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Investigação, 14(1):83-90, 2015 ISSN 21774780 83 Revista INVESTIGAÇÃO medicina veterinária REVISÃO DE LITERATURA | RESUMO O objetivo deste trabalho é fazer uma revisão de literatura sobre intervenções obstétricas em equinos, visto que o Brasil é o país com o maior rebanho de eqüinos na América Latina, tendo assim inúmeros casos de problemas reprodutivos, como distocias ao parto, sendo estas de origem fetal e/ou maternal, devido a vários fatores envolvidos. Em muitos destes casos, a intervenção obstétrica e a realização de manobras especiais é o sufi ciente para garantir o sucesso ao parto, porém, em casos que o feto já se encontra morto e a fêmea não tem mais a capacidade inicial de expulsá-lo do útero, pode-se optar por práticas mais radicais, como a fetotomia, para que se garanta assim a saúde da fêmea, por outro lado, se o feto ainda apresentar-se vivo, e a retirada via canal vaginal não seja possível, opta-se pela intervenção cirúrgica, realizando a cesariana. Em casos no qual o parto foi distócico, pode ainda por algum motivo ocorrer algum tipo de fístulas, ou até mesmo lacerações perineais, nesse caso necessitando também de intervenção cirúrgica. Palavras-chave: Éguas, emergências obstétricas, difi culdade de parto, manobras obstétricas, procedimento cirúrgico. Mariana G. Kako Rodriguez1, Vanessa B. Paula1, Marcela Ambrogi1, Fabíola S. Facco2, Naidiel R. Galon2, Diogo José Cardilli3, Luisa Pucci Bueno Borges4, Izabela Puerchi Ribeiro4, Denis Vinícius Bonato4, Wilter Ricardo Russiano Vicente1, Pedro Paulo Maia Teixeira4 INTERVENÇÕES OBSTÉTRICAS EM EQUINOS Obstetric intervention in equine The aim this study is to review the literature on obstetric interventions in horses, since Brazil is the country with the largest herd of horses in Latin America, thus numerous cases of reproductive problems such as dystocia at birth, and these sources fetal and / or maternal, due to various factors involved. In many of these cases, the obstetric intervention and special maneuvers is enough to ensure successful parturition, however, in cases where the fetus is already dead and the female no longer has the initial capacity to expel from the womb, you can choose to practice more radical, as fetotomia, so to ensure the health of the female, on the other hand, if the fetus is still alive present, and removed via the vaginal canal is not possible, opts for surgical intervention, performing a cesarean. In cases where the parturition was dystocic, to can still occur for some reason, some kind of fi stula or even perineal lacerations, in this case also requiring surgical intervention. Keywords: Mares, obstetric emergencies, parturition diffi culty, obstetric maneuvers, surgical procedure. 1. UESP-Univ Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – UNESP, Jaboticabal, São Paulo, Brasil. 2. Universidade Estadual do Centro-Oeste - UNICENTRO, Guarapuava, Paraná, Brasil. 3. Universidade Federal do Pará (UFPA). 4. Pós-graduação em Ciência Animal pela Universidade de Franca - UNIFRAN, Franca, São Paulo, Brasil. Av. Dr Armando Sales Oliveira, 201, CEP: 14.404-600, Pq. Universitário, Franca – SP. E-mail: p_paulomt@yahoo.com.br Investigação, 14(1):83-90, 2015 Clínica e Cirurgia de Grandes Animais ABSTRACT Investigação, 14(1):83-90, 2015 ISSN 21774780 84 INTRODUÇÃO O termo distocia signifi ca difi culdade em expulsar o feto do útero e pode ter origem materna e fetal. As distocias de origem materna são aquelas que ocorrem por anomalias pélvicas, vulvares, vaginais e também por atonia uterina; são pouco comuns nas éguas, pois estas apresentam via fetal óssea de base plana com pelve do tipo mesatipélvica (forma circular), e a via fetal mole apresenta grande capacidade distensiva. Aquelas de origem fetal são mais frequentes nesta espécie e têm como causa problemas de estática e malformações fetais. (Prestes e Landim-Alvarenga, 2006; Vicente e Toniollo, 1995). O objetivo desta revisão de literatura foi abordar as principais intervenções obstétricas que devem ser realizadas diante de uma distocia de origem fetal, como as monobras obstétricas e a cesariana e também aquelas resultantes de um parto distócico, como as lacerações de períneo. PARTOS DISTÓCICOS DE ORIGEM FETAL O conhecimento das principais características do parto eutócico (normal) das éguas é de grande importância para a detecção de uma distocia. O parto eutócico pode ser dividido em três fases: preparação, dilatação e expulsão. Nas éguas a fase de preparação é caracterizada pelo desenvolvimento das glândulas mamárias e extravasamento do colostro, vale ressaltar que o relaxamento dos ligamentos sacroisquiáticos são pouco observados nesta espécie. A fase de dilatação caracteriza-se por inquietação, com sinais semelhantes aos de cólica, e rompimento do alantocório. . A fase de expulsão geralmente ocorre à noite, com o animal em decúbito lateral e geralmente tem duração de 15 a 30 minutos, muita rápida quando comparada com a mesma fase das vacas, que pode levar até 6 horas, outra particularidade importante é que o potro geralmente nasce envolto pela membrana amniótica; (Prestes e Landim-Alvarenga, 2006; Vicente e Toniollo, 1995). A abordagem do animal com distocia baseia-se primeiramente na obtenção de um histórico completo, seguido de exame clínico geral e, por último, o exame ginecológico específi co, o qual é realizado por palpação vaginal, com braço limpo, enluvado e lubrifi cado, após desinfecção de períneo e vulva (Ferreira, 2009). No exame específi co são verifi cadas as condições do canal do parto, dos anexos fetais e do feto. O canal do parto, composto pelas vias fetais óssea e mole, deve estar dilatado, lubrifi cado e com as mucosas integras. Os anexos fetais podem estar íntegros ou rompidos, sendo o liquido alantóide de coloração amarelada, por conter urina fetal, e o liquido amniótico claro e mucoso. O feto é avaliado quanto ao tamanho, estática, malformações e viabilidade, sendo que os principais sinais de viabilidade são: movimentação espontânea à palpação, pulso dos vasos do cordão umbilical e presença dos refl exos de sucção, ocular e anal. (Ferreira, 2009; Prestes e Landim-Alvarenga, 2006; Vicente e Toniollo, 1995). A estática fetal é defi nida na palpação vaginal através de critérios de apresentação, posição e atitude. Sendo que a apresentação é a relação entre os eixos longitudinal da mãe e do feto, a posição é a relação entre a porção dorsal do feto comparado ao dorso materno e a atitude é a relação das partes do feto com seu próprio corpo (Locatelli, 2009). No parto eutócico o feto tem apresentação longitudinal anterior, posição superior e atitude estendida com membros e cabeça insinuados no quadrante pélvico. Diante de partos distócicos de causa fetal (mais comuns em éguas) são três as opções de conduta: manobras obstétricas de correção, fetotomia e cesariana, as quais serão descritas a seguir (Prestes e Landim-Alvarenga, 2006). O conhecimento das principais características do parto eutócico (normal) das éguas é de grande importância para a detecção de uma distocia. O parto eutócico pode ser dividido em três fases: preparação, dilatação e expulsão. Nas éguas a fase de preparação é caracterizada pelo desenvolvimento das glândulas mamárias e extravasamento do colostro, vale ressaltar que o relaxamento dos ligamentos sacroisquiáticos são pouco observados nesta espécie. A fase de dilatação caracteriza-se por inquietação, com sinais semelhantes aos de cólica, e rompimento do alantocório. A fase de expulsão geralmente ocorre à noite, com o animal em decúbito lateral e geralmente tem duração de 15 a 30 minutos, muita rápida quando comparada com a mesma fase das vacas, que pode levar até 6 horas, outra particularidade importante é que o potro geralmente nasce envolto pela membrana amniótica 20,22. A abordagem do animal com distocia baseia-se primeiramente na obtenção de um histórico completo, seguido de exame clínico geral e, porúltimo, o exame ginecológico específi co, o qual é realizado por palpação vaginal, com braço limpo, enluvado e lubrifi cado, após desinfecção de períneo e vulva 7. No exame específi co são verifi cadas as condições do canal do parto, dos anexos fetais e do feto. O canal do parto, composto pelas vias fetais óssea e mole, deve estar dilatado, lubrifi cado e com as mucosas integras. Os anexos fetais podem estar íntegros ou rompidos, sendo o liquido alantóide de coloração amarelada, por conter urina fetal, e o liquido amniótico claro e mucoso. O feto é avaliado quanto ao tamanho, estática, malformações e Investigação, 14(1):83-90, 2015 ISSN 21774780 85 MANOBRAS OBSTÉTRICAS DE CORREÇÃO FETOTOMIA viabilidade, sendo que os principais sinais de viabilidade são: movimentação espontânea à palpação, pulso dos vasos do cordão umbilical e presença dos refl exos de sucção, ocular e anal 7,20,22. A estática fetal é defi nida na palpação vaginal através de critérios de apresentação, posição e atitude. Sendo que a apresentação é a relação entre os eixos longitudinal da mãe e do feto, a posição é a relação entre a porção dorsal do feto comparado ao dorso materno e a atitude é a relação das partes do feto com seu próprio corpo 14. No parto eutócico o feto tem apresentação longitudinal anterior, posição superior e atitude estendida com membros e cabeça insinuados no quadrante pélvico. Diante de partos distócicos de causa fetal (mais comuns em éguas) são três as opções de conduta: manobras obstétricas de correção, fetotomia e cesariana, as quais serão descritas a seguir 20. São realizadas quando a estática fetal apresenta-se incorreta e sua correção pode ser feita por meio das manobras de retropulsão, extensão, tração, rotação e versão (Ferreira, 2009; Locatelli, 2009; Jackson, 2009; Prestes e Landim-Alvarenga, 2006; Vicente e Toniollo, 1995). Figura 1: Imagem de uma égua com distocia de origem fetal. Foto ce- dida pelo Serviço de Reprodução e Obstetrícia da FCAV/UNESP. A retropulsão é o ato de empurrar o feto insinuado, em direção ao útero, ela pode ser realizada com o próprio braço ou muleta obstétrica, respeitando sempre as contrações uterinas. . A extensão é o ato de estender partes fl exionadas, tomando os devidos cuidados para não ocasionar nenhum tipo de laceração principalmente pelo casco. Por sua vez, a tração consiste em tracionar o feto pelas partes insinuadas, a fêmea não deve ser fi xada, sendo a fi xação somente do potro (nos membros acima da articulação metacarpo e na cabeça em região do osso occipital). A rotação nada mais é que o ato de giro do potro sobre seu eixo longitudinal, mais bem sucedida com a égua em decúbito e o potro em posição lateral (menor sucesso em posição inferior) e por fi m a versão, que consiste em alterar apresentação do feto (transversal dorsal ou ventral para longitudinal anterior ou posterior) (Prestes e Landim-Alvarenga, 2006). Segundo Locatelli (2009), o sucesso da manipulação obstétrica depende do tempo de evolução do parto, viabilidade fetal, grau de dilatação das vias fetais, óssea e mole, equipamento disponível, do local de execução do procedimento, bem como da experiência do Médico Veterinário e do preparo do pessoal de apoio. Caracteriza-se pela técnica de fragmentação do feto em partes menores, tornando possível sua remoção pelo canal vaginal (Pinto, 2006; Ferreira, 2009). Prestes e Landim-Alvarenga (2006) citam que a técnica aplicada a animais de grande porte é de difícil execução em pequenos ruminantes e impraticável em suínos e carnívoros. Podem ser utilizadas duas técnicas, a transcutânea tradicional (percutânea) ou subcutânea (com uso da espátula de Keller). Tal técnica é indicada em casos do feto estar morto ou muito debilitado (indicado neste caso sacrifício pela ruptura manual do cordão umbilical), na vigência de fetos absolutos ou relativamente grandes, fetos enfi sematosos e monstruosidades fetais, fetos que sofreram graves mutilações durante as tentativas de tração, distocias de impossível correção e casos adiantados de putrefação. Sendo contraindicada em casos de estreitamento de via fetal, ruptura uterina, graves lacerações vaginais, hemorragias profusas, se o feto estiver vivo e nas doenças graves da parturiente (Pinto, 2006; Prestes e Landim- Alvarenga, 2006). Investigação, 14(1):83-90, 2015 ISSN 21774780 86 A anestesia epidural é recomendada tanto por Prestes e Landim- Alvarenga (2006) quanto por Jackson (2009), desde que o animal esteja agitado, com fortes contrações e seja de fato um procedimento demorado, pois a incoordenação de posteriores pode ocasionar acidentes. Para dar início a fetotomia a égua deve estar devidamente contida em posição quadrupedal, sedada (quando possível e necessário) e com a região perineal devidamente higienizada O médico veterinário deve utilizar lubrifi cantes e realizar a técnica com assepsia. A manipulação excessiva pode ocasionar lacerações da mucosa vaginal e do anel cervical (Jackson, 2009; Vicente e Toniollo, 1995). Ao término do procedimento, um rigoroso exame obstétrico é fundamental a fi m de detectar eventuais lesões. Deve ser realizada lavagem uterina com água morna para completa remoção de resíduos, duas vezes ao dia, com rigorosa condição de higiene. Não é indicado uso de bolus de antibiótico (intrauterino), mas sim uma terapia completa preventiva da laminite (Prestes e Landim-Alvarenga, 2006). CESARIANA EM EQUINOS A cesariana tem por objetivo retirar fetos, vivos ou mortos, de fêmeas, neste caso da espécie eqüina, podendo ser conservativa ou radical, em caso de histerectomia (Toniollo e Vicente, 2003). Este procedimento cirúrgico é indicado para o tratamento de distocias em éguas, geralmente é realizada após o fracasso das manobras obstétricas e fetotomia, porém não deve ser considerada como ultima opção (Turner e Mcilwraith, 2002). A freqüência de realização da cesariana em éguas é baixa, devido às características do parto, sendo este rápido, geralmente noturno, com deslocamento placentário precoce, além da anatomia pélvica favorável ao parto. As principais indicações para o uso da técnica em éguas são: torção uterina grave, deformações da via fetal óssea, rupturas uterinas e malformações fetais. Como contraindicações da cesárea estão as distocias de correção, fetos enfi sematosos, atonia uterina reversível por medicamentos e em paciente de estado geral grave a moribundo (Prestes e Landim-Alvarenga, 2006; Toniollo e Vicente, 2003). Para realização de cesarianas em éguas, existem vários protocolos anestésicos disponíveis em literatura, todos com o propósito de minimizar a depressão do feto (Vandeplassche et al., 1972). É válido lembrar que em todos e quaisquer procedimentos cirúrgicos realizados em eqüinos, um protocolo profi lático antitetânico deve ser obrigatoriamente empregado (Prestes e Landim-Alvarenga, 2006). Na Europa, tem sido bastante empregada a cirurgia com a técnica de abordagem baixa pelo fl anco, porém na maioria dos demais países a abordagem pela linha mediana ventral é a mais utilizada; ambas as técnicas são realizadas sob pré-operatório adequado e anestesia geral, considerando sempre o melhor protocolo disponível (Heath, 1980). A operação cesariana em éguas também pode ser realizada com o animal em estação com acesso pelo fl anco, porém a técnica mais indicada é a incisão pela linha média ventral em centro cirúrgico (Prestes e Landim-Alvarenga, 2006). Quando a técnica utilizada é a de incisão pela linha ventral média, a égua deve ser colocada em decúbito dorsal, em seguida realiza-se tricotomia e antissepsia da região, a qual é protegida com panos de campo estéreis. Acessos venosos devem ser disponibilizados para fl uidoterapia (Edwards et al., 1974). Figura 2: Imagem de uma égua com distocia de origem fetal, em decúbito dorsal em centro cirúrgico para realização de cesariana. Foto cedida pelo Serviço de Re- produção e Obstetrícia da FCAV/UNESP.O início da cirurgia é dado com a abertura da cavidade abdominal, identifi ca-se o útero gravídico que é exposto ao máximo possível, em seguida identifi ca-se um dos membros do feto, posiciona-se este fi rmemente contra a parede uterina, servindo de guia e apoio para a incisão uterina. Depois da retirada do potro, inspeciona-se o interior do útero e os anexos fetais. Se estes anexos estiverem já separados poderão ser retirados pelo acesso cirúrgico, porém se estiverem ainda aderidos ao útero estes devem ser mantidos no local, e deverão ser expulsos naturalmente via vaginal (Turner e Mcilwraith, 2002). Para fechamento uterino, caso os anexos fetais permaneçam no órgão, a sutura não deve prender os mesmos, esta é realizada com fi os absorvíveis, preferencialmente sintéticos, em duas camadas invaginantes seromusculares (Prestes e Landim- Alvarenga, 2006; Vandeplassche et al., 1972). O padrão de sutura pode ser contínuo ou interrompido ou ainda pela técnica de Utrech, de qualquer forma, deve sempre ter padrão invaginante (Ball et al., 1979). O fechamento da Investigação, 14(1):83-90, 2015 ISSN 21774780 87 cavidade é feita em três camadas, sem necessidade de suturar o peritônio, a parede abdominal é suturada com pontos simples ou em ‘’X’’, com fi os sintéticos, absorvíveis, de maneira que garanta forte resistência na incisão, dessa forma, o subcutâneo e a pele não irão sofrer tensão pelo peso dos órgãos internos, em seguida o subcutâneo é suturado também com fi o absorvível sintético e por fi m a sutura da pele é realizada, preferencialmente com Nylon e com padrão interrompido, em ‘’X’’ ou “U”, garantindo maior resistência (Turner e Mcilwraith, 2002). No pós-cirúrgico deve ser instituída antibioticoterapia de amplo espectro e todos os cuidados para a prevenção de laminite. Ao fi m da cirurgia, pode-se iniciar o tratamento para expulsão dos anexos fetais, com uso de hormônios como ocitocina. O antibiótico utilizado também auxiliará na profi laxia das infecções uterinas (Turner e Mcilwraith, 2002). A fertilidade futura da égua possui prognóstico reservado quando anterior à cirurgia houve manipulação vaginal prolongada (Frazer, 2001). Retenção placentária na égua pode levar a complicações, dentre elas as metrites, endotoxemia, laminite e eventualmente a morte. A involução uterina na égua é atrasada mesmo que não desenvolvam estas sequelas (Angrimani et al., 2011). Nos casos de metrite séptica ou tóxica após distocia e retenção placentária, a parede uterina torna-se mais fi na e friável ou até mesmo necrótica. Após a perda de integridade do endométrio ocorre, provavelmente, a absorção de bactérias e toxinas bacterianas pela circulação uterina, as quais provocam as alterações vasculares periféricas que originam a laminite (Blanchard e Macpherson, 2007). PRINCIPAIS ENFERMIDADES ORIUNDAS DE PARTO DISTÓCICO Os traumas encontrados com frequência no pós-parto de éguas são laceração perineal, laceração de cérvix, fístulas retovaginais, ruptura, hemorragia e prolapso uterino. Segundo Papa et al. (1992) e Nogueira (2004) as lacerações perineais e as fístulas retovaginais estão entre os principais traumas cirúrgicos encontrados em éguas no pós-parto, podendo estes levar a complicações como pneumovagina, urovagina e até a morte. Ocorrem devido à força excessiva realizada pela égua para expulsão do feto, geralmente em distocias, éguas nervosas, auxílio inadequado ao parto, éguas primíparas e também fetos grandes (Nogueira, 2004). As lacerações perineais são classifi cadas de acordo com sua extensão em lacerações de grau I, II e III As de grau I não têm envolvimento do corpo perineal e ânus, estão lesionadas apenas as mucosas do vestíbulo vaginal e da porção superior da vulva; as de s grau II são as que geram trauma na mucosa e submucosa vulvovestibular e ruptura dos músculos do corpo perineal não há envolvimento do reto e do ânus. Por fi m, nas de grau III ocorre o rompimento da parede dorsal da vagina, do assoalho retal, esfíncter anal e corpo perineal . Nas fi stulas retovaginais ocorre ruptura parcial do assoalho retal e teto vaginal (Grunert, 2005; Trotter, 1992, Gheller, 2001). Figura 3: Imagem demonstrando uma Laceração de grau III em égua, observando o rompimento da parede dorsal da vagina, do assoalho retal, esfíncter anal e corpo perineal. Foto cedida pelo Serviço de Reprodução e Obstetrícia da FCAV-Unesp-Jaboticabal. Lacerações de grau I são geralmente autolimitantes, sem necessidade de cirurgia, porém pode-se realizar a técnica de Caslik para vulvoplastia. As lacerações de grau II podem ser corrigidas por vulvoplastia e reconstrução do corpo perineal. As de grau III necessitam restauração do vestíbulo, reto e corpo perineal (Trotter, 1992; Gheller, 2001). Segundo Jackson (2009) em casos cirúrgicos, como em lacerações de grau III, deve-se levar em consideração o tempo decorrido e realizar exame clínico minucioso, assim como debridamento da lesão, uso de soro antitetânico, antibiótico e antinfl amatório. Lacerações de grau III com menos de 12 horas podem ser reparadas cirurgicamente, já lesões mais antigas devem ser tratadas como ferida aberta, com higienização diária com água e sabão neutro por 30 dias, para posteriormente serem reparadas por cirurgia (Prestes e Landim-Alvarenga, 2006). A extensão da lesão deve ser determinada e havendo suspeita de envolvimento do peritônio, uma punção peritoneal deve ser Investigação, 14(1):83-90, 2015 ISSN 21774780 88 CORREÇÃO DE LACERAÇÕES DE GRAU IIfeita. Em caso de peritonite o tratamento é feito com antibióticos e antinfl amatórios não esteroidais (AINE). Lacerações mínimas envolvendo somente a mucosa vaginal cicatrizam sem tratamento (Jackson, 2009). Cortes na parede vaginal devem ser reparados imediatamente, evitando tecidos de granulação ou cicatrização. Uma sutura contínua nas camadas mucosa e submucosa é feita usando material absorvível. O uso de antibióticos é recomendado (Jackson, 2009). Segundo Gheller (2001) a fístula retovestibular pode ser tratada através de sua transformação em uma laceração perineal de grau III. EPISIOTOMIA E VULVOPLASTIA A dilatação insufi ciente e estenose vulvar e vestibular acontece por uma doença crônica, um distúrbio no crescimento corporal, nutrição defi ciente ou por retração cicatricial devido a sequelas de lesões ocorridas em partos anteriores (Prestes e Landim- Alvarenga, 2006). Episiotomia é a abertura cirúrgica dos lábios vulvares para permitir a passagem do feto e evitar que a vulva se rasgue irregularmente durante o parto, podendo envolver o reto. Ela é indicada em distocias, por falta de relaxamento ou imaturidade, e geralmente é necessária em animais submetidos à cirurgia vulvar (Dias, 2007). Após a higienização e antissepsia do períneo, infi ltração anestésica local, procede-se com a incisão através da pele e mucosa vestibular em forma de V, permitindo a passagem do feto. Após o parto, se aproxima a mucosa vaginal com fi o absorvível sintético e a pele é suturada com pontos simples interrompidos. No pós- operatório deve-se observar e trocar o curativo diariamente. O uso de antibiótico é opcional (Prestes e Alvarenga, 2006). Vulvoplastia é a cirurgia de reconstrução da comissura dorsal da vulva que apresenta defeito anatômico ocasionado durante o parto ou devido à realização de uma episiotomia. Magreza, idade, partos repetidos e lordose também podem alterar a posição da vulva. A vulvoplastia é frequentemente indicada como forma de tratamento de pneumovagina, enfermidade que afeta principalmente éguas velhas e multíparas e predispõe à urovagina (Dias, 2007; Prestes e Alvarenga, 2006). Segundo Malschitzky et al. (2007), éguas candidatas à vulvoplastia apresentaram um índice de prenhes menor do que aquelas que não necessitavam cirurgia, ou do que aquelas que já haviam sido suturadas anteriormente. Existem três técnicas cirúrgicas para vulvoplastia: Caslick, Pouret e Modino-Mereck,sendo que a mais utilizada é a de Caslick, que é feita com anestesia local mediante infi ltração direta da margem labial vulvar, e com uma tesoura ou bisturi remove-se uma tira de mucosa de aproximadamente 3mm de largura de cada lábio vulvar, as margens cruentas são colocadas em aposição com pontos contínuos simples, sendo que grampos de aço também podem ser utilizados. No pós-operatório geralmente não são indicados antibióticos tópicos ou sistêmicos, retira-se os pontos 7 a 10 dias após, e como complicações são incluídas a recorrência de pneumovagina e deiscência da sutura (Hendrickson, 2010). As lacerações de grau II são corrigidas com perineoplastia. O pré-operatório baseia-se em exame citológico, microbiológico e histológico uterino, jejum, contenção do animal em tronco, enfaixamento da cauda, remoção das fezes, lavagem da região com água e sabão neutro e antissepsia com álcool iodado (AUER e STICK, 2006). Depois de adequado protocolo anestésico (sedação e anestesia epidural) e contenção do animal (em posição quadrupedal em tronco de contensão), são colocados pontos de sustentação laterais nos lábios vulvares próximos a comissura dorsal e um ponto de sustentação próximo ao ânus para melhor visibilização do campo cirúrgico, em seguida retira-se uma porção da mucosa da região em forma de triângulo, a sutura interna é feita com pontos simples e fi o absorvível, a sutura externa é feita com pontos em U profundos na região perineal externa seguida de pontos simples isolados em região mais superfi cial com fi o não absorvível (Youngquist e Threlfall, 2007; Prestes e Landim Alvarenga, 2006; Turner e Mcilwraith, 2002; Mckinnon e Voss, 1993). CORREÇÃO DE LACERAÇÕES DE GRAU III As lacerações de grau III são corrigidas por meio da técnica de AANES e suas muitas variações descritas na literatura. Depois de adequado pré-operatório, contensão do animal e protocolo anestésico (semelhantes aos das lacerações de grau II descritos anteriormente), a técnica é feita em duas etapas: primeiro reconstitui-se o teto vaginal e o assoalho retal e 15 dias depois o corpo perineal e o esfíncter anal. Investigação, 14(1):83-90, 2015 ISSN 21774780 89 A cirurgia inicia-se com os pontos de sustentação que possibilitam visão adequada do campo cirúrgico, em seguida faz-se uma incisão ao longo da lesão, separa-se a mucosa retal da vaginal e divulsiona-se a submucosa e mucosa vaginal formando os fl aps retal e vaginal. A reconstituição do teto vaginal e assoalho retal é feita com pontos de Donatti (fi o absorvível 1 ou não absorvível - Supramid), somente 15 dias após deve ser feita a perineoplastia e a vulvoplastia. O pós-operatório é realizado com curativo local diário, antinfl amatórios (fl unixim meglumine a cada 12 horas) e antibióticos. Quando o animal retornar à reprodução preconiza-se a inseminação artifi cial ou montas controladas. (Youngquist e Threlfall, 2007; Prestes e Landim Alvarenga, 2006; Turner e Mcilwraith, 2002; Mckinnon e Voss, 1993). A laceração cervical comumente está associada a um parto distócico. Pode ser provocada pela expulsão espontânea de um potro absoluto ou relativamente grande, porém ocorre mais comumente nos partos em que exista excessiva manipulação, tração forçada ou fetotomia. Os animais acometidos exibem infertilidade e quando gestam apresentam abortamento ou parto prematuro. O diagnóstico pode ser feito pela vaginoscopia, complementado com o toque digital, sentindo-se, ao percorrer o contorno do anel, uma descontinuidade tecidual. O prognóstico de forma geral é ruim, agravando-se mais ainda na vigência de lacerações múltiplas (Hendrickson, 2010). A cirurgia reparativa não é fácil, devido ao acesso restrito, e basicamente há duas técnicas descritas. A circlagem constitui- se na execução de uma sutura tipo “bolsa de tabaco” envolvendo todo o contorno do anel cervical na tentativa de preservá-la fechada e manter a gestação no qual o animal poderá exibir uma reação a corpo estranho sobre o fi o depositado (Turner e Mcilwraith, 2002) Para execução da técnica cirúrgica convencional, o anel cervical é prolapsado por tração com pinça especial até o vestíbulo vaginal, para permitir sua visualização, reavivamento tecidual e sutura. É necessária a disponibilidade de uma pinça longa traumática, própria para fi xar e tracionar o anel. O material cirúrgico preferencialmente deve ser mais longo que o usual (Mckinnon e Voss, 1993). A despeito dos avanços técnicos, os resultados de uma forma geral ainda são frustrantes para uma gestação normal, porém já foram obtidos promissores resultados utilizando os animais operados como doadores de embriões (Hendrickson, 2010).. REFERÊNCIAS AUER, J.A.; STICK, J.A. Equine Surgery, W.B. 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