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As raízes da resistência “‘Voltem para Cuba!’ A socióloga Roberta Peres assustou-se com o grito vindo de um passageiro de um carro cinza que passava em frente à Mis- são Paz, instituição religiosa que atende migrantes, imigrantes e refugiados recém-chegados à cidade de São Paulo. O haitiano que ela entrevistava – um estudante de engenharia que interrompeu o curso porque sua universidade fora destruída pelo terre- moto de 2010 no Haiti – não entendeu a situação, já que conversavam em inglês. Era o início de 2014, auge da chegada de haitianos à capital paulista. A hostilidade cresceu nos meses seguintes. No sábado 1o de agosto de 2015, seis haitianos foram baleados com espingarda de chumbinho na rua do Glicério e na escadaria da paróquia Nossa Senhora da Paz, que abriga a Missão Paz. ‘Em várias cidades brasileiras os haitianos ainda são oprimidos pelos moradores locais’, observa Rosana Baeninger, também socióloga e colega de Roberta no Núcleo de Estudos de População (Nepo) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). As duas participaram de uma pesquisa recém-con- cluída sobre a situação e os planos de 250 haitianos que vivem em Manaus, Porto Velho, capital de São Paulo e três cidades do interior paulista (Campinas, Jundiaí e Santa Fé do Sul), Curitiba, Camboriú, Porto Alegre e Encantado, no Rio Grande do Sul. Os entrevistados eram, na maioria, homens com idade entre 24 e 29 anos, que pretendiam trazer os familiares, mas não pensavam em permanecer no Brasil. ‘Para os haitianos’, diz Roberta, ‘o Brasil está deixando de ser um país de destino para ser uma etapa de trânsito, ainda que demorada, para os Estados Unidos, para onde a maioria disse que gostaria de ir’. O levantamento reiterou duas conclusões prévias da equipe do Nepo. A primeira é a desconcentração territorial: cidades do interior paulista como Piraci- caba e Limeira, além de Campinas, Jundiaí e Santa Fé do Sul, por causa de investimentos internacionais em agropecuária ou indústria, estão recebendo mais imigrantes e vivendo situações antes comuns apenas em capitais como São Paulo, que até o início dos anos 2000 constituíam o destino quase exclusivo dos estrangeiros. ‘O excedente populacional acom- panha alocações do capital internacional, embora a cidade de São Paulo continue como referencial no imaginário imigratório’, diz Rosana. A segunda conclusão é que a onda imigratória dos últimos 10 anos – formada por bolivianos, peru- anos e outros povos latinos, aos quais se somaram haitianos, senegaleses e congoleses, a partir de 2010 – contraria pressupostos históricos tácitos. ‘Desde o final do século XIX criou-se a ideia de que o imi- grante, para ser aceito, teria de ser branco e euro- peu, e os imigrantes atuais são indígenas que falam espanhol, como os bolivianos, ou negros que falam francês ou crioulo, como os haitianos’, diz Rosana, que trabalha nesse campo há 30 anos. Segundo ela, o distanciamento do padrão histórico branco europeu, a ausência de uma necessidade explícita da mão de obra estrangeira e a escassez de políticas públicas locais, estaduais e federais que promovam a interação social dos imigrantes do século XXI geram o que ela chama de ‘distanciamento em relação ao outro’ e as reações de hostilidade.” FIORAVANTI, Carlos. As raízes da resistência. Revista Fapesp, n. 236, out. 215. Disponível em: <http://revistapesquisa.fapesp.br>. Acesso em: fev. 2016. Tácito Algo que está subentendido, algo que é implícito. 1. Que relação é feita entre alocação de capital e destino de imigrantes? 2. Por que o autor do texto afirma que a onda imigratória dos últimos dez anos contraria pressupostos históricos tácitos? Quais outros aspectos podem influen- ciar uma não aceitação do imigrante? 3. Em seu espaço de vivência, você constata reações de hostilidade a imigran- tes ou outras formas de preconceito em relação a pessoas de fora desse espaço? Explique. 216 unidade 3 | espaço, sociedade e economia TS_V3_U3_CAP09_200_219.indd 216 5/23/16 7:10 PM 1. Explique as causas dos fluxos migratórios entre as regiões brasileiras ao longo da história. 2. Destaque, de acordo com seu ponto de vista, os aspectos positivos dos movimentos populacionais que ocorrem entre as diferentes regiões brasileiras. 3. Leia o texto e responda às questões. Preconceito contra nordestinos “[...] o preconceito entre determinado tipo de pau- listanos contra os nordestinos existe e, assim como o preconceito racial, não é discutido nem assumido. Não são poucos os que veem os migrantes (assim como eram vistos imigrantes) não como gente dis- posta a prosperar e trabalhar, mas estorvos que geram pobreza e mesmo a violência. Crianças pau- listanas acostumam-se a ouvir o substantivo ‘baiano’ transformado em adjetivo genérico e negativo para os nordestinos. Há um indício claro deste preconceito, graças em larga medida ao próprio poder público. São Paulo é a maior cidade nordestina do Brasil, mas até hoje (e quase ninguém nem sequer pensa no assunto) não se imaginou um museu para contar a presença dos nordestinos, ao contrário do que existe para italia- nos, espanhóis, portugueses e judeus. Nas novelas, os personagens heroicos de São Paulo são europeus, quase nunca (para não dizer nunca) brasileiros que migraram. [...] raras escolas estimulam seus profes- sores a discutir com os alunos a questão nordestina. Quando ocorre, geralmente é pelo lado depreciativo, como a pobreza das migrações.” DIMENSTEIN, Gilberto. Nordestinos são vítimas de preconceito. Folha on-line. Disponível em: <www.folha.uol.com.br>. Acesso em: fev. 2016. a) Comente a principal crítica do autor, expressa no texto. b) No dia a dia, você observa ações preconceituo- sas contra migrantes ou outros grupos sociais? Dê exemplos. c) Comente a afirmação: o preconceito contra os migrantes pode revelar falta de conhecimento de quem o pratica em relação a sua própria história. 4. Observe os dados da imagem e justifique os maio- res percentuais de residentes migrantes em duas regiões brasileiras. Brasil 15,5% 84,5% Norte Nordeste Sudeste SulCentro- -Oeste 79,7% 92,5% 65,8% 82,4% 87,5% 20,3% 7,5% 12,5% 34,2% 17,6% Residentes migrantes Residentes naturais Porcentagem de imigrantes nascidos em outro estado sobre a população total da região (2013) Brasil: migração interna – 2013 Fonte: Atualidades Vestibulares, 2015, p. 140. • (UFPE 2014) Mudanças significativas ocorridas na economia do Brasil recentemente modificaram, de forma significativa, os fluxos migratórios internos no país. Sobre esse tema, considere as afirmações a seguir. 0-0) Por conta da considerável melhoria dos padrões sociais e em face da política de transferência de renda para as áreas interioranas do Nordeste, particularmente o Agreste e partes do Sertão, os fluxos migratórios se dirigem, mais intensa- mente, para essas regiões. 1-1) Os movimentos migratórios internos são uma expressão de cenários nos quais as histórias familiares se misturam aos fenômenos econômi- cos e sociais de uma cidade ou de uma região. 2-2) Os empregos que estão atraindo mais trabalha- dores para a Região Norte concentram-se na produção de minerais metálicos, principalmente alumínio e ferro, e no extrativismo mineral. 3-3) A Região Centro-Oeste, que se encontra em franca expansão econômica, em face do agro- negócio, está sendo a que mais atrai imigrantes de outras regiões do país. 4-4) Em decorrência da transformação da econo- mia de outras regiões brasileiras, constata-se que uma onda de migração de retorno vem acontecendo para a Região Sudeste, sobretudo a partir da década de 1990, reordenando o processo de urbanização. Faça no caderno D A C O S T A M A P A S 217capítulo 9 – Migrações no Brasil TS_V3_U3_CAP09_200_219.indd 217 5/23/16 7:10 PM RESPEITO PElA DIFERENÇA Ao caminhar para a formação de uma sociedadeglobal, o mundo contemporâneo cria e recria tensões e contradições, sejam elas econômicas, políticas, sociais ou étnicas. Estamos constantemente lidando com paradoxos: ao mesmo tempo em que a tecnolo- gia permite que informações, mercadorias e capitais fluam mundialmente, há países, especialmente os mais ricos, fechando suas fronteiras aos migrantes pobres ou refugiados, contribuindo para a constru- ção da imagem do migrante como o causador de diversos problemas econômicos, sociais, políticos e de segurança pública. O Brasil também precisa superar diversos compor- tamentos preconceituosos para a construção de uma sociedade verdadeiramente democrática. O caminho para a construção de uma sociedade em que todos tenham seus direitos respeitados passa pelo reconhe- cimento da própria identidade e da diversidade e pela compreensão, valorização e respeito às diferenças. A questão do preconceito e da intolerância tem sido um dos grandes dilemas a ser enfrentados no mundo atual. São discussões importantes e que envolvem o dia a dia de todo cidadão: a necessidade de conhecer, compreender e respeitar a diversidade humana. Esta proposta busca sistematizar os temas trabalhados, sobretudo nos Capítulos 8 e 9, mas também no Capítulo 1 deste volume. O objetivo é aprofundar e sensibilizar os estudantes sobre o preconceito racial. Para informações e orientações complementares, consulte o Manual do Professor – Orientações Didáticas. Sites que podem ajudá-lo na realização deste projeto: Direitos Humanos na Net http://dhnet.org.br/index.htm Fundação Nacional do Índio – Funai www.funai.gov.br Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre o Negro Brasileiro www.usp.br/neinb/ Japan Foundation São Paulo http://fjsp.org.br Memorial do Imigrante www.memorialdoimigrante.org.br Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial www.seppir.gov.br Ipea – Igualdade Racial www.ipea.gov.br/igualdaderacial/ Cartaz de campanha do Ministério Público do Trabalho contra o pre- conceito racial e a favor da igual- dade da mulher afrodescendente no mercado de trabalho. M IN IS T É R IO P Ú B lI C O D O T R A B A lH O 218 unidade 3 | espaço, sociedade e economia TS_V3_U3_CAP09_200_219.indd 218 5/23/16 7:10 PM