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Biblioteca Melanie Klein 15. O DESENVOLVIMENTO TEMPORÃO DA CONSCIÊNCIA NO MENINO (1933) Uma das mais importantes contribuições da investigação psicanalítica foi à descoberta dos processos mentais do que antecedem ao desenvolvimento da consciência do indivíduo. Em sua tarefa de sacar à superfície as tendências instintivas inconscientes, Freud reconheceu também a existência das forças que servem de defesa contra elas. Segundo seus achados, que a prática psicanalítica confirmou em cada caso, a consciência da pessoa é um precipitado ou representante de suas primeiras relações com os pais. Em certo modo, incorporou seus pais assim, pô-los em seu interior. E então eles se convertem numa parte diferenciada de sua eu -sua superego-, num agente que apresenta, contra o resto do eu, certas exigências, reproches, e que se opõe a seus impulsos instintivos. Freud demonstrou que o funcionamento desse superego não se limita à mente consciente, não é só o que se entende por consciência, senão que exerce também uma influência inconsciente e com freqüência sumamente opressiva, influência que constitui um importante fator, tanto nas doenças mentais como no desenvolvimento da personalidade normal. Esta nova descoberta fez que a investigação psicanalítica enfoque cada vez mais o estudo do superego e de suas origens. No curso de minhas análises de meninos pequenos, enquanto começava a adquirir conhecimento direto dos alicerces sobre os quais estava construída sua personalidade, topei-me com certos fatos que pareciam admitir uma ampliação, em determinadas direções, da teoria de Freud ao respeito. Não podia caber dúvida alguma de que um superego tinha estado em plena atividade, durante certo tempo, em meus pequenos pacientes de entre dois anos e nove meses, e quatro anos de idade, enquanto, segundo a concepção aceitada, o superego não começava a funcionar até que tinha desaparecido o complexo de Édipo, isto é, aproximadamente no quinto ano de vida. Mais ainda, meus dados demonstravam que este primeiro superego era incomensuravelmente mais rigoroso e cruel do que o do menino maior ou o do adulto, e que, literalmente, achatava o débil eu do menino pequeno. É verdade que no adulto encontramos em funções um superego mais severo do que foram em realidade os pais do sujeito, e que em modo algum é idêntico a estes1. Isto não obstante, se lhes aproxima mais ou menos. Mas no menino pequeno encontramos um superego de características altamente incríveis e fantásticas. E quanto menor é o menino, ou quanto mais profundo o plano mental em do que penetramos, tanto mais sucede isso. Chegamos a considerar que o temor do menino a ser devorado, ou cortado ou despedaçado, ou seu terror a ser rodeado e perseguido por figuras ameaçadoras, é um componente regular de sua vida mental; e sabemos que o lobo refeitório de homens, o dragão vomitador de fogo e todos os monstros malignos surgidos dos mitos e os contos de fadas florescem e exercem sua influência inconsciente na fantasia de cada menino, que se sente perseguido e ameaçado por essas formas adversas. Não me fica nenhuma dúvida, graças a minhas observações analíticas, de que as identidades que se ocultam por trás dessas figuras imaginárias, aterrorizadoras, são as dos pais do próprio menino, nem de que, de um ou outro modo, essas terríveis formas refletem características do pai e a mãe do menininho, por deformada e fantástica que possa parecer à semelhança. Se aceitarmos estes fatos das primeiras observações analíticas e admitimos que as coisas que o menino teme são esses monstros e animais selvagens que tem internalizado em si e que iguala a seus pais, vemo-nos arrastados às seguintes conclusões: 1) O superego do menino não coincide com o quadro apresentado por seus pais reais, senão que é criado com elementos imaginários deles, ou imagos, que incorporou assim. 2) Seu temor aos objetos reais -sua ansiedade fóbica- se baseia em seu temor a seu eu irrealista e aos objetos que são reais em si mesmos, mas que ele contempla sob uma luz fantástica devido à influência de sua superego. Isto nos traz ao problema que para mim é a central em toda a questão da formação do superego. Como se leva a cabo a criação, por parte do menino, de uma imagem tão fantástica de seus pais, uma imagem tão afastada da realidade A resposta se encontrará nos fatos descobertos nas análises infantis. Ao penetrar nas capas mais profundas da mente do menino e descobrir essas enormes quantidades de ansiedade -esses temores para objetos imaginários e esses terrores a ser atacado de todos os modos possíveis-, deixamos também ao nu uma quantidade correspondente de impulsos de agressão reprimidos , e podemos observar a relação causal que existe entre os temores do menino e suas tendências agressivas. 1 Em "Symposium on Chid Analysis" (1927) foram apresentadas opiniões similares, baseadas na análise de adultos e vistas desde ângulos um tanto diferentes, por Ernest Jones, Joan Riviere, Edward Glover e Nina Searl. A opinião de Nina Searl também foi confirmada por sua experiência em análises infantis. Em seu livro Além do princípio do prazer, Freud formulou uma teoria segundo a qual, ao começo da vida no organismo humano, o instinto de agressão ou instinto de morte, é oposto e conteúdo pela libido ou instinto de vida, o Eros. A seguir se produz uma fusão dos dois instintos, que dá nascimento ao sadismo. A fim de evitar ser destruído por seu próprio instinto de morte, o organismo emprega sua libido narcisista ou de autoconservação para expulsar àquele para afora e dirigi-lo contra seus objetos. Freud considera que este processo é fundamental para as relações sádicas da pessoa com seus objetos. E eu diria, mais ainda, que paralelamente a esse desvio para afora do instinto de morte, contra os objetos, produz-se uma reação intrapsíquica de defesa contra a parte do instinto que não pôde ser exteriorizada de tal modo. Porque o perigo de ser destruído por é e instinto de agressão provoca, crio, uma excessiva tensão no eu, que é sentida por este como uma ansiedade 2, de maneira que se vê, no começo mesmo de seu desenvolvimento, ante a tarefa de mobilizar a libido contra seu instinto de morte. No entanto, só pode levar a cabo em forma imperfeita essa missão, já que, devido à fusão dos dois instintos, não pode já, como o sabemos, efetuar uma separação entre os mesmos. Produz-se uma divisão no isso, ou nos planos instintivos da psique, à qual uma parte dos impulsos instintivos é dirigida contra a outra. Esta medida defensiva por parte do eu, aparentemente a primeira constituição, a pedra fundamental do desenvolvimento do superego, cuja excessiva violência nessa primeira etapa ficaria assim explicada pelo fato de que é um produto de intensíssimos instintos destrutivos e de que contém, juntamente com certa proporção de impulsos libidinais, quantidades sumamente grandes de impulsos agressivos3. Este ponto de vista faz que resulte menos difícil entender por que o menino forma imagens monstruosas e fantásticas de seus pais. Porque percebe que sua ansiedade surge de seus instintos agressivos, como temor fazia um objeto externo, porque fez de dito objeto sua meta, de tal modo que parecem iniciar-se contra ele mesmo desde esse terreno 4.Dessa maneira, desloca a fonte de sua ansiedade para afora e converte seus objetos em objetos perigosos; mas, em definitiva, esse perigo pertence a seus próprios instintos agressivos. Por esse motivo, seu temor para os objetos será sempre proporcionado ao grau de seus impulsos sádicos. No entanto, não se trata simplesmente de uma questão de converter uma quantidade dada de sadismo numa quantidade correspondente de ansiedade. A relação é também uma relação de conteúdo. O temor do menino para seu objeto e para os ataques imaginários que sofrerá deste se ajusta em todos os detalhes aos particulares impulsos agressivos e fantasias que experimenta com respeito a seu ambiente. Desse modo, cada meninocria imagos de seus pais que lhe são peculiares; ainda que em cada caso essas imagos serão de um caráter irreal e terrível. 2 Esta tensão, é verdade, é sentida assim mesmo como uma tensão libidinal, já que os instintos destrutivo e libidinal se fundem; mas seu efeito de causar ansiedade é refreável, em minha opinião, a seus componentes destrutivos. 3 Freud diz: "... que a severidade original do superego não representa -ou não representa em tão grande proporção- a severidade que foi experimentada ou antecipada do objeto, senão a agressividade do menino para dito objeto". O mal-estar na cultura. Ou.C., 21 4 Acidentalmente, o menino tem motivos reais para temer a sua mãe, já que cobra cada vez mais consciência de do que ela tem o poder de conceder-lhe ou negar-lhe a satisfação de suas necessidades. Segundo minhas observações, a formação do superego começa ao mesmo tempo em que o menino efetua a primeira introjeção oral de seus objetos5. Já que as primeiras imagos que de tal modo forma são dotadas de todos os atributos do intenso sadismo correspondente a este estágio de seu desenvolvimento, e já que será projetado uma vez mais sobre objetos do mundo exterior, o menininho é dominado pelo temor de sofrer ataques inimaginavelmente cruéis, tanto de seus objetos reais como de seu superego. Sua ansiedade serve para aumentar seus impulsos sádicos, a destruir ditos objetos hostis a fim de escapar a suas investidas. O circulo vicioso que de tal modo fica estabelecido e no que a ansiedade do menino lhe impulsiona a destruir seu objeto, produz um aumento de sua própria ansiedade, coisa que, a sua vez, lança-lhe contra seu objeto e constitui um mecanismo psicológico que, em minha opinião, encontra-se no fundo das tendências anti-sociais e criminosas do indivíduo. Assim, devemos supor que a responsável da conduta das pessoas anti-sociais e criminosas é a excessiva severidade e a terminante crueldade do superego, e não a debilidade ou a falta de dita severidade, como se crê habitualmente. Numa etapa um tanto posterior do desenvolvimento, o temor ao superego fará que o eu se aparte do objeto provocador da ansiedade. Este mecanismo de defesa pode criar uma defeituosa ou menoscabada relação do menino com os objetos. Como o sabemos, quando aparece a etapa genital, os instintos sádicos do menino foram normalmente superados, e suas relações com os objetos adquiriram um caráter positivo. Tal avanço em seu desenvolvimento acompanha a alterações produzidas na natureza de seu superego e interatua com elas. Porque quanto mais se minora o sadismo do menino, tanto mais se retira para o fundo a influência de seus irreais e terríveis imagos, já que estas são produto de suas próprias tendências agressivas. E à medida que seus impulsos genitais crescem em energia, surgem imagos benéficas e úteis, baseadas em suas fixações -na etapa oral de sucção- em sua generosa e bondosa mãe, que se aproximam mais estreitamente aos objetos reais; e seu superego, que era uma força ameaçadora, despótica, que emitia ordens insensatas e contraditórias que o eu era totalmente incapaz de cumprir, começa a exercer um governo mais suave e mais persuasivo e a apresentar exigências possíveis de cumprir. Em rigor, transforma-se gradualmente em consciência moral, no verdadeiro sentido da palavra. 5 Este ponto de vista está também baseado em minha crença de que as tendências edípicas do menino, assim mesmo começam muito antes do que se cria até agora, a saber, enquanto ainda se encontra em sua etapa de lactância, muito antes de que seus impulsos genitais tenham adquirido primazia. Em minha opinião, o menino incorpora seus objetos edípicos durante a etapa oral- sádica, e nesse momento começa a desenvolver-se seu superego, em estreita relação com seus primeiros impulsos edípicos. Mais ainda: à medida que varia o caráter do superego, do mesmo modo varia seu efeito sobre o eu e sobre o mecanismo defensivo que este põe em movimento. Sabemos, por Freud, que a piedade é uma reação à crueldade Mas as reações dessa espécie não se estabelecem até que o menino adquiriu certo grau de relações positivas com os objetos; até que, em outras palavras, sua organização genital passa à frente. Se colocamos este fato junto aos concernentes à formação do superego, tais como eu os vejo, poderemos chegar às seguintes conclusões: enquanto a função do superego seja principalmente a de provocar ansiedade, estimulará os violentos mecanismos defensivos que descrevemos antes e cuja natureza é aética e anti social. Mas quanto diminui o sadismo do menino, e mudam as funções e o caráter do superego, provocando menos ansiedade e mais sentimento de culpabilidade, são ativados os mecanismos defensivos que formam a base de uma atitude moral e ética e o menino começa a sentir consideração para seus objetos e a responder aos sentimentos sociais 6. Numerosas análises de meninos de todas as idades confirmaram esta opinião. Na análise dos jogos podemos seguir o curso das fantasias de nossos pacientes, tais como estão representadas por seus jogos e passatempos, e estabelecer uma conexão entre ditas fantasias e sua ansiedade. Quando analisamos o conteúdo da ansiedade, vemos que as tendências agressivas e as fantasias que dão nascimento àquela surgem à superfície cada vez mais e crescem até atingir enormes proporções, tanto em quantidade como em intensidade. O eu do menino corre perigo de ser achatado pela força elementar dessas tendências e fantasias, e pela gigantesca extensão das mesmas, e sustenta uma perpétua luta para manter-se contra elas, com a ajuda de seus impulsos libidinais, já seja ou tornando-as inócuas. Este quadro exemplifica a tese de Freud sobre os instintos de vida (Eros) em combate contra os instintos de morte, ou instintos de agressão. 6 Na análise de adultos, só atraíam o atendimento, em sua maior parte, estas últimas funções e atributos do superego. Em conseqüência, os analistas mostravam inclinação a considerá-los como constituintes do caráter específico do superego; e, em verdade, reconheciam o superego unicamente na medida em que aparecia com tal caráter. Mas também reconhecemos que existe a mais íntima união e interação entre as duas forças, em todo momento, de maneira que a análise poderá descobrir em todos seus detalhes as fantasias agressivas do menino -para assim diminuir o efeito das mesmas -, só na medida em que possa seguir também o curso das fantasias libidinais e descobrir suas primeiras fontes, e vice-versa. Em relação com o conteúdo e os objetivos reais dessas fantasias, sabemos, por Freud e Abraham, que em etapas primeiras, pré-genitalis, da organização libidinal, nas que tem lugar essa fusão de libido e instintos destrutivos, os impulsos sádicos do menino têm importância. Como o demonstra a análise de toda pessoa maior, na etapa oral-sádica que segue à oral de sucção, o menino passa por uma fase canibalística à que está associada uma pletora de fantasias canibalistas. Estas fantasias, ainda que ainda se concentrem em torno do fato de devorar o peito da mãe ou a mãe inteira, não estão interessadas somente na satisfação de um desejo primitivo de alimentação. Servem também para satisfazer os impulsos destruidores do menino. A fase sádica que segue a esta -a fase anal-sádica- se caracteriza por um interesse dominante nos processos excretores, nas fezes e o ânus; e também este interesse está estreitamente aliado a tendências destrutivas extraordinariamente fortes7 . Sabemos que a excreção das fezes simboliza uma enérgica expulsão do objeto incorporado, e que é acompanhada de sentimentos de hostilidade e crueldade e de desejos destrutivos de diferentes classes, nos que se atribui importância como objeto dessas atividades. No entanto, em minha opinião, as tendências anal-sádicas têm fins e objetos ainda mais profundos e profundamente reprimidos. Os dados que me foi possível reunir em primeiras análises demonstram que entre as tendências oral-sádicas seinsere uma etapa em que se fazem sentir tendências uretral-sádicas, e que as tendências anal e uretral são uma continuação direta das oral- sádicas, quanto a fim específico e objeto de ataque. Em suas fantasias oral-sádicas, o menino ataca o peito de sua mãe, e os meios que emprega são os dentes e as mandíbulas. Em suas fantasias uretral e anal trata de destruir o interior do corpo de sua mãe, e para este propósito emprega a urina e as fezes. Neste segundo grupo de fantasias, os excrementos são considerados como substâncias ardentes e corrosivas, como animais selvagens, armas de toda classe, etc.; e o menino entra numa fase em que dirige todos os instrumentos de seu sadismo para o único fim de destruir o corpo de sua mãe e o que esse corpo contém. 7 Aparte de Freud, Jones, Abraham e Ferenczi foram os principais contribuintes a nosso conhecimento da influência que essa aliança exerceu sobre a formação do caráter e a neurose do indivíduo. No que consiste a sua eleição objetal, os impulsos oral-sádicos do menino são ainda o fator subjacente, de tal maneira que pensa em succionar e devorar o interior do corpo de sua mãe como se tratasse de um peito. Mas esses impulsos são ampliados pelas primeiras teorias sexuais do menino, que se desenvolvem durante essa fase. Já sabemos que quando acordaram seus instintos genitais começou a ter teorias inconscientes sobre a copula entre seus pais, o nascimento dos meninos, etc. Mas a análise temporã demonstrou que desenvolve tais teorias muito antes, em momentos em que seus impulsos genitais, ainda ocultos, têm muito que dizer na questão. Essas teorias dizem que, na copula, a mãe se incorpora continuamente o pênis do pai por via bucal, de maneira que seu corpo está colimado de muitíssimos pênis e meninos. E o menino deseja comer e destruir tudo isso. Em conseqüência, ao atacar o interior do corpo de sua mãe, o menino ataca uma grande quantidade de objetos e se embarca numa conduta grávida de acontecimentos. Primeiramente, a matriz representa ao mundo; e ao começo o menino se aproxima a esse mundo com desejos de atacá-lo e destruí-lo; portanto, está preparado desde um princípio para ver o mundo real, externo, como mais ou menos hostil para ele e povoado de objetos feitos para atacá- lo 8. Sua convicção de que ao atacar de tal modo o corpo de sua mãe atacou também o corpo de seu pai e o de seus irmãos e irmãs, e, num sentido mais amplo, a todo mundo, constitui, em minha experiência, uma das causas subjacentes de seu sentimento de culpa e do desenvolvimento de seus sentimentos sociais e mo rales em general9. Porque quando a excessiva severidade do superego minorou um tanto, suas aparições no eu, devido àqueles ataques imaginários, produzem sentimentos de culpa que provocam fortes tendências, no menino, a pôr em prática o dano imaginário que inferiu a seus objetos. E então o conteúdo individual e os detalhes de suas fantasias destruidoras ajudam a determinar o desenvolvimento de suas sublimações, que, indiretamente, servem a suas tendências substitutivas10, ou para produzir desejos ainda mais diretos de ajudar a outras pessoas. A análise dos jogos demonstra que quando os instintos agressivos do menino se encontram em seu apogeu, este jamais se cansa de rasgar ou cortar, de romper, molhar e queimar toda classe de coisas, como papel, fósforos, caixas, brinquedos, tudo o qual representa a seus pais, irmãos e irmãs e o corpo e os peitos de sua mãe, e que esta fúria de destruição alterna com acessos de ansiedade e um sentimento de culpabilidade Mas quando, no curso da análise, a ansiedade vai diminuindo lentamente, suas tendências construtivas começam a adquirir predomínio 11 . Por exemplo, um menino que antes não fazia outra coisa que romper em pedaços bocados de madeira, começa a tentar converter esses pedaços num lápis. Toma porções de mina sacadas de lápis que cortou, insere-as numa fenda da madeira e depois costura um bocado de tela em torno da tosca madeira para dar-lhe um aspecto mais bonito. Que este lápis de fabricação caseira representa ao pênis de seu pai, que ele destruiu em sua fantasia, e o seu próprio, cuja destruição teme como medida retaliatória, torna- se mais evidente pelo contexto geral do material do que o menininho apresenta e pelas associações que lhe atribui. 8 A excessiva força dessas primeiras situações de ansiedade, em minha opinião, um fator fundamental para a produção de perturbações psicóticas. 9 Devido à crença que o menino sustenta a respeito da onipotência dos pensamentos (vejam-se Freud, Totem e tabu; Ferenczi, "Estágios no desenvolvimento do sentido da realidade" ) -crença que data de uma anterior etapa de desenvolvimento -, confunde seus ataques imaginários com ataques reais; e as conseqüências disso ainda podem ver-se atuar na vida adulta. Quando no curso da análise, o menino começa a mostrar tendências construtivas mais enérgicas, em todas as formas possíveis, em seus jogos e sublimações -quando pinta ou escreve ou desenha coisas, em lugar de manchá-lo tudo com cinzas; quando costura ou desenha, enquanto antes cortava ou rasgava-, exibe também mudanças em suas relações com seu pai ou sua mãe, ou com seus irmãos e irmãs; e estas mudanças marcam o começo de uma relação melhorada com os objetos em general e um crescimentos do sentimento social. Que vias de sublimação se abrirá para o menino, quão potentes serão seus impulsos a oferecer compensações e daí formas assumirão estas, tudo isto fica determinado, não só pelo grau de tendências agressivas primárias, senão pela interação de uma quantidade de outros fatores que não temos espaço para analisar nestas páginas Mas nosso conhecimento da análise infantil nos permite dizer o seguinte: que a análise das capas mais profundas do superego conduz invariavelmente a um considerável melhoramento das relações do menino com os objetos, de sua capacidade para a sublimação e de seus poderes de adaptação social. Melhoramento que faz que o menino não só seja muito, mas feliz e mais são em si, senão também mais capaz de sentimentos sociais e éticos. 10 Em meu articulo "Situações infantis de angústia refletidas numa obra de arte e no impulso criador”, afirmei que o sentido de culpabilidade da pessoa e seu desejo de consertar o objeto danado constituem um fator universal e fundamental no desenvolvimento de suas sublimações. Ela Sharpe, em seu trabalho "Certain aspects of sublimation and delusion", chegou à mesma conclusão. 11 Na análise, a decomposição da ansiedade é efetuada gradual e paralelamente, de maneira que tanto ela como os instintos agressivos ficam liberados em proporções devidamente preparadas. Isto nos leva a considerar uma objeção sumamente notória que pode ser apresentada contra a análise infantil. Poderia perguntar-se: uma redução demasiado grande da severidade do superego -uma redução por embaixo de certo nível favorável -, não daria um resultado oposto, conduzindo à abolição, no menino, dos sentimentos éticos e sociais? A resposta a isto é, em primeiro lugar, que, até onde eu sei jamais se deu nos fatos uma diminuição tão grande; e um segundo lugar, que existem razões teóricas para crer que jamais poderá ocorrer. Pelo que faz à experiência real, sabemos que, ao analisar as fixações libidinais pré-genitais, só podemos converter em libido genital certa proporção das quantidades libidinais envolvidas, ainda em circunstâncias favoráveis, e que o resto -um resto não pouco importante- continua funcionando como libido pré-genital se como sadismo; ainda que, já que o plano genital estabeleceu mais firmemente sua supremacia, pode ser manejado pelo eu, ora recebendo satisfação, ora sendo conteúdo, ora sofrendo modificações ou sendo sublimado. Do mesmo modo, a análise não pode nunca eliminar o núcleo de sadismo que se formou sob a primazia dos planos genitais; mas pode mitigá-los aumentando a força do plano genital, de maneira que o eu, então mais potente, pode enfrentar ao superego, comoo faz com seus impulsos instintivos, numa forma mais satisfatória para o indivíduo mesmo e para o mundo que o rodeia. Até este momento nos ocupamos de estabelecer o fato de que os sentimentos sociais e morais de uma pessoa se desenvolvem a partir de um superego de características mais suaves, governado pelo plano genital. Agora devemos considerar o que se pode inferir disto. Quanto mais profundamente penetra a análise nos planos inferiores da mente do menino, tanto mais sucesso terá em suavizar a severidade do superego ao diminuir o funcionamento de seus constituintes sádicos, que surgem nas primeiras etapas do desenvolvimento. Ao fazê-lo, a análise prepara o terreno, não só para a consecução da adaptabilidade social do menino, senão também para o desenvolvimento de normas morais e éticas no adulto. Porque um desenvolvimento dessa classe depende de que o superego e a sexualidade cheguem satisfatoriamente a um plano genital, ao começo da expansão da vida sexual do menino12, de maneira que o superego tenha atingido o caráter e função dos que se deriva o sentimento de culpabilidade da pessoa -isto é , sua consciência -, na medida em que a pessoa seja socialmente valiosa. A experiência deixou demonstrada já, desde faz algum tempo, que a psicanálise, ainda que originariamente projetado por Freud como um método para curar doenças mentais, cumpre assim mesmo com um segundo propósito. Elimina as perturbações da formação do caráter, especialmente nos meninos e adolescentes, nos que consegue efetuar consideráveis alterações. Em rigor, podemos dizer que, depois de que foram analisados, todos os meninos mostram radicais mudanças de caráter também não podemos evitar a convicção, baseada na observação de fatos, de que a análise do caráter não é menos importante como medida terapêutica do que a análise da neurose. 12 Isto é, quando se indica o período de latência, aproximadamente entre as idades de cinco e seis anos. Em vista destes fatos, não pode um deixar de perguntar-se se a psicanálise não estará destinada a ir além do indivíduo em sua esfera de operações para influir sobre a vida da humanidade em seu conjunto. As repetidas tentativas que se fizeram para melhorar à humanidade -em especial para fazê-la mais pacífica- fracassaram porque ninguém entendeu toda a profundidade e o vigor dos instintos de agressão inatos em cada indivíduo. Tais esforços não procuram outra coisa que estimular os impulsos positivos, os desejos bondosos de cada pessoa, negando ou suprimindo os impulsos agressivos. E, de tal modo, estiveram condenados ao fracasso desde o começo. Mas a psicanálise tem a sua disposição diferentes meios para encarar uma tarefa dessa classe. Não pode, é verdade, apagar por completo o instinto agressivo do homem, quanto tal instinto; mas si pode, diminuindo a ansiedade que acentua a esse instinto, quebrar o reforço mútuo que se produz continuamente entre seu ódio e seu temor. Quando em nosso trabalho analítico, vemos, a cada momento, como a decomposição da ansiedade infantil prematura não só minora os impulsos agressivos do menino, senão que conduz a um emprego e satisfação mais valiosos deles, desde o ponto de vista social; como o menino mostra um desejo continuamente crescente, profundamente arraigado, de ser amado e de amar, e de estar em paz com o mundo que o rodeia; e quanto mais prazer e benefícios, e daí diminuição da ansiedade, extrai da satisfação desse desejo, quando vemos tudo isto, estar-nos dispostos a crer que o que agora poderia parecer um estado de coisas utópico, chegará a dar-se na realidade, nos dias ainda longínquos em que -assim o espero - a análise infantil chegue a constituir uma parte da educação de cada pessoa, como o é agora a educação escolar. E quiçá então a atitude hostil que surge do temor, que se encontra em estado latente, com maior ou menor força, em todos os seres humanos, e que intensifica neles, multiplicando-os por cem, todos os impulsos de destruição, cederá seu lugar a sentimentos mais bondosos e confiados, e os homens poderão habitar o mundo, todos juntos, mais pacificamente, e com melhor boa vontade recíproca do que podem fazê-lo agora.