos em que está em 
destaque, uma vez que há a percepção ou compreensão de algo 
que só foi possível por causa dele” (FERREIRA; CUNHA; PRADO, 
2021, p. 175). 
O currículo escolar, herança de um projeto de modernidade, é 
problematizado pelo docente que passa a não contemplar somente 
modelos (metanarrativas) mais gerais, os quais têm a função de 
organizar o mundo, pois se nota que eles não se situam em campos 
fechados, mas se alteram, fragmentando várias outras possibilida-
des de atribuir significados às nossas práticas de conhecimento. A 
partir desse momento, então, o mundo emergente não será mais 
um objeto de representação, mas ele também poderá transformar 
historicamente o plano cultural (BHABHA, 1998), a partir dos dile-
mas situados de seus pequenos e potentes sujeitos de aprendizagem 
e atores escolares.
Sob essa ótica, infere-se que a diversidade cultural não pode 
ser domada/quantificada, pois ela é caótica, faz fluir e não se fixa 
em lugares, permitindo a alternância de posição política a partir da 
mudança de perspectivas. Em uma perspectiva crítica e transfor-
166
MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
madora, é preciso questionar as hierarquias classificatórias e borrar 
esses limites, categorias, formulações e pensar em formas mais hí-
bridas do saber. Nessa concepção, os lugares de produção de conhe-
cimento não seriam mais os locais superprotegidos e legitimados, 
mas entre-lugares. Assim, a professora Liliam Ricarte de Oliveira, 
durante a pandemia, precisou, na situacionalidade das práticas de 
letramentos, encontrar um entre-lugar entre o currículo formal e 
portador de gêneros canonizados para converter sua experiência 
com o tema gerador dos gêneros híbridos, tanto na composição 
narrativa quanto no compartilhamento midiático, proporcionando, 
para além de relações interpretativas de determinado saber, relações 
identitárias e culturais.
Arfuch (2010) argumenta que devemos considerar o espaço 
biográfico como um horizonte de inteligibilidade e não como uma 
mera soma de gêneros textuais, pois é nesse espaço que se consti-
tuem possibilidades de leituras transversais, simbólicas, culturais e 
políticas das narrativas do eu e de seus inúmeros desdobramentos 
na contemporaneidade. O espaço biográfico não permite apenas 
o acesso a uma cultura, mas a produção de culturas a partir da 
experiência com os seus múltiplos elementos disponíveis para 
criação de significados e memórias. Considerando tal produção 
de culturas, inclusive a cultura midiática, a pesquisa contemplada 
por Paladine e Navas (no capítulo 3 desta coletânea), investiga 
uma sequência didática intitulada “Som e Letra”, na qual analisam 
uma sequência didática que tem como objetivo explorar múltiplas 
modalidades de linguagem a partir da produção do gênero podcast, 
envolvendo não somente sons, instrumentos e estilos musicais, 
mas também os ritmos das culturas juvenis. Nesse sentido, ana-
lisam, na perspectiva multiletrada, como o material didático, 
mediado e ressignificado pelo docente, pode levar os estudantes a 
perceberem no próprio tom de voz, tema de narração e composição 
de um podcast uma micronarrativa situada de transformação. Tais 
167
MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
experiências subjetivas referem-se à construção da identidade e 
do caráter biográfico dessas pequenas narrativas. 
Ainda para a mesma autora, as abordagens culturais se incli-
nam para a escuta da voz e do testemunho dos sujeitos, delineiam 
um território que, embora valorize a trajetória individual, está em 
busca dos acentos coletivos. A ideia de “biográfico”, portanto, em 
primeira instância, remete ao universo de gêneros discursivos con-
sagrados que tentam apreender a qualidade evanescente da vida. 
Contudo, as autobiografias, as confissões, as entrevistas, os diários 
íntimos deixam impressões e rastros, dando ênfase na singularidade 
e no transcendental. 
Assim, retomando a epígrafe que abre este capítulo, a voz, a 
escrita, o olhar e a lembrança são materializados nas pipocas pe-
dagógicas escritas pela professora Liliam, expressando, de fato, sua 
sensibilidade, sua delicadeza e os dilemas do cotidiano da escola. 
Ao serem postadas em sua rede social, elas promovem, além de nu-
trição estética para quem acompanha os posts, novas significações 
para a área docente. 
Estourando novos modos de construção de significados 
pedagógicos 
O espaço escolar, há muito condicionado a comunicar as narra-
tivas da sociedade paraorganizar seus rituais e modos de vida diante 
de um novo dilema histórico – neste caso, o cerceamento da quaren-
tena –, teve, nos designs criados por Liliam em seus contextos, uma 
possibilidade de compartilhar e representar suas narrativas locais 
e possibilitar novos olhares coletivos em torno do espaço escolar. 
Os multiletramentos envolvem, para além de uma ressignificação 
das narrativas culturais, a produção de designs permeados de novos 
sentidos e memórias, “significados experienciados, que se juntam 
168
MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
em padrões que fazem sentido em nossa realidade cotidiana.” 
(KALANTZIS; COPE; PINHEIRO, 2020, p. 167). Em outras palavras, 
trata-se de uma escrita que passa a ser repleta de vozes diversas e 
multiculturais do contexto educacional. 
Outro ponto a ser ressaltado é a constante transformação da 
profissão docente, professores se tornam designers de ambientes de 
aprendizagem que engajam não só alunos como ativos construtores 
de significados, mas também interagem com outros professores 
ao compartilharem esses designs. De acordo com os autores, esta 
é a dimensão que nos convida a uma perspectiva multicultural, 
a analisar, para além de múltiplas modalidades de produção de 
significados, a investigação dos ambientes comunitários em suas 
organizações quanto aos papéis sociais, relações interpessoais, 
identidades e assuntos. 
No trânsito e fluxo dessas produções e de diversas práticas 
de letramentos, na prática situada contemplada pelos Multiletra-
mentos, o design envolve uma dupla dimensão entre o que iremos 
comunicar nesses espaços e o modo como articulamos contextos 
para uma produção interacional, repleta de significados sociais. 
Assim, esses ambientes ganham um foco exponencial para análises 
críticas em torno das identidades sociais inseridas numa situa-
cionalidade dos fenômenos de linguagem, já que eles envolvem a 
multissemiose dos gêneros textuais presentes na atualidade e as 
múltiplas culturas em contato.
Nesse sentido, os Multiletramentos se fazem pertinentes 
no que diz respeito à construção de significados, pois, ainda de 
acordo com Kalantzis, Cope e Pinheiro (2020) o termo em questão 
se refere a dois aspectos principais: i) à diversidade social e sua 
variabilidade de convenções de significado em diferentes situa-
ções culturais e sociais; e ii) à multimodalidade, como resultado 
dos novos meios de informação e comunicação, já que a constru-
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MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
ção do conhecimento se dá por meio da integração de diferentes 
modos (visual, sonoro, escrito, espacial, tátil, gestual e oral). 
Toda construção de significado é um processo de representação, 
cujos pensamentos são narrativas internalizadas e, no ato de comu-
nicação, são externalizadas por meio de expressões de significado 
para serem interpretadas por outrem. Nesse sentido, as pipocas 
pedagógicas permitem aos interactantes, para além de um estourar 
de possibilidades de interpretação, saborear as múltiplas linguagens 
que se hibridizam em gêneros carregados de uma singularidade 
única à realidade cultural dos atores escolares, uma dimensão que, 
de acordo com Luckesi (2022), só pode ser assimilada, estudada e 
compreendida pela vivência mútua da cultura, com todos os seus 
valores vivenciados por aqueles que compõem o hábito da rotina 
imersa e experienciada na multiculturalidade. 
Assim, para interpretar as possibilidades de significados pre-
sentes nas pipocas pedagógicas a serem analisadas, vamos nos deter 
nos modos de significação escritos , visuais, espaciais e gestuais que, 
a nosso ver, emergem nas postagens da professora, já que trazem, 
no narrar dela expressões, movimentações e comportamentos das 
práticas escolares ressignificadas naquele contexto, considerando 
que as pipocas selecionadas foram escritas durante a quarentena. 
Para tanto, segue o quadro abaixo com as definições dos respectivos 
modos de significação e de que forma isso será analisado nas duas 
postagens selecionadas:
 
170
MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
Quadro 1: Modos de significação escritos, visuais, espaciais e gestuais
Significados escritos
traços da língua que podem ser interpretados por 
meio de classes de palavras ou da sintaxe gramatical 
(usos de pronomes, modos e tempos verbais, adjeti-
vos, expressões com duplicidade de sentidos, fontes 
e tamanho das letras). 
Significados visuais
composição das imagens estáticas ou em movimento 
por meio de imagens perceptuais (fotos, enquadra-
mento de paisagens, céu, árvores, ângulos de observa-
ção) e imagens mentais (aquilo que imaginamos por 
meio das descrições feitas pela professora). 
Significados espaciais
posicionamento físico do enunciador em relação ao 
outro, criação/exploração dos espaços e das formas de 
se movimentar, por meio de expressões que descre-
vem o espaço tanto em que da narrativa não ficcional 
aconteceu quanto o local de publicação, neste caso, 
o Instagram.
Significados gestuais
percepção por meio de movimentos do corpo, ex-
pressões e comportamentos revelados pela escrita 
da professora e que criam, no leitor, as imagens 
mentais do ocorrido, por meio de descrição de ações 
e adjetivações em relação aos personagens reais que 
compõem a narrativa.
Fonte: Elaborado pelas autoras, com base em Kalantzis, Cope e Pinheiro (2020).
Entendemos que os modos de significação acima mencionados 
se sobrepõem nas duas pipocas pedagógicas narradas pela profes-
sora, pois em suas postagens (que serão analisadas adiante), ela 
explora diferentes fontes, tamanhos e cores, associa essa narrativa a 
imagens estáticas, descreve o espaço virtual e físico como contexto 
de produção escrita, bem como sinaliza a movimentação gestual 
dos sujeitos envolvidos na situação de interação vivida por Liliam. 
Nesse sentido, sua prática docente passa a se fundar na narrativa da 
experiência, pois é fruto de uma atuação consciente, preocupada e 
atenta ao seu cotidiano, que parte da subjetividade da professora e 
se materializa como a vida que se vive, constituindo-se em memória 
coletiva ao ser postada na rede social. 
 
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MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
Pipocas pedagógicas na internet: do individual ao 
Instagram como memória coletiva
Os múltiplos significados suscitados pela linguagem surgem do 
cruzamento não somente entre as informações que relembramos, 
mas das sensações que experimentamos nos fenômenos corporais, 
ou seja, da nossa relação com nós mesmos, com um outro e com o 
mundo. Kalantzis, Cope e Pinheiro (2020, p. 273) alertam que na 
perspectiva dos Multiletramentos, “os espaços moldam os fluxos, 
que são as maneiras pelas quais nos movemos através dos espaços, 
cujos significados são baseados em suas funções, projetadas por 
pessoas”. Assim, mais do que uma relação de lembrança, os sig-
nificados táteis produzidos pelos sujeitos propiciam significados 
primários, essenciais para nossos sistemas de significado, pois se 
conectam ao mundo íntimo dos nossos sentimentos. 
O nosso eu está sempre em relação dinâmica com o outro em es-
paços de encontros e interações sociais. Essas relações suscitam o des-
pertar de nossas protomemórias como abordado por Candau (2016), 
já que todo indivíduo é dotado de memória, faculdade essa que decor-
re de uma organização neurobiológica complexa. Contudo, Candau 
(2016) se propõe a conceituar como a memória se manifesta, consi-
derando a variabilidade dos indivíduos, dos grupos e das sociedades. 
A primeira memória conceituada pelo autor é a protomemória, 
ou memória de baixo nível, que constitui os saberes e as ex-
periências mais resistentes e compartilhadas pelos membros 
de uma sociedade. É uma memória procedural, que envolve a 
repetição e o hábito e é incorporada às múltiplas aprendiza-
gens desde a infância. Ainda, ancora-se em práticas e códigos 
implícitos,costumes introjetados e é, por fim, uma memória 
imperceptível que ocorre sem que se tenha consciência dela. 
A segunda memória conceituada pelo autor é a memória de 
alto nível, essencialmente uma memória de recordação, de re-
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MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
conhecimento, de lembranças autobiográficas, uma espécie de 
memória enciclopédica. Ele também aponta a metamemória 
como a representação que cada indivíduo faz de sua própria 
memória, o conhecimento que tem dela e o que diz sobre ela. 
Os três níveis de memória conceituados por Candau (2018) 
referem-se a um plano individual. No entanto, no momen-
to em que avançamos para o nível de grupos ou sociedades, 
a memória deixa de ser uma faculdade individual e passa a 
ser coletiva, pois é a representação de uma memória suposta-
mente comum a todos os membros de um determinado grupo. 
A taxonomia proposta pelo autor em questão, portanto, faz-se im-
portante para a análise das pipocas pedagógicas no que diz respeito à 
rememoração consciente (ou não) de uma realidade vivida pelo pro-
fessor. Nesse sentido, ao olharmos para essas pequenas narrativas, é 
requerido que se tenha uma escuta atenta para o narrador, uma dispo-
sição para o outro, uma abertura afetiva e uma curiosidade analítica. 
Segundo Arfuch (2018), as narrativas que envolvem a memória 
partem de uma abordagem analítica em torno da linguagem, 
do sujeito, do espaço biográfico e das identidades narrativas. 
Para isso, retomando Bhabha (2001), tanto a ação quanto a 
própria sentença e os elementos devem ser lidos como texto 
social, logo, as posições têm que fluir, alternarem-se e, para ter 
enunciação, precisa não ter apenas fala, mas também um lugar 
de escuta, sendo ambos lugares não fixados “entre-lugares”. 
Por consequência, a linguagem, enquanto sistema, é a cons-
trutora do mundo e da subjetividade, habita o discurso e a 
corporeidade; é palavra, mas também é gesto, ação e forma de 
vida. A concepção de sujeito, por sua vez, é, pois, constitutiva-
mente incompleta, modelada pela linguagem, cuja dimensão 
é dialógica, aberta e construída pelo outro da interlocução. 
O espaço narrativo, já para Arfuch (2018), não é apenas o con-
junto de gêneros consagrados, mas sua expansão contempo-
173
MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
rânea em formas híbridas, em estilos e em suportes em que a 
experiência subjetiva é narrada sob diferentes estilos e registros. 
Por último, o “como” se conta uma história, como se articula a 
temporalidade na narrativa, como se desenvolve a trama tem-
poral da memória e como as vozes e as personagens são enfa-
tizadas revelam uma identidade narrativa pessoal e coletiva, 
ou seja, a heterogeneidade e incompletude de cada indivíduo. 
Dessa maneira, é inerente às pipocas pedagógicas o caráter narrativo 
da experiência e da memória que permitem o vaivém entre o tempo 
da narração, o tempo da vida e o da própria experiência. 
@me_ajuda_a_olhar? Uma análise das pipocas pedagógicas 
Os corpus de análise são duas pipocas pedagógicas postadas 
no Instagram @me_ajuda_a_olhar, em que uma professora de Edu-
cação Infantil da rede municipal de Campinas, professora Liliam 
Ricarte de Oliveira, posta fotos e textos de seu cotidiano escolar. 
Justificamos a escolha dessas duas narrativas porque elas trazem 
desdobramentos de eventos multilineares, eventos do cotidiano que 
ocorrem em um ambiente específico e que possuem a co-construção 
de um ponto de vista da história (GEORGAKAPOULOU, 2015). Além 
disso, sob a perspectiva da linguagem, nossa seleção de pipocas 
pedagógicas se dá pelo discurso que está além das palavras, pois, 
segundo Arfuch (2018), o discurso também passa pelo corpo, pelos 
gestos e ações transversadas de experiências sociais e complexas, 
já que as narrativas em questão foram escritas em um contexto de 
trauma como a pandemia.
174
MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
Figura 1: Postagem sobre o cotidiano escolar pandêmico feita pela 
professora Liliam de Oliveira.
 
Fonte: Instagram.4 
Geralmente, as postagens incluem fotos das crianças em in-
teração com alguma proposta pedagógica ou pipocas pedagógicas 
escritas pela professora. Nesse caso, o primeiro texto escolhido 
intitula-se “Eu, o outro e eu mesmo” e foi publicado na referida rede 
social no dia 13 de outubro de 20205 ainda no período mais crítico 
causado pela Covid-19. 
A começar pelo título, “Eu, o outro e eu mesmo”, questionamo-
-nos quem seriam esses sujeitos/personagens participantes da pipo-
ca pedagógica. O pronome “eu” refere-se a diferentes “eus” – nesse 
caso, à professora e à criança que se observa pela tela. O pronome 
indefinido “outro”, ainda que seja categorizado como indefinido, ao 
ser precedido do determinante “o”, especifica que esse “outro” é a 
4 Disponível em: https://www.instagram.com/p/CTR_PICMefk/?hl=pt-br. Acesso em: 9 jan. 
2023.
5 Pipoca pedagógica. Disponível em: <ht tps: / /www.instagram.com/p/CTR_
PICMefk/?igshid=YmMyMTA2M2Y=> Acesso em: 15 jul. 2022.
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MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
própria criança na tela, mas também denota a ideia de incompletude 
do sujeito, haja vista que o movimento cíclico construído no título 
por meio da enumeração dos termos se encerra em “e eu mesmo”, 
criando um efeito rotacional. 
De acordo com Arfuch (2018), a concepção de sujeito e de 
incompletude trazem um protagonismo simultâneo em relação à 
linguagem, pois aquele que habita as palavras do discurso enuncia 
para e por um outro. A confluência desses “eus” carrega a intersub-
jetividade entre professora e alunos e a escuta atenta dela. 
Ao final da pipoca pedagógica, a criança, depois de ser questio-
nada pela professora sobre o movimento que fazia na tela, respon-
de: “Eu tô vendo eu mesmo na tela”, o que demonstra, mais uma 
vez, um protagonismo simultâneo, pois a relação dialógica é dela 
consigo mesma, seus gestos são a materialização da linguagem e 
da enunciação. 
Em relação aos sujeitos participantes da narrativa, com uma 
simples leitura, notamos que são as crianças e a professora. Por meio 
de algumas marcas linguísticas, também constatamos a identidade 
narrativa de quem é o contador dessa história. Nesse caso, o uso da 
primeira pessoa como “observo essa criança”, “imaginei que tinha 
aberto outra aba” e “fico curiosa” revelam ser a professora-narradora 
e alguém que se identifica com o gênero mulher, somado ao fato de 
que ela é, ao mesmo tempo, personagem e narrador. 
A partir disso, Arfuch (2018) salienta que a identidade narra-
tiva abrange tanto a identidade pessoal quanto a coletiva, e esses 
dois polos - si mesmo e o si mesmo na relação com outro - oscilam 
sempre, o que comprova as inúmeras facetas da heterogeneidade 
de cada ser. 
Ainda com base nesse autor, além das múltiplas vozes que 
situam “um quem” na contação, a identidade narrativa marca a 
experiência do indivíduo em um antes e um depois, pois é a tem-
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MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
poralidade, por meio da inteligência narrativa, que cria um relato 
num “terceiro tempo”. O tempo em que lemos a narrativa é um, o 
tempo em que foi escrito é outro. Nos trechos: “Encontro pelo meet 
da última semana” e “Entre elas, uma que, por participar sema-
nalmente, usa o aplicativo sem grandes dificuldades”, é possível 
perceber que os marcadores temporais também trazem sentido para 
o leitor e contextualizam a situação de ensino. 
No excerto “Em um determinado momento, observo essa 
criança inquieta em sua cadeira”, a expressão em destaque, além 
de reforçar a linearidade dos acontecimentos, demarca-se o clímax 
da narrativa na estrutura canônica, já que o leitor atento terá uma 
quebra de expectativa. 
No que diz respeito à memória, os marcadores temporais “úl-
tima semana”, e “semanalmente”, além de algumas adjetivações 
como“poucas crianças”, “chegam animadas” ainda remetem à 
ideia de recordação. Nesse sentido, Candau (2016) explica que a 
memória de alto nível é uma invocação involuntária de lembranças, 
já a metamemória é a representação que cada indivíduo faz de sua 
memória. Assim, as expressões linguísticas que marcam a tempora-
lidade e as características dos sujeitos, de certa forma, representam 
a memória de alto nível; contudo, ao mesmo tempo em que a pipoca 
pedagógica se materializa enquanto gênero, ela se insere no nível 
da metamemória, pois essa é a representação que a narradora fez 
de suas recordações. 
A professora, ao mencionar “encontro pelo meet da última 
semana” e ao descrever o lugar em que a criança acompanhava a 
aula como no trecho “(...) observo essa criança inquieta em sua 
cadeira”, molda os significados espaciais em que ambas habitam, 
nesse caso, um espaço virtual, o Meet. Pensando nesse contexto, 
Kalantzis, Cope e Pinheiro (2020) explicam que os espaços moldam 
fluxos; assim, também percebemos essa sintaxe de movimento por 
177
MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
meio da sequência descrita pela professora ao observar a inquie-
tação de seu aluno: “Em um determinado momento, observo 
essa criança inquieta em sua cadeira. Se mexe, faz caretas, dá 
risada”. Tal sequência de movimentos confere, ainda, um esculpir 
da aparência do corpo do aluno que, ao ser comunicado pela pro-
fessora, constrói significados para ela, já que Liliam interpreta que 
a criança, possivelmente, não está atenta à aula e poderia estar em 
outra aba da internet. 
Além disso, as expressões “inquieta”, “se mexe”, “faz caretas” 
e “dá risadas”, também remetem à memória de baixo nível, pois, 
segundo Candau (2016), os esquemas e as cadeias operatórias 
inscritas na linguagem gestual contrariam o ethos; no entanto, tal 
situação revela uma ruptura com o hábito construído ao se utilizar 
o Meet, já que só, naquela interação consigo mesma, representada 
na tela por seu corpo “outro”, é que a criança passa a construir uma 
nova memória. Nesse sentido, mas agora sob a perspectiva dos mul-
tiletramentos (KALANTZIS; COPE; PINHEIRO, 2020), a narrativa 
internalizada pela professora e retomada por sua memória, cria 
uma representação ao construir significados para si mesma e, ao 
comunicá-la por meio da postagem, essa mesma narrativa é exter-
nalizada para que outros possam construir diferentes significados. 
Já no excerto “Algumas poucas crianças chegam animadas. Entre 
elas, uma que, por participar semanalmente, usa o aplicativo sem 
grandes dificuldades”, a expressão em destaque também apresenta 
relação com a memória, pois a partir do momento em que os sujeitos 
são capazes de utilizar a plataforma Meet sem grandes dificuldades, 
por meio de certo automatismo em consequência da construção 
de um hábito, nota-se uma experiência incorporada, que é o que 
Candau (2018) chama de protomemória ou memória de baixo nível. 
Por último, o fato de a professora escrever e publicar sua pipoca 
pedagógica em um Instagram com essa finalidade faz com que ela 
também passe a construir uma memória coletiva, haja vista que 
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MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
há outros “outros” que a seguem e leem o que ela escreve, com-
partilham seus textos, refletem sobre as práticas pedagógicas da 
professora ou se inspiram em seu trabalho. 
Por sua vez, o próximo corpus a ser analisado é uma outra pos-
tagem de Liliam na mesma página. Nela, intitulada “minha casa”, a 
professora traz seu primeiro contato presencial com uma aluna que, 
com frequência, assistia às suas aulas virtuais durante a pandemia. 
Ao caminharem pela escola, espaço em que elas se encontraram, a 
professora expressa sentimentos de calmaria enquanto conversa-
vam pelo lugar. A última fala da aluna retratada no post (i.e. “Foi 
o melhor dia da minha vida conhecer a sua casa” (grifo nosso) 
revela-se, no entanto, inusitada, já que ela atribui a noção de casa 
à professora, como se o espaço fosse o lar, o abrigo de Liliam. 
Figura 2: Postagem sobre o retorno ao espaço escolar pós-pandemia, feita pela 
professora Liliam de Oliveira.
 
Fonte: Instagram6 
6 Disponível em: https://www.instagram.com/p/CTCPNgGrtpa/?hl=pt-br. Acesso em: 9 jan. 
2023.
https://www.instagram.com/p/CTCPNgGrtpa/?hl=pt-br
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MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
Em certo sentido, propõe-se aqui a reflexão de “casa” sob a 
perspectiva de outro viés de espacialidade: a casa descrita como um 
espaço de pertencimento (não em sua totalidade, mas parcialmente) 
pois, da mesma maneira que pode ser vista como uma moradia, pode 
representar um certo grupo de pessoas, uma comunidade. Além 
disso, em um sentido mais geográfico de casa, verifica-se também 
a ampliação desse espaço, já que, no campo virtual, a ubiquidade7 
tende a ser uma característica frequente, desconstruindo seu caráter 
fixo/concreto. 
Dessa maneira, a professora ao dar ênfase no título do es-
paço a “MINHA CASA” em caixa alta na diagramação, carrega, na 
interpretação da aluna, a sua relação com o espaço - ou seja, um 
possível não reconhecimento da dimensão pública. Assim, apesar 
de o espaço ser público, a posse é atribuída pela aluna à docente, 
não atribuindo um “nosso” à sua relação do sujeito com esse espaço. 
Muitas protomemórias (CANDAU, 2016) fazem parte do universo 
social, como é o caso da ida à escola, presente no imaginário social 
de indivíduos que dificilmente se questionam sobre a necessidade 
ou existência dela, mas que apenas possuem como pressuposto o 
fato de que é necessário frequentá-la.
Já na expressão “só a conhecia virtualmente”, reside a limi-
tação do contato entre aluna e professora. Há, de certa forma, uma 
ênfase no advérbio “só”, que exclui as possibilidades de contatos 
sensoriais. Soma-se a isso o uso do advérbio “virtualmente” para 
demarcar um não espaço físico e, portanto, não permeado de sen-
sações, apesar de repletos de sentimentos no diálogo do design. 
Na declaração da docente, o adjetivo “velha”, atribuído a uma 
jovem criança, demarca dois níveis de memória. A primeira refere-
-se à memória procedural que, segundo Candau (2016), remete 
ao hábito, constituído diariamente entre a professora e a aluna; 
7 i.e. o acesso aos meios digitais a qualquer hora e em qualquer lugar, desde que se tenham 
recursos e letramentos para isso.
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MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
já a segunda memória é a de alto nível, pois Liliam materializa as 
características da criança em sua pipoca pedagógica por meio dos 
adjetivos “participativa”, “alegre”, “conversadeira” e “calma”. 
Nesse sentido, os corpos que habitam esses espaços também 
merecem ser destacados, pois desenvolvem relações identitárias 
não somente com esses ambientes, mas também com outros corpos 
com os quais entram em contato. Na prática, isso fica evidenciado 
pelo uso da expressão “circulando pela escola, brincando e co-
nhecendo cada espaço”. Somado a isso, observa-se também o uso 
do gerúndio nos verbos “circulando”, “brincando”, “conhecendo”, o 
que possibilitou a interpretação de uma ideia mais dinâmica dessas 
ações e carregada de experienciação.
Além disso, também é importante salientar a dualidade espa-
cial em que essa noção de lar está presente, sendo ora um local de 
proteção, ora um terreno de relações sociais. É nessa compreensão 
de “casa” como um lugar de significados instáveis que o conceito 
de protomemória proposto por Candau (2016) pode ser inserido. A 
representação que a criança faz da casa é o próprio senso prático 
que logo age no corpo, sendo caracterizada como inconsciente e 
imperceptível. Em outras palavras, é vista como os espaços organi-
zadores de ações e características de um grupo que repassa a outras 
gerações suas práticas quase que de forma inconsciente, visto que 
elas estão tão enraizadas nos sujeitos que essesnão pensam sobre 
o porquê dessa prática, apenas a fazem.
 Sob o olhar dos multiletramentos (KALANTZIS; COPE; PI-
NHEIRO, 2020), por sua vez, nota-se no trecho “enquanto ela 
calçava os seus sapatos” que esse inconsciente imperceptível 
perpassa, novamente, a fronteira entre público e privado, já que, 
ao narrar esse movimento corporal da aluna, percebemos um com-
portamento típico de quem é convidado e de quem está à vontade 
diante de seu anfitrião.
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MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
É válido destacar, ainda, a estrutura do post, que se apoia em 
uma imagem de um céu com copas de árvores ao redor, como um 
recorte visual de uma janela ao mirar o céu, o que nos remete à 
intenção de apreço ao espaço perdido em contextos adversos e 
um espaço que é chave às dinâmicas de aprendizagem da Educa-
ção Infantil. Novamente, um entre-lugar não apenas passível de 
representar o privado da janela de um cômodo residencial, mas 
também de comunicar os espaços de encontros em parquinhos e 
jardins escolares. Logo, é uma fronteira que se conecta a casa, mas 
que a escola ainda a ser conhecida e a natureza a ser experienciada. 
Assim, a situação remete não apenas ao espaço, mas aos fluxos e 
as interações para tal. 
Considerações finais: saboreando as possibilidades
A escrita da narrativa do cotidiano traz um olhar para o mo-
mento da vida que, de alguma forma, nos inspira; traz reflexões que 
nos impactam sobre um viver que achamos importante destacar. 
As pipocas pedagógicas, em especial, no cotidiano do trabalho 
escolar, promovem a reflexão sobre a práxis, a análise crítica do 
próprio trabalho, a escuta atenta do outro e para o outro, além de 
propiciar novos olhares para os significados contextuais e modais 
dos Multiletramentos, conforme a abordagem de Kalantzis, Cope e 
Pìnheiro (2020). Georgakapoulou (2015) afirma que as pequenas nar-
rativas assumem uma estrutura crítica para a análise de narrativas 
e construção de identidades, possibilitando a criação de mundos, a 
recontextualização de uma história e novos ponto de vista por meio 
das múltiplas vozes que interagem com esses textos. 
Nesse sentido, a pipoca pedagógica, enquanto corpus de 
análise, propicia, por meio de um olhar atento, a percepção dos 
diferentes entre-lugares nessa compreensão dinâmica do espa-
ço, como sinalizado por Bhabha (1998), fluxos que influenciam 
182
MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
nas interações que constituem os “eus” emergentes, sinalizando 
uma identidade narrativa. No caso da pipoca, instrumento de 
análise deste trabalho, evidencia-se a concepção pedagógica da 
professora por meio de sua escrita, de suas escolhas lexicais e 
da forma como suas múltiplas vozes, gestos e comportamentos 
interagem no contexto de produção e, posteriormente, com seus 
possíveis leitores. A percepção dos ambientes comunitários, o 
desenvolvimento de papéis sociais, suas relações e identidades 
são, pois, os campos contextuais que passam a atribuir novos 
significados aos elementos de designs presentes nas pipocas. 
A professora só narra suas pipocas pedagógicas porque recorre aos 
diferentes níveis de memória: o resgate de lembranças; e eviden-
ciamos isso por meio de marcadores temporais e adjetivações, per-
cebendo o recurso instintivo da memória de alto nível (CANDAU, 
2016). Assim, no momento em que a professora materializa suas 
narrativas através da escrita, há uma representação de sua própria 
memória, o que Candau (2016) reconhece como metamemória. 
Cabe ressaltar, ainda, que a rotina pedagógica da professora, 
seus hábitos e seus saberes incorporados remetem à memória de 
baixo nível como um movimento cíclico recorrente nos diferentes 
níveis de memória. Por se tratar de uma pipoca pedagógica publica-
da na rede social Instagram, ao compartilhar com outros públicos, 
essa memória ultrapassa o nível individual e passa a ser coletiva, 
já que há uma ampliação de pessoas que podem se envolver com 
esse conhecimento; contudo, o impacto de engajamento se dá pela 
ludicidade que remete a uma inteireza de memórias e lembranças 
daqueles que coadunam da rotina escolar, como contemplado por 
Luckesi (2022). Uma ludicidade que não se acessa por informação 
somente, mas pelo compartilhamento de sentimentos. O poder 
metafórico contemplado por Kalantzis, Cope e Pinheiro (2020) 
notavelmente incorpora, nessa perspectiva, os significados táteis 
aos espaciais.
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MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
Usualmente, conforme discutido, a nossa sociedade organiza os 
nossos projetos escolares em função de uma lógica de consumo de 
designs valorizados, narrativas herdadas a serem processadas logica-
mente. Assim, os gêneros textuais oriundos das narrativas comuns 
se tornam uma prática não valorizada e restrita, muitas vezes, ao 
campo da oralidade e da discursividade. A educadora provocou, com 
suas postagens, um (re)design de narrativas pontuais, atribuindo 
uma materialidade digital multiletrada repleta de afetividades e, 
portanto, de ludicidades. Ela possibilitou, assim, um espaço virtual 
para sensibilizar coletivamente o valor desse espaço escolar e seus 
fenômenos de linguagem. 
 Como vimos, refletia Rubem Alves (1999) que aqueles presos 
à tradição nunca explodem em pipocas, permanecendo milhos rígi-
dos por toda a vida. Em períodos epidêmicos, mais especificamente 
os milhos do tempo comum, que é o encontro distante entre essa 
docente e suas curiosas crianças, isso oportunizou o estourar das 
pipocas em novos enquadres e em possibilidades de construção de 
novos sentidos e de significados em novos designs. Assim, a educa-
dora passa a construir suas narrativas para além de um relato escrito 
em determinado conteúdo ou tema, contemplando os múltiplos 
elementos de designs espaciais, gestuais, escritos e visuais. 
Somado a isso, desenvolve-se uma aprendizagem mais sig-
nificativa em tempos de tantas dores, propiciando processos de 
conhecimento, tornando esse (re)design uma narrativa para além 
de multimodal e multicultural, com a participação ativa dos sujeitos 
como principais elementos do ato de comunicação. Em períodos 
de cerceamento por traumas históricos, o seu olhar na tela, o olhar 
ao outro e o olhar às memórias permitem, por sua vez, o desenvol-
vimento de significados, remetendo-nos ao sabor da infância que 
constrói sua ebulição no calor das múltiplas linguagens. 
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MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
Referências
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Papirus, 1999. p. 59-64.
ARFUCH, L. Narrativas de la memoria: la voz, la escritura, la mirada. In: ARFUCH, 
L.(org.). La vida narrada: Memoria, subjetividade y politica. Villa María: Eduvim, 
2018, p. 57-78.
ARFUCH, L. O espaço biográfico: dilemas da subjetividade contemporânea. 
Tradução de Paloma Vidal. Rio de Janeiro: UERJ, 2010. 
BHABHA, H. O Local da Cultura. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1998.
CANDAU, J. Memória e identidade: do indivíduo às retóricas holistas. In: CANDAU, 
J (org.). Memória e identidade. São Paulo: Contexto, 2016, p. 21-57
FERREIRA, L. H; CUNHA, R. C.O.B.; PRADO, G. D. V. T. Memórias da docência 
futura: a escrita de pipocas pedagógicas. In: PRADO, G. D.V.T; SERODIO, L. A.; 
SIMAS, V. F. (orgs.). Narrativas e Formação: diálogos universidade e escola. 
São Carlos: Pedro & João Editores, 2021, p. 169-204.
GEORGAKOPOULOU, A. Small Stories Research: Methods – Analysis – Outreach. 
In: FINA, A.; GEORGAKOPOULOU, A. (eds.). The Handbook of Narrative 
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PRADO, G. et al (orgs.). Pipocas Pedagógicas IV: narrativas outras da escola. São 
Carlos: Pedro & João Editores, 2017.
http://portal.unemat.br/media/files/ludicidade_e_atividades_ludicas(1).pdf
http://portal.unemat.br/media/files/ludicidade_e_atividades_ludicas(1).pdf
185
MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
IDENTIDADES DOCENTES EM ANÁLISE: 
ÉTICA DO CUIDADO, MULTILETRAMENTOS E A 
INVASÃO DO FUTURO
Rafaela Bolsarin
Universidade de São Paulo
Gabriela Claudino Grande
Universidade Estadual de Campinas; 
Universidade Federal do Mato Grosso do Sul; 
King’s College London
Roziane Keila Grando
Universidade Estadual do Centro-Oeste;
 Universidade Estadual de Campinas
Introdução
“ [...] Toda a ação, disse John Dewey, ‘é uma invasão do 
futuro, do desconhecido. Conflito e incerteza são verdades 
absolutas’ (1922, p. 12).” 
(MCDERMOTT; TYLBOR, 1983, p. 282, tradução nossa)
Ao mencionarmos McDermott e Tylbor (1983) em nossa epí-
grafe, buscamos abordar a formação de professores enquanto ação, 
uma ação que é permeada por caminhos desconhecidos, conflitos 
e incertezas que são traçados a partir da relação entre o futuro 
(discursivamente expressado nesta pesquisa) e a performatividade 
186
MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
desses alunos-professores. Por meio do discurso, os participantes 
descrevem como percebem suas próprias identidades e práticas 
pedagógicas futuras que são (re)transformadas não apenas pela 
formação que recebem no presente, mas também pelos professo-
res que tiveram ao longo de suas histórias, unindo assim, passado, 
presente e futuro, para criação de suas identidades de professores. 
A questão das identidades do professor de línguas tem ganhado 
destaque na literatura recente, sendo tomada de forma situada para 
debates que são tecidos acerca da formação de docentes. Tornar-se 
professor no Brasil de hoje, em um contexto de tantas adversidades, 
tem sido um processo desafiador, tanto para futuros professores 
quanto para formadores desses profissionais. Isto se deve não 
apenas às relações sociais, e principalmente comunicativas, que 
têm ficado cada dia mais violentas e polarizadas, mas também a 
uma espécie de rejeição à diversidade, essencial para a inclusão em 
direção a uma educação ética e responsável, que tem sido tomada 
como contrária aos ideais conservadores que ocupam o poder em 
nosso país no momento (em 2022).
A inclusão, aliás, tem sido um dos maiores desafios para a 
educação contemporânea, tendo em vista que o acesso à escola por 
grupos historicamente excluídos da Educação Básica (como povos 
indígenas, pessoas negras, surdas, com deficiência, transgêneras 
ou com orientação sexual não normativa, pobres, dentre outros) 
tem conseguido se consolidar graças ao ideal de democracia e a 
políticas de universalização do ensino. No entanto, muitas vezes, 
as identidades desses grupos ficam à margem ou ainda, nas bordas, 
em contextos educacionais, fazendo com que esse acesso não seja 
acompanhado de um novo modelo pedagógico capaz de abarcar a 
diversidade (ARAÚJO, 2011; SILVA, 2014). 
Essa diversidade, especialmente atrelada às identidades, en-
globa diferenças econômicas e sociais, culminando também em 
187
MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
diferentes culturas, religiões, ideologias, linguagens e línguas, além 
de uma multiplicidade de características físicas e psíquicas. Infeliz-
mente, e conforme temos acompanhado projetos de leis propostos 
recentemente1, essa diversidade não tem encontrado espaço e voz, 
particularmente em uma sociedade neoliberal na qual o capital de 
uma porcentagem ínfima da população tem mais agência do que a 
maioria esmagadora das populações, relegadas a decisões políticas 
e econômicas que as têm desfavorecido. 
Como temos presenciado, a direita conservadora do Brasil não 
apenas deixa de contemplar as vozes dessa diversidade das popula-
ções, mas ressalta o patriarcado, o racismo, a homofobia, transfo-
bia, misoginia, dentre tantos outros retrocessos sociais. O que tem 
ocorrido, portanto, é a sustentação de narrativas, materializadas 
pelas linguagens (especialmente as midiáticas), que contam com a 
manipulação de massas via redes sociais, bem como uma educação 
que enaltece as ações de disciplina e obediência, em detrimento do 
pensamento crítico e perspectivas freireanas de “ser” no mundo.
Essa divisão crescente, no Brasil e também no mundo, associada 
às iniquidades exacerbadas pela pandemia de Covid-19 (como no 
acesso à educação remota on-line ou na distribuição de vacinas), 
propiciaram a elaboração de um novo relatório pela Unesco (Orga-
nização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura). 
Nesse relatório é proposto um novo contrato social para a educação, 
tendo por base dois princípios fundamentais: i) “assegurar o direito à 
educação de qualidade ao longo da vida” e ii) “fortalecer a educação 
como um esforço público e um bem comum” (UNESCO, 2022, p. xii). 
O primeiro princípio tem por objetivo efetivar esse acesso à 
educação, garantindo também a permanência na escola e o direito à 
1 A lista de projetos é extensa, no entanto, e para fins das discussões aqui tecidas, podemos citar 
como exemplo o projeto “escola sem partido”, que alega doutrinação das escolas que se apoiam 
no pensamento de acadêmicos reconhecidos mundialmente, como Paulo Freire. Disponível 
em: http://www.escolasempartido.org/. Acesso 14 nov. 2022. 
http://www.escolasempartido.org/
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MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
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escolarização em todas as idades e áreas da vida. Trata-se, portanto, 
de um princípio baseado no compromisso com os direitos humanos 
em uma perspectiva educacional mais ampla, que inclui o direito 
“[à] informação, à cultura e à ciência; ele requer um profun-
do compromisso com a construção de capacidades humanas” 
(UNESCO, 2022, p. 10). 
O segundo princípio, por sua vez, implica uma governança com 
a colaboração entre diversos atores em prol de um bem comum. 
Assim, a educação deve ser vista como uma atividade compartilhada 
que coloca as pessoas (e as suas diversidades) em contato, oportu-
nizando a construção coletiva de conhecimento para a humanidade. 
Com a diversidade como princípio, “[...] a educação afirma a dignida-
de e a capacidade de indivíduos e comunidades, constrói propósitos 
compartilhados, desenvolve capacidades de ação coletiva e fortalece 
nossa humanidade comum” (UNESCO, 2022, p. 11). Nessa perspec-
tiva e, diante da heterogeneidade trazida pelo acesso à educação, a 
diversidade não aparece como uma dificuldade a ser superada, mas 
sim como uma potencialidade para o aprendizado e a construção de 
saberes em direção à valorização e inclusão das “identidade[s] dos 
estudantes – cultural, espiritual, social e linguístico” que devem 
ser reconhecidas e afirmadas (UNESCO, 2022, p. 25). Como sinaliza 
Fettermann no capítulo seguinte desta coletânea, defende-se aqui 
a construção de uma educação não hegemônica, já que essa está 
baseada na legitimidade única referindo-se ao conhecimento social, 
pedagógico e, por consequência, político, do saber colonizador. Para 
isso, os estudos decoloniais, como apontados por Lírio e Azzari no 
último capítulo desta coletânea, surgem como uma perspectiva 
epistêmica para abordar as diversidades, bem como as identidades 
emergentes das interações entre sujeitos ligadas a interesses desses 
e também permeadas por ideologias.
A visão da diversidade colocada pela Unesco (2022) faz relação 
direta com o manifesto elaborado por professores pesquisadores 
189
MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
de diversos países, no ano de 1996, conhecido aqui no Brasil como 
Manifesto dos Multiletramentos (CAZDEN et al, 1996). O Grupo de 
Nova Londres, como ficou conhecido, destaca que 
[...] se fosse possíveldefinir, de forma geral, a missão 
da educação, poder-se-ia dizer que seu propósito 
fundamental é o de garantir que todos os alunos 
se beneficiem da aprendizagem de forma a parti-
ciparem plenamente da vida pública, comunitária 
e econômica (GNL, 2021, p. 102, grifo nosso).
Ao encararmos a educação como um bem comum, como propõe 
a Unesco (2022), defendendo o compromisso coletivo pela construção 
e defesa de uma educação de qualidade, estaremos em harmonia com 
os pressupostos de Freire (1981, p. 79), ao pensar o ensino como uma 
prática coletiva e colaborativa, já que “[...] ninguém educa ninguém, 
ninguém se educa a si mesmo, os homens se educam entre si, mediati-
zados pelo mundo”. Para isso, o papel do professor e da prática docente 
deve (ou deveria) estar alicerçado à pedagogia dos letramentos2. O ma-
nifesto, e também nosso trabalho, ressalta ainda que “como as pessoas 
são simultaneamente membros de múltiplos mundos da vida, suas 
identidades têm múltiplas camadas, que se relacionam de maneira 
complexa umas com as outras [...] [sendo] membros de comunidades 
múltiplas e sobrepostas” (GNL, 2021, p. 116, grifo nosso).
A pedagogia dos multiletramentos, como mostram Kalantzis, 
Cope e Pinheiro (2020, p. 24), discute a necessidade, cada vez maior, 
de promover letramentos diversos alicerçada ao compromisso de 
“[...] formar indivíduos que possam navegar pela mudança e pela 
diversidade” (KALANTZIS; COPE; PINHEIRO, 2020, p. 24) de forma 
ética e responsável. 
2 Trata-se de uma abordagem de ensino cuja centralidade está no aluno, procurando dar espaço 
para a sua autoexpressão. Com isso, envolve também processos de conhecimento dos multi-
letramentos entendidos como experienciais (KALANTZIS; COPE; PINHEIRO, 2020). 
190
MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
Por isso, ao tratar o “o quê” dos multiletramentos, Kalantzis, 
Cope e Pinheiro (2020) e o GNL (2021) compreendem os letramentos 
como designs3 de significado. Isso porque, o paradigma multi dos 
multiletramentos envolve a diversidade cultural (multicultural) e a 
diversidade de modalidades - linguística e tecnológica (multimodal) 
- sendo ambos efeitos da globalização que interferem diretamente 
no mundo do trabalho (social também) e, consequentemente, no 
mundo da escola. Tendo como ponte o termo “design”, ele é as-
sociado à dimensão profissional (do mundo do trabalho) para as 
outras dimensões da vida social (pessoal e de participação cívica) 
(PINHEIRO, 2016; 2017). Assim, o termo design é associado a três 
outros componentes básicos da pedagogia, a saber: available designs, 
designing e redesigned (para mais informações, reveja o primeiro 
capítulo desta coletânea). 
Os available designs são os designs disponíveis, isto é, padrões 
de significado disponíveis para os sujeitos sociais que os trazem 
de suas heranças culturais e ambientais, traduzem-se por meio de 
convenções de linguagem, imagens, sons, gestos, toques e espaços 
pelos quais vemos e sentimos, aprendemos a usar esses designs 
para nós mesmos e para a interação social (KALANTZIS; COPE; 
PINHEIRO, 2020). 
O designing está relacionado aos atos de design que nos enga-
jamos e, assim, criamos novos designs. Kalantzis, Cope e Pinheiro 
(2020) alertam para o fato de que o construtor de significado não 
replica ou copia os designs encontrados, porque ao envolver-se no 
3 Design aqui é entendido como o proposto pelo GNL (2021), ao emprestar o conceito do 
mundo do trabalho “o design” enquanto dimensão profissional que se forma por meio de um 
processo de construção de sentidos, porque o sujeito que atua pela linguagem, o designer, 
tem capacidade de desenvolver e transformar um conteúdo conhecido para dele se apropriar 
convenientemente (PINHEIRO, 2016). Seguindo o mesmo autor (2017), entendemos também 
que o termo design comporta uma ambivalência que justifica a manutenção do termo em 
 Língua Inglesa, englobando “primeiramente um sentido mais restrito, isto é, uma instanciação 
de convenções e recursos construídos e reificados socioculturalmente, como também apresenta 
um sentido mais amplo, que se constitui por meio de um processo de retrabalho, que leva à 
sua própria ressignificação/transformação” (PINHEIRO, 2017, p. 12). 
191
MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
processo de design está também atuando com a sua subjetividade, 
isto é, uma expressão de sua voz que está alicerçada a uma combi-
nação (única) de recursos disponíveis em seus contextos e culturas 
para a construção de significados. Com isso, aos nossos participantes 
da pesquisa serem questionados sobre suas interpretações acerca 
da docência e de ser docente, eles estão em processo de designing. 
O redesigned está relacionado ao processo de transformação, 
isto porque “o resultado do seu designing pode contribuir para que 
outra(s) pessoa(s) (re)pense(m) as coisas e as veja(m) de uma nova 
maneira, o que pode ocorrer imediatamente ou em algum momento 
posterior, se e quando alguém tiver acesso ao design” (KALANTZIS; 
COPE; PINHEIRO, 2020, p. 175). Ao passo que algo é ouvido, fotogra-
fado, escrito, filmado é devolvido ao mundo por meio da linguagem 
e, essa devolução causa uma transformação no mundo e, no próprio 
designer de significados (o sujeito). 
Por isso, entendemos, neste trabalho, com base na pedagogia 
dos multiletramentos, que as formas de significado são “processos 
dinâmicos de transformação” (KALANTZIS; COPE; PINHEIRO, 2020, 
p. 177) e, portanto, não são processos de reprodução, mas sim de 
representação4. 
Posicionando a educação como um direito humano ao longo de 
toda a vida e um bem comum que deve abarcar a diversidade, inclu-
sive de letramentos, buscamos investigar como esses pressupostos 
perpassam (ou não) a construção de identidades autonarradas de 
futuros professores de línguas, incorporando princípios éticos e 
multiletrados para suas futuras práticas profissionais5.
4 A representação no processo de construção de significado mostra não só como os construtores 
de significado “eem as coisas como são; eles também, até certo ponto, veem as coisas por 
meio dos olhos de sua mente, isto é, das maneiras que lhes convêm, que se encaixam em seus 
preconceitos (ideias preestabelecidas). [. ..] estão sempre (re)construindo seus mundos, vendo-os 
de novas maneiras, pensando novos pensamentos, visualizando coisas por novas perspectivas 
e imaginando coisas possíveis [...]” (KALANTZIS; COPE; PINHEIRO, 2020, p. 169). 
5 Optamos nesta pesquisa por não explorar a noção de crítica em relação aos multiletramentos. 
Para isso, sugerimos a leitura do capítulo 9 de Lírio e Azzari.
192
MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
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Profissão professor: identidades, letramentos e ética
O construto teórico em relação às identidades sociais tem sido 
uma das principais questões em algumas disciplinas das humani-
dades, como na Sociologia, Linguística Aplicada, e Psicologia. Tal 
protagonismo, em parte, reflete uma crise da identidade, que é vista 
de forma ambígua, como vital e problemática para a modernidade 
(BENDLE, 2002). Embora pareça contraditória, essa crise se deve 
precisamente ao reconhecimento de que é fundamental valorizar 
construções teóricas que contemplem as identidades sociais na 
busca do bem-estar pessoal e na ética de cidadãos, ao mesmo tem-
po em que reconhece seu caráter fluido, múltiplo e fragmentado. 
No que diz respeito ao ensino de línguas adicionais e identidades, 
ancoramos-nos em uma abordagem social e concepções teóricas a 
partir do trabalho de Bonny Norton Pierce (1995). Norton elabora 
uma teoria abrangente de identidade social, que integra os alunos 
de idiomas a seus contextos de aprendizagem. Tais construções de 
identidades, enquanto construto teórico-relacional (SILVA; HALL; 
WOODWARD, 2014), têm sido marcadas pela diferença.
Em relação à educação linguística, ética e identidade, David 
Block (2009) pondera o papel desta últimacomo recurso para o 
estabelecimento de subjetividades, nas quais atores sociais se “po-
sicionam” dentro de narrativas mais coerentes para o seu “eu”. O 
mesmo autor também aponta como as distinções nos conceitos de 
subjetividade/identidade são importantes para discernir processos 
que se estabelecem socialmente desde o nascimento até processos 
de construção em curso e emergentes. Ainda que tais diferenças 
extrapolem o escopo deste trabalho, é importante lembrar que há 
uma interdependência entre os dois termos: enquanto a identidade 
se dá nas formações discursivas e nas performances de cada indiví-
duo, ela se materializa por meio de interlocuções com outros e das 
diferenças que são percebidos na construção de uma subjetividade 
193
MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
compartilhada. Em suma, e de forma mais pragmática, a noção de 
identidade que será aplicada neste capítulo está diretamente ligada 
à forma como os sujeitos fazem e respondem a perguntas como: 
“Quem pensamos que estamos nos tornando?” e como os outros 
nos veem; “Quem os outros pensam que somos?” e suas conexões 
com nossas práticas e comunicação na vida.
Na busca por essas respostas, a ética se torna essencial na me-
dida em que nossa presença no mundo está interrelacionada com o 
outro. Ou seja, em nosso processo de vir a ser, como consideramos 
o outro e a sociedade naquilo que buscamos nos tornar? Como essa 
pessoa que quero ser contribuirá (ou não) com algo ou com alguém? 
Assim, buscar um impacto para além de si em seus projetos de vida 
deve ser uma meta para a construção de uma sociedade mais justa 
para todos, entendendo o projeto de vida como “[...] uma intenção 
estável e generalizada de alcançar algo que é ao mesmo tempo 
significativo para o eu e gera consequências no mundo além do eu” 
(DAMON, 2009, p. 53, grifo do autor). Dessa forma, avaliamos que, 
especialmente para um professor, a construção de seus projetos 
de vida (o que ele deseja alcançar) e de sua identidade (quem ele é 
ou está se tornando, e quem deseja se tornar) deve passar por uma 
discussão ética. Como mostram pesquisas empíricas, “[...] conforme 
os indivíduos desenvolvem uma visão mais apurada de quem eles 
esperam se tornar, também ficam mais suscetíveis a desenvolverem 
uma visão mais apurada do que eles pretendem realizar”6 (BRONK, 
2014, p. 73, tradução nossa). Diante disso, cabe a questão: como 
as formações iniciais propiciam (ou não) aos futuros professores a 
reflexão sobre sua relação com o outro (em especial, seus alunos 
e o impacto social de seu trabalho) em suas identidades e em seus 
projetos envolvendo a docência?
6 No original: “as individuals develop a clearer sense of who they hope to become, they are also 
likely to develop a clearer sense of what they hope to accomplish”.
194
MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
Quando investigamos identidades, multiletramentos e ética no 
âmbito educacional e institucional, particularmente na formação 
de professores de línguas, é preciso considerar a forma relacional 
como as identidades são constituídas em diferentes tempos e es-
paços, sendo as diversas esferas da vida, como acadêmica, pessoal e 
profissional, profundamente impactadas pela ética. Essa é uma das 
razões pelas quais inter-relacionamos as Identidades de Professores 
de Línguas (IPL), como identidades situadas ou como suas outras 
identidades transportáveis (ZIMMERMAN, 1998), para a compre-
ensão mais abrangente de como a hibridização de tais identidades 
perpassam as práticas (presentes ou futuras) dos professores em 
pré-serviço aqui em foco. 
Segundo Bhabha (2013), a constituição de identidades (no 
plural e na contemporaneidade) se dá na intersecção entre tempo 
e espaço, passado e presente, ou ainda através da invasão do futuro 
(conforme abertura deste capítulo) e de quem eles serão, na relação 
consigo mesmo e com os outros, entre outros atravessamentos que 
vão além das narrativas originais de subjetividade - relacionadas 
à raça, gênero, geração, localização e sexualidade - para abrir es-
paço a processos de “entre-lugares” (singulares ou coletivos) para 
“novas” identidades. Em suma, essas formas de estar no mundo 
estão inseridas em nossas sociedades e, portanto, em mudanças 
em nossos modos de viver e comunicar, bem como para a educação 
linguística e práticas multiletradas inclusivas de professores que, 
mais comumente do que gostaríamos, precisam se posicionar de 
forma contrária a instituições e governos, na tentativa de manter 
uma coerência ética de inclusão da diversidade.
Nesse cenário de uma inclusão não legitimada ou materializada 
e uma crise identitária, a ética tem papel fundamental no diálogo 
para a construção de uma identidade docente que considere a pre-
sença do outro - dos alunos, dos colegas, da gestão, das famílias e 
da comunidade e da diferença. Essa abordagem da moralidade que 
195
MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
prioriza o cuidado para com o outro tem por base a ética do cuida-
do, proposta por Carol Gilligan (1982) para definir uma perspectiva 
centrada nos relacionamentos.
Nesse bojo, a ética do cuidado tem ganhado destaque justamen-
te por ir ao encontro da contemporaneidade de uma sociedade que 
urge pela concretização da inclusão. Ao propor um novo contrato 
social para a educação que se materialize em sua plenitude até 2050, 
a Unesco (2022) prevê a ética do cuidado como um princípio para a 
reimaginação de nosso futuro:
[....] uma ética do cuidado permite que nos entenda-
mos como pessoas interconectadas, ao mesmo tempo 
capazes e vulneráveis. Obriga-nos a refletir sobre como 
afetamos e somos afetados pelos outros e pelo mundo. 
[...] Cuidar de, cuidar para, fornecer cuidados e receber 
cuidados são atitudes que devem ser incluídos nos 
currículos que nos permitem reimaginar nossos futuros 
interdependentes juntos (UNESCO, 2022, p. 65).
Para a Unesco (2022), a educação enquanto sistema valorizou 
o sucesso individual em detrimento de uma prosperidade coletiva, 
gerando competição e, consequentemente, individualismo. Assim, 
para criarmos um futuro sustentável para todos, a entidade defende 
a ética do cuidado como um valor, tendo por base a consciência de 
nossa interdependência e, como consequência, o ideal de solida-
riedade.
No recorte deste capítulo, adotamos a ética do cuidado na 
perspectiva de Verducci (2008) que, com base na obra da filósofa 
Nel Noddings (1984), estabelece três características para essa ética: 
atenção receptiva (com as pessoas abertas para escutar e vivenciar 
relações mais heterárquicas), integração motivacional (que prevê 
a integração do servir a si com o servir ao outro na medida em que 
196
MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
as experiências pessoais do sujeito o motiva a agir em benefício 
do outro) e preocupação com relacionamentos (segundo a qual as 
pessoas buscam construir, restaurar, manter e nutrir relações uns 
com os outros).
Com base nesses três eixos teóricos - multiletramentos, identi-
dades e ética do cuidado - entendemos que, se adotarmos a missão 
da educação como um direito para garantir a participação plena dos 
indivíduos em todas as esferas da vida, conforme preveem os multi-
letramentos (GNL, 2021, p. 102), é necessário que a formação inicial 
de professores englobe a discussão sobre as identidades e a ética. 
Isso porque, para propiciar uma aprendizagem para os estudantes 
que beneficie suas atuações enquanto membros de múltiplas comu-
nidades, acreditamos que é preciso que as identidades do professor 
sejam pautadas por princípios éticos que incluam o cuidado com 
seus alunos e tenham a diversidade (social, linguística, cultural, 
modal etc.) como um valor.
Tomemos como exemplo um professor que tenha identidades 
transportáveis religiosa e político-partidária como centrais em suas 
vidas. Se este professor não entenderque sua identidade situada 
como docente precisa considerar a diversidade de seus alunos como 
um direito, é possível que o docente encare a sala de aula como um 
local de doutrinação dos alunos e padronização de valores. Nesse 
sentido, a discussão sobre diversidade produtiva, pluralismo cívico 
e as multicamadas dos mundos da vida da comunidade (GNL, 2021) 
pode ser um caminho profícuo para construção de identidades do-
centes que acolham a heterogeneidade dos estudantes que acessam 
a educação formal hoje e que nutram relações de cuidado, de escuta 
e menos hierárquicas com todos os alunos como um princípio ético.
Para tanto, convém discutir os processos de conhecimento 
pressupostos por Kalantzis, Cope e Pinheiro (2020), propostos para 
refinar e ampliar as tradições pedagógicas acerca da prática docente, 
197
MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
a partir da classificação feita em quatro orientações: a) experien-
ciando (o conhecido e o novo), b) conceitualizando (por meio de 
nomeação e por teoria), c) analisando (funcional e criticamente) e, 
d) aplicando (apropriadamente e criativamente)7.
“Experienciando o conhecido” envolve os conhecimentos 
que o estudante já tem (fora da sala de aula, ou seja, são situações 
que lhes são familiares e refletem experiências e interesses). Ao 
passo que “experienciar o novo”, como o nome diz, demonstra 
que o estudante está imerso em novas situações, participando 
de algo que lhe seja novo ou desconhecido (KALANTZIS; COPE; 
PINHEIRO, 2020).
No processo de conhecimento “conceitualizando por nomea-
ção” os estudantes envolvem-se em processos de aprendizagem em 
que se faz classificação, agrupamento de determinadas informações 
em categorias. Ao “conceitualizar com a teoria”, por sua vez, os es-
tudantes conectam conceitos e desenvolvem teorias (KALANTZIS; 
COPE; PINHEIRO, 2020).
“Analisando funcionalmente” os estudantes fazem conexões 
lógicas, relações de causa e efeito; ao passo que “analisando cri-
ticamente” o estudante avalia e analisa perspectivas e interesses 
não só de si mesmos, mas também de outras pessoas (KALANTZIS; 
COPE; PINHEIRO, 2020).
Por fim, na etapa “aplicando apropriadamente”, os estudantes 
simulam ou testam seus conhecimentos em situações reais de forma 
previsível, ao passo que “aplicando criativamente”, os estudantes se 
posicionam com suas próprias vozes, relacionam conhecimentos de 
7 Importa mencionar que os processos de conhecimento foram originalmente formulados pelo 
NLG (CAZDEN et al, 1996) para a estrutura dos multiletramentos como: prática situada, ins-
trução explícita, enquadramento crítico e prática transformada. No texto de 2009 de Kalantzis 
e Cope os autores reformularam essas concepções e as traduziram em processos de conheci-
mento relativos ao planejamento, documentação e rastreamento da aprendizagem. Com isso, 
o processo de experienciar envolve a prática situada, o de conceitualizar a instrução explícita, 
o de analisar o enquadramento crítico e, o de aplicar a prática transformada.
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MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
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outros contextos para o contexto em análise, de modo que sejam fei-
tas intervenções no mundo (KALANTZIS; COPE; PINHEIRO, 2020). 
Em destaque, os autores mencionam, assim como os movimen-
tos propostos inicialmente pelo GNL (CAZDEN et al, 1996) que tais 
processos não são estanques e nem devem ser entendidos como uma 
sequência, isto é, não há uma ordem determinada a ser seguida. O 
contexto, a situação e os objetivos de aprendizagem focados pelo 
professor é que irão determinar tais escolhas. 
Nesses processos de conhecimento que envolvem o experien-
ciar, conceitualizar, analisar e aplicar, a atuação do professor é 
essencial em sua mediação para que as diversidades e as múltiplas 
camadas dos mundos que os alunos acessam estejam presentes, 
propiciando a sua discussão e valorização. Em outras palavras, 
para oportunizar uma vivência ativa do aluno na construção de sua 
aprendizagem e que dialogue com as suas identidades (enquanto 
aluna(o), cidadã(ão), jovem, morador(a) de um determinado local, 
integrante de determinados grupos), é preciso que o professor bus-
que uma identidade docente multiletrada e ética, que incorpore por 
meio de relações éticas a multiculturalidade e a multimodalidade.
Antes, no entanto, que possamos discutir a construção de 
identidades, a ética do cuidado e os multiletramentos de professo-
res de Língua Inglesa em formação no centro-oeste brasileiro aqui 
focalizados, cabe-nos posicionar a pesquisa por meio de uma con-
textualização espaço-temporal e metodológica na seção seguinte. 
Posicionando a pesquisa e o contexto: docentes discentes 
na UFMS
O contexto desta pesquisa é o universitário, especificamente 
em uma instituição federal de ensino superior pública, locali-
zada em Campo Grande, no Centro-Oeste brasileiro, que conta 
199
MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
com 11 campi espalhados no estado de Mato Grosso do Sul, e 
com um total de 12 cursos de licenciatura em Letras. O curso 
de graduação em Letras – Português e Inglês, aqui focalizado, é 
composto por 8 semestres letivos (ou 4 anos) para o prazo regular 
de integralização. 
Dentre os 29 discentes participantes (futuros docentes) dos 
semestres 4 e 8 do curso de Letras, a maioria era mulheres (82%), 
brancos (62%), e que estudavam na UFMS sem ocupação formal 
fora da Universidade (62%). Interessa destacar: mesmo para os que 
trabalhavam na época, a ocupação estava diretamente ligada à sua 
área de formação, ou seja, já atuavam como professores de idiomas 
(37%), mesmo não tendo concluído sua formação. 
A ementa da disciplina na qual os dados foram gerados8, “Ensi-
no de Língua Inglesa - planejamento e perspectivas contempo-
râneas”, tem o objetivo de propor que a “diversidade cultural e de 
linguagem, assim como a diversidade étnica, questões de gênero”, 
dentre outros temas transversais presentes na Educação Básica 
contemporânea, bem como os (novos) (multi)letramentos, sejam 
tomados como base para reflexão crítica considerando a profissão 
docente e a identidade de professores. A disciplina tem carga horária 
de 68 horas semestrais, alocada no quarto semestre e tida como uma 
disciplina de prática de ensino de Língua Inglesa.
 Essa disciplina foi ofertada para duas turmas distintas, ofe-
recidas no segundo semestre de 2020, total e emergencialmente 
de forma remota, devido a pandemia em razão da Covid-19. Ainda 
que os diferentes contextos, ou seja, turmas diferentes e mesma 
disciplina, tenham produzido diferentes aulas, o planejamento e 
a preparação do curso, a priori, foram basicamente os mesmos. Ao 
8 Os dados utilizados no presente capítulo fazem parte do corpus da tese de doutorado da 
autora Gabriela Grande, com projeto aprovado pelo Comitê de Ética em 2019 - CAAE: 
15528819.4.0000.0021, desenvolvida na linha de pesquisa Linguagem e Educação do Instituto 
de Estudos da Linguagem da Unicamp. Esta investigação se encontra em desenvolvimento e 
tem o apoio da CAPES e da UFMS.
200
MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
VoluMe 2 
focalizar as práticas de ensino de Língua Inglesa e suas relações com 
a diversidade; a escola contemporânea; a reflexão crítica diante de 
novas tecnologias e perspectivas educacionais dos (novos) (multi)
letramentos, a ementa ao mesmo tempo guia e proporciona abertura 
ao professor para trabalhar com uma série de temas transversais e 
conteúdos relacionados à formação docente crítica. 
Para as discussões que fazemos nas seções a seguir, analisa-
mos produções textuais de uma proposta que pedia aos alunos que 
refletissem sobre a percepção que eles têm sobre si mesmos e suas 
identidades enquanto professores de línguas. Em nosso corpus, 
fazem parte da análise os textos de 18 discentes participantes, con-
siderando apenas os materiais redigidos em língua Portuguesa. As 
próximasseções apresentarão a análise dessas produções textuais, 
que são centradas em três eixos norteadores interrelacionados: a 
identidade, a ética do cuidado e os (multi)letramentos.
Identidade do professor de língua em formação: caminhos 
em discussão
Buscando investigar a identidade docente de estudantes de 
licenciatura a fim de (re)pensar possibilidades para a formação 
de professores, analisamos as produções textuais de 18 alunos, 
verificando as principais marcas linguísticas e pistas contextuais 
de como eles enxergam a si mesmos enquanto futuros professores.
Para fins de análise, a identidade será entendida como um 
elemento de contexto. Para Zimmerman (1998), há uma distinção 
produtiva entre identidades que será adotada em nossas análises 
como forma de refletir sobre a construção identitária abordando 
dimensões ordenadas, repetitivas e reprodutíveis das atividades 
institucionais por meio da interação. A saber (1) Identidades situ-
adas (institucionais); e (2) Identidades transportáveis. 
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As identidades situadas dizem respeito ao reconhecimento 
que os participantes têm em relação às expectativas institucio-
nais que ocorrem em um ambiente acadêmico e os papéis que 
são performados em determinados contextos. Por sua vez, as 
identidades transportáveis são aquelas que carregamos em 
contextos distintos, mas que, inevitavelmente, influenciarão 
qualquer tipo de atividade, tal qual a produção multiletrada de 
um texto escrito avaliativo, dentro de uma disciplina de gradu-
ação. Tratam-se, portanto, de identidades que estão intrinseca-
mente atreladas à forma como esse futuro professor se vê diante 
do mundo, dentro e fora de sala de aula, desempenhando uma 
identidade situada ou não.
Para entender esse processo de representação identitária situ-
ada ou transportada, optamos também por incluir a ética (por meio 
da ética do cuidado), pois é ela quem permite que nos entendamos 
como pessoas interconectadas, o que afeta a(s) identidade(s), quer 
seja situada ou transportada desses futuros professores. E à medida 
que relacionarmos as identidades à ética e suas características - 
atenção receptiva, integração motivacional e a preocupação com 
os relacionamentos-, poderemos ter uma percepção acerca das 
identidades em construção desses futuros docentes e sua ética 
do cuidado. Os trabalhos que analisamos neste capítulo descre-
vem como os discentes se imaginam desempenhando práticas 
multiletras em suas futuras salas de aula, perpassadas pela ética. 
Essa descrição é feita com base na escrita dos trabalhos aqui fo-
calizados através não apenas das representações identitárias que 
estes discentes têm sobre si mesmos e suas identidades situadas 
docentes, mas também por meio do que pretendem fazer (ou já 
fazem) enquanto professores em suas práticas multiletradas, 
conforme pretendemos mostrar. 
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Identidades, a ética do cuidado e os multiletramentos em 
foco: uma invasão do futuro
Ao conduzirmos nossa análise dos 18 textos analisados dos 
alunos do curso de Letras, verificamos que apenas dois deles não 
fazem menção a qualquer princípio ético, de cuidado com o outro 
ou à responsabilidade social. Desses 16 estudantes que incorporam 
princípios éticos em suas identidades e seus olhares sobre si e suas 
práticas docentes, apenas dois não trazem a figura de seus alunos 
(atuais ou futuros) em suas identidades de professor: a discente 
Galadriel9, porque seu olhar é voltado para a sociedade como um 
todo e, embora seja repleto de responsabilidade e desejo de trans-
formação social, não há menção direta aos (futuros) discentes; e a 
aluna Katniss, porque ainda não se situa, em seu discurso, enquanto 
professora, ainda que haja um vislumbramento de que sua identi-
dade docente possa ser incorporada em algum momento no futuro. 
Sendo assim, Katniss apenas permite-se situar como discente, sen-
do, portanto, incongruente que haja qualquer menção à dimensão 
dos seus alunos, ainda que futuros.
Galadriel é um exemplo simbólico da relação entre ética e 
identidade na construção de sua identidade docente. Isso porque, 
ao assumir uma identidade transportável de cidadã brasileira preo-
cupada com a transformação sociopolítica do Brasil, tal identidade 
exerce influência em como ela concebe sua docência, o que pode 
ser observado no trecho abaixo, de sua produção textual:
[...] exercer meu papel como professora será utilizar o 
poder da palavra e da linguagem para salientar refle-
xões que são extremamentes urgentes no nosso país, 
é necessário resistir nesse contexto e trazer reflexões 
9 Utilizaremos pseudônimos sempre que nos referirmos aos alunos para manter o anonimato 
dos participantes.
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para que as pessoas construam interesse dentro de 
espaços sociais e políticos, transformando toda a his-
tória futura do Brasil, que ainda é nosso (GALADRIEL).
Assim, a futura professora incorpora o princípio ético da res-
ponsabilidade social na sua identidade docente, fundindo, portanto, 
suas identidades docente (situada) e cidadã brasileira (transportá-
vel), assumindo para si papel ativo na transformação da sociedade 
através do contexto educacional. Em seu olhar, ela espera que “a 
educação possa nos salvar de tempos sombrios” e, como professora, 
espera contribuir para esse objetivo.
Nessa contribuição, Galadriel destaca o lugar da licenciatura 
em sua formação, classificando a universidade como um “espaço 
multicultural” e “diverso” que teve relevante papel em sua trans-
formação e aproximação de “um mundo crítico e real”, onde há o 
reconhecimento de que a “linguagem é poderosa”. Dessa forma, 
percebemos que a estudante entende o espaço universitário em que 
faz sua graduação como lugar em que sua identidade de professora 
também é construída e mobilizada por meio de letramentos ins-
titucionais e não-institucionais. Isso porque, ao citar o “poder da 
palavra”, ela está se referindo à modalidade verbal, mas ao fazer a 
escolha do termo “linguagem” está se referindo à multimodalidade 
(copresença de mais de um modo de linguagem na construção de 
significados). Por fim, ao escolher dizer que as pessoas constroem o 
país que “ainda é nosso”, defende seu olhar plural quanto às iden-
tidades e um sentimento de pertencimento a uma subjetividade 
coletivizada através do pronome possessivo no plural, “nosso”.
Desta forma, Galadriel se posiciona como uma professora 
multiletrada na medida em que considera a multiplicidade de mo-
dos de significação, de culturas, de comunidades e de identidades. 
Ao posicionar-se, a discente incorpora na representação de sua 
identidade situada docente princípios dos multiletramentos. Du-
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rante a confecção de um artefato multimodal sobre sua identidade 
docente, para a disciplina e como complemento ao texto escrito 
aqui em foco, a discente, através dos discursos que são produzidos 
(multimodais - na forma escrita, oral, na produção de colagem de 
imagens), imagina suas práticas docentes com base nas representa-
ções de identidades que são redesenhadas ao longo de seu caminho 
acadêmico e durante sua formação, numa espécie de redesign de si 
mesma e de suas identidades que são percebidas por meio de suas 
produções, como podemos notar no trecho a seguir:
Galadriel conheceu três professoras [..] começaram a 
trazer a língua inglesa de uma forma diferente da que 
ela costumava aprender antigamente [..] Galadriel 
teve contato com inúmeras obras que foram moldando 
exatamente a professora que ela se tornaria futura-
mente. [...] Foi exatamente o tipo de professora que 
ela teve que ela queria se tornar [...] Eu comecei a ver 
o mundo dentro da faculdade10 (Fala de Galadriel du-
rante apresentação do trabalho em sala de aula - aulavideo-gravada em 2 dez. 2020).
Em comum com Galadriel, a aluna Katniss também não traz 
o aluno em sua produção textual. Porém, diferente de Galadriel, 
que mira sua atuação em um contexto mais amplo que engloba a 
sociedade como um todo, Katniss parece não conseguir olhar para 
o aluno porque ela não apresenta sua identidade situada como 
professora em sua produção textual. Assim, seu texto é focado em 
sua identidade situada de aluna e em sua relação de aprendizado 
da Língua Inglesa e de interação com seus professores e colegas. 
Ao final do texto, ela sinaliza de forma mais direta a relação com a 
docência, mas projeta essa identidade como incerta para o futuro:
10 A discente usa a terceira pessoa para descrever sua identidade docente, sendo esse dado ob-
tido através da gravação da aula síncrona on-line, na qual Galadriel apresentou seu artefato 
multimodal como parte integrante da disciplina em discussão.
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[...] hoje, no último semestre do curso, surgem muitas 
dúvidas com relação ao futuro, minha profissão, se 
vou conseguir exercer e colocar em prática tudo o que 
aprendi, mas posso dizer que aprendi muito e pude 
mudar muitos pensamentos que tinha a respeito da 
prática docente (KATNISS).
Apesar de não se posicionar em seu relato como professora de 
línguas, essa discente ilustra com riqueza o papel da universidade 
na formação de professores. Isso porque Katniss apresenta com 
detalhes a influência da licenciatura na sua relação com a Língua 
Inglesa e sinaliza que pretende atuar colocando em prática o que 
aprendeu. Nesse processo, a aluna destaca experiências dialógi-
cas, interativas e multimodais como de trabalhos em grupo, com 
literatura, filmes, músicas e novas tecnologias, indicando que tais 
vivências a impactaram como aluna e permitiram que ela ressigni-
ficasse o aprendizado. 
Ela menciona:
[...] as aulas na universidade me ajudaram muito a en-
tender melhor a língua, tanto aulas mais gramaticais 
quanto aulas mais dinâmicas, com vídeos, discussões, 
apresentações e outros (KATNISS).
Ao reconhecer a importância de práticas multimodais na sua 
compreensão da Língua Inglesa, Katniss mobiliza o trabalho com 
modos de construção de significado que extrapolam o grafocentris-
mo institucional em sua identidade situada de aluna. Com isso, foi 
oportunizada à aluna a incorporação de novos modos na aprendiza-
gem da língua, o que pode gerar um espelhamento futuro para suas 
práticas docentes. Em outras palavras, o acesso às novas possibili-
dades foi significado pela aluna de forma positiva ao reconhecer que 
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elas lhe ajudaram muito, o que abre caminho para que ela utilize 
a pedagogia dos multiletramentos em sua futura prática docente. 
Como explicam Cope e Kalantzis (2015), a noção de multile-
tramentos procura abordar a variabilidade de construção de sig-
nificados em diferentes contextos socioculturais ou em domínios 
específicos. Isso significa que para letrar já não é mais suficiente 
dar foco às regras da língua padrão; ao contrário, hoje, a construção 
de significados na comunicação e representação requer discentes 
que aprendam a negociar diferenças e padrões de significados de 
um contexto para outro, de uma modalidade para outra. Essas dife-
renças envolvem, consequentemente, inúmeros fatores, incluindo 
as relações de gênero, experiências de vida, domínio social, e que 
“todo domínio muda e é atravessado para um certo grau” (COPE; 
KALANTZIS, 2015, p. 4). Isso fica ratificado em Kalantzis, Cope e 
Pinheiro (2020, p. 88), ao dizerem que “o ensino de gramática só 
faz sentido quando é contextualizado”, quando o objeto de apren-
dizagem é “parte do ensino consciente, para discutir determinado 
conteúdo do currículo, em uma situação de aprendizagem especí-
fica” (KALANTZIS; COPE; PINHEIRO, 2020, p. 88). 
Há uma representação imaginária de Katniss em relação ao que 
ela esperava ser a figura de um professor universitário e os papéis 
que desempenharia nessas instituições de ensino superior. É inte-
ressante notar essa expectativa quando a discente relata pensar que 
seus professores seriam “indiferentes para com os alunos, apenas 
passando o conteúdo, não se importando se o aluno está aprendendo 
realmente”. No entanto, quando passa a pertencer ao contexto uni-
versitário em sua identidade situada de aluna, Katniss mostra que 
encontrou professores “atenciosos, preocupados com a formação e 
aprendizado, para que os alunos sejam bons profissionais”.
Com isso, a aluna reflete que esse aprendizado multiletrado, 
isto é, a aprendizagem pelo design (COPE; KALANTZIS, 2015) rea-
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lizada pelos seus professores e, essas relações de cuidado, por parte 
desses formadores, foram essenciais para a mudança de visão em 
relação à docência, o que nos permite refletir que a ressignificação 
de sua identidade situada como aluna poderá ter um impacto po-
sitivo na construção de sua identidade situada como professora. 
Em certa medida, é possível inferir que Katniss pretende, caso se 
torne docente, incorporar a ética do cuidado demonstrada por seus 
professores de graduação. Nesse sentido, a formação desses futuros 
profissionais está permeada pela pedagogia dos multiletramentos, 
isto é, pela aprendizagem pelo design, porque o foco dessa formação 
não está na cognição ou no pensamento, mas sim, nas ações para 
construção do conhecimento, do processo de conhecimento, porque 
externaliza-se nessa perspectiva, o conhecimento em ação, e ação 
não é puramente matéria do conhecimento. 
Retomando as produções textuais dos demais discentes aqui fo-
calizados, observamos que dos 16 que incorporam princípios éticos 
em suas identidades, 14 englobam ainda a presença de seus futuros 
alunos. Isso ocorre por meio do desejo de impactá-los e ajudá-los 
por meio do trabalho docente e de construir relações democráticas 
e de cuidado com eles.
Assim, a ética do cuidado se faz presente em suas identidades 
por meio das três características de Verducci (2008). Com a aten-
ção receptiva, 10 discentes relatam desejos e projetos envolvendo 
a escuta e a abertura para relações mais heterárquicas, com maior 
autonomia aos alunos e diálogo, como defende a participante Capi-
tu: “Para finalizar e resumir, eu me vejo como uma professora que 
valoriza o diálogo, as discussões, trabalhos em dupla e em grupo”, 
pretendendo ainda trabalhar com “translinguagem e afetividade 
para criar um ambiente acolhedor de modo a incentivar os estu-
dantes a se engajarem nos estudos da língua”. O verbo acima, no 
presente, em “me vejo”, mostra como Capítu já incorpora a identi-
dade situada de professora ao mesmo tempo que se alinha aos ideais 
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preconizados pelos multiletramentos, já que inclui a afetividade e a 
translinguagem como essenciais em contextos educacionais.
Oito discentes relataram ainda uma integração motivacional 
em suas identidades e projetos de vida ao relatarem que experiências 
pessoais de seus passados educacionais, geralmente negativas, é o 
que os motiva a serem bons professores. O participante Luke relata: 
[...] minhas experiências foram bem tristes, pois, além 
desses métodos ‘arcaicos’, as professoras eram muito 
autoritárias, fazendo com que não houvesse interação 
e muita pressão (LUKE).
Ao mostrar o que o mundo da vida não estava no mundo da 
escola, como assevera o GNL (2021), o aluno avalia que escolheu ser 
um professor de línguas para provar que pode superar seus traumas e 
medos e conseguir dar aula de forma muito diferente da que teve. Por 
fim, Luke escreve, ainda: “Finalizo dizendo que espero que minha 
prática docente e minha identidade como professor seja muito dife-
rente do que eu tive. [...] Quero ser um professor que eu não tive!”.Essas experiências relatadas pelo futuro docente mostram como a 
formação escolar do aluno exibe, epistemologicamente falando, uma 
vivência de que aprender é um processo de tornar-se conhecedor. 
De que aprender faz parte da vida diária (COPE; KALANTZIS, 2015; 
KALANTZIS; COPE; PINHEIRO, 2021). 
Dentre os dados aqui estudados, notamos que 9 discentes incor-
poram ainda a preocupação em construir, nutrir e manter relações 
de cuidado com seus alunos, destacando desejos de uma aborda-
gem afetiva que promova um ambiente escolar confortável, com 
boas relações entre professores e alunos. Em nossa interpretação, 
a pedagogia dos multiletramentos emerge como uma possibilidade 
nessa abordagem ao oportunizar que os alunos experienciem o novo, 
isto é, tenham novas experiências com a língua, para depois aplicar 
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apropriadamente, ou seja, simulem ou testem seus conhecimentos 
acerca da língua-alvo em situações reais de forma previsível (COPE; 
KALANTZIS, 2015) para que seus (futuros) alunos possam “aprender 
o idioma sem medo de cometer erro” (CAPITOLINA). Com isso, as 
relações de cuidado dialogam com os multiletramentos na medida 
em que preveem um olhar e uma escuta sensível para cada aluno, 
possibilitando a construção de um ambiente seguro, que enxergue 
e valide todas as diversidades. Essa abordagem, embora ganhe 
amplitude por meio de diferentes modos de construção, pode ser 
utilizada até mesmo em aulas cujo foco esteja no trabalho com uma 
perspectiva normativa do ensino de gramática. 
Como ilustra o relato de Capitolina, a perspectiva do cuidado 
e da diversidade antecede os conteúdos ao se configurarem como 
um valor para a aprendizagem da língua:
[...] é papel do professor tornar a sala em um espaço 
interativo e inclusivo para que os alunos possam 
aprender o idioma sem medo de cometerem erros ou 
de serem julgados pelos colegas, dentre tudo acredito 
que a relação aluno e sala de aula/professor seja pri-
mordial quando se pensa da identidade do professor 
(CAPITOLINA).
No entanto, e para fins de análise identitária de Capitolina, 
é possível perceber, linguisticamente, que ainda há um distancia-
mento entre seu eu e o papel de professor. Ela atribui ao “outro” o 
papel de tornar a sala um espaço interativo e inclusivo, ainda que 
reconheça que a relação professor e aluno seja essencial para o que 
ela considera um aprendizado de língua bom. 
Adicionalmente aos papéis e identidades sobre as quais esses 
discentes discorrem pensando em seus futuros, também foi possível 
perceber a influência do passado, particularmente ao refletirem 
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sobre suas identidades transportáveis, para um fazer docente que 
possa, de forma ambivalente, ir ao encontro dos ideais de inclusão 
e ética.
Dorian, conforme abaixo, exemplifica essa ambivalência. Por 
um lado ele reconhece como sua identidade cristã o influencia até 
hoje, ao mesmo tempo que clama por pensar uma educação que não 
seja “regrada, impositiva e por vezes até intolerante”:
Isso se dá por conta da educação cristã que meus pais 
me deram. Era uma educação (que apesar de amo-
rosa) regrada, impositiva e por vezes até intolerante 
(DORIAN).
Embora seu passado o construísse, são seus projetos futuros 
e a ética docente que o fazem vislumbrar a invasão de um futuro 
professor que é ético e comprometido com a educação linguística 
inclusiva e diversa, porque ele se vê docente como:
[...] aquele que quer dar ferramentas para que seus 
estudantes possam lidar crítica e eticamente com os 
discursos que os cercam (TATAKI, 2019). Aquele que 
quer pensar a realidade do mundo e seus problemas 
sociais e relações de poder de forma não convencional 
(MATTOS, 2017) por meio das práticas da linguagem. 
Aquele que é pesquisador, que busca formação e que 
está sempre atualizado (na medida do possível) (DO-
RIAN).
Apesar de Dorian utilizar o pronome demonstrativo “aquele”, 
fazendo-nos perceber que há um distanciamento em seu texto entre 
quem ele é (ou era quando escreveu seu trabalho) e quem ele pre-
tende ser, é possível inferir que sua preocupação com os problemas 
211
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sociais, o papel da linguagem e, finalmente, do seu próprio papel 
de professor em um futuro próximo, poderá unir suas identidades 
na composição de suas práticas letradas de sala de aula. 
A forma híbrida e fluída com que as identidades, situadas e 
transportáveis, principalmente, encontram-se em eterna re(des)
construção, fica latente nos excertos de Galadriel e Dorian seguintes:
[...] principalmente as mulheres que ali se fizeram 
resistentes e presentes assiduamente, dentre tantas 
coisas que um dia eu já acreditei, dentro do espaço 
tradicional que cresci, foram anos e anos para descons-
truir e reconstruir ideologias, crenças e perspectivas 
(GALADRIEL, grifo nosso).
Em outras palavras, um professor que assume sua 
identidade híbrida e flexível ao espaço-tempo-cultural 
(QUEVEDO-CAMARGO; RAMOS, 2008 apud, BLOCK, 
2007) que habita e que não se contente só com que 
já é e conquistou, mas que quer ir além de como está 
(DORIAN).
Diante dessa hibridização e fluidez, pela qual perpassam prin-
cípios éticos e dos multiletramentos como apontamos nos exemplos 
anteriores, a formação inicial tem papel essencial na construção 
identitária docente. Nos trechos que trouxemos de Dorian, isso fica 
ainda mais evidente com as referências que ele traz no próprio texto, 
citando autores que ele estudou para embasar características éticas, 
multiletradas e identitárias que ele vislumbra incorporar enquanto 
docente. A seguir, traremos algumas reflexões finais a respeito das 
discussões realizadas até aqui.
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MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
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Discussões finais
No processo de formação de professores, o aluno que consegue 
ter acesso à universidade vivencia diversas experiências ao longo 
dos anos na academia e se forma como docente. Nessa jornada, é 
preciso que esse aluno construa novas identidades, especialmente 
sua identidade docente; em outras palavras, é preciso que esse aluno 
se torne ambos: aluno e professor.
Conceitualmente, essa construção identitária situada como 
professor dialoga com as demais identidades do indivíduo, trans-
portáveis e situadas, incorporando nela diversos elementos: do pre-
sente, do passado e, em certa medida, do seu futuro. Como mostram 
os relatos dos licenciandos, esse processo é singular para cada um, 
o que implica uma formação que oportunize a cada aluno a reflexão 
de suas identidades. Retomando os exemplos de Capitu e Katniss, 
vemos que, enquanto Capitu já traz elementos de como se enxerga 
como professora, atribuindo significados a uma identidade situada 
docente, Katniss se coloca apenas em sua posição e identidade si-
tuada de aluna, ou ainda, em uma posição de “não-professora” até 
o momento da redação de seu trabalho. 
Independentemente da temporalidade da construção de cada 
um, interessou-nos compreender como, nesse processo, os alunos 
incorporam elementos éticos e multiletrados nessas identidades, a 
fim de vislumbrar como suas identidades docentes dialogam com as 
necessidades contemporâneas - não só educacionais, mas sociais, 
de forma mais ampla.
Galadriel, por exemplo, elenca o importante papel da licen-
ciatura em sua formação, significando o espaço universitário como 
“multicultural” e “diverso”, o que nos faz questionar: quantas pes-
soas, antes de adentrarem o mundo universitário, não conhecem 
ou nunca se colocaram no lugar do outro? Assim, percebemos o 
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papel da universidade, bem como dos formadores de professores, 
como parte integral de um processo mais subjetivo e atrelado a suas 
identidades transportáveis (como, por exemplo, de cristão- Dorian; 
cidadã brasileira ou mulher - Galadriel), no sentido de oportunizar 
que seus alunos em formação possam aprender a se colocar no lugar 
do outro empaticamente na tentativa de compreender o mundo 
por outras lentes além daquelas relacionadas às suas identidades 
situadas ou transportáveis. 
Ao adotar essa posição ética e inclusiva em práticas multile-
tradas docentes, os professores em pré-serviço estarão, inevitavel-
mente, posicionando-se de forma contrária aos ideais de uma direita 
conservadora que entende a inclusão e a diversidade como um risco 
aos ideais heteronormativos e patriarcais, em nome de um ideal de 
família único e não diverso, o que pouco condiz com a realidade 
brasileira11. Neste sentido, quando Dorian e Galadriel unem iden-
tidades tidas como minoritárias e até mesmo contraditórias, como 
no caso de Dorian - cristão e homossexual, e no caso da segunda 
discente - de mulher e cidadã brasileira que se responsabiliza por 
uma educação ética e inclusiva - é possível depreender a intenção 
que estes discentes têm para exercerem ações docentes que possam 
abarcar a diferença por meio da diversidade.
Retomando os pressupostos para um novo contrato social 
para a educação (UNESCO, 2022), entendemos que a escola conti-
nuará sendo essencial no futuro, mas é preciso que essa escola se 
transforme para que o mundo se transforme também. Ao apontar a 
educação como o principal caminho para enfrentar desigualdades e 
valorizar a diversidade, a Unesco defende também uma formação de 
professores diferenciada, que passa por princípios de cooperação, 
colaboração e solidariedade, vinculados a uma ética do cuidado e a 
11 Mais de 40% das famílias brasileiras são chefiadas somente por mulheres, conforme dados do 
IPEA. Para mais detalhes, acesse: https://www.ipea.gov.br/retrato/indicadores_chefia_familia.
html. Acesso 29 nov. 2022.
https://www.ipea.gov.br/retrato/indicadores_chefia_familia.html
https://www.ipea.gov.br/retrato/indicadores_chefia_familia.html
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uma aprendizagem ativa e multi - disciplinar, cultural, tecnológica, 
modal e letrada:
[...] com um compromisso consistente em relação aos 
direitos humanos e ao bem comum, seremos capazes 
de sustentar e de nos beneficiar da rica tapeçaria de 
diferentes formas de saber e estar no mundo que as cul-
turas e as sociedades humanas trazem para a educação 
formal e informal, assim como para o conhecimento 
que somos capazes de compartilhar e reunir juntos 
(UNESCO, 2022, p. vii).
Nesse sentido, as produções textuais dos estudantes mostraram 
que tais princípios se fazem presentes em suas identidades, com 
vários deles referenciando elementos éticos e dos multiletramen-
tos às práticas que vivenciaram na universidade e que pretendem 
reproduzir como futuros professores também. Assim, ao elencarem 
os professores da universidade como pessoas de referência para seus 
projetos de vida e a licenciatura como responsável por oportunizar 
vivências éticas, multimodais e multiculturais às quais eles atribuí-
ram significados afetivos, esses estudantes sinalizam a importância 
da formação inicial para esse processo de construir, desenvolver e 
nutrir identidades articuladas a invasão de um futuro no qual possa 
se estabelecer um novo contrato social para a educação.
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MultiletraMentos eM teoria e prática: desafios para a escola de hoje
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culturais. 15. ed. Petrópolis: Editora Vozes, 2014, p. 73-102.
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MULTILETRAMENTOS E PRÁTICAS DECOLONIAIS NA
 EDUCAÇÃO SUPERIOR DURANTE O ENSINO 
REMOTO
Joyce Vieira Fettermann
Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro
Introdução
Ao iniciarmos este capítulo, questionamos: de que maneira 
a decolonialidade pode ser trabalhada em contextos de ensino de 
línguas (e literatura) com estudantes de Ensino Superior? Partimos, 
então, do pressuposto de que esse é um assunto que merece espaço 
nesse contexto de ensino – tanto quanto nos anos iniciais do Ensino 
Fundamental e no Médio –, principalmente nos dias atuais, em que 
o pensamento decolonial – e por meio dele, o letramento crítico – se 
faz tão necessário na sociedade.
Mas o que é o pensamento decolonial? Para compreendê-lo 
esse pensamento,é preciso entender melhor a decolonialidade, que 
vem sendo cada vez mais discutida nos dias atuais. Uma definição 
relevante para este trabalho é a de que ela se apresenta como “[...] 
luta e resistência contra os padrões de poder” (OLIVEIRA; LUCINI, 
2021, p. 11) há mais de 500 anos, sejam eles históricos, políticos ou 
culturais, desencadeando um processo de não-aceitação da domi-
nação dos povos que, de modo agressivo, foram subjugados a um 
lugar subalterno ou colonizado.
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Nesse sentido, o pensamento decolonial se torna essencial 
para trazer essas discussões aos ambientes acadêmico-científico-
-culturais interdisciplinares, incentivando aprendizes a refletirem 
sobre maneiras possíveis de “[...] agir e pensar para romper com 
as barreiras da colonialidade, que é um processo amplo e profun-
do, presente na atualidade ditando formas de pensar, ser e agir e, 
também, se reconfigurando para manter sua dominação” (OLIVEI-
RA; LUCINI, 2021, p. 11). 
A partir dessa perspectiva, sugerimos que as práticas decolo-
niais propostas na sala de aula toquem em pontos como a criticidade 
ao racismo e à discriminação em suas diversas formas, à justiça 
social, às culturas e línguas colocadas em lugares desfavorecidos 
ou desvalorizadas em relação a outras etc., desenvolvendo multi-
letramentos que servirão para suas vidas em diferentes momentos. 
Assim, investigando se tais práticas acontecem, tanto com 
turmas de graduação como de pós-graduação, buscamos registro 
delas para compreender de que tipos são e em que contexto são 
realizadas. Para tanto, construímos este capítulo da seguinte forma: 
na primeira seção, partimos dos ‘multis’ dos multiletramentos, que 
com as constantes mudanças promovidas pelas condições comer-
ciais, tecnológicas e culturais nos dias atuais desencadeiam a ne-
cessidade de professores de idiomas ensinarem mais do que apenas 
aspectos relacionados à forma linguística (como a gramática), indo 
ao encontro do uso das línguas em situações reais da vida e de seus 
mundos; na segunda, descrevemos a decolonialidade a partir da 
visão de mais autores, ligando-a aos multiletramentos para mostrar 
como estes podem se relacionar a ela e ajudar na fundamentação 
das práticas decoloniais em sala de aula; então, construímos um 
percurso metodológico para a pesquisa, explicando o trajeto percor-
rido; em seguida, exploramos os resultados encontrados; e enfim, 
fazemos as considerações finais.
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Os ‘multis’ dos multiletramentos
Quando o Grupo de Nova Londres começou a se reunir para 
repensar a educação no final do século XX, seus pesquisadores 
discutiam até que ponto dois elementos essenciais estavam im-
pactando as maneiras de aprender (já) na sociedade daquela época: 
1) a multiplicidade de linguagens; e 2) as crescentes diversidades 
linguísticas e culturais. Eles argumentavam que tais mudanças 
seriam responsáveis por uma “[...] visão mais ampla de letramento 
do que a retratada por abordagens tradicionais, baseadas no ensi-
no de língua” (KALANTZIS; COPE, 2023, tradução livre), que não 
obtinham tanto sucesso em ajudar as pessoas a aprender a ler e a 
escrever no passado. A partir de então, surgiu o termo multiletra-
mentos e foi criado o manifesto dessa pedagogia (GRUPO NOVA 
LONDRES, [1996] 2021).
Os ‘multis’ acima mencionados – múltiplos modos da lingua-
gem (escrita, áudio, audiovisual, gestos, etc.) e múltiplas culturas, 
por meio dos diversos usos das tecnologias, contribuem para o que 
Cope e Kalantzis (2015) chamam de ‘new basics’, ou seja, um novo 
jeito de olhar para a educação, com foco nas constantes mudanças 
promovidas pelas condições comerciais, tecnológicas e culturais 
características da nova economia, em oposição ao ‘back to basics’, 
que tem seu foco na alfabetização e na numeracia. 
Devido a esses fatores, os autores chamam a atenção para o 
fato de que estudantes hoje devem: aprender a ser constantemente 
mais autônomos, autodirigidos, flexíveis e colaboradores entre si; 
desenvolver um conhecimento mais amplo; e se tornar capazes de 
trabalhar produtivamente com as diversidades linguística e cultu-
ral, indo ao encontro das necessidades atuais no trabalho, na vida 
privada e na vida pública.
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Figura 1: O contexto social dos multiletramentos
 
Fonte: Recuperado e adaptado de CGScholar (2023)1.
Como podemos observar na Figura 1, existem momentos em 
que as três áreas (profissional, vida privada e pública) se tocam, 
abrindo espaços para as diversidades nos mundos da vida, que po-
dem ser potencializados por meio das transformações digitais, por 
exemplo, com os acessos às interfaces ubíquas, as relações sociais 
que formamos na era digital - (re)afirmando nossas identidades, 
além da participação e cidadania digital. Tudo isso traz oportu-
nidades de voltar nossos olhares também para a decolonialidade, 
entendendo que os multiletramentos podem incorporá-la e pos-
sibilitam discussões que vão além da aprendizagem de línguas. 
Assim, vamos abordar com mais afinco nos próximos tópicos 
questões relacionadas a tais temas.
1 Disponível em: https://cgscholar.com/community/community_profiles/new-learning/commu-
nity_updates/158166. Acesso em: 30 nov. 2022 (Sujeito a cadastro gratuito na plataforma).
https://cgscholar.com/community/community_profiles/new-learning/community_updates/158166
https://cgscholar.com/community/community_profiles/new-learning/community_updates/158166
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Decolonialidade e multiletramentos
Como descrevem Mignolo e Walsh (2018),
A decolonialidade necessariamente segue, deriva e res-
ponde à colonialidade e ao processo e condição colonial 
em curso. É uma forma de luta e sobrevivência, uma 
resposta e prática epistêmica e baseada na existência – 
especialmente por sujeitos colonizados e racializados 
– contra a matriz colonial do poder em todas as suas 
dimensões e pelas possibilidades de um outro saber 
(MIGNOLO; WALSH, 2018, p. 17, tradução livre).
Assim, Mignolo (2003, p. 92) explica que ela (a decoloniali-
dade) pode ser compreendida como “[...] a abertura e liberdade de 
pensamento e modos de vida, [...] o desprendimento do encanto da 
retórica da modernidade, de seu imaginário imperial articulado na 
retórica da democracia”. Ao fazermos esse movimento, deixamos 
de assumir a lógica hegemônica como a que orienta nossas práticas 
educacionais, fazendo, como argumentam Walsh, Oliveira e Candau 
(2018, p. 10), ao preferirem “[...] a construção de uma educação 
outra, não mais baseada na legitimidade da razão moderna como 
único referente do conhecimento social, político e pedagógico”. 
Como Lírio e Azzari alertam no capítulo 9, p. 243, desta coletânea, 
tudo isso gera a necessidade de descolonizar o conhecimento, 
respeitando e nos comprometendo com as “[...] cosmologias não 
ocidentais trazidas por pensadores críticos oriundos do Sul Global” 
(GROSFOGUEL, 2009). 
Menezes De Souza (2019) salienta que uma das críticas feitas 
pela decolonialidade é em relação à universalidade e à modernidade, 
que se iniciaram a partir do contato entre a Europa e a América, 
quando os ibéricos chegaram ao território dos ameríndios e, a partir 
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de então, começaram a colonização. Nesse momento, surge a ideia 
de superioridade sobre os povos, com a negação da presença de 
aspectos essenciais, como os seus corpos de diferentes raças – os 
quais, embora vistos, foram negados, ou corpos “étnicos-raciais/se-
xuais subalternizados” (MENEZES DE SOUZA, 2009), como também 
citam Lírio e Azzari no capítulo 9 desta coletânea. 
Nesse sentido, concordamos com Menezes De Souza (2019) 
ao apontarmos para a urgência de não separarmos a imagem

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