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AARÃO REIS: PENSAMENTO ECONÔMICO, SOCIAL E POLÍTICO DE INSPIRAÇÃO POSITIVISTA Henderson Marques Lopes (FCEVJ – Instituto Vianna Júnior) Palavras-chave: Idéias positivistas; pensamento econômico; progresso e indústria; educação; intervencionismo estatal; liberdade. RESUMO As idéias positivistas – cuja origem se encontra no pensamento de Augusto Comte – têm sido analisadas e discutidas por diversos estudiosos brasileiros. É notória, por outro lado, a influência que tais idéias exerceram em diferentes áreas da vida nacional, com especial ênfase na atividade política brasileira. Muitos nomes hoje inseridos na História do Brasil, que se tornaram adeptos dos princípios positivistas e marcaram, de alguma forma, com suas idéias e trabalhos profissionais o ambiente em que viveram, não tiveram, ainda, a devida apreciação sobre a influência que exerceram na vida nacional. Um desses nomes é o objeto do presente trabalho: AARÃO REIS. Para se conhecer o pensamento de Aarão Reis, centramos este trabalho na sua obra Economia política, finanças e contabilidade, dedicada, segundo o próprio autor, a auxiliar os seus alunos da Escola Politécnica nos estudos da Economia Política, cadeira sob sua responsabilidade. AARÃO REIS: DADOS BIOGRÁFICOS E FORMAÇÃO CULTURAL AARÃO LEAL DE CARVALHO REIS nasceu a 6 de maio de 1833, em Belém, capital da então província do Grão-Pará. Foram seus pais Fábio Alexandrino de Carvalho Reis e Anna Rosa Leal de Carvalho Reis. Em 1872, na Escola Central do Rio de Janeiro (depois Escola Politécnica), concluiu o curso de engenheiro geógrafo; em 1873, bacharelou-se em ciências físicas e matemáticas, e, em 1874, recebeu o grau de engenheiro civil. No ano de 1874, casou-se com Mariana Furtado (1854-1924), filha do Conselheiro Francisco José Furtado, que foi Presidente (1864-65) do Conselho de Ministros do Império. Dessa união, nasceram sete filhos. Sobre os trabalhos profissionais e as funções públicas e privadas exercidas por Aarão Reis, é extensa a sua relação, podendo-se citar os seguintes, entre outros: 1) Diretor Geral da Secretaria de Estado da Agricultura, Indústria, Viação e Obras Públicas (entrou com o positivista Demétrio Ribeiro, em 1889, e pediu exoneração em 30 de setembro de 1890); 2) Engenheiro chefe da Estrada de Ferro Elétrica da Tijuca (RJ), com a introdução pioneira dos bondes elétricos no Brasil (1891-93); 3) Engenheiro Chefe da Comissão técnica para o estudo das localidades indicadas para a nova Capital do Estado de Minas Gerais. Relatório datado de 16 de junho de 1893; 4) Fundador e Presidente da Empresa Industrial (Fábrica de Fósforos) Serra do Mar (1899-1906); 5) Diretor Geral da E. F. Central do Brasil, no período de 1906 a 1910; 6) Presidente do Automóvel Clube do Brasil (1909); 7) Diretor do Lloyd Brasileiro (1910); 2 Entre outras atividades desenvolvidas por Aarão Reis, podemos citar as seguintes: membro do Clube de Engenharia do Rio de Janeiro, da Sociedade de Geografia e do Centro Industrial da então capital da República; sócio honorário da “Associação dos Engenheiros Civis Portugueses”, membro da “Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional” e Diretor da “Liga do Ensino do Brasil”. Produção intelectual de Aarão Reis De sua produção técnica (estritamente da área de engenharia), podemos citar os seguintes trabalhos, entre outros: 1) A engenharia e as obras públicas no Brasil (1 vol. 1880); 2) A luz elétrica pelo sistema de Edison, aplicada à iluminação particular (1 vol., 1882); 3) A transmissão e a distribuição elétrica de força (1 vol., 1884); 4) A eletricidade em 1886 (1 vol., 1888); 5) Relatório da Comissão de Estudo das localidades indicadas para a nova Capital (apresentado ao Governo de Minas Gerais, em 1893); 6) Relatório Geral dos trabalhos da Comissão Construtora da nova Capital de Minas Gerais, em Belo Horizonte (2 vol., 1895); 7) Inspetoria de Obras Contra as Secas (1 vol., 1924, Imprensa Nacional). Relativamente à sua produção acadêmica: 1) Trigonometria esférica (tradução da obra de Dubois; 1 vol., Rio de Janeiro, 1872; 2) Lições de álgebra elementar (1 vol., Rio de Janeiro, 1876); 3) Estatísticas morais e aplicação do cálculo das probabilidades a este ramo de estatística (Rio de Janeiro, 1 vol., 1880); 4) Curso elementar de matemática. Teórico, prático e aplicado. I – Aritmética (1 vol., Rio de Janeiro, 1893); 3 5) Curso elementar de matemática. II – Álgebra (1 vol., – Cálculo das formações diretas: 2 vol., – Álgebra complementar. Rio de Janeiro, 1902). Além destas obras, Aarão Reis reuniu no volume Desvios mortos suas conferências e discursos proferidos, além de pareceres e artigos diversos. Interessou-se também pela Língua Internacional Esperanto, criada pelo Dr. Lázaro Luiz Zamenhof. Muitos positivistas viam no Esperanto um meio de, mais rapidamente, divulgar as idéias de Comte e implantar a Religião da Humanidade. Aarão Reis teve a oportunidade de elaborar parecer sobre a língua criada pelo médico polonês, parecer este submetido ao Conselho Diretor do Clube de Engenharia do Rio de Janeiro, em 18 de julho de 1921, sob o título O Esperanto como língua auxiliar comum a todos os povos. Em 1918, entretanto, Aarão Reis publica aquela que pode ser considerada a sua principal obra: Economia política, finanças e contabilidade. Em 1923, Aarão lança outro importante trabalho seu: Direito administrativo brasileiro, também destinado aos seus alunos da Politécnica. Um dos pioneiros nos estudos e aplicações da eletricidade no Brasil, Aarão Reis deixou vários trabalhos sobre essa especialidade. Os estudos para a nova Capital mineira e o plano urbanístico de Belo Horizonte A idéia da mudança da capital administrativa de Minas, da cidade de Ouro Preto para outro local, era bastante antiga, remetendo ao início do século XVIII. Em 1892, uma eleição direta alçou à Presidência de Minas o Dr. Afonso Augusto Moreira Pena, ardoroso defensor da mudança da Capital. Este, no mesmo ano, tornou as providências que considerava cabíveis no caso: a instituição de comissões para estudar as localidades de Belo Horizonte, Paraúna, Barbacena, Várzea do Marçal e Juiz de Fora, numa das quais seria instalada a nova capital de Minas. Aarão Reis aceitou a tarefa, e em 16 de junho de 1893, concluídos os estudos, entregou a Afonso Pena um minucioso relatório geral, no qual, à vista dos argumentos técnicos apresentados, sobretudo econômicos, indicou a Várzea do Marçal; entretanto, a localidade de Belo Horizonte, como outra opção, foi a escolhida, com o nome 4 de Cidade de Minas, para a edificação da sede da Capital do Estado, sendo inaugurada em 12 de dezembro de 1897. O projeto urbanístico de Belo Horizonte revela, em sua concepção geométrica, o pensamento positivista de seu autor: o centralismo, o intervencionismo governamental, a necessidade da ordem e do controle generalizado. É o que se depreende, em linhas gerais, do fato de, ao redor do primitivo centro urbano, situar-se uma avenida – a do Contorno – que, como o próprio nome indica, fecha ou limita a cidade. No plano de construção das casas, de variados tipos, levou-se basicamente em consideração a hierarquia dos funcionários públicos estaduais (há, mesmo, um bairro denominado “Funcionários”). As ruas da zona urbana, em número de 65, inicialmente – foram desenhadas em quadriculados, e, ainda, 12 avenidas regulares e simétricas, traçadas em diagonais, configurando a idéia, no plano urbanístico, de centralização de autoridade. Pode-se destacar, também, na concepção positivista do plano da cidade, o fato de um dos prédios, o Palácio da Liberdade, residência governamental, apresentar, em sua decoração interna, aspalavras “Saudação, Trabalho, Fortuna e Esperança”, além de alegorias à Ordem e ao Progresso, à Liberdade e à Fraternidade, de feição positivista. O trabalho de Aarão Reis na construção de Belo Horizonte pode ser considerado pioneiro, creditando-se ao seu autor, segundo KAFURI (1953), “as primeiras páginas da ciência do urbanismo” (p.193) em terras brasileiras. Também MALHEIROS DA SILVA (1953) escreveu que Belo Horizonte dava a Aarão Reis o “… direito inconteste a ser considerado, no Brasil, o Precursor do Urbanismo”. (p. 199). AARÃO REIS E O POSITIVISMO Para melhor entendimento da posição de Aarão Reis no contexto das idéias do final do século XIX e das três primeiras décadas do século XX, faz-se necessário conhecer o pensamento filosófico brasileiro então predominante. No dizer de PAIM (1987), “a peculiaridade essencial do pensamento brasileiro, no período da denominada República Velha (1890/1930), corresponde à ascensão do positivismo”. O vocábulo positivismo, entendido na sua acepção mais restrita, designa o sistema filosófico e a escola fundados, no século XIX, pelo francês Augusto COMTE 5 (Montpellier, 1798 – Paris, 1857). Pode-se dizer que, basicamente, o pensamento comteano está fundamentado na chamada “Lei dos três estados”. Segundo Comte, esta lei tem a propriedade de explicar os estágios teóricos pelos quais cada ramo do conhecimento humano passa: o estado teológico (ou fictício), o estado metafísico (ou abstrato) e o estado positivo (ou científico). Estes estados, sob o prisma histórico, constituem, respectivamente, as três épocas ou fases fundamentais da Humanidade: a religiosa, a filosófica e a científica. Para ele, o estado positivo é o ponto final da evolução humana, o objetivo para o qual a Humanidade se dirige. Comte procedeu a uma hierarquização ou classificação sistemática das ciências. Especificamente quanto à Economia Política (ciência de cuja cadeira Aarão Reis foi professor na Politécnica), Comte considerou que os fenômenos econômicos deveriam ser apreciados no bojo dos princípios da física social, ou seja, condicionou aquela aos métodos e à análise da nova ciência social por ele criada, a Sociologia. A esta estariam, ao final de tudo, subordinadas todos as demais ciências. Estruturado o seu projeto de classificação das ciências, Comte passou, em seguida, a se preocupar com a elaboração de uma nova religião, que, segundo ele, com a implantação do espírito positivo, seria adotada por todos os homens. Fundou, então, a “Religião da Humanidade”. A face religiosa do Positivismo, de cunho ortodoxo, teve, do mesmo modo que no plano político, expressiva aceitação no Brasil, no final do século XIX. O Positivismo no Brasil No Brasil, as idéias comteanas tiveram larga repercussão no século XIX. A face religiosa do Positivismo foi, sem dúvida, a que mais influenciou os espíritos em terras brasileiras. Na verdade, a “Religião da Humanidade”, teve, no Brasil, um solo acolhedor, fértil, frutificando sobremaneira. Assim, a religião comteana foi aqui aceita, sendo seus maiores representantes Miguel Lemos (1854-1916) e Raimundo Teixeira Mendes (1855- 1927). No plano político, afirma PAIM (1987) que “o ciclo da ascensão do positivismo parece encerrar-se com a Revolução de 30 e o término da República Velha” (p. 6 473). No plano das ciências e da educação, as idéias positivistas, já em 1916, sofreram um grande abalo, com a fundação da Sociedade Brasileira de Ciências, depois, a partir de 1921, Academia Brasileira de Ciências. Outro grande golpe foi a visita de Albert Einstein ao Brasil, em 1925, muito criticada pelos positivistas, que não aceitavam a teoria da relatividade. Também, o fortalecimento da idéia de Universidade – combatida pelos adeptos de Comte –, constituiu-se em fator determinante para o declínio e a perda da influência positivista nos variados setores da atividade nacional. O Positivismo na Escola Politécnica A denominação de “Escola Politécnica” (antes Escola Central, de 1856 a 1874) vigorou durante o período que vai de 1874 – ano em que o jovem Aarão Reis obteve o grau de engenheiro civil – até 1937, quando o estabelecimento passou a chamar-se “Escola Nacional de Engenharia” (hoje Escola de Engenharia da UFRJ). A instituição é considerada o berço da Engenharia no Brasil. Entrando no Brasil via Escola Militar, cujos professores estavam carentes de um “pensamento filosófico condutor”, no dizer de MACIEL DE BARROS (1986), o Positivismo deixaria, na segunda metade do século XIX, marcas profundas na juventude daquele estabelecimento de ensino, influenciada, em sua quase totalidade, pelo pensamento de Comte. Entre esses jovens, estava Aarão Reis. O PENSAMENTO ECONÔMICO DE AARÃO REIS Em 1918, Aarão Reis publicou aquela que é certamente, a sua principal obra: Economia política, finanças e contabilidade. Destinava-se, ao ensino da disciplina, de mesma denominação, do currículo da Escola Politécnica. Embora embebido das idéias comteanas, a análise do livro sugere-nos num primeiro momento, que o autor, por outro lado, não era um ortodoxo, como se verá a seguir: 7 Os conceitos de Progresso e Indústria. A Economia compreendida na Sociologia Inicialmente, Aarão Reis passa a desenvolver e a justificar o seu conceito de progresso. Para ele, o progresso deve ser concebido como aquela tendência natural para o prodomínio, cada vez mais amplo e decisivo no espírito humano, das idéias gerais. Assim, essa generalização seria a causa do desenvolvimento histórico da Humanidade: tanto a indústria, como a arte, as ciências e a moral tenderiam a uma crescente generalização, afastando-se todos esses ramos do conhecimento das “restrições das especialidades”. Aarão desenvolve, logo após, o seu conceito de Economia Política: esta ciência, subordinada à Sociologia, não teria ainda atingido o grau elevado de precisão como as demais ciências estudadas e sistematizadas por Comte. Todavia, as teorias econômicas vigentes permitiriam o estabelecimento, ainda que imperfeito, de um equilíbrio entre aquelas forças que poderiam contribuir para a melhoria do “conforto geral” do ser humano. O fenômeno da produção. A técnica Para o fenômeno da produção concorreriam três fatores ou agentes: a natureza (meio), o trabalho (esforço físico e intelectual) e o capital (aparelhamento material e intelectual). Tudo isto, combinado e controlado pelo gênio do espírito humano, determinaria a produção da riqueza. Somente a técnica teria condições de promover as modificações nesses fatores. Aqui, Aarão dá o seu conceito de técnica: “(…) sob o ponto de vista econômico, consiste no vasto e complexo conjunto de habilidades, de conhecimento científicos, de arte e de prática por meio do qual põe, afinal, a humanidade a natureza ao inteiro serviço de suas necessidades.” (p. 117). 8 Segundo ele, o desenvolvimento da tecnologia estaria preponderando em sua época, sendo que as grandes corporações de produtos e serviços dominariam, no futuro, o desenvolvimento econômico mundial. Uma visão profética de Aarão Reis? Aarão Reis mostra-se um adepto da idéia do industrialismo, considerado fator de emancipação nacional, corrente muito em voga na primeira metade do século XX, podendo-se, no caso, lembrar dos nomes de Amaro Cavalcanti (1851-1922), Luis Rafael Vieira Souto (1849-1922), Serzedelo Correia (1858-1932) e Lauro Muller (1863-1926), entre outros, ardorosos defensores do pensamento industrialista brasileiro. O PENSAMENTO SOCIAL E POLÍTICO DE AARÃO REIS A questão da liberdade e o problema da escravidão A questão da liberdade do homem, condição fundamental para o desenvolvimento da sociedade, está presente em toda a principal obra de Aarão Reis. Assim é que, já logo no início, no item 69, ele observa: “A liberdade humana, além de seconciliar perfeitamente com a fatalidade das leis naturais, é, ainda, a auxiliar imprescindível delas” (p. 49). No trabalho, a liberdade é uma condição social favorável e imprescindível para “cada indivíduo aplicar, como, onde e quando julgar preferível, suas faculdades na contribuição com que deve de concorrer para a produção da riqueza” (item 492). Em resumo, Aarão considera que a liberdade humana é fundamental para o desejado equilíbrio social e fator preponderante para que a Humanidade realize o seu objetivo último, que é alcançar o bem-estar generalizado. 9 O problema da educação Aarão Reis mostra-se favorável às medidas de reforma educacional, principalmente às relacionadas com a maior liberdade proporcionada à iniciativa particular para a abertura de escolas. Tece, por outro lado, uma série de argumentos em favor da obrigatoriedade do ensino primário, público e gratuito. Caberia à União, como representante dos elevados interesses nacionais, a “ïmprescindível disseminação da instrução popular, num país que, pelo regime político adotado, carece que todos os seus cidadãos intervenham, conscientemente, no desdobramento normal da vida nacional” (p. 610). Aarão entende que é pela educação das chamadas “classes populares laboriosas” que se alcançará a necessária colaboração – entre patrões e empregados ou, por outra forma, entre o capital e o trabalho – “para a grande obra comum de interesse geral” (item 387). O intervencionismo estatal de Aarão Reis Apoiando as idéias e as iniciativas sociais de proteção ao trabalhador, Aarão destaca “o crescente intervencionismo do Estado no sentido de amparar cada vez mais os desfavorecidos da sorte”, tudo colaborando para a “nova organização social” que tenderia a se instalar no mundo. Esta “nova organização social” Aarão entendia como sendo o socialismo determinado, fruto do desenvolvimento da sociologia fundada por Augusto Comte. Em ensaio datado de 10 de dezembro de 1897 e publicado no volume I (1897) da Revista da Escola Politécnica, Aarão Reis mostra, claramente, o seu pensamento intervencionista. No trabalho, denominado A intervenção do Estado na indústria, ressalva, sempre, a necessidade de proteção aos direitos individuais. Ainda, reafirmando a sua tese, diz que a intervenção do Estado na esfera econômica “longe de ser um direito em luta com os direitos individuais, é ao contrário um dever, uma atribuição do poder político” (p. 387). Os cidadãos têm, segundo ele, o direito 10 de reclamar a execução dessa obrigação, a qual se justifica “pelo princípio que deve regular a inversão do fundo público formado pelas contribuições de todos”. (p. 387) CONCLUSÃO A posição doutrinária de Aarão Reis, dentro do Positivismo, pode ser caracterizada como de positivista “ilustrado”, segundo a denominação proposta por MACIEL DE BARROS (1986): a corrente ilustrada aceitava a primeira parte da obra de Augusto Comte, rejeitando a segunda, relativa à formulação da “Religião da Humanidade”. Os positivistas “ilustrados” estavam precipuamente preocupados com a feição pedagógica do Positivismo, pois viam na educação – área na qual Aarão atuou e mobilizou esforços para o desenvolvimento da mesma – o vetor ideal para impulsionar a sociedade a, mais rapidamente, atingir um nível elevado de progresso e bem-estar generalizado. Já o pensamento econômico intervencionista, de feição positivista, encontra em Aarão Reis um paradigma, inspirador das reformas procedidas por Getúlio Vargas na economia brasileira a partir de 1930. Aarão via no Estado empresário – nos moldes da concepção do Marquês de Pombal – um ente tutelar com a missão de promover uma nova ordem social, e, além disso, de amparar os “desafortunados da sorte”. Na área técnica, de engenharia, o seu pensamento foi materialmente concretizado na elaboração do plano urbanístico para a construção da nova capital de Minas Gerais. Tal plano mostra a face positivista de Aarão Reis: essencialmente concentracionista, diretivo e controlador. Também, Aarão Reis pode ser considerado um pioneiro, no Brasil, no setor de engenharia elétrica, pelos estudos técnicos que elaborou e trabalhos práticos que realizou na área. Ainda, a destacar, a sua participação, no Clube de Engenharia, a favor do desenvolvimento econômico e tecnológico nacional, podendo ser considerado também um “industrialista”. Aarão Reis mostrou-se também um precursor e grande defensor do sistema cooperativista de produção e consumo. 11 Quanto aos debates que se travaram na Escola Politécnica sobre o pensamento científico brasileiro livre da influência do comtismo, a análise dos principais trabalhos de Aarão evidencia a sua não-participação nessas discussões. Amigo e colega de trabalho dos professores Otto de Alencar e Amoroso Costa, principais nomes da reação antipositivista na Politécnica, Aarão Reis não promoveu – pelo menos por meio de seus livros e artigos – debates com o grupo representativo do movimento renovador do pensamento científico de então. Em resumo, o pensamento econômico e sócio-político intervencionista de Aarão Reis, de fundo positivista, deve ser mais ampla e acuradamente estudado, sobretudo nos seus reflexos sobre a sociedade brasileira como um todo, em especial a partir de 1930, após a ascensão de Getúlio Vargas ao poder. BIBLIOGRAFIA AMOROSO COSTA, M. 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