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RECUPERAÇÃO JUDICIAL: O QUE É E QUAIS AS FASES DESSE PROCESSO? Tiago Fachini (8 de março de 2022). Disponível em: <https://www.projuris.com.br/blog/recuperacao-judicial/> A recuperação judicial é um procedimento que permite a empresas – de todos os tamanhos – renegociar dívidas e suspender prazos de pagamento. Por meio dela, as companhias podem discutir junto aos credores uma saída para eventuais crises econômico-financeiras. Apenas ao longo de 2021, mais de 3,6 mil pedidos de recuperação judicial foram concedidos no Brasil, de acordo com a consultoria Serasa Experian. O número reforça a importância de conhecer as particularidades jurídicas do processo de recuperação. Além disso, no final de 2020, foi promulgada uma nova legislação, que promove uma série de alterações nos dispositivos que regulavam a recuperação judicial no país. As mudanças afetam direitos e deveres, tanto de devedores quanto de credores. O que é recuperação judicial? A recuperação judicial é um processo por meio do qual uma empresa devedora admite dificuldades financeiras ou crise econômico-financeira e estabelece um plano para superar essa adversidade. O principal objetivo da recuperação é evitar a falência. Serve ainda para a conservação dos postos de trabalho, bem como, para manter a arrecadação estatal por meio do recolhimento de impostos. E, mais do que isso, a recuperação judicial pode contribuir para a manutenção das atividades econômicas da empresa e de sua função social. A recuperação por vias judiciais foi regulamentada pela primeira vez em fevereiro de 2005, por meio da Lei 11.101/05. Posteriormente, em dezembro de 2020, esse ordenamento jurídico foi atualizado, por meio da nova Lei de Recuperação e Falência, a Lei 14.112/20. De modo geral, a recuperação judicial envolve alguns entes, como a empresa, o grupo de sócios e acionistas, o grupo de credores e um administrador judicial. O sucesso desse instrumento do Direito Empresarial depende da aceitação das condições pelos credores e, sobretudo, do cumprimento do plano de recuperação por parte da empresa. Durante o processo de recuperação, como explicaremos aqui, a companhia fica submetida a regras especiais. Ademais, a recuperação também pode se dar às margens do âmbito judicial. Essa modalidade é a chamada de recuperação extrajudicial, conforme veremos ao longo deste artigo. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11101.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/lei/L14112.htm https://www.projuris.com.br/direito-empresarial/ Quem pode pedir a recuperação judicial A priori, pessoas físicas – detentoras de registro no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ) – podem entrar com pedido de recuperação judicial. Para isso, é preciso que elas tenham registro de atividade há pelo menos dois anos. Mas, há algumas exceções, mesmo para as pessoas jurídicas. Sociedades de economia mista, instituições financeiras, empresas públicas, ONGs e cooperativas são exemplos de empresas que não estão autorizadas a pedir recuperação judicial. Além do mais, a recuperação não precisa necessariamente ser solicitada pelo devedor. De acordo com a lei, é possível que o cônjuge sobrevivente, herdeiros do devedor, inventariantes ou sócios remanescentes acionem o instrumento. No caso de pessoas físicas, há apenas uma circunstância em que a recuperação judicial é aplicável: quando a pessoa atua como produtor rural. Essa determinação é recente, tendo sido incluída pela Lei 14.112/20. Além disso, cabe consultar sempre o Art. 48 da Lei 11.101/05, que especifica todos os requisitos para que a pessoa esteja apta a iniciar a recuperação judicial. Dentre eles, destacamos: • não ter tido a falência decretada, ou em caso de falência anterior, que a sentença tenha transitada em julgado, extinguindo as responsabilidades daí decorrentes; • não ter obtido concessão de recuperação judicial há menos de cinco anos; • não ter sido anteriormente condenado pelos crimes previstos na Lei de Recuperação e Falências, seja como sócio controlador, seja como administrador. Recuperação judicial ou recuperação extrajudicial: qual a diferença? A principal diferença entre recuperação judicial e extrajudicial, como a própria denominação sugere, é a participação do poder judiciário. Na recuperação judicial, a empresa devedora aciona diretamente o Juízo de Falência e Recuperação Judicial. Ao juízo, a empresa apresentará uma proposta de recuperação que não foi acordada previamente com os credores. Já na recuperação extrajudicial, o devedor discute, negocia e aprova junto aos credores uma proposta ou plano de recuperação. Apenas posteriormente ao acordo entre devedores e credores é que ocorre a apresentação ao judiciário. Contudo, importa destacar que mesmo a recuperação extrajudicial só terá validade jurídica e efeitos legais se homologada pelo juízo. As fases do processo de recuperação judicial O trâmite judicial para o pedido de recuperação segue algumas fases pré- determinadas por lei. De modo geral, o procedimento envolve a empresa devedora, seus credores e o poder judiciário. Abaixo, especifica-se o passo a passo que culmina na aprovação do plano de recuperação judicial. 1 – Pedido de recuperação O primeiro passo para iniciar a recuperação é peticionar ao juízo competente, apresentando na petição inicial a situação patrimonial e as condições de crise que justificam a solicitação. Para fundamentar o pedido, você deve anexar balanços patrimoniais, demonstração de resultados, demonstrativos de fluxo de caixa, extratos de contas bancárias e aplicações financeiras e outros documentos financeiros. Alvarás, vistorias, certidões dos imóveis e patrimônios também podem ser anexados. E, não menos importante, o peticionamento deve conter também uma listagem das partes que serão potencialmente afetadas pelo pedido de recuperação judicial: colaboradores e credores da empresa. Todos os itens essenciais à petição inicial de recuperação judicial estão dispostos no Art. 51 da Lei 11.101/05. Ainda, é essencial que o pedido de recuperação seja feito em tempo hábil. Quando a situação econômico-financeira da empresa está demasiadamente deteriorada, o juízo pode entender que não há possibilidade de recuperação, o que leva a decretação de falência. 2 – Suspensão das cobranças Uma vez encaminhado o pedido de recuperação judicial, deve-se aguardar o deferimento ou não da solicitação. Se o magistrado determinar o processamento do pedido, tem-se que este foi aceito de forma preliminar. A partir dessa data, são suspensas todas as execuções e prescrições em face do devedor, pelo prazo de 180 dias. Além da suspensão de prazos, o juiz também pode ordenar a comunicação sobre a recuperação judicial à Fazenda Pública Federal e aos órgãos estaduais dos estados em que a empresa tem atuação. Por outro lado, caso o juiz indefira o pedido de recuperação, tem-se então a falência decretada. https://www.projuris.com.br/peticao-inicial/ http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11101.htm 3 – Definição do administrador judicial Deferido o pedido de recuperação, o magistrado procederá à nomeação de um administrador judicial. De modo geral, o administrador judicial é um profissional especializado, frequentemente advogado. Ele deve ter perfil idôneo e imparcial, para fazer a correta condução de todo o processo de recuperação. Entre as funções do administrador está contatar os credores e responder às dúvidas dos mesmos, informar datas relacionadas ao processo, solicitar assembleias, acionar a justiça e fazer a seleção e contratação de empresas e profissionais necessários à conclusão da recuperação. 4 – Criação do plano de recuperação A partir do momento em que o juiz deferiu o pedido de recuperação judicial, a empresa devedoratem o prazo de 60 dias para apresentar a formalização de um plano para reorganização financeira e pagamento de credores. O plano de recuperação, portanto, precisa estabelecer como as obrigações financeiras e fiscais da empresa serão cumpridas. Deve, ainda, pormenorizar como se dará a relação com credores e colaboradores. Dentre as providências que podem ser previstas na recuperação judicial estão o parcelamento de dívidas, a negociação com sindicatos, mudanças estruturais na empresa para entrada de novos sócios, a contratação de empréstimos especiais, entre outras medidas. Caso o plano não seja apresentado no prazo de 60 dias, o juiz poderá proceder a decretação de falência da empresa. 5 – Aprovação do plano de recuperação A apresentação do plano de recuperação ao juiz não significa que a proposta já pode ser colocada em prática. É preciso, primeiro, que os credores não apresentem objeção a ela. Possíveis objeções e contestações por parte dos credores devem ser manifestadas no prazo de 30 dias, de acordo com o Art. 55 da Lei 11.101/05. Havendo qualquer objeção caberá ao juiz convocar uma Assembleia Geral de Credores. A convocação pode ser feita por meio de editais publicados em jornais de grande circulação que abranjam a área de atuação da empresa. Essa publicação precisa, necessariamente, ser realizada com pelo menos 15 dias de antecedência da data do evento. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11101.htm Ainda em matéria de prazos, conforme o parágrafo primeiro do artigo 56 da mesma lei, a data da assembleia não pode exceder os 150 dias após o deferimento do processamento do pedido de recuperação pelo juízo. Durante a assembleia, de acordo com o Art. 35, os credores possuem três opções: a aprovação, a rejeição ou a modificação do plano de recuperação. Modificações no plano serão consideradas apenas se o devedor as aceitar no momento da assembleia. Essas alterações, para que sejam válidas, não podem de forma alguma resultar na perda ou diminuição de direitos dos credores ausentes. Se o resultado da votação for a rejeição, de acordo com a nova redação dada pela Lei 14.112/20, o administrador judicial poderá abrir votação para que os credores apresentem um plano próprio de recuperação, no prazo de até 30 dias. Para que a hipótese de apresentação de novo plano em 30 dias seja aceita, precisará ser aprovada por credores que representem mais de 50% dos créditos presentes na assembleia. E, por fim, se aprovado o plano, deverá a assembleia definir um comitê de credores, com membros titulares e substitutos. 6 – Execução do plano de decretação de falência Uma vez aprovado o plano de recuperação, é hora de executá-lo. O acompanhamento dessa execução e a apresentação de relatórios mensais ao juiz são tarefas do administrador judicial. Mais uma vez, se o plano de recuperação apresentado pelos próprios credores não for aprovado, é possível ao juízo decretar a falência da empresa. O mesmo poderá ocorrer se o plano de recuperação aprovado não for cumprido em sua integralidade. Credores: quais os direitos previstos em lei? Os credores são parte fundamental em todo o processo de recuperação judicial, uma vez que qualquer plano de recuperação passará por aprovação deles. Há diferentes classes de credores, de acordo com a relação que eles mantêm com o devedor. Essas classes estão representadas também no Comitê de Credores. De acordo com o Art. 26 da Lei 11.101/05 as classes são: • classe de credores trabalhistas: aqueles que têm vínculo • classe de credores com direitos reais de garantia ou privilégios especiais; • classe de credores quirografários e com privilégios gerais; • classe de credores representantes de microempresas e empresas de pequeno porte (incluída pela Lei 14.112/20) https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2020/Lei/L14112.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/lei/L14112.htm Independente da classe, todos os credores precisam aprovar o plano de recuperação para que este se torne válido. Contudo, a divisão de classes se manifesta com mais ênfase no momento do pagamento. Isso porque a classificação de créditos segue uma ordem de prioridade por classe, determinada no Art. 83 da Lei de Recuperação Judicial. Assim sendo, os credores receberão de acordo com a seguinte ordem: • Créditos trabalhistas até 150 salários mínimos ou de acidentes de trabalho; • Créditos garantidos por direitos reais; • Créditos tributários, exceto os créditos extraconcursais e as multas tributárias; • Créditos quirografários; • Demais créditos. Além disso, o Art. 54 estabelece que os créditos trabalhistas ou decorrentes de trabalho não podem ser pagos em prazo superior a um ano. Enquanto créditos salariais vencidos nos três meses anteriores ao pedido de recuperação, no limite de 5 salários mínimos, deverão ser pagos no prazo de até 30 dias. Os demais prazos de pagamento costumam ser estabelecidos no próprio plano de recuperação judicial. A Lei 14.112 de 2020, ou Nova Lei de Falências, provocou uma série de alterações nos procedimentos de recuperação judicial no Brasil. Por meio desse ordenamento, são revogados alguns artigos da Lei 11.101/05, enquanto novas determinações são incluídas. A seguir, lista com as principais mudanças instituídas com o advento da nova lei. • Inclusão dos produtores rurais: agora, produtores rurais e pessoas físicas que exerçam atividades rurais podem solicitar recuperação judicial, antes restrita apenas a pessoas jurídicas. • Proibição da retenção ou penhora de bens durante a recuperação judicial: tal medida facilita a obtenção de empréstimos pelas empresas devedoras, que poderão utilizar seus bens como garantia na obtenção de crédito. • Mediação e conciliação: a nova Lei de Falências acaba incentivando esses métodos de resolução consensual do conflito em qualquer momento e grau de jurisdição; • Plano de recuperação criado pelos credores: caso o plano apresentado pela empresa seja rejeitado, os credores podem apresentar uma proposta própria. A nova Lei ainda limita a distribuição de lucros durante o processo de recuperação. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2020/Lei/L14112.htm https://www.projuris.com.br/blog/nova-lei-de-falencia/ http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2005/Lei/L11101.htm