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68 Unidade II 5 O ANTIRRACISMO NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA É comum no Brasil nos orgulharmos de nossas leis como sendo as mais modernas e avançadas do mundo. Temos uma das constituições mais progressistas e igualitárias do planeta. Promulgamos estatutos específicos de proteção a várias minorias: Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Estatuto da Pessoa Idosa, Estatuto do Índio, Estatuto da Igualdade Racial e a Lei Maria da Penha, que combate a violência contra as mulheres. Todos esses são exemplos de que, em termos de legislação, o Brasil possui um referencial de primeiro mundo. Entretanto, por que é necessário termos legislações que regulem tanto as relações sociais e os interesses desses grupos? Para tentar responder, pense nas seguintes situações: • Por que seria necessária uma lei proibindo e punindo a discriminação racial? • Por que temos um estatuto que obriga o Estado e a sociedade a garantirem às crianças e aos adolescentes direitos fundamentais como educação, alimentação e lazer? • Por que precisamos de uma lei que trate especificamente da violência contra pessoas idosas e mulheres? Infelizmente, as respostas a essas perguntas são desoladoras: • Precisamos de leis que punam atitudes racistas porque o racismo está presente em nosso cotidiano, de maneira dissimulada, mas evidente. • As crianças precisam de um estatuto porque lhes são negados no Brasil seus direitos mais fundamentais, como educação, alimentação e o direito a brincar. • Pessoas idosas e mulheres precisam da proteção da lei no Brasil porque são sistematicamente violentados, em números alarmantes, todos os dias. Conclusão: o que nossas leis tentam fazer é corrigir uma realidade desigual, violenta e injusta, de maneira artificial, como se “a força da lei” fosse suficiente para mudar comportamentos e mentalidades, o que de fato não ocorre. Ao contrário, sabemos que, infelizmente, no Brasil, poucas pessoas são de fato condenadas e punidas por crimes de racismo, maus-tratos a pessoas idosas e crianças, violência contra mulheres e indígenas, apenas para mencionar alguns exemplos. Unidade II 69 RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS NO BRASIL Exemplo de aplicação Você saberia contar algum episódio em que uma determinada lei, apesar de estar no papel, tenha sido descumprida, em favor de grupos privilegiados? Reflita sobre as possíveis explicações para fatos como esse. Entretanto, vivemos num país democrático e, para mudar nossa realidade, por mais complexa que seja, precisamos sem dúvida de leis que amparem essas minorias, fortalecendo, assim, os movimentos sociais na garantia de proteção e equidade de direitos e oportunidades. No caso das relações étnico-raciais (que nos interessam nesta disciplina), precisamos de uma legislação antirracista, que ajude a coibir atitudes discriminatórias e sirva de base para uma ampla discussão popular capaz de transformar comportamentos e mentalidades, por mais profundas que sejam suas raízes e as resistências enfrentadas. Leis para isso nós já temos, e vamos conhecê-las agora. Resta-nos, como educadores, encontrar as melhores estratégias para colocá-las em prática e, assim, promover as mudanças sociais necessárias, assunto que abordaremos mais adiante. 5.1 A Carta Maior: a Constituição brasileira de 1988 No dia 5 de outubro de 1988, foi promulgada a Constituição da República Federativa do Brasil, com um amplo processo de mobilização popular, resultado da abertura democrática experienciada a partir de 1985, que colocou fim aos vinte anos de ditadura militar no Brasil. Figura 20 Disponível em: https://l1nq.com/6wN33. Acesso em: 16 ago. 2023. Em seu artigo 20, inciso XI, a Constituição Federal define que as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios são bens da União, isso significa que o Estado detém o direito sobre a propriedade desses territórios, por isso assistimos a diversas manifestações e movimentos em busca da demarcação de terras indígenas, problema que se arrasta há séculos no Brasil. E o artigo 49, inciso XVI, afirma que cabe exclusivamente ao Congresso Nacional autorizar a exploração e o aproveitamento de recursos hídricos 70 Unidade II e a pesquisa e lavra de riquezas minerais em terras indígenas, o que autoriza o Congresso a definir a construção de usinas hidrelétricas naquelas terras, por exemplo. Como vemos, as questões indígenas foram mantidas sob o controle do governo federal, o que é uma tentativa de garantir, por meio dos órgãos centrais, uma política específica para essas populações em geral. Mas também gera contradições, à medida que mantém a tutela política, negando maior autonomia aos grupos ou etnias mais organizados. Mesmo assim, essa constituição apresenta grandes avanços no que tange ao campo dos direitos das chamadas “minorias sociais”, como índios, negros, crianças e pessoas idosas, entre outros. Ela tem um capítulo inteiro dedicado aos índios, o capítulo VIII, que reconhece os direitos desses grupos e atribui à União o dever de zelar por eles, protegê-los e fazê-los respeitar. Outro importante avanço a ser destacado é o fato de que é nessa constituição que a prática de racismo passa a ser considerada crime, de acordo com o seguinte artigo: “Art 5º, XLII – A prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito a pena de reclusão, nos termos da lei” (Brasil, 1988). Perceba que, segundo o texto, se trata de um crime que não é passível de fiança, ou seja, só pode ser punido por prisão; além disso, não prescreve, quer dizer, pode ser punido mesmo depois de passados muitos anos do ocorrido. Isso, sem dúvida, foi um importante instrumento para a ampliação do alcance das ações até então desenvolvidas pelo movimento negro. A esse respeito, observam De Paula e Heringer (2009, p. 9): A partir dos anos 1990, observou-se a emergência de novos atores na luta antirracista. Começam a se constituir nas favelas e periferias urbanas brasileiras grupos de jovens ligados a iniciativas de cultura e arte, com um discurso de enfrentamento da violência, afirmação de pertencimento a esses territórios e um indiscutível orgulho racial, marca importante de suas mensagens à sociedade. Para que se compreenda a profundidade dessa citação e a enorme importância que a Constituição teve na luta antirracista, na ampliação do enfrentamento da violência e na afirmação do orgulho racial, leia também a afirmação de Guimarães (2009, p. 61): Apenas para os afro-brasileiros, para aqueles que chamam a si mesmos de “negros”, o antirracismo deve significar, antes de tudo, a admissão de sua “raça”, isto é, a percepção racializada de si mesmo e do outro. Desse momento em diante, o movimento negro se fortalecia no Brasil, principalmente por sua autovalorização, sua “percepção racializada de si mesmo e do outro”, de suas raízes africanas, suas influências latino-americanas, sua cultura e religião, sua música e sua arte, sua história e heranças deixadas. A partir disso, a promulgação de outras legislações específicas foi um passo rápido, sobre o qual comenta Silva (s.d.): 71 RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS NO BRASIL Após a criminalização de práticas racistas pela Constituição Federal de 1988, foi promulgada a Lei n. 7.716/89, que trata dos crimes resultantes de preconceito de raça ou cor. Esta lei foi posteriormente modificada em alguns artigos contidos na Lei n. 9.459/97. A injúria qualificada também foi tipificada, especificamente no art. 140, § 3º do Código Penal brasileiro. Devemos salientar que o Brasil foi o primeiro país em todo o continente americano a regular práticas racistas através de legislação específica. O que esse autor confirma é que, de fato, somos um país com leis avançadas em relação a nossos vizinhos latino-americanos. Além dessas mudanças no Código Penal de 1940, tínhamos agora uma legislação específica qualificando e punindo a prática de racismo. Vejamos, segundo Guimarães (2004, p. 19), quais são os significados de racismo cobertos pela legislação brasileira atual: (a) o preconceitoracial, expresso verbalmente através de ofensas pessoais; (b) a discriminação racial, ou seja, o tratamento desigual de pessoas, nos mais diversos âmbitos da vida social, baseado na ideia de raça, restringindo o seu amplo e líquido direito constitucional e legal à isonomia de tratamento; (c) a expressão doutrinária do racismo ou a incitação pública do preconceito. Um aspecto fica claro e ainda incomoda nessa citação: toda forma de racismo manifesto publicamente merece, nos termos da lei, a devida punição; entretanto, as ações de racismo praticadas no âmbito privado não podem ser enquadradas na lei vigente. Isso nos leva mais uma vez à reflexão acerca da necessidade de ações educativas na transformação das relações étnico-raciais no Brasil. Exemplo de aplicação Você já presenciou algum episódio de demonstração de racismo? Como se deu a situação, em local público ou privado? Você acha que seria possível registrar formalmente tal episódio? De que maneira? O que seria preciso fazer ou providenciar? Percebeu como é longo o caminho entre a lei, os fatos da realidade e o cumprimento da lei? 5.2 Estatutos específicos O Brasil tem, entre suas legislações, uma série de estatutos específicos que visam proteger grupos de minorias, bem como promover sua inclusão social e a garantia de acesso a direitos fundamentais. Segundo o Portal Brasil (Brasil, s. d.), “um estatuto é um regulamento ou código com significado e valor de lei ou de norma”. É o caso, por exemplo, do Estatuto da Pessoa Idosa, do Estatuto do Índio, do ECA e do Estatuto da Igualdade Racial. Neste tópico, trataremos desses três últimos, que mostram relação com nossa disciplina. 72 Unidade II 5.2.1 Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei n. 8.069/90 Após a promulgação da nova Constituição brasileira, em 1988, esta foi a legislação mais importante para crianças e adolescentes no Brasil, e que trouxe reflexos também sobre as políticas de assistência social e educacionais a partir de então. Sobre a questão étnico-racial, o único artigo que faz alusão à discriminação é: Art. 5º. Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais (Brasil, 1990). Figura 21 Disponível em: https://acesse.one/XtF6m. Acesso em: 16 ago. 2023. Dessa forma, pela primeira vez, crianças e adolescentes passam a ser tratados como cidadãos de direitos, fruto de um intenso debate internacional em voga nas últimas décadas, conforme indicam as autoras Lima e Veronese (2009, p. 7-8): Diversos instrumentos internacionais são representativos da luta por melhores condições de vida e proteção aos direitos da população infantojuvenil. É oportuno registrar que, além de dar uma atenção especial aos direitos de crianças e adolescentes, as normativas internacionais também têm em comum a preocupação com a não discriminação fundada na raça, sexo, origem, cor e reconhece os seres humanos como livres e iguais em atenção ao princípio da dignidade da pessoa humana. 73 RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS NO BRASIL A respeito dos instrumentos internacionais de que tratam, elas afirmam: [Entre] os instrumentos normativos internacionais destacamos: a Declaração de Genebra de 1924, a Declaração Universal dos Direitos Humanos em 1948, a Declaração dos Direitos da Criança de 1959 (ONU) e a Convenção Internacional dos Direitos da Criança 1989 (ONU). Importante pontuar que a Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) em 1948, é representativa do avanço nos direitos e liberdades individuais do ser humano e no reconhecimento do princípio da dignidade da pessoa humana, reconhecendo que todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos independentemente de sua raça ou cor (art. 1º e 2º) (Lima; Veronese, 2009, p. 23). Não restam dúvidas de que as ideias desses instrumentos internacionais influenciaram também um sem-número de debates no Brasil, principalmente entre juristas, educadores, sociólogos e outros profissionais interessados na questão da infância e da adolescência. Podemos afirmar que há estreita relação entre o ECA, aprovado em 1990, e a nova Lei de Diretrizes e Bases (LDB), que seria aprovada em 1996. Nesse sentido, os debates desencadeados por influência do ECA acabaram norteando as diretrizes adotadas pelas políticas educacionais brasileiras a partir de então, conforme veremos a seguir. 5.2.2 Estatuto da Igualdade Racial, Lei n. 12.288/2010 Em maio de 2003, o Senador Paulo Paim (PT-RS) apresentou o projeto de lei no Senado que instituía o Estatuto da Igualdade Racial. Desde então, o projeto tramitou na Câmara e no Senado, até ser finalmente aprovado com emendas no dia 20 de julho de 2010, validando, por meio da Lei n. 12.288, o Estatuto da Igualdade Racial. O documento versa sobre os principais direitos garantidos à população afrodescendente no Brasil, bem como busca combater toda forma de discriminação e intolerância étnica. 74 Unidade II Figura 22 Disponível em: https://ury1.com/IU9co. Acesso em: 16 ago. 2023. O estatuto, já em seu artigo 1º, faz alusão aos principais focos dessa lei, a saber: (a) combater a discriminação racial ou étnico-racial; (b) promover a igualdade racial, nos campos político, econômico, social, cultural e outros da vida pública ou privada; (c) combater as assimetrias de gênero e raça, dando condições de inclusão às mulheres negras; (d) valorizar a autodefinição de cor ou raça às pessoas que se autodeclararem pretas e pardas, conforme critérios definidos pelo IBGE; (e) abrir caminhos para a implantação de políticas públicas adotadas pelo Estado com o objetivo da promoção da igualdade racial; (f) incentivar as ações afirmativas, adotadas pelo Estado ou pela iniciativa privada, para a promoção da igualdade de oportunidades. Essas definições iniciais se estendem até o artigo 5º, quando o estatuto passa a definir capítulos específicos para cada direito fundamental a ser defendido: saúde, educação, cultura, esporte e lazer, liberdade de consciência e de crença, livre exercício dos cultos religiosos, acesso à terra e à moradia adequada, direito ao trabalho e valorização da herança cultural da população negra na história do país pelos meios de comunicação. Por fim, institui o Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial (Sinapir), um órgão criado para organizar e articular as estratégias para implantação do “conjunto de políticas e serviços destinados a superar as desigualdades étnicas existentes no país, prestados pelo poder público federal”, segundo seu artigo 47 (BRASIL, 2010), entre eles, a implantação de ouvidorias permanentes em defesa da igualdade racial e o investimento em financiamentos de iniciativas de promoção de igualdade racial. 75 RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS NO BRASIL Lembrete Entre os pontos destacados, o mais polêmico está na política de cotas nas universidades públicas, cuja obrigatoriedade foi retirada do texto final da lei. Conforme já havíamos discutido na unidade anterior, há muito debate em torno da questão das cotas raciais, e até mesmo dentro do movimento negro há grupos favoráveis e contrários às cotas para negros nas universidades como parte dos critérios de seleção de candidatos nos vestibulares, talvez razão pela qual esse artigo tenha sido retirado da versão final do documento. Esperamos que o aluno já tenha feito suas análises a respeito e seja capaz de argumentar com propriedade sobre os prós e contras dessa ação afirmativa. 5.2.3 Estatuto do índio Esse documento é conhecido como Lei n. 6.001. Promulgada em 1973, ela dispõe sobre as relações do Estado e da sociedade brasileira com os índios e coloca que estes sendo “relativamente incapazes”, devendo ser tutelados por um órgão indigenista estatal – de 1910 a 1967, o Serviço de Proteção ao Índio (SPI); atualmente, a Fundação Nacional do Índio(Funai) –, até que fossem integrados à sociedade. Chamamos essa visão de assimilacionista, pois entende que os índios devem ser integrados à sociedade vigente, abrindo mão de sua organização social e cultural, vista como primitiva, e assimilando os valores sociais dos brancos. A Constituição Federal de 1988 rompe com essa visão e, como já apontado anteriormente, reconhece o direito dos índios de manter e preservar sua própria cultura, numa perspectiva mais multiculturalista. Apesar de não tratar de maneira expressa da capacidade civil, a Constituição reconheceu, no seu artigo 232, a capacidade processual ao dizer que “os índios, suas comunidades e organizações, são partes legítimas para ingressar em juízo, em defesa dos seus direitos e interesses”. Significa que os índios podem, inclusive, entrar em juízo contra o próprio Estado, o seu suposto tutor. O novo Código Civil retira os índios da condição de “relativamente incapazes” e estipula que sua condição específica será regulamentada em legislação própria, o que ainda não foi realizado. Também o Estatuto do Índio está sendo objeto de reformulação desde a promulgação da Constituição. Está em tramitação no Congresso Nacional um projeto de Estatuto das Sociedades Indígenas, mas que caminha lentamente. No entanto, pelo título do estatuto já é possível reconhecer uma perspectiva mais avançada, na medida em que trata as nações indígenas como “sociedades”, mudando o patamar das relações. Há diversos pontos polêmicos na lei, mas o que se destaca na questão indígena é a posse da terra. Para ter uma breve dimensão do seu significado, veja o que diz o documento do IBGE (2012, p. 16) sobre as características gerais dos indígenas: 76 Unidade II A posse, o usufruto e o controle efetivo da terra pelos índios têm sido reconhecidos como condição sine qua non para a sobrevivência dos povos indígenas. A ausência ou pouca disponibilidade de terras tem, reconhecidamente, enormes impactos sobre o cotidiano das sociedades indígenas, afetando não somente os padrões de subsistência como também dimensões de caráter simbólico no plano da etnicidade. A garantia do acesso à terra constitui, atualmente, um elemento central da política indigenista do Estado brasileiro. O processo de demarcação é o meio administrativo para explicitar os limites do território tradicionalmente ocupado pelos povos indígenas. Busca-se, assim, resgatar uma dívida histórica com esse segmento da população brasileira e propiciar as condições fundamentais para as sobrevivências física e cultural dos indígenas. Figura 23 Disponível em: https://l1nk.dev/cDSgP. Acesso em: 16 ago. 2023. Observação Durante o século XX, prevaleceu a perspectiva assimilacionista na relação com os índios. Já a partir da década de 1980, temos o crescimento da visão multiculturalista, que respeita e valoriza a diversidade étnica e racial. Podemos compreender algumas das diferenças e especificidades dos povos indígenas que nós, educadores ou profissionais afins, temos o dever de conhecer e contribuir para garantir o seu direito à diversidade e respeito à manutenção de sua história e de sua cultura. E nesse campo a educação é fundamental, como veremos a seguir. 77 RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS NO BRASIL 5.3 Leis e diretrizes educacionais Já fizemos alusão à influência que o ECA teve nos debates educacionais quando foi publicado, em 1990. A questão étnica também passou a ocupar importante espaço na legislação brasileira, como vimos no tópico anterior, chegando à instituição do Estatuto da Igualdade Racial, em 2010, vinte anos mais tarde. Assim, é importante verificar neste tópico sobre a legislação e o antirracismo no Brasil que os processos sociais de conquistas de direitos são lentos, graduais e integrados, isto é, uma demanda social não surge de um momento para o outro, repentinamente; ao contrário, é fruto de um amplo e longo debate entre grupos e movimentos que se unem em defesa de seus interesses. Lembrete Vale também destacar que a igualdade racial não pode ser encarada como uma necessidade apenas do movimento negro, mas de todos os brasileiros que buscam encontrar suas verdadeiras raízes históricas e culturais e querem viver numa sociedade mais justa e igualitária. 5.3.1 Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), Lei n. 9.394/96 O Brasil tem uma das legislações mais modernas do mundo, no que diz respeito às suas diretrizes para a educação. Em 1996, foi aprovada a Lei n. 9.394, que ficou mais conhecida como nova LDB. Este é, sem dúvida, um documento importantíssimo para a população negra no Brasil, pois fornece pressupostos importantes para a ampliação do debate sobre relações étnico-raciais e afrodescendência. Veja o que diz o seu artigo 26: O ensino de História do Brasil levará em conta as contribuições das diferentes culturas e etnias para a formação do povo brasileiro, especialmente das matrizes indígena, africana e europeia (Brasil, 1996). Figura 24 Disponível em: https://ury1.com/0lKqp. Acesso em: 16 ago. 2023. 78 Unidade II Aqui, portanto, está o início do debate que “preparou o terreno” para a aprovação da Lei n. 10.639/2003, dando mais um passo para a afirmação, o reconhecimento e a valorização dos negros no quadro da diversidade da cultura brasileira. Exemplo de aplicação Após a leitura do trecho dessa lei, qual seria, em sua opinião, o papel dos cidadãos nesse processo de mudança no sistema educacional brasileiro? 5.3.2 Lei n. 10.639/2003 e Lei n. 11.645/2008 No dia 9 de janeiro de 2003, foi sancionada a Lei n. 10.639, que altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996 e inclui no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática História e Cultura Afro-Brasileira. Apesar de imprescindível e de extremamente relevante, esta é uma lei de enunciado bastante breve, que vem acrescentar à LDB somente os artigos 26-A, 79-A e 79-B, reproduzidos a seguir: Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre história e cultura afro-brasileira. § 1º. O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil. § 2º. Os conteúdos referentes à história e cultura afro-brasileira serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística e de Literatura e História brasileiras. § 3º. (Vetado) Art. 79-A. (Vetado) Art. 79-B. O calendário escolar incluirá o dia 20 de novembro como “Dia Nacional da Consciência Negra” (Brasil, 2003). Em poucas linhas, essa legislação consegue chamar a atenção das autoridades, dos educadores e da sociedade para a importância da inclusão no currículo escolar da perspectiva étnico-racial, instituindo, inclusive, o dia 20 de novembro como o Dia da Consciência Negra. 79 RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS NO BRASIL Alguns anos depois, em 10 de março de 2008, foi aprovada a Lei n. 11.645, que modifica o texto da Lei n. 10.639/2003 e inclui no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”, passando a vigorar a seguinte redação: Art. 26-A. Nos estabelecimentos de Ensino Fundamental e de Ensino Médio, públicos e privados, torna-se obrigatório o estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena. § 1º. O conteúdo programático a que se refere este artigo incluirá diversos aspectos da história e da cultura que caracterizam a formação da população brasileira, a partir desses dois grupos étnicos, tais como o estudo da história da África e dos africanos, a luta dos negros e dos povos indígenas no Brasil, a cultura negra e indígena brasileira e o negro e o índio na formação da sociedade nacional, resgatando assuas contribuições nas áreas social, econômica e política, pertinentes à história do Brasil. § 2º. Os conteúdos referentes à história e cultura afro-brasileira e dos povos indígenas brasileiros serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de educação artística e de literatura e história brasileiras. Observação Essa é a lei que determinou o estudo da disciplina Relações Étnico-Raciais no Brasil. Uma vez obrigatório o ensino da história e da cultura afro-brasileira e indígena, faz-se necessária a formação dos professores para as transformações necessárias às práticas educativas e pedagógicas. Por isso, continue se aprofundando no estudo dessa temática. Para incentivar e promover a implantação dessa lei no sistema de ensino brasileiro, o Ministério da Educação (MEC) publicou no Diário Oficial da União, no dia 19 de maio de 2004, as “Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana”. Esse é um documento que, como o próprio nome diz, traz todas as diretrizes para que a Lei n. 10.639/2003 possa ser finalmente colocada em prática. É sobre esse parecer que trataremos a seguir. 5.3.3 Diretrizes Curriculares Nacionais para a educação das relações étnico-raciais e para o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana de 2004 – Parecer CNE 003/2004 Esse parecer é um documento que todo educador deveria conhecer na íntegra e estudar seu conteúdo a fundo, pois seu texto é claro e eficaz no estímulo ao reconhecimento da importância de promovermos ações para a igualdade racial. Como não é possível reproduzi-lo por inteiro, 80 Unidade II selecionamos dois trechos que nos dão uma ideia bastante clara sobre seus propósitos. O primeiro traz uma apresentação do público ao qual o texto se dirige: Destina-se o parecer aos administradores dos sistemas de ensino, de mantenedoras de estabelecimentos de ensino, aos estabelecimentos de ensino, seus professores e a todos implicados na elaboração, execução, avaliação de programas de interesse educacional, de planos institucionais, pedagógicos e de ensino. Destina-se, também, às famílias dos estudantes, a eles próprios e a todos os cidadãos comprometidos com a educação dos brasileiros, para nele buscarem orientações, quando pretenderem dialogar com os sistemas de ensino, escolas e educadores, no que diz respeito às relações étnico-raciais, ao reconhecimento e valorização da história e cultura dos afro-brasileiros, à diversidade da nação brasileira, ao igual direito à educação de qualidade, isto é, não apenas direito ao estudo, mas também à formação para a cidadania responsável pela construção de uma sociedade justa e democrática (Brasil, 2004, p. 2). De acordo com o que temos defendido, essas diretrizes interessam não somente ao poder público ou aos educadores e gestores educacionais, mas a todo cidadão brasileiro que, de alguma forma, esteja interessado em uma educação de qualidade para todos. No segundo trecho, que escolhemos para demonstrar um pouco do conteúdo do parecer, vemos claramente a importância que a Lei n. 10.639/2003 assume no contexto de construção de uma sociedade igualitária e verdadeiramente democrática: O parecer procura oferecer uma resposta, entre outras, na área da educação, à demanda da população afrodescendente, no sentido de políticas de ações afirmativas, isto é, de políticas de reparações, e de reconhecimento e valorização de sua história, cultura, identidade. Trata, ele, de política curricular, fundada em dimensões históricas, sociais, antropológicas oriundas da realidade brasileira, e busca combater o racismo e as discriminações que atingem particularmente os negros. Nesta perspectiva, propõe a divulgação e produção de conhecimentos, a formação de atitudes, posturas e valores que eduquem cidadãos orgulhosos de seu pertencimento étnico-racial – descendentes de africanos, povos indígenas, descendentes de europeus, de asiáticos – para interagirem na construção de uma nação democrática, em que todos, igualmente, tenham seus direitos garantidos e sua identidade valorizada (Brasil, 2004). O grande auxílio desse parecer foi, portanto, identificar as contribuições da Lei n. 10.639 para o reconhecimento e a valorização da diversidade étnico-racial brasileira, passo fundamental para uma sociedade de fato igualitária e livre do racismo. Mas, passados seis anos, podemos afirmar que pouca coisa avançou na direção de colocar em prática o que determina a Lei n. 10.639/2003, ou seja, poucas escolas de fato incluíram em seus currículos a temática da História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Por isso, mais uma vez, o Ministério da 81 RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS NO BRASIL Educação (MEC), junto com a Subsecretaria de Políticas de Ações Afirmativas da Seppir (Subaa), tomou a iniciativa de publicar, em 13 de maio de 2009, o Plano Nacional de Implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das Relações Étnico-raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana. Esse é um documento que detalha cada uma das responsabilidades dos poderes públicos, seja no âmbito federal, estadual ou municipal, além de enfatizar três problemáticas principais em relação à implantação da Lei n. 10.639/2003: a formação dos professores para o trabalho em sala de aula na perspectiva das relações étnico-raciais; a produção de material didático adequado, que desfaça os estereótipos de raça/cor/gênero; e a sensibilização de todos os agentes envolvidos nesse processo para um compromisso efetivo com a implantação da igualdade racial na escola e em nosso país. Ainda em complemento a essa lei, foi promulgada em 10 de março de 2008 a Lei n. 11.645, que insere no texto anterior também a matriz indígena, estabelecendo, portanto, que “os conteúdos referentes à história e cultura afro-brasileira e dos povos indígenas brasileiros serão ministrados no âmbito de todo currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística e de Literatura e História Brasileiras”. Saiba mais Sabemos da importância de conhecer nossas leis e diretrizes educacionais, a fim de ampliar nossa compreensão a respeito de nossa prática educativa, bem como de nosso papel no processo de promoção da igualdade racial. Nesse sentido, sugerimos que seja feita uma pesquisa e que se consultem, na íntegra, alguns desses materiais com os quais acabamos de trabalhar. Procure estudar as legislações que você ainda não teve oportunidade em outras disciplinas, isto é, aquelas que tratam especificamente das relações étnico-raciais, como o Estatuto da Igualdade Racial e a Lei n. 10.639/2003, por exemplo. Consulte os links: BRASIL. Lei n. 10.639, de 9 de janeiro de 2003. Ministério da Educação e Cultura: Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial. Disponível em: https://l1nk.dev/9PKcy. Acesso em: 14 ago. 2023. BRASIL. Lei n. 12.288, de 20 de julho de 2010. Estatuto da Igualdade Racial. Disponível em: https://l1nk.dev/6NlXx. Acesso em: 14 ago. 2023. BRASIL. Plano Nacional de Implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Brasília, mar. 2004. Disponível em: https://acesse.one/SQFcp. Acesso em: 14 ago. 2023. 82 Unidade II 6 AFRICANIDADES BRASILEIRAS E ALGUNS ASPECTOS DA HISTÓRIA AFRICANA DOS NEGROS NO BRASIL Neste tópico, começaremos trabalhando o conceito de africanidades brasileiras, com sua especificidade e paradigma. Em seguida, faremos uma abordagem histórica, fundamental para compreendermos a inserção dos negros africanos no processo de colonização brasileira, as raízes de nossa construção nacional e os fundamentos de nosso racismo velado. Figura 25 Disponível em: https://l1nq.com/4q3S4. Acesso em: 16 ago. 2023. Em primeiro lugar, cabe-nos definir o conceito de africanidades brasileiras. Trata-se de um processo de valorização e resgateda história e cultura africana e afro-brasileira, a fim de desfazer os estereótipos raciais construídos pelos grupos dominantes (brancos, homens, proprietários, livres e ricos). Assim, podemos dizer que esse é um paradigma que considera a perspectiva dos negros brasileiros na formação da cultura e da sociedade brasileira. Significa enxergar o mundo através de uma lente, sob a perspectiva dos afrodescendentes, segundo define Silva (2003, p. 26): A expressão africanidades brasileiras refere-se às raízes da cultura brasileira que têm origem africana. Dizendo de outra forma, queremos nos reportar ao modo de ser, de viver, de organizar suas lutas, próprio dos negros brasileiros e, de outro lado, às marcas da cultura africana que, independentemente da origem étnica de cada brasileiro, fazem parte do seu dia a dia. 83 RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS NO BRASIL [...] Então, estudar africanidades brasileiras significa estudar um jeito de ver a vida, o mundo, o trabalho, de conviver e lutar por sua dignidade, próprio dos descendentes de africanos que, ao participar da construção da nação brasileira, vão deixando nos outros grupos étnicos com que convivem suas influências, e, ao mesmo tempo, recebem e incorporam as daqueles. A partir dessas concepções, é mister que façamos essa reconstrução histórica por meio de uma perspectiva diferente daquela que temos utilizado em nossas escolas durante tanto tempo. Uma perspectiva que reconheça a grande participação dos africanos na formação do Brasil, que os apresente não apenas em sua condição de escravizados, mas como personagens participantes da construção histórica, que, com suas culturas, línguas, formas de organização e economia, participaram expressivamente da construção disso que somos atualmente. 6.1 Pegando o fio da história: a África antes de 1500 Aproveitando a expressão “o fio da história”, presente no livro de Cunha Júnior (2010), pretendemos, neste tópico, chamar a atenção para a história da África antes da chegada dos portugueses à América. Isso porque fomos ensinados a pensar a partir de uma série de concepções bastante deturpadas ou incompletas sobre o continente africano e sua população, concepções essas, em geral, propagadas pelo pensamento conservador, responsável em grande medida pela formulação do chamado racismo científico (Cunha Júnior, 2010, p. 10): Esta indução errônea tem motivos e consequências, e elas despolitizam a população negra, tornam as identidades negras fragilizadas e permitem a realização de uma ampla desqualificação social das populações negras. As ideias permitem a prática da produção de uma hierarquia social, na qual nada produzido pela população negra parece ter importância, tudo que é produzido pela população branca é bom e necessário. É nesse sentido que toda a história da África passou a ser sistematicamente distorcida, esquecida ou menosprezada nos livros de história e assim foi transmitida a nós e aos nossos alunos há tantas gerações. Vamos começar a rever um pouco tudo isso, primeiro com um trecho de Salum (2005): Para compreendermos a cultura material das sociedades africanas, a primeira questão que se impõe é a imagem que até hoje perdura da África, como se até sua “descoberta” fosse esse continente perdido na obscuridade dos primórdios da civilização, em plena barbárie, numa luta entre homem e natureza. De fato, a história dos povos africanos é a mesma de toda humanidade: a da sobrevivência material, mas também espiritual, intelectual e artística. 84 Unidade II A impressão que temos com o que estudamos em nossa vida escolar é de que a África, antes do início da exploração portuguesa, era um território “perdido no mapa”, com povos “primitivos”, sem cultura escrita e com tribos selvagens que guerreavam e se escravizavam mutuamente. Atualmente, nosso conhecimento sobre esse continente é tão parco que chegamos a pensar nele como um único país, “a África”. Oliva (2003, p. 423) inicia seu artigo, intitulado “A história da África nos bancos escolares: representações e imprecisões na literatura didática”, fazendo a seguinte pergunta: “O que sabemos sobre a África?”. Repare como sua resposta nos parece infelizmente bastante familiar: Quantos de nós estudamos a África quando transitávamos pelos bancos das escolas? Quantos tiveram a disciplina História da África nos cursos de História? Quantos livros, ou textos, lemos sobre a questão? Tirando as breves incursões pelos programas do National Geographic ou Discovery Channel, ou ainda pelas imagens chocantes de um mundo africano em agonia, da AIDS que se alastra, da fome que esmaga, das etnias que se enfrentam com grande violência ou dos safáris e animais exóticos, o que sabemos sobre a África? Paremos por aqui. Ou melhor, iniciemos tudo aqui. Temos de reconhecer que sabemos nada ou quase nada sobre a África. Feita essa constatação, cabe a nós, educadores, a responsabilidade de sanar tal deficiência em nossa formação e procurar nos apropriar dos conteúdos sobre a história da África e dos negros no Brasil, disponíveis na íntegra para downloads na internet, conforme já indicamos. Neste ponto do livro-texto, a intenção é apenas sinalizar alguns elementos importantes sobre a história da África, tendo em vista o volume enorme de conteúdos passíveis de serem estudados. Pare um momento e observe no mapa a seguir os países que compõem o continente africano. É possível que você nunca tenha ouvido falar sobre alguns deles. 85 RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS NO BRASIL Figura 26 Disponível em: https://acesse.one/tRtBI. Acesso em: 16 ago. 2023. Segundo a bibliografia indicada ao final do livro-texto, o desenvolvimento do continente africano foi superior ao do europeu até o século XVI, quando Portugal iniciou um dos maiores genocídios culturais (também chamado de etnocídio) jamais vistos na história da humanidade. Segundo Cunha Junior (2010), as populações africanas já dominavam inúmeras tecnologias quando foram incorporadas à empresa colonial portuguesa no Brasil: a começar pela importação de mão de obra especializada, principalmente nas áreas têxteis, de construção, de materiais como madeira e sabão, fato que influenciaria decisivamente a economia colonial brasileira em relação à África. A compreensão do fio da história africana é necessária para entendimento do desenvolvimento de conhecimentos técnicos, profissionais e científicos nas diversas regiões africanas, que constituíram um capital cultural significativo e fundamental para a colonização do Brasil, sob o domínio português na forma do escravismo criminoso da mão de obra africana. 86 Unidade II O acervo de conhecimentos que possibilitou a empresa de produção colonial portuguesa no Brasil é majoritariamente africano. [...] Devemos também acrescentar que muitas regiões do continente africano foram destruídas pelos europeus durante 400 anos de guerras para imposição da dominação ocidental, política, cultural e econômica. A imposição do comércio europeu de produtos africanos e do comércio de seres humanos, cativos africanos transformados em escravizados nas Américas, foi a que produziu maior devastação no continente africano. Hoje existe uma desigualdade social e econômica entre a África e a Europa em razão de o europeu ter subdesenvolvido o continente africano (Cunha Júnior, 2010, p. 15). O que queremos reafirmar aqui é a riqueza histórica e cultural dos países africanos, a começar pelo Egito, que pode ser considerado uma das civilizações mais desenvolvidas e antigas do mundo. Portanto, a história da África não começa no ano de 1500 e não pode ser resumida ao episódio da escravidão de suas populações durante quatrocentos anos de história do Brasil. Observação Nunca é demais incentivá-lo a prosseguir seus estudos na área de cultura e história da África e dos negros no Brasil. Afinal, esse conteúdo será necessário para colocar em prática o que dita a Lei n. 10.639/2003, em suas aulas, no futuro. Vejamos então, de forma específica, como aspopulações africanas se inseriram no processo de formação do nosso país. Esse será o assunto do próximo tópico. 6.2 Heranças coloniais africanas e a formação de um país chamado Brasil Primeiro, acompanhe esta breve revisão histórica: sabemos que o Brasil é resultado de um longo processo de exploração colonial promovido por Portugal, com apoio financeiro da burguesia de então, que, apesar de ainda não deter o poder político no século XVI, já era proprietária de boa parte das riquezas disponíveis na época, reservas suficientes para servirem de investimentos às empresas colonizadoras portuguesas rumo às Américas. Assim, é importante ficar claro que já estávamos em pleno capitalismo moderno e que o Brasil nada mais era do que um negócio bastante interessante e promissor, tanto para os monarcas portugueses, que comandavam politicamente a empreitada colonizadora, quanto para os burgueses e homens de negócio da Europa, que patrocinavam tais empreendimentos. Existe uma linha de raciocínio que já faz parte de nosso senso comum, segundo a qual os problemas do Brasil estão diretamente ligados à formação de sua população, uma vez que teriam sido mandados para cá os “piores cidadãos” portugueses, indesejados na Europa, quase “deportados” para uma terra 87 RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS NO BRASIL onde poderiam “fazer do seu jeito” todas as coisas reprováveis que antes faziam em Portugal. Daí vem também uma das explicações correntes sobre o nosso “jeitinho brasileiro”, no sentido de que as leis não funcionam aqui porque, desde a formação do Brasil, foram trazidos para cá somente ladrões, bandidos, vagabundos, prostitutas e desocupados de todo tipo. Isso não é verdade, e a explicação fundamental está no fato de sermos, naquela época, a empresa mais rentável de Portugal. Exemplo de aplicação Pense: alguém mandaria para o comando de sua empresa pessoas desqualificadas, desonestas e incapazes de fazer aquela empresa crescer e ser ainda mais lucrativa? Ou algum empresário, em sã consciência, seria leviano o bastante para entregar um projeto tão ambicioso como a colonização do Brasil a bandidos e vagabundos que levariam tudo a perder? Tínhamos, portanto, aqui, uma base importante para o sustento da monarquia portuguesa, que já enfrentava problemas sérios, tanto políticos quanto econômicos, para se manter nas relações capitalistas europeias daquele momento. É nesse sentido que homens e mulheres passam a ser enviados ao Brasil com a incumbência de fazer esse país-continente fornecer riquezas suficientes para sustentar os luxos e as extravagâncias da família real e sua aristocracia e, ao mesmo tempo, para pagar os investimentos feitos pela burguesia de então, elite econômica durante aquele período. Foi com essa mentalidade que os portugueses começaram a explorar de todas as formas o território brasileiro, retirando de nossos solos e florestas todas as matérias-primas que tivessem algum valor no mercado capitalista europeu. A primeira matéria-prima a ser transformada em mercadoria valiosa foi o pau-brasil. Para isso, os portugueses fizeram, nas três primeiras décadas de colonização, uma interessada aliança com povos indígenas. Por estarem em pequeno número, os portugueses podiam ser incorporados às aldeias sem causar grandes problemas ao cotidiano das tribos, sujeitando-se à vontade dos nativos. Não que tenha havido uma convivência pacífica entre brancos e índios. Ao contrário, como afirma Olivieri (s.d.): O caráter beligerante das sociedades indígenas brasileiras desmente a versão da história segundo a qual os índios se limitaram a assistir à ocupação da terra pelos europeus, sofrendo os efeitos da colonização passivamente. Ao contrário, nos limites das suas possibilidades resistiram à ocupação territorial, lutando bravamente por sua segurança e liberdade. Entretanto, o contato inicial entre índios e brancos não chegou a ser predominantemente conflituoso. Como os europeus estavam em pequeno número, podiam ser incorporados à vida social do índio, sem afetar a unidade e a autonomia das sociedades tribais. 88 Unidade II Muito cedo, entretanto, os portugueses perceberam que um dos grandes problemas que teriam em sua missão de exploração brasileira seria a escassez de mão de obra para realizar um trabalho de tão grande monta como o que precisava ser feito por aqui. A esse respeito, Olivieri (s.d.) continua: Posteriormente, quando o processo de colonização promoveu a substituição do extrativismo pela agricultura como principal atividade econômica, o padrão de convivência entre os dois grupos raciais sofreu uma profunda alteração: o índio passou a ser encarado pelo branco como um obstáculo à posse da terra e uma fonte de mão de obra barata. A necessidade de terras e de trabalhadores para a lavoura levou os portugueses a promoverem a expulsão dos índios de seu território, bem como a sua escravização. Assim, a nova sociedade que se erguia no Brasil impunha ao índio uma posição subordinada e dependente. Apesar de serem aproximadamente cinco milhões no século XVI (população reduzida a cerca de 700 mil nos dias de hoje), no início da exploração portuguesa, os índios não foram uma boa fonte de mão de obra escrava, ao contrário do que pretendiam os colonizadores, devido principalmente às guerras que se travaram a partir de 1530 entre brancos e índios e ao extermínio em massa, que praticamente dizimou milhões de indígenas nos primeiros séculos de colonização do Brasil. Além do fato de não ser da cultura indígena o trabalho agrícola em grande produção, sua cultura baseava-se na caça, na pesca, na extração e em pequenas plantações. Não fazia sentido para os grupos indígenas um sistema de trabalho que visava à acumulação da produção. Uma solução encontrada foi trazer negros africanos, vindos de Angola e do Congo, para trabalharem na agricultura, tendo em vista que aqueles povos já eram grandes produtores agrícolas e dominavam as tecnologias do plantio. Como os portugueses já dominavam a arte das navegações, não foi difícil forçar populações africanas a se transferirem para o Brasil, submetendo-as a uma das condições de vida e trabalho mais desumanas que a história já assistiu. É interessante que, mais uma vez, o que aprendemos em nossos bancos escolares a respeito das justificativas sobre o tráfico negreiro aponta os índios como seres acostumados à liberdade e que se recusaram ao trabalho escravo; já os negros, por estarem acostumados à escravidão já existente no continente africano, teriam se submetido mais passivamente à condição de objeto, coisa. Novamente, essas são explicações que não fazem qualquer sentido lógico. Assim, comentam Munanga e Gomes (2006, p. 24): Dizer que o colonizador português foi para a África buscar escravos que ele adquiria, comprando-os pela troca de fumo da Bahia e de outras mercadorias, graças à cumplicidade dos reis e príncipes africanos, não deixa dúvida sobre a crença na existência dos escravos como categoria natural, ou seja, na existência de seres humanos que nasceram escravos na África. A partir dessa crença, podemos já suscitar uma dúvida e fazer uma primeira indagação. Algumas pessoas podem nascer escravas, ou todos nascem livres até que algum sistema os escravize no decorrer de suas vidas? 89 RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS NO BRASIL Exemplo de aplicação Você se lembra do tópico em que tratamos do racismo científico que procurou relacionar características naturais às diferentes raças? Você consegue enxergar a correspondência entre aquela teoria do racismo científico e o que estamos abordando aqui? Mais uma vez, podemos verificar como esse processo, cujas raízes são profundas, perdura até os dias de hoje, sendo que tais representações ainda aparecem na maioria dos livros didáticos disponíveis para nossos alunos e professores. 6.3 Diáspora, travessia dos escravizados e o constrangimento de seres humanos à condição de objetos A partir de 1550, começam a chegar ao Brasil os primeiros africanos escravizados.Trata-se de uma recriação da escravidão antiga, já extinta na história europeia há séculos, agora a serviço de um capitalismo moderno, baseado na exploração colonial, na economia monopolista mercantil e no trabalho não assalariado dos escravizados. Durante mais de três séculos, estima-se que tenham sido trazidos para o Brasil cerca de 3,6 milhões de pessoas, provocando uma verdadeira diáspora entre os povoados africanos. Segundo Schwarcz (2001, p. 38-39): No Brasil, país de larga convivência com a escravidão, o cativeiro vigorou durante mais de três séculos, e sabe-se que a diáspora foi de tal vulto que um terço da população africana deixou, compulsoriamente, seu continente de origem rumo às Américas. Um deslocamento dessa monta acabou alterando cores, costumes e a própria estrutura da sociedade local. A escravidão, em primeiro lugar, como regime que supõe a posse de um homem por outro, legitimou com sua vigência a hierarquia social, naturalizou o arbítrio e inibiu toda discussão sobre cidadania. A intenção aqui não é apenas recontar nosso passado, mas mostrar outras explicações para o nosso presente, ainda autoritário, hierarquizado e com tantas dificuldades para a efetivação da cidadania plena de sua população. Nota-se que, numa sociedade que viveu tantos séculos de escravidão, a ideia de servidão e senhorio acabou se naturalizando em nossa mentalidade, como se fossem relações “normais”, aceitas socialmente, reforçando a ideia sugerida por DaMatta (1987, p. 76) sobre a formação do Brasil, segundo a qual “cada coisa tem um lugar e cada lugar tem uma coisa”. O que isso significa? Numa palavra, a ausência de valores igualitários. Num meio social como o nosso, onde “cada coisa tem um lugar demarcado e, como corolário, – cada lugar tem sua coisa”, índios e negros têm uma posição demarcada num sistema de relações sociais concretas, sistema que é orientado de modo vertical: para cima e para baixo, nunca para os lados. 90 Unidade II Fazendo uma pesquisa no site Domínio Público, encontram-se algumas fotografias de famílias da elite do século XIX registrando alguns de seus “escravos”. É possível perceber nessas imagens esse lugar “naturalizado” do negro como escravizado, conforme se observa nas fotos a seguir: uma mulher negra somente identificada como “ama de leite Mônica”, ao lado do menino de nome composto, “Artur Gomes Leal”; e um homem negro, denominado simplesmente de “escravo Belisário”. Figura 27 Disponível em: https://l1nk.dev/gZDKa. Acesso em: 16 ago. 2023. Figura 28 Disponível em: https://l1nk.dev/gd9TS. Acesso em: 16 ago. 2023. 91 RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS NO BRASIL Observação Percebeu onde está a raiz da nossa sociedade extremamente hierarquizada? Justamente nessa estratégia de transformar seres humanos em simples objetos, coisas a serem usadas, exploradas e depois descartadas. Você já deve ter ouvido falar destas questões: das tristes condições dos navios negreiros; das situações deploráveis às quais africanos eram submetidos, já em terras brasileiras, para se alimentar, dormir, trabalhar e viver; e aos castigos e suplícios que sofriam por qualquer motivo que fosse ou até sem motivo algum. Evidentemente, tanto sofrimento é capaz de acabar com qualquer resquício de humanidade e dignidade que possa restar em um ser humano. Entretanto, outra forma de transformar seres humanos em coisas é apagar definitivamente toda sua herança cultural e histórica, o bem mais precioso que temos em nossa construção como pessoa, como afirma Schwarcz (2001, p. 39): Desterrados de seu continente, separados de seus laços de relação pessoal, ignorantes da língua e dos costumes, os recém-chegados se transformavam em boçais (na época, boçal queria dizer “aquele que não conhece a língua” e era o termo oposto a ladino, que se referia aos cativos já ambientados ou nascidos no país). Entendido como propriedade, uma peça ou coisa, o escravo perdia sua origem e sua personalidade. Servus non habent personam: “o escravo não tem pessoa”, é um sujeito sem corpo, sem antepassados, nomes ou bens próprios. É nesse sentido que toda a história da África foi sendo apagada da vida dos negros, agora escravizados no Brasil e, futuramente, dos livros, que passaram a contar a história apenas sob a perspectiva do branco colonizador. E é nesse sentido que a instituição de uma lei que obrigue as escolas a inserir em seus currículos a temática da História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, como a Lei n. 10.639/2003, torna-se um fator de tanta relevância para a promoção da igualdade racial em nosso país, ainda tão marcado pelas desigualdades e relações hierarquizadas entre as diferentes raças/etnias. Conforme já foi dito há pouco, foram quase 4 milhões de negros africanos trazidos ao Brasil e escravizados por mais de três séculos. Com base nesses dois dados, não se pode negar as muitas influências que a cultura brasileira, em formação, recebeu como herança africana. Observação Há uma variedade de livros sobre a história dos negros do Brasil que podem nos demonstrar com detalhes quais foram esses aspectos da cultura e história africanas que ajudaram na formação do país. Alguns já foram citados neste livro-texto e estão disponíveis na íntegra para consulta na internet. 92 Unidade II Figura 29 Disponível em: https://ury1.com/ijSg5. Acesso em: 16 ago. 2023. Para o momento, basta destacarmos três aspectos da forte presença africana na formação do Brasil, segundo Munanga e Gomes (2006): no campo econômico, os negros serviram como força de trabalho não remunerado, ajudando a construir as riquezas que deram sustentação econômica à empresa colonial portuguesa; no campo demográfico, sem dúvida, esse elevado número de africanos agora fazia parte da população brasileira, colaborando no trabalho de povoamento desse novo país; e, no campo cultural, podemos destacar a influência linguística, por meio de inúmeras palavras africanas incorporadas à língua portuguesa falada no Brasil, as religiões de matriz africana, entre as quais o candomblé e a umbanda, que atualmente compõem o campo religioso brasileiro, além das inúmeras heranças deixadas no campo das artes, por meio de instrumentos musicais, ritmos, danças, entre tantos outros elementos que ajudaram a construir parte da identidade cultural brasileira. A esse respeito, afirma Narloch (2009, p. 71): Esses fenômenos certificam uma boa metáfora que Joaquim Nabuco usa no livro O Abolicionismo, clássico do movimento brasileiro pelo fim da escravidão. Nabuco dizia que o tráfico negreiro provocou uma união das fronteiras brasileiras e africanas, como se a África tivesse aumentado seu território alguns milhares de quilômetros. “Lançou-se, por assim dizer, uma ponte entre a África e o Brasil, pela qual passaram milhões de africanos, e estendeu-se o habitat da raça negra das margens do Congo e do Zambeze às do São Francisco e do Paraíba do Sul.” 93 RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS NO BRASIL É preciso que se lembre, entretanto, que, durante toda a história do Brasil, essa união de fronteiras foi relegada ao descaso e tudo o que se associasse ao povo africano era considerado ruim, inferior e até demoníaco. É recente o movimento de valorização e resgate da cultura e da história dos negros africanos e afro-brasileiros como parte de um projeto de igualdade racial para o Brasil, conforme é possível perceber por meio das legislações antirracistas vigentes atualmente no país e expostas anteriormente. 6.4 Resistência negra e movimento abolicionista: antes e depois da Lei Áurea Uma primeira pergunta que trazemos do livro de Olivier Pétré-Grenouilleau, A história da escravidão, é a seguinte: “Os escravos contribuíram para a sua libertação?”. A resposta do autor é bastante direta: “Sem dúvida nenhuma. [...] Sabemos atualmente que, sempre e por toda parte, os escravos tentaram resistir” (Pétré-Grenouilleau, 2009, p. 130). Alguns historiadores, entretanto, fazem uma distinção entre dois tipos de resistência: a passiva,cujas ações não utilizam violência direta, como recusa a trabalhar, trabalhos malfeitos, fugas e faltas; e a ativa, que remete a movimentos mais coletivos e violentos, seja com a organização dos quilombos, seja por meio das insurreições, guerrilhas, entres outros movimentos realizados durante todo o regime escravista no Brasil. Já para Pétré-Grenouilleau (2009, p. 135), essa distinção não parece pertinente: Violenta ou não, individual ou coletiva, qualquer forma deliberada de resistência por parte de um escravo é digna de ser reconhecida. Ela revela, na verdade, a capacidade do escravo de escapar do tacão ideológico que o “senhor” tenta lhe impor. Dizer que algumas formas de resistência são passivas e outras são ativas leva forçosamente à desvalorização das passivas. É nesse sentido que queremos enfatizar o caráter extremamente conflituoso da relação escravizador/escravizado. Durante toda a história da escravidão no Brasil, os negros se colocaram de maneiras diversas na luta contra sua condição desumana de escravo e, portanto, de objeto. Segundo Munanga e Gomes (2006, p. 98): Podemos dizer que a escravidão sempre foi acompanhada de um forte movimento de resistência e várias revoltas tiveram a presença negra como personagem central, na luta pelo fim deste regime desumano e cruel. Exemplos dessas ações e reações foram a Revolta dos Alfaiates (Bahia, 1798), a Cabanagem (Pará, 1835-1840), a Sabinada (Bahia, 1837-1838) e a Balaiada (Maranhão, 1838-1841), conhecidas como revoltas urbanas. Além das revoltas, a organização dos quilombos também contribuiu como força de resistência negra durante esse período. Já trabalhamos um pouco sobre temas relativos ao que eram os quilombos naquele contexto de escravidão e resistência. Vamos acrescentar o seguinte, de acordo com a visão de Moura (1992, p. 24-25): O quilombo foi, incontestavelmente, a unidade básica de resistência do escravo. Pequeno ou grande, estável ou de vida precária, em qualquer região onde existia a escravidão, lá se encontrava ele como elemento de desgaste 94 Unidade II do regime servil. O fenômeno não era atomizado, circunscrito a determinada área geográfica [...]. Muitas vezes surpreende pela capacidade de organização, pela resistência que oferece; [...] Nele se incluem não apenas negros fugitivos, mas também índios perseguidos, mulatos, pessoas perseguidas pela polícia em geral, devedores do fisco, brancos pobres, mulheres sem profissão ou prostitutas. Era um cadinho de perseguidos pelo sistema colonial. Foram centenas de quilombos espalhados por todos os estados e regiões do país, que tiveram duração mais curta ou continuam ativos até os dias de hoje. Conforme já havíamos citado, Munanga e Gomes (2006, p. 71) afirmam: “na África, a palavra quilombo refere-se a uma associação de homens, abertas a todos. [...] Sendo assim, os quilombos brasileiros podem ser considerados uma inspiração africana”. Seu principal objetivo era a implantação de uma nova forma de vida e organização social, diferente daquelas próprias da estrutura política colonial e escravista. É nesse sentido que fariam parte dos quilombos todas as pessoas consideradas oprimidas pelo sistema colonial e imperial reinantes na época. Mas todo esse movimento de resistência negra pouco se relaciona ao movimento abolicionista, organizado a partir do século XIX, em prol da abolição oficial da escravidão no Brasil. Isso porque o abolicionismo foi um movimento considerado conservador pelos historiadores, sendo organizado pela classe política da ocasião, que procurou trazer pouco ou nenhum prejuízo aos senhores de escravo nesse processo de “libertação”. A preocupação da elite da época era que a abolição se desse de forma pacífica, sem sustos nem revoluções. Daí as três grandes leis abolicionistas – Ventre Livre (1871), Sexagenários (1885) e Áurea (1888) – terem oferecido muito mais benefícios aos próprios senhores do que uma nova condição à população negra. Não houve qualquer planejamento do poder público no sentido de incorporar a mão de obra negra recém-liberta ao novo mercado de trabalho nacional naquele momento, tampouco se pensou em qualquer forma de indenização aos escravos pelos anos (e séculos) de exploração sem qualquer tipo de remuneração. Ao contrário, as leis abolicionistas garantiam aos senhores, donos dos escravos, altas indenizações quando da libertação de cada um de seus trabalhadores. Sobre isso, comenta Schwarcz (2001, p. 46): O resultado imediato dessa versão organizada e pretensamente cordata de nossa libertação dos escravos foi jogar uma imensa população, despreparada e pouco instruída, num processo de competição desigual, sobretudo com a mão de obra imigrante que afluía ao país desde os anos de 1870. De toda maneira, atrasada ou não, o certo é que a abolição era “vendida” como um presente e, enquanto tal, uma dádiva não negociada. O problema foi que se dissimulou um processo de confronto, para se investir numa imagem de superação lenta, ordenada, gradual e controlada pelo Estado. 95 RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS NO BRASIL Observação Vale destacar que essa foi uma das bases para a sustentação do mito da democracia racial no Brasil, como se o processo abolicionista tivesse sido capaz de acabar com todos os conflitos anteriores existentes entre senhores e escravos e, a partir da abolição, o país tivesse passado a experimentar o estabelecimento de uma relação cordial e amistosa entre esses segmentos. Aliás, o que a ideologia construída a partir de então procurou fortalecer foi o fato de que todos agora seriam pertencentes a um mesmo grupo, a uma mesma classe (à de homens e mulheres livres), com as mesmas condições de competição e inserção no mercado de trabalho em relação aos recém-chegados imigrantes brancos. Sobre isso, aliás, vamos precisar nos aprofundar um pouco, principalmente sobre essas novas relações e suas principais consequências. O fato é que o processo de abolição da escravidão teve, no Brasil, características muito singulares. Primeiro, como já mencionamos antes, porque não preparou nenhuma condição para que os negros recém-libertos obtivessem igualdade de direitos e oportunidades no mercado de trabalho. Ao contrário, milhares de imigrantes brancos foram trazidos a partir principalmente do início do século XX, a fim de promover o chamado projeto nacional de branqueamento. Na citação de Moura (1992, p. 57), esse momento histórico fica bastante claro: A crise do sistema escravista [...] irá culminar com a Guerra do Paraguai, na qual os negros serão envolvidos na sua grande maioria compulsoriamente, nela morrendo cerca de 90.000. [...] Essa grande sucção de mão de obra negra, provocada pela Guerra do Paraguai, abriu espaços ainda maiores para que o imigrante fosse aproveitado como trabalhador. Essa tática de enviar negros à guerra serviu, de um lado, para branquear a população brasileira e, de outro, para justificar a política imigrantista que era patrocinada por parcelas significativas do capitalismo nativo e pelo governo de D. Pedro II. Em segundo lugar, tal situação trouxe como consequência a marginalização social das populações negras, uma vez que, sem possibilidade de trabalho remunerado, elas acabaram se instalando nas periferias das cidades, nas regiões mais pobres do Brasil, dados que ainda são confirmados pelos levantamentos estatísticos atuais, conforme pudemos comprovar no tópico sobre as condições de vida dos afrodescendentes na atualidade. Um último aspecto que queremos destacar sobre o ideal de branqueamento é que, por meio desse processo, se desenvolveram as chamadas “ideologias raciais do negro e mulato e do branco”, segundo argumenta Ianni (2004, p. 322-323): 96 Unidade II A ideologia racial do branco atua no sentido de promover ou facilitar o ajustamento e o predomínio dos brancos às situações sociais em que se apresentam também negros e mulatos [...]. A ideologia do branco só é inteligível como componente de uma consciência social de dominaçãoem que o próprio branco se representa superior aos outros, isto é, com direito de dispor dos outros. As avaliações estereotipadas sobre o negro e o mulato, com base em supostos atributos morais ou intelectuais inferiores – em comparação com o branco – refletem aspectos de uma consciência de dominação, que concebe de modo abstrato e absurdo as relações entre as pessoas. [...] A ideologia racial do negro, por seu lado, fundada numa relação de inferioridade em face do branco, que detém presumivelmente o poder, exprime uma consciência de submissão. Nela o negro se imagina, em especial, a partir dos termos em que é concebido pelo branco. Nesse sentido, a alienação do negro é mais acentuada, pois que ele se vê a partir das abstrações falsas engendradas na mente do branco. Essa citação é elucidativa no sentido de percebermos o alcance que tiveram as políticas de branqueamento no Brasil. O professor Octavio Ianni realizou suas pesquisas no período de 1955 a 1984 e conseguiu mostrar que o preconceito continuava arraigado na sociedade brasileira, com entrevistas que trazem algumas das abstrações sobre os estereótipos construídos por brancos, negros e mulatos a respeito das diferenças de cor e de raça. Suas pesquisas são minuciosas e conseguem demonstrar com clareza como essas abstrações foram sendo formuladas, sustentando até os dias de hoje tais estereótipos. 97 RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS NO BRASIL Saiba mais Sugerimos a seguir uma relação de filmes para que você possa aprofundar seu olhar sobre as relações étnico-raciais. Após assistir cada filme, você pode desenvolver atividades como: debater os conteúdos com seus colegas em grupos de discussão; escrever resenhas críticas; criar fóruns de discussão na internet; preparar planos de aulas e atividades para serem desenvolvidas futuramente com seus alunos etc. O importante é exercitar e estimular o olhar para a questão étnica e transformar a prática educativa. ALÉM da lousa: culturas juvenis, presente! Dir. Denise Martha. Brasil: 2000. 14 minutos. ENCONTRANDO Forrester. Dir. Gus Van Sant. EUA: Sean Connery; Laurence Mark, 2000. KIRIKU e a feiticeira. Dir. Michel Ocelot. França/Bélgica/Luxemburgo: Les Amateurs/Odec Kid Cartoons, 1998. 74 minutos. LIXO Extraordinário. Dir. Lucy Walker, João Jardim, Karen Harley. Brasil/Reino Unido: Angus Aynsley; Hank Levine, 2010. 99 minutos. MARCHA Zumbi dos Palmares contra o racismo, pela cidadania e a vida (1695-1995). Dir. Edna Cristina. Brasil: 1995. 115 minutos. O FIO da memória. Dir. Eduardo Coutinho. Brasil: Cinefilmes, Funarte,1991. 115 minutos. O RAP do pequeno príncipe contra as almas sebosas. Direção: Paulo Caldas e Marcelo Luna. Brasil: Luis Vidal, 2000. 75 minutos. OLHOS Azuis. Dir. Bertram Verhaag e Jane Elliott. EUA: Denkmal Filmgesellschaft, 1996. 90 minutos. QUANDO crioulo dança? Dir. Dilma Lóes. Brasil: Ministério da Educação e do Desporto – Secretaria de Educação Fundamental, 1989. 28 minutos. SEGREDOS e mentiras. Dir. Mike Leigh. Grã-Bretanha: Simon Channing Williams, 1996. 142 minutos. VISTA a minha pele. Dir. Joel Zito Araújo. Brasil: Centro de Estudos e Relações de Trabalho e Desigualdades (Ceert), 2004. 15 minutos. 98 Unidade II A seguir, começaremos nossa abordagem retomando a questão dos estereótipos raciais, passando à análise de imagens e representações do negro na literatura e na mídia, trazendo a discussão para o campo da educação, a fim de pensarmos estratégias para uma educação que promova a igualdade racial. 7 IDENTIDADE, INTERAÇÃO E DIVERSIDADE: POR UMA EDUCAÇÃO CIDADÃ Após um tópico no qual procuramos, em traços muito gerais, recontar um pouco da história a partir da perspectiva dos africanos, indígenas e seus descendentes, esperamos ter esclarecido quantas dificuldades essas populações enfrentaram e ainda enfrentam para romper com sua condição de desigualdade e subordinação em relação à hierarquia social estabelecida, que valoriza e empodera as pessoas com características de fenótipo branco. Os estereótipos que justificam essa situação socialmente hegemônica pelos brancos foram sendo lentamente construídos com base em uma ideologia que procurava reforçar a ideia de que o país precisava passar necessariamente pelo processo de branqueamento, a fim de se igualar ao modelo liberal europeu, que pregava as máximas da Revolução Francesa: “liberdade, igualdade, fraternidade”. Nesse sentido, era preciso “apagar” tudo o que remetia ao “nosso passado negro”, já que os índios estavam em franco processo de extermínio. Segundo nos conta Schwarcz (2001, p. 48-49): Em 14 de dezembro de 1890, Rui Barbosa (então ministro das Finanças) ordenou que todos os registros nacionais fossem apagados, em meio a um duplo ato falho: afinal, o ministro teria dito que pretendia apagar “nosso passado negro”. Se a empreitada não teve sucesso absoluto, o certo é que procurava dissimular um determinado passado e que o presente significava um começo a partir do zero. [...] [Assim,] Quanto mais branco, melhor; quanto mais claro, superior. Aí está uma máxima difundida que vê no branco não só uma cor, mas também uma qualidade social. Conforme o conflito passa para o terreno subentendido, fica cada vez mais complicado desvendar o problema. Ao contrário, ele se esconde nas brechas do cotidiano, cuja decodificação é, no mínimo, passível de dúvidas. Está posto, portanto, o mito da democracia racial, fazendo com que o nosso racismo se torne cada vez mais escamoteado, escondido, escorregadio nas relações sociais e étnico-raciais no Brasil, isto é, uma ideologia cada vez mais difícil de se detectar, desvendar e decodificar, segundo afirma Schwarcz. Como já vimos nos itens anteriores, o racismo e o mito da democracia racial se configuram ideologias e como tal estão presentes nos mais diferentes espaços e formas de expressão. São incontáveis as pesquisas realizadas pela comunidade acadêmica sobre o tema das imagens e representações do negro nos diversos âmbitos da vida social, estudados em seu uso para justificar a hegemonia social dos brancos. Assim, vamos fornecer um rápido panorama dessa produção, visando apenas abrir algumas janelas para que cada aluno desenvolva suas próprias pesquisas no futuro. 99 RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS NO BRASIL Importa destacar, inicialmente, que os resultados do processo de construção da ideologia do branqueamento continuam a marcar as imagens e representações feitas sobre negros e índios, seja na mídia, na literatura ou no ambiente escolar. Comecemos analisando mais de perto como a literatura apresenta essa questão. Há um estudo, realizado por Lúcia Barbosa (2004), que analisa a imagem do negro presente nas personagens de algumas obras da literatura brasileira. Apenas para tomarmos um exemplo, a autora, ao estudar os textos de Monteiro Lobato, conclui que seus livros trazem uma visão extremamente preconceituosa sobre o negro, apesar de terem sido escritos após a abolição da escravidão. Essa é uma crítica corrente entre os estudiosos e militantes do movimento negro, que veem nos textos de Monteiro Lobato a reprodução dos estereótipos do negro como submisso e subserviente, visto que, “embora liberto, não poderia sobreviver sem a tutela do senhor, pois era hereditariamente predisposto ao trabalho servil e desprovido de qualquer autonomia enquanto pessoa” (BARBOSA, 2004, p. 56); além disso, em suas descrições físicas de negros, os traços africanos se comparam muito aos de animais, fato que, inclusive, foi objeto de fortes críticas a um de seus livros escolhido pelo MEC para ser distribuído aos alunos da rede pública. O parecer foi dado no final de 2010 pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) a respeito do livro Caçadas de Pedrinho, proibindo sua distribuição nas escolas públicas do país. Nesse sentido, as conclusões daquela autora nos trazem elementos interessantes para essa análise: Não nos surpreende, portanto, a per manência dos estereótipos citados em nossos dias, a literatura encarregou-se deagregá-los à figura do negro. Talvez por isso considera mos naturais algumas atitudes, piadas e ditos populares de cunho preconceituosos. Derivam dessas ideias cristalizadas, no âmbito da nossa sociedade, os “pretos de alma branca” e muitos outros que se perpetuaram e criaram raiz em nossa sociedade historicamente racista. Como vimos, a literatura, respeitadas as exceções, implantou, difundiu e materializou pedagogicamente fortes mecanismos de exclusão social, na tentativa de escamotear as nuanças (Barbosa, 2004, p. 57). Assim, se a literatura clássica brasileira ajudou a manter intactos os estereótipos de cunho racista, com a mídia atual não é diferente. Observando os papéis interpretados por negros, percebe-se uma reprodução dos papéis tradicionais de subserviência e servidão: eles ocupam posições subalternas, próprias daqueles que estão numa escala inferior da hierarquia social. Araújo destaca ainda que tais representações acabam sendo internalizadas pelos próprios negros, num processo bem-sucedido de “aceitação passiva”: No entanto, o inconsciente racial coletivo brasileiro não acusa nenhum incômodo em ver tal representação da maioria do seu próprio povo e provavelmente de si mesmo, na televisão ou no cinema. A internalização da ideologia do branqueamento provoca uma “naturalidade” na produção e recepção dessas imagens e uma aceitação passiva e concordância de que esses atores realmente não merecem fazer parte da representação do padrão ideal de beleza do país (Araújo, 2008, p. 984). 100 Unidade II Um autor que explicou muito bem como se dão esses processos foi Helio Santos (2001). Em seu livro A busca de um caminho para o Brasil: a trilha do círculo vicioso, ele defende a ideia de que o racismo no Brasil ocorre segundo uma metáfora, a da “centopeia de duas cabeças”. Imagine a pequena lacraia que, em vez de ter a cabeça de um lado e rabo de outro, teria então duas cabeças, sendo uma a do branco, e outra a do negro. Vamos explicar melhor o raciocínio com as palavras do próprio autor: A centopeia é um bicho conhecido também pelo nome de lacraia e costuma ser inofensivo. A inovação que a nossa teoria traz à anatomia desse bichinho é incluir outra cabeça, onde deveria estar seu rabo. Com duas cabeças, imaginamos que ela possa mover-se em sentidos opostos. Usamos essa alegoria para poder explicar o que se dá no campo racial em nosso país. Em um sentido, a sociedade, fortalecida pelos meios de comunicação, destila seu racismo e constrói os seus preconceitos contra os negros e seus valores. Os valores do negro são a sua cultura. Em um sentido contrário, temos o próprio negro-descendente vindo e assumindo (em sua cabeça), como se fosse verdade, aquelas ideias armadas contra si (Santos, 2001, p. 148-149). Se nos lembrarmos daquilo que já examinamos nas unidades anteriores, de que os negros correspondem a mais de 50% da população brasileira atualmente, não é difícil compreendermos que, como integrante da sociedade civil, mesmo não fazendo parte da sociedade dominante, os negro-descendentes também colaboram na visão corrente em nossa sociedade, ao mesmo tempo em que passam a introjetar contra si aspectos desfavoráveis. Hélio Santos tem certeza em afirmar que se trata de uma “monumental contradição” (2001, p. 149) e, por isso, um processo não tão simples de ser compreendido, como já deve ter sido percebido. Em primeiro lugar, a sociedade que discrimina a população de ascendência negra se supõe branco-europeia. Contudo, não o é. Em segundo lugar, essa sociedade discriminadora é marcadamente negra em termos culturais. Vive, consome e tem internalizados em sua cultura valores negros. Estranho, não? Flagramos agora uma ironia peculiar da terra brasilis: aqui, os brancos (ou supostos), quando agridem os negros, ofendem a si mesmos. Isso porque eles também são meio negros/meio brancos, curtindo e vivenciando a cultura negra (Santos, 2001, p.149). Exemplo de aplicação Esperamos que, neste ponto da leitura, você já tenha conseguido fazer conexões entre o que esse autor está nos dizendo e tantos outros aspectos de igual importância já tratados anteriormente neste livro-texto, como o mito da democracia racial, o racismo à brasileira e nossas heranças do passado colonial português. Como sugestão, faça uma retrospectiva dos conteúdos e tire suas primeiras conclusões. 101 RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS NO BRASIL Baseados nessas concepções, podemos dizer que somos historicamente mestiços. Para compreender essa ideia, basta pensarmos: onde poderíamos verdadeiramente encontrar um “branco-europeu-puro”? Se a própria história de conquistas e revoluções ocorridas nos últimos milênios na Europa é fruto de intensa miscigenação (talvez possamos até dizer que o povo mais mestiço da terra seja o próprio europeu), é possível acreditar que essa verdade histórica da miscigenação europeia tenha sido apagada de maneira tão eficaz e definitiva? E mais grave ainda, que nós (em especial, os brasileiros brancos) tenhamos uma percepção absolutamente imaginária (e ilusória) de que somos, de alguma forma, descendentes de uma “linhagem europeia pura”? Trata-se de um engano tão cristalizado e enraizado em nossa “cultura de povo colonizado” que já tomou ares de verdade. É preciso atentar, de uma vez por todas, para o fato de que não podemos separar os seres humanos em brancos, negros, amarelos etc. Historicamente (e geneticamente) somos o resultado da infinita mistura de uma única raça, a raça humana. Portanto, como já afirmamos outras vezes ao longo deste livro-texto, as diferenças são construídas social e politicamente, ou seja, são fruto do processo identitário. Assim, se construímos para nós uma cultura hierarquizada e dividida imaginariamente entre brancos, negros e índios, estamos marchando contra nós mesmos, visto que somos, todos, um pouco branco, um pouco negro, um pouco índio e assim por diante. Esse é o sentido da centopeia de duas cabeças da qual falava Helio Santos. É como se todas as cabeças pensassem num único sentido: contra nós mesmos. A teoria de Pierre Bourdieu, sociólogo francês, oferece-nos outra forma de compreender a configuração desse racismo à brasileira, por meio do que ele denominou violência simbólica. Bourdieu entende os mecanismos sutis de dominação social utilizados por indivíduos, grupos ou instituições e impostos sobre outros. Nesse sentido, por meio da violência simbólica, a construção da identidade brasileira enraíza-se na interiorização por todos os brasileiros (todos mestiços, afinal), de normas enunciadas pelos discursos dos estrangeiros que nos colonizaram (tipificado pelo “branco-homem-europeu-capitalista”). Explicando melhor, seria assumir o universo simbólico de outro sem perceber que essa “transferência” é feita na forma de uma dominação no plano simbólico. Para o autor, na escola também se realiza a violência simbólica, quando esta passa a tratar como iguais indivíduos que são desiguais, isto é, procura encobrir as diferenças de raça, cor, classe, origem etc., dando a todos os alunos um único tratamento, favorecendo, assim, aqueles que já estão na condição de favorecidos (apud Chartier, 1995, p. 40). A ênfase deve, assim, ser colocada sobre os dispositivos que asseguram a eficácia desta violência simbólica que, como escreveu Pierre Bourdieu (1989), “só triunfa se aquele(a) que a sofre contribui para a sua eficácia; ela só o submete na medida em que ele(ela) é predisposto por um aprendizado anterior a reconhecê-la”. Dessa forma, podemos afirmar que os estereótipos a respeito do negro na escola também são alimentados por atitudes cotidianas, independentemente de as pessoas serem brancas ou negras. O que Bourdieu advoga é que a interiorização desses discursos dominantes é um longo processo de aprendizado, 102 Unidade II que, uma vez absorvido pelos grupos desfavorecidos (como no caso de todos nós brasileiros), exerce a eficácia dessa violência simbólica, ou seja, é capaz de manter “cada coisa em seulugar e cada lugar com sua coisa”, segundo já estudamos com DaMatta (1987). Por que isso acontece? O caso é que uma criança negra, por exemplo, que assiste a essas cenas cotidianamente, percebe e interioriza a mensagem transmitida pelas atitudes da professora: “não estou sendo elogiada porque não sou tão bonita, não tenho um corte de cabelo tão bonito, não estou tão bem vestida, não sou tão inteligente...”, isto é, esses estereótipos vão sendo assimilados como verdades pela criança, que é vítima dessa violência simbólica ao ponto de, quando crescer um pouco, querer alisar seus cabelos e pintá-los de loiro, por exemplo, reproduzindo então os discursos construídos anteriormente a partir de um referencial branco. A esse respeito, comenta Menezes (apud Miranda, 2010, p. 15): A criança negra poderá incorporar esse discurso e sentir-se marginalizada, desvalorizada e excluída, sendo levada a falso entendimento de que não é merecedora de respeito ou dignidade, julgando-se sem direitos e possibilidades. Esse sentimento está pautado pela mensagem transmitida às crianças de que, para ser humanizado, é preciso corresponder às expectativas do padrão dominante, ou seja, ser branco. Perceba que não é somente a criança negra quem incorpora esse discurso pautado por uma referência branca (e, portanto, não brasileira). Todos nós, em alguma medida, temos muita dificuldade em nos definirmos por nossa cor, afinal, não podemos dizer que somos nem brancos puros, nem negros puros; nem totalmente brancos, nem totalmente negros. Mas já vimos que a realidade e a estrutura social e econômica que ela nos impõe encarrega-se de deixar muito claro o que significa nos fazermos brancos ou negros. Ou seja, construirmos ou assumirmos nossa identidade étnico-racial significa também ocuparmos (ou não) o “lugar-social” (status social) reservado a cada um dos grupos étnicos, conforme comprovado por tantos dados estatísticos na unidade I. Retomando Bourdieu, a violência simbólica só é eficaz quando aquele que a sofre interioriza e reproduz os discursos dominantes, ou seja, quando contribui para manter atitudes de submissão. É o que acontece com a garotinha do nosso exemplo. 7.1 O processo de construção da identidade na infância e na juventude: a igualdade jurídica em meio a uma sociedade hierárquica Após esta incursão por um emaranhado conceitual de complexidade sem dúvida reveladora, podemos perceber que não deveria haver no Brasil qualquer visão dicotômica das relações étnico-raciais. A teoria do círculo vicioso, ou da centopeia de duas cabeças, de Helio Santos, certamente nos elucidou sobre em que medida esses processos obedecem a um dinamismo complexo, que intencionalmente produz e reproduz o racismo na cultura brasileira. Não é possível, portanto, compreender essa questão por meio de um raciocínio bipolarizado; afinal, não somos uma sociedade de brancos (puros) e de negros (puros). A melhor opção para elucidar 103 RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS NO BRASIL essa “trilha do círculo vicioso” do racismo no Brasil seria pensarmos numa série de aspectos que se entrecruzam e se autodeterminam, dando o tom da especificidade do nosso racismo e, ao mesmo tempo, colaborando para sua perpetuação. Mais uma vez, é Helio Santos quem nos ajuda a elucidar essa concepção (Santos, 2001, p. 30): O mais grave, contudo, é saber que, no Brasil, o apartheid se mantém, precisamente, por ser na realidade do tipo que é. Isto é, aqui, o abismo que separa os privilegiados dos demais vem se perpetuando ao longo do tempo em virtude das mazelas sociais recaírem sempre sobre a mesma maioria. A insensibilidade para a gravidade do problema decorre muito desse particular aspecto. A causa verdadeira dessa política – quase todos negam – é o racismo. [...] É por isso que se diz que aqui temos uma pobreza cristalizada. Isto é: dura, antiga, difícil de quebrar, pois foi construída ao longo de muitos séculos. Para que se compreenda a complexidade do que estamos tratando, vamos investigar como se dão os processos identitários, segundo a perspectiva das Ciências Sociais, para, então, passarmos a entender como ocorre essa construção entre crianças e adolescentes brasileiros, dos quais falávamos há pouco. Figura 30 Disponível em: https://ury1.com/9VkyP. Acesso emm: 16 ago. 2023. Pensando do ponto de vista das Ciências Sociais, precisamos considerar que o conceito de identidade só pode ser entendido em sua intersecção com dois outros conceitos, de grupo social e cultura. Quando uma pessoa nasce, encontra uma série de traços culturais presentes em seu grupo familiar e social, que já existiam, segundo uma determinada “ordem” ou “lógica”, antes de sua chegada. Aos poucos, essa criança vai percebendo o mundo que a rodeia, passa a compreender suas regras, linguagens, hábitos, proibições etc. e também é capaz de interiorizar alguns desses elementos culturais, no processo de sua constituição como indivíduo, sujeito de sua própria identidade. Esse processo, denominado pelas Ciências Sociais de socialização ou endoculturação, tem por base a educação, realizada formal ou informalmente por indivíduos que integram os grupos sociais de pertença daquela criança (Laraia, 2008; Kemp, 2009). 104 Unidade II A partir de certo momento de sua vida, esse indivíduo pode negociar com essas limitações descritas anteriormente, uma vez que a cultura é algo dinâmico. Isso significa que cabe a cada um selecionar, entre as coisas previamente dadas pelo ambiente social, aquilo que para ele faz maior ou menor sentido, ou seja, é preciso a cada momento ressignificar experiências, relações, representações; enfim, todas as situações cotidianas: [...] as experiências cotidianas nunca cessam de proporcionar situações que nos demandam escolhas e posicionamentos em relação a condutas e valores, tanto os pessoais como os alheios. Nós e os outros, os semelhantes e os diferentes: as noções que construímos socialmente de igualdade e diferença são a moeda de jogo de construção das identidades (Kemp, 2009, p. 65-66). É nesse sentido que deixamos de pensar a cultura como algo estático e dotado de uma “essência” acabada e final para assumirmos a perspectiva do movimento incessante de diálogo e inter-relação entre os sujeitos, bem como da importância do respeito às diferenças, necessários à construção identitária e às trocas simbólicas realizadas. A construção da identidade brasileira precisa passar necessariamente pela realidade da miscigenação e da constituição de nossa cultura, a partir de nossas raízes negras, indígenas e europeias, ao mesmo tempo e em igual relevância, é importante que se diga. Observação Sabemos que essas não são teorias simples, mas você já deve ter estudado tais conceitos em suas disciplinas introdutórias de Ciências Sociais nos primeiros semestres de seu curso. Então, após esta breve revisão, podemos adentrar na questão específica da construção da identidade negra (Universidade Federal de São Carlos, 2004b, p. 45): Munanga (2003) considera que a identidade negra não surge da tomada de consciência de uma diferença na cor da pele. Ela resulta, conforme o autor, de um longo processo histórico que se inicia com a chegada dos navegantes portugueses ao continente africano. Dito de outra forma, o processo de colonização e escravização do continente africano e de seus povos é o contexto histórico no qual devemos pensar a construção da chamada identidade negra no Brasil. [...] A identidade negra é entendida, aqui, como um processo construído historicamente em uma sociedade que padece de um racismo ambíguo e do mito da democracia racial. Como qualquer processo identitário, ela se constrói no contato com o outro, na negociação, na troca, no conflito e no diálogo. [...] ser negro no Brasil é tornar-se negro. 105 RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS NO BRASIL Para que seja possível entender o que significa “tornar-se negro” segundo essa perspectiva, é preciso considerar que a identidade se constrói no plano simbólico, istoé, no conjunto de significações, valores, crenças e gostos que vão sendo assumidos em uma relação aos outros, relações essas permeadas por estereótipos raciais, preconceitos e desigualdades. Temos também as dificuldades das populações indígenas para manter sua identidade numa sociedade onde cresce o avanço dos homens brancos sobre suas terras, a proximidade entre as aldeias e as ocupações urbanas, o estabelecimento de relações comerciais diversas entre brancos e índios, entre outras formas de relação. Precisamos, ainda, destacar o desconhecimento dos profissionais da educação sobre a cultura e história dos povos indígenas, fator reforçado pela organização dos livros didáticos, que privilegia uma única vertente histórica, contada pelo grupo dominante. Essas e outras questões criam dificuldade para crianças e adolescentes indígenas manterem sua identidade cultural. Segundo Baniwa (2006, p. 53): A consciência de uma cultura própria é em si um ato libertador, na medida em que vence o sentimento de inferioridade diante da cultura opressora. As culturas indígenas são concretas, como concretos são os que dão vida a elas. Os índios conservam suas línguas, suas experiências e sua relação com a natureza e com a sociedade. Eles mantêm a tradição oral e os rituais como manifestação artística e maneira de vinculação com a natureza e o sobrenatural. Mantêm o papel socializador e educador da família, aplicam os sábios conhecimentos milenares e praticam o respeito à natureza. Com isso, as culturas indígenas seguem manifestando sua personalidade coletiva e de alteridade, seja no trabalho ou na festa, e por isso são democráticas e populares. Esses são valores e formas de organização que, nas relações com as populações não indígenas, os índios não vêm reconhecidos. Ao ingressarem nas escolas, as crianças são educadas para reprodução de um conhecimento branco, numa língua que não lhe é conhecida, com tradições que não são do seu povo. Por isso a urgente necessidade de fazer garantir o direito ao ensino bilíngue e o acesso a materiais didáticos específicos nas escolas indígenas. Pois, como afirma Baniwa (2006, p. 51): A interculturalidade é uma prática de vida que pressupõe a possibilidade de convivência e coexistência entre culturas e identidades. Sua base é o diálogo entre diferentes, que se faz presente por meio de diversas linguagens e expressões culturais, visando à superação da intolerância e da violência entre indivíduos e grupos sociais culturalmente distintos. Conforme aludimos anteriormente, a identidade é um processo construído da interação entre os sujeitos, que, na contraposição de suas diferenças e no respeito a essa diversidade, atribuem significados ao universo simbólico que passa a compor sua visão de mundo, influindo em suas escolhas e nos caminhos que irá percorrer. Uma importante professora, Ronilda Iyakemi Ribeiro, de suas análises da tese de Helio Santos, sobre a qual tratamos no item anterior, afirmou o seguinte: 106 Unidade II Às implicações do rebaixamento da autoestima nas esferas de poder econômico, político e social tem sido dada importância inferior à merecida: autoestima rebaixada e autoimagem negativa inibem qualquer movimento reivindicatório, seja no âmbito intelectual, seja no afetivo. Príncipes encantados em sapos creem-se capazes apenas de coaxar até que se quebre o encantamento e seja então possível reapropriar-se da realeza. Por exemplo, a força advinda da (re)apropriação dos valores de origem certamente propicia a passagem do medo e vergonha de não ser branco ao orgulho de ser negro e estimula o impulso de reivindicação de direitos humanos, entre os quais os de cidadania. [...] [daí a importância de pensarmos] o uso de recursos que possibilitem a ressignificação de conceitos como negro, África, africanos, de modo a transformar, no imaginário coletivo, representações negativas em positivas (Ribeiro, 1998, p. 64). Na vida da criança e do jovem, a escola certamente será um desses caminhos que deverão ser percorridos para a construção de si, até que se tornem sujeitos autônomos e capazes de fazer sua própria história. Sendo assim, uma das principais figuras nessa mediação é o professor, cujo trabalho exige persistência e intencionalidade, bem como a opção por valores éticos. Somente assim se poderão realizar ações educativas que promovam a igualdade racial no ambiente escolar e favoreçam aos alunos o reconhecimento de sua origem étnico-racial e a construção saudável e feliz de sua identidade negra. Daí a enorme dificuldade enfrentada por crianças e adolescentes, brancos e negros brasileiros, para construírem sua identidade numa sociedade tão paradoxal, em que as leis lhes garantem igualdade de direitos e oportunidades, mas cujas relações sociais revelam uma estrutura claramente hierarquizada e encharcada com um racismo às escondidas, negado e escamoteado, como já afirmamos algumas vezes. Como educadores ou profissionais da saúde, por exemplo, cabe-nos o papel de mudar esse contexto, propiciando um ambiente escolar ou institucional de respeito às diferenças e desenvolvendo uma prática condizente com os valores de justiça e equidade étnico-racial. Esse será o assunto do último tópico. 107 RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS NO BRASIL Saiba mais A construção da identidade negra não é uma trajetória fácil para crianças e adolescentes, tampouco para professores, coordenadores e para toda a comunidade escolar. Vimos que, muitas vezes, o primeiro entrave é reconhecer-se negro e, assim, colocar-se nesse lugar tão desfavorável socialmente. Pensando nisso, sugerimos uma série de músicas que também podem ser utilizadas como ferramentas pedagógicas, visando à reflexão, questionamento e crítica de cada um dos envolvidos nesse complexo processo. A música, ao nosso ver, por ser uma linguagem que esbarra na esfera das emoções, pode servir de elemento de sensibilização tanto em sala de aula quanto em reuniões pedagógicas e empresariais, ou até mesmo em sessões de terapia, por exemplo. Estas são apenas algumas sugestões: BOSCO, J. O mestre-sala dos mares. Intérprete: João Bosco. In: Novo Millennium. São Paulo: Universal Music, 2005. CD. Faixa 4. BUARQUE, C. Não existe pecado ao sul do equador. Intérprete: Chico Buarque. In: Ao vivo: Paris. Paris: BMG, 1990. CD. Faixa 16. CAYMMI, D. Retirantes. Intérprete: Dorival Caymmi. In: Novo Millennium: Dorival Caymmi. São Paulo: Universal, 2005. CD. Faixa 1. CAYMMI, D.; PINHEIRO, P. C. Flor da Bahia. Intérprete: Dori Caymmi e Paulo César Pinheiro. In: Brazilian Serenata. São Paulo: Warner Music, 1991. CD. Faixa 7. CONTINO, G. Lavagem cerebral. Intérprete: Gabriel, o Pensador. In: Gabriel, o Pensador. Rio de Janeiro: Sony Music, 1993. CD. Faixa 5. DUARTE, M.; PINHEIRO, P. C. O canto das três raças. Intérprete: Clara Nunes. In: Brasil de A a Z: Clara Nunes. 2007. CD. Faixa 1. GIL, G. A Mão da limpeza. Intérprete: Gilberto Gil. In: Raça Humana. São Paulo: Warner Music, 1984. CD. Faixa 9. 108 Unidade II GONZAGA, L.; TEIXEIRA, H. Assum preto. Intérprete: Luiz Gonzaga. In: Volta pra curtir: ao vivo. São Paulo: Sony Music, 2006. CD. Faixa 6. PEREIRA, P. P. S. Negro drama. Intérprete: Racionais Mc’s. In: Nada como um dia após o outro. São Paulo: Unimar Music, 2002. CD. Faixa 5. SOARES, E. A carne. Intérprete: Elza Soares. In: Do coccix até o pescoço. São Paulo: Tratore; Maianga, 2002. CD. Faixa 6. SILVA, B. Preconceito de cor. Intérprete: Bezerra da Silva. In: Justiça social. São Paulo, BMG, 1987. CD. Faixa 11. VELOSO, C.; GIL, G. Haiti. Intérprete: Caetano Veloso. In: Noites do Norte: ao vivo. São Paulo: Universal Music, 2002. CD. Faixa 6. Para que se possam perceber as possibilidades pedagógicas dessas canções, sugerimos que seja feita uma busca na internet sobre as letras das composições, tendo em vista promover a interpretação e a análise, a reflexão e a sensibilização, quanto às questões étnico-raciais e da africanidade no Brasil. 7.2 Diversidade e currículo:desafios para a prática educativa Desenvolver um trabalho pedagógico ou profissional que leve em conta a diversidade étnico-racial e cultural é uma das tarefas mais difíceis a serem enfrentadas pela escola e pelas instituições brasileiras. Todos os envolvidos no processo educacional direta e indiretamente precisam estar atentos à desconstrução de estereótipos de raça/cor, para a desmistificação dos mitos raciais existentes na sociedade brasileira e para a demonstração prática, em suas atitudes com os alunos, de relações não discriminatórias e equitativas em sala de aula. Além disso, atentemos para o fato de que, em muitos momentos, os próprios funcionários, professores e coordenadores afrodescendentes não se percebem como negros, e sim como brancos. Nesse sentido, um importante instrumento utilizado por professores e alunos para colaborar com o aprendizado é o livro didático. Em muitas comunidades, ele é a única fonte de leitura dos alunos e de sua família, dada a escassez de livros e revistas em algumas classes sociais e regiões do país. Em certos casos, torna-se também a única referência para o professor no preparo de sua aula e das atividades didáticas que irá realizar com seus alunos. 109 RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS NO BRASIL Figura 31 Disponível em: https://ury1.com/z6f61. Acesso em: 16 ago. 2023. Inúmeras pesquisas têm sido produzidas pelas universidades no sentido de verificar de que forma os livros didáticos abordam a questão das diversidades, sejam as de gênero, étnico-raciais, socioculturais, religiosas, de papéis sociais, profissões etc. Os resultados demonstram que a maioria traz uma representação muito simplificada dos fatos históricos, acabando por estigmatizar ou caricaturar segmentos sociais como mulheres, negros, pessoas idosas e trabalhadores, por exemplo. Essa simplificação colabora também com o reforço de estereótipos, assunto que já abordamos fartamente nos tópicos anteriores. Além da questão da simplificação, outro grande problema dos livros didáticos é a invisibilidade desses segmentos sociais desfavorecidos, que aparecem representados no conjunto dos conteúdos didáticos numa relação desproporcional àquela existente na sociedade brasileira. Explicando de outro modo, basta observarmos, em um livro didático, quantas figuras aparecem de homens, de mulheres, de brancos, de negros e de índios. É fácil verificar que mulheres, homens negros, índios, pobres ou pessoas idosas aparecem numa proporção muito menor que homens brancos e provenientes da classe média, o que traz um problema para as crianças que consomem esse material: a falta de representatividade negra e indígena ou de figuras de pessoas negras desempenhando os mais diversos papéis sociais, por exemplo, faz com que a criança afrodescendente não tenha parâmetros de igualdade e diversidade para a construção de sua identidade étnico-racial. Ou mesmo dos índios fora da visão estigmatizada de uma cultura parada no século XVI, quando os portugueses aqui chegaram. 110 Unidade II Figura 32 Disponível em: https://l1nk.dev/YE44u. Acesso em: 16 ago. 2023. Como ilustração, leia o relato de Maia (2006, p. 17), que retrata bem a desvalorização social da cultura indígena: Ao chegar, pela primeira vez, na aldeia do PI Xambioá, já estudava a língua Karajá há algum tempo, tendo defendido no ano anterior minha dissertação de mestrado sobre aspectos da gramática dessa língua. Por isso, arrisquei-me a tentar conversar em Karajá com as crianças que vieram em um bando alegre me receber, quando o jipe da FUNAI, que me trazia, parou no posto indígena, próximo à aldeia. — “Aõhe!” saudei em Karajá. “Dearã Marcus Maia wanire”, me apresentei. Imediatamente cessou a algazarra e fez-se um silêncio pesado entre os indiozinhos. Entreolhavam-se desconfiados e sérios. “Kaiboho aõbo iny rybè tieryõtenyte?” Vocês não sabem a língua Karajá, perguntei. A meninada, então, se afastou em retirada estratégica. Fui, em seguida, à casa de uma líder da comunidade, a Maria Floripes Txukodese Karajá, a Txukó, me apresentar. Lá, um dos meninos me respondeu: – “A gente não fala essa gíria não, moço!” Outro, maiorzinho, concordou: – “Na cidade, a gente diz que nem sabe de índio, que nem fala o indioma, senão o povo mexe com a gente”. Em contraponto a essa desvalorização, observe nas fotografias a seguir como é fácil para uma criança branca se imaginar em profissões socialmente valorizadas, como médico ou engenheiro; mas o mesmo não é verdade para as outras crianças, uma vez que não encontram nem nos livros didáticos, nem no meio social em que vivem, pessoas não brancas ocupando tais cargos e que possam servir de referência no processo de construção da identidade diversa dessa na infância, conforme já abordamos no tópico anterior. 111 RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS NO BRASIL Figura 33 Disponível em: https://l1nq.com/XIrC3. Acesso em: 16 ago. 2023. Figura 34 Disponível em: https://l1nq.com/02Shu. Acesso em: 16 ago. 2023. Vejamos o que Silva (2005, p. 22) afirma: A invisibilidade e o recalque dos valores históricos e culturais de um povo, bem como a inferiorização dos seus atributos adscritivos, através de estereótipos, conduz esse povo, na maioria das vezes, a desenvolver comportamentos de autorrejeição, resultando em rejeição e negação dos seus valores culturais e em preferência pela estética e valores culturais dos grupos sociais valorizados nas representações. 112 Unidade II Exemplo de aplicação Espera-se que esteja claro, neste momento, que todos os problemas, conceitos e teorias expostos nos diversos tópicos deste livro-texto mantêm entre si uma relação constante e não podem, portanto, ser compartimentalizados. Procure pensar de maneira complexa, integrada e multifocada, ou seja, considerando em cada situação ou análise uma variedade de aspectos, fenômenos, causas e explicações, que se complementem e se cruzem para uma compreensão da realidade segundo a perspectiva da diversidade cultural e das relações étnico-raciais. Por causa de todas essas conclusões das pesquisas realizadas é que as professoras e professores não podem se manter passivos na utilização dos livros didáticos; ao contrário, devem trabalhar ativamente na desconstrução de estereótipos, na representatividade de todos os segmentos sociais e na valorização das diversidades étnico-raciais. Outra importante discussão a ser feita para uma educação pela igualdade racial é a relação entre o currículo e a diversidade. Como educadores, precisamos estar sempre alertas ao fato de que os currículos são fruto de escolhas políticas, debates calorosos e que compete a nós incluir ou excluir assuntos, disciplinas ou aspectos que servem ou não ao propósito de formação da criança e do jovem. O poder público brasileiro já reconheceu, a partir das Leis 10.639/2003 e 11.645/2008, que há a necessidade urgente de incluir de uma vez por todas em nossos currículos a problemática das relações étnico-raciais, por meio do estudo da história e da cultura africana, afro-brasileira e indígena, em todos os níveis escolares, chegando também à formação universitária dos professores. Acreditamos que já argumentamos aqui o suficiente a respeito da importância dessa mudança nos currículos para a promoção de uma sociedade que respeite as diferenças e garanta a todos os seus cidadãos as mesmas condições e oportunidades. Nesse sentido, se quisermos compreender a complexa trama entre diversidade cultural e currículo, teremos que enfrentar o debate sobre as desigualdades sociais e raciais em nosso país. Teremos que entender o que é a pobreza e como ela afeta de maneira trágica a vida de uma grande parcela da população. E ainda deveremos refletir sobre o fato de que, ao fazermos um recorte étnico/racial, veremos que as pessoas negras e pobres enfrentam mais e maiores preconceitos e dificuldades em nosso país. Isso nos obriga a nos posicionar politicamente dentro desse debate e construir práticas efetivas e democráticas que transformem a trajetóriaescolar dos nossos alunos e alunas negros e brancos em uma oportunidade ímpar de vivência, aprendizado, reconhecimento, respeito às diferenças e construção de autonomia (Universidade Federal de São Carlos, 2004b, p. 7). 113 RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS NO BRASIL Para terminar este subtópico, gostaríamos apenas de enfatizar: é imperativo que cada um dos envolvidos no processo educacional brasileiro – a começar pelos professores, é claro, mas também os coordenadores, diretores, gestores e administradores do poder público e do setor privado – tomem uma decisão política pela igualdade nas relações étnico-raciais. A partir da instituição da Lei n. 10.639/2003, todos esses agentes estão convocados a instituir mudanças estruturais no ensino, abarcando a reformulação dos currículos, dos projetos pedagógicos, dos planos de aula, de materiais didáticos e paradidáticos; enfim, de toda a prática educativa de modo geral, a fim de promover o reconhecimento, o respeito e a garantia das diversidades culturais e, de forma especial, da população afrodescendente no Brasil. 8 EDUCAÇÃO E PROMOÇÃO DA IGUALDADE RACIAL: ESTRATÉGIAS E POSSIBILIDADES Neste último tópico do livro-texto, pretendemos indicar algumas estratégias, especialmente ao professor, que demonstrem de maneira bastante prática como podemos de fato realizar uma educação cidadã, livre de racismos, dos estereótipos e de qualquer forma de discriminação. Além das mudanças no sistema de ensino, por meio de revisões curriculares, nos planejamentos, nas aulas e nos materiais pedagógicos de toda sorte, cabe também a todos os agentes do processo de aprendizagem se colocar mais próximos da realidade sociocultural de seus alunos. Isso significa conhecer a comunidade escolar, seu perfil socioeconômico, o entorno da escola, os principais problemas do bairro, da cidade, bem como as principais manifestações culturais da comunidade, arte, música, religiosidade e outros aspectos que aproximem os educadores dos alunos e de seus familiares. Figura 35 Disponível em: https://l1nq.com/po77P. Acesso em: 16 ago. 2023. São também inúmeras as pesquisas realizadas a esse respeito mostrando que, quando a escola se coloca ao lado da comunidade, os projetos pedagógicos são realizados de maneira mais tranquila, efetiva, e os objetivos traçados são atingidos com maior sucesso. Um bom exemplo é o artigo de Silva (2003), no qual a autora sugere aos professores algumas estratégias bastante úteis para uma 114 Unidade II mudança de paradigma, partindo da compreensão e aplicação do que sabemos sobre africanidades brasileiras. Segundo a autora, os professores devem: • buscar conhecer as concepções prévias de seus alunos a respeito do que é estudado, ouvindo-os falar sobre elas; • ajudar os alunos a compreender que ninguém constrói sozinho as concepções a respeito de fatos, fenômenos, pessoas; que as concepções resultam do que ouvimos outras pessoas dizerem, resultam também de nossas observações e estudos; • lançar desafios para que os alunos ampliem e/ou reformulem suas concepções prévias, incentivando-os a pesquisar, debater, trocar ideias, argumentando com ideias e dados; • incentivar a observação da vida cotidiana, observações no contexto da sala de aula, a elaboração de conclusões, a comparação entre concepções construídas tanto a partir do senso comum como a partir do estudo sistemático. Em se tratando de africanidades brasileiras, é preciso acrescentar que [os professores]: • [...] devem combater os próprios preconceitos, os gestos de discriminação tão fortemente enraizados na personalidade dos brasileiros, desejando sinceramente superar sua ignorância relativa à história e à cultura dos brasileiros descendentes de africanos; • devem organizar seus planos de trabalho, as atividades para seus alunos, [...] que os levem a pôr “a mão na massa”, sempre informados e apoiados pelos mais experientes. Dizendo de outra maneira, aprender realmente o que se vive e muito pouco sobre o que se ouve falar (Silva, 2003, p. 27-28). Para concluir, a autora resume em três pontos os princípios da pedagogia antirracista, a saber: respeito, reconstrução do discurso pedagógico e estudo da recriação das diferentes raízes da cultura brasileira. Também contribui com as disciplinas específicas, como música e dança, matemática, psicologia, sociologia, educação física, história, literatura e língua portuguesa, sugerindo práticas que cada um desses professores especialistas podem adotar para abordar o tema “africanidades brasileiras” em sala de aula (Silva, 2003, p. 28-29). Ao buscarmos em outras fontes novas possibilidades para estimular a igualdade racial na escola, encontramos, no Projeto São Paulo Educando pela Diferença para a Igualdade, um texto que, a nosso ver, representa de forma bastante genuína o encaminhamento que estamos pretendendo dar a esta conclusão. Leia com calma e atenção: 115 RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS NO BRASIL O que fazer? Urgente! Precisamos, no nosso trabalho cotidiano, incorporar o discurso das diferenças não como um desvio, mas como algo enriquecedor de nossas práticas e das relações entre as crianças, possibilitando desde cedo o enfrentamento de práticas de racismo e a construção de posturas mais abertas às diferenças e, consequentemente, à construção de uma sociedade mais plural. Essa seria uma postura que reclama novos afetos, uma nova forma de se relacionar com o diferente, com o estrangeiro, ou seja, com a diversidade, com o outro que não é mais um “mesmo” de mim. Uma vez que é na relação com o outro que constituímos nossa subjetividade, nossas diferenças, é na urgência da constituição de subjetividades outras, livres da clausura causada pelo modelo dito “ideal”, que buscamos outras formas de vida, já que as opções que nos são dadas encontram-se por vezes pobres e sem possibilidades. Precisamos, de alguma forma, repensar a preponderância desse modelo hegemônico de vida (de ser), questionando-nos a que perspectiva tal modelo corresponde e com que interesses, para, a partir daí, “forjarmos asas” que nos permitam escapar de toda essa homogeneização a partir da qual fomos produzidos e com a qual nos acostumamos. É uma luta diária contra as formas de “assujeitamento” (uma maneira de modelar as pessoas de uma mesma forma), uma luta contra as forças que nos querem fracos, tolos e servos, além de racistas. Precisamos recriar novos sentimentos que englobam o encantamento de si e a volta do prazer em se reconhecer a partir da perspectiva de um novo olhar, que não mais é o de “dominador”, para, então, verdadeiramente, nos encontrar por meio da pluralidade e diferenciação, livrando-nos dessa clausura subjetiva (Universidade Federal de São Carlos, 2004b, p. 32). Essa perspectiva é imprescindível para compreendermos a urgência da implementação das escolas bilíngues nas terras indígenas, conforme estabelece a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, já vista anteriormente, além da produção de material específico para as escolas que atendem aos alunos indígenas e seus descendentes, garantindo o respeito, a valorização e a manutenção de sua diversidade cultural. Silva (2012, p. 8) aponta pistas para efetivar uma educação que atenda a essa concepção: O ponto de partida para o ensino crítico da temática indígena é pensar sempre na atualidade dos povos indígenas. Ou seja, por meio de usos de mapas para localização dos povos indígenas atuais, desvincular a ideia de um passado colonial em que todos os índios supostamente foram exterminados. O Censo do IBGE/2010 contabilizou a população indígena no Brasil em cerca de 116 Unidade II 900 mil indivíduos, sendo que Pernambuco possui a 3ª maior população indígena no Brasil, cerca de 61 mil índios, em 12 povos que habitam no Agreste e Sertão do estado. Um segundo ponto é a ênfase nas sociodiversidades indígenas, desmistificando imagens genéricas do “índio”, da “cultura indígena”. Discutir as diferentes expressões socioculturais indígenas no passadoe no presente, questionando a clássica dicotomia “Tupi” x “Tapuia”. Uma sugestão é utilizar fotografias para demonstrar a diversidade dos povos indígenas no Brasil. Um terceiro aspecto a ser estudado é evidenciar a participação efetiva dos povos indígenas nos diversos momentos históricos ao longo da História do Brasil, desnaturalizando a ideia equivocada da presença do “índio” apenas na época do “Descobrimento” ou somente na “formação do Brasil”, problematizando o lugar pensado e o ocupado pelos povos indígenas na história do país. Promover momentos de intercâmbios entre os povos indígenas e os estudantes durante o calendário letivo, por meio de visitas previamente preparadas do alunado às aldeias, bem como de indígenas às escolas. É nesse sentido que procuramos conduzir os estudos desta disciplina, por meio, principalmente, dos seguintes reposicionamentos: mudança de discursos e de práticas; respeito à pluralidade; novas relações interpessoais, mais afetuosas, profundas e significativas; uma subjetividade livre de clausuras e modelos preestabelecidos; crítica ao atual modelo hegemônico de homogeneização e “assujeitamento”; recriação de novos sentimentos e reconhecimentos, especialmente em relação a si mesmo, num movimento de respeito a toda forma de diversidade. 117 RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS NO BRASIL Saiba mais Nesta unidade, preparamos uma lista de sites de instituições que, de alguma forma, trabalham com a problemática racial. São organizações não governamentais (ONGs), núcleos de pesquisa, movimentos sociais, órgãos públicos etc. Claro que, com as infinitas possibilidades proporcionadas pela internet, se trata apenas de uma sugestão para incentivar sua curiosidade por meio de sites confiáveis, com um rico conteúdo escrito e audiovisual, que podem ser bastante úteis a todas as pessoas interessadas na questão das relações étnico-raciais e na educação para a igualdade. Disponível em: https://l1nk.dev/q0VKw. Acesso em: 14 ago. 2023. Disponível em: http://www.criola.org.br. Acesso em: 14 ago. 2023. Disponível em: https://urx1.com/oiyZy. Acesso em: 14 ago. 2023. Disponível em: https://ury1.com/0hVim. Acesso em: 14 ago. 2023. Disponível em: http://www.ucam.edu.br. Acesso em: 14 ago. 2023. Disponível em: https://l1nq.com/7GBmH. Acesso em: 14 ago. 2023. Disponível em: http://www.ceert.org.br. Acesso em: 14 ago. 2023. Disponível em: http://www.cidan.org.br. Acesso em: 14 ago. 2023. Disponível em: http://www.educafro.org.br. Acesso em: 14 ago. 2023. Disponível em: https://l1nq.com/PJEue. Acesso em: 14 ago. 2023. Disponível em: http://www.palmares.gov.br. Acesso em: 14 ago. 2023. Disponível em: http://www.geledes.org.br. Acesso em: 14 ago. 2023. Disponível em: http://www.ipea.gov.br. Acesso em: 14 ago. 2023. Disponível em: https://l1nq.com/rlTu8. Acesso em: 14 ago. 2023. 118 Unidade II Resumo Sobre a legislação antirracista brasileira, vimos que detemos uma das leis mais modernas do mundo em relação às relações étnico-raciais. Entretanto, nosso grande desafio está em fazer com que tais direitos sejam cumpridos de fato na vida de cada brasileiro e brasileira. Conhecer as nossas diretrizes legais é uma das demonstrações possíveis de nosso exercício de cidadania e, no caso dos profissionais envolvidos na área educacional, uma necessidade na prática educativa. Por isso, convidamos você a retomar suas consultas aos textos originais da Constituição; dos Estatutos da Criança e do Adolescente, Indígena e da Igualdade Racial; e de nossas Leis de Diretrizes e Bases para a Educação Nacional, bem como a Lei n. 10.639/2003, Lei n. 11.645/2008 e seus planos de implementação já publicados. Em relação aos fundamentos históricos, é imperativo que tenhamos o compromisso com a busca do conhecimento, em primeiro lugar, sabendo que inúmeras são as fontes disponíveis de consulta e estudo sobre a história da África, das populações africanas, dos indígenas e seus descendentes no Brasil. Em segundo lugar, importa posicionarmo-nos como coprodutores de africanidades brasileiras, promovendo as experiências necessárias para a valorização e o resgate das heranças africanas no processo de construção da identidade e da cultura brasileiras. A partir desse novo paradigma, é possível enxergar a História da África e dos povos indígenas e suas implicações para a História do Brasil de maneira bastante diferente daquela utilizada nos bancos escolares. Assim, a apropriação que fazemos de cada fato histórico, recontextualizado segundo essa nova perspectiva, abrirá possibilidades e potencialidades na ação/relação educativa, capazes de refazer nossas raízes autoritárias e racistas e promover, por fim, uma realidade de igualdade entre todos. Procuramos focar em aspectos pedagógicos da implantação das Leis n. 10.639/2003 e n. 11.645/2008, bem como suas implicações para a prática educativa. 119 RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS NO BRASIL A respeito das imagens e representações do negro na literatura, fizemos uma incursão pela obra infantil de Monteiro Lobato, discutindo o comprometimento de alguns de seus livros no trabalho pedagógico, visando ao cumprimento da referida lei. Também observamos que a mídia continua a ser um meio de produção, reprodução e reforço de estereótipos raciais, segundo uma lógica conservadora da elite econômica, patrocinadora dessas instituições da indústria de entretenimento. Todo esse caldo de cultura permeia também o ambiente escolar, promovendo o que Pierre Bourdieu definiu como violência simbólica, um processo de apropriação pelos grupos desfavorecidos da sociedade dos padrões e referenciais simbólicos das elites dominantes, dificultando o processo de construção da identidade afrodescendente na infância e na juventude. Trabalhamos os mecanismos de construção da identidade e da diversidade no ambiente escolar, inicialmente de uma utilização crítica e consciente por parte dos professores dos livros didáticos e dos currículos definidos pelas políticas educacionais. As estratégias e possibilidades, portanto, capazes de promover a igualdade racial na escola e na sociedade como um todo só poderão se efetivar a partir de um novo olhar e de um novo posicionamento dos educadores, gestores e de toda a comunidade escolar, visando à construção de identidades negras positivamente afirmadas e à valorização das africanidades brasileiras. 120 Unidade II Exercícios Questão 1. O Parecer CNE 003/2004, relativo às Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana, elaborado especialmente para bem informar os educadores e as agências educacionais, é um documento útil a toda e qualquer ação profissional e a todo cidadão. Isso porque o mito da democracia racial e a ideologia do branqueamento favoreceram a construção e a manutenção de um imaginário coletivo carregado de estereótipos negativos no que tange à África, aos africanos e a tudo o que lhes diz respeito. Assim sendo, não compete exclusivamente aos agentes da educação formal a tarefa de reconstrução desse imaginário e a constituição de uma sociedade verdadeiramente democrática. Além de propor a adoção de políticas de ação afirmativa, o parecer busca estimular a formação de identidades positivamente afirmadas, estimular a passagem da vergonha ao orgulho de ser negro. Certamente uma proposta de renovação dessa natureza produziria resistências: a implementação da Lei n. 10.639/2003 não vem ocorrendo com facilidade. A resistência à mudança é verificável nas mais diversas instâncias: na ação de professores, de administradores escolares e de gestores do poder público e privado, entre outras. A Lei Federal 10.639/2003 determina a inclusão da temática História e Cultura Afro-brasileira no currículo oficial da rede de ensino. O Parecer CNE 003/2004 detalha as responsabilidades que competem aos poderes públicos – federal, estadual e municipal – e prioriza algumas ações relativas à implementaçãoda referida lei. A seguir, apresentamos algumas ações imprescindíveis nos estabelecimentos de ensino. Entre elas, assinale a afirmativa que não é verdadeira: A) Formar professores para o trabalho em sala de aula na perspectiva das relações étnico-raciais. B) Produzir material didático adequado, que desfaça os estereótipos de raça/cor/gênero. C) Servir-se abundantemente de recursos analógicos que favoreçam o processo de elevação da autoestima de alunos afrodescendentes. D) Não admitir a abordagem dessa temática fora da sala de aula. E) Sensibilizar todos os agentes envolvidos nesse processo para um compromisso efetivo com a implantação da igualdade racial na escola e em nosso país. Resposta correta: alternativa D. 121 RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS NO BRASIL Análise das alternativas A) Afirmativa verdadeira. Justificativa: a formação de professores para o trabalho em sala de aula na perspectiva das relações étnico-raciais constitui uma das ações prioritárias. Uma longa história de silêncio a respeito de tudo o que concerne à África, aos africanos e a seus descendentes impossibilitou a adequada formação identitária e profissional dos cidadãos em geral e dos educadores em particular. Trata-se agora de preencher lacunas formidáveis nos currículos dos cursos de Pedagogia e na formação continuada de professores. B) Afirmativa verdadeira. Justificativa: a produção de material didático que favoreça a desconstrução de estereótipos negativos de raça e etnia é outra prioridade a qual é preciso atender com urgência. A análise de livros didáticos e paradidáticos que vêm sendo adotados nas escolas brasileiras permite identificar facilmente boa parte da raiz de problemas nas relações inter-raciais: textos e ilustrações colaboram para gerar e manter estereótipos negativos, que por sua vez determinam atitudes e comportamentos preconceituosos e discriminatórios. C) Afirmativa verdadeira. Justificativa: os recursos analógicos que podem ser utilizados no ensino – contos, poemas e representações gráficas, entre outros – favorecem muito o processo de elevação da autoestima de alunos afrodescendentes. A linguagem analógica, ao servir-se de abundantes expressões metafóricas, atinge dimensões afetivas que dificilmente seriam mobilizadas por recursos da linguagem lógico-causal. Daí a importância da narrativa oral – contos, fábulas, lendas e mitos – para que se atinjam os objetivos educacionais desejados, quando tratamos das questões étnico-raciais. D) Afirmativa falsa. Justificativa: é preciso que todos os agentes educacionais estejam mobilizados para a tarefa em questão, e não apenas os professores em sala de aula. Não admitir a abordagem dessa temática fora da sala de aula seria uma conduta absolutamente inapropriada. Pelo contrário: todo tempo e lugar podem oferecer oportunidade para que se trabalhem essas questões. E) Afirmativa verdadeira. Justificativa: a tarefa de superação do racismo é coletiva e demanda a ação de todos. Para que isso ocorra no espaço escolar, é preciso sensibilizar todos. Somente assim se poderá contar com um compromisso efetivamente assumido com o projeto geral de conquista de igualdade étnico-racial. 122 Unidade II Questão 2. Helio Santos, um dos maiores expoentes nacionais da luta contra o racismo, doutor em Economia e presidente do Instituto Brasileiro de Diversidade, produziu vasto e respeitável material bibliográfico sobre a questão das relações raciais em nosso país. Sua visão lúcida a respeito dessa questão acha-se bem representada na obra A busca de um caminho para o Brasil: a trilha do círculo vicioso. Trata-se de um texto de compreensão possível para os mais diversos públicos, pois o autor não quis restringir apenas ao mundo acadêmico seus conhecimentos. Partindo da constatação de que a desigualdade social no Brasil se explica pela desigualdade racial, Helio retoma a questão da identidade nacional e nos convida a acompanhá-lo numa incursão pela complexa realidade brasileira. Para melhor análise do quadro socioeconômico brasileiro, o autor formula uma teoria, a qual denomina “trilha do círculo vicioso”, cujas principais características estão descritas a seguir: a dinâmica das relações sociais, caracterizada por complexos processos de inclusão/exclusão, determina um jogo cujos perdedores e vencedores têm cartas marcadas: aprisionados num inteligente circuito de exclusão para o qual concorrem agências educacionais, de trabalho, de comunicação, de saúde, todas elas apoiadas em representações sociais negativamente estereotipadas da África, dos africanos e de seus descendentes e impostas para serem compartilhadas por brancos e negros, os afrodescendentes encontram poucas chances – quando encontram – de inserção sócio-político-econômica e de (re)construção de uma autoimagem positiva que lhes possibilite experimentar sentimentos de autoestima elevada. As forças que agem nessa “trilha” são mais facilmente compreendidas se observamos atentamente o gráfico apresentado na obra citada: A forma como se deu a abolição 1º Passo 6º Passo 2º Passo 5º Passo 4º Passo 3º PassoRetroalimentação Retroalim entação Retroalimentação Invisibilidade Violência Meios de comunicação Repressão policial Manutenção das dificuldades Visão da sociedade: Não brancos são incapazes por natureza Negro-descendentes (preto e pardo) Introjeção do racismo e dos preconceitos Incapacidade para alterar a situação Desmotivação Desmotivação Não indentidade racial Baxa renda Piores empregos/salários Escolaridade inferior Dificuldades educacionais Modestas condições de investir em educaçãoDificuldades econômicas Fluxo da trilha Retroalimentação das dificuldades Dificuldades estruturais e psicológicas Figura 36 Adaptado de: Santos (2001, p. 44). 123 RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS NO BRASIL Chamamos a atenção para o fato de que as identidades individuais, em contínua metamorfose, sofrem o impacto, igualmente contínuo, das forças assinaladas no quadro apresentado. Como constituir identidades negras positivamente afirmadas em tais circunstâncias? Essa é uma pergunta que demanda resposta por parte de cada um de nós. No campo educacional, encontram-se formidáveis potenciais de ação. Daí, a importância do debate amplo, geral e irrestrito nesse campo. A partir desses dados, considere as afirmativas a seguir: I — Um debate – amplo, geral e irrestrito – sobre relações étnico-raciais não é necessário num país como o Brasil, onde todos os segmentos populacionais são igualmente beneficiados pelas políticas públicas. II — O racismo no Brasil assemelha-se a uma centopeia de duas cabeças, para usar uma expressão de Helio Santos: além da conjuntura externa desfavorável, o afrodescendente compartilha representações negativas inscritas no imaginário coletivo. III — O processo contínuo de sujeição a um bombardeio de imagens negativas de tudo o que se refere à África e o entorpecimento da consciência determinam que brancos e não brancos interiorizem como “naturais” esses estímulos. IV — Com pouca ou nenhuma possibilidade de (re)conhecimento dos valores tradicionais de seu povo de origem, os afrodescendentes veem-se na condição de desenvolver a própria identidade a partir de modelos ideais de ego brancos, de realização impossível dada a condição biológica e de realização indesejável, por implicar afastamento e negação da riqueza e da beleza da cultura de origem. V — Às implicações do rebaixamento da autoestima nas esferas de poder econômico, político e social tem sido dada importância inferior à merecida: autoestima rebaixada e autoimagem negativa inibem qualquer movimento reivindicatório, seja no âmbito intelectual, seja no afetivo. VI — O esquema gráfico traçado por Santos oferece uma visão sistêmica do problema e possibilita constatar o fato de que transformações nas relações raciais brasileiras demandam ação afirmativa em muitos campos, entre os quais o da educação, da comunicação social e do mercado de trabalho. Pondere sobre as afirmativasanteriores e assinale a alternativa correta: A) Somente as afirmativas II e IV são incorretas. B) Somente a afirmativa I é incorreta. C) Somente a afirmativa V é incorreta. D) Somente as afirmativas I e V são incorretas. E) Somente as afirmativas III e VI são incorretas. Resposta correta: alternativa B. 124 Unidade II Análise das afirmativas I – Afirmativa incorreta. Justificativa: um amplo debate sobre relações étnico-raciais não é apenas necessário num país como o Brasil: ele é indispensável e urgente. Com Helio Santos, constatamos que a desigualdade social no Brasil se explica pela desigualdade racial, dado que na constituição demográfica de nossa sociedade o segmento negro (pretos e pardos) compõe praticamente a metade do contingente humano. II – Afirmativa correta. Justificativa: sobre a conjuntura externa desfavorável, os dados estatísticos não deixam margem a dúvidas: há escassez de oportunidades para os afrodescendentes. Quanto à autoimagem, dificilmente se mostra a construção de uma identidade positivamente afirmada sendo abundantes os estereótipos negativos de negritude inscritos no imaginário coletivo. III – Afirmativa correta. Justificativa: a “inferioridade” e a “incapacidade” dos afrodescendentes, tantas vezes assinalada, termina sendo “naturalizada” – parece “natural” que seja assim. IV – Afirmativa correta. Justificativa: pesquisadores da área de Psicologia, assinalam esse impasse na construção de identidades negras: os modelos identificatórios são brancos e, afinal, quem quer se identificar com o perdedor? V – Afirmativa correta. Justificativa: como os debates enfatizam, muitas vezes, a questão da igualdade de direitos, menor ênfase recai sobre a questão da igualdade de oportunidades. Pessoas que têm de si próprias uma imagem de “inferioridade” e de “incapacidade” certamente perdem poder de competitividade, e como sabemos, nossa sociedade é extremamente competitiva. VI – Afirmativa correta. Justificativa: dificilmente encontramos um esquema gráfico tão competente para reunir dados sobre a condição dos negros no Brasil. Seu caráter sistêmico possibilita definir estratégias e táticas de combate ao racismo. 125 REFERÊNCIAS Audiovisuais ALÉM da lousa: culturas juvenis, presente! Direção: Denise Martha. Brasil, 2000. BALEIRO, Z. Canção pra ninar um neguim. Intérprete: Zeca Baleiro. 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