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DESCRIÇÃO Os direitos fundamentais e seu papel no Estado Democrático de Direito. PROPÓSITO Entender o conceito de direito fundamental, quais são os direitos colocados nessa categoria pela Constituição Federal e de que forma a sua compreensão é importante para a boa atuação no setor público e para a defesa da democracia. OBJETIVOS MÓDULO 1 Compreender o conceito de direito fundamental e as suas classificações MÓDULO 2 Reconhecer o tratamento dado pela Constituição Federal aos direitos fundamentais PREPARAÇÃO É importante que, ao longo do estudo, você tenha em mãos a Constituição Federal de 1988. Fonte: ErenMotion/Shutterstock INTRODUÇÃO O Brasil é um Estado Democrático de Direito, conforme expresso no art. 1º da Constituição Federal de 1988. Isso significa, em primeiro lugar, que em nosso país vigora a ideia de governo da maioria, como decorrência da soberania popular. É por isso que ocorrem eleições periódicas, por meio das quais se escolhem os representantes do povo de acordo com a vontade da maioria manifestada nas urnas. Entretanto, o Estado Democrático de Direito também possui outro requisito essencial: a existência de uma Constituição que, além de definir a estrutura básica do Estado, protege os direitos fundamentais. É justamente esse o objetivo principal buscado pela Constituição Brasileira de 1988. Isso nos mostra que a estruturação e a atuação do Poder Público estão intimamente ligadas aos direitos fundamentais que se busca proteger. Afinal, o fim último do Estado, por meio das suas instituições, é promover a proteção e concretização dos direitos fundamentais. Compreendê-los, portanto, é indispensável para uma boa gestão pública e atuação do poder público no exercício das suas mais variadas competências. Estudar os direitos fundamentais elencados na Constituição, a partir da sua conceituação e com a análise dos direitos em espécie, permitirá uma melhor compreensão da nossa democracia, dos direitos que o cidadão possui em face do Estado e de que modo a Administração Pública pode repensar a sua gestão para atuar cada vez melhor na concretização desses direitos tão importantes. MÓDULO 1 Compreender o conceito de direitos fundamentais e as suas classificações. BREVE HISTÓRICO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS Ao longo das sociedades antigas e da história, observamos períodos em que são reconhecidos direitos pontuais a determinados grupos ou categoria de indivíduos. Vejamos: Fonte: Wikipédia Ciro II e os hebreus É o caso do decreto do rei persa Ciro II, permitindo que os povos exilados na Babilônia retornassem a suas terras de origem, ou a restrição de penas corporais no Império Romano. A primeira declaração moderna de direitos fundamentais é de 1776: a Declaração de Direitos do Bom Povo de Virgínia, uma das treze colônias inglesas na América, à qual se seguiu a Constituição dos Estados Unidos da América, aprovada na Convenção de Filadélfia de 1787, e que foi objeto de diversas emendas garantidoras de importantes direitos fundamentais, como a liberdade de religião, o direito de propriedade etc. Fonte: Wikipédia Convenção de Filadélfia Fonte: Wikipédia Revolução Francesa Outro marco importantíssimo nesse processo histórico foi a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, fruto da Revolução Francesa e da sua luta contra o absolutismo. Tivemos também a Declaração Universal dos Direitos do Homem, proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em Paris, em 10 de dezembro de 1948, reconhecendo diversos direitos, como a dignidade da pessoa humana, o direito à vida, à liberdade etc. Fonte: Wikipédia Sede da Assembleia Geral A partir desse processo histórico, podemos falar em três gerações de direitos fundamentais que surgiram ao longo do tempo: PRIMEIRA GERAÇÃO É formada por direitos individuais que buscavam proteger o indivíduo perante os excessos e abusos do Estado. São direitos ligados sobretudo às liberdades. Ex.: liberdade de reunião, direito de ir e vir etc. SEGUNDA GERAÇÃO Surge no século XX e caracteriza-se por direitos que exigem uma prestação do Estado. Não basta que o Estado se abstenha de cometer abusos e violar os direitos individuais. É preciso mais: ele deve atuar para consolidar direitos sociais e culturais. Essa é a geração dos direitos sociais e coletivos. Ex.: direito à saúde, direitos da seguridade social. TERCEIRA GERAÇÃO Surge na segunda metade do século XX e está associada aos ideais de solidariedade e fraternidade. É nesse momento que surgem os direitos difusos, como o direito ao meio ambiente equilibrado (art. 225 da Constituição). ATENÇÃO Já existem defensores de uma quarta geração de direitos fundamentais, que seriam aqueles relacionados ao desenvolvimento tecnológico e biológico. São discussões delicadas em torno de assuntos jurídica e moralmente controvertidos, como clonagem, eutanásia etc. Observamos que a consolidação dos direitos fundamentais em diferentes sociedades e ordenamentos jurídicos é fruto de um longo e complexo processo histórico, que se acentuou especialmente após a Segunda Guerra Mundial. Os horrores causados pela guerra e pelos regimes totalitários deixaram clara a necessidade de se reconhecer direitos inatos a todos os seres humanos, de modo a protegê-los de abusos e autoritarismos. É nesse contexto que os diferentes Estados modernos começam a se preocupar em elaborar um catálogo de direitos fundamentais que não seja meramente uma declaração política, mas também uma fonte para a sua aplicação concreta à realidade. Assista ao vídeo a seguir para saber mais sobre as gerações dos direitos fundamentais. CONCEITO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS A Constituição de um Estado democrático, como é o caso do Brasil, possui, dentre as suas funções principais, a proteção de direitos fundamentais. A própria topografia dos dispositivos constitucionais que os preveem já indica a sua importância, tendo em vista que o catálogo de direitos fundamentais se encontra no início do texto constitucional. Tradicionalmente, as Constituições brasileiras começavam tratando da estrutura do Estado e no final versavam sobre os direitos fundamentais. A Constituição de 1988 inverteu isso: os primeiros artigos tratam de direitos. Essa mudança topográfica transmite a ideia de que o mais importante são os direitos. O Estado existe em boa parte para protegê-los, promovê-los e assegurar que a pessoa humana seja respeitada. Fonte: Rafapress/Shutterstock O constituinte entendeu que os direitos são parte integrante da própria essência da Constituição, alçando-os à categoria de cláusulas pétreas, de modo que nem mesmo uma emenda pode suprimi-los (art. 60, §4º). Conceituá-los, porém, não é tarefa fácil. Além de o seu conteúdo ter variado ao longo da história e dos diferentes contextos políticos e culturais, a sua nomenclatura muitas vezes se confunde com outras. Vamos, aqui, pontuar as principais diferenças entre as nomenclaturas mais comuns a fim de facilitar a compreensão da extensão e do conteúdo dos direitos fundamentais: DIREITOS HUMANOS São tratados no âmbito do direito internacional e se referem genericamente a todos os seres humanos, sem considerar as peculiaridades de cada país ou comunidade, como religião, etnia etc. Possuem a pretensão de serem atemporais e universais, aplicáveis a todos os povos e em todos os tempos. DIREITOS FUNDAMENTAIS São tratados de maneira diferente por cada Estado, de acordo com as suas próprias Constituições. Como cada ordenamento jurídico dispõe diferentemente acerca do rol de direitos fundamentais, eles nem sempre correspondem ao rol de direitos humanos. São apenas aqueles estabelecidos pelo Estado, conforme o seu Direito Positivo interno. Reconhecendo a dificuldade de se estabelecer um conceito preciso de direitos fundamentais, José Afonso da Silva (2020) prefere utilizar a expressão “direitos fundamentais do homem”. O autor explica: NO QUALITATIVO FUNDAMENTAIS, ACHA-SE A INDICAÇÃODE QUE SE TRATA DE SITUAÇÕES JURÍDICAS SEM AS QUAIS A PESSOA HUMANA NÃO SE REALIZA, NÃO CONVIVE E, ÀS VEZES, NEM MESMO SOBREVIVE; FUNDAMENTAIS DO HOMEM NO SENTIDO DE QUE A TODOS, POR IGUAL, DEVEM SER, NÃO APENAS FORMALMENTE RECONHECIDOS, MAS CONCRETA E MATERIALMENTE EFETIVADOS. DO HOMEM, NÃO COMO MACHO DA ESPÉCIE, MAS NO SENTIDO DE PESSOA HUMANA. DIREITOS FUNDAMENTAIS DO HOMEM SIGNIFICA DIREITOS FUNDAMENTAIS DA PESSOA HUMANA OU DIREITOS FUNDAMENTAIS. É COM ESSE CONTEÚDO QUE A EXPRESSÃO “DIREITOS FUNDAMENTAIS” ENCABEÇA O TÍTULO II DA CONSTITUIÇÃO, QUE SE COMPLETA, COMO DIREITOS FUNDAMENTAIS DA PESSOA HUMANA, EXPRESSAMENTE, NO ART. 17. (SILVA, 2020) É possível apontar também a diferença entre direitos e garantias fundamentais. Enquanto os direitos fundamentais são os enunciados que estabelecem o conteúdo de um direito (ex.: direito à vida, à liberdade religiosa), as garantias fundamentais são instrumentos previstos na Constituição para a defesa e proteção daqueles direitos (ex.: habeas corpus , que busca proteger o direito à liberdade de locomoção). CARACTERÍSTICAS DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS Estudaremos a seguir as principais características dos direitos fundamentais apontadas pela doutrina: UNIVERSALIDADE Significa que os direitos são de todos. O que faz alguém ser titular de um direito? Ser pessoa humana. A sua titularidade independe de sexo, categoria ou qualquer tipo de classe ou segmentação. Todos os seres humanos possuem igual dignidade. A partir dessa premissa, o caput do artigo 5º da Constituição pode suscitar algumas dúvidas. Vejamos a sua redação: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade [...] (CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 1988) As primeiras perguntas que surgem são: o estrangeiro que não reside no país não tem direitos fundamentais? O turista não tem direito à vida, por exemplo? O entendimento majoritário é de que, apesar da redação do dispositivo constitucional, o estrangeiro não residente no país também é titular de direitos fundamentais desde que compatíveis com a sua condição, pois a universalidade não impede a existência de alguns direitos específicos de determinados grupos. Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal já decidiu que o réu estrangeiro sem domicílio no Brasil deve ter assegurados: “Os direitos básicos que resultam do postulado do devido processo legal, notadamente as prerrogativas inerentes à garantia da ampla defesa, à garantia do contraditório, à igualdade entre as partes perante o juiz natural e à garantia de imparcialidade do magistrado processante” (HC 94.016, rel. min. Celso de Mello, j. 16-9-2008, 2ª T, DJE de 27-2-2009). Em que pese afirmarmos a universalidade como uma característica dos direitos fundamentais, há direitos que pressupõem certos requisitos como, por exemplo, a nacionalidade no caso dos direitos políticos. Há outros que são específicos para determinados grupos, como o direito fundamental garantido às presidiárias. RELATIVIDADE Significa dizer que não há direitos absolutos. Eles podem sofrer restrições. Se o direito de propriedade fosse absoluto, como ficaria a proteção do meio ambiente, por exemplo? Ou no caso da liberdade de expressão, que é um direito que frequentemente se choca com outros, como ficaria a proteção da intimidade? Muitas vezes, a lei impõe uma restrição a um direito fundamental. É o caso das leis ambientais, que restringem o direito de propriedade e exigem o cumprimento de uma série de regras que visa à proteção do meio ambiente. Um exemplo é o Código Florestal (Lei n° 12.651), que possui diversas regras restritivas ao direito de propriedade. O legislador, entretanto, não consegue prever nem solucionar todos os possíveis conflitos entre direitos fundamentais. Assim, muitas vezes, no caso concreto, é preciso que o Judiciário resolva essa colisão restringindo um direito em prol de outro, buscando, um equilíbrio. Um exemplo famoso é o caso Ellwanger, julgado pelo Supremo Tribunal Federal. Nesse julgamento, o Tribunal entendeu que a liberdade de expressão, apesar de ser um direito fundamental importantíssimo, não é um direito absoluto. Dessa maneira, ela não protege o discurso de ódio, o racismo nem a publicação de livros antissemitas. Há um princípio de interpretação constitucional que norteia o intérprete diante desses casos difíceis de conflitos entre direitos e normas constitucionais, chamado princípio da concordância prática: "Consiste, essencialmente, numa recomendação para que o aplicador das normas constitucionais, deparando-se com situações de concorrência entre bens constitucionalmente protegidos, adote a solução que otimize a realização de todos eles, mas ao mesmo tempo não acarrete a negação de nenhum." (MENDES; COELHO; BRANCO; 2007) Daniel Sarmento e Cláudio Pereira de Souza Neto nos dão um exemplo do emprego da concordância prática pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento do Habeas Corpus 80.240 (STF, HC 80240, Relator(a): Sepúlveda Pertence, Tribunal Pleno, julgado em 20/06/2001, publicado no DJ 14-10- 2005). Trata-se do caso de um líder indígena intimado para depor em uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI). Diante das normas constitucionais que garantem os poderes da CPI e os direitos dos indígenas à sua cultura, o Tribunal, para conciliar as normas em conflito no caso, decidiu que o depoimento poderia ser feito, mas apenas no interior das terras indígenas e na presença de antropólogo e de representante da FUNAI. Ou seja, considerando a relatividade dos direitos fundamentais e os seus possíveis conflitos em um caso concreto, deve-se buscar sempre uma solução que leve ao equilíbrio entre eles. HISTORICIDADE Os direitos fundamentais foram conquistados historicamente e as mudanças na sociedade influenciam a leitura que se faz deles. Os direitos não são realidades metafísicas e sim realidades históricas e concretas. Eles foram conquistados e ampliados ao longo da história, surgindo em diferentes etapas. INALIENABILIDADE Não possuem conteúdo econômico e não podem ser negociados ou transferidos: “Se a ordem constitucional os confere a todos, deles não se pode desfazer, porque são indisponíveis.” (SILVA, 2020) IMPRESCRITIBILIDADE Os direitos fundamentais não se extinguem pelo decurso do tempo e o seu exercício não se sujeita a qualquer prazo. IRRENUNCIABILIDADE Não se pode renunciar aos direitos fundamentais. O titular do direito pode até não o exercer, mas isso não implica a renúncia ao direito. APLICABILIDADE IMEDIATA A Constituição Federal, no art. 5º, §1º, dispõe expressamente que: “As normas definidoras dos direitos e das garantias fundamentais têm aplicação imediata”. Houve aqui uma preocupação do constituinte em dar plena efetivação aos direitos fundamentais, evitando o que acontecera sob a égide de Constituições pretéritas, em que os direitos previstos na Constituição, muitas vezes, eram apenas retórica, uma simples proclamação política, sem qualquer aplicação concreta. A ideia da aplicabilidade imediata é a de que os direitos valem imediatamente e independem de concretização legislativa, de regulamentação, para surtirem seus efeitos. O titular dos direitos pode invocá-los com base apenas na Constituição. NÃO EXAUSTIVIDADE OU ATIPICIDADE Um direito não precisa estar positivado na Constituição para ser considerado fundamental. Vejamos a redação do art.5º, §2º da Constituição: "Os direitos e as garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte". (CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 1988) Isso significa que é possível ter direitos fundamentais fora do catálogo formal previsto na Constituição. Eles podem estar em tratados internacionais de direitos humanos, por exemplo. Qual é o principal critériopara apontar direito fundamental fora do catálogo? O princípio da dignidade da pessoa humana. Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgar a ADI 939 (STF, ADI 939, Relator Sidney Sanches, Tribunal Pleno, julgado em 15/12/1993, publ. DJ 18/03/1994), decidiu que o princípio da anterioridade tributária, apesar de não estar no rol dos direitos fundamentais elencados pela Constituição, e sim no capítulo referente à tributação, é um direito fundamental. CLASSIFICAÇÕES Existem inúmeras classificações que variam conforme o autor e o critério adotado. Uma delas, por exemplo, divide os direitos fundamentais de acordo com o conteúdo: DIREITOS FUNDAMENTAIS DO HOMEM-INDIVÍDUO Reconhecem autonomia aos particulares e se identificam com os direitos individuais. Ex.: liberdade, igualdade e propriedade. DIREITOS FUNDAMENTAIS DO HOMEM-NACIONAL São aqueles que definem a nacionalidade. DIREITOS FUNDAMENTAIS DO HOMEM-CIDADÃO São os direitos políticos como, por exemplo, o direito de eleger e de ser eleito. DIREITOS FUNDAMENTAIS DO HOMEM-SOCIAL São os direitos “assegurados ao homem em suas relações sociais e culturais”, como o direito à saúde e à educação. DIREITOS FUNDAMENTAIS DO HOMEM MEMBRO DE UMA COLETIVIDADE São os direitos coletivos. Incluem-se aqui o direito de petição (art. 5º, XXXIV, a) e o direito de greve (art. 9º e 37, VII). DIREITOS FUNDAMENTAIS DE TERCEIRA GERAÇÃO OU DO HOMEM-SOLIDÁRIO Trata-se de uma classe mais recente de direitos, como o direito ao meio ambiente, à paz e ao desenvolvimento. Fonte: Chinnapong/Shutterstock Vejamos outra classificação, com base no texto da Constituição Federal de 1988: DIREITOS INDIVIDUAIS (ART. 5º). DIREITOS À NACIONALIDADE (ART. 12). DIREITOS POLÍTICOS (ARTIGOS 14 A 17). DIREITOS SOCIAIS (ARTIGOS 6º E 193). DIREITOS COLETIVOS (ART. 5º). DIREITOS SOLIDÁRIOS (ARTIGOS 3º E 225). ATENÇÃO Há também os direitos econômicos, previstos na Constituição no Título da Ordem Econômica e Financeira (artigos 170 e seguintes). EFICÁCIAS DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS Além da aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais, eles também suscitam importantes questionamentos a respeito da sua eficácia. Tradicionalmente, os direitos fundamentais eram aplicados à relação entre o indivíduo e o Estado, verticalmente. Isso se explica até mesmo pela primeira geração de direitos fundamentais, criados para a defesa do indivíduo contra o poder absoluto do Estado. Essa noção, contudo, foi mudando ao longo do tempo, pois notou-se a existência de lesões a direitos que não provêm somente do Estado, mas podem se originar de relações entre patrão e empresa, entre loja e comprador, entre pai e filho, por exemplo. São relações muito variadas nas quais nem sempre o Estado está presente. Surge, então, a ideia da eficácia horizontal dos direitos fundamentais (em contraposição à eficácia vertical), que significa a aplicação dos direitos fundamentais nas relações privadas. Mas, é importante ressaltar, há o risco de comprometer a liberdade individual e a espontaneidade das relações sociais. Vejamos um exemplo dessa problemática: Vamos supor que alguém pertença a uma associação. A associação, de maneira discriminatória, resolve expulsar os sócios. Isso é possível? Até que ponto a liberdade e a autonomia privada protegem esse tipo de conduta? EXPLICAÇÃO EXPLICAÇÃO O Supremo Tribunal Federal já teve a oportunidade de analisar um caso parecido (o Recurso Extraordinário 158.215), envolvendo a expulsão do membro de uma cooperativa sem que lhe fosse dado o direito de defesa. A Corte entendeu que “na hipótese de exclusão de associado decorrente de conduta contrária aos estatutos, impõe-se a observância ao devido processo legal, viabilizado o exercício amplo da defesa” (STF, RE 158215, Relator Marco Aurélio, Segunda Turma, julgado em 30/04/1996, publ. DJ 07/06/1996). Fonte: Cacio Murilo/Shutterstock Vejamos outro exemplo de um caso também enfrentado pelo Supremo Tribunal Federal: Uma empresa francesa que estabelecia vantagens exclusivas para empregados franceses, criando uma discriminação em relação a funcionários de outras nacionalidades. O fato de ser uma empresa privada, à qual se aplica a autonomia e a livre iniciativa, protege esse tipo de conduta? EXPLICAÇÃO javascript:void(0) javascript:void(0) EXPLICAÇÃO Mais uma vez, a Corte Suprema entendeu que os direitos fundamentais também devem ser aplicados às relações privadas, declarando inconstitucional a discriminação perpetrada pela empresa: “(...) Ao recorrente, por não ser francês, não obstante trabalhar para a empresa francesa, no Brasil, não foi aplicado o Estatuto do Pessoal da Empresa, que concede vantagens aos empregados, cuja aplicabilidade seria restrita ao empregado de nacionalidade francesa. Ofensa ao princípio da igualdade: C.F., 1967, art. 153, §1º; C.F., 1988, art. 5º, caput . II – A discriminação que se baseia em atributo, qualidade, nota intrínseca ou extrínseca do indivíduo, como o sexo, a raça, a nacionalidade, o credo religioso etc., é inconstitucional. (...)” (STF, RE 161243, Relator Carlos Velloso, Segunda Turma, julgado em 29/10/1996, publ. DJ 19/12/1997) Existe controvérsia em torno da maneira de aplicar os direitos fundamentais às relações privadas. Fonte: Lemon.key/shutterstock TEORIA DA EFICÁCIA INDIRETA OU MEDIATA Um primeiro entendimento defende que essa aplicação deve ser feita pelo legislador. E se a lei, ao tratar de direito privado, violar direitos fundamentais ou não os proteger adequadamente, será inconstitucional. Ou seja, os direitos fundamentais não devem ser automaticamente aplicados às relações entre particulares. Fonte: Banderlog/shutterstock TEORIA DA EFICÁCIA DIRETA OU IMEDIATA Um segundo entendimento defende que essa aplicação deve ser feita diretamente pelo juiz, independentemente da atuação do legislador. Este, ao julgar as causas, deve levar em consideração os direitos fundamentais, mesmo que sejam causas privadas. A principal porta de entrada dos direitos fundamentais na atividade jurisdicional são as cláusulas gerais de direito privado. Ex.: bons costumes, boa-fé, ordem pública. Elas devem ser concretizadas, devem ser lidas de uma maneira que protejam e promovam os direitos fundamentais. VERIFICANDO O APRENDIZADO 1. A RESPEITO DAS DIMENSÕES DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS, ASSINALE A ALTERNATIVA CORRETA: A) Os direitos de primeira geração são tipicamente de cunho social. B) O direito ao meio ambiente equilibrado foi um dos primeiros direitos fundamentais a serem protegidos. C) Os direitos difusos são típicos da terceira geração de direitos fundamentais, marcada especialmente pelo ideal de solidariedade. D) O direito à liberdade só começa a ser protegido na segunda metade do século XX. 2. “OS DIREITOS FUNDAMENTAIS PODEM SOFRER RESTRIÇÕES E NÃO SE SUJEITAM A QUALQUER PRAZO PARA SEREM EXERCIDOS”. A AFIRMAÇÃO ACIMA SE REFERE A QUAIS CARACTERÍSTICAS DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS? A) Irrenunciabilidade e aplicabilidade imediata. B) Relatividade e imprescritibilidade. C) Historicidade e indisponibilidade. D) Atipicidade e eficácia horizontal. GABARITO 1. A respeito das dimensões dos direitos fundamentais, assinale a alternativa correta: A alternativa "C " está correta. A letra C está correta, pois a terceira geração de direitos fundamentais se caracteriza pelo surgimento dos direitos difusos, como é o caso do direito ao meio ambiente, previsto no art. 225 da Constituição. 2. “Os direitos fundamentais podem sofrer restrições e não se sujeitam a qualquer prazo para serem exercidos”. A afirmação acima se refere a quais características dos direitos fundamentais? A alternativa "B " está correta. A afirmativa B está correta, uma vez que, ao dizer que os direitos fundamentais podem ser restringidos, refere-se expressamente à relatividade dos direitos fundamentais, que não são absolutos. Em seguida, ao dizer que o seu exercício não se sujeita a prazo, faz-se clara referênciaà imprescritibilidade dos direitos fundamentais. MÓDULO 2 Reconhecer o tratamento dado pela Constituição Federal aos direitos fundamentais. DIREITOS INDIVIDUAIS E COLETIVOS CONSAGRADOS NA CONSTITUIÇÃO Os direitos individuais estão previstos no artigo 5º e respectivos incisos da Constituição Federal. Podem ser conceituados, conforme ensina José Afonso da Silva (2020), como aqueles que reconhecem autonomia aos particulares, garantindo a iniciativa e independência aos indivíduos diante dos demais membros da sociedade política e do próprio Estado. Fonte: Zolnierek/Shutterstock EM RELAÇÃO AOS DESTINATÁRIOS, SERÁ QUE ELES SE APLICAM TAMBÉM ÀS PESSOAS JURÍDICAS OU APENAS ÀS PESSOAS FÍSICAS? RESPOSTA javascript:void(0) No tópico relativo às características dos direitos fundamentais, nós também já vimos a controvérsia provocada pela redação do caput do art. 5º da Constituição, que aparentemente exclui o estrangeiro não residente no país da titularidade dos direitos fundamentais ali elencados. Naquela oportunidade, vimos que o entendimento amplamente majoritário, inclusive agasalhado pelo Supremo Tribunal Federal, é o de que a Constituição não excluiu os direitos fundamentais do estrangeiro não residente no país. ATENÇÃO No processo de elaboração constitucional, cogitou-se colocar os direitos coletivos em capítulo especial. Tal proposta, porém, foi rejeitada, mantendo-se o capítulo intitulado “Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos”. Eles são, na verdade, direitos cuja titularidade é individual, mas cujo exercício requer a participação conjunta de diversas pessoas. Incluem-se nessa categoria os direitos de reunião, de associação, dentre outros. O rol de direitos elencados no art. 5º é extenso e, por isso, estudaremos mais detidamente a seguir aqueles que são mais relevantes e que suscitam maior controvérsia: DIREITO DE PROPRIEDADE Está previsto nos seguintes incisos do artigo 5º: XXII – é garantido o direito de propriedade; XXIII – a propriedade atenderá à sua função social. Existem também outros dispositivos constitucionais com previsões específicas acerca do direito de propriedade ao longo de toda a Constituição (ex.: artigos 5º, XXIV; 182 etc.). A partir dos dispositivos citados, vemos que a própria Constituição já define um limite para o direito de propriedade, ao exigir que ela atenda à sua função social. Essa decisão do constituinte supera a antiga ideia de que a propriedade é absoluta. Uma questão que se põe diz respeito ao conceito de função social. O artigo 1228 do Código Civil fixa alguns parâmetros: §1º O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas. §2º São defesos os atos que não trazem ao proprietário qualquer comodidade, ou utilidade, e sejam animados pela intenção de prejudicar outrem. A Constituição também fixa requisitos para o atendimento da propriedade rural: Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos: I – aproveitamento racional e adequado; II – utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; III – observância das disposições que regulam as relações de trabalho; IV – exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores. (CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 1988) Atenção! Seguindo essa linha, o Supremo Tribunal Federal já afirmou expressamente que o direito de propriedade não se revela absoluto, estando relativizado pela Constituição. LIBERDADE DE EXPRESSÃO Está prevista no art. 5º, IV: “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”. É vital para uma democracia, que pressupõe debate público, amplo acesso a ideias e pontos de vista divergentes. Em qualquer espaço, pressupõe-se que cada pessoa, para poder decidir sobre algo, deva ter acesso às informações mais variadas. A ideia subjacente a esse direito fundamental é de que a democracia exige um espaço público de discussão robusto, plural, dinâmico no qual diferentes pontos de vista possam ser devidamente debatidos sem a tirania de uma única ideia. Tem por fim a autonomia, a realização pessoal de cada indivíduo, na medida em que o homem, como um ser social, tem a necessidade de se comunicar, moldando a sua personalidade conforme interage com os outros do seu meio. A necessidade de se proteger a liberdade de expressão como corolário da própria democracia tem sido reiterado pelo Supremo Tribunal Federal em diversos julgados: “A Democracia não existirá e a livre participação política não florescerá onde a liberdade de expressão for ceifada, pois esta constitui condição essencial ao pluralismo de ideias, que por sua vez é um valor estruturante para o salutar funcionamento do sistema democrático. A livre discussão, a ampla participação política e o princípio democrático estão interligados com a liberdade de expressão, tendo por objeto não somente a proteção de pensamentos e ideias, mas também opiniões, crenças, realização de juízo de valor e críticas a agentes públicos, no sentido de garantir a real participação dos cidadãos na vida coletiva. São inconstitucionais os dispositivos legais que tenham a nítida finalidade de controlar ou mesmo aniquilar a força do pensamento crítico, indispensável ao regime democrático” (STF, ADI 4451, Relator Alexandre de Moraes, Tribunal Pleno, julgado em 21/06/2018, publ. DJ 06/03/2019). Atenção! Conforme visto no tópico relativo às características dos direitos fundamentais, o Supremo Tribunal Federal não inclui discursos de ódio ou racistas no âmbito de proteção da liberdade de expressão. LIBERDADE RELIGIOSA Liberdade de religião não é apenas o direito de professar publicamente determinada religião, mas também o direito de não ter nenhuma. Tema mais polêmico diz respeito à possibilidade de, com base na liberdade religiosa, tentar converter outras pessoas e atrair fiéis para determinada seita religiosa. O Supremo Tribunal Federal já se debruçou sobre o tema e entendeu que essas atitudes estão protegidas pela liberdade de religião: “A liberdade religiosa não é exercível apenas em privado, mas também no espaço público, e inclui o direito de tentar convencer os outros, por meio do ensinamento, a mudar de religião. O discurso proselitista é, pois, inerente à liberdade de expressão religiosa. (...) A liberdade política pressupõe a livre manifestação do pensamento e a formulação de discurso persuasivo e o uso dos argumentos críticos. Consenso e debate público informado pressupõem a livre troca de ideias e não apenas a divulgação de informações. (...) (STF, ADI 2.566, rel. p/ o ac. min. Edson Fachin, julgado em 16/05/2018, publ. DJ 23/10/2018). Outro ponto polêmico relacionado a esse direito envolve a discussão em torno da admissibilidade ou não do sacrifício de animais como manifestação religiosa. Como se sabe, essa é uma prática cultural presente em diversas religiões, especialmente nas de matriz africana. O debate nos coloca um conflito entre dois direitos fundamentais: a liberdade religiosa e a proteção ao meio ambiente. No entanto, o Supremo Tribunal Federal também já se manifestou sobre o assunto ao analisar uma lei, do Rio Grande do Sul, que permitia o sacrifício de animais em ritos religiosos. A Corte fixou a seguinte tese: “É constitucional a lei de proteção animal que, a fim de resguardar a liberdade religiosa, permite o sacrifício ritual de animais em cultos de religiões de matriz africana”. Dessa maneira, entendeu que a prática e os rituais relacionados ao sacrifício animal são patrimônio cultural imaterial e constituem os modos de criar, fazer e viver de várias comunidades religiosas, devendo taldireito ser protegido (STF, RE 494601, Relator Edson Fachin, Tribunal Pleno, julgado em 28/03/2019, publ. DJ 19/11/2019). LIBERDADE DE REUNIÃO Está prevista no art. 5º, XVI: “Todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente”. Da leitura do dispositivo, concluímos que se exige apenas o mero aviso à autoridade competente. Não cabe à autoridade definir o local, nem tomar medidas para dificultar a reunião. A Constituição, porém, ressalta que não se pode atrapalhar outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local. Busca- se, assim, evitar o abuso de direito que vise atrapalhar outras reuniões, além de se evitar eventuais conflitos que coloquem em risco a ordem pública. Na lição de José Afonso da Silva (2020), reunião é qualquer agrupamento formado em certo momento com o objetivo comum de trocar ideias ou de receber manifestação de pensamento político, filosófico, religioso, científico ou artístico. Ela protege passeatas e manifestações nos logradouros públicos. Note-se que a liberdade de reunião tem grande relevância, pois, por meio dela, é possível exercer outras liberdades, como as de expressão e de locomoção. Assim, tal direito fundamental é instrumento para proteção de outros direitos fundamentais. DIREITOS SOCIAIS Os direitos sociais são aqueles ligados à igualdade. Trata-se de prestações positivas a serem oferecidas direta ou indiretamente pelo Estado a fim de conceder melhores condições de vida àqueles que não possuem uma situação social digna. Conforme vimos no módulo 1, os direitos sociais surgem na segunda geração de direitos fundamentais, caracterizados por exigirem uma prestação positiva do Estado para atender às necessidades dos indivíduos. Não é mais suficiente que o Estado se abstenha de violar direitos; é preciso que ele atue para protegê-los e concretizá-los. O artigo 6º da Constituição enumera como direitos sociais: EDUCAÇÃO SAÚDE ALIMENTAÇÃO TRABALHO MORADIA TRANSPORTE LAZER SEGURANÇA PREVIDÊNCIA SOCIAL PROTEÇÃO À MATERNIDADE E À INFÂNCIA ASSISTÊNCIA AOS DESAMPARADOS Todos os direitos mencionados exigem uma prestação positiva do Estado, ou seja, uma política pública para garanti-los, o que gera custos. Assim, os direitos sociais trazem o desafio de qual será a parcela desse direito que será exigível do Estado. Janews/Fonte: Shutterstock Dentre eles, o direito à saúde merece uma análise mais detida. A Constituição deixa claro que a saúde é um direito de todos e dever do Estado. Ela é tratada com mais detalhes nos artigos 196 e seguintes da Constituição, onde também há regras de competências dos entes federados para a implementação de políticas públicas de saúde. A consagração do direito à saúde tem provocado inúmeros debates em torno da extensão desse direito e dos limites da interferência do Judiciário na sua aplicação. Se a Constituição garante o direito à saúde, então é possível requerer judicialmente qualquer tratamento médico ou remédio em face do Poder Público? Esse é um tema que tem desafiado todos os entes federados no país, que recebem diariamente milhares de ações judiciais com demandas dessa natureza. O STF (Supremo Tribunal Federal) , sempre que provocado, tenta estabelecer parâmetros para a interferência do Judiciário na concretização desse direito. A Corte Suprema já entendeu que, em regra, o Estado não é obrigado a fornecer medicamentos de alto custo solicitados judicialmente quando não estiverem previstos na relação do Programa de Dispensação de Medicamentos em Caráter Excepcional, do Sistema Único de Saúde (SUS). O direito à alimentação e à moradia buscam consagrar o direito à saúde e a uma vida digna, tendo servido de esteio para diversos programas sociais de renda mínima e de crédito à moradia implementados nas últimas décadas. Em 2020, eles voltaram a ter destaque nacional com o auxílio emergencial implementado pelo governo federal diante dos impactos econômicos e sociais da pandemia de COVID-19. Com base no direito à moradia, os tribunais, inclusive o Supremo Tribunal Federal, têm entendido que, no caso de construções irregulares, ainda que se reconheça o poder-dever do poder público de demoli- las, ele é obrigado a implementar medidas para mitigar os efeitos sobre as famílias que ali se encontram. É muito comum que o poder público, em especial o município, seja obrigado a oferecer alguma opção de moradia ou algum benefício assistencial antes de retirar as pessoas que ocupam áreas irregulares ou de risco. O artigo 7º da Constituição também estabelece uma série de outros direitos sociais aos trabalhadores urbanos e rurais, como por exemplo: Irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo; Garantia de salário, nunca inferior ao mínimo, para os que percebem remuneração variável; Décimo terceiro salário com base na remuneração integral ou no valor da aposentadoria; Remuneração do trabalho noturno superior à do diurno. Assista ao vídeo a seguir para saber mais sobre a extensão da exigibilidade do direito fundamental à saúde. VERIFICANDO O APRENDIZADO 1. A RESPEITO DA LIBERDADE RELIGIOSA, MARQUE A ALTERNATIVA CORRETA: A) Ela não está prevista expressamente na Constituição Brasileira de 1988. B) Estabelece que todo cidadão obrigatoriamente precisa escolher uma religião. C) O indivíduo é livre para escolher a sua religião, mas o Estado estabelece uma religião oficial. D) A liberdade religiosa permite a prática de cultos religiosos, ainda que envolvam o sacrifício de animais. 2. ASSINALE A ALTERNATIVA CORRETA A RESPEITO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS PREVISTOS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988: A) O direito de propriedade, desde que atenda à sua função social, é absoluto. B) O direito à saúde autoriza que o brasileiro ou estrangeiro residente no país requeira judicialmente qualquer tipo de medicamento, desde que possua receita médica. C) O direito à moradia está no rol dos direitos sociais e exige que o poder público atue para garanti-lo. D) O discurso racista está protegido pela Constituição, mas não o discurso de ódio. GABARITO 1. A respeito da liberdade religiosa, marque a alternativa correta: A alternativa "D " está correta. A letra D é a correta, porque a liberdade religiosa garante a prática livre e pública de todas as seitas religiosas e, conforme já decidido pelo Supremo Tribunal Federal, é constitucional a lei que permite o sacrifício de animais para fins religiosos. 2. Assinale a alternativa correta a respeito dos direitos fundamentais previstos na Constituição Federal de 1988: A alternativa "C " está correta. A letra C é a correta, pois o direito à moradia foi expressamente previsto no art. 6º da Constituição como direito social. E como tal, o Poder Público é obrigado a atuar, por meio de políticas públicas, para garanti-lo. CONCLUSÃO CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao longo do nosso estudo, vimos a trajetória de surgimento e consolidação dos direitos fundamentais e as sucessivas gerações de direitos que ganharam espaço nas Constituições dos diferentes Estados ao redor do mundo. Dos direitos individuais aos difusos, passando pelos direitos sociais, nós pudemos compreender melhor as características definidoras dos direitos fundamentais e por que eles possuem um lugar de destaque no ordenamento jurídico, estando inclusive no rol das cláusulas pétreas. Analisamos também as dificuldades e controvérsias que desafiam a aplicação desses direitos e vimos alguns direitos em espécie cuja relevância exige um estudo mais aprofundado. Tudo isso nos permite entender melhor o que podemos esperar do Estado como cidadãos e analisar criticamente o papel que o poder público vem desempenhando na concretização dos direitos previstos na Constituição. AVALIAÇÃO DO TEMA: REFERÊNCIAS BARROSO, L. R. Curso de direito constitucional contemporâneo:os conceitos fundamentais e a construção de um novo modelo. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. BRASIL. Casa Civil. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, 1988. MENDES, G. F.; COELHO, I. M.; BRANCO, P. G. G. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007. SILVA, J. A. Curso de direito constitucional positivo. 43. ed. São Paulo: Malheiros, 2020. SOUZA NETO, C. P.; SARMENTO, D. Direito Constitucional: teoria, história e métodos de trabalho. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2017. EXPLORE+ Para saber mais sobre os direitos fundamentais, leia o artigo O conteúdo essencial dos direitos fundamentais e a eficácia das normas constitucionais , do professor Virgílio Afonso da Silva, disponível no repositório da USP. Confira o artigo sobre os direitos sociais, O reconhecimento dos direitos sociais como fundamentais no Brasil , de autoria de José Carlos Bortoloti e Guilherme Pavan Machado, disponível no Portal de Publicações Eletrônicas da UERJ. CONTEUDISTA Elias Suzano Mendes CURRÍCULO LATTES javascript:void(0); DEFINIÇÃO Apresentação das questões ambientais, sociais e de governança corporativa, envolvendo investimentos responsáveis e finanças sustentáveis. PROPÓSITO Promover a reflexão sobre como a sustentabilidade pode impactar não somente as atividades das empresas, mas também a forma como os investidores tomam suas decisões financeiras. OBJETIVOS MÓDULO 1 Descrever a evolução da sustentabilidade no mercado de investimentos e os conceitos de investimento sustentável MÓDULO 2 Identificar os principais índices sustentáveis e tendências regulatórias no tema MÓDULO 3 Definir caminhos possíveis para a integração da sustentabilidade nas decisões de investimentos, seus desafios e tendências INTRODUÇÃO A maioria das pessoas já ouviu falar em sustentabilidade e muitas empresas, além de investidores, têm se preocupado com esse tópico nos últimos anos. Inicialmente, podemos pensar que isso tem apenas uma motivação ética ou de reputação, mas, na verdade, o assunto tem ganhado mais força no mercado financeiro em função dos impactos que as questões ambientais, sociais e de governança corporativa (ASG) podem ter sobre vários aspectos, inclusive sobre a rentabilidade das empresas que estes agentes investem. É por isso que a agenda saiu das mesas dos ambientalistas e foi parar no centro da discussão do setor financeiro. Neste tema, vamos tratar com atenção de cada uma dessas dimensões. Primeiramente, vamos estudar sobre a evolução da sustentabilidade ao longo do tempo e os mais recentes investimentos sustentáveis. Depois, vamos aprender sobre os índices de sustentabilidade, aspectos da indústria e a regulação. Por fim, vamos elencar as principais tendências e desafios do setor. MÓDULO 1 Descrever a evolução da sustentabilidade no mercado de investimentos e apresentar conceitos de investimento sustentável EVOLUÇÃO DA SUSTENTABILIDADE Entre as três dimensões das questões ASG — ambientais, sociais e de governança corporativa —, a última foi a primeira a ser incorporada pelos investidores. Fica claro quando entendemos que as ações de governança são aquelas que influenciam como os conselheiros, diretores e demais executivos orientam as decisões da empresa. Fonte: Monkey Business Images/Shutterstock Uma instituição com boas práticas de governança corporativa tem, portanto, uma melhor capacidade de gestão e, por isso, espera-se que ela gere melhores resultados e maior valor para os seus acionistas (IBGC, 2015). Hoje, podemos dizer que boa parte dos investidores institucionais, ou seja, organizações especializadas na gestão de investimentos, já analisa a governança corporativa como parte das questões essenciais para a escolha de empresas que vão compor, por exemplo, as suas carteiras de ações. COMENTÁRIO De alguns anos para cá, especialmente a partir da década de 1990, as questões ambientais também entraram na pauta. Os desafios ambientais, como o aumento da poluição e do desmatamento, as mudanças climáticas e até mesmo desastres — como o que ocorreu recentemente em Brumadinho — chamam a atenção para os riscos que as questões ambientais podem representar para todos, mas especialmente, neste caso, para a operação de uma empresa. Finalmente, vários fatores levaram os temas sociais a serem considerados muito relevantes para as empresas, como, por exemplo: o aumento do uso de mídias sociais até o envelhecimento da população e a entrada de uma nova geração, os millenials, no mercado de trabalho. As questões sociais dizem respeito à maneira como essas organizações vão lidar com os seus colaboradores, fornecedores, clientes etc. Afinal, uma empresa não é uma bolha fechada em si mesma. Embora a sustentabilidade esteja só agora entrando nos debates financeiros, os conceitos ligados ao desenvolvimento sustentável não são exatamente novos. Foi em 1987, há 33 anos, que se definiu em uma conferência das Nações Unidas o conceito oficial de desenvolvimento sustentável, que é: AQUELE QUE ATENDE ÀS NECESSIDADES DO PRESENTE, SEM COMPROMETER A CAPACIDADE DAS GERAÇÕES FUTURAS DE ATENDER ÀS SUAS NECESSIDADES”. (UNITED NATIONS, 1987, tradução livre) Trazendo esse conceito para o universo financeiro, isso significa que, se usarmos mais recursos do que o nosso planeta é capaz de regenerar, entraremos no “cheque especial” do nosso ecossistema. Podemos pensar, inicialmente, que o conceito de desenvolvimento sustentável estaria na contramão do que estudamos nos modelos econômicos tradicionais. De fato, existem algumas contradições. Na economia, em muitos casos, consideramos as questões ambientais e sociais como variáveis externas aos modelos, ou seja, que não têm relação com as projeções e análises (PENTEADO, 2010). Este, no entanto, é um falso dilema. A atenção para com o meio ambiente é fundamental para que tenhamos recursos, como água e matérias-primas, destinados à produção, assim como os recursos sociais (mão de obra) impactam a produção e o crescimento da economia. A Universidade de Cambridge (CISL, 2015) estabeleceu um modelo que ilustra a lógica entre essas dimensões e seus participantes, bem como as trocas que acontecem entre elas. Na Figura 1, podemos observar que, para o funcionamento adequado e o crescimento da economia, precisamos dos insumos ambientais e dos recursos sociais. É aí que, em um olhar de longo prazo, começamos a discutir a sustentabilidade como uma forma de garantir a perenidade das empresas. Fonte:Shutterstock Figura 1 ‒ A lógica das relações entre meio ambiente, sociedade e economia. Fonte: CISL, 2015, tradução livre. As relações entre as áreas ambiental, social e econômica não dizem respeito apenas ao fornecimento de insumos para a produção de bens e serviços. O resultado dessa produção também gera o que chamamos de externalidades para a sociedade e o meio ambiente. A poluição, as mudanças climáticas e outros fatores são exemplos dessas externalidades, que podem gerar acidentes, prejuízos à saúde da população ou até mesmo mudanças estruturais que prejudiquem a economia em longo prazo. EXEMPLO Podemos trazer como exemplo o agronegócio, com o apoio de alguns relatórios de instituições, como a Embrapa, que buscam medir o efeito potencial das mudanças climáticas na agricultura brasileira. De acordo com a pesquisa, boa parte dos cultivos analisados apresenta um potencial de queda na produção, dependendo do cenário de aumento médio de temperatura e o horizonte de tempo (EMBRAPA, 2008). Em um país como o Brasil, que tem uma boa parte do PIB ligado ao agronegócio, os impactos das mudanças climáticas podem representar uma queda no crescimento econômico. Ao analisar esses impactos potenciais, os investidores entendem que as questões ASG podem representar riscos à rentabilidade das suas carteiras e, por isso, aumentam a busca por informações que permitam que estes profissionais consigam incorporar, também, estes riscos aos seus processos de análise de empresas edecisão de alocação em carteira. O aumento da demanda por informações ASG das empresas é crescente, segundo pesquisas de mercado como a da Ernst & Young (EY), que aponta que cerca de 90% dos investidores acredita que estas informações podem ser importantes no ajuste do valor atribuído às empresas (EY, 2018). Esse movimento, que passou a tratar de temas ASG entre os investidores, ficou mais conhecido como investimentos responsáveis. Nas próximas seções, abordaremos os principais conceitos, iniciativas e práticas do mercado brasileiro e internacional sobre esta agenda. INVESTIMENTOS RESPONSÁVEIS Assista ao vídeo e saiba mais sobre investimentos responsáveis. O conceito é mais amplo do que uma responsabilidade moral, já que também trata do dever que os investidores institucionais têm com os seus clientes, de analisar de forma adequada os riscos das empresas e outros ativos em que investem. ATIVOS javascript:void(0) Consideramos ativos os bens que o investidor possui em carteira. São considerados exemplos dessa classe: ações, títulos públicos do governo, dívidas de empresas (ex.: debêntures), cotas de fundos de investimento, moedas, entre outras modalidades possíveis. Se essas questões podem, de fato, impactar a capacidade das empresas de gerar resultados, é dever desses profissionais considerá-las nas suas decisões. A esta responsabilidade, damos o nome de dever fiduciário. A seguir, discutiremos um pouco mais sobre como cada um desses fatores impacta o mercado de investimentos, em seus diversos aspectos. RELEVÂNCIA: QUAIS QUESTÕES ASG SÃO MAIS IMPORTANTES? Existem várias iniciativas que listam questões ambientais, sociais e de governança corporativa a serem analisadas em um processo de investimento. Entre elas, podemos selecionar como exemplo a do próprio PRI, adequada por se tratar de uma iniciativa orientada especificamente para este mercado. A Tabela 1, a seguir, mostra uma lista de alguns destes fatores, que não devem ser vistos como exclusivos. O tópico é complexo, mas podemos considerar este como um bom ponto de partida. Ambiental Social Governança Mudanças climáticas Direitos humanos Suborno e corrupção Esgotamento de recursos naturais Escravidão moderna Remuneração de executivos Gestão de resíduos Trabalho Diversidade e estrutura do Conselho infantil de Administração Poluição Condições de trabalho Lobby e doações políticas Desmatamento Relações trabalhistas Estratégia tributária Atenção! Para visualizaçãocompleta da tabela utilize a rolagem horizontal Tabela 1 - Exemplos de Fatores ASG. Fonte: PRI, 2020, tradução livre. Diversos fatores ASG devem ser considerados, mas eles vão depender, basicamente, do que estamos analisando. As questões mais relevantes no setor de petróleo, por exemplo, que têm impactos significativos sobre o meio ambiente, não são as mesmas do setor de educação, com um impacto muito maior sobre os aspectos sociais. Chamamos de materialidade esse olhar setorial específico sobre as atividades de cada empresa para determinar a relevância das questões ASG. EXEMPLO Vamos analisar uma empresa do setor de varejo: as Lojas Renner. Entre as questões ambientais, as mais relevantes talvez sejam, por exemplo, o uso de energia nas lojas ou as emissões de gases de efeito estufa (GEE) da sua operação logística, como o transporte das mercadorias por caminhões a diesel, altamente poluentes. No entanto, ao analisarmos os seus aspectos sociais, alguns pontos chamam a atenção. Em primeiro lugar, o relacionamento com os fornecedores. Sabemos que a cadeia de confecção está altamente exposta a riscos de trabalho degradante ou análogo ao escravo. Como compradora, a Renner possui a corresponsabilidade por estes fornecedores. Outro público relevante para a empresa é, evidentemente, o cliente. Qualquer empresa no setor de varejo que lida diretamente com o consumidor final precisa estar atenta às suas demandas, necessidades e satisfação, para garantir e aumentar sua participação no mercado. Entre as questões de governança corporativa, embora todas sejam relevantes, pode-se dar atenção extra à forma como a empresa remunera seus executivos (se por metas exclusivamente de curto prazo ou considerando aspectos mais estratégicos e de longo prazo) e seus programas de diversidade, especialmente considerando a diversidade de gênero e classe social de seus consumidores. Neste caso, ter representantes de diferentes públicos apoiando a elaboração da estratégia pode ser um bom negócio para a companhia! MAPEAR E CONTROLAR ESSES ASPECTOS PODE REPRESENTAR UM CUSTO ADICIONAL ÀS EMPRESAS, CERTO? Sim, é verdade. E é justamente por isso que vários profissionais acreditam que a sustentabilidade reduz os resultados das empresas. Esse é um dos principais mitos do investimento responsável e já existem várias evidências contrárias a esse dilema. Tomemos o exemplo citado há pouco, das Lojas Renner. O investimento em eficiência energética — troca de iluminação por lâmpadas mais econômicas e regulação do ar condicionado — não traz benefício apenas para o meio ambiente, mas reduz o custo de manutenção das lojas. Projetos como este, muitas vezes, se pagam em um curto espaço de tempo e podem ser vantajosos para as empresas. Outra questão que podemos analisar, no mesmo exemplo, é a gestão de fornecedores. Não podemos negociar o aspecto ético de remuneração e condições de trabalho dignas dos funcionários do setor de confecção. Esse é um custo que sequer deveria ser discutido. Independente disso, o controle sobre os fornecedores reduz a chance de a empresa se envolver em um escândalo sobre trabalho análogo ao escravo, como já vimos em algumas organizações do setor. Além de pagar multas e indenizações, os danos à marca podem custar a fidelidade de clientes e a receita da empresa. A gestão da sustentabilidade, portanto, tem duas vantagens: Preservar o valor das empresas, evitando riscos que podem prejudicar a receita, a reputação e gerar passivos trabalhistas e em outras esferas cíveis e judiciais. Pode antecipar tendências e aumentar a geração de valor para os colaboradores, clientes, cadeia de fornecedores e, por consequência, os acionistas. É isso que vários estudos têm demonstrado estatisticamente. Uma pesquisa de Harvard aponta que as empresas com boas práticas em sustentabilidade apresentam nível mais baixo de endividamento, maior fidelidade de clientes e maiores indicadores de retorno (ECCLES, 2012). No mesmo estudo, a avaliação de duas carteiras de ações, uma com as melhores e outra com as piores empresas em sustentabilidade, demonstrou que o desempenho das ações também pode ter relação com as questões ASG. A Figura 3, a seguir, mostra o que teria acontecido se uma pessoa investisse um dólar em uma carteira de ações com as melhores empresas em sustentabilidade versus a mesma quantia nas piores empresas nesse quesito. Figura 3 - Desempenho de uma carteira teórica de ações com alto nível de sustentabilidade (high) e baixo nível de sustentabilidade (low). Fonte: ECCLES, 2012. Com o tempo, as questões ASG passaram a ser vistas pelos investidores como uma forma de avaliar a gestão das companhias. Aquelas que estão preocupadas com a satisfação dos seus colaboradores, a gestão adequada de fornecedores, o olhar para o meio ambiente e para a governança corporativa tendem a realizar uma gestão mais madura de suas atividades. Com isso, tendem a apresentar um desempenho melhor que seus concorrentes. É simples: empresa que está no vermelho não pensa no verde! DEMANDA DOS CLIENTES: QUAL É O TAMANHO DO MERCADO ASG? Conforme o mercado conhece melhor as questões ASG e seus impactos, começa a surgir a demanda por produtos que incluam essa agenda em seus processos de escolha de empresas e de alocação de recursos. Globalmente, surge um mercado de investimentos socialmente responsáveis, ou SRI (da sigla em inglês socially responsible investments). Os primeiros fundos dessa natureza surgiram ainda nos anos 1970e 1980, mas foi na década de 1990 que os investimentos responsáveis ganharam a primeira referência de mercado, por meio de um índice de sustentabilidade. Em 1999, foi lançado na bolsa de Nova Iorque o Dow Jones Sustainability Index (PRI, 2020). VERIFICANDO O APRENDIZADO 1. QUAL DAS ALTERNATIVAS REPRESENTA MELHOR O FALSO DILEMA ENTRE O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E OS MODELOS ECONÔMICOS TRADICIONAIS? A) O de que variáveis ambientais não têm relação direta com o desenvolvimento econômico. B) O de que variáveis ambientais não são sequer consideradas como propulsoras do desenvolvimento econômico. C) O de que variáveis ambientais desempenham um papel maior do que deveriam nos modelos econômicos. D) O de que modelos econômicos são completamente incapazes de incorporar os fatores ambientais. 2. DE QUE MANEIRA A GESTÃO DA SUSTENTABILIDADE PODE PRESERVAR O VALOR DE UMA EMPRESA? A) Criando novas estratégias de marketing ambiental. B) Fidelizando mais os clientes. C) Trabalhando ativamente para gerar valor por meio de políticas ambientais. D) Evitando os riscos associados a fatores ASG que prejudiquem receitas, reputação e condições de trabalho. GABARITO 1. Qual das alternativas representa melhor o falso dilema entre o desenvolvimento sustentável e os modelos econômicos tradicionais? A alternativa "A " está correta. Modelos econômicos tradicionais incorporavam as variáveis sociais e ambientais como externas (exógenas) ao desenvolvimento econômico, de modo que não tinham impacto direto na economia. 2. De que maneira a gestão da sustentabilidade pode preservar o valor de uma empresa? A alternativa "D " está correta. A preservação de valor ocorre por meio da redução dos riscos associados aos fatores ASG. MÓDULO 2 Identificar os principais índices sustentáveis e tendências regulatórias no tema OS ÍNDICES DE SUSTENTABILIDADE Índices de ações são a principal referência para sabermos a média de desempenho deste tipo de investimento em um determinado mercado. No Brasil, por exemplo, o principal índice de ações é o IBOVESPA, que vemos anunciado todos os dias nos jornais e publicações do mercado financeiro. Quando ouvimos que um índice subiu ou caiu, isso significa que, em média, suas ações se valorizaram ou desvalorizaram, respectivamente. Fonte: rafapress/Shutterstock A criação de um índice de sustentabilidade tem como principal objetivo conferir a tese que apresentamos neste documento. Se as ações de empresas com boas práticas em sustentabilidade tendem a ter uma rentabilidade maior, poderia se esperar que um índice composto dessas empresas se valorizasse mais do que os tradicionais do mercado. Foi com esta intenção que surgiram os índices de sustentabilidade, que são carteiras teóricas de ações escolhidas por suas iniciativas e indicadores ASG. MAS AFINAL, PARA QUE SERVE UM ÍNDICE? A partir desta referência teórica, gestores de investimentos podem espelhar ou se referenciar nessa carteira e criar fundos de investimento compostos por estas ações. Assim, pessoas físicas ou grandes investidores institucionais que queiram investir em empresas mais sustentáveis podem alocar seus recursos nesses fundos de investimento. Fonte: metamorworks/Shutterstock Além do Dow Jones Sustainability Index, outros índices foram criados em diversos países do mundo, inclusive no Brasil. A B3 lançou em 2005, ainda como Bovespa, o índice de sustentabilidade empresarial (ISE), que há 15 anos avalia as empresas listadas no mercado brasileiro em diversos aspectos da sustentabilidade. O processo de construção do ISE segue as seguintes etapas: As empresas listadas na B3 são convidadas a participarem do processo de seleção da carteira do ISE. Para as que aceitam, é enviado um questionário que avalia as práticas da empresa em sete dimensões (B3, 2020). Após a consolidação das notas, as empresas são submetidas à aprovação do conselho deliberativo do ISE, CISE, composto por profissionais que representam as associações de empresas, de instituições financeiras e da sociedade civil. A carteira teórica é definida e divulgada ao público. Ela vale por um ano, de janeiro a dezembro. A B3 monitora e divulga diariamente a valorização do índice, calculado com base no preço das ações que compõem a carteira. javascript:void(0) SETE DIMENSÕES Dimensão Definição Geral Compromissos com o desenvolvimento sustentável, alinhamento às boas práticas de sustentabilidade, transparência das informações corporativas e práticas de combate à corrupção. Natureza do produto Impactos pessoais e difusos (para toda a sociedade e o meio ambiente) dos produtos e serviços oferecidos pelas empresas, adoção do princípio da precaução e disponibilização de informações ao consumidor. Governança corporativa Relacionamento entre sócios, estrutura e gestão do conselho de administração, processos de auditoria e fiscalização, práticas relacionadas à conduta e a conflito de interesses. Econômico- financeira Políticas corporativas (normas e procedimentos internos), gestão (iniciativas e processos), desempenho (indicadores e metas) e cumprimento legal. Ambiental Social Mudança do clima Política corporativa, gestão, desempenho e nível de abertura das informações sobre o tema (quanto a empresa divulga ao mercado sobre as suas iniciativas e como mede a sua exposição a questões climáticas). Atenção! Para visualizaçãocompleta da tabela utilize a rolagem horizontal Tabela 2 - Dimensões do ISE. Fonte: B3, 2020. Além do ISE, a B3 também possui um índice que olha exclusivamente para as questões climáticas. É o índice carbono eficiente (ICO2), que compõe a sua carteira teórica a partir de um cálculo que usa como referência as emissões de gases de efeito estufa das empresas. Outros índices no mercado internacional possuem características distintas. Na bolsa de Londres, por exemplo, o FTSE4GOOD é um índice de sustentabilidade que avalia não somente as iniciativas das empresas, mas as classifica de acordo com o risco setorial em relação às questões de sustentabilidade (FTSE, 2013). É uma outra forma de olhar a materialidade, usada na composição de um índice. A Tabela 3 apresenta, como exemplo, a classificação de riscos ASG usada no Reino Unido. 3. Alto 2. Médio 1. Baixo Agricultura Construção Do It Yourself (DIY) Tecnologia de informação Transporte aéreo Equipamentos elétricos e eletrônicos Mídia Aeroportos Distribuição de energia e combustíveis Financiamento ao consumo Materiais de construção Engenharia e equipamentos pesados Investidores em propriedade Químicos e farmacêuticos Indústria financeira Pesquisa e desenvolvimento Construção Hotelaria, catering e facilities Atividades de lazer e esporte Engenharia de grandes sistemas Indústria manufatureira Serviços de suporte Cadeias de fastfood Portos Telecom Alimentos, bebidas e tabaco Impressão e publicação de jornais Distribuidores atacadistas Florestas, papel e celulose Incorporadoras Mineração e metais Varejistas Petróleo e gás Aluguel de veículos Geração de energia Transporte público Logística terrestre e marítima Supermercados Produção automobilística Gestão de resíduos Água Controle de pragas Atenção! Para visualizaçãocompleta da tabela utilize a rolagem horizontal Tabela 3 - Classificação de nível de impacto ASG do índice FTSE4Good. Fonte: FTSE, 2013, tradução livre. Os índices são uma alternativa para o desenvolvimento de produtos de investimento. Em todo o mundo, aumenta significativamente o número de investidores e o volume de recursos que adota o olhar para os riscos e oportunidades ASG, entre as suas práticas de investimento. Esses investimentos não acontecem somente no mercado de ações, e são adotados até mesmo por investidores globais na compra de títulos públicos, comparando as políticas públicas de sustentabilidade entre os países em que podem investir. ATENÇÃO É importante analisarmos esse mercado para entender os riscos, bem como as oportunidades de negóciosque surgem da integração ASG. A INDÚSTRIA DE INVESTIMENTOS RESPONSÁVEIS NO MUNDO Aqui, vamos dar um passo importante para entender não apenas o que são investimentos responsáveis, mas como investidores usam informações ASG para decidir em quais ativos investir. Embora falamos bastante sobre mercado de ações, estes processos de investimento podem valer para diferentes modalidades de investimento. Fonte: PopTika/Shutterstock À semelhança dos mercados tradicionais, cada investidor tem o seu jeito de escolher os ativos que compõem a sua carteira. Alguns mais conservadores, outros mais arriscados, com diferentes prazos e critérios de escolha. Isso vale para as questões ASG. Para entender como o mercado vem crescendo, é importante entender as diferentes estratégias de investimentos responsáveis (BUOSI, 2017). Assista ao vídeo e saiba mais sobre as estratégias de investimento sustentável. Em todo o mundo, crescem anualmente os recursos direcionados a essas estratégias de investimento. A Global Sustainable Investment Alliance (GSIA) aponta para um crescimento de 34% do volume de recursos que adotam estratégias de investimento responsáveis em regiões desenvolvidas, como apresentado na Tabela 4. Na mesma publicação, são apresentados aumentos expressivos nas estratégias de produtos temáticos (+269%), best in class (+125%), investimento de impacto (+79%) e integração (+69%), todas avaliadas entre os anos de 2016 e 2018. Região Ativos (em US$ bilhões) 2016 2018 Cresc. % Europa $12.040 $14.075 16,90% EUA $8.723 $11.995 37,51% Japão $474 $2.180 359,92% Canadá $1.086 $1.699 56,45% Austrália/ NZ $516 $734 42,25% TOTAL $22.839 $30.683 34,34% Atenção! Para visualizaçãocompleta da tabela utilize a rolagem horizontal Tabela 4 - Volume de ativos que adotam estratégias ASG. Fonte: GSIA, 2018. No Brasil, ainda temos poucas opções para os investidores que desejam direcionar seus recursos para a sustentabilidade. Na pesquisa da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (ANBIMA), os gestores dizem que as principais estratégias adotadas são o best in class, por 30%, e as exclusões, por cerca de 27% das instituições (ANBIMA, 2018). Para que a agenda avance no Brasil, assim como em outras regiões no mundo, é preciso que o mercado de investimento inove, tanto nos processos de análise como na criação de novos produtos de investimento. Como este é um assunto relativamente novo, a cooperação entre os vários agentes do mercado é fundamental. No mundo, diversos grupos de trabalho, iniciativas colaborativas e acordos voluntários debatem a agenda ASG, mas uma em especial é orientada para o mercado de investimentos: o PRI. OS PRINCÍPIOS PARA O INVESTIMENTO RESPONSÁVEL (PRI) O PRI foi uma iniciativa que já começou grande. Lançado oficialmente em 2006, na Bolsa de Valores de Nova Iorque, os princípios foram apoiados pelas Nações Unidas, na época representadas pelo secretário-geral Koffi Annan, e contaram com a organização de 20 dos maiores investidores globais. A ideia desses investidores foi lançar um conjunto de princípios voluntários, mas que trouxessem o compromisso dessas instituições com a agenda ASG. Os seis princípios falam da consideração de questões ASG na decisão de investimento, da influência na adoção de melhores práticas pelas empresas, do trabalho colaborativo entre investidores e da transparência ao mercado. Princípio 1 Incorporaremos as questões ASG às análises e aos processos de decisão de investimentos. Princípio Seremos proprietários ativos e incorporaremos os temas de ASG às 2 nossas políticas e práticas de detenção de ativos. Princípio 3 Buscaremos a transparência adequada nas entidades em que investimos quanto às questões ASG. Princípio 4 Promoveremos a aceitação de implementação dos princípios dentro da indústria de investimentos. Princípio 5 Trabalharemos em conjunto para ampliar a eficácia na implementação dos princípios. Princípio 6 Reportaremos nossas atividades e progresso em relação à implementação dos princípios. Atenção! Para visualizaçãocompleta da tabela utilize a rolagem horizontal Tabela 5 - Os princípios para o investimento responsável. Fonte: PRI, 2020a. PROPRIETÁRIOS DE ATIVOS Nesta categoria, em geral, estamos falando de grandes investidores institucionais, como fundos de pensão — públicos ou privados —, fundações, famílias com grandes fortunas e outras instituições que são detentoras de recursos de investimentos. GESTORES DE ATIVOS Nesta categoria, encaixam-se instituições especializadas na gestão de recursos de terceiros. Esses gestores podem, inclusive, administrar fundos ou produtos que recebam os recursos dos proprietários de ativos. Mas, também, podem criar produtos para o mercado de varejo, recebendo investimentos diretos de pessoas físicas, por exemplo. PRESTADORES DE SERVIÇOS FINANCEIROS Consultorias, agências de informação, bolsas de valores e outras instituições ligadas ao mercado de investimentos podem aderir ao PRI nesta categoria. E POR QUE O PRI É TÃO IMPORTANTE? Além de ter sido um dos primeiros acordos voltados para o setor financeiro, a força dos investidores institucionais que o apoiaram gerou um movimento positivo que ampliou rapidamente o número de signatários do acordo e o volume de recursos que passou a se comprometer com a agenda ASG. Em 2020, o PRI atingiu a marca de 3 mil signatários, que respondem por cerca de US$90 trilhões em ativos sob gestão. No mercado brasileiro, o PRI ganhou força desde o início do acordo. Tendo a Previ — fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil — como um dos 20 apoiadores iniciais, o Brasil foi o primeiro a estruturar uma rede local de signatários do PRI, em 2007. O modelo brasileiro espelhou a criação de nove outras redes locais, para que investidores possam considerar as particularidades de seus mercados no processo de debate e integração ASG. Atualmente, o Brasil possui 65 signatários do PRI. REGULAÇÃO: COMO O ASG SAIU DO VOLUNTÁRIO PARA O REGULATÓRIO Quando investidores trazem novos temas para a mesa, é natural que os reguladores queiram se informar sobre a situação. É assim com diversos temas, e com o ASG não foi diferente. No mundo todo, bancos centrais e comissões de valores mobiliários, os principais órgãos que regulam as operações financeiras, articulam-se para entender melhor a agenda ASG e trazê-la para os seus instrumentos de supervisão do sistema financeiro. Fonte: kan_chana/Shutterstock Um estudo das Nações Unidas afirma que as regulações do sistema financeiro que abordam as questões ASG dobraram entre 2013 e 2017 (UNEP-FI, 2018). O PRI, da mesma forma, observa um aumento expressivo destas regulações, orientado especificamente para o mercado de investimentos, como apresentado na Figura 4 a seguir: Figura 4 - Número cumulativo de intervenções regulatórias em relação às questões ASG. Fonte: PRI, 2020. A tendência de aumento da regulação sobre o tema não deve ser modificada nos próximos anos. Em diversas regiões, o debate já faz parte das agendas do setor público e, especialmente, do setor financeiro. Em 2017, foi estabelecida uma rede internacional de Bancos Centrais e Supervisores, a NGFS (da sigla em inglês Network for Greening the Financial System, ou Rede para um Sistema Financeiro mais Verde, em tradução livre). A iniciativa já conta com 54 membros dos cinco continentes, que representam mais de 57% do PIB Global. O Banco Central do Brasil aderiu ao NGFS em 2020. Uma vez que essas iniciativas se traduzam em novas regulações, aumentará o controle sobre os gestores de recursos e, esperamos, sobre as empresas investidas. Até este momento, a maior parte das regulações é orientativa, ou seja, indica de forma ampla e sem critérios específicos que os investidores devem atentar para os riscos ASG na sua estratégia de investimentos. A evolução dessa tendência é definir quais são os temas e indicadores a serem monitorados e reportados aos supervisorese ao mercado. No mercado local, existem algumas regulações no âmbito do Sistema Financeiro Nacional que devem ser destacadas: RESOLUÇÃO 4.327/2014 DO CONSELHO MONETÁRIO NACIONAL (CMN) É aplicável a todas as instituições que reportam ao Banco Central, desde os grandes bancos até cooperativas de crédito, bancos de investimento, corretoras de valores etc. É a principal regulação do Sistema Financeiro Nacional sobre o tema, traz a necessidade de as instituições possuírem uma Política de Responsabilidade Socioambiental (PRSA) e um sistema de gerenciamento do risco socioambiental. INSTRUÇÃO CVM 552 Orientada às companhias listadas na B3, coloca entre os itens a serem divulgados em seus documentos regulatórios, especialmente o formulário de referência, questões relacionadas aos riscos socioambientais das companhias, atendimento a regulação socioambiental e instrumentos usados para a divulgação de informações ASG ao mercado. RESOLUÇÃO 4.661/2018 DO CMN Orientada às entidades fechadas de previdência complementar (EFPC), ou fundos de pensão, como são conhecidos no mercado, a resolução orienta que, sempre que possível, as entidades observem as questões ASG em seus processos de investimento. INSTRUÇÃO 6/2018 DA PREVIC javascript:void(0) A superintendência nacional de previdência complementar, responsável pela supervisão das EFPC, emitiu, em complemento à Resolução 4.661/2018, uma instrução que orienta a adoção das questões ASG pelos fundos de pensão, sugerindo que estas adotem um olhar setorial para os riscos desta natureza. FORMULÁRIO DE REFERÊNCIA O formulário de referência é um documento de divulgação obrigatória, exigido pela comissão de valores mobiliários (CVM), no qual a empresa divulga as principais informações sobre suas práticas de gestão, resultados financeiros, fatores de risco, atendimento à regulação e outras políticas relevantes. O recado é claro: aos investidores que ainda não consideram os temas ASG de forma estratégica, a questão está, cada vez mais, migrando para uma agenda obrigatória. Antecipar a regulação costuma custar menos às instituições, que têm mais tempo para implementar estratégias, processos e controles. Além disso, quem já possui experiência no tema consegue, inclusive, debater com o regulador para dizer o que de fato funciona e o que torna inviável o processo de investimento. De qualquer forma, o processo parece ser cada vez mais inevitável. VERIFICANDO O APRENDIZADO 1. ASSINALE A ALTERNATIVA QUE APONTA O PRINCIPAL OBJETIVO DA ELABORAÇÃO DE UM ÍNDICE DE EMPRESAS SUSTENTÁVEIS: A) Criação de um fundo de empresas sustentáveis. B) A previsão de que um índice composto dessas empresas se valorizasse mais do que os índices tradicionais do mercado. C) A previsão de que um índice composto dessas empresas se valorizasse menos do que os tradicionais do mercado. D) O fato de servir apenas para pesquisas na área de sustentabilidade. 2. NO QUE CONSISTE A ESTRATÉGIA DE INVESTIMENTOS RESPONSÁVEIS DE IMPACTO? A) Consiste na avaliação da performance financeira e dos indicadores ASG. B) Consiste em utilizar o poder de acionista ou investidor institucional para influenciar boas práticas. C) Consiste em definir as melhores empresas do setor de sustentabilidade. D) Consiste em direcionar recursos exclusivamente para setores ou empresas sustentáveis. GABARITO 1. Assinale a alternativa que aponta o principal objetivo da elaboração de um índice de empresas sustentáveis: A alternativa "B " está correta. Destacamos que eles foram criados para indicar a valorização de empresas que respeitam as ASG. 2. No que consiste a estratégia de investimentos responsáveis de impacto? A alternativa "C " está correta. Existem diversas estratégias de desenvolvimento de investimento responsável. Uma delas é a estratégia de impacto, que envolve a avaliação não só da performance financeira, mas dos indicadores ASG — como emprego, renda e redução de emissões de GEE. MÓDULO 3 Definir caminhos possíveis para a integração da sustentabilidade nas decisões de investimentos, seus desafios e tendências TENDÊNCIAS DAS QUESTÕES ASG Embora tudo que dissemos até agora mostre que já avançamos no entendimento da sustentabilidade pelas empresas e pelos investidores, ainda há muito a ser feito. Este é um tema em constante evolução, influenciado pelo aumento do conhecimento científico e pelas mudanças da nossa sociedade. Com isso, surgem novos olhares para o ASG, que buscam orientar as políticas públicas, as práticas das empresas e, por consequência, as decisões financeiras. Alguns desses tópicos são explicados neste módulo, mas não concentram todo o debate em torno da sustentabilidade, que é muito mais complexo. OBJETIVOS DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL (ODS) Assista ao vídeo e conheça os objetivos do desenvolvimento sustentável. AS MUDANÇAS CLIMÁTICAS E A TCFD Entre todos os temas das questões ASG, as mudanças climáticas — sem dúvida — têm chamado mais atenção, especialmente no setor financeiro e em países desenvolvidos. Fonte: ParabolStudio/Shutterstock Podemos considerar algumas razões para isso. Em primeiro lugar, as economias desenvolvidas estão menos expostas às questões sociais que atingem outros países, como o Brasil, e, dessa forma, acabam direcionando suas atenções para as questões ambientais. Além disso, os efeitos das mudanças climáticas podem impactar severamente não apenas o meio ambiente, como a própria sociedade. Eventos climáticos, como furacões e enchentes, tendem a atingir mais regiões, impactando populações e gerando prejuízos à economia. O principal grupo de debate sobre as mudanças climáticas é o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, da sigla em inglês que significa Intergovernamental Pannel on Climate Change). Esse grupo de cientistas de todo o mundo realiza estudos para avaliar em que nível estamos em relação ao aumento médio de temperatura no planeta, quais as perspectivas para as próximas décadas e os efeitos adversos desse aumento. Quando falamos de um aumento médio de 2 oC de temperatura, podemos achar que é pouca coisa, certo? Mas vamos fazer um paralelo: o que acontece com o seu corpo se a sua temperatura aumentar em 2 oC? Você fica com febre. Agora, imagine se esse aumento for de 4 oC? Você precisa correr para o hospital! O mesmo ocorre com o nosso planeta. Os efeitos de um aumento de temperatura média, ainda que pequeno, podem ser desastrosos para muitos países. Para entender como esses riscos podem impactar a economia, o Financial Stability Board (FSB), responsável pela regulação do sistema financeiro internacional, criou uma força-tarefa para desenvolver recomendações para empresas e para o setor financeiro avaliarem e divulgarem os seus riscos climáticos. Fonte: Piotr Swat/Shutterstock A Força-Tarefa para Divulgações Financeiras Relacionadas às Mudanças Climáticas vem da sigla TCFD, em inglês, que significa Task-Force for Climate-related Financial Disclosures. No mercado, a TCFD é chamada apenas pela sigla. A importância da TCFD foi levar para o setor financeiro um conjunto de recomendações que permitem às empresas avaliarem sua exposição aos riscos climáticos, mas também identificarem oportunidades de negócios relacionadas ao tema. As recomendações se organizam em 4 dimensões: a governança das instituições, ou seja, como as lideranças estão olhando para as questões climáticas; a forma como os impactos reais são considerados na estratégia; os processos de análise e gestão de riscos climáticos; e as métricas e metas estabelecidas para a redução da exposição a estes riscos (TCFD, 2020). Figura 6 - Riscos, oportunidades e impactos financeiros relacionados às mudanças climáticas. Fonte: TCFD, 2020. Como podemos observar na Figura 6, a TCFD esclarece os potenciais riscos e as oportunidades que advêm da preocupação com a questão climática. Com isso, bancos, investidores e seguradoras podem analisar mais detalhadamente esses riscos em suas operaçõesfinanceiras. A partir das recomendações da TCFD, muitos investidores passaram a fazer análises dos possíveis prejuízos que suas empresas investidas teriam com o aumento dos impactos das mudanças climáticas, por exemplo. O tema tomou uma proporção tão grande que, hoje, até mesmo os bancos centrais já estudam uma forma de inserir essa agenda nas suas próximas regulações. OS DESAFIOS DA SUSTENTABILIDADE E COMO ENFRENTÁ-LOS Afinal, se tudo que apresentamos é tão importante, por que ainda temos tanta polêmica quando falamos em sustentabilidade? Por que governos, empresas e instituições financeiras ainda têm dúvidas sobre a relevância deste tema? Podemos começar pelo fato de que é difícil medir a sustentabilidade. Especialmente em um modelo econômico tradicional, em que tudo é medido e priorizado pelo seu impacto na forma de cálculos, essas questões ainda são um pouco abstratas para os líderes empresariais e financeiros. Conforme avançamos no debate, vamos desenvolvendo conhecimento, fazendo contas e chegando aos resultados que ajudam a convencer essas lideranças, mas ainda estamos trilhando esse caminho. COMENTÁRIO Outra dificuldade é que este não é um tema para o qual podemos prescrever uma receita única, que se aplique a todos os setores e empresas. A sustentabilidade exige uma reflexão para encontrar a materialidade e os riscos específicos de cada organização, o que é mais complicado quando ainda não existe tanto conhecimento sobre o tema. Além do desafio em estabelecer essa materialidade, temos que considerar também que os investidores precisam tomar decisões que exigem que os dados e informações analisados sejam comparáveis. Nas demonstrações financeiras, isso ocorre com alguma facilidade, mas este não é o caso das informações ASG. Indicadores não são padronizados e não existe uma regulação específica que diga exatamente o que as empresas devem informar sobre suas iniciativas e resultados nas questões de sustentabilidade. Alguns movimentos tentam endereçar esses desafios e já promovem bons avanços. É o caso das iniciativas de relatórios de sustentabilidade, que criam padrões para apoiar as empresas nessa divulgação. Fonte: Stokkete/Shutterstock Os próprios reguladores têm se articulado para aumentar a padronização de dados ASG nas empresas, facilitando a vida de analistas e gestores de investimentos. O fundamental é ter consciência de que este é um caminho sem volta. Para atingirmos patamares mais sustentáveis em nossa sociedade, precisamos, em primeiro lugar, nos informar sobre este tema e debater a respeito nas universidades, empresas e no setor financeiro. Os impactos da sustentabilidade não ocorrem em outro lugar, distantes de nós. É uma discussão que nos envolve diretamente e precisa da colaboração de todos para mudarmos o tom dessa conversa. Ainda há muito caminho a ser percorrido, mas estamos na direção está correta. Precisamos apenas aumentar a velocidade, e isso se faz com conhecimento e colaboração. VERIFICANDO O APRENDIZADO 1. ENTRE TODOS OS TEMAS DAS QUESTÕES ASG, QUAL ASPECTO TEM SIDO MAIS DEBATIDO E CHAMADO MAIS A ATENÇÃO DE GOVERNOS E INVESTIDORES DOS PAÍSES DESENVOLVIDOS NOS ÚLTIMOS ANOS? A) O aspecto ambiental. B) O aspecto social. C) O aspecto de governança corporativa. D) O aspecto das grandes empresas. 2. QUAL DESSAS DIFICULDADES NÃO ESTÁ ASSOCIADA AOS DESAFIOS DA SUSTENTABILIDADE? A) A sustentabilidade é difícil de ser medida. B) Não há uma forma única de dimensionar a sustentabilidade. C) É difícil comparar políticas sustentáveis. D) A sustentabilidade depende do ponto de vista. GABARITO 1. Entre todos os temas das questões ASG, qual aspecto tem sido mais debatido e chamado mais a atenção de governos e investidores dos países desenvolvidos nos últimos anos? A alternativa "A " está correta. Conforme falamos, o aspecto ambiental chama mais a atenção de diferentes atores, pois, entre outros fatores, países desenvolvidos apresentam questões sociais menos urgentes, de modo que podem focar em políticas ambientais. 2. Qual dessas dificuldades NÃO está associada aos desafios da sustentabilidade? A alternativa "D " está correta. Durante o tema, estabelecemos que as principais dificuldades enfrentadas pelos defensores de uma agenda sustentável concernem à medição e à comparação de medidas. CONCLUSÃO CONSIDERAÇÕES FINAIS Neste tema, trouxemos o debate das questões ambientais, sociais e de governança corporativa (ASG). No primeiro módulo, destacamos como ocorreu a evolução da sustentabilidade como a conhecemos hoje e definimos os investimentos responsáveis. Com isso, trouxemos uma visão ampla sobre a relação entre finanças e sustentabilidade. No segundo módulo, abordamos os diferentes índices de sustentabilidade e das suas principais funções, e falamos sobre a importância do papel regulatório para o setor. Por fim, trouxemos os principais desafios e tendências das questões ASG, adequando o debate aos dias atuais. Esperamos que você tenha compreendido a importância de aprofundarmos o debate de sustentabilidade, baseados nos aspectos econômicos e financeiros que regem as economias dos países contemporâneos. AVALIAÇÃO DO TEMA: REFERÊNCIAS ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DAS ENTIDADES DOS MERCADOS FINANCEIROS E DE CAPITAIS – ANBIMA. 2ª Pesquisa de sustentabilidade: engajamento de questões ambientais, sociais e de governança na análise de investimento de gestores de recursos. São Paulo: ANBIMA, 2018. B3. ISE: processo de seleção. Consultado em meio eletrônico em: 5 jul. 2020. BUOSI, M. E. Integração ASG (questões ambientais, sociais e de governança) à análise de investimentos. In: COMISSÃO de Valores – CVM & Associação de Analistas e Profissionais de Investimentos no Mercado de Capitais ‒ APIMEC. Livro TOP análise de investimentos. Rio de Janeiro: CVM, 2017. CISL. Rewiring the economy. Cambridge: University of Cambridge Institute for Sustainable Leadership, 2015. ECCLES, R. G. et al. The impact of a corporate culture of sustainability on corporate behavior and performance. Working Paper, Harvard Business School, 2011. EMPRESA BRASILEIRA DE PESQUISA AGROPECUÁRIA – EMBRAPA. Aquecimento global e a nova geografia da produção agrícola no Brasil. São Paulo: Cepagri/Unicamp, 2008. ERNEST & YOUNG ‒ EY. Does your nonfinancial reporting tell your value creation story? 2018. FINANCIAL TIMES STOCK EXCHANGE SUSTAINABILITY INDEX – FTSE4GOOD. FTSE4Good index inclusion criteria: thematic criteria and scoring Framework. FTSE, 2013. GLOBAL SUSTAINABLE INVESTMENT ALLIANCE – GSIA. Global Sustainable Investment Review, 2018. INSTITUTO BRASILEIRO DE GOVERNANÇA CORPORATIVA ‒ IBGC. Código de melhores práticas de governança corporativa. 5. ed. São Paulo: IBGC, 2015. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS – ONU. 17 Objetivos para Transformar Nosso Mundo, 2020. Consultado em meio eletrônico em: 6 jul. 2020. PENTEADO, H. Ecoeconomia — uma nova abordagem. São Paulo: Lazuli, 2010. PRINCIPLES FOR RESPONSIBLE INVESTMENT – PRI. What is responsible investment? 2020a. Consultado em meio eletrônico em: 5 jul. 2020. PRINCIPLES FOR RESPONSIBLE INVESTMENT – PRI. What are the principles for responsible investment? 2020b. Consultado em meio eletrônico em: 5 jul. 2020. TASK-FORCE FOR CLIMATE-RELATED FINANCIAL DISCLOSURE – TCFD. Recomendações da força-tarefa para divulgações financeiras relacionadas às mudanças climáticas. Tradução das recomendações internacionais, Brasil, 2020. THE CENTRAL BANKS AND SUPERVISORS NETWORK FOR GREENING THE FINANCIAL SYSTEM – NGFS. In: NGFS Annual Report 2019, 2020. UNITED NATIONS. Our common future. Genebra: United Nations, 1987. UNITED NATIONS ENVIROMENTAL PROGRAM-FINANCIAL INITIATIVE – UNEP-FI. Making waves: aligning the financial system with sustainable development. Genebra: UNEP-FI, 2018a. UNITED NATIONS ENVIROMENTAL PROGRAM-FINANCIAL INITIATIVE – UNEP-FI.. Rethinking Impact to Finance the SGDs. Genebra: UNEP-FI, 2018b. EXPLORE+ Acesse o site do Pacto Global – Rede Brasil,para se aprofundar ainda mais sobre as questões discutidas. Pesquise sobre os princípios para o investimento responsável, no site da associação. Pesquise na Internet artigos sobre a iniciativa econômica voltada para o meio ambiente. CONTEUDISTA Maria Eugênia dos Santos Buosi CURRÍCULO LATTES javascript:void(0); DESCRIÇÃO A fundamentação histórica dos Direitos Humanos e sua estruturação e efetivação no cenário nacional e internacional. PROPÓSITO Compreender o que são os Direitos Humanos e quais são seus objetivos para uma formação profissional plena que respeita os indivíduos permitirá que sua atuação contribua para a manutenção do bem-estar social. PREPARAÇÃO Para esse módulo, o uso de um dicionário jurídico facilitará o entendimento de termos específico da área. OBJETIVOS MÓDULO 1 Reconhecer as características e a evolução dos Direitos Humanos MÓDULO 2 Identificar os argumentos teóricos e as críticas aos Direitos Humanos MÓDULO 3 Contrastar a diversidade das culturas aos Direitos Humanos MÓDULO 4 Analisar a estruturação dos Direitos Humanos no Brasil INTRODUÇÃO Os Direitos Humanos são um conjunto de direitos considerados essenciais para que qualquer ser humano, independentemente de sua condição, origem, seu credo, sua raça ou orientação política, viva com dignidade. A existência desse conjunto é de conhecimento geral e não é raro vermos referências aos Direitos Humanos em reportagens ou conversas cotidianas. No entanto, ainda não são compreendidos pelas pessoas. Poucos entendem o que eles representam realmente e o que procuram fazer. Diversas informações equivocadas sobre o assunto circulam e, muitas vezes, a mensagem tem distorções propositais para questionar a importância dos Direitos Humanos e fazer que eles sejam negados a um determinado grupo de pessoas. A Ciência prega que um profissional entenda do assunto para além do senso comum e que tenha o conhecimento suficiente para utilizar de forma correta a informação. Este conteúdo tem o objetivo de propor um debate sobre os Direitos Humanos, dividindo o assunto em quatro módulos, que abordarão a construção ética e histórica do conceito, procurando definir quais são esses direitos e como eles foram moldados; as críticas e atualizações sobre seus preceitos básicos; a discussão sobre seu caráter universal e a necessidade de que ele atenda a diferentes grupos; sua formação jurídica e, finalmente, seu desenvolvimento no Brasil. Com esse debate, poderemos compreender seus fundamentos, suas críticas e sua funcionalidade no Brasil e no mundo. GLOSSÁRIO Vamos conceituar alguns termos que serão abordados ao longo do tema. MÓDULO 1 Reconhecer as características e a evolução dos Direitos Humanos CONSTRUÇÃO ÉTICA E HISTÓRICA DOS DIREITOS HUMANOS Imagem: Shutterstock.com Direitos Humanos são direitos básicos que devem ser garantidos a todo ser humano independentemente de sua condição. O significado parece simples, mas definir o que são condições mínimas para que qualquer ser humano, em qualquer lugar do planeta, viva de forma digna é uma tarefa complexa, mais ainda se pensarmos que essas condições se modificam ao longo do tempo. Geralmente, quando falamos desse assunto, nos referimos aos Direitos Humanos criados recentemente pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, escrita em 1948, pela Organização das Nações Unidas, popularmente conhecida como ONU. ATENÇÃO Não se pode ignorar que, antes dessa declaração ser escrita, existiu um longo caminho de construção de direitos básicos, com interesses que se modificam com o passar do tempo. Para compreendermos o que são os Direitos Humanos, no século XXI, precisamos observar o desenvolvimento das necessidades dos seres humanos ao longo do tempo e as lutas que foram travadas para desenvolver esse conceito. É certo que, se observarmos cada sociedade, desde os primeiros povos, veremos que cada um teve as suas urgências e que, em alguns momentos, foi preciso estabelecer um conjunto de leis, de regras ou de ideias para garantir o mínimo de dignidade e condições de sobrevivência para todos. Ao longo do tempo, as guerras aconteceram e deixaram alguns grupos mais interessados em garantir a sua integridade do que outros, tecnologias foram sendo criadas e vistas como fundamentais para uma condição digna de vida. À medida em que o tempo passa e fatos acontecem, outras dificuldades aparecerão e nos farão repensar o que consideramos essencial para viver. EXEMPLO Após a pandemia de coronavírus, é possível que o acesso universal à vacinação seja muito mais valorizado como um direito básico e reivindicado do que em outros tempos. CADA ÉPOCA TEM SUAS NECESSIDADES BÁSICAS, QUE SURGEM EM UM DETERMINADO CONTEXTO. PRIMEIRAS DECLARAÇÕES DE DIREITOS As primeiras referências ao termo Direitos Humanos datam dos séculos XVII e XVIII, na Europa Ocidental, quando se vivia a chamada crise do absolutismo, ou seja, no momento em que a ideia de um governante soberano com todos os direitos concentrados em suas mãos perdia força. SAIBA MAIS A historiadora Lynn Hunt afirma que, em um primeiro momento, a expressão não tinha o mesmo conteúdo político e legal que conhecemos atualmente e que, naquele tempo, “direitos humanos” era uma expressão usada apenas como um contraponto aos direitos divinos. (HUNT, 2009) Sobre o assunto, o filósofo Norberto Bobbio afirmou que esse período pode ser conhecido também como “era dos direitos”, pois foi naquele tempo que as ideias dos filósofos do Iluminismo inspiraram os liberais a lutarem contra os absolutistas, criando um “Estado de direito”, ou seja, um Estado que tinha sua organização determinada pelo uso das leis (BOBBIO, 1992). ILUMINISMO Movimento intelectual do século XVIII que questionou os princípios políticos e religiosos da época. Ainda segundo Hunt, foi o Iluminismo que materializou a noção de direitos básicos para todos, principalmente por meio de dois documentos que vamos analisar a partir de agora: a Declaração de javascript:void(0) Independência, dos Estados Unidos; e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, escrita durante a Revolução Francesa. DECLARAÇÃO DE INDEPENDÊNCIA DOS ESTADOS UNIDOS Esse documento foi resultado da insatisfação dos estadunidenses, naquele momento conhecidos como as Treze Colônias Inglesas da América, com a metrópole Inglaterra. Na época, os colonos viviam com uma relativa independência política e econômica até que foram convocados pela Inglaterra a se envolver numa guerra contra os franceses, a Guerra dos Sete Anos. Mesmo indo à batalha e garantindo a vitória inglesa no conflito, os americanos se viram, ao final da Guerra dos Sete Anos, obrigados a pagar dívidas inglesas e a obedecer a ordens autoritárias da metrópole. Insatisfeitos, os colonos se reuniram e escreveram uma carta ao rei e ao parlamento inglês em que declaravam sua fidelidade à Inglaterra, mas reclamavam das medidas adotadas. A carta não teve a resposta esperada e, em 1776, os colonos americanos voltaram a se reunir no Segundo Congresso da Filadélfia, onde redigiram a Declaração de Independência, na qual informavam à metrópole os motivos pelos quais os colonos estavam rompendo com a Inglaterra e não fariam mais parte do reino inglês. Imagem: Independence Hall/ Wikimedia Commons/ Domínio Público. O congresso votando pela independência. Essa declaração americana anuncia que todos os homens são criados iguais por Deus e que recebem Dele direitos que não lhes deveriam ser retirados: a vida, a liberdade e a busca da felicidade. Esses direitos são vistos pelos autores do documento como verdades “autoevidentes”, ou seja, direitos que são natos a todos os seres humanos e que, caso não sejam respeitados pelo governo, o povo tem o direito e o dever de substituir o governante ou de mudar as regras da política até que possa ser possível desfrutar dos direitos com segurança. O que podemos entender a partir dessa declaração é que a finalidade do documento não era estabelecerdireitos básicos, até porque eles são autoevidentes e estariam naturalmente disponíveis em uma nação justa, mas que esses direitos são citados para argumentar a necessidade de rompimento com a metrópole pela falta de respeito a eles, criando as bases da nova nação que iria surgir. Com isso, a declaração demonstrou as intenções daquele momento, mas ainda não estava tornando oficiais esses direitos, isso só iria acontecer posteriormente, em 1787, quando foi assinada a Constituição dos Estados Unidos. Neste novo documento, nota-se que alguns daqueles direitos autoevidentes não foram respeitados: as leis estadunidenses, por exemplo, permitiam que a escravidão permanecesse legal nos Estados Unidos, recusando-se aos trabalhadores escravizados ao menos dois dos três direitos básicos apresentados na Declaração de Independência, como a liberdade e a busca pela felicidade. Imagem: explorepahistory/ Wikimedia Commons/ Domínio Público. Pintura mostrando o massacre de Wyoming por militantes lealistas e indígenas contra cidadãos americanos da fronteira, Alonzo Chappel, 1778. DECLARAÇÃO DOS DIREITOS DO HOMEM E DO CIDADÃO Esse documento também foi resultado de um conflito que teve início com a insatisfação do povo com o seu governante. Dessa vez, o descontentamento era dos franceses com o rei absolutista Luís XVI. Após o envolvimento da França para apoiar os americanos na Guerra de Independência dos Estados Unidos, o monarca francês tentou controlar uma crise econômica aumentando os impostos cobrados da população, mas manteve as classes privilegiadas isentas de contribuição. Inspirados também pelos valores iluministas, o povo se rebelou e se proclamou, em Assembleia Nacional, para subordinar o rei a uma constituição. Assistindo as movimentações nas ruas e sem conseguir controlar a situação, o rei reconheceu a legitimidade da Assembleia e orientou que os grupos privilegiados também fossem cobrados. Em 1789, com todas as classes reunidas, a Assembleia francesa aprovou a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. Imagem: Grands Salles des Menus-Plaisirs em Versalhes/Wikimedia Commons/ Domínio Público. Abertura da Assembleia dos Estados Gerais, Isidore-Stanislaus Helman e Charles Monnet, 1789. O documento francês defendeu que a ignorância, a negligência ou o menosprezo aos direitos dos homens eram a razão da difícil situação em que o povo se encontrava e que, para mudar a situação, era necessário defender de forma solene os direitos considerados naturais, inalienáveis e sagrados do homem. ATENÇÃO Aqui, podemos observar que, apesar de acreditar que existem direitos que são naturais aos homens, diferentemente da ideia americana, eles não são evidentes por si só e precisam ser ditos e defendidos. Como confirmação, podemos indicar o primeiro direito da declaração francesa, que afirma que os homens não só nascem, como devem permanecer livres e iguais, ou seja, não é uma condição provisória que pode ser retirada em algum momento, mas inerente ao ser humano. Se compararmos as duas declarações, vamos encontrar outras diferenças importantes. Imagem: Shutterstock.com DECLARAÇÃO FRANCESA Foi escrita para listar e defender os direitos considerados essenciais. Documento legal escrito por uma Assembleia reconhecida pelo Estado, base da Constituição que seria aprovada posteriormente e que repercutiu em direitos legais que tiveram atuação real. Imagem: Shutterstock.com DECLARAÇÃO AMERICANA Apontou para a existência de alguns direitos básicos para defender um outro propósito, a independência. Documento no qual um comitê, representando as Treze Colônias, localizadas na América do Norte, foi nomeado pelo Congresso para redigir a declaração. Essas duas declarações alimentaram o início de um debate sobre os Direitos Humanos e serviram de exemplo durante todo o século XIX para a criação de novos regimes políticos, incentivando os processos de independência das colônias americanas, criando um novo mundo. DECLARAÇÃO UNIVERSAL DE DIREITOS HUMANOS No século XX, os valores do mundo se transformaram mais uma vez, agora não por meio de processos revolucionários, mas por duas conhecidas guerras que se iniciaram na Europa, envolveram países de todos os continentes e deixaram um rastro de barbárie e mortes. Foto: Everett Collection / Shutterstock.com Primeira Guerra Mundial – Batalha de Verdun (abril – junho, 1916). Vamos acompanhar como as duas guerras mundiais influenciaram a criação dos direitos humanos como existem atualmente e como essa declaração foi criada. PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL Em janeiro de 1919, pouco depois de acabar a Primeira Guerra Mundial, as nações vitoriosas se reuniram na Conferência de Paz de Paris e assinaram o Tratado de Versalhes que, entre outras decisões, criou a Liga das Nações, um órgão internacional que tinha como objetivo interceder pela paz. SEGUNDA GUERRA MUNDIAL Apesar dos esforços dessa organização, poucos anos depois, ou como descreve a Carta das Nações Unidas “no espaço de uma vida humana”, um novo conflito de proporções ainda maiores viria acontecer, a Segunda Guerra Mundial. O mundo se chocou ao viver o horror do uso de novas tecnologias de guerra, de campos de concentração e de extermínio em massa, pelos dois lados do conflito. Assim como na Primeira, no final desta Guerra, em 1945, os países vitoriosos se reuniram e assinaram acordos para restabelecer a paz no mundo. Entre as decisões tomadas, criou-se uma organização internacional neutra para substituir a Liga das Nações, a chamada Organização das Nações Unidas (ONU). O objetivo desse novo órgão foi descrito na Carta das Nações Unidas, produzida e assinada na cidade de São Francisco, nos Estados Unidos, ainda no ano de 1945. Nesse documento, determina-se que a ONU representa um pacto entre as nações que devem se observar e procurar juntas mediar as ações e decisões tomadas por todos, a fim de “preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra” e reafirmar a “fé nos direitos fundamentais do homem e no valor da pessoa humana; na igualdade de direitos dos homens e das mulheres, assim como das nações, grandes e pequenas”. Também eram objetivos desse documento manter a justiça, o respeito, promover o progresso social, melhores condições de vida e a liberdade. Para alcançar esses objetivos, três anos depois, em 1948, a ONU produziu a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Imagem: Clam15/Wikimedia Commons/ Domínio Público. A ONU em 1945. Em azul claro, os membros fundadores. Em azul escuro, os protetorados e territórios dos membros fundadores. A Assembleia Geral da ONU desejava que essa Declaração fosse um ideal comum a ser buscado por todos os povos e nações e anunciou trinta artigos que compreendem direitos como a proteção e segurança pessoal, a abominação à escravatura ou servidão, à tortura, ao reconhecimento de todos os indivíduos como seres jurídicos, ao casamento e ao fim dele, ao trabalho e ao repouso, entre outros. Esse documento tornou-se extremamente importante na busca pelos direitos básicos, pois ele não foi um documento regional, como as declarações americana e francesa, mas um tratado internacional, que trabalhou e ainda atua para que esses direitos estejam mais perto de todos os seres humanos. Nela são reconhecidos como direitos inalienáveis a liberdade, a justiça e a paz e é criado um conceito importante para envolver todos os seres humanos em um patamar de igualdade, a ideia de que todos fazemos parte de uma mesma família, a família humana. Essa ideia declara que não há diferença entre os seres humanos, pois todos os indivíduos são parentes e têm a mesma origem, trazendo um sentimento de afeto para reforçar que devemos respeitar o próximo e ter empatia por ele. Foto: Neptuul/Wikimedia Commons/ CC BY 3.0. Nobel da Paz de 2001 – diploma na entrada da Sede da ONU em Nova York. SAIBA MAIS A Declaração das Nações Unidas de 1948 é o maior documento legal de direitos humanos produzidoe, para chegar a todos os seres humanos, essa declaração se tornou o texto mais traduzido no mundo. Com sua grande tradução para vários idiomas e com um grande esforço de circulação, a declaração foi e é analisada e estudada intensivamente por juristas de todas as nacionalidades, que identificam três características que se tornam seus três pilares fundamentais. PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DOS DIREITOS HUMANOS Foto: Shutterstock.com UNIVERSALIDADE A primeira característica desses direitos é que eles são universais, como indica o próprio nome. Isso significa dizer que eles devem estar disponíveis ao acesso de todos os membros da família humana igualmente, não podendo ser restringidos a ninguém. Por essa condição, se alguém não puder gozar de algum desses direitos, todos os demais membros da família humana estão ameaçados, pois eles não estão em pleno funcionamento. Assim, não é permitido que algum direito seja aplicado a apenas uma pessoa ou grupo. EXEMPLO Vamos pensar no direito à liberdade: se em algum lugar do mundo for permitido que algum ser humano seja submetido a condições de trabalho escravo, isso significa que todos os outros seres humanos correm o mesmo risco. Se vale para um, vale para todos. INTERDEPENDÊNCIA Outra característica é que esses direitos são interdependentes, ou seja, um direito complementa o outro, a existência de um está condicionada à existência de todos os demais. Aqui entendemos que nenhum direito é mais importante do que os demais. Eles se apoiam, como em um castelo de cartas. Se um for ameaçado, todo o conjunto pode ruir. EXEMPLO Se alguém estiver passando fome, ou seja, se tiver o seu direito de ter uma alimentação adequada ameaçado, é possível que essa pessoa não consiga exercer a seu direito à liberdade, pois a essa pessoa nada mais interessará, e todos os seus esforços estarão focados em alimentar-se, e ela pode acabar aceitando qualquer condição imposta. Sua liberdade dependerá do acesso à alimentação. Assim, podemos dizer que um direito só funciona se o outro também funcionar. INDIVISIBILIDADE A última característica é a indivisibilidade, que significa que não pode haver uma divisão desses direitos em categorias. É preciso entender e respeitá-los como um todo, enxergando que os direitos individuais, políticos, sociais e econômicos interagem e não podem ser afastados uns dos outros. EXEMPLO Não é possível que uma nação mova esforços para garantir apenas os direitos políticos da sua população sem garantir os direitos individuais dela, pois esses dois direitos não estão separados. Vamos pensar nos primeiros anos da República no Brasil, no final do século XIX e o início do século XX. Naquele momento, novos direitos políticos foram criados, permitindo que alguns homens votassem e escolhessem seus governantes. No entanto não foram criadas condições para que o direito individual fosse respeitado e, assim, esses eleitores eram ameaçados para que o voto fosse dado a um candidato específico. AMEAÇADOS A essa prática de manipulação eleitoral demos o nome de voto de cabresto. Aqui entendemos que o direito político e o direito individual não estão divididos e separados, ou seja, um direito não existe sem o outro. javascript:void(0) FASES DOS DIREITOS HUMANOS Agora, destacaremos os principais eventos que marcaram os Direitos Humanos. Ao acompanhar a trajetória dos Direitos Humanos, entendemos que seus objetivos e suas características foram construídas ao longo do tempo. PRIMEIRA GERAÇÃO As declarações americana e francesa integram a primeira geração, que buscou a liberdade ao rejeitar o controle do Estado absolutista e procurar limitar poderes autoritários, já que esses interferiam diretamente no livre arbítrio de decisões individuais. SEGUNDA GERAÇÃO A segunda geração, no século XX, com as declarações e os tratados internacionais das Nações Unidas, reafirmou a liberdade da primeira geração e buscou a igualdade, criando a ideia de família humana, em que todos os seres humanos foram postos no mesmo patamar. TERCEIRA GERAÇÃO A partir dos anos de 1960, a última geração avançou sobre os direitos coletivos e difusos, ou seja, os direitos que representam os indivíduos, mas que são do interesse de todos e que só podem ser exigidos por todos juntos. Enfatizou-se a defesa de interesses como a preservação do meio ambiente, o direito à paz e o compartilhamento de conhecimento, tecnologia e cultura. Para entendermos melhor, vamos observar o exemplo da preservação da Floresta Amazônica, que é uma preocupação coletiva e só pode ser exigida em nome de todos. Para concluir, podemos entender que a questão dos direitos demanda atualização e esforço por sua manutenção. Apesar da intenção de colaborar com a criação de direitos básicos, nenhuma das três declarações citadas teve valor constitucional, isto é, nenhuma teve valor de lei, foi capaz de garantir os direitos universais ou de impedir regressos. SAIBA MAIS Pouco depois da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, a França voltou a ter um rei no poder e depois da produção da Declaração dos Direitos Humanos, o mundo voltou a vivenciar diversas guerras, genocídios e ditaduras. Entendemos que esses direitos não são garantias, e, sim, um trabalho em progresso. Por isso, precisamos estar sempre vigilantes para não retrocedermos em nenhuma conquista. VERIFICANDO O APRENDIZADO 1. AO ACOMPANHAR A HISTÓRIA DAS DECLARAÇÕES DE DIREITOS PRODUZIDAS AO LONGO DO TEMPO COMPREENDEMOS QUE: A) A Declaração de Direitos Humanos da ONU superou todas as demais declarações, pois todos os direitos defendidos eram inéditos na história. B) O conjunto de Direitos Humanos que compreendemos atualmente é fruto de uma construção histórica que se expandiu por vários países e está em constante evolução. C) As declarações dos Direitos Humanos são documentos criados espontaneamente por cada sociedade quando seus regimes estão estáveis e maduros. D) As declarações de direitos ganharam visibilidade mundial, pois conseguiram transformar as necessidades do povo em leis universais. E) A Declaração de Independência foi uma vitória dos americanos, pois, a partir do seu processo de independência, teve início o poder americano no mundo. 2. OS DIREITOS HUMANOS POSSUEM ALGUMAS CARACTERÍSTICAS QUE OS AJUDAM A SE FORTALECER E SER GARANTIDOS POR UM TODO. SOBRE ESSAS CARACTERÍSTICAS, É CORRETO AFIRMAR QUE: A) Todos os direitos são independentes, ou seja, cada um tem sua importância e são debatidos isolados. B) Todos os direitos são indiscutíveis, ou seja, sua importância é tão grande que eles deveriam ser compreendidos por si só. C) Todos os direitos são capacitistas, ou seja, determinam que os seres humanos devem ser exaltados pelas suas melhores habilidades. D) Todos os direitos são indivisíveis, ou seja, precisam ser respeitados como um todo. E) Todos os direitos são jurídicos, a serem discutidos em espaços das leis, sem foco social. GABARITO 1. Ao acompanhar a história das declarações de direitos produzidas ao longo do tempo compreendemos que: A alternativa "B " está correta. A Declaração Universal de Direitos Humanos da ONU reuniu alguns direitos que já haviam sido debatidos em outras declarações com o objetivo de defender todos os integrantes da família humana. 2. Os Direitos Humanos possuem algumas características que os ajudam a se fortalecer e ser garantidos por um todo. Sobre essas características, é correto afirmar que: A alternativa "D " está correta. Os direitos são indivisíveis, pois nenhum é mais importante que o outro ou pode ser interpretado sozinho. MÓDULO 2 Identificar os argumentos teóricos e as críticas aos Direitos Humanos FUNDAMENTAÇÃO E RECONSTRUÇÃO DE DIREITOS HUMANOS Foto: Shutterstock.com Ao acompanhar a trajetória dos Direitos Humanos, entendemos que eles são frutos de um processo histórico que combinou ideias, pensamentos e necessidades de muitos momentos e grupos. Atualmente, rejeitamos as ideias de umrei com todo o poder concentrado em suas mãos e de uma sociedade que define nosso lugar social desde o nascimento sem chances de definirmos nossas próprias vidas, mas nem sempre foi assim. Para que direitos como a limitação de poder e o princípio de igualdade se efetivassem como tratados ou leis, foi preciso construir uma grande argumentação teórica baseada em tradicionais correntes jurídicas filosóficas. Para entender a sustentação teórica dos Direitos Humanos, vamos analisar essas correntes e entender sua argumentação e suas críticas. Os Direitos Humanos podem ser justificados por, pelo menos, três correntes filosóficas: jusnaturalista, positivista e moral. JUSNATURALISMO No jusnaturalismo, o direito é visto como algo intrínseco e natural ao ser humano e às leis, como resultados desse pensamento, funcionando antes mesmo de serem legalizadas pelas constituições ou pelo Estado. Na Antiguidade, os direitos jusnaturalistas foram interpretados como direitos de origem divina e, posteriormente, na Modernidade, foram entendidos pelo uso da razão humana e vistos como direitos naturais. Segundo essa corrente, eles existem, pois haveria uma demanda natural da sociedade por certos princípios, sendo os direitos uma consequência natural da organização dos homens e mulheres, existindo independentemente de qualquer constituição ou diploma legal. EXEMPLO Para compreensão do pensamento jusnatural temos o direito à vida. Os jusnaturalistas acreditavam que se as pessoas têm naturalmente a ideia de que tirar a vida de outro ser humano é um ato injusto, seria desnecessário uma lei para impedir que as pessoas se matem. ATENÇÃO O uso do argumento jusnatural para defender os Direitos Humanos, no entanto, sofre uma crítica, pois, acompanhando o seu desenvolvimento histórico, entende-se que os Direitos Humanos não são pré- existentes ou uma necessidade natural da vida em sociedade. Como nos mostra a história, os Direitos Humanos seriam fruto da evolução, da necessidade e do entendimento de um grupo. Na crítica ao fundamento jusnaturalista, podemos ressaltar o questionamento feito pela professora Lynn Hunt sobre a natureza “autoevidente”, definida pela Declaração de Independência dos Estados Unidos; se esses são direitos tão óbvios por que eles precisam ser reafirmados de tempos em tempos? Foto: Shutterstock.com POSITIVISMO A corrente jurídica do positivismo entende que os direitos não são elementos naturais numa sociedade. Eles seriam o resultado de discussões e entendimentos do Estado, que decide pela oficialização e pela legalização de uma certa norma. Segundo essa corrente, o direito só existe por determinação legal, ou seja, os Direitos Humanos só passam a existir quando são institucionalizados e recebem o reconhecimento em forma de lei, em constituições ou em tratados internacionais. Para os positivistas não existem direitos como ideias, e os Direitos Humanos são apenas o que a lei determina que são Direitos Humanos. Se estão representados apenas por declarações, eles não existem e ninguém tem a obrigação de segui-los. Imagem: Autor desconhecido/ Wikimedia Commons/ Domínio Público. Auguste Comte, formulador do positivismo. ATENÇÃO A crítica acusa que a interpretação literal do que é um direito enfraquece a proteção dos Direitos Humanos, pois deixa de fora uma série de direitos de grande importância, que são reconhecidos pela comunidade ou que ainda estão sendo discutidos, antes de ser inscritos em alguma legislação. Considerar apenas o que está previsto em lei implica numa redução de direitos. MORALISMO A corrente moralista, como a jusnaturalista, defende que os direitos são normas que não precisam da sua oficialização em leis e constituições para ter validade; sua importância está diretamente relacionada às necessidades e aos valores da sociedade em que estão inseridos. Mas, diferentemente do jusnaturalismo, o direito moral não acontece naturalmente na sociedade, ele se baseia nas necessidades e nos valores específicos morais e éticos de um determinado grupo. EXEMPLO Não há uma lei que obrigue que as pessoas precisam respeitar uma fila que tenha se formado, ninguém será preso por furar uma fila. Em algumas culturas, essa regra é importantíssima, e você pode até mesmo se ausentar da fila por algum motivo que, ao retornar terá seu lugar garantido, enquanto, em outros grupos, passar à frente de uma pessoa que estava desatenta não é um grande problema, e é até normal. ATENÇÃO A crítica a essa corrente aponta também para uma limitação que põe em risco os direitos, pois, se cada sociedade possui seu próprio conjunto de valores e tem um entendimento moral, vários direitos humanos diferentes seriam reivindicados pelo mundo, e o conjunto se enfraqueceria como um direito universal. CONSTRUÇÃO TEÓRICA DOS DIREITOS HUMANOS Apesar das diferenças evidentes, essas três teorias não se contradizem nem disputam entre si, elas se complementam e colaboram para que os direitos humanos tenham sustentação e atuação mais forte na sociedade. É importante lembrar que a Declaração Universal de Direitos Humanos e os demais tratados da ONU são declarações de intenção, ou seja, não são leis válidas por si só. Eles estão baseados nas teorias moral e jusnatural e precisam do esforço e das estruturas legais dos países inscritos nas Nações Unidas para que se positivem, ou seja, que se tornem legais e, de fato, possam ser acessados com mais efetividade por todos. Entretanto, sem o entendimento jusnatural e sem uma base moral e os esforços das Nações Unidas, os defensores desses direitos não têm argumentos no debate, a fim de conseguir valor legal em todos os lugares do mundo e, assim, alcançar toda a família humana. Para refletirmos, se os direitos humanos fossem somente de natureza jusnatural, sem apoio moral, ou seja, se não estivessem de acordo com os valores da sociedade, não haveria um entendimento da sua urgência e eles não teriam aplicação prática na sociedade. Da mesma forma, se os direitos humanos não tivessem uma argumentação baseada nos valores morais da sociedade, dificilmente eles conseguiriam se transformar em discussões e, posteriormente, em leis, e não seriam positivados. Vejamos o direito defendido pelo artigo 5º da declaração de 1945, que diz que “ninguém será submetido à tortura nem a penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes”. Pela doutrina jusnatural, ninguém deveria ser submetido à tortura, pois isso é um direito autoevidente, é um entendimento natural que isso não deve acontecer, mas, se o ato não for ilegal naquela nação, ou se aquele valor não estiver inscrito também na moral daquela sociedade em questão, corre-se o risco de que se ignore o senso comum e a tortura, de fato, aconteça. Foto: Shutterstock.com Foto: Raymond D’Addario/Wikimedia Commons/Domínio Público. Banco dos réus no tribunal de Nuremberg. Para entendermos a complexidade dessas correntes, também podemos pensar nas discussões do Tribunal de Nuremberg, uma corte internacional formada ao final da Segunda Guerra Mundial para julgar os oficiais de alta patente do regime nazista alemão pela acusação dos crimes contra a humanidade. Na ocasião, a defesa dos militares nazistas foi montada sob o argumento de que seus atos eram legais dentro do sistema de leis alemãs vigente no momento das ações, ou seja, quando os crimes foram cometidos, nos locais em que foram cometidos, eles não infringiram nenhuma lei. Nesta argumentação, pela corrente jusnaturalista, deve-se descartar o argumento da legalidade e se condenar os atos como crimes, por se tratar de atitudes que deveriam ser naturalmente rejeitadas por todos. Por outro lado, a ideologia positivista alega legitimidade dos atos dentro do sistema legal da nação onde ocorreram. Foto: Departamento de defesa/Wikimedia Commons/Domínio Público. Prisioneiros do campo de concentração de Wöbbelin. Essa corrente ficou abalada e foi amplamente questionada por ter dado respaldolegal a ações dessa natureza, legitimando atuações com indiferença aos valores éticos. RUPTURA E RECONSTRUÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS Além do debate sobre a legalidade, as políticas dos regimes fascistas foram um marco para as discussões sobre violação de direitos e a responsabilidade da comunidade internacional em situações como essa. A filósofa alemã Hannah Arendt produziu importantes reflexões sobre o tema já que parecia que, apesar do debate político e teórico que havia sobre direitos universais até a primeira metade do século XX, todo o esforço político e filosófico não produzira efeitos práticos na sociedade. Analisando os acontecimentos daquela época, Arendt, que escreveu seus estudos na metade do século XX, propôs que havia acontecido uma ruptura nos Direitos Humanos, não somente por parte dos regimes totalitários, de direita ou de esquerda – incluindo-se o regime stalinista na União Soviética -, mas também por conta das políticas imperialistas praticadas naquela época, quando alguns países impuseram políticas racistas de exploração e domínio sobre diversos povos africanos e asiáticos. Foto: Dmitry Borko/Wikimedia Commons/ CC BY-SA 4.0. “Muro das lamentações” na primeira exposição das vítimas do stalinismo em Moscou, 19 de novembro de 1988. Se, após anos de debate sobre o assunto, o mundo vivenciou tais políticas bárbaras de desrespeito à vida, era necessário refletir e criar novas condições para uma reconstrução dos direitos universais. Segundo a filósofa, uma questão para se reconstruir esses direitos era dar atenção aos homens e mulheres que perderam seu lugar na sociedade e na política, sejam por eles serem minorias ou por terem tido necessidade de sair de seu local de origem, tornando-se apátridas ou refugiados. Esse foi o problema fundamental que se agravou no período entreguerras. Após a dissolução dos impérios ao final da Primeira Guerra Mundial, alguns grupos, como os armênios, os húngaros e os romenos, perderam sua nacionalidade e se tornaram apátridas. Outros grupos tiveram de sair e se refugiar em outros países, como milhares de judeus alemães, que fugiram das políticas antissemitas do regime nazista (neste grupo encontra-se a própria Hannah Arendt e seus familiares). Houve, ainda, aqueles que sofreram perseguições por suas escolhas religiosas, de afetividade ou por convicções políticas, como os anarquistas e os comunistas. Houve, nesse período, um grande deslocamento geográfico de pessoas pela Europa. Ao fugir de suas terras, elas entraram como imigrantes em outros países, perdendo a proteção legal do Estado. Foto: German Federal Archive/ Wikimedia Commons/CC BY-SA 3.0 DE. Judeus polacos expulsos da Alemanha em outubro de 1938. Para Arendt, o grupo dos apátridas foi o que teve a situação mais angustiante e o que mais precisava de atenção, pois, além de terem perdido seus direitos, eles não eram reconhecidos como iguais perante a lei, já que a lei nem existia mais para eles. Ao ser expulso da sua comunidade, o apátrida se vê isolado e destituído da sua humanidade. Com tantas pessoas sem proteção de um Estado, surge a necessidade de uma política internacional que garanta o atendimento dos direitos a essas pessoas independentemente da sua situação. A ideia central de Hannah Arendt para a reconstrução dos direitos humanos é a de que o primeiro direito a ser defendido tem de ser o direito a se ter direitos. Se há lugares no mundo onde indivíduos não têm acesso a nenhum direito ou lhes é negado até mesmo o direito a participar dos debates políticos; não tendo acesso a todo esse sistema internacional, ele está excluído. ESTA NOVA SITUAÇÃO, NA QUAL A HUMANIDADE ASSUMIU ANTES UM PAPEL ATRIBUÍDO À NATUREZA, OU À HISTÓRIA, SIGNIFICARIA NESSE CONTEXTO QUE O DIREITO A TER DIREITO, OU O DIREITO DE CADA INDIVÍDUO A PERTENCER À HUMANIDADE DEVERIA SER GARANTIDO PELA PRÓPRIA HUMANIDADE. (ARENDT, 2004, p. 332) Em outras palavras, seria necessário garantir que todos os homens e mulheres sem condições ou exceções obtenham proteção jurídica na mesma medida que todos os demais. O indivíduo deveria ser reconhecido como cidadão do mundo ou, como foi dito na declaração da ONU, integrante da família humana, sem diferença entre nativo e estrangeiro. Se o indivíduo precisa ter direitos acima do Estado, ele também necessita de um Estado para transformar o princípio dos Direitos Humanos em lei na sociedade onde vive. Os Direitos Humanos são progressivamente conquistados e devem ser continuamente defendidos, baseando-se em argumentos bem construídos, a partir de suporte teórico e ações positivas. Observando as rupturas sofridas, entendemos que seu estabelecimento não é definitivo e precisa ser questionado e redefinido de tempos em tempos. PRINCIPAIS OLHARES SOBRE OS DIREITOS HUMANOS Neste vídeo, vamos recuperar os principais olhares sobre os Direitos Humanos. VERIFICANDO O APRENDIZADO 1. SEGUNDO A FILÓSOFA HANNAH ARENDT, APESAR DOS ESFORÇOS PARA A CONSTRUÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS, ALGUNS ACONTECIMENTOS DO FINAL DO SÉCULO XIX E DO INÍCIO DO SÉCULO XX CAUSARAM UMA RUPTURA DESSES DIREITOS E, POR CONTA DISSO, A AUTORA DEFENDE UMA RECONSTRUÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS. SOBRE O ASSUNTO, ASSINALE A ALTERNATIVA CORRETA: A) O ponto-chave na teoria da autora é a luta pelo direito a se ter direitos, pois muitas pessoas se encontram totalmente desprotegidas e sem possibilidade de recorrer a ajuda de nenhum Estado. B) O período mais tenso que a humanidade já passou foi durante a Guerra Fria, quando a iminência de uma nova guerra mundial fragilizou a constituição dos países e muitos indivíduos ficaram sem assistência jurídica. C) A teoria da autora sofre diversas críticas internacionais, pois, ao apontar os problemas enfrentados pelos Direitos Humanos sem indicar soluções, a filósofa estaria fragilizando a fundamentação dos direitos. D) A teoria de Hannah Arendt encontra-se totalmente superada nas discussões jurídicas, pois os problemas apontados pela filósofa foram resolvidos ao final da Guerra Fria, quando os países socialistas aceitaram fazer parte das Nações Unidas. E) O argumento de Arendt, judia que viveu os horrores da Guerra, é considerado literário e emocional, sendo adaptado pelos intelectuais, à lógica da defesa dos Direitos Humanos do cidadão. 2. PARA SE CONSOLIDAREM OS DIREITOS HUMANOS, FOI PRECISO BASEAR SUA ARGUMENTAÇÃO EM DIVERSAS CORRENTES FILOSÓFICAS JURÍDICAS. SOBRE A FUNDAMENTAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS, PODEMOS AFIRMAR QUE: A) O jusnaturalismo é a corrente filosófica que possui menos reconhecimento no mundo jurídico, pois seus argumentos são baseados em regras locais que não são aceitas por todos os grupos. B) O positivismo é a corrente mais importante para a consolidação dos Direitos Humanos, pois somente essa corrente defende que o direito se transforma em lei e passa a ter validade. C) A corrente moralista é a corrente que menos recebe críticas, pois baseia-se na moral que é um conceito universal e compreendido por todos os seres humanos. D) Não há como determinar que corrente teórica é mais importante para a consolidação dos Direitos Humanos, pois todos os argumentos reforçam a importância desses direitos. E) A corrente educacional dos Direitos Humanos defende que a única possibilidade é pensar o direito das crianças. Para os adultos já não teria mais sentido. GABARITO 1. Segundo a filósofa Hannah Arendt, apesar dos esforços para a construção dos direitos humanos, alguns acontecimentos do final do século XIX e do início do século XX causaram uma ruptura desses direitos e, por conta disso, a autora defende uma reconstrução dos Direitos Humanos. Sobre o assunto, assinale a alternativa correta: A alternativa "A " está correta. Segundo Hannah Arendt, na primeira metade do século XX, muitos indivíduos ficaram desprotegidos judicialmente e os Direitos Humanos deveriam ocupar justamente esse espaço e servir a todos independentemente da ação dos Estados. 2. Para se consolidarem os Direitos Humanos,foi preciso basear sua argumentação em diversas correntes filosóficas jurídicas. Sobre a fundamentação dos direitos humanos, podemos afirmar que: A alternativa "D " está correta. Todas as argumentações teóricas possuem o mesmo peso, pois todas recebem críticas e juntas elas se complementam. MÓDULO 3 Contrastar a diversidade das culturas aos Direitos Humanos FUNDAMENTOS DO UNIVERSALISMO VERSUS MULTICULTURALISMO Imagem: Shutterstock.com O ano de 1948 se tornou um marco na história dos Direitos Humanos Naquele ano, as Nações Unidas proclamaram sua declaração, propondo que este recurso estivesse à disposição de todas as pessoas da família humana. Esta declaração pretendia servir de base para a garantia de direitos em todos os lugares do mundo. No entanto, não foi denominada como uma declaração internacional, mas autointitulada de declaração universal. A escolha do seu nome atendia à ideia de que esses direitos deviam estar acima de um ou outro país e proclamava que esses direitos pertencem a todo mundo sem nenhuma condição ou exceção. Ao pensar sobre a universalidade, surgiu um novo questionamento: seria possível criar um direito básico que atendesse a todas as demandas, independentemente do gênero, da religião, da nacionalidade ou qualquer outra característica da pessoa? Os Direitos Humanos deviam ou podiam ser universais? A ideia de ser um recurso legal básico disponível para o mundo inteiro parecia ideal e irrecusável. Se direitos são vistos como benefícios, não haveria razão para ser rejeitada por alguém, mas, apesar da boa intenção, a ideia não foi aceita unanimemente. SAIBA MAIS Há anos, a questão vinha sendo discutida e a universalidade desses direitos vinha sendo contestada, principalmente pelos países não europeus, que não concordavam que essa declaração atendesse a todas as culturas. Eles enxergavam que a proposta foi produzida a partir dos princípios ocidentais, com fortes tendências eurocêntricas, e que ela impôs o que devia ser acolhido por todos, sem levar em consideração que, em outras partes do globo, existem culturas diferentes, outras demandas sociais, outras religiões além do cristianismo e de outras formas de organização política. CRÍTICAS AO UNIVERSALISMO Para os críticos da universalidade dos Direitos Humanos, a ideia de se criar um conjunto de direitos básicos capazes de atender a todos se mostra até mesmo soberba, se levarmos em consideração que ela foi escrita por um grupo, e não por todas as nações. A partir dessa ideia, poderia ser criada a noção de que existe um grupo que é capaz de entender sozinho as necessidades de todo o mundo e que pode decidir por todos o que é necessário para se ter uma vida digna sem consultar aqueles que irão usufruir desse modo de vida. Dessa maneira, reforça-se a ideia de hierarquia e desigualdade, segundo a qual um grupo ou uma cultura é superior a outro e que pode ter a tutela do mundo. Por esse ponto, surge também uma acusação de que, ao se fazer dessa declaração universal, pode-se chegar ao efeito de uma prática imperialista, pois são impostas políticas de um grupo sobre os demais. Pensar a universalidade dos Direitos Humanos como uma prática imperialista é um ponto especificamente interessante, pois, segundo Hannah Arendt, foram justamente as políticas imperialistas praticadas pela Europa no final do século XIX que romperam os Direitos Humanos no passado e deram origem aos grandes conflitos do século XX. Assim, a universalidade acabou tornando-se um objetivo contraditório, pois, ao mesmo tempo em que procura garantir direitos a todos, acaba ocasionando sua própria ruptura. Imagem: Shutterstock.com Respondendo à acusação de ser uma declaração imperialista e imposta ao mundo, os defensores do caráter universal da carta argumentam que, após a elaboração da Declaração, diversos países, de todos os continentes e das mais variadas culturas, aderiram voluntariamente ao documento. Assim, a legitimidade do caráter universal da Declaração mostrou-se naturalmente, na medida em que os países se preocupam em adaptar suas constituições a esses valores, esquecendo-se de que uma das principais características dessa Declaração é que ela é um objeto histórico, fruto do seu tempo, resultado das necessidades de uma época, que procura atender às demandas de uma parte da sociedade, geralmente a que a produziu, e que está em constante mudança e adaptação e nunca se tornará definitiva, sempre havendo o que melhorar. MULTICULTURALISMO Diante de tantas críticas, surge o multiculturalismo, uma corrente em contestação à visão universalista e que amplia as possibilidades de inclusão desses direitos em todo o mundo. Essa corrente tem como um de seus principais apoiadores o sociólogo Boaventura de Souza Santos que, apesar de ser português, critica a visão eurocêntrica da Declaração e procura discutir as diferenças culturais existentes no mundo para contribuir com uma declaração mais plural. O sociólogo afirma que é natural que todas as culturas enxerguem os seus princípios como os valores mais corretos, que deveriam ser adotados pelos demais — ou não cultivariam aqueles hábitos. A questão é que os ocidentais são os únicos que ultrapassam os limites, buscando se expandir e se impor a todo o restante do mundo. Ele diz que quando se assume a ideia da universalidade dos Direitos Humanos, tenta-se impor as vontades locais ao todo, e que a solução para tal problema seria aceitar as diferenças existentes no mundo e mudar a qualificação desses direitos, de universais para multiculturais. Caso contrário, a Declaração acaba se tornando um instrumento que põe as civilizações em choque umas com as outras. ATENÇÃO É importante reconhecer esses problemas para não cairmos na armadilha de relativizar todas as atitudes em nome dos valores locais. Boaventura combate a ideia de relativizar as culturas ao extremo e justificar todas as ações cometidas sem questioná-las. O que dizer de se assistir a uma sociedade que provoca o mutilamento genital de meninas e mulheres sem questionar, permitindo que atrocidades sejam cometidas em nome da cultura? Assumir as imperfeições e os limites da cultura é o melhor caminho para a construção de direitos humanos multiculturais. Para Santos, o multiculturalismo representa o equilíbrio entre a competência global e a legitimidade local, ou seja, entre aquilo que precisa ser um ponto em comum entre todos e o respeito das características de cada comunidade. Antes de tudo, é necessário criar um conjunto de direitos que promova a igualdade ao mesmo tempo que são respeitadas as diferenças culturais das diversas comunidades. Imagem: Shutterstock.com [...] TEMOS O DIREITO A SER IGUAIS QUANDO A NOSSA DIFERENÇA NOS INFERIORIZA; E TEMOS O DIREITO A SER DIFERENTES QUANDO A NOSSA IGUALDADE NOS DESCARACTERIZA. DAÍ A NECESSIDADE DE UMA IGUALDADE QUE RECONHEÇA AS DIFERENÇAS E DE UMA DIFERENÇA QUE NÃO PRODUZA, ALIMENTE OU REPRODUZA AS DESIGUALDADES. (SANTOS, 2003: 56) Devemos reconhecer as diferenças entre os seres humanos, mas essa diferença não pode provocar nem desigualdade e tampouco uma hierarquia, definindo pessoas em condições superiores ou inferiores umas às outras, ou determinando quem deve mandar e quem deve obedecer, quem deve ser respeitado e quem deve se submeter. DIVERSIDADE CULTURAL É preciso procurar, por meio do diálogo intercultural, atitudes que possam ser assumidas em diversos grupos ou que sejam praticadas de formas diferentes, mas que tenham o mesmo objetivo de não inferiorizar o outro. ATENÇÃO Nunca se deve assumir um valor que classifique uma cultura ou um grupo como mais correto que outro. Sobre essa relação de diferença e igualdade, podemos pensar no seguinte exemplo: homens e mulheres são diferentes, mas isso não é, ou não deveria ser, motivo de tratamento desigual pela sociedade. As doutrinas cristã e judaica oferecem visões religiosas distintas, mas, para a sociedade, essa questão não deveria ser hierarquizante nemgerar disputa entre seus praticantes. Outro ponto que deve ficar claro a respeito das culturas é que elas são dinâmicas e que igualdade não é sinônimo de uniformidade: apesar de serem originários do mesmo continente, norte-americanos, brasileiros e argentino têm características bastante diferentes. As versões de uma mesma cultura precisam ser também avaliadas e entendidas separadamente para não se criar falsas generalizações. Foto: Shutterstock.com Dentro do grupo dos islâmicos, existem os xiitas, os sunitas e outras correntes. As ideias de cada um desses grupos podem ser iguais em certo aspecto e radicalmente contrastantes em outros. Todas as diferenças devem ser aceitas pela sociedade desde que nenhum valor inferiorize ou ameace o outro. A burca utilizada pelas mulheres mulçumanas deve ser compreendida como um hábito cultural, mas debatida quando mulheres que não a desejam, sejam obrigadas a vesti-la. A aceitação das diferenças é importante até mesmo para que se garanta que os Direitos Humanos sejam atendidos. Em cada sociedade, um direito irá repercutir de uma maneira. Um princípio contrário às práticas cotidianas locais pode levar ao descumprimento contínuo de um direito, seja ou não seja lei. Sem aceitação da comunidade, o direito não tem efetividade. É preciso lembrar que os Direitos Humanos estão em constante debate e evolução e que, há anos, as Nações Unidas assumem a missão de mediar os interesses de todos e promover debates acerca do assunto para reorganizar os direitos universais. Mesmo admitindo a existência de críticas, é preciso reconhecer o esforço da Declaração Universal e de tantos outros tratados e documento redigidos pela ONU, ainda que alguns posicionamentos sejam questionáveis é pelo trabalho que se faz uma movimentação global por um debate que visa promover os sistemas jurídicos dos países em busca de uma situação confortável para todos. A sociedade deve seguir aprendendo a tratar todas as pessoas com igualdade e a compreender as diferenças da família humana. Foto: Shutterstock.com DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E A ORDEM JURÍDICA Se em um primeiro momento as declarações de direitos essenciais preocuparam-se com a garantia da liberdade e da igualdade, no século XX, outro conceito passou também a ser considerado fundamental: o respeito à dignidade da pessoa humana. O primeiro artigo da Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas assinado em 1948 afirma: “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos”. O Brasil, que participa da ONU e que firmou o compromisso de garantir os direitos humanos a seus indivíduos, positivou essa ideia na Constituição de 1988, que está em vigor. Também no primeiro artigo da nossa Carta Magna, registra-se que a “República Federativa do Brasil (...) tem como fundamentos: I – a soberania; II – a cidadania; III – a dignidade da pessoa humana”. A importância da dignidade é tratada em outros momentos, como no Artigo 170, no qual consta que toda ação econômica tem como finalidade garantir uma existência digna. O artigo 230 define que é dever da família, da sociedade e do Estado defender a dignidade das pessoas idosas. A seguir, veremos o conceito de dignidade da pessoa humana. Foto: Bogdan Khmelnytskyi / Shutterstock.com DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA Dignidade da pessoa humana são as condições mínimas necessárias para que uma pessoa viva uma vida justa, em condições adequadas e sem depreciação. Este é um valor absoluto, regulador de todos os objetivos do ser humano, pois nada é mais importante do que a garantia das condições vitais para a sobrevivência nesse mundo. É uma noção incomensurável, insubstituível e que não permite equivalente, ou seja, é um valor que não tem como ser medido de forma quantitativa ou qualitativa. A dignidade humana não pode ser trocada por nenhuma outra coisa, possui um valor que não é comparável a nenhum outro. Não há uma definição legal única que determine que condições são essas, pois elas variam em cada cultura ou sociedade. Veja os dois exemplos a seguir: Foto: Shutterstock.com Para um homem europeu, ateu e inserido no mundo capitalista, essa noção pode estar completamente baseada nas conquistas financeiras e na possibilidade de desenvolvimento da sua carreira ou do seu negócio. Foto: Shutterstock.com Já uma mulher, árabe e praticante do islamismo pode ter essa noção amparada na possibilidade de constituir uma família e de criar seus filhos dentro dos princípios da sua religião. Seja como for, mesmo variando, é certo que todos os grupos e culturas nutrem valores básicos que formam seu conceito de dignidade humana. Nas sociedades ocidentais, podemos reconhecer as condições da dignidade da pessoa humana como as que foram trazidas na Declaração dos Direitos Humanos da ONU, pois, se a declaração foi escrita por representantes da cultura ocidental como os valores mínimos necessários para todas as pessoas, é lá que estão descritos os seus pilares. Porém, apesar de serem direitos universais, eles não refletem as condições da dignidade humana em todas as culturas do mundo. COMENTÁRIO Segundo o sociólogo Boaventura de Souza Santos, para que os direitos humanos alcancem o maior número de pessoas da família humana e se tornem multiculturais, é fundamental ter clareza de que todas as culturas possuam sua concepção de dignidade da pessoa humana e que nem todas enxergarão a sua noção de dignidade contemplada nos termos da declaração das Nações Unidas. Para o melhor consenso, já que nem todas as concepções de dignidade humana conseguirão ser contempladas, por serem opostas ou contraditórias, uma solução seria procurar atender ao maior número possível de seres humanos, buscando uma versão mais aberta do conceito, ou seja, a visão da dignidade humana que melhor será aceita dentro das particularidades das outras culturas. ATENÇÃO Dentro de uma mesma cultura, pode haver diversas correntes, umas mais conversadoras que outras e nenhuma concepção de direitos humanos seria capaz de agradar a todas elas. Dentro dos regimes políticos ocidentais, por exemplo, há regimes democráticos e autoritários, e mais inflexíveis e o diálogo é sempre bem-vindo. CONCEITOS E SUAS TRANSFORMAÇÕES Neste vídeo, vamos entender os conceitos e transformações pelos quais os direitos humanos passaram. TRANSFORMAÇÕES NO CONCEITO Também é necessário compreendermos que, assim como os direitos humanos são um conceito construído a partir das demandas históricas que se modificam na medida em que novos acontecimentos surgem, a noção de dignidade da pessoa humana de cada grupo e de cada época também é mutável. Uma significativa transformação desse conceito aconteceu no momento após a Segunda Guerra Mundial, quando houve a chamada “virada kantiana”, que rejeitou qualquer espécie de coisificação e instrumentalização dos homens e mulheres. A dignidade da pessoa humana passou a ser considerada um fim para a humanidade e não um meio para a construção do mundo. Atualmente, não são mais as pessoas que precisam se esforçar para construírem uma sociedade agradável, mas o contrário, o mundo é que precisa ser agradável para que as pessoas possam viver em plenitude, seguras e felizes. ESTRUTURAÇÃO DOS DIREITOS UNIVERSAIS É quando se inverte a lógica e se assume que a sociedade deve acolher as pessoas, e não o contrário, que a carta de Direitos Humanos universais das Nações Unidas é escrita. A partir daquele momento, segundo o professor Fernando Quintana (1999), podemos separar os esforços da ONU com os Direitos Humanos Universais em três fases de composição: PRIMEIRA FASE SEGUNDA FASE TERCEIRA FASE PRIMEIRA FASE Seria a burocrática, a fase da definição dos Direitos Humanos. SEGUNDA FASE Período de promoção e estabelecimento desses direitos pelo mundo, quando foram realizados congressos, publicações e diversos debates e estudos. TERCEIRA FASE A atual fase de proteção, em que é necessário observar e controlar o estabelecimentoe o cumprimento desses direitos. Foram criados comitês e grupos para fiscalizar e denunciar violações dos Direitos Humanos em todos os países que aceitaram integrar ou não as Nações Unidas. Para garantir o sucesso dessa declaração e o acesso aos direitos fundamentais a toda a “família humana”, também foi necessário comprometer os países, fazendo com que assumissem compromissos e tratados e construíssem um sistema que possibilitasse seu funcionamento. Dessa forma, desde 1966 até os dias atuais, já foram assinados nove tratados que devem ser observados e implementados pelos países membros e que levam em consideração temas específicos como a tortura, os imigrantes, as crianças, as pessoas com deficiências e a discriminação racial e contra a mulher, entre outros. Foto: Shutterstock.com Além disso, constituiu-se uma estrutura chamada Sistema Internacional de Proteção dos Direitos Humanos, por órgãos como os comitês regionais; o Sistema Interamericano de Direitos Humanos; o Sistema Europeu de Direitos Humanos e o Sistema Africano de Direitos Humanos. Esses sistemas regionais acompanham diretamente os países integrantes e se responsabilizam pelos demais países que não fazem parte de nenhum comitê regional, não ficando estes excluídos de acionar os direitos internacionais. É papel dos comitês regionais se responsabilizar pela proteção de pessoas cujos países não têm um órgão similar. Ou seja, cabe a esses comitês ultrapassarem sua esfera e prestarem auxílio a países e cidadãos de países sem comitê regional que necessitem de acolhimento e de proteção, fazendo valer o princípio de que antes de o indivíduo ser pertencente a um país, ele é integrante da família humana. VAMOS DEBATER O CONCEITO DE DIREITOS HUMANOS Vamos ouvir o professor Rodrigo Rainha sobre esse processo e as dificuldades em situar a fundamentação destes conceitos. VERIFICANDO O APRENDIZADO 1. A UNIVERSALIDADE É UMA CARACTERÍSTICA QUE LEVANTA UM AMPLO DEBATE SOBRE A FORMA COMO OS DIREITOS HUMANOS SE APRESENTAM AO MUNDO. SENDO ASSIM, É CORRETO AFIRMAR QUE A UNIVERSALIDADE DOS DIREITOS HUMANOS: A) Visa atender a todos os seres humanos sem nenhum critério de distinção, mas recebe críticas pois não abre espaço para as diferenças culturais. B) É a forma mais correta de se criar direitos humanos, impondo que sejam aceitos por todas as culturas, pois algumas são extremamente fechadas e não garantem direitos aos indivíduos. C) É um conceito ultrapassado que foi levantado durante a Revolução Francesa, mas que atualmente foi substituído pelo relativismo cultural. D) Visa fazer uma campanha mundial para que todos os países encontrem um ponto em comum das suas culturas e reduzam o relativismo cultural. E) Defende a unidade do mundo, criando uma ideia de igualdade em uma grande aldeia global. 2. SOBRE A ESTRUTURA CRIADA PELAS NAÇÕES UNIDAS PARA DEBATER, FISCALIZAR E GARANTIR O ACESSO DOS DIREITOS HUMANOS A TODOS OS MEMBROS DA FAMÍLIA HUMANA, É CORRETO AFIRMAR QUE: A) Apesar de toda a estrutura criada pela ONU, o continente africano encontra-se sem nenhuma fiscalização dos Direitos Humanos e, por isso, existem graves violações. B) Foram criados diversos comitês para defender os Direitos Humanos, mas eles ainda não cobrem todos os continentes, entretanto, isso não significa que aquelas pessoas estão desassistidas. C) A ONU possui atualmente uma estrutura em remodelação já que, após o fim da Guerra Fria, as estruturas políticas mundiais se transformaram. D) Não há uma estrutura permanente para a defesa dos Direitos Humanos pela ONU. As Assembleias para a discussão de novas pautas são convocadas de acordo com a necessidade e, a cada nova reunião, um novo país se apresenta como sede. E) As Nações Unidas assumem uma função política, redistribuindo para a Unesco e outras agências os debates de Direitos Humanos. GABARITO 1. A universalidade é uma característica que levanta um amplo debate sobre a forma como os direitos humanos se apresentam ao mundo. Sendo assim, é correto afirmar que a universalidade dos direitos humanos: A alternativa "A " está correta. Críticos defendem que não há possibilidades de um direito ser aplicável a todas as culturas, a única forma de se fazer isso é entendendo as diferenças e criando um direito multicultural. 2. Sobre a estrutura criada pelas Nações Unidas para debater, fiscalizar e garantir o acesso dos Direitos Humanos a todos os membros da família humana, é correto afirmar que: A alternativa "B " está correta. Apesar da Ásia e da Oceania não terem comitês regionais, isso não significa que os cidadãos daqueles países estão desassistidos pois, em uma situação de violação de direitos, todos os comitês precisam romper seu caráter regional e garantir a proteção dos seus vizinhos. MÓDULO 4 Analisar a estruturação dos Direitos Humanos no Brasil LINHA DO TEMPO DOS DIREITOS HUMANOS NO BRASIL Vamos iniciar o módulo com uma linha do tempo que mostra a estruturação dos Direitos Humanos no Brasil. BRASIL E O CONTEXTO DA PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS Foto: Dado Photos / Shutterstock.com Se a Segunda Guerra Mundial foi o fator-chave para que, ainda na primeira metade do século XX, a Europa Ocidental e a América do Norte começassem a pensar na atual ideia de direitos humanos, o Brasil, que não teve participação direta no conflito e tem outra história, outra sociedade com outros problemas e outras questões sociais, percorreu um caminho diferente na construção e na garantia desses direitos. Participamos do esforço inicial das Nações Unidas, mas suspendemos nossos trabalhos por algumas décadas e, só no final dos anos de 1980, conseguimos positivá-los em nossa Constituição de 1988. Consequentemente, se aderimos aos Direitos Humanos mais tarde, isso significa que ainda estamos trabalhando no seu desenvolvimento e, pensando na situação atual do país e da população brasileira, ainda teremos muitos desafios para consolidá-los. Muitos questionamentos podemos fazer: Como desenvolver leis que tenham por princípio que todas as pessoas são iguais em um país de extrema desigualdade? Conseguiremos superar nosso passado de atraso? Em qual estado nos encontramos e quais são nossas perspectivas? FORMAÇÃO POLÍTICA E SOCIAL O Brasil é um país consideravelmente jovem e em pleno desenvolvimento político. Da nossa trajetória histórica, costumávamos conhecer e contar apenas uma parte, a partir da chegada dos europeus neste território. A seguir, confira o processo de desenvolvimento político e social: Imagem: Acervo do Museu Histórico Nacional/ Wikimedia Commons/Domínio Público. Desembarque de Cabral em Porto Seguro, Oscar Pereira da Silva, 1904. O ano de 1500 foi marcante para os povos que aqui habitavam, pois, depois do primeiro contato dos nativos com os portugueses, não demorou muito para que os interesses dos europeus dominassem a dinâmica local e se sobrepusessem às necessidades dos povos indígenas. Imagem: Museu Nacional de Belas Artes, RJ/ Wikimedia Commons/ Domínio Público. Batalha dos Gurararapes, Victor Meirelles, 1879. A partir daquele momento, houve silenciamento e uma brutal transformação cultural, política e social. Por bastante tempo, fomos colônia de Portugal. Inicialmente, houve pouco interesse da metrópole em explorar nosso território. As primeiras políticas implementadas aqui tiveram o objetivo de ocupar as terras para que não fossem tomadas por franceses e holandeses. Imagem: Acervo Artístico do Ministério das Relações Exteriores - Palácio Itamaraty/ Wikimedia Commons/ Domínio Público. Engenho de Pernambuco, Frans Post (século XVII). A intensa produção de açúcar tinha como estrutura uma pequena elite administrando os engenhos e bastante uso de mão-de-obra escrava indígena e africana trabalhando arduamente nas engrenagens. Com a descoberta do ouro em Minas Gerais, a população cresceu, mas a sociedade continuou dividida entre uma pequena elite que enriquecia e trabalhadores escravizados que suavam nas minas.Imagem: Museu Paulista/ Wikimedia Commons/ Domínio Público. Independência ou Morte, Pedro Américo, 1888. Em 1822, o Brasil se torna oficialmente independente de Portugal, mas continua com boa parte da estrutura colonial. Ao contrário de outros países, o presidencialismo não substituiu a monarquia, tampouco o trabalho escravo foi interrompido. Foto: Antônio Luiz Ferreira/Wikimedia Commons/Domínio Público. Sessão do Senado em que se aprovou a Lei Áurea, a 12 de maio de 1888. O governo imperial retardou a abolição da escravidão até quando não foi mais possível, e o Brasil acabou sendo o último país a assinar a abolição da escravatura. Quando a Lei Áurea libertou os escravizados, nenhuma política foi criada para dar assistência aos libertos, que abandonados pelo poder público, encontraram muitas dificuldades para sobreviver. Imagem: Arquivo Nacional/Wikimedia Commons/Domínio Público. Capa do Diário Popular do dia 16 de novembro de 1889 noticiando a Proclamação da República. Um ano depois da abolição, em 1889, foi proclamada a República no Brasil. Nos primeiros anos, a participação política se manteve limitada a uma pequena parcela da sociedade. Somente ao longo do tempo que conseguimos conquistar a ampliação dos direitos políticos para todos. Foto: Arquivo Nacional/Wikimedia Commons/Domínio Público. Primeiras eleitoras do Brasil, Natal, Rio Grande do Norte, 1928. Nas primeiras décadas desse regime, mulheres, indígenas e analfabetos não podiam votar para eleger um representante e tampouco se candidatar para lutar pelos seus direitos. Foto: Arquivo da Agência Brasil/Wikimedia Commons/ CC BY 3.0 BR. Manifestação das Diretas Já em Brasília, diante do Congresso Nacional. A nossa República é considerada um regime político muito frágil. Ao longo dos anos, passamos por alguns processos de impeachment e por dois longos períodos de ditadura em que o Congresso Nacional foi fechado, a Constituição deixou de ter poder legal e o povo teve uma série de direitos suspensos. Foto: Agência Brasil/Wikimedia Commons/CC BY 3.0 BR. Promulgação da Constituição de 1988. Foi somente em 1988, ao final do regime militar, que conquistamos uma nova Constituição, garantindo amplos direitos para o povo, em vigor até os dias atuais. Pela grande quantidade de direitos garantidos ao povo, essa Constituição recebeu o apelido de Constituição Cidadã. CONSTITUIÇÃO DE 1988 A Constituição de 1988 é a oitava Constituição escrita no nosso país, um número considerado muito alto. Alguns países, como os Estados Unidos, usam a mesma Constituição desde o início de sua formação jurídica, ou precisaram passar por poucas renovações. ATENÇÃO A necessidade de reescrever a Constituição várias vezes demonstra nossa instabilidade política e como, no passado, o nosso conjunto de leis não era adequado para garantir direitos a todos nem atendia às demandas da nossa sociedade. A nossa atual Constituição foi escrita para superar a suspensão de direitos que passamos durante o regime militar, para restabelecer a democracia no país e para caminhar para uma redução da desigualdade social e o combate à corrupção. A elaboração dessa Carta foi discutida por mais de um ano e meio por deputados e senadores eleitos democraticamente em 1986. É importante destacar que, dos mais de 500 congressistas participantes, menos de 30 eram mulheres, sendo que nenhuma delas ocupava uma cadeira do Senado Federal, o que mostra ainda a gritante desigualdade de gênero na representação dos brasileiros no setor legislativo. Nessa Carta, foram garantidos os princípios fundamentais do Brasil como a igualdade em direitos e obrigações dos homens e mulheres na sociedade, a liberdade de expressão e a divisão de poderes, que garante que não teremos um poder concentrado nas mãos de uma única pessoa, como nos regimes absolutistas. Também foram assegurados uma série de direitos sociais, como o acesso permanente à educação, à saúde, ao trabalho e ao lazer. Foto: Shutterstock.com Forte em Saint Tropez ao por do sol Além de ampliar os direitos dos brasileiros, essa Constituição também se compromete com os direitos em nível universal e, logo nos primeiros artigos, determina que o Brasil deve prezar nas relações internacionais pelo predomínio dos direitos humanos. SAIBA MAIS É compromisso da nação fazer parte de tribunais internacionais que discutam tais direitos. Determinou- se, também, que a Defensoria Pública tem a função de promover e defender os direitos humanos em todo o país. É importante destacarmos que apesar de termos uma Constituição escrita de forma democrática e que prevê muitos direitos sociais para o povo, somente ela não é suficiente para garantir uma vida digna aos brasileiros. As determinações nela feitas preveem princípios que devem ser implementados no país, mas, para que isso aconteça, é preciso que uma série de políticas e dispositivos sejam feitas para que funcione. Os poderes Executivo e Legislativo precisam trabalhar juntos. Por exemplo, não basta que a Constituição determine que as pessoas tenham acesso gratuito à saúde, pois, se o poder Executivo não planejar uma estrutura de hospitais e médicos para o atendimento de todos esses direitos, a Constituição passa a ser mero documento de intenção. Foto: Fabio Venni/Wikimedia Commons/CC BY-SA 2.0. Detalhe da favela da Rocinha, a maior do Brasil. BRASIL NA PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS O Brasil foi um dos países fundadores das Nações Unidas em 1945, mas, apesar da contribuição com a elaboração da Declaração Universal no início da década de 1960, o país interrompeu a consolidação desses direitos quando atravessou duas décadas em um regime militar que suspendeu a Constituição e boa parte de direitos civis e políticos. Atualmente, com os direitos restabelecidos, retomamos o processo de consolidação dos Direitos Humanos e fazemos parte do Sistema Internacional de Proteção aos Direitos Humanos e do Sistema Interamericano de Direitos Humanos, que visa garantir a efetivação desses direitos em nível regional e dar apoio aos cidadãos de país que se encontram desassistidos pelo Estado. Possuímos compromisso ratificado com oito tratados internacionais da ONU: Convenção sobre Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial; Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos; Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais; Convenção sobre Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher; Convenção contra a Tortura; Convenção sobre os Direitos da Criança; Convenção para a Proteção de Todas as Pessoas contra os Desaparecimentos Forçados; Convenção sobre os Direitos de Pessoas com Deficiência. Imagem: Shutterstock.com Logo das Nações Unidas. Nos últimos anos, tornamo-nos bastante ativos na participação das Nações Unidas. Além de retificar tratados, acompanhamos a agenda de debates, integramos, por algumas vezes, o Conselho de Segurança da ONU, e, atualmente, temos participação permanente na Assembleia Geral. Em 2011, nossa então presidenta Dilma Rousseff foi a primeira mulher da história a abrir os debates dessa reunião. APLICAÇÕES E DESAFIOS DOS DIREITOS HUMANOS NO BRASIL A Constituição e as políticas públicas são as principais ferramentas para a aplicação dos Direitos Humanos dentro de uma nação. Se essas estruturas não estiverem sendo suficientes para garantir os direitos básicos e a dignidade da pessoa humana, qualquer pessoa ou organização pode e deve cobrar do governo a fiscalização e a execução deles. Entenda o processo: Foto: athosvieira / Shutterstock.com O ESTADO NÃO ATENDE Uma vez que o Estado não atenda aos seus cidadãos temos ainda a possibilidade de acionar os sistemas internacionais de proteção dos Direitos Humanos. No caso do Brasil, podemos recorrer ao Sistema Interamericano de Direitos Humanos. ACIONAMENTO DOS ÓRGÃOS COMPETENTES No momento em que forem acionados, os órgãos competentes irão investigar e podem condenar o paíspor violação dos Direitos Humanos. Essas condenações acontecem quando se identifica que os direitos foram fortemente descumpridos e que somente uma decisão judicial ou uma indenização não seria suficiente para reparar aquele problema. PRESSÃO SOBRE O ESTADO Quando uma sentença internacional é dada, ela tem como objetivo pressionar o Estado a debater o problema, revisar os sistemas que estejam provocando essas violações e desenvolver leis e políticas públicas que evitem novas violações dos Direitos Humanos. Em nossa história, o Brasil foi condenado por oito vezes pela Corte Interamericana. Uma dessas condenações foi sobre o caso conhecido como Maria da Penha. Em 1983, Maria da Penha sofreu uma tentativa de homicídio pelo seu marido e o processo que deveria condená-lo foi tão extenso e inconclusivo que se passaram 15 anos sem que o culpado fosse preso. O caso foi levado à Comissão Interamericana que, em 2001, quase 20 anos depois, responsabilizou o Estado brasileiro por negligência, omissão e tolerância à violência contra as mulheres. O caso repercutiu na nossa sociedade e, atualmente, temos uma lei com o nome da vítima, cujo objetivo é estipular punição adequada e coibir a violência contra as mulheres. Foto: Antonio Cruz/ABr/Wikimedia Commons/ CC BY 3.0 BR. A farmacêutica Maria da Penha, que dá nome à lei contra a violência doméstica. Na nossa sociedade, é comum vermos pessoas relativizando o uso dos Direitos Humanos e desacreditando de sua importância. Isso é prova de que vivemos em um Estado de constante violação dos direitos humanos, onde o desrespeito por direitos básicos é comum e pouco se faz para que seja garantida a dignidade da pessoa humana. No cenário atual do país, ainda é preciso reforçar as instituições democráticas, produzir muito debate, criar políticas públicas e buscar a conscientização popular para que esse conjunto de direitos seja respeitado e a nossa comunidade possa viver com mais dignidade e menos desigualdade. ATIVIDADE A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA É UM DOS DIREITOS GARANTIDOS PELA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA, A ELA TAMBÉM HÁ REFERÊNCIA NA DECLARAÇÃO UNIVERSAL DA ONU. SOBRE ESSE CONCEITO, PODEMOS AFIRMAR QUE, A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA É: RESPOSTA O conjunto de condições mínimas que devem ser garantidas a uma pessoa que varia de uma cultura para outra. javascript:void(0) Comentário: Cada cultura possui seu conjunto de características culturais que considera essencial para a manutenção de uma vida digna, e a preservação dessas condições é o principal objetivo dos Direitos Humanos. A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA. Neste vídeo, o professor Rodrigo Rainha aprofundará o conceito de dignidade da pessoa humana, tendo como base a Constituição brasileira. VERIFICANDO O APRENDIZADO 1. DEPOIS DA CRIAÇÃO DA DECLARAÇÃO DOS DIREITOS UNIVERSAIS DA ONU, O BRASIL PASSOU POR UM LONGO PERÍODO DE SUSPENSÃO DOS DIREITOS HUMANOS. APÓS A SUPERAÇÃO DO REGIME MILITAR, QUE SUSPENDEU A CONSTITUIÇÃO, FOI NECESSÁRIO CRIAR UM CONJUNTO DE LEIS PARA O PAÍS. SOBRE A CONSTITUIÇÃO DE 1988, ASSINALE A ALTERNATIVA CORRETA: A) É considerada uma constituição fraca, pois, apesar de apresentar a preocupação com muitos Direitos Humanos, não conseguiu se estruturar na nossa sociedade e um novo projeto já é pensado para substituí-la. B) Preocupa-se em observar vários Direitos Humanos, mas ainda é considerada incompleta, pois impede que o Brasil se comprometa com órgãos internacionais nos deixando isolados e sem estrutura para defesa dos direitos universais. C) Se tornou um exemplo mundial a ser seguido, pois observou os Direitos Humanos sugeridos pela ONU e criou a sua própria Declaração de Direitos Humanos que já é seguida por vários países da América Latina. D) Ficou marcada pela quantidade de direitos garantidos à população e por positivar diversos, além de criar estruturas para a sua promoção. E) Foi marcada pela ausência de normativas acerca da supressão e ameaça aos Direitos Humanos. 2. APÓS O RESTABELECIMENTO DOS DIREITOS NO BRASIL COM A CONSTITUIÇÃO DE 1988, RETOMAMOS NOSSA PARTICIPAÇÃO NA ONU. SOBRE NOSSO COMPROMETIMENTO ATUAL COM OS DIREITOS HUMANOS E OS DEMAIS TRATADOS DAS NAÇÕES UNIDAS, ASSINALE A ALTERNATIVA CORRETA: A) Desde a criação da Constituição de 1988, estamos pleiteando uma vaga na cúpula da ONU, porém os índices de desigualdade no país nos impedem de ocupar algumas cadeiras no conselho das Nações Unidas. B) Temos uma ampla participação na ONU, ratificamos a maior parte dos tratados e integramos o Sistema de Internacional de Proteção dos Direitos Humanos, mas, apesar disso, ainda estamos em processo de consolidação dos direitos universais no nosso país. C) Apesar dos esforços para cumprir a Declaração Universal na nossa Constituição, as constantes violações de Direitos Humanos no país nos fizeram perder espaço dentro das Nações Unidas e, atualmente, estamos suspensos pelo grande número de processos que respondemos. D) O Brasil se tornou exemplo de superação de desigualdades e, com uma Constituição exemplar, atualmente, ocupamos as principais cadeiras na diretoria da ONU, tendo recebido o título de país modelo da América Latina. E) Não tem sido de interesse do Estado brasileiro e dos sucessivos governos instalados no controle do Estado a participação sistemática na ONU. GABARITO 1. Depois da criação da Declaração dos Direitos Universais da ONU, o Brasil passou por um longo período de suspensão dos Direitos Humanos. Após a superação do regime militar, que suspendeu a Constituição, foi necessário criar um conjunto de leis para o país. Sobre a Constituição de 1988, assinale a alternativa correta: A alternativa "D " está correta. Conhecida também como Constituição Cidadã, é um exemplo na garantia de direitos e está em exercício até os dias atuais, apesar de que mesmo depois de 30 anos ainda observamos alguns direitos que não são observados pelo Governo. 2. Após o restabelecimento dos direitos no Brasil com a Constituição de 1988, retomamos nossa participação na ONU. Sobre nosso comprometimento atual com os Direitos Humanos e os demais tratados das Nações Unidas, assinale a alternativa correta: A alternativa "B " está correta. Apesar de participar de diversas estruturas da ONU, nossa sociedade ainda se mantém com muitas desigualdades e, constantemente, observamos a violação de Direitos Humanos no país. CONCLUSÃO CONSIDERAÇÕES FINAIS Concluímos reforçando a ideia de que os Direitos Humanos se constituem em um constante processo de aperfeiçoamento e de descoberta de novas necessidades. Ao longo da história, muitas vezes, os direitos básicos não foram respeitados e o mundo precisou sair em defesa daqueles que não tinham sua dignidade humana considerada. A Declaração Universal de Direitos Humanos da ONU é um dos documentos mais importantes para se garantir o debate e a defesa desses direitos, mas esse documento não é unânime e sofre diversas críticas que reforçam que esse documento nunca estará concluído. No Brasil, tivemos uma história marcada pela escravidão que enraizou uma sociedade extremamente desigual e com diversos problemas sociais. Apesar de fazermos parte das Nações Unidas desde os primórdios e termos colaborado com a constituição da declaração universal, passamos por um bom período de interrupção de garantia desses direitos no país. Foi somente no final da década de 1980 que conseguimos garantir a responsabilidade do Estado no cumprimento desses direitos. E, se a nossa adesão a esses direitos aconteceu tardiamente, isso significa que temos uma estrutura menos firme para sua manutenção, uma adesão menor pela sociedade e maiores desafios para concretizá-los. Nossa organização política ainda é recente e frágil, e o comprometimento da atual Constituição com os Direitos Humanos é uma conquista para a garantia dos direitos dos brasileiros. AVALIAÇÃO DO TEMA: REFERÊNCIAS ARENDT, Hannah. As origens do totalitarismo. São Paulo: Companhia das letras,2004. BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992. CARVALHO, Jose Sérgio (Org.). Educação, Cidadania e Direitos Humanos. Petrópolis: Vozes, 2004. DANTAS, João Marcelo B. R. Ruptura e reconstrução dos Direitos Humanos em Hannah Arendt. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 24, n. 5671. Consultado na internet em: abril 2021. Teresina, 2021. HUNT, Lynn. A invenção dos Direitos Humanos. São Paulo: Companhia das letras, 2009. SANTOS, Boaventura de Sousa. Uma concepção multicultural de Direitos Humanos. Lua Nova [online], 1997, nº 39, p. 105-124. EXPLORE+ Que tal conhecer um pouco mais dos documentos: Declaração Universal dos Direitos Humanos Declaração Universal das Crianças e dos Adolescentes Constituição Brasileira de 1988 Livro que você precisa ler: BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992. CONTEUDISTA Marina Contin Ramos CURRÍCULO LATTES javascript:void(0); DESCRIÇÃO Apresentação de pressupostos e contexto do surgimento da Sociologia como ciência, seu desenvolvimento no Brasil e no mundo, as escolas de pensamento, e a contribuição histórica e atual, com objetos e temáticas de estudo. PROPÓSITO Possibilitar uma visão crítica da realidade concreta, das relações sociais e do mundo em que estamos inseridos, com a Sociologia como uma ferramenta para a percepção de que somos sujeitos da história, capazes de ações coletivas do cotidiano. OBJETIVOS MÓDULO 1 Descrever de que forma o pensamento social foi historicamente estruturado até o surgimento da Sociologia como ciência MÓDULO 2 Identificar os pressupostos históricos, políticos, sociais, econômicos e culturais que fundamentaram o surgimento da Sociologia MÓDULO 3 Reconhecer as distintas abordagens metodológicas do campo sociológico, bem como os seus objetos de estudo, suas temáticas e escolas de pensamento INTRODUÇÃO Antes de tudo, para compreendermos a Sociologia, devemos refletir sobre sua origem. A definição da Sociologia como uma ciência para entender a sociedade, em geral, vem acompanhada do pensamento: “Aprender Sociologia deve ser muito complicado!”. Mas o que pretendemos demonstrar aqui é que não! Não é — nem deve ser — difícil compreender essa ciência e seu papel fundamental tanto para a vida em sociedade quanto para a sua formação profissional. De que modo essa ciência pode nos ajudar na compreensão desse mundo marcado por mudança, diversas divisões sociais, conflitos étnicos e relações sociais rápidas e fragmentadas? Como a Sociologia pode ser uma ferramenta para analisar as transformações que a tecnologia tem promovido radicalmente na natureza? A Sociologia pode contribuir na análise desta era de incertezas e crises, por meio de suas escolas de pensamento e metodologias diversas? Para todas essas questões, cada um de vocês tem algumas explicações particulares, tem suas opiniões sobre tecnologia, desigualdade, crises, não é mesmo? Mas a Sociologia apresenta uma forma diferenciada de ver todas essas questões e pensar sobre elas. A Sociologia busca fazer uma interconexão de um problema, seja ele qual for, com o contexto social. Ou seja: é uma ciência que parte da ideia de que não se trata apenas de um problema individual, mas sim social. Portanto, a Sociologia está preocupada com os aspectos sociais, e não individuais. SOCIOLOGIA? NÃO QUERO! VAMOS ENTENDER POR QUE VOCÊ PRECISA URGENTEMENTE REVER OS SEUS CONCEITOS SOBRE A SOCIOLOGIA Neste vídeo, o especialista falará sobre a Sociologia e sua importância. MÓDULO 1 Descrever de que forma o pensamento social foi historicamente estruturado até o surgimento da Sociologia como ciência UMA CIÊNCIA PARA ENTENDER A SOCIEDADE Começaremos nosso percurso para conhecermos um pouco mais sobre o surgimento dessa ciência que busca entender a sociedade, apresentando o que caracteriza o pensamento científico. Isto é, para compreendermos como a Sociologia se tornou uma ciência, precisamos, primeiramente, de uma rápida definição sobre o que é ciência. Para isso, partiremos da noção de que o ser humano está buscando explicações sobre os fatos que observa em seu cotidiano, o tempo todo. Podemos dizer que, ao longo de nossa história, as necessidades de encontrar justificativas e de entender os fenômenos da natureza e da vida sempre estiveram presentes. Fonte: Shutterstock.com COMO A NATUREZA PRODUZ CERTOS EVENTOS? POR QUE O SER HUMANO SE COMPORTA DE DETERMINADO MODO? DE QUE MANEIRA ALGUNS ACONTECIMENTOS OCORRERAM? Essas são algumas das questões que indivíduos como nós, oriundos das mais diversas culturas e tempos, sempre tentaram responder. Saiba que isso é possível a partir de diferentes formas de conhecimento. Uma das mais utilizadas é o senso comum, expressão que designa um conjunto de saberes e opiniões que determinada comunidade humana acumulou no decorrer do seu desenvolvimento. Desenvolvendo ainda mais, podemos dizer que é produto das experiências vividas por um povo ou por um grupo social. Esse saber comum constitui um patrimônio que herdamos das gerações anteriores e que partilhamos com todos os indivíduos da comunidade a que pertencemos. Fonte: Shutterstock.com O senso comum é aquele pensamento mais imediato, superficial, cheio de sentimentos, que, em geral, passamos de geração a geração, por meio das nossas redes familiares, afetivas e de convivência mais direta. Esse tipo de conhecimento se caracteriza por abranger um conjunto de saberes simples, pouco elaborados e que resultam da experiência de vida. Nessa forma de conhecimento, você já deve ter percebido que reproduzimos comportamentos e valores a partir de uma experiência natural. E fazemos desse modo quase sempre sem refletirmos, apenas passando adiante o que nossa rede de confiança e afeto nos trouxe. Assim, esse tipo de saber, muitas vezes, se manifesta por meio de ditos populares e pode vir carregado de preconceitos. Quem nunca ouviu que cortar os cabelos durante a lua crescente faz com que os cabelos cresçam mais rápido ou que esfregar uma aliança de ouro até esquentar e pôr em cima do terçol acaba com ele? Ou ainda frases, como: “Em time que está ganhando não se mexe.” e “Brasileiro gosta de samba, churrasco e futebol”? Há ditos, pensamentos e ensinamentos que são extremamente presentes em nossas vidas e que em algum momento já reproduzimos. MAS, REFLETINDO BREVEMENTE SOBRE ELES, SERÁ QUE PODEMOS COMPROVAR ESSAS INFORMAÇÕES? QUAIS AS TEORIAS, OS DADOS E AS EXPERIÊNCIAS UTILIZADOS PARA PRODUZIR ESSAS AFIRMATIVAS? RESPOSTA RESPOSTA No senso comum, não é necessário que se comprove o que é dito. Ele é um saber informal que se origina de opiniões de determinado indivíduo ou grupo que é avaliado conforme o efeito que produz nas pessoas. Essa é uma das principais diferenças entre senso comum e conhecimento científico, que tem a sua veracidade ou falsidade conhecida através da experimentação. Isso quer dizer que a característica da verificabilidade das afirmações ( hipóteses) é um elemento central para a ciência. HIPÓTESES Entenderemos “hipóteses” como construção de ideias, teses sobre um assunto ou questão. Não se propõem definitivas, mas está posto como algo que precisa de uma análise para que apoie ou refute sua construção. Esse tipo de conhecimento não é definitivo, absoluto ou final. javascript:void(0) javascript:void(0) Sempre está aberto a novas proposições e ao desenvolvimento de técnicas que podem reformular o acervo de teoria existente. A refutação de teses, hipóteses e o questionamento são bases desse tipo de conhecimento. A ciência, por meio de seus métodos, teorias e conceitos, é uma forma mais aprofundada de entendimento e explicação dos fenômenos que, como anunciamos no início, os indivíduos buscam explicar. Para isso, conta com métodos rigorosos, como: 1 Fonte: shutterstock.com OBSERVAÇÃO PERGUNTA Fonte: shutterstock.com 2 3 PESQUISA HIPÓTESE 4 5 EXPERIMENTAÇÃO ANÁLISE DE DADOS Fonte: shutterstock.com 6 7CONCLUSÃO Importante dizermos que um conhecimento não anula o outro. Mas cumprem funções e objetivos distintos; o pensamento científico, por todo seu rigor, sua característica de verificabilidade, e pela possibilidade de crítica e questionamento, apresenta-se como o tipo de conhecimento que deve acompanhar, por exemplo, nossa formação acadêmica. Senso Comum Científico Superficial Conforma-se com a aparência. Elaborado Baseia-se em fatos, teorias e metodologias para fazer afirmações. Sensitivo Referente a vivências, estados de ânimo e emoções da vida diária. Racional Precisa ter uma coerência racional. Subjetivo É o próprio sujeito que organiza suas experiências e conhecimentos. Objetivo Busca a proposição de modelos gerais. Acrítico Verdadeiros ou não, a pretensão de que esses conhecimentos o sejam não se manifesta sempre de uma forma crítica. Crítico Experiências empíricas e questionamentos. Atenção! Para visualizaçãocompleta da tabela utilize a rolagem horizontal SOCIOLOGIA É CIÊNCIA? Ainda sobre o pensamento e o fazer científico, vale dizer que é muito comum associá-lo a certas áreas de conhecimento, como as que chamamos de ciências exatas, biológicas e da natureza. Ou seja, quase sempre quando pedimos o exemplo de uma ciência recebemos como resposta: Matemática, Biologia, Física. Ciências, em geral, que investigam fenômenos da natureza. E a Sociologia? Como vai aparecer nessa conversa? Ela desponta na explicação dos fenômenos sociais. Iremos, aqui, nos debruçar sobre a ciência que investiga os problemas que o homem enfrenta na vida em sociedade. Aquela que parte sempre da desnaturalização e do estranhamento. Em outras palavras, a que procura questionar tudo aquilo que, no comportamento humano, parece “natural” e imutável, e negar a atitude “isso sempre foi assim, e vai continuar assim para sempre”. O olhar sociológico observa a realidade com distanciamento e objetividade, buscando desenvolver um ponto de vista questionador e a explicação das razões de determinados fenômenos sociais. A Sociologia procura construir suas análises sem deixar que preconceitos e pré-julgamentos morais interfiram. Por ser uma ciência, ela parte de teorias, hipóteses e experimentações para embasar seus argumentos e afirmações. “Eu acho que...”, “Na minha opinião” ou “Fiquei sabendo!”, formas de argumentação tão presentes no senso comum, são rejeitadas pela Sociologia. Vejamos agora um exemplo: SOCIOLOGIA X SENSO COMUM Se alguém nos perguntasse sobre desigualdade social, nós poderíamos — pelo nosso conhecimento de senso comum, nossa vivência e nossa trajetória — emitir nossa opinião, o que achamos e pensamos sobre o tema. Mas, por meio da Sociologia, podemos dar uma resposta com dados, demonstrações e teses que comprovam de muitas formas o problema da desigualdade social. Ainda mais detalhadamente: com base em senso comum, alguém afirma que “prostituição é uma vida fácil”. Sobre esse tema, no trabalho Identidade e política: a prostituição e o reconhecimento de um métier no Brasil, Soraya Silveira Simões analisa a mobilização das prostitutas no Rio de Janeiro pelo reconhecimento de uma identidade profissional. Fonte: Koca Vehbi/Shutterstock.com Trabalho muito importante que traz o foco na formação das associações de prostitutas no Brasil, a partir dos anos 1980, na participação efetiva no movimento de prevenção da AIDS e na interlocução com o Ministério da Saúde na conquista do almejado registro da prostituição na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), do Ministério de Trabalho. Como já falamos, o senso comum não deve ser rejeitado. O que estamos propondo é que você pode ir além desse conhecimento, neste caso, sobre a sociedade. A exemplo do fenômeno da desigualdade social, existem muitas outras coisas que acontecem na sociedade que nos atingem diretamente e que a Sociologia pode contribuir — e muito — em sua compreensão. Modo costumeiro de pensar A contribuição da Sociologia O indivíduo é capaz de escolhas autônomas e individuais sobre suas preferências. O indivíduo é fortemente condicionado pelo contexto no qual está inserido. O que move a ação humana são as necessidades e os interesses materiais. Toda ação parte de um cálculo racional sobre benefícios e custos, visando à otimização dos resultados. As relações sociais são marcadas, principalmente, pela liberdade. O processo de socialização é fundamental para as relações entre os indivíduos. Atenção! Para visualizaçãocompleta da tabela utilize a rolagem horizontal Neste módulo inicial, apresentamos brevemente o que caracteriza o pensamento e o fazer científico, destacando a Sociologia como a ciência que pode nos ajudar a entender a sociedade, bem como os problemas que a constituem. Pois bem, antes de nos aprofundarmos na dinâmica do pensamento sociológico, objetivos e contribuições, buscaremos conhecer como a Sociologia surgiu. Para isso, faremos um passeio pela história para encontrarmos suas bases. Em síntese, podemos dizer que Sociologia aponta a necessidade de assumirmos uma visão mais ampla sobre o que somos, além de rompermos com a nossa forma de ver o mundo a partir de características familiares às nossas próprias vidas. Entender como essas influências se constituem fazendo com que nossas vidas individuais reflitam os contextos de nossa experiência social é fundamental para a abordagem sociológica. Aí, você se pergunta: e como ela faz isso? RESPOSTA Mostrando que aquilo que encaramos como natural, inevitável, imutável ou uma verdade absoluta pode não ser bem assim. A Sociologia revela e explicita que diversos aspectos das nossas vidas são diretamente influenciados por forças históricas e sociais. Além disso, é importante destacarmos que a Sociologia é uma ciência ainda em construção, bem jovem, mas que, desde o seu início, em meados do século XIX, procura explicar as estruturas e os processos sociais, políticos, econômicos e culturais das sociedades. Saiba que é este um dos objetivos deste material: apresentar como surgiu esta ciência, em que contexto e a partir de quais bases teóricas. Para isso, privilegiamos a discussão sobre o senso comum versus o conhecimento científico, a relação entre o sujeito e o objeto, os paradigmas e a reflexão sociológica. A “GÊNESE SOCIOLÓGICA”: COMO TUDO COMEÇOU Apesar de a ciência sociológica ser considerada nova, pois ela se consolidou por volta do século XIX, a busca por se entender as sociedades, por sua vez, não é tão nova assim. Encontramos o desejo por conhecer mais sobre os fenômenos sociais ainda na Grécia Antiga, com os sofistas — filósofos que se debruçaram sobre os problemas sociais e políticos daquela época. Então, podemos dizer que os gregos criaram a Sociologia? Não. Mas o pensamento crítico filosófico desenvolvido por eles foi fundamental para o rompimento com explicações místicas acerca dos acontecimentos da sociedade, impulsionando o que hoje chamamos de ciência. Tanto é assim que o pensamento filosófico grego permaneceu sendo essencial para o desenvolvimento da ciência séculos mais tarde. Vocês devem já ter estudado quando o mundo mergulhou em um período de “trevas” durante parte da Idade Média (476 a 1453) e as explicações sobre os fenômenos sociais e da natureza foram hegemonizadas pelo campo religioso, correto? Durante séculos, a fé e o misticismo se apresentavam como as únicas explicações possíveis para os fatos do mundo. Isso se deu de tal forma que as tentativas de explicações mais racionais sobre a sociedade eram perseguidas e asfixiadas. Fonte: Shutterstock.com Como, por exemplo, as teorias sobre a Terra ser redonda e não ser o centro do universo, que geraram perseguição e morte. Mas você deve estar se perguntando qual seria a relação da Filosofia grega com tudo isso. Vejamos... Se até meados do século XV houve esse predomínio dos princípios religiosos na organização e nas explicações das relações sociais, foi a partir da Filosofia e da basedo pensamento grego que esse predomínio começou a ser desfeito. Iniciava-se uma renovação cultural, que ficou conhecida como Renascimento. Os adeptos desse movimento ficaram conhecidos como renascentistas. Eles rejeitavam as explicações aos moldes da Igreja Católica e questionavam estruturas, valores e afirmativas místicas ou teológicas, sem reflexão ou criticidade. O movimento renascentista floresceu por muitas partes da Europa e suas percepções racional, crítica e científica contaram com representantes na: ARTE CIÊNCIA LITERATURA FILOSOFIA Esse configura-se como um dos momentos históricos de extrema relevância para o futuro surgimento da Sociologia. Lembre-se de que foi durante o Renascimento que a doutrina do antropocentrismo influenciou pensadores, como Nicolau Maquiavel (1469-1527) e Francis Bacon (1561-1626), que com suas obras impulsionaram os tempos de domínio da ciência que se iniciavam. Segundo esse sistema filosófico, os homens passavam a ser vistos como o centro de tudo, inclusive do poder de inventar e transformar o mundo pelas suas ações. O ILUMINISMO E A SOCIOLOGIA Contudo, com tudo o que vimos até aqui, é importante destacarmos que, mesmo com a ciência ganhando espaço, deixando de ser perseguida para ser reconhecida, ela não passou a ser a única forma de se explicar e entender o mundo, sobretudo o social. Muitas pessoas mantiveram as explicações a respeito da realidade que eram baseadas na tradição, em mitos antigos ou em explicações religiosas como sendo suas referências. Mas o essencial é que, com o Renascimento, iniciou-se a valorização da ciência e abriu-se espaço para o rompimento com uma única forma de conhecimento e de explicações para os fenômenos. E esse processo seguiu em curso no século seguinte, no período conhecido como Iluminismo. Aqui, houve a valorização da ciência e da racionalidade no entendimento da vida social. Nesse momento, o combate ao absolutismo e à ideia de que os monarcas e a realeza eram frutos de escolhas divinas e sobrenaturais eram centrais. Desse modo, fica óbvio que a ciência se apresentava como forma de conhecimento e pensamento que se contrapunha a essas ideias. Portanto, reflexões importantes sobre a estrutura social da época foram produzidas por autores, como: Fonte: Shutterstock.com VOLTAIRE (1694-1778) Estudos sobre a razão. Fonte: Shutterstock.com JEAN-JACQUES ROUSSEAU (1712-1778) Escritos sobre democracia e desigualdade. Fonte: Shutterstock.com MONTESQUIEU (1689-1755) Crítica ao absolutismo e defesa precursora de poderes separados (Legislativo, Judiciário e Executivo) para o Estado. Observe que um novo marco para o contexto de desenvolvimento da Sociologia surgiu na França, com inspiração nas ideias de pensadores iluministas. A Revolução Francesa foi ciclo revolucionário motivado pela situação de crise que aquele país vivia que aconteceu entre 1789 e 1799. Além disso, ela trouxe uma nova forma de se pensar o Estado e o governo, alterando a lógica social e governamental. QUAIS TRANSFORMAÇÕES PROFUNDAS FORAM RESULTADO DESSE EPISÓDIO HISTÓRICO? RESPOSTA 1 RESPOSTA 2 RESPOSTA 3 RESPOSTA 1 Marcou o início da queda do absolutismo na Europa. RESPOSTA 2 Inspirou os movimentos de independência na América. RESPOSTA 3 Popularizou a república como forma de governo, bem como a ideia de separação dos poderes. Desse modo, podemos dizer que o pensamento iluminista contribuiu para a ideia da existência de uma ciência que pudesse ajudar a interpretar os movimentos da própria sociedade. javascript:void(0) javascript:void(0) javascript:void(0) Fonte: Naci Yavuz/shutterstock.com ILUMINISMO: Movimento intelectual que surgiu na Europa durante o século XVIII IDEAIS: - Liberdade - Igualdade – Fraternidade Fonte: shutterstock.com APOIO: Como os pensadores e os burgueses tinham interesses em comum, o Iluminismo tinha o apoio da burguesia. John Locke é tido como o pai do Iluminismo. COMBATE: Para combater a fé na Igreja o movimento se utilizou da razão e para combater o poder centralizado da monarquia utilizou da ideia de liberdade. DEFENDIA: A razão (luz) contra as trevas do antigo regime. Pregava maior liberdade econômica e política Fonte: shutterstock.com AS CRÍTICAS DO MOVIMENTO AO REGIME ANTIGO: - Mercantilismo - Absolutismo monárquico – O poder da Igreja e as verdades reveladas pela fé ANTROPOCENTRISMO: O homem como o centro – O avanço da ciência e da razão LIBERDADE ECONÔMICA: O Estado não intervém na economia Podemos perceber que a Sociologia não surgiu de repente, fruto de mágica ou da reflexão de algum autor. Mas teve origem em uma série de acontecimentos e movimentos, que se desenvolveram a partir do século XV, quando ocorreram grandes mudanças decorrentes da transformação da sociedade. Essas transformações incluem, entre outras coisas, Fonte: Shutterstock.com O impacto de acontecimentos como a expansão marítima. Fonte: Shutterstock.com As reformas protestantes. Fonte: Shutterstock.com A formação dos Estados nacionais e do desenvolvimento científico e tecnológico. Essa mudanças podem ser consideradas alicerces para a alteração nas formas de explicar a natureza e a sociedade; elas não podem ser analisadas ou compreendidas de modo isolado, mas como parte de um processo único de constituição, consolidação e desenvolvimento da sociedade moderna sob o qual a Sociologia irá se debruçar. VERIFICANDO O APRENDIZADO 1) AS RELAÇÕES ENTRE CIÊNCIA E SENSO COMUM SEMPRE FORAM POLÊMICAS, SEJA PORQUE SE BUSCOU VER NA PRIMEIRA A EVOLUÇÃO DO SEGUNDO; SEJA PORQUE FORAM DEFINIDOS COMO FORMAS DE CONHECIMENTO EXCLUDENTES ENTRE SI. TENDO EM VISTA ESSAS CORRELAÇÕES, É CORRETO AFIRMAR QUE O CONHECIMENTO CIENTÍFICO (FGV- SEDUC/SP- 2013): A) Estabelece uma ruptura com o senso comum, ao exigir constante crítica do passado. B) Supera o senso comum, quando alcança resultados indubitavelmente provados. C) Concorda com o senso comum, ao basear suas afirmações no registro direto dos dados sensoriais. D) Tem o poder de explicar tudo, face às dúvidas e crendices do senso comum. E) Elimina a especulação pela comprovação e transforma o discurso do senso comum em fato observável. 2) A CONFIANÇA NA RAZÃO E NA CAPACIDADE DE O CONHECIMENTO COMO FORMA DE LEVAR A HUMANIDADE A UM PATAMAR MAIS ALTO DE PROGRESSO ERA A PARTE DA CRÍTICA ILUMINISTA. ESSE MOVIMENTO DE IDEIAS TEVE UM IMPACTO DECISIVO NA FORMAÇÃO DA SOCIOLOGIA. SÃO ASPECTOS DESSE DEBATE, EXCETO: A) A ideia de liberdade passou a ser associada à conquista de direitos e à autonomia frente às instituições. B) Na busca de explicações sobre os rumos que tomariam as sociedades em meio transformações em curso, emergiram vários temas que passaram a compor o campo de estudos da Sociologia. C) No século XVIII, consolidou-se a ideia de que o progresso era inevitável e isso influenciou diretamente o pensamento dos primeiros teóricos da Sociologia. D) Parcela importante da Europa letrada acreditava nesse momento que a preservação das tradições traria ordem ao mundo. E) O combate ao absolutismo e à ideia de que os monarcas, como frutos de escolhas divinas e sobrenaturais, foram determinantes para o pensamento o pensamento iluminista. GABARITO 1) As relações entre ciência e senso comum sempre foram polêmicas, seja porque se buscou ver na primeira a evolução do segundo; seja porque foram definidos como formas de conhecimento excludentes entre si. Tendo em vista essas correlações, é correto afirmar que o conhecimento científico (FGV- SEDUC/SP- 2013): A alternativa "E " está correta. Uma das principais diferenças entre senso comum e conhecimento científico é que o segundo tem a sua veracidade ou falsidade conhecida por meio da experimentação. Isso quer dizer que a característica da verificabilidade das afirmações (hipóteses) é um elemento central para a ciência. 2) A confiança na razão e na capacidade de o conhecimento como forma de levar a humanidadea um patamar mais alto de progresso era a parte da crítica iluminista. Esse movimento de ideias teve um impacto decisivo na formação da Sociologia. São aspectos desse debate, exceto: A alternativa "D " está correta. O Iluminismo, com seu enfoque na racionalidade e na valorização da ciência para o entendimento da vida social, pôs em questão as bases da tradição. MÓDULO 2 Identificar os pressupostos históricos, políticos, sociais, econômicos e culturais que fundamentaram o surgimento da Sociologia Governadores da Guilda de São Lucas por Jan de Bray - 1675 SURGIMENTO DO ESTADO MODERNO Conforme vimos no módulo anterior, o Estado Moderno nasce a partir de todas as transformações econômicas, políticas, sociais e culturais já estudadas. Ele é fruto dessas mudanças, mas também irá proporcionar inúmeras outras. Durante esse período, ocorreu a expansão das atividades econômicas, ampliando-se a forma de produção como as frentes, que agora passam a incluir: Fonte: Shutterstock.com ÁREA TÊXTIL Fonte: Shutterstock.com MINERAÇÃO Fonte: Shutterstock.com SIDERURGIA Fonte: Shutterstock.com COMÉRCIO INTERNO E EXTERNO Em grande parte da Europa, constituiu-se uma classe social formada majoritariamente por comerciantes e banqueiros, a burguesia local. Devido à conformação desse novo Estado e de suas principais atividades econômicas, essa camada social passou a ter muito prestígio e poder. Essa classe comprava e vendia mercadorias em todo o mundo e levava, também, o modo de vida, a religião, os costumes e as crenças europeus para os continentes e países colonizados. Já em meados do século XVII, outro ramo de atividade passou gradativamente a se organizar e a ganhar espaço nessa nova composição do Estado: a produção manufatureira. Essa forma de produção e seu desenvolvimento geraram a necessidade constante de aperfeiçoamento das técnicas de produção. Isto é: como produzir mais com menos gente, aumentando significativamente os lucros. Para isso, passou a haver um grande investimento em tecnologia, em aparatos e máquinas que pudessem ser inseridos no processo produtivo a fim de potencializá-lo. Esse investimento na criação de máquinas e “inventos” significou, também, o fortalecimento do conhecimento científico. O resultado desse processo foi o fenômeno chamado de maquinofatura. O trabalho que antes os homens realizavam com as mãos ou com ferramentas passou a ser feito por meio de máquinas, elevando muito o volume da produção de mercadorias. Você já deve ter estudado que, nesse período, por exemplo, foram criadas as máquinas de tecer e de descaroçar algodão; também teve início o uso da máquina a vapor. Esta última, em especial, foi determinante para o desenvolvimento industrial, já que ela possibilitava o uso de outras tantas máquinas. Fonte: Shutterstock.com A máquina a vapor incentivava o surgimento da indústria construtora de máquinas. Como consequência, incentivava toda a indústria voltada para a produção de ferro e, posteriormente, de aço. Todas essas mudanças econômicas precisam ser analisadas em conjunto com as demais transformações que estavam em curso, tanto no campo político, como no cultural e no científico. Conforme já mencionamos anteriormente, todas como parte de um único processo. Você pode entender que as mudanças na esfera de produção e a emergência de novas formas de organização política e cultural constituíram a base para o surgimento de um novo sistema: o capitalismo. Sim, este mesmo que você já conhece. O capitalismo, a partir do século XVIII até os dias de hoje, constitui a base hegemônica da vida em sociedade. Nele, no bojo das transformações que promoveu, a Sociologia emerge institucionalmente. Fonte: Shutterstock.com/EnsineMe SOCIOLOGIA: UMA CIÊNCIA DO MUNDO MODERNO Vimos, até aqui, as profundas transformações e revoluções pelas quais o mundo passou a partir do século XV. Uma das principais alterações ocorreu nos processos produtivos dessas sociedades, com a introdução de novas máquinas e equipamentos. Foram tantas as modificações: NA FORMA DE PRODUÇÃO NA ECONOMIA NA ORGANIZAÇÃO SOCIAL NA CULTURA E EM TODOS OS ASPECTOS DA VIDA Era o desenvolvimento de um novo sistema político, econômico e social em curso. E como bem sabemos, foi nesse contexto, de consolidação do sistema capitalista na Europa em meados do século XVIII, que encontramos as heranças intelectuais que colaboraram para o surgimento da Sociologia como ciência. A Revolução Industrial e a consolidação do capitalismo são fatos históricos determinantes para compreendermos como a Sociologia se desenvolveu. Fonte: Shutterstock.com Você está se perguntando a relação desses fatos com a nossa ciência da sociedade? Essa é fácil! Podemos dizer que o processo de Revolução Industrial, iniciado na Inglaterra, ocasionou grandes alterações no estilo de vida das pessoas, sobretudo nas das que viviam no campo ou do artesanato. 1 Isso ocorreu porque, até aquele momento, o trabalho manufatureiro acontecia com vários artesãos, em locais separados e dirigidos por um comerciante que dava a eles a matéria-prima e as ferramentas. A industrialização que se iniciou e o desenvolvimento das máquinas possibilitou organizar a produção em um único lugar, com divisão de funções; o antigo artesão agora operava apenas parte da produção. 2 3 A industrialização representou um aumento expressivo na produção das mercadorias, diminuindo o tempo que se levava para isso. Significou, também, aberturas de novos mercados e expansão dos lucros. O quadro que se desenhou a seguir foi o de superação do sistema feudal da Europa Ocidental, que já não conseguia suprir as necessidades dos novos mercados que se abriam, além do estabelecimento de um sistema baseado na propriedade privada, no lucro e na acumulação de capital. 4 É bem provável que você ainda deva estar buscando a relação desse processo com a edificação da Sociologia como ciência. O fato é que, a partir da Revolução Industrial que mencionamos de forma breve, as cidades da Europa Ocidental começaram a se transformar em grandes centros urbanos comerciais e, posteriormente, industriais. Esses novos centros vieram acompanhados de uma expressiva mudança no estilo de vida das pessoas. Fonte: Shutterstock.com VAMOS IMAGINAR... Pense nos camponeses que criavam ovelhas e forneciam lã e foram expulsos pelos senhores das terras para criar as fábricas de tecidos. Ou na massa de indivíduos que saíram do campo, incluindo mulheres e crianças, para buscar uma oportunidade nessas fábricas. Agora, imagine ainda que tais famílias, que antes criavam seus filhos enquanto trabalhavam no campo, passavam seus dias no interior de uma fábrica. A forma de produzir se transformou rapidamente com o desenvolvimento das máquinas, mas a vida das pessoas também. Novas demandas sociais passaram a existir: MORADIA LUGAR PARA DEIXAR AS CRIANÇAS, AQUELAS QUE AINDA NÃO TINHAM IDADE PARA TRABALHAR. javascript:void(0) HOSPITAL TRANSPORTE PARA IR PARA O TRABALHO E VOLTAR. SEGURANÇA Essas e muitas outras necessidades se tornaram elementos significativos da vida em sociedade. Esses temas despertavam o interesse de críticos e pensadores da época. Essas mudanças profundas na sociedade europeia vieram acompanhadas da necessidade de alterar e expandir, também, o campo das ideias, do pensamento. Era preciso uma ferramenta que pudesse auxiliar na interpretação desse novo mundo que se apresentava. Uma ciência que possibilitasse investigar e refletir sobre os novos problemas sociais oriundos da industrialização, que buscasse a compreensão da nova estrutura social e das relações. E foi esse o quadro que culminou com o reconhecimento da Sociologia como ciência, como a ferramenta de olhar para a sociedade. Em resumo, podemos dizer que a consolidação do sistema capitalista e as transformações profundas provocadas por ele foram acompanhadas pela valorização da ciência se contrapondo às explicações míticasou de senso comum a respeito do mundo. A abertura de mercados mundiais, os conflitos derivados das condições de vida dos, agora, operários e a nova forma de organização do Estado eram elementos que suscitavam compreensão. A Sociologia começou a se apresentar, então, como uma ciência capaz de dar respostas mais elaboradas sobre os novos problemas sociais que emergiam. Você pode perceber que o desenvolvimento da Sociologia como ciência ocorreu de forma gradual e a partir de inúmeras transformações sociais e fatos históricos. E isso culminou com o seu reconhecimento e as suas teorias como ferramentas analíticas e de reflexão sobre a sociedade industrial e científica que surgia. Desde então, passamos a contar com uma ciência que nos ajuda a entender nossos problemas sociais e nos permite encontrar soluções para eles. A Sociologia surgiu para desvendar e explicar os dilemas fundamentais do novo mundo que se constituía. Podemos dizer, então, que a Sociologia é resultado desse mundo moderno. O QUE FIZEMOS ATÉ AQUI? Um dos nossos objetivos com este material consiste em fornecer a base teórica e metodológica das principais teorias sociológicas. Para alcançar esse objetivo, apresentamos determinados temas, as chamadas escolas de pensamento sociológico e suas principais referências e influências. Também buscamos, aqui, evidenciar as múltiplas abordagens possíveis por essa ciência e suas metodologias. Pretendemos provocar o aprofundamento de questões relacionadas à compreensão da realidade social em que vivemos, para nortear a nossa prática social como sujeitos críticos e politicamente comprometidos com a transformação social. Você aprendeu um pouco até aqui sobre as palavras-chave e corriqueiras do campo da Sociologia, para começar a perceber porque é importante conhecê-la. Seu passo seguinte foi saber que ela tem uma história, que ela está no mundo, não que seja uma descoberta. CRIANÇAS Desde a época rural, anterior à Revolução Industrial, as crianças já ajudavam suas famílias nas tarefas do campo, mas nada que se comparasse à exploração do trabalho infantil que se deu então. Ao se deslocarem para a cidade, a vida de todos foi modificada. As crianças trabalhavam por longas horas, em atividades repetitivas e perdiam toda a sua infância. O trabalho infantil era permitido a partir dos seis anos de idade e, em média, trabalhavam 14 horas por dia. Fonte: (ELGELS, 1986) A Sociologia é um exercício de despertar, o homem sempre viveu em sociedade e pensou sobre o que isso significa. Chegou, então, o momento de despertar: por que preciso de uma ciência para conhecer a sociedade? Por que isso fica tão importante no século XIX? Você descobre que a Sociologia tem um ambiente de criação, marcado por: CONDIÇÕES MATERIAIS CONDIÇÕES POLÍTICAS ASPECTOS REGIONAIS Os primeiros conceitos crescem e começa a aparecer a necessidade de novas definições: país, povo, Estado... A sistematização dessas noções não é tarefa fácil. Não há caracterizações simples e rápidas sobre essas noções com as quais convivemos durante toda a vida, sem torná-las um conhecimento organizado. Agora, podemos dar o próximo passo. REVENDO OS CONCEITOS SOBRE A SOCIOLOGIA Neste vídeo, o especialista fará uma entrevista com um convidado tratando sobre os principais tópicos apresentados até aqui. VERIFICANDO O APRENDIZADO 1) LEVANDO EM CONSIDERAÇÃO AS MUDANÇAS SOCIAIS QUE OCORRERAM E ALTERARAM PROFUNDAMENTE A ORGANIZAÇÃO SOCIAL E OS ASPECTOS CULTURAIS QUE PERDURAM ATÉ OS DIAS ATUAIS, MARQUE A ALTERNATIVA CORRETA SOBRE O SURGIMENTO DA SOCIOLOGIA E AS QUESTÕES QUE ESTA PRETENDE ANALISAR A) A ampliação da produção industrial gerou o fortalecimento da vida no campo. B) Os desenvolvimentos tecnológico e das máquinas levaram ao crescimento das cidades rurais. C) O trabalho nas fábricas era semelhante ao manufatureiro, sem divisão do trabalho e sem mudanças para o trabalhador. D) As ciências sociais surgiram em um contexto de preservação de tradições. E) A Revolução Industrial e a consolidação do capitalismo trouxeram a necessidade de reflexão sobre os novos problemas sociais e a nova estrutura social vigente. 2) UMA SÉRIE DE MUDANÇAS POLÍTICAS E ECONÔMICAS OCORREU NA EUROPA A PARTIR DO FIM DA IDADE MÉDIA. SOBRE A LIGAÇÃO ENTRE ESTAS MUDANÇAS E O SURGIMENTO DA SOCIOLOGIA, É CORRETO AFIRMAR: A) A sociedade moderna se constituiu em oposição ao desenvolvimento industrial. B) O desenvolvimento tecnológico e as novas demandas sociais colaboraram com o interesse pelo entendimento da vida social. C) A consolidação do capitalismo e o advento do Estado moderno geraram a busca por explicações nos textos sagrados e no misticismo em detrimento da ciência. D) As explicações de senso comum e religiosa ganharam cada vez mais espaço na sociedade capitalista em desenvolvimento. E) Renascentismo, Iluminismo e Revolução Industrial não representam marcos históricos para o surgimento da Sociologia. GABARITO 1) Levando em consideração as mudanças sociais que ocorreram e alteraram profundamente a organização social e os aspectos culturais que perduram até os dias atuais, marque a alternativa correta sobre o surgimento da Sociologia e as questões que esta pretende analisar A alternativa "E " está correta. As mudanças profundas na sociedade europeia trouxeram, também, a necessidade de alterar e expandir o campo das ideias. Era preciso uma ciência que possibilitasse investigar e refletir sobre os novos problemas sociais que se apresentavam em decorrência das mudanças. 2) Uma série de mudanças políticas e econômicas ocorreu na Europa a partir do fim da Idade Média. Sobre a ligação entre estas mudanças e o surgimento da Sociologia, é correto afirmar: A alternativa "B " está correta. As mudanças na esfera de produção, a emergência de novas formas de organização política e cultural e de grandes centros urbanos comerciais foram acompanhadas por uma expressiva mudança no estilo de vida das pessoas e da busca por explicações para este novo mundo. MÓDULO 3 Reconhecer as distintas abordagens metodológicas do campo sociológico, bem como os seus objetos de estudo, suas temáticas e escolas de pensamento ESCOLAS PIONEIRAS Neste módulo, iremos abordar os principais pensadores que contribuíram com a institucionalização da Sociologia como ciência e que, até hoje, têm suas teorias embasando as chamadas escolas de pensamento sociológico. E você, certamente, deve estar se perguntando se falaremos das ideias e propostas de todos os fundadores da Sociologia e como esses debates realizados no passado podem trazer contribuições ao presente. Fonte: Shutterstock.com Como é que eu posso pensar o meu mundo hoje a partir de quem só viu o passado? É possível? RESPOSTA A resposta a este questionamento é: não temos a pretensão de abordar todos os teóricos, mesmo porque seria praticamente impossível em nosso “espaço”. Mas destacaremos os marcos que definiram as principais linhas e tendências de visão da sociedade que esses pensadores cunharam, bem como os objetos e as metodologias utilizados por eles, que prevalecem até os dias de hoje. E não pense que isso é só história! É extremamente relevante conhecermos as discussões e teorias sociológicas anteriores ao nosso tempo. Afinal, identificar os erros e acertos do passado nos ajuda com as análises do presente. Além disso, durante muito tempo, a visão e a leitura sobre os fenômenos sociais foram predominantemente realizadas pelas elites políticas, econômicas e sociais. Elas serviam como forma de impor à população uma visão ideológica conservadora dominante. Portanto, novas leituras são urgentes e necessárias. Começaremos esse nosso breve resgate sobre os principais pensadores da Sociologia pela França. Não poderia ser diferente, pois foi onde se desenvolveu uma das mais significativas vertentes da Sociologia contemporânea: o positivismo funcionalista. POSITIVISTA Para falar da escola positivista, que ainda encontra adeptos até os diasde hoje, é preciso recuperar a trajetória de Auguste Comte (1798-1857), pois foi ele quem criou o termo “Sociologia”. AUGUSTE COMTE A proposta de Comte era produzir uma síntese da produção científica a partir do que já havia sido acumulado pelas ciências existentes, como a Matemática, a Física e a Biologia. Fonte: Shutterstock.com A ideia principal defendida por ele era de que a física social, ou seja, a Sociologia, se apropriasse dos métodos utilizados nessas ciências que já haviam alcançado um status de positivo. Além disso, Comte acreditava na superioridade da ciência para as explicações dos fenômenos. Fonte: Shutterstock.com Ainda de acordo com a visão desse pioneiro da Sociologia, a sociedade estaria adoecida, vivenciando o estado de caos e desordem. Vale lembrar que quando Comte estava produzindo suas teorias, o mundo vivenciava a transição do sistema feudal para o capitalista. Sendo assim, você já imagina que estavam ocorrendo o avanço da tecnologia e da industrialização, a consolidação do mundo moderno e todas as questões sociais que emanavam desse processo. Assim, Comte defendia que a ciência deveria ser utilizada para organizar a ordem social, uma ordem positivista, instaurando a disciplina e a ordem. Essa seria uma das principais funções da Sociologia para a escola de pensamento positivista. EMILE DURKHEIM Um segundo teórico considerado fundador da Sociologia também teve origem na escola francesa de pensamento positivista: Emile Durkheim. Foi a partir dele, que a Sociologia adquiriu métodos próprios, como o funcionalista, e ganhou status de ciência. Fonte: Autor desconhecido/Wikipedia Émile Durkheim Apesar do avanço em relação à metodologia proposta, Durkheim ainda atuou sob muita influência positivista. Nesse sentido, propôs regras de observação e de procedimentos de investigação que permitissem à Sociologia estudar os acontecimentos sociais de maneira semelhante ao que faziam outras ciências, como a Biologia. Fonte: Shutterstock.com É importante dizer que Durkheim, da mesma forma que Comte, presenciou inúmeras transformações sociais, a consolidação do Estado moderno e do capitalismo, tendo sido diretamente influenciada por este contexto. Desse modo, Durkheim defendia que os entraves presentes na sociedade moderna estavam conectados aos problemas de ordem social. Por isso, grande parte de sua obra na Sociologia se debruçou sobre esse ponto. Veremos agora um esquema que explica o surgimento da Sociologia: Fonte: jonezin/storyboardthat.com No século XVIII, com a Revolução Industrial e Francesa, que mudaram o mundo, surgiu a Sociologia, que foi uma nova ciência baseada por Émile Durkheim e Auguste Comte Fonte: jonezin/storyboardthat.com Com a Revolução Industrial, surgiram os proletários, trabalhadores das indústrias, que necessitavam que esposas e filhos trabalhassem para conseguir sobreviver Fonte: jonezin/storyboardthat.com A Revolução Francesa mudou a famosa pirâmide, com a alteração da estrutura social daquela época Fonte: jonezin/storyboardthat.com Pensando nisso, Durkheim e Comte começaram a repensar os aspectos da sociedade, diferenciando do senso comum Fonte: jonezin/storyboardthat.com Para formar os ideais base da Sociologia, os dois juntaram seus estudos e pensamentos Fonte: jonezin/storyboardthat.com A sociedade estava mudando, e mudaria muito mais. As revoluções, foram importantes para a evolução social, mesmo com todo sofrimento envolvido SOCIOLOGIA COMPREENSIVA O pensamento do sociólogo que estudaremos a seguir vai em direção diferente ao que vimos até agora. E faz parte da escola sociológica alemã. Sobre essa teoria, é fundamental dizermos que, diferentemente do processo na França, a Alemanha e seus primeiros estudiosos da Sociologia não voltaram sua preocupação para a definição do estatuto científico da Sociologia nesse primeiro momento. Portanto, é muito comum identificar os estudos sociológicos alemães desse período mesclados com estudos da Filosofia e da História. Assim sendo, podemos dizer que a escola alemã se desenvolveu em outra direção em relação à da França. Encontramos um exemplo importante dessa distinção no fato de que os teóricos alemães defendiam uma discussão metodológica que privilegiasse a diferenciação entre as ciências naturais e as histórico-sociais, questionando a visão positivista sobre a ciência. MAX WEBER Foi nessa escola que o pensamento e a obra de Max Weber (1864-1920) se desenvolveram. Weber, ao contrário de Durkheim e Comte, defendeu que a interpretação da sociedade deveria partir — não dos fatos sociais já consolidados e suas características externas, tais como as leis e as instituições —, mas do indivíduo. Fonte: Autor desconhecido/Wikipedia Max Weber A teoria de Weber primava pela ideia de que a Sociologia deveria iniciar suas investigações pela verificação das: INTENÇÕES MOTIVAÇÕES VALORES EXPECTATIVAS Que orientam as ações do indivíduo na sociedade. Tinha início, assim, a chamada Sociologia compreensiva e, com ela, as teorias que buscam entender a sociedade a partir dos motivos identificados nas ações dos indivíduos. KARL MARX Outro teórico importante da escola alemã foi o filósofo e economista Karl Marx (1818-1883). Marx é um dos pensadores mais conhecidos de todos os tempos e circulou por diferentes campos de conhecimento em suas obras, entre eles, a Sociologia, com sua crítica ao sistema capitalista. Fonte: John Jabez Edwin Mayal/Wikipedia Karl Marx Assim como os demais pensadores que apresentamos aqui, Marx experimentou as mudanças que emanavam com o novo sistema. Ele propôs uma discussão crítica sobre a sociedade capitalista e a origem dos problemas sociais que esse tipo de organização social ocasionava. Sua extensa obra parte sempre da concepção de que “as histórias de todas as sociedades têm sido a história da luta de classes”. Ou seja, para ele, nas sociedades de tipo capitalista, sempre haverá o conflito entre suas duas classes sociais fundamentais: BURGUESIA PROLETARIADO Nesse sentido, Marx defendia que seus estudos e sua obra deveriam contribuir para ajudar a classe proletária a se organizar. Uma escola sociológica precursora e distinta das demais, contrária à ideia da Sociologia como uma ciência neutra, isenta, que apenas produzisse estudos que revelassem as estruturas sociais. Para a escola marxista de pensamento, teoria e prática caminham conjuntamente, em uma relação dialética. Vale lembrar que apesar das inúmeras diferenças presentes em todas essas escolas de pensamento sociológicas mencionadas, seus representantes foram e são referências para o pensamento sociológico desenvolvido em todo o mundo. ESCOLA AMERICANA Uma escola bastante influenciada pelas produções francesa e alemã foi a dos Estados Unidos da América, em que vários pensadores seguiram algumas vertentes desses pensamentos sociológicos. Ressaltamos que nos Estados Unidos, diferentemente de como ocorreu na França e na Alemanha, não há um ou dois personagens marcantes ou hegemônicos, mas vários. E a escola americana também representa hoje uma grande influência em quase todo o mundo para o pensamento sociológico. E além... A SOCIOLOGIA DO SÉCULO XX Você acha que a Sociologia parou no século XIX? Esse foi somente o início. É absolutamente impossível pensar a Sociologia sem ser tributário em alguma medida a essas escolas que destacamos anteriormente. É essencial para aqueles que desejem debater sobre a sociedade em termos científicos conhecer essas teorias. A qualidade das formulações, a construção de conceitos e sua operacionalização fazem com que sejam de estudo obrigatório, independentemente de suas correntes políticas e sociais. Podemos citar alguns importantes sociólogos: THEODOR ADORNO Membro da escola de Frankfurt e um dos continuadores/críticos do pensamento marxista. KARL MANNHEIM E ROBERT K. MERTON Inauguradores da Sociologia do conhecimento. WILLIAM JAMES E HERBERT MEADCom o interacionismo da escola de Chicago e as limitações do indivíduo. TALCOTT PARSONS E PITIRIM SOROKIN Com teorias sociais que visavam a reabilitar e rediscutir o funcionalismo. ANTHONY GIDDENS Com a reintrodução do estruturalismo na Sociologia. PIERRE BOURDIEU Com a teoria da ação, em que remonta o arcabouço teórico, mas sem romper com as influências dos teóricos que formam a própria Sociologia. Não tome esses nomes como uma mera curiosidade, mas pontos de partida para buscas e reflexões. Recentemente, novos debates sociológicos têm trazido importantes mudanças nos objetos de pesquisa da Sociologia. Afinal, nomes como Simone de Beauvoir e Michel Foucault trouxeram da Filosofia importantes debates que redimensionam os estudos da Sociologia. 1 SIMONE DE BEAUVOIR Ao escrever sobre o segundo sexo. 2 MICHEL FOUCAULT Ao trazer para o debate questões sobre o discurso, a violência e o sexo. Ambos provocam um quadro de importantes mudanças na construção de objetos. Na Sociologia, esses debates serão acompanhados por Christine Delphy, Françoise Battagliola e Nancy Fraser, sem renunciar à influência da História, com Joan Scott; e da Filosofia com Judith Butler. Entenda que toda essa discussão é válida, pois transforma os novos debates em campos interdisciplinares. Buscam entender, por exemplo, a dinâmica das questões de gênero em uma sociedade. Mas todos os debates ainda partem do conhecimento e das influências dos principais autores da formação da Sociologia. Agora que estudamos um pouco sobre as escolas de pensamento sociológicas pioneiras e suas principais referências, você deve estar se perguntando: mas e o Brasil? E O BRASIL? Podemos dizer que a história da Sociologia brasileira teve início a partir da década de 1930, quando as primeiras obras que apontavam algum interesse na compreensão da sociedade brasileira quanto à sua formação e estrutura foram desenvolvidas. Fonte: Shutterstock.com Não estamos, contudo, afirmando que antes disso não houve nenhum pensamento ou autor que tenha buscado com seus estudos entender nossa sociedade. Porém, estamos apenas ressaltando que as produções que eram apresentadas até esse momento não se dedicavam diretamente a uma tentativa de explicação da formação e a estrutura da sociedade brasileira. Nesse sentido, a produção sociológica brasileira — contendo um caráter mais investigativo e explicativo — nasce com movimentos que estimulavam uma postura mais crítica sobre o que acontecia em nossa sociedade neste momento. Estamos falando de movimentos como: MODERNISMO FORMAÇÃO DE PARTIDOS (SOBRETUDO O PARTIDO COMUNISTA) MOVIMENTOS QUE PROPUNHAM MUDANÇAS SOCIAIS Esses movimentos impulsionaram pensadores e intelectuais brasileiros a refletirem sobre a própria sociedade. Assim, contribuíram para a constituição de uma Sociologia brasileira, mesmo que bastante influenciada por teorias sociológicas importadas. Como exemplo desses pensadores, podemos citar: Gilberto Freyre, Caio Prado Júnior, Sérgio Buarque de Holanda, Fernando de Azevedo, Nelson Werneck Sodré, Raymundo Faoro, entre outros. Na década seguinte, uma nova geração de sociólogos inaugurou, no país, estilos mais independentes de fazer Sociologia. Surgiram, naquele momento, diferentes escolas de Sociologia em São Paulo, Recife, Rio de Janeiro, Salvador e Belo Horizonte. Foi um período extremamente fértil para o desenvolvimento do pensamento sociológico brasileiro e momento em que autores, como Oliveira Viana, Florestan Fernandes e Guerreiro Ramos, despontavam no cenário nacional. “A Sociologia brasileira é em grande parte uma ‘Sociologia enlatada’, mas é preciso constituir uma consciência crítica da realidade nacional.” (GUERREIRO RAMOS apud PEIXOTO; VIANA, 2011) Fonte: Gabriel Siqueira/Irradiandoluz.com.br/CC BY-NC-SA 3.0 Alberto Guerreiro Ramos De toda forma, é preciso dizer que, até as últimas décadas do século XX, a Sociologia brasileira permaneceu fortemente marcada pelas teorias internacionais e, com poucas exceções, por análises e discussões sobre temas nacionais. Destacamos, também, que esta Sociologia sempre manteve uma estreita relação com as grandes vertentes do pensamento sociológico tradicional: Marxista Histórico-estrutural Durkheimiana Funcionalista Weberiana Compreensiva Linha norte-americana Em suas variadas ramificações Nas últimas décadas, estamos vivenciando transformações importantes na Sociologia brasileira. Pois ela tem trabalhado com novas formas de investigação e privilegiando temas e objetos como: A DIVERSIDADE CULTURAL BRASILEIRA A CIDADANIA E OS MOVIMENTOS SOCIAIS O TRABALHO E GÊNERO REVENDO MAIS CONCEITOS SOBRE A SOCIOLOGIA Neste vídeo, o especialista fará uma entrevista com um convidado tratando sobre os principais tópicos apresentados até aqui. VERIFICANDO O APRENDIZADO 1) (UECE, 2019) RELACIONE CORRETAMENTE OS PENSADORES APRESENTADOS, A SEGUIR, COM SEUS RESPECTIVOS PENSAMENTOS OU ATRIBUTOS, NUMERANDO A COLUNA II DE ACORDO COM A I. 1. MAX WEBER 2. KARL MAX 3. EMILE DURKHEIM 4. AUGUSTO COMTE ( ) CONSIDERA FATOS SOCIAIS COMO COISAS. ( ) SÃO CONCEITOS-CHAVE DE SUA TEORIA: AÇÃO SOCIAL; TIPO IDEAL; BUROCRACIA. ( ) CONSIDERADO O PAI DA SOCIOLOGIA MODERNA, CRIOU A DISCIPLINA ACADÊMICA DA SOCIOLOGIA. ( ) DEFENDE A IDEIA DE QUE INTERESSES ENTRE O CAPITAL E O TRABALHO SÃO IRRECONCILIÁVEIS. A) 1, 2, 3 e 4. B) 3, 1, 4 e 2. C) 3, 2, 4 e 1. D) 4, 3, 2 e 1 E) 4, 1, 3 e 2. 2) TENDO COMO BASE AS INFORMAÇÕES SOBRE A SOCIOLOGIA BRASILEIRA ABORDADAS NESTE MÓDULO, É INCORRETO AFIRMAR QUE: A) A Sociologia brasileira sempre se configurou como uma tradição científica forte no país e que sofria pouca influência internacional. B) Os primeiros estudos sociológicos estavam voltados às relações raciais e ao mundo rural brasileiro, sem um direcionamento para a estrutura e organização da sociedade. C) A Sociologia passou a se institucionalizar no país a partir da década de 1930. D) Na década de 1940, foram inauguradas escolas de Sociologia em diversos estados do país, como São Paulo, Rio de Janeiro e Recife. E) A Sociologia brasileira atual privilegia estudos que expliquem os problemas sociais do País. GABARITO 1) (UECE, 2019) Relacione corretamente os pensadores apresentados, a seguir, com seus respectivos pensamentos ou atributos, numerando a coluna II de acordo com a I. 1. Max Weber 2. Karl Max 3. Emile Durkheim 4. Augusto Comte ( ) Considera fatos sociais como coisas. ( ) São conceitos-chave de sua teoria: ação social; tipo ideal; burocracia. ( ) Considerado o pai da Sociologia moderna, criou a disciplina acadêmica da Sociologia. ( ) Defende a ideia de que interesses entre o capital e o trabalho são irreconciliáveis. A alternativa "B " está correta. O principal objeto de estudo de Durkheim foram os fatos sociais; Weber estudou os tipos ideais e as ações sociais; Comte é considerado pai da Sociologia, por causa do positivismo; e Marx explorou em sua obra os conflitos entre as classes sociais. 2) Tendo como base as informações sobre a Sociologia brasileira abordadas neste módulo, é incorreto afirmar que: A alternativa "A " está correta. A produção sociológica brasileira, contendo um caráter mais investigativo e explicativo, somente se desenvolveu com os movimentos que estimulavam uma postura mais crítica sobre o que acontecia em nossa sociedade. Mas manteve, sempre, bastante influência em teorias sociológicas importadas. CONCLUSÃO CONSIDERAÇÕES FINAIS No decorrer deste tema, dividido em três módulos, apresentamos os pressupostos e o contexto do surgimento da Sociologia como ciência, bem como seu desenvolvimento no Brasil e no mundo por meio de suas escolas de pensamento. Além disso, vimos ainda sua contribuição histórica e atual com seus objetos e temáticas de estudo. No módulo 1, descrevemos a origem histórica do pensamento social, a diferenciação entre as diferentes formas de conhecimento, especialmente entre senso comum e ciência, determinantespara pensarmos sobre a origem da Sociologia. No módulo 2, identificamos os pressupostos históricos, políticos, sociais, econômicos e culturais que fundamentaram o surgimento da Sociologia. Verificamos, inclusive, que o surgimento da Sociologia tem relação com uma série de eventos históricos, processos revolucionários e transformações sociais que ocorreram em todo o mundo. No módulo 3, reconhecemos as diversas abordagens metodológicas do campo sociológico, bem como os seus objetos de estudo, suas temáticas e escolas de pensamento. E, com isso, pudemos conhecer um pouco mais sobre os primórdios dessa ciência e os principais pensadores que compõem os fundamentos do que viria a ser a conhecido hoje como Sociologia. Além disso, identificamos que as razões para a emergência dessa ciência social estão conectadas à necessidade de explicar os fenômenos sociais que surgem com o Estado moderno e o sistema capitalista. Por fim, acompanhamos brevemente quando e de que forma esse processo de institucionalização de uma ciência para pensar e compreender a sociedade ocorreu no Brasil. AVALIAÇÃO DO TEMA: REFERÊNCIAS AZEVEDO, F. Princípios de Sociologia: pequena introdução ao estudo da Sociologia geral. 11. ed. São Paulo: Duas Cidades, 1973. CASTRO, A. M.; DIAS, E. F. Contexto histórico do aparecimento da Sociologia. In: CASTRO, A. M.; DIAS, E. F. (Orgs.). Introdução ao pensamento sociológico. São Paulo: Centauro, 2001. COMTE, A. Sociologia. Organização e tradução de Evaristo de Morais Filho. São Paulo: Ática, 1978. DURKHEIM, É. Sociologia. Organizador da coletânea: Albertino Rodrigues. São Paulo: Ática, 1978. ELGELS, F. A situação da classe trabalhadora na Inglaterra. São Paulo: Global, 1986. FERNANDES, F. Fundamentos da explicação sociológica. 3. ed. Rio de Janeiro: LTC, 1978. IANNI, O. Sociologia da Sociologia — o pensamento sociológico brasileiro. 3. ed. São Paulo: Ática, 1989. MARX, K. Os pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1978. PEIXOTO, M. A.; VIANA, N. A formação da Sociologia brasileira. Informe e Crítica, 2011. SELL, C. E. Émile Durkheim. In: SELL, C. E. Sociologia clássica: Durkheim, Weber e Marx. 3. ed. Itajaí: Univali, 2002. SIMÕES, Soraya S. Identidade e política: a prostituição e o reconhecimento de um métier no Brasil. Revista R@u, v. 2, p. 24-46, 2010. WEBER, M. Sociologia. Organizador da coletânea: Gabriel Cohn. São Paulo: Ática, 1979. EXPLORE+ Leia o texto A Sociologia no Brasil, em que Antônio Cândido analisa o processo de formação da Sociologia brasileira, desde o fim do século XIX até a década de 1950, para aprofundar seus conhecimentos. Pesquise o estudo A Sociologia no Brasil: história, teorias e desafios, de Enno Liedke Filho, com foco na história da Sociologia no Brasil e as influências de tradições sociológicas europeias e norte-americana, para expandir seu aprendizado. Leia A recepção da Sociologia alemã no Brasil. Notas para uma discussão, de Gláucia Villas Bôas, para estudar a influência dessa escola. Pesquise as entrevistas com Antonio Candido concedidas a Gilberto Velho e Yonne Leite (Museu Nacional, UFRJ), publicadas em junho de 1993, no Canal Ciências; e concedidas a Heloisa Pontes, publicada em 2001, na Revista Brasileira de Ciências Sociais, para conhecer mais sobre um grande nome da Sociologia no Brasil. Assista aos filmes: Daens: um grito de justiça (1992), de Stijn Coninx, que discute o contexto da segunda metade do século XIX, em especial a consolidação do sistema de produção capitalista. Eles não usam Black-tie (1981), de Leon Hirszman, em que é possível entrever as teorias de Engels e Marx, para aprofundar seu conhecimento acerca dessas teorias. Vida de Inseto (1998), de John Lasseter, narrativa que aponta o controle social dos indivíduos, a função social, entre outros aspectos, para entender as ideias de Durkheim, Marx e Weber. CONTEUDISTA Amanda André de Mendonça CURRÍCULO LATTES javascript:void(0); < DESCRIÇÃO A construção da Antropologia como campo científico, seu objeto e suas abordagens nas ciências humanas. PROPÓSITO Compreender a construção da Antropologia como área e a cultura como seu objeto principal, identificando o percurso histórico e as teorias cunhadas nesse campo científico. Conhecer uma abordagem antropológica aplicada à cultura brasileira contemporânea. OBJETIVOS MÓDULO 1 Identificar o percurso histórico da construção da Antropologia como campo científico, destacando a importância de alguns teóricos MÓDULO 2 Caracterizar correntes teóricas da Antropologia durante o século XX MÓDULO 3 Analisar, a partir de um olhar antropológico, a cultura brasileira contemporânea por meio do estudo de caso do corpo e da convivência conjugal INTRODUÇÃO O que é Antropologia? De uma forma bem simples, podemos dizer que Antropologia é a ciência cuja finalidade é, por meio do método comparativo, descrever e analisar as características culturais do homem. A Antropologia, portanto, estuda a cultura. Mas, afinal, o que é a cultura, objeto privilegiado da ciência antropológica? Existem incontáveis definições de cultura, mas aqui adotaremos uma bem ampla e compreensível para todos. A CULTURA É UMA LENTE ATRAVÉS DA QUAL SE VÊ O MUNDO. AS PESSOAS NÃO SOBREVIVEM SIMPLESMENTE. ELAS SOBREVIVEM DE UMA MANEIRA ESPECÍFICA, DE ACORDO COM A CULTURA EM QUE VIVEM. A cultura é um complexo de padrões de linguagem, costumes, comportamentos, crenças, instituições e outros valores simbólicos e materiais transmitidos coletivamente e característicos de uma sociedade. Fonte: Shutterstock.com Pode ser simbolizada como um mapa, um receituário, um código segundo o qual os nativos de um grupo social pensam, classificam, estudam e modificam o mundo e a si mesmos. É justamente porque compartilham de parcelas importantes desse código, que um conjunto de seres humanos com interesses e capacidades distintas e até mesmo opostas transformam-se em um grupo e podem viver juntos, sentindo-se parte de uma mesma totalidade. Vamos entender os caminhos que a ciência antropológica percorreu e desenvolveu para compreender a cultura. MÓDULO 1 Identificar o percurso histórico da construção da Antropologia como campo científico, destacando a importância de alguns teóricos A ANTROPOLOGIA E O TRABALHO DE CAMPO No final do século XIX e início do século XX, os estudos dos antropólogos nas chamadas sociedades “primitivas” foram determinantes para o desenvolvimento das técnicas de pesquisa que permitem recolher diretamente observações e informações sobre a cultura nativa. Esses sujeitos, também conhecidos como antropólogos de gabinete, pensavam o mundo pelo olhar de suas sociedades, como algo estranho. Fonte: Shutterstock.com As sociedades estudadas diretamente por esses antropólogos eram sociedades sem escrita, longínquas, isoladas, de pequenas dimensões, com reduzida especialização das atividades sociais, sendo classificadas como “simples” ou “primitivas” em contraste com a organização “complexa” das sociedades dos pesquisadores. Foram os trabalhos de campo de Franz Boas (1858-1942) entre 1883 e 1902 e, particularmente, a expedição de Bronislaw Malinowski (1884-1942) às ilhas Trobriand, que consagraram a ideia de que os antropólogos deveriam passar um longo período na sociedade que estivessem estudando para encontrar e interpretar seus próprios dados, em vez de depender dos relatos dos viajantes, como faziam os “antropólogos de gabinete”. Fonte: Kimsaka/ Wikimedia Commons/ Foto Pública. FRANZ BOAS Antropólogo americano que inaugura a construção do entendimento da cultura do outro e seu espelho para quem analisa. Fonte: FlickreviewR/ Wikimedia Commons/ Foto Pública. BRONISLAW MALINOWSKI Antropólogo polonês radicado em Londres que fundamenta a atuação do antropólogo atuando no campo. Nos primeiros trinta anos do século XX, o trabalho de campo passou a orientar as pesquisas antropológicas. Franz Boas, um geógrafo de formação, crítico radical dos antropólogos evolucionistas,ensinou que no campo tudo deveria ser anotado meticulosamente e que um costume só tem significado se estiver relacionado ao seu contexto particular. Ensinou também que, no “relativismo cultural”, o pesquisador deveria estudar as culturas com um mínimo de preconceitos etnocêntricos. Para Boas, o que constitui o “gênio próprio” de um povo é o que se dá nas experiências individuais e, portanto, o objetivo do pesquisador é compreender a vida do indivíduo dentro da própria sociedade em que vive. SAIBA MAIS Boas foi o grande mestre da antropologia americana na primeira metade do século XX. Formou uma geração de antropólogos, como Ralph Linton, Ruth Benedict e Margaret Mead, considerados representantes da antropologia cultural americana, caracterizada por métodos e técnicas de pesquisa qualitativa somados a modelos conceituais próximos da Psicologia e da Psicanálise. A primeira experiência de campo de Malinowski foi em 1914, entre os mailu na Melanésia. Impedido de voltar à Inglaterra no início da Primeira Guerra Mundial, ele começou sua pesquisa nas ilhas Trobriand, de 1915 a 1916, retornando em 1917 para uma estada de mais um ano. Essa longa convivência com os nativos teve uma influência decisiva na inovação do método de pesquisa antropológica. Os argonautas do Pacífico Ocidental, publicado em 1922, é um verdadeiro tratado sobre o trabalho de campo. Fonte: Racconish/ Wikimedia Commons/ Foto Pública. Malinowski com os nativos nas ilhas Trobriand, London School of Economics Library Collections, 1918. A convivência íntima com os nativos passou a ser considerada o melhor instrumento de que o antropólogo dispunha para compreender “de dentro” o significado das lógicas particulares características de cada cultura. Malinowski demonstrou que o comportamento nativo não é irracional, mas se explica por uma lógica própria que precisa ser descoberta pelo pesquisador. Colocou em prática a observação participante, criando um modelo do que deve ser o trabalho de campo: O PESQUISADOR, POR MEIO DE UMA ESTADA DE LONGA DURAÇÃO, DEVE MERGULHAR PROFUNDAMENTE NA CULTURA NATIVA, IMPREGNANDO‐SE DA MENTALIDADE NATIVA. DEVE VIVER, FALAR, PENSAR E SENTIR COMO OS NATIVOS. Malinowski é considerado o pai do funcionalismo, pois acreditava que cada cultura tem como função a satisfação das necessidades básicas dos indivíduos que a compõem, criando instituições capazes de responder a essas necessidades. A conduta de observação etnográfica, assim como a apresentação dos resultados sob a forma monográfica, obedece aos pressupostos do método funcional. SAIBA MAIS A análise funcional consiste em analisar todo fato social do ponto de vista das relações de interdependência que ele mantém, sincronicamente, com outros fatos sociais no interior de uma totalidade. Grande parte da renovação das ciências sociais se deve às influências diretas ou indiretas dos métodos de pesquisa de Malinowski. Os argonautas do Pacífico Ocidental, uma obra seminal, provocou uma verdadeira ruptura metodológica na Antropologia, priorizando a observação direta e a experiência pessoal do pesquisador no campo. Malinowski sugeriu três questões para o trabalho de campo: O que os nativos dizem sobre o que fazem? (os discursos) O que realmente fazem? (os comportamentos e as práticas) O que pensam a respeito do que fazem? (os valores e os pensamentos) Por meio do contato íntimo com a vida nativa, exaustivamente registrado no diário de campo, Malinowski buscou as respostas para essas questões preocupando‐se em compreender o ponto de vista nativo. A Antropologia seria, portanto, o estudo segundo o qual, compreendendo melhor as chamadas sociedades “primitivas”, poderíamos chegar a compreender melhor a nós mesmos. A rica experiência de campo de Malinowski, assim como suas propostas metodológicas, influenciou decisivamente a aplicação de técnicas e métodos de pesquisa qualitativa na Antropologia e nas ciências sociais. Vamos assistir ao vídeo em que a professora Miriam Goldenberg, autora de diversos livros de Antropologia, explica um pouco mais sobre isso. A ANTROPOLOGIA DAS SOCIEDADES COMPLEXAS Na década de 1970, surge nos Estados Unidos, inspirada na ideia weberiana de que a observação dos fatos sociais deve levar à compreensão (e não a um conjunto de leis), a antropologia interpretativa. Um dos principais representantes da abordagem interpretativa é Clifford Geertz, que propôs um modelo de análise cultural hermenêutico: WEBERIANA Weber (1864-1920) foi um intelectual alemão que figura entre os fundadores da Sociologia. Seu trabalho abordou particularmente a relação entre capitalismo, protestantismo e burocracia, sendo a obra A ética protestante e o espírito do capitalismo, de 1904, um livro seminal para as ciências sociais. javascript:void(0) javascript:void(0) HERMENÊUTICO Hermenêutica é a filosofia que estuda a interpretação dos textos. Fonte: dicio O ANTROPÓLOGO DEVE FAZER UMA DESCRIÇÃO EM PROFUNDIDADE (“DESCRIÇÃO DENSA”) DAS CULTURAS COMO “TEXTOS” VIVIDOS, COMO “TEIAS DE SIGNIFICADOS” QUE DEVEM SER INTERPRETADOS. Fonte: IAS. DE ACORDO COM GEERTZ OS “TEXTOS” ANTROPOLÓGICOS SÃO INTERPRETAÇÕES SOBRE AS INTERPRETAÇÕES NATIVAS, JÁ QUE OS NATIVOS PRODUZEM INTERPRETAÇÕES DE SUA PRÓPRIA EXPERIÊNCIA. TAIS TEXTOS SÃO “CONSTRUÍDOS” – NÃO FALSOS OU INVENTADOS. Essa perspectiva se traduz em um permanente questionamento do antropólogo a respeito dos limites de sua capacidade de conhecer o grupo que estuda e na necessidade de expor, em seu texto, suas dúvidas, perplexidades e os caminhos que levaram à sua interpretação, percebida sempre como parcial e provisória. Geertz inspirou a chamada: ANTROPOLOGIA REFLEXIVA Conhecida também como pós‐interpretativa, ela propõe uma autorreflexão a respeito do trabalho de campo nos seus aspectos morais e epistemológicos. Essa antropologia questiona a autoridade do texto antropológico e propõe que o resultado da pesquisa não seja fruto da observação pura e simples, mas de um diálogo e de uma negociação de pontos de vista entre pesquisador e pesquisados. Um elemento importante para o desenvolvimento da pesquisa antropológica nas sociedades complexas foi a chamada: ESCOLA DE CHICAGO Em 1930, o termo Escola de Chicago foi utilizado pela primeira vez por Luther Bernard, em Schools of Sociology. Por esse termo, designa‐se um conjunto de pesquisas realizadas, a partir da perspectiva interacionista, particularmente depois de 1915 na cidade de Chicago. Um de seus traços marcantes é a orientação multidisciplinar, envolvendo, principalmente, a Sociologia, a Antropologia, a Ciência Política, a Psicologia e a Filosofia. A Universidade de Chicago surgiu em 1892 e, em 1910, o seu departamento de Sociologia e Antropologia tornou‐se o principal centro de estudos e de pesquisas sociológicas dos EUA. O departamento de Sociologia e Antropologia da Universidade de Chicago esteve unido até 1929, o que sugere que as pesquisas etnográficas contribuíram para dar legitimidade às técnicas e aos métodos qualitativos na pesquisa sociológica em grandes centros urbanos, o que viria a se tornar dominante nos EUA, e a sociologia qualitativa. Fonte: Shutterstock.com Já desde o final do século XIX, o interacionismo simbólico exercia uma profunda influência sobre a sociologia de Chicago pela presença de George Herbert Mead e do filósofo americano John Dewey, o qual lecionou em Chicago de 1894 até 1904 e trouxe para o interacionismo o pragmatismo, uma filosofia de intervenção social que postula que o pesquisador deve estar envolvido com a vida de sua cidade e se interessar por sua transformação social. Mead, considerado o arquiteto da perspectiva interacionista, lecionou na Universidade de Chicago até 1931. Sua perspectiva teórica, fortemente marcada pela influência da psicologia social e de Georg Simmel, que trouxe para a Sociologia a filosofia de Kant, é apresentada em Mente, Self e Sociedade, de 1934. Fonte: Finnrind/ Wikimedia Commons/ Foto Pública.PARA MEAD, A ASSOCIAÇÃO HUMANA SURGE APENAS QUANDO CADA INDIVÍDUO PERCEBE A INTENÇÃO DOS ATOS DOS OUTROS E, ENTÃO, CONSTRÓI SUA PRÓPRIA RESPOSTA EM FUNÇÃO DELA. AS INTENÇÕES SÃO TRANSMITIDAS POR MEIO DE GESTOS QUE SE TORNAM SIMBÓLICOS, OU SEJA, PASSÍVEIS DE SEREM INTERPRETADOS. A sociedade humana se funda em sentidos compartilhados sob a forma de compreensões e expectativas comuns. O componente significativo de um ato acontece por meio do role‐taking: o indivíduo deve se colocar no lugar de outro. Ao afirmar que o indivíduo possui um self, Mead enfatiza que, da mesma forma que interage socialmente com outros indivíduos, ele interage consigo mesmo. Enfatizando a natureza simbólica da vida social, Mead aponta que são as atividades interativas dos indivíduos que produzem as significações sociais. ROLE‐TAKING javascript:void(0) javascript:void(0) A teoria do role-taking trata da capacidade do indivíduo de coordenar múltiplos pontos de vista em meio à comunicação social (CHAPUT, 2008). SELF O self representa o outro incorporado ao indivíduo. É formado por meio das definições feitas por outros que servirão de referencial para que o indivíduo possa ver a si mesmo. ATENÇÃO Uma consequência importante disso é que o pesquisador só pode ter acesso a esses fenômenos particulares, que são as produções sociais significantes dos indivíduos, quando participa do mundo que se propõe a estudar. O interacionismo simbólico, ao contrário da concepção durkheimiana, que defende que as manifestações subjetivas não pertencem ao domínio da Sociologia, afirma ser a concepção que os indivíduos têm do mundo social o que constitui o objeto essencial da pesquisa sociológica. DURKHEIMIANA Émile Durkheim (1858-1917) foi um sociólogo francês considerado um dos fundadores da Sociologia como ciência. Suas análises resultaram numa abordagem que ficou conhecida como “A teoria dos fatos sociais”, a qual entende que um conjunto de formas de agir marcam as sociedades como leis gerais. Sua obra mais conhecida é Da Divisão do Trabalho Social, de 1893. javascript:void(0) Interacionismo simbólico Teoria dos fatos sociais ESTRUTURALISMO E OLHAR DE LÉVI- STRAUSS Fonte: Peripitus/ Wikimedia Commons/ CC BY 3.0. Claude Lévi-Strauss, UNESCO/Michel Ravassard, 2005. Sobre os primeiros autores a debaterem e geraram importantes avanços no campo da antropologia cultural, não poderíamos deixar de citar o francês Lévi-Strauss. O olhar do antropólogo dialoga com a construção de novas dinâmicas sociais. Enquanto os principais debates buscavam compreender o papel dos códigos culturais ou suas dinâmicas de compreensão, Strauss vai no sentido de reaproximá-lo da Sociologia; não à toa o autor é classificado como inaugurador ou principal nome da antropologia estrutural. Toda sociedade é composta por “prédios”, composições próprias e singulares. O olhar de Lévi- Strauss, mais do que perceber o papel da cultura, percebe a cultura como um elemento imerso na estrutura, sendo ora interpretativo, ora representativo ou ainda legitimador de determinados fenômenos sociais. A tensão entre a proposta da antropologia estrutural e da antropologia cultural reside no entendimento da relação entre natureza e cultura. Enquanto no cerne do estruturalismo a solidez de reproduções e as marcas do meio criam condições, no simbolismo representativo da cultura ela é construída e composta pelos "acordos" e "trocas" entre os sujeitos. Strauss propõe não apenas uma diferenciação entre os processos, mas sim uma inerente relação. Natureza Cultura ATENÇÃO Lévi-Strauss insistia em demonstrar o peso inerente da natureza, mas de forma alguma a automatização de suas interpretações. O fenômeno natural pode ser o mesmo, e a interpretação e a instrumentalização serem completamente diversas. Ou seja, simultaneamente, mesmo percepções de regramentos aparentemente universais podem ter sínteses originárias da passagem da natureza para cultura e por isso terem um processo “natural” de interpretação (ainda que não mandatório). Isso é recorrente por ser da espécie humana, mas só se torna cultura porque se expressa numa norma, variável em suas formulações, mas não no seu princípio. Para Lévi-Strauss, essa é a base da própria ideia de vida social, e exemplifica com a proibição do incesto, que marca uma obrigação da troca das mulheres e expressa a passagem do fato natural da consanguinidade para o fato cultural da aliança (DESCOLA, 2011). RESUMINDO Qual a síntese do debate que aprendemos até aqui? Cultura é parte importante de sociedades humanas. Sempre foi objeto de interesse das pessoas, no entanto, a partir do século XX, ela passou por um processo de organização como campo de pesquisa e conhecimento. Esse processo gerou debate de autores, ajudando-nos a perceber que lidar com cultura, antropologia e sociedade não tem nada de fácil ou automático. VERIFICANDO O APRENDIZADO 1. QUAL FOI A MAIOR CONTRIBUIÇÃO DE MALINOWSKI PARA A ANTROPOLOGIA? A) Provar que as pesquisas quantitativas estavam erradas. B) Mostrar a importância do trabalho de campo. C) Revelar que as sociedades ocidentais são superiores. D) Demonstrar a inferioridade dos povos primitivos. E) Generalizar as diferenças culturais. 2. DENTRE AS ALTERNATIVAS ABAIXO, MARQUE VERDADEIRO (V) OU FALSO (F) SOBRE A ABORDAGEM INTERPRETATIVA: ( ) CLIFFORD GEERTZ É UM DOS PRINCIPAIS EXPOENTES DA ABORDAGEM INTERPRETATIVA E CUNHOU UM MODELO ANTROPOLÓGICO BASEADO NA DESCRIÇÃO EM PROFUNDIDADE DAS CULTURAS, COMO UMA “DESCRIÇÃO DENSA”. ( ) PARA GEERTZ, OS “TEXTOS” ERAM SOMENTE AS INTERPRETAÇÕES PRODUZIDAS PELOS OS NATIVOS. ( ) GEERTZ INSPIROU A TEORIA DA ANTROPOLOGIA REFLEXIVA. ASSINALE: A) F- V - V B) V- F- F C) F - F- V D) V- V- F E) V- F - V GABARITO 1. Qual foi a maior contribuição de Malinowski para a Antropologia? A alternativa "B " está correta. A experiência de campo de Malinowski entre os mailu na Melanésia e a longa convivência com os nativos influenciou o método de pesquisa antropológica e passou a ser considerada a melhor abordagem para o antropólogo: compreender “de dentro”. 2. Dentre as alternativas abaixo, marque verdadeiro (v) ou falso (f) sobre a abordagem interpretativa: ( ) Clifford Geertz é um dos principais expoentes da abordagem interpretativa e cunhou um modelo antropológico baseado na descrição em profundidade das culturas, como uma “descrição densa”. ( ) Para Geertz, os “textos” eram somente as interpretações produzidas pelos os nativos. ( ) Geertz inspirou a teoria da antropologia reflexiva. Assinale: A alternativa "E " está correta. Geertz é um dos principais representantes da corrente interpretativa. Sua abordagem considera que os textos antropológicos são aqueles produzidos pelos antropólogos a respeito das comunidades, visto que os nativos já produzem interpretações sobre sua cultura. Esses textos não são “ficções”, mas sim construções da cultura. Geertz inspirou a chamada antropologia reflexiva, também chamada de pós‐interpretativa. MÓDULO 2 Caracterizar correntes teóricas da Antropologia durante o século XX Para abrir o módulo, vamos recuperar algumas ideias que perpassaram o que vimos até aqui. Afinal, essas ideias são importantes para não perdermos de vista alguns conceitos-chaves que trataremos mais daqui por diante: ETNOCENTRISMO RELATIVISMO ETNOCENTRISMO Quando acreditamos que existe uma forma correta, uma cultura correta, baseada em nossas experiências e todas as outras ou são “estranhas” ou “erradas”. RELATIVISMO Quando buscamos entender a formulação de uma outra lógica, ou outra cultura, entendendo que podem adotar referenciais diferentes. Isso, no entanto, não deve servir para apagar qualquer comportamento. Vamos assistir ao vídeo em que a professora Miriam Goldenberg, autora de diversos livros de Antropologia, explica um pouco mais sobre isso. O INTERACIONISMO SIMBÓLICO: OS PROBLEMAS SOCIAIS E A ANTROPOLOGIA URBANA O interacionismo simbólicodestaca a importância do indivíduo como intérprete do mundo que o cerca e, consequentemente, desenvolve métodos de pesquisa que priorizam os pontos de vista dos indivíduos com o propósito de compreender as significações que os próprios indivíduos põem em prática para construir seu mundo social. Fonte: The Encyclopedia of Chicago. Moradias precárias em Chicago, University of Illinois at Chicago (Jane Addams Memorial Collection, JAMC neg. 1054),1910. Como a realidade social só aparece sob a forma de como os indivíduos veem este mundo, o meio mais adequado para captar a realidade é aquele que propicia ao pesquisador ver o mundo “através dos olhos dos pesquisados”. A pesquisa da Escola de Chicago tem a marca do desejo de produzir conhecimentos úteis para a solução de problemas sociais concretos que enfrentava a cidade de Chicago. Grande parte de seus estudos refere‐se aos problemas da imigração e da integração dos imigrantes à sociedade americana, bem como delinquência, criminalidade, desemprego, pobreza, minorias e relações raciais. Fonte: Infrogmation/ Wikimedia Commons/ Foto Pública. Al Capone, famoso gângster de Chicago, United States Bureau of Prisons, 1931. Devido à sua forte preocupação empírica, uma das contribuições mais importantes da Escola de Chicago foi o desenvolvimento de métodos originais de pesquisa qualitativa: a utilização científica de documentos pessoais, como cartas e diários íntimos, a exploração de diversas fontes documentais e o desenvolvimento do trabalho de campo sistemático na cidade – antropologia urbana. EXEMPLO O estudo de W. I. Thomas e F. Znaniecki sobre a vida social dos camponeses poloneses nos EUA é um ótimo exemplo da sociologia praticada pela Escola de Chicago. O camponês polonês na Europa e na América, 1918‐1920, é um estudo da imigração de camponeses poloneses e dos seus problemas de assimilação nos EUA. Os dois pesquisadores reuniram dados coletados na Polônia e nos Estados Unidos: artigos de jornais diários, arquivos de tribunais e de associações americano‐polonesas, fichários de associações de assistência social, cartas trocadas entre famílias que viviam nos Estados Unidos e na Polônia, além do longo relato autobiográfico de um imigrante polonês. Thomas e Znaniecki dedicaram todo um volume da obra a uma autobiografia escrita por um imigrante polonês em Chicago. Essa autobiografia foi cotejada com outras fontes, como cartas familiares, jornais diários e arquivos. Aplicando um dos princípios do interacionismo simbólico, os dois pesquisadores acreditavam que por meio do registro da vida de um imigrante poderiam penetrar e compreender “por dentro” o seu mundo. Grande parte da produção da Escola de Chicago foi orientada por Robert Park, que, antes de se tornar professor de Sociologia em Chicago de 1914 a 1933, foi jornalista durante vários anos, atividade que influenciou seus métodos de pesquisa e de seus discípulos. Park considerava a cidade como o laboratório de pesquisas sociológicas por excelência. Fonte: Zaccarias/ Wikimedia Commons/ Foto Pública. Cinturão Negro em Chicago, Russell Lee, 1941. Muitas pesquisas de Chicago voltaram‐se para um problema candente nos EUA: os conflitos étnicos e as tensões raciais. Pesquisas sobre as comunidades de imigrantes, sobre os conflitos raciais entre brancos e negros, sobre criminalidade, desvio e delinquência juvenil, tornaram a sociologia de Chicago famosa em todo o mundo. Vamos a alguns exemplos de pesquisa e que mudam o campo da Antropologia com o seu olhar para as novas relações humanas. FREDERIC THRASHER JOHN LANDESCO CLIFFORD SHAW EDWIN SUTHERLAND FREDERIC THRASHER Sociólogo americano, membro da Escola de Chicago, que inaugura uma nova linha de objetos antropológicos pensando em algo muito perto de seu cotidiano. Publicou, em 1923, sua tese de doutorado sobre as gangues de Chicago. JOHN LANDESCO Sociólogo americano que continua a apropriar os olhares trabalhados com um forte destaque para a metodologia a ser desenvolvida e que muda a história da Ciência. Publicou, em 1929, uma obra com vasta pesquisa sobre a criminalidade de Chicago a partir de histórias de vida de gângsteres. CLIFFORD SHAW Uma das obras mais famosas da Escola de Chicago, The Jack‐Roller: A delinquent boy’s own story (O Jack-Roller: um garoto delinquente e sua história) , publicada em 1930, é baseada na história de vida de um jovem delinquente de dezesseis anos, Stanley, que Clifford Shaw acompanhou durante seis anos, dentro e fora da prisão. Logo depois, em 1931, Shaw publicou The natural history of a delinquent career (A história natural da carreira de um delinquente) , sobre um adolescente acusado de estupro. EDWIN SUTHERLAND Em 1937, Edwin Sutherland publicou um estudo, baseado no relato autobiográfico de um ladrão profissional, sobre sua vida cotidiana e suas diferentes práticas (roubo, estelionato, fraude, extorsão etc.). Esses estudos demonstram a preocupação dos pesquisadores de Chicago em analisar os graves problemas enfrentados pela cidade a partir do ponto de vista dos indivíduos, que são vistos socialmente como os principais responsáveis. A PESQUISA QUANTITATIVA E A ESCOLA DE CHICAGO O camponês polonês na Europa e na América, 1918‐1920, inaugurou o período mais expressivo da sociologia qualitativa de Chicago, que, em 1949, com a publicação de The american soldier (O soldado americano.) , de Samuel Stouffer, deu lugar a um período de crescente utilização de técnicas de pesquisa quantitativa na sociologia norte-americana. Stouffer, desde 1930, defendia a estatística como um método de pesquisa mais eficaz e mais científico do que a história de vida ou o estudo de caso. Apesar da importância e originalidade das pesquisas qualitativas da Escola de Chicago, não se pode deixar de lado suas pesquisas quantitativas. Em 1929, Shaw e outros pesquisadores publicaram uma obra sobre a delinquência urbana em que recensearam cerca de 60 mil domicílios de “vagabundos, criminosos e delinquentes” de Chicago para demonstrar as taxas de criminalidade em diferentes bairros. E. Burgess, um dos nomes mais representativos da Escola de Chicago, apontava, em 1927, que os métodos da estatística e dos estudos de caso não são conflitivos, mas mutuamente complementares, e que a interação dos dois métodos poderia ser muito fecunda. Afirmava que as comparações estatísticas poderiam sugerir pistas para a pesquisa feita com estudos de caso, e que estes poderiam, trazendo à luz os processos sociais, conduzir a indicadores estatísticos mais adequados. ATENÇÃO É preciso destacar que a sociologia da Escola de Chicago abriu caminhos para a Sociologia como um todo, principalmente no que diz respeito à utilização de métodos e técnicas de pesquisa qualitativa. O trabalho de campo tornou‐se uma prática de pesquisa corrente também na Sociologia e não apenas na Antropologia, além de proporcionar vários temas de pesquisa à sociologia contemporânea e desenvolver novas correntes teóricas, como as teorias do rótulo e do desvio. Dentre os estudos mais representativos dessa corrente estão: HOWARD BECKER ERVING GOFFMAN HOWARD BECKER Outsiders: estudos de sociologia do desvio (1963), sobre músicos profissionais fumantes de maconha, discute os processos pelos quais os desviantes são definidos como tais pela sociedade que os cerca, mais do que pela natureza do ato que praticam. ERVING GOFFMAN A representação do Eu na vida cotidiana (1959), de Goffman, analisa os “desempenhos teatrais” dos atores sociais em suas ações do dia a dia. ESCOLA DE CHICAGO E A TEORIA DA ECOLOGIA CRIMINAL O desenvolvimento das pesquisas da Escola de Chicago está intimamente ligado ao desenvolvimento demográfico urbano do início do século XX, inicialmente da cidade de Chicago nos EUA, e a problemas sociais criados com a sociedade de consumo e o capitalismo. Fonte: US National Archives bot/ Wikimedia Commons/ Foto Pública. Fila de desempregados em frente a um restaurantepopular em Chicago, U.S. National Archives and Records Administration, 1931. Os processos migratórios, as relações raciais, os problemas de classe e miséria e as demandas disruptivas já mencionadas caracterizaram-se como objeto principal dessa corrente antropológica. Essencialmente urbana, a Escola de Chicago escolheu a via criminológica para abordar a cidade. E é para esse ponto que a maioria das críticas se direcionam. DEMANDAS DISRUPTIVAS Esses aspectos são: a criminalidade, a delinquência juvenil, as gangues, a pobreza e o desemprego, além da formação de guetos – comunidades segregadas. ATENÇÃO javascript:void(0) Há de se notar, também, que o Departamento de Sociologia da Universidade de Chicago recebeu financiamento de magnatas do período, como John Davison Rockefeller, conhecido empresário do petróleo. A Escola de Chicago foi delimitada como um laboratório de pesquisa social que defendia uma ideia de cidade. Mas que cidade seria essa? E, em especial, a quem servia esse projeto? O direcionamento da pesquisa sobre delinquência e marginalidade que caracteriza a corrente também orientou uma leitura desses grupos sociais que, segundo seus críticos, reforçou a tendência de exclusão e estabeleceu uma teoria que naturaliza a noção de “crime” e “criminalidade”. Robert Erza Park em A cidade: sugestões para a investigação do comportamento humano no meio urbano, de 1915, analisou a cidade por meio da ideia de ecologia humana encarada como uma competição pelo espaço, pela via sociológica, na denominada: Fonte: Ранко Николић / Wikimedia Commons/ Foto Pública. Robert Erza Park, autor desconhecido, séc. XX. TEORIA DA ECOLOGIA CRIMINAL Baseada na ideia de seleção natural de Charles Darwin, entendia que os grupos marginais e o crime seriam resultados da estrutura desorganizada das cidades. Isso serviu de base para uma metodologia criminológica em que: 1 Possibilitava definir as disfunções sociais por uma ideia de “desorganização social”. 2 Era aplicável para identificação e sanção aos grupos marginalizados. A crítica principal à corrente é que sua metodologia de identificação, mapeamento e caracterização desses grupos foi direcionada ao aprofundamento da noção de criminalização e exclusão de grupos sociais dentro das cidades. FENOMENOLOGIA SOCIOLÓGICA E A ETNOMETODOLOGIA: OUTRAS POSSIBILIDADES A Escola de Chicago abriu caminho para correntes teóricas que, mesmo não podendo ser diretamente associadas a ela, não deixam de apresentar certa influência de sua abordagem metodológica, como a fenomenologia sociológica e a etnometodologia. Veja mais sobre elas a seguir: FENOMENOLOGIA SOCIOLÓGICA Busca sua fundamentação na filosofia de Husserl, que faz uma crítica radical ao objetivismo da ciência. Seu argumento é o mesmo de W. Dilthey e Max Weber: os atos sociais envolvem uma propriedade – o significado – que não está presente em outros setores do universo abarcados pelas ciências naturais. Proceder a uma análise fenomenológica é substituir as construções explicativas pela descrição do que se passa efetivamente do ponto de vista daquele que vive a situação concreta. W. DILTHEY Wilhelm Dilthey foi um filósofo alemão caracterizado com a corrente historicista. Uma de suas obras mais conhecidas é Vida de Schleiermacher, de 1883, em que advoga pela independência do método para as ciências humanas em distinção às ciências naturais. A fenomenologia quer atingir a essência dos fenômenos, ultrapassando suas aparências imediatas. Fonte: Shutterstock.com O pensamento fenomenológico traz para o campo de estudo da sociedade o mundo da vida cotidiana, em que o homem se situa com suas angústias e preocupações. A etnometodologia apoia‐se nos métodos fenomenológicos e hermenêuticos com o objetivo de compreender o dia a dia do homem comum na sociedade complexa. A Sociologia e a Antropologia, ao abandonarem o campo do estranho e seguirem para uma metodologia mais perto das demandas, dos campos, do cotidiano, inaugura desafios intensos. javascript:void(0) Harold Garfinkel, americano vinculado à Universidade da Califórnia, inaugura, na academia americana, o debate de etnicidades e a metodologia para estudar etnias. Estabeleceu as bases metodológicas e o quadro conceitual da etnometodologia em Studies in Ethnomethodology (Estudos em Etnometodologia) , publicado em 1967 nos EUA. ETNOMETODOLOGIA A teoria aborda uma forma de compreender a prática artesanal da vida cotidiana, interpretada já numa primeira instância pelos atores sociais. Ela procura descobrir as práticas e representações segundo as quais as pessoas negociam, cotidianamente, a sua inserção nos grupos. A sociologia de Garfinkel repousa sobre o reconhecimento da capacidade reflexiva e interpretativa de todo ator social. RESUMINDO Essas duas escolas, a fenomenologia e a etnometodologia, inserem‐se na tradição metodológica qualitativa ao tentar ver o mundo através dos olhos dos atores sociais e dos sentidos que eles atribuem aos objetos e às ações sociais que desenvolvem. VERIFICANDO O APRENDIZADO 1. ACERCA DO INTERACIONISMO SIMBÓLICO, ANALISE AS ALTERNATIVAS: ANALISA SOMENTE OS PROBLEMAS SOCIAIS PELA PERSPECTIVA DA ANTROPOLOGIA URBANA. DESTACA A IMPORTÂNCIA DO INDIVÍDUO COMO INTÉRPRETE DO MUNDO. SEUS MÉTODOS VISAM A COMPREENDER AS SIGNIFICAÇÕES QUE OS PRÓPRIOS INDIVÍDUOS EMPREGAM PARA CONSTRUIR SEU MUNDO SOCIAL. ASSINALE A ALTERNATIVA CORRETA: A) Somente a sentença I é correta. B) As sentenças I e II são corretas. C) Somente a sentença III é correta. D) As sentenças II e III são corretas E) Somente a sentença II é correta. 2. SOBRE A ESCOLA DE CHICAGO, SEU PRINCIPAL OBJETO OU ABORDAGEM, ASSINALE A ALTERNATIVA CORRETA. A) A Escola de Chicago concentrou seus estudos na abordagem de campo em sociedades “primitivas”. B) Essa corrente teórica é resultado do êxodo rural europeu. C) Os objetos principais da Escola de Chicago durante o século XX foram os problemas sociais criados pelos processos migratórios, as relações raciais e demandas de classe. D) Os antropólogos vinculados à Escola de Chicago tenderam a uma análise coletivista das comunidades. E) As críticas direcionas a essa corrente teórica foram baseadas em sua abordagem orientada pelo materialismo histórico. GABARITO 1. Acerca do interacionismo simbólico, analise as alternativas: Analisa somente os problemas sociais pela perspectiva da antropologia urbana. Destaca a importância do indivíduo como intérprete do mundo. Seus métodos visam a compreender as significações que os próprios indivíduos empregam para construir seu mundo social. Assinale a alternativa correta: A alternativa "D " está correta. Na perspectiva do interacionismo simbólico, a realidade social só aparece por meio da maneira que os indivíduos entendem o mundo. Nesse sentido o pesquisador deve empregar uma abordagem “dos olhos dos pesquisados” para analisar sua cultura. 2. Sobre a Escola de Chicago, seu principal objeto ou abordagem, assinale a alternativa correta. A alternativa "C " está correta. A Escola de Chicago privilegiou os problemas sociais resultados do aumento demográfico, demandas da sociedade de consumo e relações de poder e classe. Sua metodologia relacionou tanto a perspectiva quantitativa como qualitativa aplicada à antropologia urbana. As críticas feitas a essa teoria se deram especialmente à abordagem de identificação e mapeamento de elementos marginais e problemas sociais pela perspectiva da criminalidade. MÓDULO 3 Analisar, a partir de um olhar antropológico, a cultura brasileira contemporânea por meio do estudo de caso do corpo e da convivência conjugal A Antropologia muda quando entra no campo do capital consolidado, isto é, a realidade urbana modifica as relações sociais quando o mundo passa a ser entendido como um campo de objetos que podem ser comprados – inclusive o corpo, seja como força de trabalho ou objeto. Mais longe, dentro de realidades urbanas, grupos que eramtremendamente limitados a um, dois ou três espaços de interações passam a estar multiplicados de sentidos e meios. Cada um hierarquizado e marcado por novos conjuntos culturais. Como lidar, como entender mundos e sociedades tão complexas? Vamos ouvir a professora Mirian Goldenberg sobre esses ambientes de abordagem antropológica que conhecemos também como nosso cotidiano, nossas principais relações. CONTEXTUALIZANDO NOSSO LUGAR Nos dois primeiros módulos, tivemos um intenso processo de busca e entendimento sobre o que é Antropologia, como ela nos ajuda a observar a sociedade em nossas posições. No entanto, devemos ter consciência de que há um lugar, uma sociedade, um conjunto de trocas e dinâmicas sociais que nos marcam. Não são dinâmicas determinantes, mas aspectos em que estamos imersos de forma tão profunda que simplesmente não conseguimos perceber que as chaves, os debates antropológicos aqui apresentados estão dialogando com a nossa condição de sujeito e os objetos dessa análise somos nós. Para que isso fique mais claro, passamos a pensar sobre olhares da Antropologia brasileira e como ela tem aberto debates fundamentais para você. UM ESTUDO PARA COMPREENDER A CULTURA BRASILEIRA A Antropologia aplicada ao estudo da cultura brasileira tem sido foco de pesquisas desde a segunda metade do século XX. Como exemplo das contribuições para a reflexão de questões essenciais da nossa cultura, vamos focar na importância do corpo e comportamento no Brasil. Como afirmou Marcel Mauss (1974), é através da “imitação prestigiosa” que os indivíduos de cada cultura constroem seus corpos e comportamentos. Para Mauss: IMITAÇÃO PRESTIGIOSA Os indivíduos imitam atos, comportamentos e corpos que obtiveram êxito e poder. Fonte: Ctac / Wikimedia Commons/ Foto Pública. javascript:void(0) O CONJUNTO DE HÁBITOS, COSTUMES, CRENÇAS E TRADIÇÕES QUE CARACTERIZAM UMA CULTURA TAMBÉM SE REFERE AO CORPO. ASSIM, HÁ UMA CONSTRUÇÃO CULTURAL DO CORPO, COM UMA VALORIZAÇÃO DE CERTOS ATRIBUTOS E COMPORTAMENTOS EM DETRIMENTO DE OUTROS, FAZENDO COM QUE HAJA UM CORPO TÍPICO PARA CADA SOCIEDADE. ESSE CORPO, QUE PODE VARIAR DE ACORDO COM O CONTEXTO HISTÓRICO E CULTURAL, É ADQUIRIDO PELOS MEMBROS DA SOCIEDADE POR MEIO DA "IMITAÇÃO PRESTIGIOSA". Se o corpo é a imagem da sociedade, que sociedade é essa que está representada nos corpos dos brasileiros? Qual modelo de corpo tem prestígio em nossa cultura? Qual é o corpo que é imitado (ou desejado) pelas mulheres e, também, pelos homens? Em Nu & Vestido (2002), Goldenberg reuniu resultados de uma ampla pesquisa realizada com 1.279 moradores da cidade do Rio de Janeiro, analisando seus valores e comportamentos; e analisa os arranjos conjugais em nossa sociedade por meio da categoria de corpo. No Brasil, e mais particularmente no Rio de Janeiro, o corpo trabalhado, cuidado, sem marcas indesejáveis (rugas, estrias, celulites, manchas) e sem excessos (gordura, flacidez) é o único que, mesmo sem roupas, está decentemente vestido. Fonte: Shutterstock.com Pode-se pensar, assim, que, além do corpo ser muito mais importante do que a roupa, ele é a verdadeira roupa: É O CORPO QUE DEVE SER EXIBIDO, MOLDADO, MANIPULADO, TRABALHADO, COSTURADO, ENFEITADO, ESCOLHIDO, CONSTRUÍDO, PRODUZIDO, IMITADO. É O CORPO QUE ENTRA E SAI DA MODA. A ROUPA, NESSE CASO, É APENAS UM ACESSÓRIO PARA A VALORIZAÇÃO E EXPOSIÇÃO DESSE CORPO DA MODA. Na pesquisa realizada com homens e mulheres das camadas médias cariocas no início do século XXI, ao perguntar: “O que você mais inveja em uma mulher?” As respostas femininas foram: A beleza O corpo A inteligência “O que você mais inveja em um homem?” As respostas masculinas foram: A inteligência O poder econômico A beleza O corpo Na questão sobre a inveja, é interessante destacar as diferenças de gênero presentes. Parece, para os pesquisados, que é muito melhor ser homem do que ser mulher, pois quando perguntado: Fonte: Shutterstock.com “O QUE VOCÊ MAIS INVEJA EM UM HOMEM?” Grande parte das mulheres respondeu “liberdade” e inúmeras outras características masculinas associadas a um comportamento mais livre do que o feminino; Já cerca de 40% dos homens pesquisados disseram não invejar “nada” nas mulheres; Os poucos homens que disseram invejar algo apontaram maternidade, capacidade de engravidar e sensibilidade. Respostas que reafirmam as representações associadas a uma suposta “natureza” masculina e feminina em nossa cultura. Também com relação à atração entre os sexos, o corpo tem um papel fundamental. Ao perguntar: “O que mais te atrai em um homem?” As respostas femininas foram: A inteligência O corpo O olhar “O que mais te atrai em uma mulher?” As respostas masculinas foram: A beleza A inteligência O corpo Quando a atração é sexual, o corpo ganha um destaque ainda maior. Na pergunta: “O que mais te atrai sexualmente em um homem?” As respostas femininas foram: O tórax O corpo As pernas “O que mais te atrai sexualmente em uma mulher?” As respostas masculinas foram: A bunda O corpo Os seios Só quando proposto aos pesquisados que escrevessem um anúncio com o objetivo de encontrar um parceiro é que esse corpo aparece seguido de alguns adjetivos, como: “bonito” “forte” “definido” “malhado” “trabalhado” “sarado” “saudável” “atlético” Pode-se resumir os anúncios típicos femininos e masculinos da seguinte maneira: Fonte: Shutterstock.com javascript:void(0) “Eu sou magra, jovem, cabelos louros, longos e lisos, bunda e seios grandes, linda, sensual e carinhosa” Fonte: Shutterstock.com “Eu sou alto, forte, bem dotado, rico, inteligente e romântico” A “DOMINAÇÃO MASCULINA” E A CONJUGALIDADE Em uma pesquisa cujo objetivo principal era compreender a convivência, muitas vezes conflituosa, de novas e tradicionais formas de conjugalidade, é de certa forma surpreendente a centralidade que a categoria corpo adquiriu para determinado segmento social. Tanto nas respostas sobre inveja, admiração e atração, como nas que procuravam um parceiro amoroso, o corpo aparece como um valor fundamental. javascript:void(0) Fonte: Shutterstock.com Ao responder o que inveja, atrai ou admira, o corpo aparece sem nenhum adjetivo, é simplesmente “O corpo”. Ele só passa a ser adjetivado nas respostas dos anúncios. Só então ficamos sabendo de que tipo de corpo está se falando quando os pesquisados se referem abstratamente ao corpo. Não é um corpo indistinto dado pela natureza, mas trabalhado, paradoxalmente uma “natureza cultivada”, uma cultura tornada natureza. Segundo Bourdieu (1988), a cultura da beleza e aparência física, a partir de determinadas práticas, transforma o corpo “natural” em um corpo distintivo: O Corpo. A CULTURA DITA NORMAS EM RELAÇÃO AO CORPO; NORMAS A QUE O INDIVÍDUO TENDERÁ, À CUSTA DE CASTIGOS E RECOMPENSAS, A SE CONFORMAR, ATÉ O PONTO DE ESSES PADRÕES DE COMPORTAMENTO SE LHE APRESENTAREM COMO TÃO NATURAIS QUANTO O DESENVOLVIMENTO DOS SERES VIVOS, A SUCESSÃO DAS ESTAÇÕES OU O MOVIMENTO DO NASCER E DO PÔR DO SOL. ENTRETANTO, MESMO ASSUMINDO PARA NÓS ESSE CARÁTER “NATURAL” E “UNIVERSAL”, A MAIS SIMPLES OBSERVAÇÃO EM TORNO DE NÓS PODERÁ DEMONSTRAR QUE O CORPO HUMANO COMO SISTEMA BIOLÓGICO É AFETADO PELA RELIGIÃO, PELA OCUPAÇÃO, PELO GRUPO FAMILIAR, PELA CLASSE E OUTROS INTERVENIENTES SOCIAIS E CULTURAIS. (RODRIGUES, 1979) Desde o início deste século, os dados mostram que a brasileira é campeã na busca de um corpo perfeito. EXEMPLO A revista Time chamou a atenção para esse fato na capa que trouxe Carla Perez com a seguinte legenda: “The plastic surgery craze: latin american women are sculping their bodies as never before – along California lines. Is this cultural imperialism? (A mania da cirurgia plástica: as mulheres latino-americanas estão esculpindo seus corpos como nunca – nos moldes da Califórnia. Isso é imperialismo cultural?) ”. A Veja confirmou com a capa “De cara nova: com operações mais baratas, alternativas de conserto paraquase tudo e grandes médicos em atividade, o Brasil passa a ser o primeiro do mundo em cirurgia plástica”. Segundo a Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, o brasileiro, especialmente a mulher brasileira, tornou-se, logo após o norte-americano, o povo que mais faz plástica no mundo. Fonte: Shutterstock.com O que torna o Brasil especial nessa área é o ímpeto com que as pessoas decidem operar-se e a rapidez com que a decisão é tomada. São três as principais motivações para fazer uma plástica: Atenuar os efeitos do envelhecimento Corrigir aspectos considerados defeitos físicos Esculpir um corpo considerado perfeito No Brasil, esta última motivação é a que mais cresce: a busca de um corpo perfeito. O sociólogo francês Pierre Bourdieu (1999) criticou a “dominação masculina”, que estipula: Homens são obrigados a serem fortes, potentes e viris Daí a ênfase com que os homens pesquisados falam da altura, da força física, do tamanho do tórax e do pênis. Mulheres são obrigadas a serem delicadas, submissas, apagadas O que corresponde ao modelo de mulher magra que predomina atualmente. Uma das causas da anorexia e da bulimia, segundo especialistas, é a “mania de emagrecer”. Por problemas psicológicos, mas também pressionadas pela sociedade, as adolescentes passam dos frequentes regimes alimentares a uma rejeição incontrolável pela comida e a fazer exercícios físicos de forma exagerada, tentando compensar a baixa autoestima. Fonte: Shutterstock.com ATENÇÃO A anorexia parece ter evoluído da condição de patologia para a categoria de “estilo de vida”. Inúmeras páginas pessoais na internet divulgam dicas para aquelas que desejam aderir a um estilo de vida que tem a magreza como modelo a ser seguido. Bourdieu (1999) afirmou que: Homens tendem a se mostrar insatisfeitos com as partes de seu corpo que consideram “pequenas demais”. Mulheres dirigem suas críticas às regiões de seu corpo que lhe parecem “grandes demais”. Bourdieu acreditava que a dominação masculina, que constitui as mulheres como objetos simbólicos, tem por efeito colocá-las em permanente estado de insegurança corporal, ou melhor, de dependência simbólica: Elas existem primeiro pelo, e para, o olhar dos outros, como objetos receptivos, atraentes, disponíveis. Delas se espera que sejam “femininas”, ou seja, sorridentes, simpáticas, atenciosas, submissas, discretas, contidas ou até mesmo apagadas. Nesse caso, ser magra contribui para esta concepção de “ser mulher”. Fonte: Shutterstock.com Sob o olhar dos outros, as mulheres se sentem obrigadas a experimentar constantemente a distância entre o corpo real, a que estão presas, e o corpo ideal, o qual procuram infatigavelmente alcançar. NO ENTANTO, PARA BOURDIEU, A ESTRUTURA IMPÕE SUAS PRESSÕES AOS DOIS TERMOS DA RELAÇÃO DE DOMINAÇÃO; PORTANTO, OS PRÓPRIOS DOMINANTES SÃO “DOMINADOS POR SUA DOMINAÇÃO”, TODO HOMEM TEM QUE FAZER UM ESFORÇO, MESMO INCONSCIENTEMENTE, PARA ESTAR À ALTURA DE SUA IDEIA DE HOMEM. EXEMPLO A preocupação com a altura, força física, potência, poder, virilidade e, particularmente, com o tamanho do pênis, pode ser vista como exemplo dessa dominação que o dominante também sofre. A FEBRE DA “BELEZA-MAGREZA- JUVENTUDE” E O CASO BRASILEIRO Gilles Lipovetsky (2000) analisou a febre da “beleza-magreza-juventude” que exerce uma “tirania implacável sobre a condição das mulheres”. A OBSESSÃO DA MAGREZA, A MULTIPLICAÇÃO DOS REGIMES E DAS ATIVIDADES DE MODELAGEM DO CORPO [...] TESTEMUNHAM O PODER NORMALIZADOR DOS MODELOS, UM DESEJO MAIOR DE CONFORMIDADE ESTÉTICA QUE SE CHOCA FRONTALMENTE COM O IDEAL INDIVIDUALISTA E SUA EXIGÊNCIA DE PERSONALIZAÇÃO DOS SUJEITOS. (LIPOVETSKY, 2000) Lipovetsky acrescentou, ainda, que, de forma contraditória, quanto mais se impõe o ideal de autonomia individual, mais se aumenta a exigência de conformidade aos modelos sociais de corpo. É interessante a ideia de “contrários em equilíbrio” ou “equilíbrio de antagonismos” de Gilberto Freyre (2002). O antropólogo dizia que no Brasil encontra-se o equilíbrio entre realidades tradicionais e profundas: Fonte:Shutterstock Sadistas Senhores Doutores Indivíduos de cultura predominantemente europeia Fonte: SINTER-MG. Masoquistas Escravos Analfabetos Outros de cultura principalmente africana e ameríndia TALVEZ EM PARTE ALGUMA [...] SE ESTEJA VERIFICANDO COM IGUAL LIBERDADE O ENCONTRO, A INTERCOMUNICAÇÃO E ATÉ A FUSÃO HARMONIOSA DE TRADIÇÕES DIVERSAS, OU ANTES, ANTAGÔNICAS, DE CULTURA, COMO NO BRASIL. (FREYRE, 2002) Pode-se enxergar melhor o paradoxo apontado por Lipovetsky com a ideia de “contrários em equilíbrio” de Gilberto Freyre. No Brasil, o desenvolvimento do individualismo e a intensificação das pressões sociais das normas do corpo caminham juntas. Fonte: Shutterstock.com De um lado, o corpo da brasileira se emancipou amplamente de suas antigas servidões – sexuais, procriadoras ou indumentárias. javascript:void(0) Fonte: Shutterstock.com De outro, encontra-se, atualmente, submetido a coerções estéticas mais regulares, mais imperativas e mais geradoras de ansiedade do que antigamente. RESUMINDO A antropologia, vista de forma aplicada, pode expor possibilidades de diversas de entendimento e reflexão social. VERIFICANDO O APRENDIZADO 1. COM BASE NO CASO APRESENTADO EM NU & VESTIDO (2002), DE GOLDENBERG, ANALISE AS ALTERNATIVAS: É CORRETO AFIRMAR QUE A CATEGORIA DE CORPO UTILIZADO PARA A ANÁLISE DA CULTURA BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA É EMPREGADA javascript:void(0) NO OLHAR ANTROPOLÓGICO DA AUTORA SOBRE AS RELAÇÕES CONJUGAIS. HOMENS E MULHERES REFLETEM, EM SUAS RESPOSTAS, ELEMENTOS DA “DOMINAÇÃO MASCULINA” DE MANEIRA IGUAL. HOMENS E MULHERES SÃO ATINGIDOS E BUSCAM UMA NOÇÃO DE “CORPO PERFEITO” DE MANEIRAS DIFERENTES, MAS DIRECIONADOS PELA “DOMINAÇÃO MASCULINA”, O QUE RESULTA EM DIFERENTES MANEIRAS DE SEREM AFETADOS. ASSINALE A ALTERNATIVA CORRETA. A) Somente I e II. B) Somente I e III. C) Apenas III. D) Apenas II e III E) Somente I. 2. MARQUE VERDADEIRO (V) OU FALSO (F) EM RELAÇÃO ÀS CONSIDERAÇÕES DE GILLES LIPOVETSKY SOBRE A FEBRE DA “BELEZA-MAGREZA-JUVENTUDE” E SUA RELAÇÃO COM O CASO BRASILEIRO. ( ) GILLES LIPOVETSKY APONTA QUE A TENDÊNCIA DE VALORIZAÇÃO DO BINÔMIO MAGREZA-JUVENTUDE INCIDE DE MANEIRA IMPLACÁVEL A MULHERES. ( ) A OBSESSÃO PELA A MAGREZA É RESULTADO DO PODER NORMALIZADOR DOS MODELOS E VINCULADO A UM DESEJO DE CONFORMIDADE ESTÉTICA QUE VAI DE ENCONTRO COM O IDEAL INDIVIDUALISTA E SUA EXIGÊNCIA DE PERSONALIZAÇÃO DOS SUJEITOS. ( ) O IDEAL DE AUTONOMIA INDIVIDUAL NÃO INCIDE SOBRE A EXIGÊNCIA DE CONFORMIDADE AOS MODELOS SOCIAIS DE CORPO. ASSINALE A OPÇÃO CORRETA: A) F- V - V B) V- F- F C) F - F- V D) V- V- F E) V- F - V GABARITO 1. Com base no caso apresentado em Nu & Vestido (2002), de Goldenberg, analise as alternativas: É correto afirmar que a categoria de corpo utilizado para a análise da cultura brasileira contemporânea é empregada no olhar antropológico da autora sobre as relações conjugais. Homens e mulheres refletem, em suas respostas, elementos da “dominação masculina” de maneira igual. Homens e mulheres são atingidos e buscam uma noção de “corpo perfeito” de maneiras diferentes, mas direcionados pela “dominação masculina”, o que resulta em diferentes maneiras de serem afetados. Assinale a alternativa correta. A alternativa "B " está correta. Pierre Bourdieu (1999) apontou que as relações entre homens e mulheres estabelecem uma dominação masculina. Mesmo que as mulheres assumam uma posição dominada nas relações de poder, o sociólogo considera que homens também são influenciados por esses papeis sociais. De acordo com Bourdieu, homens criticam seu o corpo as considerando algumas partes “pequenas demais”. Já as mulheres tendem a estar insatisfeitas às regiões de seu corpo que lhe parecem “grandes demais”. Entretanto, nessa relação de dominação, as mulheres assumem uma função de objetos simbólicos,e a ideia de “pequeno demais” se relaciona ao objetivo de colocá-las em permanente estado de dependência simbólica. 2. Marque verdadeiro (V) ou falso (F) em relação às considerações de Gilles Lipovetsky sobre a febre da “beleza-magreza-juventude” e sua relação com o caso brasileiro. ( ) Gilles Lipovetsky aponta que a tendência de valorização do binômio magreza- juventude incide de maneira implacável a mulheres. ( ) A obsessão pela a magreza é resultado do poder normalizador dos modelos e vinculado a um desejo de conformidade estética que vai de encontro com o ideal individualista e sua exigência de personalização dos sujeitos. ( ) O ideal de autonomia individual não incide sobre a exigência de conformidade aos modelos sociais de corpo. Assinale a opção correta: A alternativa "D " está correta. Lipovetsky considera que o ideal de beleza ligado à magreza-juventude atua fortemente sobre as mulheres. E é expressão do paradoxo entre individualidade dos sujeitos e a busca por conformação e normalização dos corpos do período contemporâneo. Essa exigência dos modelos aumenta em relação aos papeis sociais do corpo. A partir da ideia de “contrários em equilíbrio” ou “equilíbrio de antagonismos”, de Gilberto Freyre (2002), é possível considerar que na cultura brasileira vivemos em um dos momentos de maior independência e liberdade femininas, mas que também resulta em um alto grau de controle em relação ao corpo e à aparência. CONCLUSÃO CONSIDERAÇÕES FINAIS O que a Antropologia pode ensinar sobre a nossa cultura? A Antropologia é de fundamental importância para compreender a cultura em que vivemos e outras culturas diferentes da nossa, sem preconceitos e sem julgamentos, sem a ideia de que uma cultura é superior ou melhor do que a outra. Por meio da observação participante, do método comparativo, de entrevistas em profundidade e de outros métodos e técnicas de pesquisa antropológica podemos fazer um mergulho em profundidade para compreender o mundo nativo. A Antropologia nos permite compreender o que é etnocentrismo, a atitude na qual a visão ou avaliação de um grupo é baseada nos valores adotados pelo seu grupo, como referência, como padrão de valor. Trata-se de uma atitude discriminatória e preconceituosa. Não existem grupos superiores ou inferiores, mas grupos diferentes. A tendência do homem nas sociedades é de repudiar ou negar tudo que lhe é estranho ou não está de acordo com seus costume e hábitos. O estudo da Antropologia ajuda a relativizar os nossos próprios valores, criar o hábito de se colocar no lugar dos outros, de compreender de dentro o mundo nativo. É a postura de “esquecer” a própria cultura, de perceber que ela não é o centro do universo, de entender que cada grupo e indivíduo tem uma cultura própria, diferente da nossa, com comportamentos, valores, crenças e linguagens diferentes. Como escreveu Malinowski, a Antropologia é a ciência que pode propiciar uma maior compreensão dos nativos e assim ajudar a compreender melhor a nossa própria cultura. Neste tema, abordamos a importância de comparar, compreender, observar e relativizar os valores da nossa cultura e aprender a respeitar as diferenças e diversidades culturais que existem no Brasil. AVALIAÇÃO DO TEMA: REFERÊNCIAS ALMEIDA, L. O. A influência dos pressupostos da teoria da ecologia criminal da Escola de Chicago para a elaboração das ações de segurança pública para o Centro Histórico de Salvador. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito, Salvador, Bahia. 2013. BERNARD, L. L. Schools of Sociology. In: The Southwestern Political and Social Science Quarterly, v. 11, n. 2, p. 117-134. Washington University, 1930. BOURDIEU, P. A Dominação Masculina. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1999. BOURDIEU, P. O Poder Simbólico. Lisboa: Difel, 1989. CHAPUT, M. Analyser la discussion politique en ligne: de l’idéal délibératif à la reconstruction des pratiques argumentatives. In: Réseaux, n. 150, p. 83-106, 2008. DESCOLA, P. As duas naturezas de Lévi-Strauss. In: Sociologia & Antropologia, v. 1, n. 2, p. 35-51, 2011. FREYRE, G. Casa-grande e senzala. Rio de Janeiro: Record, 2002. FREYRE, G. Modos de homem, modas de mulher. Rio de Janeiro: Record, 1987. GEERTZ, C. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 2008 GOFFMAN, E. A representação do eu na vida cotidiana. In: A representação do eu na vida cotidiana. 2011. p. 231-231. GOLDENBERG, M. A arte de pesquisar. Rio de Janeiro: Record, 1997. GOLDENBERG, M.; RAMOS, M. S. A civilização das formas: o corpo como valor. In: Nu & Vestido. Rio de Janeiro: Record, 2002. HERITAGE, J. Garfinkel and ethnomethodology. John Wiley & Sons, 2013. LIPOVETSKY, G. A terceira mulher. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. MALINOWSKI, B. Argonautas Do Pacífico Ocidental. Um Relato do empreendimento e da aventura aos nativos nos Arquipélagos a Nova Guiné, Melanésia. Coleção Os Pensadores. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1978. MALINOWSKI, B. Uma Teoria científica da Cultura. Rio de Janeiro: Zahar, 1975. MAUSS, M. As técnicas corporais. Sociologia e antropologia. São Paulo: EPU/EDUSP, 1974. RODRIGUES, J. C. Tabu do Corpo. Rio de Janeiro: Achiamé, 1979. EXPLORE+ Algumas sugestões de livros: Antropologia Cultural, de Franz Boas. Aprender Antropologia, de Francis Laplantine. Manual de Antropologia Cultural, de Angel Espina Barrio. Algumas sugestões de artigos: Ensino de antropologia no Brasil, de Miriam Pillar Grossi, Antonella Tassinari e Carmen Rial. Mulheres e Envelhecimentos na Cultura Brasileira, de Mirian Goldenberg. Exu do brasil, tropos de uma identidade afro-brasileira nos trópicos, de Vagner Gonçalves da Silva. A tese de doutorado de Douglas Mansur Silva, cujo nome é Intelectuais Portugueses Exilados no Brasil. Formação e transferência Cultural, Século XX. Sugestões de filmes: O Fim e o Princípio (2006), direção de Eduardo Coutinho. O documentário registra o cotidiano e as histórias dos moradores da pequena São João do Rio do Peixe, na Paraíba. Através de depoimentos, o filme retrata o sentimento de uma população humilde que esbanja alegria e esperança, além de apresentar as nuances de um nordeste de alma densa e fecunda. Dead Birds (1964), direção de Robert Gardner. Documentário de 1964 sobre o povo Dani da Nova Guiné. Weyak e sua família, membros de uma tribo, lutam para sobreviver e proteger seu território ainda não colonizado pelos europeus. Os Mestres Loucos (1955). Curta-metragem de 1955, dirigido por Jean Rouch, um conhecido diretor de cinema e etnólogo francês. É uma docuficção, sua primeira etnoficção, um gênero que ele considera ter criado. CONTEUDISTA Mirian Goldenberg CURRÍCULO LATTES javascript:void(0); DEFINIÇÃO Modernidade sólida e modernidade líquida, novos paradigmas de trabalho e poder, e suas consequências nas esferas macro e micro dos novos arranjos e relações sociais. PROPÓSITO Refletir sobre a vida contemporânea a partir de um olhar sobre o mundo sólido e o mundo líquido para investigar os diversos aspectos da chamada pós-modernidade. OBJETIVOS MÓDULO 1 Compreender os conceitos da modernidade líquida e da modernidade sólida MÓDULO 2 Reconhecer os mecanismos do processo de individualização MÓDULO 3 Identificar influências de Zygmunt Bauman em autores brasileiros Objetivo1 Fonte: Shutterstock INTRODUÇÃO Modernidade líquida é o termo cunhado por Zygmunt Bauman no final do século XX para definir os novos arranjos socioculturais vigentes no mundo contemporâneo. É uma época marcada, segundo o sociólogo, por fragilidade, imprevisibilidade e incerteza, em que nada é feito para durar. javascript:void(0) Tem sido comum se referir a Zygmunt Bauman como um teórico da pós-modernidade, entretanto o autor é crítico a tal conceito, tendo o substituído gradualmente em sua obra pelo termo modernidade líquida. Isso pode ser explicado pelo fato de ele não compreender a contemporaneidade comouma ruptura do período moderno, apenas como uma continuação com aspectos e estruturas diferentes. Zygmunt Bauman (1925-2017), sociólogo e filósofo polonês, professor emérito de Sociologia das universidades de Leeds e Varsóvia. Bauman se manteve próximo à ortodoxia marxista, mas se tornou crescentemente crítico ao governo comunista da Polônia. Aproximou-se, então, cada vez mais, de uma concepção humanista do marxismo. Fonte: ShutterstockZygmunt Bauman | Por: andersphoto (Fonte: Shutterstock). O TERMO LÍQUIDO É UTILIZADO COMO UMA METÁFORA PARA EXEMPLIFICAR UM ESTADO DE FLUIDEZ OU LIQUIDEZ, EM QUE A FORMA DAS COISAS NÃO RESISTE COM O TEMPO. DIFERENTEMENTE DOS SÓLIDOS, OS LÍQUIDOS NÃO MANTÊM SUA FORMA COM FACILIDADE. OS FLUIDOS SE MOVEM FACILMENTE. ELES FLUEM, ESCORREM, ESVAEM-SE, RESPINGAM, TRANSBORDAM, VAZAM, INUNDAM, BORRIFAM, PINGAM; SÃO FILTRADOS, DESTILADOS; DIFERENTEMENTE DOS SÓLIDOS, NÃO SÃO FACILMENTE CONTIDOS (...) DO ENCONTRO COM SÓLIDOS EMERGEM INTACTOS, ENQUANTO OS SÓLIDOS QUE ENCONTRARAM, SE PERMANECEM SÓLIDOS, SÃO ALTERADOS – FICAM MOLHADOS OU ENCHARCADOS. (BAUMAN, 2001, p. 8) MODERNIDADE SÓLIDA X MODERNIDADE LÍQUIDA Tal conceituação é fundamental para compreender a ruptura e substituição de determinados valores culturais, sobretudo na passagem para o século XXI. Fonte: Shutterstock A modernidade sólida caracterizava-se por princípios orientados pela ordem, em que os indivíduos se conformavam aos modelos de conduta e experimentavam determinado grau de segurança em seus vínculos. Fonte: Shutterstock Bauman cita o emprego e os relacionamentos contemporâneos como aspectos cada vez mais marcados pela transitoriedade e facilmente revogáveis. PERGUNTE-SE O QUE É REALMENTE UMA FAMÍLIA HOJE EM DIA? O QUE SIGNIFICA? É CLARO QUE HÁ CRIANÇAS, MEUS FILHOS, NOSSOS FILHOS. MAS, MESMO A PATERNIDADE E A MATERNIDADE, O NÚCLEO DA VIDA FAMILIAR, ESTÃO COMEÇANDO A SE DESINTEGRAR NO DIVÓRCIO... AVÓS E AVÔS SÃO INCLUÍDOS E EXCLUÍDOS SEM MEIOS DE PARTICIPAR NAS DECISÕES DE SEUS FILHOS E FILHAS. DO PONTO DE VISTA DE SEUS NETOS, O SIGNIFICADO DAS AVÓS E DOS AVÔS TEM QUE SER DETERMINADO POR DECISÕES E ESCOLHAS INDIVIDUAIS. (BAUMAN, 2001, p. 13.) INSTITUIÇÕES ZUMBI Citando Ulrich Beck, o autor designa tais aspectos como instituições zumbi (Bauman, 2001, p. 12), pois se configuram em uma espécie de sobrevida na atualidade. Embora existam fisicamente, já perderam grande parte de suas funções sociais anteriores. São exemplos de tais instituições a família, a classe e o bairro. DERRETIMENTO DOS SÓLIDOS Para compreender melhor o conceito de derretimento dos sólidos, vamos retomar a uma das obras mais importantes do século XIX, o Manifesto Comunista. Uma das emblemáticas frases de Karl Marx e Friedrich Engels , utilizada para definir o que seria a transição para o estágio moderno da sociedade, trata da dissolução das antigas e cristalizadas relações sociais. Karl Marx (1818-1883), nascido na Prússia (atual Alemanha) investigou as relações socioeconômicas de seu tempo e formulou algumas das ideias e teorias de maior impacto e repercussão nos séculos XIX, XX e XXI. Os mecanismos do capitalismo, a luta de classes e o papel do Estado foram alguns dos pontos pensados e debatidos por Marx. Friedrich Engels (1820-1895), também prussiano, foi fundador, junto a Marx, do chamado socialismo científico. Trabalhou por alguns anos na fábrica têxtil de sua família na Inglaterra e, nesse período, conheceu e se impressionou com a pobreza dos trabalhadores. A partir de então, começa a estudar e publicar sobre relações econômicas e sociais. Sua parceria com Karl Marx foi fundamental para o desenvolvimento da teoria marxista. PARA OS TEÓRICOS, NA NOVA ERA: TUDO QUE ERA SÓLIDO E ESTÁVEL SE DESMANCHA NO AR, TUDO QUE ERA SAGRADO É PROFANADO E OS HOMENS SÃO OBRIGADOS FINALMENTE A ENCARAR SEM ILUSÕES SUA POSIÇÃO SOCIAL E AS SUAS RELAÇÕES COM OS OUTROS HOMENS. (MARX; ENGELS, 2005, p. 43.) Inicialmente, derreter os sólidos simbolizava eliminar a antiga ordem tradicional defeituosa que constituía um passado insatisfatório, com estruturas em que não se podia confiar. De acordo com Bauman (2001), os tempos modernos encontraram os sólidos pré-modernos em um estado avançado de desintegração. E, um dos principais motivos da urgência em derretê-los era o desejo de inventar sólidos de solidez duradoura, nos quais seria possível confiar e que tornariam o mundo previsível e, portanto, administrável. Para compreender melhor a diferença entre as duas modernidades, veja o quadro a seguir: MODERNIDADE SÓLIDA MODERNIDADE LÍQUIDA Sociedade de produtores (papel central do trabalho) Sociedade de consumidores (papel central do consumo) javascript:void(0) javascript:void(0) MODERNIDADE SÓLIDA MODERNIDADE LÍQUIDA Totalitarismo Democracia Vigilância panóptica Vigilância pós-panóptica Liberalismo Neoliberalismo Burocracia e controle “Liberdade” Tradição e liberdade Possibilidade de escolhas Comunidade Individualidade SAIBA MAIS Vigilância panóptica: A ideia de panóptico ficou conhecida a partir dos escritos de Michel Foucault, que se inspirou na idealização de Jeremy Bentham de uma penitenciária ideal, onde os encarcerados podiam ser vistos sem verem o vigilante, portanto, nunca sabendo quando e se eram ou não vigiados. O panóptico era o nome dado à estrutura arquitetônica desse projeto penitenciário. Vigilância pós-panóptica: A vigilância pós-panóptica é conceituada por Bauman como um novo momento em que não há mais necessidade de olhar centralizador (no papel daquele único vigilante). Não se conhece os pontos de vigilância e, aliás, deixar-se vigiar vira condição de segurança de cada um. Um dos principais aspectos da obra de Bauman, sobretudo em seu livro Modernidade Líquida, são suas contribuições acerca dos novos arranjos do trabalho e as diferenciações que ocorreram na transição da modernidade sólida para a líquida. Fonte: Shutterstock Fonte: Shutterstock A conquista do espaço, através de máquinas mais velozes, marca o início da era moderna. Retomando o conceito de racionalidade instrumental de Max Weber , vemos que um dos princípios que operavam na civilização moderna se centrava no modo de preencher espaços, ou seja, eliminar espaços vazios ociosos. Max Weber (1864-1920), jurista e economista prussiano, considerado um dos pais da Sociologia. A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo e Economia e Sociedade são suas obras mais importantes. SAIBA MAIS A racionalidade instrumental é um conceito que considera a razão e o conhecimento humano como meios para se obter fins específicos. É neutra, formal e lógico-matemática. Possui caráter objetivo. Aliás, o limiar da era moderna vem de René Descartes, com a definição da materialidade, isto é, aquilo que é material, físico, palpável, como espacialidade res extensa. COMENTÁRIO O termo res extensa (coisa extensa, com o sentido de extensão, isso é, tamanho, volume, existência física, material) se contrapõe a res cogitans (coisa pensante). Foi nessa suposta divisão entre corpo/físico e pensamento/abstrato que Descartes baseou sua filosofia e fundamentou grande parte do pensamento moderno. A MODERNIDADE CARACTERIZOU A DIFERENÇA ENTRE FORTES E FRACOS COMO A DIFERENÇA ENTRE TERRITÓRIOS ESTRITAMENTE CONTROLADOS (OS FORTES) E TERRITÓRIOS ABERTOS À INVASÃO (OS FRACOS). MAS ESSA É UMA PARTE DA HISTÓRIA QUE TERMINOU. Zygmunt Bauman a nomeia era do hardware ou modernidade pesada (que virá a ser substituída pela era do software). javascript:void(0) A MODERNIDADE PESADA FOI A ERA DA CONQUISTA TERRITORIAL. A RIQUEZA E O PODER ESTAVAM FIRMEMENTE ENRAIZADAS OU DEPOSITADAS DENTRO DA TERRA – VOLUMOSOS, FORTES E INAMOVÍVEIS COMO OS LEITOS DE MINÉRIO DE FERRO E DE CARVÃO. OS IMPÉRIOS SE ESPALHAVAM, PREENCHENDO TODAS AS FISSURAS DO GLOBO: APENAS OUTROS IMPÉRIOS DE FORÇA IGUAL OU SUPERIOR PUNHAM LIMITES À SUA EXPANSÃO. O QUE QUER QUE FICASSE ENTRE OS POSTOS AVANÇADOS DOS DOMÍNIOS IMPERIAIS EM COMPETIÇÃO ERA VISTO COMO TERRADE NINGUÉM, SEM DONO E, PORTANTO, COMO UM ESPAÇO VAZIO – E O ESPAÇO VAZIO ERA UM DESAFIO À AÇÃO E UMA CENSURA À PREGUIÇA. (BAUMAN, 2001, p. 132) Os exploradores foram os heróis da modernidade. A riqueza e o poder eram conceitos geográficos ou propriedades territoriais. Assim, as lógicas de poder e de controle passam a se basear na separação entre dentro e fora e numa defesa constante dessa separação. A todo momento, busca-se definir e apontar o que é dentro e o que é fora, o que é certo e errado, central e periférico, incluído e excluído, visível e invisível etc. A união da lógica do poder com a lógica do controle envolveu a lógica do tamanho. O PODERIO BÉLICO, ECONÔMICO E POLÍTICO DITAVA O CONTROLE DAS RELAÇÕES, MAS AINDA COM UM REFERENCIAL À EXPANSÃO TERRITORIAL, CONQUISTA DE TERRAS E DOMÍNIO DE SEUS RECURSOS FÍSICOS SOBRETUDO. Fonte: Shutterstock Na versão pesada da modernidade, o progresso significava tamanho crescente e expansão espacial. (BAUMAN, 2001, p.133) A domesticação e a colonização do espaço exigiam um tempo rígido, uniforme e inflexível. Durante este processo, o tempo era rotinizado e, acima de tudo, deveria encolher. O tempo medido pelo modelo do espaço podia ser fatiado em medidas semelhantes e arranjado em sequências monótonas e inalteráveis. Fonte: Shutterstock A MODERNIDADE PESADA TEVE COMO MODELO A FÁBRICA FORDISTA, QUE PROMOVEU O ENCONTRO DO CAPITAL COM O TRABALHO. AS FÁBRICAS ILUSTRAVAM AQUELA REALIDADE COM AS SUAS MAQUINARIAS PESADAS ATADAS AO SOLO E O TEMPO CONGELADO DA ROTINA, COM SUAS IRRUPÇÕES DE GREVES E CONFRONTOS. VOCÊ SABIA O fordismo foi o sistema de produção criado por Henry Ford para gerenciar a montagem dos automóveis de sua fábrica. Uma de suas características mais marcantes é a linha de produção, em que um operário realiza exaustivamente uma única tarefa – movimento brilhantemente captado em seu mecanismo e suas consequências por Charles Chaplin em seu filme Tempos Modernos. Para exemplificar o que mudou na passagem da modernidade hardware para a software, vejamos a frase do economista da Sorbonne Daniel Cohen: QUEM COMEÇA UMA CARREIRA NA MICROSOFT NÃO TEM A MÍNIMA IDEIA DE ONDE ELA TERMINARÁ. QUEM COMEÇAVA NA FORD OU NA RENAULT PODIA ESTAR QUASE CERTO DE TERMINAR NO MESMO LUGAR. (Cohen apud BAUMAN, 2001, p.135). No universo software o espaço pode ser atravessado em tempo nenhum, pois cancela-se a diferença entre longe e aqui. O espaço não impõe mais limites à ação e o seu efeito estratégico quase não conta, já que o tempo não confere valor ao espaço. O tempo sem substância do mundo software é a consequência lógica da irrelevância do espaço. A modernidade leve (soft) pretende atingir a leveza e a infinita volatilidade e flexibilidade da capacidade humana. Já na era hardware da modernidade, era da racionalidade instrumental, o tempo precisava ser administrado prudentemente para que o uso do espaço pudesse ser maximizado. Fonte: Shutterstock O trabalho hardware necessitava ser supervisionado e administrado no seu processo (por isso o empenho dos empregadores em vigiar o processo de trabalho para controlar os trabalhadores). Fonte: Shutterstock A era do software não mais amarra o capital. Ela descorporifica o trabalho anunciando a ausência de peso do capital, rompendo a dependência mútua trabalhador-capital. O CAPITAL HOJE PODE VIAJAR RÁPIDO E LEVE; E OS CAPITALISTAS TENDEM A SE LIVRAR DA ONEROSA TAREFA DE ADMINISTRAÇÃO E SUPERVISÃO DE UMA EQUIPE GRANDE. O capitalismo software vai unir as estratégias de redução às de fusão. Ambas somadas vão oferecer poder financeiro e espaço para mover-se rapidamente. Fonte: Shutterstock Se a ciência da administração do capitalismo pesado se centrava em conservar a mão de obra e forçá-la ou suborná-la a permanecer de prontidão e trabalhar segundo os prazos, a arte da administração na era do capitalismo leve consiste em manter afastada a mão de obra humana. (BAUMAN, 2001, p. 141) As características vão além do mundo do trabalho. A instantaneidade da modernidade leve e líquida reside na anulação da resistência do espaço e na liquefação da materialidade dos objetos. Fonte: Shutterstock O mundo do hardware é o do longo prazo e dos objetos duráveis. Fonte: Shutterstock O mundo do software é o do curto prazo e dos objetos perecíveis, transitórios. A modernidade líquida também é marcada pela obsolescência programada, em que a infinidade de possibilidades esvaziou a infinitude de tempo. VOCÊ SABIA A obsolescência programada é uma forma de manter o consumo ininterrupto. Atribui-se sua ideia à presidência da General Motors (GM) ainda no início do século XX. Ela consiste em fazer com que o produto seja constantemente considerado ultrapassado, de modo que o consumidor sempre buscará acessórios ou substituições melhores. Outra faceta da obsolescência programada é a deliberação quanto à diminuição da vida útil dos produtos, de forma que, de tempos em tempos, eles deixem de funcionar e tenham de ser comprados novamente. A nova instantaneidade do tempo muda radicalmente as modalidades do convívio humano. Trata-se de uma cultura indiferente à eternidade e que evita a durabilidade. Os homens e as mulheres de hoje se distinguem de seus pais, vivem num presente que quer esquecer o passado e não parecem acreditar no futuro. DA FÁBRICA FORDISTA À RACIONALIDADE NÔMADE Neste vídeo, iremos ver como ocorreu essa mudança em relação ao trabalho Como vimos no vídeo, a ideia de progresso sofreu rachaduras na modernidade líquida, mas não desapareceu, só se tornou menos familiar. O progresso segue hoje outros parâmetros, foi individualizado, desregulado e privatizado: a questão do aperfeiçoamento não é mais ideal coletivo, mas individual. SÃO OS HOMENS E MULHERES INDIVIDUAIS QUE A SUAS PRÓPRIAS CUSTAS DEVERÃO USAR, INDIVIDUALMENTE, SEU PRÓPRIO JUÍZO, RECURSOS E INDÚSTRIA PARA ELEVAR-SE A UMA CONDIÇÃO MAIS SATISFATÓRIA. (BAUMAN, 2001, p.155) Na modernidade líquida, para a maioria das pessoas, o presente é, na melhor das hipóteses, instável. Aprendemos à nossa própria custa, que os planos, mesmo os mais cuidadosamente elaborados, têm a desagradável tendência de produzirem resultados distantes do esperado. No campo da ciência, saímos da crença determinística de que Deus não joga dados e mergulhamos na ciência atual que pretende pensar uma ordem a partir do acaso, do caos. Fonte: Shutterstock Na modernidade sólida, uma das virtudes que fizeram do trabalho um valor foi a sua capacidade de dar forma ao informe. O trabalho era atividade em que se supunha que a humanidade como um todo estava envolvida, um esforço coletivo de que cada membro da espécie humana tinha que participar. Junto a ele, surgiu a ambição de aparelhar e colonizar o futuro. Fonte: Shutterstock A modernidade líquida é a derrota da razão pura em nome de uma racionalidade nômade, labiríntica. Nesse mundo labiríntico, o trabalho se divide em episódios isolados como o resto da vida humana. Ele foi retirado do universo da construção da ordem e do controle do futuro e foi lançado na direção do reino do jogo. O QUE CONTA AGORA SÃO AS ESTRATÉGIAS, OS EFEITOS IMEDIATOS DE CADA MOVIMENTO. CADA OBSTÁCULO DEVE SER NEGOCIADO QUANDO CHEGAR A SUA VEZ. OS CAMINHOS DA VIDA NÃO SÃO MAIS RETAS A SEREM TRILHADAS. O trabalho, conforme Bauman (2001), perdeu a sua missão universalmente partilhada, não nos fornece mais um eixo seguro com identidades e projetos de vida. Tornou-se uma atividade estética, que visa a atender, não tanto à vocação ética do criador e produtor, mas as necessidades e desejos do consumidor. A VERSÃO LIQUEFEITA DO TRABALHO Na modernidade leve, a do capitalismo flutuante, ocorre um enfraquecimento dos laços que uniam capital e trabalho. O capital rompeu sua dependência para com o trabalho. Fez-se extraterritorial, leve e desembaraçado de um modo sem precedentes. Nos dias atuais, a política é um cabo de guerra numa batalha em que os governos e as instituições locais tendem aperder. O capital força o desmantelamento de leis e estatutos restritivos às empresas, força a baixa de impostos, impondo menos regras e acima de tudo um mercado de trabalho flexível. TENDO SE LIVRADO DO ENTULHO DO MAQUINÁRIO PESADO E DAS ENORMES EQUIPES DE FÁBRICA, O CAPITAL VIAJA LEVE, APENAS COM A BAGAGEM DE MÃO, PASTA, COMPUTADOR PORTÁTIL E TELEFONE CELULAR. (BAUMAN, 2001, p. 173) O capitalismo se tornou um mestre nas habilidades de fuga, nas estratégias de desvios e numa nova política de desengajamento e descomprometimento com o social. Além disso, como aponta o sociólogo polonês, as principais fontes de lucro, “dos grandes lucros em especial e, portanto, do capital de amanhã, tendem a ser, numa escala sempre em expansão, ideias e não objetos materiais” (BAUMAN, 2001, p. 173). OS EMPRESÁRIOS, NA MODERNIDADE LÍQUIDA, CONSIDERARAM A INSTABILIDADE COMO UM IMPERATIVO, ACEITAM A DESORIENTAÇÃO, TOMAM AS NOVIDADES COMO BOAS E O PRECÁRIO COMO UM VALOR: O HOMEM DO CAPITAL QUER VIVER FORA DO ESPAÇO E DO TEMPO. Há, na modernidade leve, algumas mudanças importantes: Fonte: Shutterstock Na administração das empresas, as pessoas passam a ser remotamente controladas. Fonte: Shutterstock O acesso à informação converteu-se num direito humano. Fonte: Shutterstock A liderança foi substituída pelo espetáculo. Cultura do entretenimento Fonte: Shutterstock O bem-estar na população passou a ser medido pelo acesso às tecnologias da comunicação. javascript:void(0) Fonte: Shutterstock A vida útil das informações tornou-se muito reduzida. O CAPITALISMO SEM O ADIAMENTO DA SATISFAÇÃO Bauman (2001) retorna a Max Weber para pensar um adiamento da satisfação. Essa procrastinação teve um papel importante na acumulação do capital e no enraizamento da ética do trabalho. De certo modo, o ainda não caracteriza a vida do homem moderno. É nítido como o autor relê essa questão do adiamento a partir da Psicanálise, em que libido e Tânatos competem entre si em cada ato de adiamento. Cada ato de adiamento é a vitória da libido sobre Tânatos. Libido significa em latim vontade, desejo. É postulada por Freud como substrato da pulsão sexual quanto ao objeto, quanto ao alvo e quanto à fonte de excitações. Tânatos é o termo grego que significa morte. Foi utilizado por Freud para designar as pulsões de morte, por simetria com Eros, pulsão de vida. Eros e Tânatos constituem um dos dualismos pulsionais na Psicanálise. O DESEJO ESTIMULA O ESFORÇO PELA ESPERANÇA DE SATISFAÇÃO, MAS O ESTÍMULO RETÉM SUA FORÇA ENQUANTO A SATISFAÇÃO DESEJADA PERMANECER UMA ESPERANÇA. TODO O PODER MOTIVADOR DO DESEJO É INVESTIDO EM SUA REALIZAÇÃO. NO FIM, PARA PERMANECER VIVO, O DESEJO TEM QUE DESEJAR APENAS SUA PRÓPRIA SOBREVIVÊNCIA. (BAUMAN, 2001, p.181) A precariedade é marca da modernidade líquida. As palavras que mais nos definem no capitalismo atual são: falta de garantias, incerteza e insegurança. javascript:void(0) javascript:void(0) O CAPITALISMO LEVE É O MUNDO DO DESEMPREGO ESTRUTURAL, NELE NINGUÉM PODE SE SENTIR VERDADEIRAMENTE SEGURO. NA FALTA TOTAL DE SEGURANÇA NÃO HÁ MAIS POR QUE ADIAR A SATISFAÇÃO IMEDIATA, QUE PASSA A PARECER UMA ESTRATÉGIA RAZOÁVEL. O QUE QUER QUE A VIDA OFEREÇA É PARA AQUI E AGORA. O ADIAMENTO DA SATISFAÇÃO PERDEU O SEU FASCÍNIO. No capitalismo leve, modas vão e vêm com velocidades cada vez maiores. O que hoje é chique amanhã pode ser ridículo. De certo modo, isso explica o cinismo que marca os homens e mulheres de nosso tempo. Os mecânicos atualmente não consertam, jogam peças fora. Segundo Bauman (2001), na mecânica ou na vida em geral, as peças se tornaram substituíveis. No capitalismo leve tudo pode ser jogado fora e substituído por outro acessório. Tal é a base do cinismo da vida software. VERIFICANDO O APRENDIZADO 1. "OS MEDOS, ANSIEDADES E ANGÚSTIAS CONTEMPORÂNEOS SÃO FEITOS PARA SEREM SOFRIDOS EM SOLIDÃO. NÃO SE SOMAM, NÃO SE ACUMULAM NUMA CAUSA COMUM E NÃO SÃO ÓBVIOS”. QUAL DOS FATORES ABAIXO NÃO É CITADO POR ZYGMUNT BAUMAN COMO CONSTITUINTE DA ANGÚSTIA CONTEMPORÂNEA: A) Perda de padrões, códigos e regras para orientar o comportamento na contemporaneidade. B) Infelicidade dos consumidores que advém do excesso e não da falta de escolha. C) Perda da autonomia com estabilidade das divisões de classes. D) Individualismo das problemáticas e projetos. 2. UMA DAS PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DA MODERNIDADE SÓLIDA É QUE SEUS HORIZONTES SE CONSTITUEM EM UM PROJETO DE LONGO PRAZO. TAL MODERNIDADE CARACTERIZAVA-SE PELA TERRITORIALIDADE E PELO PAPEL CENTRAL DO TRABALHO. AS ALTERNATIVAS ABAIXO REPRESENTAM CARACTERÍSTICAS DA MODERNIDADE SÓLIDA, EXCETO: A) Limitação da liberdade, vida composta através da rotina e esforço dirigido às demandas da comunidade. B) Engajamento e dependência entre capital e trabalho. C) Concepção de trabalho como fundamento ético e sua ausência como anormalidade. D) A crença no progresso como principal meta, que deve ser alcançado através do aperfeiçoamento individual. GABARITO 1. "Os medos, ansiedades e angústias contemporâneos são feitos para serem sofridos em solidão. Não se somam, não se acumulam numa causa comum e não são óbvios”. Qual dos fatores abaixo não é citado por Zygmunt Bauman como constituinte da angústia contemporânea: A alternativa "C " está correta. A modernidade líquida atribuiu ao ser humano uma maior capacidade de autonomia e de liberdade, mesmo que esta seja uma liberdade questionável. Já as divisões de classes foram outro fator que se tornou fluido e instável em relação ao seu precedente, a modernidade sólida. 2. Uma das principais características da modernidade sólida é que seus horizontes se constituem em um projeto de longo prazo. Tal modernidade caracterizava-se pela territorialidade e pelo papel central do trabalho. As alternativas abaixo representam características da modernidade sólida, exceto: A alternativa "D " está correta. O ideal de progresso constitui, de fato, um dos pressupostos da modernidade sólida. Entretanto, ele surge como parte da agenda coletiva de responsabilidades e não individual. A integridade da comunidade era um pressuposto importante na modernidade sólida. Já os ideais de aperfeiçoamento individuais e de extrema competitividade são reflexos da modernidade líquida. Objetivo2 MUNDO LÍQUIDO Uma vez derretido o mundo sólido, veio à tona a impossibilidade de controlá-lo ou de restituí-lo ao seu estado anterior. Os fluidos mostraram sua natureza incontrolável, dando vez a um campo aberto imprevisível e permeado por incertezas. Velocidade, fuga e passividade configuram as técnicas que permitem a manutenção das relações de poder, pois a ausência de solidez não demonstra uma perda dessas relações, apenas significa uma reformulação em como se opera na sociedade. As novas tecnologias de controle são cada vez mais móveis e transitórias. Para que o poder tenha liberdade de fluir, o mundo deve estar livre de cercas e fronteiras. A crescente flexibilização, liberalização e descontrole do mercado financeiro, imobiliário e de trabalho permite o desengajamento do sistema e das revoluções sistêmicas. O projeto revolucionário facilmente perde sua força como massa concisa devido a esse caráter desterritorializado. Bauman (2001, p. 154) cita a afirmação de Guy Debord de que o centro do controle tornou-se oculto e nunca mais será ocupado por um líder conhecido ou uma ideologia clara. Os mecanismos de poder, portanto, encontram-se em redes além do alcance. SE O TEMPO DAS REVOLUÇÕES SISTÊMICAS PASSOU, É PORQUE NÃO HÁ EDIFÍCIOS QUE ALOJEM AS MESAS DE CONTROLE DO SISTEMA, QUE PODERIAM SER ATACADOS E CAPTURADOS PELOS REVOLUCIONÁRIOS. (BAUMAN, 2001, p. 12) LIBERDADE: LIBERTAR- SE X SENTIR-SE LIVRE A desterritorialização é uma das principais características que permeia o século XXI. Para Zygmunt Bauman, a tomada do poder como extraterritorial tornou o tempo como a única dependência humana. Perda da importância do território, da materialidade, da realidadefísica, corporal, em diversos níveis sociais: profissional, econômico, político, psíquico/individual etc. Hoje, as relações humanas são facilmente mediadas pelo uso de celulares, computadores e televisões. Fixar-se ao solo não é mais tão importante. Através da internet, por exemplo, infinitos mundos podem ser alcançados ─ e abandonados ─ imediatamente, mesmo que não presencialmente. Fonte: Shutterstock Nesse sentido, pode- se dizer que as reflexões acerca da liberdade também configuram um dos principais aspectos da obra de Bauman. O capítulo introdutório de Modernidade Líquida é intitulado Emancipação. Nele, o autor retorna à obra de Herbert Marcuse para analisar a compreensão de que a sociedade deveria emancipar-se, buscar uma libertação dos totalitarismos. Entretanto, à medida que a sociedade capitalista cumpre o que promete, mais as pessoas se acomodam e menos se dispõem a agir. Há uma grande Fonte: Shutte Libertar-se Refere-se, lite alguma corren javascript:void(0) diferença, porém, entre: O SER HUMANO, PORTANTO, TEM UMA TRAJETÓRIA MARCADA POR RENÚNCIAS FORÇADAS EM NOME DE UM BEM MAIOR, A VIDA EM SOCIEDADE. E, QUANTO MAIS SE ABRE MÃO DE UM BEM MAIOR, MAIOR É A ANGÚSTIA DO SER. A mensagem freudiana, de acordo com Bauman (1998), é de que se ganha alguma coisa, mas habitualmente perde-se outra. Quanto mais ordem, portanto, maior é o mal-estar na modernidade sólida. Atualmente, o cenário é o da desregulamentação. No final do século XX, para explicar as mudanças sociais decorridas entre as décadas que permearam o século, Bauman lançou a obra O Mal-Estar na Pós- Modernidade. Segundo o autor, se o mal-estar moderno provinha da rigidez, o mal-estar pós-moderno surge justamente na inconsistência. ENGANOU-SE QUEM IMAGINOU QUE A REMOÇÃO DAS CELAS SERIA O SUFICIENTE PARA ELIMINAR OS PROBLEMAS. A LIBERDADE TAMBÉM CARREGA O CAOS. Sendo assim, para Bauman, os projetos de vida individuais não encontram terreno estável na contemporaneidade. O mundo pós- moderno prepara a vida para uma condição de incerteza, homens e mulheres contemporâneos encontram-se em uma vivência permanente de um “problema de identidade não resolvido” (BAUMAN, 2001, p.38). Há uma crise que impossibilita a construção de uma identidade sólida que persista pela vida, o que ocasiona angústia e uma Fonte: Shutterstock Outro valor que não se manteve inerte no derretimento contemporâneo foi o da comunidade. Fonte: Shutterstock Na modernidade sólida, comunidade era um v importância. Viajantes, nômades, eram malvis cidadania andava de mãos dadas com o ende incerteza irredutível. Ainda sobre a liberdade e a ilusão provocada por tal conceito no mundo contemporâneo, os padrões de comportamento não são mais dados e o indivíduo não é guiado apenas pela imaginação para construir sua identidade e estilo de vida a partir do zero. A construção individual seria subdeterminada, passando por certos grupos de referência. A angústia contemporânea, portanto, parte da ausência de perspectivas dadas e de não conseguir se estabelecer em uma sociedade de incertezas. VOCÊ SABIA Bauman usa o termo cruzadas, remetendo a movimentos armados que buscavam levar a fé e a dominação territorial cristã para a Terra Santa. Apesar de não serem militares, essas novas cruzadas pensadas por Bauman trazem a ideia de movimento de expansão de apenas um tipo cultural. CONSUMO O mundo líquido é um modo de vida compulsivo, obsessivo, contínuo, irrefreável e sempre insaciável. Ser moderno traz consigo a impossibilidade de parar ou ficar parado. Para Max Weber, a javascript:void(0) impossibilidade de satisfação é que move o homem, e o nosso horizonte de satisfação se moveria rápido demais. Que não se consegue refrear ou reprimir. Fonte: Dicionário online Português. O CONSUMO EXCESSIVO TEM COMO UM DOS PRESSUPOSTOS FABRICAR UMA SOCIEDADE ETERNAMENTE DESEJANTE, QUE PERSEGUE SEMPRE NOVOS ANSEIOS. O indivíduo, entretanto, é capturado por um engodo. Isso porque colapsa a antiga ilusão moderna de que haveria um fim, um destino alcançável no caminho que percorremos, como um estado de perfeição a ser atingido amanhã, no próximo ano ou, conforme acreditava-se no século XX, no próximo milênio. Além da desregulamentação, outra característica da modernidade líquida é a privatização das tarefas modernizantes. As atividades tornaram-se cada vez mais fragmentadas e administradas pelos próprios indivíduos. É nesse contexto também que ocorre a ênfase na autoafirmação do Fonte: Shutterstock Consumo É uma condição e um aspecto irremovível, presente em todos os momentos históricos do ser humano e que tem raízes antigas em diferentes formas de vida. Fonte: Shutterstock Consumismo Caracteriza-se como um atributo da sociedade líquida e su o consumo assume o papel-chave que na sociedade de pr era exercido pelo trabalho. indivíduo, e não na sociedade como um todo. Bauman estabelece como um dos principais aspectos de sua obra Vida para Consumo (2008) a diferença entre consumismo e consumo. UM DOS PRESSUPOSTOS DA SOCIEDADE DE CONSUMO É QUE O SER HUMANO PASSA A VENDER A SI MESMO COMO UM PRODUTO A SER CONSUMIDO. As pessoas são os próprios produtos que devem ser colocados no mercado e, consequentemente, promovidos. A preocupação estética na sociedade líquida surge como resultado dessa demanda e preocupação existencial: por medo de tornarem-se obsoletos, os indivíduos sacrificam-se em rituais de beleza para permanecerem no mercado, sempre prontos para serem consumidos. Fonte: Shutterstock Ao longo de sua obra, Zygmunt Bauman faz o uso do termo cunhado por Norbert Elias Sociedade de indivíduos para descrever a essência do arranjo social no qual a individualidade demonstra-se um imperativo universal e a única estratégia de vida. Segundo o autor, a marca registrada da formação contemporânea do ser é a demanda da individualidade como autenticidade e da obtenção de destaque. Entretanto, tal perspectiva está intrinsecamente ligada aos ideais de consumo, influenciado pelas propagandas e por uma espécie de compra de identidade. SENDO ESSE O CASO, A INDIVIDUALIDADE É E DEVERÁ CONTINUAR SENDO POR MUITO TEMPO UM PRIVILÉGIO. UM PRIVILÉGIO DENTRO DE CADA UMA DAS SOCIEDADES, QUASE AUTÔNOMAS, EM QUE O JOGO DA AUTOAFIRMAÇÃO É LEVADO À FRENTE POR MEIO DA SEPARAÇÃO ENTRE OS CONSUMIDORES EMANCIPADOS, PLENAMENTE DESENVOLVIDOS — LUTANDO PARA COMPOR E RECOMPOR SUAS INDIVIDUALIDADES SINGULARES A PARTIR DAS EDIÇÕES LIMITADAS DOS ÚLTIMOS MODELOS DA ALTA-COSTURA —, E A MASSA SEM ROSTO DOS QUE ESTÃO PRESOS E FIXOS A UMA IDENTIDADE SEM ESCOLHA, ATRIBUÍDA OU IMPOSTA, SEM PERGUNTAS, MAS EM TODO CASO SUPERDETERMINADA. (BAUMAN, 2007, P.39) Em relação à venda de si mesmo como produto, Bauman (2008) cita Eugène Enriquez, e o esfacelamento dos limites entre o público e o privado, sobretudo em uma sociedade mediada pela informação a todo o momento na internet. Números de likes, de views, de compartilhamentos, amigos, fãs viram uma nova métrica e um novo valor nesse consumo de indivíduos por indivíduos. QUANTO MAIOR A EXPOSIÇÃO, MELHOR PARA O DESTAQUE DO INDIVÍDUO E SUA VENDA COMO MERCADORIA A SER CONSUMIDA NAS REDES. Conforme Enriquez (2004 apud BAUMAN, 2008), aqueles que zelam por sua invisibilidade tendem a ser rejeitados, colocados de lado ou considerados suspeitos de um crime. A nudez física, social e psíquica está na ordem do dia. AMOR LÍQUIDO Fonte: Shutterstock Todas essas questões fazem parte de como grande parte das relações são encaradas na época da modernidade líquida que Bauman chama de amor líquido. Vamos conhecer um pouco mais sobre esse termo. O conceito de amor líquido é o grande norteador dessa nova face da modernidade. Na contemporaneidade, os relacionamentos configuram-se por sua ambivalência, podendo ser uma bênção ou umpesadelo, devido ao comprometimento que exigem em um mundo de temporalidades efêmeras. Bauman dedicou uma obra inteira ao tema, denominada Amor Líquido: Sobre a Fragilidade dos Laços Humanos. Nela, discorre sobre como se caracteriza esse aspecto tão importante da vida humana na sociedade fluida. Fonte: Shutterstock Les Amants. René Magritte, 1928. PARA O SOCIÓLOGO, NA SIMBOLOGIA CONTEMPORÂNEA, AS PESSOAS NÃO SE RELACIONAM MAIS: ELAS SE CONECTAM. Surgem cada vez mais o que ele chama de relacionamentos de bolso, nos quais o indivíduo pode dispor do outro sempre que necessário e depois tornar a guardá-lo em sua lista de contatos. Os relacionamentos abertos são outro aspecto do amor líquido, também cada vez mais comuns. Casais de longo prazo permitem a quebra do contrato conjunto de fidelidade para a experimentação extraconjugal. O compromisso em longo prazo é considerado como um esforço e uma armadilha, pois ao se comprometer é necessário levar em conta que possibilidades românticas talvez mais satisfatórias e completas podem estar sendo desconsideradas. NUMA VIDA GUIADA PELO PRECEITO DE FLEXIBILIDADE, AS ESTRATÉGIAS E PLANOS DE VIDA SÓ PODEM SER DE CURTO PRAZO. (BAUMAN, 2001, p. 158) As relações virtuais, portanto, rebatizadas de conexões, possuem a vantagem de serem facilmente deletadas. A definição romântica de até que a morte nos separe está fora de moda; e, ao invés de haver mais pessoas atingindo os elevados padrões do amor, esses Desejo É a vontade de consumir o objeto Amor É a vontade de cuidar e preservar o objeto. Na concepção de Bauman (2011), ambos se encontram em campos opostos, considerando-se o amor como algo projetado para a eternidade, enquanto o desejo acaba com sua satisfação. Bauman utiliza como exemplo as conclusões do psicoterapeuta padrões foram rebaixados. Se surgem problemas em um relacionamento, frequentemente acredita-se que o próximo relacionamento será uma experiência melhor que a anterior. Há, também, a grande distinção entre o desejo e o amor, sobretudo em uma sociedade que estimula a todo custo o desejo. Phillip Hodson acerca da cultura da gratificação instantânea para definir os aspectos do desejo e satisfação. Segundo ele, na contemporaneidade, as pessoas podem eletronicamente se relacionar em uma só noite com mais gente do que seus pais teriam se relacionado por toda vida. Entretanto, a satisfação obtida diminui a cada nova dose da droga, pois ganha-se em quantidade e perde-se em qualidade. O sociólogo alemão Georg Simmel já teorizava que a medida de valor das coisas constitui-se a partir do sacrifício necessário para obtê-las. Georg Simmel (1858-1918) foi um dos pais da Sociologia e precursor de muitos dos temas que seriam tratados por essa ciência mais tarde, tais como a relação indivíduo-sociedade, relações de trabalho e econômicas, conflitos e cooperação, subordinação, urbanidade e muitos outros. UM NÚMERO MAIOR DE PESSOAS PODE FAZER SEXO COM MAIOR FREQUÊNCIA. PORÉM, PARALELAMENTE A ISSO, CRESCE O NÚMERO DOS QUE VIVEM SOZINHOS, SE SENTEM SOLITÁRIOS E SOFREM DE AGUDOS SENTIMENTOS DE ABANDONO. (BAUMAN, 2011). javascript:void(0) NESTE VÍDEO, IREMOS VER COMO OS RELACIONAMENTOS MUDARAM COM A MODERNIDADE LÍQUIDA. VERIFICANDO O APRENDIZADO 1. BAUMAN, CITANDO ARTHUR SCHOPENHAUER, TRAZ CONTRIBUIÇÕES ACERCA DA PERCEPÇÃO DA LIBERDADE HUMANA E DA CAPACIDADE DE ATINGIR O EQUILÍBRIO DE ACORDO COM OS DESEJOS, A IMAGINAÇÃO E A CAPACIDADE DE AGIR. SEGUNDO O AUTOR, O EQUILÍBRIO É ATINGIDO NA MEDIDA EM QUE A IMAGINAÇÃO NÃO VAI MAIS LONGE QUE NOSSOS DESEJOS E O EQUILÍBRIO PODE SER ALCANÇADO DE DUAS MANEIRAS DIFERENTES: OU REDUZINDO OS DESEJOS E/OU A IMAGINAÇÃO, OU AMPLIANDO NOSSA CAPACIDADE DE AÇÃO. DE ACORDO COM O QUE VOCÊ APRENDEU SOBRE O PENSAMENTO DE BAUMAN SOBRE A LIBERDADE, ASSINALE A ALTERNATIVA INCORRETA: A) Libertar-se e sentir-se livre constituem aspectos diferentes da liberdade. Enquanto o primeiro diz respeito a remover alguma amarra social ou impedimento, o segundo está relacionado a não sentir nenhuma obstrução aparente que impeça a ação. B) A liberdade não pode ser ganha contra a sociedade. C) A crença de que a liberdade é uma maldição designa que largar o homem com seus próprios recursos pode provocar um medo paralisante devido aos riscos do fracasso e da falta de limites. D) Dentre as demandas do século XXI, o indivíduo tem como desafio a libertação das amarras sociais, marcada pela construção de uma identidade coletivizada. 2. EM SUA OBRA AMOR LÍQUIDO , BAUMAN DISSERTA A RESPEITO DOS RELACIONAMENTOS CONTEMPORÂNEOS E SUAS AMBIVALÊNCIAS NO MUNDO LÍQUIDO MODERNO. O AUTOR REBATIZA AS RELAÇÕES DE CONEXÕES E APONTA AS DIFERENTES POSSIBILIDADES DO CONTATO HUMANO NA ATUALIDADE. ANALISE AS AFIRMAÇÕES A SEGUIR E ASSINALE A ALTERNATIVA COM AS OPÇÕES CORRETAS: I. O QUE SE GANHA EM QUANTIDADE NOS RELACIONAMENTOS, PERDE-SE EM QUALIDADE E PROFUNDIDADE. II. A FACILIDADE DE ROMPIMENTO A QUALQUER HORA REDUZ OS RISCOS EMOCIONAIS DO SUJEITO QUE SE VÊ EM UMA PERSPECTIVA DE LIBERDADE, LIVRE DAS ANGÚSTIAS DOS RELACIONAMENTOS SÓLIDOS. III. AS EXPERIÊNCIAS ÀS QUAIS O SER HUMANO SE REFERE COMO AMOR SE EXPANDIRAM MUITO. ENTRETANTO, AO INVÉS DE HAVER MAIS PESSOAS QUE ATINGEM DE FATO OS ELEVADOS PADRÕES DO AMOR, ESSES PADRÕES FORAM BAIXADOS. IV. DEVIDO ÀS PERSPECTIVAS MERCADOLÓGICAS DOS RELACIONAMENTOS E DA AMPLITUDE NAS OPÇÕES DE VÍNCULO, A CONTEMPORANEIDADE TROUXE UMA MAIOR POSSIBILIDADE DE QUALIDADE ÀS RELAÇÕES. V. EMBORA O AMOR LÍQUIDO ESTEJA RELACIONADO À SUA EFEMERIDADE, AINDA ASSIM DISTINGUE-SE DO DESEJO NO QUE DIZ RESPEITO AOS IDEAIS DE SATISFAÇÃO. A) I, II, IV e V B) I e V C) I, II, III e V D) I, III e V GABARITO 1. Bauman, citando Arthur Schopenhauer, traz contribuições acerca da percepção da liberdade humana e da capacidade de atingir o equilíbrio de acordo com os desejos, a imaginação e a capacidade de agir. Segundo o autor, o equilíbrio é atingido na medida em que a imaginação não vai mais longe que nossos desejos e o equilíbrio pode ser alcançado de duas maneiras diferentes: ou reduzindo os desejos e/ou a imaginação, ou ampliando nossa capacidade de ação. De acordo com o que você aprendeu sobre o pensamento de Bauman sobre a liberdade, assinale a alternativa incorreta: A alternativa "D " está correta. Embora Bauman defenda que a liberdade na modernidade hardware fosse um ideal, ele acredita que essa agenda se esgotou. Segundo o autor, a liberdade que se pode alcançar já foi alcançada. O problema hoje é sentir-se de fato livre e satisfeito com essa situação. Não saber como lidar com a liberdade também pode ser um problema. 2. Em sua obra Amor Líquido , Bauman disserta a respeito dos relacionamentos contemporâneos e suas ambivalências no mundo líquido moderno. O autor rebatiza as relações de conexões e aponta as diferentes possibilidades do contato humano na atualidade. Analise as afirmações a seguir e assinale a alternativa com as opções corretas: I. O que se ganha em quantidade nos relacionamentos, perde-se em qualidade e profundidade. II. A facilidade de rompimento a qualquer hora reduz os riscos emocionais do sujeito que se vê em uma perspectiva de liberdade, livre das angústias dos relacionamentos sólidos. III. As experiências às quais o ser humano se refere como amor se expandiram muito. Entretanto, ao invés de haver mais pessoas que atingem de fato os elevados padrões do amor, esses padrões foram baixados. IV. Devido às perspectivas mercadológicas dos relacionamentos e da amplitude nas opções de vínculo, a contemporaneidade trouxe uma maior possibilidade de qualidade às relações. V. Embora o amor líquido esteja relacionado à sua efemeridade, ainda assim distingue-se do desejo no que diz respeito aos ideais de satisfação. A alternativa "D " está correta. Como Bauman exemplifica, a busca incessante por parceiros é uma consequência da insatisfação nos vínculos e não uma consequência de seu sucesso. Os riscos não foramreduzidos, apenas distribuídos de modos diferentes. Como se é traído pela qualidade, busca-se reforço na quantidade. Ganha-se de um lado, porém perde-se de outro. Objetivo3 BAUMAN NO BRASIL Ao pensar e analisar a Modernidade, Zygmunt Bauman tocou em vários temas que interessam a maior parte das sociedades ocidentais, como o trabalho, a desigualdade, o individualismo, as relações humanas de maneira geral, o consumismo, a ética, a urbanidade, a vigilância, o medo e a educação. Para falar a respeito desse último ponto, Bauman esteve no Brasil em 2015 em uma palestra. Muitas de suas reflexões se fizeram importantes para pensar a sociedade brasileira. Com uma obra extensa, Bauman teve mais de 40 títulos publicados no país, desde 1970, alcançando centenas de milhares de leitores. Mas algumas de suas reflexões influenciaram particularmente a academia e os intelectuais brasileiros. Em Joinville -SC, por exemplo, funciona o Núcleo de Estudos sobre Bauman (NESB- CNPq), coordenado pelo doutor em Ciências Sociais pela PUC-SP João Nicodemos Martins Manfio, que se dedica a estudar a obra do autor polonês. A Universidade Federal do Maranhão publica a revista multidisciplinar Cadernos Zygmunt Bauman, com estudos sobre o autor e artigos sobre as temáticas trabalhadas por ele. ENTRE ALGUNS DOS TÓPICOS MAIS RECORRENTES ESTUDADOS NO BRASIL ESTÃO OS NOVOS ARRANJOS SOCIAIS E FAMILIARES, OS NOVOS MÉTODOS DE ENSINO E EDUCAÇÃO, ESTUDOS CULTURAIS E A RESSIGNIFICAÇÃO DO PAPEL DO FEMININO NO MUNDO LÍQUIDO. Rotinas milenares, sobretudo os ritos didáticos repetitivos e códigos disciplinares contribuíram, segundo Manfio (2017), para o envelhecimento da escola e a consequente perda de um sistema rígido. Bauman, em uma entrevista concedida em 2009 a Porcheddu, cita a privatização e a individualização dos processos de ensino e aprendizagem como uma das características que permeiam a liquidez no mundo educacional contemporâneo. ALÉM DISSO, OCORRE, SEGUNDO ELE, UMA MUDANÇA NA RELAÇÃO ENTRE PROFESSOR E ALUNO, QUE PASSA A SER ENCARADA COMO FORNECEDOR-CLIENTE OU ATÉ MESMO CENTRO COMERCIAL-COMPRADOR. Em seu livro Sobre educação e juventude (2013), ele fala sobre inclusão escolar, criatividade, desemprego e ainda sobre a busca de uma verdadeira revolução cultural, além de atacar os meios de comunicação de massa afirmando que despejam sobre os jovens material de má qualidade. Esses também foram pontos da palestra proferida no Brasil e das entrevistas que concedeu quando estava no país. Uma das ideias que defendeu foi a de que a educação não servisse como meio de manutenção e reprodução de privilégios sociais. Outra das principais transformações da sociedade contemporânea e que se encontra no cerne das discussões sobre ensino na contemporaneidade é a questão da Educação a Distância (EaD). Barônio (2015), em Educação a distância na modernidade líquida: uma análise descritiva, disserta a respeito dos novos aspectos educacionais, marcados pelo enxugamento de custos estatais, desconfinamento das populações, predominância do mercado educacional e liquefação dos vínculos afetivos e pessoais. COMENTÁRIO No caso educacional, o desconfinamento significa que não é mais necessário, em alguns casos, sequer desejável, a presença e a centralização em unidades físicas educacionais. Tendo como pressuposto o neoliberalismo como um movimento político-econômico que preza o desaparelhamento do Estado e o desmanche de instituições da chamada modernidade sólida, os aspectos educacionais não permaneceram imunes às estratégias contemporâneas de inovações tecnológicas para atingir o mercado. VOCÊ SABIA Desaparelhamento do Estado é a diminuição do aparato estatal, sobretudo em número de funcionários públicos. A política neoliberal associa o aparelhamento ao uso de cargos públicos em benefício próprio ou a um peso na administração pública. Mas para prestar um serviço público de qualidade são necessários setores e pessoas trabalhando para isso. A discussão resgata a ideia de Estado mínimo X presença do Estado no cuidado da sociedade. No panorama ainda mais atual, pandêmico ou pós-pandêmico, a partir de 2020, as práticas de EaD têm tomado um espaço cada vez maior na sociedade e as discussões acerca do assunto e da acentuação da desigualdade de oportunidade de acesso aos alunos a tal método de ensino é um dos compromissos que as políticas educacionais deveriam assumir. Com a pandemia de coronavírus, jornalistas, pesquisadores e a esfera pública de maneira geral começaram a usar os termos pandêmico e pós-pandêmico para analisar as novas situações (sociais, econômicas, laborais, educacionais etc.) que daí emergiram. SOBRE O FEMININO Em uma publicação acerca da identidade feminina na modernidade líquida, Santaella (2008) disserta sobre a A preocupação estética na sociedade surge como resultado dessa demanda e preocupação existencial: por medo de tornar-se obsoleto, os indivíduos sacrificam- se aos rituais de beleza para permanecerem no mercado, sempre prontos para serem consumidos, pois, para a sociedade de consumidores, javascript:void(0) incorporação do feminino no mundo do comércio — sobretudo nos aspectos inerentes à imprensa — e o papel que a exposição das mulheres tem na construção de uma identidade feminina que preza pelo narcisismo, sensualidade e perfeição. Como visto, Bauman, em Vida para Consumo (2008), defende que para além do próprio consumo praticado pelo ser em si, as pessoas são os próprios produtos que devem ser colocados no mercado e, consequentemente, promovidos. Fonte: Shutterstock segundo Bauman (2008), ninguém pode se tornar sujeito sem primeiro virar mercadoria. Mercadoria essa, que seja vendável. Santaella (2008) afirma que, no atual contexto, cada mulher fica responsável pela imagem interior e exterior que constrói de si mesma, uma afirmação que faz eco ao pensamento de Bauman de que a modernidade líquida coloca nas mãos dos indivíduos a solução para problemas sociais, o que só reforça o individualismo, ao mesmo tempo em que o problema é fomentado por ele. A situação se combina com outra característica da modernidade líquida, explorada por Souza, Baliscei e Teruya (2015), o discurso da publicidade. NELE, A APARÊNCIA IDEAL PODE SE CONCRETIZAR ATRAVÉS DE MECANISMOS COMO CIRURGIAS ESTÉTICAS, DIETAS, TREINOS EM ACADEMIA, TRATAMENTOS ARTIFICIAIS, MODA E COSMÉTICOS, APERFEIÇOANDO-SE CONFORME AS DEMANDAS DO MERCADO DE CONSUMO. SOBRE OS ARRANJOS SOCIAIS E FAMILIARES A ênfase no individualismo, mesmo quando o assunto é família, é tema do estudo de Eduardo Bittar (2007). Ele indica como o indivíduo desponta em detrimento da unidade familiar, numa nova alteração das estruturas na modernidade líquida, nesse caso. OS LAÇOS SE AFROUXARAM E HOUVE UMA DEGRADAÇÃO INTERIOR NA COESÃO FAMILIAR. A REALIZAÇÃO INDIVIDUAL GANHOU UM PAPEL DE MAIOR RELEVÂNCIA DO QUE OS OBJETIVOS DO COLETIVO. A perda da comunidade, citada por Bauman em sua obra Modernidade Líquida (2001), pode ser refletida na esfera micro, afinal, também o núcleo do lar passou por um processo de liquefação. Bittar (2007) defende que o capitalismo contemporâneo não tem mais como pressuposto voltar para casa, mas, sim, partir para o mundo. Tal característica pode ser concebida como um dos reflexos da desterritorialização. A estética do lar não condiz mais com o aspecto globalizado do mundo líquido, inserido em uma lógica emancipada de espaços. Assim como os relacionamentos de bolso, descritos por Bauman, há uma tendência para a transformação da família em uma instituição informal. O autor relata algumas mudanças na perspectiva familiar acerca do casamento. Para ele, há uma cronologia esquematizada por: Fonte: Shutterstock Citando Antoine Prost, o teórico afirma que a família deixou de ser uma instituição para “se tornar um simples ponto de encontro das vidas privadas” (BITTAR, 2007, p.599). O lar perdeu seu significado de aconchego e tornou-se uma rota de passagem.A emancipação das mulheres do lar, o questionamento das relações de gênero e a perda da autonomia da figura paterna são alguns dos aspectos preponderantes para o esfacelamento das relações familiares em sua forma clássica da modernidade sólida. ENTRETANTO, O DESEJO DE CONSTRUIR UMA FAMÍLIA AINDA É ALMEJADO SOCIALMENTE COMO STATUS OU ATÉ MESMO SINÔNIMO DE SUCESSO DE VIDA, COMO SE DESIGNASSE ALGUM SUPOSTO BEM-ESTAR MORAL OU SOCIAL. Tal fator pode ser exemplificado pelo conceito de Bauman (inicialmente utilizado por Ulrich Beck) de instituições zumbi, como uma categoria cujos efeitos ainda reverberam socialmente, mesmo que tenha perdido a vitalidade e força de outrora. A liquefação da unidade familiar acaba também por provocar um fenômeno de terceirização de responsabilidades no que diz respeito à criação dos indivíduos. Conforme descrito por Bittar (2007), o casal acredita que a babá está criando, a babá acredita que a escola está criando, e a escola acredita que a família está criando. A consequência é o jogo de empurra-empurra que, se relacionado às práticas educacionais cada vez mais individualizadoras, acarreta uma crise de referências palpáveis do indivíduo, que se volta para a cultura do entretenimento de massa para encontrar os ideais aos quais seguir e levar como modelo de conduta. Fonte: Shutterstock VEJA A ANÁLISE DE DOIS ASPECTOS DA LIQUIDEZ NA SOCIEDADE BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA. VERIFICANDO O APRENDIZADO 1. OS NOVOS ARRANJOS, LÍQUIDOS, EM DIFERENTES ESFERAS DA SOCIEDADE, TROUXERAM MUDANÇAS, DESDE OS ASPECTOS MACRO ATÉ OS ASPECTOS MICRO. A PARTIR DISSO, CONSIDERA-SE QUE: I. A FAMÍLIA ACOMPANHA O FLUXO DO MERCADO E PASSA POR UM PROCESSO DE DESINSTITUCIONALIZAÇÃO. II. COM A PERDA DE TAIS ESTRUTURAS, O INDIVÍDUO É CAPAZ DE EXERCER UMA MAIOR AUTONOMIA EM SUAS RELAÇÕES. III. EM RELAÇÃO À BURGUESIA, O CAPITALISMO PERMANECE ATADO À PERSPECTIVA DOMICILIAR. IV. O INDIVÍDUO PASSA POR UM PROCESSO DE PERDA DE REFERÊNCIAS QUE SE INICIA COM O DESMANTELAMENTO DA ORGANIZAÇÃO FAMILIAR E SE ESTENDE ATÉ A REALIDADE ESCOLAR, MEDIADA PELA LÓGICA DO LUCRO. ASSINALE A OPÇÃO COM AS ALTERNATIVAS CORRETAS. A) I, II e IV B) I, II, III e IV C) I e IV. D) I, III e IV 2. CONSIDERANDO AS INOVAÇÕES NO SISTEMA EDUCACIONAL NA MODERNIDADE LÍQUIDA, ASSINALE A ÚNICA ALTERNATIVA A EXEMPLIFICAR AS CONSEQUÊNCIAS DOS NOVOS ARRANJOS SOCIOEDUCACIONAIS NOS PROCESSOS DE APRENDIZAGEM NA CONTEMPORANEIDADE: A) O Estado manteve-se como principal agente do progresso tecnológico, acentuando sua estratégia de domínio em caráter democrático. B) Países de terceiro mundo sofreram uma exclusão no mercado educacional e estão atrasados na corrida da globalização, o que justifica a aprovação automática. C) O autodidatismo é a melhor saída à defasagem na educação entre ricos e pobres, e cabe a cada um aprender sozinho. D) O deslocamento da ênfase do ensino à aprendizagem, atribuindo aos alunos a responsabilidade sobre sua própria educação acentua a individualidade e a competitividade. GABARITO 1. Os novos arranjos, líquidos, em diferentes esferas da sociedade, trouxeram mudanças, desde os aspectos macro até os aspectos micro. A partir disso, considera-se que: I. A família acompanha o fluxo do mercado e passa por um processo de desinstitucionalização. II. Com a perda de tais estruturas, o indivíduo é capaz de exercer uma maior autonomia em suas relações. III. Em relação à burguesia, o capitalismo permanece atado à perspectiva domiciliar. IV. O indivíduo passa por um processo de perda de referências que se inicia com o desmantelamento da organização familiar e se estende até a realidade escolar, mediada pela lógica do lucro. Assinale a opção com as alternativas corretas. A alternativa "C " está correta. A crise na família e no amparo psicoafetivo causa uma série de consequências na vida do indivíduo. A formação fica debilitada e este se sente cada vez mais incapaz de exercer a autonomia. Em relação à perspectiva domiciliar, o capitalismo contemporâneo se afasta cada vez mais e se insere na lógica da globalização, longe do lar fixo. 2. Considerando as inovações no sistema educacional na modernidade líquida, assinale a única alternativa a exemplificar as consequências dos novos arranjos socioeducacionais nos processos de aprendizagem na contemporaneidade: A alternativa "D " está correta. A flexibilização do ensino acentua a responsabilidade do indivíduo sobre sua aprendizagem, em detrimento da mediação pelos professores e do ambiente escolar, que caem em desuso na modernidade líquida. O Estado renuncia à responsabilidade de fornecer a educação de qualidade a que cada cidadão tem direito, abrindo margem para a privatização, o que deve ser trabalhado com cautela, afinal, Estado e mercado têm olhares diferentes para os indivíduos. VOCÊ CHEGOU AO FINAL DA EXPERIÊNCIA! E, com isso, você: Identificou influências de Zygmunt Bauman em autores brasileiros Retornar para o início do módulo 3 CONCLUSÃO CONSIDERAÇÕES FINAIS Conhecemos alguns dos principais mecanismos de funcionamento da chamada modernidade líquida, um conceito capaz de abarcar com propriedade uma imensa gama de assuntos: relações humanas, relações de trabalho, relações político-econômicas, relações espaço- temporais, modelos políticos, escolhas (pessoais e comunitárias), liberdade, identidade, vigilância, segurança, consumo, educação, cidadania etc. Grande parte da realidade contemporânea pode ser pensada a partir desse conceito e das reflexões associadas e que se desdobram dele. De inspiração marxista, Zygmunt Bauman parte de um olhar sobre a realidade do trabalho no mundo sólido e no mundo líquido, para investigar diversos aspectos da chamada pós-modernidade que, para o autor, não teria nada de pós, por não romper, apenas alterar os caminhos dos modelos anteriores. Para Bauman, o funcionamento do mundo capitalista passa por um refinamento, mas as estruturas de poder se mantêm. Nessa passagem, o indivíduo precisa de uma nova consciência para não se descobrir numa situação angustiante e insatisfatória. AVALIAÇÃO DO TEMA: REFERÊNCIAS BARÔNIO, Jandira. Educação a distância na modernidade líquida: uma análise descritiva. Dissertação (Mestrado em Educação) – Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista. São Paulo: Unesp, 2015. BAUMAN, Zygmunt. O mal-estar da pós-modernidade. Rio de Janeiro: Zahar, 1998. BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001. BAUMAN, Zygmunt. A postmodern grid of the worldmap? An interview with Zygmunt Bauman. [Entrevista cedida a] Milena Yakimova. In: Eurozine, 2002. BAUMAN, Zygmunt. Amor líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos. Rio de Janeiro: Zahar, 2004. BAUMAN, Zygmunt. Vida líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2007. BAUMAN, Zygmunt. Vida para consumo: a transformação das pessoas em mercadorias. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. BAUMAN, Zygmunt. 44 cartas do mundo líquido moderno. Rio de Janeiro: Zahar, 2011. BAUMAN, Zygmunt. Sobre educação e juventude. Rio de Janeiro: Zahar, 2013. BITTAR, Eduardo Carlos Bianca. Família, sociedade e educação: um ensaio sobre individualismo, amor líquido e cultura pós-moderna. In: Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. São Paulo: 2007. v. 102. p. 591-610. FREUD, Sigmund. O mal-estar na civilização. Edição Standard Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud. v. XXI. Rio de Janeiro: Imago, 1996. MANFIO, João Nicodemos Martins. Zygmunt Bauman: uma bibliografia e possíveis diálogos com a educação. 2017. 197 f. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) - PUC – SP. São Paulo: 2017. MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifesto Comunista. 4. ed. São Paulo: Boitempo Editorial, 2005. PORCHEDDU, Alba. Zygmunt Bauman: entrevista sobre a educação. Desafios pedagógicos e modernidade líquida. In: Cad. Pesquisa. São Paulo: 2009. v. 39, n. 137, p. 661-684. SANTAELLA, Lúcia. Mulheres em tempos de modernidade líquida. In: Comunicação & Cultura. PUC São Paulo: 2008.n. 6, p. 105-113. SOUZA, Michely Calciolari; BALISCEI, João Paulo; TERUYA, Teresa Kazuko. Representações visuais na modernidade líquida: o que os manequins falam de nós? In: Educação. Santa Maria - RS: 2015. v. 40, n. 2, p. 361-374. EXPLORE+ Para saber mais sobre este tema, acesse: Entrevista com Zygmunt Bauman concedida à Alberto Dines.In: Observatório da Imprensa, 2015. Entrevista com Zygmunt Bauman concedida à Revista Cult.O sociólogo afirma que é preciso acreditar no potencial humano para que um outro mundo seja possível. In Revista Cult. Consultado em meio eletrônico em: 22 maio. 2020. Artigo póstumo Retrotopia. PITA, Antônio. Advertência póstuma do filósofo Zygmunt Bauman. Ensaios póstumos do pensador analisam a busca da utopia em um passado idealizado. In: El País. Publicado em: 24 abr. 2017. Milênio: A fluidez do mundo líquido de Zygmunt Bauman. In: Youtube. Publicado em: 02 jul. 2017. CONTEUDISTA Mário Bruno CURRÍCULO LATTES javascript:void(0); DEFINIÇÃO A história das sociedades humanas, suas relações na Era da Informação. PROPÓSITO Apresentar criticamente os caminhos e descaminhos que vieram a constituir o mundo que hoje compartilhamos, mostrando possibilidades de mudança e de construção de novos futuros. OBJETIVOS MÓDULO 1 Fonte: Por Evdoha_spb / Shutterstock Identificar como as diversas sociedades se constituíram e se relacionaram MÓDULO 2 Fonte: Por TheVisualsYouNeed / Shutterstock Reconhecer os problemas e as oportunidades trazidas pela consolidação das Sociedades em Rede no século XX MÓDULO 3 Fonte: Por DisobeyArt / Shutterstock Relacionar a constituição das chamadas Sociedades em Rede no século XXI Fonte: Por Evdoha_spb / Shutterstock INTRODUÇÃO Desde pequenos, nós aprendemos que vivemos em sociedade. Convivemos com nossa família (em suas diferentes composições) e, com ela, nós: Fonte: Por Yuganov Konstantin / Shutterstock. Aprendemos a falar; assimilamos nossa língua materna Fonte: Por Monkey Business Images / Shutterstock. Absorvemos valores; internalizamos gestos e códigos de conduta moral Fonte: Por Monkey Business Images / Shutterstock Aprendemos a respeitar regras e descobrimos os tipos de comportamento que devemos ter para uma boa convivência social. O sociólogo alemão Norbert Elias publicou, em meados do século XX, javascript:void(0) Fonte: Imagem: https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/5/5f/Norbert_Elias%2C_1987_%28cropped%29.jpg/800px- Norbert_Elias%2C_1987_%28cropped%29.jpg um livro chamado O Processo Civilizador, em que analisava como costumes, gestos e regras de etiqueta são incorporados e transmitidos culturalmente de geração em geração. Ou seja, se hoje, nas sociedades ocidentais capitalistas, comemos de garfo e faca e aprendemos que não é correto falar de boca cheia, é porque esses gestos são exemplos de construções culturais e coletivas incorporadas por aqueles que nos criaram e que nos foram transmitidas sem que nos questionemos. NORBERT ELIAS (1897-1990) Foi um autor que ficou anos em ostracismo, sendo reconhecido após sua morte. Ele dedicou seus estudos e sua vida ao entendimento da dinâmica social. Fonte: Shutterstock Ao longo da vida, inicialmente com nosso núcleo familiar e, depois, na escola, até a fase adulta, vamos desenvolvendo uma série de competências que nos permitem viver e trabalhar coletivamente. Como isso tudo parece um processo natural, dificilmente paramos para nos perguntar: O QUE É SOCIEDADE? ISSO QUE CHAMAMOS DE SOCIEDADE EXISTIU DESDE SEMPRE? É POSSÍVEL VIVERMOS ISOLADOS? DE QUAIS DIFERENTES MANEIRAS, HISTORICAMENTE, NÓS FOMOS E ESTAMOS CONECTADOS? O CONCEITO DE SOCIEDADE De acordo com a definição mais simples, sociedade é um tipo de sistema coletivo que se distingue por características culturais, estruturais e demográficas / ecológicas. Trata-se de um sistema definido por um espaço geográfico (que pode, ou não, coincidir com as fronteiras dos Estados-nação), no interior do qual grupos de pessoas compartilham de uma cultura e estilos de vida comuns, com relativa autonomia em relação a outras sociedades. Não há, porém, uma definição última e fechada desse conceito – que pode, também, ser explicado como um espaço familiar no qual se inscrevem práticas individuais e coletivas (sempre em relação) e todas as suas representações, ou seja, os imaginários, visões de mundo etc. As análises sociológicas e antropológicas podem estudar as sociedades a partir de diferentes níveis de realidade social, ou de sistema de relações: enfocando o ordenamento político, econômico, religioso ou, de modo geral, cultural. Atualmente, a maioria de nós vive no que os antropólogos chamam de sociedades complexas, isto é, integradas por grandes grupos populacionais, interligados culturalmente e regidos por normas compartilhadas, dispondo de técnicas sofisticadas de transporte, comunicação e produção, além de acentuada divisão do trabalho. Isso quer dizer que nós estamos efetivamente conectados e somos totalmente dependentes uns dos outros. Fonte: Shutterstock Vamos pensar no que é uma troca? Nossa própria vida também é subdividida em espaços e períodos diversos. Temos o tempo do trabalho, o tempo do lazer, o tempo da família e, em cada um desses períodos, convivemos com pessoas diferentes. Mas, ao longo da história humana, nem sempre as coisas funcionaram assim. Como vocês devem saber, a nossa espécie, como todas as espécies de animais, tem um nome: somos os Homo sapiens sapiens: HOMO SAPIENS SAPIENS É o nome usado para denominar a subespécie humana que caracteriza o homem moderno. O significado de homo sapiens sapiens é homem que sabe o que sabe. Faz referência à sua característica mais marcante: o cérebro desenvolvido. Fonte: Por Gorodenkoff / Shutterstock Ao longo do que chamamos, convencionalmente, de Pré-história (aqueles milhares de anos em que a humanidade não tinha desenvolvido formas de escrita), diversos tipos do gênero homo viveram, inclusive nas mesmas épocas, já que o processo evolutivo nunca foi linear. No interior desse gênero, a espécie que se perpetuou, a que conseguiu desenvolver mais tecnologias e cujo cérebro mais cresceu foi a nossa, sapiens sapiens. Fonte: Por Gorodenkoff / Shutterstock Os primeiros bandos de homo sapiens eram caçadores-coletores, pois ainda não se sabia como plantar alimentos. Segundo Harari (2015), no livro Sapiens: uma breve história da humanidade, esses bandos eram relativamente pequenos, pois a necessidade de deslocamento constante em busca de abrigo e alimentos não permitia a articulação e organização de muitas de pessoas. Além disso, a mortalidade era grande, tanto por doenças e acidentes, quanto por ataques de animais. javascript:void(0) Fonte: Por Gorodenkoff / Shutterstock Devido a essas circunstâncias, ainda segundo Harari (2015), membros de um mesmo grupo conheciam-se e conviviam sempre intimamente. Às vezes, era possível desenvolver relações amigáveis com membros de outros bandos, mas, não raramente, os bandos vizinhos competiam por recursos e até lutavam uns com os outros. Assim sendo, em função dos contínuos deslocamentos (influenciados pela mudança das estações, pela migração anual de animais e pelo ciclo de crescimento das plantas) e da pouca convivência com outros grupos, uma pessoa vivia muitos meses sem ver ou ouvir um indivíduo de fora de seu bando e, ao longo de sua vida, encontrava não mais do que algumas centenas de humanos. Fonte: Por Gorodenkoff / Shutterstock Essa situação mudaria completamente a partir do desenvolvimento da agricultura e da contínua sedentarização da espécie humana. Depois de muitas migrações e da povoação de todo o planeta, vários desses grupos foram se assentando, especialmente nas margens de rios e locais de solos férteis. Ainda de acordo com Harari (2015), atualmente, já se sabe que as práticas agrícolas de variados alimentos começaram mais ou menos simultaneamente em diversos lugares do mundo, entrediferentes grupos de homo sapiens. No entanto, essa interpretação difere de outra, mais antiga, que dizia que a agricultura teria começado em um único ponto e, a partir dele, se expandido para outras regiões, com o conhecimento passado através dos grupos populacionais. ATENÇÃO Importante dizer que, ao contrário do que se imagina, a sedentarização e a agricultura, inicialmente, não representaram uma melhora significativa na vida dos homens, que passaram a trabalhar mais horas por dia e a ter uma alimentação muito menos variada, totalmente dependente do produto da estação. Ao mesmo tempo, pode-se dizer que a sedentarização lançou as sementes do que viria a ser o mundo atual (em sua maior parte), com o progressivo desenvolvimento da divisão do trabalho, das hierarquias sociais e da exploração de alguns grupos sobre outros. A sedentarização também permitiu o gradual desenvolvimento de novas tecnologias, visto que, em alguns grupos foi possível o período do estudo e da contemplação. O aumento demográfico e o crescimento dos sistemas de troca (posteriormente, do comércio) lançariam as bases da contínua relação entre os diversos grupos humanos do planeta. Fonte: Por Evdoha_spb / Shutterstock É preciso lembrar, no entanto, que durante muitos séculos de sedentarização do homo sapiens e de trocas culturais e comerciais entre populações, não houve internet, telefone, televisão, imprensa ou meios de transporte velozes. Isso quer dizer que, de aproximadamente 5000 anos a.C. até as Grandes Navegações dos séculos XV e XVI (das quais falaremos), as trocas eram, sobretudo, locais, de poucas distâncias, e o mundo conhecido era aquele que se conseguia percorrer a pé ou fazendo uso de pequenas embarcações, cavalos ou camelos. Os povos que habitavam o que hoje chamamos continente americano não conheciam as populações da Europa e vice-versa. Fonte: Por Gorodenkoff / Shutterstock Importante enfatizar, ainda, que as unidades regionais, populacionais e políticas que se relacionavam tinham formas de funcionamento muito diferentes das nossas. Até, aproximadamente, o século XVI, não havia na Europa a organização (por isso mesmo chamada de moderna) dos Estados nacionais. O território repartia-se em unidades feudais durante a Idade Média, pequenos reinos sem uma estrutura política forte, ou cidades-estados. No norte da África e no Oriente Médio, as estruturas também não eram as mesmas que hoje conhecemos. Militares, comerciantes e religiosos eram categorias profissionais que circulavam bem mais que os outros, em campanhas de conversão, guerras e trocas (muitas vezes intensas) de produtos. Fonte: Por Michael Rosskothen / Shutterstock As notícias circulavam de uma região a outra de forma bem lenta. Como veremos, a seguir, a imprensa desenvolve-se na Europa apenas no século XV, momento a partir do qual cada vez mais papéis e informações começariam a circular pelas diversas regiões do mundo. Aliás, além da invenção da imprensa, os séculos XV e XVI compõem o período temporal considerado por muitos historiadores como um dos primeiros momentos da constituição de um mundo globalizado (ainda que, claro, não nos mesmos moldes do século XX). A chegada do europeu, inicialmente em toda a costa africana e, mais tarde, nas Américas, mudaria o mundo para sempre. A FORMAÇÃO DO SISTEMA-MUNDO-COLONIAL-MODERNO Para entendermos as modificações no nível de circulação de pessoas, objetos, papéis e culturas a partir do século XVI, é necessário que nos recordemos de uma série de mudanças que vinha acontecendo na Europa desde o fim do século XV. A partir, aproximadamente, do século X, a população europeia começa a aumentar em função do desenvolvimento de técnicas agrícolas e da diminuição da violência do mundo feudal. No interior do cristianismo, embora o catolicismo ainda seja muito poderoso, agora está em disputa com as vertentes protestantes em diversas regiões da Europa. Sendo assim, no território europeu, o catolicismo vai, aos poucos, perdendo a hegemonia de visões e explicações do mundo. As universidades, que já existiam na Europa, desde o século XII, começam a se secularizar – isto é, começam a ser assumidas por estudiosos que não são, necessariamente, parte da hierarquia eclesiástica. A educação deixa, aos poucos, de ser monopólio da Igreja Católica. Os estudos feitos no âmbito do que se denominou de Renascimento – estudos de Física, Química, Astronomia, Anatomia – favorecem o desenvolvimento de novas tecnologias – tecnologias de transporte, navegação e comunicação, mas, também, abrem caminhos para novas análises botânicas, de fauna, análises médicas, históricas, linguísticas e antropológicas. A chegada no novo mundo – já impulsionada e possibilitada pelos estudos mencionados anteriormente – é o encontro com outro clima, com outras formas de vida, outros tipos de fauna e flora, outras centenas de línguas que os europeus, árabes e orientais não imaginavam existir. Esse encontro, aliado com as transformações que já vinham acontecendo, fomentará, definitivamente, o desenvolvimento do capitalismo – especialmente a partir dos processos de colonização das Américas e, posteriormente, do estabelecimento da escravidão africana. A partir do século XVI, portanto, o mundo se modificaria para sempre, e a circulação de culturas, visões de mundo, pessoas, objetos, comidas, sementes, animais e saberes se tornaria cada vez mais intensa. Desembarque de Pedro Álvares Cabral em Porto Seguro em 1500. Fonte: Oscar Pereira da Silva. Domínio Público. / https://pt.wikipedia.org/wiki/Desembarque_de_Pedro_%C3%81lvares_Cabral_em_Porto_Seguro_em_1500#/media/Ficheiro:Oscar_Pereira_da_Silva_- _Desembarque_de_Pedro_%C3%81lvares_Cabral_em_Porto_Seguro,_1500,_Acervo_do_Museu_Paulista_da_USP.jpg Alguns historiadores e sociólogos analisaram essa primeira fase da mundialização. Para eles, o desenvolvimento acelerado do capitalismo é, sem dúvidas, o processo mais marcante desse período. O sociólogo e cientista político Immanuel Wallerstein (2011), elaborou a importante teoria do sistema-mundo moderno. Em obra de quatro volumes, ele afirma que as origens do atual sistema econômico global se situam entre finais do século XV e as primeiras décadas do século XVI. Assim, o mundo todo passaria a ser conectado por suas relações econômicas, estabelecendo-se uma Divisão Internacional do Trabalho, caracterizada pela formação de centros, periferias e semiperiferias. Fonte: (Wikimedia Commons) O começo do capitalismo foi marcado pelo comércio com troca de mercadorias. IMMANUEL MAURICE WALLERSTEIN (1930-2019) Fonte: Shutterstock Foi um sociólogo estadunidense, mais conhecido pela sua contribuição fundadora para a teoria do sistema-mundo. A sua crítica ao capitalismo global e o apoio aos movimentos antissistêmicos espalharam a sua fama e tornaram-no um arauto. DIVISÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO Define-se como a especialização produtiva de países e regiões em fases de intensificação de troca comercial. Essa especialização se consolida, assim, em momentos de expansão da globalização. Nessa divisão, cada região passaria a ocupar uma função na nova ordem capitalista, de modo que os centros passariam a fabricar os produtos de maior valor agregado (que exigem mais tecnologia) e as periferias e semiperiferias, produtos agrários e matérias-primas, em geral. A colonização (externa) das Américas, com exploração de produtos e mão de obra pela Europa, bem como a colonização interna na própria Europa, com a expropriação de terras e marginalização dos mais pobres, permitiu o que se chama de acumulação primitiva de capital, que serviu ao financiamento da industrialização nesse território. A partir desse momento, portanto, a interdependência entre as diversas regiões do planeta se acentuaria progressivamente, porém sempre de forma desigual. CAPITAL javascript:void(0) javascript:void(0) javascript:void(0) Acumulação primitiva de capital foi um conceito elaborado por Karl Marx e, até hoje, é largamente utilizadonos estudos sobre o capitalismo. Prosseguindo nosso panorama histórico, devemos lembrar da Revolução Industrial na Europa no século XVIII. Mas você pode se perguntar: O que a Revolução Industrial na Europa tem a ver com o estreitamento de relações e conexões entre todas as partes do mundo? Ora, a história desse estreitamento de relações está intrinsecamente relacionada com a história do capitalismo. Bom, o que os historiadores chamam de Revolução Industrial – que se desenrolou, inicialmente, na Inglaterra, e depois se consolidou em diversos países da Europa – foi um conjunto de transformações especialmente nos processos produtivos e nas relações de trabalho. O desenvolvimento de novas máquinas acelerou enormemente o ritmo de produção nas fábricas e as relações salariais de trabalho, com a expropriação de terras dos camponeses foram se generalizando, substituindo outras formas de existência e subsistência. No século XIX, esse movimento se intensificou, agregando novas tecnologias de comunicação e de transporte (que serviam ao escoamento de produtos e à circulação de pessoas). O SÉCULO XIX E A DIFUSÃO DO CAPITALISMO E DA CULTURA EUROPEIA NO MUNDO Dois processos de dimensão mundial marcaram o século XIX: o neocolonialismo (imperialismo) e a independência das antigas colônias europeias na América Latina. Chamamos neocolonialismo ou imperialismo a dominação europeia sobre enormes territórios nos continentes africano e asiático. Muitos fatores podem ser elencados para explicar esse fluxo, dentre eles: As inovações da Revolução Industrial e a associação das indústrias com os bancos, gerando créditos, aumentaram exponencialmente a produtividade e era preciso, por isso, buscar novos mercados. Ao longo do século XIX, ganharam força as teorias racialistas, que julgavam a raça branca superior às demais – que deveriam, portanto, ser sujeitadas e conduzidas à verdadeira civilização. Fonte: Domínio público. China - o bolo dos Reis e Imperadores: charge mostrando a Grã- Bretanha, Alemanha, Rússia, França e Japão dividindo a China. The Chinese Cake, H. Meyer, 1898. Fonte: Le Petit Journal. O neocolonialismo marginalizou e desagregou, em grande parte, as culturas, os idiomas e os modos de vida locais, tanto no continente africano, quanto no asiático. Evidentemente, houve resistência, mas, ainda assim, as dominações militar e econômica se impuseram. O neocolonialismo significou, então, a difusão tanto do capitalismo, quanto da cultura europeia em grande parte do planeta. Fonte: Por Everett - Art / Shutterstock Comércio de Escravos. Por outro lado, como dito, nas primeiras décadas do século XIX, a maior parte das colônias latino-americanas conquistou sua independência política, a qual não significou, de modo algum, uma independência econômica e cultural. No interior dos debates decoloniais, autores como Aníbal Quijano e Ramón Grosfoguel (2007), entre outros, desenvolveram o conceito de colonialidade, para caracterizar um tipo de dominação diferente da dominação política e territorial do colonialismo. A colonialidade é a nossa colonização enquanto sujeitos, inseridos num mundo hierarquizado e racializado. DECOLONIAIS Os debates decoloniais desenvolveram-se como desdobramento crítico dos debates pós-coloniais – engendrados, por sua vez, por intelectuais originários de países africanos e asiáticos no período pós-independência política. O movimento decolonial denuncia a continuidade da colonialidade do poder, do saber e do ser mesmo após a fase de dominação política. Além disso, o grupo de intelectuais decoloniais propõe novas formas de análise do mundo a partir do diálogo entre variadas formas de pensamento (como o pensamento indígena, além do europeu). O QUE QUER DIZER ISSO? javascript:void(0) ATENÇÃO Segundo os estudiosos citados, isso significa que nós fomos formados – nossos hábitos, gestos, gostos, nossas formas de pensar – a partir da cultura e da racionalidade europeia que, por sua vez, era altamente racista e patriarcal. A colonização e a formação nacional da América Latina a partir dos parâmetros europeus marginalizou todos os grupos não brancos. Ou seja, de modo geral, todas as formas de vida, culturas e línguas que não se enquadravam no ideal de homem branco, saudável, chefe de família. PATRIARCAL É um conceito que designa uma ordem social centrada na descendência patrilinear e no controle dos homens sobre as mulheres. Desse modo, a partir da metade do século XIX, período de expansão do neocolonialismo, até a metade do século XX, o sistema capitalista se impôs (sempre de forma desigual) no mundo todo, da mesma forma que a cultura europeia se impôs como hegemônica. ISSO NÃO SIGNIFICA QUE OUTRAS FORMAS CULTURAIS TENHAM DEIXADO DE EXISTIR, MAS QUE ELAS FORAM SENDO PROGRESSIVAMENTE POSTAS À MARGEM. Existe outro processo histórico que acompanha o desenvolvimento do capitalismo e que nos ajuda a compreender as formas de vida e de relação das sociedades globais: a formação da ideia de indivíduo e da ideia de sociedade como soma de indivíduos. Diferentemente da vivência comunitária da Europa Medieval, ou das relações baseadas em núcleos tribais ou de clã, o desenvolvimento da lógica capitalista centrará cada vez mais no indivíduo a responsabilidade por si e pelos seus consanguíneos próximos. Assim, a vida privada separa-se da vida pública e se torna até mais importante do que ela – ou seja, a busca pela felicidade individual (muitas vezes representada pela capacidade de consumo) vai se sobrepor, progressivamente, às preocupações com a vida coletiva e com a atuação pública, cidadã. Fonte: Por Alex_Maryna / Shutterstock VERIFICANDO O APRENDIZADO javascript:void(0) 1. (UESC/BA) ENTRE OS SÉCULOS XVI E XVII, A ECONOMIA EUROPEIA EXPANDIU SUAS FRONTEIRAS POR MEIO DE: A) Conquista de terras no norte da África. B) Exploração das áreas coloniais no Novo Mundo. C) Alianças entre comerciantes católicos e protestantes. D) Acordos estabelecidos com comerciantes árabes no Oceano Pacífico. 2. (UEG 2005) AS NAÇÕES IMPERIALISTAS TIVERAM ENORMES LUCROS NA EXPANSÃO COLONIALISTA DO SÉCULO XIX, SOLUCIONANDO PARCIALMENTE SUAS CRISES DE MERCADO E DE SUPERPOPULAÇÃO E PROPICIANDO A INTENSIFICAÇÃO DE SEU DESENVOLVIMENTO. EM RELAÇÃO AO IMPERIALISMO (NEOCOLONIALISMO), ASSINALE A ALTERNATIVA CORRETA: A) A política imperialista era justificada com base na ideia de que os europeus levavam o progresso e, consequentemente, melhores condições de vida para onde se dirigiam. O ideal de expansão da fé cristã do século XVI foi substituído pela ideia de missão civilizadora do século XIX. B) Para as regiões colonizadas, o imperialismo representou a sua desestruturação política e cultural e, ao mesmo tempo, o desenvolvimento socioeconômico expressado na educação e industrialização. C) A dominação imperialista era realizada de forma direta, com a ocupação dos principais cargos governamentais por agentes metropolitanos que deveriam respeitar as tradições locais. Dessa forma, verificaram-se avanços sociais nos países coloniais. D) A unificação da Alemanha e da Itália favoreceu um relativo equilíbrio nas disputas imperiais, uma vez que alemães e italianos propunham a incorporação efetiva dos nativos das colônias como cidadãos plenos. GABARITO 1. (UESC/BA) Entre os séculos XVI e XVII, a economia europeia expandiu suas fronteiras por meio de: A alternativa "B " está correta. O processo designado por historiadores e sociólogos como o primeiro movimento de mundialização, teve início no século XVI e foi caracterizado pela chegada dos europeus no Novo Mundo, com a subsequente colonização dessas terras. 2. (UEG 2005) As nações imperialistas tiveram enormes lucros na expansão colonialista do século XIX, solucionando parcialmente suas crises de mercado e de superpopulação e propiciando a intensificação de seu desenvolvimento. Em relação ao imperialismo (neocolonialismo), assinale a alternativa correta: A alternativa "A " está correta. O imperialismo,ou neocolonialismo do século XIX – que significou a difusão do sistema capitalista e da cultura europeia em todo o mundo – teve motivações e justificativas econômicas e ideológicas, como, por exemplo, a de levar civilização e progresso para as regiões e povos dominados, considerados inferiores pelos europeus. No entanto, isso não significou, efetivamente, uma melhoria da qualidade de vida dessas populações, que tiveram sua força de trabalho explorada e sua cultura desprezada. Fonte: Por TheVisualsYouNeed / Shutterstock LIMITES E POSSIBILIDADES DAS SOCIEDADES EM REDE NO SÉCULO XX Façamos um pequeno resumo das primeiras etapas da mundialização, antes de chegarmos ao século XX. A construção da interdependência entre as diversas regiões do globo esteve, desde o século XVI, intrinsecamente relacionada ao desenvolvimento do sistema capitalista. As chamadas Grandes Navegações desse período possibilitaram a ligação entre Américas, África e Europa, a partir do comércio, da escravidão e da colonização. Fonte: Por peiyang / Shutterstock O processo de colonização e de espoliação das colônias, por sua vez, acelerou o curso de industrialização no continente europeu, de modo que, no século XVIII, a Inglaterra passou pela primeira Revolução Industrial, seguida, ao final do século, por outras potências europeias, tais como França e Alemanha. COLONIZAÇÃO DE ESPOLIAÇÃO DAS COLÔNIAS O sistema de colonização tinha como pressuposto lucrar com a colônia. A ideia de desenvolvimento ou continuidade de terra vai surgir muito mais tarde. SÉCULO XIX No século XIX, essas potências europeias competiam entre si por poder e mercados para seus produtos, cada uma delas tentando proteger e fortalecer a própria economia. Desse modo, os Estados nacionais ainda detinham muito poder e estabeleciam medidas protecionistas para suas indústrias. É nesse momento, também, que o capital financeiro (dos bancos) se une ao capital industrial na Europa, gerando crédito e facilitando o aumento acelerado da produção. Por outro lado, a população europeia não tinha condições de consumir tudo que estava sendo produzido. javascript:void(0) javascript:void(0) MEDIDAS PROTECIONISTAS Protecionismo: Sistema que protege a indústria e o comércio de um país, através da criação de leis que não autorizam, ou dificultam, a importação de certos produtos, geralmente pela aplicação de altas taxas aos produtos estrangeiros. (DICIO, 2020) Fonte: Por Everett Historical / Shutterstock A necessidade de novos mercados para produtos europeus é um dos fatores que explica o processo de colonização ou neocolonização de grande parte dos territórios africano e asiático por países europeus. Havia, claro, uma série de outras circunstâncias e motivos culturais/ideológicos – como a crença na superioridade europeia e o racismo. Assim sendo, é a partir desse momento que as indústrias começarão a ser transferidas para além do território europeu. As relações salariais, o modo capitalista de produção e a cultura ocidental vão se impondo em regiões que ainda não haviam sido dominadas por completo. Ao final do século XIX, o sonho europeu de dominação parecia haver se concretizado, se não fossem as tensões cada vez maiores entre as diferentes nações. Como se sabe, essas tensões (disputas por poder e territórios) resultarão na Primeira Guerra Mundial em 1914 e, posteriormente, na Segunda Guerra, marcada não apenas pela violência dos combates, mas pelo genocídio nazista na Alemanha. GENOCÍDIO NAZISTA NA ALEMANHA O nazismo é um dos temas mais estudados na história do ocidente, e foi representado em uma infinidade de livros, filmes e séries. É preciso, sempre, relembrar os horrores desse fenômeno, para que não nos acostumemos com a barbárie. javascript:void(0) Fonte: Por Everett Historical / Shutterstock PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL Fonte: Por Ivan Cholakov / Shutterstock SEGUNDA GUERRA MUNDIAL Com o fim da Segunda Guerra e com o território europeu devastado, teve início um esforço internacional para promoção de um conjunto de pautas construídas por movimentos políticos e organizações da sociedade civil na Europa e fora dela, visando a um novo contrato de paz mundial. Em todo o globo buscava-se a criação de um outro modo de estabelecimento das relações internacionais, edificava-se uma crítica contundente ao racismo e à xenofobia, procurava-se afirmar um mundo de alianças multilaterais e multiculturais. javascript:void(0) Fonte: Por KUCO / Shutterstock XENOFOBIA Aversão a pessoas ou coisas provenientes de países estrangeiros: Refugiados sofriam xenofobia em alguns países. (DICIO, 2020) 1948 Em 1948, a recém criada ONU (Organização das Nações Unidas) aprovou a Declaração Universal dos Direitos Humanos, um documento de construção coletiva que visava estabelecer prescrições humanistas a serem respeitadas por todos os países-membros e com aspiração à universalidade. Fonte: Por CHARTGRAPHIC / Shutterstock DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS Segundo a ONU, a Declaração Universal dos Direitos Humanos é: “Um documento marco na história dos direitos humanos. Elaborada por representantes de diferentes origens jurídicas e culturais de todas as regiões do mundo, a Declaração foi proclamada pela javascript:void(0) Assembleia Geral das Nações Unidas em Paris, em 10 de dezembro de 1948”. (NAÇÕES UNIDAS BRASIL, 2020) 1955 Em 1955, a Conferência de Bandung reuniu 29 países africanos e asiáticos com o objetivo de costurar, para o futuro, uma nova força política global, terceiro-mundista. Tratava-se de combater o colonialismo e os neocolonialismos, além de reafirmar direitos fundamentais, soberania e autodeterminação dos povos. Nesse mesmo período, começou a se pensar e construir as chamadas zonas de livre comércio, como a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA) e a Comunidade Econômica Europeia (CEE). Esses órgãos deram origem à atual União Europeia (EU) que, além de representar uma zona de livre comércio com moeda unificada, também facilita a circulação de pessoas entre os países-membros e estabelece legislação em comum sobre certo número de questões. As zonas de livre comércio e circulação foram fundamentais para o aprofundamento do processo de internacionalização de empresas e capitais no século XX. O período situado entre as décadas de 1950 e 1970 foi de grande crescimento econômico em todo mundo, mesmo para os países periféricos, os quais conheceram um período de maior industrialização e melhoria na qualidade de vida dos trabalhadores formais. Pelo menos três fatores podem ser elencados para explicar essa (considerada por muitos) como a Idade de Ouro do capitalismo no Ocidente: 1 O esforço de guerra tanto entre 1914 e 1918, quanto entre 1939 e 1945, com grande parte das indústrias e das pesquisas convertidas para a fabricação de material bélico, impulsionou o desenvolvimento de novas tecnologias – como, por exemplo, de transporte e comunicação. Essas tecnologias passaram a ser utilizadas para aumentar a produtividade de fábricas. 2 Outro fator importante foi a grande intervenção econômica dos Estados Nacionais nesse momento, promovendo políticas públicas para reerguer a Europa – e, tanto na Europa quanto nos EUA, para competir com a URSS. Ao final da Segunda Guerra Mundial, o mundo conheceu duas novas potências militares e econômicas: os EUA e a URSS. Durante décadas, EUA e URSS disputaram zonas de influência no mundo, sem que isso desencadeasse uma guerra, efetivamente. 3 Depois da quebra da bolsa de valores norte-americana em 1929 e das Guerras, era preciso construir um capitalismo que permitisse a interferência do Estado e que desse espaço para a proteção e o aumento da qualidade de vida dos trabalhadores. Desse modo, acreditava-se, a chance de uma adesão desses trabalhadores ao discurso socialista seria menor. O Pós-Segunda Guerra seria o momento de ascensão dos EUA sobre a economia e a cultura mundial. Como assim? Após a crise de 1929, os Estados Unidos estabeleceram um programade recuperação econômica chamado New Deal, que consistia em alto investimento estatal para mitigar a onda de desemprego e falências. Esse projeto bem sucedido, somado ao fato de que os EUA não sofreram tão fortemente os efeitos devastadores da Primeira e Segunda Guerras (já que os combates não ocorreram em seu território), favoreceram-no enormemente na conjuntura pós-guerra. O país tornou-se o maior credor da reconstrução europeia e estabilizou-se como a principal potência do Ocidente capitalista. Além disso, como dito anteriormente, o esforço de guerra impulsionou o desenvolvimento de tecnologias que passaram a ser utilizadas não apenas na indústria, mas na comunicação e na publicidade. É nesse período, a partir dos anos 1950, que o marketing e a publicidade começam a desenvolver-se como campo autônomo no país, utilizando os recursos da chamada comunicação de massa – rádio, TV, cinema. Será a partir desses recursos que a cultura de massa no modelo estadunidense será exportada para todo o mundo – especialmente as culturas do consumo como forma de realização pessoal, e do Self- Made Man. Temos, então, um mundo já conectado pela informação que se difunde rapidamente via rádio e televisão, e pela publicidade neles veiculada. javascript:void(0) Fonte: Por AXpop / Shutterstock SELF-MADE MAN Self-Made Man é uma expressão que designa o homem que constrói a si mesmo, que vence por conta própria, muito associada à ideia de empreendedorismo e que a prosperidade e a felicidade dependem apenas de nós mesmos. Essa ideia pode ser bastante falaciosa quando se considera as enormes desigualdades de acesso a recursos materiais, educacionais e culturais entre os diferentes grupos sociais. 1960 Nos anos de 1960, o professor de Literatura e teórico da comunicação canadense Herbert Marshall McLuhan cunhou, nos textos A galáxia de Gutenberg e Os meios de comunicação como extensão do homem, o termo Aldeia Global. Estudando os meios de comunicação de massa, especialmente a televisão, ele afirmava que estávamos sendo retribalizados, ou seja, caminhávamos para o compartilhamento de uma cultura global, com pessoas, em todo o planeta, desenvolvendo os mesmos hábitos, comportamentos etc. ALDEIA GLOBAL O autor acreditava que, devido à diminuição das distâncias e barreiras geográficas, o planeta se reduziria a uma organização semelhante a aldeias, onde tudo e todos estariam interconectados. 1980 javascript:void(0) Tendo sido criticado, posteriormente, por atentar mais ao veículo emissor do que às diversas recepções possivelmente criativas dessas informações e padrões transmitidos pelos meios de comunicação, ele passou a ser relido a partir dos anos 1980, período de ascensão da internet e do auge da difusão e da propaganda do termo globalização. SAIBA MAIS Há muito material disponível sobre esse período da história norte-americana. Dentre os mais recentes e bem feitos, está a série Mad Men, que retrata a expansão de uma agência de publicidade nos anos de 1950 e 1960. A série está disponível na Netflix. Também é interessante conhecer um pouco mais das estratégias de aproximação econômica e cultural dos EUA com a América Latina. Nesse sentido, a criação do personagem Zé Carioca por Walt Disney, é emblemática. Veja a história do Zé Carioca no DiariodoRio.com. SOCIEDADES EM REDE EM UM NOVO MUNDO Em 1973 ocorre a chamada crise do petróleo, que se torna uma crise do capitalismo no mundo todo. Ao mesmo tempo, entra em voga uma nova doutrina econômica, que ficou conhecida como neoliberalismo, elaborada e discutida por grupos de intelectuais das chamadas Escola Austríaca e Escola de Chicago. Nesse período, as grandes corporações multinacionais já dominavam o mundo ocidental (e dominarão o mundo todo a partir de 1989, com a Queda do Muro de Berlim). Para superar a crise desencadeada pelo aumento dos preços do petróleo em 1973, os organismos internacionais de economia (FMI – Fundo Monetário Internacional, Banco Mundial, entre outros) criaram uma espécie de cartilha econômica que deveria ser seguida por todos os países. As indicações contidas nessa cartilha eram, de modo geral, as seguintes: • Disciplina fiscal; • Redução dos gastos públicos; • Reforma tributária; • Abertura comercial; • Investimento estrangeiro direto, com eliminação de restrições; • Privatização das estatais; • Desregulamentação (afrouxamento das leis econômicas e trabalhistas). Essas regras seriam extremamente pesadas principalmente para os países mais pobres, cujos Estados ficaram impedidos de investir em políticas de assistência social. Ao mesmo tempo, as prescrições facilitavam a instalação de empresas multinacionais nesses países. Ao instalarem-se nos países periféricos, essas empresas puderam aproveitar os baixos salários e normas trabalhistas e ambientais muito menos rígidas do que nos países centrais. A chegada dessas megacorporações significou, muitas vezes, o desmantelamento das formas de vida locais, das indústrias nacionais e de pequenos negócios das regiões em que se instalavam. A maior parte das ações dessas empresas continuavam nas mãos de um pequeno grupo de pessoas, geralmente dos países de origem da marca. Muito foi denunciado, desde os anos de 1990, sobre a exploração do trabalho por essas grandes corporações. Tratava-se de casos de trabalho infantil, trabalho análogo ao escravo, exploração do espaço sem respeito a regras de proteção ao meio ambiente, sem respeito a regras de segurança para os funcionários etc. Fonte: Por Joa Souza / Shutterstock Polo industrial de Camaçari (BA) – Brasil. Fonte: Por CJ Nattanai / Shutterstock Polo industrial em Incheon – Coréia do Sul. Fonte: Por May_Lana / Shutterstock Porto comercial em Singapura. A transnacionalização das empresas aprofundou a Divisão Internacional do Trabalho, de modo que cada país se especializava na produção de uma determinada peça de um produto. Sendo assim, atualmente, cada parte de um carro é feita em um lugar, até que ele seja montado. Se comprarmos uma roupa de marca norte-americana conhecida, veremos que, raramente, ela terá sido feita nos EUA, mas, provavelmente, na Índia ou na China. Geralmente, a parte do trabalho mais qualificada e com maior uso de tecnologia de ponta, ainda se encontra nos países centrais. TRANSNACIONALIZAÇÃO Transnacional: Que vai além das fronteiras nacionais, sendo comum a vários países, unidos política e economicamente; corporação transnacional. (DICIO, 2020) Fonte: Por Wachiwit / Brenda Rocha / Shutterstock Esse processo de difusão das multinacionais e de imposição da cartilha econômica neoliberal em todo o mundo foi acompanhado de muita propaganda e de um discurso valorativo, remetendo à concretização de um mundo sem fronteiras – mesmo que, concretamente, impedisse os Estados de investir em políticas públicas e tornasse a vida das populações mais pobres ainda mais difícil e instável. O discurso vendido pelos defensores da globalização era o de um mundo unido pelo império da técnica, da circulação de informações e pelo desenvolvimento de uma espécie de cidadania universal. A ideia de Aldeia Global, interpretada incorretamente, foi utilizada para difundir a possibilidade de um afrouxamento de fronteiras, para desenhar um mundo de liberdade. O cientista político canadense Francis Fukuyama, em artigos e livros escritos nos anos 1990, afirmaria que a história seria conduzida por um embate entre duas ideologias e que após a Queda do Muro de Berlim e o fim da União Soviética, teria triunfado um consenso sobre a democracia liberal como forma política ideal em todo mundo, o que configuraria o fim dos grandes embates da história. GLOBALIZAÇÃO Perspectiva social a partir da Nova Ordem Mundial, com o fim da Guerra Fria, em uma sociedade mais integrada. Tem diversas nuances e explicações, mas como fim, o princípio de redimensionamento das fronteiras políticas e sociais a partir dos fenômenos de integração mundial. javascript:void(0) javascript:void(0)javascript:void(0) FRANCIS FUKUYAMA Yoshihiro Francis Fukuyama é um filósofo e economista político nipo-estadunidense, que ficou mundialmente conhecido em 1989, ao lançar um artigo intitulado O Fim da História, transformado em livro em 1992. Para ele, a maior fonte de problemas são os Estados falidos. Fonte: Por paparazzza / Shutterstock Foi devido a esse discurso que o geógrafo brasileiro Milton Santos (2001), em sua teoria crítica, falou de uma globalização como fábula, uma globalização como perversidade e uma globalização como possibilidade. MILTON ALMEIDA DOS SANTOS (1926-2001) Foi um geógrafo brasileiro, um dos grandes nomes da renovação da Geografia no Brasil ocorrida na década de 1970. Também se destacou por seus trabalhos sobre a globalização nos anos 1990. Sua obra caracterizou-se por apresentar um posicionamento crítico ao sistema capitalista e seus pressupostos teóricos dominantes na Geografia de seu tempo. GLOBALIZAÇÃO COMO FÁBULA A fábula, como história narrada oralmente e passada de geração em geração, tende a tornar-se senso comum, parte de um arcabouço cultural amplamente compartilhado e aceito. Sendo assim, Milton Santos (2001) chama a atenção para o discurso da globalização enquanto fábula ou ideologia, que se difunde como caminho único e inevitável para todos os povos, mas tende a mascarar as mazelas que produz. GLOBALIZAÇÃO COMO PERVERSIDADE javascript:void(0) Seria a globalização tal como ela é. De acordo com o autor, o avanço técnico-científico-informacional dominado pelos Estados (enfraquecidos) e, principalmente, pelas grandes empresas e corporações transnacionais, serviu à propagação de um discurso único, imposto pelos atores econômicos de maior poder (hegemônicos). ESSE DISCURSO INCLUÍA, ALÉM DA IDEIA DE UMA SUPOSTA CIDADANIA UNIVERSAL, A SUPREMACIA DO LIVRE MERCADO (DESREGULAÇÃO ESTATAL E TRABALHISTA, COMO PREVIA A DOUTRINA NEOLIBERAL) E AS IDEIAS DE COMPETITIVIDADE E CONSUMO COMO VALORES PRIORITÁRIOS. COMENTÁRIO No entanto, assim como Santos (2001), outros intelectuais críticos da globalização nesses moldes ressaltam que o livre mercado nunca existiu, já que era monopolizado por um pequeno número de empresas, cujas ações estavam concentradas nas mãos de empresários de um pequeno número de países (os países centrais). Uma competitividade nesse contexto, seja entre empresas ou entre indivíduos, por sua vez, torna-se apenas uma fábula, visto que as disparidades sociais e regionais em termos de escolaridade, saúde, qualidade de vida e acesso a recursos não foram sanadas – ao contrário, muitas foram aprofundadas com o processo de globalização do capital. Onde chegaram, como dito, as transnacionais desmantelaram territorialidades representando uma nova dinâmica para as Sociedades em Rede, para além da globalização. SOCIEDADES EM REDE Termo que nos remete à estrutura física de uma rede de integração, primeiro remetido a uma rede, como a de pesca, depois ampliado para redes complexas, como uma teia, e hoje a ideia de rede de computadores, em que é possível que todo o mundo se interconecte. javascript:void(0) Nosso mundo está em constante mudança. Assista ao vídeo e entenda: O antropólogo Néstor García Canclini (2014), de modo similar a Milton Santos (2001), também atentou para a relação da globalização com o capitalismo neoliberal e para o aprofundamento das desigualdades advindo desse processo. Ele afirma que, junto às transformações concretas na vida das pessoas, duras em grande parte, houve, também, uma globalização imaginada – justamente essa que vinha acompanhada de um discurso sobre fim de fronteiras e cidadania universal. Um ponto particular de sua reflexão, porém, é a análise dos impactos culturais desse fenômeno. De acordo com ele: NÉSTOR GARCÍA CANCLINI Néstor García Canclini é um antropólogo argentino contemporâneo. O foco de seu trabalho é a pós-modernidade e a cultura a partir de ponto de vista latino-americano. É considerado um dos maiores investigadores em Comunicação, Estudos Culturais e Sociologia da América Latina. O MUNDO GLOBALIZADO NÃO CHEGA A SER HOMOGÊNEO EM TERMOS CULTURAIS, MAS SE TORNA UM ESPAÇO EM QUE VARIADAS CULTURAS, FORMAS DE VIDA E VISÕES DE MUNDO ESTÃO EM CONTÍNUA NEGOCIAÇÃO. Assim como Santos (2001), Canclini (2014) acredita ser possível transformar a globalização em algo melhor, especialmente pelos processos de hibridação – diálogo contínuo e criativo entre culturas. Para os dois intelectuais, o mais importante é que os povos sigam buscando criar e recriar seus caminhos e futuros coletivos, não aceitando que as formas de vida e relações de trabalho atuais sejam as únicas possíveis. javascript:void(0) SAIBA MAIS Sobre o neoliberalismo e as mencionadas escolas, leia o texto super didático do historiador Perry Anderson chamado Balanço do Neoliberalismo. Desde os anos de 1960, década de fundação da expressão Aldeia Global, até hoje, os países mais ricos jamais deixaram de proteger suas economias, especialmente nas áreas em que os países periféricos são mais competitivos, como a agricultura. A Divisão Internacional do Trabalho segue tendo uma estrutura similar à do século XVI, com países periféricos e semiperiféricos produzindo matérias-primas, e países centrais produzindo objetos de alto valor tecnológico e agregado. A toda essa configuração, que se tornou impositiva, Milton Santos chamou globaritarismo ou – como dito – globalização perversa. Para saber mais sobre os efeitos da globalização na América Latina e sobre o pensamento de Milton Santos, recomento o documentário O mundo global visto do lado de cá, dirigido por Silvio Tendler, disponível no Youtube. VERIFICANDO O APRENDIZADO ATENÇÃO! Para desbloquear o próximo módulo, é necessário que você responda corretamente a uma das seguintes questões. 1. (ENEM 2009) CERTO CARRO ESPORTE É DESENHADO NA CALIFÓRNIA, FINANCIADO POR TÓQUIO, O PROTÓTIPO CRIADO EM WORTHING (INGLATERRA) E A MONTAGEM É FEITA NOS EUA E MÉXICO, COM COMPONENTES ELETRÔNICOS INVENTADOS EM NOVA JÉRSEI (EUA), FABRICADOS NO JAPÃO. (…). JÁ A INDÚSTRIA DE CONFECÇÃO NORTE-AMERICANA, QUANDO INSCREVE EM SEUS PRODUTOS MADE IN USA, ESQUECE DE MENCIONAR QUE ELES FORAM PRODUZIDOS NO MÉXICO, CARIBE OU FILIPINAS. (RENATO ORTIZ, MUNDIALIZAÇÃO E CULTURA) O TEXTO ILUSTRA COMO EM CERTOS PAÍSES PRODUZ-SE TANTO UM CARRO ESPORTE CARO E SOFISTICADO, QUANTO ROUPAS QUE NEM SEQUER LEVAM UMA ETIQUETA IDENTIFICANDO O PAÍS PRODUTOR. DE FATO, TAIS ROUPAS COSTUMAM SER FEITAS EM FÁBRICAS — CHAMADAS MAQUILADORAS — SITUADAS EM ZONAS-FRANCAS, ONDE OS TRABALHADORES NEM SEMPRE TÊM DIREITOS TRABALHISTAS GARANTIDOS. A PRODUÇÃO NESSAS CONDIÇÕES INDICARIA UM PROCESSO DE GLOBALIZAÇÃO QUE: A) Fortalece os Estados Nacionais e diminui as disparidades econômicas entre eles pela aproximação entre um centro rico e uma periferia pobre. B) Fortalece igualmente os Estados Nacionais por meio da circulação de bens e capitais e do intercâmbio de tecnologia. C) Compensa as disparidades econômicas pela socialização de novas tecnologias e pela circulação globalizada da mão de obra. D) Reafirma as diferenças entre um centro rico e uma periferia pobre, tanto dentro como fora das fronteiras dos Estados Nacionais. 2. (UERJ 2013/2) VEJA A IMAGEM: QUADRINHO (FOTO: REPRODUÇÃO/UERJ) A CRÍTICA FEITA NOS QUADRINHOS SE RELACIONA COM UMA CONTRADIÇÃO DO CAPITALISMO GLOBALIZADO, O QUAL SE CARACTERIZA SIMULTANEAMENTE POR: A) Elitização do acesso digital – popularização das mídias alternativas. B) Requinte dos sistemas produtivos – declínio dos regimes democráticos. C) Manipulação dos padrões técnicos – simplificação dos métodos de gestão. D) Consumo de produtos sofisticados – exploração da força de trabalho fabril. GABARITO 1. (ENEM 2009) Certo carro esporte é desenhado na Califórnia, financiado por Tóquio, o protótipo criado em Worthing (Inglaterra) e a montagem é feita nos EUA e México, com componentes eletrônicos inventados em Nova Jérsei (EUA), fabricados no Japão. (…). Já a indústriade confecção norte-americana, quando inscreve em seus produtos Made in USA, esquece de mencionar que eles foram produzidos no México, Caribe ou Filipinas. (Renato Ortiz, Mundialização e Cultura) O texto ilustra como em certos países produz-se tanto um carro esporte caro e sofisticado, quanto roupas que nem sequer levam uma etiqueta identificando o país produtor. De fato, tais roupas costumam ser feitas em fábricas — chamadas maquiladoras — situadas em zonas-francas, onde os trabalhadores nem sempre têm direitos trabalhistas garantidos. A produção nessas condições indicaria um processo de globalização que: A alternativa "D " está correta. O processo de transnacionalização de empresas e de difusão de meios de comunicação em massa não significou uma equalização de poderes no mundo – ao contrário, reforçou estruturas de centro e periferia que já estavam configuradas desde o século XVI. 2. (UERJ 2013/2) Veja a imagem: Quadrinho (Foto: Reprodução/UERJ) A crítica feita nos quadrinhos se relaciona com uma contradição do capitalismo globalizado, o qual se caracteriza simultaneamente por: A alternativa "D " está correta. A globalização foi caracterizada, muitas vezes, por enorme exploração do trabalho nos países periféricos, barateando os custos de produção – o que, por sua vez, possibilitou que grande parte da população mundial pudesse consumir os novos produtos da tecnologia informacional, como os smartphones. Fonte: Por DisobeyArt / Shutterstock INTRODUÇÃO Em um primeiro momento, vamos compreender de que modos e em que medidas, cada vez mais, esses fluxos de informação definem nossa atuação no mundo, nossas práticas, nosso consumo, nossa cosmovisão. Em um segundo momento, analisaremos as formas pelas quais podemos usar esse fluxo de informações e essa conexão pelas redes para difundir material de qualidade sobre temas pertinentes à vida e para construir redes de solidariedade nas diversas comunidades das quais fazemos parte. Antes, porém, vamos relembrar como chegamos até aqui. javascript:void(0) COSMOVISÃO Modo particular de perceber o mundo, geralmente, tendo em conta as relações humanas, buscando entender questões filosóficas (existência humana, vida após a morte etc.). (DICIO, 2020) Entre os anos de 1960 e 2000 o planeta passou por um processo de transnacionalização da economia e de uma certa cultura, com a migração de grandes corporações para as mais diversas regiões do mundo e a indústria e comunicação de massa, representadas especialmente pela televisão e pelo cinema, difundindo e estimulando padrões europeus/norte-americanos de vida, consumo, atuação e modelos políticos. Autores como Milton Santos (2001) e Néstor García Canclini (2014), foram críticos a essa expressão da globalização que – no lugar de, efetivamente, conectar os povos e tornar a vida melhor para todos – jogou populações inteiras na miséria e não mudou as características desiguais da Divisão Internacional do Trabalho. Ou seja, países que eram periféricos e semiperiféricos desde o século XVI continuaram mantendo sua condição de produtores de commodities e matérias- primas. Além disso, a imposição da cartilha econômica neoliberal em todo o mundo reduziu a possibilidade de os Estados nacionais investirem em políticas públicas de industrialização e assistência social para seus povos. Fonte: Por Maxx-Studio / Shutterstock COMMODITIES Tudo aquilo que, se apresentando em seu estado bruto (mineral, vegetal etc.), pode ser produzido em larga escala; geralmente se destina ao comércio exterior e seu preço deve ser baseado na relação entre oferta e procura. (DICIO, 2020) Por outro lado, os dois autores também nos chamaram a atenção para as transformações culturais ocasionadas por esse processo. Essas mudanças, embora tenham tendido à homogeneização e ao compartilhamento global de símbolos e estilos de vida, também possibilitaram apropriações criativas por parte de grupos sociais diversos, que agora tinham acesso um pouco maior à informação e à tecnologia. Tanto Santos (2001), quanto Canclini (2014), analisaram algumas dessas apropriações no Brasil e na América Latina, vendo nelas possibilidades de criação ou invenção de uma outra globalização. javascript:void(0) ATENÇÃO Para Santos (2001), era importante que os povos não se deixassem convencer de que o mundo globalizado-hierarquizado-neoliberal e altamente desigual seria o único caminho possível. Era importante, assim, reinventar a utopia – desacreditada em função dos crimes da União Soviética e da Queda do Muro de Berlim – em novos moldes. A ASCENSÃO DAS REDES SOCIAIS NO SÉCULO XXI Fonte: Por Drk_Smith / Shutterstock Fonte: Por Aleksandrs Bondars / Shutterstock Fonte: Por Bumbim; Apinan Unjit; outsideclick / Shutterstock Fonte: / Shutterstock Fonte: Por Avector / Shutterstock As redes sociais, em especial o Facebook, foram recebidas com entusiasmo em todo o mundo, não apenas pelo seu caráter de entretenimento, mas, sobretudo, pela percepção de que essas redes poderiam democratizar o acesso à informação e ao conhecimento, considerando-se que a chamada grande mídia, ou seja, as grandes redes de televisão e jornais em todo o mundo, sempre foram dominadas por um pequeno número de famílias e grandes corporações. Além disso, os jornais televisivos, impressos ou digitais, representam uma difusão vertical da informação, com pouca ou nenhuma interação. Nas redes sociais, por sua vez, não apenas recebemos as informações, mas podemos comentar, compartilhar com textos críticos/analíticos, debater com outras pessoas, participar de grupos de discussão etc. Segundo o jornalista e cientista político Leonardo Sakamoto (2013): Fonte: Por art.em.po / Shutterstock Com essa fluidez e rapidez, as redes sociais, tornando-se parte fundamental do ciberespaço transformaram-se em um lugar de encontro para uma grande massa de pessoas que, há muito tempo, não se sentia mais representada pela política institucional. Propaga-se, rapidamente, no Brasil e no mundo, o chamado ciberativismo. Ciberativismo é, geralmente, definido como uma forma de utilização da internet por movimentos politicamente motivados. O autor Sándor Végh, em texto de 2003 denominado Classifying forms of online activism: the case of cyberprotests against the World Bank dividiu o ativismo digital em três categorias: A primeira estaria relacionada à promoção e divulgação de uma pauta ou causa política. A segunda seria o uso da internet para a organização e mobilização de uma ação política. A terceira seria representada pelo ativismo hacker, com invasão ou congestionamento de sites. Esse tipo de mobilização pela internet foi fundamental para a estruturação de uma série de movimentos políticos da sociedade civil, em todo o globo, a partir da primeira década dos anos 2000. Que movimentos foram esses, exatamente? A ERA DA INFORMAÇÃO E DA PÓS-VERDADE Fonte: Por Carlos Amarillo / Shutterstock As eleições ocorridas entre 2016 e 2018 expuseram ao mundo o poder das novas tecnologias, em especial das redes sociais, em detrimento do antigo poder dos grandes veículos de imprensa. O momento posterior à eleição de Trump nos EUA foi permeado por uma série de investigações em torno do bombardeamento de fake news via redes sociais, e como essas notícias falsas teriam afetado os resultados da corrida eleitoral. Embora boatos e notícias falsas sempre tenham existido, agora elas passaram a circular em uma velocidade sem precedentes na história, e atingindo uma massa incalculável de pessoas. AS INVESTIGAÇÕES INICIADAS NO ESTADOS UNIDOS DESCOBRIRAM QUE ESSE TIPO DE NOTÍCIA DIFUNDIU-SE MUITO MAIS A PARTIR DE COMPARTILHAMENTOS, TENDO ALCANÇADO UM NÚMERO MUITO MAIOR DE PESSOAS DO QUE AS NOTÍCIAS VEICULADAS NOS CANAIS TRADICIONAIS DA MÍDIA – QUE, POR REPRESENTAREM O JORNALISMO PROFISSIONAL, TÊM UM COMPROMISSO COM OS FATOS, POR MAIS QUE OS MODOS DE CONSTRUÇÃO DAS NARRATIVAS, COMO SABEMOS, POSSAM SER BASTANTE TENDENCIOSOS.