Prévia do material em texto
Filosofia Scyla Pinto Costa Pimenta Carmen Verusca Oliveira Santos Pereira Presidente Prudente Unoeste - Universidade do Oeste Paulista 2016 Pimenta, Scyla Pinto Costa. Filosofia. / Scyla Pinto Costa Pimenta, Carmem Verusca Oliveira Santos Pereira. - Presidente Prudente: Unoeste - Universidade do Oeste Paulista, 2016. 142 p.: il. Bibliografia. ISBN: 978-85-88755-09-3 1. Filosofia. 2. Organização. 3. Verdade. I. Pereira, Carmem Verusca Oliveira Santos. II. Título. CDD\22ª.ed 100 © Copyright 2016 Unoeste - Todos os direitos reservados Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida ou transmitida de qualquer modo ou por qualquer outro meio, eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia, gravação ou qualquer outro tipo de sistema de armazenamento e transmissão de informação, sem prévia autorização, por escrito, da Universidade do Oeste Paulista. Filosofia Scyla Pinto Costa Pimenta Carmem Verusca Oliveira Santos Pereira Reitora: Ana Cristina de Oliveira Lima Vice-Reitor: Brunno de Oliveira Lima Aneas Pró-Reitor Acadêmico: José Eduardo Creste Pró-Reitor Administrativo: Guilherme de Oliveira Lima Carapeba Pró-Reitor de Pesquisa, Pós-Graduação e Extensão: Adilson Eduardo Guelfi Diretor Geral: Augusto Cesar de Oliveira Lima Núcleo de Educação a Distância: Dayene Miralha de Carvalho Sano, Marcelo Vinícius Creres Rosa, Maria Eliza Nigro Jorge, Mário Augusto Pazoti e Sonia Sanae Sato Coordenação Tecnológica e de Produção: Mário Augusto Pazoti Projeto Gráfico: Luciana da Mata Crema Diagramação: Aline Miyamura Takehana e Luciana da Mata Crema Ilustração e Arte: Antônio Sérgio Alves de Oliveira, Fernanda Sutkus de Oliveira Mello e Luciana da Mata Crema Revisão: Renata Rodrigues dos Santos Colaboração: Vanessa Nogueira Bocal Direitos exclusivos cedidos à Associação Prudentina de Educação e Cultura (APEC), mantenerora da Universidade do Oeste Paulista Rua José Bongiovani, 700 - Cidade Universitária CEP: 19050-920 - Presidente Prudente - SP (18) 3229-3260 | www.eadunoeste.com.br P644f Catalogação na fonte: Rede de Bibliotecas Unoeste Scyla Pinto Costa Pimenta Mestre em Ciências Sociais pela Universidade Federal da Bahia (2008). Possui licen- ciatura em Filosofia pela Universidade Católica do Salvador (1996) e bacharelado em Sociologia pela Universidade Federal da Bahia (2002), onde foi bolsista do CNPQ/PIBIC, pelo ECSAS (Núcleo de Estudos em Ciências Sociais e Saúde). Atua como professora temporária da Universidade Federal do Vale do Rio São Francisco (UNIVASF). Carmen Verusca Oliveira Santos Pereira Bacharel em Filosofia pela Universidade Católica do Salvador (1998), especialista em Gestão Governamental pela Universidade do Estado da Bahia (2005). Atualmente, presta consultoria ao Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), nos estados da Bahia e Sergipe, na área de promoção comercial, organização de feiras, eventos nacio- nais e internacionais. Sobre as autoras Carta ao aluno O ensino passa por diversas e constantes transformações. São mudanças importantes e necessárias frente aos avanços da sociedade na qual está inserido. A Educação a Distância (EAD) é uma das alternativas de estudo, que ganha cada vez mais espaço, por comprovadamente garantir bons referenciais de qualidade na formação pro- fissional. Nesse processo, o aluno também é agente, pois organiza o seu tempo confor- me suas atividades e disponibilidade. Maior universidade do oeste paulista, a Unoeste forma milhares de profissio- nais todos os anos, nas várias áreas do conhecimento. São 40 anos de história, sendo responsável pelo amadurecimento e crescimento de diferentes gerações. É com esse mesmo compromisso e seriedade que a instituição iniciou seus trabalhos na EAD em 2000, primeiramente com a oferta de cursos de extensão. Hoje, a estrutura do Nead (Núcleo de Educação a Distância) disponibiliza totais condições para você obter os co- nhecimentos na sua área de interesse. Toda a infraestrutura, corpo docente titulado e materiais disponibilizados nessa modalidade favorecem a formação em plenitude. E o mercado precisa e busca sempre profissionais capacitados e que estejam antenados às novas tecnologias. Agradecemos a confiança e escolha pela Unoeste e estamos certos de que suas expectativas serão atendidas, pois você está em uma universidade reconhecida pelo MEC, que oportuniza o desenvolvimento constante de Ensino, Pesquisa e Extensão. Aqui, além de graduação, existe pós-graduação lato e stricto sensu, com mestrados e doutorado recomendados pela Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), prêmios conquistados em âmbito nacional por suas ações extensivas e pesquisas que colaboram com o desenvolvimento da cidade, região, estado e país; en- fim, são inúmeros os referenciais de qualidade. Com o fortalecimento da EAD, a Unoeste reforça ainda mais a sua missão que é “desenvolver a educação num ambiente inovador e crítico-reflexivo, pelo exercício das atividades de Ensino, Pesquisa e Extensão nas diversas áreas do conhecimento cien- tífico, humanístico e tecnológico, contribuindo para a formação de profissionais cidadãos comprometidos com a responsabilidade social e ambiental”. Seja bem-vindo e tenha bons estudos! Reitoria Sumário Capítulo 1 A FilosoFiA e umA NovA leiturA do muNdo Um Novo Olhar sobre o Mundo .....................................................................................12 Filosofia – Atitude e Reflexão ........................................................................................22 O Nascimento da Filosofia .............................................................................................26 Um Rápido Olhar sobre os Clássicos ..............................................................................30 Os Sofistas ..............................................................................................................30 Os Três Filósofos Clássicos – Sócrates, Platão e Aristóteles .........................................31 Capítulo 2 o ser HumANo, um ANimAl que PeNsA e ArgumeNtA O Ser Humano – Uma Análise Antropológica ..................................................................43 O Ser Humano Também é um Ser Cultural .....................................................................45 As Influências da Cultura ..........................................................................................48 A Linguagem como Fundamentadora do Ser Pensante ....................................................52 A Linguagem Humana ..............................................................................................54 A Argumentação Filosófica ............................................................................................55 A Democracia na Grécia Antiga e a Argumentação .....................................................58 Capítulo 3 CoNHeCimeNto e suAs diFereNtes FormAs de ComPreeNsão dA reAlidAde O que Significa Conhecer? ............................................................................................66 Diferentes Formas de Conhecimento .........................................................................69 A História do Pensamento Moderno ...........................................................................72 A Palavra .....................................................................................................................81 Trabalho como Atividade Humana .................................................................................84 Conceito e Perspectivas das Organizações .................................................................84 As Modernas Organizações e a Comunicação .............................................................86 Capítulo 4 As orgANizAções moderNAs - ANálise FilosóFiCA Alguns Conceitos de Administração – A Escola Clássica ...................................................95 A Administração e as Novas Estruturas de Emprego .................................................102 Discussão dos Múltiplos Usos da Ética – Na Profissão, nas Organizações e na Sociedade . 104 Capítulo 5 A vAlidAção dAs Asserções ou o ProblemA dA verdAde Questões sobre a Verdade .......................................................................................... 114 Conceituando o nosso Conhecimento sobre a Verdade .................................................. 115 A Verdade – Pensando junto com Sócrates .................................................................. 116 As Possibilidades do Conhecimento da Verdade ............................................................ 120 Husserl – O Conhecimento do Mundo como Relação ................................................. 122 Concepções de Verdade .............................................................................................. 123 Do Dogmatismo à Atitude Crítica ................................................................................. 126 Referências................................................................................................................ 134 Estudos Complementares ........................................................................................... 140 9 Amor ao saber – a palavra filosofia tem origem grega e é composta de duas ou- tras: philo, que deriva de philia e significa amor fraterno, amizade, respeito entre os iguais; sophia significa sabedoria e vem dela a palavra sopho, sábio. Apresentação Normalmente, a Filosofia é vista como algo distante da vida das pessoas comuns, interessando apenas aos intelectuais. A partir desse entendimento, há quem questione: para que serve a Filosofia? Esse conhecimento tem função prática na vida das pessoas? Por que estudar a disciplina de Filosofia no curso de Administração? Essas são algumas das respostas que alcançaremos ao final da nossa jornada! De imediato, devemos compreender que a Filosofia nos convida ao saber, ao bem usar dos argumentos e dos conceitos comuns em nossa vida prática e que exatamen- te por isso são pouco refletidos por nós. A Filosofia não pretende ser prática, entretanto aparece como ferramenta que pode ser utilizada para ajudar a resolver vários problemas cotidianos e organizacionais. O objetivo deste livro não é fazer uma história da Filosofia, e sim, por meio de um passeio pelos temas filosóficos, aprender caminhos para pensar a organização moderna a partir do conhecimento milenar da Filosofia e dissolver o entendimento equivocado sobre esta disciplina, que é uma procura amorosa da verdade, um amor ao saber. Este livro contém cinco capítulos, assim distribuídos: No primeiro capítulo, intitulado “A filosofia e uma nova leitura do mundo”, será realizada a apresentação da disciplina ao pensar filosófico, mostrando também seu conceito e os principais elementos constitutivos. As questões filosóficas que nos acompanharão nesse primeiro momento serão: o que é a Filosofia e qual a atitude do filosofar. O segundo capítulo, “O ser humano, um animal que pensa e argumenta”, cen- traliza uma discussão que tem um pouco de aspecto antropológico, pois está focada no ser humano. Quem é esse ser que questiona o mundo e a si mesmo? Discutiremos como a linguagem e a cultura se tornaram importantes para a diferenciação do animal humano no mundo. Já o capítulo 3, “Conhecimento e suas diferentes formas de compreensão da realidade”, coloca a discussão em torno das dimensões da linguagem, direcionada para a realização do trabalho e das organizações modernas. 10 O capítulo 4, “As organizações modernas – análise filosófica”, traz uma discussão sobre as organizações. O capítulo 5, “A validação das asserções ou o problema da verdade”, trata da verdade como um valor e um ponto chave para o conhecimento. A discussão será sobre a diferença entre ignorância, incerteza e insegurança, como elementos diferenciados na busca do conhecimento verdadeiro e também serão apresentadas algumas teorias sobre a verdade. Convidamos você a embarcar conosco nessa aventura rumo ao conhecimento filosófico, que a cada porto nos abrirá novos horizontes! Bons estudos! 11 A FilosoFiA e umA NovA leiturA do muNdo Capítulo 1 12 Enquanto nos arrumamos para nossa viagem, iremos também tratar de um tema que constitui a base do pensamento filosófico: a habilidade de pensar e argumen- tar – uma ocupação da Filosofia. Ao fim do capítulo, você será capaz de: • identificar a origem e as características do pensamento filosófico; • interpretar a atitude filosófica como reflexão radical, totalizante e neces- sária acerca da realidade. O homem pode ser, ou treinado, disciplinado, instruído mecanicamente, ou ser em verdade ilustrado. Treinam-se os cães e os cavalos; e também os homens podem ser treinados. Entretanto, não é suficiente treinar as crianças; urge que aprendam a pensar (KANT, 2004, p. 27). Introdução Um Novo Olhar sobre o Mundo Quem faz Filosofia é filósofo. Mas o que você imagina quando ouve falar do filósofo? É comum a imagem de um homem distraído, muitas vezes deselegantemente, sem atenção às coisas cotidianas e que anda pela rua abordando transeuntes com per- guntas pouco práticas. Essa imagem do filósofo pode ser atribuída à história de dois de seus primeiros representantes: Tales de Mileto e Sócrates. O primeiro, Tales de Mileto, viveu no século VI a.C., seu interesse era o estudo das estrelas. Conta a lenda que um dia, olhando para o céu, tropeçou e caiu em uma vala. Como poderia ele conhecer o céu, se nem via o que estava a sua frente, per- guntou o serviçal que o acompanhava. Já o filósofo ateniense Sócrates, mais conhecido pela sua famosa frase “Só sei que nada sei!”, é descrito como um homem nada bonito, que andava amarrotado e despreocupado com as modas locais. Passeava vagarosamente pelas ruas da cidade abordando as pessoas e juntando jovens sedentos de saber. Sócrates buscava entender Tales – filósofo pré-socrático, nascido em Mileto, considerado um dos primeiros cientistas da história ocidental porque tentava compreender o mundo sem invocar os deuses. Entre seus feitos previu um eclipse solar, sabia medir a altura de grandes monumentos, como uma pirâmide, pelo comprimento da sobra e a altura do sol no horizonte. Também foi o primeiro a elaborar teoremas matemáticos. 13 sobre o homem, sobre o que ele era e o que poderia tornar-se. Questionava suas cren- ças. Questionava sobre a verdade, a mentira, o tempo, a razão, o belo e tantas outras palavras abstratas, perguntando “o que é isso?”. Saiba Mais FIGURA 1 – Pitágoras representado na Escola de Atenas, de Rafael Sanzio, a qual reúne sábios de diferentes épocas como se fossem colegas de uma mesma academia. Lembra-se de Pitágoras? Aquele do teorema que leva seu nome, bastante estudado na Ma- temática? Lembra sim, o teorema que diz que em um triângulo retângulo, a soma do qua- drado dos catetos é igual ao quadrado da hi- potenusa. Pois bem, Pitágoras de Samos (séc. VI a.C.) foi o primeiro filósofo a usar a palavra Filosofia como procura amorosa da verdade (philos-sophia), quando afirmou que a sabe- doria plena e completa pertence apenas aos deuses, mas que os homens podem desejá-la ou amá-la, tornando-se amantes do saber. Fonte: Wikimedia Commons (2012). Sócrates – foi o primeiro dos três filósofos clássicos do pensamento ocidental (os outros foram Platão e Aristóteles). Conduziu a transição do pensamento do perí- odo cosmológico (reflexão sobre o universo) para o antropológico (preocupação com a ética e a existência humana). O seu lema era “Conhece-te a ti mesmo”. De que maneira essa imagem do filósofo pode nos ajudar em nosso curso? De imediato, ela nos conduz a duas observações: A primeira é que ela distorce a imagem da Filosofia, já que se imagina o filó- sofo como aquele que se retém ao mundo contemplativo. O seu saber, decorrente dessa sua contemplação, é um saber distante e nada prático, ou seja, não serve para nada. A segunda é que a própria atitude do filósofo, que contempla e questionaas questões abstratas, modifica essa primeira impressão, pois são essas reflexões sobre as palavras abstratas que permitem o progresso científico. 14 Ora, tais ideias, como a de verdade, do pensamento racional, do co- nhecimento obtido por meio de métodos racionais, assim como a ideia de que há crescimento do saber graças ao acúmulo progressivo de conhecimentos, não são ideias científicas, e, sim filosóficas. Em outras palavras, os fundamentos teóricos das ciências não são científicos, mas filosóficos, e, sem a Filosofia, as ciências não seriam possíveis. Atenção A importância da Filosofia não para por aí! Ela também reflete sobre as paixões, os ví- cios, a liberdade, a vontade, os desejos, a honestidade, a justiça e as condutas morais ou éticas. A Filosofia também pode ser uma orientação para a virtude que é o princípio do bem viver! Essas questões são importantíssimas para a gestão em organizações, vamos observá-las mais de perto no Capítulo 3. Vamos retornar a nossa análise do filósofo como aquele que contempla a realidade e a critica. Será, então, que podemos dizer que a Filosofia nos convida a fazer uma nova leitura do mundo? Vamos investigar! Para entender melhor essa afirmação vamos pensar nas nossas relações co- tidianas simples, os cheiros que reconhecemos, o movimento de sentar em uma cadeira ou abrir uma porta, a resposta ao cumprimento de um amigo ou de alguém desconhe- cido. Aprendemos ao decorrer de nossas vidas a atribuir significados a algumas ações, cheiros, ruídos e responder adequadamente a elas. Se um cachorro vem para perto de nós balançando o rabinho, lemos o signi- ficado desse ato como uma demonstração de felicidade ou demonstração do seu afeto. Se, em outra situação, ele late e mostra os dentes, damos o significado de raiva e nervo- sismo. Já o ganido ou uivo do cão são interpretados como dor, lamento ou fome. Ler, interpretar ou significar o mundo são sinônimos e são os nossos sentidos (olfato, visão, paladar, audição, tato e a cinestesia) que nos orientam nessa atividade. Cinestesia – capacidade que temos de sentir e compreender o espaço em nossa volta por meio dos nossos movimentos e não pela visão. Ninguém duvida que a ciência é um conhecimento verdadeiro, conseguido por meio do rigor e método, que busca agir sobre a realidade. O que quase ninguém ob- serva é que o progresso científico, que permite esse conhecimento verdadeiro, tem como base questões que se fundamentam em um solo filosófico. É a Filosofia que pergunta o que é verdade, o que é certo, o que é vida ou viver! Assim, é ela que dá as bases para a análise científica, como bem observa a filósofa Marilena Chaui (2010, p.11): 15 QUADRO 1 – Diferenças no cotidiano do campo e da cidade Leite Vida Urbana Vida Rural O leite chega embalado, pasteurizado e pronto para o consumo. O leite precisa ser retirado, tem bastan- te nata e precisa ser fervido para não estragar. É associado ao consumo e à industrialização. É associado ao trabalho de ordenha da vaca, à relação de amamentação do bezerro. Fonte: Acervo NEAD/Unoeste (2012). Nesse primeiro exemplo, podemos ver como o local onde se vive em um mesmo país pode orientar as vivências cotidianas e suas significações. Na zona urbana, o leite embalado simboliza a praticidade que o corre-corre desses ambientes nos conduz. É possível que uma criança urbana nem perceba a relação do leite que bebe com a relação de aleitamento entre a vaca e o bezerro, o que é improvável para uma criança da zona rural que comumente acompanha a ordenha. No segundo exemplo, vamos observar a bicicleta. No Brasil, a bicicleta é normalmente pensada como meio de recreação ou de esportes. Quando pequenos an- siamos por conseguir nos equilibrar sobre as suas duas rodas e poder passear, mas não a usamos, ou apenas ocasionalmente, como um meio de transporte. Observando a Figura 2, veremos o exemplo da cidade de Barcelona, na Es- panha. Lá, e também em outros lugares do mundo, a bicicleta não apenas é um meio de transporte utilizado por grande parte da população, ela é um meio de transporte público. Os cidadãos pagam uma taxa anual e podem utilizar as bicicletas para se locomover pela cidade. Além dos sentidos, a nossa leitura do mundo é feita a partir das experiências cotidianas, essas vivências dependem de vários condicionantes: a nossa idade, o lugar onde moramos, o nosso sexo e a nossa identidade sexual, o país e a época em que vi- vemos, também a nossa classe social e os grupos culturais dos quais fazemos parte. As nossas leituras são orientadas pelas nossas histórias de vida! Vamos observar dois exemplos com objetos presentes em nossa vida cotidiana. 16 A vivência que eles têm do espaço público, da dinâmica do trânsito, do respeito ao ciclista é construído baseado nessa relação do seu dia a dia com a bicicleta como meio de transporte. As pessoas vão ao trabalho de terno e gravata, de saltos e vestidos em suas bicicletas ou nas bicicletas públicas, deixando seus carros na garagem para os fins de semana e dias de passeio. Nessas cidades seria impossível imaginar um motorista jogando seu carro contra vários ciclistas como ocorreu aqui no Brasil. Grupo de ciclistas é atropelado em Porto Alegre A Delegacia de Delitos de Trânsito de Porto Alegre investiga o atropelamento de um gru- po de ciclistas ocorrido na noite de sexta-feira. Nove pessoas foram levadas ao Hospital de Pronto Socorro. Todas foram liberadas sem ferimentos graves, segundo o hospital. O atropelamento ocorreu por volta das 19h30 na esquina das ruas José do Patrocínio e Luiz Afonso, no bairro Cidade Baixa. O motorista fugiu do local. Inconformados, os ciclistas chegaram a fechar a avenida. Mais de 100 ciclistas participavam do evento pro- movido pelo movimento Massa Crítica quando um carro entrou no meio do comboio derrubando dezenas de participantes. Para o grupo, que publicou em seu blog vídeos com depoimento dos ciclistas e imagens das bicicletas destruídas, o atropelamento foi considerado um crime e não um acidente. [...]. Segundo a delegada Laura Rodrigues Lopes, a Brigada Militar localizou um automóvel Golf de cor preta abandonado cuja placa é a mesma identificada por testemunhas do atro- pelamento. De acordo com ela, as circunstâncias do atropelamento precisam ser investi- gadas. “O primeiro passo é apurar a autoria, mas antes de colher todos os depoimentos não dá para dizer o que provocou o atropelamento”, disse. Fonte: G1 (2011). FIGURA 2 – Ponto de bicicleta em Barcelona A placa indica as paradas existentes na cidade Na parada das bicicletas, com a carteirinha, os cidadãos liberam as bicicletas e podem uti- lizar por duas horas, podendo ser devolvidas na parada mais próxima. Fonte: Quatro cantos do mundo (2012). 17 Na maior parte de nossas vidas não ficamos procurando significado sobre as coisas do mundo, as nossas vivências cotidianas, que nos dão a lente para enxergar o mundo e para alcançar várias de suas interpretações, nos permite viver confiantes. Esse modo de estar no mundo é chamado de atitude natural e ele nos orienta a uma forma específica de conhecimento que é o senso comum. Esse conhecimento, por ser resul- tado de uma vivência prática, muitas vezes faz com que a leitura do mundo torne-se um pouco mecânica e passamos a aceitar as primeiras evidências que nos são apresentadas. Senso comum – conjunto de crenças, hábitos, opiniões e valores que herdamos e par- tilhamos do nosso grupo social (família, escola, trabalho, meios de comunicação, etc.). É um saber que não resulta apenas do aprendizado social, mas também das experiências individuais, e que aceitamos como verdadeiro, sem questionamento. Aceitamos os saberes do senso comum porque neles somos socializados e eles nos ajudam na resolução dos problemas práticos da vida cotidiana. Por ser um saber que resulta de nosso aprendizado social, temos a tendência de naturalizá-los e afirmá- -los como verdadeiros para todas as épocas, lugares e povos. Observe que senso comumé uma forma de conhecimento, mas é um saber empírico e imediato adquirido nas vivências práticas cotidianas, ou seja, é diferente do saber das ciências, porque a ciência se baseia em alguns critérios básicos, que podem ser descritos como: necessidade de verificação, técnicas de explicação e renúncia de juízos de valor. FIGURA 3 – O pôr do sol Fonte: Wikimedia Commons - Paul Charbonneau (2012). Quando falamos que o sol se põe, estamos lidando com o conheci- mento do senso comum, pois todos nós sabemos que é a Terra que gira em torno do sol. Naturalizar – é dizer que algo vem da natureza. Na sociedade humana quase nada é natural. O homem é um animal social e organiza as sociedades por meio de acordos fir- mados para o bem viver, de modo que as suas verdades são sociais e culturais. Quando damos uma crença como naturalizada, estamos dizendo que ela faz parte da natureza humana, e não que ela foi criada por ele. 18 Saiba Mais Caracterização do senso comum O conhecimento vulgar ou popular, às vezes denominado senso comum, não se dis- tingue do conhecimento científico nem pela veracidade nem pela natureza do objeto conhecido: o que os diferencia é a forma, o modo ou o método e os instrumentos do “conhecer”. [...] pode-se dizer que o conhecimento vulgar ou popular, latu sensu, é o modo comum, corrente e espontâneo de conhecer, que se adquire no trato direto com as coisas e os seres humanos: “é o saber que preenche a nossa vida diária e que se possui sem o haver procurado ou estudado, sem a aplicação de um método e sem haver refletido sobre algo” (BABINI, 1957, p. 21). O conhecimento popular caracteriza-se por ser predominantemente: • superficial, isto é, conforma-se com a aparência, com aquilo que se pode compro- var simplesmente estando junto das coisas: expressa-se por frases como “porque o vi”, “porque o senti”, “porque o disseram”, “porque todo mundo diz”; • sensitivo, ou seja, referente a vivências, estados de ânimo e emoções da vida diária; • subjetivo, pois é o próprio sujeito que organiza suas experiências e conhecimentos, tanto os que adquire por vivência própria quanto os “por ouvir dizer”; • assistemático, pois esta “organização” das experiências não visa a uma sistematiza- ção das ideias, nem na forma de adquiri-las nem na tentativa de validá-las; • acrítico, pois, verdadeiros ou não, a pretensão de que esses conhecimentos o sejam não se manifesta sempre de uma forma crítica. Fonte: Lakatos; Marconi (1991, p. 76,77). O senso comum se impõe a todos do grupo por meio da educação e na- quelas horas em que precisamos resolver as coisas da vida cotidiana. Por isso, ele não é refletido e se impõe sem críticas ao grupo. É um saber irrefletido que se impõe sem crítica fazendo com que os valores e atitudes adotados sejam, muitas vezes, incoerentes e sustentadores de preconceitos. O senso comum, ao se constituir desse cotidiano compartilhado, forma um conjunto de saberes e opiniões que orienta de modo prático as pessoas de um dado grupo social. Normalmente esse saber é desqualificado, mas ele constitui uma herança cultural que tem a função de orientador nas atividades ligadas à sobrevivência imediata, tais como as formas de comer, as relações com a segurança, com os valores e também aos senti- mentos. Dessa forma, o senso comum é um conhecimento que orienta de modo prático as decisões cotidianas. 19 As ações diárias têm como base esse conhecimento que nós adquirimos pela família ou pela tradição do lugar onde vivemos, por isso não passam por uma reflexão crítica, nem por métodos e investigação. Porém, o senso comum, como boa forma de conhecimento e de coerência das verdades, tem um limite, que é quando as nossas crenças se chocam com o resultado de diferentes experiências que as contradizem. Preconceito – de modo geral, são conceitos ou opiniões formados antecipadamente. Para a Filosofia, são aquelas opiniões aceitas sem discussão ou análise prévia, que orien- tam o modo de agir e considerar as coisas. Normalmente, são internalizadas sem que as pessoas se deem conta disso. Saiba Mais Aparência e realidade Na vida cotidiana admitimos como certas muitas coisas que, depois de um exame mais minucioso, nos parecem tão cheias de contradições que só um grande esforço de pen- samento nos permite saber em que realmente acreditar. Na busca da certeza é natural começar pelas nossas experiências presentes e, num certo sentido, não há dúvida de que o conhecimento deriva delas. É possível, no entanto, que qualquer afirmação acerca do que nossas experiências imediatas nos permitem conhecer esteja errada. Parece-me que estou agora sentado numa cadeira, diante de uma mesa de determinada forma, so- bre a qual vejo folhas de papel manuscritas ou impressas. Se virar a cabeça observarei, pela janela, edifícios, nuvens e o Sol. Creio que o Sol está a uns cento e cinquenta mi- lhões de quilômetros da Terra; que é um globo incandescente, muitas vezes maior que a Terra; que, devido à rotação terrestre, nasce todas as manhãs, e continuará fazendo o mesmo no futuro, durante um tempo indeterminado. Creio que, se qualquer outra pes- soa normal entrar em meus aposentos verá as mesmas cadeiras, mesas, livros e papéis que eu vejo, e que a mesa que vejo é a mesma mesa que sinto pressionada contra meu braço. Tudo isso parece tão evidente que nem vale a pena ser mencionado, a não ser em resposta a quem duvide de que conheço alguma coisa. Não obstante, tudo isto pode ser posto em dúvida de um modo razoável, e requer em sua totalidade uma discussão mui- to cuidadosa antes que possamos estar seguros de que o expressamos de uma forma que é completamente verdadeira. Para tornar evidentes estas dificuldades, concentremos a atenção na mesa. Para a vista a mesa é retangular, escura e brilhante, enquanto que para o tato ela é lisa, fria e dura; quando a percuto, produz um som de madeira. Qualquer pessoa que a veja, sinta e ouça o seu som, estará de acordo com esta descrição, de tal modo que parece que não existe aqui dificuldade alguma; porém, a partir do momento em que tentarmos ser mais pre- cisos, começarão os nossos problemas. Embora eu acredite que a mesa é “realmente” da mesma cor em toda sua extensão, as partes que refletem a luz parecem muito mais 20 Apesar de nossas crenças cotidianas serem normalmente sustentadas pelo senso comum, temos também crenças filosóficas. Ah, você duvida? Então observe! Você acredita que as coisas que aprendeu no passado podem te ajudar em atividades futuras? A maioria das pessoas acredita. E mesmo que você não acredite, concorda com a existência do tempo e sua divisão em passado, presente e futuro? Essa é uma crença filosófica. Assim como acreditar na existência de almas imortais que ani- mam nossos corpos, que são finitos (tem fim). Também a existência ou não de Deus, o que é certo ou o que é errado, as condutas éticas e os vícios, a realidade do mundo em nossa volta, são questões filosóficas. Essas crenças que têm sua base filosófica se misturam com as crenças do senso comum, porque nós não refletimos sobre elas assumindo as verdades dadas pelo nosso aprendizado cotidiano. Mas quando o filósofo nos convida a fazer outra leitura do mundo, ele está nos chamando para fazer uma análise dessas nossas crenças cotidianas aprendidas desse saber que é o senso comum. O filósofo nos convida a olhar o mundo duvidando das nossas primeiras interpretações, nos convida a olhar o mundo com outros olhos, com olhos de criança. Fonte: Russel (2005). brilhantes que as outras partes, e algumas partes, devido ao reflexo, parecem brancas. Sei que, se me deslocar, as partes que refletirão a luz não serão as mesmas, de modo que a distribuição aparente das cores na superfície da mesa mudará. Por conseguinte, se várias pessoas contemplarem a mesa no mesmo momento, nenhuma delas verá exa- tamente a mesma distribuição de cores, porque nenhuma delas pode vê-la exatamente do mesmo ponto de vista, e qualquer mudança de ponto de vistaproduz uma mudança na forma como a luz é refletida. Para a maioria de nossos objetivos práticos estas diferenças não têm importância algu- ma, mas para o pintor são muito importantes. O pintor tem de perder o hábito de pen- sar que as coisas parecem ter a cor que o senso comum afirma que “realmente” têm, e habituar-se, ao invés disso, a ver as coisas tal como aparecem. Eis aqui a origem de uma das distinções que mais causam dificuldades na filosofia: a distinção entre “aparência” e “realidade”, entre o que as coisas parecem ser e o que elas são. O pintor deseja saber o que as coisas parecem ser, enquanto o homem prático e o filósofo desejam saber o que são. Contudo, o filósofo deseja este conhecimento com muito mais intensidade do que o homem prático, e sente-se muito mais perturbado pelo conhecimento das dificulda- des que existem para responder a este problema. 21 Pare e Reflita Como exemplo do nosso conhecimento do senso comum, convido você a analisar um assunto muito importante que é a ideia de raça como algo real. Essa ideia construída para justificar um momento histórico ainda é forte em algumas discussões, causando separações e problema na vida de muitas pessoas! Todo mundo fala em raça negra, ariana, branca, amarela ou vermelha. Mas você já pa- rou para pensar sobre isso? Vimos que o conjunto das crenças do senso comum não é igual para todos os grupos sociais. No entanto, algumas ideias do senso comum podem ser amplamente difundi- das, causando prejuízo a muitas pessoas. Vejamos, por exemplo, a formação do senso comum sobre raça. Ela começa após a Revolução Industrial (fim do século XVIII até fim do século XIX), quando os europeus buscavam explicar e descrever os habitantes e o mundo que estavam sendo “descobertos” com as grandes navegações. A noção que orientava tal explicação do mundo era chamada de evolucionismo. Na concepção do evolucionismo todas as sociedades humanas passavam por uma estrada de desenvolvimento em sua organização social e cultural, que partia de uma forma sim- ples (chamada “estado de natureza”) até alcançar uma forma mais complexa (a “civili- zação”). O parâmetro principal dessa avaliação era o desenvolvimento das suas técnicas materiais. Você tem dúvida de quem os europeus colocaram como os mais civilizados? Eles pró- prios, obviamente! Assim, o evolucionismo foi rapidamente utilizado para tentar provar a evolução da espécie humana e justificar as relações de poder por meio de uma hie- rarquia de tipos humanos, fazendo surgir duas ideias que sustentam até hoje o senso comum sobre a raça: o racialismo e o racismo. O racialismo é a ideia de que a humani- dade está dividida em raças com características fenotípicas e psicológicas distintas. E o racismo é a ideia de que essas supostas raças são diferentes porque tem capacidades e potencialidades também diferentes. Características fenotípicas – referem-se à aparência dos indivíduos, ou seja, a cor da pele, textura dos cabelos, formato do nariz, etc. O desenvolvimento das ideias racistas resultou na discriminação racial que significa na prática o tratamento desigual entre povos ou grupos fenotipicamente distintos. 22 Filosofia – Atitude e Reflexão Vamos iniciar este tópico com uma reflexão de Chaui (1995, p. 12): “Pergun- taram, certa vez, a um filósofo: ‘Para que a Filosofia?’. E ele respondeu: ‘Para não darmos nossa aceitação imediata às coisas, sem maiores considerações.’” Você já reparou como as crianças perguntam e questionam sobre tudo? É um tal de “por que?” para lá e para cá! Os adultos, às vezes, se aborrecem, pois estão fazendo outras coisas e precisam parar para responder a tantas questões. Os gregos antigos chamavam esse questionamento de thauma e é a isso que eles nos convidam! Quando a criança questiona “o que é?”, ela busca entender aquilo que ela está vivendo ou sentindo. Como o mundo ainda é novo para ela, tudo se torna motivo de questionamento e é a isso que a Filosofia nos convida. A esse espanto que, na verdade, é um distanciamento diante da vida que nos faz refletir sobre ela e sobre nós mesmos. Thauma – é o espanto, o assombro diante das coisas da vida, que leva o indivíduo a querer saber mais. É aquele estado de perplexidade que nos conduz à dúvida e a uma nova forma de pensar. Lembre-se Recorda quando falamos do senso comum? Junto com a orientação prática para as coisas da vida, o senso comum nos oferece uma sensação de familiaridade com o mundo. Essa sensação que nos põe em uma relação ingênua com o mundo, pois torna tudo familiar, evidente e inquestionável é a atitude natural. O thauma rompe essa relação naturalizada e familiar com as coisas, nos levando a estranhar o cotidiano e, assim, fazendo surgir o ques- tionamento filosófico. Por isso, para Aristóteles, o thauma é a origem e a raiz do filosofar. FIGURA 4 – Aristóteles Fonte: Wikimedia Commons (2012). Aristóteles – filósofo conhecido como o fundador da lógica e por suas discussões sobre a ética. Para ele, o objetivo da ética era a felicidade e ser feliz era ter uma vida digna. A virtude era uma atividade prática que se aprendia na vida social. Foi um pensador importan- te em várias áreas do conhecimento, como biologia, física, história natural, poética, além das áreas filosó- ficas, como ética, teoria política, estética e metafísica. Contribuiu tanto para a Filosofia quanto para outras áreas do conhecimento. 23 Vamos falar um pouco da atitude filosófica? Segundo acabamos de dizer, quando a Filosofia nos convida para olhar o mundo de um jeito novo, ela nos convida ao espanto diante das coisas comuns do nosso cotidiano, que foi exemplificado com a perguntinha das crianças: “por que”? A Filosofia é uma atitude de não aceitar como óbvia as situações cotidianas da vida, por isso dizemos que a primeira característica da atitude filosófica é negativa, ao questionar o nosso mundo cotidiano dizemos não ao senso comum, às suas crenças e opiniões impensadas. Observe que a ideia não é jogar fora todos os valores, opiniões e crenças que aprendemos em nossa vida, mas colocarmos todos eles em suspenso, ou em parênteses, para poder compreender melhor suas causas e sentido. Já a segunda característica é positiva! É o questionamento sobre o que, o porquê e o como das coisas. Saiba Mais Primeiro a Filosofia questiona as crenças e os preconceitos. Depois ela os coloca sobre a mesa para um exame atencioso e criterioso. O que a Filosofia quer é esse questionar! A atitude filosófica é essencialmente indagação, e é nesse momento de inda- gação sobre a origem e a causa do mundo das coisas e dos homens que surge a postura crítica. Crítica – vem do verbo grego krisein (o mesmo que leva à palavra crise) e significa entre outras coisas capacidade de julgar e decidir corretamente; exame das coisas sem pre- conceito ou prejulgamento; atividade de avaliar detalhadamente alguma coisa. A crítica da atitude filosófica se constrói baseada no susto inicial, na dúvida e no rigor de análise. Observe no quadro a seguir: Saiba Mais Vejamos o vocábulo crítica no Dicionário Escolar de Filosofia on-line da editora portu- guesa Plátano: Crítica O ato de examinar cuidadosamente uma obra, teoria ou opinião, procurando determi- nar se são boas ou verdadeiras e avaliando os argumentos ou ideias em que se apoiam. A filosofia é uma atividade crítica, pois procura-se sempre determinar se as ideias, teo- rias ou opiniões filosóficas propostas são verdadeiras e se se apoiam em bons argumen- tos. Para o filósofo, uma opinião que não seja sustentada por bons argumentos, ainda 24 Mas o que é refletir? Essa palavra vem do latim reflectere, refere-se a um voltar atrás, questionar o que já é conhecido. A filósofa brasileira Marilena Chaui observa que a reflexão acontece como um movimento de retorno em volta de si mesmo, pois ele inicia interrogando a própria forma de pensar, como é possível o próprio pensamento (CHAUI, 2010, p. 21). Assim, refletir é algo como repensar o pensamento, é colocaro pensamento como objeto de análise. E refletir é importante para termos autonomia, condição para a crítica e a responsabilidade como ser social. FIGURA 5 – Reflexão filosófica Para ser filosófica, a reflexão precisa ser radical, rigorosa e de conjunto. Fonte: Acervo NEAD/Unoeste (2012). que seja verdadeira, não passa de um preconceito. A crítica não tem de ser negativa. Podemos ser críticos concordando com as opiniões dos outros, desde que encontremos boas razões para concordar com elas. Mas ser crítico implica também ter abertura de espírito para discutir racionalmente as nossas próprias ideias e até para as abandonar, caso não existam boas razões a seu favor. A atitude da pessoa crítica opõe-se à atitude da pessoa dogmática (AIRES, 2003). Atenção Quando se fala em atitude filosófica a gente deve lembrar que: • essa atitude se inicia com o thauma, ou seja, na estranheza e espanto que os homens sentem diante do desconhecido; • é preciso duvidar das verdades do senso comum e problematizar o que é natural e familiar; • esse questionamento tem que ser radical (ir até a raiz) e rigoroso (não deve admitir ambiguidades, ideias contraditórias ou termos imprecisos); • as questões inicialmente se dirigem ao mundo e à relação que mantemos com ele, mas percebemos que na verdade elas dizem respeito a nossa capacidade de pensar. Como se volta sobre si, torna-se reflexão! 25 Observe que a reflexão filosófica não é aquilo que chamamos de “achismos” ou baseada apenas nos gostos pessoais, ela é um pensamento sistemático, ou seja, opera um raciocínio com ideias e enunciados precisos e encadeados de forma lógica, buscando comprovar o que se diz. Esse encadeamento lógico é que permite que o ques- tionamento do senso comum não caia em uma elaboração preconceituosa e também baseada em experiências cotidianas individuais. Saiba Mais A reflexão filosófica é diferente da reflexão que fazemos no dia a dia? Sim, é diferente por um motivo claro: a reflexão filosófica precisa ser radical, rigorosa e de conjunto. Veja transcrição, a seguir, sobre esse assunto: Características da reflexão filosófica, conforme Dermeval Saviani (apud ARANHA; MARTINS, 1995, p. 89-90): Radical: a palavra latina radix, radicis, significa “raiz” e, no sentido figurado, “funda- mento, base”. Portanto, a Filosofia é radical não no sentido corriqueiro de ser inflexível (nesse caso seria a antifilosofia!), mas na medida em que busca explicitar os conceitos fundamentais usados em todos os campos de pensar e do agir. Por exemplo, a filosofia das ciências examina os pressupostos do saber científico, do mesmo modo que, diante da decisão de um vereador em aprovar determinado projeto, a filosofia política inves- tiga as raízes (os princípios políticos) que orientam a sua ação. Rigorosa: enquanto a “filosofia de vida” não leva as conclusões até as últimas consequên- cias, nem sempre examinando os fundamentos delas, o filósofo deve dispor de um mé- todo claramente explicitado a fim de proceder com rigor. Assim os filósofos inovam nos seus caminhos de reflexão [...]. São inúmeros os métodos filosóficos em que se apoiam os filósofos para desenvolver um pensamento rigoroso, fundamentado a partir de argumen- tação, coerente em suas diversas partes e, portanto, sistemático. De conjunto: a filosofia é globalizante, porque examina os problemas sob a perspectiva de conjunto, relacionando os diversos aspectos entre si. Neste sentido a filosofia visa ao todo, à totalidade. Mais ainda, o objeto da filosofia é tudo, porque nada escapa a seu interesse. Daí sua função de interdisciplinaridade, ao estabelecer o elo entre as diver- sas formas de saber e agir humanos. Enquanto a atitude filosófica é um questionamento rumo a um saber sobre a realidade exterior, a reflexão filosófica volta-se para os seres humanos, sobre a realida- de interior a eles e suas relações, para o próprio pensamento (o que é pensar), para a linguagem (o que é falar?) e para a ação (o que é agir?). Podemos, então, afirmar que a Filosofia (embora seja teórica) é uma reflexão sobre a totalidade da experiência vivida, e como tal nunca termina, porque ela é sempre uma busca: 26 A filosofia busca a verdade nas múltiplas significações do ser verdadeiro segundo os modos do abrangente. Busca, mas não possui significado e substância da verdade única. Para nós, a verdade não é estática e de- finitiva, mas movimento incessante, que penetra no infinito (JASPERS, 1965, p. 101). Atenção Grandes questões da Filosofia De onde viemos? Para onde vamos? O que é o homem? Qual a atitude correta? Na Filosofia nenhuma dessas questões está encerrada, todas podem ser retomadas e discutidas a partir de outros olhares e perspectivas. A principal finalidade no ensino da Filosofia é auxiliar e estimular o pensamento crítico e metódico sobre as coisas da vida e do próprio homem. O Nascimento da Filosofia É consenso que a Filosofia nasceu na Grécia com os filósofos anteriores a Sócrates, mais notadamente Tales de Mileto, embora tenha sido o seu contemporâneo Pitágoras que tenha cunhado o nome Filosofia. Nós já falamos sobre isso, mas não pa- ramos para refletir como nasceu a Filosofia, ou seja, como surgiu esse modo de pensar que sai do conhecimento vulgar e cotidiano, que passa pelos dois momentos da reflexão e se coloca frente à realidade de uma maneira crítica? Como surgiu esse modo de pensar que é também uma postura crítica frente ao mundo? Será que a Filosofia surgiu como um milagre na Grécia? Ou será que, por serem comerciantes, os gregos copiaram o conhecimento de outros lugares? Na história de como surgiu a Filosofia, essas duas ideias têm um fundo de verdade, porém não de- vem ser vistas como causas únicas. Vamos observar mais de perto tanto as contribuições do saber que foram recebidas de outros grupos, principalmente os orientais, quanto o chamado milagre na forma de pensar ocorrida pelos próprios gregos. Inicialmente, essas duas ideias sobre o nascimento da Filosofia eram fortes e se contradiziam, porém com o aprofundamento de estudos arqueológicos, históricos, linguísticos, ocorridos no século XIX, essas questões foram reanalisadas. A ideia de que os gregos absorveram o conhecimento dos povos, principal- mente os do oriente, foi afirmada na Antiguidade Clássica como uma forma de agregar valor ao conhecimento oriental ligado à cultura dos judeus na época. Embora coerente, já que os gregos em suas atividades comerciais tiveram contato com a sabedoria des- ses povos (como a agrimensura dos egípcios, a astrologia dos caldeus e babilônicos, a 27 genealogia dos persas), essa ideia não se justifica por si só, pois outros grupos também fizeram esses contatos comerciais e culturais e não desenvolveram a Filosofia. Vamos observar agora o “milagre grego”, assim chamado devido à ideia de que a Filosofia tinha surgido do nada, simplesmente porque os gregos eram um povo excepcional. Aqui está o maior erro dessa ideia, o milagre não deve ser entendido como um salto, um click, fruto da superioridade grega. A diferença ou o milagre que deu a possibilidade do nascimento da Filosofia na Grécia foi o modo como os seus sábios se apropriaram do conhecimento apreendido nos outros lugares, aliando-os aos conheci- mentos dos povos que já viviam no território que veio a se tornar a Grécia. Na busca de explicação para as coisas do mundo, os gregos inicialmente con- tavam com personagens e figuras mitológicas: heróis, ninfas, titãs habitavam o mundo junto com os humanos e influenciavam as suas vidas e a ordem do mundo. A natureza também indicava os acontecimentos vindouros e esses poderiam ser previstos a partir da sua observação pela pitonisa (uma espécie de oráculo ou adivinhação). Um exemplo fornecido pela professora Chaui (1995), que é bastante sig- nificativo em relação aos mitos, é que os sábios gregos aproveitaram as histórias mi- tológicas de outros povos, porém retiraram deles os aspectos apavorantes. Os deuses tornaram-se mais próximosdos humanos e a narrativa pôde ser mais racionalizada. A narrativa mítica grega ao trazer seres humanizados foi reformulando e racionalizando as histórias sobre as origens do mundo baseadas em geração divinas (cosmogonia), permitindo o surgimento da Filosofia como cosmologia. Mito – narrativa sagrada que explica o surgimento do mundo e a existência da humanidade. Cosmogonia – é formada por duas palavras gregas: cosmo - mundo ordenado; gonia - nascimento, geração. São narrações míticas sobre a origem ou geração do mundo, por meio da união dos deuses e, às vezes, de deuses e humanos (são genealogias). Cosmologia – logia/logos: pensamento racional. Assim, cosmologia significa teoria ou busca racional da ordem do mundo. Assim, as novidades foram apropriadas, e não apenas repetidas em outro território. Também as modificações históricas pelas quais a Grécia passava foram im- portantes orientações para o surgimento da Filosofia. Algumas transformações sociais e históricas foram de grande importância na modificação nas formas de pensamento. Para Vernant (1994), antropólogo e pesquisador da Grécia antiga, o surgi- mento da polis e da vida urbana foi decisivo. Ele observa que a língua, a divisão de po- deres e o surgimento da cidade (polis) foram as modificações sociais que influenciaram decisivamente o modo de pensar grego, abrindo espaço para o pensamento filosófico. 28 As transformações linguísticas estão relacionadas com a ruptura de conceitos gregos, pois muitos desapareceram ou tiveram o seu sentido modificado. Como exem- plo, podemos ver a supressão da figura do rei, antes soberano que unificava e ordenava os diversos elementos do reino, quase divino e que reunia em si todo poder que era ma- nifesto e todos os planos do social. Sua queda fez aparecer duas forças sociais: as comu- nidades aldeãs e a aristocracia guerreira, cujas famílias também detinham monopólios religiosos. A existência recente dessas duas forças sociais opostas causou um período de desordem, mas que direcionou a uma série de reflexões morais e especulações políticas que fez surgir uma primeira forma de sabedoria atrelada à figura dos sábios, os quais tinham o objetivo de discutir e alertar sobre o mundo dos homens, seu entendimento e o fim dos conflitos. Observe que com a queda do rei soberano a realeza também se modificou. Surgiu o basileu, que não tinha funções militares nem políticas. A noção política – sus- tentada na palavra grega arché que significa “comando” – tornou-se independente do poder real e religioso e deu ao poder uma concepção humana, pois ele tornou-se re- sultado de uma escolha que envolvia confronto e discussão. O basileu ficou restrito ao poder religioso, ele passou a realizar algumas funções sacerdotais. A pergunta era: como, no plano social, a vida em comum pode se sustentar no conflito? Para resolvê-la, surgiram duas entidades divinas: Eris (poder de conflito) e Philia (poder de união), as quais afirmam os dois lados dessa discussão, que apesar de serem opostos são forças complementares. A política tornou-se o poder do combate codificado e sujeito a regras, ou seja, uma disputa oratória. A praça pública (ágora) virou o lugar dos combates de argumentos realizados pelos seus habitantes, chamados de iguais. Surgiu a cidade (polis) tendo como centro a ágora, espaço público, central e comum. O aparecimento da polis foi muito importante para a história do pensamento grego, pois deu uma nova forma à vida social e às relações entre os homens. São três as características que possibilitaram a polis tais modificações sociais. A primeira característica é que a palavra tornou-se preeminente sobre todos os outros instrumentos de poder. A palavra estava relacionada à divindade Peithó, que é a força da persuasão, e, desse modo, foi remetida a palavra dos rituais mágicos e aos ditos do rei (ánax). Com a mesma força, a palavra tornou-se o debate contraditório, a discussão. Enquanto isso, a argumentação da palavra pressupõe um público para quem ela se dirige. Para esse público ela se expõe, e o público como um juiz decide, escolhe sobre os dois discursos apresentados pelos oradores. O comando, antes sob o poder do rei, agora se encontrava submetido à arte da oratória. A publicidade das manifestações sociais é a segunda característica da polis. Na polis o domínio público fixa-se em seus dois sentidos: como setor de interesse co- mum que se opõe a assuntos privados, e como práticas abertas e realizadas à luz do dia, 29 em oposição aos processos secretos. A necessidade da publicidade coloca os processos e a conduta dos basileus sob o olhar e questionamento de todos. Há polis porque há domínio público. A divulgação e a democratização de todos os atos geram uma modificação social importante, pois interfere nas questões espirituais. Antes, os mistérios eram posse dos sacerdotes e famílias tradicionais, garantindo-lhes poder. Quando passaram a ser discutidos perderam tal áurea mágica, já não existia mais a imposição pela força de um prestígio familiar ou religioso. A publicidade também gera a divulgação da cultura e das leis entre os gre- gos, isso porque a escrita deixa de ser um saber especializado, tornando-se um bem comum a todo cidadão. As leis passam a ser escritas, podendo ser conhecidas, o que lhes assegura permanência e fixidez. O direito também se torna bem comum, uma regra geral que deverá ser aplicada a todos da mesma maneira. A terceira característica é a semelhança, que dá a polis uma unidade, por mais que sejam diferentes as suas classes, origens e funções, isso porque os cidadãos se concebem no plano político, cuja norma é a igualdade. Ao invés das relações hierár- quicas, instala-se um vínculo de união, tornando-se iguais (isoi). A polis será o lugar da isonomia, onde todos os cidadãos exercem igual poder, porque todos estão submetidos às mesmas leis, que é na realidade quem detém o poder. Nesse diálogo, Chaui (1995) acrescenta alguns detalhes aos tópicos apresen- tados por Vernant (1994) quanto às condições históricas que possibilitaram o surgimento da Filosofia. São elas: as viagens marítimas permitiram o conhecimento de lugares que an- tes eram vistos como moradia dos deuses e que gerou a constatação de que, na verdade, eram habitados por outros seres humanos, levando a um desencantamento ou desmistifi- cação do mundo, de modo que o mito já não podia oferecer mais todas as explicações. Ob- serva também que a invenção do calendário, da moeda, assim como a escrita alfabética, permitiu essa nova forma de abstração que abriu o pensamento filosófico. Esse foi o caldeirão de modificações sociais que possibilitou o nascimento da Filosofia. A Filosofia nasceu, então, como cosmologia e corresponde ao período dos pré- socráticos (final do século VII ao final do século V a.C.), quando os primeiros filósofos buscavam um princípio originário e racional como origem e causa das transformações das coisas do mundo. A explicação era racional e sistemática. Negavam que o mundo tivesse sido criado ou surgido do nada, formularam a noção de physis, que é a natureza eterna, a qual dá origem a todos os seres e que está em permanente mutação, que é o movimento (devir). Todos os filósofos pré-socráticos buscavam encontrar na natureza o que seria esse princípio primordial. 30 Um Rápido Olhar sobre os Clássicos Foram três os principais pensadores do período clássico: Sócrates, Platão e Aristóteles. Com os acontecimentos desencadeados pelo surgimento da polis, a oratória e as artes da controvérsia tornam-se indispensáveis na educação dos jovens. Vimos que a ágora tornou-se o lugar para opinar e votar nas assembleias públicas. Foi preciso, então, ensinar aos jovens como se comportar na ágora. Apareceram novos professores, entre eles Sócrates e os sofistas. Os Sofistas “O bom orador é capaz de convencer qualquer pessoa sobre qualquer coisa” Górgias Os sofistas apareceram nesse cenário como os novos responsáveis por dar aos jovens uma educaçãoque os preparassem para os debates políticos, distanciando da educação tradicional dada pelos antigos poetas. Um jovem bem educado era o bom orador, que soubesse falar em público e convencer na ágora. Entre os sofistas mais importantes temos Protágoras e Górgias. Apresenta- vam-se como mestres da retórica e da oratória, afirmavam serem importantíssimas para a vida na polis. Como andavam por diversas cidades e países tinham conhecimento de várias “verdades sociais” e as utilizavam em seus argumentos para vencer as disputas e discussões sobre política. Para os sofistas o que interessava era a conquista do parecer favorável dos ouvintes, pois tinham compromisso com a vitória nos embates argumen- tativos, e não com a verdade. Os grupos sociais que visitavam tinham diferentes formas de organização (familiar, política, jurídica, etc.), por isso criticavam a ideia de verdade universal e os princípios abstratos da justiça, e ainda ensinavam a inexistência de uma natureza social humana. O Estado deveria se apoiar em uma base individualista e artificial, pois a auto- ridade política seria de caráter egoísta. Ao destruírem velhos dogmas que sustentavam o pensamento grego, os so- fistas foram importantes para preparar o caminho das doutrinas posteriores. Para Tales de Mileto, a physis, esse princípio eterno e imutável que origina as transformações, era a água. Outros filósofos do período pensavam diferente, vejamos alguns: para Anaximandro era o ilimitado, para Anaxímenes era o ar, para Heráclito era o fogo, para Demócrito eram os átomos. 31 Os Três Filósofos Clássicos – Sócrates, Platão e Aristóteles Sócrates (470-399 a.C.), nascido em Atenas, também era um filósofo itine- rante. No entanto, criticava e se opunha aos sofistas, acusando-os de não terem amor pelo saber e que ao defenderem qualquer ideia corrompiam o espírito dos jovens. Porém, concordava com a crítica a antiga educação pautada no ideal do guerreiro bom e belo. Importante O que nos propunha Sócrates? O estudo do homem e o que ele pode vir a se tornar! Daí usar o lema que estava gravado no pórtico do templo de Apolo, patrono da sabedoria: Conhece-te a ti mesmo! Como método, Sócrates usava o diálogo (ou maiêutica, que significa “trazer à luz”), dizia que as pessoas deveriam chegar à verdade interrogando a elas mesmas. Antes de quererem persuadir os outros, era necessário conhecer a si próprios, condição de possibilidade aos outros conhecimentos. O filósofo deveria apenas indicar o caminho a seguir, como a parteira que orienta e assiste o parto, mas deixa que a mulher dê à luz. Assim, fazia perguntas sobre valores e ideias. Se alguém falava em coragem, ele perguntava “o que é isso?”. Alguns se aborreciam porque esperavam que ele desse as respostas, mas ele apenas respondia: “só sei que nada sei”. Ao fazer essas questões, Sócrates levantava dúvidas sobre a crença e os valores dos atenienses, já tão abalada pelos sofistas. Parada Obrigatória A condenação de Sócrates Sócrates fazia as pessoas, principalmente os jovens, pensarem sobre a vida na polis e isso não era bom para os poderosos de Atenas. Tornou-se um perigo. Foi acusado de corromper os jovens, difundir ideias contrárias a religião tradicional e violar as leis. Deram para ele duas opções: o exílio ou a morte. 32 FIGURA 6 – “A morte de Sócrates”, de David – 1787 Sócrates toma a taça de cicuta e continua falando aos seus amigos. Fonte: Wikimedia Commons (2012). Levado à praça pública, Sócrates não se defendeu, pois defender-se seria aceitar as acusações. Ele preferia a morte a renunciar aos seus pensamentos. Foi conde- nado a morrer bebendo cicuta. Seu julgamento é relatado por Platão, seu discípulo, na obra Apologia de Sócrates, em que seus discípulos o defendem contra Atenas. Platão (428-347 a.C.) era filho da aristocracia ateniense, criado no conforto e participando dos jogos sociais. A partir do encontro com o mestre, quando tinha 20 anos, apaixonou-se pelo jogo do debate e da discussão filosófica. Em 387 a.C. fundou sua escola, a Academia, consagrada a deusa Atena. Seus interesses eram os estudos da Filosofia especulativa, da política e da matemática. Na entrada da Academia, que era situada em um jardim, tinha escrito a frase de Pitágoras “Não entre quem não saiba geometria”. As mulheres também podiam frequentar a Academia, o que não era comum naquela época. Aos 28 anos, Platão participou ao lado de Sócrates da injustiça que o mestre sofreu, o que causou um enorme desprezo pela democracia e pelas massas, mais forte do que a sua posição aristocrática poderia produzir. Para ele, tornara-se necessário des- truir a democracia e substituí-la por um governo dos mais sábios e melhores; porém, como tinha aprendido com Sócrates, era necessário fundamentar os seus argumentos em conceitos claros e seguros. Após a morte de Sócrates, Platão saiu de Atenas por pouco mais de 10 anos, conhecendo vários lugares, suas culturas e seus saberes. Foi o discípulo que primeiro levou o método da conversação para a forma literária, ao retratar as discussões socráti- cas. Também é famosa a sua Apologia de Sócrates, obra em que narra as circunstâncias da morte do mestre e se coloca em sua defesa. 33 Observa-se nos discursos platônicos dois impulsos que podem ser resumidos como uma vontade rumo ao conhecimento (aspiração ao saber/ciência) e uma concepção racional e objetiva do mundo do homem. Para Platão, a Filosofia deveria ser realizada como uma cultura ativa, uma sabedoria que se mistura com a atividade concreta da vida, tanto ciência quanto vida cotidiana, tanto teoria quanto prática. Além da defesa ao seu mestre, Platão escreveu três obras de grande impor- tância política: A República, O Político, e As Leis. Suas teorias e conceitos éticos são desen- volvidos sustentados em um sistema metafísico e moral, em que a política aparece como a arte de tornar os homens mais justos e virtuosos. A República, obra mais importante de Platão, trata de muitos assuntos que ainda hoje são debatidos, tais como: comunismo, socialismo, feminismo, controle da na- talidade, educação e psicanálise. Nessa obra, o autor busca restabelecer uma concepção filosófica de justiça sustentada em um Estado ideal, que é considerado uma individuali- dade suprema, embora só exista pelos indivíduos que o integram. Assim, o Estado surge dos desejos e necessidades humanas e decorre da cooperação entre seus membros para alcançarem esse fim. FIGURA 7 – Platão e Aristóteles, detalhe de “A Escola de Atenas”, de Rafael Sanzio. Fonte: Wikimedia Commons (2012). Aristóteles (384-322 a.C.) foi o principal discípulo de Platão, entrou na Academia com 17 anos. Tornou-se o instrutor dos reis dos reis, Alexandre da Macedônia. Já com mais de 50 anos fundou a sua escola, o Liceu, que diferenciava da escola do seu mestre porque se direcionava mais à biologia e às ciências naturais. Discordou em vários pontos das teorias platônica, principalmente no que se refere ao sistema político, que é desassociada de uma ética, já que a política é entendida como uma ciência independente. Fundou o sistema base dos estudos de lógica, que utiliza o silogismo, como em: “Todos os homens são mortais; Sócrates é homem; logo, Sócrates é mortal”. A sua obra A Política foi escrita após um minucioso trabalho de pesquisa dos governos mais importantes do seu tempo e das constituições que a sustentavam, o que lhe dá o caráter de um tratado sobre a arte do governo. Nessa obra, afirmava que o fim último da política é o bem coletivo. O go- verno que ele descreve não é fixo a todas as polis gregas, mas deve ser adaptado às necessidades de cada povo. Assim, desde a sua origem, o Estado estaria direcionado à busca da satisfação dos desejos e necessidades dos indivíduos, sendo a única forma de alcançá-las. Isso porque, a vida do homem seria eminentemente uma vida política. 34 Saiba Mais O que é ser um animal político? O homem difere dos outros animais por ser racional, isso significaque ele pode utilizar a linguagem e o sentimento de associação para conviver com os seus semelhantes. Assim, o homem é naturalmente um animal político, só alcançando o bem coletivo por meio do Estado. Sem o Estado e a vida social, o homem é apenas uma besta. O Estado está antes do indivíduo e é a sua influência que tira o homem dessa condição bestial e o eleva a uma categoria superior, pois é ele quem permite a satisfação intelectual e moral dos homens. Para alcançar o bem-estar dos cidadãos, o Estado deveria tratá-los como in- divíduos, pois concebia que as diferenças entre os homens geravam diferentes aptidões e necessidades. O alcance e a sua satisfação exigiam certo grau de liberdade. Assim, a melhor forma de governo era a que melhor correspondesse às necessidades de cada povo. Importante “Aristóteles definiu o Estado como uma organização coletiva de cidadãos, e definiu este (cidadão) como o indivíduo que tem direito de participar do governo. Acreditava que o traço característico da cidadania consistia na participação dos indivíduos nas assem- bleias, no exercício ativo dos direitos políticos. A cidadania determina a capacidade de governar e ser governado.” (DIAS, 2008, p. 25). O que é era ser cidadão para Aristóteles? Nem todos os que habitavam a polis eram cidadãos. Para ser cidadão era preciso ser administrador, guerreiro ou sacerdote, possuir terra e ter tempo para cumprir seus de- veres junto ao Estado. Dicas GAARDER, Jostein. O mundo de Sofia: romance da história da filosofia. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. MACHADO, Fernando Luís. Os novos nomes do racismo: especificação ou inflação con- ceptual?. Sociologia, Problemas e Práticas [online]. Oeiras, n.33, p. 9-44, set. 2000. ISSN 0873-6529. Doze homens e uma sentença (Twelve Angry Men). Diretor: Sidney Lumet. Duração: 96 min. Gênero: Policial, drama. Ano: 1957. 35 Sintetize Para que as ideias estudadas se tornem um conhecimento filosófico é preciso refletir so- bre elas. Faça seus resumos respondendo as perguntas sugeridas e torne-se um amante do saber! 1. A Filosofia é um convite para contemplar o mundo diferente, fale um pouco sobre as duas partes da reflexão filosófica. 2. Anote duas ou três diferenças entre o senso comum e a Filosofia. 3. Como surgiu a Filosofia? Escreva em poucas palavras o que você entendeu sobre esse momento. Resumo Neste capítulo, conhecemos um pouco a história do nascimento da Filoso- fia, na Grécia, e fomos apresentados aos seus três clássicos antigos: Sócrates, Platão e Aristóteles. Aprendemos a diferenciar o senso comum do pensamento filosófico, que é reflexivo e se apoia na atitude filosófica e nos convida a conhecer o mundo. Anotações 36 Textos Complementares Nascimento da Filosofia A Filosofia nasceu quando alguns gregos, admirados e espantados com a realidade, insatisfeitos com as explicações que a tradição (os mitos religiosos) lhes dera, começaram a fazer perguntas e buscar respostas, demonstrando que o mundo e os seres humanos, os acontecimentos naturais e as coisas da Natureza, os acontecimentos hu- manos e as ações dos seres humanos podem ser conhecidos pela razão humana, e que a própria razão é capaz de conhecer-se a si mesma. Em suma, a Filosofia surgiu quando alguns pensadores gregos se deram conta de que a verdade do mundo e dos humanos não era algo secreto e misterioso que precisasse ser revelado por divindades a alguns escolhidos, mas, ao contrário, podia ser conhecida por todos, por meio das operações mentais de raciocínio, que são as mesmas em todos os seres humanos. O nascimento se deu, portanto, quando aqueles pensado- res compreenderam que o conhecimento depende apenas do uso correto da razão ou do exercício correto do pensamento, permitindo que a verdade possa ser conhecida por todos. Esses pensadores descobriram também que a linguagem respeita as exigências do pensamento e que, por esse mesmo motivo, os conhecimentos verdadeiros podem ser publicamente transmitidos e ensinados a todos. Fonte: Chaui (2010, p. 40-41). Filosofia como busca da verdade O problema crucial é o seguinte: a filosofia aspira à verdade total, que o mundo não quer. A filosofia é, portanto, perturbadora da paz. E a verdade o que será? A filosofia busca a verdade nas múltiplas signifi- cações do ser verdadeiro segundo os modos do abrangente. Busca, mas não possui o significado e substância da verdade única. Para nós, a verdade não é estática e definitiva, mas movimento incessante, que penetra no infinito. No mundo, a verdade está em conflito perpétuo. A filosofia leva esse confli- to ao extremo, porém o despe de violência. Em suas relações com tudo quanto existe, o filósofo vê a verdade revelar-se a seus olhos, graças ao intercâmbio com outros pensa- dores e ao processo que o torna transparente a si mesmo. 37 Quem se dedica à filosofia põe-se à procura do homem, escuta o que ele diz, observa o que ele faz e se interessa por sua palavra e ação, desejoso de partilhar, com seus concidadãos, do destino comum da humanidade. Eis por que a filosofia não se transforma em credo. Está em contínua pugna consigo mesma. Fonte: Jaspers (1965, p. 101). O valor da Filosofia Devemos procurar o valor da filosofia, de fato, em grande medida na sua própria incerteza. O homem sem rudimentos de filosofia passa pela vida preso a pre- conceitos derivados do senso comum, a crenças costumeiras da sua época ou da sua na- ção, e a convicções que cresceram na sua mente sem a cooperação ou o consentimento da sua razão deliberativa. Para tal homem o mundo tende a tornar-se definitivo, finito, óbvio; os objetos comuns não levantam questões, e as possibilidades incomuns são re- jeitadas com desdém. Pelo contrário, mal começamos a filosofar, descobrimos, [...], que mesmo as coisas mais cotidianas levam a problemas aos quais só se podem dar respos- tas muito incompletas. A filosofia, apesar de não poder dizer-nos com certeza qual é a resposta verdadeira às dúvidas que levanta, é capaz de sugerir muitas possibilidades que alargam os nossos pensamentos e os libertam da tirania do costume. Assim, apesar de diminuir a nossa sensação de certeza quanto ao que as coisas são, aumenta em muito o nosso conhecimento quanto ao que podem ser; remove o dogmatismo algo arrogante de quem nunca viajou pela região da dúvida libertadora, e mantém vivo o nosso sentido de admiração ao mostrar coisas comuns a uma luz incomum. À parte a sua utilidade ao mostrar possibilidades insuspeitas, a filosofia tem valor – talvez o seu principal valor – por via da grandeza dos objetos que contempla, e da libertação de objetivos limitados e pessoais que resulta desta contemplação. A vida do homem instintivo está fechada no círculo dos seus interesses privados: a família e os amigos podem ser incluídos, mas o mundo exterior não é tido em consideração exceto na medida em que possa ajudar ou prejudicar o que pertence ao círculo dos desejos instintivos. Em tal vida há algo de febril e limitado, em comparação com a qual a vida filosófica é calma e livre. O mundo privado dos interesses instintivos é pequeno, locali- zando-se no seio de um mundo grande e poderoso que, mais cedo ou mais tarde, terá de deixar o nosso mundo privado em ruínas. A menos que possamos alargar de tal modo os nossos interesses que incluam todo o mundo exterior, somos como uma guarnição numa fortaleza sitiada, sabendo que o inimigo impede a fuga e que a rendição última é inevitável. Em tal vida não há paz, mas antes um conflito constante entre a insistência do desejo e a impotência da vontade. Temos de escapar desta prisão e deste conflito, de um modo ou de outro, para a nossa vida ser grandiosa e livre. Fonte: Russel (2005). 38 A virtude é uma prática […] em relação a todas as faculdades que nos vêm por natureza recebemos primeiro a potencialidade, e, somente mais tarde exibimos a atividade (isto é claro no caso dos sentidos, pois não foi por ver repetidamente ou repetidamente ouvir que ad- quirimos estessentidos; ao contrário, já os tínhamos antes de começar a usufruí-los, e não passamos a tê-los por usufruí-los); quanto às várias formas de excelência moral, todavia, adquirimo-las por havê-las efetivamente praticado, tal como fazemos com as artes. As coisas que temos de aprender antes de fazer, aprendemo-las fazendo-as – por exemplo, os homens se tornam construtores construindo, e se tornam citaristas tocando cítara; da mesma forma, tornamo-nos justos praticando atos justos, moderados agindo moderadamente, e corajosos agindo corajosamente. Essa asserção é confirmada pelo que acontece nas cidades, pois os legisladores formam os cidadãos habituando-os a fa- zerem o bem; esta é a intenção de todos os legisladores; os que não a põem corretamen- te em prática falham em seu objetivo, e é sob este aspecto que a boa constituição difere da má. Fonte: Aristóteles (2001, p. 35-36). Anotações 39 Atividades 1. Leia a afirmação e reflita sobre a importância do conhecimento filosófico. Anote sua reflexão em seu portfólio. “Em outras palavras, os fundamentos teóricos das ciências não são científicos, mas filosóficos, e, sem a Filosofia, as ciências não seriam possíveis.” (CHAUI, 2010, p. 11). 2. Vimos no capítulo 1 que a nossa primeira forma de estar no mundo é o senso comum. Escreva uma síntese sobre essa forma de vivenciar e naturalizar o mundo. 3. Escreva em seu portfólio um pequeno resumo sobre as características positiva e ne- gativa da atitude filosófica. 4. Alguns teóricos observam que a atitude filosófica é radical, rigorosa e de conjunto. Releia o seu livro e escreva com suas palavras o que essas características significam. 5. Leia o trecho abaixo sobre o nascimento da Filosofia e faça uma análise crítica em seu portfólio. Existem duas teorias que explicam o porquê da filosofia ter nascido na Grécia. A primeira delas afirma que o aparecimento da filosofia se deu através de influências da sabedoria oriental, com a qual os gregos tiveram contato em suas viagens. A outra teoria diz que o povo grego foi tão excepcional, que foram capazes de criar a filosofia de forma espon- tânea e única. 40 Anotações 41 o ser HumANo, um ANimAl que PeNsA e ArgumeNtA Capítulo 2 42 Tudo aquilo que vamos tratar neste capítulo são as nossas vivências cotidia- nas, pois iremos filosofar sobre nós, seres humanos! Você já parou para pensar o que nos possibilitou essa magnífica capacidade de pensar e interferir sobre o mundo? O ser humano é o único animal que consegue significar o que vê e vivencia. Vamos olhar isso mais de perto. Ao fim do capítulo, você será capaz de: • reconhecer o ser humano como biológico e cultural; • perceber a linguagem como fundamentadora do ser pensante; • identificar a capacidade de argumentar como própria do ser humano; • identificar a importância da cultura na análise filosófica; • compreender a necessidade da abstração para o pensar reflexivo. Sim, agora já sabemos o que é a Filosofia, como ela começou e seus três principais autores da Grécia antiga. Sabemos que a Filosofia é um convite a ver o mundo de uma nova forma, repensando o nosso senso comum e construindo uma avaliação crítica sobre o que nos rodeia. Também vimos no capítulo anterior que a Filosofia faz grandes questões que, como é próprio desse tipo de pensamento, nunca estão completamente respon- didas. São elas: de onde viemos? para onde vamos? o que é o homem? qual a atitude correta? Introdução Neste capítulo, vamos nos ater mais profundamente à questão sobre o que é o homem. Você lembra que questão nasce do momento em que a reflexão filosófica volta-se sobre si e questiona sobre quem é esse ser que pensa, o que o distingue dos outros seres, se ele teria ou não uma essência diferenciada? O que é o ser humano? O que é o homem? Essa que é a principal questão filosófica surge de uma reflexão sobre o próprio homem e sua relação com os outros, sobre o que somos e/ou podemos nos tornar. A sua importância está no fato de que qualquer outra questão, formas de pensar e de agir será sustentada pela concepção do que é o ser humano. Grandes questões – você poderá encontrar alguns textos falando apenas das três pri- meiras questões, porém a questão sobre “qual a atitude correta” permeia os textos dos grandes clássicos e dos modernos filósofos. Esse tema que discute a questão ética vai ser discutido no capítulo 4 e é de extrema importância para o trabalho do administrador. 43 A reflexão filosófica se sustenta na figura do ser humano que questiona e busca explicar o mundo e a si mesmo. A habilidade de pensar e argumentar é uma característica essencial do ser humano, assim como a possibilidade de conhecer e agir sobre o mundo que está ao seu redor. Observe que a pergunta sobre o homem é essencialmente uma questão an- tropológica, visto que é essa a ciência que investiga a humanidade e suas relações com outros no mundo, em todo tempo e lugar. O Ser Humano – Uma Análise Antropológica Muitos filósofos e pensadores buscaram solução para a questão da natureza humana. Será que o ser humano tem uma natureza diferente dos outros animais? O ho- mem é um animal primata, o único que habita ou é capaz de habitar todas as regiões do planeta, por que será? O senso comum nos mostra muitas diferenças, mas sabemos que o filósofo não se atém apenas ao que pensa e diz o senso comum, vamos então colocar nossas lentes para ver o mundo mais nítido e investigar. Vamos filosofar! Primata - grupo de mamíferos com um provável ancestral comum. Compre- ende lêmures, lóris, társios, macacos, símios e homens. Como já foi dito que essa é essencialmente uma questão antropológica, nada melhor do que outra pergunta antropológica para começar: você sabia que o aumento do cérebro humano coincide com o período das primeiras ferramentas de pedra? Pois é, isso aconteceu há 2,5 milhões de anos e foi quando surgiu o gênero homo. Ferramenta – qualquer objeto usado para facilitar uma tarefa. Observe que quando chimpanzés usam varetas para cutucar uma fruta ou para pescar estão usando ferra- mentas. Homo – gênero de mamíferos bípedes, no qual se inclui o ser humano (Homo sa- piens), único representante sobrevivente da família dos Hominídeos. 44 Saiba Mais Paleoantropólogos (são aqueles que estudam a origem e a evolução da atual espécie humana) encontraram pegadas de três homens que passearam sobre as cinzas de um vulcão, na Tanzânia, há 36 milhões de anos. O estudo do peso e distância dos passos não deixam dúvidas que já eram passos do homem. A segunda característica em importância é o crescimento do cérebro, que como já vimos está atrelado ao uso das mãos para a manufatura e a utilização de instru- mentos. Construir instrumentos só pode ser possível porque os hominídeos estão com as mãos livres tanto para carregar comida quanto para se proteger utilizando galhos e pedras. FIGURA 8 – Homo sapiens Então, se o aumento do cére- bro humano tem a ver com o fabrico das primeiras ferramentas de pedra fica fácil imaginar que o uso do trabalho nos dá pistas na busca que estamos procurando entender. Observe que para o homem po- der usar as mãos carregando ferramentas é necessário que ele não as utilize como meios de locomoção, ou seja, eles precisa- vam se locomover utilizando apenas dois pés, e não pés e mãos. Os primeiros ho- minídeos viviam em savanas e para buscar alimentos, sem se tornar um, era necessá- rio que se modificassem. Essas mudanças foram graduais e duraram tantos e tantos anos, gerando modificações anatômicas dos pés a cabeça dos primeiros humanos. O bipedalismo torna, assim, uma facilidade e uma possibilidade de preservação. O bipedalismo é considerado a primeira característica importante na nossa busca pela distinção do ser humano. Note que os seres humanos não são os únicos que possuem essa capacidade, mas são os únicos que desenvolveram mudanças significati- vas a partir dela. Fonte: Acervo NEAD/Unoeste (2012). Bipedalismo – forma especial de locomoção sobre os doispés. Para alguns an- tropólogos, o bipedalismo começou a se desenvolver ainda quando os hominí- deos habitavam as florestas. 45 Antropoide – do grego, antropos (homem) + éidos (forma), é uma classificação dos primatas com base em semelhanças morfológicas. Fazem parte os macacos (babuínos), os símios (orangotangos, gorilas, chimpanzés) e os seres humanos. Os macacos e os símios aprendem e adotam o comportamento e tradições do seu grupo social, tais como forma de organização em comunidade, hierarquia de dominação, formas distintas de caçar e em relação à limpeza. Esse modo de viver e a variação que eles realizam a partir dela permite falar que esses animais têm uma forma de cultura, porque são aprendidas e não dadas geneticamente. Podemos dizer que se comunicam, já que eles executam uma forma variada de gritos, acompanhados de movimentos de face e de corpo, visando à transmissão de mensagens, como as de ameaça e de defesa do grupo. As comunicações de carinho, como beijos e abraços, também são encontradas entre esses animais. Embora os outros antropoides tenham uma forma de linguagem e cultura, são exatamente essas duas características as mais importantes para passarmos dessa análise um tanto biológica e antropológica para uma reflexão mais filosófica. Vamos examiná-las mais atentamente. Outra característica importante é que os seres humanos necessitam viver em grupo. Sabemos que quando nasce um bebê humano, ele precisa incessantemente da mãe para permanecer vivo. Assim também acontece com outros animais, principalmen- te os mamíferos, entretanto em períodos bem menores que os da nossa espécie. Essa característica, embora não seja exclusividade nossa quando relacionada com as outras características já citadas, conduz ao aparecimento da cultura e da linguagem como for- mas de comunicação e interação. Outros primatas, principalmente os antropoides, também vivem em grupo e são animais sociais, muitos deles passam por um período de adolescência, quando modificam as suas relações com o grupo e migram para outros grupos sociais. O Ser Humano Também é um Ser Cultural “Existir é um modo de vida que é próprio do ser capaz de transformar, de produzir, de decidir, de criar, de recriar, de comunicar”. FREIRE (1982, p. 66). Para começarmos a nossa reflexão eminentemente filosófica vamos recordar o que diz o senso comum sobre o ser humano. Com certeza você já ouviu alguém falar em natureza humana, como quando diante de algum problema dizemos que “errar é humano”, ou quando querendo acalmar alguma pequena rixa entre as crianças dizemos: “não faça isso com a coleguinha, pois as mulheres são mais frágeis que os homens”! 46 Após essa reflexão, fica clara a falácia dessas e de outras afirmações do senso comum que se referem ao ser hu- mano como tendo uma natureza única, universal e invariável no tempo e no espa- ço. Se pensarmos outras afirmações desse tipo, encontraremos inclusive algumas que se contradizem: Falácia – é um argumento inválido que parece válido. Dizer que uma de- finição ou afirmação é falaciosa é di- zer que ela é enganadora. A ação instintiva é regida por leis biológicas, idênticas na espécie e invariáveis de indivíduo para indivíduo. A rigidez dá a ilusão da perfei- ção quando o animal, especializado em determinados atos, os executa com extrema habilidade. Não há quem não tenha ainda observado com atenção e pasmo o ‘trabalho’ paciente da aranha tecendo a teia. Mas esses atos não têm história, não se renovam e são os mesmos em todos os tempos, salvo as modificações determinadas pela evo- lução das espécies e as decorrentes de mutações genéticas. E mes- mo quando há tais modificações, elas continuam valendo para todos os indivíduos da espécie e não permitem inovações, passando a ser transmitidas hereditariamente. […] O ato humano voluntário, em contrapartida, é consciente da finalidade, isto é, o ato existe antes como pensamento, como uma possibilidade, e a execução é o resultado da escolha dos meios necessários para atingir os fins propostos. Quando há interferências externas no processo, os planos também são modificados para se adequarem à nova situação (ARANHA; MARTINS, 1993, p. 2-3). Instinto – estímulo ou tendências regidas por leis biológicas, logo herdadas da espécie que orienta a execução de certos atos e necessidades fundamentais. Observe que no primeiro exemplo atribuímos o erro à natureza humana. É o mesmo quando afirmamos que tal coisa “ocorre desde que o homem é homem”. O que podemos observar é uma natureza humana imutável, igual em todos os tempos e lugares. Errar é humano, é da natureza humana, logo se sou humano, não só posso, mas vou errar em algum momento! Uma questão de lógica! Quando falamos de natureza humana como algo universal a todos os ho- mens nos aproximamos do pensamento sobre os instintos dos animais, pois falar em natureza é dizer que uma coisa existe de forma necessária e universal e não depende da vontade ou ação dos homens. Assim, ao falarmos em instintos e natureza, estamos falando em universal, invariável, perfeitos e sem história. Veja a observação que Aranha e Martins (1993) fa- zem sobre esse assunto: 47 QUADRO 2 – Afirmações do senso comum 1 “É natural chorar na tristeza” “Homem não chora” 2 “É da natureza do homem ter medo do desconhecido” “Ela é corajosa, não tem medo de nada” Fonte: Adaptado de Chaui (1995, p. 288). Vamos analisar as afirmações acima e observarmos os seus equívocos e con- tradições. Na primeira linha, afirma-se que chorar na tristeza é próprio do ser humano, na sequência afirma-se que homem não chora, mas de onde podemos pensar que os homens, ou não ficam tristes, ou mesmo tristes não irão chorar, caso chorem não são humanos. Na segunda linha ocorre semelhante, pois o medo do desconhecido aparece como algo natural, a segunda afirmação diz que nós admiramos quem é destemido, ou seja, nós admiramos aquele que se contrapõe a natureza, aquele que não é humano. Nesse caso, acho que estamos assistindo a muitos filmes de super-heróis! Como não são fundamentadas na realidade, algumas das afirmações do sen- so comum podem se referir também a diferenças de natureza entre mulheres e homens, entre pobres e ricos, e ainda entre povos de grupos culturais distintos, como se fosse pos- sível ser natureza humana e, ao mesmo tempo, se diferenciar por gênero, grupos sociais, étnicos, etc. Os pesquisadores sobre cultura nos mostram que as crenças e conhecimen- tos do senso comum derivam de arranjos diferenciados para organização das sociedades em um determinado tempo e condições e que por isso podem estar carregadas de teor preconceituoso. Como são resultados de vivências de grupo, de seus acordos sociais em um tempo e espaço específico, e se alargam para outros grupos maiores sem terem sido analisadas ou reinterpretadas, tornam-se um dever ser que é repetido e sentido, mas que não deveriam nunca ser afirmados como verdades universais (retomaremos isso no capítulo 5). Vamos ver um exemplo da Chaui que, ao analisar uma parte da história do Brasil, desconstrói o senso comum da “indolência dos negros”: Os historiadores brasileiros mostram que, por razões econômicas, a elite dominante do século XIX considerou mais lucrativo realizar a abolição da escravatura e substituir os escravos pelos imigrantes europeus. Essa decisão fez com que o mercado de trabalho fosse ocupado pelos tra- balhadores brancos imigrantes e que a maioria dos escravos libertados ficasse no desemprego, sem habitação, sem alimentação e sem direito social, econômico e político. Em outras palavras, foram impedidos de trabalhar e foram mantidos sem direitos, tais como viviam quando estavam no cativeiro. Além disso, sa- be-se que quando os colonizadores instituíram a escravidão e trouxeram os africanos para as terras da América, fizeram tal escolha por conside- rarem que os negros possuíam grande força física, grande capacidade de trabalho e muita inteligência para realizar tarefas com objetivostécnicos 48 Cultura – ideias, valores, percepções e modos de vida de uma sociedade que são transmitidas e compartilhadas socialmente entre seus membros. Dizer que o ser humano é um ser cultural porque produz cultura, significa dizer que nenhum ato humano é unicamente biológico. Você ainda não acredita? Então pense em uma atividade bem cotidiana e ligada ao biológico. Por exemplo: o simples ato de comer! Ninguém consegue sobreviver se não se alimentar, não é mesmo? Mas você já pensou que as pessoas comem de jeito e formas diferentes? Já analisou que o que é alimento para um grupo pode não ser para outro? Que as horas das refeições podem ser realizadas em diferentes momentos e com invariáveis propósitos? Agora fica fácil analisar as frases do senso comum sobre a natureza humana sem cair nas pegadinhas que elas nos levam! Os homens se diferenciam pela sua classe social, sua condição histórica e econômica, de acordo com a política do seu país, uma das razões pode ser porque o homem perdeu muito do seu instinto e quando age ele determina o seu ser, o seu agir e pensar. Sempre que você se encontrar diante de um comportamento humano naturalizado é preciso parar para pensar, pois o homem, em seu processo de evolução, foi se distanciando da vida natural e criando outro mundo, o mundo cultural. Já vimos, então, que a noção de natureza humana não se sustenta, nos se- res humanos o que guia os comportamentos não é a existência de uma natureza única, e sim os acordos sociais realizados na vida em comunidade, pois os seres humanos são seres culturais. QUADRO 3 – Cultura Define a relação entre os indivíduos e deles com o mundo ao seu redor. Conjunto de conhecimentos acumulados, transmitidos de uma geração a outra pelo aprendizado. A transmissão é realizada por meio da linguagem. Fonte: Adaptado de Ribeiro (2010). As Influências da Cultura Uma das diferenças do ser humano e dos outros animais, até mesmo dos outros antropoides, é que ele possui uma forma específica de cultura. Inicialmente, vamos entender exatamente o que é cultura e depois voltaremos para analisar essas di- ferenças que nos permitem dizer que o ser humano é um ser cultural, mas que os outros antropoides apenas possuem cultura. como o engenho de açúcar. Se assim é, se a escravidão foi instituída por causa da grande capacidade de inteligência dos africanos para o trabalho da agricultura, se a abolição foi realizada por ser mais lucrativo o uso da mão de obra imigrante para um certo tipo de agricultura (o café) e para a indústria, como fica a afirmação de que a Natureza fez os africanos indolentes, preguiçosos e malandros? (CHAUI, 1995, p. 289, 290). 49 Nessas imagens percebe-se que cada grupo humano utiliza a natureza exis- tente ao seu redor e a adapta ao seu modo de viver. Podemos dizer mais! Hoje, com o processo de expansão das comunicações, o ser humano pode escolher o modo e a forma como quer viver. É possível encontrar no Brasil pessoas que adotam o estilo de vida dos japoneses, se vestem e se alimentam como eles, sem ao menos terem uma descendên- cia que sirva como justificativa, a não ser o mero desejo e vontade de ser como eles. Isso não acontece apenas com o comer, todos os atos humanos são costura- dos por orientações culturais, sendo, portanto, biológicos e culturais. Não se engane, os atos mais biológicos, como o nascer e o morrer, por exemplo, são os que mais carregam significados e rituais. FIGURA 9 – Atos biológicos e culturais Fonte: Acervo NEAD/Unoeste (2012). Dizer que o ser humano é um ser cultural significa afirmar que ele reflete e adapta o mundo às suas necessidades de sobrevivência. Observe as imagens a seguir: Saiba Mais Os Yanomamis, em seu ritual de morte, colocam o corpo em um jirau e penduram em árvores. Quando o corpo estiver decomposto, os ossos serão recolhidos e cremados. Nos rituais familiares, as cinzas são misturadas a um mingau de banana e os parentes tomam. O restante é enterrado no mesmo lugar onde fizeram o fogo. Todos os perten- ces do morto são queimados. 50 O homem como ser cultural aparece quando desenvolve a capacidade de comunicação oral e de fabricação de instrumentos direcionados a dar maior eficiência ao seu próprio corpo frágil. Dessa forma, a cultura é tudo o que é criado pelo homem, mas as necessidades dessa criação vêm de dentro do próprio homem e se voltam com força sobre o homem, é por isso que a cultura e o ser humano se desenvolveram juntos. Observe que apesar de ser criada pelo homem, a cultura também interfere e orienta a sua visão do mundo. Se a cultura é esse apanhado de conhecimento que o ser humano utiliza em sua vida cotidiana, o senso comum faz parte da cultura. Sendo Atenção Podemos afirmar que o ato humano é totalmente biológico e cultural: Totalmente biológico: porque somos primatas e mamíferos, somos animais como os ou- tros e sofremos os limites do nosso corpo e atendemos a nossas necessidades fisiológicas. Totalmente cultural: porque todo ato do homem é culturalizado, pois ele é um ser social. Fonte: Adaptado de Morin (1982). O equipamento físico humano é muito pobre: o homem não tem muita agi- lidade, nem força, nem acuidade visual, em contrapartida foi dotado de uma grande capacidade de adaptação. Foi essa diferente forma de adaptação que, segundo o profes- sor Roque Laraia (2009), estudioso do tema cultura, permitiu ao homem se separar da natureza e expandir como espécie em todas as partes da Terra: com a cultura o homem não se modifica, ele modifica o meio, cria, inventa e reinterpreta até o que já foi criado por outros. Tudo isso porque ele consegue aprender e adaptar esse aprendizado às no- vas necessidades e dificuldades. O homem é biológico, mas a sua ação é permeada pelo cultural, e não pela orientação natural. Quando interfere no seu ambiente e nas suas relações sociais o que o orienta não são os reflexos ou instintos hereditários, e sim a aprendizagem e a refle- xão sobre as experiências vividas e compartilhadas, visando melhorar a sua capacidade no ambiente. O homem reproduz e inventa técnicas e modos de viver em comunidade. Cultura é apenas aprendizagem, não tem nada a ver com genética! O homem é o resultado do meio cultural em que foi socializado. Ele é herdeiro de um longo processo acumulativo, que reflete o conhecimen- to e a experiência adquirida pelas numerosas gerações que o antece- deram. A manipulação adequada e criativa desse patrimônio cultural permite as inovações e as invenções. Estas não são, pois, o produto da ação isolada de um gênio, mas resultado do esforço de toda uma comunidade (LARAIA, 2009, p. 45). 51 Agora você percebe a diferença entre a cultura dos homens e a dos antro- poides? Houve um tempo em que era comum a visão de que a cultura dos não humanos era considerada como “elementar” e “concreta”, ou seja, respondiam apenas a proble- mas imediatos, podiam ser aprendidos, mas não necessariamente ensinados. Cientistas relatavam experiências em que chimpanzés aprendiam brincadeiras, que eram copiadas por todo o grupo, mas sempre terminavam com o esquecimento, após o cansaço e a passagem da moda. Estudos recentes, no entanto, afirmam que não só os antropoides, mas a maioria dos mamíferos, aprendem com os adultos do seu grupo ou em contato com es- tímulos novos (membros de fora do grupo ou dificuldades do ambiente), inclusive cons- troem ferramentas para executar algumas atividades como as varas para a pesca, ou para conseguir alimento em formigueiros, ou utilizam pedras como martelo para quebrar certos tipos de noz. Tais características aprendidas não são incorporadas de modo rápido e podem demorar mais de uma geração para se tornar um padrão. parte e resultado da ação cultural nada pode ser dito como imutável (que não poder ser modificado), devemos, portanto, ter atenção nas afirmações preconceituosas do senso comum em relação a pessoas que se comportam diferente dos nossos padrões. Fica claro perceber que as ações do homem sãopermeadas de cultura quan- do notamos a semelhança ou a diferença de certos comportamentos entre indivíduos de diferentes épocas, grupos ou condições sociais diferentes, já que tais diferenças são em grande parte explicáveis devido às orientações culturais do grupo a que pertencem. Importante O modo de ver o mundo, as apreciações de ordem moral e valorativa, os diferentes comportamentos sociais e mesmo as posturas corporais são assim produtos de uma herança cultural, ou seja, o resultado da operação de uma determinada cultura (LARAIA, 2009, p. 68). Saiba Mais Chimpanzés jovens aprendem a construir ferramentas para caça de pequenos insetos com galhos de árvores. As folhas são retiradas e o galho bem limpo é coloca- do dentro do ninho de formigas e de cupins, depois de alguns minutos de espera o galho é retirado para um bom lanche! Fonte: Acervo NEAD/Unoeste (2012). 52 O aspecto simbólico mais importante de uma cultura é a língua, ela expressa o modo de vida de um grupo, refletindo na sua forma de ser, de viver e na sua identidade. A linguagem nos permite transmitir informações e compartilhar experiências individuais e coletivas, por meio da tradução de preocupações, crenças, percepções e símbolos que podem ser interpretados por outros. Também é pela linguagem abstrata que o homem antecipa uma situação futura e pode criar instrumentos para se adaptar a ela. Veja a explicação de Aranha e Martins sobre o elemento simbólico: Então, agora eu faço uma boa pergunta: o que falta na cultura dos outros animais, mas que existe na cultura do homem e que faz tanta diferença? Falta a possibilidade de abstração. O homem utiliza da linguagem simbólica para produzir sua cultura do nível e detalhamento que produz. Pois só a linguagem sim- bólica permite a elaboração de ideias abstratas que possibilita representar o que não está presente. A Linguagem como Fundamentadora do Ser Pensante O homem é um animal simbólico, que se comunica com seus semelhan- tes através de símbolos - dos quais o mais importante é a linguagem. O conhecimento da ação humana exige a decifração e a interpretação destes símbolos, cuja significação é quase sempre incerta, às vezes des- conhecida, e apenas passível de ser reconstruída por conjeturas – línguas mortas ou primitivas (BOBBIO; MATTEUCCI; PASQUINO, 1998, p. 168). A possibilidade para a cultura no ser humano se aperfeiçoa com a capaci- dade de abstração da inteligência humana, pela qual se pode superar o aqui e o agora e existir de forma única no tempo. Essa capacidade de abstração da mente humana permite a criação de símbolos que fazem parte de todos os aspectos da cultura. Abstração – tudo aquilo que está situado no domínio do pensamento, e não da exis- tência real. É por meio do processo de abstração (abstrahere: arrancar, desligar) que o homem cria conceitos e representa o real. Símbolo – signo, som, emblema que estão arbitrariamente ligados a algo e que o repre- senta de forma significativa. Importante Você já reparou que quando conhecemos alguém perguntamos logo de onde ela é? Bus- camos essa identidade de grupo para esse primeiro contato. 53 Os símbolos permitem o distanciamento do mundo concreto e a elabo- ração de ideias abstratas: com o signo ‘casa’, por exemplo, designamos não só determinada casa, mas qualquer casa. Além disso, com a lin- guagem simbólica o homem não está apenas presente no mundo, mas é capaz de representá-lo: isto é, o homem torna presente aquilo que está ausente. A linguagem introduz o homem no tempo, porque permi- te que ele relembre o passado e antecipe o futuro pelo pensamento. Ao fazer uso da linguagem simbólica, o homem torna possível o desenvol- vimento da técnica e, portanto, do trabalho humano, enquanto forma sempre renovada de intervenção na natureza. Ao reproduzir as técnicas já utilizadas pelos ancestrais e ao inventar outras novas – lembrando o passado e projetando o futuro – o homem trabalha (ARANHA; MAR- TINS, 1992, p. 29). É por meio da linguagem, esse fator de mediação para tudo o que foi viven- ciado e realizado, que o homem consegue trazer o passado e o futuro para o presente. Imagine contar como foi as suas férias na praia sem a linguagem? Nesse caso, a lingua- gem pode ser a fala, um desenho, uma dança. Mas todas essas possibilidades são uma forma de abstração, ou seja, uma representação do real, e não ele mesmo. Assim, o fato mais importante ligado à capacidade de falar é que o ser huma- no pode, a partir desse momento, contar fatos acontecidos que outros não vivenciaram, além de projetar coisas para fazer no futuro. Essa separação em passado (coisas que foram vividas), presente (o agora) e futuro (projetos, sonhos), nem sempre foram ditas ou sentidas como uma divisão tem- poral, mas o que é certo é que o ser humano conseguiu isso quando pôde, a partir das palavras, separar o que ele via e vivia e o que ele podia ou queria contar sobre aquilo. Portanto, quando conseguiu fazer abstrações. Assim, a linguagem é parte da cultura, mas a cultura só existe porque o homem desenvolveu a comunicação oral. Saiba Mais Deixamos nossa marca no mundo em que vivemos porque nós, seres humanos, somos: • sapiens – podemos refletir e saber • loquens – temos linguagem articulada • faber – fabricamos artefatos e instrumentos • symbolicus – criamos e utilizamos símbolos • ludens – podemos usar nossa criatividade e imaginário 54 Saiba Mais A cultura é baseada em símbolos Grande parte do comportamento humano envolve símbolos – signos, sons, emblemas e outros elementos que se relacionam a algo e o representam de forma significativa. Como, geralmente, não há relação inerente ou necessária entre um objeto e a sua re- presentação, os símbolos são arbitrários, adquirindo significados específicos quando as pessoas concordam em usá-los em sua comunicação. […] O aspecto simbólico mais importante da cultura é a língua, o uso de palavras para representar objetos e ideias. Por meio da língua, os homens conseguem transmitir a cultura de uma geração para outra. Em particular, a língua possibilita o aprendizado acumulativo de experiência compartilhada. Sem ela, uma pessoa não poderia transmi- tir informações sobre eventos, emoções e outras experiências a pessoas que deles não participam. Fonte: Adaptado de Haviland et al. (2011, p. 196-197). A Linguagem Humana Os gregos antigos se preocuparam em entender a linguagem. Aristóteles inicia a sua obra A Política afirmando que só o homem é um animal político, porque ele é dotado de linguagem. O interesse era saber se a linguagem seria algo da natureza humana (olha ela aqui mais uma vez!) ou um acordo realizado pelos próprios homens. Perceba que os gregos procuravam saber se as coisas tinham sentido próprio, em si mesmas, ou se elas eram arbitrárias, criações dos homens. Após muitas discussões, tornou-se consenso que a capacidade de comuni- cação pela linguagem nos seres humanos é fundamentada em uma formação biológica, sendo, portanto, natural. Nascemos com uma “programação” biológica (aparelhagem física, anatômica, nervosa e cerebral) que nos permite emitir sons, transmitir gestos e nos expressarmos pela palavra. Mas como vamos nos expressar, quais combinações de letras, sons e pala- vras expressam sentido? Isso é resultado de uma convenção. Assim, todas as línguas são aprendidas, logo arbitrárias, porque estão ligadas às condições históricas e resultam de acordos sociais. Mas, como se tornam sistemas, as línguas funcionam como se fos- sem naturais, ninguém fica pensando em análise morfossintática quando fala em uma conversa com os amigos. Na linguagem é consenso entre os estudiosos que a única forma não apren- dida é o choro dos bebês. Esse é o momento em que o homem utiliza muito do seu aspecto biológico, pois ainda não aprendeu nada da sua cultura. 55 QUADRO 4 – Possibilidades de respostas sobre a origem da linguagem Por imitação de sons (onomatopeia) Por imitação de gestos (pantomima) Para satisfazer neces- sidadeDas emoções (linguagem figurada) Os humanos imita- riam os sons da na- tureza (dos animais, do trovão, do vulcão, etc.). Os humanos deram inicialmente sentido aos gestos. As palavras haviam surgido em respostas a várias necessida- des, principalmente de abrigo e proteção. Do grito (medo, surpresa ou alegria), do choro (dor, medo, compaixão), e do riso (prazer, bem-estar, felicidade). Fonte: Chaui (1995, p. 140). Chaui (1995) observa que essas teorias não são excludentes e que é grande a possibilidade de a língua ter se formado da junção dessas quatro ideias e modos de expressão. A filósofa continua: Uma linguagem se constitui quando passa dos meios de expressão aos de significação, ou quando passa do expressivo ao significativo. Um gesto ou um grito exprimem, por exemplo, medo; palavras, frases e enunciados significam o que é sentir medo, dão conteúdo ao medo (CHAUI, 1995. p. 141). É certo que muitos outros seres possuem mecanismos de comunicação, mas o homem possui uma linguagem articulada. A língua é, provavelmente, nas sociedades humanas, o que melhor pode transmitir uma cultura, tanto oral quanto escrita, pois per- mite um aprendizado acumulativo da experiência compartilhada, principalmente no que diz respeito às emoções e às experiências que os individualizam. É pela linguagem que temos acesso ao mundo e ao pensamento. A Argumentação Filosófica Todo mundo em algum momento utiliza essa ferramenta própria do filosofar, que é a argumentação. Você sabe o que é isso? Quando estamos debatendo com um amigo sobre algum tema buscamos em nossas experiências pessoais, em nossas leituras e informações algo que justifique e sus- tente as nossas opiniões. Partimos de um conhecimento mais simples e mais conhecido e vamos elaborando a questão, chegando a novas certezas a fim de convencer as pessoas com quem estamos conversando. Isso é argumentar! A argumentação tanto pode ser utilizada para afirmar uma opinião como para negá-la, a sua função é convencer e para isso ela precisa de uma lógica. Argumentar – é um tipo de raciocínio que busca expor de forma ordenada um conjun- to de ideias, razões e provas que justifiquem uma opinião ou ponto de vista. 56 QUADRO 5 – Passo a passo do argumento 1º Passo As premissas são o ponto de partida e nascem da nossa observação do mundo. 2º Passo Ao relacionar as premissas obte-mos a conclusão. Fonte: Adaptado de Savian Filho (2010). Nós afirmamos, no capítulo anterior, que indagar é a atitude própria da re- flexão filosófica. Mas a Filosofia não se restringe apenas a reflexão e questionamentos pessoais, muitas vezes tais análises precisam ser compartilhadas, de forma que é preciso defender e sustentar as ideias com argumentos. Na verdade, isso não acontece apenas na Filosofia, a necessidade de con- vencer acontece sempre quando falamos sobre algum assunto e queremos demonstrar que a nossa análise ou reflexão é a correta. Então, para convencer, buscamos explicitar os caminhos e as evidências que usamos para alcançar aquele pensamento. Claro que não vamos confundir argumentação com persuasão! Podemos afir- mar que toda argumentação é um discurso persuasivo, porém nem toda persuasão é uma argumentação, já que a persuasão está fundamentada na sedução e apelos poucos racionais ou falsas crenças. O que na vida cotidiana chamamos de opinião, nas áreas acadêmicas são denominadas de conhecimento científico ou conhecimento objetivo, pois eles buscam responder sobre uma verdade a que nos relacionamos ou estudamos. A Filosofia tem na argumentação um forte aliado na busca para defender as suas reflexões sobre o mundo. Vimos que essas reflexões da Filosofia se orientam, inicialmente, contra as indicações do senso comum, não podendo, por isso, se sustentar apenas em conhecimentos individuais. A argumentação como instrumento da Filosofia precisa estar baseada em um raciocínio sólido, que a justifique e prove. Quando o argu- mento é mais que uma opinião bem defendida ele é chamado de demonstração. O ponto de partida do argumento é sempre as nossas vivências cotidianas e já vimos que o caminho é feito por uma análise crítica delas. O argumento tem assim dois passos fundamentais: as premissas, questões feitas a partir da observação do mun- do cotidiano, que podem ser verdadeiras ou falsas; e a conclusão, alcançada a partir da relação entre as premissas. Importante Uma pessoa que saiba argumentar bem se baseia em todas as suas informações e leitu- ras para poder discutir vários pontos de vista. Assim, saber argumentar agrega valor e aumenta a habilidade de relacionamento interpessoal muito valorizada no mercado de trabalho (SUAREZ, 2001). 57 Precisamos aprender a ouvir o que nos dizem, para saber se são premissas, ou não. Para ser um argumento, as premissas precisam ter relação entre si. Vamos ana- lisar esse exemplo clássico: Todos os homens são mortais. Sócrates é homem. Logo, Sócrates é mortal. Esse é um argumento válido, pois todas as premissas são verdadeiras e a conclusão também. Mas quase nunca encontraremos no dia a dia, no trabalho ou na conversa com amigos e familiares, uma argumentação assim arrumadinha. Muitas vezes, uma das premissas estará escondida em alguma afirmação que compartilhamos; essa premissa implícita recebe o nome de pressuposto. Observe o exemplo: Ana ama a filha, porque cuida bem dela. Se desmembrarmos faltará uma premissa. Fica implícita a pre- missa (pressuposto) de que “quem ama cuida bem”. Assim, bem arrumado, o raciocínio apareceria assim: Quem ama cuida bem (pressuposto) Ana cuida bem da filha (premissa) Ana ama a filha (conclusão) A parte da Filosofia que estuda a argumentação é a lógica, que pode ser entendida como a ciência da prova, da reflexão ou da argumentação. Parada Obrigatória Falamos que a Filosofia em seu início tinha preocupação com a origem de tudo, o devir (permanente mutação, movimento) e que todos os filósofos pré-socráticos buscavam encontrar na natureza o que seria esse princípio primordial. O aparecimento da lógica está ligado a essa discussão. Foi a discussão sobre o devir que gerou uma oposição bastante forte entre dois filóso- fos, Heráclito de Éfeso e Parmênides de Eleia. Para Heráclito, apenas o devir era real, de modo que o mundo era um constante fluxo, onde tudo se transformaria ao seu contrá- rio, embora fosse possível “perceber” algumas coisas como permanentes. Parmênides discordava desse pensamento e dizia que o devir era uma aparência, o ser era idêntico a si mesmo, não mudava. Porém, nossas sensações, percepções e lem- branças nos levam ao erro. O que existe de real não muda nunca, é permanente, é a identidade. Esse problema resistiu por muito tempo, até o apogeu da Filosofia quando retorna com Platão e Aristóteles. Para Platão (com a sua dualidade entre mundo sensível e mundo 58 das ideias), nessa discussão, o Heráclito estava com a razão em relação ao mundo real ou físico, das sensações e percepções. Mas, de acordo com as suas ideias, esse mundo era uma aparência, uma mera sombra do mundo verdadeiro. O mundo das ideias era para Platão o mundo verdadeiro, de essências imutáveis, sem contradições, onde nada se transformava, logo sobre esse assunto quem tinha razão era Parmênides. Para explicar essa dualidade Platão recorreu ao Mito da Caverna, onde concluiu que a dialética, por meio de opiniões opostas e da argumentação, permite a passagem das imagens contraditórias do vivido aos conceitos que serão idênticos a todos os homens. Aristóteles era discípulo de Platão, mas tinha ideias próprias, acre- ditando que essência e aparência coexistiam em um mesmo mundo. Observava que alguns seres tinham como essência a mudança e outros a permanência, o que para ele não era uma contradição, já que no seu ponto de vista a modificação era a realização da potência do ser. Assim, Parmênides tinha razão, pois o pensamento exige identidade, mas também Heráclito tinha razão, porque as coisas mudam quando se potencializam.No entanto, ambos erraram por ver identidade e mudança como algo contraditório. Partindo para o debate com Platão, Aristóteles discordava de que a dialética fosse a forma segura para orientar o pensamento filosófico e científico. Afirmava que o debate não era suficiente para se alcançar a essência das coisas. Tornava necessário um con- junto de regras e procedimentos de demonstração e prova. Assim surgia a Lógica (que inicialmente era chamada analítica), um instrumento que, antecedendo o exercício do pensamento e da linguagem, nos fornece meios para realizar o conhecimento. Fonte: Adaptada de Chaui (1995, p. 180-182). A Democracia na Grécia Antiga e a Argumentação Você sabia que o aparecimento da democracia na antiguidade grega (fim do século V e todo século VI a.C.) fez com que a argumentação ganhasse grande importân- cia na vida dos seus cidadãos? O poder de argumentação se tornou tão importante que passou a fazer parte da educação grega. Vamos ver como isso aconteceu. Quando falamos de democracia e de seu nascimento, pensamos em Atenas, cidade grega, afinal foi lá que ela começou a se desenvolver do jeito que nós conhece- mos. Mas, mesmo na Hélade (ou Grécia), nem sempre as coisas foram como são hoje. Houve um tempo em que as funções políticas, mesmo as mais simples, como a opinião sobre um fato da vida da cidade, ou as mais complexas, como a escolha ou o voto dos governantes, não faziam parte da vida dos cidadãos, até porque ainda não havia cida- dão. Foi a chegada da democracia que possibilitou seu surgimento e o desenvolvimento da política. 59 Cidadão – nessa época só tinha cidadania aqueles que tinham igualdade perante a lei (isonomia) e poder de fala nas discussões públicas (isogoria), ou seja, a democracia gre- ga era apenas para os homens adultos e livres. As mulheres, velhos, crianças e escravos estavam fora dessa festa democrática, assim como os estrangeiros. Parada Obrigatória Sobre a democracia ateniense: Democracia é, em grego, a palavra que significa o governo do povo; e a democracia ateniense era um exemplo muito fiel de tal regime. Atenas não era como uma demo- cracia moderna, na qual os cidadãos elegem representantes que formam um governo. Ao invés disso, cada cidadão tinha o direito de participar em pessoa no governo, com- parecendo numa assembleia geral onde podia ouvir os discursos dos líderes políticos e depois dar o seu voto. Para ver o que isso significaria em termos atuais, imagine os membros do governo e da oposição falando na televisão durante duas horas, após a apresentação seria tomada a decisão com base nos votos fornecidos por cada espectador ao clicar ou o botão do «sim», ou o botão do «não» do televisor. Para tornar o paralelo rigoroso, teria de acres- centar-se que apenas aos cidadãos do sexo masculino, com mais de 20 anos, seria per- mitido clicar o botão, mas não às mulheres, nem às crianças, escravos ou estrangeiros. Fonte: Adaptado de Kenny (2003, p. 46). Com a democracia, a eleição tornou-se direta e os cidadãos passaram a se autorrepresentar nas decisões públicas que aconteciam nas assembleias da ágora. Todos os cidadãos tinham o direito de exprimir, discutir e defender as suas opiniões, mas para isso eles precisavam argumentar e conseguir persuadir a maioria dos presentes. A necessidade de ser um bom argumentador fez mudar a educação, que antes era baseada no ideal aristocrático do guerreiro belo e bom. Na nova Atenas, os Saiba Mais Atenas foi a cidade grega que concentrou o ideal da democracia. Centrada nos estudos, era uma cidade aberta para o mar (península Ática), por isso recebeu muitas influências externas, principalmente relacionadas ao desenvolvimento artístico e cultural. A litera- tura, a arquitetura e a oratória eram atividades bastante desenvolvidas, mas que apenas eram possíveis para as famílias de posses, pois se desenvolvia com a dedicação ao ócio. 60 Retórica – arte de falar em público de forma eficaz e persuasiva. jovens precisavam ser bons oradores, ou seja, precisam saber falar bem em público e persuadir os seus antagonistas na política, fazendo surgir a retórica, a partir da palavra o orador designava o cidadão que iria falar em praça pública. Dica de Vídeo O Enigma de Kaspar Hauser (Jeder für Sich und Gott Gegen Alle), filme ale- mão de 1974. Diretor: Werner Herzog Duração: 110 min. Gênero: Drama, histórico, biografia. Ágora – essa palavra grega deriva de comércio, mas também de reunião. Era a prin- cipal praça onde ocorriam as feiras e mercados das cidades gregas da Antiguidade clássica. Por ser um lugar que reunia muita gente, era lá que as discussões sobre os assuntos importantes aconteciam. Se antes os jovens eram educados pelos poetas e poemas, agora surgia a figura dos sofistas prontos para ensinar a retórica. Os sofistas você já conheceu, pois vimos no capítulo 1, lembra-se? O discurso retórico visava à ação na cidade e, por isso, teve como proposta convencer os que os escutavam, o que permitiu aos sofistas se apoiarem na simples opinião, e não no conhecimento verdadeiro. Como arte de bem falar, para os gregos, a retórica era o bom uso do argumento no discurso para ganhar uma causa, mas também era o uso das técnicas de persuasão e manipulação do dito. Como o filosofar inicialmente era realizado na ágora, por meio do diálogo, a arte de bem argumentar e demonstrar era uma ferramenta importantíssima. Hoje, a arte da boa argumentação está presente em todos os âmbitos da nossa vida, principalmente no trabalho. Um administrador vai utilizá-la em muitas situa- ções em seu trabalho para comunicar informações ou para motivar sua equipe. Lembran- do que argumentar não é discutir com os colaboradores nem com os clientes, mas sim chamá-los a conhecer melhor o assunto que você apresenta, é gerenciar a informação que você tem a oferecer pelas demonstrações e provas. 61 Resumo Este capítulo mostrou como a Filosofia está bem envolvida com a vida co- tidiana, pois está relacionada com a questão sobre o que é o homem. Analisamos com a reflexão filosófica o que é o ser humano. Vimos que o ser humano, além de ser um animal, é também um ser cultural. Estudamos ainda o importante papel da linguagem para a formação do pensamento abstrato, simbólico. Observamos como a habilidade de pensar e argumentar é uma característica essencial do ser humano, assim como a pos- sibilidade de conhecer e agir sobre o mundo que está ao seu redor. Sintetize Vamos refletir um pouco sobre o assunto estudado neste capítulo. 1. Faça suas considerações sobre a seguinte frase: “Podemos afirmar que o ato humano é totalmente biológico e cultural”. 2. Com suas palavras, diferencie o ser humano como biológico e como cultura. 3. Escreva um texto crítico sobre o papel da linguagem na constituição do ser humano. 4. Desenvolva uma análise sobre a frase: “O homem é um animal simbólico”. Textos Complementares O que é a arte da persuasão? Os sofistas ensinavam técnicas de persuasão para os jovens, que apren- diam a defender a posição ou opinião A, depois a posição ou opinião contrária, não-A, de modo que, numa assembleia, soubessem ter fortes argumentos a favor ou contra uma opinião e ganhassem a discussão. Fonte: Chaui (1995, p. 37). 62 Natureza Humana Mas será pertinente falar em “natureza humana”? O filósofo Renato Janine Ribeiro, da Universidade de São Paulo (USP), acredita que não: a diversidade de com- portamentos e valores que encontramos em diferentes sociedades desmentiria a ideia de uma natureza única e imutável. Ele afirma que mesmo características tidas como universais sofrem alterações ao longo da história. O amor aos filhos é um exemplo: em Esparta, a prática do infanticídio era comum. O filósofo Luiz Felipe Pondé, professor da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo e pesquisador convidado da Uni- versidade de Marburg, Alemanha, discorda: “Natureza humana, como todo conceito, pode sofrer alterações, mas acredito que uma certa permanência de comportamentohumano possa ser confirmada. Mesmo acerca do relativismo antropológico, ainda que mudem os valores, o animal humano permanece um animal moral, o que significa que faz parte da sua natureza a percepção do mundo ao seu redor via estabelecimento de valores”. No entanto, Edson Souza diz que, do ponto de vista da psicanálise, o homem é o ser mais desprovido em termos naturais. O bebê depende por mais tempo da mãe: “Nossa dependência em relação ao outro está inscrita no nosso corpo. E essa relação é mediada pela palavra, pela linguagem. As inscrições do código genético não são sufi- cientes para a construção do objeto em que investimos o nosso afeto”, afirma. Como se vê, há uma grande pluralidade na abordagem do assunto. De acordo com Pinker, porém, a visão relativista tornou-se o paradigma predominante das ciências humanas. O modelo corrente – que ele acredita remontar à obra do filósofo inglês John Locke (1632-1704) – seria o da tábula rasa: o ser humano não traz nenhuma característica inata. Nasce como uma folha em branco, na qual a sociedade vai imprimir seus valores básicos. Dessa visão fundamental surgiriam duas convicções subsidiárias: a ideia de que o homem em estado natural é bom e a sociedade o perverte, cuja formulação mais conhe- cida é o “bom selvagem” de Jean-Jacques Rousseau (1712-1778). A outra é o chamado dualismo filosófico, de René Descartes (1596-1650): a crença de que corpo e alma são entidades distintas. Fonte: Teixeira (2003). 63 Abstrato/concreto Muitas pessoas utilizam o termo “abstrato” para referir algo impreciso, vago, sem conexão com a realidade e sem objetividade. Mas isso é incorreto. Um termo refere algo abstrato se aquilo que é referido por esse termo não tem existência espaço- temporal, isto é, se não existe num lugar qualquer nem num determinado momento. Por exemplo, a justiça é uma entidade abstrata, pois não tem localização espaço-tem- poral, não se podendo confundir com os casos concretos de situações justas, que têm localização espaço-temporal. As propriedades são, pois, exemplos típicos de “coisas” abstratas; a propriedade de ser árvore, por exemplo, não se confunde com as próprias árvores. Cada árvore em particular é concreta, dado que existe no espaço e no tempo; mas a própria propriedade de ser árvore é abstrata dado que não existe no espaço nem no tempo. Supostamente, os números e as proposições também não têm existência espaço-temporal, pelo que são exemplos comuns de entidades abstratas. Por sua vez, diz-se que uma entidade é concreta se tem uma existência espaço-temporal, ou seja, se existe ou existiu numa dada ocasião, num certo sítio. Assim, a árvore que está nes- te momento à entrada do portão principal da minha escola é uma entidade concreta. Exemplos de entidades concretas são também a dor de dentes que tive hoje à tarde, o suspiro de Pedro ao ver Inês, a ponte Vasco da Gama, a Marisa Cruz, etc. Esta distinção nem sempre é pacífica: os nominalistas, por exemplo, rejeitam a existência de entidades abstratas. Fonte: Aires (2003). Linguagem [...] Muito mais do que um meio, a linguagem é algo como um ser, e é por isso que consegue tão bem tornar alguém presente para nós: a palavra de um amigo no telefone nos dá ele próprio, como se estivesse inteiro nessa maneira de interpelar e de despedir-se, de começar e terminar as frases, de caminhar pelas coisas não-ditas. O sentido é o movimento total da palavra, e é por isso que nosso pensamento demora-se na linguagem. Por isso também a transpõe como o gesto ultrapassa os seus pontos de passagem. No próprio momento em que a linguagem enche nossa mente até as bordas, sem deixar o menor espaço para um pensamento que não esteja preso em sua vibração, e exatamente na medida em que nos abandonamos a ela, a linguagem vai além dos “signos” rumo ao sentido deles. E nada mais nos separa desse sentido: a linguagem não pressupõe a sua tabela de correspondência, ela mesma desvela seus segredos, ensina- -os a toda criança que vem ao mundo, e inteiramente mostração. Sua opacidade, sua obstinada referência a si própria, suas retrospecções e seus fechamentos em si mesma são justamente o que faz dela um poder espiritual: pois torna-se por sua vez algo como um universo capaz de alojar em si as próprias coisas - depois de as ter transformado em sentido das coisas. Fonte: Merleau-Ponty (1991, p. 45). 64 Atividades 1. Após realizar uma leitura atenta do capítulo 2, analise a afirmação a seguir e anote as conclusões no seu portfólio: “O homem é um ser eminentemente sociocultural”. 2. Cite dois exemplos de atitudes ou realizações humanas que parecem naturais, mas que são diferentes de uma cultura ou grupo para outro, e explique o por quê. 3. Reflita atentamente sobre a afirmação a seguir e disserte sobre o papel da abstração na vida humana: “É por meio da linguagem e do trabalho que o homem dá sentido ao mundo”. 4. A linguagem é natural ao ser humano ou uma convenção social? Responda a questão tendo como base as leituras sobre o tema linguagem e cultura. 5. Com base nas leituras realizadas durante o capítulo 2, explique o que significa dizer que temos e somos linguagem? Anotações 65 CoNHeCimeNto e suAs diFereNtes FormAs de ComPreeNsão dA reAlidAde Capítulo 3 66 Neste capítulo, já familiarizado com alguns conceitos filosóficos, além dos conceitos de sociedade, cultura, antropologia e linguagem, iremos esboçar em linhas gerais as diferentes formas de conhecimentos ou como construímos o conhecimento. Ao fim do capítulo, você será capaz de: • explicar o que significa conhecer; • identificar formas diferentes de conhecimento; • reconhecer de que maneira construímos os nossos conhecimentos sobre o mundo; • compreender o trabalho enquanto atividade humana; • identificar o que é uma organização; • reconhecer a importância do conhecimento e da comunicação nas organizações. Introdução O que Significa Conhecer? E então: quem diz o que se diz? Sem dúvida, cada um de nós; mas dizemos o que dizemos como o guarda nos impede o passo; dizemo- lo, não por conta própria, mas por conta desse sujeito impossível de capturar, indeterminado e irresponsável que é a gente, a sociedade, a coletividade. Na medida em que penso e falo - não por própria e indi- vidual evidência, mas repetindo isso que se diz e que se opina - minha vida deixa de ser minha, deixo de ser personagem individualíssimo que sou e atuo por conta da sociedade: sou um autônomo social, estou socializado (GASSET, 1960, p. 206-207). Você já pensou sobre o que é o conhecimento? Ou como ele acontece? Neste capítulo, vamos tratar um pouco sobre esse tema instigante! O conhecimento ou o que podemos definir enquanto conhecimento relacio- na-se às informações que recebemos ao longo da vida por meio das experiências formais ou informais, ou seja, informações que nos chegaram pela escola, família, sociedade, etc. Mais precisamente o conhecimento está relacionado ao conteúdo de sentido que damos às nossas experiências cotidianas. Assim, podemos afirmar que construímos o conhecimento de mundo dando significado às ideias e conceitos que recebemos durante toda a nossa existência. 67 Atenção A intenção neste capítulo é fornecer de forma geral e ampla os caminhos para a compre- ensão da dimensão do processo do conhecimento. Esperamos que, ao final, você esteja em condições de pensar e refletir numa perspectiva crítica sobre como adquirimos co- nhecimento e sua importância para a condução das nossas ações. Gabriel, o Pensador O Pensador, de Auguste Rodin O conhecimento é a construção de significados que as pessoas e a sociedade fazem sobre o mundo, a partir de experiências da vida coti- diana. Podemos dizer que é a compreensão da realidade, ou seja, das ideias que construímos, é o resultado da nossa relação com o mundo (ALECRIM, 2010, p. 39). No capítulo anterior, discutimos sobre o ser humano como um ser biológico e cultural. Vimos ainda que a linguagem tem um papel fundamental para o pensar e,desse modo, para a possibilidade de filosofar. A linguagem é a característica essencial do ser humano, ela nos torna capazes de conhecer e agir sobre o mundo. A importância da linguagem aparece, neste capítulo, relacionada à cons- trução do conhecimento, pois somos seres sociais e, como tais, necessitamos nos co- municar, transmitir informações sobre o que sentimos, o que pensamos e para tanto utilizamos a linguagem. Assim, podemos afirmar que é por meio da linguagem que conhecemos e pensamos o mundo. Existem duas formas de nos expressarmos pela linguagem: a escrita e a ora- lidade. A comunicação é mais fácil quando utilizamos a linguagem oral, já que é comum nesses momentos, principalmente na comunicação face a face, usarmos recursos corpo- rais, tais como as expressões faciais, os gestos com as mãos, entre outros. São os recursos extratextuais. Fonte: Acervo NEAD/Unoeste (2012). 68 A outra forma de linguagem é a escrita, mais difícil que a oral, pois neces- sitamos ter conhecimento das regras da gramática normativa, morfossintáticas, para construirmos argumentos textuais que expressem nossas ideias e conceitos. Conhecemos o mundo por meio da leitura que fazemos ou como nos colo- cou Freire (1982, p. 08): “a leitura do mundo precede sempre a leitura da palavra e a leitura desta implica a continuidade da leitura daquela”. Podemos concluir, então, que aquilo que nos é apresentado tanto pela linguagem oral quanto pela escrita é o que vai construir o nosso conhecimento. Mas essa leitura de mundo, como é colocada por Freire (1982), não deve se dar sem uma reflexão, não somos sujeitos passivos diante do co- nhecimento que nos é apresentado. No entanto, devemos ficar atentos porque nem todo contato com o mundo gera ou pode gerar conhecimento. Atenção No campo filosófico, o conhecimento pode ser estudado sob dois ângulos: como ação humana sobre algo a ser conhecido e como bem da humanidade, construído individual e coletivamente (ALECRIM, 2010, p. 39). Há diferença de falar em conhecimento como uma ação humana, pratica- mente uma relação individual entre um sujeito que conhece e um objeto a ser conheci- do, e falar em conhecimento como um conjunto de entendimento humano sobre o mun- do, o resultado cultural da interpretação do mundo (ALECRIM, 2010, p. 39). Observe as análises desses dois sentidos da possibilidade do conhecimento realizada a seguir: Embora usemos no dia a dia o termo ‘conhecer’ para qualquer situ- ação de contato do sujeito com o mundo, não podemos usá-lo sem refletir. Às vezes, não chegamos a conhecer algo totalmente; apenas o percebemos ou sentimos. Conhecer é algo mais complexo do que imaginamos. No primeiro sentido, conhecer é trazer para o sujeito algo que se põe como objeto. É o processo pelo qual o sujeito leva para sua consciência algo que está fora dela. Podemos afirmar que o conhecimento se mani- festa na tradução cerebral de um objeto na medida em que o renasci- mento do objeto conhecido em novas condições passa existir dentro do sujeito conhecedor (ALECRIM, 2010, p. 39). Devemos lembrar que na comunicação utilizamos os termos emissor e re- ceptor para se referir aos integrantes da interação. Emissor – que emite, codifica a mensagem. Receptor – que recebe, decodifica a mensagem. 69 Pare e Reflita Já ouviu falar em Francis Bacon? Muito provavelmente sim. Bacon viveu entre 1561 e 1626, foi filósofo e ensaísta inglês, considerado o fundador da ciência moderna. É dele a máxima que diz que “saber é poder”. Vamos refletir a partir das considerações feitas por ele a seguir: Meu elogio será dedicado à própria mente. A mente é o homem, e o conhecimento é a mente; um homem é apenas aquilo que ele sabe [...] Não são os prazeres das afeições maiores do que os prazeres dos sentidos, e não são os prazeres do intelecto maiores do que os prazeres das afeições? Não se trata, apenas, de um verdadeiro e natural prazer do qual não há saciedade? Não é só esse conhecimento que livra a mente de todas as perturbações? Quantas coisas existem que imaginamos não existirem? Quantas coi- sas estimamos e valorizamos mais do que são? Essas vãs imaginações, essas avalia- ções desproporcionadas, são as nuvens do erro que se transformam nas tempestades das perturbações. Existirá, então, felicidade igual à possibilidade da mente do homem elevar-se acima da confusão das coisas de onde ele possa ter uma atenção especial para com a ordem da natureza e o erro dos homens? Existirá apenas uma ideia de deleite, e não de descoberta? De contentamento e não de benefício? Será que não devemos perceber tanto a riqueza do armazém da natureza quanto a beleza de sua loja? Será estéril a verdade? Não podemos, através dela, produzir efeitos dignos e dotar a vida do homem com uma infinidade de coisas úteis? Fonte: Durant (1996, p. 88). Diferentes Formas de Conhecimento O conhecimento está atrelado à extrema curiosidade do ser humano, essa curiosidade tem por objetivo interferir, modificar ou explicar o mundo. Outras vezes, o conhecimento pode ser apenas resultado de repetições de vivências. Essas várias pos- sibilidades de se relacionar com o mundo fornecerão muitas formas de conhecimento. Vamos começar nossa investigação com o tema: o conhecimento filosófico. Das formas de conhecer existentes, o conhecimento filosófico se volta para o entendi- mento das essências das coisas, ou seja, busca a verdade última das coisas. Um exemplo ajudará a nossa compreensão. Imagine que aconteceu um aci- dente de avião. Considerado a forma mais segura de transporte, acidentes assim não são frequentes, mas a cada acidente aumenta o receio da maioria das pessoas em usar esse meio de transporte. Um filósofo vai buscar entender o que é um acidente de avião, o que pode derrubar um avião em pleno voo. Sabendo que estatisticamente um acidente aéreo 70 possui diferentes causas, o filósofo não se deixará levar por um pensamento do senso comum, que acredita que voar é perigoso, e sim de que maneira um acidente com um meio de transporte tão seguro pode ocorrer e quais as consequências desse acidente. O conhecimento filosófico busca refletir os conceitos, não aceita como verda- de uma premissa sem questioná-la, sem refletir sobre como determinado argumento foi construído, tenta ir além da primeira impressão do objeto apresentado ao conhecimento. Senso comum – primeira impressão que temos do mundo e que não segue uma aná- lise sistemática e crítica. Também chamado de conhecimento vulgar. Resulta de nos- sas vivências práticas do cotidiano. Premissa – ponto de partida para formar um raciocínio lógico, informação inicial que sustenta um raciocínio ou um estudo. O conhecimento religioso é outra forma de ver as coisas, de buscar explica- ções para o mundo. Nessa forma de conhecimento, que foi a primeira encontrada pelo homem para explicar os fenômenos naturais, as explicações passam pelo divino. Por exemplo, em muitas religiões existe a crença de que quem criou o mun- do e todas as coisas foi um único ser, e ele está presente em tudo que acontece no mundo humano. Dependendo da fé que se comungue, pode ter diferentes leituras de mundo, dependendo dos dogmas de cada religião. Dogma – princípios fundamentais que regem uma religião, por esse motivo é visto como um fato certo e indiscutível. Os religiosos buscam as respostas para os questionamentos dos fenômenos humanos no divino, para eles a palavra está escrita nos livros sagrados de cada religião (Bíblia, Alcorão, Torá). Esses livros funcionam como guia para entender a realidade. Do ponto de vista do conhecimento filosófico é preciso realizar uma interpretação herme- nêutica da realidade. Hermenêutica – é uma palavra de origem grega que significa interpretar. Assim, sempre está relacionada a uma teoria da interpretação de sinais e símbolos de deter- minada cultura. Quando se volta sobre a leitura das escrituras sagradas, a hermenêu- tica se refere ao estudo da interpretação da palavra de Deus. O mundo também pode ser conhecidode uma forma mais simples pelo senso comum. Esse tipo de conhecimento não busca explicações mais profundas dos fenômenos, passa de geração em geração, na maioria das vezes de forma oral, e grosso modo explica os nossos problemas de uma forma prática. 71 Muitas vezes, nos serve de conforto para aquilo que não conseguimos expli- car. Usamos esse conhecimento durante toda a nossa existência, pois a sua origem está relacionada ao nosso aprendizado familiar e prático do mundo. Assim, é um conheci- mento que adquirimos de forma espontânea, pela educação, a partir da nossa cultura, da história da nossa família, do convívio com os amigos e atualmente pelas redes sociais. Por último, falaremos do conhecimento científico que é uma forma de conhe- cer criteriosa e rigorosa, com interesse em explicar o mundo e as coisas do mundo por meio da observação e da pesquisa. O conhecimento científico busca, pela análise, cons- truir um sistema coerente de teorias e hipóteses, assim como descobrir leis objetivas que expliquem os fenômenos da natureza. Sobre essas formas de conhecer é preciso ficar atento, pois, embora o senso comum nos dê uma sensação de conforto, ele sempre nos oferece um conhecimento simples, resultado do nosso cotidiano e, portanto, passível ao erro. Por isso que as ra- zões utilizadas pelo senso comum, de maneira geral, não devem ser confundidas com a racionalidade filosófica. Cabe ressaltar que mesmo as pessoas com menos sabedoria intelectual têm condições de organizar as ideias e se expressar. Lembre-se que falar que o senso comum é uma forma simples de interpretar o mundo, não é afirmar que é um conhecimento menor ou menos importante. Até hoje afirmamos que o sol nasce mesmo sabendo cientificamente que ele está parado e que é a Terra que se move. Mas é o “nascer do sol” que nos permite interação na nossa vida cotidiana. Dessa forma, não podemos cair no lugar comum do maniqueísmo, que um é bom e o outro é mau ou simplório, são formas diferentes de apreender os fenômenos, algumas vezes complementares e outras não, mas sempre importantes para podermos ir além do que nos foi apresentado. Agora, vamos fazer os percursos históricos do pensamento humano, reto- mando conceitos já trabalhados e relacionando-os com a história. Enfatizar os temas é importante para a correlação com os fatos históricos e para uma melhor fixação dos conceitos. Importante A busca para compreender a realidade faz parte da natureza humana e existiu em todo lugar onde um grupo humano se reuniu, porém, para nós, ocidentais, os questionamen- tos do mundo grego é que são de enorme importância. 72 O coração, se pudesse pensar, pararia “Considero a vida uma estalagem onde tenho que me demorar até que chegue a diligência do abismo. Não sei onde me levará, porque não sei nada. Poderia considerar esta estalagem uma prisão, porque estou compelido a aguardar nela; poderia considerá-la um lugar de sociáveis, porque aqui me encontro com outros. Não sou, porém, nem impaciente nem comum. Deixo ao que são os que se fecham no quarto, deitados moles na cama onde esperam sem sono; deixo ao que fazem os que conversam nas salas, de onde as músicas e as vozes chegam cômodas até mim. Sento-me à porta e embebo meus olhos e ouvidos nas cores e nos sons da paisagem, e canto lento, para mim só, vagos cantos que componho enquanto espero. Para todos nós descerá a noite e chegará a diligência. Gozo a brisa que me dão e a alma que me deram para gozá-la, e não interrogo mais nem procuro. Se o que deixar escrito no livro dos viajantes puder, relido um dia por outros, entretê-los também na passagem, será bem. Se não o lerem, nem se entretiverem, será bem também”. Fernando Pessoa (2006, p. 40-42). A História do Pensamento Moderno Para falar do desenvolvimento do pensamento moderno torna-se necessária uma breve análise do contexto histórico, vamos começar amarrando todas essas ideias com o que já aprendemos. Vimos no capítulo anterior que com o surgimento da Filosofia na Grécia anti- ga, no século V a.C., a história do pensamento humano tomou um novo rumo, pois, an- tes de o conhecimento filosófico surgir, os homens buscavam na mitologia a explicação para a existência humana e o aparecimento dos fenômenos naturais, os deuses orienta- vam todos os aspectos das nossas vidas. Mesmo após o surgimento do que chamamos de Filosofia até o período da Idade Média, o homem se dividia entre a fé e a razão. 73 Nos séculos XIV e XV surgem novas formas de organização social, pro- vocando uma crise que culmina com a contestação de velhas tradições e o rompimento da ciência com a religião. O pensamento renascentista apregoa que o homem é capaz de decidir por si, sente-se livre e coloca- se na posição de centro do Universo, buscando objetividade nas suas experiências. A explicação para os fenômenos naturais e o mundo deixa de ser deter- minada pelo sagrado e este se torna um objeto de uso para o próprio homem, embora a crença em Deus permanecesse. O trabalho intelec- tual, a partir desse período, torna-se mais intenso e individualizado e a religiosidade, uma decisão íntima (ALECRIM, 2010, p. 40). Ao fim da Idade Média, a Europa sofreu grandes transformações em função das duas grandes revoluções burguesas (a Industrial e a Francesa). Tais mudanças, decorrentes das vontades e ações do homem, colocaram em pauta uma nova forma de analisar o mundo. Se antes todas as explicações eram teológicas e dogmáticas, as transformações fizeram o homem moderno se ver como centro da discussão, gerando a mudança de paradigmas no pensamento Ocidental. Novas respostas surgiram também para explicar o que é ciência e como ela influencia na sociedade. A religião era o pilar do pensamento humano durante quase toda a Idade Média, o que não quer dizer, como erroneamente pensamos muitas vezes, que não se avançou no conhecimento. Importante é ter em mente que o Ocidente, nessa época, tinha como poder central a Igreja e que por muito tempo ela deteve o poder de decisões sobre o que o homem podia pensar enquanto respostas para todas as suas questões, fato que sem dúvida impedia o questionamento humano de ir além dos ditames da fé e da religião. O homem não era senhor de suas ações, muito menos do seu destino. Vários fatores influenciaram nessa mudança: o mercantilismo, as grandes navegações do século XIV, o descobrimento de novos continentes e o contato com outras formas de culturas, a decadência do sistema feudal, a modificação tecnológica. Essas novidades geraram novas leituras de mundo, de compreensão da realidade por meio da razão, transformando a visão do homem frente esse novo mundo que se apresentava. A razão, e não mais a fé, é que passava a explicar o real. Outro importante aspecto que deve ser destacado é o fortalecimento do Estado laico. A separação entre a Igreja e o Estado teve papel fundamental para a ra- cionalização não só dos processos produtivos, mas também na transformação do pen- samento humano, pois a fé e a Filosofia não mais davam conta das respostas cada vez mais complexas sobre a condição e o mundo humano. Paradigma – princípio que orienta um sistema teórico; referência, algo que serve de exemplo geral ou modelo; padrão. 74 Olhando essas mudanças mais de perto, podemos perceber que a complexi- dade dos fenômenos naturais e sociais, e mesmo dos próprios indivíduos, nos faz enten- der que os questionamentos filosóficos se manifestam em cada época como problemas históricos. Há sempre um novo aspecto que ainda não foi desvelado, uma nova questão a ser respondida, novos caminhos a serem percorridos e possíveis respostas a serem alcançadas nesse constante ciclo que se renova a cada avanço do pensamento humano. Vamos olhar mais de perto o que motivava as análises e as instigações nes- ses dois períodos (Idade Média e Renascimento). Na Idade Média, o pensamento cristão dominava o conhecimento humano, já que era a esfera divina que governava e orientava o mundo humano. Um dos temas mais constanteseram as possíveis provas da existência de Deus e da alma, isto é, tentava-se mostrar de forma racional a existência do infinito criador e do espírito humano imortal. A religião buscou na filosofia grega elementos para justificar a sua fé, e dois padres tornaram-se expoentes nesse tipo de análise: Tomás de Aquino, que se inspirou na filosofia de Aristóteles, e Santo Agostinho, que apoiava sua compreensão da verdade no mundo nas ideias de Platão. Tomás de Aquino – viveu entre 1227-1274, na Itália. Discutiu o método das ciências teóricas e pensou uma filosofia (conhecimento evidente, racional) distinta da teologia (conhecimento revelado). Sua teoria previa o conhecimento humano em dois mo- mentos: sensível (de apreensão sensível do objeto) e intelectual (processo de trans- cendência para alcançar a essência das coisas). Para Santo Agostinho, os sentidos, assim como o intelecto, são fontes de conhecimento; no entanto, a razão só chegaria ao conhecimento por um processo de iluminação divina. Faz uma relação com as ideias platônicas de modo que essa luz espiri- tual é a verdade de Deus, e é ela que oferece as verdades eternas, os princípios formais de todas as coisas que serão representadas na vida terrena. Santo Agostinho – viveu no período 354-430. Filho de mãe cristã e pai pagão, ape- nas aos 20 anos se converteu ao catolicismo. Seu livro mais famoso é Cidade de Deus, retratando de forma filosófica a história universal. Nessa obra de forte teor moral, o autor discute sobre a criação, o pecado original e a redenção, oferecendo as bases cristãs da história humana. Importante Mesmo muitos séculos depois das descobertas científicas em todos os campos do saber, ainda não é possível concluir sobre a existência de uma forma única de compreender e experimentar o mundo. 75 No renascimento, a religião e a filosofia passaram a ter uma mesma fonte e juntas poderiam levar à verdade, propondo uma síntese entre a revelação (aquilo que se encontra nas sagradas escrituras, a Bíblia), a magia e a razão. Não se deve esquecer que a afirmação de Galileu quase o levou a ser queimado na fogueira durante a inquisição, pois o novo conhecimento contido em suas teorias contrapunha aos dogmas religiosos. FIGURA 10 – Galileu Galilei, conside- rado um dos principais representan- tes do Renascimento Científico Fonte: Wikimedia Commons (2012). Fonte: Acervo NEAD/Unoeste (2012). FIGURA 11 – A Terra gira em torno do Sol, teoria heliocêntrica de Copérnico, reafirmada por Galileu Galileu Galilei (1564-1642) – físico, matemático, astrônomo e filósofo italiano. Teve papel preponderante na chamada Revolução Científica. Foi perseguido pela inquisi- ção por suas ideias que afirmavam a teoria heliocêntrica do sistema solar, de Copérni- co. Essa teoria dizia que a Terra e os demais planetas giravam em torno do sol (helio, em grego), que era o centro do Universo, e se opunha a teoria geocêntrica, defendida pela Igreja Católica, que afirmava que a Terra era o centro de um Universo finito. Saiba Mais Inquisição – a palavra vem de inquerir, pesquisar. No sentido histórico, refere-se a um tribunal investigativo, surgido na Idade Média, em defesa da fé católica. Diz respeito ao esforço da Igreja Católica de identificar e punir as pessoas que professavam crenças e práticas de outras religiões, os chamados hereges. O medo de que as ideias inovadoras gerassem dispersão do ideal católico fez com que cientistas e artistas fossem alvos de censura e perseguição. 76 FIGURA 12 – Obra de Caravaggio Fonte: Wikimedia Commons (2012). Caravaggio refugiou-se na Sicília para fugir da inquisição. Na chamada modernidade, o homem foi colocado como sujeito da história e fundamento para o domínio racional da natureza. A filosofia moderna engloba os pensa- mentos filosóficos do final da Idade Média até o século XIX e é comum ser dividida em filosofia da Renascença e Moderna. A filosofia da Renascença aconteceu com a retomada de valores clássicos anteriores àqueles construídos durante a Idade Média. A filosofia moderna abarcava o Iluminismo com o predomínio da razão e valorização da ciência e da técnica. Outra característica é a “queda” do teocentrismo, que perdeu lugar para o antropocentrismo. Iluminismo – movimento surgido na França durante o século XVII, defendia o domí- nio da razão sobre a visão teocêntrica que dominava a Europa desde a Idade Média. Saiba Mais Vamos compartilhar com você trechos interessantes de um artigo sobre o Iluminismo. [...] Teve seu apogeu no século XVIII, e passou a ser conhecido como Século das Luzes. O Iluminismo foi mais intenso na França, onde influenciou a Revolução Francesa através de seu lema: Liberdade, Igualdade e Fraternidade. Também teve influência em outros movimentos sociais como a independência das colônias inglesas na América do Norte e na Inconfidência Mineira, ocorrida no Brasil. Para os filósofos iluministas, o homem era naturalmente bom, porém era corrompido pela sociedade com o passar do tempo. Eles acreditavam que se todos fizessem parte de uma sociedade justa, com direitos iguais a todos, a felicidade comum seria alcançada. Por esta razão, eles eram contra as imposições de caráter religioso, contra as práticas mercantilistas, contrários ao absolutismo do rei, além dos privilégios dados à nobreza e ao clero. [...] 77 Atenção O pensamento científico moderno só foi possível porque alguns pensadores contes- taram o senso comum e os dogmas que orientavam o pensamento religioso da época. A busca era por investigar os fenômenos, saber por que eles aconteciam e como acon- teciam, ou seja, o desejo era superar as impressões cotidianas respondidas pelo senso comum e tentar desvendar os mistérios da natureza e da vida social. O uso do método racional (conhecimento indutivo, por meio da observação e da re- petição do evento para confirmá-lo) construiu as bases para a revolução tecnológica ocorrida no início da modernidade. Entre os filósofos expoentes do Iluminismo destacamos René Descartes, considerado pai da filosofia moderna. Juntando-se com Galileu e outros, foram os res- ponsáveis pela revolução intelectual do século XVIII, por terem articulado alguns dos pressupostos centrais daquilo que hoje denominamos perfil científico moderno. Os principais filósofos do iluminismo foram: John Locke (1632-1704); Voltaire (1694- 1778); Jean-Jacques Rousseau (1712-1778); Montesquieu (1689-1755), além de Jean Le Rond d’Alembert (1717-1783) e Denis Diderot (1717-1784), que juntos organiza- ram uma enciclopédia que reunia todo o pensamento filosófico da época. Fonte: Sua Pesquisa (2011). Descartes foi o criador do método que serviu de base para ciência contempo- rânea, a sua teoria oferecia uma visão dualista do homem: a mente separada do corpo. Apaixonado pela matemática, que para ele era a única ciência que permitia a evidência do raciocínio, buscava elaborar uma teoria que afirmasse a eficácia da razão e garantisse uma verdade universal. Assim, no Discurso sobre o Método, obra na qual fundamentou seu pensamento, utilizou o raciocínio matemático para buscar a prova da existência de Deus e da primazia da alma sobre o corpo. FIGURA 13 – René Descartes Fonte: Wikimedia Commons (2012). Considerado o precursor da filosofia moderna. 78 Saiba Mais Cogito ergo sum “Penso, logo existo.” A célebre frase, talvez a mais famosa da história da filosofia, aparece primeiro em francês – je pense donc je suis – na Parte IV do Dis- curso (1637): “Notei que, enquanto tentava pensar que tudo era falso, eu, que assim o pensava, era algo. E observando que essa verdade – Penso, logo existo – continha em si tamanha certeza e firmeza que resistia incólume às mais extravagantes suposições dos céticos, julguei que poderia aceitá-la, sem escrúpulos, como princípio da filosofia que procurava” (AT VI 32: CSM I 127). A formulação em latim aparece nos Princípios da Filosofia (1644), onde se descreve o enunciado cogito ergo sum como “a primeira e mais segura descobertaque pode ocorrer àquele que filosofa de modo ordenado” (Parte I, art.7). A frase canônica não aparece no lugar em que Descartes trata de sua metafísica da ma- neira mais completa, isto é, nas Meditações; é neste trabalho, no entanto, que Descartes oferece a explicação mais clara de por que o conhecimento da própria existência deve ser o primeiro e mais seguro passo no caminho para o conhecimento das demais coisas. Fonte: Cottingham (1995, p. 37). Apesar de toda a crítica, a filosofia e a ciência não conseguiram substituir a religião, nem muito menos eliminá-la da cultura. O homem contemporâneo percebeu que não é contraditório conhecer por meio da razão e também ter fé. Ao longo da his- tória do pensamento humano, a filosofia e a fé estiveram juntas em certas ocasiões; em outras, ocuparam lados completamente opostos. As mudanças decorrentes das revoluções ocorridas na modernidade geraram a necessidade de um método que certifique e garanta o conhecimento. “A razão não tem mais no que se apoiar a não ser nela mesma, e por isso precisa criar um método seguro.” (ABRÃO, 2004, p. 185). 79 Parada Obrigatória O Método Não sei se deva falar-vos das primeiras meditações que aí realizei: pois são tão meta- físicas e tão pouco comuns, que não serão, talvez, do gosto de todos. E, todavia, a fim de que se possa julgar se os fundamentos que escolhi são bastante firmes, vejo-me, de alguma forma, compelido a falar-vos delas. De há muito observava que, quanto aos costumes, é necessário às vezes seguir opiniões, que sabemos serem muito incertas, tal como fossem indubitáveis, como já foi dito acima; mas, por desejar então ocupar- -me somente com a pesquisa da verdade, pensei que era necessário agir exatamente ao contrário, e rejeitar como absolutamente falso tudo aquilo em que pudesse imaginar a menor dúvida, a fim de ver se, após isso, não restaria algo em meu crédito, que fos- se inteiramente indubitável. Assim, porque os nossos sentidos nos enganam às vezes, quis supor que não havia coisa alguma que fosse tal como eles nos fazem imaginar. E, porque há homens que se equivocam ao raciocinar, mesmo no tocante às mais simples matérias de Geometria, e cometem aí paralogismos, rejeitei como falsas, julgando que estava sujeito a falhar como qualquer outro, todas as razões que eu tomara até então por demonstrações. E enfim, considerando que todos os mesmos pensamentos que te- mos quando despertos nos podem também ocorrer quando dormimos, sem que haja nenhum, nesse caso, que seja verdadeiro, resolvi fazer de conta que todas as coisas que até então haviam entrado no meu espírito não eram mais verdadeiras que as ilusões de meus sonhos. Mas, logo em seguida, adverti que, enquanto eu queria assim pensar que tudo era falso, cumpria necessariamente que eu, que pensava, fosse alguma coisa. E, notando que esta verdade: eu penso, logo existo, era tão firme e tão certa que todas as mais extravagantes suposições dos céticos não seriam capazes de abalar, julguei que podia aceitá-la, sem escrúpulo, como o primeiro princípio da Filosofia que procurava. Fonte: Adaptado de Descartes (1985). No capítulo anterior, estudamos que o ser humano participa do mundo de modo ambíguo, não é apenas animal, já que a cultura o coloca em outro espaço, o social. As autoras Aranha e Martins (1995) observam que tal ambiguidade também deriva do fato do homem nunca se acomodar ao seu ambiente social, ao mesmo tempo em que cria a cultura e a tradição, coloca-se na iminência de rompê-las. Ao buscar o conheci- mento o homem modifica a natureza, cria as sociedades e a ciência. Todo conhecimento manifesta-se por meio de pensamento. Pensar é articular signos, ou seja, é ligar ou unir as representações em cadeias. Por muito tempo, considerou-se que o pensamento só poderia se efeti- var através da linguagem verbal. Kant, filósofo alemão do século XVIII, na Crítica da razão pura, diz: ‘Pensar é conhecer através de conceitos’. Nos Prolegômenos a qualquer metafísica futura que possa vir a ser 80 Parada Obrigatória As Palavras e as Coisas Graças à mesma necessidade, esse saber devia acolher, ao mesmo tempo e no mes- mo plano, magia e erudição. Afigura-se-nos que os conhecimentos do século XVI eram constituídos por uma mistura instável de saber racional, de noções derivadas das prá- ticas da magia e de toda uma herança cultural, cujos poderes de autoridade a redes- coberta de textos antigos havia multiplicado. Assim concebida, a ciência dessa época aparece dotada de uma estrutura frágil; ela não seria mais do que o lugar liberal de um afrontamento entre a fidelidade aos antigos, o gosto pelo maravilhoso e uma atenção já despertada para essa soberana racionalidade na qual nos reconhecemos. E essa época trilobada se refletiria no espelho de cada obra e de cada espírito dividido. De fato, não é de uma insuficiência de estrutura que sofre o saber do século XVI. Vimos, ao contrário, quão meticulosas são as configurações que definem seu espaço. É esse rigor que impõe a relação com a magia e com a erudição – não conteúdos aceitos, mas formas reque- ridas. O mundo é coberto de signos que é preciso decifrar, e estes signos, que revelam semelhanças e afinidades, não passam, eles próprios, de formas da similitude. Conhecer será, pois, interpretar: ir da marca visível ao que se diz através dela e, sem ela, permane- ceria palavra muda, adormecida nas coisas. “Nós, homens, descobrimos tudo o que está oculto nas montanhas por meio de sinais e correspondências exteriores; e é assim que encontramos todas as propriedades das ervas e tudo o que está nas pedras. Nada há nas profundezas dos mares, nada nas alturas do firmamento que o homem não seja capaz de descobrir. Não há montanha bastante vasta para ocultar ao olhar do homem o que nela existe; isso lhe é revelado por sinais correspondentes” (p. 44). A adivinhação não é uma forma concorrente do conhecimento; incorpora-se ao próprio conhecimento. Ora, esses signos que se interpretam só designam o oculto na medida em que se lhe assemelham; e não se atuará sobre as marcas sem operar ao mesmo tempo sobre o que é, por elas, secretamente indicado. Eis por que as plantas que representam a cabeça, ou os olhos, ou o coração, ou o fígado, terão eficácia sobre um órgão; eis por que os próprios animais são sensíveis às marcas que os designam. “Dize-me pois”, per- gunta Paracelso, “por que a serpente na Helvécia, na Argólida, na Suécia, compreende as palavras gregas Osy, Osya, Osy... Em que academias aprenderam, já que, ao escutarem considerada como ciência, ele vai mais longe: ‘Pensar é unir as repre- sentações na consciência [...]. A união das representações em uma consciência é o juízo. Pensar, portanto, é julgar.’ Ao identificar pensamento com formação de conceitos e juízos, Kant liga imediatamente pensamento e linguagem verbal. Vejamos por quê. A linguagem verbal é um sistema simbólico, isto é, um sistema de signos arbitrários com relação ao objeto que representam e, por isso mesmo, convencionais e dependentes da aceitação social (ARANHA; MARTINS, 1995, p. 32). 81 A Palavra Palavra, o que é a palavra? Nós enquanto falantes temos intuitivamente a noção de que são sequências contínuas de sons que emitimos expressando um pensa- mento. E para nós, não linguistas, é uma tarefa complicada encontrar uma única defini- ção válida que dê conta da universalidade do seu significado. a palavra, viram em seguida sua cauda, a fim de não escutá-la de novo? Não obstante sua natureza e seu espírito, basta escutarem a palavra para permanecerem imóveis e não envenenarem ninguém com sua ferida venenosa.” E não se diga que isso é somente o efeito do ruído das palavras pronunciadas: [...] O projeto das “Magias naturais”, que ocupa um amplo lugar no final do século XVI e se alonga ainda até plenos meados do século XVII, não é um efeito residual na consciência europeia; ele foi ressuscitado – como o diz expressamente Campanella 28 – e por razões contemporâneas: porque aconfiguração fundamental do saber remetia umas às outras as marcas e as similitudes. A forma mágica era inerente à maneira de conhecer. Fonte: Foucault (2000, p. 48-49). Importante O nome, ou palavra, é o símbolo dos objetos que existem no mundo natural e das enti- dades abstratas que só existem no nosso pensamento e imaginação. Fixa na nossa me- mória, enquanto ideia, aquilo que já não está ao alcance dos nossos sentidos, criando mundo estável de representações que nos permitem falar do passado e fazer projetos para o futuro. A palavra, portanto, transcende, vai além da situação concreta do vivido. A palavra já é uma abstração e com ela elaboramos conceitos e emitimos julgamentos. É bom frisar, no entanto, que as linguagens não-verbais nos permitem pensar, pois são articuláveis em signos. O tipo de pensamento, porém, é diferente, uma vez que essas linguagens não operam conceitos nem emitem juízos (ARANHA; MARTINS, 1992). Em um processo comum a todas as sociedades, quando criança, o indivíduo recebe a tradição cultural, mediada por outros homens, aprende os símbolos linguísticos da sua cultura, que são ferramentas para torná-lo capaz de agir, compreender e se co- municar com os outros e com o mundo. A linguagem e o trabalho distinguem o homem dos outros animais, pois a consciência que ele tem de si próprio o orienta em suas escolhas e a manter o controle em diversas situações diferentes dos animais que agem por instinto. 82 Importante O homem interfere na natureza e, desse modo, produz cultura. Um dos elementos mais importantes é a linguagem simbólica, pois pelos símbolos é possível lidar abstratamen- te com o mundo que o cerca, é possível sair do aqui e agora. Os símbolos possibilitam a abstração, mas precisam que haja uma convenção, ou seja, que eles sejam aceitos e entendidos por todos do grupo. Com a linguagem simbólica o homem não está apenas presente no mundo, mas é capaz de representá-lo; bem como de modificá-lo com o seu trabalho. A linguagem é necessária a qualquer ação humana, aqui cabe ressaltar não só a oral e a escrita, as extratextuais, como os gestos, as expressões faciais, para que o homem se alimente, caminhe, etc. Até as suas escolhas mais pessoais são permeadas pela cultura, já que somos sujeitos, isto é, construídos na linguagem e na cultura. O homem, enquanto ser consciente das suas ações, transforma a sua reali- dade com o trabalho e com o seu agir e refletir. Com os seus atos, o homem altera o seu mundo e o mundo ao seu redor. Pare e Reflita Construção Amou daquela vez como se fosse a última Beijou sua mulher como se fosse a última E cada filho seu como se fosse o único E atravessou a rua com seu passo tímido Subiu a construção como se fosse máquina Ergueu no patamar quatro paredes sólidas Tijolo com tijolo num desenho mágico Seus olhos embotados de cimento e lágrima Sentou pra descansar como se fosse sábado Comeu feijão com arroz como se fosse um príncipe Bebeu e soluçou como se fosse um náufrago Dançou e gargalhou como se ouvisse música E tropeçou no céu como se fosse um bêbado E flutuou no ar como se fosse um pássaro E se acabou no chão feito um pacote flácido Agonizou no meio do passeio público 83 Morreu na contramão atrapalhando o tráfego Amou daquela vez como se fosse o último Beijou sua mulher como se fosse a única E cada filho seu como se fosse o pródigo E atravessou a rua com seu passo bêbado Subiu a construção como se fosse sólido Ergueu no patamar quatro paredes mágicas Tijolo com tijolo num desenho lógico Seus olhos embotados de cimento e tráfego Sentou pra descansar como se fosse um príncipe Comeu feijão com arroz como se fosse o máximo Bebeu e soluçou como se fosse máquina Dançou e gargalhou como se fosse o próximo E tropeçou no céu como se ouvisse música E flutuou no ar como se fosse sábado E se acabou no chão feito um pacote tímido Agonizou no meio do passeio náufrago Morreu na contramão atrapalhando o público Amou daquela vez como se fosse máquina Beijou sua mulher como se fosse lógico Ergueu no patamar quatro paredes flácidas Sentou pra descansar como se fosse um pássaro E flutuou no ar como se fosse um príncipe E se acabou no chão feito um pacote bêbado Morreu na contra-mão atrapalhando o sábado Por esse pão pra comer, por esse chão pra dormir A certidão pra nascer e a concessão pra sorrir Por me deixar respirar, por me deixar existir, Deus lhe pague Pela cachaça de graça que a gente tem que engolir Pela fumaça e a desgraça, que a gente tem que tossir Pelos andaimes pingentes que a gente tem que cair, Deus lhe pague Pela mulher carpideira pra nos louvar e cuspir E pelas moscas bicheiras a nos beijar e cobrir E pela paz derradeira que enfim vai nos redimir, Deus lhe pague Composição: Chico Buarque 84 Trabalho como Atividade Humana Chego sempre à hora certa, contam comigo, não falho, pois adoro o meu emprego: o que detesto é o trabalho. Millôr Fernandes, Revista Pif-Paf. O homem ao pensar e agir interfere no meio ambiente com o seu trabalho, modifica seu entorno para melhor ter controle não só da natureza, bem como ressigni- ficar o seu lugar no mundo. As transformações das técnicas alteram as relações sociais. Enquanto o mundo agrícola e artesanal é marcado pela tradição, e fixa o homem ao campo, o advento das fábricas no século XVII estimula o aperfeiço- amento das máquinas e acelera o crescimento das cidades. Estabele- cem-se novas relações de produção com o aparecimento da classe ope- rária assalariada e dos capitalistas detentores dos meios de produção (ARANHA; MARTINS, 1992, p. 39). Podemos observar que as mudanças ocorridas ao longo da história do ho- mem – a sua relação com o trabalho, a busca por novas tecnologias e métodos para melhorar a qualidade de vida, e o controle do seu meio ambiente – geraram não só consequências socioeconômicas, mas humanas, pois alterou a sua forma de pensar e agir no mundo. Conceito e Perspectivas das Organizações Falar de organizações nos coloca em contato com um fenômeno com o qual convivemos no cotidiano e ao longo de toda a nossa vida. Nas sociedades contemporâ- neas a sua presença é disseminada e a nossa vida é afetada pelos processos, a maioria de nós nasceu em hospitais, conviveu em creches e passou por algumas escolas até chegar à universidade. A Revolução Industrial que ocorreu, sobretudo na Inglaterra do século XIX, alterou não só as características dos países industrializados, dentro de uma nova forma de produção de bens em grande escala, alterou também a forma do homem pensar e agir diante dessas novas tecnologias, mecanização e racionalização do mundo. O homem que até pouco tempo lidava de forma artesanal com o trabalho foi para a linha de pro- dução semiqualificado. Fique esperto! Hoje, o que é mais importante é a informação, já que o mais comum no nosso dia a dia é o consumo de serviços (setor terciário). Os tempos modernos surgiram marcados pelo ideal da racionalidade que culminou no Iluminismo do século XVIII. Superando a concepção medieval, centrada na tradição e na visão religiosa do mundo, a mo- dernidade se torna laica (não-religiosa) e busca na razão a possibilida- de da autonomia do homem. O desenvolvimento técnico-científico é a expressão do racionalismo dos tempos modernos (ARANHA; MARTINS, 1992, p. 39). 85 No dia a dia fazemos compras em supermercados e shoppings, entramos em contato com órgãos públicos, consumimos produtos de diferentes empresas, entre ou- tras situações. No geral, desejamos ser bem atendidos e comprar produtos de qualidade. Também nos sentimos parte de um grupo e queremos preservar o meio ambiente, dimi- nuir os índices de violência, enfim, tudo isso envolve o que chamamos de organizações e delas queremos respostas adequadas. Para quem tem alguma experiência de trabalho, já possui um pouco desse conhecimento sobre organizações. Mas, mesmo como estudantes, fazemos parte de uma organização educacional e sabemos como a nossa vida é diretamente afetada, no presente e no futuro, pela qualidadedessas organizações que escolhemos para nossa educação. Quando recorremos ao dicionário para verificarmos o uso do termo organiza- ção no nosso cotidiano vemos que ele aparece associado a diferentes significados: FIGURA 14 – As organizações fazem parte do cotidiano Organização pode ser definida como estrutura, associação ou instituição com objeti- vos definidos. Fonte: Acervo NEAD/Unoeste (2012). Por meio das organizações, a comunidade tem acesso a bens e serviços. Organizar reporta-se sempre a ações. Assim, usamos o termo organização tanto para designar ações de construir algo quanto para descrever as características ou qualidades desse algo construído. A ideia de um objetivo comum é bastante disseminada, sobretudo no senso comum, como base para definir a ação coletiva. Porém, não é tarefa simples definir exa- tamente o objetivo de uma organização. Como exposto nos parágrafos anteriores, o ato de conhecer, saber as dife- rentes formas de conhecimento, a importância da utilização correta da linguagem e do raciocínio, tudo isso é fundamental para uma melhor relação com o mundo que cerca o homem e também para as organizações. 86 As Modernas Organizações e a Comunicação Agora, vamos falar um pouco sobre a comunicação nas modernas organizações. Cabe ressaltar o valor e a importância das comunicações nas organizações, que tanto abarca as relações internas quanto externas, e que aparece na forma de cul- tura organizacional. Por isso, devemos estar atentos não só as regras normativas da linguagem oral e escrita, como também as regras de comunicação interna das empresas, quer dizer as regras de comunicação da organização a qual estamos prestando serviço, pois um erro de comunicação, muitas vezes, pode causar problemas em toda cadeia produtiva. Mas isso não é tudo, pode também prejudicar a autoestima do colaborador enquanto sujeito da ação, gerando, inclusive, danos psicológicos tão comuns na contem- poraneidade. As barreiras da linguagem podem impedir o seu desenvolvimento como in- divíduo, não só nas organizações no seu trabalho, mas refletir diretamente na sua forma de conhecer e representar o mundo. A atenção com o que está sendo dito, principalmente no ambiente de traba- lho, nos leva a evitar o emprego de mensagens subjetivas que podem gerar duplicidade de sentido. O feedback, ou seja, o retorno da mensagem que foi transmitida, também é muito importante, pois garante que o sentido da mensagem passada do emissor para o receptor foi mantida. A capacidade de interpretação e comunicação em todos os setores da vida das pessoas é muito importante, cada um dos elementos que fazem parte do processo de comunicação – o emissor, o receptor, o canal de transmissão oral ou escrito, verbal ou não verbal – é um diferencial nas relações humanas. A comunicação clara e funcional é um indício de boa capacidade para lidar com dificuldades e diferenças. Uma das maiores causas de desentendimento entre as pessoas é a dificuldade de comunicação, porque a falta de clareza em uma mensagem pode abrir brechas para interpretações equivocadas e com consequências indesejáveis. A habilidade de se expressar bem evita que suas opiniões e desejos sejam erroneamente interpretados, pois equívocos podem gerar problemas e conflitos. A importância disso nas organizações está no fato de que a comunicação que se produz em seu interior varia de modalidade e é utilizada como instrumento de veiculação e distribuição de funções. 87 Dicas de Vídeo Em nome da rosa (The name of the rose). Diretor: Jean Jacques Annaud. Duração: 130 min. Gênero: Drama, policial, suspense. Ano: 1986. Obrigado por fumar (Thank you for smoking). Diretor: Jason Reitman. Duração: 92 min. Gênero: Comédia. Ano: 2005. Queime depois de ler (Burn After Reading) Diretor: Joel Coen e Ethan Coen. Duração: 96 min. Gênero: Comédia, policial. Ano: 2008. Resumo Neste capítulo, estudamos o que é o conhecimento ou o que podemos definir enquanto conhecimento, assim como as diferentes formas de adquiri-lo. Apresentamos o conhecimento filosófico, o religioso, o senso comum e o científico, que podem ser com- plementares ou não, tentando não dar juízo de valor nem apresentar um conhecimento como superior ao outro. Demonstramos ao longo do capítulo a importância de entender essas di- ferentes formas de compreensão do mundo e refletir a importância da linguagem na construção do conhecimento, pois somos seres sociais, isto é, vivemos em sociedade e necessitamos nos comunicar. Sintetize Vamos refletir sobre o assunto estudado neste capítulo. 1. Desenvolva uma análise sobre a seguinte frase: “Toda ação humana procede do pen- samento, e todo o pensamento é construído a partir da ação.” (ARANHA; MARTINS, 1992, p. 30). 2. Com as suas palavras e com base nos conceitos estudados no capítulo, analise as diferentes formas de adquirir conhecimento. 3. Escreva um texto crítico sobre como a falta de uma boa comunicação é uma das prin- cipais fontes de conflito no ambiente de trabalho. 4. Faça uma análise da frase: “pensar é articular signos” (ARANHA; MARTINS, 1992, p. 49). 88 O conhecimento Tornemos ao ponto de partida. Através da operação filosófica funda- mental, o conhecimento fundamental nos dá consciência da possibilidade de nossa realidade manifestar-se no tempo. E isso tem consequências para uma constitui- ção interior. O mundo real (Realität) é manifestação da realidade e não a realida- de (Wirklichkeit) como tal. Somos lançados a esse mundo (reale Welt), onde nos orientamos com o auxílio do conhecimento (Erkennen) científico universalmente válido, que, entretanto, nada nos diz acerca do que esteja para além de seus limites. Só o conhecimento (Einsicht) filosófico nos pode liberar da prisão neste mundo. O conhecimento filosófico deve, antes de tudo, ser capaz de surpre- ender-se com o óbvio: qual a significação do fato de que, pensando nós sejamos sujeitos que se dirigem a objetos e dessa dicotomia vejamos residir a clareza? A partir desse espanto em relação ao que está presente a todo instante, ao que até agora era evidente e não levantava dificuldade, ao que não merecia atenção mais demorada, a partir desse espanto, dizíamos, chegamos a outros problemas. Esta vida no mundo dos fenômenos é como que um despertar após o sono, que nos retira do obscuro de um inconsciente inimaginável? É essa clareza a única possível? Ou a vida, na dicotomia sujeito-objeto, é comparável a um sonho? Não será a clareza, em verdade, um obscurecimento do ser e de mim mesmo? A resposta a essas indagações não brota de conhecimento, mas, por estranho que pareça é uma decisão. Textos Complementares Mais adiante tratamos de apresentar, de forma geral, a história do pensamen- to humano, a partir do surgimento da filosofia na antiga Grécia, quando o pensamento mítico não mais respondia as questões da existência humana, da origem dos fenômenos naturais. Ressaltamos também que a influência do aspecto divino não desapareceu, o homem continua se dividindo entre fé e razão até os dias de hoje. Estudamos ainda a palavra, os sons que emitimos, a construção da lingua- gem, assim como a compreensão do trabalho como atividade humana. Com esse estudo, podemos concluir que saber nos comunicar, conhecer o ambiente que trabalhamos e irmos além, nesse mundo globalizado, é muito importante num ambiente corporativo. 89 Quero que o mundo real me seja indiferente. Aceitá-lo simplesmente, sem agir sobre ele? Não ser responsável por nada? Quero viver como se não exis- tisse? Foi esse o caminho tomado por algumas escolas asiáticas de pensamento: a fórmula “o ser é a aparência e a aparência é o ser” figura num romance tauísta, onde se afirma que a vida humana com seu encanto perturbador, na beleza, sua inutilidade, com o bem e o mal, ilusões e desilusões, em suma, com sua falta de sentido, é um jogo vão. Fórmulas tais dão expressão a uma disposição íntima onde tudo se desvanece como fumaça tocada pelo vento. Posso, diversamente, querer– pela realidade de minha vida, respon- sabilidade e conhecimento – atingir a clareza neste mundo fenomenal, consi- derando-a caminho único para alcançar possível iluminação que venha de mais além. Neste caso, o fenômeno não é, para nós, mais do que aparência, a vida não é sonho. Não percamos, porém, de vista que todo nosso conhecimento finito corresponde sempre a um estado de servidão. A indagação que se coloca é a se- guinte: podemos nós, valendo-nos do pensamento, encontrar, por assim dizer, um lugar exterior a nosso conhecimento e a partir do qual esse conhecimento se tor- nasse inteiramente visível por transparência? Dali, eu não divisaria conhecimento novo, não perceberia novas finalidades no mundo, mas poderia metamorfosear minha consciência e, por essa via, metamorfosear-me a mim mesmo. Cogitando desses problemas, não fazemos senão reconhecer a rea- lidade (Wirklichkeit) que transportamos conosco durante todo o tempo, mas em que não havíamos pensado porque nos encontrávamos prisioneiros das realida- des (Realitäten) manifestas. Fonte: Jaspers (1965, p. 31). Produzir é Ser Pode-se distinguir os homens dos animais pela consciência, pela reli- gião ou por tudo que se queira. Mas eles próprios começam a se diferenciar dos animais tão logo começam a produzir seus meios de vida, passo este que é condi- cionado por sua organização corporal. Produzindo seus meios de vida, os homens produzem, indiretamente, sua própria vida material. O modo pelo qual os homens produzem seus meios de vida depen- de, antes de tudo, da natureza dos meios de vida já encontrados e que têm de reproduzir. Não se deve considerar tal modo de produção da existência física dos indivíduos. Trata-se, muito mais, de uma determinada forma de atividade dos in- divíduos, determinada forma de manifestar sua vida, determinado modo de vida 90 O mito da ciência O saber especializado desperta a admiração temerosa por parte da- queles que o ignoram. Há todo um respeito admirativo em relação à linguagem científica, dotada de uma universalidade de direito, habilmente restringida aos iniciados. Seu esoterismo protege o segredo, sobretudo pela matematização e pela formalização. O poder de dominar a matéria e de fazer coisas, da ciência, acarre- ta, nos não iniciados, uma atitude de submissão. É por isso que ela exerce sobre muitos um poder quase mágico, um “poder dogmático”. E é por isso, igualmente, que muitos veem nos cientistas os detentores do “magistério da realidade”: só que eles estão habilitados a dizer o sentido, a propor a verdade para todos, como se fossem taumaturgos ou verdadeiros alquimistas. O que se pede a eles, através das vulgarizações, é muito menos um complemento de informações do que a forma presente das questões últimas, pois as respostas teológicas foram desprestigia- das. Os cientistas são vistos como se fossem os proprietários exclusivos do saber, devendo fechar todas as “cicatrizes do não saber” e fornecer os bálsamos para as angústias individuais e sociais. Essa imagem mítica do cientista ignora que ele faz parte de uma estru- tura bem real do mundo que o cerca. O mundo científico nada tem de ideal, não é uma terra de inocência, livre de todo conflito e submetida apenas à lei da verdade universal, isto é, de uma verdade testável e verificável em toda parte, através do respeito aos procedimentos de rigor e aos protocolos da experimentação. Como se o cientista pudesse ser o detentor de uma verdade una que, uma vez formulada em sua coerência, estaria isenta da discussão; e como se ele pudesse guardar para sempre a imagem de um indivíduo sempre íntegro e rigoroso, jamais sujeito à incoerência das paixões. Fonte: Japiassu (1975, p. 116). dos mesmos. Tal como os indivíduos manifestam sua vida, assim são eles. O que eles são coincide, portanto, com sua produção, tanto com o que produzem como o modo como produzem. O que os indivíduos são, portanto, depende das condições materiais de sua produção. Fonte: Marx (1985, p. 27). 91 Clima Organizacional As mudanças que se processam nas organizações, em busca da quali- dade e produtividade, agilidade e flexibilidade, tem-se caracterizado por um con- tínuo repensar de estruturas, processos e qualificações e, finalmente, chegam à gestão de recursos humanos. A constatação de que o diferencial competitivo de uma organização, num ambiente de maior disponibilidade de técnicas e tecnologias, ocorrerá a partir do comprometimento das pessoas, torna o conhecimento de expectativas, moti- vações, necessidades e níveis de satisfação dos indivíduos, perante a organização, estratégico para a eficácia organizacional. Referindo-se a necessidade de acompanhar as mudanças, Basil e Cook consideram que as organizações requerem flexibilidade em sua estrutura e estra- tégias adequadas, se quiserem sobreviver e serem viáveis nas próximas décadas. Assim, os governos, as instituições e a coordenação internacional devem criar o meio ambiente apropriado, para permitir que os indivíduos e as organizações pros- perem e criem os frutos da civilização. O modelo antigo de empresas, com hierarquia de comando e controle que teve origem, séculos atrás, já não funciona nada, nesse novo ambiente. Hoje, necessitamos de modelos muito diferentes, intercomunicantes, que levem à cria- ção de comunidades de negócios e nos quais haja cooperação, gerenciamento do conhecimento, trabalho em equipe, busca de alto desempenho. Os chefes que agem segundo o paradigma antigo, frequentemente são os últimos a compreender essa diferença. Um dos maiores desafios que as organizações encontram é o de abandonar seus velhos sistemas de pensamento e começar a construir uma nova visão. Fonte: Graça (1999, p. 07-08). 92 Atividades 1. Leia a consideração abaixo e reflita sobre as ideias nela contida. Tome uma posição em relação ao problema lançado, redigindo uma dissertação no seu portfólio. [...] assim, porque os nossos sentidos nos enganam às vezes, quis supor que não havia coisa alguma que fosse tal como eles nos fazem imaginar. E, porque há homens que se equivocam ao raciocinar, mesmo no tocante às mais simples matérias (DESCARTES, 1985). 2. Agora leia a afirmação abaixo e reflita relacionando com a reflexão de Descartes aci- ma. Redija uma dissertação no seu portfólio. Não há dúvida de que todo o nosso conhecimento começa com a ex- periência; do contrário, por meio do que a faculdade de conhecimento deveria ser despertada para o exercício senão através dos objetos que tocam nossos sentidos (KANT apud ARANHA; MARTINS, 1992, p. 97). 3. Afirmar que não há saber sem sujeito cognoscente significa que todo o saber é um ato, uma atividade, e não uma essência. O saber não subsiste a título de entidade inde- pendente, só por contaminação é que se fala do saber contido nos livros. Essencialmen- te, o saber é uma certa relação do homem ao seu mundo, uma certa aptidão e atitude cognitiva. É sobre o homem considerado como sujeito cognoscente que aqui se põe toda a insistência, na medida em que se considera que a situação cognitiva, com que ela implica de verbalidade, de possibilidade autônoma de progresso, de espontaneidade, de troca, é uma situação especificamente humana, pelo menos no estado atual de saber (SCHLAMGER, 1989, p. 34-35). A partir da leitura do texto complementar de Jacques Schlamger responda: a) O que o autor quer dizer quando se refere ao homem como sujeito cognoscente? b) O conhecimento é especificamente humano, por quê? 4. Leia a consideração apresentada a seguir e reflita sobre a ideia nela contida, redigindo uma pequena dissertação em seu portfólio: a ciência pode estabelecer limites quanto ao conhecimento, mas não quanto à imaginação. 5. A partir do que você acabou de estudar neste capítulo, argumente sobre as diferentes formas de compreensão da realidade por meio do conhecimento. 93 As orgANizAções moderNAs - ANálise FilosóFiCA Capítulo 4 94 No presente capítulo, analisaremos as modernas organizações do ponto de vista daFilosofia, buscando uma leitura crítica das organizações modernas. Ao fim do capítulo, você será capaz de: • conhecer, em linhas gerais, como surgiram as organizações modernas – a Escola Clássica; • desenvolver uma visão crítica em relação às organizações; • compreender a importância do comportamento ético. Introdução Oração ao Tempo És um senhor tão bonito Quanto a cara do meu filho Tempo tempo tempo tempo Vou te fazer um pedido Tempo tempo tempo tempo... Compositor de destinos Tambor de todos os ritmos Tempo tempo tempo tempo Entro num acordo contigo Tempo tempo tempo tempo... Por seres tão inventivo E pareceres contínuo Tempo tempo tempo tempo És um dos deuses mais lindos Tempo tempo tempo tempo... Caetano Veloso, 1979. 95 Alguns Conceitos de Administração – A Escola Clássica Inicialmente, iremos estudar os conceitos básicos de administração clássica compreendida sob uma perspectiva filosófica, identificando suas demandas e condutas no atual estágio das organizações modernas. Pois pensar filosoficamente as modernas organizações significa fazer uma reflexão criteriosa delas, possibilitando uma visão mais crítica. Não cabe nesse momento um exame minucioso de todas as correntes e teóricos da administração clássica, que você vai estudar de forma aprofundada ao longo de todo o curso, e sim fazer um leve esboço de alguns teóricos dentro de uma leitura filosófica. No início do século XX surgiram os pioneiros da teoria da administração que com “suas ideias bastante semelhantes, ficaram conhecidos como os fundadores da Es- cola Clássica.” (MOTTA PRESTES, 2001, p. 9). Esses fundadores construíram a imagem do que seria um bom administrador, na medida em que planejavam cuidadosamente o passa a passo do processo, além do comando e controle do desempenho e, principal- mente, o controle do tempo. A respeito do processo de trabalho, esses pioneiros buscavam conhecer de perto as dificuldades das execuções das tarefas e o tempo gasto para tanto. Numa socie- dade que valoriza o tempo, ele foi transformado em mercadoria e até o horário destinado ao lazer tornou-se um problema. Um dos principais teóricos no tratamento dado a questão da produção do trabalho foi Frederick Taylor, que criou o método de organização científica do trabalho, conhecido como Taylorismo ou Organização Científica do Trabalho, que gerou intensifica- ção do trabalho em um menor espaço de tempo. Foi o primeiro teórico da administração, de modo que, de uma forma ou de outra, as teorias das organizações que se seguiram fundamentaram-se no seu trabalho ou dialogam com suas ideias. FIGURA 15 – Frederick Taylor Fonte: Wikimedia Commons (2012). Buscava aumentar a eficiência da empresa pelo aumento da efici- ência do operário. Frederick Taylor (1856-1915) – americano, técnico em mecânica, tornou-se engenheiro e, posteriormente, foi considerado o “Pai da Administração Científica”, devido ao seu método de buscar o maior desempenho por meio do controle inflexível e mecanicista das atividades dentro das empresas e fábricas. 96 Teve um alcance bastante amplo para além dos muros das fábricas, mas se os donos das empresas e fábricas adoraram tal prática entre trabalho e produção, o mesmo não se pode afirmar dos trabalhadores, que ofereceram resistência em todos os países onde foi introduzido. A insatisfação pode ser entendida quando pensamos que ao racionalizar o tempo e os movimentos, Taylor institui o tempo-padrão de realização das atividades, o que gerava uma exaustão no trabalhador. Para ele o trabalho deveria ser executado em uma sequência e com um tempo determinado para não haver desperdício operacional. Saiba Mais O filme Tempos Modernos retrata o taylorismo em uma cena clássica, quando Charles Chaplin (ator e diretor) ao sair da mesa de produção continua com os movimentos uti- lizados para apertar porcas e parafusos, demonstrando a exaustão do corpo para acom- panhar o ritmo da máquina em produção de tempo-padrão. O taylorismo introduziu na sociedade a noção de tempo útil. Quantas vezes temos a sensação de perder tempo em determinada atividade? Que o ócio é prejudicial e que não temos tempo a perder! Essa noção de tempo útil está atrelada ao método criado por Taylor, o da racionalização do trabalho. Em sua obra, percebemos que ele teve uma noção específica de natureza humana, a ideia de que o homem é um ser racional. Dessa forma, acredita- va que o homem era um agente capaz de maximizar as suas decisões e ações. Até esse momento, moralmente, o homem era visto como um ser que procurava ganhar muito com o mínimo de esforço. No entanto, Taylor entendia que para cada atividade a ser realizada só existia uma única maneira certa de se realizar um trabalho, não existiam variáveis. Uma vez descoberta tal maneira, ela maximizaria a eficiência. Parada Obrigatória O tempo do trabalho Em uma época em que numerosos estudos e debates giraram, legitimamente, em torno da questão do tempo do trabalho, parece-nos interessante deslocar o debate acerca do tempo do trabalho para o aspecto de uma dupla interrogação sobre: - como o tempo penetra o trabalho do interior: ele não se reduz, desde há muito, a ser um simples ajuste de horários e o estabelecimento negociado de uma duração legal; - como o trabalho penetra no tempo. 97 Interessa-nos trazer à luz essa interioridade recíproca entre o tempo e o trabalho. Esta discussão prolonga uma interrogação que desenvolvemos de longa data sobre a ques- tão: o que se pode entender por “produtividade do trabalho”? Mas interrogar-se sobre essa interioridade recíproca nada tem de evidente, tanto no plano conceitual como no empírico. Pode-se dizer que somos, em nossas sociedades modernas, muito menos “pós-indus- triais” do que se afirma, colocados sob o enorme projetor do tempo medido, calculado, aquele dos relógios e doravante dos computadores, esse tempo que Bergson qualificava como “espacializado”, a tal ponto que dele saímos cegados. Não enxergamos mais que podem existir outras abordagens e referentes temporais além do desenrolar quantitati- vo e quantificado dos segundos, minutos, dias, semanas, meses, anos... Para sair dessa cegueira, pareceu-nos necessário fazer um desvio conceitual sociológico pelo território filosófico. Esperamos que esse desvio nos permita retornar à questão do tempo do trabalho munidos de um novo olhar. O enfrentamento entre duas concepções do tempo Dentre as numerosas concepções filosóficas do tempo, duas perspectivas sobressaem na medida em que possuem um impacto social significativo. Elas já estavam presentes nos debates da Grécia antiga: o tempo Chronos frente ao Aiôn. Gilles Deleuze relem- brou-nos notavelmente a diferença entre eles: “Chronos é o presente que existe e que faz do passado e do futuro suas duas dimensões sempre dirigidas, tais que se vai do passado ao futuro, mas à medida que os presentes se sucedem nos mundos ou nos sis- temas parciais. Aiôn é o passado-futuro em uma subdivisão infinita do momento abs- trato, que não cessa de decompor-se nos dois sentidos de uma só vez, esquivando para sempre todo presente” (DELEUZE, 1997, p. 95). Fonte: Zarifian (2002). É importante pensar a relação entre tempo e trabalho, para compreender o que esses teóricos entendiam por produtividade, como analisam os autores abaixo: A autoimagem que o discurso taylorista construiu perpetuou-se até os nossos dias mesmo onde tenha provado sua ineficácia na luta contra a resistência operária. Ainda hoje no meio operário mantém-se a re- presentação ideológica de que o avanço técnico é positivo, necessário e indispensável apesar do desemprego que gera e de que a divisão do trabalho, a parcialização das funções, a cronometragem do tempo de trabalho sejam as maneiras mais eficazes de aumentar a produtividade do trabalho. Ou seja, a ideia de racionalidade veiculada pelo taylorismo mantém-se intacta, mesmo para aqueles que questionam sua utilização social: ele é válido desde que não vise à exploração capitalista do traba-lho, segundo esta lógica (RAGO; MOREIRA, 2003, p. 28). 98 FIGURA 16 – Elton Mayo Sua teoria centrava-se nas relações humanas do trabalho. Fonte: Trahair; Zaleznik (2009). Elton Mayo – australiano, migrado para os EUA, via a conduta do homem social pautada na tradição. Para ele, o bem-estar social poderia ser adquirido pela cooperação, pois quando ocorre essa coopera- ção, os objetivos individuais e coletivos são integra- dos. Tem como base para sua teoria o aumento da produtividade por meio da motivação do trabalha- dor individual. Pode-se afirmar que somos, em nossas sociedades modernas, disciplinados pelo tempo como símbolo social, no qual se exerce uma autodisciplina do tempo. Um bom exemplo disso é o uso universal do relógio, que serve para medir o tempo, quantificá-lo: introduzimos ao cálculo e à computação do tempo. Podemos dizer que foi ou será neces- sário tanto tempo para a execução de determinada tarefa. Para orientar a sociedade e para que nos orientemos em seu seio, permitindo a previsão, medimos o tempo. É possível também falar sobre o que será o futuro, definindo o futuro como um deslocamento ao longo do tempo. O futuro não é outra coisa que a maneira pela qual nos projetamos mentalmente em um instante (o presente) escolhido no desenvolvimento espacial do tempo. Na realidade, para a promoção plena dessas funções, é preciso acres- cer ao tempo mostrado o processo de datação no calendário. A datação permite construir referenciais temporais comuns a uma vasta comunidade humana e permite que nos situ- armos como indivíduos nesse tempo comum. Nas análises de Taylor percebemos que falta um olhar para o trabalhador, já que toda análise está voltada para o tempo de trabalho e a produtividade, ou seja, a sua ênfase era somente nas tarefas. Mas será que motivações e boas relações entre os mem- bros de uma empresa não seriam importantes para gerar benefícios para a própria em- presa? A Teoria das Relações Humanas, de Elton Mayo, tenta dar conta dessa discussão. Assim, Mayo fundamenta-se em um modelo de natureza humana que pode- mos chamar de “homo social”. Nesse modelo, o homem é entendido como um ser cujo comportamento não pode ser reduzido a esquemas mecanicistas, como no modelo de Taylor, e sim um ser condicionado por demandas biológicas e sociais. O homem, nessa teoria, seria movido por necessidades: de segurança, apro- vação, afeto, prestígio e autorrealização. É dele também a noção de que a administração lideraria grupos bem formados de indivíduos, e não uma massa desforme e desorganiza- da de indivíduos, daí a necessidade de conhecê-los por meio de técnicas de observação. 99 A partir dos resultados dos trabalhos de Mayo e de outros teóricos da admi- nistração, chegava-se a algumas conclusões, entre elas de que o trabalho é uma ativida- de grupal. O mundo dos adultos se pauta, na maioria das vezes, por seu trabalho, pois serve de identidade pertencer a um grupo, como dos profissionais de administração, de direito, operários, professores, etc. A necessidade de segurança e o senso de pertencer a um grupo são tão importantes para o profissional que refletiria mais na sua produtividade do que as con- dições físicas de trabalho. A corrente baseada nesse consenso tornou-se conhecida com o nome de relações humanas. A referência a esses dois teóricos clássicos, Taylor e Mayo, é ressaltar duas correntes importantes da administração, demonstrando a passagem do científico taylo- rismo para o humanismo, quando há um deslocamento da atenção formal para o infor- mal das relações humanas numa certa “psicologização” das relações de trabalho. Saiba Mais Experiência de Mayo na Westerm Electric Company, em 1927 A teoria de Mayo teve como base uma experiência realizada na Westerm Electric Com- pany, uma fábrica de equipamentos telefônicos, bastante avançada na época por ofe- recer uma série de benefícios aos seus operários. Em torno de 1927, a fábrica passou por problemas de produtividade e de falta de contentamento dos seus funcionários e tentando resolvê-los pediu ajuda a Harvard University, que enviou uma equipe e Mayo era um dos participantes. A primeira impressão levava a crer que os problemas decorriam de má iluminação. Rea- lizaram uma experiência com dois grupos de mulheres operárias, em que um mantinha a iluminação defeituosa e outro uma boa iluminação, para surpresa de todos nos dois grupos a produtividade aumentou. Uma segunda experiência foi realizada e Mayo pediu para que duas mulheres criassem equipes com tarefas definidas, inclusive podendo modificar os horários de chegada e saída, além de criar pausas para lanches. A jornada diminuiu, porém a produtividade au- mentou, levando Mayo a questionar a ideia vigente de que o ser humano seria egoísta e movido apenas por motivos financeiros. 100 Parada Obrigatória A referência ao “valor-trabalho”, que marcou fortemente a emergência do capitalismo industrial, mas do qual se deve notar a permanência, tendo em vista o ressurgimento nos debates mais recentes em torno da noção de “trabalho efetivo”, significa uma coisa simples: como se pode controlar e comparar de uma só vez os trabalhos concretamen- te heterogêneos, relacionando-os a uma mesma medida social: o dispêndio de tempo trabalho? E como marcar nele o controle de tempo operário, fonte de valor econômico? A existência socialmente estabelecida de um tempo espacializado homogêneo oferece o terreno para a resposta. É suficiente relacionar esses trabalhos heterogêneos a um mesmo “cálculo de minutos” e fazer desse dispêndio de tempo o referente central do valor econômico mercadológico de bens produzidos e trocados. É isso que é indicado, de maneira muito precisa, pelo conceito de “valor-trabalho”. Disso deduz-se o conceito clássico de produtividade do trabalho: uma diminuição do tempo socialmente necessário para produzir uma unidade de mercadoria, conceito operacionalizado nos instrumentos de medida do débito ou de rendimento de cada posto. A influência dessa abordagem foi direta na construção (tardia) da compatibilida- de analítica industrial, para qual Taylor participou ativamente. É necessário evidentemente explicar seu impacto concreto: é adequado dizer que a me- dida normatizada do tempo (o tempo operatório que o operário deve respeitar, a saber, diminuir) incorpora-se nos atos de trabalho. E a palavra “incorporar” tem um sentido perfeitamente preciso: o tempo penetra nos gestos e movimentos operários até o ponto que escapa ao operário a definição do movimento de seu próprio corpo. Fonte: Zarifian (2002). A importância de analisar essas teorias clássicas dentro de um viés filosófico é de crítica, mas não apenas a crítica pela crítica, e sim lançar um olhar mais aprofunda- do a essas teorias, entendendo o seu percurso e influência na história da administração e seus impactos no presente. 101 Saiba Mais Influência dos filósofos Desde os tempos da antiguidade a Administração recebeu influência da Filosofia. Antes de Cristo, o filósofo grego Sócrates, em sua discussão com Nicomaquis, expõe o seu ponto de vista sobre a Administração: “Sobre qualquer coisa que um homem possa presidir, ele será, se souber do que precisa e se for capaz de provê-lo, um bom presidente, quer tenha a direção de um coro, uma famí- lia, uma cidade ou um exército. Não é também uma tarefa punir os maus e honrar os bons? Portanto, Nicomaquis, não desprezeis homens hábeis em administrar seus haveres.” Platão (429 a 347 a.C.) também se preocupou profundamente com os problemas po- líticos inerentes ao desenvolvimento social e cultural do povo grego. Em sua obra A República expõe o seu ponto de vista sobre a forma democrática de governo e de admi- nistração dos negócios públicos. Aristóteles (384 a 322 a.C.) deu enorme impulso à Filosofia, principalmente à Cos- mologia, Nosologia, Metafísica e Ciências Naturais, abrindo as perspectivas do conhe- cimento humano na sua época. Foi o criador da Lógica. No seu livro A Política estuda a organizaçãodo Estado e distingue três formas de administração pública: monarquia, aristocracia e democracia. Francis Bacon (1561-1626), filósofo e estadista inglês, considerado o fundador da Lógica Moderna, baseada no método experimental e indutivo. Antecipou-se ao princípio conhe- cido em Administração como “princípio da prevalência do principal sobre o acessório”. René Descartes (1596-1650), filósofo, matemático e físico francês, considerado o fun- dador da filosofia moderna. Em seu livro O Discurso do Método, no qual descreve os preceitos do seu método filosófico, denominado de método cartesiano, serviu de fun- damento para a tradição científica do Ocidente, inclusive influenciando alguns princí- pios da moderna administração, tais como divisão do trabalho, ordem e controle. Karl Marx (1818-1883) e seu parceiro Friedrich Engels (1820-1895) propõem uma teoria da origem econômica do Estado. O surgimento do poder político e do Estado nada mais é do que o fruto da dominação econômica do homem pelo homem. Com o surgimento da Filosofia Moderna, deixa a Administração de receber contribuições e influências, uma vez que o campo de estudo filosófico afasta-se enormemente dos pro- blemas organizacionais. 102 Influência da Igreja Católica através dos séculos, as normas administrativas e princí- pios de organização pública foram se transferindo das instituições dos Estados para as instituições da nascente Igreja Católica e para as organizações militares. Ao longo dos séculos, a Igreja Católica foi estruturando sua organização, sua hierarquia de autoridade, seu estado-maior (assessoria) e sua coordenação funcional. Hoje, a Igre- ja tem uma organização hierárquica tão simples e eficiente que a sua enorme organiza- ção mundial pode operar satisfatoriamente sob o comando de uma só cabeça executiva. De qualquer forma, a estrutura da organização eclesiástica serviu de modelo para mui- tas organizações que, ávidas de experiências bem sucedidas, passaram a incorporar uma infinidade de princípios e normas administrativas utilizadas na Igreja Católica. Fonte: Oliveira (2011). Sossego Ora bolas, não me amole Com esse papo, de emprego Não está vendo, não estou nessa O que eu quero? Sossego, eu quero sossego Tim Maia, 2007. A Administração e as Novas Estruturas de Emprego Após uma breve análise dos conceitos clássicos de administração, aborda- remos, de forma geral, a administração e as novas estruturas de emprego, esses dois pontos que parecem bem distantes, não só na história da administração como também em sua ação, servem para termos uma perspectiva geral do assunto. As novas estruturas de emprego no capitalismo atual já não podem mais prometer solidez alguma para citar aqui uma ideia recorrente de Bauman (2005). Construiu-se, na maioria das vezes, uma carreira administrativa, a partir de uma ideia de carreira que não condiz com a realidade atual das novas organizações, na qual o emprego para uma vida toda em uma empresa é coisa do passado. Com o constante avanço da tecnologia e das informações nos últimos anos, é preciso entender os profissionais que saem para o mercado dentro de um novo con- texto social. Faz-se necessário identificar as bases e condições que esses profissionais que vão entrar nesse novo mercado capitalista, seus sistemas de valores, seus critérios de condução de vida. 103 É necessário compreender aquilo que define, que disciplina a prática e o pen- samento do administrador, por meio do entendimento da relação do indivíduo com seu trabalho, com sua rotina, ou seja, por meio daquilo que disciplina e orienta sua conduta junto à organização. Pare e Reflita Um dos diagnósticos mais comuns é o desemprego. Em particular, as baixas expecta- tivas de trabalho para os recém-saídos da escola que ingressam sem experiência num mercado preocupado em aumentar os lucros, cortando os custos com mão de obra e se desfazendo dos ativos, ao invés de criar novos empregos e construir novos ativos. Um dos remédios mais considerados são os subsídios estatais, que tornariam a contra- tação de jovens um bom negócio (pelo tempo que durasse o subsídio). Enquanto isso, uma das recomendações oferecidas com mais frequência aos jovens é serem flexíveis e não muito seletivos, não esperarem demais de seus empregos, aceitá- -los como são, sem fazer muitas perguntas, tratá-los como uma oportunidade a ser usu- fruída de imediato, enquanto dure, e não como o capítulo introdutório de um “projeto de vida”, uma questão de autoestima e autodefinição, ou uma garantia de segurança a longo prazo. O prefixo “des” indica anomalia. “Desemprego” é o nome de uma condição claramente temporária e anormal, e, assim, a natureza transitória e curável da doença é patente. A noção de “desemprego” herdou sua carga semântica da autoconsciência desejável de uma sociedade que costumava classificar seus integrantes, antes de tudo, como produ- tores, que também acreditava no pleno emprego, não apenas como condição desejável e atingível, mas também como seu derradeiro destino. Fonte: Adaptado de Bauman (2005). É neste contexto que a alteração drástica na complexidade das re- lações de trabalho, seja por um processo inovador, ou anterior, mas certamente acelerado, leva à necessidade de se criar novas categorias teóricas de pensamento (independentemente da anulação ou não das categorias anteriores) que permitam vislumbrar o destino para onde nos levamos, ou que, ao menos possam explicar, com alguma dose de aproximação, os trilhos sobre os quais estamos andando. [...] Esse pro- fissional é parte ativa nessa sociedade e faz uso de todos os recursos informacionais e tecnológicos à sua disposição para dar conta dessa nova realidade, buscando informar-se e interferir sobre ela, ao mesmo tempo sendo impactado e conformado por ela (MENEZES, 2007, p. 13). 104 Discussão dos Múltiplos Usos da Ética – Na Profissão, nas Organizações e na Sociedade Analisaremos a condução de inter-relacionamento entre Filosofia e Ética. A Fi- losofia enquanto essência ou causa última das coisas em si, concepção do humano e da práxis. Na atualidade, houve-se falar muito em ética. Mas como definir, o que é ética? Sabemos que a palavra ética tem sua origem na palavra grega “ethos” que sig- nifica “modo de ser” e também pode ser representada por “caráter” ou como o homem se comporta na vida que constrói ou conquista. Ainda pode ser definida como conjunto de conhecimentos racionais e objetivos a respeito do comportamento humano (SOUZA, 2006). Atribuir valor as coisas é uma experiência humana que se encontra no cen- tro de todas as escolhas da vida. Neste momento do nosso livro escolhemos analisar os aspectos éticos da conduta do indivíduo em sua profissão, nas organizações e na socie- dade, ou seja, o seu modo de ser, de se comportar no seu meio social. A palavra ética tem sua origem na Grécia antiga. A princípio, com o filósofo grego Aristóteles, que escreveu sobre a ética. Para Aristóteles, a ética se ocupa daquilo que é mais essencial ao homem, a sua conduta. Importante Cumpre advertir, antes de tudo, que a história da ética como disciplina filosófica é mais li- mitada no tempo e no material tratado do que a história das ideias morais da humanidade. Esta última história compreende o estudo de todas as normas que regularam a conduta humana desde os tempos pré-históricos até os nossos dias (FERREIRA et al., 2000). Nos nossos debates cotidianos, baseados no senso comum, é normal que a éti- ca se confunda com a moral; todavia, deve-se deixar claro que são duas coisas diferentes, considerando-se que ética significa a teoria ou ciência do comportamento moral dos homens em sociedade, enquanto que moral, que está relacionada ao costume, quer dizer conjunto de normas ou regras adquiridas com o passar do tempo. Assim sendo, não devemos confundir moral e ética. Observe a análise feita a seguir: Práxis (do grego prâksis), em seu sentido amplo, é a atividade humana em sociedade e na natureza. 105 A moral é a regulaçãodos valores e comportamentos considerados legítimos por uma determinada sociedade, um povo, uma religião, uma certa tradição cultural etc. Há mo- rais específicas também em grupos sociais mais restritos: uma instituição, um partido político. Há, portanto, muitas e diversas morais. Isto significa dizer que uma moral é um fenômeno social particular, que não tem compromisso com a universalidade, isto é, com o que é válido e de direito para todos os homens. [...] A ética é uma reflexão crítica sobre a moralidade. Mas ela não é puramente teoria. A ética é um conjunto de princípios [...], cujo objetivo é balizar as ações humanas. A ética existe como uma referência para os seres humanos em sociedade, de modo tal que a sociedade possa se tornar cada vez mais humana. A ética pode e deve ser incorporada pelos indivíduos, sob a forma de uma atitude diante da vida cotidiana, capaz de julgar criticamente os apelos a-críticos da moral vigente. Mas a ética, tanto quanto a moral, não é um conjunto de verdades fixas, imutáveis. A ética se move, historicamente, se amplia e se adensa. Para entendermos como isso acontece na história da humanidade, basta lembrarmos que, um dia, a escravidão foi considerada “natural”. Entre a moral e a ética há uma tensão permanente: a ação moral busca uma compreensão e uma justi- ficação crítica universal, e a ética, por sua vez, exerce uma permanente vigilância crítica sobre a moral, para reforçá-la ou transformá-la. [...] A ética também estuda a responsabilidade do ato moral, ou seja, a decisão de agir numa situação concreta é um problema prático-moral, mas investigar se a pessoa pôde es- colher entre duas ou mais alternativas de ação e agir de acordo com sua decisão é um problema teórico-ético, pois verifica a liberdade ou o determinismo ao qual nossos atos estão sujeitos. Se o determinismo é total, então não há mais espaço para a ética, pois se ela se refere às ações humanas e se essas ações estão totalmente determinadas de fora para dentro, não há qualquer espaço à liberdade, para a autodeterminação e, conse- quentemente, para a ética. Fonte: Ferreira et al. (2000). A aplicação da ética no trabalho é, atualmente, um fator complicado, pois foge aos ditames da conduta normalmente aplicada em outras áreas do comportamento dos indivíduos. Por isso, os profissionais e os teóricos da administração dão preferência aos estudos sobre essas questões no ambiente do exercício profissional. 106 Dicas de Vídeo Beleza Americana (American Beauty). Diretor: Sam Mendes. Duração: 122 min. Gêne- ro: Drama. Ano: 1999. Como Enlouquecer Seu Chefe (Office Space). Diretor: Mike Judge. Duração: 92 min. Gênero: Comédia, policial. Ano: 1999. Metrópolis (Metropolis). Diretor: Fritz Lang. Duração: 153 min. Gênero: Drama, ficção científica. Ano: 1927. Tempos Modernos (Modern Times). Diretor: Charles Chaplin. Duração: 87 min. Gêne- ro: Comédia, drama, romance. Ano: 1936. Saiba Mais A lógica alimentadora desse processo não é idealista nem “cor de rosa”. É lógica do capi- tal que, para poder sobreviver, tem que ser mais ético, evitando cair na barbárie e auto- destruição. São os próprios pressupostos da disputa empresarial que forçam a adoção de um modelo mais ético. A ética profissional estudaria e regularia o relacionamento do profissional com sua clientela, visando à dignidade humana e à construção do bem-estar no contexto socio- cultural onde exerce sua profissão. Quando falamos de ética profissional estamos nos referindo ao caráter normativo e até jurídico que regulamenta determinada profissão a partir de estudos e códigos específicos. Fonte: Ferreira et al. (2000). 107 Resumo Neste capítulo, desenvolvemos um olhar filosófico sobre as organizações, conhecemos o contexto histórico do surgimento das diferentes teorias da administração: primeiro a escola clássica, tratando a importância do tempo para melhorar a produção, e depois, com Mayo, o entendimento de que o trabalho é uma ação humana. Interessante lembrar que para Mayo o homem é um ser cujo comportamen- to não pode ser reduzido a esquemas mecanicistas como no modelo de Taylor. Nesse percurso, de análise das teorias, aprendemos a importância de lançar um olhar crítico, mais aprofundado, filosófico, buscando compreender o processo e influência na história da administração, assim como seus impactos no presente. Também olhamos de modo crítico o mundo contemporâneo e as mudanças das relações de trabalho, os avanços tecnológicos e, consequentemente, o surgimento das novas estruturas de empregos na contemporaneidade. Mas adiante demos uma leve pincelada sobre o que é ética. Como surgiu, como se diferencia da moral e como é importante compreendê-la para as relações de trabalho no mundo corporativo. Sintetize 1. Escreva o que entende sobre a seguinte frase: “O trabalho humano é uma ação trans- formadora da realidade, dirigida por finalidades conscientes.” (ARANHA; MARTINS, 1993, p. 24). 2. Com base nos conceitos dos teóricos da administração clássica estudados neste capí- tulo, compare e ressalte as diferenças e similaridades entre as duas principais correntes. 3. Escreva um texto crítico sobre a importância do comportamento ético no ambiente de trabalho. 4. Analise a seguinte frase: “todo trabalho é digno.” Elabore um texto com suas considerações. 108 É a Vaidade e não o Prazer que nos Interessa Qual a finalidade da avareza e da ambição, da busca de riqueza, poder e preeminência? Será para suprir as necessidades da natureza? O salário do mais pobre trabalhador pode supri-las. Vemos que esse salário lhe permite ter comida e roupas, o conforto de uma casa e de uma família. Se examinássemos a sua eco- nomia com rigor, constataríamos que ele gasta grande parte do que ganha com conveniências que podem ser consideradas supérfluas. [...] Qual é, então, a causa da nossa aversão à sua situação, e por que os que foram educados nas camadas mais elevadas consideram pior que a morte serem reduzidos a viver, mesmo sem trabalhar, compartilhando com ele a mesma comida simples, a habitar o mesmo teto modesto e a vestir-se com os mesmos trajes humildes? Por acaso imaginam que têm um estômago superior ou que dormem melhor num palácio do que numa cabana? [...] De onde, portanto, nasce a emulação que permeia todas as dife- rentes classes de homens, e quais são as vantagens que pretendemos com esse grande propósito da vida humana a que chamamos melhorar nossa condição? Ser notado, ser ouvido, ser tratado com simpatia e afabilidade e ser visto com aprova- ção são todas as vantagens que se pode pretender obter com isso. É a vaidade, e não a tranquilidade ou o prazer, que nos interessa. Mas a vaidade sempre tem por base a convicção de sermos objeto de atenção e aprovação. O homem rico deleita- se com as suas riquezas por julgar que elas naturalmente lhe atraem a atenção do mundo e que os homens estão dispostos a acompanhá-lo em todas as agradáveis emoções que as vantagens da sua situação tão prontamente inspiram a ele. Quan- do tal pensamento lhe ocorre, o seu coração parece crescer e dilatar-se dentro do peito, e ele aprecia a sua riqueza mais por esse motivo do que por todas as outras vantagens que ela lhe traz. Fonte: Smith (1971, p. 38). Textos Complementares 109 Valores morais e não-morais Os objetos valiosos podem ser naturais, isto é, como aqueles que exis- tem originariamente à margem ou independentemente do trabalho humano (o ar, a água ou uma planta silvestre), ou artificiais, produzidos ou criados pelo homem (como as coisas úteis ou as obras de arte). Mas, desses dois tipos de objetos, não se pode dizer que sejam bons de um ponto de vista moral; os valores que encar- nam ou realizam são, em casos distintos, os da utilidade ou da beleza. Às vezes se costuma falar da ‘bondade’ desses objetos e, por essa razão, empregam-se expressões como as seguintes: “este é um bom relógio”, “a água que agora esta- mos bebendo é boa”, “X escreveu um bom poema” etc. Mas o uso de “bom” emsemelhantes expressões não possui nenhum significado moral. Um “bom” relógio é um relógio que realiza positivamente o valor correspondente: o da utilidade, ou seja, que cumpre satisfatoriamente a necessidade humana concreta à qual serve. Um “bom” relógio é objeto “útil”. E algo análogo podemos dizer da água quando a qualificamos como “boa”; com isso, queremos dizer que satisfaz positivamente, do ponto de vista de nossa saúde, a necessidade orgânica que deve satisfazer. [...] Em todos esses casos, também, a palavra “bom” tem o significado axiológico positivo – com a relação ao valor “utilidade” ou ao valor “beleza” -, mas não tem significado moral algum. [...] Podemos falar da “bondade” de uma faca enquanto cumpre positi- vamente a função para a qual foi fabricada. Mas a faca – e a função relativa – pode estar a serviço de diferentes fins; pode ser utilizada, por exemplo, para realizar um ato mau sob o ângulo moral, como é o assassinato de uma pessoa. Desde o ponto de vista de sua utilidade ou funcionalidade, a faca não deixará de ser “boa” por ter servido para realizar um ato repreensível. Pelo contrário, continua sendo “boa” e tanto mais quanto mais eficiente tiver servido ao assassino, mas essa “bondade” instrumental ou funcional está alheia a qualquer qualificação moral, apesar de servido de meio ou instrumento para realizar um ato moralmente mau. A qualificação moral recai aqui no ato de assassinar, para o qual a faca serviu. Não é a faca – eticamente neutra, como o são em geral os instrumentos, as máquinas ou a técnica em geral – que pode ser qualificada de um ponto de vista moral, mas o seu uso; isto é, os atos humanos de utilização de determinados fins, interesses ou necessidades. Vê-se, então, que os objetos úteis, ainda que se trate de objetos pro- duzidos pelo homem, não encarnam valores morais, embora possam encontrar-se numa relação instrumental com esses valores (como vimos no exemplo anterior da faca). [...] 110 Os valores morais existem unicamente em atos ou produtos humanos. Tão somente o que tem um significado humano pode ser avaliado moralmente, mas, por sua vez, tão somente os atos ou produtos que os homens podem reco- nhecer como seus, isto é, os realizados consciente e livremente, e pelos quais se lhes pode atribuir uma responsabilidade moral. Nesse sentido, podemos qualificar moralmente o comportamento dos indivíduos ou de grupos sociais, as intenções de seus atos e seus resultados e consequências, as atividades das instituições sociais etc. Ora, um mesmo produto humano pode assumir vários valores, embora um deles seja o determinante. Assim, por exemplo, uma obra de arte pode ter não só o valor estético, mas também político ou moral. É inteiramente legítimo abstrair um valor dessa constelação de valores, mas com a condição de não reduzir um valor ao outro. Posso julgar uma obra de arte pelo seu valor religioso ou político, mas sempre com a condição de nunca pretender deduzir desses valores o seu valor propriamente estético. Quem condena uma obra de arte sob o ponto de vista mo- ral nada diz sobre o seu valor estético; simplesmente esta afirmando que, nessa obra, não se realiza o valor moral que ele julga que nela deveria realizar-se. Por conseguinte, um mesmo ato ou produto humano pode ser avaliado a partir de diversos ângulos, podendo encarnar ou realizar diferentes valores. Mas, ainda que os valores se juntem num mesmo objeto, não devem ser confundidos. Fonte: Sanches Vásquez (1970, p. 127-129). Vidas despedaçadas As preocupações da Geração X – preocupações quanto à redundância – diferem dos problemas vivenciados e registrados pelas gerações anteriores, e são sofridas e enfrentadas à sua maneira própria e singular. No entanto, não lhes faltam precedentes. Desde o início dos tempos modernos, cada geração sucessiva tem tido seus naufrágios no vácuo social: as “baixas colaterais” do progresso. Enquanto muitos conseguiram pular para dentro do veículo em alta velocidade e aprovei- tar profundamente a viagem, muitos outros – menos sagazes, hábeis, espertos, musculosos, ou aventureiros – ficaram para trás ou tiveram negado o acesso ao veículo superlotado, se é que não foram esmagados sob suas rodas. No carro do progresso, o número de assentos e de lugares em pé não é, em regra, suficiente para acomodar todos os passageiros potenciais, e a admissão sempre foi seletiva. Talvez por isso o sonho de se juntar a essa viagem fosse tão doce para tantos. O progresso era apregoado sob o slogan de mais felicidade para um número maior de pessoas. Mas talvez o progresso, marca registrada da era moderna, tivesse a 111 Taylorismo e Fordismo na Indústria Paulista A seu ver, fordismo seria o processo de trabalho que, juntamente com o taylorismo, teria predominado ao longo do século XX. O consenso a respeito das características básicas do chamado taylorismo/fordismo é vasto. Listar todas as obras que nele se incluem afigura-se-nos obra tão hercúlea quanto ociosa, uma vez que o fato é de conhecimento geral, assumindo feições de verdadeiro para- digma no campo das Ciências Humanas. Nota-se, que, nessa linha de interpreta- ção, taylorismo e fordismo são, não apenas compatíveis, mas complementares e correspondem a fenômenos que independem em grande medida das concepções e práticas daqueles dos quais emprestaram seus nomes. As duas denominações indicam traços gerais da organização do trabalho vigente na grande indústria. Em múltiplas formulações acadêmicas, “taylorismo” e “fordismo” aparecem associa- dos. [...] O tema de um taylorismo-fordismo é partilhado amplamente em for- mulações acadêmicas construídas no mundo industrializado (fundamentalmente, Europa e Estados Unidos). Extensa e respeitável bibliografia poderia ser citada a respeito. Fonte: Zanetti; Vargas (2007, p. 9-10). ver, em última instância, com a necessidade de menos (e cada vez menos) pes- soas para manter o movimento, acelerar e atingir o topo, que antes exigiria uma massa bem maior para negociar, invadir e conquistar. A esse respeito, a Geração X não é a primeira a ter boas razões para sofrer de depressão. Mas o que torna a sua condição peculiar é, para início de conversa, o fato de que uma parcela de amplitude pouco comum dessa coorte caiu do veículo e foi deixada para trás – ou pelo menos é assim que se sente. Peculiar também é o difundido sentimento de confusão, desorienta- ção e perplexidade. Não obstante todas as similaridades, nossos contemporâneos sentem intuitivamente que o problema atual é diferente daqueles que afligiram as gerações anteriores, embora elas também tenham tido sua dose completa de miséria. Talvez, e mais importante, hoje em dia tenhamos a tendência a sentir que o remédio patenteado e herdado do passado não funciona mais. Não importa a habilidade que possamos ter na arte de gerenciar crises, na verdade não sabemos como enfrentar esse problema. Talvez nos faltem até mesmo as ferramentas para imaginar formas razoáveis de enfrentá-lo. Fonte: Bauman (2005, p. 23-24). 112 Atividades 1. A partir do que você acabou de estudar no capítulo 4, responda o que é ser um bom administrador segundo a teoria clássica? 2. Neste capítulo, você estudou que desde a antiguidade a Administração sofreu influên- cia da Filosofia. Cite duas influências significativas. 3. Entre os filósofos que influenciaram a administração, vimos que Descartes, e o mé- todo cartesiano, influenciou a teoria clássica de Taylor. Redigindo uma curta dissertação em seu portfólio, correlacione o método de Taylor e a influência do método cartesiano. 4. Com base no conceito estudado de ética, faça uma curta dissertação sobre o compor- tamento ético e a imagem da malandragem do dito “jeitinho brasileiro” que nos acom- panha até os dias atuais. 5. Com relação à expressão “o futuro não é mais como era antigamente”, baseando-se também no que foi estudado neste capítulo sobre as novas estruturas de emprego, ou o que Bauman chama de modernidade líquida, façauma curta dissertação sobre o seu entendimento dessas novas estruturas de emprego. Anotações 113 A vAlidAção dAs Asserções ou o ProblemA dA verdAde Capítulo 5 114 Neste capítulo, vamos ver como a Filosofia é uma busca pela verdade e que isso decorre de seu amor pela sabedoria, pois em qualquer questão colocada pelos filó- sofos está escondida a tentativa de conhecer a verdade das coisas. Ao fim do capítulo, você será capaz de: • compreender o conceito de verdade para a Filosofia; • reconhecer quatro concepções de verdade; • identificar o pensamento de Descartes sobre o conhecimento e a verdade; • compreender a discussão entre empiristas e racionalistas, assim como a síntese kantiana, na Teoria do Conhecimento; • diferenciar dogmatismo e ceticismo. Introdução Questões sobre a Verdade Neste último capítulo, iremos retornar a um tema que já foi mencionado nessa e em outras discussões, a questão da verdade. A Filosofia tem como finalidade conhecer os primeiros princípios da realidade, a essência das coisas; assim, quando os primeiros filósofos procuravam saber o que causava o movimento das coisas do mundo, buscavam saber qual a verdade das coisas da vida. Também quando falamos da cultura, vimos que cada povo expressa pela linguagem um conjunto de simbologias que tradu- zem a sua forma de ver a realidade. Lembra que os primeiros filósofos, os pré-socráticos, buscavam saber qual era o movimento da vida, do devir? Quando eles procuravam o devir será que eles não procuravam a verdade sobre esse movimento? E Sócrates, ele criticava os sofistas por- que eles não se atinham à verdade das coisas, eles estavam apenas interessados em ganhar a disputa oratória. Quando falamos que a Filosofia é amor e busca pelo saber, então, podemos afirmar que a Filosofia é a busca da verdade? Quem nunca questionou um amigo ou texto com a dúvida se aquilo que ouvia ou lia correspondia exatamente a verdade dos fatos? Na história da Filosofia, as questões e análises sobre a verdade perpassam muitas áreas, da lógica à teoria do conhe- cimento, e foram formulados vários tipos de questões para tentar entendê-la. As questões feitas sobre a verdade podem ser assim organizadas: • O que é a verdade? Essa questão se funda na busca da essência da coisa (pergunta metafísica), já que o que se pretende saber é a natureza da verdade. Busca-se quais são as condições (necessárias e suficientes) para que uma coisa seja ela e não outra coisa. 115 Conceituando o nosso Conhecimento sobre a Verdade O que é a verdade? Para respondermos essa e outras questões, vamos pri- meiro conhecer as bases dessa palavrinha, ou seja, como nossa ideia de verdade e do verdadeiro se formou e chegou até nós. De acordo com Chaui (1995), o conceito de verdade, tal como usamos hoje, está baseado em algumas ideias diferentes sobre a verdade. A ideia grega: aletheia (a = partícula de negação; lethe = esquecimento) Os gregos quando falavam em verdade se referiam ao que estava visível, ao que se manifestava aos olhos ou ao espírito, o que era visível à razão. Aletheia era, dessa forma, o que não estava oculto, era o que existia. A verdade estava nas coisas, na própria qualidade das coisas, como o próprio nome diz, em grego, a verdade era o oposto do que era esquecido, mas para vê-la ela precisava se revelar, se mostrar. Já o seu oposto, a falsidade, necessitava que as qualidades se escondessem, se fizessem esquecer, se encobrissem. Dessa ideia é que surgem questões sobre como é possível o erro, o falso e a mentira, pois o ser e a sua verdade são evidentes aos olhos. Evidente – o que se impõe de modo direto e imediato. • Podemos conhecer a verdade? Essa questão se funda na possibilidade do conhecimento (pergunta epistemológica), busca saber se é possível ao ser humano alcan- çar o conhecimento da verdade em seres iguais (outros homens) e em essências diferen- tes (as outras coisas do mundo). • Qual é o significado da palavra verdade? Aqui a questão se funda na busca do significado ou definição da palavra verdade (pergunta semiótica). As questões e análises que veremos neste capítulo trarão à tona as discussões feitas desde a antiguidade grega na tentativa de alcançar respostas a essas questões. A ideia latina: veritas Para os latinos, a verdade se referia à precisão, à exatidão e à realidade dos detalhes de um relato. O que era verdadeiro era a narrativa do acontecido, pois ela não existia nas coisas ou por si só, ela dependia da veracidade, da memória e da qualidade de percepção de quem contava um acontecido. Ela está no âmbito da linguagem, do enunciado. Seu oposto é a mentira. 116 A Verdade – Pensando junto com Sócrates A análise sobre o que é a verdade está atrelada às discussões sobre o conhe- cimento, enquanto meio termo entre o sujeito (aquele que conhece) e o objeto (o que se quer conhecer). Veremos isso no próximo tópico. Lembra que conhecimento foi definido como uma construção de significados, edificados socialmente a partir de uma vivência no mundo? Compreendemos a realidade a partir de nossas experiências cotidianas. Vimos como a linguagem é importante nesse pro- cesso de busca, sendo a forma que expressamos o nosso conhecer. Um bailarino quando apresenta uma coreografia está revelando a sua forma de ver o mundo. Assim também um A ideia hebraica: emunah Para os hebreus, a verdade estava relacionada à realização do prometido, estava relacionada ao cumprimento de um pacto feito, à palavra dada. Funda-se na crença e na confiança, não está nas coisas nem no dito, mas em Deus e nas pessoas. A forma mais elevada de verdade era vista como a revelação divina e sua forma mais perfeita como a profecia. QUADRO 6 - Três conceitos de verdade A ideia grega Aletheia A verdade estava na essência das coisas. A ideia latina Veritas A verdade estava associada aos detalhes de um ato enunciado. A ideia hebraica Emunah A verdade estava relacionada com a promessa, a palavra dada, revelação. Fonte: Adaptado de Chaui (1995). A filósofa Chaui (1995) afirma que construímos a nossa ideia de verdade como uma síntese dessas três concepções e salienta a diferença entre essas formas de compreender a verdade: aletheia se refere ao que as coisas são, veritas ao que os fatos foram, emunah ao que as ações e coisas serão. A nossa concepção de verdade é uma síntese dessas três fontes e por isso se refere às coisas presentes (como na aletheia), aos fatos pas- sados e à linguagem (como na veritas) e às coisas futuras (como na emunah). Também se refere à própria realidade (como aletheia), à lin- guagem (como na veritas) e à confiança-esperança (como na emunah). Palavras como ‘averiguar’ e ‘verificar’ indicam buscar a verdade; ‘ve- redito’ é pronunciar um julgamento verdadeiro, dizer um juízo veraz; ‘verossímil’ e ‘verossimilhante’ significa: ser parecido com a verdade, ter traços semelhantes aos de algo verdadeiro (CHAUI, 1995, p. 99). Latino (ou lácio) – povo indo-europeu que habitou parte da península itálica e que em seu processo de ocupação expandiu sua língua e costume ao mesmo tempo que permitiu o intercâmbio cultural nas cidades que ocupava. Sua mais importante contribuição foi o Direito. 117 Nada nos irrita mais quando em uma conversa alguém nos chama de igno- rante, não é verdade? Usada dessa forma essa palavra indica que a outra pessoa não tem instrução ou modos para conviver com os que ali estão. Essa concepção tão usual se distancia um pouco do significado original da palavra, algo normal já que as línguas são vivas e podem ganhar novos sentidos na vivência cotidiana, como é o caso das gírias. Voltemos à palavra ignorante, nos dicionários ignorar significa não ter co- nhecimento sobre algo, desconhecer alguma coisa ou assunto. Isso não é exatamente uma ofensa, pois todos nós somos, de certa forma, ignorantes em alguns assuntos em nossas vidas, não é mesmo? Normalmente usada para insultar pessoas, ignorante é uma palavrinha muito amiga do nosso já conhecido filósofo Sócrates,cuja divisa era “Só sei que nada sei!”. Sócrates teria dito isso em reação à afirmação feita pelo Oráculo de Delfos, de que ele era o homem mais sábio. Porém, Sócrates entendia que o verdadeiro filósofo deveria assumir a sua ignorância e buscar o conhecimento e a verdade das coisas. Assim, o que o pensador queria dizer é que o filósofo e também todo cida- dão deveria ter consciência de que vivia em estado de ignorância, ou seja, submetido às crenças e opiniões do senso comum próprios da comunidade em que ele havia nascido. Ao participar dessas crenças nos sentimos seguro diante do mundo e achamos que sa- bemos tudo o que existe, mas para esse filósofo as pessoas não podem se acomodar nessa situação de ignorância. O lema socrático conduz a um estado de incerteza diante do mundo, pois a única certeza é que não se sabe nada sobre o mundo. Essa incerteza leva a pessoa a pensar, a questionar, a querer saber e assim sair desse estado de insegurança. A supe- ração desse momento é o caminho em busca da verdade. Você sabe a diferença entre conhecer e ignorar? ator quando encena, ou ainda uma fotografia, ou expressão final das obras de um pintor ou escultor. 118 Saiba Mais O método socrático de busca da verdade: O método socrático envolve duas fases. A primeira, chamada ironia, consiste em fazer perguntas ao interlocutor que o obriguem a justificar, sempre com maior profundidade, seu ponto de vista, até que ele perceba que seus argumentos não se sustentam. Esta é a fase destrutiva, pois leva as pessoas a admitir a própria ignorância a respeito do assun- to. São destruídas as opiniões do senso comum e o conhecimento espontâneo, muitas vezes baseados em estereótipos e preconceitos. A segunda parte, chamada maiêutica (parto), é a construção de novos conceitos baseados em argumentação racional. Assim, Sócrates, com suas perguntas, demole o saber constituído para, depois, ainda através de perguntas e da contraposição de ideias, reconstruí-lo a partir de uma base mais sólida e de um raciocínio coerente e rigoroso. Fonte: Aranha; Martins (1992, p. 80). Os adultos se desiludem ou se decepcionam quando enfrentam situ- ações para as quais o saber adquirido, as opiniões estabelecidas e as crenças enraizadas em suas consciências não são suficientes para que compreendam o que se passa nem para que possam agir ou fazer al- guma coisa. Ou ainda a uma decisão pessoal, consciente, de não aceitar as crenças e “ver- dades” dadas (os “tem que ser assim”), sem antes refletir e tentar explicá-las e significá- las. Essa é a busca pela verdade realizada pela Filosofia, é a busca da verdade da atitude filosófica. Mas dizer que a busca da verdade aparece do susto, ou da desilusão, ou da desconfiança nas crenças que você compartilha com a sua família e comunidade, não é dizer o que é a verdade. Ainda não respondemos a questão sobre como conhecemos o real e a verdade. A discussão sobre a verdade pode ser didaticamente organizada de várias formas, alguns autores fazem um mapa histórico do pensamento sobre a verdade dos antigos aos atuais; outros organizam a sua análise tendo como base a resposta (sim ou não) para a pergunta “a verdade tem uma natureza?”; é possível ainda dividir a análise em teorias tradicionais e contemporâneas. As desconfianças e inseguranças que nos fazem duvidar nos orientam para a procura da verdade. Um dos caminhos dessa busca pode ser a própria crítica das crenças e conhecimentos compartilhados pelo grupo. Segundo Chaui (1995, p. 91), a busca da verdade está ligada a uma decep- ção, desilusão ou insegurança: 119 Parada Obrigatória Descartes e a atitude filosófica Vimos no capítulo 3 que Descartes (1596-1650), considerado o pai da Filosofia moder- na, criou um método que serviu de base para ciência contemporânea, em seu conheci- do livro Discurso do Método, de 1637. Na época de Descartes a ciência e a busca da verdade estavam baseadas nas leituras de textos antigos, principalmente os de Aristóteles e nos princípios bíblicos. Ele, um cien- tista, posteriormente considerado o pai do racionalismo moderno, discordava disso e resolveu verificar. Assim, nesse livro, que foi escrito como um prefácio, com o nome de “Discurso sobre o método para bem conduzir a razão na busca da verdade dentro da ciência”, procurou estabelecer um fundamento seguro para alcançar uma verdade inquestionável. Ele queria uma verdade que pudesse confiar e começou examinando, colocando em dúvida, tudo que conhecia e logo concluiu que as coisas que ele aprendeu pela experi- ência (pelos sentidos) conduziam a erros e ilusões. Disso o que restava era a capacidade de pensar: ele continuava pensando sobre as coisas e questionando a sua verdade. Daí surge a sua divisa: “penso, logo existo”. O que ele queria dizer? Após submeter todo o conhecimento à dúvida metódica, a úni- ca verdade indubitável era que ele existia e estava ali, pensando. Ele não podia duvidar da sua capacidade de pensar, do seu pensamento que duvida da sua existência, da sua capacidade de ser pensante. Pois mesmo se duvidasse de sua existência, ainda assim, ele estaria pensando. Com essa afirmação, cria um dualismo entre corpo e mente, pois o que ele afirma como indubitável é a existência do seu ser pensante, que é colocado em oposição ao corpo. Racionalismo – posição filosófica que admite a razão como única forma de co- nhecimento válido. Dúvida metódica – método elaborado por Descartes para alcançar o conheci- mento seguro. Com a dúvida metódica, Descartes queria garantir: 1) que as coisas fossem representa- das sem risco de erro; 2) que houvesse controle das etapas das operações intelectuais; e 3) que fossem possíveis deduções seguras que levassem ao crescimento da ciência. Fontes: Aires (2003); Aranha, Martins (1997); Chaui (1995). 120 As Possibilidades do Conhecimento da Verdade Na introdução falamos que uma das abordagens sobre a verdade questiona- va se ela era alcançada pelo sujeito que conhece ou era dada pelo próprio objeto a ser conhecido. Essas discussões geraram algumas concepções sobre a verdade que veremos no próximo tópico. Esse questionamento está sustentado por uma dicotomia entre sujei- to e objeto e gerou várias análises e críticas. Desde os filósofos pré-socráticos que a discussão se desenrola entre empi- ristas e racionalistas. Os racionalistas afirmavam a existência de princípios racionais e de ideias verdadeiras e inatas, que constituiriam o modo de entendimento; enquanto os empiristas, embora não negassem o papel da razão, afirmavam o contrário, que o conhecimento sempre seria apreendido na experiência dos sentidos. QUADRO 7 – Esquema básico da dicotomia empirismo-racionalismo Pré-socráticos Parmênides e Pitagóricos Existe o conhecimento empírico e o racional, porém só o segundo tem valor absoluto, alcança a verdade dos seres. Protágoras e Górgias Só o conhecimento sensível tem valor. Clássicos Platão O conhecimento pela experiência não é confiável, para che- gar à verdade é preciso ultrapassá-lo e alcançar o “mundo da ideia”, que permite o verdadeiro conhecimento. Aristóteles A atividade básica para poder entender o mundo é a obser-vação da natureza. Modernos René Descartes O conhecimento verdadeiro encontra-se na alma e só pode ser alcançado por meio de análise racional. John Locke e David Hume O conhecimento sempre vem das experiências sensoriais. Devem ser acompanhadas de um método que possibilite inferências científicas. Fonte: Elaboração própria (2011). Representante dos racionalistas modernos, René Descartes propõe ao sujei- to três tipos de ideias diferentes: • As ideias adventícias (que são representações dos objetos sensoriais e originam de nossas sensações, percepções e lembranças). • As ideias fictícias (que criamos por nossa imaginação, sendo, portanto, sempre falsas). Este tema fundamental na Filosofia não tem uma definição única nem sim- ples. Para a Filosofia clássica e moderna, a verdade estava relacionada a algo perene, ela existiriamesmo se não fosse conhecida, ela permaneceria a despeito de qualquer acontecimento histórico. A dúvida estava em como conhecê-la, quais os métodos que devemos utilizar para alcançá-la? Outros ainda questionavam, a verdade é alcançada pelo sujeito que conhece ou é dada pelo próprio objeto a ser conhecido? Alcançaremos a verdadeira essência das coisas (o que eles realmente são) ou apenas a sua aparência (para que elas servem, como as utilizamos, etc.)? 121 • As ideias inatas (não decorrem de nossa experiência sensorial por serem inteiramente racionais, só podem existir porque já nascemos com elas). Em seus livros, esse autor observa que as ideias inatas são as que nos foram dadas por Deus, que nos permitem conhecer se uma coisa é verdadeira ou falsa (inclu- sive julgar os outros dois tipos de ideias). Para Descartes (1985), tudo o que é conhecido pode decorrer de ideias falsas; assim, no Discurso do Método, ele relata como chegou a sua ilustre ideia inata: “Penso, logo existo”. Ao colocar tudo em dúvida, percebe que só resta ao ato de duvidar a certeza de sua existência, ou seja, o sujeito e a razão. Contrapondo essa ideia, o empi- rismo postula que o conhecimento é decorrente dos sentidos e que, antes da experiên- cia, nossa razão é como uma folha em branco. Só a experiência possibilitaria “preencher” a razão com conhecimentos verdadeiros. Procurando responder os problemas sobre a possibilidade de conhecer a verdade das coisas, gerados por essas duas linhas de análise, Kant (1985) coloca a questão: qual o fundamento ou limite do conhecimento? Ao tentar resolvê-la instaura uma nova linha de pensamento com a construção das categorias a-priori do entendi- mento humano. Kant (1985) realizou uma síntese das duas linhas teóricas mostrando que ambas estavam erradas: a razão, tal como diriam os empiristas, seria uma estrutura vazia (sem conteúdos) e universal (a mesma para todos os seres humanos); no en- tanto, essa estrutura seria inata e não dependeria da experiência, como afirmavam os racionalistas. Ou seja, a razão é inata, mas precisa do conteúdo que é adquirido pela experiência. Assim, a experiência forneceria a matéria do conhecimento para a razão, enquanto a razão possibilitaria o conhecimento por meio das formas a-priori. Essas for- mas de conhecer vêm antes da experiência (que é aposteriori) e não dependem dela, o conhecimento seria uma síntese, realizada pela razão, entre essa forma universal inata e um conteúdo particular dado pela experiência. Conhecemos, então, a partir do sujeito do conhecimento, pois a razão não está nas coisas, e sim no sujeito. Para esse autor, o conhecimento é racional e verdadeiro. Ao fazer essa análise, Kant (1985) criticou racionalistas e empiristas que su- punham o alcance da realidade em si, observando que sobre a realidade nada se pode dizer. Pode-se afirmar apenas sobre a razão humana que organiza a realidade para o nosso entendimento. Immanuel Kant (1724-1804) – filósofo alemão que primeiro tentou elaborar uma síntese entre o racionalismo e o empirismo. 122 Saiba Mais Na Crítica da Razão Pura, escrita em 1781, Kant observa que “as intuições sem concei- tos são cegas, enquanto que os conceitos sem intuições são vazios” (KANT, 1985, p. 89). Observe esse breve resumo de como ele concebia o conhecimento como algo que surgia nas experiências sensoriais e se consolidava na razão. Para acontecer, o conhecimento precisa passar por um ajuste entre o mundo e o nosso aparato cognitivo. De acordo com esse autor, o conhecimento acontece em três campos: • Sensibilidade – conhecimento imediato (intuições). A forma de sensibilidade possi- bilita o ajuste entre espaço e tempo e fornece imagens ao sujeito (intuição). • Entendimento – absorve as imagens dadas pela sensibilidade e cria relações de cau- salidade que faça sentido. As relações de causa-efeito são infinitas e então aparece a razão (conceitos relacionados à experiência). • Razão – cria as ideias para controlar o entendimento (conceitos que não correspon- dem a nenhum objeto da experiência). No entanto, para esse autor, não podemos conhecer o noumeno (essência), a realidade das coisas e do mundo, pois a razão só pode conhecer o que é aparência, ou seja, as formas (cor, tamanho, etc.) das coisas e o que é permitido pelas categorias (elementos que organizam o conhecimento). A possibilidade do conhecimento parte do sujeito e não das coisas, de modo que o conhecimento racional depende exclusivamente do sujeito e das estruturas de sensibilidade e de conhecimento. Husserl – O Conhecimento do Mundo como Relação Uma interessante proposta sobre o conhecimento da verdade na contempo- raneidade foi feita por Husserl e os fenomenólogos. Edmund Husserl (1859-1938) – filósofo alemão de origem judaica, buscou investigar as relações da consciência com o ser. Para ele, todo objeto só pode ser conhecido a partir de um movimento duplo, em que o objeto se dá para a consciência ao mesmo tempo em que essa se orienta a conhecê-lo, pois toda consciência é sempre “consciência de algo”. Esse conceito, a “intencionalidade”, é a base para compreender o que o autor denomina fenomenologia. Nessa análise, o conhecimento é visto como resultado de uma relação entre a consciência e o mundo, em que um se oferece ao outro. Observe: quando olhamos um jardim e vemos nele uma árvore e os seus frutos caídos na grama, esses elementos não são adquiridos pela consciência, mas são dados ao conhecer, ao mesmo tempo em que a consciência se dá ao conhecimento, como uma explosão, e não por etapas. 123 Assim, ao colocar a questão de como as coisas aparecem para nós, Husserl situa o debate entre as formas de entendimento do mundo como uma relação. Ques- tiona: há objetos independentes da consciência? A consciência pode visar a um objeto independente do objeto? Utilizando a expressão “intencionalidade da consciência”, em que a consciência é um voltar-se para as coisas do mundo, esse autor postula uma relação entre uma consciência de e os objetos ou coisas de um mundo para. A consci- ência se volta para o objeto pela intencionalidade e o objeto se dá para ser conhecido, visto. A consciência é mundializada, mas não há um mundo-em-si, no entanto o mundo não é reduzido à consciência, pois o objeto intencionado é o próprio objeto, e não uma representação dada por ela, pois os dois são dados de uma única vez, de modo que o conhecimento é resultado de um encontro entre a consciência e o mundo. A experiência no mundo é uma experiência pré-reflexiva, ou seja, anterior à representação e a intencio- nalidade é a expressão da relação de conhecimento. A intencionalidade só pode ser experienciada dentro de um horizonte de senti- do, que é o mundo vivido, pois intencionar é voltar-se ao mundo. É o sentido que permite que o objeto seja visto em um determinado horizonte, pois as possibilidades de significa- ção do objeto não estão no sujeito, e sim no próprio objeto. O sujeito apenas desvela (tira o véu) uma dimensão do objeto dada em um horizonte determinado, ele sempre só conhece uma parte da história ou do objeto olhado. Sempre tem uma parte, outro ângulo que ele não pode ver. Mas, ao intencionar o objeto, o sujeito também aparece como consciência de si, pois ele não precede a experiência do mundo, ele se dá na experiência com o mundo. O âmago da discussão fenomenológica, desse modo, está nessa correlação que tanto fornece o objeto quanto o próprio senso de si do sujeito. Antes das representações sobre o mundo, eu tenho a minha experiência no mundo, que não se refere a uma relação de causa e efeito, pois é fundada em um hori- zonte de sentido. Concepções de Verdade Para iniciarmos a nossa análise, vamos tratar de algumas concepções que buscam explicar como chegamos à verdade: três análises teóricas e uma análise prática. As três concepções teóricas são baseadas nas três ideias (aletheia, veritas e emunah) que orientam o conceito ocidental de verdade. A análise prática, como o nome jásugere, se orienta a uma aplicação. Dessa forma, as quatro concepções de verdade são: a) a verdade como correspondência, b) a verdade como coerência, c) a verdade como con- formidade a uma regra, d) a verdade como eficiência prática ou como práxis. I. Verdade como correspondência (ou teoria da evidência): é a concep- ção do realismo, pois a verdade está nas coisas do real, na correspondência com os fatos do mundo e está baseada na ideia de verdade como aletheia, a verdade está nas coisas. A proposição é verdadeira, se reflete na realidade, se afirma o que de fato é. 124 II. Verdade como coerência: essa concepção está fundamentada no rigor e na precisão, na criação e usos da linguagem. A verdade existe quando há uma coerên- cia interna entre as ideias e o raciocínio, devido a uma obediência a leis e enunciados. Esse é o critério (coerência interna e lógica) para que a verdade seja aceita, pois é ela que dá validade aos argumentos. Decorrente da noção de veritas, a verdade está relacionada à veracidade de um relato, não dependendo nem do pensamento, nem das coisas em si, ela é eminen- temente linguística, depende apenas da vontade de expressá-los. É importante observar que aqui, embora a marca seja a validade lógica dos argumentos, ou seja, apesar de a base estar localizada na linguagem, existe uma relação com as coisas. Mas o cerne da verdade se desloca do objeto e do pensamento para o campo da linguagem e para a vontade de dizê-lo. Na linguagem comum, a coerência entre o enunciado e as coisas pode ser imprecisa, sendo mais adequada e rigorosa na linguagem lógica das ciências, pois a ver- dade está situada na coerência interna da linguagem, já que é o respeito às suas regras e postulados que fornecem a verdade ou falsidade do que se anuncia. III. Verdade como consenso (ou teoria da confiança): é a verdade como decorrente da conformidade a um conjunto de regras (métodos e procedimentos) que a validam como verdadeira. Aqui a verdade está fundamentada na ideia de emunah, ou seja, da confian- ça como base. A verdade resulta de um pacto e consensos criados por meio da discus- são e avaliação por membros de uma comunidade de investigadores e se define como convenção. Universal e necessária – dizer que uma coisa é universal e necessária é dizer que ela não muda a depender do tempo e do lugar. A questão da verdade está ligada ao ver, ao perceber, mas a verdade é evi- dente, porque é alcançada pela percepção intelectual e racional. A evidência é, assim, a condição para o conhecimento verdadeiro. O critério para a verdade ser aceita é que a afirmação do intelecto se adeque à coisa. Esse tipo de verdade é o mais divulgado e, talvez, o mais antigo. De acordo com essa concepção, a mentira decorre de uma visão superficial baseada apenas na aparência das coisas ou dos seres. Por não alcançar a essência, algu- mas qualidades e propriedades são atribuídas de forma indevida, gerando tal falsidade. Dessa forma, a verdade exige o afastamento das aparências das coisas, das opiniões formadas e das ilusões dos sentidos. Como alcança a essência do ser, a verdade é sem- pre universal e necessária. 125 IV. Verdade como eficiência prática (ou pragmatismo): é a concepção do empirismo, em que o conhecimento da verdade é dado pelos seus resultados e aplica- ções práticas. A verdade está subordinada à sua utilidade e existe uma primazia da ação sobre o pensamento. O critério de verdade é ter um resultado prático e eficaz, a sua marca é a possibilidade de ser verificada (verificabilidade). Assim, algo será verdadeiro se, em re- lação à determinada atividade, os resultados satisfatórios forem alcançados. A verdade do pragmatismo deve-se, basicamente, ao lógico e o filósofo C. S. Pierce foi seu criador. Princípios da razão – a Filosofia convencionou que a razão para conhecer segue quatro princípios estabelecidos por ela mesma: Princípio da identidade (A é A), Prin- cípio da não-contradição (A é A, e não pode ser ao mesmo tempo não-A), Princípio do terceiro-excluído (ou A é x, ou é y) e o Princípio da razão suficiente (tudo tem uma razão ou causa que pode ser conhecida por nós). QUADRO 8 - Concepções de verdade Resumindo, X é verdadeiro se... Teoria da Correspondência ...corresponde a um fato. Teoria da Coerência ...pertence a um conjunto de crenças coerentes internamente. Teoria da Convenção …for estabelecido por consenso. Teoria Pragmática ...for útil e prático. Fonte: Adaptado de Chaui (1995). Essas discussões sobre a verdade foram muito importantes para o desen- volvimento da Filosofia, levando a várias modificações na teoria do conhecimento e no mundo, como vimos no capítulo 3. No entanto, nem todos os autores concordam com essas concepções sobre a verdade, nem todos os pensadores se encaixam nessas análises. Vamos aqui analisar outras formas de compreensão da verdade e suas implicações. A verdade como revelação foi discutida com base empirista ou metafísica. Em sua base empirista, a verdade que se revela ao homem é sensação, intuição, fenô- meno, ou seja, a verdade só pode ser alcançada por meio dos órgãos sensoriais. Já para a Filosofia metafísica, a essência das coisas (verdade) se revela por um conhecimento excepcional e se dá como manifestação do ser supremo, é uma autoanunciação. O consenso, que é o seu critério de verdade, é sustentado por três princípios, segundo Chaui (1995). São eles: 1) o entendimento de que somos seres racionais e que o nosso pensamento obedece aos princípios da razão; 2) somos dotados de lingua- gem e ela segue regras lógicas convencionadas; 3) as verdades devem ser validadas após investigação por um grupo de investigadores. 126 Saiba Mais Alguns estudiosos falam da Teoria da Eliminação da Verdade. Você concorda? A Teoria da Eliminação da Verdade é a teoria cunhada por F. P. Ramsey, segundo a qual o conceito de verdade não apresenta aspectos teóricos de grande relevância, pois pode ser eliminado. Por exemplo, afirmar que ‘A neve é branca’ é verdadeira, equivale, sim- plesmente, a afirmar: A neve é branca. A teoria de Ramsey foi muito desenvolvida nos últimos tempos, existindo filósofos e linguistas que a têm aplicado nas mais variadas circunstâncias. Fonte: Abe (1991). Do Dogmatismo à Atitude Crítica Falamos que a busca da verdade está ligada a uma desilusão em relação ao mundo, ou a uma decisão consciente de não aceitar as verdades da vida cotidiana sem ter antes refletido sobre elas. Para a Filosofia, isso significa se afastar do dogmatismo. Dogmatismo – linha ou doutrina que não admite crítica ou discussão de suas doutri- nas. Assim, o dogma deve ser aceito de forma impositiva e sem debate. No nosso cotidiano não refletimos muito sobre as coisas práticas e diárias. Vimos que essa vivência na atitude natural nos afasta da atitude crítica própria da Filo- sofia e pode nos conduzir ao erro e a preconceitos. Conforme aponta Chaui (1995), ao discorrer sobre esse assunto, como somos seres práticos e culturais aceitamos o mundo como ele nos aparece, visando a uma facilidade nos manejos cotidianos. Facilitamos o nosso dia a dia acreditando que o mundo existe como percebemos e como nos foi ensi- nado. A passagem a seguir esclarece a questão: Na atitude dogmática, tomamos o mundo como já dado, já feito, já pensado, já transformado. A realidade natural, social, política e cultu- ral forma uma espécie de moldura de um quadro em cujo interior nos instalamos e onde existimos. Mesmo quando acontece algo excepcional ou extraordinário (uma catástrofe, o aparecimento de um objeto intei- ramente novo e desconhecido), nossa tendência natural e dogmática é a de reduzir o excepcional e extraordinário aos padrões do que já conhecemos e sabemos. Mesmo quando descobrimos que alguma coisa é diferente do que havíamos suposto, essa descoberta não abala nossa crença e nossa confiança na realidade, nem nossa familiaridade com ela (CHAUI, 1995, p. 94). Isso acontece porque as nossas certezas e crenças são históricas, ou seja,são construídas ligadas a um período e lugar, e sempre remetem a um lugar de ob- servação do mundo que é pautado em nossa cultura familiar ou local. O olhar sobre o 127 mundo será sempre orientado pela educação e cultura, mas a verdade, como buscavam os filósofos clássicos e modernos, a exemplo de Sócrates e Descartes, não deveria ser redutível a um acontecimento histórico. No entanto, a nossa razão pode adquirir novas formas de análise, a depender de como o ser humano se porta diante do mundo, ou seja, de onde ele vive, de seu contato ou não com a tecnologia, com uma educação formal, com as artes, etc. Na vida prática podemos ver duas formas de dogmatismo: o ingênuo e o ideológico. O primeiro pode ser exemplificado como a atitude da criança que acredita em tudo que os pais lhe dizem, já o ideológico está sustentado por adesão a certos princí- pios que devem ser aceitos sem serem discutidos. Exemplos dessa forma são as crenças de algumas religiões ou os fundamentos de partidos políticos. A cultura também pode ser uma fonte de dogmas, como podemos ver na ideia da superioridade masculina, infelizmente ainda afirmada por alguns. Essa questão torna-se dogma quando é afirmada sem a possibilidade de discussão ou novos acordos. Também é exemplo de atitude dogmática aquela assumida por grupos e, às vezes, por instituições de trabalho sobre as relações homoafetivas, sem aceitar discussões e afir- mando uma verdade única sobre o tema, apesar de haver discussões na lei. Observe que os dogmas podem andar de mãos dadas com o preconceito. A atitude dogmática é oposta a atitude do cético, que desconfia de tudo e não acredita em nada. Observe que a atitude de Sócrates e de Descartes não era uma atitude cética, porque eles acreditavam que havia a possibilidade de conhecimento ver- dadeiro. Um exemplo de atitude cética é quando estamos em crise, porque as coisas não estão bem no trabalho ou nos relacionamentos amorosos e perdemos a esperança, nessas circunstâncias é muito comum adotarmos uma atitude cética. É fácil, nesses momentos, não acreditarmos em novas verdades e possibilidades, duvidarmos que qual- quer coisa possa vir a dar certo. Ceticismo – doutrina filosófica que duvida que o conhecimento possa ser alcançado. O dogmático, em sua oposição, tem as certezas sem questioná-las. Na vida cotidiana e no trabalho também podemos encontrar muitas pessoas com atitudes dog- máticas, como aquele gestor que não aceita discutir posições e afirma que sempre o jeito dele é o melhor, mesmo que todo o grupo acredite em outra forma mais prática. Dessa maneira, a Filosofia se distancia tanto da atitude dogmática quanto da cética na busca pelo conhecimento verdadeiro. 128 Resumo Neste último capítulo, discutimos um tema importantíssimo: a possibilidade de conhecermos a verdade. Começamos investigando as ideias gregas, latinas e hebrai- cas que nos legaram elementos que hoje usamos nesse conceito, e buscamos compre- ender as possibilidades de se conhecer verdadeiramente. Acompanhamos Sócrates em sua busca ao conhecimento e as suas interrogações sobre o conhecer e o ignorar. Dicas de Vídeo Lixo Extraordinário (Waste Land). Diretor: Lucy Walker, João Jardim, Karen Harley. Du- ração: 90 min. Gênero: Documentário. Ano: 2011. Os Deuses Devem Estar Loucos (The Gods Must Be Crazy). Diretor: Jamie Uys. Dura- ção: 108 min. Gênero: Comédia. Ano: 1980. Sintetize 1. Faça tópicos do pensamento de Sócrates e Descartes. Construa um gráfico para cada um. 2. Desenvolva uma análise crítica do Quadro 8 – Concepções de verdade. 3. Elabore um mapa conceitual sobre o pensamento racionalista versus empirista, com as propostas de síntese que surgiram depois. 129 Alegoria da Caverna Imagine um grupo de pessoas que habita o interior de uma caverna subterrânea, estando todas de costas para a entrada da caverna e acorrentadas pelo pescoço e pés, de sorte que tudo o que veem é a parede da caverna. Atrás delas ergue-se um muro alto e por trás desse muro passam figuras de formas humanas sustentando outras figuras que se elevam para além da borda do muro. Como há uma fogueira queimando atrás dessas figuras, elas projetam sombras na parede da caverna. Assim, a única coisa que as pessoas da caverna podem ver é este “teatro de sombras”. E como essas pessoas estão ali desde que nasceram, elas acham que as sombras que veem são a única coisa que existe. Imagine agora que um desses habitantes da caverna consiga se libertar daquela prisão. Primei- ramente ele se pergunta de onde vêm aquelas sombras projetadas na parede da caverna. Depois, consegue se libertar dos grilhões que o prendem. E o que acontece quando ele se vira para as figuras que se elevam para além da borda do muro? Primeiro, a luz é tão intensa que ele não consegue enxergar nada. Depois, a precisão dos contornos das figuras, de que ele até então só vira as sombras, ofusca a sua visão. Se ele conseguir escalar o muro e passar pelo fogo para poder sair da caverna, terá mais dificuldade ainda para enxergar devido à abundância de luz. Mas depois de esfregar os olhos, ele verá como tudo é bonito. Pela primeira vez verá cores e contornos precisos; verá animais e flores de verdade, de que as figu- ras na parede da caverna não passam de imitações baratas. Suponhamos, então, que ele comece a se perguntar de onde vêm os animais e as flores. Ele vê o Sol brilhando no céu e entende que o Sol dá vida às flores e aos animais da natureza, assim como também era graças ao fogo da caverna que ele podia ver as sombras refletidas na parede. Agora, o feliz habitante das cavernas pode andar livremente pela natureza, desfrutando da liberdade que acabara de conquistar. Mas as outras pessoas que ainda continuam lá dentro da caverna não lhe saem da cabeça. E por isso ele decide voltar. Assim que chega lá, ele tenta explicar aos outros que as sombras na parede não passam de trêmulas imitações da realidade. Mas ninguém acredita nele. As pessoas apontam para a parede da caverna e dizem que aquilo que veem é tudo o que existe; é a única verdade que existe; é a realidade. Por fim, acabam matando aquele que retornou para dizer-lhes um monte de “mentiras”. Fonte: Adaptado de Duarte [200-?]. Textos Complementares 130 O conhecimento como crença verdadeira justificada Como poderemos distinguir o conhecimento da mera crença verdadei- ra? A maior parte dos filósofos, incluindo os céticos, defende que a condição para se considerar a crença verdadeira como conhecimento tem a ver com a justificação que uma pessoa tem para acreditar naquilo em que acredita. A pessoa que tem a crença verdadeira acerca do jogo entre a armada e o exército não tem uma justifi- cação razoável para acreditar naquilo em que acredita, pois na realidade não tem qualquer razão para acreditar que o resultado será um empate 21-21. Por outro lado, uma pessoa que assista ao jogo e ouça o apito final tem a sua crença com- pletamente justificada e sabe, portanto, que o resultado final é um empate a vinte e um pontos. Assim, podemos afirmar que uma pessoa não tem conhecimento a não ser que possa justificar, e justificar completamente, a sua crença. Além disso, o que normalmente determina se uma pessoa tem uma boa justificação para a sua crença é a qualidade da evidência em que se baseia essa crença. A evidência da pessoa que assiste a todo o jogo é bastante adequada, enquanto que a evidência da pessoa que adivinha é profundamente insignificante. Há uma qualificação adicional que é requerida. Uma pessoa pode ter uma boa justificação para aquilo em que acredita apesar de a sua justificação se basear nalguma suposição falsa. Por exemplo, se alguém estacionar o seu carro num parque público por algumas horas, tem uma boa justificação, quando regres- sa ao carro e não observa nenhuma alteração, para acreditar que o motor do carro continua a estar debaixo da capota. Claro que se o motor foi roubado enquanto o dono estava ausente, então a crença deste de que existe um motor porbaixo da capota não constitui conhecimento simplesmente porque é falso que o motor lá esteja. No entanto, imaginemos que depois de o motor ter sido roubado chegou um amigo que, verificando que o motor tinha sido removido, procedeu de modo a substitui-lo antes que o dono chegasse para evitar o sofrimento deste se encon- trasse o carro sem motor. Nesse caso, seria correta a crença do dono de que existia um motor debaixo da capota quando regressasse. Além disso, a sua crença seria igualmente bem justificada. Todavia, a crença do dono seria baseada numa supo- sição falsa, a saber, a de que o motor que estava debaixo da capota do seu carro quando o deixou continuava a estar lá. Esta suposição falsa leva-o à conclusão verdadeira de que há um motor debaixo da capota, mas a única justificação que tem para acreditar nisso baseia-se numa suposição falsa. Logo, não podemos dizer que essa pessoa sabe que há um motor debaixo da capota do seu carro. Deve-se requerer não só que alguém tenha uma boa justificação para aquilo em que acredita, mas também que essa justificação não dependa essencial- mente de nenhuma suposição falsa; de outro modo, não se pode considerar que essa pessoa conheça. […] Requer-se que alguém tenha uma justificação completa 131 Deus não pode ser provado pela razão (Kant) Seja qualquer e quanto se queira o conteúdo do nosso conceito de um objeto, nós sempre temos que sair dele, para conferir existência a esse objeto. Nos objetos dos sentidos isso acontece mediante a conexão com uma das minhas percepções, segundo leis empíricas; mas para os objetos do pensa- mento puro absolutamente não há meio de conhecer a sua existência, porque esta deveria ser conhecida inteiramente a priori. Mas a nossa consciência de toda existência (ou pela percepção, ime- diatamente, ou por raciocínios que unem alguma coisa à percepção) pertence em tudo e por tudo à unidade da experiência; e se a existência fora desse campo certamente não pode ser declarada absolutamente impossível, constitui, porém, uma hipótese que não temos como justificar. O conceito de um Ser supremo é uma ideia útil sob muitos aspectos; mas, justamente por ser uma simples ideia, é incapaz, por si só, de ampliar o nos- so conhecimento a respeito do que existe... Todo o trabalho e o estudo investido no tão famoso argumento da existência de um Ser supremo foram, portanto, perdidos; e um homem, por meio de simples ideias, certamente não se enriqueceria de conhecimentos, da mesma forma que um mercador não poderia se enriquecer de dinheiro se, para melhorar a sua própria condição, acrescentasse alguns zeros em seu livro-caixa. Fonte: Kant (2012). para acreditar em algo de maneira que saiba que aquilo em que acredita é ver- dade, e também que a sua justificação não possa ser frustrada por qualquer falsa suposição. Fonte: Cornman, Lehrer, Pappas (1983, p. 42-44). 132 Sobre a verdade e a formação dos conceitos O que é a verdade, portanto? Um batalhão móvel de metáforas, me- tonímias, antropomorfismos, enfim, uma soma de relações humanas, que foram enfatizadas poética e retoricamente, transpostas, enfeitadas, e que, após longo uso, parecem, a um povo, sólidas, canônicas e obrigatórias. Assim como é certo que nunca uma folha é inteiramente igual a outra, desenhadas, recortadas, coloridas, frisadas, pintadas, mas por mãos inábeis, de tal modo que nenhum exemplar tivesse saído correto e fidedigno, como cópia fiel da forma primordial. Fonte: Nietzsche (2000, p. 37). Anotações 133 Atividades 1. Sabemos que nossa concepção de verdade se fundamenta em três noções diferentes. Faça uma síntese sobre o significado de verdade como aletheia. 2. Faça uma síntese sobre o significado de verdade como veritas. 3. Faça uma síntese sobre o significado de verdade como emunah. 4. Após ler o item sobre as Concepções de verdade em seu livro, disserte sobre as principais características das quatro teorias. 5. Releia o seu material e faça uma diferenciação entre dogmatismo e ceticismo. Cite exemplos. 134 Referências ABE, Jair Minoro. Verdade Pragmática. Estudos avançados. Disponível em: <http:// www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40141991000200010&lng=en&nr m=iso>. Acesso em: 22 maio 2011. ABRÃO, Bernadette Siqueira. História da Filosofia. São Paulo: Nova Cultural Editora, 2004. AIRES, Almeida (org.). Crítica. In: Dicionário Escolar de Filosofia. Lisboa: Plátano. Dis- ponível em: <http://www.defnarede.com/c.html>. Acesso em: 30 nov. 2011. ALECRIM, Cecília Gomes Muraro. Conceitos e Fundamentos Teóricos sobre a Pesquisa Cien- tífica. In: RAPOSO, Denise Maria dos Santos Paulinelli (org.). Metodologia da Pesquisa e da Produção Científica. Brasília: FGF, 2010. p. 39-52. ARANHA, Maria Lúcia Arruda; MARTINS, Maria Helena. Filosofando: Introdução à Filoso- fia. 2. ed. São Paulo: Moderna, 1993. ARANHA, Maria Lúcia Arruda; MARTINS, Maria Helena. Temas de Filosofia. São Paulo: Moderna, 1997. ARANHA, Maria Lúcia Arruda; MARTINS, Maria Helena. Temas de Filosofia. São Paulo: Moderna, 1995. ARANHA, Maria Lúcia Arruda; MARTINS, Maria Helena. Temas de Filosofia. São Paulo: Moderna, 1992. ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Trad. KURY, Mário Gama. 4. ed. Brasília: Universidade de Brasília, 2001. AUROUX, Sylvain. Filosofia da linguagem. São Paulo: Parábola, 2009. BAUMAN, Zygmunt. Vidas desperdiçadas. Trad. MEDEIROS, Carlos Alberto. Rio de Janei- ro: Jorge Zahar, 2005. BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. Brasília: Universidade de Brasília, 1998. CHAUI, Marilena. Convite à Filosofia. 6. ed. São Paulo: Ática, 1995. 135 CHAUI, Marilena. Boas-vindas à Filosofia. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2010. CORNMAN; LEHRER; PAPPAS. Pilosophical Problems and Arguments: an introduc- tion. New York: Macmillan Publishing Co., Inc., 1983. Disponível em: <http://www.cfh.ufsc. br/~wfil/crenca.htm>. Acesso em: 14 dez. 2011. COTTINGHAM, John. Dicionário de Descartes. Trad. MARTINS, Helena. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1995. DESCARTES, René. Discurso do Método. São Paulo: Abril Cultural, 1985. DIAS, Reinaldo. Ciência política. São Paulo: Atlas, 2008. DUARTE, Paulo. Alegoria da Caverna. Disponível em: <http://www.cfh.ufsc. br/~pduarte/caverna.html>. Acesso em: 14 dez. 2011. DURANT, Will. Os Pensadores: A História da Filosofia. Rio de Janeiro: Nova Cultural, 1996. FERREIRA, Danielle et al. Ética. 2000. Monografia (Organização, Sistemas e Métodos). Faculdades Integradas Campos Salles. São Paulo. Disponível em: <http://www.maurolaruc- cia.adm.br/trabalhos/etica.htm>. Acesso em: 14 dez. 2011. FOCAULT, Michel. As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas. Trad. MUCHAIL, Selma Tannus. São Paulo: Martins Fontes, 2000. FREIRE, Paulo. Ação cultural para a liberdade e outros escritos. 8. ed. Rio de Janei- ro: Paz e Terra, 1982. GASSET, José Ortega Y. O homem e a gente. Rio de Janeiro: Livro Ibero-Americano, 1960. GOODNEWS, Decio. A verdade segundo Platão (II). Disponível em: <http://www. recantodasletras.com.br/artigos/2366446>. Acesso em: 08 jul. 2010. GRAÇA, Hélio. Clima Organizacional: uma abordagem vivencial. Brasília: FUNADESP, 1999. G1. Grupo de ciclistas é atropelado em Porto Alegre. Disponível em: <http:// g1.globo.com/brasil/noticia/2011/02/grupo-de-ciclistas-e-atropelado-em-porto-alegre. html>. Acesso em: 18 maio 2012. HAVILAND, Willian A. et al. Princípios de Antropologia. São Paulo: Cengage Learning, 2011. 136 JAPIASSU, Hilton. O mito da neutralidade científica. Rio de Janeiro: Imago, 1975. JASPERS, Karl. Introdução ao pensamento filosófico. 3. ed. São Paulo: Cultrix. 1965. KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1985. KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura. Disponível em: <http://vejafilosofia.blogspot. com/p/conteudo-1-ano-1bim.html>. Acesso em: 31 maio 2012. KANT, Immanuel. Sobre a Pedagogia. Piracicaba: UNIMEP, 2004. KENNY, Anthony. História concisa da Filosofia Ocidental. 2. ed.Lisboa: Temas e deba- tes, 2003. LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Marina de Andrade. Metodologia Científica. São Paulo: Atlas, 1986. LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Marina de Andrade. Metodologia Científica. São Paulo: Atlas, 1991. LARAIA, Roque Barros. Cultura: um conceito antropológico. 24. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2009. MAIA, Tim. Sossego. In.: Tim Maia in Concert. São Paulo: Sony, 2007, CD. MARX, Karl. Ideologia alemã. São Paulo: Hucitec, 1985. MENEZES, André Chui. Profissionais da sociedade contemporânea: um estudo sobre executivos de modernas organizações capitalistas. 2007. 168f. Dissertação (Mestrado em Sociologia) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo. Disponível em: <http://pandora.cisc.usp.br/teses/disponiveis/8/8132/tde- 07072008-095130/publico/DISSERTACAO_ANDRE_CHUI_DE_MENEZES.pdf>. Acesso em: 14 dez. 2011. MERLEAU-PONTY, Maurice. Signos. São Paulo: Martins Fontes, 1991. MEYER, Michel. Questões de Retórica: Linguagem, Razão e Sedução. Lisboa: Edições 70, 1997. MOREIRA, Joaquim Magalhães. A ética empresarial no Brasil. São Paulo: Pioneira, 1999. MORIN, Edgar. A Unidade do Homem. Vol. III. São Paulo: Cultrix, 1982. MOTTA PRESTES, Fernando. A teoria das organizações: evolução e crítica. 2. ed. São Paulo: Pioneira, 2001. 137 NIETZSCHE, Friedrich. Sobre a verdade e a mentira no sentido extra-moral. In: Obras Incompletas. São Paulo: Nova Cultura, 2000. p. 37. OLIVEIRA, Cezar. Influências históricas na administração. Disponível em: <www. professorcezar.adm.br/Textos/InfluenciasHistoricasAdm.pdf>. Acesso em: 14 dez. 2011. PESSOA, Fernando. Livro do desassossego: composto por Bernardo Soares, ajudante de guarda-livros na cidade de Lisboa. ZENITH, Richard (org.). São Paulo: Companhia das Letras, 2006. QUATRO cantos do mundo. Disponível em: <http://quatrocantosdomundo. files.wordpress. com/2011/04/barcelona-093. jpg>. Acesso em: 25 jun. 2012. RAGO, Luzia Margareth; MOREIRA, Eduardo F. P. O que é taylorismo. São Paulo: Brasi- liense, 2003. RIBEIRO, Alessandra. Antropologia cultural e diversidade. Curitiba: Fael, 2010. RUBIM, Linda (org.). Organização e produção da cultura. Salvador: EDUFBA, 2005. RUSSELL, Bertrand. Os Problemas da Filosofia. São Paulo: Edições 70, 2008. RUSSELL, Bertrand. Os Problemas da Filosofia. Lisboa: Edições 70, 2005. Trad. MUR- CHO, Desidério. Disponível em: <http://criticanarede.com/filos_cidadania.html>. Acesso em: 09 fev. 2012. RUSSELL, Bertrand. Aparência e Realidade. In: Os Problemas da Filosofia. Trad. CON- TE, Jaimir. Florianópolis: 2005. Disponível em: <http://www.cfh.ufsc.br/~conte/russell01. html>. Acesso em: 09 fev. 2012. SANCHES VÁSQUEZ, Adolfo. Ética. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1970. SAVIAN FILHO, Juvenal. Argumentação: a ferramenta do pensar. São Paulo: WMF Mar- tins Fontes, 2010. SCHLAMGER, Jacques. In: AMADO, João; GAMA, João; MORÃO, Artur. O prazer de pen- sar. Lisboa: Edições 70, 1989. p. 34-35. SILVA, Fabiana Cristina da; PENNA, Luciane de Oliveira; LUIZ, Lucilena de. Os sujeitos do processo de alfabetização. São Carlos: UFScar, [199-?]. SMITH, Adam. A Teoria dos Sentimentos. 15. ed. São Paulo: Cultrix, 1971. 138 SOUSA, Luiz Gonzaga de. Ética e sociedade. In: Eumed.net: Biblioteca Virtual de De- recho, Economía y Ciencias Sociales. 2006. Disponível em: <http://www.eumed.net/ libros/2006a/lgs-etic/1t.htm>. Acesso em: 21 mar. 2012. SUA pesquisa.com. O Iluminismo. Disponível em: <http://www.suapesquisa.com/histo- ria/iluminismo/>. Acesso em: 12 dez. 2011. SUAREZ, Antônio Abreu. A arte de argumentar. Cotia: Atelier, 2001. TEIXEIRA, Jerônimo. Natureza Humana. Revista Superinteressante. São Paulo, n. 186, mar., 2003. Disponível em: <http://super.abril.com.br/superarquivo/2003/conteu- do_275078.shtml>. Acesso em: 30 nov. 2011. TRAHAIR, Richard C. S.; ZALEZNIK, Abraham. Elton Mayo. The Huma- nist Temper. New Jersey: Transaction Pub, 2009. Disponível em: <http://books. google.com.br/books?vid=978-1-4128-0524-7&printsec=frontcover&redir_ esc=y#v=onepage&q&f=false>. Acesso em: 25 jul. 2012. VELOSO, Caetano. Oração ao tempo. In: Cinema Transcendental. Rio de Janeiro: Poly- gram, 1979, CD. VERNANT, Jean-Pierre. As origens do pensamento grego. 8. ed. Rio de Janeiro: Ber- trand Brasil, 1994. WIKIMEDIA COMMONS. A morte de Sócrates. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/ wiki/Ficheiro:David_-_The_Death_of_Socrates.jpg>. Acesso em: 25 jun. 2012. WIKIMEDIA COMMONS. Aristóteles. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/ Ficheiro:Aristotle_Altemps_Detail.jpg>. Acesso em: 25 jun. 2012. WIKIMEDIA COMMONS. Escola de Atenas. Disponível em: <http://commons.wikimedia. org/wiki/File:Escola_de_atenas_-_vaticano.jpg?uselang=pt-br>. Acesso em: 25 jun. 2012. WIKIMEDIA COMMONS. Frederick Taylor. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/ Ficheiro:Frederick_Winslow_Taylor_crop.jpg>. Acesso em: 25 jun. 2012. WIKIMEDIA COMMONS. Galileu Galilei. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/ Ficheiro:Galileo.arp.300pix.jpg>. Acesso em: 25 jun. 2012. WIKIMEDIA COMMONS. O pôr do sol. Disponível em: <http://commons.wikimedia.org/ wiki/File:Sunset_at_Kamouraska.jpg?uselang=pt-br>. Acesso em: 25 jun. 2012. WIKIMEDIA COMMONS. Obra de Caravaggio. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/ wiki/Ficheiro:Caravaggio_-_Taking_of_Christ_-_Dublin_-_2.jpg>. Acesso em: 25 jun. 2012. 139 WIKIMEDIA COMMONS. René Descartes. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/ Ficheiro:Frans_Hals_-_Portret_van_Ren%C3%A9_Descartes.jpg>. Acesso em: 25 jun. 2012. YANOMAMI. O mundo espiritual. Disponível em: <http://yanomami.paginas.sapo.pt/o_ mundo_espiritual.html>. Acesso em: 09 fev. 2012. ZANETTI, Augusto; VARGAS, João Tristan. Taylorismo e Fordismo na Indústria Pau- lista: o empresariado e os projetos de organização nacional do trabalho 1920-1940. São Paulo: Associação Brasileira de Editoras Universitárias, 2007. ZARIFIAN, Philippe. O tempo do trabalho: o tempo-devir frente ao tempo espacializado. Tempo Social, São Paulo, vol. 14, n. 2, p. 1-18, out. 2002. Disponível em: <http://www. scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-20702002000200001&lng=en&nrm=i so>. Acesso em: 13 dez. 2011. 140 Estudos Complementares Capítulo 1 Leitura Complementar 1 – Os novos nomes do racismo: especificação ou inflação conceptual? Disponível em: http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid =S0873-65292000000200002 Capa Filosofia Branco Filosofia Branco contra_capa