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Termodinâmica do Equiĺıbrio September 3, 2021 Bacharelado em F́ısica (CEFET-RJ) Hilário Rodrigues IV - Segunda Lei da Termodinâmica Conteúdo 1 Processo quase-estático 2 2 Reversibilidade versus irreversibilidade 4 3 Trabalho reverśıvel 5 4 Prinćıpio máximo trabalho 6 5 Máquinas térmicas 7 6 Refrigeradores 9 7 Clausius e Kelvin 10 8 Ciclo de Carnot 12 9 Desigualdade de Clausius 15 10 Função Entropia 16 11 Exerćıcios 18 1 Processo quase-estático Consideremos um sistema Σ composto por dois subsistemas, Σ1 e Σ2. O sistema pode ser descrito pelas coordenadas S, U (1), V (1), N (1) 1 , N (1) 2 · · ·N (1) r , U (2), V (2), N (2) 1 , N (2) 2 · · ·N (2) r , com S = S ( U (1), V (1), N (1) 1 , N (1) 2 · · ·N (1) r , U (2), V (2), N (2) 1 , N (2) 2 · · ·N (2) r ) como equação fundamental ou, alternativamente, pelo conjunto de coordenadas S, U (1), V (1), N (1) 1 , N (1) 2 · · ·N (1) r , U , V , N1, N2 · · ·Nr, em virtude dos v́ınculos U (1) + U (2) = U V (1) + V (2) = V Ni (1) +N (2) i = Ni, i = 1, 2 · · · r Temos gerada uma hiper-superf́ıcie (ver figura 1) onde cada um dos pontos representa um estado de equiĺıbrio. Essa hiper-superf́ıcie representa a equação fundamental do sistema. Podemos representar nessa superf́ıcie qualquer processo quase-estático que leve o sistema de um estado inicial A até um estado final H. Como sabemos, um processo quase-estático é definido como uma sucessão de estados de equiĺıbrio. Lembremos que um processo quase-estático é uma idealização de um processo f́ısico real. Um processo f́ısico real não envolve estados intermediários de equiĺıbrio, não tendo, portanto, representação no espaço de configuração termodinâmica. Além disso, um processo quase estático, ao contrário de um processo real, não envolve considerações sobre taxas, velocidades ou tempo. O processo quase-estático é, simplesmente, uma sucessão ordenada estática de estados de equiĺıbrio, ao passo que um processo real é uma sucessão temporal de estados de equiĺıbrio e de não-equiĺıbrio. Figure 1: Figura 1. Consideremos que um sistema está originalmente no estado A (ver figura 2). Processos reais podem levar o sistema deste estado inicial para o estado final H através de uma sucessão de 2 estados intermediários de não-equiĺıbrio. No decorrer de tal processo o sistema ”desaparece” do ponto A e reaparece, depois, no ponto H; os estados intermediários não têm representação no espaço de configuração termodinâmica. O processo real que descrevemos é uma aproximação ruim do processo quase-estático. Muito melhor é a aproximação poder ser obtida através de várias etapas. Primeiro, começamos com o sistema no estado A, e então organizamos um processo real que termina no estado de equiĺıbrio B, muito próximo ao estado A. O sistema desaparece do ponto A e posteriormente reaparece no ponto B. Em seguida, organizamos outro processo real que leva o sistema, de forma semelhante, de B para C, dáı por outro processo real de C para D e por etapas sucessivas semelhantes, eventualmente, para H. Por esta sucessão de processos reais, agora obtivemos uma maior aproximação com o processo quase-estático do que nosso processo real original, que simplesmente foi direto de A a H. Evidentemente, espaçando os pontos A, B, C, etc. arbitrariamente próximos à trajetória que representa o processo quase-estático, um processo real pode ser arbitrariamente aproximado de um processo quase-estático. Figure 2: Figura 2. Em um processo quase estático, a variação da entropia é proporcional ao calor trocado, isto é dS = d̄Q/T . Num processo f́ısico real, a entropia pode aumentar mesmo que o calor trocado seja nulo (dQ = 0) e, em qualquer caso, dS > 0. A figura 2 ilustra um processo quase-estático. Os v́ınculos do sistema devem ser removidos de forma lenta, permitindo que o sistema chegue a um novo estado. Na prática, a taxa com a qual esses v́ınculos podem ser eliminados é ditada pelo tempo de relaxação τ do sistema. Se os processos ocorrem em escalas de tempo pequenas comparadas com τ , esses processos não podem ser considerados como quase-estáticos. Entretanto, processos que ocorrem em tempos longos em comparação com τ , são aproximadamente quase-estáticos. Nestes casos podemos escrever, de forma aproximada, que dS = d̄Q/T . Considere um gás confinado em um cilindro dotado de um pistão, que pode se mover sem atrito. As paredes do cilindro e o pistão são adiabáticos. Se o pistão é empurrado para dentro quase 3 estaticamente, o aumento da entropia é zero. Mas, se o pistão é empurrado para dentro rapidamente, induzindo todos os tipos de fluxos hidrodinâmicos complicados no gás, o aumento da entropia é positivo, apesar de termos d̄Q = 0. Um leve movimento do pistão tende a comprimir o gás próximo ao pistão, aumentando localmente a pressão. Para que o processo seja considerado quase-estático, essa perturbação deve ser rapidamente dissipada por todo o volume do gás, antes de uma nova compressão. O tempo necessário para equalizar uma perturbação local do sistema através do gás deve ser da ordem de L/c, ou seja, τ ' V 1/3/c. 2 Reversibilidade versus irreversibilidade Suponhamos que um sistema fechado está em um estado A e que a remoção de um v́ınculo faz iniciar um processo espontâneo, levando o sistema a um estado B. A entropia no estado B é maior do que no estado A. É imposśıvel reverter o processo, fazendo o sistema retornar ao estado A, simplesmente impondo v́ınculos ao sistema. Se tal processo reverso fôsse posśıvel, envolveria uma diminuição da entropia, violando a segunda lei. Esta é a razão pela qual um processo f́ısico real, como o que leva o sistema de A a B, é chamado de processo irreverśıvel. Embora todos os processos reais sejam irreverśıveis e aumentem a entropia do sistema, podemos considerar o caso limite em em que o aumento de entropia torna-se arbitrariamente pequeno. O processo ideal em que o aumento de entropia desaparece é chamado de processo reverśıvel. Existe uma classe particular de processos quase-estáticos, os processos reverśıveis. Um processo reverśıvel começa com a remoção de algum um v́ınculo sobre o sistema. As restrições restantes permitem que o sistema percorra um caminho no espaço de configuração termodinâmica de entropia constante. Um sistema em qualquer estado ao longo deste caminho está em equiĺıbrio e não encontra estados dispońıveis de maior entropia. Assim, um processo reverśıvel constitui-se de uma sucessão de estados de equiĺıbrio e, consequentemente, coincide com um processo quase-estático conforme mostrado na figura 3. Todo processo reverśıvel é, necessariamente, um processo quase-estático. O inverso da afirmação anterior não é verdadeiro. O caminho quase-estático mostrado na figura 2 é um exemplo de processo quase-estático irreverśıvel. O fato de um sistema fechado ter uma entropia menor no estado A do que no estado B, implica que o sistema não pode retornar espontaneamente de B para A (figura 2). No entanto é posśıvel restaurar o estado inicial se o sistema estiver interagindo com outro sistema, isto é, se o v́ınculo de fechamento for removido. Vamos denotar o aumento da entropia por ∆SAB = SB − SA. Suponha que o sistema seja acoplado a um segundo sistema e que algum processo no segundo sistema permita o retorno do sistema primário ao seu estado inicial, A. Este processo ocorrerá se a entropia total 4 Figure 3: Figura 3. do universo aumentar. Sejam Si2 e S f 2 as entropias inicial e final do sistema 2, respectivamente. A variação da entropia do universo é dada por ∆SU = ( Sf2 + SA ) − ( SB + S i 2 ) ou ∆SU = S f 2 + SA − SB − S i 2 = ∆S2 −∆SAB ≥ 0 Assim, a variação da entropia do segundo sistema deve compensar a diminuição da entropia do sistema original, devendo ser, pelo menos, igual. 3 Trabalho reverśıvel Uma fonte de trabalho reverśıvel é sistemafechado por uma parede adiabática, impermeável e caracterizado por tempos de relaxação suficientemente pequenos para que todos os processos sejam considerados como quase-estáticos. Como dS = d̄Q/T , a parede adiabática garante que a entropia seja constante (dS = 0). Uma fonte de calor reverśıvel é um sistema fechado por uma fronteira ŕıgida, impermeável mas diatérmica, cujas trocas de calor sejam quase-estáticas. A única forma posśıvel de troca energética com o meio externo é a troca de calor reverśıvel, de modo que dU = d̄Q = TdS. A fonte de calor reverśıvel atua como um fonte ou um dissipador quase-estático de calor. Fontes de trabalho ou de calor reverśıveis muito grandes são denominadas de reservatórios; em particular, uma fonte de trabalho reverśıvel muito grande define um reservatório de volume, e uma fonte de calor reverśıvel muito grande é um reservatório de calor. 5 A temperatura de um reservatório térmico permanece fixa, independente da quantidade de calor cedido ou recebido por ele. A derivada (dT/dU)V,N1,N2··· é função homogênea inversa de primeiro grau dos parâmetros extensivos e, portanto, é despreźıvel para um sistema infinitamente grande. 4 Prinćıpio máximo trabalho Um sistema, no estado A, está em contato com uma fonte de trabalho e uma fonte de calor, ambas reverśıveis, pode sofrer um processo e evoluir para o estado final B. Esses três sistemas formam um sistema composto fechado. Calor é trocado reversivelmente com a fonte de calor, e trabalho é realizado sobre a (ou pela) fonte de trabalho reverśıvel. Se a energia interna do subsistema primário no estado B é menor do que no estado A, a diferença de energia será distribúıda entre a fonte de calor reversl e a fonte de trabalho reversl. Em quais condiccões essa energia disponibilizada é maximizada na forma de trabalho e minimizada como calor trocado? Se a entropia da fonte de calor é Scr; se o valor inicial for denotado por Scr0 , e a entropia final por Scr0 − (SB − SA), então o calor reverśıvel trocado com o sistema primário será dado por ∆Qcr = ∫ Scr0 −(SB−SA) Scr0 T cr (Scr) dScr A Tabela 1 mostra a variação da entropia de cada subsistema. A Tabela 2 mostra as trocas de energca entre as partes do sistema. 6 Tabela 1 Processo Irreverśıvel Processo Reverśıvel Sistema composto ∆S > 0 ∆S = 0 Sistema SB − SA SB − SA Fonte de calor reverśıvel ∆S − (SB − SA) − (SB − SA) Fonte de trabalho reverśıvel 0 0 Tabela 2 Sistema composto 0 Sistema UB − UA Fonte de calor reverśıvel ∆Qcr = ∫ Scr0 −(SB−SA) Scr0 T cr (Scr) dScr Fonte de trabalho everśıvel ∆W tr = −∆Qcr − (UB − UA) Vemos pela Tabela 2 que o trabalho sobre a fonte de trabalho é obtido da seguinte forma: ∆W tr = − ∫ Scr0 −(SB−SA) Scr0 T cr (Scr) dScr − (UB − UA) Pela primeira lei, considerando que Wext = −W tr e ∆Qsp = −∆Qcr , temos a relação ∆U sp = ∆Qsp +Wext = ∆Q cr −W tr Logo, ∆W tr = −∆U sp −∆Qcr Pela Tabela 2, vemos então que ∆W tr = − (UB − UA)− ∫ Scr0 −(SB−SA) Scr0 T cr (Scr) dScr Doferenciando os dois lado da equação acima, obtemos d̄W tr = − (dU − T crdScr) A expressão acima representa o trabalho que pode ser extráıdo de um sistema para um processo reverśıvel. Para um processo irreverśıvel, vemos que d̄W tr ≤ − (dU − T crdScr) 5 Máquinas térmicas A primeira lei da termodinâmica seleciona os processos termodinâmicos posśıveis que um sistema pode sofrer, que são aqueles que conservam a energia. No entanto, existem processos que embora possam conservar a energia, nunca são observados. A segunda lei da termodinâmica restringe a realização f́ısica de alguns processosm na natureza, muito embora eles sejam permitidos pela primeira lei da termodinâmica. Um processo ćıclico em uma máquina térmica permite que o sistema retorne ao seu estado inicial. 7 Ao final de cada ciclo verifica-se que ∆U = 0, e então ∆U = Q+W = 0→ −W = Q sendo −W o trabalho realizado pela máquina térmica. Em alguma(s) etapa(s) do ciclo o sistema absorve um calor Qq de uma fonte, e em outra(s) calor Qf é rejeitado para o ambiente (fonte fria). O calor ĺıquido transferido ao sistema no ciclo é dado por Q = Qq+Qf , onde por convenção Qf < 0. A eficiência do ciclo, η, é definida por η = −W Qin = Qq − |Qf | Qq = 1− |Qf | Qq Figure 4: Máquina térmica. As transferências de calor e trabalho em um processo reverśıvel são mostradas em na figura com detalhes. O calor −∆Q entregue pelo sistema é parcialmente entregue para o reservatório de calor (∆Qc) e parcialmente transformado em trabalho sobre a fonte de trabalho reverśıvel (∆W ′). Seja T a temperatura do sistema. Então, o fluxo de calor infinitesimal −dQ q0ue sai do sistema é −TdS. O calor d′Qc que entra na fonte de calor reverśıvel é T cdSc = −T cdS. O trabalho sobre a fonte é então dado por d̄W ′ = (−d̄Q)−d̄Qc ou d̄W ′ = [ 1− d̄Q c −d̄Q ] (−d̄Q) ou d̄W ′ = [ 1− −T cdS −TdS ] (−d̄Q) d̄W ′ = [ 1− T c T ] (−d̄Q) A eficiência da máquina térmica é definida pela razão η = d̄W ′ −d̄Q = 1− T c T (1) Portanto, a fração do calor retirado do subsistema que pode ser utilizado como trabalho é igual 8 à diferença entre as temperaturas do subsistema e e da fonte de calor reverśıvel, dividida pela temperatura do subsistema. O resultado acima foi obtido em termos bem gerais, que permite calcular a máxima eficiência de uma máquina térmica. Não há referências aqui aos processos ou métodos espećıficos para a conversão do calor em trabalho. Existem muitos desses processos; um deles éo o ciclo de Carnot . Mas a beleza desse resultado reside em sua própria generalidade - para qualquer processo reverśıvel, a eficiência é dada por equação (1). Para qualquer processo irreverśıvel a eficiência será sempre menor. Para que uma fração positiva do calor retirado seja entregue à fonte de trabalho reverśıvel, é necessário que T c seja menor que T . Entretanto, se T c for maior que T , a eficiência seria negativa, o trabalho dW ′ seria negativo, de maneira que o trabalho teria que ser retirado da fonte de trabalho reverśıvel. Neste caso, a máquina térmica opera como um refrigerador. Ao buscar converter energia desorganizada em energia organizada (energia mecânica), uma máquina térmica tende a diminiuir a entropia. O esquema é o seguinte: U → Qq →W (máquina térmica)→ Energia Mecânica Contudo, para a entropia de um sistema diminuir é necessário que a entropia da vizinhança aumente: ∆Ssistema < 0→ ∆Sviz > 0 Se não existisse um calor dissipado Qf cedido à vizinhança, a variação da entropia total seria negativa, o que violaria a segunda lei da termodinâmica. Portanto, em uma máquina térmica Qf nunca pode ser zero. Um segundo aspecto importante é que uma máquina térmica sempre opera em ciclos. Em cada ciclo, calor Qq é absorvido da fonte quente, um trabalho W é realizado, às custas desse calor e, em alguma parte do ciclo, o calor Qf é dissipado para a vizinhança. Convenciona-se que Qq > 0 e Qf < 0. 6 Refrigeradores Suponha uma máquina térmica operando ao revés: calor é extráıdo do sistema de baixa temper- atura, trabalho é extráıdo de uma fonte externa, e a soma dessas energias é transferida como calor para a fonte quente. As duas fontes, quente e fria, são tratadas como fontes de calor reverśıveis. Se o objetivo é resfriar ainda mais um sistema frio, o dispositivo é chamado de refrigerador. Se o objetivo é aquecer a fonte quente, a máquina térmica é chamada de bomba de calor. Basica- mente, motores, geladeiras, e bombas de calor são dispositivos idênticos, operados para finalidades diferentes, mas sujeitos aos mesmos prinćıpios e leis. Em um refrigerador, a fonte fria, da qual é extráıdo calor, é o ”interior” do refrigerador. A fonte quente, para onde o calor é rejeitado, é o ambiente externo. O trabalho deve ser fornecido pelo agente externo para o refrigerador funcionar. A minimização do trabalho absorvido implicaem se maximizar o trabalho realizado pelo refrigerador. Idealmente isso só é posśıvel através de um 9 processo reverśıvel. Sendo assim, as trocas reverśıveis de calor preservam a entropia do sistema, e então d̄Qh T h + d̄Qc T c = 0 (2) Temos a relação entre calores trocados e trabalho: d̄Qh = − (d̄W +d̄Qc) assumindo que o calor que sai do refrigerador é uma quantidade negativa. Então, substituindo em (2), obtemos d̄W +d̄Qc T h + d̄Qc T c = 0 A eficiência do refrigerador é então definida por �r ≡ d̄Qc d̄W = T c T h − 1 Se as temperaturas das duas fontes forem iguais, a eficiência do refrigerador torna-se infinita: assim, o trabalho necessário para transferir calor de um sistema para outro é zero. A eficiência torna- se progressivamente menor, conforme a temperatura T c do refrigerador diminui em relação a T h. E se a temperatura do refrigerador aproxima-se de zero, o coeficiente de desempenho também se aproxima de zero (assumindo T h fixo), o que seginifica que uma grande quantidade de trabalho seria necessário para extrair até mesmo quantidades pequenas de calor de um sistema próximo a T c = 0. Uma bomba de calor é usada para aquecer um ambiente, extraindo calor de uma fonte fria às custas de trabalho extráıdo de uma fonte de trabalho reverśıvel. Mostra-se que a eficiência da bomba de calor é dada por �b = d̄Qh d̄W = T h T h − T c 7 Clausius e Kelvin Existem dois enunciados da segunda lei da termodinâmica equivalentes entre si: os enunciados de Clausius e de Kelvin. O enuncidado de Kelvin da segunda lei afirma: É imposśıvel conceber um processo que não produza outro efeito senão a extração de calor de um único reservatório e transformá-lo em uma quantidade igual de trabalho. O enuncidado de Clausius da segunda lei afirma: É imposśıvel conceber um processo que não produza outro efeito senão a transferência de calor de um objeto mais frio para um mais quente. Admite-se que os dois enunciados são expressões equivalentes da segunda lei. Em geral, para com- provar a válidade desses enunciados, mostra-se que se um deles for violado por algum experimento 10 idealizado, o outro também será violado. Para demonstrar essa equivalência, usamos um diagrama simbólico como uma representação de máquina térmica (figura 6). A parte esquerda da figura ilustra uma máquina térmica que absorve calor Q1 do reservatório à temperatura T1 e rejeita o calor Q2 para o reservatório à temperatura T2, onde T1 > T2. No ciclo, trabalho é realizado sobre a vizinhança, com Q1 = |Q2|+ |W |. Notemos que a energia de sáıda é igual a energia de entrada. A parte do meio da figura 6 mostra um refrigerador perfeito que absorve calor Q0 de um reservatório frio e entrega o calor Q0 a um reservatório quente, sem trabalho envolvido (violando o enunciado de Clausius). Outro motor, combinado com o refrigerador, absorve o calor Q1 do reservatório quente e rejeita o calor Q0 para o reservatório frio. O efeito ĺıquido desses dois motores trabalhando em conjunto é mostrado na parte direita da figura - um motor composto que absorve o calor Q1 −Q0 de um único reservatório e entrega a mesma quantidade de energia na forma de trabalho ao meio externo, o que viola o enunciado de Kelvin. A parte esquerda da figura 7 mostra o ciclo de um refrigerador que absorve calor Qf do reservatório frio e entrega o calor Qq ao reservatório quente, como resultado do trabalho W realizado sobre o sistema. A conservação da energia implica que |Qq| = W+Qf . A parte do meio da figura mostra um motor que viola o enunciado de Kelvin ao absorver calor Q1 de um único reservatório e transformá- lo completamente em trabalho. O trabalho produzido por esse motor é utilizado para movimentar um refrigerador, acoplado a ele. O efeito ĺıquido é um motor que fornece calor de uma fonte fria para uma fonte quente sem a entrada de energia no sistema, violando o enunciado de Clausius. 11 8 Ciclo de Carnot O ciclo de Carnot opera reversivelmente ao longo de duas isotermas e duas adiabáticas (ou isentrópicas). As trocas de calor ocorrem nos dois processos isotérmicos do ciclo. Sendo um ciclo reverśıvel, vale a relação mostrada anteriormente |Qc| Qh = Tc Th e o rendimento fica dado por ηC = 1− Tc Th Teorema de Carnot: Todas as máquinas térmicas reverśıveis operando entre os mesmos reser- vatórios têm a mesma eficiência, e essa eficiência é maior que a de qualquer máquina térmica irreverśıvel. Imaginemos uma máquina de Carnot (C) operando em conjunto com uma máquina térmica (H) supostamente mais eficiente. Na parte esquerda da figura uma máquina de Carnot opera entre as fontes nas temperaturas T1 e T2 com T1 > T2. Por definição as eficiências das duas máquinas térmicas são ηH = WH QH , e ηC = WC QC O ciclo de Carnot é invertido, passando a operar como um refrigerador reverśıvel acoplado à máquina H, como mostra a a figura. O trabalho WH é utilizado para fazer o refrigerador de Carnot funcionar. Temos então que WC = WH e ηCQC = ηHQH ou QC QH = 1 ηC · ηH 12 Claramente, se ηH > ηC , então QC > QH . Assim, em cada ciclo de operação das duas máquinas acopladas o resultado seria a remoção de um calor ĺıquido (QC − QH) da fonte fria para a fonte quente sem qualquer ação do meio externo, isto é, com W = 0. Esse processo viola o enunciado de Clausius da segunda lei. Conclúımos a partir disso que ηH ≤ ηC Se H é uma máquina reverśıvel, podemos imaginar C acoplado com H, mas esta operando como um refrigerador. O trabalho realizado por C é usado para fazer H operar. Se supormos que ηC > ηH , então QH > QC , e teŕıamos novamente a violação do enunciado de Clausius. Então, se H é reverśıvel, conclui-se que ηC ≤ ηH Se H e C são máquinas reverśıveis, então ηC = ηH . Se ηH < ηC , H é uma máquina irreverśıvel. Aqui, nenhuma propriedade de C ou de H foi usada na demonstração, bastando saber que as duas máquinas são reverśıveis. Se H for uma máquina térmica reverśıvel, então ela é uma máquina de Carnot. Exemplo. Dois corpos idênticos têm equações de estado U = NCT , com C uma constante. Os valores de N e C são iguais para cada sistema. As temperaturas iniciais são T1 e T2 . Eles são usados como uma fonte de trabalho, levando os dois corpos a atingirem temperatura final comum Tf . Qual temperatura final corresponde à máxima realização de trabalho, e qual é esse trabalho máximo entregue? O processo previsto é a retirada de calor do corpo de temperatura mais alta, e a transferência de parte desse calor no corpo do temperatura mais baixa, e a utilização do restante como trabalho sobre a fonte reverśıvel. Num processo totalmente irreverśıvel, onde nenhum trabalho é realizado, a temperatura final de equiĺıbrio será a maior posśıvel. Se trabalho é realizado, a energia final e, conseqüentemente, a temperatura final, será a menor posśıvel. A temperatura final maior, portanto, corresponde ao caso em que os dois corpos são simplesmente colocados juntos em contato, sem que haja realização de trabalho, mas apenas troca irreverśıvel de calor do corpo mais quente para o mais frio. Nesse caso, a conservação da energia do sistema composto leva à seguinte equação: mc∆T1 +mc∆T2 = 0 ou (Tf − T1) + (Tf − T2) = 0 13 Portanto, a temperatura final de equiĺıbrio será Tf = T1 + T2 2 Vamos supor agora que em alguma etapa do processo o corpo mais quente tenha atingido a tem- peratura T (1) e o corpo mais frio a temperatura T (2). O corpo mais quente cede uma quantidade de calor −d̄Q(1), diminuindo a entropia por −dS(1) = −dd̄Q(1)/T (1) . Ao mesmo tempo a temperatura −dT (1) = −d̄Q(1)/NC. Simultaneamente, transferimos um calor d̄Q(2) ao corpo mais frio, aumen- tando a entropia em dS(2) = d̄Q(2)/T (2) com a temperatura aumentando em dT (2) = d̄Q(2)/NC. A condição de que a entropia total permanece constante (processo reverśıvel) é dS(1) + dS(2) = d̄Q(1) T (1) + d̄Q(2) T (2)= 0 ou NCdT (1) T (1) + NCdT (2) T (2) = 0 Integrando ∫ Tf T1 dT (1) T (1) = − ∫ Tf T2 dT (2) T (2) Então ln Tf T1 = − ln Tf T2 E a temperatura final de equiĺıbrio é Tf = √ T1T2 A energia total final é Uf = 2NCTf , e a inicial é Ui = NCT1 +NCT2. A diferença é ∆U = Uf − Ui = 2NCTf − (NCT1 +NCT2) ou ∆U = NC [ 2 √ T1T2 − (T1 + T2) ] Pela primeira lei, ∆U = T∆S −W com ∆S = 0, obtemos o trabalho realizado W = NC [ T1 + T2 − 2 √ T1T2 ] Se calor é retirado quase-estaticamente do corpo mais quente e introduzido quase-estaticamente no corpo mais frio, sem a realização de nenhum trabalho, qual é o aumento irreverśıvel na entropia total? 14 9 Desigualdade de Clausius O teorema de Carnot pode ser expresso na forma η = W Q1 = Q1 +Q2 Q1 ≤ T1 − T2 T1 com Q2 < 0, por definição. Rearranjando os termos, obtemos Q1T1 +Q2T1 ≤ Q1T1 −Q1T2 ou Q1 T1 + Q2 T2 ≤ 0 onde a igualdade vale quando o ciclo é reverśıvel. A equação acima expressa a desigualdade de Clausius quando um sistema interage com apenas dois reservatórios a temperaturas distintas. O mesmo se obtém para um refrigerador operando entre dois reservatórios. Suponhamos agora que o sistema interage sequencialmente com vários reservatórios a temperaturas diferentes, e um reservatório de trabalho. O processo termodinâmico é representado pelo ciclo c mostrado na figura, descrito pelas variáveis de estado, P e V . Podemos representar o processo c através de vários e sucessivos ciclos de Carnot, como mostrado na figura, que representa famı́lias de isotermas e adiabáticas dos ciclos de Carnot utilizados. 15 Consideremos as isotermas T1 e T2. Inicialmente, o sistema realiza uma expandão isotérmica, absorvendo calor Q1; depois uma expansão adiabática, até atingir a isoterma T2. A seguir, uma compressão isotérmica, rejeitando calor Q2; depois, uma compressão adiabática, até retornar à isoterma T1. Aplicando o teorema de Carnot, temos Q1 T1 + Q2 T2 ≤ 0 Estendendo para todos os ciclos em torno do caminho c, temos∑ i Qi Ti ≤ 0 No limite infinitesimal, obtemos ∮ c d̄Q T ≤ 0 que é a desigualdade de Clausius. Para um processo reverśıvel,∮ c d̄Q T = 0 10 Função Entropia Considere o processo representado na figura. O caminho r é um processo reverśıvel que liga os estados e equiĺıbrio b e a, enquanto o processo o liga os mesmos estados por um caminho diferente, que pode ser reverśıvel ou irreverśıvel. Aplicando a desigualdade de Clausius:∮ c d̄Q T = ∫ b a ( d̄Q T ) o + ∫ a b ( d̄Q T ) r ≤ 0 Se o é reverśıvel, o ciclo completo também será reverśıvel. Temos então,∫ b a ( d̄Q T ) o = ∫ b a ( d̄Q T ) r 16 Portanto, a integral ∫ b a (d̄Q/T )rev é a mesma para qualquer processo reverśıvel a → b. Isso significa que d̄Q/T é um diferencial exato. Esse diferencial é identificado com a variação da entropia: dS = ( d̄Q T ) rev de modo que Sb − Sa = ∫ b a ( d̄Q T ) rev Por áı vemos que o calor trocado com o sistema em um processo reverśıvel pode ser calculado em termos da entropia (Qab)rev = ∫ b a TdS Imaginemos um sistema Σc composto por dois subsistemas em equiĺıbrio interno, Σ1 e Σ2, separados por uma parede adiabática, mas não necessariamente em equiĺıbrio entre si. Os dois subsistemas estão em contato com um reservatório térmico Σres à temperatura Tres, trocando calor reverśıvel. Dois refrigeradores de Carnot são acoplados ao sistema Σc e Σres, ∆S1 = ∆S (1) res + ∆SMC1 e ∆S2 = ∆S (2) res + ∆SMC2 Como ∆SMC1 = ∆SMC2 = 0, vemos que ∆S1 = Q1 Tres e ∆S2 = Q2 Tres A variação da entropia do sistema composto é dada por ∆Sc = ∆S1 + ∆SMC1 + ∆S2 + ∆SMC2 Então, ∆Sc = ∆S1 + ∆S2 17 ou ∆Sc = Qc Tres = Q1 +Q2 Tres → Qc = Q1 +Q2 Então, dSc = d̄Q1 Tres + d̄Q2 Tres Integrando, ∆Sc = ∫ d̄Q1 Tres + ∫ d̄Q2 Tres Segue-se então que Sc = Sc0 + S1 − S10 + S2 − S20 As constantes de integração são tais que Sc0 = S10 + S20 Assim, temos que Sc = S1 + S2 As constantes de integração não podem ser determinadas arbitrariamente, de acordo com a terceira lei da termodinâmica. 11 Exerćıcios Exerćıcio 1. Um sistema mantido em volume constante tem uma capacidade térmica a volume constante Cv = Ncv, que é independente da temperatura. O sistema está inicialmente em uma temperatura T1 e um reservatório de calor está a uma temperatura mais baixa T0 está dispońıvel. Mostre que o máximo de trabalho recuperável, à medida que o sistema é resfriado à temperatura do reservatório, é W = −Cv ∫ T0 T1 ( 1− T0 T ) dT = Cv [ (T1 − T0)− T0 ln T1 T0 ] Exerćıcio 2. Um sólido de massa m tem calor espećıfico c. Mostre que Mostre que a variação da entropia quando a temperatura vai de Ta para Tb é Sb − Sa = mc ln Tb Ta Exerćıcio 3. (a) 10 kg de vapor a 400◦ C e pressão de 50 MPa sofre uma expansão isotérmica reverśıvel até o volume 200 m3, e depois uma expansão adiabática até 500 m3. Determine a temperatura final, o calor trocado e o trabalho sobre o sistema na expansão. (b) O processo é mudado. Primeiro, o vapor expande adiabaticamente de forma reverśıvel até 500 m3. Depois, o sistema é aquecido a volume constante até atingir a mesma temperatura do estado final do item (a). Calcular o calor e o trabalho feito sobre o sistema. Respostas: (a) 250◦ C, 36 MJ, −26, 5 MJ; (b) 16, 5 MJ, −7 MJ. Exerćıcio 4. Uma bomba de calor opera entre as temperaturas de 6◦C e 37◦C. A seguir, discrim- inamos as quantidades de calor trocadas e o trabalho consumido por ciclo. Quais desses processos 18 são reverśıveis, irreverśıveis e fisicamente imposśıveis? Todas as grandezas estão em joule. (i) Qh = 1000, W = 300, Qc = 700 (ii) Qh = 500, W = 250, Qc = 350 (iii) Qh = 700, W = 400, Qc = 300 (iv) Qh = 800, W = 400, Qc = 400 (v) Qh = 400, W = 800, Qc = −400 Respostas: (i) e (iv) reverśıveis; (v) irreverśıvel; (ii) e (iii) imposśıvel Exerćıcio 5. A substância operante em uma máquina de Carnot é um gás ideal o trabalho ĺıquido sobre o gás nos dois processos adiabáticos é nulo. Isso, entretanto, não ocorre com todas as substâncias. Consideremos que a substância operante seja uma amostra de 1kg de água. O processo é representado na figura. (a) Determine o calor absorvido e o trabalho realizado em cada processo do ciclo. (b) Verifique que η = W Q1 = T1 − T2 T1 onde Q1 é o calor absorvido pela água no processo a→ b e W é o trabalho fornecido pela máquina térmica no ciclo. Respostas: (a) ab: 1, 42MJ, −0, 15MJ; bc: 0, −0, 59MJ; cd: −0, 97MJ, 0, 06MJ; da: 0, 0, 23MJ; (b) 0, 317. Exerćıcio 6. Considere uma tira elástica de comprimento L submetida a uma tensão f . Podemos escrever para um processo quase-estático: dU = TdS + fdL Suponha que a tensão seja aumentada rapidamente para f + ∆f , mantendo a temperatura T constante. (a) Obtenha uma expressão para a variação da entropia após o restabelecimento do equiĺıbrio. (b) Qual a variação da entropia por mol para uma tira elástica que obedece a equação de estado L/n = cf/T , onde c é uma constante? Respostas: (a) ∆S = −(f/T )∆L; (b) ∆S/n = −c(f/T 2)∆f . 19 Exerćıcio 7. Dois mols de um gás ideal monoatômico ocupa inicialmente um volume de 1 litro a temperatura de 300 K. A divisória é retirada subitamente, e o gás faz uma expansão livre. O volume final do gás, ao retornar ao equĺıbrio, é de 2 litros. Denomine o estado inicial de a, e o final de estado b. Um reservatório térmico a temperatura T = 300 K está dispońıvel. Considere que a variação do estado do gás durante o processo de expansão pode ser realizado de forma reverśıvel e isotérmica, com o calor sendo diretamente fornecido pelo reservatório térmico. Calcule o trabalho externo realizado sobre o sistema no processo a→ b, supondo que o processo é reverśıvel. Resposta: −3, 46 kJ. Bibliografia: Herbert Callen, Thermodynamics, John Wiley Sons, Inc., 1962. Gerald Carrington, Basic Thermodynamics, Oxford University Press, 1994. Mark W. Zemansky,Heat and Thermodynamics, McGraw-Hill, 1957. 20