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07 04 - (Segunda Geração Modernista)

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Questões resolvidas

Qual é o contexto histórico da segunda geração modernista brasileira?

Segundo o texto, quais são os temas recorrentes na obra de Vinicius de Moraes?

a) A tristeza como fonte de inspiração, a exaltação da mulher, a morte, autorretrato, o sentimento de auto-identificação pela pátria, a Segunda Guerra Mundial e o amor.
b) A exaltação da mulher, a morte, autorretrato, o sentimento de auto-identificação pela pátria, a Segunda Guerra Mundial e o amor.
c) A tristeza como fonte de inspiração, a exaltação da mulher, a morte, autorretrato, o sentimento de auto-identificação pela pátria e o amor.

De acordo com o texto, quais são os temas recorrentes na obra de Cecília Meireles?

a) Fuga e sonho, toque erótico, aspiração da integração, melancolia, solidão, individualidade, atração pelo oceano, lugares de viagens, momentos circunstanciais, natureza e seus elementos, e a morte.
b) Fuga e sonho, toque erótico, aspiração da integração, melancolia, solidão, individualidade, atração pelo oceano, lugares de viagens, momentos circunstanciais, pessoas, natureza e seus elementos, e a morte.
c) Fuga e sonho, toque erótico, aspiração da integração, melancolia, solidão, individualidade, atração pelo oceano, lugares de viagens, momentos circunstanciais, pessoas, natureza e seus elementos, a morte e a história da Inconfidência Mineira.

Jorge de Lima dividiu sua produção poética em duas fases. A primeira, designada “poemas do Nordeste”, é composta por “poemas negros e telúricos”, “testemunho à terra e a uma das realidades de nossa alma imensa”, na qual podemos incluir “Essa negra Fulô”. É um período que traduz uma experiência mais observada que vivida, tematizando o Nordeste açucareiro dos engenhos de cana tradicionais e envolve a presença africana. A segunda fase se caracteriza pelo sobrenatural e pela experiência religiosa de inspiração bíblica. É uma poesia atemporal e distante da objetividade predominante na primeira fase. Podemos reconhecer ainda uma terceira fase, síntese final, iniciada com a publicação de Invenção de Orfeu.

O regionalismo universalizante de João Guimarães Rosa

Nesse período, se redescobrem as “regiões” como tema das manifestações artísticas. Assim como José de Alencar em O sertanejo e Euclides da Cunha em Os sertões, os autores dessa fase do Modernismo brasileiro, especialmente os romancistas, concentram seus esforços em denunciar as diferenças sociais e a opressão. De acordo com o texto, qual é a principal característica da literatura desenvolvida entre os anos de 1930 e 1945?

A politização dos intelectuais.
A experimentação de novas linguagens.
A valorização do folclórico, popular e cotidiano.

Quais são os romances significativos de Graciliano Ramos para a história da literatura brasileira?

Apesar de serem poetas de estilos distintos, há algumas semelhanças notáveis entre a poesia de Jorge de Lima e Murilo Mendes. Cristãos, buscam conciliar a redescoberta do sentido da vida em Cristo com as influências surrealistas, em que a consciência e o estado de razão devem aparecer muito menos do que o onírico. Assim, são poetas que exploram o inconsciente a partir de imagens fortes e, por vezes, enigmáticas. Primeiramente, estudaremos a poesia de Jorge de Lima.

Jorge de Lima dividiu sua produção poética em duas fases. A primeira, designada “poemas do Nordeste”, é composta por “poemas negros e telúricos”, “testemunho à terra e a uma das realidades de nossa alma imensa”, na qual podemos incluir “Essa negra Fulô”. É um período que traduz uma experiência mais observada que vivida, tematizando o Nordeste açucareiro dos engenhos de cana tradicionais e envolve a presença africana. A segunda fase se caracteriza pelo sobrenatural e pela experiência religiosa de inspiração bíblica. É uma poesia atemporal e distante da objetividade predominante na primeira fase. Podemos reconhecer ainda uma terceira fase, síntese final, iniciada com a publicação de Invenção de Orfeu.

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Questões resolvidas

Qual é o contexto histórico da segunda geração modernista brasileira?

Segundo o texto, quais são os temas recorrentes na obra de Vinicius de Moraes?

a) A tristeza como fonte de inspiração, a exaltação da mulher, a morte, autorretrato, o sentimento de auto-identificação pela pátria, a Segunda Guerra Mundial e o amor.
b) A exaltação da mulher, a morte, autorretrato, o sentimento de auto-identificação pela pátria, a Segunda Guerra Mundial e o amor.
c) A tristeza como fonte de inspiração, a exaltação da mulher, a morte, autorretrato, o sentimento de auto-identificação pela pátria e o amor.

De acordo com o texto, quais são os temas recorrentes na obra de Cecília Meireles?

a) Fuga e sonho, toque erótico, aspiração da integração, melancolia, solidão, individualidade, atração pelo oceano, lugares de viagens, momentos circunstanciais, natureza e seus elementos, e a morte.
b) Fuga e sonho, toque erótico, aspiração da integração, melancolia, solidão, individualidade, atração pelo oceano, lugares de viagens, momentos circunstanciais, pessoas, natureza e seus elementos, e a morte.
c) Fuga e sonho, toque erótico, aspiração da integração, melancolia, solidão, individualidade, atração pelo oceano, lugares de viagens, momentos circunstanciais, pessoas, natureza e seus elementos, a morte e a história da Inconfidência Mineira.

Jorge de Lima dividiu sua produção poética em duas fases. A primeira, designada “poemas do Nordeste”, é composta por “poemas negros e telúricos”, “testemunho à terra e a uma das realidades de nossa alma imensa”, na qual podemos incluir “Essa negra Fulô”. É um período que traduz uma experiência mais observada que vivida, tematizando o Nordeste açucareiro dos engenhos de cana tradicionais e envolve a presença africana. A segunda fase se caracteriza pelo sobrenatural e pela experiência religiosa de inspiração bíblica. É uma poesia atemporal e distante da objetividade predominante na primeira fase. Podemos reconhecer ainda uma terceira fase, síntese final, iniciada com a publicação de Invenção de Orfeu.

O regionalismo universalizante de João Guimarães Rosa

Nesse período, se redescobrem as “regiões” como tema das manifestações artísticas. Assim como José de Alencar em O sertanejo e Euclides da Cunha em Os sertões, os autores dessa fase do Modernismo brasileiro, especialmente os romancistas, concentram seus esforços em denunciar as diferenças sociais e a opressão. De acordo com o texto, qual é a principal característica da literatura desenvolvida entre os anos de 1930 e 1945?

A politização dos intelectuais.
A experimentação de novas linguagens.
A valorização do folclórico, popular e cotidiano.

Quais são os romances significativos de Graciliano Ramos para a história da literatura brasileira?

Apesar de serem poetas de estilos distintos, há algumas semelhanças notáveis entre a poesia de Jorge de Lima e Murilo Mendes. Cristãos, buscam conciliar a redescoberta do sentido da vida em Cristo com as influências surrealistas, em que a consciência e o estado de razão devem aparecer muito menos do que o onírico. Assim, são poetas que exploram o inconsciente a partir de imagens fortes e, por vezes, enigmáticas. Primeiramente, estudaremos a poesia de Jorge de Lima.

Jorge de Lima dividiu sua produção poética em duas fases. A primeira, designada “poemas do Nordeste”, é composta por “poemas negros e telúricos”, “testemunho à terra e a uma das realidades de nossa alma imensa”, na qual podemos incluir “Essa negra Fulô”. É um período que traduz uma experiência mais observada que vivida, tematizando o Nordeste açucareiro dos engenhos de cana tradicionais e envolve a presença africana. A segunda fase se caracteriza pelo sobrenatural e pela experiência religiosa de inspiração bíblica. É uma poesia atemporal e distante da objetividade predominante na primeira fase. Podemos reconhecer ainda uma terceira fase, síntese final, iniciada com a publicação de Invenção de Orfeu.

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Profª. Cristiane 
 Literatura 
 
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Modernismo – Segunda Geração 
 
Segunda geração modernista no Brasil 
1. Prosa regionalista brasileira: a geração de 1930 
Reconhecer o novo sistema colonial posterior a 30 não resulta 
em cortar as linhas que articulam sua literatura com o 
Modernismo. Significa apenas ver novas configurações 
históricas a exigirem novas estruturas artísticas. 
Alfredo Bosi 
1.1 - Contexto histórico 
Com o fim da I Guerra Mundial (1914-1918), a crise econômica mundial e as mudanças na política, no 
pensamento, na arte e na literatura modificaram o estilo de vida do homem ocidental. Desde a sua virada, a século 
XX viu proliferarem vanguardas artísticas e passou por movimentos ideológicos1 e pragmáticos que mediam forças 
– como o anarquismo, o socialismo, o comunismo, o fascismo, o nazismo e o liberalismo –, pela expansão dos 
imperialismos, pela revolução do proletariado e pela instauração da bipolaridade entre capitalismo e socialismo. 
A crítica ao capitalismo passa a ser, para muitos intelectuais e artistas, inevitável, porque o sistema perpetuaria a 
desigualdade e as grandes injustiças do mundo. Assim, para entender o ideário que perpassa a literatura entre 
1930 e 1945, é preciso refletir sobre o próprio sistema capitalista. Tomemos como base ideias do professor 
Oswaldo Coggiola.2 
Muito sinteticamente, o capitalismo é um regime baseado na exploração do proletariado – o operário 
transforma a matéria-prima em valor de uso. Trabalhadores multiplicam sua força de trabalho (forças produtivas) 
e, com isso, criam mercadorias com valor de troca. O capitalista, dono dos meios de produção, compra a mão de 
obra operária, medindo sua produtividade pelo tempo de trabalho gasto para produzir. A mais-valia, que indica a 
exploração sofrida pelo trabalhador, é definida como a diferença entre o valor da mercadoria e o valor gasto pelo 
capitalista com máquinas, matérias-primas e salários, que daí obtém seu lucro. Assim, o processo de trabalho 
seria um suporte para a valorização da mercadoria, que tem valor de troca. Após a Revolução Industrial, o sistema 
capitalista passa a vigorar e, com o desenvolvimento dos meios de produção, a desigualdade social se acentua 
cada vez mais. 
No Brasil, o período que abrande toda a década de 1930 e os primeiros anos da década de 1940 se 
caracteriza pela ruína econômica da elite cafeeira paulista, pela ascensão da burguesia industrial, pelo 
crescimento do Partido Comunista e pelo populismo trabalhista de Getúlio Vargas. Tinha início o que os 
historiadores chamam de Era Vargas”, que perduraria de 1930 até 1945, com a deposição do presidente pelos 
militares. É uma época marcada pela Revolução Constitucionalista de 1932, pela Intentona Comunista de 1935, 
de caráter antifascista e antilatifundiário, e pela ditadura do Estado Novo, apoiada pela burguesia. Em 1942, o 
Brasil se alia aos Estados Unidos da América e declara guerra à Alemanha e à Itália. Em 1945, Vargas é deposto 
pelas Forças Armadas, e é extinto o Estado Novo. 
A consciência da luta de classes penetra em todos os lugares – inclusive na literatura –, com uma 
profundidade que ocasiona transformações importantes. 
Vejamos o que diz Antonio Candido sobre essa fase da história da literatura brasileira: 
A fase que vai de 1930 até o fim da II Guerra assistiu ao começo da grande mudança social econômica e 
cultural do Brasil, com o declínio das velhas oligarquias de base agrária e o ascenso da burguesia industrial, que 
passa lentamente aos controles do mando, ao mesmo tempo em que as classes médias crescem em volume e 
participação social, e o operariado entra na vida política em larga escala. Culturalmente, essa fase é rica e 
diversificada, inclusive com o estabelecimento das universidades, pois até então o Brasil só possuía escolas 
 
1 E o que é ideologia? Devemos ter cuidado ao usar essa palavra, pois ela tem diversas acepções. Em 1801, o autor Destutt 
de Tracy pretendia elaborar uma ciência da gênese das ideias e a utiliza pela primeira vez. Mais tarde, Auguste Comte voltou 
a empregá-la, quando elaborou uma concepção positivista de ideologia como “um conjunto de conhecimentos teóricos”. O 
termo ideológico reapareceria no capítulo II de Regras para o método sociológico, do filósofo Émile Durkheim, criador da 
Sociologia como ciência. Segundo ele, a regra fundamental da objetividade científica é a da separação entre sujeito do 
conhecimento e objeto do conhecimento – essa seria a única possibilidade de garantir o êxito do cientista social. Durkheim, 
portanto, considera “ideológico” todo conhecimento da sociedade que não esteja submetido aos critérios de objetividade 
científica que propõe. A filósofa brasileira Marilena Chauí, com participação importante no debate político atual, explica que 
a noção de ideologia, nos termos marxistas, pode ser entendida como um mascaramento da realidade social que permite a 
legitimação da exploração e da dominação. Seria ela a responsável por tomarmos o falso por verdadeiro, o injusto por justo. 
Para a autora, “ideologia não é sinônimo de subjetividade oposta à objetividade, não é pré-conceito nem pré-noção, mas 
sim um fato social justamente porque é produzida pelas relações sociais” (Marilena Chauí. O que é ideologia. 36 ed. São 
Paulo: Brasiliense, 1993) 
2 Oswaldo Coggiola. Introdução à teoria econômica marxista. São Paulo: Viramundo, 1998. 
 
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superiores isoladas de finalidade profissional imediata (Direito, Medicina, Engenharia, Farmácia, Agronomia etc.), 
algumas delas agrupadas sob a designação puramente nominal de universidade. Esta só aparece realmente em 
1934, com a de São Paulo, na qual pela primeira vez o ensino e a investigação foram concebidas como unidade 
orgânica, a partir de pesquisa desinteressada, tanto no domínio das ciências quanto no das humanidades. Foi só 
então que se estabeleceu no Brasil o ensino superior das Letras, da História, das Ciências Sociais; e isso 
repercutiu de modo positivo na história da crítica literária. 
Outro traço novo nessa fase foi a acentuada politização dos intelectuais, devido à presença das ideologias 
que atuavam na Europa e influíam em todo o mundo, sobretudo o comunismo e o fascismo. A isso se ligam a 
intensificação e a renovação dos estudos sobre o Brasil, cujo passado foi revisto à luz de novas posições teóricas, 
com desenvolvimento de investigações sobre o negro, as populações rurais, a imigração e o contato de culturas 
– graças à aplicação das correntes modernas de sociologia e antropologia, graças também ao marxismo e à 
filosofia da cultura, com o aparecimento de algumas obras de larga influência como Casa grande & senzala (1933), 
de Gilberto Freyre, Raízes do Brasil (1936), de Sérgio Buarque de Holanda [...] e Formação do Brasil 
contemporâneo (1942), de Caio Pardo Júnior. 
Simultaneamente, desenvolveu-se a indústria do livro, inclusive com a formação de coleções especializadas 
de estudos brasileiros, num momento em que o país parecia analisar febrilmente seu espírito e seu corpo, em 
desenvolvimento rápido, para conhecer sua verdadeira natureza e traçar os rumos de seu destino. Alguns editores 
corajosos e clarividentes decidem-se, como Monteiro Lobato fizera antes, a editar novidades literárias brasileiras, 
sobretudo a narrativa, que tem nessa fase um momento de grande fecundidade e difusão. 
Antonio Candido. Iniciação à literatura brasileira. 3 ed. São Paulo: Humanitas/FFLCH-USP, 1999, p. 78-79. 
Na literatura, percebe-se uma crescente aceitação da nova estética proposta pelos modernistas da fase 
chamada “heroica” (1922-1930), período de luta pela implementação do espírito modernista na forma e no 
conteúdo das obras de arte. Vejamos, agora, o que ocorre com a literaturadesenvolvida entre os anos de 1930 e 
1945. 
1.2 - A segunda geração modernista brasileira segundo Lafetá 
Segundo o crítico literário João Luís Lafetá, devemos distinguir, na fase heroica do Modernismo brasileiro, o 
projeto estético do projeto ideológico. Para ele, a renovação dos meios e a ruptura com a linguagem tradicional – 
mudança da concepção da obra de arte como mimese, representação direta da natureza –, tão características da 
primeira geração, não traduzem necessariamente uma revolução ideológica, no âmbito da consciência do país e 
da busca de uma expressão artística nacional, caráter de classe de suas atitudes e produções. É bem verdade 
que há coincidências entre os projetos estético e ideológico: a experimentação de novas linguagens, a nova 
sintaxe, as imagens surpreendentes e os diversos temas tratados pelos poetas rompem com a ideologia oficial, 
ao valorizar ao folclórico, o popular e o cotidiano. Além disso, o surto industrial dos anos de guerra e o processo 
de urbanização por que passa o país, especialmente a cidade de São Paulo, revelam um novo Brasil. Comparando 
a fase heroica modernista com a que se segue à Revolução, percebemos uma diferença essencial: 
[...] enquanto na primeira a ênfase das discussões cai predominantemente no projeto estético (isto é, o que 
se discute principalmente é a linguagem), na segunda, a ênfase é sobre o projeto ideológico (isto é, discutem-se 
a função da literatura, o papel do escritor, as ligações da ideologia com a arte). [...] 
Na fase de conscientização política, de literatura participante e de combate, o projeto ideológico colore o 
projeto estético imprimindo-lhe novos matizes que, se por um lado possibilitam realizações felizes como as já 
citadas, por outro lado desviam o conjunto da produção literária da linha de intensa experimentação que vinha 
seguindo e acabam por destruí-la do sentido mais íntimo de modernidade. [...] 
Incorporando processos fundamentais do Modernismo tais como a linguagem despida, o tom coloquial e a 
presença do popular, esse tipo de narrativa mantém, entretanto, um arcabouço neonaturalista que, se é eficaz 
como registro e protesto contra as injustiças sociais, mostra-se esteticamente muito pouco inventivo e pouco 
revolucionário. Colocados ao lado de Serafim Ponte Grande (escrito em 1928, embora publicado em 1933) ou 
Macunaíma, deixam entrever a pequena audácia e a curta modernidade de seus esquemas. [...] 
A tensão que se estabelece entre o projeto estético da vanguarda (a ruptura da linguagem através do 
desnudamento dos procedimentos, a criação de novos códigos, a atitude de abertura e de autorreflexão contidas 
no interior da própria obra) e o projeto ideológico imposto pela luta política) vai ser o ponto em torno do qual se 
desenvolverá a nossa literatura por essa época. 
João Luís Lafetá. Estética e ideologia: o Modernismo em 30. A dimensão da noite. São Paulo: Duas 
Cidades/Editora 34, 2004, p. 64 - 70. 
 
 
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Nesse período, se redescobrem as “regiões” como tema das manifestações artísticas. Assim como José de 
Alencar em O sertanejo e Euclides da Cunha em Os sertões, os autores dessa fase do Modernismo brasileiro, 
especialmente os romancistas, concentram seus esforços em denunciar as diferenças sociais e a opressão do 
ambiente, da sociedade e do governo sofridas pelo homem comum. Alfredo Bosi chamaria os decênios de 1930 
e de 1940 de “a era do romance brasileiro”. 
Alguns escritores e intelectuais de esquerda, que mostram a figura do proletário, do camponês e/ou do 
marginalizado em geral, se destacaram na literatura regionalista modernista brasileira, a que muitos chamaram 
de “neorrealista”, pelo caráter cientificista e engajado que assumiu. Nesta aula, estudaremos o que talvez tenha 
sido o maior deles: Graciliano Ramos. 
1.3 - Graciliano Ramos (1892-1853) 
Abro a torneira, molho os pés. Às vezes passo uma semana compondo esse livro 
que vai ter grande êxito e acaba traduzido em línguas distantes. Mas isto me 
enerva. Ando no mundo da lua. Quando saio de casa, não vejo os conhecidos. 
Chego atrasado à repartição. Escrevo omitindo palavras, e se alguém me fala, 
acontece-me responder verdadeiros contrassensos. Para limitar-me às práticas 
ordinárias, necessito esforço enorme, e isso é doloroso. Não consigo voltar a ser o 
Luís da Silva de todos os dias. Olham-me surpreendidos: naturalmente digo tolices, 
sinto que tenho um ar apalermado. Tento reprimir essas crises de megalomania, 
luto desesperadamente para afastá-las. Não me dão prazer: excitam-me e abatem-
me. Felizmente passam meses sem que isso me apareça. 
Graciliano Ramos. Angústia 
 
Autorretrato aos 56 anos 
Nasceu em 1892, em Quebrângulo, Alagoas. 
Casado duas vezes, tem sete filhos. 
Altura 1,75. 
Sapato n. 41. 
Colarinho n. 39. 
Prefere não andar. 
Não gosta de vizinhos. 
Detesta rádio, telefone e campainhas. 
Tem horror às pessoas que falam alto. 
Usa óculos. Meio calvo. 
Não tem preferência por nenhuma comida. 
Não gosta de frutas nem de doces. 
Indiferente à música. 
Sua leitura predileta: a Bíblia. 
Escreveu Caetés com 34 anos de idade. 
Não dá preferência a nenhum dos seus livros publicados. 
Gosta de beber aguardente. 
É ateu. Indiferente à Academia. 
Odeia a burguesia. Adora crianças. 
Romancistas brasileiros que mais lhe agradam: Manoel Antônio de Almeida, Machado de Assis, Jorge 
Amado, José Lins do Rego e Rachel de Queiroz. 
http://www.graciliano.com.br/quebrangulo.html
http://www.graciliano.com.br/sete_filhos.html
http://www.graciliano.com.br/caetes40anos.html
 
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Gosta de palavrões escritos e falados. 
Deseja a morte do capitalismo. 
Escreveu seus livros pela manhã. 
Fuma cigarros “Selma” (três maços por dia). 
É inspetor de ensino, trabalha no Correio do Manhã. 
Apesar de o acharem pessimista, discorda de tudo. 
Só tem cinco ternos de roupa, estragados. 
Refaz seus romances várias vezes. 
Esteve preso duas vezes. 
É-Ihe indiferente estar preso ou solto. 
Escreve a mão. 
Seus maiores amigos: Capitão Lobo,3 Cubano,4 José Lins do Rego e José Olympio. 
Tem poucas dívidas. 
Quando prefeito de uma cidade do interior, soltava os presos para construírem estradas. 
Espera morrer com 57 anos.5 
Diferentemente de outros autores regionalistas da época (alguns dos quais estudaremos na próxima 
aula), Graciliano Ramos constrói personagens que representam, de modo geral, a face angulosa da dor e 
denunciam, a partir da ótica de uma cultura local (nordestina, no caso) uma situação cuja raiz é sempre a falta ou 
a dependência. A paisagem social se integra à paisagem íntima de tal forma que podemos considerá-lo, segundo 
Alfredo Bosi, o ponto mais alto da tensão entre o eu do escritor e a sociedade que o formou. É assim que o autor 
de Vidas secas se destaca dos demais – usando o romance como um campo de invenção, e não apenas como 
forma de denúncia social. Nunca se contentou em imitar os modelos dos romances do fim do século XIX; sua obra 
tem fortes acentos introspectivos. Segundo Bosi: 
O realismo de Graciliano Ramos não é orgânico nem espontâneo. É crítico. O “herói” é sempre um 
problema: não aceita o mundo, nem os outros, nem a si mesmo. Sofrendo pelas distâncias que o separam da 
placenta familiar ou grupal, introjeta o conflito numa conduta de extrema dureza, que é sua única máscara possível. 
E o romancista encontra no trato analítico dessa máscara a melhor forma de fixar as tensões sociais como 
“primeiro motor” de todos os comportamentos. Essa a grande conquista de Graciliano: superar na montagem do 
protagonista (verdadeiro “primeiro lutador”) o estágio no qual seguem caminhos opostos o “painel da sociedade” 
e a sondagem moral. Daí parecerprecária, se não falsa, a nota de regionalismo que se costuma dar a obras em 
tudo universais como São Bernardo e Vidas secas. Nelas, a paisagem capta-se menos por descrições miúdas 
que por uma série de “tomadas” cortantes; e a natureza interessa ao romancista só enquanto propõe o momento 
da realidade hostil a que a personagem responderá como lutador em São Bernardo, retirante em Vidas Secas e 
suicida em Angústia. 
Alfredo Bosi. História concisa da literatura brasileira. 3 ed. São Paulo: Cultrix, 1995, p. 454. 
 Dono de um estilo impecável, perfeccionista, chegou a afirmar sobre a linguagem de suas obras: 
Deve-se escrever da mesma maneira como as lavadeiras lá de Alagoas fazem seu ofício. Elas começam 
com uma primeira lavada, molham a roupa suja na beira da lagoa ou do riacho, torcem o pano, molham-no 
novamente, voltam a torcer. Colocam o anil, ensaboam e torcem uma, duas vezes. Depois enxaguam, dão mais 
uma molhada, agora jogando a água com a mão. Batem o pano na laje ou na pedra limpa, e dão mais uma torcida 
e mais outra, torcem até não pingar do pano uma só gota. Somente depois de feito tudo isso é que elas 
dependuram a roupa lavada na corda ou no varal, para secar. 
Pois quem se mete a escrever devia fazer a mesma coisa. A palavra não foi feita para enfeitar, brilhar 
como ouro falso; a palavra foi feita para dizer. 
http://www.paralerepensar.com.br/graciliano.htm 
Graciliano Ramos escreveu livros significativos para a história da literatura brasileira. Romances como 
Caetés (1933), São Bernardo (1934), Angústia (1936) e Vidas secas (1938), obras memorialísticas como Infância 
(1945) e Memórias do cárcere (1953) e o livro de contos Insônia fazem parte do imortal conjunto da obra do autor. 
 
 
3 Comandante do quartel em que esteve preso no Recife por ter sido considerado “subversivo” pelo Estado. O período de 
prisão serviu como inspiração a Memórias do cárcere. 
4 Ladrão que conheceu na cadeia, com quem travou amizade. 
5 Graciliano Ramos morreu aos 60 anos de idade. 
http://www.graciliano.com.br/pc.html
http://www.graciliano.com.br/pelamanha.html
http://www.graciliano.com.br/selma.html
http://www.graciliano.com.br/amao.html
http://www.graciliano.com.br/cubano.html
http://www.graciliano.com.br/prefeito.html
 
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1.4 – Rachel de Queirós 
Conheça um pouco da obra de Rachel de Queiroz, um dos maiores nomes do Modernismo regionalista brasileiro. 
 Dois anos depois de A bagaceira, surgiu Rachel de Queiroz com O quinze, romance que por sua vez 
retomava a temática da seca. [...] O convívio literário direto de Rachel de Queiroz foi pelos anos 1930 com 
Graciliano Ramos e José Lins do Rego e um grupo formado em Alagoas, década em que ela lança seus quatro 
romances, que distribuímos em dois pares – O quinze e João Miguel e Caminhos de pedra e As três Marias. Anos 
mais tarde, lançou o quinto – Dora, Doralina –, seguido de Galo de ouro e finalmente Memorial de Maria Moura. 
 No primeiro par, o procedimento da narradora é essencialmente regionalista. [...] Em Rachel de Queiroz, 
a força recriadora se reveste de penetração psicológica, além do despojamento da linguagem. Dela, e de outros 
romancistas de 30, do Nordeste, não se pode mais dizer que realizou obra regionalista de simples observação 
direta ou indireta, seduzida apenas pela abordagem das exterioridades. Ressalta-se com essa narradora a 
condição do sertanejo marcado por intenso sentimento trágico da vida, como se ele vivesse em permanente 
purificação. Vive mais tragédia do que drama, contido pela aceitação fatalista, que se confunde com resignação. 
 O segundo par de narrativas escapa ao condicionamento regionalista. Reflete, igualmente, aquele 
sentimento fatalista de condição humana. E talvez esteja aí a razão pela qual em Caminhos de pedra a autora a 
rigor não se restringiu ao comprometimento político militante de então. Mesmo assim, é um autêntico romance 
engageé, entre tantos outros escritos quando se intensificaram o movimento comunista ou as posições socialistas 
entre nós. E Rachel de Queiroz reflete sobre uma realidade observada e sentida. Ao lado do engajamento político, 
reconhecemos na narrativa o drama sentimental amoroso, envolvendo profunda revolução de valores num meio 
provinciano, talvez mais forte do que aquele outro, objetivo, embora em função dele. Traduz o ideal da 
emancipação plena da mulher, preocupação que marcaria mais intensamente o romance seguinte – As três 
Marias, que também apresenta seu lado “comprometido”. E com maior autenticidade, fundamentada na 
experiência inicial de três adolescentes, num internato feminino, de onde se lançam com as armas da doce fantasia 
contra a vida que até então fora apenas entrevista. Mais do que no romance anterior, coloca-se o problema da 
emancipação da mulher, envolvendo a vida amorosa, a posição social e os inevitáveis conflitos de valores. Nele, 
a personagem se desprende de laços familiares, na província, buscando a metrópole distante para, independente, 
conquistar identidade e entregar-se a sua trajetória de vida. Realiza uma fuga libertadora, não importa se 
dramática ou sofrida, como mais tarde, em Dora, Doralina, a empreenderia a heroína deste outro romance. 
 Com Memorial de Maria Moura, Rachel de Queiroz mais uma vez se destaca como criadora de figuras 
femininas. A protagonista que dá nome à narrativa, ganha vulto à medida que se desenrolam suas andanças, 
desde a fuga aos opressores, a seguir progressivamente se fazendo bandoleira e guerreira, até fixar-se e proteger-
se em fortificação que constrói. Revela-se a vocação de matriarca rude e dominadora. Contudo, não consegue 
controlar o impulso da feminilidade, entregando-se ao vilão que a subjuga e consequentemente a seduz. Traída e 
desrespeitada, decide justiçá-lo. Mas essa vingança se reverte em sua autoimolação: embora sob aparato triunfal, 
mas sem perspectiva de sucesso, ela parte para o último assalto. Restar-lhe-ia, porém, in memoriam, a vitória da 
reconquista da dignidade e do autorrespeito, que tinham sido ameaçados. 
 Ambienta-se no sertão-deserto, com escassos e distantes pontos de presença humana, focos de 
concentração de poder arbitrário e defesa contra assaltos. Tempo e espaço restam indiscriminados, ao azar da 
aventura de quem se arrisca ou de quem domina. Evoca-se uma etapa um tanto indefinida de fixação pelo Brasil 
interior adentro. Podemos admitir, porém, aquela configuração de espaço e tempo correspondentes aos sertões 
do Nordeste dos primórdios de penetração, desbravadora, de aventuras e impunidades. Nesse panorama de ação, 
o processo narrativo é bem adequado. Sobretudo, pelos primeiros capítulos, autônomos, em cortes verticais de 
ação, mas sem isolá-la, quer dizer, seccioná-la, graças à presença da heroína, fixada em momentos sucessivos, 
que se justapõem, demarcando sua evolução. A ação se reduz a ela, quer dizer, ao que emana dela e converge 
para ela, até o clímax dos capítulos finais, armando o desfecho da trajetória. A palavra memorial, do título, é pois 
sugestiva. Evoca procedimentos das novelas de cavalaria: reconstituição do herói ou da heroína, seja 
retransmitido, mas sempre restrito ao ângulo de visão do protagonista, compondo e aglutinando sagas em 
determinado espaço e tempo históricos. 
 Com Memorial de Maria Moura, mais uma de nossas narrativas retroage ao universo interiorano de nossa 
formação, primeiramente entrevisto no Romantismo, com O sertanejo, de Alencar, ampliado por modernistas como 
Érico Veríssimo (O tempo e o vento), Jorge Amado (Terras do Sem Fim), Guimarães Rosa (Grande sertão: 
veredas) e outras colocações já voltadas para a contemporaneidade. 
José Aderaldo Castello. A literatura brasileira: origens e unidade. V. II. São Paulo: Edusp, 1999, p. 276-280.1.5 - José Lins do Rego: memória e ficção 
A obra de José Lins do Rego tende ao memorialismo. Neto de senhor de engenho, passou a infância na 
fazenda do avô, experiência que levou o autor a compor em seus primeiros cinco romances, sobre uma mesma 
temática e que se passam em uma mesma ambientação: Menino de engenho (1932), Doidinho (1933), Banguê 
 
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(1934), O Moleque Ricardo (1935) e Usina (1936), os quais compõem o “ciclo da cana-de-açúcar” – designação 
que partiu do autor – juntamente com a sua obra-síntese, Fogo Morto (1943). O universo desses romances, 
ambientados no Nordeste brasileiro, retratam uma fase aguda de mudança: a decadência dos engenhos de cana-
de-açúcar. Neles, investiga-se “o abalo de estruturas de uma sociedade rural aristocratizante, latifundiária e 
escravocrata”6. A crítica enxerga no autor uma proximidade com o neorromantismo nostálgico de Gilberto Freire 
em Casa-Grande e Senzala7. Alfredo Bosi acredita que a tensão entre autor e realidade estabelecida por Lins do 
Rego é menos consciente do que a testemunhada por Graciliano Ramos: 
O autor de O Doidinho está, em tese, a pouca distância do universo afetivo que o viu crescer.A sua vida 
espiritual é um assíduo retorno à paisagem do Engenho Santa Rosa, ao avô, o mítico senhor de engenho Coronel 
Zé Paulino, às histórias noturnas contadas pelas escravas, amas-de-leite, às angústias sexuais da puberdade, 
enfim ao mal-estar que o desfazer-se de todo um estilo de vida iria gerar na consciência do herdeiro inepto e 
sonhador. Não são memórias e observações de um menino qualquer, mas de um menino de engenho, feito á 
imagem e semelhança de um mundo que, prestes a desagregar-se, conjura todas as forças de resistência emotiva 
e fecha-se na autofruição de um tempo sem amanhã. 
Alfredo Bosi, História concisa da literatura brasileira. 3 ed, São Paulo: Cultrix, 1995, p. 450. 
 
Dotado de uma linguagem forte, da poética da oralidade, do “espontaneísmo”, Lins do Rego utilizou-se mais 
da função referencial da linguagem do que da poética, apesar do lirismo inerente às suas obras. Soube fundir o 
registro intenso da vida nordestina vista sob os olhos da aristocracia decadente aos homens e mulheres que 
representam a gama étnica e social da região nordestina. Tem um estilo transparente na medida em que faz com 
que o leitor se atente mais aos objetos de que trata (no geral, o engenho e a sua contribuição para a formação do 
povo nordestino) do que à construção da frase. A obra-prima de Lins do Rego é, sem dúvida, Fogo Morto, com a 
qual fecha o ciclo da cana-de-açúcar. 
Retrato de uma sociedade decadente, marcada pelo desajuste e pela revolta, Fogo Morto harmoniza memória 
e ficção. Uma personagem coletiva, o engenho Santa Fé, será o objeto da análise do romancista, retratado desde 
a sua fundação até o seu declínio. A expressão “fogo morto” é utilizada no Nordeste para designar os engenhos 
inativos. Com feição realista (o autor produz um detalhado levantamento da vida social e psicológica dos engenhos 
da Paraíba) a obra é dividida em três partes: “O mestre José Amaro”, seleiro morador do engenho de Santa-Fé 
que pressente a morte como próxima, “O Engenho de Seu Lula”, parte que decorre da primeira na medida em 
que, por meio de flash-backs, traça os antecedentes da situação de José Amaro e “O Capitão Vitorino”, parte 
conclusiva da obra que narra as aventuras de capitão Vitorino, lunático e sonhador, a personagem mais gloriosa 
do romance, cujo destino se confunde com o destino do próprio engenho. Em todas as partes, porém, fala-se de 
todos os integrantes, predominando aquele que leva o nome do título do capítulo. 
Apesar da paisagem externa ser muito importante, há, no livro, uma forte investigação psicológica, revelada 
por meio de um narrador em terceira pessoa onisciente que se utiliza do discurso indireto livre e do monólogo 
interior para compor a vida interior das personagens. 
Acompanhe, agora, um trecho do segundo capítulo da primeira parte de Fogo Morto e mergulhe no universo 
dos engenhos de cana-de-açúcar de José Lins do Rego. 
 Entrava um vento bom da noite para a casa do seleiro. Cheiravam as flores do bogari, cheiravam as 
cajazeiras, o jasmim-do-céu se abria para a lua que botava a cabeça de fora. 
- É lua cheia hoje? 
- É. Você não viu o compadre Vitorino como estava? 
Foram os dois para a porta da casa. E viram o céu estrelado, e a paz do mundo, do grande mundo calado. 
Um cachorro começava a latir, latia com desadoro, e por fim lançava uivos de uma dor profunda. 
- Aquilo é para a lua.. Está sofrendo muito. 
Uma nuvem cobriu o céu e tudo ficou escuro. De repente o mundo se clareou outra vez, em luz branca. 
- Zeca, olha o sereno. Isto vai dar tosse. 
 
6 José Aderaldo Castello, A literatura brasileira – origens e unidade. Vol. II, São Paulo: Edusp, 1999, p. 288. 
7 Gilberto Freire foi um dos organizadores do Congresso regionalista do Recife, que, em 1926, apresentou um grande 
projeto de estudo e compreensão da sociedade local. 
 
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O mestre fechou a janela. 
- Está entrando muito mosquito. Vou andar um pouco. 
E saiu. 
- Toma cuidado com o sereno, Zeca. 
O seleiro estava possuído de paz, de terna tristeza; ia ver a lua, por cima das cajazeiras, banhando de leite 
as várzeas do Coronel Lula de Holanda. Foi andando de estrada afora, queria estar só, viver só, sentir tudo só. A 
noite convidava-o para andar. Era o que nunca fazia. Vivia pegado naquele tamborete, como negro no tranco. E 
foi andando. Mais para perto da casa de Lucindo Carreiro, parou um pouco. Vinha vindo um vulto de branco. 
Esperou que ele passasse. Era um portador do Santa Rosa, o negro José Guedes. 
- Boa noite, mestre Zé; procurando alguma coisa? 
-Andando, estirando as pernas. 
O negro se foi. Na lagoa, a saparia enchia o mundo de um gemer sem fim. E os vagalumes rastejavam no 
chão com medo da lua. Tudo era tão bonito, tão diferente da sua casa. Quis andar para mais longe. E se deixasse 
a estrada? Ganhou pelo atalho que ia para o rio. E deprou com a negra Margarida, que ia pescar. 
- Que faz por aqui, mestre José Amaro? 
Deu uma desculpa qualquer e voltou para o outro lado. Cheirava toda a terra. Era cheiro de flores abertas, 
era cheiro de fruta madura. O mestre José Amaro foi voltando para a casa como se tivesse descoberto um mundo 
novo. Quando chegou, a mulher já estava com medo: 
- Que foste fazer a esta hora, Zeca? Só quem está aluado! 
Calou-se, fechou a porta de casa e foi para a rede com o coração de outro homem. Não dormiu. Ouvia tudo 
que vinha lá de fora. Ouviu o ressonar da filha. O que é que havia com ela? Lembrou-se então do sangue do preá, 
sujando o verde do capim. O cheiro de sola nova enchia a casa. O mestre José Amaro via a lua muito branca 
entrando pelas telhas. E dormiu com as réstias que lhe pontilhavam o quarto. Sinhá roncava como os porcos no 
chiqueiro. 
No outro dia corria por toda a parte que o mestre José Amaro estava virando lobisomem. Fora encontrado 
pelo mato, na espreita da hora do diabo; tinham visto sangue de gente na porta dele. 
José Lins do Rego, Fogo Morto. 
1.6 - O regionalismo espontâneo de Jorge Amado 
 Jorge Amado é um dos autores mais lidos do Brasil, talvez por ser um cronista de tensões mínimas que 
soube criar histórias facilmente comunicáveis. Dotado de uma linguagem fácil, espontânea, aparentemente sem 
grandes elaborações estilísticas, é um contador de histórias regionais voltadas para os marginais, pescadores e 
marinheiros de sua terra natal, a Bahia. A oralidade é marca tão forte em suas obras que alguns críticos chegam 
a considerá-la descuido formal. Suas personagens, tipos folclóricos ouestereótipos, são românticas e sensuais; 
seus protagonistas, exemplos de atitudes vitais. A intencionalidade política ou ideológica foi pelo autor 
amplamente debatida, especialmente nas obras da primeira fase de sua carreira literária. Para Alfredo Bosi, 
 [...]Na sua obra podem-se distinguir: 
a) Um primeiro momento de águas fortes da vida baiana, rural e citadina (Cacau, Suor) que lhe deram a 
fórmula de “romance proletário”; 
b) Depoimentos líricos, isto é, sentimentais, espraiados em torno de rixas e amores marinheiros (Jubiabá, 
Mar Morto, Capitães da Areia); 
c) Um grupo de escritos e pregação partidária (O Cavaleiro da Esperança, O Mundo da Paz); 
d) Alguns grandes afrescos da região do cacau, certamente suas invenções mais felizes, que anima de tom 
épico as lutas entre coronéis e exportadores (Terras do Sem Fim, São Jorge dos Ilhéus) ; 
e) [...] crônicas amaneiradas de costumes provincianos (Gabriela, Cravo e Canela, Dona Flor e seus dois 
maridos). Nessa linha, formam uma obra à parte, menos pelo espírito que pela inflexão acadêmica do 
estilo, as novelas reunidas em Os Velhos Marinheiros. Na última fase abandonam-se os esquemas de 
 
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literatura ideológica que nortearam os romances de 30 e 40; e tudo se dissolve no pitoresco, no 
“saboroso”, no apimentado do regional. 
Alfredo Bosi, História concisa da literatura brasileira. 3 ed, São Paulo: Cultrix, 1995, p. 459. 
 O crítico literário José Aderaldo Castello enxerga duas fases na literatura de Jorge Amado. Uma 
primeira, marcada por um acentuado compromisso político de esquerda, caso em que se insere o 
comovente romance Capitães da Areia (1937), sobre o qual falaremos a seguir. Uma segunda, a partir 
de Gabriela, Cravo e Canela (1958), exprimiria um dos aspectos mais importantes da obra do autor, o 
picaresco: 
 [...] Jorge Amado se confirma então extraordinário narrador, capaz de disfarçar efeitos eróticos 
mais fortes, de múltiplas práticas, inclusive a violência, e até mesmo de atenuar a visão do problema da 
prostituição na região e em Salvador em ostensiva afronta às aparências de pudor e severidade de 
costumes da sociedade. São enfoques que se tornam constantes dominantes, repetitivas, em romances 
sobretudo da segunda fase. O sexo se apresenta de tal maneira absorvente que reduz o processo de 
narrar quase que essencialmente à sua predominância, se não fosse certa preocupação de crítica 
caricaturesca a matrizes ou do sertão ou do litoral baiano e da capital – Salvador, por onde se distribuem 
os espaços das narrativas. 
 Tudo isso, em suma, resulta na saturação da obra como um todo, que poderia ter sido menos 
prolixa, contornando a repetição e evitando as suas desigualdades. Mas digamos que tal procedimento, 
passo a passo com a espontaneidade do escritor, pode ser melhor avaliado em função do conjunto 
sempre voltado para o mesmo universo que, porém, se de grande riqueza humana, repleto de problemas 
sociais, de beleza lírica e de comunicação aberta, espontânea, não seria inesgotável. Devemos 
considerar, também, que “repetir”, em criação, não consiste em fazer igual ao que foi feito antes. Assim, 
o fato de retomar situações e contexto de uma obra já realizada não é propriamente repeti-la, uma vez 
que resulte em uma nova abordagem, renovadora e enriquecedora. 
José Aderaldo Castello, A literatura brasileira – origens e unidade. Vol. II, São Paulo: Edusp, 1999, p. 
288. 
1.7 – Érico Veríssimo 
 
Conheça um pouco mais sobre a obra de Érico Veríssimo (1905 – 1975), o maior nome da prosa regionalista 
sulista do nosso país. 
 Só há um romancista brasileiro que partilha com Jorge Amado o êxito maciço junto ao público: Érico 
Veríssimo. E, apesar disso, ou por isso mesmo, a sua obra tem conhecido amiúde reservas da crítica mais 
sofisticada. A propósito, disse com acerto Wilson Martins: 
 Se, em geral, na história do Modernismo, o espetáculo mais comum é o de escritores superestimados 
(mesmo pelo que teriam representado na eclosão ou na evolução do Movimento), Érico Veríssimo seria o exemplo 
único do escritor subestimado, à espera dos grandes ensaios críticos, das análises exaustivas e do 
“reconhecimento” do que efetivamente representa. 
 Para compor a saga da pequena burguesia gaúcha depois de 1930, o romancista buscou realizar um 
meio-termo entre a crônica de costumes e a notação intimista. A linguagem com que resolveu esse compromisso 
é discretamente impressionista, caminhando por períodos breves, justaposições de sintaxe, palavras comuns e, 
forçosamente, lugares-comuns de psicologia do cotidiano. A aparente frouxidão que adveio da fórmula encontrada 
pareceu a certos leitores sinal de superficialidade. Mas era, na verdade, o meio ideal de não perder nenhum dos 
pólos de interesse que atraíam a personalidade de Érico Veríssimo: o tempo histórico do ambiente e o fluxo de 
consciência das personagens. Caso o escritor se tivesse definido, de chofre, pelo mural da vida provinciana, teria 
feito, desde o decênio de 30, o ciclo épico que construiria nos anos de 50; caso se fixasse apenas na 
espiritualidade da criaturas, teria esvaziado a sua ficção da carga de conflitos objetivos que dela fizeram um dos 
mais límpidos espelhos da vida sulina. 
 Não se trata, aqui, de fechar os olhos aos evidentes defeitos de fatura que mancham a prosa do 
romancista: repetições abusivas, incerteza na concepção de protagonistas, uso convencional da linguagem... ; 
trata-se de compreender o nexo de intenção e a forma que os seus romances lograram estabelecer quando 
atingiram o social médio pelo psicológico médio. E era necessário que a nossa literatura conhecesse também a 
planície ou, valha a metáfora, as modestas elevações da coxilha. 
 A mediedade (não confundir com “mediocridade”) dessa ficção nos deu figuras humanas representativas, 
mas não rígidas.O frescor de Clarissa toda entregue a seus sonhos de adolescente e incapaz de entender as 
 
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razões objetivas da infelicidade familiar; a rebeldia e o topete de Vasco, enxerto de imigrante rejeitado no velho 
tronco em declínio; o mundo alienado do jovem intelectual e pequeno-burguês que é Noel: tudo isso poderia virar 
estereótipo a qualquer momento, não fosse o dom que tem o escritor de colher com extrema naturalidade os 
estados de alma díspares de cada personagem. E a técnica do contraponto, aprendida em Huxley, veio ajudá-lo 
a passar rapidamente de uma situação a outra, salvando-se de um escolho que lhe seria fatal: o ter que submeter 
a análises mais profundas as tensões internas dos protagonistas. Assim, o cronista feliz impediu que aparecesse 
um mau intimista. 
 Fruto da mesma intuição das suas reais possibilidades criadoras, foi a passagem que Veríssimo realizou 
do corte sincrônico dos primeiros romances para o vasto painel diacrônico de O Tempo e o Vento. Neste ciclo o 
contraponto serve para apresentar o jogo das gerações: portugueses e castelhanos nos tempos coloniais; farrapos 
e imperiais durante as lutas separatistas; margatos e florianistas sob a Revolta da Armada, em 1893. A história 
de duas famílias, os Terra Cambará e os Amaral, atravessando dois séculos de vida perigosa, é o fio romanesco 
que une os episódios do ciclo e embasa as manifestações de orgulho, de ódio, de amor e de fidelidade; paixões 
que assumem uma dimensão transindividual e fundem-se na história maior da comunidade. 
 Em [...] O Prisioneiro e O Senhor Embaixador, Veríssimo afasta-se da temática sulina e volta-se para um 
tipo novo de romance, político-internacional, mantendo, porém, intacto aquele seu cálido liberalismo socializante, 
que é a suma ideológica da relação que sempre estabeleceu com o próximo. 
Alfredo Bosi, História concisa da literatura brasileira.3 ed, São Paulo: Cultrix, 1995, p. 459 – 462. 
2. Poesia da segunda geração modernista 
 É difícil identificar um tema comum que perpasse a obra dos poetas dessa segunda fase modernista. 
Mas, de alguma maneira, todos buscam o “aprofundamento da lírica moderna no seu ritmo oscilante entre o 
fechamento e a abertura do eu à sociedade e à natureza.”8 Tematizaram a crise da sociedade contemporânea: o 
problema da miséria e da exploração do homem, a dor da existência, a solidão. De modo geral, marxismo, 
psicanálise, surrealismo, existencialismo e cristianismo embasam os poetas da geração de 1930 que, com 
exceção de Carlos Drummond de Andrade, reatualizam alguns princípios românticos como a sensibilidade 
religiosa, o sonho e o escapismo. 
 
2.1 - Vinicius de Moraes (1913-1980) 
Olhe somente a vida dos meus versos 
Que a vida dos meus versos – é a minha vida. 
Vinicius de Moraes 
O mais popular entre todos os poetas dessa geração, autor de famosas composições de música popular 
brasileira, Vinicius não aparenta ter preocupações teóricas com as poéticas de vanguarda. Usufrui de liberdades 
já conquistadas pela primeira geração modernista – o que se faz notar pelo uso frequente de versos longos e 
discursivos –, mas também constrói versos curtos de estrofação regular e, talvez sua maior realização, sonetos. 
Seus primeiros livros apresentam uma religiosidade neossimbolista, mas, por ser a individualidade marca de sua 
obra, o sentimento religioso é perpassado pela presença lírico-erótica da mulher. Assim, as angústias do pecador 
contrastam-se com os despejos do libertino, e a mulher é encarada como marca do pecado. Uma segunda fase 
de sua carreira se caracteriza pela valorização do trabalho humano e pela “consciência capaz de ver e denunciar”.9 
Leia o poema abaixo e note a aproximação do mundo material e dos problemas sociais que sofreu o poeta nessa 
fase de sua carreira literária. 
Operário em construção 
Era ele que erguia casas 
Onde antes só havia chão. 
Como um pássaro sem asas 
Ele subia com as casas 
Que lhe brotavam da mão. 
Mas tudo desconhecia 
De sua grande missão: 
Não sabia, por exemplo 
 
8 Alfredo Bosi. História concisa da literatura brasileira. 3 ed. São Paulo: Cultrix, 1995, p. 434. 
9 Alfredo Bosi, op. cit., p. 514. 
 
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Que a casa de um homem é um templo 
Um templo sem religião 
Como tampouco sabia 
Que a casa que ele fazia 
Sendo a sua liberdade 
Era a sua escravidão. 
 
De fato, como podia 
Um operário em construção 
Compreender por que um tijolo 
Valia mais do que um pão? 
Tijolos ele empilhava 
Com pá, cimento e esquadria 
Quanto ao pão, ele o comia... 
Mas fosse comer tijolo! 
E assim o operário ia 
Com suor e com cimento 
Erguendo uma casa aqui 
Adiante um apartamento 
Além uma igreja, à frente 
Um quartel e uma prisão: 
Prisão de que sofreria 
Não fosse, eventualmente 
Um operário em construção. 
 
Mas ele desconhecia 
Esse fato extraordinário: 
Que o operário faz a coisa 
E a coisa faz o operário. 
De forma que, certo dia 
À mesa, ao cortar o pão 
O operário foi tomado 
De uma súbita emoção 
Ao constatar assombrado 
Que tudo naquela mesa 
– Garrafa, prato, facão – 
Era ele quem os fazia 
Ele, um humilde operário, 
Um operário em construção. 
Olhou em torno: gamela 
Banco, enxerga, caldeirão 
Vidro, parede, janela 
Casa, cidade, nação! 
Tudo, tudo o que existia 
Era ele quem o fazia 
Ele, um humilde operário 
Um operário que sabia 
Exercer a profissão. 
Ah, homens de pensamento 
Não sabereis nunca o quanto 
Aquele humilde operário 
Soube naquele momento! 
Naquela casa vazia 
Que ele mesmo levantara 
Um mundo novo nascia 
De que sequer suspeitava. 
O operário emocionado 
Olhou sua própria mão 
Sua rude mão de operário 
De operário em construção 
E olhando bem para ela 
Teve um segundo a impressão 
De que não havia no mundo 
Coisa que fosse mais bela. 
 
 
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Foi dentro da compreensão 
Desse instante solitário 
Que, tal sua construção 
Cresceu também o operário. 
Cresceu em alto e profundo 
Em largo e no coração 
E como tudo que cresce 
Ele não cresceu em vão 
Pois além do que sabia 
– Exercer a profissão – 
O operário adquiriu 
Uma nova dimensão: 
A dimensão da poesia. 
 
E um fato novo se viu 
Que a todos admirava: 
O que o operário dizia 
Outro operário escutava. 
E foi assim que o operário 
Do edifício em construção 
Que sempre dizia sim 
Começou a dizer não. 
E aprendeu a notar coisas 
A que não dava atenção: 
 
Notou que sua marmita 
Era o prato do patrão 
Que sua cerveja preta 
Era o uísque do patrão 
Que seu macacão de zuarte 
Era o terno do patrão 
Que o casebre onde morava 
Era a mansão do patrão 
Que seus dois pés andarilhos 
Eram as rodas do patrão 
Que a dureza do seu dia 
Era a noite do patrão 
Que sua imensa fadiga 
Era amiga do patrão. 
 
E o operário disse: Não! 
E o operário fez-se forte 
Na sua resolução. 
 
Como era de se esperar 
As bocas da delação 
Começaram a dizer coisas 
Aos ouvidos do patrão. 
Mas o patrão não queria 
Nenhuma preocupação 
– "Convençam-no" do contrário – 
Disse ele sobre o operário 
E ao dizer isso sorria. 
Dia seguinte, o operário 
Ao sair da construção 
Viu-se súbito cercado 
Dos homens da delação 
E sofreu, por destinado 
Sua primeira agressão. 
Teve seu rosto cuspido 
Teve seu braço quebrado 
Mas quando foi perguntado 
O operário disse: Não! 
 
Em vão sofrera o operário 
Sua primeira agressão 
 
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Muitas outras se seguiram 
Muitas outras seguirão. 
Porém, por imprescindível 
Ao edifício em construção 
Seu trabalho prosseguia 
E todo o seu sofrimento 
Misturava-se ao cimento 
Da construção que crescia. 
 
Sentindo que a violência 
Não dobraria o operário 
Um dia tentou o patrão 
Dobrá-lo de modo vário. 
De sorte que o foi levando 
Ao alto da construção 
E num momento de tempo 
Mostrou-lhe toda a região 
E apontando-a ao operário 
Fez-lhe esta declaração: 
– Dar-te-ei todo esse poder 
E a sua satisfação 
Porque a mim me foi entregue 
E dou-o a quem bem quiser. 
Dou-te tempo de lazer 
Dou-te tempo de mulher. 
Portanto, tudo o que vês 
Será teu se me adorares 
E, ainda mais, se abandonares 
O que te faz dizer não. 
 
Disse, e fitou o operário 
Que olhava e que refletia 
Mas o que via o operário 
O patrão nunca veria. 
O operário via as casas 
E dentro das estruturas 
Via coisas, objetos 
Produtos, manufaturas. 
Via tudo o que fazia 
O lucro do seu patrão 
E em cada coisa que via 
Misteriosamente havia 
A marca de sua mão. 
E o operário disse: Não! 
 
– Loucura! – gritou o patrão 
Não vês o que te dou eu? 
– Mentira! – disse o operário 
Não podes dar-me o que é meu. 
 
E um grande silêncio fez-se 
Dentro do seu coração 
Um silêncio de martírios 
Um silêncio de prisão. 
Um silêncio povoado 
De pedidos de perdão 
Um silêncio apavorado 
Com o medo em solidão. 
Um silêncio de torturas 
E gritos de maldição 
Um silêncio de fraturas 
A se arrastarem no chão. 
E o operário ouviu a voz 
De todos os seus irmãos 
Os seus irmãos que morreram 
Por outros que viverão. 
 
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Uma esperança sincera 
Cresceu no seu coração 
E dentro da tarde mansa 
Agigantou-se a razão 
De um homem pobre e esquecido 
Razão porém que fizera 
Em operário construído 
O operário em construção. 
Vinicius de Moraes. Antologia poética. São Paulo: Companhia das Letras, 2009, p. 311-317.Segundo Antônio Cícero e Eucanaã Ferraz, organizadores de uma das antologias poéticas de Vinicius: 
 Vinicius de Moraes foi um grande poeta: um dos maiores que já tivemos. Ele não está entre os grandes 
escritores que publicaram apenas algumas poucas páginas extraordinárias; ao contrário, encontra-se entre os 
raros que publicaram muitas páginas extraordinárias. [...] Basta que o leitor leia com os olhos da mente abertos, 
para comprovar que, como dizia Manuel Bandeira, Vinicius “tem o fôlego dos românticos, a espiritualidade dos 
simbolistas, a perícia dos parnasianos (sem refugar, como estes, as sutilezas barrocas) e, finalmente, homem 
bem do seu tempo, a liberdade, a licença, o esplêndido cinismo dos modernos”. 
Antônio Cícero e Eucanaã Ferraz. Introdução. In: Vinicius de Moraes. Nova antologia poética. São Paulo: 
Companhia das Letras, 2003, p. 18-19. 
Além da denúncia de problemas sociais, outros temas são recorrentes na obra de Vinicius de Moraes: a 
tristeza como fonte de inspiração, a “exaltação da mulher como figura plástico-sensual”10, a morte, autorretrato, o 
sentimento de auto-identificação pela pátria (“livre da exaltação ufanista deformadora”11, a Segunda Guerra 
Mundial e o amor, um dos temas mais caros aos fãs do nosso poetinha, especialmente quando cantado em 
sonetos, ponto mais alto da poesia de Vinicius. 
 
Soneto de fidelidade 
De tudo, ao meu amor serei atento 
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto 
Que mesmo em face do maior encanto 
Dele se encante mais meu pensamento. 
 
Quero vivê-lo em cada vão momento 
E em seu louvor hei de espalhar meu canto 
E rir meu riso e derramar meu pranto 
Ao seu pesar ou seu contentamento. 
 
E assim quando mais tarde me procure 
Quem sabe a morte, angústia de quem vive 
Quem sabe a solidão, fim de quem ama 
 
Eu possa me dizer do amor (que tive): 
Que não seja imortal, posto que é chama 
Mas que seja infinito enquanto dure. 
Idem, ibidem, p. 49. 
2.2 - Cecília Meireles 
 De influência simbolista e vertente intimista, “que toca os extremos da música abstrata”,12 Cecília Meireles 
sempre foi atenta à riqueza do léxico e dos ritmos portugueses, alcançando belíssima modulação com versos de 
métrica breve, mas soube trabalhar também os decassílabos e os versos livres. Acompanha sua obra lírica um 
tom de fuga e de sonho, um certo toque erótico (de pureza preservada), a aspiração da integração como parte de 
uma unidade transcendente, som e silêncio, luz e sombras (o título de seu último livro de poemas é Solombra), 
um toque de melancolia e solidão. No fundo, porém, o que busca é a individualidade ao investigar a própria 
 
10 José Aderaldo Castello. A literatura brasileira – origens e unidade. V. II. São Paulo: Edusp, 1999, p. 266. 
11 Idem, ibidem, p. 268. 
12 Alfredo Bosi, op. cit., p. 515. 
 
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identidade. Uma atração pelo oceano perpassa sua obra poética, assim como lugares que conheceu em viagens, 
momentos circunstanciais, pessoas, a natureza e seus elementos e a morte. 
 Em 1953, publica o Romanceiro da Inconfidência. Sobre esse cancioneiro-poema, de reminiscências 
medievalistas e simbolistas que evoca os tempos do ouro e da conjuração mineira, comenta José Aderaldo 
Castello: 
 A visão histórica da sequência dos fatos não constitui preocupação principal de sua elaboração. Mas ela 
abrange um tempo-espaço que se situa em Ouro Preto – salvo uma ou outra exceção – da descoberta das Minas 
ao desfecho final da Inconfidência [...] 
Compõe-se um poema misto de épico e lírico sob a inspiração evocativa da atmosfera histórica que ainda 
impregnava o cenário urbano de Ouro Preto. Teria sido um poema de unidade regular, se não fossem alguns 
anacronismos na distribuição interna da matéria e às vezes o excessivo desdobramento de situações. Mas, no 
fundo, a autora busca a apreensão da atmosfera moral, social e política daquele tempo-espaço histórico, 
manchado por ambições, luxo, vinganças, traições, excesso de severidade patriarcal e amores sacrificados, 
autoritarismo, arbitrariedades. Nomes e fatos são referências que se diluem sob o véu impressionista que empana 
as intenções. Talvez daí a provável dificuldade de fácil e amplo entendimento do poema por parte do leitor que 
não tenha conhecimento daquele momento da nossa história. 
José Aderaldo Castello. A literatura brasileira – origens e unidade. V. II. São Paulo: Edusp, 1999, p. 180. 
 
Retrato 
 
Eu não tinha este rosto de hoje, 
assim calmo, assim triste, assim magro, 
nem estes olhos tão vazios, nem o lábio amargo. 
Eu não tinha estas mãos sem força, 
tão paradas e frias e mortas; 
eu não tinha este coração que nem se mostra. 
Eu não dei por esta mudança, 
tão simples, tão certa, tão fácil: 
Em que espelho ficou perdida a minha face? 
Cecília Meireles. Poesia. 2 ed. Rio de Janeiro: Agir, 1982, p. 19-20. (Coleção Nossos Clássicos.) 
Canção 
 
Pus o meu sonho num navio 
e o navio em cima do mar; 
– depois, abri o mar com as mãos, 
para o meu sonho naufragar 
 
Minhas mãos ainda estão molhadas 
do azul das ondas entreabertas, 
e a cor que escorre de meus dedos 
colore as areias desertas. 
 
O vento vem vindo de longe, 
a noite se curva de frio; 
debaixo da água vai morrendo 
meu sonho, dentro de um navio... 
 
Chorarei quanto for preciso, 
para fazer com que o mar cresça, 
e o meu navio chegue ao fundo 
e o meu sonho desapareça. 
 
Depois, tudo estará perfeito; 
praia lisa, águas ordenadas, 
meus olhos secos como pedras 
e as minhas duas mãos quebradas. 
Idem, ibidem, p. 20-21. 
 
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Motivo 
 
Eu canto porque o instante existe 
e a minha vida está completa. 
Não sou alegre nem sou triste: 
sou poeta. 
 
Irmão das coisas fugidias, 
não sinto gozo nem tormento. 
Atravesso noites e dias 
no vento. 
 
Se desmorono ou se edifico, 
se permaneço ou me desfaço, 
— não sei, não sei. Não sei se fico 
ou passo. 
 
Sei que canto. E a canção é tudo. 
Tem sangue eterno a asa ritmada. 
E um dia sei que estarei mudo: 
— mais nada. 
2.3 - Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) 
À medida que envelheço, vou me desfazendo dos adjetivos. Chego a ver que tudo se pode dizer sem eles, 
melhor que com eles. Por que “noite gélida”, “noite solitária”, “profunda noite”? Basta “a noite”. O frio, a 
solidão, a profundidade da noite estão latentes no leitor, prestes a envolvê-lo, à simples provocação dessa 
palavra “noite”. 
Carlos Drummond de Andrade 
Poema de sete faces13 
Quando nasci, um anjo torto 
desses que vivem na sombra 
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida. 
As casas espiam os homens 
que correm atrás de mulheres. 
A tarde talvez fosse azul, 
não houvesse tantos desejos. 
O bonde passa cheio de pernas: 
pernas brancas pretas amarelas. 
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração. 
Porém meus olhos 
não perguntam nada. 
O homem atrás do bigode 
é sério, simples e forte. 
Quase não conversa. 
Tem poucos, raros amigos 
o homem atrás dos óculos e do bigode, 
Meu Deus, por que me abandonaste 
se sabias que eu não era Deus 
se sabias que eu era fraco. 
Mundo mundo vasto mundo, 
se eu me chamasse Raimundo 
 
13 Todos os poemas de Carlos Drummond de Andrade foram extraídos da mesma edição: Poesia completa. Rio 
de Janeiro: Nova Aguilar, 2006. 
 
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seria uma rima, não seria uma solução. 
Mundo mundo vasto mundo, 
mais vasto é meu coração. 
Eu não devia te dizer 
mas essa lua 
mas esse conhaque 
botam a gente comovido como o diabo. 
Drummondé considerado o maior poeta brasileiro do século XX. Mesmo que questionemos a afirmação, 
podemos afirmar com propriedade que, sem dúvida, foi o primeiro grande poeta que se firmou depois da fase 
heroica do Modernismo. É um homem de seu tempo, marcado pela dificuldade de transcender a crise de sentido 
e de valor que abalou o mundo com a Guerra Fria. Mas, antes de 194514, já se evidencia o tema que perpassaria 
toda a sua obra poética: o sentimento de mal-estar no mundo e em si mesmo (a sensibilidade do eu é aprisionada 
pela dura realidade do mundo em que vive). Seu estilo consciente se caracteriza pelo rigor de uma fala madura 
pautada pela contenção – marca de grandes escritores como Graciliano Ramos, por exemplo –, pelo prosaico, 
pelo irônico, pelo humor e pelo antirretórico. É bem verdade que as possibilidades expressivas da poesia de 
Drummond estão submetidas a um progressivo aperfeiçoamento até alcançar a síntese em linguagem 
disciplinada, mas seu primeiro livro de poemas, Alguma poesia, publicado pela primeira vez em 1930, já traz 
poemas bem acabados que se tornaram conhecidos do grande público: 
Poesia 
 
Gastei uma hora pensando um verso 
que a pena não quer escrever. 
No entanto ele está cá dentro 
inquieto, vivo. 
Ele está cá dentro 
e não quer sair. 
Mas a poesia deste momento 
inunda minha vida inteira. 
 
 
Cidadezinha qualquer 
Casas entre bananeiras 
mulheres entre laranjeiras 
pomar amor cantar. 
Um homem vai devagar. 
Um cachorro vai devagar. 
Um burro vai devagar. 
Devagar... as janelas olham. 
Eta vida besta, meu Deus. 
 
 
 
 
No meio do caminho 
 
No meio do caminho tinha uma pedra 
Tinha uma pedra no meio do caminho 
Tinha uma pedra 
No meio do caminho tinha uma pedra. 
Nunca me esquecerei desse acontecimento 
Na vida de minhas retinas tão fatigadas. 
 
14 Ano em que termina a Segunda Grande Guerra e da publicação de A rosa do povo, livro da fase de maior 
engajamento político do poeta e de esperança num futuro melhor, pela revolução do proletariado. Depois disso, 
já no contexto histórico da Guerra Fria, Drummond se torna mais cético, notadamente a partir de Claro enigma, 
de 1951. 
 
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Nunca me esquecerei que no meio do caminho 
Tinha uma pedra 
Tinha uma pedra no meio do caminho 
No meio do caminho tinha uma pedra. 
 
Este último é um dos poemas mais polêmicos de Drummond. Veja o comentário de Arnaldo Saraiva sobre 
ele: 
No meio do caminho não é decerto o melhor poema de Drummond, nem será mesmo um dos seus 
poemas mais dramáticos e significativos. Com evidente exagero, o autor considera-o “insignificante em si”. Mas 
serviu – são também palavras de Drummond – “até hoje para dividir no Brasil as pessoas em duas categorias 
mentais”. E não só, é claro: serviu também de cartilha, a “cartilha” de que fala João Cabral de Melo Neto num 
poema (A educação pela pedra), que é talvez a melhor defesa ou a melhor crítica que se poderia escrever sobre 
o poema de Drummond, embora escrito sem essa intenção. Cartilha com as quatro lições: de moral (“resistência 
fria ao que flui e a fluir, e a ser maleada”); de poética (“sua carnadura concreta”); de economia (“o adensar-se 
compacta”); e a antididática (de “entranhar a alma”). E serviu ainda para chamar a atenção de muitos que, de 
outro modo, não teriam prestado atenção à obra do poeta; e para vulgarizar, como nenhum outro poema, a poesia 
modernista. Porque, à semelhança da pedra de Demóstenes, a pedra de Drummond curou a gaguez (e através 
dela, a surdez) poética de muitos leitores. 
Sob esse aspecto, penso que No meio do caminho deve ser um exemplo raríssimo na literatura universal; 
e que dificilmente deixará algum dia de construir um dos mais sugestivos testemunhos da luta que um poeta e 
todo um tipo de poesia (a de vanguarda) terão (sempre?) de travar contra o conservadorismo ignorante, contra a 
inércia burguesa, contra a estupidez instituída. 
Arnaldo Saraiva. Apresentação. In: Carlos Drummond de Andrade. Poesia completa. Rio de Janeiro: 
Nova Aguilar, 2001, p. I-II. 
Sua literatura se opõe à condição lírica e aparentemente corta os vínculos com a expressão dos afetos 
não para negá-los, mas para mostrar a condição absurda a que está submetido seu “vasto mundo”. E não 
queremos com isso dizer que o poeta rompe com a tradição – muitas possibilidades lhe trouxeram, por exemplo, 
as vanguardas, a generalização de um sentimento de brasilidade e o poema-piada, tão característico da primeira 
geração modernista –, mas sim que busca independência em suas criações. No poema a seguir, observe como 
se equilibram as preocupações formais e um enorme “sentimento do mundo”, articulados por um toque 
confessional: 
Sentimental 
Ponho-me a escrever teu nome 
com letras de macarrão. 
No prato, a sopa esfria, cheia de escamas 
e debruçados na mesa todos contemplam 
esse romântico trabalho. 
Desgraçadamente falta uma letra 
Uma letra somente 
para acabar teu nome! 
– Está sonhando? Olhe que a sopa esfria. 
Eu estava sonhando... 
E há em todas as consciências este cartaz amarelo: 
“Neste país é proibido sonhar.” 
Sobre a poesia de Drummond, o crítico Silviano Santiago afirma: 
Nos poemas de Carlos Drummond, os grandes acontecimentos públicos do século são expressos através 
duma atormentada, galhofeira ou benévola autoanálise. A esta se acopla uma reflexão poética de ordem pessoal 
e transferível sobre a vivência do cidadão brasileiro e do intelectual cosmopolita em tempos que podem ser 
trágicos, dramáticos, nostálgicos, pessimistas ou alegres. Experiência privada e fatos públicos nacionais e 
estrangeiros, em correlação e sistema de troca entranháveis, compõem a textura das sucessivas coletâneas de 
poemas publicados entre 1930 e 1996. 
Silviano Santiago. Introdução à leitura dos poemas de CDA. In: Poesia Completa, op. cit., p. IV. 
 
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É na conjugação entre a contemplação das coisas e a intimidade do poeta que encontramos o drama da 
poesia drummondiana. Diferentemente de outros autores, as experiências amorosas não o fazem transcender, o 
amor não o leva à glória íntima, e sim ao vazio inerente à percepção da inocência perdida. 
Em alguns momentos, essa desesperança configura um quadro desesperador (apesar de uma certa dose de 
humor) e pessimista, da visão de um Nada: o presente é efêmero e, por isso mesmo, menos belo do que o 
passado, que já teve a oportunidade de ser fixado pela memória, daí o apego à memória, que perpassa sua obra, 
e o cuidadoso tratamento que dá ao tema. 
Se às vezes usa algumas formas fixas, em geral evita o aprisionamento das rimas tradicionais. No entanto, 
podemos chamá-lo clássico, na medida em que consegue equilibrar a forma e o tratamento temático da expressão. 
Em 1962, ao completar 60 anos, Drummond publicou uma Antologia poética, que distribuiu em nove seções, 
segundo a “matéria de poesia” predominante. Veja quais são os núcleos temáticos de sua poesia, segundo ele 
próprio: 
1. O indivíduo: “um eu todo retorcido” 
2. A terra natal: “uma província: esta” 
3. A família: “a família que me dei” 
4. Amigos: “cantar de amigos” 
5. O choque social: “na praça de convites” 
6. O conhecimento amoroso: “amar-amaro” 
7. A própria poesia: “poesia contemplada” 
8. Exercícios lúdicos: “uma, duas argolinhas” 
9. Uma visão da existência: “tentativa de exploração e de interpretação do estar-no-mundo” 
2.4 - Os poetas surrealistas cristãos 
Apesar de serem poetas de estilos distintos, há algumas semelhanças notáveis entre a poesia de Jorge de 
Lima e Murilo Mendes. Cristãos, buscam conciliar a redescoberta do sentido da vida em Cristo com as influências 
surrealistas, em que a consciência e o estadode razão devem aparecer muito menos do que o onírico. Assim, 
são poetas que exploram o inconsciente a partir de imagens fortes e, por vezes, enigmáticas. 
Primeiramente, estudaremos a poesia de Jorge de Lima. 
Essa negra Fulô 
Ora, se deu que chegou 
(isso já faz muito tempo) 
no banguê dum meu avô 
uma negra bonitinha, 
chamada negra Fulô. 
 
Essa negra Fulô! 
Essa negra Fulô! 
 
Ó Fulô! Ó Fulô! 
(Era a fala da Sinhá) 
— Vai forrar a minha cama 
pentear os meus cabelos, 
vem ajudar a tirar 
a minha roupa, Fulô! 
 
Essa negra Fulô! 
 
Essa negrinha Fulô! 
ficou logo pra mucama 
pra vigiar a Sinhá, 
 
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pra engomar pro Sinhô! 
 
Essa negra Fulô! 
Essa negra Fulô! 
 
Ó Fulô! Ó Fulô! 
(Era a fala da Sinhá) 
vem me ajudar, ó Fulô, 
vem abanar o meu corpo 
que eu estou suada, Fulô! 
vem coçar minha coceira, 
vem me catar cafuné, 
vem balançar minha rede, 
vem me contar uma história, 
que eu estou com sono, Fulô! 
 
Essa negra Fulô! 
 
“Era um dia uma princesa 
que vivia num castelo 
que possuía um vestido 
com os peixinhos do mar. 
Entrou na perna dum pato 
saiu na perna dum pinto 
o Rei-Sinhô me mandou 
que vos contasse mais cinco.” 
 
Essa negra Fulô! 
Essa negra Fulô! 
 
Ó Fulô! Ó Fulô! 
Vai botar para dormir 
esses meninos, Fulô! 
“minha mãe me penteou 
minha madrasta me enterrou 
pelos figos da figueira 
que o Sabiá beliscou.” 
 
Essa negra Fulô! 
Essa negra Fulô! 
 
Ó Fulô! Ó Fulô! 
(Era a fala da Sinhá 
Chamando a negra Fulô!) 
Cadê meu frasco de cheiro 
Que teu Sinhô me mandou? 
— Ah! Foi você que roubou! 
Ah! Foi você que roubou! 
 
Essa negra Fulô! 
Essa negra Fulô! 
 
O Sinhô foi ver a negra 
levar couro do feitor. 
A negra tirou a roupa, 
O Sinhô disse: Fulô! 
(A vista se escureceu 
que nem a negra Fulô). 
 
Essa negra Fulô! 
Essa negra Fulô! 
 
Ó Fulô! Ó Fulô! 
Cadê meu lenço de rendas, 
Cadê meu cinto, meu broche, 
Cadê o meu terço de ouro 
 
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que teu Sinhô me mandou? 
Ah! foi você que roubou! 
Ah! foi você que roubou! 
 
Essa negra Fulô! 
Essa negra Fulô! 
 
O Sinhô foi açoitar 
sozinho a negra Fulô. 
A negra tirou a saia 
e tirou o cabeção, 
de dentro dele pulou 
nuinha a negra Fulô. 
 
Essa negra Fulô! 
Essa negra Fulô! 
 
Ó Fulô! Ó Fulô! 
Cadê, cadê teu Sinhô 
que Nosso Senhor me mandou? 
Ah! Foi você que roubou, 
foi você, negra Fulô? 
 
Essa negra Fulô! 
 
Jorge de Lima 
Jorge de Lima dividiu sua produção poética em duas fases. A primeira, designada “poemas do Nordeste”, é 
composta por “poemas negros e telúricos”, “testemunho à terra e a uma das realidades de nossa alma imensa”, 
na qual podemos incluir “Essa negra Fulô”. É um período que traduz uma experiência mais observada que vivida, 
tematizando o Nordeste açucareiro dos engenhos de cana tradicionais e envolve a presença africana. A segunda 
fase se caracteriza pelo sobrenatural e pela experiência religiosa de inspiração bíblica. É uma poesia atemporal e 
distante da objetividade predominante na primeira fase. Podemos reconhecer ainda uma terceira fase, síntese 
final, iniciada com a publicação de Invenção de Orfeu. 
 Vejamos um dos poemas de sua fase místico-católica. 
Nave ou igreja 
Laje ou que for 
Suba perfeita 
Para o Senhor. 
 
Que não se veja 
Ouro e esplendor 
Mas tudo seja 
Amor, amor. 
 
Só um altar 
Corpo votivo 
Rasgando o espaço. 
 
Para inflamar 
Coração vivo 
Enche-o de graça. 
 
Jorge de Lima apud Massaud Moisés. A literatura brasileira através dos textos. 21 ed. São Paulo: Cultrix, 1998, 
p. 461. 
Canção do exílio 
Minha terra tem macieiras da Califórnia 
onde cantam gaturamos de Veneza. 
Os poetas da minha terra 
são pretos que vivem em torres de ametista, 
 
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os sargentos do exército são monistas, cubistas, 
os filósofos são polacos vendendo a prestações. 
A gente não pode dormir 
com os oradores e os pernilongos. 
Os sururus em família têm por testemunha a Gioconda. 
Eu morro sufocado 
em terra estrangeira. 
Nossas flores são mais bonitas 
nossas frutas mais gostosas 
mas custam cem mil réis a dúzia. 
Ai quem me dera chupar uma carambola de verdade 
e ouvir um sabiá com certidão de idade! 
 Esse poema abre o livro de estreia de Murilo Mendes, Poemas (1930), e é claramente uma paródia da 
poesia de emoção patriótica romântica, em que o eu lírico se sente estrangeiro na própria pátria. A intenção crítica, 
voltada contra as persistências ufanistas de nacionalismo, permanecem nessa primeira fase do poeta. Utilizando-
se do “poema-piada” e de versos curtos sem a preocupação com rimas, visa à comunicação imediata e à 
expressão popular. Num segundo momento, já sem o procedimento crítico caricaturesco, tende a acentuar traços 
autobiográficos e reflexões sobre o momento histórico e literário vinculadas à religião. O poeta representaria a 
síntese do homem através do tempo e Deus é, para ele, sinônimo de Cristo, a Eternidade. A Bíblia é a grande 
fonte de inspiração desse poeta cristão: 
 [...] o autorreconhecimento de ser “o poeta futuro”, portador da missão de sua poesia, transcendental 
desde os princípios e para a qual convergem os reflexos da condição humana; a condenação das guerras e das 
ambições ilimitadas; a expectativa do julgamento final; e, em consequência de tudo, seu estado de angústia. 
Portanto, como pontos de destaque, certas constantes temáticas fundamentais: Deus/Eternidade/Cristo; a mulher; 
a passagem, em sucessão temporal, do homem, ou o trânsito do seu destino; tudo em interpenetração que 
caracteriza um neobarroquismo, não de oposição conflitual explícita, mas de acentuação do contingencial do 
homem, esperançoso da Eternidade, enquanto vive em angustiada convivência terrena consigo mesmo. 
José Aderaldo Castello. A literatura brasileira – origens e unidade. V. II. São Paulo: Edusp. 1999, p. 240. 
 Para conhecer um pouco mais sobre a obra desse grande poeta, deixe-se tocar por alguns de seus 
poemas. 
Ideia fortíssima 
Uma ideia fortíssima entre todas menos uma 
Habita meu cérebro noite e dia, 
A ideia de uma mulher, mais densa que uma forma. 
Ideia que me acompanha 
De uma a outra lua, 
De uma a outra caminhada, de uma a outra angústia, 
Que me arranca do tempo e sobrevoa a história, 
Que me separa de mim mesmo, 
Que me corta em dois como o gládio divino. 
Uma ideia que anula as paisagens exteriores, 
Que me provoca terror e febre, 
Que se antepõe à pirâmide de órfãos e miseráveis, 
Uma ideia que verruma todos os poros do meu corpo 
E só não se torna o grande cáustico 
Porque é um alívio diante da ideia muito mais forte e violenta de Deus. 
Murilo Mendes apud Massaud Moisés, op. cit., p. 469. 
Pré-história 
Mamãe vestida de rendas 
Tocava piano no caos. 
Uma noite abriu as asas 
Cansada de tanto som, 
Equilibrou-se no azul, 
 
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De tonta não mais olhou 
Para mim, para ninguém! 
Cai no álbum de retratos. 
 
3. A geração de 1945: Neomodernismo 
Durante a Segunda Guerra Mundial, o homem se percebe num “triste mundo fascista”, cantado por 
Drummond, que chegou a acreditar em uma “nova aurora”. O fim da Guerra, em 1945, traz a Guerra Fria e a 
divisão do mundo em dois blocos: o socialista e o capitalista. No Brasil, com o fim da ditadura do Estado Novo e 
o posterior suicídio de Getúlio Vargas, o governo de Juscelino Kubitschek propõe o desenvolvimento industrial 
(“cinquenta anos em cinco”) e, consequentemente,o intenso crescimento urbano. O processo de urbanização, de 
um lado, acelera o desenvolvimento do país, mas, de outro, faz aumentar a desigualdade social: engendra a 
subvida das favelas, a imigração de nordestinos para o sul, em busca de melhores condições de vida, e instaura 
péssimas condições de alimentação, habitação e educação. 
A vida cultural brasileira passa por um período frutífero. O rádio, meio de comunicação de massa dos mais 
importantes, atinge seu auge na década de 1940; surge o teatro moderno brasileiro, com o grupo carioca Os 
Comediantes, que encena a peça Vestido de noiva, de Nélson Rodrigues. Na literatura, aparece o Concretismo, 
movimento de vanguarda que busca adequar a poesia às características imediatistas da comunicação do mundo 
moderno, que estudaremos no próximo caderno, com outros autores de que logo falaremos. Surgem o Cinema 
Novo, de Gláuber Rocha, o Teatro de Arena (Oduvaldo Vianna Filho e Gianfrancesco Guarnieri) e o Teatro Oficina 
(José Celso Martinez Correia). Publica-se muito no país, e alguns escritores, como Jorge Amado e Érico 
Verissimo, podem até viver da literatura... Expande-se a rede de ensino de nível médio e, no meio universitário, o 
Centro Popular de Cultura da UNE (União Nacional dos Estudantes) é bastante ativo. 
O Neomodernismo começa em 1945 e alcança as tendências contemporâneas, período marcado pela 
invenção linguística e por grandes nomes da literatura brasileira como João Cabral de Melo Neto, Clarice Lispector 
e Guimarães Rosa. A poesia geométrica de João Cabral capta de modo singular a paisagem humana e geográfica 
nordestina; o regionalismo típico da segunda geração, com Guimarães, ganha proporções mágicas, e a prosa 
clariceana busca o “mergulho nas profundezas do ser”15. 
 
3.1 - Clarice Lispector e a escrita do indizível 
 
Contam de Clarice Lispector 
Um dia, Clarice Lispector 
intercambiava com amigos 
dez mil anedotas de morte, 
e do que tem de sério e circo. 
 
Nisso, chegam outros amigos, 
vindos do último futebol, 
comentando o jogo, recontando-o, 
refazendo-o, de gol a gol. 
 
Quando o futebol esmorece, 
Abre a boca um silêncio enorme 
e ouve-se a voz de Clarice: 
Vamos voltar a falar na morte? 
 
João Cabral de Melo Neto. Agrestes, 1985. 
 
Clarice Lispector é uma figura inovadora na história da literatura brasileira. Para ela, não interessam os fatos 
em si, mas sua repercussão no indivíduo. Seguindo coordenadas estilísticas observáveis em Marcel Proust, 
James Joyce e Virgínia Woolf16, afasta-se das técnicas tradicionais do romance e redimensiona as fronteiras entre 
 
15 Nelly Novaes Coelho. A escritura existencialista de Clarice Lispector. In: A literatura feminina no Brasil 
contemporâneo. São Paulo: Siciliano, 1993, p. 174. 
16 Marcel Proust (1871-1922) é um escritor francês mais conhecido pela extensa obra em sete volumes Em busca 
do tempo perdido, em que busca alcançar a substância do tempo para tentar apreender, pela escrita, a essência 
de uma realidade escondida no inconsciente e recriada pelo nosso pensamento. James Joyce (1882-1941) é 
 
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a voz do narrador e a das personagens. Suas narrativas são interiorizadas, centradas em atitudes filosófico-
existenciais. Affonso Romano de Sant’Ana interpretou a literatura clariceana como momentos de epifania17, como 
se suas personagens vivessem sempre em busca de instantes de revelação. Sérgio Milliet vê em Clarice a mais 
séria tentativa de um “romance introspectivo” do nosso mundo literário. Para Nelly Novaes Coelho, porém, a 
narrativa clariceana vai além da mera introspecção psicológica: 
 Os sucessivos livros da autora “iluminaram” melhor aquilo que, nessa estreia18, já era uma nova intuição: 
a de que, para além do sentir pessoal ou do psiquismo individual, existiria um obscuro espaço interior – 
espécie de “ponta de iceberg” – a denunciar a presença de um espaço invisível que se estenderia entre o Eu 
e o ego social, e em cuja profundeza larvar estaria oculta a justificativa última da condição humana. Como diz 
Joana19: 
 “Tento isolar-me, para encontrar a vida em si mesma”. 
Nelly Novaes Coelho. A escritura existencialista de Clarice Lispector. In: A literatura feminina no Brasil 
contemporâneo. São Paulo: Siciliano, 1993, p. 179. 
Leia os parágrafos iniciais do romance A hora da estrela e comece sua viagem para adentrar o universo de 
Clarice Lispector. 
Tudo no mundo começou com um sim. Uma molécula disse sim a outra molécula e nasceu a vida. Mas antes 
da pré-história havia a pré-história da pré história e havia o nunca e havia o sim. Sempre houve. Não sei o que, 
mas sei que o universo jamais começou. 
Que ninguém se engane, só consigo a simplicidade através de muito trabalho. 
Enquanto eu tiver perguntas e não houver respostas continuarei a escrever. Como começar pelo início, se as 
coisas acontecem antes de acontecer? Se antes da pré-pré-história já havia os monstros apocalípticos? Se esta 
história não existe, passará a existir. Pensar é um ato. Sentir é um fato. Os dois juntos – sou eu que escrevo o 
que estou escrevendo. Deus é o mundo. A verdade é sempre um contato interior e inexplicável. A minha vida a 
mais verdadeira é irreconhecível, extremamente interior e não tem uma só palavra que a signifique. Meu coração 
se esvaziou de todo desejo e reduz-se ao próprio último ou primeiro pulsar. A dor de dentes que perpassa esta 
história deu uma fisgada funda em plena boca nossa. Então eu canto alto agudo uma melodia sincopada e 
estridente – é a minha própria dor, eu que carrego o mundo e há falta de felicidade. Felicidade? Nunca vi palavra 
mais doida, inventada pelas nordestinas que andam por aí aos montes. 
Clarice Lispector. A hora da estrela. Rio de Janeiro: Rocco, 1999, p. 11. 
Fenomenologia e existencialismo em Clarice Lispector 
A obra clariceana é claramente marcada pelas correntes fenomenológicas e existencialistas, expressões de 
uma “experiência singular, individual, um pensamento motivado por uma situação muito particular”20. Para Nelly 
Novaes Coelho: 
Esse mergulho nas profundezas do ser (que Joyce tenta, a partir de Retrato do artista quando jovem, 1916) 
foi a grande fascinação da escritura clariceana, toda ela desenvolvendo-se ou perdendo-se nos labirintos de uma 
obsessiva tentativa de ultrapassar a evidência concreta da realidade imediata dos seres, coisas e relações, para 
atingir-lhes o âmago onde se ocultaria a verdade última de cada um e de todos, ou o segredo da vida-em-si-
mesma. 
Nelly Novaes Coelho, op. cit., p. 174. 
 
romancista, contista e poeta irlandês, autor de obras como Retrato do artista quando jovem e Ulisses, livro que 
se utiliza, basicamente, do fluxo de consciência como técnica narrativa. Virginia Woolf (1882-1941), escritora 
britânica de grande importância para a literatura moderna por suas técnicas narrativas inovadoras pra retartar 
a experiência individual, é autora de conhecidas obras como Mrs. Dalloway e Rumo ao farol. Suicida-se vítima 
de grave depressão. 
17 No sentido religioso, o termo indica a presença de alguma entidade sagrada que transmite uma mensagem 
ou aponta um caminho. No sentido literário, é um momento privilegiado de revelação, quando um fato ou um 
acidente “ilumina” a vida da personagem. 
18 A autora se refere ao primeiro livro de Clarice, Perto do coração selvagem, publicado em 1944. 
19 Protagonista de Perto do coração selvagem. 
20 João da Penha. O que é existencialismo. São Paulo: Brasiliense, 2004, p. 13. 
 
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Num mundo onde não se crê mais na palavra de Deus como a base da verdade para as relações humanas, 
num momento em que a ciência destrói antigascertezas e não as substitui por um novo centro ordenador, Clarice 
Lispector expressou com propriedade esse novo drama vivido pelo homem: 
Deus, por que não existes dentro de mim? Por que me fizeste separada de ti? [...] eu nada posso fazer e 
apenas assisto ao meu esgotamento em cada minuto que passa. 
Clarice Lispector. Perto do coração selvagem. Rio de Janeiro: A Noite, 1944, p. 123. 
É um nada que é o Deus. 
Clarice Lispector. A paixão segundo G.H. Rio de Janeiro: Editora do Autor, 1964, p. 99. 
Ah, Força do que Existe, ajudai-me, vós que chamam de o Deus. 
Clarice Lispector. Água viva. Rio de Janeiro: Artenova, 1973, p. 77. 
Deus é uma forma de ser? É a abstração que se materializa na natureza do que existe? Minhas raízes estão 
nas trevas divinas. 
Idem, ibidem, p. 73. 
Assim, o ser humano, fragmentado depois de perder seu centro norteador, é arrastado pelo naufrágio 
existencial que o faz debater-se num mar revolto de palavras cuja verdadeira significação lhe escapa. Portanto, o 
escritor luta contra a insuficiência da palavra, que, atrelada diretamente à razão, não é capaz de exprimir esse 
novo jeito de sentir e de pensar o mundo. 
Há semelhanças entre a obra de Clarice e os romances de Sartre. Para ambos, ser é estar presente em si 
mesmo e desdobrar-se para estar no mundo. Suas personagens buscam encontrar o próprio ser no conhecimento 
de algo essencial ao viver autêntico21. Porém, para a escritora brasileira, em geral não é pela escrita – como 
acontece com Roquentin, personagem do romance A náusea, de Jean-Paul Sartre – que suas personagens 
tentam descobrir o valor das coisas, e sim pela fala. Por exemplo, Joana, do romance Perto do coração selvagem, 
está mais próxima da vida instintiva, sensorial e emotiva – que se expressa pela fala – do que da consciência 
crítica exigida pela expressão escrita. Assim, Clarice expressa sua autêntica brasilidade: 
É através dessa perspectiva da leitura que se torna mais fácil compreendermos a grande arte clariceana, cuja 
coerência orgânica resulta de um perfeito amálgama entre a problemática universal e sua verdade íntima, cada 
vez mais aprofundada nos desvãos do seu ser-em-si em busca de ser-com-os-outros, em um nível de integração 
que ultrapasse de muito o mero convívio superficial cotidiano ou social. 
Nelly Novaes Coelho, op. cit., p. 184. 
Na obra de Clarice, há ainda marcas da modernidade. A existência humana é entendida como busca da sua 
verdade autêntica, único caminho que poderá revelar ao indivíduo sua razão de existir. 
 
A modernidade na obra de Clarice Lispector 
Estão presentes na literatura clariceana marcas características da obra de grandes escritores do século XX. 
Vejamos duas. 
Fluxo de consciência 
Consiste numa técnica que passou a ser conhecida a partir da literatura de James Joyce. Nela, o monólogo 
interior22 de uma ou mais personagens é transcrito de forma atemporal, rompendo os limites espaço-temporais. 
Os pensamentos das personagens (ou do narrador) fluem consecutivamente, sem linearidade. É como se a escrita 
tentasse acompanhar a velocidade do pensamento. Ao romper com a narrativa referencial, em que o que mais 
importa são fatos e argumentos, os escritores que se valem dessa técnica constroem uma narrativa interiorizada, 
 
21 Nelly Novaes Coelho, op. cit., p. 183. 
22 Um monólogo é uma longa fala ou discurso pronunciado por uma única pessoa ou enunciador. No monólogo 
interior, o narrador expõe questões de cunho introspectivo, revelando suas próprias motivações interiores ou a 
das personagens. 
 
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centrada em alguma vivência interior da personagem (ou do narrador). Leia o excerto abaixo, de Água viva (1973) 
– romance constituído basicamente por fluxo de consciência. 
E com uma alegria tão profunda. É uma tal aleluia. Aleluia, grito eu, aleluia que se funde com o mais escuro 
uivo humano da dor de separação mas é grito de felicidade diabólica. Porque ninguém me prende mais. Continuo 
com capacidade de raciocínio – já estudei matemática, que é a loucura do raciocínio – quero me alimentar 
diretamente da placenta. Tenho um pouco de medo: medo ainda de me entregar pois o próximo instante é o 
desconhecido. O próximo instante é feito por mim? Fazemo-lo junto com a respiração. E com uma desenvoltura 
de toureiro na arena. 
Eu te digo: estou tentando captar a quarta dimensão do instante-já que de tão fugidio não é mais porque 
agora tornou-se um novo instante-já que também não é mais. Cada coisa tem um instante em que ela é. Quero 
apossar-me do é da coisa. Esses instantes que decorrem no ar que respiro: em fogos de artifício, eles espocam 
mudos no espaço. Quero possuir os átomos do tempo. E quero capturar o presente que pela sua própria natureza 
me é interdito: o presente me foge, a atualidade me escapa, a atualidade sou eu sempre no já. Só no ato do amor 
– pela límpida abstração de estrela do que se sente – capta-se a incógnita do instante que é duramente cristalina 
e vibrante no ar e a vida é esse instante incontável, maior que o acontecimento em si: no amor o instante de 
impessoal joia refulge no ar, glória estranha de corpo, matéria sensibilizada pelo arrepio dos instantes – e o que 
se sente é ao mesmo tempo que imaterial tão objetivo que acontece como fora do corpo, faiscante no alto, alegria, 
alegria é matéria de tempo e é por excelência o instante. E no instante está o é dele mesmo. Quero captar o meu 
é. E canto aleluia para o ar assim como faz o pássaro. E meu canto é de ninguém. Mas não há paixão sofrida em 
dor e amor a que não se siga uma aleluia. Meu tema é o instante? meu tema de vida. Procuro estar a par dele, 
divido-me milhares de vezes em tantas vezes quanto os instantes que decorrem, fragmentária que sou e precários 
os momentos – só me comprometo com vida que nasça com o tempo e com ele cresça: só no tempo há espaço 
para mim. 
Escrevo-te toda inteira e sinto um sabor em ser e o sabor-a-ti é abstrato como o instante. É também com o 
corpo todo que pinto os meus quadros e na tela fixo o incorpóreo, eu corpo-a-corpo comigo mesma. Não se 
compreende música: ouve-se. Ouve-me então com teu corpo inteiro. Quando vieres a me ler perguntarás por que 
não me restrinjo à pintura e às minhas exposições, já que escrevo tosco e sem ordem. É que agora sinto 
necessidade de palavras – e é novo para mim o que escrevo porque minha verdadeira palavra foi até agora 
intocada. A palavra é a minha quarta dimensão. 
Clarice Lispector. Água viva. Rio de Janeiro: Artenova, 1973. 
Epifania 
 Um dos pilares das narrativas clariceanas é um grande momento de epifania vivido pelas personagens. 
Em geral, a protagonista (em quase todos os livros, a protagonista é uma mulher, muitas vezes narrando a história 
em primeira pessoa) vive em suposta harmonia, até que um evento ou um incidente aparentemente rotineiro lhe 
causa um grande estranhamento. Esse incômodo, seguido de profunda reflexão, faz com que a personagem atinja 
a “iluminação” – a chamada epifania. Depois desse grande momento de verdade, a personagem volta ao equilíbrio 
– mas não o mesmo aparente equilíbrio anterior, e sim um novo equilíbrio, a partir de seu aprendizado caótico. 
É o que acontece, por exemplo, com a protagonista de A paixão segundo G.H. que, depois de deparar 
uma barata em sua própria casa, se questiona sobre o fato por meio de fluxos de consciência, gerando reflexões 
e situações inusitadas. 
 Há outros temas recorrentes na escritura de Clarice. Para Berta Waldman: 
 Como em Perto do coração selvagem o modo de apreensão artística da realidade se faz a partir de um 
centro que é a consciência individual, daí resultam [...] o monólogo interior, digressão, a fragmentação dos 
episódios, que caracterizam a ficção moderna em geral, e incluem a totalidade da obra de Clarice Lispector. 
Graças à escolhadesse centro, a experiência interior passa para o primeiro plano da criação literária e, 
com ela, a temática da existência. Ao lado desse tema, a linguagem, a arte e a morte são, via de regra, os 
acionadores da digressões que retardam a narrativa, instâncias sempre retomadas com o intuito de atingir uma 
expressão à altura de percepção que a escritora tem do mundo. 
 Berta Waldman. A paixão segundo Clarice Lispector. São Paulo: Brasiliense, 1983, p. 25. 
Não há, no Brasil, quem discorra literariamente sobre questões existenciais como a autora de A hora da 
estrela23, que tratou como ninguém da sondagem do mundo interior, do amor e da sociedade. Com uma maneira 
 
23 Último livro publicado em vida por Clarice Lispector, em 1977. 
 
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própria de abordar o universo familiar e a condição feminina, Clarice faz com que o leitor encontre em seus escritos 
um espelho de seus próprios sentimentos, uma forte identificação com os narradores e personagens. 
3.2 - O regionalismo universalizante de João Guimarães Rosa 
Como escritor, não posso seguir a receita de Holywood, segundo a qual é preciso sempre orientar-se pelo limite 
mais baixo do entendimento. Portanto, torno a repetir: não do ponto de vista filológico, e sim do metafísico, no 
sertão fala-se a língua de Goethe, Dostoievski e Flaubert, porque o sertão é o terreno da eternidade, da solidão. 
[...] No sertão, o homem é um eu que ainda não encontrou um tu, por ali os anjos e o diabo ainda manuseiam a 
língua. 
Guimarães Rosa em entrevista a Günter Lorenz 
 
Comigo as coisas não tem hoje e ant’ontem amanhã: é sempre. [...] O senhor por ora mal me entende, se é que 
no fim me entenderá. Mas a vida não é entendível. 
Guimarães Rosa, Grande sertão: veredas 
 
 
Um chamado João 
 
João era fabulista? 
fabuloso? 
fábula? 
Sertão místico disparando 
no exílio da linguagem comum? 
 
Projetava na gravatinha 
a quinta face das coisa, 
inenarrável narrada? 
Um estranho chamado João 
para disfarçar, para forçar 
o que não ousamos compreender? 
 
Tinha pastos, buritis plantados 
no apartamento? 
no peito? 
Vegetal ele era ou passarinho 
sob a robusta ossatura com pinta 
de boi risonho? 
 
Era um teatro 
e todos os artistas 
no mesmo papel, 
ciranda multívoca? 
 
João era tudo? 
tudo escondido, florindo 
como flor é flor, mesmo não semeada? 
Mapa com acidentes 
deslizando para fora, falando? 
Guardava rios no bolso, 
cada qual em sua cor de água 
sem misturar, sem conflitar? 
E de cada gota redigia 
nome, curva, fim, 
e no destinado geral 
seu fado era saber 
para contar sem desnudar 
o que não deve ser desnudado 
e por isso se veste de véus novos? 
 
Mágico sem apetrechos, 
civilmente mágico, apelador 
de precípites prodígios acudindo 
a chamado geral? 
Embaixador do reino 
que há por trás dos reinos, 
 
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dos poderes, das 
supostas fórmulas 
de abracadabra, sésamo? 
Reino cercado 
não de muros, chaves, códigos, 
mas o reino-reino? 
 
Por que João sorria 
se lhe perguntavam 
que mistério é esse? 
E propondo desenhos figurava 
menos a resposta que 
outra questão ao perguntante? 
 
Tinha parte com... (sei lá 
o nome) ou ele mesmo era 
a parte de gente 
servindo de ponte 
entre o sub e o sobre 
que se arcabuzeiam 
de antes do princípio, 
que se entrelaçam 
para melhor guerra, 
para maior festa? 
 
Ficamos sem saber o que era João 
e se João existiu 
de se pegar. 
 
Carlos Drummond de Andrade, publicado originalmente no Correio da Manhã, 22 nov. 1967. 
(três dias após a morte de Guimarães Rosa) 
 No poema, Carlos Drummond de Andrade aborda de forma poética o mistério das fábulas e dos mitos 
criados por João Guimarães Rosa (1908-1967), um dos maiores nomes da prosa brasileira do século XX. Como 
Clarice Lispector, Guimarães rompeu com os padrões narrativos do romance de 1930 e instaurou um novo 
processo de composição, em que reinventa a realidade a partir de experimentações com a linguagem. Em ambos, 
nota-se a sondagem do mundo interior das personagens e a reflexão sobre a existência, mas Rosa criou uma 
nova língua para dar conta do universo mágico e transcendente de que trata. 
Notável também por suas invenções linguísticas, a professora Nilce Sant’Anna Martins publicou um 
dicionário de termos da obra de Guimarães Rosa24, com 8 000 verbetes (8,4% das 100 000 palavras do Novo 
Dicionário Aurélio), 30% dos quais não são dicionarizados. A renovação de Guimarães abrange os níveis 
semântico, sintático e fonológico da linguagem. Ele recriou poeticamente o sertão mineiro, numa língua repleta de 
onomatopeias, ruídos da natureza, aliterações e ritmos alucinantes, rimas, metrificação e imagens expressivas de 
efeitos inesperados. Partiu da cultura popular (usou ditados, cantigas, histórias regionais) e do registro coloquial 
mineiro25 para alcançar a erudição, recorrendo às tradições greco-latina e judaico-cristã, a arcaísmos e a diversas 
línguas para compor novos vocábulos (Rosa era fluente 16 línguas!). Elevou à literatura o universo não letrado – 
porém sábio – do sertanejo. 
 Adentremos o universo roseano a partir de explicações do próprio autor sobre sua obra, numa elucidativa 
entrevista que ele concedeu a Günter Lorenz em Gênova, em 1965. 
[...] Lorenz: [...] Gostaria de falar com você sobre o escritor Guimarães Rosa, o romancista, o mágico do idioma, 
baseando-nos em seus livros que fazem parte, penso eu, do tema “o homem do sertão”. 
Rosa – Sim, acho que se quiséssemos dizer sobre esses três ou quatro pontos tudo o que temos de dizer, daqui 
a um ano ainda estaríamos conversando. E nem você nem eu temos tanto tempo. Suponho que essa 
enumeração das coisas que lhe interessam a meu respeito não tem uma sequência estrita... 
 
Lorenz: Apenas uma sequência improvisada, intercambiável. 
 
24 Nilce Sant’Anna Martins. O léxico de Guimarães Rosa. 2 ed. São Paulo: Edusp, 2001. 
25 Experimente ler Guimarães Rosa em voz alta, imitando o sotaque mineiro. Para quem nunca viveu em Minas Gerais, é 
uma ótima forma de entender o quanto as narrativas roseanas imitam o jeito de falar do sertanejo. 
 
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Rosa – Precisamente. E por isso gostaria que começássemos pelo que você mencionou como tema final. 
Chamou-me “o homem do sertão”. Nada tenho em contrário, pois sou um sertanejo e acho maravilhoso que 
deduzisse isso lendo meus livros, porque significa que você os entendeu. Se você me chama de “o homem do 
sertão” (e eu realmente me considero como tal), e queremos conversar sobre esse homem, já estão tocados no 
fundo os outros pontos. É que eu sou, antes de mais nada, esse “homem do sertão”; e isso não é apenas uma 
afirmação biográfica, mas também – e nisso pelo menos acredito tão firmemente como você – que ele, esse 
“homem do sertão”, está presente como ponto de partida mais do que qualquer coisa. 
 
Lorenz: Fixemos esse ponto de partida; e para encaminhar nossa conversa, queria propor-lhe um início 
convencional: biográfico, embora ele já não seja tão convencional, se minhas conclusões sobre o que disse há 
pouco estiverem certas. Nasceu no sertão, aquela estepe quase mística do interior de seu país, encarnada 
como um mito de consciência brasileira... 
Rosa – Sim, mas, para sermos exatos, devo dizer-lhe que nasci em Cordisburgo, uma cidadezinha não muito 
interessante, mas para mim, sim, de muita importância. Além disso, em Minas Gerais. Sou mineiro. E isso, sim, 
é o importante, pois, quando escrevo, sempre me sinto transportado para esse mundo. Cordisburgo.Não acha 
que soa como algo muito distante? Sabe também, que uma parte de minha família é, pelo sobrenome, de 
origem portuguesa, mas na realidade é um sobrenome sueco que na época das migrações era Guimaranes, 
nome que também designava a capital de um estado suevo na Lusitânia? Portanto, pela minha origem, estou 
voltado para o remoto, o estranho. Você certamente conhece a história dos suevos. Foi um povo que, como os 
celtas, emigrou para todos os lugares sem poder lançar raízes em nenhum. Esse destino, que foi tão 
intensamente transmitido a Portugal, talvez tenha sido o culpado por meus antepassados se apegarem com 
tanto desespero àquele pedaço de terra que se chama o sertão. E eu também estou apegado a ele... 
 
Lorenz: Você está se referindo a seu “caráter literário” que inclui no importante grupo de literatos brasileiros 
denominados regionalistas? 
Rosa – Sim e não. É necessário salientar pelo menos que entre nós o “regionalismo” tem um significado 
diferente do europeu, e por isso a referência que você fez a esse respeito em sua resenha de Grande Sertão é 
muito importante. Naturalmente não gostaria que na Alemanha me considerassem um Heimatschriftsteller26. 
Seria horrível, uma vez que é para você o que corresponderia ao conceito de “regionalista”. Ah, a dualidade das 
palavras! Naturalmente, não se deve supor que quase toda a literatura brasileira esteja orientada para o 
“regionalismo”, ou seja, para o sertão ou para a Bahia. Portanto, estou plenamente de acordo, quando você me 
situa como representante da literatura regionalista; e aqui começa o que eu já havia dito antes: é impossível 
separar minha biografia de minha obra. Veja, sou regionalista porque o pequeno mundo do sertão... 
 
Lorenz: Pequeno talvez para o Brasil, não para os europeus... 
Rosa – Para a Europa, é sem dúvida um mundo muito grande, para nós, apenas um mundo pequeno, medido 
segundo nossos conceitos geográficos. E esse pequeno mundo do sertão, esse mundo original e cheio de 
contrastes, é para mim o símbolo, diria mesmo modelo de meu universo. Assim, o Cordisburgo germânico, 
fundado por alemães, é o coração do meu império suevo-latino. Creio que essa genealogia haverá de lhe 
agradar. 
 
Lorenz: O que importa é que, além disso, ela é exata. Mas voltemos à sua biografia... 
Rosa – Creio que minha biografia não é muito rica em acontecimentos. Uma vida completamente normal. 
 
Lorenz: Acho que não é bem assim. Em sua vida você passou por sua série de etapas muito interessantes, até 
mesmo instrutivas. Estudou medicina e foi médico, participou de uma guerra civil, chegou a ser oficial, depois 
diplomata. Deve haver ainda outros fatos, pois estou apenas citando de memória. 
Rosa – Chegamos novamente ao ponto que indica o momento em que o homem e sua biografia resultam em 
algo completamente novo. Sim, fui médico, rebelde, soldado. Foram etapas importantes de minha vida e, a rigor, 
essa sucessão constitui um paradoxo. Como médico, conheci o valor místico do sofrimento; como rebelde, o 
valor da consciência; como soldado, o valor da proximidade da morte... 
 
Lorenz: Deve-se considerar isso como uma escala de valores? 
Rosa – Exato, é uma escala de valores. 
 
Lorenz: E esses conhecimentos não constituíram, no fundo, a espinha dorsal de seu romance Grande Sertão? 
Rosa – E são. Mas devemos acrescentar alguns outros sobre os quais ainda temos de falar. Mas essas três 
experiências formaram até agora meu mundo interior; e, para que isso não pareça demasiadamente simples, 
queria acrescentar que também configuram meu mundo a diplomacia, o trato com cavalos, vacas, religiões e 
 
26 Em alemão, Heimat é “pátria”, e Schriftsteller, “escritor”. 
 
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idiomas. 
 
Lorenz: Parece uma sucessão e uma combinação um tanto quanto curiosa de motivos. 
Rosa – Bem, tudo isso é curioso, mas o que não é curioso na vida? Não devemos examinar a vida do mesmo 
modo que um colecionador de insetos contempla seus escaravelhos. 
 
[...] Lorenz: Atrevo-me a apostar que a maioria de seus leitores alemães, antes de ler seu livro, nem sequer 
sabia que o sertão existe. Provavelmente ainda o considera uma invenção sua. 
Rosa – Também acho. Recentemente, durante minha viagem à Alemanha, convenci-me disso. Um crítico que me 
foi apresentado como homem famoso – prefiro não dizer seu nome – felicitou-me por eu haver “inventado uma 
nova paisagem literária”, tão “magnífica”, assim entre aspas. Coisas semelhantes me aconteceram na Itália, na 
França e até na Espanha. Mas é preciso aceitar essas coisas, não se pode evitá-las. Quando escrevo, não posso 
estar constantemente acrescentando notas de rodapé para assinalar que se trata de realidade. 
www.fmauricoigrabois.org.br 
Conhecimentos místico-filosóficos fundamentaram a obra de Guimarães Rosa, que incorpora em seus 
livros as mais variadas tradições religiosas, psicanalíticas, literárias e filosóficas: de Platão a Hegel, dos 
Upanishads27 ao espiritismo de Allan Kardec, do pensamento oriental à tradição judaico-cristã. Aglutina, assim, 
um desconcertante sincretismo em suas narrativas. 
E por que usamos uma expressão com termos tão antitéticos como “regionalismo universalizante”? 
Apesar de paradoxal, ela é fiel ao intuito do autor. Se “regionalismo” sugere um mergulho no mundo singular do 
interior brasileiro, “universalizante” dá a ideia de uma experiência coletiva. Rosa parte do regional para alcançar o 
universal. Essencialmente, suas narrativas se constroem a partir de questionamentos filosóficos e metafísicos. A 
preocupação com o sentido último da existência além das aparências dá a sua obra o tom universal. Pensando 
numa relação entre o micro e o macro, no quanto o primeiro é um recorte do segundo, e partindo do pressuposto 
de que, no fundo, se são partes de um mesmo todo, são o próprio todo (“Ó homem, conhece-te a ti mesmo e 
conhecerás os deuses e o universo”, inscrição do oráculo de Delfos), aprofundemo-nos no universo do sertanejo 
e alcançaremos o ser humano: “o sertão é o mundo”, “o sertão é: dentro da gente”28. 
Da mesma forma, Rosa parte do plano físico em busca do metafísico, da transcendência. Assim, apesar 
de tratar de personagens do universo regional mineiro, elas de fato representam figuras arquetípicas29 em 
situações míticas, excepcionais por seu caráter realístico, fabuloso e simbólico: seres iluminados ou dominados 
pelo mal que alcançam a transcendência a partir de momentos epifânicos e/ou de fortes experiências de amor, 
solidão, sofrimento ou morte. Seus heróis – vilões redimidos, personagens esquecidas e aparentemente sem 
valor, animais, loucos, crianças iluminadas, mendigos, cantadores, prostitutas, jagunços, vaqueiros e capangas – 
procuram tomar consciência de si para encontrar o miraculoso sentido de sua vida. Dotados de um caráter 
polissêmico e de uma densa simbologia, são prenhes de elementos alegóricos. Citemos algumas personagens 
marcantes da literatura roseana: Riobaldo, de Grande sertão: veredas, vendeu a alma ao demônio; Diadorim, das 
mesma obra, era homem e mulher ao mesmo tempo; o pai “firme, ordeiro e positivo” que sai em busca da terceira 
margem do rio; Nhinhinha, que fazia milagres e morreu por causa de um deles; o bugre solitário que se transformou 
em onça de tanto viver junto delas; o boi Serapião, que falava como os homens e planejava uma revolução; o 
Burrinho Pedrês, que, por meio de sua sabedoria inata, consegue escapar de uma enchente e salvar a vida de 
duas pessoas... São personagens extraordinárias, sempre em situações-limite, no ponto extremo de grandes 
experiências. 
Não é uma leitura fácil, ao contrário. O leitor deve ter não só uma vasta experiência de leitura mas também 
de vida, para alcançar a grandeza do universo roseano. Assim como nos grandes poemas clássicos, há diversas27 Parte filosófica dos Vedas, livros sagrados da Índia. 
28 João Guimarães Rosa. Grande sertão: veredas. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986. 
29 O termo é usado por filósofos neoplatônicos, como Plotino, para designar as ideias como modelos de todas as coisas 
existentes, segundo a concepção de Platão. Nas filosofias teístas, o termo indica as ideias presentes na mente de Deus. Pela 
confluência entre neoplatonismo e cristianismo, o termo arquétipo chegou à filosofia cristã, sendo difundido por Agostinho, 
provavelmente por influência dos escritos de Porfírio, discípulo de Plotino. Na psicologia analítica, significa a forma imaterial 
à qual os fenômenos psíquicos tendem a se moldar. C. G. usou o termo para se referir aos modelos inatos que servem de 
matriz para o desenvolvimento da psique. Essas “imagens primordiais” são as tendências estruturais invisíveis dos símbolos. 
Os arquétipos criam imagens ou visões que correspondem a alguns aspectos da situação consciente. Jung deduz que se 
originam da repetição reiterada de uma mesma experiência ao longo de muitas gerações. Funcionam como centros 
autônomos que tendem a produzir, em cada geração, a repetição e a elaboração dessas mesmas experiências. 
http://pt.wikipedia.org/wiki/Neoplatonismo
http://pt.wikipedia.org/wiki/Plotino
http://pt.wikipedia.org/wiki/Plat%C3%A3o
http://pt.wikipedia.org/wiki/Te%C3%ADsmo
http://pt.wikipedia.org/wiki/Cristianismo
http://pt.wikipedia.org/wiki/Agostinho_de_Hipona
http://pt.wikipedia.org/wiki/Porf%C3%ADrio
 
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barreiras a ultrapassar para desemaranhar o complexo jogo de intenções do autor. Mesmo seus livros de contos 
têm uma unidade que não é apenas geográfica ou estilística: integram-nos conexões temáticas, correspondências 
estruturais e efeitos de justaposição e oposição. No ensaio “Rondando os segredos de Guimarães Rosa”, o crítico 
Paulo Rónai comenta o estilo do autor de Sagarana: 
Outra barreira que o leitor tem de romper é a do estilo. Guimarães Rosa joga com toda a riqueza da 
língua popular de Minas, mas é fácil perceber que não se contenta com a simples reprodução. Aproveitando 
conscientemente os processos de derivação e as tendências sintáticas do povo, uns e outros frequentemente 
ainda nem registrados, cria uma língua pessoal, toda dele, de espantosa força expressiva, e que há de encontrar 
os seus lexicógrafos. Obedecendo ora à exigência íntima da matização infinita, ora a um sensualismo brincalhão 
que se compraz em novas sonoridades, submete o idioma a uma atomização radical, da qual só encontraríamos 
precedentes em Joyce (“O mato – vozinha mansa – aeiouava.” ou “dava-se do ar um visco, o asmo de uma 
moemoência, de tudo o que a mata e o brejão exalassem.” Nos campos, havia “frechechéu e tiroteio”; no alto, o 
“milmilhar de estrelas do sertão”). A invenção de onomatopeias sem conta, a livre permutação de prefixos verbais, 
a atribuição de novos regimes, a ousada inversão das categorias gramaticais, a multiplicação das terminações 
afetivas são algumas dessas fecundas arbitrariedades que se abonam mais de uma vez na prática de outras 
línguas, cujas reminiscências o poliglota nem sempre soube ou quis reprimir. A falta de separação entre 
personagens e autor faz que complicados conteúdos intelectuais venham a revestir-se de modismos populares e 
a cheirar preciosismo (“mas, para ele, aproximar-se dali estava sendo talvez trocar o repensado contracurso de 
uma dúvida, pelo azado desatinozinho que o destino quer”). Como quem vence uma aposta, o autor esconde, 
aqui e ali, nas meditações de seus sertanejos, um pensamento de Platão ou de Plotino (“aquele bezerro caruara 
dava gastura, de se reparar; era um nojo, um defeito do mundo. Como se um erro tivesse falseado seu ser, contra 
a forma, que devia de ser o molde para ele, a ideia de um bezerro belo; não podido pois ser realizado.”) Mistura 
personalíssima e inimitável de artifício e espontaneidade, o estilo de Guimarães Rosa pede que se lhe dê um 
crédito de confiança para restituí-lo com juros. 
Paulo Rónai. Rondando os segredos de Guimarães Rosa. In: João Guimarães Rosa. Noites do sertão. 
9 ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001. 
 
O dialeto mágico roseano 
 Vejamos, agora, o processo de criação de uma linguagem que rompe com os padrões tradicionais. 
1. Neologismos 
A partir de recursos da língua portuguesa (ou de outras), Rosa reinventou a linguagem: 
Turíbio Todo, meiamente ansioso. (“Duelo”) 
Agora esperava lá na beira do mato onde eles moravam, sozim. (Miguilim) 
2. Sonoridade sugestiva 
O uso de aliterações e a criação de palavras que concorrem para estabelecer sonoridade imitativa são marcas 
estilísticas de sua obra: 
E as superfícies cintilam, com raros jogos de espelho, com raios de sol, espirrando asterismos. (“São Marcos”) 
O flafo do vento agarrado nos buritis, franzindo no gradeal de duas folhas altas; e sassafrazal. (Grande sertão: 
veredas) 
3. Prosa metrificada 
Há trechos em que a prosa roseana pode ser escandida como um verso: 
Boi bem bravo, bate baixo, bota baba, boi berrando... (“O burrinho pedrês”) 
 
4. Imagens originais 
Algumas imagens criadas por Rosa surpreendem pela originalidade: 
Chove. Chuva. Moles massas. Tudo macio e escorregoso. (“Minha gente”) 
 
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[...] em redor amoleciam muitas alegrias. (Manuelzão) 
[...] estou pobre como aguinha em fundo de canoa... (Miguilim) 
5. Invenção de provérbios e ditos populares 
Além de utilizar-se de provérbios já existentes, também cria outros: 
Um dia é todo para a esperança, o seguinte para a desconsolação. (Grande sertão: veredas) 
[...] chuva vesprando, cachorro soneja muito. (Miguilim) 
6. Criação de aforismos 
Aforismos são frases que sintetizam um princípio, um valor moral ou um ensinamento. Rosa cria algumas 
verdades, revelando, muitas vezes, o tom filosófico de sua narrativa. 
Mas a gente nunca se provê com garantias perpétuas. (Miguilim) 
Ser forte é para quieto; permanecer. (Grande sertão: veredas) 
A vida é ingrata no macio de si; mas transtraz a esperança mesmo do meio do fel do desespero. (Grande sertão: 
veredas) 
4. A poesia do pós-Guerra e a contemporaneidade 
Somos na realidade um novo estado poético, e 
muitos são os que buscam um novo caminho fora 
dos limites do Modernismo. 
Fernando Ferreira de Loanda 
 Uma carga lírica essencial é o projeto comum da obra poética que se produz após 1945 (geração de 45 
ou, no dizer de Alfredo Bosi, poesia “pós-modernista”). Sem causar polêmica em relação ao verso livre modernista, 
já incorporado à práxis literária, recupera-se a concepção poética da forma tradicional (sonetos, redondilhos, 
decassílabos, elegias, odes) na reelaboração de ritmos antigos e na busca de uma maior disciplina formal. 
 Agora não há mais sentido em falar em escolas literárias ou em movimentos de vanguarda e tampouco 
em manifestos artísticos. As rupturas possíveis quanto à estrutura do verso e da palavra já tinham sido feitas. Há 
uma tendência na literatura contemporânea a se retomarem livremente possibilidades estéticas do passado. Os 
decassílabos – quem diria? – já podem vir envoltos em tendências visuais. A tradição e as vanguardas se misturam 
em poemas com “a cara” da contemporaneidade. A velocidade crescente da informação no mundo globalizado 
nos possibilita ter contato não só a literatura ocidental, mas com os textos de qualquer parte do mundo. Há também 
uma progressiva interação com o syberspace e o mundo virtual. Para Ítalo Moriconi, na poesia contemporânea: 
 [...] a convulsão no discurso poético corresponde à convulsão social e cultural. Revoluções e contrarrevoluções, 
contracultura e amor livre, identificação da arte ao consumo, exposição da intimidade, tecnologiasvirtuais e ações 
ecológicas. Sobretudo a velocidade da comunicação e do fluxo de informações, que praticamente baniu a 
possibilidade de poemas longos ou com vocação épica obterem eco e adquirirem relevância junto ao público leitor. 
Ítalo Moriconi (Org.). Os cem melhores poemas brasileiros do século. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001, p. 22. 
 É bem verdade que há poemas longos que merecem atenção. Para o crítico, o “Poema sujo”, de Ferreira 
Gullar seria o “único poema longo admissível” no Brasil nos últimos 30 anos, por seu caráter impulsivo de poema-
vertigem. Mito e mimese se mesclam nesse texto, que, a partir da evocação da cidade natal do poeta, São Luís 
do Maranhão, memória, saudade e desespero são perpassados de forte tensão social. 
E do mesmo modo 
que há muitas velocidades num 
 só dia 
e nesse mesmo dia muitos dias 
 assim 
não se pode também dizer que o dia 
tem um único centro 
 (feito um caroço 
 ou um sol) 
 porque na verdade um dia 
 
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tem inumeráveis centros 
 como, por exemplo, o pote de água 
 na sala de jantar 
 ou na cozinha 
 em torno da qual 
desordenadamente giram os membros da família. 
 
 E se nesse caso 
é a sede a força de gravitação 
 outras funções metabólicas 
 outros centros geram 
 como a sentina 
 a cama 
 ou a mesa de jantar 
(sob uma luz encardida numa 
 porta-e-janela da Rua da Alegria 
 na época da guerra) 
sem falar nos centros cívicos, nos centros 
 espíritas, no Centro Cultural 
Gonçalves Dias ou nos mercados de peixe, 
 colégios, igrejas e prostíbulos, 
 outros tantos centros do sistema 
 em que o dia se move 
(sempre em velocidades diferentes) 
 sem sair do lugar. 
 
 Porque 
 quando todos esses sóis se apagam 
 resta a cidade vazia 
(como Alcântara) 
no mesmo lugar. 
 
 Porque 
 diferentemente do sistema solar 
 a esses sistemas 
 não os sustém o sol e sim 
 os corpos 
 que em tomo dele giram: 
 não os sustém a mesa 
 mas a fome 
 não os sustém a cama 
 e sim o sono 
 não os sustém o banco 
 e sim o trabalho não pago 
 
 E essa é a razão por que 
 quando as pessoas se vão 
 (como em Alcântara) 
 
apagam-se os sóis (os 
 potes, os fogões) 
 que delas recebiam o calor 
 
 essa é a razão 
 por que em São Luís 
donde as pessoas não se foram 
 ainda neste momento a cidade se move 
 em seus muitos sistemas 
 e velocidades 
 pois quando um pote se quebra 
 outro pote se faz 
 outra cama se faz 
 outra jarra se faz 
 outro homem 
 se faz 
para que não se extinga 
 
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 o fogo 
 na cozinha da casa 
 
 
O que eles falavam na cozinha 
 ou no alpendre do sobrado 
 (na Rua do Sol) 
 saía pelas janelas 
 
 
 se ouvia nos quartos de baixo 
na casa vizinha, nos fundos da Movelaria 
 (e vá alguém saber 
 quanta coisa se fala numa cidade 
 quantas vozes 
 resvalam por esse intrincado labirinto 
 de paredes e quartos e saguões, 
 de banheiros, de pátios, de quintais 
 vozes 
 
 
 entre muros e plantas, 
 risos, 
 que duram um segundo e se apagam) 
 
 E são coisas vivas as palavras 
 e vibram da alegria do corpo que as gritou 
 têm mesmo o seu perfume, o gosto 
 da carne 
 que nunca se entrega realmente 
 nem na cama 
 senão a si mesma 
 à sua própria vertigem 
 ou assim falando ou rindo 
 no ambiente familiar 
 enquanto como um rato 
 tu podes ouvir e ver 
 de teu buraco 
 como essas vozes batem nas paredes do pátio vazio 
 na armação de ferro onde seca uma parreira 
 entre arames 
 de tarde 
 numa pequena cidade latino-americana. 
 
 E nelas há 
 uma iluminação mortal 
 
 que é da boca 
 em qualquer tempo 
 
 mas que ali 
 na nossa casa 
 entre móveis baratos 
 e nenhuma dignidade especial 
 minava a própria existência. 
 
 Ríamos, é certo, 
 em torno da mesa de aniversário coberta de pastilhas 
 de hortelã enroladas em papel de seda colorido, 
 ríamos, sim, 
 mas 
 era como se nenhum afeto valesse 
 como se não tivesse sentido rir 
 numa cidade tão pequena. 
 
 O homem está na cidade 
 
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 como uma coisa está em outra 
 e a cidade está no homem 
 que está em outra cidade 
 
 mas variados são os modos 
 como uma coisa 
 está em outra coisa: 
 o homem, por exemplo, não está na cidade 
 como uma árvore está 
 em qualquer outra 
 nem como uma árvore 
 está em qualquer uma de suas folhas 
 (mesmo rolando longe dela) 
 O homem não está na cidade 
 como uma árvore está num livro 
 quando um vento ali a folheia 
 
 a cidade está no homem 
 mas não da mesma maneira 
 que um pássaro está numa árvore 
 não da mesma maneira que um pássaro 
 (a imagem dele) 
 está/va na água 
 e nem da mesma maneira 
 que o susto do pássaro 
 está no pássaro que eu escrevo 
 
 a cidade está no homem 
 quase como a árvore voa 
 no pássaro que a deixa 
 
 cada coisa está em outra 
 de sua própria maneira 
 e de maneira distinta 
 de como está em si mesma 
 
 a cidade não está no homem 
 do mesmo modo que em sua 
 quitandas praças e ruas 
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Nessa época, surgem com força as demandas sociais. A literatura, o teatro e as artes em geral passam 
a dar voz aos oprimidos e marginalizados, aos esquecidos pela história. A mulher, o negro, o homossexual, o 
morador do subúrbio ou da rua, todos podem ser ouvidos. Em vez de um poeta imitar o jeito de compor de um 
cordelista, por exemplo, o próprio cordelista conquista seu espaço. A literatura não se limita mais a livros e 
bibliotecas, a arte não está mais só nos museus: qualquer espaço público pode abarcá-la. Observamos 
intervenções poéticas em versos espalhados pelos mais diversos espaços da cidade: muros, equipamentos 
públicos, ruas, casas – grafiteiros passam a ser reconhecidos como artistas. A evolução dos meios de 
comunicação possibilitou aos escritores a publicação de livros e revistas com recursos caseiros como, na década 
de 1970, o mimeógrafo,e, hoje, a impressora. Até mesmo textos que não chegam a ser impressos têm voz: a arte 
alcança os espaços abertos de blogs e sites diversos. 
 É difícil escolher, entre tantos autores, aqueles que melhor representam esta época. Ainda assim, 
selecionamos alguns poemas de grandes nomes da poesia brasileira pós-1945, para que você se inteire das 
tendências da literatura contemporânea. 
 Um dos maiores poetas da geração do pós-Guerra é o consagrado João Cabral de Melo Neto, cuja obra 
merece um estudo mais detalhado. Além dele, destacamos o movimento concretista da década de 1950 e o legado 
da poesia visual. 
4.1 - João Cabral de Melo Neto: o engenheiro da palavra 
O ferrageiro de Carmona 
 
Um ferrageiro de Carmona que me informava de um balcão: 
 
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“Aquilo? É de ferro fundido, 
foi a forma que fez, não a mão. 
 
Só trabalho em ferro forjado 
que é quando se trabalha ferro; 
então corpo a corpo com ele; 
domo-o, dobro-o, até onde quero. 
 
O ferro fundido é sem luta, 
é só derramá-lo na fôrma. 
Não há nele a queda de braço 
e o cara a cara de uma forja. 
 
Existe grande diferença 
do ferro forjado ao fundido; 
é uma distância tão enorme 
que não pode-se medir a gritos. 
 
Conhece a Giralda em Sevilha? 
De certo subiu lá em cima. 
Reparou nas flores de ferro 
dos quatro jarros das esquinas? 
 
Pois aquilo é ferro forjado. 
Flores criadas numa outra língua. 
Nada têm das flores de fôrma 
moldadas pelas das campinas. 
 
Dou-lhe aqui a humilde receita 
ao senhor que dizem ser poeta: 
O ferro não deve fundir-se, 
nem a voz ter diarreia. 
 
Forjar: domar o ferro a força, 
não até uma flor já sabida, 
mas ao que pode até ser flor... 
se flor parece a quem o diga.” 
João Cabral de Melo Neto. Poesias completas. 3 ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1979. 
Poeta de poucas palavras e poucos assuntos, perfeccionista ao extremo, João Cabral de Melo Neto 
(1920-1999) parte da geometria, do cálculo e da clareza – elementos da tradição clássica –, para renovar a poesia 
modernista. Como tantos outros de sua geração, recusa o verso livre e adota a métrica tradicional, optando 
geralmente por octossílabos e eneassílabos, rimas consoantes e recorrentemente toantes, cuja sonoridade é 
menos evidente. Suas principais características são a contenção, a busca de uma forma precisa e exata e a recusa 
do derramamento lírico. Apesar disso, não chegou a escrever sonetos, preferiu trabalhar com formas fixas que 
não considerasse tão limitadoras e investir em novas construções estróficas, como podemos perceber no livro 
Educação pela pedra (1966). Trabalha com a palavra tal qual um engenheiro constrói edifícios: com precisão e 
objetividade. Para Antonio Candido, “a força da mensagem é função exata do teor da construção, que experimenta 
com as sonoridades mais secas da palavra, mediante um ânimo combinatório de que resultam figuras verbais 
com alto poder de sugestão”30. Leia um dos poemas mais característicos da obra do autor pernambucano e note 
a precisão de sua linguagem 
O engenheiro 
A luz, o sol, o ar livre 
envolvem o sonho do engenheiro. 
O engenheiro sonha coisas claras: 
superfícies, tênis, um copo de água. 
 
O lápis, o esquadro, o papel; 
o desenho, o projeto, o número: 
 
30 Antonio Candido. Iniciação à literatura brasileira. 3 ed. São Paulo: Humanitas/FFLCH-USP, 1999, p. 90-91. 
 
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o engenheiro pensa o mundo justo, 
mundo que nenhum véu encobre. 
 
(Em certas tardes nós subíamos 
ao edifício. A cidade diária, 
como um jornal que todos liam, 
ganhava um pulmão de cimento e vidro.) 
 
A água, o vento, a claridade, 
de um lado o rio, no alto as nuvens, 
situavam na natureza o edifício 
crescendo de suas forças simples. 
João Cabral de Melo Neto. Poesias completas. 3 ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1979, p. 344. 
 Usualmente, sua temática gira em torno do Nordeste, onde se alternam a paisagem árida do interior seco 
e a paisagem luxuriante da faixa litorânea, da Espanha – onde viveu durante anos, em dois momentos da vida – 
e da metalinguagem. Em 1956, João Cabral organizou sua obra produzida até então num volume intitulado Duas 
águas, em que separou suas preocupações poéticas em duas vertentes: a poesia destinada a auditórios (Morte e 
vida severina, O rio, Os três mal-amados) e a mais hermética, destinada a leituras solitárias (O engenheiro, 
Psicologia da composição, O cão sem plumas e Uma faca só lâmina). 
 João Cabral foge de qualquer tendência emotiva romântica e da subjetividade para alcançar imagens 
concretas, relacionadas aos sentidos. Repare, no excerto poema Uma faca só lâmina, como a imagem da faca é 
apresentada pela sensação de vazio que deixa na carne, em contraposição à solidez da própria faca que a 
penetra: 
Uma faca só lâmina 
ou 
Serventia das ideias fixas 
Para Vinicius de Moraes 
Assim como uma bala 
enterrada no corpo, 
fazendo mais espesso 
um dos lados do morto; 
assim como uma bala 
do chumbo pesado, 
no músculo de um homem 
pesando-o mais de um lado 
qual bala que tivesse 
um vivo mecanismo, 
bala que possuísse 
um coração ativo 
igual ao de um relógio 
submerso em algum corpo, 
ao de um relógio vivo 
e também revoltoso, 
 
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relógio que tivesse 
o gume de uma faca 
e toda a impiedade 
de lâmina azulada; 
assim como uma faca 
que sem bolso ou bainha 
se transformasse em parte 
de vossa anatomia; 
qual uma faca íntima 
ou faca de uso interno, 
habitando num corpo 
como o próprio esqueleto 
de um homem que o tivesse, 
e sempre, doloroso, 
de homem que se ferisse 
contra seus próprios ossos. 
[...] 
Das mais surpreendentes 
é a vida de tal faca: 
faca, ou qualquer metáfora, 
pode ser cultivada. 
E mais surpreendente 
ainda é a sua cultura: 
medra não do que come 
porém do que jejua. 
Podes abandoná-la 
essa faca intestina: 
jamais a encontrarás 
com a boca vazia. 
Do nada ela destila 
a azia e o vinagre 
e mais estratagemas 
privativos dos sabres. 
E como faca que é, 
fervorosa e energética, 
sem ajuda dispara 
sua máquina perversa: 
a lâmina despida 
que cresce ao se gastar, 
que menos dorme 
quanto menos sono há, 
cujo muito cortar 
lhe aumenta mais o corte 
e se vive a se parir 
em outras, como fonte. 
(Que a vida dessa faca 
se mede pelo avesso: 
seja relógio ou bala, 
ou seja faca mesmo.) 
 
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[...] 
De volta dessa faca, 
amiga ou inimiga, 
que ais condensa o homem 
quanto mais o mastiga; 
de volta dessa faca 
de porte tão secreto 
que deve ser levada 
como o oculto esqueleto; 
da imagem em que mais 
me detive, a da lâmina, 
porque é de todas elas 
certamente a mais ávida; 
pois de volta da faca 
se sobe a outra imagem, 
àquela de um relógio 
picando sob a carne, 
e dela àquela outra, 
a primeira, a da bala, 
que tem o dente grosso 
porém forte a dentada 
e daí à lembrança 
que vestiu tais imagens 
e é muito mais intensa 
do que pode a linguagem, 
e afinal à presença 
da realidade, prima, 
que gerou a lembrança 
e ainda a gera, ainda, 
por fim à realidade, 
prima e tão violenta 
que ao tentar apreendê-la 
toda imagem rebenta. 
João Cabral de Melo Neto, op. cit., p. 187-199. 
 Num primeiro momento, a obra de João Cabral apresenta fortes influências do surrealismo e da poesia 
de Murilo Mendes. Pedra do sono (1942),seu primeiro livro publicado, traz imagens como olhos que se mecanizam 
em telescópios, pensamentos em telegramas, a experiência viva em folhas de jornais, a poesia em revólver e o 
tempo na roda de um carrossel. “Os jardins da minha ausência” são o campo metafórico preferencial do poeta, 
que acusa o esvaziamento interior e a alienação subjacente ao nenhum contato efetivo com o cotidiano ou com o 
mundo. 
 Segundo Alcides Villaça, seu salto estaria na condenação da instância sentimental de um estilo que 
repele toda confissão e todo pieguismo, o que teria acontecido a partir da publicação de O engenheiro (1945) e 
se manifestaria radicalmente em Psicologia da composição (1947), em que o “vício da poesia” tende ao exercício 
regrado e rigoroso da linguagem. Para o crítico: 
 Um suposto caráter “objetivo” da arte de Cabral é frequentemente deduzido aos limites de uma leitura 
estritamente formalista, na qual se reduz a parcela intrigante, provocadora e, no final das contas, essencialmente 
poética dessa poesia. Para muito além do fetichismo da palavra, o poeta pernambucano faz agir a face 
expressionista dos objetos representados, o que não o impede de integrá-los num continuum estilístico em que 
aparecem como que nivelados. A ordenação do universo de Cabral supõe um exercício dialético de contrastes e 
oposições cujo sentido escapa às descrições formalistas. As simetrias, de corte classicizante, estão 
permanentemente revelando as nuances e distinções entre elementos, como se nos lembrasse o poeta de que os 
 
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planos do real em que sua linguagem toma pé com tanta segurança são, todavia, muito complexos, e lhe 
interessam por isso. Se, no nível estritamente formal, os axiomas e as equações desenham a tão decantada 
“geometria”, o mundo a que esta se aplica é apresentado como um grande e desafiante objeto, que só adquire 
visibilidade pelo método das aproximações sucessivas. 
Alcides Villaça. Expansão e limite da poesia de João Cabral. In: Alfredo Bosi (Org.). Leitura de poesia. São 
Paulo: Ática, 2007, p. 151. 
 Morte e vida severina (1956), seu poema mais conhecido – e dramático, como teatro em forma de poesia, 
nos moldes de Gil Vicente –, se popularizou pela encenação e pela musicalização. Seu protagonista é Severino, 
retirante que parte do sertão nordestino para chegar ao litoral acompanhando o curso do rio Capibaribe, muito 
presente na obra cabralina. No caminho, o rio seca, e o retirante se perde. Obstinado em sua busca por melhores 
condições de vida, consegue retomar o rumo. Chegando a Recife, só encontra miséria e morte e pensa até em 
suicídio. Os argumentos do mestre Zé Carpina e a celebração do nascimento (natal) de uma criança – mais uma 
“vida severina” – comovem o protagonista (e o leitor) a ponto de fazê-lo ver o milagre da vida. Acompanhe, a 
seguir, os excertos inicial e final desse belo auto poético e note como a poesia cabralina ganha aí dimensões 
musicais e populares. 
O retirante explica ao leitor quem é e a que vai 
— O meu nome é Severino, 
como não tenho outro de pia. 
Como há muitos Severinos, 
que é santo de romaria, 
deram então de me chamar 
Severino de Maria 
como há muitos Severinos 
com mães chamadas Maria, 
fiquei sendo o da Maria 
do finado Zacarias. 
Mais isso ainda diz pouco: 
há muitos na freguesia, 
por causa de um coronel 
que se chamou Zacarias 
e que foi o mais antigo 
senhor desta sesmaria. 
Como então dizer quem falo 
ora a Vossas Senhorias? 
Vejamos: é o Severino 
da Maria do Zacarias, 
lá da serra da Costela, 
limites da Paraíba. 
Mas isso ainda diz pouco: 
se ao menos mais cinco havia 
com nome de Severino 
filhos de tantas Marias 
mulheres de outros tantos, 
já finados, Zacarias, 
vivendo na mesma serra 
magra e ossuda em que eu vivia. 
Somos muitos Severinos 
iguais em tudo na vida: 
na mesma cabeça grande 
que a custo é que se equilibra, 
no mesmo ventre crescido 
sobre as mesmas pernas finas 
e iguais também porque o sangue, 
que usamos tem pouca tinta. 
E se somos Severinos 
iguais em tudo na vida, 
morremos de morte igual, 
mesma morte severina: 
que é a morte de que se morre 
de velhice antes dos trinta, 
de emboscada antes dos vinte 
de fome um pouco por dia 
 
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(de fraqueza e de doença 
é que a morte severina 
ataca em qualquer idade, 
e até gente não nascida). 
Somos muitos Severinos 
iguais em tudo e na sina: 
a de abrandar estas pedras 
suando-se muito em cima, 
a de tentar despertar 
terra sempre mais extinta, 
a de querer arrancar 
algum roçado da cinza. 
Mas, para que me conheçam 
melhor Vossas Senhorias 
e melhor possam seguir 
a história de minha vida, 
passo a ser o Severino 
que em vossa presença emigra. 
[...] 
O carpina fala com o retirante que esteve de fora, sem tomar parte de nada 
 
— Severino, retirante, 
deixe agora que lhe diga: 
eu não sei bem a resposta 
da pergunta que fazia, 
se não vale mais saltar 
fora da ponte e da vida 
nem conheço essa resposta, 
se quer mesmo que lhe diga 
é difícil defender, 
só com palavras, a vida, 
ainda mais quando ela é 
esta que vê, Severina; 
mas se responder não pude 
à pergunta que fazia, 
ela, a vida, a respondeu 
com sua presença viva. 
E não há melhor resposta 
que o espetáculo da vida: 
vê-la desfiar seu fio, 
que também se chama vida, 
ver a fábrica que ela mesma, 
teimosamente, se fabrica, 
vê-la brotar como há pouco 
em nova vida explodida 
mesmo quando é assim pequena 
a explosão, como a ocorrida 
como a de há pouco, franzina 
mesmo quando é a explosão 
de uma vida severina. 
João Cabral de Melo Neto, op. cit., p. 203/241. 
4.2 - Poesia visual e concretismo 
Escrever mil páginas escrever milumapáginas 
para acabar com a escritura para começar 
com a escritura. 
Haroldo de Campos 
 
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 É difícil lembrar qual foi o primeiro poema visual que deparamos na vida. As artes gráficas, a fotografia, 
o cinema, a publicidade, os grandes meios de comunicação de massa, que muito se utilizam da poesia visual, 
integram o mundo contemporâneo de tal forma, que estamos muito familiarizados com esse tipo de poema, mesmo 
que não tenhamos consciência disso. As últimas gerações cresceram sob a influência da televisão, dos grandes 
anúncios coloridos e luminosos, do gibi e, assim, as características centrais da poesia visual (o entrecruzamento 
do texto com a imagem, a informação rápida e direta e o humor) fazem parte do nosso cotidiano a ponto de nem 
nos darmos conta disso. 
 Entretanto, devemos distinguir “poesia visual” de “poesia concreta”. Formas visuais de poesia existem 
desde a Grécia Antiga, passando pela Idade Média, pelo Renascimento e pelo Barroco. Mas, apesar de estar 
historicamente ligada ao conceito de poesia experimental (“nome que se dá a toda e qualquer forma de poesia 
moderna que utiliza recursos fora do texto versificado tradicional, aquele tipo de escrita que se ligava a um mundo 
em desaparecimento ou, ao menos, em transformação”31), a expressão “poesia visual” se aplica a todo poema 
que, às palavras, acrescente elementos gráficos, em qualquer época ou lugar. Diferentemente, “poesia concreta” 
é um estilo de poema visual que nasce num determinado período histórico e tem características bem definidas. 
 Depois das transformações que ocorreram no século XX (a segunda Revolução Industrial, as duas 
Grandes Guerras, os movimentos de vanguarda), não seria possível criar poesia sob os mesmos parâmetros. Se 
o mundo está em transformação veloz, há que se criar uma nova forma de interferir nele. 
 No Brasil, a poesia visual se confunde com a concretaporque ela se inicia junto com o movimento 
concretista da década de 1950, época de grande efervescência cultural. Nesse momento, o país saía de uma 
estrutura essencialmente agrária e começa um acelerado processo de industrialização. A criação de Brasília, novo 
centro do poder, matematicamente situado no centro geográfico do país, é um marco e uma inspiração para o 
movimento concretista. Do mesmo modo que a cidade foi idealizada a partir do racionalismo urbanista europeu 
(planejamento preciso de uma máquina dentro da qual se vive, composta por várias máquinas de morar – as 
habitações), a poesia concreta também é racionalista. Para Philadelpho Menezes, algumas características 
marcam o momento de frenético desenvolvimento industrial por que passa o Brasil: 
 [...] grandes aglomerados urbanos, bolsões de miséria social ao lado de centros ricos e desenvolvidos, 
fixação de um espírito desenvolvimentista e do ideal do progresso, ampliação dos sistemas de comunicação de 
massa (notadamente a chegada da televisão), com a consequente fusão entre divertimento e informação, e a 
criação de uma cultura urbana sob influência direta da cultura dos países economicamente adiantados, dando os 
primeiros passos de um longo e inexorável processo que atualmente se chama “globalização”. 
Philadelpho Menezes. Roteiro de leitura: poesia concreta e visual. São Paulo: Ática, 1998, p. 21. 
Plano-piloto para poesia concreta 
poesia concreta: produto de uma evolução crítica de formas. dando por encerrado o ciclo histórico do verso 
(unidade rítmico-formal), a poesia concreta começa por tomar conhecimento do espaço gráfico como agente 
estrutural. espaço qualificado: estrutura 
espácio-temporal, em vez de desenvolvimento meramente temporístico-temporal, em vez de desenvolvimento 
meramente temporístico-linear. daí a importância da ideia de ideograma, desde o seu sentido geral de sintaxe 
espacial ou visual, até o seu sentido específico fenollosa/pound) de método de compor baseado na justaposição 
direta – analógica, não lógico-discursiva – de elementos: “il faut que notre intelligence s'habitue à comprende 
synthético idéographiquement au lieu de analytico-discursivemente” (appollinaire). einsenstein: ideograma e 
montagem. 
poesia concreta: tensão de palavras-coisas no espaço-tempo, estrutura dinâmica: multiplicidade de movimentos 
concomitantes. também na música – por definição, uma arte do tempo – intervém o espaço (webern e seus 
seguidores: boulez e stockhausen; música concreta e eletrônica); nas artes visuais – espaciais, por definição – 
intervém o tempo (mondrian e a série boogiewogie, max bill; albers e a ambivalência perceptiva ; arte concreta, 
em geral). 
 
ideograma: apelo à comunicação não verbal. o poema concreto comunica a sua própria estrutura: estrutura-
conteúdo. o poema concreto é um objeto em e por si mesmo, não um intérprete de objetos exteriores e/ou 
sensações mais ou menos subjetivas. seu material: a palavra (som, forma visual, carga semântica). seu 
problema: um problema de funções- 
relações desse material. fatores de proximidade e semelhança, psicologia de gestalt. ritmo: força relacional. o 
poema concreto, usando o sistema fonético (dígitos) e uma sintaxe analógica, cria uma área lingüística 
 
31 Philadelpho Menezes. Roteiro de leitura: poesia concreta e visual. São Paulo: Ática, 1998, p. 14. 
 
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específica – “verbivocovisual” – que participa das vantagens da comunicação não verbal, sem abdicar das 
virtualidades da palavra, com o poema concreto ocorre o fenômeno da metacomunicação: coincidência e 
simultaneidade da comunicação verbal e não verbal, com a nota de que se trata de uma comunicação de 
formas, de uma estrutura-conteúdo, não da usual comunicação de mensagens. 
 
a poesia concreta visa ao mínimo múltiplo comum da linguagem, daí a sua tendência à substantivação e à 
verbificação: “a moeda concreta da fala” (sapir). daí suas afinidades com as chamadas “línguas isolantes” 
(chinês): “quanto menos gramática exterior possui a língua chinesa, tanto mais gramática interior lhe é inerente 
(humboldt via cassirer). o chinês oferece um exemplo de sintaxe puramente relacional baseada exclusivamente 
na ordem das palavras. 
poesia concreta: uma responsabilidade integral perante a linguagem. realismo total. contra uma poesia 
de expressão, subjetiva e hedonística. criar problemas exatos e resolvê-los em termos de linguagem sensível. 
uma arte geral da palavra. o poema-produto: objeto útil. 
Grupo Noigandres apud Philadelpho Menezes, op. cit., p. 137-138. 
No Brasil, o movimento da poesia concreta representou a retomada de uma índole internacionalista e 
cosmopolita, já prenunciada em alguns momentos pela primeira geração modernista. De clara influência futurista, 
a poesia concreta é marcada pela negação da cultura rural e da subjetividade intimista, um antídoto à poesia lírico-
sentimental ou confessional-psicológica, retomando a linha antropofágica de Oswald de Andrade. No ensaio “Da 
razão antropofágica. Diálogo e diferença na cultura brasileira”, o poeta Haroldo de Campos define as fronteiras 
espaço-temporais da literatura brasileira não mais em termos provincianos de colônia europeia, de “literatura 
menor”, mas em termos históricos e dialógicos em relação a toda cultura que a alimentou e à produção que a tem 
caracterizado: 
 [...] o pensamento da devoração crítica do legado cultural e universal, elaborado não a partir da 
perspectiva submissa e reconciliada do “bom selvagem”, mas segundo o ponto de vista desabusado do “mau 
selvagem”, “devorador de brancos, antropófago.” 
Haroldo de Campos apud Inês Oseki Dépré. Introdução. Os melhores poemas de Haroldo de Campos. São 
Paulo: Global, 1997, p. 11. 
Inspirados em “Um lance de dados”, de Mallarmé, e no método ideogrâmico32, de Ezra Pound, os poetas 
concretistas propõem conteúdos novos inviáveis sem formas novas, sem uma renovação linguística. O poema 
obedece a regras internas precisas, é construído matematicamente, como objeto autônomo – produto do mundo 
industrial – e independe da visão pessoal de quem o escreve ou de quem o lê. Leia o poema abaixo e reflita sobre 
a poesia concreta. 
f o r m a 
r e f o r m a 
d i s f o r m a 
t r a n s f o r m a 
c o n f o r m a 
i n f o r m a 
f o r m a 
 José Lino Grünewald. Poema sem título de 1960. In: Philadelpho Menezes. Roteiro de leitura: poesia concreta e 
visual. São Paulo: Ática, 1998, p. 68. 
 Note que não há mais frases a ser lidas, mas apenas palavras. Diferentemente, por exemplo, do 
movimento visual “letrismo”, na França, em que a letra era a base do poema, no Concretismo, a unidade mínima 
do poema é a palavra, reconhecível para o leitor. Também não há articulação da palavra na frase, mas elas se 
articulam pela posição que ocupam na geometria do poema; uma palavra conecta-se a outra visualmente, graças 
 
32 Na escrita por ideogramas da língua chinesa, o significado está presente na própria maneira de compor o sinal. 
 
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à sua situação espacial na página. Além disso, uma palavra puxa a outra sonoramente. Repare nesses aspectos 
no poema a seguir, de Augusto de Campos: 
 p 
 p l 
 p l u 
 p l u v 
 p l u v i 
 p l u v i a 
 p l u v i a l 
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 f l u v i a l 
 f l u v i a l 
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 f l u v i a l 
f l u v i a l 
 
Augusto de Campos. Pluvial, de 1959. In: Philadelpho Menezes. Roteiro de leitura: poesia concreta e visual. São 
Paulo: Ática, 1998, p. 71. 
 Geométrico, simétrico, duas palavras sonoramente semelhantes, mas dispostas de modo a que 
percebamosas palavras “pluvial” caindo como chuva e “fluvial” correndo como um rio. Esse é um texto claramente 
influenciado pela poesia visual, mas o movimento concretista não pressupõe necessariamente a proximidade com 
ela. A marca mais forte do Concretismo não é a imagem em si, mas a sonoridade, metáforas trabalhadas como 
verdadeiros blocos sonoros, cadeias de ideogramas verbais de som. Na série de poemas “o â mago do ô mega” 
(1955-1956), Haroldo de Campos se inspira-se em “Um lance de dados”, de Mallarmé, para combiná-lo com o 
“xadrez de estrelas”, do padre Antônio Vieira. A aproximação com o Barroco é evidente. Para Inês Oseki Dépré: 
 [...] Resposta dialógica ao barroco, onde o despojamento negro faz eco à lúdica luxúria da palavras dos 
seiscentos, onde prevalecem a fusão dos contrários, o minimalismo simbólico com o máximo de efeitos, a síntese 
de múltiplas possibilidades semântico-sintáticas, além das musicais. 
Inês Oseki Dépré, op. cit., p. 9. 
 A fase mais ortodoxa do Concretismo, porém, não é a que ilustra o postulado neobarroco na poesia de 
Haroldo de Campos. A estrutura padrão da poesia concreta poderia ser definida assim: 
[...] palavras sonoramente semelhantes colocadas numa configuração geométrica na página, de maneira 
simétrica. Outro detalhe importante é que a forma da letra, no poema concreto ortodoxo, é sempre dada pelo tipo 
“futura”, adotado pelos concretistas devido à simplicidade e exatidão de suas linhas. 
Philadelpho Menezes, op. cit., p. 69. 
O movimento concretista 
 Em 1955, os poetas do grupo Noigandres (Augusto de Campos, Haroldo de Campos e Décio Pignatari) 
entram em contato com o poeta suíço-boliviano Eugen Gomringer e, por ele influenciados, sugerem o nome 
“poesia concreta” e idealizam a organização de um movimento internacional da nova poesia. O sucesso inusitado 
do movimento em âmbito nacional e internacional deveu-se sobretudo ao contato entre o grupo Noigandres e 
Ferreira Gullar, que resultou, em dezembro de 1955, na Exposição Nacional de Arte Concreta, realizada no Museu 
de Arte Moderna de São Paulo. 
 
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 No poema de 1954, Ferreira Gullar espalha as letras como formigas pela página. O poema vai se 
enchendo cada vez mais de letras, em frases cada vez maiores, até se tornar um formigueiro. Também merece 
destaque o poema sem título de Ronaldo Azeredo, de 1957, que faz com que a palavra “velocidade” vá surgindo 
linha a linha, como se estivesse correndo. 
 
 
 
 Em “Luxo” (1965), de Augusto de Campos, poema clássico dos momentos finais do concretismo, em que 
os poetas se abrem para as formas visuais, há o jogo entre os opostos que formam um uno: 
 
No Brasil, o declínio do Concretismo deveu-se principalmente ao delicado quadro sociocultural do país 
no início da década de 1960, quando a radicalização das posições políticas exigia de todos a demonstração de 
suas convicções ideológicas. Em 1959, Ferreira Gullar rompe com o grupo paulista para se dedicar ao 
“Neoconcretismo”, resposta ao excesso concretistas paulistano, que se distanciava do internacionalismo da 
geometria construtivista da arte concreta para alcançar a especificidade da cultura brasileira. O poeta reintegrou 
o aspecto participativo (e subjetivo) do leitor no processo de criação matemático do concretismo. O poema 
“neoconcreto” existe apenas a partir do momento em que o leitor passa a lê-lo, tocá-lo e, se possível, modificá-lo. 
Aproxima-se da arte conceitual no sentido de que o objeto artístico é menos importante do que transmitir um 
conceito por meio de um conato maior com o observador. 
 A partir da década de 1970, muitos poemas deixam de trabalhar com palavras, e os poemas de clara 
influência concretista passam a se caracterizar por imagens, carregadas ou não de significado. Poesia visual, 
poesia-embalagem, poesia-colagem, poema-processo e poema-montagem são algumas das dissidências 
contemporâneas do Concretismo. A tecnologia também tem grande influência na literatura e nas artes plásticas. 
Exercícios 
1. (FUVEST) 
Ele se aproximou e com voz cantante de nordestino que a emocionou, perguntou-lhe: 
— E se me desculpe, senhorinha, posso convidar a passear? 
— Sim, respondeu atabalhoadamente com pressa antes que ele mudasse de ideia. 
 
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— E, se me permite, qual é mesmo a sua graça? 
— Macabea. 
— Maca — o quê? 
— Bea, foi ela obrigada a completar. 
— Me desculpe mas até parece doença, doença de pele. 
Eu também acho esquisito mas minha mãe botou ele por promessa a Nossa Senhora da Boa Morte se eu 
vingasse, até um ano de idade eu não era chamada porque não tinha nome, eu preferia continuar a nunca ser 
chamada em vez de ter um nome que ninguém tem mas parece que deu certo — parou um instante retomando 
o fôlego perdido e acrescentou desanimada e com pudor — pois como o senhor vê eu vinguei... pois é... 
— Também no sertão da Paraíba promessa é questão de grande dívida de honra. 
Eles não sabiam como se passeia. Andaram sob a chuva grossa e pararam diante da vitrine de uma loja de 
ferragem onde estavam expostos atrás do vidro canos, latas, parafusos grandes e pregos. E Macabea, com 
medo de que o silêncio já significasse uma ruptura, disse ao recém-namorado: 
— Eu gosto tanto de parafuso e prego, e o senhor? 
Da segunda vez em que se encontraram caía uma chuva fininha que ensopava os ossos. Sem nem ao menos 
se darem as mãos caminhavam na chuva que na cara de Macabea parecia lágrimas escorrendo. 
Clarice Lispector. A hora da estrela. 
Nesse excerto, as falas de Olímpico e Macabea: 
a) aproximam-se do cômico, mas, no âmbito do livro, evidenciam a oposição cultural entre a mulher nordestina e 
o homem do sul do país. 
b) demonstram a incapacidade de expressão verbal das personagem, reflexo da privação econômica de que são 
vitimas. 
c) beiram às vezes o absurdo, mas, no contexto da obra, adquirem um sentido de humor e sátira social. 
d) registram, com sentimentalismo, o eterno conflito que opõe os princípios antagônicos do Bem e do Mal. 
e) suprimem, por seu caráter ridículo, a percepção do desamparo social e existencial das personagens. 
 
2. (FUVEST) 
Devo registrar aqui uma alegria: é que a moça num aflitivo domingo sem farofa teve uma inesperada felicidade 
que era inexplicável: no cais do porto viu um arco-íris. Experimentando o leve êxtase, ambicionou logo outro: 
queria ver, como uma vez em Maceió, espocarem mudos fogos de artifício. Ela quis mais porque é mesmo uma 
verdade que quando se dá a mão, essa gentinha quer todo o resto, o zé-povinho sonha com fome de tudo. E quer 
mas sem direito algum, pois não é? 
Clarice Lispector. A hora da estrela. 
Considerando-se no contexto da obra o trecho destacado, é correto afirmar que, nele, o narrador: 
a) assume momentaneamente as convicções elitistas que, no entanto, procura ocultar no restante da narrativa. 
b) reproduz, em estilo indireto livre, os pensamentos da própria Macabea diante dos fogos de artifício. 
c) hesita quanto ao modo correto de interpretar a reação de Macabea frente ao espetáculo. 
d) adota uma atitude panfletária, criticando diretamente as injustiças sociais e cobrando sua superação. 
e) retoma uma frase feita, que expressa preconceito antipopular, desenvolvendo-a na direção da ironia. 
3. (UFV) Leia o trecho abaixo: 
Bem, é verdade que também eu não tenho piedade do meu personagem principal, a nordestina: é um relato que 
desejo frio. [...] Não se trata apenas da narrativa, é antes de tudo vida primária que respira, respira, respira. [...] 
Como a nordestina, há milhares de moças espalhadas por cortiços, vagas de cama num quarto, atrás de balcões 
trabalhando até a estafa. Não notam sequer que são facilmente substituíveis e que tanto existiriam como não 
existiriam.Clarice Lispector 
 
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Em uma das alternativas abaixo, há um aspecto do livro de Clarice Lispector, A hora da estrela, presente no 
fragmento acima, que o aproxima do chamado "romance de 30", realizado por escritores como Graciliano 
Ramos e Rachel de Queiroz: 
a) A preocupação excessiva com o próprio ato de narrar. 
b) O intimismo da narrativa, que ignora os problemas sociais de seus personagens. 
c) A construção de personagens que têm sua condição humana degradada por culpa do meio e da opressão. 
d) A necessidade de provar que as ações humanas resultam do meio, da raça e do momento. 
e) A busca de traços peculiares da região Nordeste. 
 
4. (ITA) O livro de contos Laços de família, de Clarice Lispector, reúne textos que, em geral, apresentam: 
a) Dramas femininos relacionados ao adultério. 
b) Personagens femininas envolvidas com reflexões pessoais desencadeadas por um fato inusitado. 
c) Dramas femininos ligados exclusivamente ao problema da solidão. 
d) Personagens femininas lutando por causas sociais. 
e) Personagens femininas preocupadas com o amor à família. 
 
5. (UFV) Leia atentamente o poema abaixo, de João Cabral de Melo Neto: 
 
A educação pela pedra 
 
Uma educação pela pedra: por lições; 
para aprender da pedra, frequentá-la; 
captar sua voz inenfática, impessoal 
(pela de dicção ela começa as aulas). 
A lição de moral, sua resistência fria 
ao que flui e a fluir, a ser maleada; 
a de poética, sua carnadura concreta; 
a de economia, seu adensar-se compacta: 
lições de pedra (de fora para dentro, 
cartilha muda), para quem soletrá-la. 
 
Outra educação pela pedra: no Sertão 
(de dentro para fora, e pré-didática). 
No Sertão a pedra não sabe lecionar, 
e se lecionasse não ensinaria nada; 
lá não se aprende a pedra: lá a pedra, 
uma pedra de nascença, entranha a alma. 
João Cabral de Melo Neto. A educação pela pedra. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1996, p. 21. 
Assinale a alternativa que não traduz uma leitura possível do poema acima: 
a) O poeta apreende da pedra a própria vivência na vida agreste do Sertão: de austeridade, resistência 
silenciosa e sempre capaz de dar lições de vida e de poesia. 
b) Os versos metalinguísticos revelam a própria poética cabralina: concreta, impessoal, concisa, embora 
profundamente social. 
c) Ao partir do pressuposto de que a pedra é muda, e, portanto, não ensina nada, o poeta suscita uma 
reflexão sobre a situação educacional precária no Nordeste. 
 
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d) O eu lírico também apreende da pedra os próprios versos enxutos, num esforço de dissecação de 
quaisquer sentimentalismos. 
e) No poema, de intensa economia verbal, a pedra faz-se metáfora da paisagem do Sertão, que “entranha 
a alma”, e espelha o fazer poético do autor pernambucano. 
 
6. (FUVEST) 
Só os roçados da morte 
compensam aqui cultivar, 
e cultivá-los é fácil: 
simples questão de plantar; 
não se precisa de limpa, 
de adubar nem de regar; 
as estiagens e as pragas 
fazem-nos mais prosperar; 
e dão lucro imediato; 
nem é preciso esperar 
pela colheita: recebe-se 
na hora mesma de semear. 
João Cabral de Melo Neto. Morte e vida severina. 
 
Nos versos acima, a personagem da “rezadora” fala das vantagens de sua profissão e de outras semelhantes. A 
sequência de imagens neles presente tem como pressuposto imediato a ideia de: 
a) sepultamento dos mortos 
b) dificuldade de plantio na seca 
c) escassez de mão de obra no sertão 
d) necessidade de melhores contratos de trabalho 
e) técnicas agrícolas adequadas ao sertão 
 
7. (FUVEST) 
 
Decerto a gente daqui 
jamais envelhece aos trinta 
nem sabe da morte em vida, 
vida em morte, severina; 
João Cabral de Melo Neto. Morte e vida severina. 
Nesse excerto, a personagem do “retirante” exprime uma concepção da “morte e vida severina”, ideia central 
da obra, que aparece em seu próprio título. Tal como foi expressa no excerto, essa concepção só não encontra 
correspondência em: 
a) “morre gente que nem vivia” 
b) “meu próprio enterro eu seguia” 
c) “o enterro espera na porta: 
o morto ainda está com vida” 
d) “vêm é seguindo seu próprio enterro” 
e) “essa foi morte morrida / ou foi matada?” 
 
 
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8. (FUVEST) É correto afirmar que, em Morte e vida severina: 
a) A alternância das falas de ricos e de pobres, em contraste, imprime à dinâmica geral do poema o ritmo da luta 
de classes. 
b) A visão do mar aberto, quando Severino finalmente chega ao Recife, representa para o retirante a primeira 
afirmação da vida contra a morte. 
c) O caráter de afirmação da vida, apesar de toda a miséria, comprova-se pela ausência da ideia de suicídio. 
d) As falas finais do retirante, após o nascimento de seu filho, configuram o “momento afirmativo”, por excelência, 
do poema. 
e) A viagem do retirante, que atravessa ambientes menos e mais hostis, mostra-lhe que a miséria é a mesma, 
apesar dessas variações do meio físico. 
 
9. (PUC-Camp) A leitura integral de Morte e vida severina, de João Cabral de Melo Neto, permite a correta 
compreensão do título desse “auto de natal pernambucano”: 
a) Tal como nos Evangelhos, o nascimento do filho de Seu José anuncia um novo tempo, no qual a 
experiência do sacrifício representa a graça da vida eterna para tantos “severinos”. 
b) Invertendo a ordem dos dois fatos capitais da vida humana, mostra-nos o poeta que, na condição 
“severina”, a morte é a única e verdadeira libertação. 
c) O poeta dramatiza a trajetória de Severino, usando seu nome como adjetivo para qualificar a sublimação 
religiosa que consola os migrantes nordestinos. 
d) Severino, em sua migração, penitencia-se de suas faltas e encontra o sentido da vida na confissão final 
que faz a Seu José, mestre capina. 
e) O poema narra as muitas experiências da morte testemunhadas pelo migrantes, mas culmina com a cena 
de um nascimento, signo resistente da vida nas mais ingratas condições. 
10. (UEL) Em Morte e vida severina, de João Cabral de Melo Neto, a palavra “severino(a)” apresenta-se como 
substantivo próprio, substantivo comum e adjetivo. Tal fato ocorre porque, nessa obra, a palavra “severino(a)”: 
a) Designa aquele que fala, além de outras personagens que, em virtude das dificuldades impostas pela vida, 
caracterizam-se por assumir a disciplina como norma de conduta. O termo qualifica a existência como permanente 
cuidado de não se expor a repreensões e censuras. 
b) Designa a individualidade austera do protagonista e a individualidade flexível de outros homens e mulheres 
escorraçados do sertão pela seca. O termo qualifica a existência como busca constante de superação das 
dificuldades. 
c) Designa o protagonista como ser inflexível, bem como outros retirantes que também se caracterizam pela rigidez 
diante da vida. O termo qualifica a existência como possibilidade de impor condições com rigor. 
d) Designa aquele que fala, além de outros homens e mulheres que se caracterizam pelo rigor consigo mesmos 
e com os outros. O termo qualifica a existência humana como marcada pela austeridade nas opiniões. 
e) Designa aquele que fala, o protagonista do auto, bem como os retirantes que, como ele, foram escorraçados 
do sertão pela seca e da terra pelo latifúndio. O termo qualifica a existência como realidade dura, áspera. 
 
11. (UNIFESP) Leia os textos e analise as afirmações. 
 
Texto 1 
 
 
 
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Texto 2 
 
ra terra ter 
rat erra ter 
rate rra ter 
rater ra ter 
raterra ter 
raterra terr 
araterra ter 
raraterra te 
rraraterra t 
erraraterra 
terraraterra 
 
Décio Pignatari 
I. A graça do texto 1 decorre da ambiguidade que assume o termo concreta na situação 
apresentada. 
 
II. O texto 2 é exemplo de poesia concreta, relacionada ao experimentalismo poético, no qual o 
poema rompe com o verso tradicional e transforma-se em objeto visual. 
 
III. Para a interpretação do texto 2, pode-se prescindir dos signos verbais. 
 
Está correto o que se afirma em: 
a) I, apenas. 
b) III, apenas. 
c) I e II, apenas. 
d) I e III, apenas. 
e) I, II e III. 
12. (UFSCar) 
[...] Como não ter Deus?! Com Deus existindo, tudo dá esperança: sempre um milagre é possível, o mundo se 
resolve. Mas, se não tem Deus, há-de a gente perdidos no vai-vem, e a vida é burra. É o aberto perigo das grandes 
e pequenas horas, não se podendo facilitar, é todos contra os acasos. Tendo Deus, é menos grave se descuidar 
um pouquinho, pois no fim dá certo. Mas, se não tem Deus, então, a gente não tem licença de coisa nenhuma! 
Porque existe dor. E a vida do homem está presa encantoada – erra rumo, dá em aleijões como esses, dos 
meninos sem pernas e braços. 
Guimarães Rosa. Grande sertão: veredas. 
Uma das principais características da obra de Guimarães Rosa é sua linguagem artificiosamente inventada, 
barroca até certo ponto, mas instrumento adequado para sua narração, na qual o sertão acaba universalizado. 
a) Transcreva um trecho do texto apresentado onde esse tipo de “invenção” ocorre. 
b) Transcreva um trecho em que a sintaxe utilizada por Rosa configura uma variação linguística que 
contraria o registro prescrito pela língua padrão. 
(UNIFESP) Leia o texto a seguir e responda às próximas três questões. 
Explico ao senhor: o diabo vige dentro do homem, os crespos do homem — ou é o homem arruinado, ou 
o homem dos avessos. Solto, por si, cidadão, é que não tem diabo nenhum. Nenhum! — é o que digo. O 
senhor aprova? Me declare tudo, franco — é alta mercê que me faz: e pedir posso, encarecido. Este caso — 
por estúrdio que me vejam — é de minha certa importância. Tomara não fosse... Mas, não diga que o senhor, 
assisado e instruído, que acredita na pessoa dele?! Não? Lhe agradeço! Sua alta opinião compõe minha valia. 
Já sabia, esperava por ela — já o campo! Ah, a gente, na velhice, carece de ter uma aragem de descanso. 
Lhe agradeço. Tem diabo nenhum. Nem espírito. Nunca vi. Alguém devia de ver, então era eu mesmo, este 
vosso servidor. Fosse lhe contar... Bem, o diabo regula seu estado preto, nas criaturas, nas mulheres, nos 
homens. Até: nas crianças — eu digo. Pois não é o ditado: “menino — trem do diabo”? E nos usos, nas 
plantas, nas águas, na terra, no vento... Estrumes... O diabo na rua, no meio do redemunho... 
Guimarães Rosa. Grande Sertão: Veredas. 
 
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13. A fala expressa no texto é de Riobaldo. De acordo com o narrador, o diabo: 
 
a) vive preferencialmente nas crianças, livre e fazendo suas traquinagens. 
 
b) é capaz de entrar no corpo humano e tomar posse dele, vivendo aí e perturbando a vida do homem. 
 
c) só existe na mente das pessoas que nele acreditam, perturbando-as mesmo sem existir concretamente. 
 
d) não existe como entidade autônoma, antes reflete os piores estados emocionais do ser humano. 
 
e) é uma condição humana e não está relacionado com as coisas da natureza. 
 
14. A personagem Riobaldo dialoga com alguém que chama de senhor. Embora a fala dessa personagem 
não apareça, é possível recuperar, pela fala do narrador, os momentos em que seu interlocutor se manifesta 
verbalmente. Isso pode ser comprovado pelo trecho: 
a) O senhor aprova? 
 
b) Nenhum! — é o que digo. 
 
c) Não? Lhe agradeço! 
 
d) Tem diabo nenhum. 
 
e) Até: nas crianças — eu digo. 
 
15. O texto de Guimarães Rosa mostra uma forma peculiar de escrita, denunciada pelos recursos linguísticos 
empregados pelo escritor. Dentre as características do texto, está: 
a) o emprego da linguagem culta, na voz do narrador, e o da linguagem regional, na voz da personagem. 
 
b) a recriação da fala regional no vocabulário, na sintaxe e na melodia da frase. 
 
c) o emprego da linguagem regional predominantemente no campo do vocabulário. 
 
d) a apresentação da língua do sertão fiel à fala do sertanejo. 
 
e) o uso da linguagem culta, sem regionalismos, mas com novas construções sintáticas e rítmicas. 
 
16. (IBMEC) Utilize o texto a seguir para responder ao teste. 
 
Amor e morte 
 
Eu dizendo que a Mulher ia lavar o corpo dele. Ela rezava rezas da Bahia. Mandou todo o mundo sair. 
 
Eu fiquei. E a Mulher abanou brandamente a cabeça, consoante deu um suspiro simples. Ela me mal-entendia. 
 
Não me mostrou de propósito o corpo. E disse… 
 
Diadorim — nu de tudo. E ela disse: 
 
— ‘A Deus dada. Pobrezinha…’ 
 
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E disse. Eu conheci! Como em todo o tempo antes eu não contei ao senhor — e mercê peço: — mas para o 
senhor divulgar comigo, a par, justo o travo de tanto segredo, sabendo somente no átimo em que eu também 
só soube… Que Diadorim era o corpo de uma mulher, moça perfeita… estarreci. A dor não pode mais do que 
a surpresa. A coice d’arma, de coronha… 
 
Ela era. Tal que assim se desencantava, num encanto tão terrível; e levantei mão para me benzer — mas 
com ela tapei foi um soluçar, e enxuguei as lágrimas maiores. Uivei. Diadorim! Diadorim era uma mulher. 
Diadorim era mulher como o sol não acende a água do rio Urucúia, como eu solucei meu desespero. 
 
O senhor não repare. Demore, que eu conto. A vida da gente nunca tem termo real. Eu estendi as mãos para 
tocar naquele corpo, e estremeci, retirando as mãos para trás, incendiável; abaixei meus olhos. E a Mulher 
estendeu a toalha, recobrindo as partes. Mas aqueles olhos eu beijei, e as faces, a boca. 
 
Adivinhava os cabelos. Cabelos que cortou com tesoura de prata… Cabelos que, no só ser, haviam de dar 
para abaixo da cintura… E eu não sabia por que nome chamar; eu exclamei me doendo: 
 
— ‘Meu amor!…’ 
 
Foi assim. Eu tinha me debruçado na janela, para poder não presenciar o mundo. A Mulher lavou o corpo, 
que revestiu com a melhor peça de roupa que ela tirou da trouxa dela mesma. No peito, entre as mãos postas, 
ainda depositou o cordão com o escapulário que tinha sido meu, e um rosário, de coquinhos de ouricuri e 
contas de lágrimas-de-nossa-senhora. Só faltou — ah! — a pedra-de-ametista, tanto trazida… 
 
O Quipes veio, com as velas, que acendemos em quadral. Essas coisas se passavam perto de mim. Como 
tinham ido abrir a cova, cristãmente. Pelo repugnar e revoltar, primeiro eu quis: — ‘Enterrem separado dos 
outros, num aliso de vereda, adonde ninguém ache, nunca se saiba…’ Tal que disse, doidava. Recaí no 
marcar do sofrer. Em real me vi, que com a Mulher junto abraçado, nós dois chorávamos extenso. E todos 
meus jagunços decididos choravam… Daí, fomos, e em sepultura deixamos, no cemitério do Paredão 
enterrada, em campo do sertão. 
 
Ela tinha amor em mim. 
 
E aquela era a hora do mais tarde. O céu vem abaixando. Narrei ao senhor. No que narrei, o senhor talvez 
até ache mais do que eu, a minha verdade. Fim que foi. 
João Guimarães Rosa. Grande Sertão: veredas. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986, p. 530-531. 
 
O texto nos apresenta um suposto interlocutor que nunca toma a palavra. A conversa de Riobaldo com o tal 
interlocutor revela que: 
 
a) De fato o narrador fez um pacto com o diabo e o “diálogo vazio” era consequência desse ato. 
b) Para Riobaldo, servia como reflexão em voz alta sobre os mistérios da condição humana. 
c) A carência do jagunço era tamanha que, em vários momentos, ele desanda a falar como se fosse uma 
ameaça à própria existência. 
d) É um recursoestilístico muitíssimo utilizado, servindo para o autor como desabafo perante tanta dor e tanta 
miséria. 
e) É recurso característico dos textos dissertativos, já que o que se busca é o fundamento para a 
argumentação. 
 
17. (UNIFESP-SP) 
[...] Como não ter Deus?! Com Deus existindo, tudo dá esperança: sempre um milagre é possível, o mundo 
se resolve. Mas, se não tem Deus, há-de a gente perdidos no vai-vem, e a vida é burra. É o aberto perigo das 
grandes e pequenas horas, não se podendo facilitar – é todos contra os acasos. Tendo Deus, é menos grave 
se descuidar um pouquinho, pois, no fim dá certo. Mas, se não tem Deus, então, a gente não tem licença de 
coisa nenhuma! Porque existe dor. E a vida do homem está presa encantoada – erra rumo, dá em aleijões 
como esses, dos meninos sem pernas e braços. 
Guimarães Rosa. Grande Sertão: Veredas. 
 
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O texto de Guimarães Rosa mostra uma forma peculiar de escrita, denunciada pelos recursos linguísticos 
empregados pelo escritor. Dentre as características do texto, está: 
a) o emprego da linguagem culta, na voz do narrador, e o da linguagem regional, na voz da personagem; 
b) a recriação da fala regional no vocabulário, na sintaxe e na melodia da frase; 
c) o emprego da linguagem regional predominantemente no campo do vocabulário; 
d) a apresentação da língua do sertão fiel à fala do sertanejo; 
e) o uso da linguagem culta, sem regionalismos, mas com novas construções sintáticas e rítmicas. 
 
 
18. (UFRN) O fragmento textual que segue, retirado da narrativa “A terceira margem do rio”, de João 
Guimarães Rosa, servirá de base para esta questão. 
 
Sou homem de tristes palavras. De que era que eu tinha tanta, tanta culpa? Se o meu pai, sempre fazendo 
ausência: e o rio-rio-rio — o rio — pondo perpétuo. Eu sofria já o começo da velhice — esta vida era só o 
demoramento. Eu mesmo tinha achaques, ânsias, cá de baixo, cansaços, perrenguice de reumatismo. E ele? 
Por quê? Devia de padecer demais. De tão idoso, não ia, mais dia menos dia, fraquejar o vigor, deixar que a 
canoa emborcasse, ou que bubuiasse sem pulso, na levada do rio, para se despenhar horas abaixo, em 
tororoma e no tombo da cachoeira, brava, com o fervimento e morte. Apertava o coração. Ele estava lá, sem 
a minha tranqüilidade. Sou o culpado do que nem sei, de dor em aberto, no meu foro. Soubesse — se as 
coisas fossem outras. E fui tomando ideia. 
João Guimarães Rosa. Primeiras estórias. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1976. 
 
No quadro do Modernismo literário no Brasil, a obra de Guimarães Rosa destaca-se pela inventividade da 
criação estética. Considerando-se o fragmento em análise, essa inventividade da narrativa roseana pode ser 
constatada através do(a): 
a) recriação do mundo sertanejo pela linguagem, a partir da apropriação de recursos da oralidade. 
b) aproveitamento de elementos pitorescos da cultura regional que tematizam a visão de mundo simplista do 
homem sertanejo. 
c) resgate de histórias que procedem do universo popular, contadas de modo original, opondo realidade e 
fantasia. 
d) sondagem da natureza universal da existência humana, através de referência a aspectos da religiosidade 
popular. 
e) Todas as afirmativas são corretas. 
 
19. (UPF) Nos contos de Sagarana, Guimarães Rosa resgata principalmente o imaginário e a cultura: 
a) da elite nacional. 
b) dos proletários urbanos. 
c) dos povos indígenas. 
d) dos malandros de subúrbio. 
e) da gente rústica do interior. 
 
20. (UFRGS-RS) Leia o fragmento abaixo, extraído de Vidas Secas, de Graciliano Ramos. 
Olhou a caatinga amarela, que o poente avermelhava. Se a seca chegasse, não 
ficaria planta verde. Arrepiou-se. Chegaria, naturalmente. Sempre tinha sido assim, 
desde que ele se entendera. E antes de se entender, antes de nascer, sucedera o 
mesmo - anos bons misturados com anos ruins. A desgraça estava em caminho, 
talvez andasse perto. Nem valia a pena trabalhar. Ele marchando para casa, 
trepando a ladeira, espalhando seixos com as alpercatas - ela se avizinhando a 
 
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galope, com vontade de matá-lo. Virou o rosto para fugir à curiosidade dos filhos, 
benzeu-se. Não queria morrer. Ainda tencionava correr o mundo, ver terras, 
conhecer gente importante como seu Tomás da bolandeira. Era uma sorte ruim, mas 
Fabiano desejava brigar com ela, sentir-se com força para brigar com ela e vencê-la. 
Não queria morrer. Estava escondido no mato como tatu. Duro, lerdo como tatu. Mas 
um dia sairia da toca, andaria com a cabeça levantada, seria homem. 
 
- Um homem, Fabiano. Coçou o queixo cabeludo, parou, reacendeu o cigarro. Não, 
provavelmente não seria um homem: seria aquilo mesmo a vida inteira, cabra, 
governado pelos brancos, quase uma rês na fazenda alheia. 
 
Considere as seguintes afirmações sobre o fragmento acima. 
I - Interessa ao narrador registrar, além da tragédia natural provocada pela seca, a opressão social que recai 
sobre Fabiano. 
II - Para não demonstrar seus sentimentos diante da proximidade da desgraça, Fabiano evita o olhar dos filhos. 
III - Fabiano tenta compreender o mundo, mas, respondendo ao conflito interno, rebela-se contra o seu destino. 
 
Quais estão corretas? 
a) Apenas I. 
b) Apenas I e II. 
c) Apenas I e III. 
d) Apenas II e III. 
e) I, II e III. 
 
21. (UEL-PR) No chamado “romance de 30”, a ficção regionalista de José Lins do Rego deu grande 
relevância: 
a) ao ciclo econômico da cana-de-açúcar e às relações entre coronéis e jagunços. 
b) ao ciclo econômico do café e à decadência dos fazendeiros do centro-oeste. 
c) ao ciclo econômico da cana-de-açúcar e à decadência dos fazendeiros sulistas. 
d) às revoluções sulistas e ao desenvolvimento das metrópoles. 
e) aos movimentos religiosos e ao ciclo econômico do ouro. 
22. (FAFIC) O romance Capitães da Areia, de Jorge Amado, é um documento sobre a vida dos meninos de rua 
de Salvador. A sua primeira edição (1937) foi apreendida e queimada em praça pública pouco depois de 
implantada a ditadura de Getúlio Vargas. No trecho a seguir, o narrador nos conta como Pedro Bala, aos 
quinze anos, assumiu a liderança de um grupo que dormia num velho armazém abandonado do cais do porto. 
É aqui também que mora o chefe dos Capitães da Areia: Pedro Bala. Desde cedo foi chamado 
assim, desde seus cinco anos. Hoje tem quinze anos. Há dez que vagabundeia nas ruas da 
Bahia. Nunca soube de sua mãe, seu pai morrera de um balaço. Ele ficou sozinho e empregou 
anos em conhecer a cidade. Hoje sabe de todas as suas ruas e de todos os seus becos. Não 
há venda, quitanda, botequim que ele não conheça. Quando se incorporou aos Capitães da 
Areia (o cais recém-construído atraiu para suas areias todas as crianças abandonadas da 
cidade) o chefe era Raimundo, o Caboclo, mulato avermelhado e forte. 
Não durou muito na chefia o caboclo Raimundo. Pedro Bala era muito mais ativo, sabia planejar 
os trabalhos, sabia tratar com os outros, trazia nos olhos e na voz a autoridade de chefe. Um 
dia brigaram. A desgraça de Raimundo foi puxar uma navalha e cortar o rosto de Pedro, um 
talho que ficou para o resto da vida. Os outros se meteram e como Pedro estava desarmado 
deram razão a ele e ficaram esperando a revanche, que não tardou. Uma noite, quando 
Raimundo quis surrar Barandão, Pedro tomou as dores do negrinho e rolaram na luta mais 
sensacional a que as areias do cais jamais assistiram. Raimundo era mais alto e mais velho. 
Porém Pedro Bala, o cabelo loiro voando, a cicatriz vermelha no rosto, era de uma agilidade 
espantosa e desde esse dia Raimundo deixou não só a chefia dos Capitães da areia, como o 
próprio areal. Engajou tempos depois num navio. 
Todos reconheceram os direitos de Pedro Bala à chefia, e foi dessa épocaque a cidade 
começou a ouvir falar nos Capitães da areia, crianças abandonadas que viviam do furto. 
 
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Jorge Amado, Capitães da Areia, 50a ed. 
Rio de Janeiro: Record, 1980, P. 26/7. 
Pela leitura do texto, pode-se concluir que o romance pretende denunciar que tipo de problema? 
a) um problema econômico. (desvalorização do dinheiro); 
b) um problema de identidade (sem pai e sem mãe); 
c) um problema de social (vagabundo, preguiçoso); 
d) um problema educacional (falta de instrução); 
e) um problema social (a questão do menor abandonado). 
 
23. (UEL-PR) Romances como Cacau, de Jorge Amado, Fogo Morto, de José Lins do Rego e A bagaceira, de 
José Américo de Almeida, são obras representativas da “geração de 30”, nas quais se exprime a seguinte 
tendência da época: 
I. Valorização de um retorno à natureza, recuperando-se a imagem paradisíaca das terras vastas e 
inexploradas. 
II. Valorização das realidades regionais, caracterizadas nas atividades econômicas características e 
nas particularidades sócio-culturais. 
III. Rejeição da forma tradicional do romance, a partir do emprego de linguagem experimental e do 
abandono do enredo bem estruturado. 
 
Está correto o que se afirma somente em: 
 
a) I. 
b) II. 
c) I e II. 
d) I e III. 
e) II e III. 
 
24. (ESPM-SP) 
A figura de Vitorino era toda de indignação, de um desespero terrível. 
— Cambada de cachorros. Eu sou Vitorino Carneiro da Cunha, homem branco, de respeito. 
Falava só, gesticulava como se mantivesse um diálogo com um inimigo. Sacudia a tabica com uma 
fúria de louco. 
— E o diabo desta besta que não anda! 
E castigava a égua com impiedade. Pela estrada silenciosa o pisar mole da montaria espantava as 
lagartixas. O capitão Vitorino Carneiro da Cunha atravessava as terras do coronel Lula de Holanda, do Santa Fé. 
Ali era a grande aroeira que dava mal-assombrado. Ele não acreditava. Ele não tinha medo de coisa viva, de 
coisa morta. 
Fogo Morto , José Lins do Rego 
Em Fogo Morto, destaca-se a figura do capitão Vitorino, tido pela crítica literária como uma personagem 
quixotesca, já que, à semelhança de D. Quixote, de Cervantes, é uma figura que possui um idealismo solitário 
convertido em ações intempestivas que beiram a loucura. Guardadas as devidas diferenças, pode-se estabelecer 
um paralelo entre Capitão Vitorino e uma outra personagem considerada “herói quixotesco”, que é: 
a. Leonardinho, por encarnar um amoralismo relacionado com a necessidade de sobrevivência, fome e toda 
sorte de sujeições que oprimem as camadas populares. 
b. Jeca Tatu, por ser a imagem do caipira, apático e preguiçoso, que passa a vida vegetando segundo a lei 
do menor esforço. 
 
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c. Macunaíma, o herói sem nenhum caráter, por representar o inconsciente coletivo brasileiro. 
d. Policarpo Quaresma, por simbolizar o ridículo e o patético de um nacionalismo fanatizante e anacrônico, 
desejando dentre outras o tupi como língua oficial do Brasil. 
e. Fabiano, por ser um vaqueiro bruto e ignorante, que se expressava através de onomatopeias. 
25. (UFViçosa-MG) 
São Francisco 
Lá vai São Francisco 
Pelo caminho 
De pé descalço 
Tão pobrezinho 
Dormindo à noite 
Junto ao moinho 
Bebendo a água 
Do ribeirinho 
 
Lá vai São Francisco 
De pé no chão 
Levando nada 
No seu surrão 
Dizendo ao vento 
Bom dia, amigo 
Dizendo ao fogo 
Saúde, irmão 
 
Lá vai São Francisco 
Pelo caminho 
Levando ao colo 
Jesus Cristinho 
Fazendo festa 
No menininho 
Contando histórias 
Pros passarinhos 
Vinicius de Moraes 
 
Com relação ao poema, assinale a alternativa correta. 
 
a) É um texto do Modernismo, pela estrutura uniformemente simplificada em redondilha menor. 
b) É um texto do Modernismo, pela presença do sentimento religioso, tão caro aos vanguardistas de 22. 
c) É um texto do Modernismo, pelo uso coloquial de um discurso solene, na tentativa de construção de uma 
linguagem popular. 
d) É um texto do Modernismo, pela linguagem feita de diminutivos, que possibilitam maior aproximação entre o 
homem e Deus. 
e) É um texto do Modernismo, porque incorpora em seu conteúdo os chamados quatro elementos primordiais: 
terra, fogo, ar e água. 
 
26. (ITA) O poema abaixo, de autoria de Cecília Meireles, faz parte do livro Viagem, de 1939. 
Epigrama 11 
A ventania misteriosa 
passou na árvore cor-de-rosa, 
e sacudiu-a como um véu, 
um largo véu, na sua mão. 
Foram-se os pássaros para o céu. 
Mas as flores ficaram no chão. 
Cecília Meireles. Viagem/Vaga música. Rio de janeiro: Nova Fronteira, 1982. 
Esse poema: 
I. Mostra uma certa herança romântica, tanto pelo teor sentimental do texto como pela referência à natureza. 
 
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II. Mostra uma certa herança simbolista, pois não é um poema centrado no eu, nem apresenta excesso 
emocional. 
III. Expõe de forma metafórica uma reflexão sobre algumas experiências difíceis da vida humana. 
IV. É um poema bastante melancólico, por registrar de forma triste o sofrimento decorrente da perda de um ente 
querido. 
Estão corretas as afirmações: 
a) I e III 
b) I, III e IV 
c) II e III 
d) II, III e IV 
e) II e IV 
27. (UFRGS) Considere o enunciado abaixo e as três propostas para completá-lo. 
No Romanceiro da Inconfidência, Cecília Meireles: 
I. Recria a paisagem física e humana da Vila Rica dos inconfidentes, dando voz a figuras centrais dos 
acontecimentos políticos da época. 
II. Recupera uma forma poética de origem medieval, proveniente da literatura oral ibérica, o que favorece a 
inserção de vozes populares. 
III. Retoma, em muitos romances, episódios da vida de Tomás Antônio Gonzaga, relatando sua prisão, seu exílio 
e seus amores. 
Quais propostas estão corretas? 
a) apenas I 
b) apenas II 
c) apenas I e III 
d) apenas II e III 
e) I, II e III 
 
28. (UFSCar) 
Reinvenção 
A vida só é possível 
reinventada. 
 
Anda o sol pelas campinas 
e passeia a mão dourada 
pelas águas, pelas folhas. . . 
 
Ah! Tudo bolhas 
que vêm de fundas piscinas 
de ilusionismo... – mais nada. 
 
Mas a vida, a vida, a vida, 
a vida só é possível 
reinventada. [...] 
Cecília Meireles 
 
 
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Podemos dizer que, nesse trecho de um poema de Cecília Meireles, encontramos traços de seu estilo: 
a) Sempre marcado pelo momento histórico. 
b) Ligado ao vanguardismo da geração de 22. 
c) Inspirado em temas genuinamente brasileiros. 
d) Vinculado à estética simbolista. 
e) De caráter épico, com inspiração camoniana. 
 
Gabarito 
1. C 2. E 3.C 4.B 5.C 6.A 7.E 8.E 
9. E 10.E 11.E 
12. 
a) “Tendo Deus, é menos grave se descuidar um pouquinho, pois no fim dá certo. Mas, se não tem Deus, 
então, a gente não tem licença de coisa nenhuma!” ou “Como não ter Deus?! Com Deus existindo, tudo 
dá esperança: sempre um milagre é possível, o mundo se resolve.” 
b) “Mas, se não tem Deus, há-de a gente perdidos no vai-vem, e a vida é burra.” 
13. D 14.C 15.B 16.B 17.B 18.A 19.E 20.B 
21.A 22.E 23.C 24.D 25.C 26.B 27.E 28.D

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