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LETRAS/PORTUGUÊS 3º PERÍODO LINGUÍSTICA Diocles Igor Castro Pires Alves Liliane Pereira Barbosa LINGUÍSTICA Diocles Igor Castro Pires Alves Liliane Pereira Barbosa Montes Claros - MG, 2010 2010 Proibida a reprodução total ou parcial. Os infratores serão processados na forma da lei. EDITORA UNIMONTES Campus Universitário Professor Darcy Ribeiro s/n - Vila Mauricéia - Montes Claros (MG) Caixa Postal: 126 - CEP: 39041-089 Correio eletrônico: editora@unimontes.br - Telefone: (38) 3229-8214 REITOR Paulo César Gonçalves de Almeida VICE-REITOR João dos Reis Canela DIRETOR DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÕES Giulliano Vieira Mota Andréia Santos Dias Bárbara Cardoso Albuquerque Clésio Robert Almeida Caldeira Débora Tôrres Corrêa Lafetá de Almeida Diego Wander Pereira Nobre Gisele Lopes Soares REVISÃO DE LÍNGUA PORTUGUESA Jéssica Luiza de Albuquerque Osmar Pereira Oliva Karina Carvalho de Almeida Rogério Santos Brant REVISÃO TÉCNICA Kátia Vanelli Leonardo Guedes Oliveira IMPRESSÃO, MONTAGEM E ACABAMENTO Gráfica Yago PROJETO GRÁFICO E CAPA Alcino Franco de Moura Júnior Andréia Santos Dias EDITORAÇÃO E PRODUÇÃO Alcino Franco de Moura Júnior - Coordenação CONSELHO EDITORIAL Maria Cleonice Souto de Freitas Rosivaldo Antônio Gonçalves Sílvio Fernando Guimarães de Carvalho Wanderlino Arruda Copyright ©: Universidade Estadual de Montes Claros Catalogação: Biblioteca Central Professor Antônio Jorge - Unimontes Ficha Catalográfica: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MONTES CLAROS - UNIMONTES Ministro da Educação Fernando Haddad Secretário de Educação a Distância Carlos Eduardo Bielschowsky Coordenador Geral da Universidade Aberta do Brasil Celso José da Costa Governador do Estado de Minas Gerais Antônio Augusto Junho Anastasia Secretário de Estado de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior Alberto Duque Portugal Reitor da Universidade Estadual de Montes Claros - Unimontes Paulo César Gonçalves de Almeida Vice-Reitor da Unimontes João dos Reis Canela Pró-Reitora de Ensino Maria Ivete Soares de Almeida Coordenadora da UAB/Unimontes Fábia Magali Santos Vieira Coordenadora Adjunta da UAB/Unimontes Betânia Maria Araújo Passos Chefe do Departamento de Comunicação e Letras Coordenadora do Curso de Letras/Português a Distância Ana Cristina Santos Peixoto AUTORES Diocles Igor Castro Pires Alves Especialista em Linguística Aplicada ao Ensino da Língua Materna. Atualmente é professor do Departamento de Comunicação e Letras da Universidade Estadual de Montes Claros - Unimontes. Liliane Pereira Barbosa Mestre em Linguística pela Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG. Atualmente é professora do Departamento de Comunicação e Letras da Universidade Estadual de Montes Claros - Unimontes. SUMÁRIO Apresentação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 07 Unidade 1: Linguística Pré-Saussuriana . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11 1.1 Na Antiguidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12 1.2 Da Idade Média ao século XVI 1.3 Do século XVII ao século XIX 1.4 Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19 Unidade 2: Movimentos Linguísticos do Século XX: polo formalista . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20 2.1 Polo formalista Unidade 3: 3.1 Polo pragmático Resumo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51 Referências básica, complementar e suplementar . . . . . . . . . . . . . . 55 Atividades de Aprendizagem - AA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20 2.2 Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33 Movimentos Linguísticos do Século XX: polo pragmático . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35 3.2 Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49 APRESENTAÇÃO 07 Olá! Nesse semestre ocorre a segunda disciplina de estudos linguísticos do curso, intitulada Linguística , e nosso propósito, agora, a partir dos conhecimentos básicos adquiridos na disciplina anterior, é suscitar discussão a respeito dos movimentos linguísticos que corroboraram para o delineamento do objeto língua/linguagem. Para tanto, refletiremos sobre as abordagens socio-históricas da linguagem e seus efeitos no modo de o homem compreendê-la, enfocando as correntes linguísticas, propostas a partir do século XX, e confrontaremos as diversas tomadas de posicionamentos de estudiosos/pesquisadores da língua ao longo da história. É interessante já ressaltar que assim como a língua traz em si germes de mudança, visto que ela é dinâmica, também o modo de entendê-la e/ou de investigá-la é dado a mudanças. Dessa forma, várias foram as perspectivas através das quais se tentou explicar e analisar o fenômeno da linguagem, ainda que elas instaurem uma relação de confronto, de reforço e/ou de complementação. Obviamente, cada prisma investigativo é, inevitavelmente, marcado por fatores históricos, culturais, ideológicos, sociais, entre outros, que acabam orientando o olhar do sujeito na atividade analítica. Ora, saber em que consistem tais correntes e identificar as possíveis variações entre elas tornam-se imprescindíveis para aqueles que se interessam pelos estudos linguísticos. Acreditamos que o quadro configurado por tais movimentos linguísticos nos permite compreender a língua de uma maneira mais engajada, coerente e aprofundada. Portanto, mais adequada à demanda educacional da atualidade. A nossa proposta, então, é apresentar os movimentos linguísticos, buscando levar o leitor a perceber o objeto língua/linguagem de maneira crítica e global, compreendendo-o não só por um viés, mas pela multiplicidade de ângulos que lhe é peculiar. Por fim, pretendemos cooperar para a sua formação, profissionais e futuros profissionais da educação, elucidando conceitos, teorias e reflexões que estejam focados no objeto língua/linguagem. Desejamos que tais estudos possam de fato auxiliá-los nos trabalhos a serem empreendidos na prática docente. 08 Letras/Português Caderno Didático - 3º Período Objetivamos: � realizar um levantamento crítico das ideias que dominaram e/ou dominam a ciência Linguística; � confrontar as circunstâncias socio-históricas com a emergência de uma determinada corrente linguística; � discutir os efeitos de uma dada corrente linguística para a compreensão da atividade comunicativa; � elucidar questões epistemológicas relacionadas aos movimentos linguísticos do século XX. 2.1 Polo formalista 2.1.1 Estruturalismo 2.1.1.1 Estruturalismo europeu 2.1.1.2 Estruturalismo funcionalista 2.1.1.3 Estruturalismo norte-americano 2.1.2 Gerativismo UNIDADE 3 – Movimentos Linguísticos do Século XX: pólo pragmático Sociolinguística A disciplina foi dividida em três unidades, as quais contêm subunidades. UNIDADE 1 – Linguística Pré-Saussuriana UNIDADE 2 – Movimentos Linguísticos do Século XX: pólo formalista 3.1 Polo pragmático 3.1.1 Funcionalismo 3.1.2 Teoria dos atos de fala 1.1 Na Antiguidade 1.1.1 Na Índia 1.1.2 Na Grécia Antiga 1.1.2.1 No Período Alexandrino 1.1.3 Em Roma 1.2 da Idade Média ao século XVI 1.3 Do século XVII ao século XIX 3.1.3 3.1.4 Linguística textual 3.1.5 Análise da conversação 3.1.6 Análise do discurso 3.1.7 3.1.8 Neurolinguística 3.1.9 Psicolinguística Pragmática O texto está estruturado a partir do desenvolvimento das unidades e subunidades. Você deverá perceber que as questões para discussão e reflexãoque acompanham os textos são muito importantes, bem como as sugestões para ir ao ambiente de aprendizagem, ao fórum, acessar bibliotecas virtuais na web, etc. As sugestões, informações, atividades e dicas estão localizadas nos textos, aparecendo com os seguintes ícones: A leitura dos textos também é importante, pois eles indicam os possíveis desenvolvimentos e ampliações para o estudo e a discussão, além de, em determinadas ocasiões, serem os textos a que nos remeteremos durante nossa abordagem nesse caderno. São recursos que podem ser explorados por você de maneira eficaz, pois buscam promover atividades de observação e de investigação que permitam desenvolver habilidades próprias da análise linguística e exercitar a leitura e a interpretação de fenômenos linguísticos e culturais. Ao planejar esse material, consideramos que você se familiarizaria, paulatinamente, com a visão e os procedimentos próprios da disciplina. Boa viagem ao mundo da Linguística! Agora é com você. Explore tudo, abra espaços para a interação comunicativa com os colegas, para o questionamento, para a leitura crítica dos textos, bem como para as atividades e leituras. 09 Linguística UAB/Unimontes ATIVIDADES C F E A B G GLOSSÁRIO PARA REFLETIRDICAS 11 1UNIDADE 1LINGUÍSTICA PRÉ-SAUSSURIANA A curiosidade faz parte da natureza humana; é intrínseca ao homem. E, em relação à linguagem, não é diferente. Assim, questões como são de interesse daqueles que se atraem pelo funcionamento da língua(gem). Mergulhemos nesse assunto tão instigante! “ por que falamos?”, “ como e para que falamos?”, “ como a língua é estruturada?”, “ por que se fala de maneiras diferentes uma mesma língua?” etc. A partir de questionamentos como estes, elaboramos este Caderno Didático, cujo objetivo principal é oferecer uma visão panorâmica dos movimentos linguísticos a partir do século XX. Porém, para tanto, torna-se necessário, antes de tudo, colocar as investigações linguísticas no seu contexto histórico, a fim de que saibamos quais motivos e intuições do passado serviram de bases a teorias e orientações atuais e possamos formular uma série de propostas satisfatórias a respeito do que seja linguagem. Em razão disso, nosso enfoque, nesta primeira Unidade, são as investigações linguísticas no Ocidente, de Platão às propostas do século XIX. Faremos referência a poucas investigações linguísticas ocorridas no Oriente, apenas àquelas que interferiram no pensamento ocidental. Essa primeira unidade, Linguística Pré-Saussuriana, foi organizada com as seguintes subunidades: 1.1 Na Antiguidade 1.1.1 Na Índia 1.1.2 Na Grécia Antiga 1.1.2.1 No Período Alexandrino 1.1.3 Em Roma 1.2 Da Idade Média ao século XVI 1.3 Do século XVII ao século XIX 12 Letras/Português Caderno Didático - 3º Período 1.1 NA ANTIGUIDADE 1.1.1 Na Índia 1.1.2 Na Grécia Antiga Os hindus – povos da civilização oriental –, por razões religiosas, foram os primeiros povos levados a estudar sua língua - o sânscrito. Preocuparam-se com os textos sagrados, reunidos nos Vedas, pois não queriam que sofressem alteração alguma no momento de serem cantados ou recitados durante os rituais religiosos. Acreditavam que essas alterações constituíam sacrilégios. Depois, os gramáticos – dos quais o mais célebre é Panini (século IV a.C) – dedicaram-se ao estudo do valor e do empréstimo das palavras do sânscrito e fizeram descrições fonéticas que são consideradas modelo no gênero. Por muito tempo esquecidas, foram elas descobertas pelos sábios ocidentais nos fins do século XVIII e constituíram, como veremos ainda nessa unidade, o ponto de partida indispensável à criação da gramática comparada. A descoberta do sânscrito, no século XVIII, possibilitou aos estudiosos ocidentais reconhecer a estrutura interna das palavras, depreendendo suas unidades mínimas. Porém, cumpre ressaltar que os estudos hindus eram puramente estáticos, relativos apenas ao sânscrito, efetuados por homens totalmente destituídos de senso histórico, os quais se limitavam a classificar os fatos sem procurar-lhes a explicação. Os primeiros questionamentos no mundo ocidental feitos sobre a lingua(gem) tentavam determinar se ela era fonte de conhecimento ou a lingua(gem) era, simplesmente, um meio de comunicação convencionado pelo homem. E foi Platão (século V a. C.), o primeiro estudioso da lingua(gem), em seu livro Crátilo, quem escreveu sobre essas indagações: Qual seria a origem das palavras? Elas provinham da natureza ou da convenção? Nesse diálogo Crátilo, três personagens debatiam a questão: Crátilo (a língua espelha exatamente o mundo), Hermógenes (a língua é arbitrária) e Sócrates (conciliador das duas propostas anteriores). Estabeleceu-se, com isso, que a relação das palavras lógos: palavra ou enunciado visto como uma entidade significativa dirigida pelo pensamento racional. léxis: palavra vista como forma. Fonte: WEEDWOOD, Bárbara. História concisa da linguística. São Paulo: Parábola, 2002. A Panini é creditado a descoberta dos conceitos de fonemas, morfemas e raiz, conceitos apenas entendido por alguns linguistas ocidentais no século XVIII: fonema - unidade estrutural da língua falada, a sua mudança em uma palavra conduz a um significado diferente; morfema - menor unidade estrutural da língua que tem significado e raiz - forma mais simples de uma palavra, que transmite a maior parte das informações sobre o significado. Na descrição da gramática sânscrita, cuja visão era normativa, Panini também utilizou conceitos de transformações e recursividade (conceitos utilizados por Chomsky no século XX). Fonte: http://pt.wikipedia.org DICAS C F E A B G GLOSSÁRIO Figura 1: resquícios de arquitetura da Grécia Antiga Fonte: http://www.saberweb.com.br com as coisas não era direta, mas indireta, entretanto, faltava ainda determinar a natureza delas. Aristóteles, um seguidor de Platão, propôs três etapas para a descrição da relação palavras e coisas: “os signos escrito representam os signos falados; os signos falados representam impressões na alma, e as impressões na alma são a aparência das coisas reais“ (WEEDWOOD, 2002, p. 27). Os estudiosos estoicos acrescentaram à sua pesquisa mais uma etapa entre a fala e a impressão, o conceito (lógos), como sendo uma noção que pode ser expressa por meio da língua. Também surgiu o léxis, que não tinha que obrigatoriamente ter significados. Com as pesquisas se aprofundando, os enunciados foram sendo estudados cada vez mais em partes menores. Platão foi o primeiro a classificar essas partes, numa perspectiva funcional (sintática) e semântica, e não formal. Ele delimitou a ónoma (nome) correspondente ao sujeito, e a rhema (palavra, frase), ao predicado (verbo mais adjetivo). Posteriormente, Aristóteles e os estóicos identificaram mais algumas classes, porém pelo aspecto formal, como partes do discurso: o sýndesmo (conjunção), unidade não possuidora de caso e que une o texto, e o arthron (artigo), distingue os nomes em número e gênero. Com os sucessivos estudos e pesquisas, essas classes foram ainda mais refinadas: metoché (particípio), parte do discurso que recebe artigos, casos (nominais) e flexões de tempo (verbais); antonomasía ou antonymia (pronome), usada em substituição ao nome; próthesis (preposição) e epírrhema (advérbio). Todas as definições dessas nomenclaturas gramaticais, propostas pelos gregos, foram pautadas nos aspectos de significado do enunciado (caráter semântico). Após essa fase da “nomenclatura”, o estudioso Apolônio Díscolo (séc. II d. C.) fez um estudo mais profundo da sintaxe grega e propôs diferentes níveis de linguagem: as mesmas regras de organização aplicam-se “às unidades sonoras mínimas, às sílabas, às palavras e, de fato, aos enunciados completos” (WEEDWOOD, 2002, p. 32).As suas ideias tiveram uma participação indireta nos autores pré-modernos ocidentais em razão de o grego ter sido ignorado pelo Ocidente entre os séculos VI e XV e o acesso a seus estudos ter se dado por meio de traduções ou adaptações ao latim. E uma das ideias gramaticais gregas filtrada pelos romanos nesse período é a da “teoria da frase autosuficiente”, cujo problema de interpretação/tradução fez com se limitassem a estudar a frase isoladamente. E essa ideia distorcida permanece até os dias de hoje, quando nas gramáticas tradicionais a sintaxe é estudada em frases soltas. unidade possuidora de caso que 13 Linguística UAB/Unimontes 14 Caderno Didático - 3º Período 1.1.2.1 Período Alexandrino 1.1.3 Em Roma Os alexandrinos (séc. III a. C.) desenvolveram ainda mais as contribuições oferecidas pelos estoicos. Os estudos alexandrinos constituíram a base para as análises linguísticas dos romanos que, mais tarde, chegaram à Europa. Na região da Alexandria, era prática a publicação de comentários sobre textos e tratados de gramática, visando minimizar as possíveis dificuldades de leitura que poderiam prejudicar a compreensão dos antigos poetas gregos. Assim, as gramáticas escritas pelos filósofos tinham como propósito estabelecer e explicar a língua dos autores clássicos com o desejo de preservar o grego das possíveis imperfeições, desvios dos iletrados. Entretanto, esse posicionamento desencadeou duas inadequações no que diz respeito aos estudos linguísticos: a cultura grega valorizou a escrita em detrimento da fala e avaliou a língua dos escritores do século V a. C. como mais adequada e mais elaborada do que a fala co loquia l . Dessa forma, para os alexandrinos, apenas as pessoas ditas cultas usavam adequadamente a língua. Dionísio da Trácia (séc. II-I a. C.), o primeiro autor a descrever explicitamente a língua grega, destacou-se entre os alexandrinos. Na sua obra Téchne Grammatiké (A arte da gramática), propôs oito classes gramaticais: nome, verbo, particípio, artigo, pronome, preposição, advérbio e conjunção. Esse estudioso recorreu ao critério formal (flexão) para elencar essa categorização. Daí resultou a cisão entre a gramática e a Filosofia. Salienta-se que sua obra inspirou a produção e organização das gramáticas latinas até o século XIII, as quais, por sua vez, influenciaram as gramáticas de várias línguas modernas da Europa. Em Roma, os estudos gramaticais se basearam, em grande parte, na adequação da terminologia grega à língua latina. Destacou-se o gramático Terêncio Varrão (séc. I a. C.), em cuja obra, intitulada de Língua Latina, se pode identificar uma teoria gramatical dialogada com os autores gregos que o precederam. Apesar de aceitar as irregularidades da língua, o referidoautor A noção de lógos como um todo que se compõe de partes, iniciada por Platão, foi completada especificamente por Aristóteles, adquirindo um novo significado quando passa “a nomear o discurso que expressa os juízos” (NEVES, 1987, p. 62). A partir das contribuições aristotélicas, os estoicos (séc. III a. C) propuseram uma organização da gramática vista como a sistematização da língua. Eles ofereceram obras que tratavam da fonética, morfologia e sintaxe. No entanto, continuavam a analisar a língua sob o prisma da sua relação com o pensamento, com a lógica. Letras/Português DICAS DICAS Figura 2: Dionísio de Trácia (séc. II-I a. C. Fonte:http://viatgeixarxa.blogspot. com 15 Linguística UAB/Unimontes propôs uma teoria normativa. Varrão inovou quanto à distinção entre palavras variáveis e invariáveis; além disso, ainda apresentou um estudo sobre flexão do nome, as vozes e os tempos verbais. Outro autor que merece destaque é Prisciano, séc. V e VI d. C., por ter apresentado, em sua obra Institutiones Grammaticae, classes gramaticais (verbo, particípio, pronome, advérbio, preposição, interjeição e conjunção)seguidas até hoje pelos gramáticos tradicionais. Em sua obra, Prisciano abordou primeiramente a fonética, depois a morfologia e, por último, a sintaxe. No início da Idade Média, as gramáticas foram pouco originais, meramente didáticas, e objetivaram apenas ensinar o latim. A partir do séc. XII, sob forte influência do pensamento aristotélico, ganhou destaque São Tomás de Aquino com a filosofia escolástica. Nesse contexto, surgiu a chamada Gramática Especulativa (Alta Idade Média) que se caracterizou pela incorporação à filosofia escolástica da descrição gramatical do latim, anteriormente proposta por Prisciano. Os gramáticos especulativos buscaram dar validade universal às regras da gramática latina, isto é, e, ainda, criaram uma variedade de termos técnicos (taxionomia) para formalizar suas teorias. O problema dessa gramática foi seu excesso de teoria cujos dados eram formulados pelos próprios gramáticos especulativos e não retirados de textos clássicos. Um pouco mais adiante na história, tivemos a nossa gramática da Língua Portuguesa que se originou em Portugal e, portanto, seguiu os parâmetros latinos. A primeira obra foi a Grammatica da Lingoagem Portuguesa, cujo autor é Fernão de Oliveyra. Essa obra se restringiu aos estudos sobre ortografia, acento, etimologia e analogia, sendo que essa última se pautava nas flexões, sobretudo, de gênero e número. Outro gramático da Língua Portuguesa, João de Barros, sempre sob os moldes da gramática latina, dividiu sua obra em quatro partes: ortografia, prosódia, etimologia e sintaxe. Segundo ele, a gramática é considerada um marco linguístico na transição da Antiguidade para a Idade Média, 1.2 DA IDADE MÉDIA AO SÉCULO XVI buscaram sustentar a tese de que a gramática é essencialmente a mesma para todas as línguas, “um modo certo e justo de falar e escrever, colhido do uso e autoridade dos barões doutos” (1557, p. 1). Gramática especulativa: gramática que procura encontrar as razões filosóficas das regras gramaticais. O termo especulativo não deve ser compreendido no seu sentido moderno, mas num sentido particular, derivado da concepção de que a língua é como um espelho que reflete a realidade subjacente aos fenômenos do mundo físico (LYONS, p.15, 1979). Filosofia escolástica: corrente filosófica que dominou o pensamento cristão entre os séc. XI e XIV em que se tentava conciliar fé e razão, acreditando que não eram contraditórias por serem ambas de Deus. São Tomás de Aquino fez uma releitura da obra de Aristóteles numa perspectiva cristã e dividiu em dois o conhecimento humano: o conhecimento sobrenatural seria o ensinado pela fé e o conhecimento natural viria à luz da razão (como os teoremas matemáticos). Fonte: http://mundoestranho.abril.co m.br C F E A B G GLOSSÁRIO Figura 3: Lingoagem Portuguesa, de Fernão de Oliveyra. Fonte: http://purl.pt Grammatica da 16 Caderno Didático - 3º Período Opondo-se aos gramáticos especulativos da Idade Média, os renascentistas estudaram o latim e o grego, bem como as línguas vernáculas, com base na literatura, na língua escrita das classes cultas, mais do que na lógica. Defendiam o estudo da língua através da literatura e não do aristotelismo escolástico. 1.3 DO SÉCULO XVII AO SÉCULO XIX No séc. XVII, houve uma retomada à postura logicista, ao redor da abadia francesa de Port-Royal. Destacaram-se, nesse período, os estudiosos Antonie Arnauld e Claude Lancelot, sobretudo, pelo lançamento da Grammaire Générale et Raisonée (1660), reapresentando os pressupostos da gramática especulativa. As propostas desses estudiosos consistiam na existência de uma estrutura universal do pensamento (em referência aos precursores logicistas), portanto, de universais linguísticos, e na adoção das tradicionais nove classes gramaticais, nesse caso, incluindo o artigo, antes, excluído por Prisciano, e a interjeição. Em vários pontos,os estudos de Port-Royal se aproximaram da visão aristotélica sobre a linguagem, sobretudo, quanto ao fato de defender que a função das línguas consiste em comunicar o pensamento. Esses autores avançaram particularmente quando procuraram identificar a unidade linguística subjacente às diferentes línguas e construir esse universalismo com base na razão. No fim do séc. XVIII e início do séc. XIX, alguns estudiosos da linguagem contestaram os estudos baseados na gramática greco-latina, ou seja, na língua vista como objeto reflexo do pensamento e da lógica e não como objeto de uma ciência independente. Iniciada pelo movimento de ruptura com esse passado, o século XIX viu esboçar uma nova etapa nos estudos linguísticos, pois viu surgir o estudo científico da língua no mundo ocidental. Tal afirmativa será verdadeira se dermos ao termo científico o sentido que ele geralmente tem hoje; foi no século XIX que os fatos da língua começaram a ser investigados com cuidado e objetividade e depois explicados por hipóteses indutivas. O ponto de partida dessa nova fase de investigações linguísticas foi a redescoberta do sânscrito pelos sábios ocidentais (século XVIII): o conhecimento dessa língua – além de possibilitar facilmente, pelo menos em certos casos, a análise da palavra em seus elementos constituintes – dava acesso à obra dos gramáticos hindus, tesouro de observações preciosas, particularmente instrutivas no tocante à classificação dos fonemas e à teoria da raiz da formação das palavras. Aí podemos reconhecer as sementes das futuras pesquisas estruturalistas nos domínios da ciência da linguagem. E o estabelecimento do parentesco do sânscrito com o latim, o grego e as línguas germânicas, pelo inglês William Jones, constituiu o Letras/Português 17 Linguística UAB/Unimontes primeiro impulso ao desenvolvimento do estudo comparativo e histórico das línguas. Tal descoberta denominada mutação consonântica foi importante, pois constituiu o primeiro modelo das leis fonéticas, que traduziu a regularidade das transformações fonéticas da linguagem. Jones declarou que o sânscrito mostrava em relação ao latim e ao grego, tanto nas raízes dos verbos como nas formas gramaticais, uma afinidade tão grande que não seria possível considerá-la casual: tão forte, em verdade, que nenhum linguista poderia examiná-la sem crer que se tinham originado de uma fonte comum que talvez não mais exista. Outro grande nome desse período foi Bopp, que publicou em 1816 o seu Sistema de conjugação do sânscrito em comparação com o grego, latim, persa e germânico, reunindo as provas indiscutíveis do parentesco de tais línguas e fundando ao mesmo tempo a gramática comparada das línguas indo-européias. Partindo, geralmente, do sânscrito, Bopp segmentou as palavras e mostrou sua variedade de combinações, expôs suas transformações sofridas e esforçou-se por buscar-lhes a origem. Seu objetivo básico era chegar à origem, não por especulações filosóficas, mas pela comparação dessas formas em seu arranjo histórico. Vê-se, assim, que o seu método foi o indutivo. Com isso, Bopp compreendeu que as relações entre as línguas de uma mesma família podiam converter-se em matéria de uma ciência autônoma e, ainda mais, que o estudo do desenvolvimento histórico de uma língua e seu parentesco com outras não podia ser feito pela mera coincidência de alguns termos isolados, mas pela observação metódica da constituição gramatical da(s) língua(s) em questão. Jacob Grimm, outro nome a ser acrescentado ao dos promotores da gramática comparada, dedicou-se ao estudo dos dialetos germânicos e publicou pesquisas pormenorizadas sobre a história fonética dos falares germânicos. Grimm observou, por exemplo, que as línguas germânicas tinham frequentemente: � t onde outras línguas indo-europeias (o latim ou o grego, por exemplo) tinham p; � p onde outras línguas tinham b; � th onde outras línguas tinham t; e � t onde outras línguas tinham d. Assim, a gramática passou a ser estudada como um conjunto de fatos e fundamentada em uma visão empírica; não atrelada a uma base lógica. O linguista Wilhelm von Humboldt, além de realizar investigações histórico- comparativas, é reconhecido como sendo o primeiro linguista europeu a identificar a linguagem humana como um sistema governado por regras, e não simplesmente uma coleção de palavras e frases acompanhadas de significados (língua como atividade dinâmica e mental). Essa ideia é uma das bases da teoria da Linguagem de Noam Chomsky. Fonte: http://pt.wikipedia.org Universais linguísticos: similaridades existentes em todas as línguas do mundo (DUBOIS et al, 2001). DICAS C F E A B G GLOSSÁRIO Nessa nova dinâmica instalada, surgiram muitos estudos sob o fulcro da gramática histórico-comparativa que alavancaram a investigação da língua agora entendida como objeto científico. Porém, apesar de prevalecer nessa época a abordagem histórico-comparativa, alguns linguistas defendiam a ideia de que, paralelamente ao estudo evolutivo da língua, deveria se estabelecer um estudo descritivo da língua. Assim, Saussure (1916), com a obra impôs uma visão menos estática e diacrônica (histórica), portanto, mais sincrônica da língua. Surgiu, então, a Escola Estruturalista, focada no estudo descritivo do sistema linguístico, a qual abordaremos na próxima Unidade 2. A Cours de Linguistique Générale, partir daí, os estudos linguísticos afastaram-se da trilha aberta por Aristóteles. 18 Caderno Didático - 3º Período No período histórico- comparativo as investigações linguísticas pautavam-se na história das línguas (diacrônicas), ou seja, analisavam as relações entre os termos sucessivos que se substituem uns aos outros no tempo e os comparavam entre as línguas. Além disso, na última parte do século XIX, alguns jovens linguistas, os Neogramáticos, decidiram que dispunham de evidência suficiente para declarar que a mudança fonética é invariavelmente regular – isto é, que um determinado som, em um determinado ambiente numa determinada língua sempre muda da mesma forma (leis fonéticas regulares - fixas). Para as mudanças sonoras que constituíam exceções às leis fonéticas regulares (analogias), propuseram que se davam em razão de associações estabelecidas pelo homem entre formas distintas que interfeririam no desenvolvimento natural do sistema sonoro, contrariando uma lei fonética regular. Fonte:http://pt.wikipedia.org/wiki/L ingu%C3%ADstica_hist%C3%B3ric o-comparativa Letras/Português DICAS Linguística UAB/Unimontes 19 REFERÊNCIAS ARNAULD e LANCELOT. Gramática de Port-Royal. 2 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001. BARROS, João de. Grammatica da lingua portuguesa. Organizada por José Pedro Machado, em cima da 3 ed. Rio de Janeiro: s/d, 1557. DUBOIS, Jean et al.Dicionário de linguística. 8 ed. São Paulo: Cultrix, 2001. LYONS, John. Linguagem e linguística: uma introdução. Rio de janeiro: LTC, 1979. NEVES, Maria Helena Moura. A vertente grega da gramática tradicional. São Paulo: Hucitec, 1987. SAUSSURE, Ferdinand. Curso de linguística geral. São Paulo: Cultrix, 2001. WEEDWOOD, Bárbara. História concisa da linguística. Trad. Marcos Bagno. São Paulo: Parábola, 2002. http://pt.wikipedia.org/wiki/Lingu%C3%ADstica_hist%C3%B3rico- comparativa Acesso em: 20 de nov. de 2008. http://purl.pt Acesso em: 20 de nov. de 2008. http://viatgeixarxa.blogspot.com Acesso em: 20 de nov. de 2008. http://www.saberweb.com.br Acesso em: 20 de nov. de 2008. http://mundoestranho.abril.com.br Acesso em: 20 de nov. de 2008. 20 2UNIDADE 2 MOVIMENTOS LINGUÍSTICOS DO SÉCULO XX: POLO FORMALISTA Na segunda unidade deste Caderno Didático, continuaremos a discussão sobre a linguagem, porém na visão da Linguística Moderna, ciência que investiga a linguagem verbal humana/língua, e seus efeitos para a compreensãoda prática comunicativa. Como, no século XX, houve dois grandes polos de propostas de investigação linguística: o polo formalista, que analisa a linguagem verbal/língua em si mesma, desvinculada de fatores não linguísticos, e o polo pragmático, que considera as condições de uso da linguagem verbal em situações reais de uso, nesta Unidade 2, abordaremos, especificamente, os movimentos linguísticos entendidos como Estruturalismo e Gerativismo, os quais constituem o polo formalista de investigações da linguagem. Evidenciaremos tanto em que consistem suas propostas, como os pontos divergentes/convergentes e os posicionamentos tomados. Essa segunda unidade foi estruturada a partir das seguintes subunidades: 2.1 Polo formalista 2.1.1 Estruturalismo 2.1.1.1 Estruturalismo europeu 2.1.1.2 Estruturalismo funcionalista 2.1.1.3 Estruturalismo norte-americano 2.1.2 Gerativismo 2.1 POLO FORMALISTA estudam a língua sob o ponto de vista abstrato (psíquico), fora do contexto de uso A Linguística do século XIX, em suas pesquisas de ordem eminentemente histórico-comparativa, deixou um importante legado teórico, sobretudo por intermédio dos neogramáticos e dos linguistas como, por exemplo, Humboldt. Entretanto, a partir do século XX, a denominamos de Linguística Moderna, período que é normalmente identificado com o aparecimento do Cours de Linguistique Générale de Saussure, cuja obra privilegia o aspecto formal da linguagem. O polo formalista de investigações da linguagem é constituído pelos movimentos linguísticos Estruturalismo e Gerativismo, os quais têm em comum a tendência em analisar a língua como um objeto autônomo, desvinculado do processo comunicativo e sociointeracional, ou seja, . Os expoentes deste polo são os estruturalistas Saussure, Hjelmslev, Jakobson, Troubetzkoy, Bloomfield, Sapir e o gerativista Chomsky. Apresentada essa questão , passemos ao Estruturalismo. A ciência que investiga os signos em geral (linguagem verbal e não verbal) é denominada de Semiologia (segundo Saussure) ou Semiótica (segundo Sanders Pierce). Daí a Linguística ser parte dessa ciência mais abrangente, já que se propõe a investigar apenas a linguagem verbal oral ou escrita. DICAS 21 2.1.1 Estruturalismo 2.1.1.1 Estruturalismo europeu A publicação do marcou o início da corrente linguística do Estruturalismo. São três as noções básicas que caracterizaram o Estruturalismo: sistema, estrutura e função. A noção de sistema deve-se a Saussure, pois, para ele, a linguagem verbal é constituída de língua e fala, em que a língua é um sistema, ou seja, um conjunto de unidades que obedecem a certos princípios de funcionamento, constituindo um todo coerente. Considerando a linguagem verbal como um fenômeno unitário no qual os elementos se inter-relacionam, Saussure estabeleceu, do ponto de vista metodológico, dicotomias básicas: língua-fala, sincronia-diacronia, sintagma-paradigma, significado-significante (PIETROFORTE in FIORIN, 2002). A partir de agora vamos observar algumas delas: Língua versus fala Segundo Saussure, a língua (langue) é ao mesmo tempo um sistema de valores que se opõem uns aos outros e um conjunto de convenções necessárias adotadas por uma comunidade linguística para se comunicar. Ela está depositada como produto social na mente de cada falante de uma comunidade, que não pode criá-la, nem modificá-la; é, pois, de natureza homogênea. A fala (parole) é a realização, por parte do indivíduo, das possibilidades que lhe são oferecidas pela língua. É, pois, um ato individual e momentâneo em que interferem muitos fatores extralinguísticos e se fazem sentir a vontade e a liberdade individuais, portanto, heterogênea. Mesmo que tenha reconhecido a interdependência entre língua e fala, Saussure considerou como objeto da Linguística a língua – por seu Cours de Linguistique Générale (1916), de Ferdinand Saussure, Linguística UAB/Unimontes Langue Linguística da língua Saussure Parole Linguística da fala Figura 4: Ferdinand Saussure Fonte: http://en.wikipedia.org 22 Caderno Didático - 3º Período caráter homogêneo – procurando não só entender, mas também descrevê-la do ponto de vista de sua estrutura interna. Segundo Alkimim (2001, p. 23), Sincronia versus diacronia Paradigma versus sintagma É Saussure quem define a língua, por oposição à fala como o objeto central da Linguística. Na visão do autor, a língua é o sistema subjacente à atividade da fala, mais concretamente, é o sistema invariante que pode ser abstraído das múltiplas variações observáveis da fala. Da fala, se ocupará a estilística ou, mais amplamente, a Linguística Externa. A Linguística, propriamente dita, terá como tarefa descrever o sistema formal, a língua. Inaugura-se, assim, a chamada abordagem imanente da língua, que, em termos saussurianos, significa afastar 'tudo o que lhe seja estranho ao organismo, ao seu sistema'. Para Saussure (2001, p. 96), “é sincrônico tudo quanto se relacione com o aspecto estático da nossa ciência”, ou seja, esse ponto de vista vê a língua como uma estrutura cujos elementos constitutivos se opõem; “diacrô- nico tudo o que diz respeito às evoluções”, ou seja, analisa as mudanças que ocorrem nas línguas através do tempo. “Do mesmo modo, sincronia e diacronia designarão, respectivamente, um estado de língua e uma fase de evolução.” Nessa perspectiva, o estruturalismo proposto por Saussure não apenas apontou as diferenças entre essas duas formas de investigação, mas, sobretudo, priorizou o estudo sincrônico. Ou seja, para Saussure, o linguista deve estudar principalmente o sistema da língua, observando como se configuram as relações internas entre seus elementos em um determinado momento do tempo. Esse tipo de estudo é possível porque os falantes não possuem informações acerca da história de sua língua e não precisam ter informações etimológicas a respeito dos termos que utilizam no dia-a-dia: para os falantes, a realidade da língua é seu estado sincrônico. As relações entre os elementos linguísticos, segundo Saussure, podem ocorrer em dois domínios distintos, mas que se completam. Essas relações dependem de uma seleção (escolhe-se um elemento em detrimen- to de outros que poderiam ocupar um mesmo ponto do enunciado) desses elementos e, ao mesmo tempo, de uma combinação entre os elementos selecionados. Dessa maneira, podemos dizer que a linguagem possui dois eixos: um eixo paradigmático (seleção) e um eixo sintagmático (combina- ção). Letras/Português 23 Linguística UAB/Unimontes Nesse exemplo, temos, na vertical, o eixo paradigmático (com as palavras que poderíamos selecionar para ocupar as posições indicadas) e, na horizontal, o eixo sintagmático (com as combinações estabelecidas entre as palavras selecionadas): Significante versus significado Saussure definiu como objeto de estudo do Estruturalismo a língua – um conjunto de signos linguísticos convencionado por uma dada sociedade. E foi nessa última dicotomia que se estudou o conceito de signo linguístico. O signo linguístico, uma entidade abstrata e psíquica, é constituído de significante e significado. Mas a que essas palavras equivalem? Se o signo linguístico é uma unidade abstrata, as partes que o compõem também o são, mas a que correspondem? O significante é a imagem acústica de um signo, isto é, som psíquico (mentalizado) e não som articulado (aspecto físico). Para identificá- lo, pense em uma palavra. Esses sons combinados que mentalizou correspondem ao significante desse signo linguístico. E o significado? O significado é a imagem conceitual de um signo linguístico, isto é, é a imagem da coisa, arquivada em nossa memória; seu todo significativo. Por exemplo: significante = /'kaza/ significado = Com base nisso, podemos questionar:um signo é uma palavra? Como o signo linguístico é uma entidade constituída de significante e significado, não apenas as palavras são tidas como signo linguístico, mas também os morfemas (unidades mínimas significativas recorrentes de uma língua). Saussure também propôs dois princípios para os signos linguísticos: a sua arbitrariedade e a linearidade do significante. O que querem dizer? 24 Letras/Português Caderno Didático - 3º Período Saussure afirmou que o signo linguístico é arbitrário, ou seja, não há relação necessária (natural) entre o seu significante e o seu significado, pois é convencionado por um grupo social, não cabendo a um indivíduo alterá-lo. Isso é comprovado pela diversidade das línguas (em português, temos o significante casa e, em inglês, house para o significado moradia), isto é, em sociedades diferentes, as convenções linguísticas dos grupos sociais são, também, diferentes. Propôs, além disso, que o significante é linear, uma vez que os sons (psíquicos) ocorrem um após o outro, sucessivamente, em forma de linha. Entre outros, esses são pressupostos linguísticos do pensamento saussuriano, os quais figuram como alicerce da linguística estrutural. A propensão a analisar a língua do ponto de vista de uma unidade encerrada em si mesma, como uma estrutura sui generis, também esteve presente no Grupo Copenhague que teve Hjelmslev à frente. Assim considerado, a língua apresenta um caráter abstrato e estático, já que é dissociada do ato comunicativo. A Escola de Copenhague focalizou o aspecto formal das línguas, deixando sua função num plano secundário. Ou seja, essa escola adotou a concepção saussuriana de língua como um sistema autônomo e, através de Hjelmslev, desenvolveu uma teoria chamada de Glossemática, aprofundando principalmente os conceitos de forma e substância (expressão e conteúdo). Hjelmslev, partindo do princípio de que a língua é uma estrutura, isto é, uma entidade de dependências internas, construiu uma teoria que se realiza numa rede abstrata de inter-relações. O expediente de análise utilizado é o da comutação aplicável tanto ao plano da expressão (substância fônica) como ao plano do conteúdo (substância semântica), admitindo-se que há o mesmo tipo de relações operando nesses dois planos. As unidades são isoláveis pela comutação, mas são definidas formalmente, isto é, por meio de relações combinatórias. Nesse ponto, o tratamento é puramente dedutivo. Sabe-se que durante a primeira metade do século XX, privilegiando diferentes aspectos das ideias de Saussure, surgiram na Europa, não apenas a Escola de Copenhague, mas também a Escola de Genebra e a Escola de Londres, as quais não se limitaram ao estudo meramente formal, adotando a visão de que a língua devia ser vista como um sistema funcional, no sentido que é utilizada para um determinado fim: a comunicação; ao contrário da Escola de Copenhague. Glossemática: designa a teoria linguística proposta por Hjelmslev que considera a língua como fim em si e não como meio. Essa teoria, em razão de seguir os pressupostos básicos de Saussure, pertence ao Estruturalismo europeu. Forma: segundo Hjelmslev, equivale à estrutura da língua, oriunda do sistema de signos linguísticos, a qual se exprime pelas relações que as unidades linguísticas mantêm entre si no plano de expressão (significante) e no plano de conteúdo (significado). Substância: para esse estudioso, corresponde à realidade fônica ou semântica (massa não estruturada) da língua. C F E A B G GLOSSÁRIO 25 Linguística UAB/Unimontes 2.1.1.2 Estruturalismo funcionalista três funções gerais desempenhadas pela linguagem, O conceito de funcionalismo surgiu no Círculo Linguístico de Praga, um dos grupos mais importantes para as investigações da Linguística teórica e o desenvolvimento da filologia das línguas eslavas. Assim, podemos afirmar que a abordagem da Escola de Praga foi caracterizada como um Estruturalismo Funcional, pois alguns linguistas europeus, a partir dos pressupostos saussurianos, desenvolveram uma concepção de comunicação mais rica que Saussure, ao proporem o aspecto funcional da sentença. A visão funcional da Escola de Praga esteve na definição de língua, vista como “um sistema de meios apropriados a um fim e um sistema de sistemas” (apud ILARI, 1992, p. 24-25), já que a cada função corresponde um subsistema. Diferentemente do que se postulou nas concepções estruturalistas em geral, para eles, todos os subsistemas dizem respeito à mesma unidade, a frase. Distinguem-se níveis sintáticos de organização da frase, abrigando-se neles a semântica e a pragmática. As ideias básicas do Círculo envolveram campos diversos de interesse linguístico: problemas gerais das línguas, questões ligadas à poética e ao estudo sociolinguístico e o estudo de particularidades das línguas eslavas. Caracterizando-se por enfatizar sobremaneira o estudo das funções da linguagem, os estudiosos de Praga vão abordar a função da linguagem no ato de comunicação e o papel desta na sociedade, a função da linguagem na literatura e o problema dos diferentes aspectos e níveis de linguagem do ponto de vista funcional. Coube a Jakobson, juntamente com Trubetzkoy e Karcevsky, a criação de uma nova disciplina, a Fonologia, diferenciando-a cientificamente da Fonética. Conforme afirmou Trubetzkoy, “a Fonética é a ciência da face material dos sons da linguagem humana. [...] A Fonologia tem por objeto o som que preenche uma determinada função na língua” (apud CARVALHO, 2000, p. 118). Assim, enquanto esta tem como objeto o som ideal (som da língua), abstrato, acima das diferenças individuais de pronúncia e capaz de distinguir significados (fonema), aquela deve estudar o som real (som da fala), aquele que é efetivamente pronunciado pelo falante (fone), sem qualquer valor significativo. Sem dúvida, foi na Fonologia que a noção de contraste funcional causou seu primeiro grande impacto. Contudo, o funcionalismo da Escola de Praga foi aplicado a diversos outros aspectos do estudo linguístico. Por exemplo, foi o psicólogo Karl Buhler quem discutiu aprofundadamente a teoria funcional e propôs a partir da concepção de que a linguagem é um sistema de sinais que funciona como um instrumento por meio do qual Escola Linguística de Praga é a designação que se dá a um grupo de estudiosos que começou a atuar antes de 1930, para os quais a linguagem, acima de tudo, possibilita ao homem a reação e a referência à realidade extralinguística. As frases são vistas como unidades comunicativas que veiculam informações, ao mesmo tempo em que estabelecem ligação com a situação de fala e com o próprio texto linguístico. Nesse sentido, o que se analisa são as frases efetivamente realizadas, para cuja interpretação atribui- se especial atenção ao contexto tanto verbal como não-verbal. Concebe-se que, mesmo no nível do enunciado, podem encontrar-se regularidades que admitem tentativas de organização e descrição (NEVES, 2001, p. 17). DICAS 26 Letras/Português Caderno Didático - 3º Período os indivíduos se comunicam: apresentando um inter-relacionamento entre as funções da linguagem e os elementos de comunicação. Essa sua proposta tornou-se o mais divulgado esquema do processo de comunicação linguística. Outra colaboração importante da Escola de Praga foi, sob seu ponto de vista funcional, distinguir Gramática e Estilística, destacando-se, neste aspecto, Vilem Mathesius, que desenvolveu o estudo da perspectiva oracional funcional, mostrando maneiras diferentes pelas quais uma língua é capaz de manifestar suas funções: por meio de uma estruturação dada pelo padrão gramatical (estrutura formal) ou de uma estruturação portadora de informação do enunciado. Nesse período, temos, ainda, André Martinet (1970), linguista que, formulou a dupla articulação da linguagem.Segundo ele, toda língua natural possui dos níveis de oposição – a uma primeira articulação, representada por unidades significativas (morfemas), acrescenta-se uma segunda articulação, de unidades distintivas (fonemas). Essa teoria constitui-se por um esquema de processos que conduzem à descoberta da gramática de uma língua ou, então, uma técnica experimental de coleta de dados brutos. Seu critério básico é a distribuição ou soma de contextos em que uma unidade pode aparecer em contraste : (i) função cognitiva, consiste no emprego da linguagem, objetivando a transmissão de informação factual; (ii) função expressiva, relaciona-se à disposição de ânimo (vontade) ou atitude do locutor (ou escritor); (iii) função conativa (ou instrumental), voltada para o uso calcado em influenciar a pessoa a quem se dirige a fala ou quais as estratégias linguísticas a serem empreendidas para provocar determinado efeito de sentido. Essas funções foram repensadas por Jakobson que ampliou o quadro para seis funções: emotiva, conativa, referencial, fática, metalinguística e poética, 2.1.1.3 Estruturalismo norte-americano A partir do Estruturalismo europeu, a linguística norte-americana foi dominada por uma tendência formalista que se enraizou com Leonard Bloomfield e se mantém até hoje com a linguística gerativa. A teoria da linguagem de Bloomfield, dominante nos Estados Unidos até aproximada- mente 1950, é apresentada de maneira independente, apesar de estar ancorada nos pressupostos linguísticos básicos do pensamento de Saussure. Isso se dá em razão de, ao lado de algumas diferenças, muitos serem os pontos em comum – ou pelo menos convergentes –, de modo que nos permitem conceber a teoria distribucionalista como uma vertente do estruturalismo. com interesse em uma linguística mais prática e fácil de ser compreendida, Teoria distribucionalista: teoria que propõe que os enunciados de uma língua são constituídos de elementos que se acham em posições particulares com relação aos outros. C F E A B G GLOSSÁRIO 27 Linguística UAB/Unimontes com aqueles em que não aparece. Tem natureza mecanicista porque se restringe à liberdade de ocorrências das partes do enunciado comparando- as umas com as outras quanto ao seu contexto linguístico sem levar em conta o sentido. As formas se identificam exclusivamente por sua posição. Bloomfield não adotou a distinção entre forma e substância em concordância com o sentido da Glossemática, pois, para ele, há formas (= sequências de fonemas; expressão) e significação (= conteúdo): toda forma exprime um conteúdo. Segundo Bloomfield, a língua, como forma de comportamento, é uma entidade autônoma, que pode ser descrita por si mesma através de técnicas aplicáveis mecanicamente; isto é, para se estudar uma língua, fazem-se necessárias a constituição de um corpus – reunião de um conjunto, o mais variado possível, de enunciados efetivamente emitidos por usuários de uma determinada língua em uma determinada época; a elaboração de um inventário, a partir desse corpus, que permita determinar as unidades elementares em cada nível de análise, assim com as classes que agrupam tais unidades; a verificação das leis de combinação de elementos de diferentes classes; e a exclusão do significado dos enunciados que compõem o corpus. Desse modo, Bloomfield (1933) adotou explicitamente uma abordagem behaviorista do estudo da língua, eliminando, em nome da objetividade científica, toda referência a categorias mentais ou conceituais. Assim, esse teórico preferiu evitar considerações semânticas em sua análise linguística; em outras palavras, o estruturalismo bloomfieldiano desconsiderou a semântica sob a inspiração do behaviorismo. Ao lado de Bloomfield, e em posição diferente, esteve Sapir, para quem a língua é uma forma autossuficiente que fornece ao pensamento e à cultura seus canais expressivos adaptando ambos a ela. Segundo ele, se a forma linguística é pré-racional e nasce da intuição, então os fatos linguísticos devem ser interpretados e complementados com referência a fatos psíquicos, ou seja, fundamentam-se no sistema psicológico. Assim, temos, por um lado, o mecanismo de Bloomfield que se apóia na psicologia behaviorista a qual vê o comportamento humano como explicável e, portanto, previsível, a partir das situações em que aparece; e, por outro, o mentalismo de Sapir, que vê na variedade do comportamento linguístico o efeito da ação de fatores psicológicos (vontade, emoção, reflexão, percepção etc.), ou seja, a fala deveria ser explicada como um efeito dos pensamentos (intenções, crenças, sentimentos) do sujeito falante. Dessa maneira, os estudos de Sapir romperam os limites do Figura 5: Leonard Bloomfield (1887- 1949) Fonte: http://www.glotto pedia.de/images/ 28 Letras/Português Caderno Didático - 3º Período estruturalismo saussuriano, adotando o postulado de que os resultados de análise de uma língua devem ser confrontados com os resultados da análise estrutural de toda cultura material e espiritual do povo que fala tal língua. Segundo Weedwood (2002, p. 129-130), nesse período, havia centenas de línguas indígenas americanas – o equivalente a aproximadamente mil línguas – apresentadas sob a forma de material linguístico oral ainda não descrito e faladas por somente uma parcela de seus falantes que, caso não fossem registradas, poderiam se extinguir; o que representava um grande problema para os administradores e etnólogos da época. Em razão disso, muitos estudiosos estavam mais preocupados com a descrição dos princípios metodológicos para análise dessas línguas pouco familiares do que com a construção de uma teoria geral da estrutura da linguagem. Além disso, temiam que a descrição das línguas indígenas ficasse distorcida se fossem analisadas à luz das análises propostas para as línguas indo-europeias mais familiares. Vale ressaltar que tanto a teoria Sapir-Worf como a bloomfieldiana, no tocante à análise distribucionalista, inserem-se nessa situação linguística específica dos Estados Unidos naquele início de século. Assim, nesse contexto específico, a ideia antropológica presente nos estudos de Sapir-Whorf e a psicologia comportamental que influenciou as ideias de Bloomfield são férteis, marcando o estruturalismo norte- americano e diferenciando-o do estruturalismo europeu. Pode-se dizer que, enquanto Sapir foi o pioneiro, Bloomfield foi o consolidador da linguística naquele país, criando uma teoria mais bem definida do que os linguistas anteriores. As ideias de Saussure tiveram grande repercussão e marcaram uma nova fase da história da Linguística. Entretanto, já na segunda metade do século XX, com a publicação da obra intitulada Syntactic Structures (1957) Syntactic Structures (1957) é a obra em que Chomsky descreveu a base da chamada gramática gerativo-transformacional, cujo objetivo foi explicar a capacidade criadora que permite ao falante nativo produzir (ou gerar) e compreender um número infinito de frases a partir de um conjunto 2.1.2 Gerativismo iniciou-se nos Estados Unidos uma reação ao estruturalismo tradicional, visto como essencialmente limitado à análise de dados observáveis e de objetivos quase sempre taxionômicos. Essa reação ganhou força e foi encabeçada por Chomsky . Chomsky se posicionou contra o Estruturalismo em razão de a gramática estrutural se pautar na fragmentação dos enunciados, restringindo-se à estrutura superficial, a um corpus, logo, desconsiderando a capacidade do falante de produzir sentenças. Hipótese Sapir-Worf: formulada pelos linguistas Edward Sapir e Benjamin Lee Worf, essa hipótese postula que cada língua segmenta sua realidade e impõe tal segmentação a quem a fala; dessa forma, pessoas que falam diferentes línguas veem o mundo de maneira diferente. Além disso, postula que os modelos linguísticosestão relacionados aos modelos socioculturais; assim, distinções gramaticais e lexicais, obrigatórias numa dada língua, correspondem às distinções de comportamento, obrigatórias numa dada cultura (MARTELOTTA et al, 2008, p. 125). DICAS 29 Linguística UAB/Unimontes finito, a maioria das quais nunca ouviu ou emitiu antes (fato já observado por Humboldt, no século XIX). O mecanismo que essa teoria gerativa instala é dedutivo: parte do que é abstrato, isto é, de um axioma e um sistema de regras e chega ao concreto, ou seja, as frases existentes na língua, operando, portanto, com hipóteses a respeito da natureza e funcionamento da linguagem. Nessa medida, parte do princípio de que a faculdade da linguagem é intrínseca à espécie humana: o homem já nasce com ela (faz parte de sua natureza), ou seja, ela é interna ao organismo humano (não é determinada pelo mundo exterior, como afirmam os behavioristas) e deve estar fincada na biologia do cérebro/mente da espécie, destinando-se a constituir a competência linguística de um falante, a qual será por ele utilizada. A aquisição da linguagem, segundo os gerativistas, é um aspecto particular do desenvolvimento da capacidade do ser humano de captar e dominar conhecimentos, e são as ideias e princípios inatos derivados dessa capacidade de pensar que determinam a forma de conhecimento adquirido de maneira restrita e organizada. E, para que os mecanismos inatos sejam ativados, basta haver condições adequadas (exposição aos dados linguísticos). O programa gerativista reflete sobre os mecanismos internos envolvidos no pensamento e na ação humana, pois assumem que a linguagem deve ser entendida como um órgão - componente do cérebro -, cujo caráter básico é um reflexo dos genes. Interessa-lhes os aspectos inatos da mente/cérebro que geram o conhecimento da língua, pois estão preocupados em depreender na análise das línguas propriedades comuns, universais da linguagem, que constituem a Gramática Universal (GU). Esse modelo teórico propõe também que, por trás de questões exclusivamente descritivas sobre o funcionamento da linguagem, há uma rede complexa e seletiva de operações mentais que orienta o desenvolvimento linguístico. Assim, postula análises sintáticas de frases pautadas na diferença entre os níveis “superficial” (estrutura superficial) e “profundo” (estrutura profunda) do sistema gramatical e sua maior intenção é “oferecer um meio de análise dos enunciados” que leve “em conta este nível subjacente da estrutura” (WEEDWOOD, 2002, p. 133). Ao gerativismo, então, atribui-se a descrição das regras que Figura 6: Avram Noam Chomsky Fonte: http://www.chomsky.info Taxionomia: ciência baseada na classificação de coisas ou aos princípios subjacentes da classificação. Gramática Universal (GU): gramática inata ao ser humano que contém, segundo o modelo da teoria inatista de Noam Chomsky de 1965, as regras de todas as línguas. Pelo modelo de 1981, a GU é constituída apenas de princípios (leis universais), os quais todas as línguas possuem. C F E A B G GLOSSÁRIO 30 Letras/Português Caderno Didático - 3º Período determinam a estrutura da referida competência linguística humana. Segundo Chomsky (1965), [...] a teoria linguística ocupa-se de um falante ouvinte ideal numa comunidade de fala completamente homogênea, que conhece sua língua com perfeição e não é afetado por condições gramaticalmente descabidas, tais como limitações e memória, distrações, mudanças de atenção ou interesse e erros (casuais ou característicos) na aplicação de seu conhecimento de língua ao desempenho real. Ressalta-se que a abordagem gerativa calcada no aspecto biológico não contraria a relevância do fator social e interacional no processamento da linguagem, pois, como se sabe, cada ser utiliza a linguagem de forma particular, sob a influência do meio social em que está inserido. Pode-se afirmar, consequentemente, que a linguagem, ao mesmo tempo em que está relacionada a um órgão natural, garante, à medida que novos dados são incorporados em sua constituição, a singularidade do sujeito. Salienta-se, no entanto, que a abordagem gerativista foca-se no aspecto natural (língua interna) e não no social (língua externa) da linguagem, pois, segundo Chomsky (2005, p. 121), “sem estrutura inata não há efeito do ambiente externo no processo de incrementação da língua (ou outro)”. Para os gerativistas, só é possível saber uma língua, se a priori tivermos uma representação mental (abstrata) do procedimento gerativo. Determina-se como língua-I esse procedimento gerativo, que se trata de uma propriedade do cérebro/mente. Segundo Chomsky (2005, p. 66), língua-I é “um elemento de estados transitórios da faculdade da linguagem relativamente estável” e “cada expressão linguística (de)gerada” por ela “ inclui instruções para os sistemas de desempenho nos quais a língua-I está inserida”. Essa mudança de prisma do programa gerativista, em relação ao Estruturalismo, consiste, mais especificamente, em não focar o estudo da língua-E (língua externa) e, sim, da língua-I (estudo da língua representada na mente/cérebro). Assim, a perspectiva gerativista caracteriza-se pelo reconhecimento de estruturas inerentes às operações mentais, princípios inatos na aprendizagem da linguagem. Ao considerar os estágios da faculdade da linguagem, propõe que há o estado inicial, definido geneticamente, e que, ao longo do seu desenvolvimento, passa por várias etapas até chegar a um estado relativamente estável, propício a poucas mudanças, exceto quanto ao léxico. Isto, então, evidencia que as línguas são muito semelhantes e que suas diferenças são apenas marginais. Tal posição contradiz a proposta empirista, que defende o papel preponderante da experiência e do controle de aspectos ambientais na aprendizagem. Ora, buscando construir uma teoria mais abrangente, que explique Faculdade da linguagem: capacidade biológica do homem para a linguagem (sistema linguístico inato à espécie humana). Competência linguística (gramatical): conjunto de regras linguísticas internalizadas pelo falante de uma língua, após exposição aos dados dessa língua. Desempenho (performance): uso dessas regras linguísticas internalizadas, resultado da competência linguística do falante e de outros fatores, tais como convenções sociais, atitudes, crenças, etc. Estrutura profunda: segundo a gramática gerativa, é o primeiro elemento, na produção de uma dada frase, que contém todos os dados semânticos, isto é, o próprio sentido da mensagem (NIVETTE, 1975, p. 43). Estrutura superficial: segundo a gramática gerativa, é o último elemento no processo transformacional da frase, representado por um indicador sintagmático, ao qual, porém, todas as regras já se aplicaram (NIVETTE, 1975, p. 43). C F E A B G GLOSSÁRIO não apenas as estruturas superficiais, mas também as estruturas profundas da língua, Chomsky se reaproxima da Filosofia, pois vê a necessidade de estabelecer universais linguísticos, e chega à conclusão de que as teorias racionalistas são as capazes de explicar a faculdade humana da linguagem. Assim, embora partindo de Saussure e aproximando-se das ideias de Humboldt, Chomsky liga-se, também, aos princípios norteadores das gramáticas gerais e, portanto, à doutrina de Port-Royal, que, apesar de baseada em Descartes, conserva, como já foi dito, alguma influência do pensamento aristotélico. Podemos dizer que os linguistas gerativo-transformacionalistas, progr idem e m relaç ão à visão estru turali s t a , na medida em que procuram explicar a linguagem humana pela noção de produtividade; contudo, numa visão unidisciplinar, propõem-se a buscar a gramática da competência linguística (conjunto finito de regras capaz de gerar, transformar, e supervisionar um conjuntoinfinito de orações) de um falante ideal, mas não real, permanecendo, assim, no plano abstrato por terem desprezado a língua em uso. Apesar de suas limitações, não se pode deixar de reconhecer a apreciável contribuição metodológica do Estruturalismo: ampliou o conhecimento das mais diversas estruturas linguísticas, aperfeiçoou técnicas de coleta e de controle de dados e demonstrou como certas estruturas são passíveis de um estudo mais abstrato e generalizante; por sua vez, a teoria gerativa estimula as discussões mais amplas a respeito da natureza intrínseca da linguagem e dos traços fundamentais que deverão/deveriam compor uma gramática universal. Isto é, essas duas tendências se completam, pois os linguistas formalistas (estruturalistas e gerativistas) limitaram os seus estudos à língua em si mesma e por si mesma e excluíram as variadas implicações que são inerentes ao uso da língua, ou seja, aspectos como o lugar e o momento da ocorrência, o envolvimento do falante e do ouvinte, as suas c o n f orme Silvei r a (199 8, p. 139), 31 Linguística UAB/Unimontes Língua-I(nternalizada): competência linguística. Racionalismo cartesiano: doutrina que atribui à Razão humana a capacidade exclusiva de conhecer e de estabelecer a Verdade. Opõe-se ao empirismo, colocando a Razão independente da experiência sensível, ou seja, rejeita toda intervenção de sentimentos, somente a Razão. Fonte :http://www.infoescola.br C F E A B G GLOSSÁRIO FA B GLOSSÁRIO Figura 7: O cérebro e as funções orgânicas Fonte: http://www.etmorfo2.blogspot.com 32 Letras/Português Caderno Didático - 3º Período características, as suas interpretações, o espaço de interação entre os interlocutores, os aspectos sociais; enfim, não contemplaram em seus estudos o homem na e pela linguagem. Segundo Orlandi (1993, p. 48), “os recortes e exclusões feitos por Saussure e por Chomsky deixam de lado a situação real de uso (a fala e o desempenho) para ficar com o que é virtual e abstrato (a língua e a competência)”. Muitos linguistas, contudo, passaram a voltar sua atenção para a linguagem enquanto atividade e, portanto, para as relações entre a língua e seus usuários e para as ações que se realizam quando se usa a língua em determinadas situações de enunciação. Assim, pouco a pouco, vai ganhan- do terreno a linguística pragmática, a qual estuda os fatores que regem nossas escolhas linguísticas na interação social e os efeitos de nossas escolhas sobre as pessoas, assunto sobre o qual falaremos na próxima Unidade. REFERÊNCIAS 33 Linguística UAB/Unimontes ALKMIM, Tânia. Sociolingüística. In: MUSSALIM Fernanda; BENTES, Anna Christina (orgs). Introdução à lingüística: domínios e fronteiras. vol. 1. Ed. São Paulo: Cortez, 2001. BLOOMFIELD, Leonard. Language. London: George Allen e Unwin Ltd, 1933. CARVALHO, Castelar de. Para compreender Saussure. Rio de Janeiro: Vozes, 2000. CHOMSKY, Noam. Syntatic structures. The Hague: Mounton, 1957 ______. Aspects of the theory of syntax. Cambridge: MIT Press, 1965. ______. Novos horizontes no estudo da linguagem e da mente. Trad. Marco Antônio Sant’Anna. São Paulo: Ed. UNESP, 2005. ILARI, Rodolfo. Perspectiva funcional da frase portuguesa. 2 ed. Campinas: Unicamp, 1992. MARTELOTTA, Mário Eduardo et al. Manual de linguística. São Paulo: Ed. Contexto, 2008. MARTINET, André. Éléments de linguistique générale. Paris: Armand Colin, 1970. NEVES, Maria Helena Moura. A gramática funcional. São Paulo: Martins Fontes, 2001. NIVETTE, Joseph. Princípios de gramática gerativa. Tradução de Nilton Vasco da Gama. São Paulo: Livraria Pioneira Ed., 1975. PIETROFORTE, Antonio Vicente. A língua como objeto da linguística. In: FIORIN, Luiz José et al. Introdução à linguística. v. 1. São Paulo: Ed. Contexto, 2002. SAPIR, Edward. A linguagem - introdução ao estudo da fala. Rio de Janeiro: Acadêmica, 1971. SAUSSURE, Ferdinand. Curso de linguística geral. São Paulo: Cultrix, 2001. SILVEIRA, Regina Célia P. Leitura: produção interacional de conhecimentos. In: BASTOS, Neusa B. (Org.). Língua portuguesa – história, perspectiva, ensino. São Paulo: IP – PUCSP/EDUC, 1998. WEEDWOOD, Bárbara. História concisa da linguística. Trad. Marcos Bagno. São Paulo: Parábola, 2002. 34 Letras/Português Caderno Didático - 3º Período http://www.infoescola.br Acesso em: 27 de nov. de 2008. http://www.etmorfo2.blogspot.com Acesso em: 27 de nov. de 2008. http://www.chomsky.info Acesso em: 28 de nov. de 2008. http://www.glottopedia.de/images/ Acesso em: 30 de nov. de 2008. http://en.wikipedia.org/wiki/Ferdinand_Saussure Acesso em: 30 de nov. de 2008. Mantendo nosso objeto de estudo, a linguagem verbal humana, voltaremos nosso olhar, nesta Unidade 3, para a segunda tendência de investigações linguísticas do século XX, o pólo pragmático, cujas pesquisas se pautam, segundo Martelotta et al (2008, p. 88), na análise das “condições de uso da língua em situações reais de comunicação, ou seja, o momento em que se põe em, evidência a chamada competência comunicativa ou pragmática, considerando agora as relações entre forma e função, entre os fatores gramaticais e sociais.” Esta terceira unidade está estruturada da seguinte maneira: 3.1 Polo pragmático 3.1.1 Funcionalismo 3.1.2 Teoria dos atos de fala 3.1.3 Pragmática 3.1.4 Linguística textual 3.1.5 Análise da conversação 3.1.6 Análise do discurso 3.1.7 Sociolinguística 3.1.8 Neurolinguística 3.1.9 Psicolinguística 3.1 POLO PRAGMÁTICO Conforme já dito, o polo pragmático considera as condições de uso da linguagem verbal em situações reais de uso e, inseridas neste pólo que constitui um campo vasto, heterogêneo e multidisciplinar, em diálogo com outras áreas dos saberes (cada uma observando a língua em uso, mas de acordo com seus modelos teóricos e metodológicos), estão as seguintes escolas linguísticas: Funcionalismo, Teoria dos atos de fala, Pragmática, Linguística textual, Análise da conversação, Análise do discurso, Sociolinguística, Neurolinguística, Psicolinguística, que apresentaremos a seguir. 3.1.1 Funcionalismo Essa vertente tem raízes antigas... Mas, também, retoma as ideias propostas pelos estruturalistas funcionalistas e as desenvolve de uma maneira incrível. De um modo geral, pode-se afirmar que o funcionalismo reflete uma oposição ao estudo da forma linguística (fonologia, morfologia, sintaxe e semântica), proposto pelas teorias formalistas (Estruturalismo e 35 3UNIDADE 3MOVIMENTOS LINGUÍSTICOS DO SÉCULO XX: POLO PRAGMÁTICO Propostas formalistas: estudos linguísticos que valorizam a forma (estrutura interna da língua). versus Propostas pragmáticas: estudos linguísticos que consideram os fatores contextuais como determinantes dos usos linguísticos nas situações de comunicação. C F E A B G GLOSSÁRIO Gerativismo), ao investigar as funções que essa forma desempenha na comunicação diária (DILLINGER, 1991). Para os funcionalistas, a língua é instrumento de comunicação e, por conseguinte, admitem que não pode ser vista como um objeto autôno- mo, mas como um processo/produto das situações comunicativas. Assim sendo, consideram as situações enunciativas, ou seja, as intenções do falante, o ouvinte, as situações socio-históricas e comunicati- vas, as condições de produção de sentido, etc. Para esses estudiosos, não se pode analisar um fato linguístico sem se considerar o sistema em que ele está inserido. Dessa maneira, qualquer investigação linguística que se paute nos postulados funcionalistas deve atentar-se à pluralidade das funções linguísticas e aos parâmetros de realização da atividade comunicativa. Fatores comunicativos tais como, imagem dos interlocutores, contexto enunciativo, propósito comunicativo, aspecto cultural e social, determinam, de acordo com os funcionalistas, a atividade comunicativae, consequentemente, a produção de sentido. Segundo Neves (2001, p. 20), “o problema do falante é formular sua intenção de tal modo que tenha alguma chance de levar o destinatário a desejar a modificação da sua informação pragmática do mesmo modo como o falante pretende”. Logo, o que se coloca em foco, para essa análise linguística, é a competência comunicativa, daí decorre a tentativa de compreender o percurso enunciativo de uma situação concreta de comunicação. Para os estudiosos dessa vertente, o sistema linguístico abrange todos os fatores indispensáveis para que a língua seja utilizada em uma situação concreta de uso. O locutor, inserido em um determinado grupo social, fala de um determinado lugar social para um interlocutor também incluído em um grupo social (HALLYDAY, 1985). O texto, portanto, deve ser entendido como fruto tanto do sistema linguístico, quanto do sistema social. Para Dik (1989), investigar uma língua natural quer dizer analisar como o usuário desta língua a “exerce”, já que a capacidade linguística do ser humano seria apenas uma das muitas capacidades de que pode lançar mão durante as práticas comunicativas. Essa visão dinâmica da comunicação, pontuou as pesquisas desenvolvidas no funcionalismo posterior ao período formalista quanto à distinção estabelecida entre tema, e rema e à noção da “perspectiva funcional da frase”. O tema de um enunciado seria, segundo Weedwood (2002, p. 142), a “parte que se refere ao que já é conhecido ou dado no contexto (também chamado às vezes, por outros teóricos, de tópico ou assunto psicológico)” e o rema, “a parte que veicula informação nova”. Já “perspectiva funcional da frase” quer dizer que “a estrutura sintática da frase é em parte determinada pela função comunicativa dos vários constituintes e pelo modo como eles se relacionam com o contexto enunciado” (WEEDWOOD, 2002, p. 143). 36 Letras/Português Caderno Didático - 3º Período Competência linguística (gramatical): capacidade de o usuário da língua gerar um número infinito de sentenças a partir de um conjunto finito de elementos (conhecimento linguístico internalizado pelo usuário de uma língua, ou seja, sua gramática internalizada). Competência comunicativa: capacidade de o usuário empregar a língua adequadamente em diversas situações comunicativas (ajuste do ato verbal a situações de comunicação distintas). Funcionalistas: estudiosos que investigam as funções que a forma da língua desempenha na comunicação diária. C F E A B G GLOSSÁRIO C F E A B G GLOSSÁRIO Para atingir o seu objetivo, os funcionalistas lidam, essencialmente, com dados de fala ou escrita retirados de contextos reais de comunicação, desconsiderando frases criadas, dissociadas de sua função no ato da interação comunicativa, como fazem os formalistas, que estudam a língua como um objeto descontextualizado, já que estão interessados em suas características internas – a forma de seus constituintes e as relações entre si – e não nas relações entre esses constituintes e seus significados ou funções, ou entre língua e seu meio, ou contexto de uso. 3.1.2 Teoria dos atos de fala Na década de 1960, os estudos sobre as marcas linguísticas da argumentação despertaram também o interesse de um grupo de filósofos ingleses e americanos, o qual deu origem à Escola de Oxford: Austin – autor da Teoria dos Atos da Fala e principal representante –, Searle e Strawson. Para Austin, a linguagem é uma prática social, não deve ser analisa- da por si mesma, deve-se levar em conta os fatores que interferem no se uso, ou seja, o contexto social e cultural. Nas palavras de Austin (1990, p. 10), fazê-lo, que palavras devemos usar em determinadas situações, não estamos examinando simplesmente palavras (ou seus significados, ou seja lá qual for), mas sobretudo a realidade sobre a qual falamos ao usar estas palavras – usamos uma consciência mais aguçada das palavras para aguçar nossa percepção (...) dos fenômenos. Quando se propôs a discutir a materialidade e a historicidade das palavras, Austin refletiu sobre a possibilidade de se elaborar uma teoria que explicasse construções interrogativas, exclamativas, sentenças que expres- sassem comandos, desejos e concessões. Noções interessantes propostas por Austin foram os enunciados performativos (realizam ações, a partir do dizer) e os enunciados constativos (realizam uma afirmação, falam de algo). Austin propôs, ainda, níveis de ação linguística que atuam simulta- neamente no enunciado: � atos locucionários (dizem alguma coisa); � atos ilocucionários (refletem a posição do/a locutor/a em relação ao que ele/a diz); � atos perlocucionários (produzem certos efeitos e consequências sobre os/as alocutários/as, sobre o/a próprio/a locutor/a ou sobre outras pessoas). 37 Linguística UAB/Unimontes Essa nova teoria, ao conceber a linguagem como forma de ação, não analisa a sentença, a estrutura da frase, mas sim o ato de fala, o uso da linguagem em determinada situação juntamente com seus efeitos e conse- quências. 3.1.3 Pragmática A Pragmática foi definida, em um momento inicial, como a ciência do uso linguístico, ou seja, ciência que analisa o uso concreto da linguagem, considerando os seus usuários e as condições que dominam essa prática comunicativa. Ao se voltar para os estudos da fala, a língua em uso social, conside- rando as inovações e situações criativas no processo de uso da linguagem, a Pragmática opõe-se às propostas formalistas. Na Pragmática, há que se destacar os estudos de Mey (1985) que discute o papel da linguagem na sociedade e aborda o conceito de manipu- lação linguística, segundo o ponto de vista marxista; as contribuições de Austin, na sua proposição sobre os atos de fala, conceito entendido como a relação entre o que se diz e o que se faz; a ampliação dos estudos de Austin por Émile Benveniste, ao classificar os atos de fala (ordenar, comandar, decretar, etc.); o francês Ducrot; e o americano Grice. Alguns desses estudiosos que, inicialmente, estavam inseridos nos estudos da Pragmática, com o desenvolvimento de suas pesquisas, migra- ram para outros campos de investigação. 3.1.4 Linguística textual Embora frequentemente se diga que a Linguística Textual é um ramo novo da Linguística, esta afirmação vai perdendo a sua validade, pois começou a desenvolver-se na segunda metade da década de 1960 até meados da década de 1970 na Europa, e, de modo especial, na Alemanha. A origem do seu termo remonta Coseriu (1980), mesmo que ele só tenha sido empregado pela primeira vez com o sentido que possui hoje em dia por Weinrich (1967). Tendo surgido de forma independente e quase simultânea, o seu desenvolvimento não se deu de forma homogênea. Já há mais de 30 anos Conte (1977) distinguia três momentos fundamentais na passagem da teoria da frase para a teoria do texto, enfati- zando que não se trata de uma distinção cronológica, e sim tipológica, por não haver, entre eles, uma sucessão temporal, constituindo-se cada um deles em um tipo diferente de desenvolvimento teórico. São eles: análises transfrásticas, gramáticas textuais e linguística textual. 38 Letras/Português Caderno Didático - 3º Período Pragmática: estudo da relação dos usuários da linguagem com a linguagem (GUIMARÃES, 1983, p. 15). C F E A B G GLOSSÁRIO 39 Linguística UAB/Unimontes Uma primeira razão de projetar uma Linguística Textual, segundo Conte, se deve ao fato de a gramática não dar conta de fenômenos como a correferência, a pronominalização, a seleção dos artigos (definidos e indefinidos), a ordem das palavras no enunciado, a concordância de tempos e modos verbais, a entoação do enunciado, a relação semântica entre frases não ligadas por conectivo e assim por diante. Tentou-se, então, encontrar regras para o encadeamento de sentenças, a partir dos métodosaté então utilizados na análise sentencial, procurando dar conta de pares ou sequênci- as maiores de frases. O objeto de estudo, nos três momentos propostos pela autora, foi assim situado. No primeiro momento, o objeto de indagação não foi o texto em si mesmo, mas os tipos de ligação entre enunciados em uma série de enuncia- dos – pesquisa transfrástica. Nesse sentido, colocou-nos Conte que a maior parte das pesquisas transfrásticas diz respeito às relações referenciais em particular, à identidade referencial ou correferência, considerada como constitutiva da coerência de um texto: vários constituintes linguísticos denotam uma única entidade (referência). Entretanto, ao analisar a noção de coerência tal como foi proposta nesse momento, limitada à questão da correferência, Conte destacou que a abordagem textual proposta sob essa ótica não dá conta de outros fatores também responsáveis pela coerência textual e assim resume esse momento: no primeiro momento da linguística textual superam-se os limites do enunciado isolado, uma vez que se consideram sequências de enunciados, mas não se chega ainda a um tratamento completo do texto. Ao contrário, é somente tematizando a estrutura hierárquica de um texto, a sua coerência semântica global que se pode dar um passo do enunciado ao texto (CONTE, 1977, p. 17). A autora concluiu esse primeiro momento da Linguística Textual – da análise transfrástica - caracterizando-o como uma fase preparatória da Gramática Textual, pelo próprio tipo diferenciado de trabalhos que nela surgiram: de um lado, pesquisadores estruturalistas como Weinrich ou Harweg, de outro, gerativistas como Isenberg, Steinitz ou Karttunen: faltou a esse primeiro momento um quadro teórico que garantisse um tratamento homogêneo e uma comparação entre os resultados das várias pesquisas. Assim, as tentativas de desenvolver uma Linguística Textual como uma linguística da frase ampliada ou corrigida mostraram-se insatisfatórias e acabaram sendo abandonadas. No segundo momento, o objeto de investigação foi a competência textual (gramática textual) e sua razão de ser se deveu à sua capacidade de explicar fenômenos linguísticos inexplicáveis segundo uma gramática do Nível frástico: nível da frase. Nível transfrástico: nível além da frase, o qual considera o uso pragmático da linguagem. C F E A B G GLOSSÁRIO 40 Letras/Português Caderno Didático - 3º Período enunciado, e o que a legitimou, segundo Conte, foi “ a descontinuidade entre enunciado e texto, a diferença qualitativa (e não meramente quantita- tiva) entre enunciado e texto” (1977, p. 17-18). Essas novas perspectivas fixaram e determinaram as seguintes tarefas para a Gramática Textual: � determinar o que faz de um texto um texto, quais são os princípi- os de constituição de um texto, em que consiste a coerência de um texto, o que produz a textualidade específica de um texto; � determinar critérios para a delimitação de textos; � diferenciar, no gênero texto, os diferentes tipos de texto. Conte (1977) apontou, como responsáveis pelo desenvolvimento dos principais modelos da Gramática Textual, Van Dijk (1972), Rieser e Petöfi (1973), cujos modelos compreenderam três características: um quadro teórico gerativo, instrumentos conceituais e operativos da lógica e a integração da gramática dos enunciados na gramática textual. Abandonou-se, pois, o método ascendente – da frase para o texto. É a partir da unidade mais hierarquizada – o texto – que se pretende chegar, por meio da segmentação, às unidades menores. Segundo Conte, o terceiro momento referiu-se ao tratamento do texto em seu contexto pragmático e, nesse âmbito, a pesquisa se estende do texto ao contexto, ou, no dizer de Petöfi (1973), “do co-texto (regularidade interna ao texto), ao con-texto (conjunto de condições, externas ao texto, da produção do texto, de sua recepção, de sua interpretação)”. Fávero e Koch (1983, p.15), ao se referirem a esse terceiro momen- to da Linguística do Textual destacaram que “para o surgimento das teorias de texto contribuíram, de maneira relevante, a teoria dos atos de fala, a lógica das ações e a teoria lógico-matemática dos modelos”. Afirmaram, ainda, as autoras, que a abertura da Linguística à Pragmática propiciou posicionamentos diversos entre os vários autores que desenvolveram seus trabalhos nessa área, destacando, especialmente, as posturas de Dressler e Schmidt. No que se refere ao trabalho de Dressler, Fávero e Koch enfatizaram que, para ele, a Pragmática é apenas um componente adicional do modelo de gramática textual preexistente, cabendo-lhe tão-somente dar conta da situação comunicativa na qual o texto é introduzido. Chega-se, assim, à fase da Teoria do Texto ou da Linguística Textual propriamente dita, que se propõe a investigar a constituição, o funciona- mento, a produção e a compreensão dos textos. Os textos passam a ser Coerência: princípio de organização postulado para dar conta do sentido de um texto (ou discurso); por meio dela, um texto faz sentido para os usuários. Coesão: relação semântica entre um elemento do texto e algum outro elemento crucial para a sua interpretação, realizada através do sistema léxico-gramatical. Textualidade: possibilita que se converta uma sequência linguística em texto. C F E A B G GLOSSÁRIO 41 estudados dentro de um contexto pragmático, isto é, o âmbito de investiga- ção se estende do texto ao contexto, entendido, de modo geral, como o conjunto de condições externas – da produção, recepção e interpretação dos textos. Não se pode deixar de assinalar que, na Europa, a Linguística Textual teve seu impulso inicial, de maneira implícita ou explícita, com os trabalhos desenvolvidos pelos membros da Escola de Praga, entre os quais Jakobson. Procedendo a análise dos enunciados, os linguistas dessa escola ressaltaram a importância da distinção entre tema (ou tópico) e rema (ou comentário), que só se torna admissível levando-se em conta um contexto mais extenso que o da frase. Muitas de suas ideias foram posteriormente adotadas por outros estudiosos como Halliday e Hasan (1976), cuja obra Cohesion in English define e explicita o conceito de coesão, básico para os estudos textuais. Contudo, além dessas investigações já descritas que consideram o texto como objeto de análise, temos outras propostas, conforme subunida- des a seguir. 3.1.5 Análise da conversação Esse outro domínio da Linguística, Análise da Conversação, consiste em uma abordagem discursiva da língua e trata, segundo Marcuschi (1986), da conversação, uma das formas de interação do homem com a sociedade, ou seja, sua preocupação é com a interação verbal existente nas sociedades. Os estudiosos desse domínio consideram a “conversação uma atividade semântica, ou seja, um processo de produção de sentidos, altamente estruturado e funcionalmente motivado” (DIONÍSIO in MUSSALIM e BENTES ;2001, p. 72). Basicamente, a Análise da Conversação investiga a estruturação da língua e seus efeitos na conversação. Assim, o estudioso dessa área se ocupa da organização do texto conversacional, isto é, dos detalhes e conexões estruturais existentes no processo interativo. Em razão disso, Hilgert (1989) propõe três níveis para o estudo da estrutura conversacional: � macronível – analisa as fases conversacionais, ou seja, trata da abertura, fechamento, parte central, tema central e subtemas da conversa- ção - tópicos da conversação; � nível médio – analisa a tomada de turnos, a sequência conver- sacional, os atos de fala e os marcadores conversacionais denominados turno conversacional; � micronível – investiga a estrutura interna do ato de fala, ou seja, sua estrutura sintática, lexical, fonológica, morfológica e prosódica. Linguística UAB/Unimontes Tema (tópico): sintagma nominal a respeito do qual se diz alguma coisa numa fraseassertiva. Rema (comentário): parte do enunciado que acrescenta algo de novo ao tema (DUBOIS et al, 2001). C F E A B G GLOSSÁRIO Além disso, para uma análise da conversação, vários fatores precisam ser considerados, tais como contexto, relações estabelecidas na interação entre os envolvidos na conversação, tipo de interlocutores, tipo de conversação, elementos estruturadores da conversação, aptidão linguística, além de conhecimento partilhado e domínio das situações sociais vivencia- das pelos interlocutores. 3.1.6 Análise do discurso A Análise do Discurso é um ramo da Linguística que lida com a linguagem verbal apresentando a materialização da ideologia no discurso e seus efeitos de sentido. Em razão de o discurso ser tido como heterogêneo pela Análise do Discurso, é impossível considerá-lo um espaço estável ou fechado, mas controlado por possibilidades de construção de sentido que a formação ideológica que o governa lhe permite. Nesse aspecto, o sentido não existe por si, mas vai sendo construído à proporção que o discurso se constrói e as posições ideológicas vão sendo colocadas nas formações discursivas (MUSSALIM in MUSSALIM; BENTES, 2001, p. 132). As reflexões teóricas tecidas por Bakhtin, estudioso que considerou a língua um fato social cuja existência funda-se nas necessidades de comunicação, forneceram bases na constituição da Análise do Discurso (AD). Esse estudioso propôs que a língua é algo concreto, fruto da manifestação individual de cada falante, o que desencadeia a valorização da fala. Também postulou que a intersubjetividade do homem concretiza-se por meio de cada enunciado e reiterou que o processo de interação verbal constitui realidade fundamental da língua, sendo o interlocutor um sujeito ativo na constituição do significado. Outra contribuição importante desse linguista está na concepção do signo como uma entidade dialética, viva e dinâmica; visão diferente em relação a Saussure já que, para este, o signo advém da análise da língua como sistema sincrônico e abstrato. Isto é, para Bakhtin (1988), a linguagem é interação social, em que o outro desempenha papel fundamental na constituição do significado. Além disso, ela é foco da manifestação concreta da ideologia, pois “a palavra é o signo ideológico por excelência” - produto da interação social. A linguagem, segundo ele, caracteriza-se pela plurivalência, por isso é o elemento privilegiado para a manifestação da ideologia já que retrata as diferentes formas de significar a realidade, não podendo ser estudada fora da sociedade, dos processos sócio-históricos, ou seja, seu estudo não pode ser desvinculado de suas condições de produção, daqueles que a empregam. 42 Letras/Português Caderno Didático - 3º Período 43 Linguística UAB/Unimontes Cunhou-se, a partir disso, o termo discurso como o ponto de articulação dos processos ideológicos e dos fenômenos linguísticos, reco- nhecido como uma instância que comporta um plano linguístico e um extralinguístico. Esse termo discurso é dispersão (formado por elementos que não se relacionam por princípio de unidade), segundo Foucault (2002), ou seja, um conjunto de enunciados que se remetem a uma mesma formação discursiva, nos seus princípios de regularidades. E a Formação Discursiva (FD) seria a composição de certa regularidade discursiva, de um sistema comum de temas e teorias. Foucault considera que “o sujeito é uma função vazia”, isto é, “um espaço a ser preenchido por diferentes indivíduos que o ocuparão ao formularem o enunciado”, por isso “deve-se rejeitar qualquer concepção unificante do sujeito” (BRANDÃO, 1988, p. 30). O discurso é atravessado pela dispersão do sujeito, segundo ele, “em que diversas posições de subjetividade podem se manifestar”, redimen- sionando “o papel desse sujeito no processo da organização da linguagem, eliminando-o como fonte geradora de significações” (IDEM). O outro termo muito explorado em AD, ideologia, numa aborda- gem mais ampla, corresponde à visão/concepção de mundo de uma determinada sociedade numa determinada circunstância histórica. O estado dos fenômenos da linguagem e da ideologia é predominante em razão de se concretizar na linguagem. A ideologia, para Ricouer, tem como função geral intervir na interação social (RICOEUR, 1977, apud BRANDÃO, 1988, p. 24-25). Segundo ele, a ideologia: 1. “perpetua um ato fundador inicial” [...] e é a “distância que separa a memória social de um acontecimento” ; 2. é dinâmica, é motivadora , [...] impulsiona a práxis social, motivando-a ; 3. “é operatória”[...]; “ela opera atrás de nós”. [...] “É a partir dela que pensamos”; 4. é desvinculada da “noção de dissimulação, de distorção, em razão de seu “estatuto não reflexivo e não transparente”; 5. é conservadora e resistente às transformações, pois “o novo põe em perigo as bases estabelecidas pela ideologia”. Assim, a AD é um campo de estudo que abrange três espaços (PÊCHEUX ; FUCHS, 1975, apud BRANDÃO, 1988, p. 32): � “materialismo histórico como teoria das formações sociais e suas transformações” - teoria das ideologias; “ ” “ ” 44 Letras/Português Caderno Didático - 3º Período � “linguística como teoria, ao mesmo tempo, dos mecanismos sintáticos e dos processos de enunciação”; � “teoria do discurso, como a teoria da determinação histórica dos processos semânticos”. Esses três espaços são atravessados e articulados por uma teoria da subjetividade, cujo caráter é psicanalítico. 3.1.7 Sociolinguística Apesar da indiscutível relação linguagem e sociedade, há estudos que não privilegiam essa relação (o polo formalista, por exemplo), o que motiva muitos estudiosos, atualmente, a se voltarem para a natureza social, histórica e cultural na observação, descrição e análise do fenômeno linguístico. E a Sociolinguística é uma das vertentes linguísticas do polo pragmático que exerce esse compromisso, tanto que busca contribuições na Etnologia, Psicologia, Sociologia etc. para elucidar seu objeto de estudo: a língua falada. Essa vertente Nesse sentido, a Sociolinguística considera os fatores internos e os fatores externos à língua que podem interferir nos fenômenos linguísticos. Entende-se por fatores internos os aspectos gramaticais de uma língua: fonético, fonológico, morfológico, sintático e semântico; além do componente lexical. Já por fatores externos os aspectos não linguísticos, tais como sexo, faixa etária, grau de escolaridade, posição geográfica, classe social, ocupação, graus de formalidade etc. Importante frisar que essa vertente considera a variedade e mudança linguísticas como fenômenos constitutivos da linguagem, e não um problema ou desvio da língua, postulados que, segundo eles, devem ser adotados no ensino. Contudo, apesar de a Sociolinguística defender que todos os padrões linguísticos devam ser trabalhados na escola, sem nenhuma conotação de valor, pertencendo ao professor o papel de conscientizar o linguística, que tem como um de seus representantes Labov, propõe-se a analisar a língua em seu uso real, considerando as relações existentes entre língua e sociedade (aspectos sociais e culturais da produção linguística), partindo do princípio de que a língua é constituída de um conjunto de variedades linguísticas (heterogênea), cujas regras podem variar (coexistência de formas linguísticas) e alterar-se com o passar do tempo - característi- cas inerentes às línguas. Variação: fenômeno linguístico que corresponde ao fato de as línguas possuírem várias formas linguísticas com o mesmo significado coexistindo em um mesmo tempo. Mudança: fenômeno linguístico que corresponde ao fato de as línguas selecionarem uma das diferentes formas linguísticas coexistentes, em detrimento das outras, em tempos diferentes. Figura 8: William Labov Fonte: http://pt.wikipedia.org C FE A B G GLOSSÁRIO aluno da necessidade de adequação das formas às exigências comunicati- vas, a tradição pedagógica no Brasil ainda supervaloriza a variedade padrão, em detrimento de outras variedades, na eleição do correto em oposição ao tido como incorreto; ainda idealiza a língua escrita, especialmente, do modelo padrão. 3.1.8 Neurolinguística Retoma à Antiguidade a preocupação do homem em relação ao cérebro, considerando-o um órgão relacionado à sensação e à inteligência. Contudo, apenas no período do Iluminismo surgiu o interesse pela cogni- ção, em um momento em que a psique deixa de ser considerada um atributo divino e se torna um atributo humano e, somente, no século XIX, o cérebro passou a ser investigado cientificamente. Em 1861, o francês Paul Broca descreve os primeiros casos de afasia motora, que afeta a expressão da linguagem. No entanto, Gall foi o primeiro, no início do século XIX, a re lacionar a “área cerebral lesada“ pela afasia a “manifestações clínicas de pacientes neurológicos”(apud MORATO in MUSSALIM e BENTES, 2001, p. 150), introduzindo, assim, a linguagem entre as faculda- des mentais localizadas no cérebro. E, na primeira metade do século XX, os linguistas, acanhadamente, começaram a estudar a afasia, com o objetivo de comprovar ou testar suas teorias, desenvolvendo pesquisas para se compreender melhor o funciona- mento da cognição humana, os métodos diagnósticos e terapêuticos. Jakobson foi o primeiro a dedicar-se a esse estudo, em uma abordagem linguística. Esse linguista almejou elaborar uma teoria geral que abordasse aspectos da aquisição, funcionamento, estrutura e alterações da linguagem. Segundo Morato (2004, p. 157), [...] Jakobson ampliou, tendo como pano de fundo o estruturalismo e o funcionalismo linguístico (sob sua forma mais produtiva, o Círculo Linguístico de Praga), algumas das ideias de Saussure; no entendimento dos tipos de afasia descritos e metodologicamente com dicotomias clássicas, estabelecendo dois grandes eixos de relações (simbólicas) 45 Linguística UAB/Unimontes Área de Broca: parte do cérebro responsável pela nossa expressão verbal e escrita. É com essa parte do cérebro que juntamos as sílabas de cada palavra de uma forma coerente. Área de Wernicke: parte do cérebro responsável pela compreensão e pela escolha das palavras que usamos. Fonte: http://drauziovarella.ig.com.br/ cerebro/palavracerebro.asp Afasia: perturbação da linguagem em que há alteração de mecanismos linguísticos em todos os níveis, tanto no seu aspecto produtivo (relacionado com a produção da fala) quanto interpretativo (relacionado com a compreensão e com o reconhecimento de sentidos), causada por lesão estrutural adquirida no Sistema Nervoso Central, em virtude de acidentes vasculares cerebrais (AVCs), traumatismos crânio- encefálicos (TCE) ou tumores (COUDRY, 1998 apud MORATO, 2001, p. 154). Figura 9: áreas do cérebro: Broca e Wernicke Fonte: http://wapedia.mobi/pt/%C3%81rea_de_Broca C F E A B G GLOSSÁRIO 46 Letras/Português Caderno Didático - 3º Período projetadas um sobre o outro, duas formas de organização da linguagem, sintagmático/metafórico (responsável pela combinação de unidades). Essa combinação conferiria unidade linguística ao sistema de linguagem. Os estudos de Jakobson serviram de incentivo aos linguistas, que passaram a se interessar pelas patologias, e, por outro lado, contribuíram para a interface Linguística e Neurociências. Dessa interface, configurou-se a Neurolinguística, que, segundo Caplan (1987), é “o estudo das relações entre cérebro e linguagem, com enfoque no campo das patologias cerebrais, cuja investigação relaciona determinadas estruturas do cérebro com distúrbios ou aspectos específicos da linguagem”. Entre tantos interesses, essa área estuda a organização normal ou patológica da linguagem; os efeitos dos estados patológicos do/no funciona- mento da linguagem; os processos de intercâmbios de significação, seja verbal seja não verbal em indivíduos acometidos por patologias cerebrais, cognitivas ou sensoriais, tais como afasia, demência, surdez, etc.; os caracteres éticos, sociais e culturais relacionados aos casos patológicos, à cognição; os metadiscursos clínico-médicos em relação às patologias e o pensamento sobre as indicações de procedimentos terapêuticos; a organiza- ção discursiva que relaciona linguagem e cognição; os aspectos interativos das atividades humanas e as condições histórico-discursivas que mobilizam essas atividades etc. Porém, mesmo com tanto progresso nessa área, ainda há muitas indagações não respondidas, principalmente, as relacionadas à atividade cerebral e aos processos da memória, visto que a linguagem e a memória são fenômenos cognitivos muito complexos que abrangem várias áreas cerebrais e distintas operações simbólicas humanas e as associam a experiências da vida em sociedade, subjetividade, consciência, cultura, arte, ciência etc. 3.1.9 Psicolinguística A Psicolinguística - mais um ramo da Linguística Moderna - é um campo interdisciplinar, Psicologia e Linguística, cujos estudos, inicialmente, trataram do relacionamento entre o pensamento, o comportamento e a linguagem. Dois foram os acontecimentos que a influenciaram: 1) o fato de a Psicologia se ancorar em fundamentos da Linguística para entender os funcionamentos da linguagem e, segundo os psicólogos, por conseguinte, entender o funcionamento da mente humana. Essa interdisciplinaridade gerou duas correntes: a mentalista, que se interessava por investigar o pensamento através do estudo da linguagem (tradição europeia) e a corrente comportamentalista, que entendia o comportamento linguístico como mecanismos de estímulo-resposta (tradição norte- americana); Instituto de Neurolinguística Aplicada (INAP) www.pnl.med.br Leia a matéria no link http://veja.abril.com.br/040804 /p_124.html e faça uma resenha descritiva sobre o assunto. Patologia da linguagem: condições adquiridas ou desenvolvidas, caracterizadas por habilidades deficientes em compreender e gerar formas da linguagem verbal. ATIVIDADES C F E A B G GLOSSÁRIO 47 Linguística UAB/Unimontes 2) o fato de a Linguística apoiar-se em fundamentos da Psicologia, a partir de W. Wundt, que sustentou e demonstrou que a linguagem podia ser por esta ciência, parcialmente, explicada. Segundo Balieiro Júnior (2001, p. 176), A Psicolinguística desse período era um amplo painel de pesquisas oriundas da Psicologia e orientada para a Linguística e de pesquisas oriundas da Linguística e orientadas para a Psicologia. Enquanto os linguistas tratavam preferencialmente dos “estados dos comunicadores”, e, por extensão, dos processos de codificação e decodificação. Havia, ainda, muita dispersão teórica, sem um esforço amplo de definição da Psicolinguística como disciplina, pipocando pesquisas em que a teoria se encontrava em grande parte implícita na pesquisa, ou dela emergia timidamente. Atualmente, a Psicolinguística apresenta-se em estado transitório, com inúmeras pesquisas interdisciplinares e questões sobre a realidade psicológica, o processamento da linguagem e o funcionamento da mente humana estão no auge. Nas pesquisas psicolinguísticas são recorrentes as seguintes abordagens, segundo Balieiro Júnior (2001, p. 182-183), � relações entre linguagem e pensamento (produto do sistema cerebral); � relações entre linguagem e cérebro; � sistemas de processamento mental da linguagem e subsistemas; � processamento de unidades amplas da linguagem, como o texto e o discurso; � aprendizagem de outras operações ou sistemas linguísticos como a leitura e a escrita. Além da pesquisa e da construção de teorias, há a Psicolinguística Aplicada que se ocupa da resolução de questões de aplicação das descobertas teóricas da Psicolinguística.Assim, ao final de todo esse estudo, reafirmamos os dizeres na conclusão do material da disciplina anterior, Introdução à Linguística : não há teorias superadas e nem corretas, dado que as propostas representam aproximações de determinados aspectos da linguagem vislumbrados por estudiosos. Nesse quadro de inúmeras propostas o que se apresenta é um bloco de ideias que ora se opõem, ora se complementam constituindo tendências do pensamento humano. Há duas vertentes de análise e experimentação psicológica nas pesquisas sobre as estruturas linguísticas e o processamento mental: a modularista defende que a mente é um sistema composto de módulos, os quais processam as informações de maneira independente, havendo mecanismos de interface entre esses módulos; e a não modularista concebe que não há limites definidos entre os níveis de conhecimentos linguísticos, e que há trocas ativas de informações entre esses níveis. DICAS 48 Letras/Português Caderno Didático - 3º Período ALKMIM, Tânia. Sociolinguística: Parte I. In: MUSSALIM Fernanda; BENTES, Anna Christina (orgs). Introdução à linguística: domínios e fronteiras. vol. 1. São Paulo: Cortez, 2001. AUSTIN, John Langshaw. Quando dizer é fazer. Tradução de Danilo Marcondes de Souza Filho. Porto Alegre: Artes Médicas, 1990. BAKHTIN, M. Marxismo e filosofia da linguagem. Tradução M. Lahud e Y. F. Vieira. 4 ed. São Paulo: Hucitec, 1988. (título original, 1929) BALIEIRO JR, Ari Pedro. Psicolinguística. In: MUSSALIM Fernanda; BENTES, Anna Christina (orgs). Introdução à linguística: domínios e fronteiras. vol. 2. 2 ed. São Paulo: Cortez, 2001. BRANDÃO, Helena N. Introdução à análise do discurso. Campinas: Ed. Unicamp, 1988. CAPLAN, D. Neurolinguistics and linguistics aphasiology: an introducti- on. New York: Cambridge University Press, 1987. CONTE, M. E. La linguística testuale. Milão: Feltrinelli Economica, 1977. COSERIU, Eugênio. Lições de linguística geral. Tradução de Evanildo Bechara. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1980. COUDRY, M. I. Diário de Narciso - discurso e afasia. São Paulo: Martins Fontes, 1988. DIK, Simon C. The theory of functional grammar. Dordrecht- Holland/Providence RI, 1989. DILLINGER, Mike. Forma e função na linguística. In: DELTA, v. 7, n. 1, 1991, p. 395-407. DIONÍSIO, Ângela Paiva. Análise da Conversação. In: MUSSALIM Fernanda; BENTES, Anna Christina (orgs). Introdução à linguística: domínios e fronteiras. vol. 2. 2 ed. São Paulo: Cortez, 2001. DUBOIS, Jean et al. Dicionário de linguística. 8 ed. São Paulo: Cultrix, 2001. FÁVERO, L. L. e KOCH, I. G. V. Linguística textual: introdução. São Paulo: Cortez, 1983. FOUCAULT, Michel. A arqueologia do saber. 6 ed. Rio de Janeiro: Forense Fluminense, 2002. REFERÊNCIAS 49 Linguística UAB/Unimontes GUIMARÃES, E. R. J. Sobre alguns caminhos da pragmática. In: Sobre pragmática. Uberaba, 1983. Publicação do curso de Letras do Centro de Ciências Humanas e Letras das Faculdades Integradas de Uberaba. HALLIDAY, M. A. K. e HASAN, R. Cohesion in English. Londres: Longman, 1976. HALLIDAY, M. A. K. An introduction to functional grammar. London: Edward Arnold, 1985. HILGERT, José Gaston. A paráfrase: um procedimento de constituição do diálogo. Tese de doutoramento. PUC-SP, 1989. MARCUSCHI, L. A. Análise da conversação. São Paulo: Ática, 1986. MARTELOTTA, Mário Eduardo et al. Manual de linguística. São Paulo: Ed. Contexto, 2008. MEY, J. L. 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Mais adiante, com os sábios alexandrinos, a gramática constituiu-se como disciplina independente; o autor da mais antiga gramática grega que se conhece, Dionísio da Trácia, assumiu uma pesquisa empírica e normativa, formulando suas teorias com base no uso de escritores ditos consagrados. Contudo, os gramáticos especulativos da Alta Idade Média e, mais tarde, os racionalistas dos séculos XVII e XVIII voltaram a encarar os estudos de língua como um pensamento da Lógica 3. Na Idade Média, aparece a gramática especulativa, que partia do princípio de que a língua é um espelho que reflete a realidade subjacente aos fenômenos do mundo físico, e tentava determinar como a palavra se relaciona com a inteligência e com a coisa que ela representa. Na verdade, sustentavam esses gramáticos que a palavra não representa diretamente a natureza da coisa significada, mas apenas como ela existe de uma determi- nada maneira ou modo: uma substância, uma ação, uma qualidade. Os ideais dessa gramática serão revividos na França, no século XVII, entre os sábios de Port-Royal quando publicaram sua Grammaire Générale et Raison- née para demonstrar que a estrutura da língua é um produto da razão e que as línguas são apenas variedades de um sistema lógico e racional mais geral. 4. A influência e o prestígio dos ensinamentos gregos atingem os romanos, que os assimilam e os propagam, garantindo uma tradição grama- tical que será repensada no século XVII e que tomará novos rumos a partir do século XIX. 5. A tradição gramatical greco-latina prolonga-se no Ocidente por toda a época medieval e é assimilada na Renascença. A pressão do latim continua, e a filologia é a ciência de maior prestígio com o intuito de tornar a literatura mais acessível. Esse espírito transparece não só nas gramáticas latinas, mas também nas escritas em vernáculo, destacando a Gramática de Fernão de Oliveira e a Gramática de João de Barros. 6. No século XVII, os estudos linguísticos vão reviver as especula- ções de caráter filosófico. Assim é que Claude Lancelot escreve em colabora- ção com Antoine Arnaud uma Grammaire Géneral et Raisonée, obra que 52 Letras/Português Caderno Didático - 3º Período passa a ser conhecida como Grammaire de Port-Royal e cujo objetivo é estabelecer certos princípios lógicos gerais a que todas as línguas obedeceri- am, e ainda fornecer explicações lógicas para o seu uso. Nesse contexto, a gramática não é o manual de um legislador da língua, mas uma disciplina que enuncia as regras pelas quais a língua se ordena para poder existir. Além disso, para os teóricos de Port-Royal, a gramática tem uma tarefa complexa: não basta descrever claramente as regras, é preciso explicá-las. A gramática geral, que transcende todas as línguas, vai, então,marcar o privilégio absolu- to que a gramática latina desfrutava havia séculos. 7. No século XVIII, a redescoberta do sânscrito mostrava sua analo- gia com a maioria das línguas europeias, antigas e modernas. A partir daí, os comparativistas evidenciam que, entre aquelas línguas, não há mera seme- lhança, mas um autêntico parentesco, elas podem ser reconstruídas por transformações naturais de uma língua-mãe. 8. Na primeira metade do século XIX, desenvolveram-se, na Alema- nha, importantes pesquisas linguísticas – denominadas de gramática compa- rada, linguística histórica ou comparativismo – realizadas por Bopp e Grimm, entre outros, cuja preocupação era com a história das línguas e com a análise sistemática das correspondências entre as diversas formas de diferentes línguas. 9. Na segunda metade do século XIX, um grupo de linguísticos, principalmente alemães – impregnados pelas ideias positivistas da época –, tentou levá-las para a linguística histórica, com a intenção de renovar a gramática. São os Neogramáticos, para quem a linguística histórica deve ser explicativa; assim, não se trata apenas de constatar mudanças e evoluções linguísticas, mas de explicar suas causas – explicação que deve ser positivista, desacreditando-se as outras de cunho filosófico. Os neogramáticos vão sustentar que, para chegar às causas, é preciso estudar as mudanças dentro de uma duração limitada: deve-se comparar um estado da língua, isto é, um momento da evolução linguística abstraído do tempo com outro que o segue. 10. Os neogramáticos propuseram que as mudanças no sistema fonético de uma língua se davam a partir de leis fonéticas regulares (fixas) e analogias. 11. No fim do século XIX e início do século XX, as ideias de Saussure tornam-se um marco na evolução dos estudos linguísticos e, consequente- mente, da gramática. Assim, o século XIX caracteriza-se pela procura das origens das línguas e a primeira metade do século XX mostra o desenvolvi- mento da linguística, tendo como objeto a língua em si, em determinado momento da história; estuda-se a estrutura das línguas. 12. Movimentos linguísticos do século XX: pólo formalista (Estrutu- ralismo e Gerativismo) - linguagem verbal é analisada desvinculada do processo comunicativo e sociointeracional; pólo pragmático (Funcionalis- mo, Teoria dos atos de fala, Pragmática, Linguística textual, Análise da 53 Linguística UAB/Unimontes conversação, Análise do discurso, Sociolinguística, Neurolinguística e Psicolinguística) - linguagem verbal é analisada considerando seu uso em situações reais de comunicação. 13. A Semiologia/Semiótica é uma ciência que investiga qualquer sistema de comunicação seja verbal (através da palavra) seja não verbal (através de outros sistemas que não o da palavra). 14. A Linguística é a ciência que investiga a linguagem verbal humana (falada/escrita) – um sistema de comunicação específico – cuja intenção é descrever e explicar o uso natural da linguagem verbal (realidade linguística); não há nenhuma intenção da Linguística de ditar regras linguísti- cas para o usuário de uma dada língua. 15. Objeto de estudo da Linguística: linguagem verbal humana. 16. Outro grande impulso à linguística estrutural foi dado nos Estados Unidos, onde a sobreposição da linguística descritiva – impulsiona- da em grande parte pelo estudo das línguas indígenas – aos demais estudos linguísticos era quase completa (destacando-se aí Leonard Bloomfied, com a obra Language e Sapir no campo das descrições das línguas indígenas). 17. Um estruturalismo novo (Gerativismo) surgiu com Noam Chomsky, cuja obra Syntatic Structures não dispensa a palavra estrutura e sua teoria, sob muitos aspectos, está relacionada a antigas ideias do século XVII e de Humboldt (primeira metade do século XIX). 18. Ainda no século XX, surge o polo pragmático, no qual o estudo da língua dá-se paralelamente ao estudo da situação comunicativa, a saber – o propósito do ato de fala, seus interlocutores, seu contexto discursivo. Assim, a língua é usada de determinada forma justamente para satisfazer necessidades comunicativas, sendo susceptível a transformações impostas pelo uso. 19. Algumas escolas do polo pragmático: Funcionalismo, Teoria dos atos de fala, Pragmática, Linguística textual, Análise da conversação, Análise do discurso, Sociolinguística, Neurolinguística e Psicolinguística. 20. O Funcionalismo entende a língua como um instrumento de comunicação e, portanto, reivindica a ideia que esta não pode ser concebida como um objeto autônomo, mas como processo/produto das situações comunicativas. 21. A Teoria dos atos de fala concebe a linguagem como forma de ação; não analisa a sentença, a estrutura da frase, mas sim o ato de fala, o uso da linguagem em determinada situação juntamente com seus efeitos e consequências. 22. A Pragmática estuda a relação dos usuários da linguagem com a linguagem (GUIMARÃES, 1983, p. 15). 23. A Linguística textual, em sua último momento, propõe-se a 54 Letras/Português Caderno Didático - 3º Período investigar a constituição, o funcionamento, a produção e a compreensão dos textos, dentro de um contexto pragmático, isto é, o âmbito de investigação se estende do texto ao contexto, entendido, de modo geral, como o conjun- to de condições externas – da produção, recepção e interpretação dos textos. 24. A Análise da conversação (AC) consiste em uma abordagem discursiva da língua e trata da conversação, uma das formas de interação do homem com a sociedade, ou seja, sua preocupação é com a interação verbal existente nas sociedades. 25. Os estudiosos da AC consideram a “conversação uma atividade semântica, ou seja, um processo de produção de sentidos, altamente estruturado e funcionalmente motivado” (DIONÍSIO in MUSSALIM ; BENTES, 2001, p. 72). 26. A Análise do discurso (AD) é um ramo da Linguística que lida com a linguagem verbal apresentando a materialização da ideologia no discurso e seus efeitos de sentido. Em razão de o discurso ser tido como heterogêneo pela Análise do discurso, é impossível considerá-lo um espaço estável ou fechado, mas controlado por possibilidades de construção de sentido que a formação ideológica que o governa lhe permite. 27. Para os estudiosos da AD, o sentido não existe por si, mas vai sendo construído à proporção que o discurso se constrói e as posições ideológicas vão sendo colocadas nas formações discursivas . 28. A Sociolinguística analisa a língua em seu uso real, consideran- do as relações existentes entre língua e sociedade (aspectos sociais e culturais da produção linguística), partindo do princípio de que a língua é constituída de um conjunto de variedades linguísticas (heterogênea), cujas regras podem variar (coexistência de formas linguísticas) e alterar-se com o passar do tempo - caracteres inerentes às línguas. 29. Neurolinguística, segundo Caplan (1987), é “o estudo das relações entre cérebro e linguagem, da investigação no campo das patologi- as cerebrais, concebendo que determinadas estruturas do cérebro têm relação com os distúrbios ou aspectos específicos da linguagem”. 30. Atualmente, a Psicolinguística trata da questão da realidade psicológica do processamento da linguagem e do funcionamento da mente humana. REFERÊNCIAS BÁSICAS NEVES, Maria Helena de Moura. Gramática. história, teoria e análise, ensino. São Paulo: Contexto, 2002. __________. Gramática de usos do português. São Paulo: UNESP, 2000. __________. A gramática funcional. São Paulo: Martins Fontes, 1997. LYONS, John. Linguagem e linguística: uma introdução. Rio de janeiro: LTC, 1979. RAMANZINI, Haroldo. Introdução à linguística moderna. São Paulo: ICONE, 1990. COMPLEMENTARES ALKMIM, Tânia. Sociolinguística: Parte I. In: MUSSALIM Fernanda; BENTES, Anna Christina (orgs). Introdução à linguística: domíniose fronteiras. vol. 1. São Paulo: Cortez, 2001. ARNAULD e LANCELOT. Gramática de Port-Royal. 2 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001. AUSTIN, John Langshaw. Quando dizer é fazer. Tradução de Danilo Marcondes de Souza Filho. Porto Alegre: Artes Médicas, 1990. BAKHTIN, M. 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I. Sob a ótica da teoria funcionalista, a língua não deve ser analisada apenas formal e abstratamente, sem levar em conta as relações pragmáticas que fundamentam a interação verbal. É misterabarcar na análise linguística a produção de interlocutores reais, pois o Funcionalismo percebe a linguagem como um instrumento de interação social entre os seres humanos, usado com a intenção de estabelecer comunicação. II. A gramática funcional não despreza o plano da forma, mas procura descrever o funcionamento das unidades gramaticais em situações comunicativas concretas. III. A teoria gerativista, concebendo a linguagem como um objeto autônomo, independente do uso, interpreta a língua como uma atividade mental. IV. No polo pragmático, parece que a cientificidade da linguística caminha da teoria para a prática, ou seja, criado um modelo teórico, busca-se a prática linguística para adequá-la ao modelo. Se há elementos de interação comunicativa real que possibilitem esse ajuste, são simplesmente ignorados. Após análise, verifica-se que a alternativa INCORRETA é a) ( ) III, apenas. b) I, II e IV, apenas. c) I e II, apenas. d) I, II, III e IV, apenas. e) IV, apenas. 4) Relacione a tirinha abaixo à seguinte afirmação “o discurso é o jogo polêmico em que as relações de poder e saber se articulam” e comente. ______________________________________________________________ ______________________________________________________________ ______________________________________________________________ ______________________________________________________________ ______________________________________________________________ ______________________________________________________________ ( ) ( ) ( ) ( ) Linguística UAB/Unimontes 63 5) Enumere a segunda coluna de acordo com a primeira. A seqüência CORRETA é a) 1, 5, 2, 4, 3. b) 4, 1, 2, 3, 5. c) 2, 5, 1, 4, 3. d) 1, 3, 2, 4, 5. e) 1, 2, 3, 4, 5. a) Podemos considerar que a enunciação abaixo constitui um texto? E que aspectos linguísticos dessa charge poderiam ser explorados pelo pólo pragmático de investigações linguísticas? Comente sua resposta. 6) ______________________________________________________________ ______________________________________________________________ ______________________________________________________________ ______________________________________________________________ ______________________________________________________________ ______________________________________________________________ A partir da charge a seguir responda: Letras/Português Caderno Didático - 3º Período 7) A diferença entre a Linguística e a Semiologia/Semiótica é que I. a Semiologia/Semiótica analisa a linguagem verbal humana e a Linguística normatiza essa linguagem. II. a Semiologia analisa apenas o caráter arbitrário dos signos da língua e a Linguística, o seu caráter natural. III. Está(ão) CORRETA(S) a(s) afirmativa(s) a) ( ) I, apenas. b) II e III, apenas. c) I e II, apenas. d) III, apenas. e) I, II, e III, apenas. 8) Observe os diferentes efeitos de sentidos que podem transcorrer na tirinha abaixo, a partir da linguagem verbal, não verbal, do seu conhecimento de mundo, conhecimento de contexto situacional, cultura, bem como os objetivos de quem produziu esse texto e descreva-os. a Semiologia/Semiótica, em razão de se propor a investigar todo e qualquer sistema de comunicação (verbal ou não verbal), abrange a Linguística, que investiga apenas a linguagem verbal humana. ( ) ( ) ( ) ( ) ______________________________________________________________ ______________________________________________________________ ______________________________________________________________ ______________________________________________________________ ______________________________________________________________ ______________________________________________________________ 64 Linguística UAB/Unimontes 9) O que se quer dizer quando se afirma que se pode fazer investigação linguística tanto de um ponto de vista sincrônico quanto de um diacrônico? Comente. 10) Assinale V para as VERDADEIRAS e F para as FALSAS. a) ( ) A língua é convencionada por um grupo de falantes, segundo Saussure. b) ( ) A língua-I é construída a partir de exposição a dados linguísticos. c) ( ) O significante é o som da fala, segundo a proposta estruturalista. d) ( ) A competência comunicativa equivale à competência linguística. e) ( ) O competência pressupõe o desempenho, segundo a proposta gerativista para a linguagem. ______________________________________________________________ ______________________________________________________________ ______________________________________________________________ ______________________________________________________________ ______________________________________________________________ ______________________________________________________________ 65 Letras/Português Caderno Didático - 3º Período capa linguistica letras_portugues_linguistica paginas em branco maior contra capa 3 periodo