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UNIDADE 1 Organizadores: Amanda Maria de Oliveira | Maria Edilene de Paula Kobolt | Pedro Augusto Pereira Brito APLICADA Linguística Breve Histórico da Linguística Aplicada e Suas Subáreas Prezado estudante, Estamos começando uma unidade desta disciplina. Os textos que a compõem foram organizados com cuidado e atenção, para que você tenha contato com um conteúdo completo e atualizado tanto quanto possível. Leia com dedicação, realize as atividades e tire suas dúvidas com os tutores. Dessa forma, você, com certeza, alcançará os objetivos propostos para essa disciplina. Objetivo Geral Resgatar a história da Linguística Aplicada sob a perspectiva contemporânea. Objetivos Específicos • Conhecer a história da LA; • Identificar o panorama geral sobre a área da LA; • Contextualizar a LA na sociedade. Questões Contextuais • A Linguística Aplicada consiste em um campo de estudos autônomo e consolidado atualmente. Você já parou para refletir sobre os acontecimentos que levaram ao seu surgimento? • Quais as principais áreas de interesse do campo da Linguística Aplicada atualmente? • Como podemos delimitar as contribuições que a Linguística Aplicada oferece para a sociedade atualmente? unidade 1 V.1 | 2021 LINGUÍSTICA APLICADA | Amanda Maria de Oliveira 10 1.1 Panorama Geral Sobre a História da LA Nesta unidade, nosso objetivo consiste em delinear o percurso histórico do surgimento e da consolidação da Linguística Aplicada (ou LA) a partir dos anos de 1940, período no qual a atenção dos estudos linguísticos desenvolvidos se voltou para a questão do ensino de línguas. A partir desse momento, faremos um percurso histórico no qual discutiremos os principais marcos da LA, até chegarmos ao momento atual. Ainda nesta unidade, abordaremos questões relativas às suas subáreas e temas de interesse. Por fim, discutiremos as contribuições que o campo da LA traz para a sociedade atualmente e sua relevância social. Neste primeiro momento, vamos discutir o processo de surgimento e consolidação da Linguística Aplicada enquanto campo de estudos. Para tanto, buscaremos relacionar o panorama da história da LA com as teorias vigentes, marcadamente o Gerativismo e o Estruturalismo, na medida em que, como veremos, havia o predomínio de estudos formais entre as décadas de 1940 e 1960, sendo o aspecto social deixado em segundo plano. Além disso, analisaremos suas influências no campo aqui considerado. De acordo com Moita Lopes (2006a), a Linguística Aplicada tem início na década de 1940 a partir do crescimento de interesse, especialmente por parte dos Estados Unidos, pelo ensino de línguas e por métodos de ensino durante a Segunda Guerra Mundial. Sobre este ponto, conforme afirma Oliveira (2014), diversos países se envolveram na guerra e, consequentemente, falavam línguas diversas, o que se mostrou um empecilho na comunicação. Diante disso, e reconhecendo a importância estratégica de se aprender as línguas faladas pelos países envolvidos, os Estados Unidos fundaram o Army Specialized Training Program (Programa de Treinamento Especializado do Exército), no qual foram intensificadas pesquisas em torno de métodos eficientes para o ensino de línguas (OLIVEIRA, 2014). Dessa forma, o interesse do programa voltado para o ensino de línguas residia essencialmente na organização de materiais e métodos que possibilitassem a comunicação em período de guerra, tanto entre aliados quanto com o inimigo (LUNA, 2012), com objetivos militares e estratégicos. Segundo Mulik (2019), o enfoque, naquele momento, incidiu na expressão oral e teve o método audiolingual como principal estratégia de ensino. De acordo com a autora, esse método tem como enfoque o desenvolvimento de hábitos linguísticos por meio do condicionamento e da repetição, isto é, tem suas bases na teoria behaviorista. Neste momento, era dada grande importância à pronúncia correta e a aproximação à fala de um nativo. 11 Breve Histórico da Linguística Aplicada e Suas Subáreas | UNIDADE 1 Esse interesse pelo ensino de línguas perdura no período pós-guerra, o que consolida o início da Linguística Aplicada com enfoque no ensino de línguas. Graças a isso, a LA surge como o estudo científico do ensino de línguas estrangeiras (MOITA LOPES, 2006a), que nasce sob influência dos estudos linguísticos desenvolvidos até meados do século XX. A LA desponta especialmente como recurso para sanar os problemas em torno do ensino de línguas, uma vez que a atenção se volta para os métodos até então empregados e se passa a questionar sua eficiência no processo de ensino e de aprendizagem. Moita Lopes (1996a) ressalta esse interesse da LA pelo ensino e aprendizagem de línguas, que consiste na área com estudos mais avançados no campo em questão. Concomitantemente ao surgimento da LA, a Linguística voltava sua atenção para os estudos de cunho formal. Nos anos 1950, o Estruturalismo encontra seu auge e, a partir da década de 1960, o Gerativismo consiste na principal base teórica dos estudos linguísticos, ambos influenciando os primeiros momentos da LA. Para Barbosa et al. (2013), a perspectiva estruturalista dá conta das relações internas dos constituintes da língua, já que esta é considerada enquanto sistema, de forma que suas unidades obedecem a determinados princípios de funcionamento. Assim, seria possível estabelecer as regras que regem o funcionamento interno da língua. Por conseguinte, os valores das partes são definidos a partir dessa dinâmica como um todo. Portanto, [...] a concepção da língua como um sistema deve ser estudado com base em suas relações internas, ou seja, fenômenos extralinguísticos não são levados em consideração, uma vez que a estrutura da língua deve ser descrita apenas mediante suas relações internas. (BARBOSA et al., 2013, p. 15). Método audiolingual: De acordo com Oliveira (2014), o método audiolingual foi o resultado das pesquisas desenvolvidas no período considerado e tem como principal objetivo capacitar o estudante na comunicação oral com alto nível de proficiência, e que se assemelhe ao do falante nativo. O enfoque se dá, essencialmente, na comunicação oral, de forma que a comunicação por meio da escrita fica em segundo plano. Apesar de ter dominado o panorama do ensino de línguas entre as décadas de 1950 e 1970, ainda hoje é bastante utilizado. GLOSSÁRIO LINGUÍSTICA APLICADA | Amanda Maria de Oliveira 12 Sobre os estudos gerativistas, em linhas gerais, tiveram início com a publicação do trabalho de Chomsky, intitulado Estruturas Sintáticas (1957), e caracterizam-se pela compreensão de que o comportamento linguístico dos sujeitos é proporcionado por um dispositivo inato, isto é, uma capacidade genética que seria comum a todos os falantes (KENEDY, 2013). Sendo assim, interessa, ao Gerativismo, o aspecto cognitivo do funcionamento da linguagem, de maneira que foram propostos diferentes modelos teóricos para dar conta de todas as possibilidades de construção em determinada língua, ou seja, as combinações possíveis considerando as regras que geram as sentenças sintaticamente corretas em uma dada língua. Dadas essas características dos estudos gerativistas, que seguiam modelos teóricos, regras e possibilidades a partir dos parâmetros definidos, os estudos desenvolvidos nesta área foram considerados científicos por causa da apresentação de resultados rápidos e palpáveis, que possibilitaram o desenvolvimento de métodos sofisticados de interesse no período de guerra e logo após, como dispositivos de tradução automática, quebra de códigos secretos e demais possíveis aplicações que atendessem aos interesses daquele momento (RAJAGOPALAN, 2006). Dados os interesses do período mencionado, bem como o caráter formal das pesquisas desenvolvidas, a Linguística recebeu status de ciência, uma vez que passara a empregar métodos, regras e modelos teóricos que convergiam com noções computacionais. Graças a essa visão, “a linguística se transformara em uma ciêncianatural, não devendo nada a nenhuma outra ciência’’ (RAJAGOPALAN, 2006, p. 152), pois não interessava a língua em uso, e sim o aspecto cognitivo e a capacidade dos sujeitos de construir sentenças sintaticamente corretas. Figura 1.1 – Chomsky é um dos Maiores Representantes do Gerativismo. Fonte: Wikimedia Commons (2021). 13 Breve Histórico da Linguística Aplicada e Suas Subáreas | UNIDADE 1 Levando-se em conta a natureza dos estudos desenvolvidos no âmbito da Linguística e dos interesses que então vigoravam, que deixavam de lado questões relativas ao uso da língua, assim como a dimensão sócio-histórica, a Linguística se aproxima mais de uma ciência de caráter positivista: O desinteresse da parte dos linguistas, por assuntos relativos à política linguística e a outros tantos temas de interesse prático pode ser creditado a um princípio fundador da própria disciplina – a saber, o da neutralidade do cientista em relação a questões de ordem ética, e portanto, a fortiori, política. (RAJAGOPALAN, 2006, p. 155). Considerando a influência e a dominação que os estudos formalistas exerceram em seus primórdios, a LA, em seu período inicial, não era vista como produtora de teorias, nem como campo independente, com objetos de estudo e interesses próprios, e sim como aplicadora dos modelos propostos pelos estudos formalistas. Dito de outro modo, em seu início, a LA recebeu o caráter de aplicadora de teorias em determinados casos, de forma que sua proposta seria de aplicar em questões práticas as teorizações e os modelos desenvolvidos pelo Gerativismo. Portanto, conforme afirma Cavalcanti (1986), o percurso da LA tem início no processo de identificação de questões envolvendo o uso da linguagem não apenas no contexto escolar. Assim, a LA procura solucionar problemas relacionados à área de ensino- aprendizagem de línguas, que foi seu interesse inicial e que ainda constitui um dos maiores enfoques das pesquisas desenvolvidas neste campo (MOITA LOPES, 2009), embora, como veremos posteriormente, nas pesquisas mais atuais são adotadas posições e referenciais teórico-metodológicos distintos dos empregados no período inicial, ainda que aquela dimensão aplicacionista, de certa forma, persista em determinados países (MOITA LOPES, 2009). Portanto, de acordo com Moita Lopes (2009), foi nesse contexto dominado pelos estudos formalistas que a LA de fato nasceu. Assim, segundo Menezes, Silva e Gomes (2009, p. 26): A LA nasceu como uma disciplina voltada para os estudos sobre ensino de línguas estrangeiras e hoje se configura como uma área imensamente produtiva, responsável pela emergência de uma série de novos campos de investigação transdisciplinar, de novas formas de pesquisa e de novos olhares sobre o que é ciência. Como exemplo, podemos citar a obra de Corder (1973), intitulada Introdução à Linguística Aplicada (Introducing Applied Linguistics, no original), que exerceu grande influência nos estudos do campo da Linguística Aplicada, trazendo as considerações apresentadas pelos estudos formalistas para diversas agendas, como o ensino de línguas, descrição e técnicas da LA e que, de acordo com Moita Lopes (2009), ratificou a posição da LA de aplicadora das teorizações da Linguística formal, isto é, como o caminho de aplicação prática das teorias que vigoravam nesse período. LINGUÍSTICA APLICADA | Amanda Maria de Oliveira 14 Figura 1.2 – Obra de Corder que Influenciou os Estudos em LA Especialmente na Década de 1970. Fonte: Routledge (2021). Conforme Moita Lopes (2009), é no final da década de 1970 e especialmente nos anos 1980 que a Linguística Aplicada começa a ressignificar a sua postura de aplicadora de teorias e a se colocar como um campo independente. Se antes a Linguística se preocupava com a dimensão cognitiva do funcionamento da linguagem e com sua dimensão formal, neste momento, começam a surgir críticas sobre o esquecimento da Linguística acerca da vida prática, ou seja, sobre a inexistente relação da Linguística com o social. Rajagopalan (2006) levanta críticas acerca da impossibilidade de uma Linguística que não se preocupa com a vida real, que tem pouca relevância ou utilidade no dia a dia. O autor questiona se seria “possível – ou recomendável, no caso de a resposta a essa pergunta ser um ‘sim’ – não nos aproximar de nossos sujeitos de pesquisa, sobretudo quando nossa meta é atuar no campo da(s) própria(s) prática(s) que envolve(m) o uso da linguagem?” (RAJAGOPALAN, 2006, p. 159), a cuja pergunta responde com um sonoro “não”, pois, para ele, uma teoria que busque instruir a prática deve partir justamente do social, do contrário, não terá êxito. Ainda sobre essa questão, Moita Lopes (2006) traz os seguintes dizeres: 15 Breve Histórico da Linguística Aplicada e Suas Subáreas | UNIDADE 1 Esse equívoco aplicacionista deve-se possivelmente ao entusiasmo que a formulação de uma área de conhecimento nova, a linguística, despertou no início do século XX, e a compreensão apressada e pouco lúdica de que o seu aparato teórico poderia focalizar questões além de seu alcance [...]. Daí, então, ser possível explicar essa relação unidirecional entre teoria linguística e a prática de ensinar/aprender línguas, típica da chamada aplicação de linguística, que não contempla nem a possibilidade de a prática alterar a teoria. (MOITA LOPES, 2006, p. 18-19). Além de deixar de ser aplicadora de teorias para se dedicar à produção de teorias, e de considerar a dimensão social dos estudos, a LA passa por outra importante mudança, que consiste na segunda grande virada da LA (MOITA LOPES, 2009). Esse processo de ressignificação atravessado pela LA diz respeito ao fato de que seu interesse passa a ir além do ensino de línguas estrangeiras e da tradução que, conforme discutimos no início da unidade, foi despertado pela necessidade de comunicação em períodos de guerra. Ainda que se mantenha o interesse pelo contexto de ensino de línguas, seu escopo de estudos é ampliado, conforme discutiremos posteriormente. Assim, autores oferecem definições da Linguística Aplicada, como Menezes, Silva e Gomes (2009, p. 25), ao afirmarem, por exemplo, que parece haver um consenso de que o objeto de investigação da LA é a linguagem como prática social, seja no contexto de aprendizagem de língua materna ou de outra língua, seja em qualquer outro contexto em que surjam questões relevantes sobre o uso da linguagem. Notou-se uma expansão da LA para contextos fora do âmbito escolar e de ensino- aprendizagem que, segundo Moita Lopes (2009), ganha repercussão especialmente nos anos de 1990. Neste momento, a LA passa a dar atenção a problemas envolvendo o uso da linguagem não somente no âmbito do ensino de línguas, mas também os usos da linguagem para além da esfera escolar. Segundo o autor, essa virada se deu a partir da influência de teorias socioculturais que, em suma, começaram a evidenciar a relevância de se considerar a linguagem como instrumento de construção do conhecimento e da vida social. Em outros termos, a linguagem deixa de ser vista somente sob uma perspectiva formalista e cognitivista, para se dedicar, também, à sua dimensão sócio- histórica, já que se entendia que todo uso da linguagem é necessariamente situado. Essa perspectiva representa uma grande virada nos estudos em LA pois não somente a noção de linguagem é ressignificada, como também outros importantes conceitos entram em voga. Por exemplo, enquanto a visão de sujeito ao início da LA residia essencialmente acerca dos aspectos cognitivos e, portanto, suas particularidades eram deixadas em segundo plano, homogeneizando-o em face do interesse de prestigiar posições de hegemonia, os sujeitos, até então apagados, passam a receber atenção. Portanto, passa a interessar uma visão de sujeito considerando sua heterogeneidade, f luidez e mutações (MOITA LOPES, 2009). Na seção a seguir, discutiremos com mais profundidade as mudanças de paradigma da LA e suas subáreas. LINGUÍSTICAAPLICADA | Amanda Maria de Oliveira 16 1.2 A LA e Suas Subáreas Vimos anteriormente que o interesse inicial da LA residiu essencialmente no ensino de línguas estrangeiras, marcadamente a língua inglesa, e no estabelecimento de métodos que possibilitassem o rápido desenvolvimento da oralidade. Ainda, conforme discutimos, a LA passou por ressignificações e mudanças no seu escopo de interesse, o que promoveu sua aproximação com outras áreas de conhecimento. A seguir, iremos discutir questões mais pontuais acerca de como os estudiosos em LA caracterizam o campo atualmente, assim como conheceremos suas subáreas e principais interesses. 1.2.1 A LA Enquanto Campo Inter/Trans/ Indisciplinar e Transgressivo Para Moita Lopes (2006a; 2006b; 2009) e Mulik (2019), o processo de ressignificação da LA é marcado pela sua aproximação com outras áreas de conhecimento, o que promove a concepção de LA como interdisciplinar. Isso se dá porque, dados os processos de mudança pelos quais ela passou, além de, como dito anteriormente, as teorias até então empregadas não serem mais suficientes para dar conta de seus interesses, foi preciso estabelecer o diálogo com outras áreas do conhecimento para que fosse viável responder às novas inquietações de pesquisas com os quais a LA agora se defronta. Em outras palavras, conforme Rojo (2006), Num determinado momento de sua história, por volta de meados da década de 1980 do século passado, a importação de teorias, até então característica das práticas investigativas da LA desloca-se da “ciência mãe” – a linguística – para outras áreas das ciências humanas e sociais. (ROJO, 2006, p. 254-255). 17 Breve Histórico da Linguística Aplicada e Suas Subáreas | UNIDADE 1 Figura 1.3 – A Obra Organizada por Moita Lopes e Publicada em 2006 Apresenta Diversos Estudos Desenvolvidos no Campo da LA. Fonte: Amazon (2021). Do ponto de vista da interdisciplinaridade, a LA promove a integração de conhecimentos de outras áreas, isto é, o objeto de estudos é visitado sob distintos olhares, à luz de diferentes referenciais teóricos. No entanto, isso não significa uma reconfiguração do objeto em si, nem construção de novos espaços de conhecimento, e sim a proposição de uma interface desses conhecimentos (ROJO, 2007). No entanto, conforme explica Mulik (2019), logo a interdisciplinaridade na LA demonstrou uma dificuldade de dialogar com ideias de diferentes áreas enquanto compatíveis. Isso se deu porque, embora a interdisciplinaridade proporcionasse a integração entre diferentes disciplinas, somente essa justaposição não era mais suficiente, pois “as mudanças nas crenças e, consequentemente, no fazer dos linguistas aplicados brasileiros implicaram transformações não só nos objetos leitores para pesquisa”, ou seja, os interesses para os quais a LA se volta, “como também nos métodos e nos recortes teóricos (interdisciplinares) propostos.” (ROJO, 2006, p. 255, grifos da autora). Portanto, surgem novos objetos de pesquisa que adentram o campo da LA e, consequentemente, cresce a necessidade de diálogos com outras disciplinas, bem como a criação de novos espaços de conhecimento. LINGUÍSTICA APLICADA | Amanda Maria de Oliveira 18 Figura 1.4 – Ilustração de uma Postura Multi/Pluri/Interdisciplinar. Fonte: Adaptado por Universidade La Salle (2021) de Celani (1998, p. 116). Linguística Aplicada Filosofia Psicologia do Desenvolvimento Trad ução Lin gu íst ica An áli se d o Di sc ur so Ps ico lin gu íst ica Ps ic ol og ia C og ni tiv a Análise Crítica do Discurso Análise da Conversação Etnografia da Escola Com unicação Institucional SociolinguísticaErgonomia História Ped ago gia Etn og raf ia da Fa la Di stú rb io s d a C om un ica çã o Na ilustração a seguir, apresentada por Celani (1998), é possível notarmos como a pesquisa multi/pluri/interdisciplinar pode se desenhar considerando sua integração com diferentes áreas de conhecimento. Como pode ser observado, a Linguística Aplicada ocupa um lugar central dentre diversas áreas do conhecimento, que oferecem contribuições separadamente, isto é, sem que dialoguem entre si, portanto se colocando de forma justaposta. DESTAQUE 19 Breve Histórico da Linguística Aplicada e Suas Subáreas | UNIDADE 1 Posteriormente, Celani (1998) advoga por uma LA transdisciplinar: para a autora, em uma postura transdisciplinar, as disciplinas se integram em torno de um determinado objeto de estudos. Nessa perspectiva, é preciso mais do que a retomada de teorias de diferentes áreas de conhecimento colocadas lado a lado; na verdade, a transdisciplinaridade requer a participação ativa de pesquisadores, que possibilite a geração de novos espaços de conhecimento à luz do objeto estudado. Dessa maneira, a Linguística Aplicada parece ter vocação para uma atitude transdisciplinar. Essa preocupação com o social, com o humano, há tempos tem sido objeto de pesquisas em Linguística Aplicada e, de fato, é componente fundamental na definição da disciplina. (CELANI, 1998, p. 118). Portanto, em uma perspectiva transdisciplinar, as análises não se reduzem a contribuições de disciplinas específicas. Na verdade, possibilitam a geração de configurações teórico-metodológicas próprias, que não coincidem com as disciplinas em questão (ROJO, 2007). A figura 1.5 a seguir retrata a relação transdisciplinar em LA. Diferentemente da ilustração anterior, na qual as áreas se justapõem sem que haja atravessamentos entre elas, aqui, os conhecimentos se unem em um todo, ao mesmo tempo em que proporcionam novos espaços de aprendizagem, de produção de conhecimentos. Ainda é possível ver a inclusão de áreas que, a princípio, não se dedicam ao estudo da linguagem, como a História, a Psicologia do Desenvolvimento e Engenharia Cognitiva, dentre outras. DESTAQUE LINGUÍSTICA APLICADA | Amanda Maria de Oliveira 20 Figura 1.4 – Ilustração do Conceito de Linguística Aplicada Transdisciplinar. Fonte: Adaptado por Universidade La Salle (2021) de Celani (1998, p. 119). Outra perspectiva adotada pelos pesquisadores consiste no entendimento de uma LA transgressiva. Essa nova caracterização se dá na medida em que “ela tem transgredido as fronteiras disciplinares em termos de vincular-se a outras áreas do conhecimento para construir suas práticas e teorizações.” (MULIK, 2019, p. 79). Para Pennycook (2006), a noção de transgressão carrega consigo diferentes significados. Em um deles deles, o autor afirma que consiste na necessidade de se ter instrumentos políticos e epistemológicos que permitam transgredir limites tidos como verdades do pensamento e da política tradicionais, isto é, transgredir significa ir além, política e economicamente, dos limites do pensamento e da ação tradicionais. Em outro significado, teorias transgressivas não somente vão além dos limites pré-estabelecidos entre teorias, como também proporcionam outras formas de se pensar e de se fazer que até então não eram possibilitadas, sem que isso signifique desordem ou caos. Dessa forma, o autor sumariza a teoria transgressiva da seguinte maneira: Ling uag em Linguagem Psicologia do Desenvolvimento História Ped ago gia Filos ofia Antropologia Engenharia Cognitiva Anál ise d o Disc urso Linguística Psicolinguística Ergono mia Tradução Etnogra fia da Es cola Análise daConversação Sociolin guística Interacio nal Etnog rafia d a Fala PsicologiaCognitiva An álise Crít ica do D iscu rso Processo (aprendisagem na interação institucional) Conhecimento novo (ambiente de aprendizagem) Produto (condições estruturais) Linguagem Ling uag em Li ng uí st ic a Ap lic ad a Pesquisa: Relação social entre Interlocutores em sala de aula SITUAÇÃO 21 Breve Histórico da Linguística Aplicada e Suas Subáreas | UNIDADE 1 Podemos categorizar a teoria transgressiva nos seguintes termos: ela tem o objetivo de atravessar fronteiras e quebrar regras em uma posição reflexiva sobre o quê e porque atravessa; é pensada em movimento em vez de considerar o que veio antes do momento da posição teórica ‘pós’; articula-se para a ação na direção de mudança; é Foucault e Fanon. A LA transgressiva é LA tanto para o pensamento como para a ação transgressivos. (PENNYCOOK, 2006, p. 76). Sendo assim, é possível afirmarmos que a caracterização da LA levanta discussões entre os linguistas aplicados no que se refere ao seu caráter inter/trans/indisciplinar e transgressivo. Essa questão está diretamente relacionada com a discussão da identidade da LA. Rojo (2006) explica que, se anteriormente sua identidade era definida a partir das suas fronteiras com a linguística teórica, hoje é a sua natureza transdisciplinar e seu diálogo com outros conhecimentos que caracteriza a LA. Após os esclarecimentos acerca do caráter da LA enquanto campo com diferentes propostas, na subseção seguinte, discutiremos com mais atenção as subáreas deste campo e seus principais interesses de estudo. 1.2.2 As Subáreas da LA Neste momento, dedicamos nossa atenção para as subáreas da LA, pois é importante para o pesquisador que se situa nesse campo entender quais os principais enfoques e interesses que movimentam as discussões e pesquisas desenvolvidas atualmente. Para entendermos a relação da caracterização da LA e da definição de suas subáreas é importante trazermos as considerações de Moita Lopes (2006a) quando o autor explica que os tempos nos quais vivemos atualmente, de grande ebulição sócio- cultural-político-histórica e epistemológica, além de constantes avanços tecnológicos, afetam a forma na qual vivemos e pensamos, as concepções que temos de sujeito e as maneiras de construir conhecimento. Aqui, são levadas em conta as condições sócio- histórico-culturais do contexto considerado no estudo a ser desenvolvido. Com base nisso, podemos estabelecer os principais interesses que passam a fazer parte do escopo da LA e, por conseguinte, suas subáreas e principais propostas de estudo. Para tanto, reunimos considerações de diversos autores situados na LA, como Moita Lopes (2006a), Mulik (2019), Rajagopalan (2003), Davies (2007), Menezes, Silva e Gomes (2009). No que se refere à ampliação do escopo de contextos de atuação da LA, Moita Lopes (2006a) explica que ela passa a dar conta de esferas para além da sala de aula, como no ensino de língua materna para empresas, para clínicas de saúde e para a delegacia de mulheres. LINGUÍSTICA APLICADA | Amanda Maria de Oliveira 22 Mulik (2019), com base em Grabe (2012), levanta as principais tendências da LA para o século XXI, isto é, seus principais interesses atualmente: estudos sobre o ensino e aprendizagem de línguas e formação de professores e as questões implicadas nessa prática, como o desenvolvimento da consciência linguística, o foco nas formas, o diálogo e a interação no processo, além do enfoque acerca do papel do professor de línguas como pesquisador e “profissional reflexivo” (GRABE, 2012 apud MULIK, 2019). É importante ressaltar que esse interesse pelo papel do professor nesse processo só aparece neste momento, já que, no período de surgimento da LA, não eram desenvolvidas reflexões nesse aspecto, pois a atenção se voltava para a criação do método que fosse mais eficiente. Outro interesse da LA consiste na dimensão crítica dos estudos desenvolvidos. Segundo Grabe (2012), citado por Mulik (2019), os estudos desenvolvidos passam a se interessar pelo aspecto crítico do objeto analisado, isto é, a linguagem deixa de ser vista como algo neutro e passa a ser considerada “importante palco de intervenção política, onde se manifestam as injustiças sociais pelas quais passa a comunidade em diferentes momentos da sua história e onde são travadas constantes lutas.” (RAJAGOPALAN, 2003, p. 125). Em outras palavras, a linguagem, antes vista como forma abstraída pelos estudos de caráter formal, não pode ser estudada fora das condições sócio-histórico- culturais de uso. Ainda, a LA atual se dedica aos usos da linguagem em contextos acadêmicos e profissionais. Nestas pesquisas, a atenção se volta para o exame dos usos da linguagem em contextos acadêmicos e profissionais não somente em termos de ensino de línguas, mas também com enfoque na linguagem usada em cada contexto especificamente. Em adição, são levadas em conta as formas pelas quais a língua pode servir como mecanismo de controle, criando obstáculos às práticas comunicativas de quem a utiliza (MULIK, 2019), já que, conforme foi afirmado anteriormente, a língua passa a ser vista de forma socialmente situada. Outro tópico volta sua atenção para análises descritivas em contextos reais de uso da linguagem e as possíveis aplicações desses dados coletados, isto é, a realização de tais análises considerando as implicações sociais que os resultados podem oferecer. Ademais, a dedicação da LA em torno do ensino de línguas estrangeiras volta sua atenção para o multilinguismo e as interações bilíngues em diferentes contextos, como o escolar, o comunitário, o de ambientes profissionais e também em diferentes espaços políticos. Nesse ínterim, Grabe (2012, apud Mulik, 2019) ressalta o crescimento do bilinguismo em grande parte da população mundial e a importância das negociações nesses contextos bilíngues para combate do preconceito linguístico, acolhimento de imigrantes, adequação do contexto escolar para sujeitos falantes de outras línguas, dentre outras agendas. 23 Breve Histórico da Linguística Aplicada e Suas Subáreas | UNIDADE 1 Figura 1.6 – A LA Busca dar Conta de Contextos nos Quais Convivem Várias Línguas. Fonte: Blog Concepto Definición (2021). O interesse pela linguagem em uso possibilita à LA ainda desenvolver discussões a respeito de testes e avaliação da linguagem (GRABE, 2012 apud MULIK, 2019). Neste contexto, os autores explicam que passa a haver interesse sobre métodos e formas de avaliação da linguagem, sua validade, bem como propostas de avaliação da aprendizagem e sua natureza formativa. Por fim, o último aspecto levantado pelos autores se refere às pesquisas em Neurolinguística. Nessas pesquisas, a atenção se volta para questões envolvendo o cérebro e a aprendizagem de línguas, alfabetização e deficiências na aquisição e processamento da linguagem, de forma que demonstra a aproximação da LA com outras áreas de conhecimento. LINGUÍSTICA APLICADA | Amanda Maria de Oliveira 24 Figura 1.7 – A Neurolinguística é uma das Subáreas de Interesse da LA. Fonte: Universidade La Salle (2021). Davies (2007) ainda levanta mais algumas das subáreas que despertam o interesse do campo, como: Linguística Aplicada e alfabetização; Análise de Discurso; Língua e migração; Língua na mídia; Autonomia do aprendiz na aprendizagem de línguas; multilinguismo no ambiente de trabalho; Tradução e Interpretação e Ensino da Língua Padrão. Nesse mesmo percurso, Menezes, Silva e Gomes (2009, p. 41-42) fazem um mapeamento dos principais temas de pesquisa em LA publicadas em periódicos. As temáticas abordadas pelos trabalhos giram em torno das seguintes questões: (1) Aprendizagem de Línguas por Adultos, de forma que há pesquisas dedicadas essencialmente ao processo de aprendizagem de línguas por esses sujeitos, que se distingue de outros grupos, como as crianças; (2) Linguagem Infantil e as questões que envolvem esse tema; (3) Comunicação nas Profissões; (4) Análise Contrastiva e Análise de Erro; (5) Análise do Discurso e suas diferentes áreas; (6) Tecnologia Educacional e Aprendizagem de Língua, que dá conta do emprego de recursos multimidiáticos no ensino e aprendizagem de línguas; (7) Metodologia de Ensino de Línguas Estrangeiras e Formação de Professores, temática já abordada anteriormente; (8) Linguística Forense, o que mostra pontos de convergência entre LA e Direito; (9) Educação em Imersão, que promove reflexões em torno de diferentes ambientes de aprendizagem; (10) Tradução e Interpretação, dentre inúmeros outros interesses de pesquisaque crescem a cada dia. 25 Breve Histórico da Linguística Aplicada e Suas Subáreas | UNIDADE 1 Em resumo, podemos entender que a LA amplia seu interesse no ensino de línguas estrangeiras e passa a atuar em diferentes contextos e âmbitos que dão conta da linguagem sob diferentes teorias, pontos de vista e propósitos. Essas subáreas, no entanto, não finalizam a LA pois, como explicam Menezes, Silva e Gomes (2009), constantemente surgem novos interesses abarcados pelo campo da LA, o que amplia ainda mais a lista mencionada. Após a discussão em torno das subáreas da Linguística Aplicada e seus principais temas de interesse, passemos para o terceiro momento de nossas considerações, que irá tratar da contextualização da LA na sociedade. 1.2.3 Contextualização da LA na Sociedade Neste momento, nossa atenção se volta para a contextualização da LA na sociedade, isto é, o papel que o campo exerce atualmente. Conforme explicamos nas discussões anteriores, entendemos que a LA se preocupa com os usos sociais da linguagem. Ao mesmo tempo, conforme afirma Moita Lopes (2006a), a LA se preocupa com questões envolvendo a linguagem, sendo que a intenção não reside em lógicas solucionalistas, e sim com intuito de construir inteligibilidades para que alternativas possam ser vislumbradas em relação a esses problemas. O artigo “A Linguística Aplicada na contemporaneidade: uma narrativa de continuidades na transformação”, publicado por Angela Kleiman, Carolina Vianna e Paula De Grande na Revista Calidoscópio, aprofunda as discussões atuais da LA envolvendo os estudos relacionados ao ensino de línguas e à formação de professores. Disponível em: http://gg.gg/ujyna. SAIBA MAIS Você já parou para refletir sobre a importância da ciência para a sociedade, a relevância que os estudos científicos têm para a melhoria da vida em diversos aspectos e como os resultados de pesquisas de áreas variadas se fazem presentes no nosso dia a dia? REFLETINDO LINGUÍSTICA APLICADA | Amanda Maria de Oliveira 26 Para início de conversa, é preciso ressaltarmos o interesse da LA pelo social e pelos problemas que se mostram relevantes. De acordo com Rajagopalan (2006), enquanto a Linguística teórica deixa a dimensão social em segundo plano, ao mesmo tempo em que considera o indivíduo como autossuficiente e completo em si mesmo, a LA tem, atualmente, interesse pelas questões práticas, o que indica sua dedicação às questões envolvendo a linguagem em uso. Portanto, cabe à LA intervir em situações nas quais se mostram problemas linguísticos socialmente relevantes, e não teorizar sobre eles de forma desvinculada das possíveis aplicações práticas. Dessa forma, de acordo com Rajagopalan (2006), [...] é preciso nos conscientizar de que, para ser de alguma utilidade prática, a teoria deveria ter sido concebida levando-se em conta possíveis fins práticos. Uma teoria concebida à revelia das preocupações práticas, elaborada apenas para satisfazer a criatividade de um gênio solitário, não tem valia alguma no campo da prática. (RAJAGOPALAN, 2006, p. 159). Moita Lopes (2006b) explica que a questão de interesse dos pesquisadores nas ciências sociais consiste na reinvenção da vida social. Assim, o autor explica que o interesse de pesquisa atualmente reside em reinventar formas de produzir conhecimento, já que a pesquisa consiste em uma forma de construir a vida social, ao mesmo tempo em que busca entendê-la. Esse processo de reinvenção se direciona especialmente para a criação de inteligibilidades sobre a vida contemporânea na produção de conhecimento, e, ao mesmo tempo, oferecer oportunidades “com as vozes dos que estão à margem: os pobres, os favelados, os negros, os indígenas, homens e mulheres homoeróticos, mulheres e homens em situação de dificuldades sociais e outros [...] (MOITA LOPES, 2006b, p. 86). Inteligibilidades: O termo ressignifica a noção de LA como solucionadora de problemas. Em vez de buscar soluções definitivas, a construção de inteligibilidades significa a proposição de caminhos plausíveis e que apresentem ganhos para os sujeitos envolvidos. Na LA, é utilizado por Moita Lopes (2006a) para ressaltar o interesse do campo em construir caminhos possíveis para os problemas linguísticos socialmente relevantes. GLOSSÁRIO 27 Breve Histórico da Linguística Aplicada e Suas Subáreas | UNIDADE 1 Para que isso seja possível, é preciso, além dessa reinvenção, a adoção da concepção de uma coligação anti-hegemônica (MOITA LOPES, 2006b), que possibilite à LA ir além dessa separação entre ela e a Linguística e se interesse, de fato, pelas questões socialmente relevantes. Dessa forma, a agenda da LA amplia o interesse pela questão do ensino de línguas, discutida ao início da unidade, e dá conta de problemas envolvendo a linguagem para além do contexto escolar. Não se trata, portanto, de abordar qualquer questão envolvendo a linguagem, e sim problemas que demonstram relevância social e que, quando oferecidas outras possibilidades, há ganhos por parte dos participantes dessas práticas sociais. A partir disso, Moita Lopes (2006b) levanta as implicações de uma possibilidade de reinvenção da vida social, assim como dos modos de produzir conhecimento em uma LA contemporânea. Para o autor, isso tem como implicação uma LA que precisa ter algo a dizer sobre o mundo como se apresenta e que o faz com base nas discussões que estão atravessando outros campos das ciências sociais e das humanidades, nas quais se verifica uma mudança paradigmática em virtude da crise da ciência moderna. (MOITA LOPES, 2006b, p. 96). Nesse ínterim, retomamos as considerações de Leffa (2001) quando o autor diz que um dos principais fatores da LA consiste na capacidade da disciplina de responder às necessidades da sociedade e de construir possibilidades para os problemas que surgem, o que dialoga com as considerações de Moita Lopes (2006b). Sendo assim, ressaltando a necessidade de que qualquer ciência deve dar um retorno à sociedade, a LA oferece esse retorno a partir de dois caminhos: por meio da prestação de serviços e pela pesquisa. LINGUÍSTICA APLICADA | Amanda Maria de Oliveira 28 Figura 1.8 – As Pesquisas Desenvolvidas em LA Atualmente se Dedicam aos Problemas Linguísticos Socialmente Relevantes. Fonte: Universidade La Salle (2021). No primeiro caso, podemos ter como exemplo o fato de que a LA oferece o suporte teórico-metodológico para a produção de materiais didáticos para o ensino de língua materna e de línguas estrangeiras em diversos contextos além da sala de aula, como em empresas, para imigrantes, em clínicas, etc.; na formação inicial e contínua de professores de língua materna e línguas estrangeiras, fundamentando sua prática com enfoque no processo de ensino e de aprendizagem e nas diversas teorias vigentes; no desenvolvimento de programas mais eficientes para realização de tradução e versão de diferentes idiomas; considerações acerca do processo de aquisição de linguagem e estudos de letramento, que também fundamentam a prática do professor. Moita Lopes (2006b) ainda ressalta a LA como área de estudos que se dedica a teorias feministas, estudos queer, estudos sobre negros e estudos afro-asiáticos, apenas para mencionar algumas das possibilidades. Ainda, de acordo com Leffa (2001), a LA traz contribuições para a sociedade em termos de pesquisa, tanto pelo problema pesquisado quanto pela maneira pela qual 29 Breve Histórico da Linguística Aplicada e Suas Subáreas | UNIDADE 1 a pesquisa é conduzida. Sobre o primeiro caso, o autor explica que a LA não cria problemas para serem pesquisados, mas dá conta de problemas socialmente relevantes já existentes, isto é: Não trazemos o problema para o laboratório, limpo e desinfetado, cuidadosamente desembaraçado de todas as variáveis que possam atrapalhar ou sujar suas hipóteses. Fazemos o caminho inverso. Saímos do laboratório e vamos pesquisar o problema onde ele estiver: na sala de aula, na empresaou na rua. (LEFFA, 2001, p. 7). Essa posição de Leffa (2001) converge com a posição de Menezes, Silva e Gomes (2009) na medida em que os autores afirmam que a LA surge como uma perspectiva indutiva, ou seja, uma pesquisa que parte da observação dos usos da linguagem no mundo real. Dito de outro modo, a LA identifica o problema (e vai até ele) a partir da observação da língua em uso e a considera nessas condições, e não enquanto objeto abstraído das relações sociais e que é criado e definido pelo pesquisador. No segundo caso, a pesquisa em LA se dá a partir da convivência com os informantes, do contato com seu objeto de estudo, de forma que “a LA não trabalha com informantes: requer no mínimo participantes; em geral trabalha com colaboradores, sejam eles pesquisadores, professores ou alunos.” (LEFFA, 2001, p. 8). Em outros termos, diferentemente de outras áreas de estudo, nas quais os dados de análise são extraídos a partir da fala dos sujeitos considerados, na LA ocorre a interação com esses informantes. Dessa forma, a importância da Linguística e da LA mais especificamente está diretamente vinculada às contribuições que trazem para a sociedade, para dar conta de problemas envolvendo a linguagem e que geram algum tipo de “desconforto” para os sujeitos. Usamos o termo “desconforto” aqui para nos referirmos a situações nas quais as práticas sociais envolvendo a linguagem são afetadas de alguma maneira que a LA possa intervir e construir inteligibilidades para proporcionar mudanças em termos práticos. Assim, uma das características mais fortes da LA consiste no seu vínculo com a vida social, com o emprego da língua em diferentes situações de interação e, assim, dar o retorno à sociedade a partir dos resultados das pesquisas desenvolvidas. Portanto, enquanto área de estudo, a linguística é, sempre foi e sempre será uma atividade humana, na qual participam indivíduos com seus laços sociais, seus direitos e suas obrigações e sobretudo seus anseios e interesses que variam de acordo com o momento histórico em que se encontram. (RAJAGOPALAN, 2003, p. 44). Moita Lopes (1996) ainda explica que a natureza aplicada da LA, diferentemente de seu período inicial, no qual era considerada aplicação da Linguística teórica, consiste no fato de que o campo se centra em problemas de uso da linguagem tanto no contexto LINGUÍSTICA APLICADA | Amanda Maria de Oliveira 30 escolar, como também fora dele. Sendo assim, o autor considera a LA uma ciência social, na medida em que os problemas de uso da linguagem enfocados levam em conta os usuários da linguagem em determinadas situações. No entanto, a relevância da LA para a sociedade não se dá somente na construção de inteligibilidades para problemas envolvendo os usos sociais da linguagem. Outro aspecto que merece destaque, de acordo com Moita Lopes (1996), consiste no fato de que, além de operar com conhecimentos teóricos advindos de outras áreas do conhecimento, a LA é produtora de teorias, isto é, formula seus próprios modelos teóricos, o que permite a construção de outros conhecimentos relevantes para o próprio campo e para fora dele. Como exemplo, podemos considerar uma situação na qual pesquisadores buscam entender os problemas referentes ao ensino de produção textual em língua materna em determinada série de uma escola. Nessa situação, notou-se que os estudantes apresentavam dificuldades nas atividades de produção de textos, de maneira que o objetivo consistia em identificar os motivos de tais dificuldades. Se a proposta do estudo consiste em pesquisa de campo, os pesquisadores não irão coletar dados desconsiderando as características e particularidades da turma em questão. Na verdade, irão participar das atividades desenvolvidas em sala de aula, observar como as aulas são encaminhadas, como os estudantes se engajam (ou não) nessas atividades, se ocorre, de fato, interação entre professor e estudantes e entre estes. A partir da participação dos acontecimentos em sala de aula, juntamente com estudantes e professor, e pelo acompanhamento do desenvolvimento das atividades, os pesquisadores podem construir respostas para o problema, identificar as dificuldades e oferecer caminhos possíveis para que esse problema seja sanado. 31 Breve Histórico da Linguística Aplicada e Suas Subáreas | UNIDADE 1 Figura 1.9 – As Salas de Aula são Espaços nos Quais Estudiosos do Campo da LA Comumente Atuam. Fonte: Freepik (2021). Em resumo, podemos entender que as principais contribuições da LA estão voltadas para o âmbito educacional, especificamente no ensino de línguas estrangeiras, que, conforme ressaltamos algumas vezes, foi o principal interesse da LA e ainda consiste no maior enfoque de pesquisas realizadas em determinados países. Ainda, a LA se dedica a questões envolvendo o ensino de língua materna e, em convergência, preocupa-se com a formação inicial e continuada de professores de línguas, de maneira que propõe discussões teórico-metodológicas para fundamentar a prática em sala de aula. Finalizamos aqui as discussões de nossa primeira unidade, cujo enfoque consistiu na apresentação de um breve histórico da Linguística Aplicada e suas subáreas. Para tanto, em um primeiro momento, discutimos o processo de surgimento da LA e suas principais características. Em seguida, levantamos os marcos da LA e os processos de ressignificação até o seu estado atual. Ainda, discutimos questões relativas às suas subáreas, seus temas de interesse atualmente e suas contribuições para a sociedade e, portanto, sua relevância social. Na segunda unidade, daremos continuidade às discussões com enfoque na questão de políticas linguísticas. LINGUÍSTICA APLICADA | Amanda Maria de Oliveira 32 Síntese da Unidade Nesta unidade, abordamos questões introdutórias referentes à Linguística Aplicada, que retomamos a seguir: • A Linguística Aplicada surgiu com o interesse no ensino de línguas durante a Segunda Guerra Mundial, com enfoque na criação de métodos que fossem eficientes para as necessidades do momento; • O interesse pelo ensino de línguas continua após o fim da guerra, sendo que os métodos até então utilizados passam a ser questionados; • Paralelamente ao surgimento da LA, a Linguística se volta para os estudos de natureza formal, como o Estruturalismo e o Gerativismo e, como estes estavam em voga nas décadas de 1950 e 1960, o interesse residia no funcionamento da língua em termos de forma e de aspecto cognitivo, o que influencia a LA, e esta ganha status de aplicadora de teorias dadas previamente; • Posteriormente, a perspectiva da LA muda e passa a haver interesse pelas questões sociais envolvendo a linguagem em uso e vai além do ensino de línguas; • A LA passa a ressignificar seus limites, de forma que estabelece diálogos com outras áreas de conhecimento para que possa dar conta dos objetos de estudo que fazem parte de seu escopo de interesses; • As discussões desenvolvidas demonstram o caráter social da LA, sua preocupação com os usos da linguagem e os problemas que podem surgir nestas situações, de modo que isso ratifica sua relevância social; • Por fim, a LA demonstra seu interesse por problemas envolvendo a linguagem em uso e que sejam socialmente relevantes, podendo assim oferecer caminhos para lidar com essas questões. Ainda: seu escopo de interesse se amplia constantemente graças às constantes mudanças que podem ser observadas na sociedade. 33 Breve Histórico da Linguística Aplicada e Suas Subáreas | UNIDADE 1 Bibliografia BARBOSA, C. S. et al. Linguística Aplicada [livro eletrônico]. Curitiba: InterSaberes, 2013. - Série Por Dentro da Língua Portuguesa. CELANI, M. A. A. Transdisciplinaridade na Linguística Aplicada no Brasil. In: SIGNORINI, I.; CAVALCANTI, M. C. (Orgs.). Lingüística Aplicada e Transdisciplinaridade: questões e perspectivas. Campinas, SP: Mercado de Letras, 1998, p. 115-126. CHOMSKY, N. Estruturas sintáticas. São Paulo: Editora Vozes, 2015 [1957].CORDER, P. Introducing Applied Linguistics. Baltimore: Penguin, 1973. DAVIES. A. An Introduction to Applied Linguistics: From Practice to Theory. Edinburgh Textbooks in Applied Linguistics. Edinburgh University Press. 2007. KENEDY, E. Curso básico de linguística gerativa. São Paulo: Contexto, 2013. LEFFA, V. 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