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HISTÓRIA DA ARTE Valdoni Moro Batista Arte Moderna: principais tendências Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Sintetizar o conceito histórico e cultural que permitiu o surgimento das vanguardas artísticas modernas. Analisar as características da produção artística a partir do Cubismo e do Fauvismo. Descrever a produção artística do Futurismo. Introdução A arte moderna teve origem a partir da negação dos princípios acadê- micos que limitavam a arte até o fim do século XIX. Era um momento de intensa transformação social, resultante do processo de industrialização, das inovações tecnológicas, das duas Guerras Mundiais, da Revolução Russa e da divisão do mundo entre capitalismo e socialismo. A arte pro- curava acompanhar tais transformações, apresentando um olhar inovador sobre a própria arte e a cultura. As vanguardas artísticas, portanto, são o retrato de um mundo caótico e incerto. Os artistas se utilizavam de manifestos para instaurar princípios estéticos comuns que refletissem uma arte inovadora, em negação aos princípios da arte acadêmica. Algumas características se destacam nos movimentos vanguardistas: a exploração de cores desconexas, com a representação do natural na arte fauvista; o uso de formas geométricas para representar as diversas faces dos objetos no Cubismo; e a represen- tação da velocidade e do desenvolvimento tecnológico na arte futurista. Neste capítulo, você conhecerá o contexto do surgimento da Arte Moderna e suas características, resultantes das vanguardas artísticas. Além disso, conhecerá mais sobre a arte dos movimentos Cubismo, Fauvismo e Futurismo, bem como seus princípios estéticos e os artistas de destaque de cada período. O surgimento das vanguardas modernas A Arte Moderna surgiu na segunda metade do século XIX e teve destaque na primeira metade do século XX, por meio das vanguardas artísticas. Mas, afi nal, o que é uma vanguarda? O termo avante-guarde, do francês, tem origem na guerra, sendo utilizado para designar os soltados que estão no front de batalha. De acordo com Canton (2009), a sua transposição para o campo artístico pressupõe duas premissas básicas: a ruptura com os padrões artísticos acadêmicos e sociais e a inovação constante, que deu origem a diversos movimentos artísticos tão radicais quanto a vida naquela época. De acordo com Canton: [...] esses artistas haviam vivido um momento histórico intenso, que produziu as máquinas da revolução industrial, urbanizou cidades, promoveu uma série espantosa de inovações tecnológicas, mas também originou duas Guerras Mundiais (1914-1918 e 1939-1945), além da Revolução Russa (1917). Ao fim desses conflitos, o mundo estava dividido em dois blocos: o capitalista e o socialista (CANTON, 2009, p. 19). A invenção da fotografia também teve papel de destaque para o surgi- mento da Arte Moderna, pois o artista não precisava mais fazer retratos, já que a fotografia servia melhor a esse objetivo, visto que era mais rápida e seu custo era menor. Alguns artistas viam, na fotografia, uma inimiga, outros se tornaram fotógrafos e houve aqueles que buscaram novos caminhos para a pintura, ficando conhecidos como impressionistas. Os artistas impressionistas romperam com os padrões de representação da arte acadêmica e passaram a pintar os efeitos luminosos. O tema assume função secundária, e surge a ideia da arte pela arte, em que o verdadeiro objetivo da pintura seria explorar sua própria constituição, ou seja, cor sobre uma superfície plana. Enquanto a arte acadêmica seguia o princípio literário, a arte moderna não precisa representar uma narrativa e o tema da pintura pode ser colocado em segundo plano, ao dar-se preferência à exploração dos elementos formais da obra. No Impressionismo, a pintura não transmitia uma história ou mito e seu tema pouco interessava aos artistas que buscavam capturar as dinâmicas da iluminação. A cor representava a luz, e não o objeto, por isso usavam-na a partir de sua combinação ótica. Para pintar as sombras, os artistas não utilizavam a cor preta, como faziam os acadêmicos, mas sim empregavam a cor complementar para dar o efeito de contraste desejado. De acordo com Wolfe (2009, p. 57): Arte Moderna: principais tendências2 A teoria geral era a seguinte: [...] um quadro não era uma janela pela qual se espiava à distância. Os efeitos tridimensionais eram pura ilusão (et ergo er- satz). O quadro era uma superfície plana à qual se aplicava tinta. Os primeiros artistas abstratos tinham compreendido a importância da pintura plana ao pintar simplesmente duas dimensões, mas não tinham sabido ir além. Os artistas que se seguiram ao Impressionismo foram chamados de pós- -impressionistas, uma vez que não se restringiam a simples captura dos fenô- menos luminosos e ampliaram a ruptura, com a ideia da pintura como janela para observar uma história. Enquanto Paul Cézanne buscava capturar as formas básicas dos objetos, Vincent van Gogh produzia uma pintura para refletir a sua alma e Paul Gauguin cobria grandes áreas da tela com cores vibrantes. Esses artistas lançaram as bases estéticas para diversos movimentos artísticos posteriores, incluindo os movimentos de vanguarda (CANTON, 2009). As pesquisas de Paul Cézanne influenciaram os cubistas, que teriam como foco principal a representação dos objetos a partir de suas simplificações em formas geométricas. Vincent van Gogh, por sua vez, influenciou o Expressionismo, visto levou ao limite a representação da angústia perante o caótico contexto em que vivia. Por fim, as obras coloridas de Paul Gauguin influenciaram tanto os artistas expressionistas quantos os fauvistas, que tinha interesse principal na cor pura. As vanguardas artísticas costumam ser estudadas a partir de alguns movi- mentos principais, são eles: Futurismo; Expressionismo; Cubismo, Dadaísmo; e Surrealismo. Esses movimentos tinham em comum a organização de grupos de artistas que publicavam manifestos para divulgar os seus projetos artísticos. São esses manifestos que validavam cada movimento, ao propor princípios estéticos, mantendo os artistas coerentes tanto em estética quanto em temática. O caráter inovador da arte de vanguarda fez o cenário artístico viver uma constante transformação, uma vez que não existiam mais preceitos estéticos uni- versalmente válidos. O público estava aberto às inovações e almejava saber o que existia de mais novo no cenário artístico. Os críticos e negociantes organizavam exposições às pressas para conseguir dar conta da atualidade das produções. Os historiadores buscavam registrar todos os detalhes para representar a tradição do novo, que, logo, seriam trivialidades. Segundo Gombrich (1999, p. 485): 3Arte Moderna: principais tendências Surgiu e espalhou-se a lenda de que todos os grandes artistas eram sempre rejeitados e escarnecidos em seu tempo; por isso o público faz o louvável esforço de não mais rejeitar nem zombar de coisa alguma. A ideia de que os artistas representam a vanguarda do futuro, e que somos nós e não eles quem fará triste figura se não os soubermos apreciar [...]. No Brasil, as vanguardas se manifestam a partir de artistas que, ao viajarem para a Europa, traziam a nova visão sobre o cenário artístico vanguardista e buscavam modernizar a arte brasileira, ainda guiada pelos princípios aca- dêmicos. Uma das artistas que introduziu a Arte Moderna no Brasil foi Anita Malfatti, que, em 1917, expôs seus quadros do período em que esteve estudando na Alemanha e em Nova Iorque. Dentre as pinturas estavam A boba, A estudante russa e O homem amarelo, que exibiam um novo modo de utilizar a cor (CANTON, 2009). Na obra A boba (Figura 1), pode-se perceber como a pintura de Mal- fatti havia superado os padrões acadêmicos ao apresentar cores fortes e linhas tortas. Há referências das vanguardas europeias, principalmente do movimento Expressionista, que explorava a expressividade por meioda cor. O fundo é marcado com pinceladas que criam um cenário incômodo, contrastando com a figura central, representada com o rosto torto e um olhar disperso. Figura 1. A boba (1915-1916), Anita Malfatti, óleo sobre tela, 61 cm/50,6 cm. Mac-Usp, São Paulo, Brasil. Fonte: A boba ([200-?], documento on-line). Arte Moderna: principais tendências4 A exposição de Anita não foi bem recebida por alguns intelectuais da época, ainda admiradores dos princípios acadêmicos, que detestaram suas pinturas. “[...] Monteiro Lobato [...] detestou tanto o que viu que publicou um artigo referindo-se à mostra como ‘paranoia ou mistificação’” (CANTON, 2002, p. 64). Enquanto algumas pessoas não gostaram da nova estética, outras adoraram, como, por exemplo, o poeta Mario de Andrade. A recepção negativa da exposição de Anita Malfatti foi o estopim para a realização da Semana de Arte Moderna, em fevereiro de 1922, no Teatro Municipal de São Paulo. Os artistas buscavam criar um ambiente prolífero para a construção de novas maneiras de produzir arte que fosse moderna e rompesse com os padrões acadêmicos da arte brasileira. A partir do evento, houve a progressiva modernização da arte brasileira, a partir de influências da arte das vanguardas europeias. A Arte Moderna se estendeu pela primeira metade do século XX e, hoje, mesmo sendo movimentos históricos, não podemos esquecer seu teor van- guardista. Os caminhos encontrados pelos artistas levaram a uma infinidade de modos de fazer arte e de pensar a relação da arte com a sociedade. As rupturas e os questionamentos realizados por artistas modernos são a base para o trabalho de muitos artistas que não consideram o quadro como uma janela para observar o mundo e exploram materiais que, antes do Modernismo, eram incomuns na arte. Fauvismo e Cubismo: características Os movimentos artísticos conhecidos como Fauvismo e Cubismo pouca coisa têm em comum, além da ruptura com a representação convencional da arte acadêmica e a busca por uma representação moderna. Enquanto os fauvistas exploravam as combinações entre as cores puras com pinceladas exageradas, os cubistas tinham interesse principal na forma dos objetos e sua representação simplifi cada, a partir de formas geométricas. O Fauvismo foi o movimento de vanguarda mais curto, tendo se desen- volvido entre 1905 e 1907. Sua preocupação principal era o uso da cor para explorar a expressão do instinto artístico. O artista procurava criar sua arte com a mesma pureza de uma criança que não segue regras, de modo que distorcia a representação e usava cores não condizentes com a realidade. 5Arte Moderna: principais tendências O nome fauvismo surgiu a partir de uma crítica de Louis Vauxcelles que, ao visitar, em 1905, o Salão de Outono, encontrou as obras fauvistas expostas ao lado de obras significativas da história da arte. Vauxcelles se referiu às pinturas fauvistas com o termo francês fauves (feras), como uma forma de rejeitar o exagero no uso de tinta com cores vibrantes e formas distorcidas. Sobre os artistas fauvistas, Canton destaca que: A ideia era pintar sem se preocupar com os temas grandiosos – uma praia, uma janela, um barquinho ou uma ponte seria de bom tamanho. Também abandonaram a necessidade de fazer contorno nas formas. Desejavam pintar diretamente com a cor, que seria utilizada de acordo com a vontade de expres- são do artista, sem necessariamente seguir a realidade como a vemos. Esses artistas assumiram sua atração pelas maças de cor, em suas diversidades de tons e intensidades (CANTON, 2002, p. 40.) Os principais artistas fauvistas foram Maurice de Vlaminck (1876–1958) e André Derain (1880–1954), liderados por Henri Matisse (1869–1954). Todos buscavam conferir à cor uma nova possibilidade, ao fugir da representação descritiva da realidade. A cor era mais importante do que a representação, principalmente a cor vibrante. Inicialmente, os artistas realizavam misturas de cores, mas, aos poucos, passam a explorar pinceladas espontâneas, com cores puras. O grupo fauvista, mesmo tendo durado pouco, apresentou uma nova ma- neira de lidar com a pintura. “O que esses artistas têm em comum é o desejo de dispensar tudo o que é ‘extra’ na representação de uma imagem na tela, dando chance para a cor, com seus próprios contrastes, de cobrir superfícies e dar forma à representação” (CANTON, 2002, p. 41). Na obra Ponte sobre o rio (Figura 2), de André Derain, pode-se observar como se dava o uso da cor e da deformação pelos fauvistas. As cores não criam uma representação naturalista, pois o artista utilizou tons de azuis, verdes, laranjas e amarelos para representar uma árvore que aparenta estar em chamas. O interesse também não é captar os efeitos luminosos, como faziam os impressionistas, pois a pintura faz o uso das cores sem se ater à sua combinação ótica. Arte Moderna: principais tendências6 Figura 2. Ponte sobre rio (1906), André Derain, óleo sobre tela, 82,5 cm/101,5 cm, MoMA, Nova Iorque, Estados Unidos. Fonte: Fauvismo ([200-?]), documento on-line). O Cubismo se desenvolveu a partir das pesquisas dos artistas Pablo Picasso (1881–1973) e Georges Braque (1882–1963), que se interessavam pelas pinturas do pós-impressionista Paul Cézanne e sua representação da natureza a partir de formas geométricas básicas. Entretanto, os cubistas exploraram não apenas a simplificação do desenho, uma vez que queriam explorar a representação integral do objeto, ou seja, queriam que a pintura apresentasse o objeto sendo visto a partir de diversos ângulos em uma mesma pintura. A obra Les Demoiselles d’Avignon, de Pablo Picasso, é considerada a pri- meira pintura cubista (Figura 3). Nela, pode-se perceber a distorção das figuras a partir do uso de formas geométricas, reduzindo a sensação de profundidade da tela. O tema da pintura foi um grupo de prostitutas de Barcelona, mas a deformação de seus rostos sugere a influência das máscaras africanas sobre os trabalhos do artista. A pouca variação de cores e o uso da fragmentação nas formas foram técnicas inovadores para a época, colocando Picasso como um dos principais artistas das vanguardas europeias (FARTHING, 2011). 7Arte Moderna: principais tendências Figura 3. Les Demoiselles d’Avignon (1907), Pablo Picasso, óleo sobre tela, 2,44 m/2,34 m, Museu de Arte Moderna, Nova Iorque. Fonte: Les Demoiselles d’Avignon (2011, documento on-line). O Cubismo teve como premissa básica a ruptura com a perspectiva da arte acadêmica, que representava os efeitos de profundidade por meio do emprego de complexas leis da geometria. No Cubismo, há a fragmentação para representar os diversos ângulos de visão sobre o objeto, de maneira sobreposta e com cores nos tons terrosos. Essa preocupação inicial dos cubistas ficou conhecida como Cubismo Analítico (CANTON, 2002). Em pouco tempo, os cubistas levaram o programa da fragmentação e da representação simultânea ao extremo, chegando muito próximo da abstração total da figura. Todavia, o cubismo é, por natureza, um movimento figurativo que buscava uma nova maneira de representar os objetos, rompendo com a perspectiva tradicional. Por isso, houve a limitação temática dos artistas do Cubismo Analítico: Ele só pode ser usado com formas mais ou menos familiares. Quem olha para o quadro deve saber qual é o aspecto de um violino, para poder relacionar entre si os vários fragmentos no quadro. É por isso que os pintores cubistas escolhem usualmente motivos familiares – guitarras, garrafas, fruteiras ou, ocasionalmente, uma figura humana – onde podemos facilmente encontrar o nosso caminho através dos quadros e entender as relações entre as várias partes (GOMBRICH, 1999, p. 456). Arte Moderna: principais tendências8 Em 1912, o Cubismo tomou novos rumos, pois iniciava-se o Cubismo Sintético, que teve duração até a década de 1920. Nesse período, novos artistas aderiram ao grupo, dentre eles: Robert Delaunay (1883–1941), Francis Picabia (1879–1953), Jean Metzinger(1883–1956) e Marcel Duchamp (1887–1968). Na fase sintética, os cubistas fazem novos usos da cor, que deixa de ser esmaecida, sendo utilizada de maneira mais decorativa. “Essa visão mais decorativa da arte tornou o cubismo sintético mais popular do que as outras obras cubistas junto ao público” (FARTHING, 2011, p. 390). O Cubismo Sintético não exagerava na fragmentação, como acontecia no Cubismo Analítico. Houve o uso de colagens de jornais, madeira, tecido, e tal interesse levou alguns artistas a pintarem quadros que pareciam somente colagens, sem uso de cores. De modo que um quadro era “Construído a partir de elementos de colagem e da habilidade dos artistas da época de transformar os conteúdos de uma lata de lixo em imagens bonitas e revolucionárias” (FAR- THING, 2011, p. 390). As colagens faziam os materiais utilizados perderem seu significado utilitário, ao assumir um valor construtivo na obra. O artista utilizava a colagem, assim como utilizava a linha, a cor e as texturas. As obras cubistas apresentavam uma nova maneira de lidar com a pintura e abriram caminho para outros movimentos artísticos, tais como: o Futurismo, que se valerá da fragmentação para a representação da velocidade e das di- nâmicas de movimento; o Suprematismo e o Construtivismo, que utilizaram as relações entre formas abstratas geométricas; o Dadaísmo e o Surrealismo, que darão atenção ao uso de colagens (FARTHING, 2011). Futurismo: a arte da velocidade O Futurismo foi fortemente infl uenciado pelas inovações tecnológicas, que culminaram em uma nova relação entre as distâncias e o tempo. A invenção do automóvel, do avião e da telefonia desencadearam um novo ritmo nas transformações sociais. O Futurismo surgiu na Itália e buscava justamente valorizar a velocidade e o desenvolvimento tecnológico, em oposição a qual- quer tipo de tradição. O manifesto futurista anunciava uma arte inovadora, que via na guerra e na destruição do passado a chance de construir uma nova arte, mais coerente com uma sociedade desenvolvida tecnologicamente. As experimentações cubistas foram influentes entre tais artistas, que utilizavam a fragmentação das formas e das cores para representar as dinâmicas da velocidade. O primeiro 9Arte Moderna: principais tendências manifesto futurista foi apresentado, em 1909, pelo poeta Filippo Tommaso Marinetti (1876–1944), no jornal La gazzetta dell’Emilia. O manifesto continha 11 princípios que deveriam orientar esse novo tipo de arte, dos quais 10 estão descritos a seguir: Manifesto do futurismo 1. Nós queremos cantar o amor ao perigo, o hábito à energia e à temeridade. 2. Os elementos essenciais de nossa poesia serão a coragem, a audácia e a revolta. [...] 4. Nós declaramos que o esplendor do mundo se enriqueceu com uma beleza nova: a beleza da velocidade. O automóvel de corrida com seu cofre adornado por grossos tubos como serpentes de fôlego explosivo... um automóvel rugidor, que parece correr sobre a metralha, é mais belo que a vitória de Samotrácia. [...] 7. Não há mais beleza se não na luta. Nada de obra prima sem um caráter agressivo. A poesia deve ser um assalto violento contra as forças desconhecidas, para intimá-las a deitar-se diante do homem. [...] 9. Nós queremos glorificar a guerra – única higiene do mundo – o militarismo, o patriotismo, o gesto destruidor dos anarquistas, as belas ideias que matam, e o menosprezo à mulher. 10. Nós queremos demolir os museus, as bibliote- cas, combater o moralismo, o feminismo e todas as covardias oportunistas e utilitárias [...] (HELENA, 1989, p. 18–19). A afinidade com a mecanização e a velocidade se expandiu para as diversas linguagens da arte, como a arquitetura, o cinema, a escultura, a música e a poesia. Os pintores tentavam “[...] apreender na pintura a sensação de ação, da passagem do tempo, através da decomposição e fragmentação das imagens. O efeito é parecido com o de uma fotografia com exposição prolongada” (CANTON, 2002, p. 49). A decomposição e a fragmentação utilizadas para representar a velocidade chegavam ao nível de o observador não conseguir identificar a cena representada. O Quadro 1, a seguir, apresenta os principais princípios futuristas, para que se possa compreender melhor como os artistas rompiam com os valores tradicionais ao valorizar a criação de uma nova sociedade a partir do desen- volvimento tecnológico. Tais princípios denotam uma aproximação entre os futuristas e o fascistas, que possuíam ideias similares, como a valorização do militarismo e o desenvolvimento nacionalista. Arte Moderna: principais tendências10 Fonte: Adaptado de Helena (1989). Higiene do mundo Valorização da guerra como renovadora de valores. Antimuseu Oposição às instituições que valorizam o passado, que deve ser superado. Anticultura Queriam iniciar uma sociedade utópica e inovadora. Antilógica Negavam a filosofia positivista e priorizavam o antirracionalismo. Culto ao moderno A velocidade, o desenvolvimento tecnológico e as máquinas são fundamentais para os futuristas. Quadro 1. Princípios futuristas Os pintores futuristas Umberto Boccione (1882–1916), Giacomo Balla (1871–1958), Carlo Carrà (1881–1966), Gino Severini (1883–1966) e Luigi Russolo (1885–1947) também lançaram seus próprios manifestos, a fim de desenvolver uma estética especificamente futurista. Tais artistas exigiam que os italianos abandonassem a visão saudosista e se empe- nhassem no desenvolvimento de uma cultura voltada à industrialização (FARTHING, 2011). A pintura Dinamismo de um ciclista (Figura 4), de Umberto Boccione, apresenta a deformação da figura de um ciclista a partir da velocidade, de acordo com os princípios estéticos do futurismo. Observe como as cores são divididas e, quando ocorrem algumas mesclas, como estas contribuem para os efeitos dinâmicos e o ritmo visual. As cores são colocadas em pequenas pinceladas com cores separadas, que são misturadas oticamente pelo observador. Esse tipo de abordagem pictórica era comum no Impres- sionismo para retratar os efeitos luminosos, mas, no Futurismo, é utilizado para retratar a velocidade. 11Arte Moderna: principais tendências Figura 4. Dinamismo de um ciclista (1913), Umberto Boccione, óleo sobre tela, 70 cm/95 cm, Acervo particular. Fonte: Dinamismo de um ciclista (2016, documento on-line). O Futurismo italiano entrou em decadência em 1914, devido a conflitos internos. Entretanto, os princípios futuristas espalharam-se rapidamente da Itália para a Rússia, dando origem ao Raionismo. A representação da velocidade entre os russos culminou em pinturas quase totalmente abstratas. Os artistas empregavam linhas diagonais cruzadas para retratar a dispersão luminosa, e, quando o objeto estava em movimento, a quantidade de raios era quase infinita. O resultado eram pinturas repletas de linhas entrecruzadas, com excesso de tinta a partir do uso de espátulas (FARTHING, 2011). O Modernismo e as vanguardas artísticas se desenvolveram em um período de intensa transformação social. O resultado foi o surgimento de movimentos de curta duração e de ideias extremistas, que mostravam a própria contradição da vida naquela época. Afinal, era comum um artista participar de mais de um movimento de vanguarda durante sua vida e, às vezes, de movimentos totalmente antagônicos. As inovações modernas libertaram a arte das repre- sentações de narrativas ao focar na experimentação da materialidade que a constitui. A arte pela arte foi o slogan desse período, que culminou nas amplas aberturas tanto do uso de materiais quanto de temáticas presentes na arte contemporânea. Arte Moderna: principais tendências12 A BOBA. In: MACVIRTUAL. [S. l.: s. n., 200-?]. Disponível em: http://www.macvirtual.usp. br/mac/templates/projetos/educativo/acerto5.html. Acesso em: 10 set. 2019. CANTON, K. Do moderno ao contemporâneo. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009. CANTON, K. Retrato da arte moderna: uma história no Brasil e no mundo ocidental. São Paulo: MartinsFontes, 2002. DINAMISMO DE UM CICLISTA. In: WIKIPEDIA. [S. l.: s. n.], 2016. Disponível em: https:// commons.wikimedia.org/wiki/File:Umberto_Boccioni,_1913,_Dynamism_of_a_Cyclist_ (Dinamismo_di_un_ciclista),_oil_on_canvas,_70_x_95_cm,_Gianni_Mattioli_Col- lection,_on_long-term_loan_to_the_Peggy_Guggenheim_Collection,_Venice.jpg. Acesso em: 9 set. 2019. FARTHING, S. Tudo sobre arte: movimentos e as obras mais importantes de todos os tempos. Rio de Janeiro: Sextante, 2011. FAUVISMO. [S. l.: s. n., 200-?]. Disponível em: http://www.fauvismo.noradar.com/andre- -derain.htm. Acesso em: 9 set. 2019. GOMBRICH, H. A história da arte. Rio de Janeiro: LTC, 1999. HELENA, L. Modernismo brasileiro e vanguarda. São Paulo: Ática, 1989. LES DEMOISELLES D’AVIGNON. In: WIKIPEDIA. [S. l.: s. n.], 2011. Disponível em: https:// pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:579px-Les_Demoiselles_d%27Avignon.jpg. Acesso em: 9 set. 2019. WOLFE, T. A palavra pintada. Rio de Janeiro: Rocco, 2009. 13Arte Moderna: principais tendências