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Aula 30 – Poesia de 30 II 
 
 
 
 
 
 
129 VestCursos – Especialista em Preparação para Vestibulares de Alta Concorrência 
 
Epigrama Nº 8 
Encostei-me a ti, sabendo bem que eras somente onda. 
Sabendo que eras nuvem, depus a minha vida em ti. 
 
Como sabia bem tudo isso, e dei-me ao teu destino frágil, 
fiquei sem poder chorar quando caí. 
Cecília Meireles 
Canção Excêntrica 
Ando à procura de espaço 
para o desenho da vida. 
Em números me embaraço 
e perco sempre a medida. 
Se penso encontrar saída, 
em vez de abrir um compasso, 
protejo-me num abraço 
e gero uma despedida. 
 
Se volto sobre meu passo, 
é distância perdida. 
Meu coração, coisa de aço, 
começa a achar um cansaço 
esta procura de espaço 
para o desenho da vida. 
Já por exausta e descrida 
não me animo a um breve traço: 
- saudosa do que não faço, 
- do que faço, arrependida. 
Cecília Meireles 
O romanceiro da Inconfidência 
É a sua experiência poética mais significativa. Para escrevê-lo, 
pesquisou todos os elementos históricos que compuseram a 
Inconfidência Mineira. 
 
“Era uma história feita de coisas eternas e irredutíveis: ouro, amor, 
liberdade, traições. 
Mas porque todos esses grandiosos acontecimentos já vinham 
preparados de tempos mais antigos, e foram o desfecho de um 
passado minuciosamente construído – era preciso iluminar esses 
caminhos anteriores, seguir o rastro do ouro que vai, a princípio 
como o fio de um colar, ligando cenas e personagens, até 
transformar-se em pesada cadeia que prende e imobiliza num 
destino doloroso.” 
Cecília Meireles 
O romanceiro é formado por um conjunto de romances, poemas 
curtos de caráter narrativo ou lírico, destinados ao canto e 
transmitidos oralmente por trovadores e que permaneceram na 
memória coletiva popular. Seus autores, em regra geral, ficaram 
anônimos. Os romanceiros eram conhecidos na Espanha e em 
Portugal desde o século XV e tinham várias funções: informação, 
diversão, doutrinamento político e religioso. Parece também que o 
canto de certos romances servia de estímulo ao trabalho agrícola. 
No Romanceiro da Inconfidência, por meio de uma hábil síntese 
entre o dramático, o épico e o lírico, há um retrato da sociedade de 
Minas Gerais do século XVIII, principalmente dos personagens 
envolvidos na Inconfidência Mineira, abortada pela traição de 
Joaquim Silvério dos Reis, o que culminou na execução de 
Tiradentes. 
São 85 romances, com métrica e ritmo irregulares: embora 
predominem as redondilhas (de cinco ou sete sílabas), há também 
versos com quatro, seis, oito, dez sílabas. Há também poemas 
nomeados por cenários e falas. Os primeiros para ambientar a 
cena, mostrar ao leitor onde se passa a história, é como em uma 
peça de teatro na qual o autor explica como deve ser preparada a 
cena. Quanto à fala, presta-se ao leitor para ter contato mais direto 
com as explicações e comentários do narrador. 
No Romanceiro, o elemento histórico é bastante forte, como já 
citado. Contudo, o que a autora tenta recuperar é menos os fatos 
históricos em si, e mais o ambiente e as sensações envolvidas na 
revolta. Assim, cada elemento histórico adquire um valor simbólico: 
a busca do ouro representa a ambição e a cobiça; a conspiração 
esconde a esperança e o fracasso; as prisões dos envolvidos são 
focalizadas como situações de medo; o degredo é visto como 
momento de perda e saudade; e as punições finais mostram todo o 
desengano da derrota política. 
Romance II ou do ouro incansável 
Mil bateias* vão rodando 
sobre córregos escuros; 
a terra vai sendo aberta 
por intermináveis sulcos; 
infinitas galerias 
penetram morros profundos. 
 
De seu calmo esconderijo, 
o ouro vem, dócil e ingênuo; 
torna-se pó, folha, barra, 
prestígio, poder, engenho... 
É tão claro! - e turva tudo: 
honra, amor e pensamento. 
Borda flores nos vestidos, 
sobe a opulentos altares, 
traça palácios e pontes, 
eleva os homens audazes, 
e acende paixões que alastram 
sinistras rivalidades. 
 
Pelos córregos, definham 
negros, a rodar bateias. 
Morre-se de febre e fome 
sobre a riqueza da terra: 
uns querem metais luzentes, 
outros, as redradas* pedras. 
Ladrões e contrabandistas 
estão cercando os caminhos; 
cada família disputa 
privilégios mais antigos; 
os impostos vão crescendo 
e as cadeias vão subindo. 
 
Por ódio, cobiça, inveja, 
vai sendo o inferno traçado. 
Os reis querem seus tributos, 
- mas não se encontram vassalos. 
Mil bateias vão rodando, 
mil bateias sem cansaço. 
Mil galerias desabam; 
mil homens ficam sepultos; 
mil intrigas, mil enredos 
prendem culpados e justos; 
já ninguém dorme tranquilo, 
 
 
 
 
 130 VestCursos – Especialista em Preparação para Vestibulares de Alta Concorrência 
CURSO ANUAL DE LITERATURA – (Prof. Steller de Paula) 
que a noite é um mundo de sustos. 
 
Descem fantasmas dos morros, 
vêm almas dos cemitérios: 
todos pedem ouro e prata, 
e estendem punhos severos, 
mas vão sendo fabricadas 
muitas algemas de ferro. 
Cecília Meireles 
Romance XXIV ou da Bandeira da Inconfidência 
Através de grossas portas, 
sentem-se luzes acesas, 
— e há indagações minuciosas 
dentro das casas fronteiras. 
 "Que estão fazendo, tão tarde? 
Que escrevem, conversam, pensam? 
Mostram livros proibidos? 
Leem notícias nas Gazetas? 
Terão recebido cartas 
de potências estrangeiras?" 
(Antiguidades de Nimes 
em Vila Rica suspensas! 
Cavalo de La Fayette 
saltando vastas fronteiras! 
Ó vitórias, festas, flores 
das lutas da Independência! 
Liberdade - essa palavra, 
que o sonho humano alimenta: 
que não há ninguém que explique, 
e ninguém que não entenda!) 
E a vizinhança não dorme: 
murmura, imagina, inventa. 
Não fica bandeira escrita, 
mas fica escrita a sentença. 
Cecília Meireles 
CARACTERÍSTICAS GERAIS: 
· Uma poesia presa à tradição lírica do passado. 
· Há nela forte herança simbolista: a maioria das obras expressa 
estados de ânimo vagos e quase incorpóreos. Além disso, certas 
imagens naturais como o mar, a areia, a espuma, a lua, o vento 
etc., por sua repetição obsessiva, acabam também ganhando uma 
dimensão simbólica. 
· Predominam os sentimentos de perda amorosa e solidão. A 
atmosfera de dor existencial é ampliada pela insistência no tema 
da efemeridade da vida/fugacidade do tempo/transitoriedade de 
tudo. 
· Sua linguagem é elevada, sublime, com pouca presença do 
coloquial. 
CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE 
 
"Entendo que poesia é negócio de grande responsabilidade, e não 
considero honesto rotular-se de poeta quem apenas verseja por 
dor-de-cotovelo, falta de dinheiro ou momentânea tomada de 
contato com as forças líricas do mundo, sem se entregar aos 
trabalhos cotidianos e secretos da técnica, da leitura, da 
contemplação e mesmo da ação. Até os poetas se armam, e um 
poeta desarmado é, mesmo, um ser à mercê de inspirações fáceis, 
dócil às modas e compromissos." 
Carlos Drummond de Andrade nasceu em Itabira do Mato Dentro 
- MG, em 31 de outubro de 1902 e morreu em 17 de agosto de 
1987. Assim, viveu e produziu durante quase todo o século XX, 
deixando uma obra vasta, que trabalha uma quase infinidade de 
temas. 
Diante disso, a crítica costuma dividir sua obra em fases: 
1ª Fase: Poesia Irônica ou do Eu > Mundo 
- Drummond começou sua carreira poética durante a fase heroica 
do Modernismo. Assim, é natural que sua primeira produção 
revelasse a influência das propostas trazidas por Mário de Andrade 
e Oswald de Andrade. Em muitos poemas dos seus dois primeiros 
livros, Alguma Poesia (1930) e Brejo das Almas (1934), Drummond 
exercita: a linguagem concisa, a linguagem fragmentada, o tom de 
blague (o chiste, o humor), o coloquialismo, características 
marcantes da geração de 22. 
No meio do caminho 
No meio do caminho tinha uma pedra 
tinha uma pedra no meio do caminho 
tinha uma pedra 
no meio do caminho tinha uma pedra. 
 
Nunca me esquecerei desse acontecimento 
na vida de minhas retinas tão fatigadas. 
Nunca me esquecerei que no meio do caminho 
tinha uma pedra 
Tinha uma pedra no meio do caminho 
no meio do caminho tinhauma pedra. 
Carlos Drummond de Andrade 
Cidadezinha qualquer 
Casas entre bananeiras 
mulheres entre laranjeiras 
pomar amor cantar. 
 
Um homem vai devagar. 
Um cachorro vai devagar. 
Um burro vai devagar. 
Devagar... as janelas olham. 
 
Eta vida besta, meu Deus. 
Carlos Drummond de Andrade 
Cota zero 
Stop. 
A vida parou 
ou foi o automóvel? 
Carlos Drummond de Andrade 
Quadrilha 
João amava Teresa que amava Raimundo 
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili 
que não amava ninguém. 
Aula 30 – Poesia de 30 II 
 
 
 
 
 
 
131 VestCursos – Especialista em Preparação para Vestibulares de Alta Concorrência 
 
João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento, 
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia, 
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes 
que não tinha entrado na história. 
Carlos Drummond de Andrade 
- Nessa fase, o eu lírico apresenta-se como “gauche”, como um 
inadaptado. É um eu lírico egocêntrico, que assume uma posição 
de isolamento, mais voltado para si e para os seus problemas de 
inadaptação. Quando lança seu olhar para o mundo, para a 
realidade circundante, é um olhar irônico, distanciado, de quem 
não se envolve, de quem não se deixa afetar. 
Poema de Sete Faces 
Quando nasci, um anjo torto 
desses que vivem na sombra 
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida. 
 
As casas espiam os homens 
que correm atrás de mulheres. 
A tarde talvez fosse azul, 
não houvesse tantos desejos. 
 
O bonde passa cheio de pernas: 
pernas brancas pretas amarelas. 
Para que tanta perna, meu Deus, 
pergunta meu coração. 
Porém meus olhos 
não perguntam nada. 
 
O homem atrás do bigode 
é sério, simples e forte. 
Quase não conversa. 
Tem poucos, raros amigos 
o homem atrás dos óculos e do bigode. 
 
Meu Deus, por que me abandonaste 
se sabias que eu não era Deus, 
se sabias que eu era fraco. 
Mundo mundo vasto mundo 
se eu me chamasse Raimundo 
seria uma rima, não seria uma solução. 
Mundo mundo vasto mundo, 
mais vasto é meu coração. 
 
Eu não devia te dizer 
mas essa lua 
mas esse conhaque 
botam a gente comovido como o diabo. 
Romaria 
Os romeiros sobem a ladeira 
cheia de espinhos, cheia de pedras, 
sobem a ladeira que leva a Deus 
e vão deixando culpas no caminho. 
 
Os sinos tocam, chamam os romeiros: 
Vinde lavar os vossos pecados. 
Já estamos puros, sino, obrigados, 
mas trazemos flores, prendas e rezas. 
 
No alto do morro chega a procissão. 
Um leproso de opa empunha o estandarte. 
As coxas das romeiras brincam no vento. 
Os homens cantam, cantam sem parar. 
 
Jesus no lenho expira magoado. 
Faz tanto calor, há tanta algazarra. 
Nos olhos do santo há sangue que escorre. 
Ninguém não percebe, o dia é de festa 
 
No adro da igreja há pinga, café, 
imagens, fenômenos, baralhos, cigarros 
e um sol imenso que lambuza de ouro 
o pó das feridas e o pó das muletas. 
 
Meu Bom Jesus que tudo podeis, 
humildemente te peço uma graça. 
Sarai-me, Senhor, e não desta lepra, 
do amor que eu tenho e que ninguém me tem. 
 
Senhor, meu amo, dai-me dinheiro, 
muito dinheiro para eu comprar 
aquilo que é caro mas é gostoso 
e na minha terra ninguém não possui. 
 
Jesus meu Deus pregado na cruz, 
me dá coragem pra eu matar 
um que me amola de dia e de noite 
e diz gracinhas a minha mulher. 
 
Jesus Jesus piedade de mim. 
Ladrão eu sou mas não sou ruim não. 
Por que me perseguem não posso dizer. 
Não quero ser preso, Jesus ó meu santo. 
 
Os romeiros pedem com os olhos, 
pedem com a boca, pedem com as mãos. 
Jesus já cansado de tanto pedido 
dorme sonhando com outra humanidade. 
Carlos Drummond de Andrade 
2ª Fase: Poesia Social ou do Eu < Mundo 
Nessa fase, o contexto histórico impõe-se como matéria poética. 
Diante de um contexto de crise política e econômica, de ascensão 
de regimes fascistas e ditatoriais, de violência, guerra mundial, 
holocausto, a poesia passa a ser encarada como um instrumento 
de participação política, de denúncia social. 
O eu lírico abandona a anterior posição de isolamento e busca o 
contato, a comunicação com o outro, uma comunicação que não se 
efetiva (os muros são surdos/ sob a pele das palavras há cifras e 
códigos). Assim, emergem os sentimentos de impotência e 
frustração. O eu lírico sente-se incapaz de com sua poesia, arma 
limitada, insuficiente, alterar significativamente o estado das coisas. 
A visão de mundo que os poemas manifestam é pessimista. 
Mãos Dadas 
Não serei o poeta de um mundo caduco. 
Também não cantarei o mundo futuro. 
Estou preso à vida e olho meus companheiros 
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças. 
Entre eles, considero a enorme realidade. 
O presente é tão grande, não nos afastemos. 
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas. 
 
 
 
 
 132 VestCursos – Especialista em Preparação para Vestibulares de Alta Concorrência 
CURSO ANUAL DE LITERATURA – (Prof. Steller de Paula) 
 
Não serei o cantor de uma mulher, de uma história. 
não direi suspiros ao anoitecer, a paisagem vista na janela. 
não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida. 
não fugirei para ilhas nem serei raptado por serafins. 
O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens 
presentes, a vida presente. 
Carlos Drummond de Andrade 
Sentimento do mundo 
Tenho apenas duas mãos 
e o sentimento do mundo, 
mas estou cheio escravos, 
minhas lembranças escorrem 
e o corpo transige 
na confluência do amor. 
Quando me levantar, o céu 
estará morto e saqueado, 
eu mesmo estarei morto, 
morto meu desejo, morto 
o pântano sem acordes. 
Os camaradas não disseram 
que havia uma guerra 
e era necessário 
trazer fogo e alimento. 
Sinto-me disperso, 
anterior a fronteiras, 
humildemente vos peço 
que me perdoeis. 
Quando os corpos passarem, 
eu ficarei sozinho 
desfiando a recordação 
do sineiro, da viúva e do microcopista 
que habitavam a barraca 
e não foram encontrados 
ao amanhecer 
 
esse amanhecer 
mais noite que a noite. 
Carlos Drummond de Andrade 
Mundo Grande (trecho) 
Não, meu coração não é maior que o mundo. 
É muito menor. 
Nele não cabem nem as minhas dores. 
Por isso gosto tanto de me contar. 
Por isso me dispo, 
por isso me grito, 
por isso frequento os jornais, me exponho cruelmente nas livrarias: 
preciso de todos. 
 
Sim, meu coração é muito pequeno. 
Só agora vejo que nele não cabem os homens. 
Os homens estão cá fora, estão na rua. 
A rua é enorme. Maior, muito maior do que eu esperava. 
Mas também a rua não cabe todos os homens. 
A rua é menor que o mundo. 
O mundo é grande. 
Carlos Drummond de Andrade 
 
A Flor e A Náusea 
Preso à minha classe e a algumas roupas, 
vou de branco pela rua cinzenta. 
Melancolias, mercadorias, espreitam-me. 
Devo seguir até o enjoo? 
Posso, sem armas, revoltar-me? 
 
Olhos sujos no relógio da torre: 
Não, o tempo não chegou de completa justiça. 
O tempo é ainda de fezes, maus poemas, alucinações e espera. 
O tempo pobre, o poeta pobre 
fundem-se no mesmo impasse. 
 
Em vão me tento explicar, os muros são surdos. 
Sob a pele das palavras há cifras e códigos. 
O sol consola os doentes e não os renova. 
As coisas. Que triste são as coisas, consideradas em ênfase. 
Vomitar este tédio sobre a cidade. 
Quarenta anos e nenhum problema 
resolvido, sequer colocado. 
Nenhuma carta escrita nem recebida. 
Todos os homens voltam pra casa. 
Estão menos livres mas levam jornais 
e soletram o mundo, sabendo que o perdem. 
 
Crimes da terra, como perdoá-los? 
Tomei parte em muitos, outros escondi. 
Alguns achei belos, foram publicados. 
Crimes suaves, que ajudam a viver. 
Ração diária de erro, distribuída em casa. 
Os ferozes padeiros do mal. 
Os ferozes leiteiros do mal. 
 
Pôr fogo em tudo, inclusive em mim. 
Ao menino de 1918 chamavam anarquista. 
Porém meu ódio é o melhor de mim. 
Com ele me salvo 
e dou a poucos uma esperança mínima. 
 
Uma flor nasceu na rua! 
Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego. 
Uma flor ainda desbotada 
ilude a polícia, rompe o asfalto. 
Façam completo silêncio, paralisem os negócios, 
garanto que umaflor nasceu. 
Sua cor não se percebe. 
Suas pétalas não se abrem. 
Seu nome não está nos livros. 
É feia. Mas é realmente uma flor. 
 
Sento-me no chão da capital do país às cinco horas da tarde 
e lentamente passo a mão nessa forma insegura. 
Do lado das montanhas, nuvens macias avolumam-se. 
Pequenos pontos brancos movem-se no mar, galinhas em pânico. 
É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio. 
Carlos Drummond de Andrade 
Os ombros suportam o mundo 
Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus. 
Tempo de absoluta depuração. 
Tempo em que não se diz mais: meu amor. 
Porque o amor resultou inútil. 
Aula 30 – Poesia de 30 II 
 
 
 
 
 
 
133 VestCursos – Especialista em Preparação para Vestibulares de Alta Concorrência 
 
E os olhos não choram. 
E as mãos tecem apenas o rude trabalho. 
E o coração está seco. 
Em vão mulheres batem à porta, não abrirás. 
Ficaste sozinho, a luz apagou-se, 
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes. 
És todo certeza, já não sabes sofrer. 
E nada esperas de teus amigos. 
Pouco importa venha a velhice, que é a velhice? 
Teus ombros suportam o mundo 
e ele não pesa mais que a mão de uma criança. 
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios 
provam apenas que a vida prossegue 
e nem todos se libertaram ainda. 
Alguns, achando bárbaro o espetáculo, 
prefeririam (os delicados) morrer. 
Chegou um tempo em que não adianta morrer. 
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem. 
A vida apenas, sem mistificação. 
Carlos Drummond de Andrade 
Elegia 1938 
Trabalhas sem alegria para um mundo caduco, 
onde as formas e as ações não enceram nenhum exemplo. 
Praticas laboriosamente os gestos universais, 
sentes calor e frio, falta de dinheiro, fome e desejo sexual. 
 
Heróis enchem os parques da cidade em que te arrastas, 
e preconizam a virtude, a renúncia, o sangue-frio, a concepção. 
À noite, se neblina, abrem guardas chuvas de bronze 
ou se recolhem aos volumes de sinistras bibliotecas. 
 
Amas a noite pelo poder de aniquilamento que encerra 
e sabes que, dormindo, os problemas te dispensam de morrer. 
Mas o terrível despertar prova a existência da Grande Máquina 
e te repõe, pequenino, em face de indecifráveis palmeiras. 
 
Caminhas por entre os mortos e com eles conversas 
sobre coisas do tempo futuro e negócios do espírito. 
A literatura estragou tuas melhores horas de amor. 
Ao telefone perdeste muito, muitíssimo tempo de semear. 
 
Coração orgulhoso, tens pressa de confessar tua derrota 
e adiar para outro século a felicidade coletiva. 
Aceitas a chuva, a guerra, o desemprego e a injusta distribuição 
porque não podes, sozinho, dinamitar a ilha de Manhattan. 
Carlos Drummond de Andrade 
Visão 1944 
Meus olhos são pequenos para ver 
a massa de silêncio concentrada 
por sobre a onda severa, piso oceânico 
esperando a passagem dos soldados. 
 
Meus olhos são pequenos para ver 
luzir na sombra a foice da invasão 
e os olhos no relógio, fascinados, 
ou as unhas brotando em dedos frios. 
 
Meus olhos são pequenos para ver 
o general com seu capote cinza 
escolhendo no mapa uma cidade 
que amanhã será pó e pus no arame. 
Meus olhos são pequenos para ver 
o corpo pegajento das mulheres 
que foram lindas, beijo cancelado 
na produção de tanques e granadas. 
 
Meus olhos são pequenos para ver 
a distância da casa na Alemanha 
a uma ponte na Rússia, 
onde retratos, cartas, dedos de pé boiam em sangue. 
 
Meus olhos são pequenos para ver 
a fila de judeus de roupa negra, 
de barba negra, prontos a seguir 
para perto do muro - e o muro é branco. 
 
Meus olhos são pequenos para ver 
essa fila de carne em qualquer parte, 
de querosene, sal ou de esperança 
que fugiu dos mercados deste tempo. 
 
Meus olhos são pequenos para ver 
todos os mortos, todos os feridos, 
e este sinal no queixo de uma velha 
que não pôde esperar a voz dos sinos. 
 
Meus olhos são pequenos para ver 
países mutilados como troncos, 
proibidos de viver, mas em que a vida 
lateja subterrânea e vingadora. 
 
(...) 
 
Meus olhos são pequenos para ver 
o mundo que se esvai em sujo e sangue, 
outro mundo que brota, qual nelumbo 
- mas veem, pasmam, baixam deslumbrados. 
Carlos Drummond de Andrade 
Inocentes do Leblon 
Os inocentes do Leblon 
não viram o navio entrar. 
Trouxe bailarinas? 
trouxe imigrantes? 
trouxe um grama de rádio? 
Os inocentes, definitivamente inocentes, tudo ignoram, 
mas a areia é quente, e há um óleo suave 
que eles passam nas costas, e esquecem. 
Carlos Drummond de Andrade 
A noite dissolve os homens 
A noite desceu. Que noite! 
Já não enxergo meus irmãos. 
E nem tão pouco os rumores que outrora me perturbavam. 
A noite desceu. 
Nas casas, nas ruas onde se combate, 
nos campos desfalecidos, a noite espalhou o medo e a total 
incompreensão. 
 
A noite caiu. Tremenda, sem esperança... 
Os suspiros acusam a presença negra que paralisa os guerreiros.

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