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Erika Nogueira 
EDITORA ÇÃ O ELETRÔ N ICA 
Equatorium D esign 
Editora Globo S A 
Rua Marquês de Pombal, 25 — 20230-240 
Rio de Janeiro — RJ — Brasil 
www.globolivros.com.br 
Texto fixado conforme as regras do Acordo 
Ortográfico da Língua Portuguesa (Decreto 
Legislativo nf i 54, de 1995). 
Todos os direitos reservados Nenhuma parte 
desta edição pode ser utilizada ou reproduzida 
— em qualquer meio ou forma, seja mecânico ou 
eletrônico, fotocópia, gravação etc. — nem 
apropriada ou estocada em sistema de banco de 
dados sem a expressa autorização da editora. 
Publicado originalmente na Grã-Bretanha 
em 2019 por Dorling Kindersley Limited, 80 
Strand London, WC2R ORL. Parte da 
Penguin Random House. 
Título original: The Clássica! Music Book 
1-edição. 2019 
Impressão e acabamento 
Ipsis 
Copyright © Dorling Kindersley Limited, 2019 
Copyright da tradução © Editora Globo S A.. 
2019 
UM M UNDO D E IDEIA S 
www.dk.com 
CIP-BRASIL CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO 
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS. RJ 
C674L 
Collisson, Steve 
O livro da música clássica / Steve Collisson , ilustração James Graham ; tradução 
Mana da Anunciação Rodrigues. - 1 . ed. - Rio de Janeiro : Globo Livros, 2019. 
352 p.: il. (As grandes ideias de todos os tempos) 
TYadução de: The classical music book 
Inclui Índice 
ISBN 9786580634026 
1. Música - História e crítica. 2. Classicismo na música. I. Graham, James. II. 
Rodrigues. Mana da Anunciação III Titulo IV. Série 
19-58194 CDD: 780.9033 
CDU: 78.0302 
Vanessa Mafra Xavier Salgado - Bibliotecária - CRB-7/6644 
http://www.globolivros.com.br
http://www.dk.com
COLABORADORES 
DR. STEVE COLLISSON, CONSULTOR 
Violoncelista, palestrante e examinador britânico, o dr. Steve Collisson 
foi professor do Royai Birmingham Conservatoire, da Universidade de 
Birmingham e da Open University. Integrou o júri de muitos festivais e 
concursos, entre eles a competição BBC Young Musician. 
LEVON CHILINGIRIAN 
Fundador, com o pianista Clifford Benson, do Quarteto Chilmgirian, o 
renomado violinista Levon Chilingirian se apresenta no mundo todo e 
dá aulas na Royai Academy of M usic e na Guildhall School of Music & 
Drama de Londres. 
MATTHEW 0'DONOVAN 
Diretor de Música A cadémica no Eton College, no Reino Unido, 
Matthew 0'Donovan escreve amplamente sobre música. É também 
membro fundador do grupo vocal Stile Antico e arranjador com 
trabalho publicado. 
GEORGE HALL 
Ex-editor da Decca e dos BBC Proms, George Hall é crítico musical em 
período integral. Ele escreve para várias publicações de música do 
Reino Unido, como Music Magazine, da BBC, The Stage e Opera. 
MALCOLM HAYES 
Compositor, escritor e radialista, Malcolm Hayes escreveu biografias de 
Anton Webern e Franz Liszt e editou The Selected Letters of William 
Walton. Seu Concerto para violino estreou nos BBC Proms em 2016. 
MICHAEL LANKESTER 
Formado no Royai College of Music, Michael Lankester fez carreira 
internacional como regente É diretor musical da Hartford Symphony 
Orchestra de Connecticut e regente-residente da Pittsburgh Symphony 
Orchestra. 
KARL LUTCHMAYER 
Pianista de concertos internacional, Karl Lutchmayer é professor no 
Trinity Laban Conservatoire de Londres e palestrante convidado de 
várias escolas de música, como a Juilliard e a Manhattan School. 
KEITH MGGOWAN 
Grande conhecedor de música, Keith M cG owan tem trabalhado com a 
maioria dos principais grupos de música tradicionais de Londres e foi 
mestre de música de várias produções no Shakespeare's Globe, em 
Londres. 
KUMI0GAN0 
Professora associada adjunta de música no Connecticut College, Kumi 
Ogano é instrumentista abalizada da obra dos compositores japoneses 
Toru Takemitsu e A kira Miyoshi. 
SOPHIE RASHBR00K 
Sophie Rashbrook compõe e apresenta música clássica na Sinfonia 
Cymru. de Gales, e no Royai College of Music, de Londres. 
DRA, CHRISTINA L. REITZ 
Professora associada de música na Western Carolina University, na 
Carolina do Norte, a dra. Chnstina L. Reitz ministra cursos de história 
da música e de música americana. 
TIM RUTHERFORD-JOHNSON 
Professor do Goldsmiths College, na Universidade de Londres, Tim 
Rutherford-Johnson escreve na internet sobre música contemporânea e é 
autor de Music after the Fali: Modern Composition and Culture since 1989. 
HUGO SHIRLEY 
Jornalista e critico de música estabelecido em Berlim, Hugo Shirley é 
colaborador regular das revistas Gramophone e Opera. 
KATIE DERHAM, APRESENTAÇÃO 
Apresentadora dos programas Sound of Dance e In Tune da BBC Radio 3, 
Katie Derham é uma das vozes mais conhecidas da estação. É o rosto 
dos BBC Proms desde 2010 e apresenta o programa semanal de notícias 
Proms Extra durante a temporada. Katie também está à frente de 
documentários de televisão como The Girl from Ipanema: Brazil, Bossa 
Nova, and the Beach, da BBC, e dos programas AH Together Now: The 
Great Orchestra Challenge e Fine Tuned. Em 2015 foi finalista de 
Strictly Come Dancing e, em 2017, venceu o Christmas Special. 
6 
SUMÁRIO 
12 INTRODUÇÃO 
MÚSICA ANTIGA 
1000-1400 
22 A sal modia é a arma do 
monge 
Canto chão , anó nimo 
24 Ut, ré, mi , fá, sol , lá 
Micrologus, 
Guid o d 'A rezzo 
26 D eví amos entoar sal mos 
com u m saltério de dez 
cordas 
Ordo virtutum, 
Hild eg ard a de Bing en 
28 Cantar é orar duas vez es 
Magnus líber organi, 
Léo nin 
32 Tandaradei , cantou doce o 
rouxinol 
Le Jeu de Robin et de Marion, 
A d a m de la Halle 
36 A músi ca é u m 
conhecimento que faz rir, 
cantar e dançar 
Missa de Notre-Dame. 
Guil laume de M achaut 
RENASCIMENTO 
1400-1600 
42 N em u m a só composi ção 
anterior aos úl timos 
quarenta anos [...] merece 
ser ouvida 
M i ssa LHomme armé, 
Guil laume Dufay 
43 Língua, proclame o 
mistério do corpo glorioso 
M i ssa Pange língua, 
Jo sq u in Desprez 
44 O uça a voz e a oração 
Spem in alium, 
Tho m as Tal l is 
46 O eterno pai da músi ca 
ital iana 
Canticum Canticorum, 
Gio v anni d a Palestrina 
52 Es s a é a natureza dos 
hinos - eles nos f azem 
querer repeti- los 
Great Service, 
W il l iam By rd 
54 Todas as árias e madrigais 
[...] sussurram suavidade 
O Care, Thou Wilt Despatch 
Me, 
Tho m as Weelkes 
55 O f estim [...] maravi l hou e 
assombrou todos aqueles 
estranhos, que nunca 
ouviram algo igual 
Sonata piarí e forte, 
Gio v anni Gabriel i 
56 A corde, meu alaúde! 
Lachrimae,Jo hn Do w land 
BARROCO 
1600-1750 
62 U m a das diversões mai s 
magníf icas e caras 
Eurídice, 
Jaco p o Peri 
64 A músi ca deve emocionar 
todo o ser 
Vésperas, 
Cláudio Mo ntev erd i 
70 Lul l y é merecidamente 
digno do título de príncipe 
dos músi cos f ranceses 
O burguês fidalgo, 
Jean-Bap tiste Lul ly 
72 El e tinha u m talento 
especial para expressar 
a energia das pal avras 
inglesas 
Dido and Aeneas, 
Henry Purcell 
78 O sentido das igrejas não 
é o vocif erar dos coralistas 
Ein feste Burg ist unser Gott, 
Dieterich Buxtehud e 
7 
80 O novo O rf eu de nosso 
tempo 
Concerti grossi, op. 6, 
A rcâng elo Co relli 
82 A uni ão dos esti los 
f rancês e i tal iano deve 
l evar à perf ei ção mus i cal 
Pièces de clavecin, 
Franço is Co u p erin 
84 O s ingl eses gostam de 
algo e m que p o s s am 
marcar o tempo 
Water Music, 
Geo rg Fri e d ri c h Hánd el 
90 N ão espere i ntenção 
prof unda, mas u m 
gracejo engenhoso 
com arte 
So nata em ré meno r, 
K. 9 "Pasto ral" , 
Do mênico Sc arlatti 
92 A p ri mav era chegou, 
e com el a a al egria 
As quatro estações, 
A nto nio V i v al d i 
98 O objetivo de toda mús i ca 
deveri a ser apenas a 
gl ória de D eus 
A Paixão segundo São 
Mateus, 
Jo h an n Seb astian Bac h 
106 T e l e m an n es tá aci ma 
de todo elogio 
Musique de tabie, 
Geo rg Phi l ip p Te l e m ann 
107 T i n h a todo o co ração 
e a al m a e m seu cravo 
Hippolyte et Aricie, 
Jean- Phi l ip p e Ram e au 
108 Bach é como u m astrónomo 
que [...] descobre as 
estrelas mais maravilhosas 
A arte da fuga, 
Jo hann Sebastian Bach 
CLASSICISMO 
1750-1820 
116 Seu forte é como u m 
trovão, o crescendo é 
como u m a catarata 
Sinfo nia em m i bemo l maior, 
op. 11, n 2 3 , 
Jo hann Stamitz 
118 O ato mai s comovente 
de toda a ópera 
Orfeu e Eurídice, 
Christo p h W ill ibald Gluck 
120 D evemos tocar com a 
al ma, não como pássaros 
treinados 
Co ncerto p ara flauta em lá 
maior, W q 168, 
Carl Philip p Em anu e l Bac h 
122 Fu i f orçado a me tornar 
original 
Quarteto de co rd as em dó 
maior, op. 54, n 2 2, Ho bo ken 
m:57, Jo sep h H ay d n 
128 Seu enorme génio elevou 
M ozart aci ma de todos os 
mestres 
Sinfo nia n 2 40 em so l menor, 
K550, 
Wo lfgang A m ad eu s Mo z art 
132 O objetivo do piano é 
substituir toda u m a 
orquestra por u m artista 
So nata p ara p iano em fá 
sustenid o menor, op. 25, n 2 5, 
Muz io Clementi 
134 Pelo poder da música, 
andamos alegres através 
da noite escura da morte 
A flauta mágica, 
Wo lfgang A m ad eu s Mo z art 
138 V i vo somente em mi nhas 
notas 
Sinfo nia n 2 3 em m i bemo l 
maior, "Ero ica", op. 55, 
Lu d w i g v an Beetho v en 
ROMANTISMO 
1810-1920 
146 O viol inista é aquele 
f enómeno pecul iarmente 
humano [...] meio tigre, 
meio poeta 
24 cap richo s p ara v io lino solo, 
op. 1, Nicco lò Pag anini 
148 D ê- me a l ista da 
l avanderia e eu a 
musicarei 
O barbeiro de Sevilha, 
Gio achino Ro ssini 
149 A músi ca na verdade 
é o próprio amor 
Der Freischútz, 
Carl M aria v o n Weber 
8 
150 N i nguém sente a dor de 
outro. N i nguém entende a 
alegria de outro 
Die schòne Múllerin, 
Franz Schubert 
156 A músi ca é como u m 
sonho. U m que não 
consigo ouvir 
Quarteto de co rd as n'J 14 em 
dó sustenid o menor, op. 131, 
Lu d w i g v an Beetho v en 
162 A i nstrumentação é o que 
conduz a marcha 
Sinfonia fantástica, 
Hecto r Berlio z 
164 A simpl icidade é a 
conquista def initiva 
Prelúdios, 
Frédéric Cho p in 
166 M i nhas sinf onias teriam 
chegado ao opus 100 se eu 
as tivesse escrito 
Sinfo nia n Q 1, a sinfo nia 
"Primav era", 
Ro bert Sc hu m ann 
170 A úl tima nota foi afogada 
numa torrente de aplausos 
Elias, 
Felix Mend elsso hn 
174 A mo a ópera i tal iana - é 
tão despreocupada. . . 
La traviata, Giusep p e Verd i 
176 A quel e que segura o 
diabo, que o segure b em 
Sinfonia Fausto, Franz Li sz t 
178 E os dançari nos rodavam 
alegres nos labirintos 
vertiginosos da val sa 
Danúbio azul, 
Jo hann Strauss n 
179 V i vo na músi ca como u m 
peixe na água 
Co ncerto p ara p iano n° 2 em 
so l menor, 
Camil le Saint-Saèns 
180 A ópera deve f azer as 
pessoas chorar, sentir 
horror, morrer 
O ciclo do anel, 
Ric hard Wagner 
188 El e [...] v e m como se 
enviado direto por D eus 
Sinfo nia n° 1, 
Jo hannes Brahm s 
190 A s notas d ançam lá em 
ci ma no palco 
O quebra-nozes, 
Pio tr Ilitch Tc haiko v ski 
192 U m a sinf onia tem de ser 
como o mundo, tem de 
conter tudo 
Assim falou Zaratustra 
Ric hard Strauss 
194 A arte emocional é u m 
tipo de doença 
Tosca, Giaco mo Pu c c in i 
198 Se u m compositor pudess 
dizer o que quer em 
palavras, não se 
incomodaria em dizer em 
músi ca 
Das Lied von der Erde, 
Gustav Mahler 
NACIONALISMO 
1830-1920 
206 M i nha pátria signif ica 
mai s para m i m que 
qual quer outra coisa 
A noiva vendida, 
Bed f i c h Smetana 
207 M ússorgski tipif ica o 
génio na Rússia 
Quadros de uma exposição, 
Mo d est Petróvitch 
Músso rgski 
208 Tenho certeza que em 
mi nha músi ca há u m 
sabor de bacal hau 
Peer Gynt, Ed v ard Grieg 
210 Eu queria f azer algo 
diferente 
Péquiem, Gabriel Fauré 
212 A músi ca do povo é como 
uma flor rara e adorável 
Sinfo nia n e 9, A nto nin Dvorák 
216 Sinto u m a f orça indómita 
O guarani, 
A ntô nio Carlo s Go mes 
218 A arte da música, mai s 
que todas as outras, é a 
expressão da al ma 
The Dream of Gerontius, 
Ed w ard Elg ar 
220 Sou u m escravo de meus 
temas, e me submeto a 
suas exi gênci as 
Finlândia, Jean Sibelius 
9 
222 M úsica espanhol a com 
sotaque uni versal 
Ibéria, Isaac A lbéniz 
223 U m labirinto maravi l hoso 
de habil idade rí tmica 
El sombrero de tres picos, 
M anuel de Falia 
MODERNISMO 
1900-1950 
228 V o u ver a somb ra que 
v o cê se tornou 
Prélude à laprès-midi d'un 
faune, Claud e D eb ussy 
232 Q uero que as mul heres 
vol tem a mente para 
obras grandes e dif íceis 
The Wreckers, Ethe l Sm y th 
240 O público não deveria ter 
ouvidos compl acentes 
Pierrot lunaire, op. 21, 
A rno ld Scho enberg 
246 N ão entendi u m compasso 
de músi ca em m i n h a 
vi da, mas a senti 
A sagração da primavera, 
Igor Strav insky 
252 E voando cada vez mai s 
alto, nosso val e é seu 
cál ice dourado 
The Lark Ascending, 
Ralp h V au g han W i l l iam s 
254 Levante- se e as s uma 
sua di ssonânci a como 
u m ho mem 
Sinfo nia n a 4, 
Charles Ed w ar d Iv es 
256 N unca escrevi u m a nota 
s em i ntenção 
Parade, Eri k Satie 
258 A vi da é muito como o 
jazz [...] é melhor quando 
se improvisa 
Rhapsody in Blue, 
Geo rge G e rshw i n 
262 U m a extravaganza louca 
na beira do abismo 
Les Biches, Franc is Po ulenc 
263 Trago o espírito j uveni l de 
m i n h a terra, com músi ca 
j ovem 
Sinfonieta, Leo s Janácek 
264 M usical mente, não há u m 
centro único de gravidade 
nesta obra 
Symphonie, op. 21, 
A nto n v o n Webern 
266 O único caso de amor que 
tive foi com a músi ca 
Concerto para piano para a 
mão esquerda, M auric e Rav el 
268 Só a ciência pode inf undir 
vigor j uveni l à músi ca 
Ionisation, Ed g ard Varèse 
270 U ma nação cria músi ca. 
O compositor só a arranja 
Quarteto de co rd as n° 5, 
Béla Vikto r Jáno s Bartó k 
272 Detesto imitação. D etesto 
recursos banais 
Pomeu e Julieta, 
Serguei Prokófiev 
273 A música bal inesa 
manteve a vitalidade 
rítmica primitiva e jubilosa 
Tabuh-Tabuhan, 
Co lin M c Phee 
274 A verdadeira músi ca 
sempre é revol ucionária 
Sinfo nia n" 5 em ré menor, op. 
47, Dmítri Cho stakó v itch 
280 M i nha músi ca é natural , 
como u m a queda- d' água 
Bachianas brasileiras, 
Heitor Villa-Lo bo s 
282 N unca f ui ouvido com tão 
enl evada atenção e 
compreensão 
Quarteto para o Bm do tempo, 
Oliv ier M essiaen 
284 D evo criar ordem a partir 
do caos 
A Child oí Our Time, 
Michael Tip p ett 
286 A músi ca é tão b em tecida 
[...] que l eva com mão 
muito forte a seu próprio 
mundo 
Appalachian Spring, A aro n 
Co p land 
288 Compor é como dirigir 
numa estrada com nebl ina 
Peter Grimes, 
Benjamin Britten10 
MÚSICA 
CONTEMPORÂNEA 
298 O s sons são o vocabul ário 
da natureza 
Symphonie pour un homme 
seul, 
Pierre Schaeffer/ Pierre Henry 
302 N ão entendo por que tê m 
medo de ideias novas. Eu 
tenho medo das vel has 
4'33", Jo hn Cag e 
306 El e mudou nossa visão de 
tempo e f orma musicais 
Gruppen, 
Karlheinz Sto ckhausen 
316 E m música [...] as coisas 
não melhoram nem pioram: 
evoluem e se transf ormam 
Sinfonia, Luc iano Berio 
318 Se me contar u m a 
mentira, que seja u m a 
mentira pra val er 
Eight Songs for a Mad King, 
Peter M ax w e l l Dav ies 
320 O processo de trocar 
pausas por batidas 
Six Pianos, 
Stev e Reich 
321 N ós es táv amo s tão 
adiante [...] porque todos 
os outros f icaram tão atrás 
Einstein on the Beach, 
Phil ip Glass 
[ 324 V ul cânico, expansivo, 
deslumbrante - e obsessivo 
Études, Gyò rgy Lig eti 
325 M i nha músi ca é escrita 
para ouvidos 
LAmour de loin, 
Kaija Saariaho 
326 A z u l [...] como o céu. O nde 
se el evam todas as 
possibil idades 
blue cathedral, 
Jennifer Hig d o n 
328 A músi ca usa blocos de 
construção simpl es e 
cresce organicamente 
a partir deles 
In Seven Days, 
Tho m as A d ès 
308 O papel do músi co [...] é a 
eterna experi mentação 
Pithoprakta, Iannis Xenakis 
309 A co munhão íntima com 
as pessoas é o al imento 
natural de todo o meu 
trabalho 
Spartacus, 
A r a m Khatc haturian 
310 Fu i atingido pela carga 
emocional da obra 
Trenodia para as vítimas de 
Hiroxima, 
Krzysz to f Pend erecki 
312 Se você se torna u m ismo, 
o que faz está morto 
In C, Terry Riley 
314 Q uero entalhar [...] u m 
tom doloroso único tão 
intenso como o próprio 
silêncio 
November Steps, 
To ru Takem itsu 
322 Es s e deve ser o primeiro 
f im da arte [...] 
transf ormar- nos 
Apocalypsis, 
R. Murray Schafer 
323 Eu poderia co meçar do 
caos e criar ordem nele 
Q uarta sinfo nia, 
Wito ld Lu to slaw ski 
329 Es s e é o âmag o de q uem 
somos e do que 
precisamos ser 
AUeluia, Er i c W hitacre 
330 OUTROS 
COMPOSITORES 
340 GLOSSÁRIO 
344 ÍNDICE 
351 CRÉDITOS DAS 
CITAÇÕES 
352 AGRADECIMENTOS 
11 
APRESENTAÇÃO 
A música tem certa magia. Pode transportar-nos a u m 
mundo diferente, fazer-nos dançar ou lembrar pesso as 
queridas que perdemos. Um simples acorde pode nos 
levar às lágrimas. Lo nge de ser reserva exclusiva da 
elite, a música hoje comumente chamad a de clássica, 
que propiciou prazer e inspiração no mundo ocidental 
durante a maior parte dos últimos mi l anos, co ntinua a 
deliciar os ouvintes. Ela desperta emo çõ es em nossos 
filmes favoritos; sua massa sinfónica aumenta a 
dramaticidade da ação em jogos de computador; e ela 
se esconde na estrutura e nas melodias das músicas 
populares do d ia a d ia. Sua magia é de u m tipo muito 
especial, e cresceu e evo luiu ao longo dos séculos, 
moldada pela política, geografia, religião - e pelo génio 
particular de uma profusão de grandes compositores. 
À s vezes basta ouvir e d eixar a música envolver-nos 
sem perguntar por quê, quando , ou onde ela se 
originou. Porém o conjunto de obras d a música 
clássica pode parecer intimid ad o ramente vasto , 
abrangendo muito s estilo s e género s d iferentes. Por 
exemplo , a música antiga d a Igreja med iev al -
canto chão e canto - é u m mundo sô nico d istante d as 
cataratas de so m criad as pelas o rquestras sinfó nicas 
do século xix, usad as por compositores românticos 
como Tchaikóvski e Brahms, ou do exp erimentalismo 
atonal de Schoenberg, no início do século xx. Por 
vezes, explorar universo s sonoros novos pode causar 
estranhamento ou mesmo um pouco de desconforto , 
pretendido pelo próprio compositor. 
Co m este livro você descobrirá o contexto das grandes 
obras musicais dos últimos mil anos. Entender quem 
eram os compositores e por que eles co mpunham pode 
ser revelador e acrescentar uma nova camad a ao 
desfrute e compreensão do ato de ouvir. Um a obra 
familiar como As quatro estações, de Viv ald i, ganha 
nova resso nância quando se aprende que Viv ald i 
demonstrou pela primeira vez o verdadeiro potencial 
d a forma concerto e que sua fama correu d a Itália à 
A lemanha, onde inspiro u u m jovem organista 
chamado Jo hann Sebastian Bach. 
Talv ez você saiba que Beetho ven ficou surdo no fim 
d a v id a, mas co nhecer quais de suas obras ele 
co mpô s sem nunca ouvi-las dá u m sentido pro fundo 
à experiência d a audição , aumentando o deslumbre. 
Perceber que Mo zart era realmente u m pop star do 
século xvm pode convencê-lo a dar uma no va chance 
a O casamento de Fígaro. Poder, patrocínio e censura 
d esemp enharam cad a u m seu papel na génese de 
alg umas d as mais amad as obras musicais. Como 
vo cê descobrirá, os d ramas e escând alo s d a v id a real 
muitas vezes aco mp anhav am a d ramaturg ia musical 
no palco e nas partituras. 
Esses são os mundos que o livro que você está prestes 
a ler o convida a explorar. Ele será um companheiro 
inestimável numa jornada por diferentes períodos da 
história musical, aprofundando seu conhecimento e sua 
apreciação de algumas das maiores obras de música 
c lássica. Ele deliciará aqueles que já am am a 
música c lássica mas talv ez nu nc a tenham, até 
hoje, tido acesso aos elemento s que co mp õ em o 
vo cabulário e a teo ria music ais. E, melhor que 
tudo , irá, espero , estimular horas infindáveis de 
novas audições. 
A música clássica, como toda música, tem a paixão 
em seu cerne. É por isso que as grandes obras do 
passado perduram há século s, os compositores atuais 
aind a lutam para igualar sua beleza, e milhõ es 
de nós, hoje, amamo s to cá-las, o uvi-las e ser 
transpo rtado s por elas. Há tanta música marav ilho sa 
e apaixo nante lá fora - d eixe que este livro abra seus 
olhos e seus ouvidos para ela. 
14 INTRODUÇÃO 
Parte v ital d a cultura humana desde pelo menos o Neolítico, a música tem sido 
u m traço de todas as civilizações, 
como mostram as pinturas 
rupestres, os afrescos e a 
arqueologia. O que é genericamente 
referido como "música clássica" é a 
música da civilização ocidental que 
evoluiu d a época medieval até o 
presente. Em sentido amplo, cobre 
u m vasto espectro e não só a 
música orquestral ou de piano, como 
muitos imaginam. Este livro mostra 
seu desenvolvimento como parte 
essencial da cultura europeia, 
espalhando-se pelo mundo, 
deliciando, surpreendendo e por 
vezes desconcertando o público, ao 
evoluir com os séculos. 
Saltos ousados 
O desenvo lvimento de uma tradição 
musical da música de Igreja 
med ieval e dos trovadores da corte 
à vanguard a do século xxi, foi 
muitas vezes gradual, mas também 
pontuado por inovações 
empolgantes. A s primeiras óperas, 
montadas no fim do século xv i, por 
exemplo, revo lucionaram a música 
sagrada e também a profana; a 
sinfo nia "Ero ica" de Beetho ven 
chocou as plateias do início do 
século xix co m sua estrutura 
inovadora e o descaso pelas 
convenções clássicas; já A sagração 
da primavera, de Igor Strav insky, 
atordoou os que assistiram à sua 
estreia em Paris cem anos depois. 
Esses saltos definiram os principais 
períodos da música clássica -
Música A ntiga, Renascimento , 
Barroco, Classicismo , Romantismo, 
Nacionalismo, Modernismo e Música 
Contemporânea - , embora essas 
sejam distinções amplas, com estilos 
diferentes dentro de cada uma, e as 
fronteiras não sejam nítidas. 
O papel da Igreja 
Como outras formas de arte, a 
música foi moldada por influências 
externas, além de indivíduos 
brilhantes. A primeira delas foi a 
éé 
A música é o ato social de 
comunicação entre pessoas, 
um gesto de amizade, o mais 
forte que existe. 
M alcolm Arnold 
f f 
Igreja. A música clássica ocidental 
nasceu numa Euro pa dominada pela 
Igreja. Além de deter considerável 
poder político, o clero supria a única 
fonte de aprendizado da sociedade. 
Para os instruídos, a música era 
parte do culto, e não diversão. Era 
entoada por monges sem 
acompanhamento instrumental. 
A Arte Nova 
Por centenas de anos, a Igreja 
resistiu a mudar o canto simples de 
textossagrados, com subid as e 
descidas representadas em 
manuscrito s por neumas (marcas 
inclinadas). Por fim, novas ideias 
abriram caminho . Co m a invenção 
de um sistema de notação por 
Guido d A rezzo , monge italiano do 
século ix, os co ralistas co meçaram 
a cantar harmo nias simples nas 
músicas. Mais tarde, eles as 
embelezaram co m outras melodias, 
criando a polifonia, u m novo som 
que, no século xiv, foi saudado 
como a A rs Nova, a "A rte Nova". Os 
compositores logo intro duziram 
outras inovações, como o 
aco mpanhamento de órgão. A Igreja 
começou a perder o controle sobre a 
música e a cultura em geral, um 
processo favorecido pelo nascimento 
de um novo movimento cultural, o 
Renascimento . Conforme 
desaparecia o tabu d a música 
INTRODUÇÃO 15 
profana, a expressão dos 
compositores se tornava mais livre e 
sua música se espalhou pela Europa, 
em especial após a invenção de um 
método de impressão e, portanto, de 
distribuição da música. Não mais 
controlados pela Igreja, os músicos 
buscaram trabalho nas cortes 
aristocráticas da Itália, França, 
Inglaterra e Países Baixo s, onde 
alcançaram ganhar a v id a 
oferecendo entretenimento. 
Os religiosos, porém, ainda 
detinham poder, e após a Reforma 
um estilo musical mais austero se 
impôs nas igrejas protestantes do 
norte europeu, e mesmo as 
autoridades católicas buscaram 
moderar a complexidade da polifonia. 
Os compositores desenvolveram 
então um estilo harmónico mais 
simples, porém mais expressivo . A s 
Vésperas (1610), de Monteverdi, 
abriram novo campo para a música 
sacra incorporando elementos desse 
emocionante novo estilo. 
Explosão musical 
Pela mesma época, em Florença, um 
grupo de intelectuais chamado 
Camerata de' Bardi apresentou um 
novo entretenimento que combinava 
música e teatro, criando a ópera. Foi 
um sucesso nas cortes aristocráticas, 
que continuavam a patrocinar 
compositores e artistas, e a demanda 
crescente também do público por 
ópera e música em geral levou ao 
investimento em casas de ópera, 
salas de concertos e teatros públicos. 
Conforme o Barroco evoluía, 
compositores como J. S. Bach e 
Georg Fried rich Hándel criaram 
obras de complexidade crescente, 
aproveitando as orquestras 
fornecidas por seus mecenas 
aristocráticos. A música do A lto 
Barroco foi especialmente 
expressiva, muitas vezes 
embelezada co m trinados e outros 
ornamentos, às vezes de u m 
v irtuo sismo deslumbrante. 
Por algum tempo o público afluiu 
aos concertos para ouvir as últimas 
peças para orquestra, óperas e obras 
corais, mas co m o surgimento do 
Iluminismo , a Idade da Razão, as 
tendências mudaram. Subitamente 
houve uma demanda por música 
mais elegante, que enfatizasse o 
equilíbrio e a clareza, levando ao 
período clássico , de onde a "música 
clássica" derivou seu nome. 
Em pouco tempo, os 
compositores clássicos, como 
Mozart, Hayd n e Beethoven, 
fixaram as formas musicais que são 
a base dos repertórios de concerto 
modernos, como a sinfo nia de 
quatro movimentos, o concerto solo 
e o quarteto de cordas. A música 
também se tornou popular nos lares 
à med id a que a crescente classe 
méd ia obtinha tempo de lazer e os 
instrumento s musicais, como o 
piano, se to rnavam mais acessíveis. 
O período romântico 
A pesar de sua influência duradoura, 
o período clássico deu lugar a u m 
novo movimento cultural quase ao 
nascer. O Romantismo, co m sua 
ênfase no indivíduo, varreu a 
Europa, e a expressão ganhou 
precedência sobre a clareza. Os 
compositores levaram as formas 
clássicas ao limite na pesquisa por 
novos sons. Eles buscavam fontes de 
inspiração extramusicais, na arte, 
na literatura, nas paisagens e na 
experiência humana. 
O Ro mantismo foi em essência 
u m movimento alemão, embora a 
ênfase no indivíduo tenha levado 
a uma onda de compositores » 
Que paixão não pode a música 
despertar e sufocar... 
John Dryden 
16 INTRODUÇÃO 
f L +j£ 
nacio nalistas, que buscav am 
d istanciar-se do domínio austro -
-húngaro do ancien régime musical 
e defend iam a música de cada 
nação . Compositores russos e 
tchecos p assaram a integrar temas 
e elementos de música folclórica 
nas obras, tendência explorada 
depois por compositores de outras 
partes da Euro pa. 
No fim do século xix, os excessos 
do Romantismo alemão precipitaram 
uma ruptura nas próprias fundações 
da música ocidental, baseada nas 
harmonias das escalas maiores e 
menores. No século seguinte, os 
compositores passaram a buscar não 
só um estilo original mas uma 
linguagem musical totalmente nova. 
Duas das muitas tendências que 
emergiram foram especialmente 
influentes: o serialismo de doze 
notas, sistematizado por Arnold 
Schoenberg e aperfeiçoado por Pierre 
Boulez, e a aleatoriedade - em que o 
acaso tinha papel na composição ou 
execução da música. 
Novas influências 
Esses experimento s musicais 
co incid iram co m a evolução do jazz 
e mais tarde a explosão da música 
pop e do rock, cuja batida rítmica 
tinha apelo instantâneo , fazendo as 
plateias se afastarem dos sons 
estranhos d a nova música clássica 
e mesmo da música clássica em 
geral. A p esar disso , a música 
popular também influenciou e 
inspiro u os compositores clássicos, 
produzindo uma fertilização 
cruzada de ideias que deu nova 
v id a às formas clássicas, ao lado do 
aproveitamento da tecno logia 
moderna. Compositores como 
Karlheinz Sto ckhausen exploraram 
o po tencial do estúdio eletrônico e 
dos enormes avanços dos 
equipamentos de gravação . 
Hoje, alguns compositores, mais 
conscientes do gosto do público , 
escrevem num estilo mais acessível 
que cinquenta anos atrás, mas 
co ntinuam a experimentar, 
produzindo música que incorpora 
vídeo, teatro e influências globais. 
Os elementos da música 
Para entender as ideias e inovações 
descritas neste livro , é útil 
familiarizar-se co m os elementos de 
construção d a música clássica 
ocidental, muitos dos quais foram 
idealizados por monges med ievais, 
a partir de conceitos formulados 
pelos gregos antigos. A s notas são o 
material fundamental de toda 
música, cantada ou tocada. A altura 
de uma nota individual, mais grave 
ou mais aguda, em especial em 
relação a outras, é representada por 
uma letra (A para indicar o lá, B para 
o si, C para o dó e assim por diante), 
às vezes modificada por "acidentes" 
(sustenido ou bemol) que sobem ou 
descem a nota em um semitom. Na 
maior parte da história da música 
clássica, as melodias (padrões de 
notas) foram compostas com notas 
das escalas maior e menor, que 
ajudam a determinar o espírito de 
uma peça musical. A escala também 
rege a harmonia, em que duas ou 
mais notas são tocadas juntas. 
Certas combinações de notas -
acordes - são consoantes, ou 
harmoniosas, e outras mais 
dissonantes, ásperas; os acordes 
maiores tendem a soar mais 
luminosos, enquanto os menores são 
mais tristes. 
Uma característica dos períodos 
barroco, clássico e romântico era o 
éé 
O ritmo e a harmonia abrem 
caminho para os lugares 
internos da alma. 
Platão 
f f 
INTRODUÇÃO 17 
sistema de tonalidade maior-menor, 
em que uma nota principal, 
chamad a tónica, é o centro 
gravitacio nal ao redor da qual a 
composição gira - d istanciando -se 
da tónica para criar tensão e 
aproximando -se para resolvê-la. 
Formas musicais 
Diferentes estilos de música 
enfatizam aspecto s particulares de 
sua estrutura. A lg uns se 
co ncentram na melodia, talvez co m 
aco mpanhamento harmónico , como 
foi co mum no início do Barroco ; 
outros empregam o contraponto - o 
entrelaçamento de duas ou mais 
melodias numa forma complexa de 
polifonia que é uma das 
características definidoras d a 
música clássica ocidental. 
A forma de uma peça também é 
importante: ela pode compreender 
partes diferentes reconhecíveis, 
talvez em escalas contrastantes. Por 
exemplo, numa forma simples ABA, 
uma ideia musical é apresentada, 
seguida de uma segunda, e então a 
ideia de abertura é repetida. A s 
formas musicais vão de cançõ es 
simples, como os Lieder, 
popularizadospor Franz Schubert e 
Robert Schumann, à complexidade 
de uma sinfonia de vários 
movimentos. Para os ouvintes, a 
diferença mais notável entre uma 
música renascentista e uma sinfonia 
totalmente desenvolvida do século 
xix é o som da voz e/ ou dos 
instrumentos. A o longo da história, 
novos instrumentos foram inventados 
e os antigos aperfeiçoados, dando aos 
compositores e músicos novos sons 
com que trabalhar. Cada instrumento 
tem um timbre distintivo, e diferentes 
combinações de instrumentos e 
vozes se desenvolveram com o 
tempo. Elas vão da cappella (voz sem 
acompanhamento), passando por 
instrumentos solo, como o piano, e 
pequenos grupos de câmara, como o 
quarteto de cordas, à orquestra de 
concerto completa, com mais de 
setenta instrumentistas de cordas, 
madeiras, metais e percussão, e -
desde os anos 1950 - tecnologia 
eletrônica. 
éé 
Foi-se o tempo em que a 
música era escrita para 
meia-dúzia de estetas. 
Sergei Prokofiev 
f f 
Este livro 
Co mo os compositores juntaram 
esses elementos para desenvo lver 
d iferentes géneros de música 
clássica, quais os fatores que os 
influenciaram? É o que este livro 
exp lica, apresentando marco s d a 
histó ria d a música clássica 
o cidental: não só os grandes 
compositores e suas obras, mas 
alg umas d as figuras menos 
co nhecid as cuja música 
exemplifica um estilo ou período. 
Eles estão arranjados em ordem 
cronológica, situando -o s num 
co ntexto histórico mais amplo 
para mostrar como refletem a 
so ciedade e a cultura. 
Cad a capítulo enfoca uma obra 
que ilustra um desenvo lvimento 
particular d a música, d iscutindo 
seus traços mais destacados e sua 
significação em relação a outras 
p eças do mesmo compositor ou 
estilo . A co luna lateral " Em 
contexto" e a seção "Ver também" 
trazem referências cruzad as a 
outras obras musicais relevantes 
para a que está em d iscussão . 
Como nem todos os maiores 
compositores, sem falar em todas 
as grandes obras, po d iam ser 
apresentados, a seção "Outros 
artistas", no fim do vo lume, traz 
detalhes sobre outros nomes 
importantes e suas obras. 
20 INTRODUÇÃO 
O papa Gregório i 
reúne as tradições 
de cantochão de 
toda a Igreja na 
tentativa de 
unificá-las. 
A 
O rei dos francos Carlos 
Magno instrui seus músicos 
a usar as nuances dos 
cantores romanos, liderando 
o desenvolvimento da 
notação neumática 
A 
Publicada a obra 
anónima Musica 
enchiríadis, a primeira a 
nomear notas (ou 
alturas) musicais com 
as letras A a G. 
A 
A peça musical O/ do 
virtutum, de Hildegarda 
de Bingen, representa 
uma guerra entre as 
Virtudes e o Demónio pela 
alma humana. 
c. 600 c. 800 c. 875 c. 1151 
c. 750 
I 
O canto gregoriano, 
síntese dos cantos 
romano e galicano, é 
encomendado pelos 
regentes carolíngios 
franceses. 
c. 850 
O desenvolvimento da 
sequência, texto 
associado a uma melodia 
cantada particular da 
missa latina, redefine a 
música litúrgica. 
c. 1026 
i 
Guido d'Arezzo 
escreve o tratado 
Micrologus, 
dedicando-o a Tedaldo, 
bispo de Arezzo, na 
Toscana, Itália. 
A música que chamamo s hoje de clássica ocidental evo luiu a partir d a 
praticada na Igreja med ieval 
europeia, que por sua vez tem 
raízes na música religiosa judaica e 
na das antigas Ro ma e Grécia. 
Nosso conhecimento d essa fase 
inic ial é, porém, limitado , já que era 
uma tradição oral, passad a por 
músicos de geração em geração . O 
pouco que se sabe ao certo v em de 
relatos da época, que quase 
exclusivamente descrevem a 
música sacra, já que a Igreja 
efetivamente tinha o monopólio da 
alfabetização . 
O papel da Igreja 
A história da música clássica 
co meça com textos sagrados em 
latim cantados por monges como 
partes do culto . A execução era 
simples - apenas voz, sem 
acompanhamento , co m só uma 
linha de música, a monodia, que 
poderia ser cantada por u m a 
pessoa ou um coro em uníssono . 
Esse tipo de música recebeu o 
nome de "cantochão", e cad a região 
tinha sua própria co leção de 
cantos. No início do século xvn, 
porém, o papa Gregório tentou 
reunir, classificar e padronizar 
essas variações regionais, como 
parte de seu empenho em unificar 
a prática litúrgica. 
Para garantir que a apresentação 
do canto chão fosse pad ro nizad a 
em to da a cristand ad e, u m a 
no tação music al foi d esenvo lv id a, 
co m símbo lo s chamad o s 
"neumas" escrito s sobre o texto 
para dar u m a ind icação gráfica d a 
fo rma d a melo d ia. Então , em 
alg um mo mento do século ix, o 
ritmo d as mud anças se acelero u: 
u m a fo rma p ad ro nizad a de culto , 
a missa, foi fixada, co m canto chão s 
específ ico s p ara suas várias 
partes. A no tação também se 
so fistico u, co m u m a l inha 
ho rizo ntal p ara esclarecer a altura 
d as no tas, mo strando quão 
agud as ou grav es são . 
Mais significante musicalmente 
foi a introdução do organum, uma 
forma simples de harmo nia. 
Enquanto no canto chão só hav ia 
uma linha de música, o organum 
tinha duas, e mais tarde três, ou até 
quatro. Um a voz cantava o 
canto chão e outra uma linha 
paralela de música algumas notas 
ac ima ou abaixo . 
Conforme a música se tornou 
mais complexa co m os anos, os 
meios de registrá-la também 
evoluíram, e no século xi 
MÚSICA ANTIGA 1000-1400 21 
Le Jeu de Robin et de 
Maríon, de Adam de la 
Halle considerada a 
primeira obra profana 
francesa, estreia em 
Nápoles. 
c. 1280-1283 
A Missa de Tournai, 
composta por vários autores 
anónimos, é o primeiro 
arranjo polifônico de uma 
missa transcrito num 
manuscrito. 
A 
c. 1320 
E composta a 
polifônica Missa de 
Notie-Dame, do 
francês Guillaume 
de Machaut 
A 
c. 1360-1365 
c. 1170 
Em Paris, Léonin 
liga o cantochão à 
polifonia em seu 
Magnus líber organi. 
c. 1300 
De mensurabiii 
musica, do teórico 
musical Johannes 
de Garlandia. 
explica os sistemas 
rítmicos modais. 
c. 1350 
i 
A Missa de Toulouse 
reúne movimentos 
polifônicos de 
missa adaptados de 
motetos existentes 
para três vozes. 
estabeleceu-se u m sistema de 
pontos co m formas d iversas 
escritos numa pauta de quatro ou 
mais linhas horizontais - o 
precursor de nosso padrão moderno 
de no tação musical. 
A música se difunde 
A notação não só ajudou a 
padronizar a execução como 
permitiu que se escrevessem no vas 
músicas, o que ocorreu do século xn 
em diante, marcando o início da 
música clássica como é co nhecida 
hoje. A música não era mais 
anónima e passad a oralmente, e 
isso levou ao surgimento de 
compositores que go stavam de 
testar técnicas inovadoras. A 
harmo nia simples do organum, co m 
vozes cantando em paralelo co m a 
melodia do cantochão , foi suced id a 
por u m estilo mais complexo - a 
polifonia - , em que cad a voz tem 
sua própria melodia. Essa nova 
técnica se inicio u com Léonin e 
Pérotin, em Paris, e logo se 
espalhou pela Euro pa. 
A o mesmo tempo, a música 
pro fana também florescia, na 
forma de menestréis v iajantes que 
entretinham as co rtes 
aristo cráticas e as pesso as nas 
ruas. Chamad o s de trovadores, 
eles eram poetas, além de 
compositores e artistas, e, à 
d iferença dos músico s de igreja, 
cantav am co m aco mpanhamento 
instrumental. É provável que 
também to cassem música apenas 
instrumental para dança, mas 
como tal música pro fana aind a era 
uma tradição oral, nad a se 
co nservo u dela. 
Em meados do século xiv a 
música polifônica co m linhas 
vo cais entrelaçadas se tornou 
co nhecida como A rs Nova, a 'A rte 
Nova", e os compositores que 
d o minav am a técnica foram 
encarregados de escrever missas 
para as catedrais. 
O novo estilo não foi 
desenvolvido apenas para a missa 
cristã. Os compositores também 
escrev iam arranjos menores de 
palavras em estilo polifônico 
chamado s "motetos". A lg uns eram 
arranjos de textos sagrados, mas 
vários compositores "sérios" 
também escreveram motetos 
polifônicos sobre poemas laicos. 
Co m o fim do período med ieval e o 
início do Renascimento , o 
monopólio da Igreja sobre a música 
declinou. A música sagradae a 
profana estav am prestes a florescer 
lado a lado. • 
22 
EM CO N TEXTO 
FO C O 
Cantochão 
A N T E S 
c. 1400 a.C. Um a tabuleta de 
arg ila d a antiga cid ad e de 
Ugarit, no norte d a Síria, 
reg istra o hino de u m culto 
religioso , co m no tação musical 
fragmentária. 
c. 200 a.C- 100 d.C. A chad a 
num túmulo perto de Éfeso, na 
Túrquia, a "canção de Sícilo" é a 
mais antiga composição musical 
co mpleta co m no taçõ es. 
D EPO IS 
1562-1563 O Concílio de 
Trento , d a Igreja Católica, proíbe 
cantar os ornamentos med ievais 
do canto chão med ieval 
conhecidos como "sequências". 
1896 O s mo nges d a A b ad ia 
Bened itina de So lesmes 
p ublicam o Libei usualis, 
tentativa de devo lver ao canto 
gregoriano , d isto rcido por 
século s de uso , u m texto mais 
puro e padronizado . 
A SALMODIA É A 
ARMA DO MONGE 
CANTOCHÃO (SÉCULOS VI a IX), ANÓNIMO 
A Igreja Cristã se inicio u como seita judaica, e assim a nascente liturgia 
(as formas de serviço) d a nova fé 
co mpartilhava muitos traços do 
culto judaico , como a repetição 
falada ou cantada da escritura e 
das orações. Especif icamente, os 
cristãos enfo caram alguns tipos de 
observância, como a recriação da 
Última Ceia (que mais tarde se 
to rnaria a missa), o canto de salmos 
e a leitura de escrituras e orações 
para marcar os d ias santos e as 
festas da nova Igreja. Co m o tempo, 
esses ritos evoluíram para o Ofício 
Div ino ou Liturg ia das Horas - a 
base do culto católico . 
O canto de ritos 
O cristianismo se espalhou a partir 
da Terra Santa, e co m ele seus ritos 
e cerimónias, celebrados em línguas 
d iversas nas comunidades onde se 
enraizou, como o aramaico na 
Palestina e o grego em Roma. Em 
resultado, diferentes estilos de canto 
se desenvolveram, como o mo çárabe 
na península Ibérica, o galicano na 
Gália Ro mana e o ambrosiano, a 
partir de santo Ambrósio , um bispo 
de Milão do século iv. 
Dessas primeiras liturgias, só os 
cantos da romana e da ambrosiana 
sobreviveram de forma reconhecível. 
Eles se tornaram conhecidos como 
"cantochão" (em latim cantus planus), 
pela simplicidade de suas melodias 
sem acompanhamento, cantadas 
num ritmo livre, semelhante à fala, 
refletindo a prosa não metrificada das 
orações, salmos e escrituras. Essa 
música, embora sem estrutura, 
seguia em grande parte o antigo 
Esta escultura de madeira (o 1500) 
mostra santo Ambrósio em seu estúdio. 
O bispo de Milão defendia o hino, ou 
"canção sagrada", como parte central 
do culto na igreja. 
MÚSICA ANTIGA 1000-1400 23 
Ver também: Micrologus 24-25 « Magnus libei organi 28-31 • Missa de 
Notie-Dame 36-37 • Canticum Canticorum 46-51 • Gieat Service 52-53 
o r n e CAM 
f • * ^ >7 
* tf - • z ' o 
b i / *p u e r *q u e m g i g 
sistema modal grego de oitavas de 
sete notas, com cinco tons e dois 
semitons, e consistia em dois tipos 
de canto: o responsorial e o antifonal. 
O primeiro envolvia cantos solo mais 
elaborados, com uma resposta do 
coro. Os cantos antifonais, em que 
o coro e a congregação alternavam o 
canto, consistiam em melodias mais 
simples. Essas formas eram 
co mpartilhadas pelo canto chão 
romano e ambrosiano , mas o 
ambrosiano tinha progressão de 
notas mais suave e era mais 
dramático que o romano. Ele 
também fazia uso maior do 
melisma, em que uma série de 
notas era cantad a co m uma sílaba 
- estilo aind a presente na canção 
do Oriente Médio e d a Á sia. 
Em meados do primeiro milénio, 
hav ia milhares de cantos para os 
diferentes ritos. A questão d a 
variedade de estilos e tradições foi 
enfrentada por Gregório i (papa de 
590 a 604 d .C) , que queria unificar 
a prática litúrgica. Ele consolidou a 
Este canto gregoriano, Hodie 
canlandus (Hoje precisamos cantar), de 
São Trotilo, monge irlandês do século 
x, tem neumas nas linhas superiores e 
texto em latim embaixo. 
música do rito romano e d iz-se que 
incentivo u a schola cantoium 
(escola de coro) papal, para fazer 
justiça ao repertório que se 
desenvo lveu. 
Repertório ampliado 
Sob a regência de Carlos Magno 
(742-814), o primeiro sacro 
imperador romano, os canto s 
romanos foram co mbinado s a 
elementos do estilo galicano , 
também de uso co mum. Essa 
co leção exp and id a crio u a base do 
canto gregoriano , que se mantém 
no âmago d a música d a Igreja 
Cató lica. O canto chão também foi 
o alicerce d a música med iev al e 
renascentista e de sua no tação , 
basead a em pautas e neumas, ou 
notas, de canto s escrito s. • 
A missa 
Fo i so mente no século xi , ou 
aind a depo is, que a m issa 
alcanço u sua fo rma final. Sua 
música se to rno u co nhecid a 
como o Grad ual, u m livro 
d iv id ido em Ordinário (os 
elemento s que se mantêm 
iguais to d a semana) e Próprio 
(as partes que são específ icas 
d a épo ca e do d ia no 
calendário d a Igreja). 
O Ordinário d a m issa tem 
cinco p artes. A p rimeira, Kyrie 
eieison (Senhor, tende 
piedade), é u m texto antigo 
em grego (a língua dos 
serv iço s ro mano s até cerca do 
século iv); a segund a, Gloria in 
excelsis Deo (Glória a Deus nas 
alturas), fo i intro d uz id a no 
século vn; a terceira, o Credo 
( Eu creio ), fo i ad o tad a em 1014 
(embo ra se acred ite que date 
do século iv); e a quarta, o 
Sanctus (Sagrado ), enraizad a 
na liturg ia jud aica, to rnou-se 
p arte do rito cató lico antes d as 
refo rmas do p ap a Gregório i . 
A quinta seção , Agnus Dei 
(Cordeiro de Deus), foi 
acrescentad a à m issa ro mana 
a p artir de u m rito sírio no 
século vn. 
O ritual da missa se baseia na 
Última Ceia de Cristo e seus 
discípulos - aqui em detalhe de 
manuscrito do século vi. 
EM CO N TEXTO 
A N T E S 
500 d.C. Bo écio , senador e 
filósofo romano, escreve De 
institutione musica, que aind a 
estaria em uso co mo manual 
de música no século xv i. 
935 d.C. Enchiiidion musices, 
de Odo de Cluny, se to rna o 
primeiro livro a no mear as 
no tas musicais co m as letras 
A a G na França. 
D EPO IS 
1260 O teórico musical alemão 
Franco de Colónia escreve Ais 
cantus mensurabilis, que 
aperfeiçoa a no tação de Guid o . 
1300 E m Paris, Jo hannes de 
Garlândia escreve De 
mensurabili musica, 
descrevendo os seis modos 
rítmicos. 
UT, RE, Ml, FA, 
SOL. LÁ 
MICR0L0GUS (0,1026), GUIDO D'AREZZ0 
A notação musical o cidental moderna teve origem nos mosteiros europeus, no fim 
do primeiro milénio . Os símbolos 
musicais mais antigos, os neumas, 
eram traços simples de pena feitos 
para ajudar o canto , lembrando aos 
monges se a música subia, d escia 
ou p ermanecia no mesmo tom. 
Neumas d iastemáticos, ou 
"aumentados", d av am maior clareza 
à notação do canto, formalizando as 
figuras d as notas e imaginando 
uma linha horizontal cruzando a 
página. Isso criava u m "horizonte" 
contra o qual o cantor pod ia 
descobrir o tom. A p esar d isso , 
neumas aumentados estav am 
sujeitos a mal-entendidos e era 
necessária mais precisão . 
Invenção da pauta 
A solução, cred itada a Guido 
d A rezzo , monge e teórico musical 
italiano (embora talvez só tenha 
formalizado o que já era prática 
corrente), foi desenhar quatro linhas 
na página, permitindo ao cantor 
estimar co m precisão o movimento 
da melodia. A notação de Guido às 
vezes tinha uma d as linhas em 
tinta amarela para mostrar a nota 
dó, e uma em vermelho para ind icar 
o fá, de modo que não só o tom 
A Mão Guidoniana foi um sistema 
inventado para ensinar aos monges o 
modo mais fácil de referir-se às vinte 
notas da música litúrgica medieval. 
fosse fixado de nota a nota, mas o 
cantor so ubesse num olhar em que 
nota começar. 
O tratado Miciologus (c. 1026), 
de Guido , descreve o recurso pelo 
qual hoje ele é mais conhecido , a 
Mão Guid o niana. Se u m cantor 
moderno tiver de se referir a uma 
nota, poderá figurar a série 
contínua de dó a si, repetida nas 
sete o itavas do piano. Para 
especificar u m dó em particular, ele 
poderá dizer "dó médio " (no meio do 
MÚSICA ANTIGA 1000-1400 25 
Ver também: Cantochão 22-23 • Orcto virtutum 26-27 • Le Jeu de Robin et deMaríon 32-35 • Great Service 52-53 « Vésperas, 
Monteverdi 64-69 • A Paixão segundo São Mateus 98-105 
éé 
Decidi colocar notações nesta 
antífona, para que qualquer 
pessoa inteligente e aplicada 
possa aprender um canto. 
Guido d'Arezzo 
99 
teclado). Porém, se essa não for a 
nota que tinha em mente, poderá 
dizer, por exemplo, "dó, na o itava 
ac ima do dó médio". 
Guido , que só precisava de duas 
o itavas e meia (vinte notas) para 
cobrir a amplitude vo cal dos cantos, 
usou as letras A a G para as sete 
notas, em seu sistema. O noviço 
ind icava a ponta do dedão esquerdo 
e cantava u m G (sol) grave. 
Deslizando o dedo para a junta 
média do dedão, sua voz ascenderia 
a A (lá) e assim por d iante subindo 
na escala, espiralando o dedo ao 
redor das juntas e pontas dos dedos, 
para ind icar todas as v inte notas 
(entrando no falsete conforme a 
espiral se estreitava e as o itavas 
subiam). 
Sílabas da solmização 
Guido apoiou essas setes letras em 
seis sílabas de "so lmização" - ut, 
ré, mi, fá, sol, lá - , um sistema para 
se referir a melodias de modo 
abstrato . Fo i o precursor do atual, 
mais familiar, sol-fá (dó, ré, mi, fá, 
sol, lá, si), mas as sílabas de Guido 
diferem porque a so lmização não 
usav a a nota si, de modo que só 
tem seis notas - um hexacorde. 
Conforme se ia além d as seis notas, 
o hexacorde tinha de ser repetido 
em padrões superpostos na 
extensão d as v inte notas d a Mão 
Guid o niana. Cad a nota terminava 
então co m um nome de letra básico 
e uma coordenada secundária, 
derivada d a posição única da nota 
na mão, para designar a o itava. 
O "dó médio " moderno se traduz 
em "C sol-fá-ut" na Mão Guid o niana 
O monge e teórico musical italiano 
Guido d'Arezzo usa coroa de louros no 
retrato pintado por Antonio Maria Crespi 
no início do século xvi, cerca de 
quinhentos anos após a morte de Guido. 
e o sol mais grave, usando o nome 
grego da letra, era "gama ut" - daí a 
expressão aind a em uso hoje, 
"percorrer toda a gama". 
O monge po d ia então 
facilmente especificar qualquer 
d as v inte no tas numa co nversa, 
por escrito ou simplesmente 
apontando sua mão . • 
Os modos 
D E F G A B C D 
A música o cidental herd o u u m a 
base teó rica fund amentad a nas 
práticas musicais d a Igreja 
inic ial, na Grécia, Síria e 
Bizâncio . Em alg um mo mento no 
século x, desenvo lveu-se o 
princípio dos "mo d o s" musicais 
(grupo s ou "escalas" de no tas), 
a p artir dos quais as várias 
melo d ias do canto chão (base do 
canto "gregoriano ", que logo 
surg iria) fo ram classif icad as. Os 
modos ajud av am os mo nges a 
lembrar as muitas obras 
litúrgicas. 
Os modos po d em ser to cados 
usand o só as no tas brancas do 
piano . Se vo cê to car seis escalas 
co mpletas de sete no tas, 
co meçand o a cad a vez u m a no ta 
depo is, isso lhe dará u m a id eia 
de como cad a modo básico d a 
Igreja so aria: em dó (modo jônio , 
que co rrespo nde à escala maior), 
ré (dórico), m i (frígio), fá (lídio), 
so l (mixolídio) e lá (eólio, 
co rrespo ndente à escala menor 
natural) . (O modo em "si " , às 
v ez es chamad o "lócrio", não era 
usad o na música o cidental na 
Id ad e Méd ia por ser d isso nante 
d emais.) 
A música fo i o rganizad a 
segund o essa teo ria mo d al até 
que, na épo ca dos compositores 
barro co s do século xvm, como 
Bac h e Hándel, o princípio 
"maio r" e "meno r" d a harmo nia 
to nal red uz iu o número de 
escalas, em essência, a apenas 
d uas. Dali em d iante, a música 
p asso u a ser c lassif icad a numa 
, "escala" p articular e não num 
dado "modo". 
DEVÍAMOS ENTOAR 
SALMOS COM UM 
SALTÉRIO DE DEZ CORDAS 
ORDO VIRTUTUM (c. 1151), HILDEGARDA DE BINGEN 
EM CO N TEXTO 
FO C O 
Compositoras antigas 
A N T E S 
c. 920 A s duas estrofes que se 
co nserv aram de Sendibíti (Uma 
mensagem mordaz), de Jó runn 
Skáldmaer, representam o mais 
longo po ema escáld ico (tipo de 
po esia no rueguesa 
possivelmente cantada) de u m a 
mulher. 
1150 E m Paris, a abad essa 
Hélo ise talvez tenha composto 
o d rama musical de Pásco a 
Ortolanus e a sequência p ascal 
Epithalamica, atribuídos ao 
teó logo Pierre A bélard . 
D EPO IS 
1180 Beatriz , co nd essa de Dia, 
escreve u m a co letânea de 
c inco trovas. A chantar m'er de 
so qu'eu no volria, c o m 
no taçõ es, se co nservo u. 
1210 Ju l iana de Liège pode ter 
escrito u m a música para a 
festa de Co rp us Christi que se 
d iz ter v ind o a ela nu m a visão . 
Uma d as vozes mais o riginais d a música sacra do início d a Idade Média 
foi a d a monja santa Hildegarda de 
Bingen, na A lemanha. Sua 
produção musical é d as maiores 
entre os compositores med ievais 
identificáveis. A co letânea 
Symphonia armonie celestium 
reveiationum (Sinfonia d a harmo nia 
da revelação celeste), por exemplo, 
inclui mais de setenta co mpo siçõ es 
de canto chão . 
Hildegarda tem uma visão divina. 
numa imagem de manuscrito do século 
xm. Ela está ao lado de Volmar de 
Disibodenberg (esq.) e sua confidente, 
Richardis von Stade. 
Santa Hild egard a teve como 
tutora uma jo vem visionária, Jutta 
de Spo nheim. Co m o apoio de 
Jutta e do monge Vo lmar, na 
A b ad ia de Disibo denberg, ela 
estudou os salmo s e pratico u o 
repertório de canto do ano 
MÚSICA ANTIGA 1000-1400 27 
Ver também: Le Jeu de Robin et de Marion 32-35 • Missa de Notre-Dame 36-37 • 
Missa LHomme armé 42 • The Wreckers 232-239 • Mie cathedrai 326 
litúrgico , aprendeu a tocar saltério 
( instrumento de cordas) e a 
escrever latim. Co mo Jutta, 
Hild egard a af irmava ter inspiração 
d iv ina, alegando nunca ter 
"aprendido neumas nem qualquer 
outra parte da música". Não se 
sabe quanto há de verdade nisso , 
mas Hild egard a po d ia estar 
tentando d isso ciar a si própria e a 
Jutta de uma ed ucação em geral 
indisponível a mulheres. Se no 
século XI I uma mulher d issesse 
co nhecer o trívium (artes retóricas) 
ou o quadiivium (ciências e teo ria 
d a música) ou fizesse uma 
interpretação d a Bíblia pod ia ser 
co nsiderada uma ameaça d ireta à 
autoridade masculina. 
Magnum opus 
A obra mais famo sa de 
Hild egard a, Ordo virtutum (A 
ordem d as v irtud es) , é a mais 
antiga p eça de mo ralid ad e 
remanescente e u m dos primeiro s 
d ramas music ais reg istrad o s. A 
obra co ntém mais de o itenta 
melo d ias e é provável que fosse 
representada pelas monjas d a 
ordem de Hild egard a. Co m mais 
de v inte papéis cantantes, trata 
d a luta entre d ezessete "V irtud es" 
(cuja rainha é a Humild ad e) e seu 
adversário , Diabo lus (o Demónio ), 
por u m a alm a (Anima). Diabo lus, 
talvez interpretado na o rigem pelo 
amigo e co p ista de Hild egard a, 
Vo lmar, carece de harmo nia e 
articula interjeiçõ es falad as. 
A s melodias que aco mpanham 
o manuscrito ind icam quando as 
Virtud es cantam como coro e dá 
música mais floreada às vozes solo. 
Quando as Virtud es se ad iantam 
para se apresentar, a música se 
torna mais expressiva e animad a, e 
as arrebatadoras linhas vo cais da 
éé 
O céu se abriu e uma luz de 
brilho extraordinário veio e 
permeou todo o meu cérebro 
[...] e de imediato eu soube o 
sentido da exposição das 
Escrituras. 
Hildegarda de Bingen 
t f 
Humilitas (Humildade), da Fed e (Fé) 
e da Spes (Esperança) insp iram as 
Virtud es irmãs a responder com 
ardor. Porém a notação o riginal v ai 
pouco além do essencial: a 
interpretação moderna desse 
esbo ço são gravações co m vio linos, 
flauta e aco mpanhamento s em 
harmo nia. 
Textos e divindade 
A s cartas de Hild eg ard a rev elam 
sua co nd ição de "v id ente e 
mística", que lhe d av a não só 
liberdade p ara aco nselhar (até o 
papa) como o po rtunid ad es de 
expressão musical . El a sempre 
enfatizav a a o rigem transcend ente 
de suas obras. A música a 
co nectav a a u m Éden perdido , 
antes de A dão e Ev a p recip itarem 
a Qued a d a humanid ad e ao comer 
o fruto pro ibido . Ela imag inav a 
seus texto s a serv iço d a música, 
de modo que "os que o uv em 
p o ssam aprender sobre co isas 
internas". • 
Hildegardade Bingen 
Fi lha mais no v a de u m a grande 
família d a p equena nobreza, 
Hild egard a, nascid a em 1098, 
passo u a primeira infância em 
Bermersheim, ao su l de Mainz , 
na A lemanha. Ti nha po uca 
saúde e já antes dos cinco ano s 
co meço u a ter visões, 
chamand o atenção d a família 
ao prever co m precisão a cor de 
u m bezerro que ia nascer. Co m 
oito anos foi entregue aos 
cuidado s de Jutta de 
Spo nheim, visionária que v iv ia 
como reclusa num eremitério 
perto d a A b ad ia de 
Disibo denberg. 
O eremitério de mulheres foi 
depois aberto a asp irantes a 
freiras, e aos catorze anos 
Hild egard a devotou a v id a a 
Deus como monja bened itina. 
Co m a morte de Jutta em 1136, 
Hild egard a, aos 38 anos, fo i 
eleita d ireto ra d a co munidade 
religiosa. Desempenho u o 
papel até a morte, em 1179, 
mas também encontrou tempo 
p ara escrever três vo lumes de 
obras científicas e de teo logia 
visionária, e po emas religiosos. 
O utra obra importante 
c. an o s 1150 Symphonia 
armonie celestium 
revelationum 
28 
CANTAR E 
ORAR DUAS 
VEZES 
MAGNUS LÍBER ORGANI (C. 1170), 
LÉONIN 
EM CO N TEXTO 
FO C O 
Surgimento da harmonia 
vocal 
A N T E S 
c. 1000 M ais de 160 organa, 
pro vavelmente escrito s por 
Wulfstan, chantre d a Cated ral 
de Winchester, são co ligidos 
no Winchester Troper. 
c. 1140 O Codex caiixtinus 
mencio na certo Mag ister 
A lbertus Parisiensis co mo 
compositor d a p rimeira obra 
p ara três vo zes co m no taçõ es. 
D EPO IS 
c. 1200 Pérotin aperfeiçoa e 
exp and e a obra de Léonin em 
Magnus líber organi. 
O desenvo lvimento da polifonia (música co m muitas camad as, para 
d iversas vozes) no século xu está 
intimamente ligado a Notre-Dame 
de Paris, a impressionante catedral 
que Maurice de Sully fez co nstruir 
quando se tornou bispo da cidade 
em 1160. Nessa época, Léonin, u m 
compositor francês, criava 
ornamentos inusitados a duas 
vozes para realçar o canto chão 
tradicional. Co m o patrocínio d a 
catedral, Léonin e vários outros 
compositores inovadores fo rmaram 
o que depois ficou conhecido como 
Esco la de Notre-Dame. 
Composição de organa 
Não há registros sobre Léonin até 
quase u m século após sua v id a, 
quando u m inglês que estud ava em 
Paris (conhecido na musico lo gia 
como A nónimo iv) escreveu sobre 
Master Léoninus. Ele o descreveu 
MÚSICA ANTIGA 1000-1400 29 
Ver também: Cantochão 22-23 • Miciologus 24-25 • Missa de Notre-Dame 36-37 • Canticum Canticorum 46-51 • Vésperas, 
Monteverdi 64-69 • Ein feste Burg ist unser Gott 78-79 
como o optimus organista (melhor 
compositor de organa, ou 
harmonizações vo cais) e autor do 
Magnus líber organi (Grande livro 
de organum), uma anto logia de 
música usad a pela catedral para 
so lenizar a liturgia. 
A nónimo iv escreve que o 
Magnus líber de Léonin foi usado 
até a época de Pérotin (o 1160-1205), 
tido como o melhor compositor de 
discantus - um organum co m 
contramelodias sobre o canto chão . 
Pérotin abreviou e melhorou os 
organa de Léonin, escreveu 
melhores clausuiae (episódios 
musicais inseridos no canto) e 
também compôs organa para três e 
quatro vozes. Segundo A nónimo iv, 
a música de Pérotin aind a era 
usada em Notre-Dame em sua 
épo ca (c. 1280). 
Harmonia antiga 
A ntes de Léonin, as harmo nias 
vo cais eram muito mais simples. 
Os teóricos chamam a atenção para 
a prática de cantar em partes a 
A nave de Notre-Dame de Paris 
foi concluída pouco após a morte de 
Maurice de Sully, em 1196. Léonin e 
Pérotin criaram suas obras dentro ou 
perto da nova catedral. 
partir da segund a metade do 
século ix, mas as etapas da 
evolução do canto harmónico não 
são claras. A Schola cantorum (coro) 
papal do século vn mantinha u m 
total de sete cantores: três scholae 
(académicos), um archiparaphonista 
(cantor de quarta ordem) e três 
paraphonistae, termo grego que 
significa "aquele que canta junto 
co m o cantochão". A lg uns 
musicó logos acred itam que isso 
ind ique u m cantor especializado 
em um papel harmonizador. 
A técnica mais simples de 
harmo nização era o cantor 
sustentar a finalis (nota principal) 
do modo da p eça de forma 
contínua sob o canto chão . El a 
seria cantad a co m o so m de uma 
vo gal aberta, talvez mud and o às 
vezes para um tom v iz inho , para 
criar uma relação mais agradável 
co m o canto chão antes de voltar à 
finalis. A s tradições que envo lvem 
aco mpanhamento co m nota fixa 
aind a são o uvidas hoje na música 
qawwali sufi muçulmana da índia e 
do Paquistão , e na de gaita de foles. 
Um som pecaminoso 
A mudança para a polifonia não foi 
bem recebida por todos. Na Igreja, 
alguns objetaram aos novos 
métodos - em especial o cardeal 
Robert de Courçon, que critico u os 
escritores de organum alegando 
que essa nova música era 
efeminada. Em Summa, ele 
escreveu que, "se um prelado 
licencioso dá benefícios a tais 
cantores licenciosos para que esse » 
Monges cistercienses na Abadia 
Zwettl, na Áustria, praticam canto coral 
nesta miniatura com notações do 
Graduale cisterciense (c. 1268). Um 
graduale é um canto ou hino litúrgico. 
30 EVOLUÇÃO DA HARMONIA VOCAL 
A AJIeJuia nativitas, de Pérotin, foi 
escrita para três vozes. Como se vê 
aqui, na época o número de linhas na 
pauta não era fixo: elas davam apenas 
ideia aproximada da "altura" das notas. 
tipo de música licencio sa e de 
menestréis seja o uvida em sua 
igreja, creio que se co ntamina da 
doença de simonia". 
A titud es como a de Courçon, 
que asso c iav a o entrelaçamento de 
vozes masculinas d a po lifonia à 
so do mia, buscaram desacred itar o 
novo estilo musical ligando-o ao 
pecado . 
Dois manuais 
A s primeiras obras que tentaram 
exp licar a harmo nia v o cal foram 
Musica enchiríadis (Manual de 
música), de c. 900, e seu par 
Scholia enchiríadis. O método de 
harmo nização mais simples 
ilustrado por seu autor era cantar 
em o itavas. Essa técnica era 
co nhecid a como magadis na 
Grécia antiga e ocorre 
naturalmente quando ho mens e 
menino s cantam em uníssono . O 
uso de uma harmo nia básica 
paralela ao canto o rig inal se 
chamav a "organum simp les" nos 
do is manuais. Scholia enchiríadis 
é é 
Mestres do organum [...] 
apresentam coisas efeminadas 
e de menestréis a pessoas 
jovens e ignorantes. 
Robert de Courçon 
Cardeal inglês 
(c. 1160-1219) 
f f 
também ind ica u m método 
híbrido, em que a vox organalis 
(voz de aco mpanhamento ) ou 
sustenta um tom ou se mo ve em 
harmo nia paralela co m a vox 
principalis (voz principal), antes de 
voltar ao unísso no co m o 
canto chão no fim d as frases. 
Embo ra o organum simples 
envo lva mais de u m a voz, esse 
canto em o itavas não é em geral 
descrito por autores modernos 
como "polifonia", porque as duas 
partes não são independentes. 
Criar harmo nia apenas seguindo a 
melod ia em outra o itava (ou outro 
intervalo harmónico ) escrav iza a 
parte harmo nizado ra à fo rma e ao 
mo vimento do canto chão . O 
objetivo é enriquecer o so m do 
canto chão , mas a técnica tem 
po uca sutileza. Os musicó logos 
preferem descrevê-la como uma 
versão d a "hetero fonia" 
(o rnamentação de uma linha). 
Exemplos dispersos 
Uma peça breve de organum para 
duas vozes independentes (Sancte 
Bonifati Martyr, São Bonifácio 
Mártir) veio a luz em 2014 na parte 
de trás de u m manuscrito da 
Biblio teca Britânica que pode datar 
de c. 900. Ela parece demonstrar 
que alguns cantores no noroeste da 
A lemanha já tinham aderido a esse 
estilo híbrido de organum no fim do 
século ix. Embo ra seja u m exemplo 
isolado, concluiu-se que é a mais 
antiga p eça co m no taçõ es de 
música polifônica para execução 
remanescente. 
O Winchester Troper (c. 1000), 
manuscrito em dois livros na 
Catedral de Winchester, copiado de 
fontes francesas algumas d écad as 
MÚSICA ANTIGA 1000-1400 31 
Evolução da 
harmonia vocal 
Cantochão: 
Uma só linha vocal, sem 
aco mpanhamento , em ritmo 
livre, como a fala. 
Organum: 
Adição de uma 
segunda voz numa 
oitava diferente, 
paralela à primeira voz. 
TContraponto: 
O entrel açamento de tocar 
ou de cantar 
simultaneamente. 
Harmonia: 
Três ou mais notas musicais 
cantadas simultaneamente, 
criando um acorde. 
após o Sancte Bonifati Martyr, dá 
um retrato d a v id a musical 
mo nástica na Inglaterra antes d a 
co nquista normanda. Embo ra o 
segundo vo lume contenha 174 
organa (perfazendo o primeiro 
corpus substancial de co mpo siçõ es 
polifônicas), a notação assume que 
o cantor já co nheça o repertório. Os 
neumas sozinhos não dão uma 
indicação precisa d a altura do tom, 
tanto d a melodia do canto chão 
original como da vox organalis 
harmonizante, tornando difícil a 
transcrição acurad a dessas peças. 
Um século após o Winchester 
Troper, a Esco la de São Marçal de 
Limo ges explorou a polifonia de 
quatro manuscrito s franceses com 
noventa p eças (c. 1120-1180) e do 
Codex calixtinus (c. 1140), de 
Santiago de Compostela, no 
noroeste espanho l. A no tação d essa 
"polifonia aquitânica" era menos 
ambígua em tom que o Troper e 
ind ica que a maior parte do 
repertório era cantada co m u m 
ritmo. A s p eças são em geral para 
dois cantores, em estilo mais 
melismático , em que a voz mais 
aguda às vezes tem muitas notas, 
cantadas sobre uma voz mais grave 
menos ativa. O Codex calixtinus 
contém o que pode ser a primeira 
composição para três vozes com 
notações, a Congaudeant catholici. 
A Escola de Notre-Dame 
Co m a co nstrução d a Cated ral de 
No tre-Dame na lie de la Cité, em 
Paris, surg iu o estilo do descante, 
dando mais liberdade à voz mais 
aguda dos organa. Os do is 
cantores se separaram em u m 
so lista floreado e uma voz de 
aco mpanhamento que sustentav a 
longas notas. Essa d istinção se 
refletiu nos novos nomes de tenor 
(o que mantém) e duplum 
(segund a voz). 
Nessa época, Léonin introduziu 
um grau maior de organização 
rítmica em suas composições, 
regulando o fluxo do metro numa 
forma antiga de "ritmo modal". Em 
sua versão madura, o ritmo modal 
punha em marcha a melod ia 
Acredita-se que Pérotin, chamado 
por Anónimo ív de Pérotin Magister 
(Pérotin, o Mestre), viveu de c. 1160 a 
1230. Ele é representado aqui com os 
sinos da catedral Notre-Dame de Paris. 
éé 
[Pérotin] punha notações em 
seus livros seguindo fielmente 
o uso e o costume de seu 
mestre, e ainda melhor. 
Anónimo ív 
segundo u m de seis padrões 
métricos (troqueu, iambo e assim 
por d iante, relacionados à métrica 
poética clássica), ind icados por 
duas formas de nota, longa e brevis. 
A duração da nota dependia do 
contexto . O desenvo lvimento por 
Léonin do organum em descante 
deve muito a essa inovação . 
Pérotin, o sucessor de Léonin no 
estilo parisiense de descante, foi 
um pouco além, compondo 
organum triplo e até quádruplo, 
para três e quatro vozes 
respectivamente. Proclamando sua 
glória, o bispo de Paris decretou em 
1198 que as obras para quatro vozes 
Viderunt omnes e Sederunt 
príncipes, de Pérotin, fossem 
executadas no Natal, no d ia de 
santo Estêvão (26 de dezembro) e 
no d ia de A no -Novo . • 
32 
TANDARADEI, 
CANTOU DOCE 
O ROUXINOL 
LE JEU DE ROBIN ET DE MARION (1280-1283), 
ADAM DE LA HALLE 
EM CO N TEXTO 
FO C O 
M úsica medieval profana 
A N T E S 
c. 1160 Surge em Paris e 
Beauv ais a Festum stultorum 
(Festa dos Tolos), como u m a 
oportunidade, no Natal, p ara 
que os clérigos se p ermitam 
u m a paródia d a liturg ia. 
c. 1230 Lu d u s Danielis (A 
p eça de Daniel) é escrita em 
Beauv ais co mo u m d rama 
litúrgico em latim. 
D EPO IS 
Fi m do século xiv Co meça 
em York e Wakefield , na 
Inglaterra, o ciclo anual d as 
Peças de Mistério -
representaçõ es de cenas 
bíblicas co m música. 
Sabe-se que d iversas tradições musicais floresceram nas cidades e 
v ilas da Idade Média, assim como 
nas cortes nobres, mas quase nad a 
da notação dessas músicas 
populares se conservou. Embo ra a 
Igreja usasse escribas para 
controlar e registrar seu próprio 
repertório para a posteridade, a 
maior parte da música profana era 
passada oralmente. A falta de fontes 
escritas entre as pessoas comuns, 
porém, não é só consequência do 
analfabetismo. Para muitos músicos 
de dança e cantores de obras épicas, 
um texto escrito não refletiria a 
natureza improvisatória e hábil de 
sua profissão, aperfeiçoada por 
gerações de artistas hereditários. 
Mais ainda, ao registrar suas obras 
num manuscrito eles se arriscav am 
a entregar seu precioso repertório a 
rivais. A s fontes da música profana 
MUSICA ANTIGA 1000-1400 33 
Le Jeu de Robin et de Marion foi ao 
palco em São Petersburgo, na Rússia, 
em 1907. O cenário foi feito em 
aquarela por Mstislav Dobujínski. 
europeia tendem a ser encontradas 
onde os estilos populares 
despertaram o interesse da Igreja ou 
da nobreza. Os cruzados do sul da 
França acharam os estilos altamente 
desenvolvidos de música 
instrumental e vo cal que 
encontraram na Terra Santa 
especialmente atraentes, e esse foi 
um período de grande troca cultural, 
além de conflitos e hostilidade. 
Línguas e influências 
A música profana med ieval 
apresenta identidades poéticas 
d istintas, ligadas a línguas 
regionais. Duas línguas francesas 
med ievais surg iram do latim: a 
langue doe ou occitano no sul da 
França e norte da Esp anha (onde oc 
quer dizer "sim") e a langue doil, ao 
norte do Lo ire (onde oil quer dizer 
"sim"). Cad a uma delas tinha sua 
tradição bárdica: o sul tinha a 
música do trobador e da trobairítz 
(feminino), enquanto o norte usav a 
a palavra trouvère, palavras que 
devem ter derivado do antigo 
francês trobai, "encontrar" ou 
"inventar" (uma música). Uma raiz 
alternativa pode ser a palavra árabe 
tarab, "fonte de alegria". Diz -se que 
u m dos primeiros trovadores, 
Guilherme ix, duque da A quitânia, 
cantou "em verso co m melodias 
agradáveis" sobre a experiência de 
liderar a assim chamad a Cruzad a 
do Temeroso para a Anató lia (hoje 
Turquia) em 1101. Suas cançõ es são 
claramente influenciadas pelas 
co nvençõ es poéticas árabes, em 
particular as formas musicais 
populares d a mo achaha e do zajal. 
Uma peça com música 
A d am de la Halle, músico do século 
xm, tem sido descrito como trouvère. 
Halle provavelmente escreveu Le 
Jeu de Robin et de Marion (A peça 
A dam de la Halle 
O músico francês A d am de la 
Halle nasceu na cidade tecelã 
de A rras em 1222 e cresceu 
aprendendo música como 
parte de sua ed ucação 
teo ló gica na A b ad ia de 
Vaucelles, fund ad a só u m 
século antes. Seu p ai esp erav a 
que entrasse p ara a Igreja, 
mas ele esco lheu u m caminho 
d iverso . A pó s u m breve 
casamento , inscreveu-se na 
Univ ersid ad e de Paris, onde, 
entre o utras co isas, aprend eu 
as técnicas po lifônicas que 
ap licaria depo is a género s 
musicais po pulares. 
A princípio Halle uso u sua 
po esia p ara criticar a 
ad ministração co rrupta de 
A rras, mas depo is entro u a 
serviço d a no breza. Fo i 
trabalhand o p ara Carlo s de 
A njo u, o q ual se to rno u rei de 
Nápoles, que ele escrev eu Le 
Jeu de Robin et de Marion. 
Mo rreu po uco s ano s depo is, 
entre 1285 e 1288. 
Outras obras importantes 
Data desconhecida Mout me 
fu grief/Robin m'aime/Portare 
(Grand e fo i m inha tristeza/ 
Ro bin me ama/ Po rtare) 
Data desconhecida A Jointes 
Mains vous proi (Pegue minha 
mão , suplico ) 
de Robin e de Marion) para seus 
amigo s franceses como parte de 
uma celebração de Natal em 
Nápoles em 1284. Nobres franceses 
tinham se refugiado lá após a 
Sicília ter destronado Carlos i de 
A njo u (mecenas de A d am) num 
golpe sangrento na Páscoa. A p eça 
conta a história de uma donzela do 
campo que é cortejada por um 
cavalheiro libidinoso , mas 
permanece fiel a seu amado Robin. » 
34 MÚSICA SECULAR MEDIEVAL 
Os personagens-título 
desempenham a parte principal d a 
música, em cançõ es monofônicas 
que Halle criou ajustando suas 
próprias letras a cançõ es de estilo 
popular. A lguns a chamaram de 
"primeira ópera-cômica", embora 
plateias modernas po ssam 
Henrique de Meissen se apresenta na 
corte no Codex Manesse(1300). Ele era 
chamado de Frauenlob (louvor das 
mulheres) por suas canções de cavalaria. 
identificá-la mais a uma panto mima 
(peça de texto falado com músicas). 
A comédia de Halle não conhecia 
limites - ele zombava d a Igreja e de 
seus clérigos corruptos, do povo de 
A rras, onde v iv ia e trabalhava, e 
mesmo de sua própria família e v id a. 
Contos de cavalaria 
A s músicas dos trobadors e dos 
trouvères se enraízam na cultura 
medieval do fín d'amor (amor 
cortesão) - o código de etiqueta entre 
um cavaleiro e uma dama idealizada, 
baseado nos princípios de lealdade e 
fidelidade que definiam a v id a nobre. 
O Robin e a Marion de Halle jogam 
com essa ideia ao representar um 
cavaleiro tentando cortejar seu amor, 
mas também mostram a influência 
da tradição pastoral francesa da 
contação de histórias. A poesia do 
trobador sobreviveu bem: mais de 2 
mil poemas se conservaram, 
compostos por mais de 450 poetas 
conhecidos. Porém a informação 
sobre o acompanhamento musical 
dessas obras é irregular, e meros 10% 
dos poemas têm notações de 
melodias associadas. A atividade 
trouvère no norte da França começou 
com o poeta Chrétien de Troyes, no 
século xm, cerca de setenta anos após 
o primeiro trobador no sul. O número 
de músicas trouvère remanescentes é 
similar ao corpus do sul, porém mais 
de 60% das obras trouvère têm 
música - ainda que sem informação 
precisa sobre o ritmo. 
Sul da Europa 
Enquanto os trobadors e trouvères 
eram um grupo distinto de poetas 
cortesãos que escreviam em géneros 
específicos, havia grande número de 
artistas menores com atividades 
variadas. No sul da Europa um 
músico podia receber o nome de 
Quando vejo a cotovia 
Voar em direção ao sol [...] 
E um assombro que o coração 
Não derreta de anseio 
com a visão. 
Bernart de Ventadorn 
f f 
MÚSICA ANTIGA 1000-1400 35 
joglar ou joglaresa. enquanto seus 
colegas do norte eram chamados de 
jongleurs. As habilidades desses 
músicos abrangiam façanhas de 
destreza, fluência em qualquer 
instrumento para acompanhar a 
dança, interpretação de canções de 
amor e heróis ou simplesmente fazer 
o papel do bobo. No entanto, apesar 
da alegria que traziam, os artistas 
itinerantes não só ocupavam o 
degrau mais baixo da escala social 
como eram excluídos da proteção da 
lei. Um exemplo de música de joglar é 
a obra de Martin Co dax (c. 1250), 
escrita no estilo de cantiga de 
amigo, género que contava histórias 
do ponto de v ista feminino . Codax, 
por exemplo, evoca as emo çõ es de 
uma mulher numa praia em Vigo 
(centro pesqueiro da Galícia, na 
Espanha), esperando que seu amado 
volte do mar. 
Jogadores de taverna 
Outro tipo de músico medieval da 
época, os goliardos, tinha muito em 
co mum co m os músicos itinerantes, 
mas eram, na verdade, clérigos 
desempregados conhecidos por 
tocar em tavernas cançõ es 
obscenas que satirizavam a 
sociedade em todos os níveis. 
O manuscrito de Carmina Burana 
(c. 1200-1300) é a principal fonte 
remanescente de música goliarda. 
Já o nome "menestrel" designa u m 
"pequeno ministro " em serviço 
talvez na corte ou numa cidade. 
Contando com habilidades musicais 
muito aprimoradas e podendo 
solicitar a proteção de um mecenas, 
um menestrel talvez escapasse um 
pouco da humilhação que era 
muitas vezes d irigida a um jongleur. 
No século xiv, porém, o termo 
"menestrel" foi usado cada vez mais 
na França para descrever todos os 
músicos urbanos - muitos dos quais 
to cavam em tavernas ou nas ruas. 
Na Alemanha 
O género de amor cortesão se 
d ifundiu da Euro pa latina para os 
povos falantes de alemão, onde o 
Minnesinger entoava cançõ es sobre 
romances de cavalaria. Como seu 
correspondente francês, ele era bem-
-vindo em casas nobres como um 
igual social e exemplos de antigos 
Minnelieder (canções de amor) 
ind icam que músicas de trouvère 
eram conhecidas na A lemanha. Por 
volta de 1200, o estilo assegurou 
uma identidade mais forte -
retratada na obra de Walther von 
Vogelweide - , mas, comparados às 
obras das tradições francesa e 
italiana, poucos Minnelieder com 
suas melodias se mantiveram. • 
Instrumentos 
medievais 
Muito s dos instrumento s d a 
música med iev al euro peia têm 
raízes no norte d a Á frica, Á sia 
central e Bálcãs. Eles incluem 
o alaúde ( instrumento de 
co rdas co m a parte de trás 
semelhante ao casco de u m a 
tartaruga) , o rebeque 
( instrumento co m arco , em 
fo rma de co lher) e a charamela 
(precurso ra do oboé). O 
tambo ril euro peu lembra a 
tabla ind iana, e o nacara se 
relacio na ao naqqara (timbale) 
asiático . É provável que a 
p alav ra " fanfarra" d erive do 
árabe anfar, "tro mpetes". 
Os po etas antigo s muitas 
v ez es se ac o mp anhav am d a 
v iela, instrumento de co rd as 
co m arco que se p o usa na 
clav ícula. Um a v iela p o d ia ter 
de três a seis co rd as que 
p assav am sobre u m a ponte 
(apoio de co rd as) p lana. Isso 
p ro p ic iav a u m estilo 
harmó nico de execução , co m 
muitas co rd as so ando juntas 
- d iv ersamente d a ponte do 
v io lino mo derno , que p ermite 
fazer soar co rd as ind iv id uais, 
favo recend o assim a melo d ia. 
Músicos laicos 
europeus 
H av i a categori as 
distintas de 
músicos, definidos 
por condição social 
e público típico. 
Trovadores Poetas o 
compositores que 
apresentavam canções para 
a nobreza inspiradas na 
cultura do amor cortesão. 
Jo ng l eurs Contadores de 
histórias, malabaristas e 
acrobatas itinerantes de 
baixa origem, que também 
dançavam e cantavam. 
G ol i ardos Cantores 
itinerantes que antes eram 
clérigos. Cantavam muitas 
vezes músicas obscenas e 
poemas satíricos a cappella. 
M e n e s t ré i s M úsicos 
que de início se 
apresentavam para a 
nobreza e depois em 
esquinas e tavernas. 
EM CO N TEXTO 
FO C O 
Polifonia e revolução da 
notação 
A N T E S 
c. 1320 A Missa de Toumai é 
a p rimeira a usar a po lifonia 
("muitos sons"). 
c. 1350 A Missa de Toulouse 
junta mo v imento s po lifônicos 
de m issa arranjados a partir de 
antigo s motetos (p eças co rais 
curtas sem aco mpanhamento ). 
D EPO IS 
1415-1421 O OldHall 
Manuscript c o ntém vário s 
arranjo s po lifô nico s do Kyhe, 
à mo d a ing lesa de elabo ração 
d essa p arte d a m i ssa. 
anos 1440 A Caput é u m a 
antiga missa de u m compositor 
inglês que usa u m cantus 
Brmus (música fixa) ao redor do 
qual outras melod ias se 
baseiam. Inclui u m a voz grave 
abaixo d a do tenor - u m a d as 
primeiras co mpo siçõ es co m 
u m a parte para baixo . 
A MÚSICA E UM 
CONHECIMENTO QUE FAZ 
RIR, CANTAR E DANÇAR 
MISSA DE NOTRE-DAME (c l 360-1365), 
GUILLAUME DE MACHAUT 
O século xiv foi um dos períodos mais turbulentos d a história med ieval. A 
Pequena Era do Gelo , iniciad a por 
vo lta de 1300, resultou em co lheitas 
frustradas e fome, inclusive a 
Grande Fome de 1312-1317, e a 
Peste Negra matou até 60% d a 
população da Euro pa. 
A extrema turbulência so cial, 
eco nó mica e ambiental imp acto u 
as certezas relig io sas. Erud ito s 
como o clérigo e c ientista francês 
Nico le Oresme (c. 1320-1382) 
co meçaram a imag inar u m 
univ erso m ais co mplexo que a 
visão basead a na fé do mund o 
natural. A música, que já aceitav a 
a po lifonia, também foi 
inf luenciad a por esse modo de 
pensar e exp lo d iu numa no va 
co mplexid ad e métrica quand o u m 
co lega francês de Oresme, o 
composito r e matemático Philip p e 
de Vitry (1291-1361), crio u u m 
méto do preciso de no tação do 
ritmo . 
Uma nova ordem de ritmo 
O novo estilo se to rnou co nhecid o 
como A rs No va. a p artir do 
tratado A r s nova notandi (A no va 
arte de no tação ), de Vitry , 
publicado em 1322. 
Vitry co mpô s p eças vo cais para 
demonstrar a nova notação na 
forma de motetos (composições 
polifônicas baseadas em uma 
melodia e um texto , com outras 
vozes trazendo diferentes palavras 
e melodias). Cad a u m dos motetos 
de Vitry, dos quais só doze se 
co nservaram, mostrava aspecto s 
d iversos da técnica co nhecida hoje 
Músicos em iluminura úc 
manuscritode 1316 de Le Roman de 
Fauvei, poema francês de Gervais du 
Bus intercalado com algumas das 
primeiras músicas da Ars Nova. 
MÚSICA ANTIGA 1000-1400 37 
Ver também: Magnus libei organi 28-31 «Missa LHomme aimé 42 • Missa 
Pange língua 43 • Canticum Canticoium 46-51 • Vésperas, Monteverdi 64-69 
éé 
Alguns discípulos da Arte 
Nova estão preocupados com 
a divisão medida do tempo [...]. 
Proibimos esses métodos. 
Papa João xxn 
éé 
como isorritmo (do grego, "mesmo 
ritmo"), que buscav a dar estrutura a 
co mpo siçõ es extensas. 
Vitry to mava uma série de notas 
em voz tenor (chamada cor) e 
ap licava a ela u m padrão rítmico 
(talea). Como em geral a talea 
(ritmo) era mais curta que a cor 
(melodia), pod ia ser preciso fazer 
vários ciclos da talea para igualar 
uma repetição d a cor. 
A Igreja não era apaixo nada pela 
A rs No va, e o papa Jo ão xxn 
condenou-a num decreto de 1323. O 
clero estava alarmado co m o papel 
do estilo na secularização do 
moteto, antes puramente sagrado e 
agora adotado como u m modo de 
comentar eventos d a épo ca. O 
poema satírico Le Roman de Fauvei 
(c. 1316), por exemplo, contém 130 
obras musicais, entre elas cinco 
motetos de Vitry. 
A p esar d a oposição religiosa, a 
precisão d a nova notação abriu a 
porta a experimentos em ritmo e 
métrica. Eles podem ser ouvidos 
nos ritmos intricados e mutantes 
das obras dos italianos Matteo d a 
Perugia e Philippus de Caserta e do 
compositor francês Baude Cordier 
(todos ativos por vo lta de 1400), no 
estilo hoje conhecido como A rs 
Subtilior (A rte A ind a Mais Sutil). 
A A rs No va se estabeleceu e 
formou a base do desenvo lvimento 
da notação rítmica da música 
ocidental. 
Mudanças na missa 
A s ideias de Vitry talvez tenham 
tido seu maior florescimento na 
música de Guillaume de Machaut, 
compositor e poeta do século xiv. 
Machaut usou as mesmas técnicas 
de isorritmo em seus motetos e nos 
movimentos Kyrie, Santus, Agnus 
Dei e Jte, missa est de sua Missa de 
Notre-Dame, o primeiro arranjo 
conhecido de música polifônica 
para um ciclo completo de missa de 
um único compositor. A lém de 
empregar o isorritmo para unificar 
elementos d a missa, Machaud usou 
u m canto chão cantus Srmus 
(música fixa) como melodia de 
ligação dos movimentos, d a qual 
outras se desenvo lvem, e 
acrescentou um contratenor para 
aumentar o número de vozes de 
três - o tradicional - para quatro, 
mais rico e mais expansivo . 
Machaut asseguro u seu legado 
artístico cuidando co m atenção de 
sua produção e co ligindo suas 
obras em manuscrito s. A lém de sua 
importância como compositor, 
Machaut foi u m dos maiores poetas 
franceses med ievais, produzindo 
vastas narrativas po éticas na forma 
de lais (versos de oito sílabas) e dits 
(poemas sem música). Ele também 
desenvo lveu géneros poéticos mais 
curtos com frases repetidas, ou 
refrões, como a ballade, o rondeau e 
o virelai, que se to rnaram veículos 
de expressão populares entre 
poetas e compositores d as gerações 
seguintes. • 
Guillaume de M achaut 
Nascid o na região d a 
Champ ag ne, na França, por 
vo lta de 1300, Machaut p asso u 
grand e p arte d a v id a ao redor 
d a cidade pró xima de Reims. 
A pó s to mar as o rdens 
relig io sas, em 1323 ele 
integro u a co rte de Jo ão de 
Luxemburg o , rei d a Bo émia, 
v iajand o co m ele p ela Euro p a 
o riental e p ela Itália como seu 
capelão e secretário . Por meio 
do rei Jo ão , Machaut obteve 
benefício s lucrativo s, como 
có nego d as cated rais de 
Verd un em 1330, A rras em 
1332 e Reims em 1337. 
A pós a morte do rei Jo ão na 
Batalha de Crécy, em 1346, 
Machaut obteve a pro teção de 
Bo nne de Luxemburg o 
(segund a filha do rei Jo ão , o 
Cego ) e de Carlo s n, rei de 
Nav arra, na Esp anha. Passo u 
os anos finais em Reims, 
superv isio nando a compilação 
de suas obras. Mo rreu em 1377 
e foi enterrado na Cated ral de 
Reims. 
Outras obras importantes 
c. anos 1330: Douce dame jolie 
(virelai) 
c. anos 1340: Rose, Hz, 
príntemps, verdure (rondeau) 
c. anos 1340: Voirdit 
40 INTRODUÇÃO 
A Rex seculorum é composta 
como uma missa de cantus 
ãrmus no influente estilo 
inglês, atribuído a John 
Dunstaple ou a Leonel 
Power 
O compositor 
franco-flamengo 
Josquin Desprez 
coloca música no 
Ordinário em sua missa 
Pange língua. 
Thomas Tallis 
compõe o moteto de 
quarenta partes Spem 
in alium, com oito 
coros de cinco 
vozes cada. 
A A 
c. 1430 c. 1515 c. 1570 
c. 1460 
i 
1568 
I 
1572 
Guillaume Dufay 
compõe a missa 
LHomme aimé, usando 
o terceiro intervalo da 
escala para criar um 
som doce. 
O compositor italiano 
Alessandro Striggio 
estreia o moteto Ecce 
beatam lucem em 
Munique, na Alemanha. 
O italiano Tomás 
Luis de Victoria 
elabora sua primeira 
coletânea de motetos 
enquanto trabalha em 
Roma. 
O movimento cultural chamado Renascimento surg iu na Itália já no 
século xiv. Porém um estilo de 
música renascentista d istinto só se 
manifesto u alguns anos depois. 
Flo resceu primeiro nos Países 
Baixo s, na corte de Filipe, o Bom, 
da Borgonha (1396-1467). A pesar 
de franco-flamengos por 
nascimento , os compositores ali 
eram cosmopolitas por natureza. 
O principal nome d a esco la franco-
-flamenga, Guillaume Dufay, 
inspirado pela po lifonia da A rs 
No va que ouvira na Itália, achou 
u m modo de romper co m o estilo 
med ieval e co meço u a definrr a 
música do Renascimento . 
Um a d as ino vaçõ es de Dufay 
foi o uso do cantus ãrmus, a 
técnica de compor u m a p eça 
po lifônica ao redor de u m a 
melo d ia de canto chão . Eco and o a 
tend ência renascentista p ara a 
crescente secularização , ele 
co meço u a usar melo d ias pro fanas 
em v ez do canto chão como base 
p ara suas missas, que tinham 
estilo po lifônico ricamente 
expressivo . Ele e outros 
co mpo sito res da corte 
bo rgo nhesa, como Gilles Bincho is, 
Jo hannes Ockeg hem e u m dos 
melhores autores do início do 
Renascimento , Jo sq u in Desprez , 
não se l imitaram à música sacra, 
escrevend o também motetos e 
' cançõ es pro fanas. 
Novo desafio 
A esco la franco -flamenga de 
po lifonia dominou a música do 
início do Renascimento , mas no 
século xv i isso mudou 
drasticamente. O poder que a Igreja 
Católica tivera na épo ca med ieval 
estava sendo contestado e em 1517 
Martinho Lutero deflagrou a 
Reforma. Muito s se converteram ao 
pro testantismo no norte europeu, 
onde os ofícios religiosos eram 
v isto s de modo muito diferente, 
preferindo-se hino s e melodias 
simples para a co ngregação cantar 
a missas polifônicas entoadas só 
pelo coro. Tal música se tornou a 
base de u m a tradição musical 
germânica d istinta. 
A Reforma, porém, provocou 
u m a reação no mundo cató lico - a 
Contrarrefo rma - , co m que a Igreja 
defendeu alg umas de suas práticas 
e analiso u e reformulou outras. Um 
dos objetos de exame foi a música 
dos o fícios religiosos. Muito s na 
Igreja Cató lica sentiam incómodo 
co m a po lifonia co mplexa que era 
moda, já que tantas vo zes 
RENASCIMENTO 1400-1600 41 
William Byrd compõe 
Great Service para uso em 
ocasiões formais na Capela 
Real de Sua Majestade, no 
Hampton Court Palace. 
A 
c. 1580-1590 
O compositor veneziano 
Giovanni Bassano publica 
sua coletânea de quatro 
partes Ricercare, passaggi et 
cadentie, a ser tocada no 
estilo de um étude. 
A 
1585 
Thomas Weelkes 
compõe O Care, Thou 
Wilt Despatch Me como 
parte de sua obra mais 
famosa - uma coletânea 
de madrigais. 
A 
1600 
1584 
Giovanni Pierluigi da 
Palestrina escreve 
Canticum Canticorum, 
coletânea de motetos 
baseada em trechos do 
Cântico dos Cânticos bíblico. 
1597 
I 
1604 
O organista italiano 
Giovanni Gabrieli usa 
dinâmica forte e suave 
em Sonata pian' e forte. 
V 
Lachrímae, de 
John Dowland, 
usa dissonância 
para evocar uma 
atmosfera de 
melancolia. 
cantand o linhas meló d icas 
d iversas to rnavam as palavras 
ininteligíveis. Os compositores 
foram aco nselhado s a moderar seu 
estilo , precipitando a adoção de 
uma po lifoniarelativamente 
simples que ev itav a as harmo nias 
às vezes d isso nantes d a música 
polifônica e enfatizando a nitidez 
das palavras. Esse estilo mais 
claro e de so m mais doce 
caracterizo u a música d ita do A lto 
Renascimento . 
Entre os primeiros compositores 
a adotar o estilo estava Gio v anni 
Pierluigi da Palestrina, que compôs 
inúmeros motetos e missas para 
igrejas de Ro ma. Compositores de 
toda a Euro pa acorreram à Itália 
para absorver o novo so m e levá-lo a 
seus países. Na Inglaterra, ele foi 
adotado por compositores como 
Tho mas Tallis e W illiam By rd . 
Música instrumental 
Não só a música de Igreja estava 
mudando . No fim do século xiv, 
quase não hav ia menestréis 
itinerantes, devido à d evastação 
d a Peste Negra. Eles foram 
atraídos para as cortes 
aristo cráticas, onde fo rneciam 
entretenimento , entoando cançõ es 
e to cando música para d ança e 
cerimó nias c iv is, como a po sse de 
u m novo doge em Veneza. 
N u m a so cied ad e mais laica, a 
música instrumental se to rnou 
popular não só nas co rtes mas na 
crescente c lasse méd ia instruída, 
criand o u m a d emand a por música 
p ara tocar em casa, tanto em 
consorts (grupos) de v io las d a 
g amba e flautas do ces quanto em 
solos de instrumento s de teclado 
como o cravo . Graças ao 
surg imento d a técnica mecânica 
de impressão , as p artituras 
também ficaram facilmente 
d ispo níveis, e o novo estilo se 
espalho u pela Euro p a. Os 
mad rig ais, p ara pequeno s grupo s 
de canto res, se to rnaram u m a 
fo rma popular de entretenimento 
no lar, em esp ec ial na Itália e na 
Inglaterra. 
Os compositores e o público , 
porém, já exp erimentav am outra 
forma no fim do século xv i, e u m 
estilo dramático novo foi 
anunciad o pelas obras de Gio v anni 
Gabrieli em Ro ma. A s últimas 
grandes p eças co mpo stas no estilo 
renascentista foram Officium 
defunctorum, de To más Lu i s de 
Victo ria, e Lachrímae, de Jo hn 
Do w land , ad equad as ao fim de 
u m a era. • 
EM CO N TEXTO 
FO C O 
N ovas harmonias 
A N T E S 
1 4 3 0 O inglês Leo nel Po w er 
co mp õ e Alma redemptoris 
mater, talvez a p rimeira m issa 
a usar u m cantus fírmus -
(música fixa) identificável 
co mo base de su a estrutura 
melód ica. 
1 4 3 0 A Rex seculorum, m issa 
de cantus fírmus no estilo 
inglês, é co mpo sta por Jo hn 
Dunstap le o u por Leo nel 
Pow er. 
D EPO IS 
1 5 7 0 O italiano Gio v anni 
Palestrina p ublica u m arranjo 
de c inco vo zes d a m issa sobre 
a melo d ia de LHomme armé. 
1 9 9 9 O compositor galês Karl 
Jenkins incorpora a canção 
folclórica LHomme armé no 
primeiro e último mo v imento s 
de su a m issa The Armed Man. 
NEM UMA SÓ COMPOSIÇÃO 
ANTERIOR AOS ÚLTIMOS 
QUARENTA ANOS [...] 
MERECE SER OUVIDA 
MISSA LHOMME ARME (c. 1460), 
GUILLAUME DUFAY 
A partir do compositor franco-flamengo Guillaume Dufay, a linguagem 
harmónica da música co meça a soar 
mais familiar aos ouvidos atuais. Os 
compositores antigos seguiam os 
ideais harmónicos idealizados pelo 
filósofo e matemático grego 
Pitágoras, baseados na consonância 
"perfeita" das o itavas e dos 
intervalos de quarta e quinta. A 
inovação de Dufay era usar acordes 
que apresentavam o terceiro 
intervalo d a escala como uma nota 
de harmonia (mi na escala de canto 
sol-fá, seguindo dó e ré). 
Historicamente, a harmonia dos 
intervalos de terça era v ista como 
algo dissonante, a ser pouco usado. 
Sons profanos na Igreja 
A s missas de Dufay usav am muito a 
técnica do cantus fírmus, que 
construía uma peça ao redor de uma 
melodia preexistente, como uma 
composição sacra ou um cantochão 
conhecidos. Em LHomme armé, 
Dufay esco lheu uma canção 
folclórica francesa co m melodia 
d istintiva que se prestava bem a 
uma polifonia de vozes. Seguindo o 
exemplo dos músicos ingleses, que 
já tinham adotado os intervalos de 
terça, Duffay permite à música se 
apoiar no som doce e menos raso do 
intervalo . Isso estendeu o 
vocabulário harmónico e abriu 
espaço para mais vozes. • 
O mestre de melodia Guillaume 
Dufay ao lado de um órgão portátil, 
numa iluminura de Le Champion des 
dames, obra poética do século xv. 
Ver também: Microiogus 24-25 • Magnus líber organi 28-31 • Missa Pange língua 
43 • Canticum Canticorum 46-51 'A Paixão segundo São Mateus 98-105 
EM CO N TEXTO 
FO C O 
D i s s e m i n a ç ã o d a m ú s i c a 
A N T E S 
c . 1 4 1 5 - 1 4 2 0 O manuscrito 
iluminad o Squarcialupi codex, 
maior co letânea de música 
italiana do século xiv, é 
co mpilado em Florença. 
1 4 5 7 O Codex psalmorum, 
produzido na cid ad e alemã de 
Mainz , é o primeiro livro 
imp resso a conter música, 
embo ra a no tação seja 
manuscrita. 
D EPO IS 
c . 1 5 2 0 O impresso r inglês 
Jo hn Rastell produz a p rimeira 
música em que pautas, no tas e 
texto são impresso s de u m a só 
v ez . 
1 7 1 0 O Estatuto de A nne , 
promulgado na Grã-Bretanha, 
dá aos autores co pyright sobre 
suas obras imp ressas pela 
p rimeira vez , u m direito por 
fim estend ido à co mpo sição 
musical em 1777. 
RENASCIMENTO 1400-1600 43 
LÍNGUA, PROCLAME 
0 MISTÉRIO DO 
CORPO GLORIOSO 
MISSA PANGE LÍNGUA (c. 1515), JOSQUIN DESPREZ 
Jo squin Desprez, nascido na França por volta de 1450, foi 
u m dos primeiros a se 
beneficiar d a imprensa. A té a 
invenção d essa tecnologia, em 
meados do século xv, a música era 
copiada à mão por co pistas 
pro fissionais. Segundo o teórico da 
música suíço Heinrich Glarean, do 
século xv i, Desprez "publicou suas 
obras depois de muita deliberação e 
inúmeras correções". Esse cuidado 
fez de suas co mpo siçõ es as 
favoritas no mercado nascente de 
publicação musical. 
Agora que morreu, Josquin 
está lançando mais obras que 
quando vivo! 
Georg Forster 
Compositor alemão (1510-1568) 
t f 
Contemporâneo de Desprez, o 
italiano Ottaviano Petruoci 
aperfeiçoou um método de imprimir 
música em três etapas: as pautas, 
seguidas das notas e depois das 
palavras. A primeira publicação de 
Petrucci, Odhecaton, uma seleção 
com quase cem peças profanas, na 
maioria de compositores franco-
-flamengos, como Desprez, A nto ine 
Busno is, Jaco b Obrecht e A lexander 
Agrícola, apareceu em 1501. Para 
vencer o desafio de uma primeira 
co letânea de música polifônica para 
missa com texto na parte de baixo , 
Petrucci decid iu pôr em sua Missa 
(1502) apenas obras de Desprez. 
Uma missa atrasada 
A missa Pange língua, uma das 
co mpo siçõ es finais de Desprez, 
tomou a melodia central de um 
hino d a Festa de Co rpus Christi 
escrito pelo frade e teólogo italiano 
do século xm To más de A quino . A 
obra não ficou pronta a tempo para 
o livro final de missas de Petrucci, 
de 1514, mas se conservou em 
manuscrito e foi afinal publicada 
em 1532. • 
Ver também: Missa de Notre-Dame 36-37 • Missa LHomme armé 42 • Canticum 
Canticorum 46-51 • A Paixão segundo São Mateus 98-105 
44 
1 OUÇA A VOZ 
EA ORAÇÃO 
SPEMINALIUM (c.1570), THOMAS TALLIS 
EM CO N TEXTO 
FO C O 
M úsica coral de larga 
escala 
A N T E S 
c. 1500 O compositor francês 
A nto ine Brumel escreve u m a 
m issa co m doze partes, Et 
ecce terrae motus, a "M issa do 
Terremoto". 
1568 0 moteto Ecce beatam 
lucem, co m quarenta vo zes e 
instrumento s, de A lessand ro 
Striggio , é apresentado em 
Munique. 
D EPO IS 
1682 Heinrich Biber co mpõ e a 
m issa Salisbuigensis, em 53 
partes arranjadas em seis 
coros de cantores, cordas, 
flautas doces, co rnetos e 
sacabuxas, co m do is conjuntos 
de trompetes e tímpano s e 
pelo meno s do is órgãos -
pro vavelmente a maior p eça do 
Barro co Co lo ssal, caracterizado 
por obras po lico rais de larga 
escala. 
A composição do grande moteto de quarenta vozes Spem in alium, de Tho mas 
Tallis, foi u m ponto alto d a música 
coral do Renascimento inglês 
inic ial e uma resposta insp irad a a 
um desafio continental. Em 1567, o 
compositor A lessand ro Striggio 
tinha chegado à Inglaterra em 
Um coro de capela canta a partir da 
partitura disposta num atril, na folha 
de rosto de Practica musicae(1512), do 
teórico de música italiano Franchini di 
Gaffurio. 
missão diplomática da corte dos 
Médici em Florença, trazendo 
partes de suas recentes 
co mpo siçõ es para quarenta ou 
mais vozes independentes. Eram 
manifestaçõ es musicais de 
influência e poder, e alguns se 
perguntavam o que aconteceria se 
um músico inglês tentasse esse 
tipo de composição . Eles se 
vo ltaram para Tallis, que tinha sido 
o principal compositor da corte sob 
quatro mo narcas - Henrique vm, 
Eduardo vi, Maria i e Elizabeth i. O 
mecenas cató lico de Tallis, Tho mas 
Ho w ard , quarto duque de Norfolk, 
encomendou a obra. 
Uma longa tradição coral 
Os ingleses hav ia muito se 
d isting uiam na música coral. No 
século xv, Jo hn Dunstap le 
estabeleceu a contenance angloise 
(maneira inglesa), estilo polifônico 
d istintivo e ricamente harmónico . 
O teórico flamengo Jo hannes 
Tincto ris d escreveu Dunstap le 
como "fonte e o rigem" d a inovação 
musical. 
Um a geração antes de Tal l is, 
Robert Fay rfax era o p rinc ip al 
compositor e favorito de Henrique 
vm. Ele fo i o rganista e mestre do 
coro d a A b ad ia de St. A lb ans de 
RENASCIMENTO 1400-1600 45 
Ver também: Missa de Notre-Dame 36-37 • Missa LHomme armé 42 • Missa Pange lingua 43 • Canticum Canticorum 46-51 
• Great Service 52-53 • A Paixão segundo São Mateus 98-105 
1498 a 1502 e co mpô s a co mplexa 
m issa de c inco vo zes O quam 
glorifica p ara seu doutorado 
em 1504. 
Mestres da música sacra 
No início do século xvi, Jo hn 
Taverner emergiu como compositor 
importante de música sacra inglesa 
após sua indicação em 1526 a 
mestre do coro do recém-fundado 
Card inal College (hoje Christ 
Church), de Tho mas Wolsey, em 
Oxford. Lá ele compôs três missas 
para seis vozes, Corona spinea, 
Gloria tibi Trinitas e O Michael. O 
tenor d a seção "In nomine Do mini" 
do Benedictus de Gloria tibi Trinitas 
seria amplamente usado por outros 
compositores como base de arranjos 
vo cais e instrumentais. Essa foi a 
origem do género de fantasia inglês 
conhecido como In nomine, popular 
até o fim do século xvn. 
Taverner voltou ao Linco lnshire 
após a qued a de Wolsey e produziu 
pouca música mais. Jo hn Sheppard 
era talvez mais hábil em ajustar 
sua produção aos gostos d as 
mo narquias cató lica e protestante. 
éé 
Ao ouvir a música [Spem in 
alium], o duque tirou a 
corrente de ouro do pescoço 
e a colocou no de Tallis, 
dando-a a ele. 
Thomas Wateridge 
Carta (1611) 
Ele foi mestre do coro do Magdalen 
College, em Oxford, por três anos, e 
a partir de 1552, sob Eduardo vi e 
Maria i, cavalheiro da Capela Real. 
Morreu na véspera da ascensão de 
Elizabeth, em 1558. Muito d a 
música sacra co m texto em latim 
de Sheppard se conservou. Seu 
responsório Media vita, para seis 
vozes, é uma obra quaresmal de 
caráter monumental: a lenta 
elocução do canto Nunc dimittis 
estendendo-se ao longo d a obra 
maximiz a seu impacto . 
Uma resposta 
extraordinária 
Tho mas Tallis era membro d a 
Capela Real quando Striggio foi à 
Inglaterra e mostrou suas partituras 
de muitas partes. A s obras 
italianas tinham estilo policoral, 
co m vozes agrupadas em coros 
autónomos que se juntav am num 
so m grandioso em pontos cruciais. 
A resposta de Tallis em seu 
moteto Spem in alium foi muito 
diferente: ele mergulhou no so m 
sublime da música de Taverner e 
Sheppard para criar algo 
indiscutivelmente inglês. A s 
quarenta vozes de Spem in alium 
raramente se juntam nos mesmos 
grupos, cada uma seguindo seus 
caminho s. Uma voz pode manter 
u m ritmo constante mas terá uma 
contraparte que alcança algo similar 
co m síncopes, acrescentando brilho 
à voz parada. Como um murmúrio 
gradual de pássaros, as vozes se 
unem, se separam e por fim se 
juntam com efeito vibrante. • 
Thomas Tallis Pouco se sabe sobre os primeiro s 
ano s de Tallis, mas em 1532 ele era 
o rganista do Priorado de Dover, na 
co sta su l d a Inglaterra. A pós a 
disso lução do priorado, três ano s 
depois, ele trabalho u na Igreja de 
St. Mary -at-Hill, em Lo nd res, na 
A b ad ia W altham e na Cated ral de 
Canterbury, antes de se to rnar 
membro do coro ("cavalheiro ") d a 
Cap ela Real de Henrique vm, onde 
depois foi o rganista. A rainha 
Eliz abeth co ncedeu a Tall is e 
W ill iam By rd u m a patente p ara 
imprimir música em 1572, e em 
1575 eles p ublicaram juntos 
Cantiones sacrae, co letânea de 
motetos latinos. Tallis também foi 
u m dos primeiro s a inserir 
p alav ras inglesas em salmo s, 
cântico s e hinos. Séculos depois, 
seu arranjo do Salmo 2 foi usado 
por Vaug han W ill iams na 
Fantasia on a Theme of Thomas 
Tallis (1910). Tallis mo rreu 
tranquilamente em casa em 
1585. A cred ita-se que tinha cerca 
de o itenta anos. 
Outras obras importantes 
1 5 6 0 - 1 5 6 9 The Lamentations of 
Jeremiah 
1 5 6 7 Nove arranjo s de salmo s 
p ara o saltério do arcebispo 
Parker 
CANTICUM CANTICORUM (1584), 
GIOVANNI DA PALESTRINA 
48 SIMPLIFICAÇÃO DA POLIFONIA 
EM CO N TEXTO 
FO C O 
Simplif icação da polifonia 
A N T E S 
c. 1540 No moteto Inviolata, 
integra et casta es Maria, o 
compositor italiano Co stanzo 
Festa u sa o estilo flamengo 
canó nico co m grand e efeito. 
Festa foi muito ad mirad o e 
imitad o por Palestrina. 
1545 O compositor franco -
-flamengo Nico las Go mbert 
p ublica Musae Jovis, p eça 
deliberadamente arcaica, 
como tributo a Jo sq u in 
Desprez . 
D EPO IS 
1610 Gau d io Mo nteverd i 
reto ma a po lifonia e o stile 
antico (estilo antigo ) co m a 
m issa In illo tempore. 
c. 1742 J. S. Bac h apresenta 
seu arranjo d a m i ssa Sine 
nomine (1590), de Palestrina. 
Giovanni da Palestrina 
O reformador Martinho Lutero influenciou a música sacra não só das 
novas igrejas protestantes como, 
devido à Contrarreforma, também 
dos ritos d a Igreja Católica. O 
Concílio de Trento , reunião 
ecuménica de membros 
importantes d a Igreja na cidade de 
Trento , no norte italiano , entre 1545 
e 1563, promulgou d iretrizes para a 
música sacra que restring iam a 
d issonância, limitav am a 
o rnamentação excessiv a e 
refinavam a polifonia litúrgica. O 
compositor que respondeu de modo 
mais primoroso a esse novo 
chamado de pureza foi Gio v anni da 
Palestrina. 
Novas demandas 
Lutero era um cantor talentoso e 
amav a a música, a qual, co m o 
poder d a prensa móvel de 
d isseminar novas ideias, foi a chave 
para o sucesso de suas reformas. 
Seu primeiro hino publicado , Ein 
newes Lied wir haeben an 
(Estamo s criando uma no va 
música), de 1524, era uma balada 
de rua sobre a morte na fogueira em 
Bruxelas de dois adeptos d a 
reforma protestante. A rranjado 
N asc id o p ro v av elmente em 
Palestrina, na Itália, em 1525, 
G io v anni Pierluig i d a Palestrina 
tinha fo rtes lig açõ es f amil iares 
co m Ro m a. A pó s a mo rte d a mãe, 
quand o ele tinha cerca de o nze 
ano s, to rno u-se co ral ista na 
i Ig reja de Santa M ari a Magg io re, 
nessa c id ad e. 
No f im d a juv entud e 
Palestrina v o lto u à c id ad e natal 
co mo o rg anista d a c ated ral . 
Q uand o o b isp o de Palestrina, o 
c ard eal G i o v ann i M ar i a d ei 
Mo nte, fo i eleito p ap a Júlio m 
em 1550, o co mp o sito r v o lto u a 
Ro m a co mo d ireto r d a C ap e la 
numa melodia conhecida, 
d istanciava-se d a rica polifonia e 
do brilho instrumental d a música 
da Igreja Católica. Seu encanto 
simples falava d iretamente a 
muito s que se sentiam afastados 
devido ao amor da Igreja aos rituais 
ricos e ostentosos. 
A música popular e acessível se 
tornou u m veículo potente para 
espalhar ideias e co nquistar apoio 
e foi também o marco dos o fícios 
na no va Igreja reformada. Lutero e 
o reformador francês pro testante 
Jo ão Calv ino estimulav am o canto 
de hino s co m melo d ias que todos 
co nheciam. 
Velhas tradições 
Essa ênfase na simplicidade estava 
em agudo contraste com a prática 
cató lica. Os menos instruídos 
tinham maior d ificuldade em seguir 
as missas numa catedral ou capela 
ducal da épo ca. Esse foi u m 
problema que o clérigo, humanistae erudito Bernard ino Cirillo 
reconheceu. Em 1549, ele escreveu: 
" Em nossos tempos os músico s 
co lo caram todo o seu trabalho e 
esforço na composição de fugas (em 
que as vozes fazem entradas 
inesperadas), de modo que quando 
Júlia, e em 1554 d ed ico u- lhe a 
m i ssa Ecce sacerdos magnus. 
E m 1555 g anho u u m lug ar no 
coro p ap al d a Cap e la Sistina e 
seg u iu o cup and o v ário s alto s 
p o sto s m u sic ais . Sua o bra 
inc lu i m ad rig ais e m ais de 105 
m issas e c inq uenta mo teto s. 
Outras obras importantes 
1 5 6 2 M issa Papae Marcelli 
1570 M issa Brevis 
1572 M issa Tu es Petrus 
1 5 8 4 Pulchra es (moteto) 
1 5 9 0 Stabat Mater (moteto ) 
RENASCIMENTO 1400-1600 49 
Ver também: Missa de Notre-Dame 36-37 • Missa LHomme armé 42 • Missa Pange língua 43 • Spem in alium 44-45 • Great 
Service 52-53 • ffin / este Burgist unser Gott 78-79 
uma voz canta 'Sanctus' outra d iz 
'Sabaoth' e outra aind a 'Gloria tua'. 
Uivando , berrando e gaguejando, 
parecem mais gatos em janeiro que 
flores em maio". 
A reforma d a no tação no 
século xiv tinha dado aos 
composito res, pela p rimeira vez , a 
p o ssibilid ad e de reg istrar co m 
precisão p raticamente toda id eia 
musical . Desd e então , a Igreja 
Cató lica tinha às v ezes 
estimulad o e outras censurad o 
sua tend ência a o rnamentar a 
música e lhe acrescentar graus 
cad a v ez maio res de 
co mplexid ad e e sutileza. 
No fim do século xv, a m issa 
diária era em geral cantad a em 
canto chão . Porém, se a instituição 
onde o corria o ofício tiv esse 
recursos, o Ordinário d a missa 
(Kyrie, Gloria, Credo, Sanctus, 
Benedictus e Agnus Dei) poderia 
ser tratado co m muitas varied ad es 
de o rnamentos. No s anos 1490, 
vários autores no taram a presença 
de u m tocador de corneto na m issa 
solene na capela de Filip e ív d a 
Borgonha. Eles não mencio nam o 
que ele to cava: sua mera presença 
era suficiente para se tornar 
notável. Os instrumentistas de 
éé 
Stabat Matei [de Palestrina] [...] 
cativa a alma humana. 
Franz Liszt 
f f 
sopro, que antes imp ro v isav am, 
co meçaram a aperfeiçoar suas 
habilid ad es de ler música e 
aco mpanhar tais coros, de modo 
que nos ano s 1530 sua presença 
numa m issa so lene po lifônica se 
tornou meno s inco mum aos fiéis. 
Embo ra a contribuição de 
instrumentistas de sopro à música 
sacra fosse impressionante, a 
ressonância de um conjunto de 
metais, se mal manipulado , poderia 
prejudicar a clara emissão do texto . 
O compositor espanho l Francisco 
Guerrero estimulava seus tocadores 
de corneto a improvisar ornamentos 
floreados, mas u m por vez, po is 
"quando o rnamentam juntos fazem 
tais absurdos que bloqueariam os 
ouvidos". 
O Concílio de Trento se reuniu 25 
vezes em dezoito anos para discutir as 
"heresias" do protestantismo e elucidar 
a doutrina e liturgia católicas. 
Pouca atenção ao texto 
Mesmo quando a missa era cantada 
em polifonia não acompanhada, a 
clareza da expressão defendida por 
Cirillo nem sempre era prioritária na 
mente do compositor. Os músicos 
franco-flamengos muitas vezes 
pavoneavam sua habilidade em lidar 
co m estruturas polifônicas 
complexas em composições de 
virtuosismo extraordinário. N uma 
missa de quatro partes, por exemplo, 
certas seçõ es poderiam ser escritas 
no manuscrito apenas com três 
partes com notações, para que o » 
50 SIMPLIFICAÇÃO DA POLIFONIA 
Texturas musicais 
Graus de 
complexidade 
Os compositores 
renascentistas, 
auxiliados por 
métodos de notação 
mais precisos e 
estimulados por 
mecenas ricos, 
produziram obras 
de camadas cada 
vez mais 
numerosas. 
Monofonia 
Entoada por um só cantor ou um 
coro único em uníssono. Entre os 
exemplos, o cantochão e a 
maioria das músicas de trovador. 
H o m o f o n i a 
Melodia apoiada em harmonia 
cordal e baixo firme no 
mesmo ritmo. Muito usada no 
canto de hinos. 
Polifonia 
Várias partes independentes e 
de importância igual. A s formas 
incluem o cânone, a fuga 
e o moteto. 
cantor tivesse de "achar" a quarta 
parte seguindo a lógica das outras 
três - na verdade, decifrando u m 
enigma. O compositor poderia 
tornar o trabalho dos cantores ainda 
mais difícil escrevendo vozes 
canó nicas que se mo v iam em 
diferentes velocidades a partir do 
original. O tour de force aqui é a 
missa Prolationum, de Jo hannes 
Ockeghem, na qual cada um dos 
quatro movimentos do rito explora 
um cenário canónico diverso . O 
intervalo que separa as vozes do 
cânone se torna progressivamente 
maior em cada movimento 
consecutivo . A missa LHomme 
armé super vocês musicales, de 
Jo squin Desprez, tem apenas uma 
linha melódica para um arranjo 
elegante e variado de três vozes da 
segunda repetição do Agnus Dei. O 
resultado de três vozes cantando 
polifonia tecida a partir de uma só 
melodia entoada a diferentes 
velocidades é extraordinário por sua 
audácia, mas a ênfase não está em 
palavras facilmente discerníveis. 
Uma resposta oficial 
A Igreja Católica enfrentou a crise 
crescente precipitada pelas reformas 
de Lutero com uma série de 
encontros para decidir sua resposta 
oficial. Após adiar muito, o concílio 
se reuniu em 1545 na cidade de 
Trento, no norte italiano. Na época 
do último encontro (1562-1563), 
coordenado pelo papa Pio ív, 
havia-se chegado a um beco sem 
saída, e ficou claro que reconciliar 
Ro ma e os reformistas seria 
impossível. A pesar disso , as 
reformas protestantes forçaram a 
Igreja Católica a introduzir 
mudanças na doutrina e na prática, 
o que incluiu purificar sua música. 
Em 1562, o Concílio de Trento 
baixo u as diretrizes para os 
músicos. Elas d iz iam: "To das as 
co isas devem na verdade ser 
ordenadas para que as missas, 
celebradas com canto ou coral, 
alcancem os ouvidos dos fiéis e 
gentilmente penetrem seu coração, 
éé 
O Renascimento promoveu o 
incremento da personalidade, 
ideia essencialmente oposta 
ao altruísmo e à objetividade 
da velha polifonia. 
Zoe Kendrick 
Biógrafa de Palestrina 
quando tudo seja executado com 
clareza e velocidade certa. No caso 
das missas celebradas co m polifonia 
e órgão, que nada profano se 
interponha, apenas hinos e orações 
d iv inas". Os compositores d ev iam 
responder a essa nova diretiva. 
Enfatizar as palavras 
Gio v anni Pierluigi da Palestrina 
publicou seu primeiro livro de 
missas em 1554 e voltou a Santa 
Maria Maggiore, onde tinha sido 
menino de coro, como maestro di 
cappella (diretor musical) em 1561. 
Co nsta que ele antecipou a censura 
papal completa. Temendo a redução 
da música na liturgia cató lica 
apenas ao canto chão (reforma que 
alguns puristas pediam), ele se 
preparou co m uma missa para 
quatro vozes para demonstrar que a 
polifonia podia servir ao texto de 
modo que agradaria mesmo aos 
críticos mais duros. 
A missa Papae Marcelli parece 
datar de 1562, o ano d a decisão do 
concílio sobre música. Co nsta que 
os cardeais gostaram especialmente 
dessa missa, uma aprovação que 
deu a Palestrina a condição de 
salvador da polifonia. Parece, na 
verdade, que a missa provavelmente 
foi escrita para a Semana Santa e 
obedecia ao desejo do papa Marcelo n 
de um arranjo contido, que pudesse 
RENASCIMENTO 1400-1600 51 
ser entendido com clareza. A obra 
de Palestrina realiza muito do que 
se esperava da polifonia após o 
Concílio de Trento, com sua 
abordagem direcionada da 
dissonância, clareza de elocução e 
domínio refinado d a escrita 
polifônica. No entanto, Palestrina 
não se esquiva de levar os novos 
preceitos a seus limites: sua missa 
Repleatur os meum, em cinco vozes, 
publicada em 1570, mostra controle 
total do estilo "canónico" virtuoso 
favorecido pelos compositores 
franco-flamengos, mas com controle 
tão claro do texto que até Cirillo 
aprovaria. Em seu Canticum 
Canticorum, de 1584, u m aclamado 
ciclo de 29 motetos baseado no 
Cântico dos Cânticos do Velho 
Palestrina foi maestro di cappella 
cinco anos na Arquibasílica de São João 
de Latrão, em Roma, aqui em gravura 
holandesa do século xvn. 
Testamento , Palestrina foiaind a 
mais ousado. Embo ra se referisse a 
ele como peça sacra, adotou sem 
constrangimento um estilo mais 
apaixonado, explicando , em sua 
dedicatória ao papa Gregório xm, 
que isso se adequava ao tema. 
Em outros lugares da 
Europa 
Palestrina foi uma estrela brilhante 
numa constelação de grandes 
polifonistas da Contrarreforma. Na 
Esp anha, o zelo ortodoxo de Filipe n 
estimulou uma esco la forte de 
composição polifônica em suas 
catedrais. Tomás Luis de Victoria, 
compositor prolífico de obras sacras, 
era famoso pela dramaticidade 
intensa de sua música. Ele foi 
menino do coro e organista em 
Ávila, antes de ir para Roma, onde 
pode ter estudado com Palestrina. 
De volta à Esp anha, passou a maior 
parte da v id a no convento das 
Descalzas Reales de Madri. Os 
Estad o s germânicos se d iv id iram 
muito quanto à fé religiosa; os 
principados do sul continuaram 
adeptos de Roma. O duque A lberto 
v da Baviera, figura central da 
Contrarreforma alemã, por exemplo, 
empregou muitos músicos, como 
Orlande de Lassus, compositor 
flamengo famoso em criança pela 
beleza da voz. Sob patrocínio 
generoso do duque, Lassus d irig iu a 
Hofkapelle, combinando vozes, 
vio linos, vio las da gamba, alaúde e 
vários instrumentos de metais e 
madeiras, até um cervelato 
(instrumento de palheta com som 
suavemente grave e estridulo recém-
-inventado). Um conjunto tão grande 
de ambição quase orquestral era 
muito inco mum na época. Embo ra a 
Igreja Católica o lhasse com 
desconfiança tal instrumentação , 
era obviamente aberta a algum grau 
de interpretação local. • 
EM CO N TEXTO 
FO C O 
M úsica de igreja 
protestante inglesa 
A N T E S 
1558 Jo hn Shep p ard co mp õ e 
Second Service, arranjo p ara 
c inco vo zes do ofício completo 
(em v ez do ofício curto co mum, 
que só incluía arranjos p ara o 
MagniBcat e o Nunc dimittis), 
precursor do Great Service de 
dez vo zes de By rd . 
c. 1570 W il l iam Mund y 
co mp õ e seu ofício vespertino 
In médio chori, p ara coro de 
nove partes, expand id o às 
v ez es p ara onze. 
D EPO IS 
c. 1620 Tho m as Weelkes 
p ublica Evensong for Seven 
Voices, u m Great Service de 
até dez partes. 
c. 1630 O Third or Great 
Service, de Tho m as To mkins, 
p ara dez vo zes é a obra m ais 
grand io sa do género . 
ESSA E A NATUREZA DOS 
HINOS - ELES NOS FAZEM 
QUERER REPETI-LOS 
GREAT SERVICE (c. 1580-1590), WILLIAM BYRD 
Embo ra se acred ite que tenha sido na maio r parte d a v id a cató lico , se não 
sempre, W il l iam By rd co mpô s 
música p ara a Igreja A ng l icana, 
além de motetos e m issas em 
latim p ara o rito cató lico . Ele 
atrav esso u três eras de 
rev isio nismo religioso na 
Inglaterra. Sob Henrique vm e 
Ed uard o v i, o p aís foi pro testante 
desde 1534, mas em 1553 M aria 
Tudor subiu ao trono co m o 
marid o , Fil ip e n d a Esp anha, e 
reinstalo u o cato licismo . Quand o 
ela mo rreu, em 1558, El iz abeth i 
d evo lveu a Inglaterra ao 
pro testantismo , to lerando no 
entanto o cato lic ismo entre os 
aristo cratas do país, se fo ssem 
leais e o p raticassem co m 
d iscrição . El a sancio no u o uso do 
As sementes do protestantismo 
na Inglaterra foram plantadas por 
Martinho Lutero, arquiteto da Reforma 
na Alemanha, mostrado aqui tocando 
música com seus filhos. 
RENASCIMENTO 1400-1600 53 
Ver também: Missa LHomme armé 42 • Missa Pange língua 43 • Canticum 
Canticorum 46-51 -Ein feste Burgist unser Gott 78-79 
éé 
Para um homem que pensa 
em coisas divinas [...] as 
medidas mais adequadas 
vêm, não sei de que modo, 
como que por seu livre-arbítrio. 
William Byrd 
f f 
latim nos o fícios d a Cap ela Real e 
p ermitiu aos co mpo sito res usarem 
o latim e o inglês na música 
litúrgica. 
By rd flo resceu sob a pro teção 
de Eliz abeth. Em 1565, era 
o rganista e mestre d a Cated ral de 
Linco ln, onde pro d uziu os arranjos 
de Short Service para matinas, 
co munhão e vésperas, que 
rep resentaram a maio r parte d a 
música p ara liturg ia ang licana na 
Inglaterra. Depo is, quand o ele já 
era cavalheiro d a Cap ela Real, 
El iz abeth co ncedeu-lhe e a 
Tho mas Tal l is, que tam b ém era 
cató lico , o monopólio de produção 
de música na Inglaterra. 
Deus e rainha 
A fé relig io sa de By rd se tornou no 
entanto u m a preo cupação em 
1577, quand o sua mulher, Ju l ian, 
foi acusad a de faltar aos o fícios do 
bispo de Lo nd res, Jo hn A ylmer, 
defensor rigoroso do A to d a 
Unifo rmid ad e de 1559, que 
buscav a unif icar a Igreja 
A ng l ic ana. Dal i em d iante, By rd 
não esco nd eu sua fé cató lica, e a 
recep ção d a p rimeira publicação 
de "músicas sacras" em latim em 
1575 foi mo rna, talvez d ev id o ao 
sentimento cató lico de alg uns dos 
texto s. 
A p esar do cato licismo , a 
lealdade de By rd à rainha e ao 
país parece ter tido p reced ência 
sobre sua fé. Em ação de graças 
pela vitória d a frota ing lesa sobre 
a A rm ad a esp anho la em 1588, 
El iz abeth escrev eu a letra de 
Look, and Bow Down Thine Ear, O 
Lord. A cred ita-se que ela esco lheu 
W il l iam By rd p ara co locar a 
música. Emb o ra o hino hoje esteja 
perdido , foi u m a clara 
d emo nstração de seu alto apreço 
por ele. 
Última obra anglicana 
Em 1580, By rd publico u Great 
Service, sua última obra para o rito 
anglicano . É u m a co mpo sição 
mo numental, co m sete seçõ es para 
u m a celebração ang licana d a 
m issa em inglês por do is coros de 
cinco vozes. Não se sabe se By rd 
escreveu Great Service co m alg um 
coro em esp ecial em mente. Porém 
a mera escala d a p eça e as 
exigências técnicas d a partitura 
iriam co locá-la só ao alcance dos 
maiores coros. A lg uns a 
co nsid eram u m adeus aos co legas 
ou, por fim, u m ato de contrição a 
u m a mo narca que esco lhera 
relevar o cato licismo de By rd . 
Em 1605, u m mensageiro co m 
u m exemplar do recém-publicado 
Gradualia (co letânea de arranjo s 
de mo v imento s d a m issa p ara o 
ano d a Igreja Cató lica, p ara três a 
c inco vozes), de By rd , foi detido e 
encarcerad o em New g ate. O 
compositor, porém, ev ito u a 
prisão , enfrentando ap enas 
pressão nas co rtes e p esad as 
multas. • 
W illiam Byrd 
Nascid o nu m a grand e família 
mercante em Lo nd res em 
1540, é provável que W il l iam 
By rd tenha aprendido música 
como u m dos dez menino s de 
coro d a igreja de St. Paul, em 
Lo nd res (antecesso ra d a 
Cated ral de St. Paul) , antes de 
cantar em cerimó nias cató licas 
na Cap ela Real, sob a rainha 
M aria. Depo is, em 1572, no 
remado de El iz ab eth i, By rd se 
to rno u cavalheiro d a Cap ela 
Real, posto que o cupo u por 
mais de v inte ano s. 
Embo ra tenha composto 
muita música pro fana, inclusive 
p ara v irg inais, ele é mais 
famoso pela obra religiosa. Em 
1575, publico u co m Tho mas 
Tallis u m primeiro vo lume de 
motetos latinos, Cantiones 
sacrae (Músicas sacras). A pós a 
morte de Tallis, By rd continuou 
a série com dois vo lumes de 
suas próprias Cantiones em 
1589 e 1591. Publico u sua 
última obra, Psalmes, Songs, 
and Sonnets, em 1611, doze 
ano s antes de morrer em 1623. 
Outras obras importantes 
1 5 8 9 Cantiones sacrae, livro 1 
1591 Cantiones sacrae, livro 2 
1 6 0 5 Gradualia 
TODAS AS ÁRIAS E 
MADRIGAIS [...] 
SUSSURRAM SUAVIDADE 
O CARE, THOU WILT DESPATCH ME (1600), 
THOMAS WEELKES 
EM CO N TEXTO 
FO C O 
M adrigais 
A N T E S 
1 5 7 1 Tho m as Whytho rne 
p ublica Songes, a p rimeira 
co letânea de mad rigais 
ingleses. 
1 5 9 4 Tho m as Morley p ublica 
First Book of Madrigais to Four 
Voices, a p rimeira co letânea a 
usar a d escrição italiana do 
estilo . 
D EPO IS 
1 6 1 2 Orlando Gibbo ns p ublica 
First Se i of Madrigais and 
Motets, que inc lui The Silver 
Swan, mad rig al curto m as u m 
dos mais co nhecid o s hoje. 
1 6 2 0 - 1 6 4 9 A m o d a dos 
mad rig ais ing leses d ecai , 
d and o lugar à música d e 
alaúde, e o estilo se 
ap ago u c o m o início d a 
C o m m o nw eal th d a Ing laterra 
a p artir de 1649. 
Em 1544, quando a Inglaterra estava sedentapor modas continentais, o compositor e 
poeta Tho mas Whytho rne viajou 
pela Euro p a e escreveu sonetos que 
depois musico u em Songes, o 
primeiro livro de mad rigais 
ingleses. Na Itália, entre os mestres 
do mad rigal estav am Jaco b 
A rcadelt e Philippe Verdelot, cujas 
obras co nstavam do primeiro livro 
de mad rigais italiano , editado em 
Ro ma em 1530. Em 1588, Nicho las 
Yonge publicou Musica transalpina, 
é é 
O madrigal [...] feito de 
canções e sonetos [...] muito 
encantador para homens de 
entendimento. 
Thomas Morley 
f f 
uma co letânea de mad rigais 
italianos retrabalhados co m textos 
ingleses, aguçando o apetite por 
músicas lo cais cantadas em partes. 
Ilustração de palavras 
Muitas coletâneas inglesas se 
seguiram, com frequência com 
arranjos para vozes e viola da gamba, 
para satisfazer o crescente gosto da 
classe média por música após o 
jantar. Em 1595, Thomas Morley 
introduziu o ballett, um madrigal 
rústico com um coro fá-lá-lá que 
imitava um refrão instrumental. 
Thomas Weelkes, entre outros, 
começou a usar efeitos musicais para 
ilustrar o texto - conhecidos como 
madrigalismo. Em O Care, Thou Wilt 
Despatcb Me (1600), Weelkes descreve 
a perturbação do poeta deslizando 
por semitons (cromatismo), em 
conflito com o refrão alegre fá-lá-lá. 
Na Itália, os madrigais de Carlo 
Gesualdo da Venosa usam mudanças 
harmónicas extremas e dissonância 
para evocar ação ou ideias, enquanto 
o Madrigali guerrieri et amorosi (1638) 
de Cláudio Monteverdi levou o 
formato a alturas teatrais. • 
Ver também: Le Jeu de Robin et de Marion 32-35 • Musique de table 106 • Die 
schõne Múlierin 150-155 
RENASCIMENTO 1400-1600 55 
I 
O FESTIM [...] MARAVILHOU 
E ASSOMBROU TODOS 
AQUELES ESTRANHOS, QUE 
NUNCA OUVIRAM ALGO IGUAL 
SONATA PIAN' E FORTE (1597), GIOVANNI GABRIELI 
EM CO N TEXTO 
FO C O 
G r u p o s d e s o p r o 
r e n a s c e n t i s t a s 
A N T E S 
c . 1 4 8 0 U m liv ro d e coro 
preparad o co mo p resente de 
casamento p ara Isabella 
d ' Est co ntém p arte do 
repertó rio do grup o d e sopro 
do d uque de Ferrara, u m do s 
melho res d a ép o ca. 
1 5 8 2 Florentio Maschera 
publica a primeira co letânea de 
canzoni, p eças italianas para 
vio linos, cornetos e sacabuxas. 
D EPO IS 
1 5 8 5 - 1 5 9 8 O tocador de 
corneto v enez iano Gio v anni 
Bassano p ublica u m livro 
de passaggi, v ersõ es 
v irtuo sísticas de mo teto s e 
c anç õ es po pulares. 
1 6 6 1 N a Inglaterra, os 
"Sacabuxas e Co rneto s" d a 
Ro yai W ind Musick to cam 
suites de M atthew Lo cke na 
coroação de Carlo s n. 
A Basílica de São Marcos, em Veneza, é um ambiente impressionante para os 
compositores explorarem timbres 
instrumentais e o uso do espaço . O 
compositor flamengo A d rian Willaert 
foi o primeiro a aproveitar esse 
potencial ao se tornar seu diretor 
musical em 1527. Seu estilo de chorí 
spezzati (coros separados) d iv id iu o 
conjunto pelas galerias, com maior 
teatralidade às apresentações. 
Aprendendo os chorí spezzati de 
Willaert, A ndrea Gabrieli, designado 
©íflynrkhanut 
onDrn 
\ 
Blttti i i i l ianti t £ y Mfnt hl i anOí 
onDra 
Flautas doces renascentistas 
acompanhavam voz. Esta figura de 
Musica getutscht (1511), tratado de teoria 
musical de Sebastian Virdung, ilustra a 
posição dos dedos no instrumento. 
organista de São Marcos em 1566, e 
seu sobrinho Gio vanni Gabrieli 
usaram os grupos venezianos de 
pifferí (instrumentistas de sopro 
oficiais) para reforçar o conjunto vocal 
e apenas para fins instrumentais. 
Impacto dramático 
A ntes, tro mpetistas o ficiais só 
eram o uv ido s no to que de reco lher 
e aco mp anhand o d anças. Quand o 
as c id ad es e Estad o s nacio nais 
renascentistas co meçaram a 
d isp utar poder, o papel de seus 
instrumentistas ganho u 
impo rtância. A música de 
qualid ad e foi estimulad a, e 
Veneza se d estaco u. A Sonata 
pian' e forte (1597) de Gio v anni 
Gabrieli , para seis tro mbo nes, u m 
corneto e u m a v io la de braço 
(antigo vio lino ) fo i a p rimeira obra 
p ara metais esp ecíf ico s a incluir 
ind icaçõ es d inâmicas de so m alto 
ou baixo p ara a execução , co m 
efeitos d ramático s de claro e 
escuro . Na bruxuleante São 
Marco s, u m a so nata tão intensa 
po d eria aco mp anhar a 
co nsagração d a hó stia. • 
Ver também: Canticum Canticorum 46-51 • Water Music 84-89 • As quatro 
estações 92-97 «A Paixão segundo São Mateus 98-105 -Elias 170-173 
EM CO N TEXTO 
M úsica instrumental 
renascentista 
A N T E S 
1507 IntabuJatura de lauto, de 
Francesco Sp inacino , é 
p ublicad a em Veneza. 
1545 A no meação de "Mark 
Anthony Gayiardell e George 
Decombe, viallines" como 
músico s d a corte lança o vio lino 
na Inglaterra. 
D EPO IS 
1611 G io v anni Giro lamo 
Kapsberger p ublica Libro 
primo dintavolatura de lauto, 
música p ara teo rba - u m 
alaúde de braço exp and id o 
p ara aco mo d ar m ais co rd as 
de baixo . 
c. 1630 O compositor inglês 
Jo hn Jenkins produz p av anas 
e In nomines, seguind o o 
interesse inglês pela música de 
conjuntos de v io la d a g amba, 
que chega até a ép o ca de 
Henry Purcell. 
ACORDE,. 
MEU ALAÚDE! 
LACHRÍMAE (1604), JOHN DOWLAND 
O s instrumentos musicais se desenvolveram rápido a partir do fim do século xiv, 
conforme os músicos se 
aperfeiçoavam e imitav am o estilo 
cortesão para atrair patrocínio. O 
primeiro registro de um órgão com 
pedais e teclado cromático de doze 
notas é de 1361, em Halberstadt, 
A lemanha. Por volta de 1440, 
enquanto trabalhava na corte da 
Baviera, o organista holandês 
A rnaut v an Zwolle desenhou um 
d iagrama do mais antigo cravo, co m 
teclas que erguiam peças verticais 
éé 
Não culpe meu alaúde, 
pois ele deve soar 
Deste ou daquele jeito 
como eu quiser; 
Por falta de espírito o 
alaúde está destinado 
A dar as melodias 
que me agradem. 
Thomas Wyatt 
f f 
de madeira, as martinetes, ajustadas 
com palhetas que ded ilhavam 
cordas. Zwolle também descreveu o 
dulce meios, instrumento de teclado 
cujas cordas eram percutidas por 
martelos de metal, o mais antigo 
registro de mecanismo do estilo de 
u m piano. 
A ascensão do alaúde 
Além d essas inovações, o alaúde, 
mais portátil, evo luiu, tornando-se 
o instrumento emblemático do 
Renascimento . Pietrobono, músico 
prestigiado pela família Este, de 
Ferrara, por vo lta de 1450-1470, 
to cava fluxos de melodia 
virtuosísticos (não diferentes dos 
solos rápidos de guitarra elétrica) 
co m uma palheta de pena, 
enquanto o tenorista executava o 
aco mpanhamento mais grave e 
lento em outro alaúde. A adição de 
trastes de tripa, amarrados ao redor 
do braço do alaúde, permitia mais 
rapidez e precisão à mão esquerda. 
Mais uma mudança estilística 
significativa foi o alaudista deixar a 
palheta. Dedilhando as cordas com a 
mão direita, o solista tocava todas as 
vozes de uma peça polifônica. No fim 
do século xv, o alaúde não era mais o 
mero companheiro dos menestréis, 
tendo ocupado o coração da música e 
RENASCIMENTO 1400-1600 57 
Ver também: Le Jeu de Robin et de Marion 32-35 • Sonata piarí e forte, Gabrieli 55- 0 burguês fidalgo 70-71 • Sinfonia em 
mi bemol maior, Stamitz 116-117 
da composição da corte. O alaúde do 
século xv i de início tinha seis 
ordens (uma só corda para a nota 
mais alta e cinco pares de cordas 
afinadas em uníssono ou oitavas), 
mas depois ganhou ordens extras 
no baixo chamad as d iapasões, 
afinadas d iato nicamente (em 
passos de u m tom). 
A conexão inglesa 
Na virada do século xvn, Jo hn 
John Dowland 
Dowland era um dos vários 
compositores para alaúdes de nove 
courses. A Inglaterra se destacava no 
novo estilo de execução , que 
também era popular entre amadores, 
como Elizabeth i, retratada tocando 
alaúde numa miniatura pintada por 
Nicholas Hilliard . 
Do w land compôs cerca de 
noventa obras só para alaúde, mas 
também incorporou o instrumento 
em u m consort (grupo musical). Sua 
A lg u ns d iz em que Do w land 
nasceu em 1563 em W estminster 
(Lo nd res) , outros que foi em 
Dalkey (Irland a), e seus primeiro s 
ano s p ermanecem o bscuro s. No 
f im d a juventud e ele serv ia ao 
embaixad o r inglês na França, 
onde abraço u o cato licismo , 
af irmand o mais tard e que essa 
co nversão imp ed iu sua no meação 
como alaud ista na corte real 
ing lesa em 1594. Do w land v iajo u 
então três ano s pela Euro p a, até 
achar u m mecenas admirador em 
Cristiano ív d a Dinamarca. A 
relação depois azedo u e Do w land 
foi despedido em 1606. 
Instrumentos de consort 
renascentista, como o alaúde e cordas, 
são mostrados em Audição (o 
1617-1618), colaboração entre Jan 
Brueghel, o Velho, e Paul Rubens. 
co letânea Lachrímae (1604) 
desenvolve a p av ana (dança co m 
música imponente tratada co m 
elaboração instrumental) de mesmo 
nome, criando sete variações para 
conjunto de cordas co m solo de 
alaúde. Os conjuntos renascentistas 
incluíam consorts do mesmo 
instrumento , mas Do w land 
imagino u nas p av anas Lachrímae 
seis v io las da gamba ou vio linos, 
inclusive o vio lino baixo , antecessor 
do violoncelo. 
Instrumentistas de teclado e 
compositores exib iam destreza e 
improvisação em d anças como a 
p av ana e a galharda de compasso 
ternário , em geral co m variações ao 
repetir seçõ es. My Ladye Nevells 
Booke (1591), do inglês William 
Byrd , contém dez pares pavana-
galharda com variações para 
v irg inal, instrumento relacionado 
ao cravo . • 
Embo ra seu filho, o 
compositor e alaud ista Robert 
Do w land , d issesse em 1610 que o 
p ai estav a ficando "grisalho mas, 
como o cisne, cantav a chegando 
ao fim", em dois ano s Do w land 
seria nomeado u m dos alaud istas 
do rei Jaime i d a Inglaterra e v i 
d a Escó cia. Entre a no meação e 
sua morte, em 1625, po ucas 
co mpo siçõ es se co nserv aram. 
Outras obras importantes 
1597 Firste Booke ofSonges or 
Ayres 
1612 A Pilgrim's Solace 
60 INTRODUÇÃO 
A mais antiga ópera 
remanescente. Eurídice, de 
Jacopo Peri, é composta em 
honra do rei Henrique ív da 
França e seu casamento com 
Maria de Médici. 
A 
O burguês fidalgo, de 
Jean-Baptiste Lully. 
satiriza o alpinismo 
social e a aristocracia 
esnobe da França sob 
Luís xiv. 
O prelúdio para órgão Ein 
feste Burgist unser Gott, do 
compositor dinamarquês-
-alemâo Dieterich 
Buxtehude. influencia 
muito o género coral. 
Hàndel estreia num 
barco no rio Tamisa a 
suite de peças curtas 
Water Music, 
encomendada pelo 
rei Jorge [. 
A A A 
1600 1670 c. 1690 1717 
1610 
i 
A s Vésperas, de 
Cláudio Monteverdi 
incorporam polifonia e 
monodia, aproximando 
os estilos renascentista 
e barroco. 
1689 
I 
1714 
A ópera Dido and 
Aeneas, de Henry 
Purcell, narra o amor 
mítico entre a rainha 
de Cartago e o príncipe 
de Tróia. 
A publicação de doze 
Concerti grossi, op. 6, de 
Arcângelo Corelli 
estabelece o concerto 
grosso como um estilo de 
composição. 
O período barroco na música se inicio u de modo rad ical, com a apresentação em 
Florença d a primeira ópera 
mund ial, Dafne, de Jacopo Peri, em 
1598. A peça ilustra a passagem da 
polifonia para algo mais expressivo 
- u m a mudança drástica explorada 
co m grande efeito nas Vésperas, de 
Monteverdi, que contrasta os 
estilos velho e novo. 
Eventos-chave 
Um dos p rincip ais traços do 
Barro co inic ial, e que d ev ia ser 
surpreendente na épo ca, era a 
rejeição da po lifonia em favor de 
u m a l inha melód ica única, co m 
aco mpanhamento simples. Essa 
"monodia", como foi chamad a, era 
uma tentativa de reproduzir o 
estilo do teatro clássico grego. O 
aco mpanhamento tinha 
significado especial: nas seçõ es 
recitativas d a ópera inic ial -
expo siçõ es livremente co mpo stas 
do enredo que ligava as árias - , a 
voz era aco mp anhad a por u m só 
instrumento grave, como u m 
vio loncelo , e u m instrumento 
capaz de produzir acordes, como o 
cravo ou o alaúde. Esse 
aco mpanhamento , co nhecido 
como basso continuo, ou 
simplesmente continuo, se tornou 
elemento -ohave d a música do 
Barro co inic ial. 
O continuo era importante 
porque fornecia a base harmónica 
para a melodia. A po lifonia tinha 
caracterizado a música 
renascentista; já o novo estilo se 
definia pela harmo nia. Em vez de 
entrelaçar melodias baseadas nos 
modos ou escalas gregos antigos, 
os compositores do Barroco inic ial 
criav am música sobre acordes 
maiores ou menores. Efeitos 
dramáticos e contrastantes eram 
obtidos variando a intensidade do 
so m e o tempo, movendo a música 
entre escalas e instrumento s, 
adicionando às vezes ornamentos 
como trinados. 
O revolucionário estilo novo e a 
ideia de uma p eça teatral musicad a 
se mo straram muito populares, em 
especial nas aristo cracias italiana e 
francesa, que empregavam músicos 
e um compositor residente para 
entretenimento nas cortes. A lém de 
óperas, eles apresentavam música 
instrumental, e, na corte real de 
Versalhes, Jean-Baptiste Lully 
montou uma orquestra que supria 
música incidental e d anças para a 
encenação d as últimas co méd ias 
de autores como Molière. Essa 
forma de diversão ligeira se 
BARROCO 1600-1750 61 
As quatro estações, 
de Antonio Vivaldi, 
são publicadas com 
notas de programa e 
recebem aclamação 
da crítica. 
Georg Philipp 
Telemann trabalha 
com uma diversidade 
de géneros musicais 
em seu celebrado 
Musique de table. 
A 
1725 
A 
1733 
Na última década 
de vida, J. S. 
Bach escreve A 
arte da fuga, com 
catorze fugas e 
quatro cânones. 
A 
c. 1742-1750 
1717-1723 
François Couperin, da 
famosa família Couperin, 
de músicos, publica 
quatro volumes de ordres 
de cravo em Pièces de 
Clavecin. 
1727 
I 
O oratório A Paixão 
segundo São Mateus, 
de J. S. Bach, musica 
os capítulos 26 e 27 do 
Evangelho de Mateus. 
1733 
O sucesso de 
Hippolyte et Aricie, 
de Jean-Philippe 
Rameau desafia o 
supremacia da ópera 
italiana. 
d ifund iu em outros lugares e 
influenciou o desenvo lvimento do 
d rama musical chamado 
"mascarad a" na Inglaterra. 
Desde a Reforma, os 
protestantes franz iam a testa para 
a ópera e em terras germânicas a 
ativ idade era muito restringida pela 
Igreja. Gradualmente, porém, u m 
estilo barroco germânico d istintivo , 
muito d iverso do italiano e do 
francês, se desenvo lveu a partir dos 
corais, melodias de hinos da Igreja 
Luterana que uniam o tratamento 
harmónico do novo estilo de música 
vo cal a alguns elementos da velha 
polifonia italiana. 
Esse estilo híbrido se adequava 
mais ao temperamento norte-
-europeu e logo foi aceito na música 
protestante. Ele inspiro u o 
desenvo lvimento do prelúdio coral 
instrumental, arranjo às vezes 
floreado de uma melodia coral, em 
geral para órgão. 
Alto e Baixo Barroco 
Co m o passar do tempo, muito s 
elementos do Barro co inic ial 
d esapareceram. Por vo lta de 1700, 
co meço u o período referido 
como A lto Barroco . O que antes 
era u m pequeno grupo de 
aco mpanhamento para cantores de 
ópera ganho u v id a própria como 
u m a orquestra de instrumento s de 
corda, mad eira e metal to cando 
uma no va fo rma de música, o 
concerto grosso, popularizado por 
A rcângelo Corelli e A nto nio 
Viv ald i . O continuo, embo ra aind a 
fosse a esp inha dorsal d a 
orquestra, também se tornou u m 
conjunto de câmara independente, 
to cando a forma de música 
co nhecid a como "sonata em trio". 
A própria ópera foi arrebatada, 
surgindo agora como música co ral 
fora do palco , como a cantata laica 
e o oratório sacro . 
O Baixo Barroco foi dominado 
por três compositores nascido s na 
A lemanha em 1685. O primeiro , 
Georg Philipp Telemann, é muitas 
vezes o fuscado pelos outros dois, 
mas foi de longe o mais prolífico. 
O segundo , Geo rg Fried rich 
Hàndel, foi u m músico não elitista 
que fez nome na Inglaterra co m 
oratórios e música orquestral. 
O terceiro , considerado o maior dos 
três, foi Jo hann Sebastian Bach: 
u m compositor conservador mas 
artesão consumado . Durante uma 
v id a de trabalho nas cortes e para a 
Igreja, a música sacra e profana de 
Bach representou o ponto alto doperíodo Barroco . • 
EM CO N TEXTO 
FO C O 
Ó p e r a i n i c i a l 
A N T E S 
c . 7 7 0 a . C . O teatro antigo 
grego inco rpo ra a música. 
Mito s gregos id entif icam Orfeu 
co mo o "p ai d as cançõ es". 
1 5 9 8 Peri co labora co m Jaco po 
Co rsi em L a Dafne, a p rimeira 
ópera, co m libreto de Ottav io 
Rinuc c ini , encenad a no 
Palazzo Co rsini, em Florença. 
D EPO IS 
1 6 0 7 A p rimeira ópera de 
Mo nteverd i, LOrfeo, é 
encenad a em Mântua. 
1 6 3 7 A p rimeira c asa de ópera 
pública - o Teatro d i San 
Cassiano , em Venez a - é 
aberta, co m LAndromeda (hoje 
perdida), de Francesco 
Manelli . 
1 6 4 0 Mo nteverd i co mpõ e II 
rítomo dVIisse in pátria, su a 
p rimeira ópera escrita p ara u m 
teatro público em Veneza. 
UMA DAS DIVERSÕES 
MAIS MAGNÍFICAS 
E CARAS 
EURÍDICE mQ), JACOPO PERI 
A s co nd içõ es para o nascimento da ópera eram ideais em Florença nos 
anos 1590. Grandes espetáculo s 
teatrais co m música, conhecidos 
como intermedi e muitas vezes 
apresentados como interlúdios em 
p eças faladas, eram encomendados 
para celebrações d inásticas, como 
casamento s e batismos. Suas 
seçõ es musicais - cançõ es (ou 
"árias"), danças, coros - eram 
também intercaladas por diálogos 
falados. Fo i a introdução do 
Orfeu e Eurídice sobem do 
submundo na pintura de Edward 
Poynter de 1862. O mito grego se 
prestava especialmente à ópera porque 
Orfeu era músico. 
recitativo (recitar cantando), a arte 
de falar em música, que definiu a 
ópera. 
A s sociedades intelectuais de 
Florença, em especial a Camerata 
de' Bard i, que se reunia na casa de 
seu mecenas, o dramaturgo e 
compositor Gio v anni de' Bard i, 
BARROCO 1600-1750 63 
Ver também: O burguês fidalgo 70-71 -Dido and Aeneas 72-77 • Orfeu e Eurídice 
118-119 - A flauta mágica 134-137 • O barbeiro de Sevilha 148 
tinham incluído em seus debates 
humanistas d iscussõ es sobre a 
natureza do teatro grego e 
concluíram que era todo cantado . 
Peri escreveu La Dafne (1598) co m o 
compositor Jacopo Co rsi e o poeta 
Ottavio Rinucc ini na tentativa de 
recuperar essa prática. 
Elementos da ópera 
Embo ra só restem fragmentos de 
La Dafne, a segund a obra de Peri, 
Eurídice, se conservou intacta. O 
libreto de Eurídice conta o mito 
grego de Orfeu, que v ai ao 
submundo resgatar a mulher, 
Eurídice, que morreu mordida por 
uma cobra. Eurídice tem a 
co mbinação de cançõ es intermédio 
padrão, alternando coros e 
passagens instrumentais, porém 
ligados por recitativos - o novo 
estilo de d iscurso cantado . No 
prefácio à obra, Peri exp lica a 
intenção de "imitar a fala com 
música", que era a base do novo 
género. Ele também lista alguns 
dos instrumento s tocados na 
produção original, como cravo, 
chitarrone (alaúde baixo), vio lino , 
éé 
Ela cria um mundo coerente, 
carregado de uma atmosfera 
distinta. É simples sem 
ser sem graça e digna sem 
ser pomposa. 
Stephen Oliver 
f f 
éé 
Cantar suas obras, compostas 
com o maior engenho [...] 
emocionava e levava corações 
duros às lágrimas. 
Severo Bonini 
f f 
lira e alaúde, embora po ssa ter 
havido outros. A apresentação 
incluiu seçõ es compostas pelo rival 
de Peri na corte, Giulio Cacc ini , 
que treinara vários dos cantores. 
Cacc ini fez até seu próprio arranjo 
musical do libreto e imprimiu-o 
antes do de Peri. A publicação 
dessas partituras garantiu a 
sobrevivência da ópera. 
Nas pegadas de Peri 
A nova forma representada por 
Eurídice foi repetida em Florença e 
imitad a em outros lugares. Em 
Mântua, Cláudio Monteverdi, 
mestre de música da corte ducal, 
produziu em 1607 LOrfeu, 
considerada a primeira obra-prima 
operística. Ele compôs aind a três 
obras para as casas de ópera 
venezianas - II rítorno dVlisse in 
pátria, Lincoronazione di Poppea e 
outra hoje perdida - , 
exemplificando o novo estilo . Logo 
os seguidores de Monteverdi, como 
Francesco Cav alli e A nto nio Cesti, 
produziam óperas dentro e fora d a 
Itália, co m recitativos e árias 
mantendo unid a a estrutura. • 
Jacopo Peri 
Nascid o nu m a família nobre 
em 1561, Jaco po Peri cresceu 
em Flo rença. A d o lescente, 
to co u órgão e canto u em 
várias igrejas e mo steiro s d a 
cidade antes de iniciar u m a 
ligação vitalícia co m a corte 
dos Médici como cantor, 
aco mpanhad o r e compositor. 
Em 1598 pro d uziu La Dafne, 
seguid a dois ano s depo is por 
Euridice, p ara os festejos de 
casamento de M aria de Médici 
e Henrique ív d a França. Peri 
também co mpô s p ara a corte 
de Mântua, impo rtante 
musicalmente. 
Co labo ro u muitas v ez es 
co m outros composito res, 
como os irmão s Gio v anni 
Battista e Marco d a Gagliano . 
Embo ra po ucas obras tenham 
so brev iv ido como testemunho 
do talento de Peri, suas ó peras 
fixaram o modelo que seria 
seguido mais tard e. Mo rreu 
em Flo rença em 1633. Sua 
lápide na igreja flo rentina de 
Santa M aria No vella 
descreve-o como o invento r 
d a ópera. 
Outras obras importantes 
1598 L a Dafne 
1609 Le varie musiche 
A MÚSICA 
DEVE EMOCIONAR 
TODO O SER 
VfSPE/MS (1610), CLÁUDIO MONTEVERDI 
66 NASCIMENTO DO BARROCO 
EM CO N TEXTO 
FO C O 
N a s c i m e n t o d o B a r r o c o 
A N T E S 
1 5 8 7 A nd rea Gabrieli publica 
Concerti, co letânea de música 
sacra cerimo nial p ara vo zes e 
instrumento s, intro duzindo o 
estilo dos cozi spezzati (coros 
separados). 
1 6 0 2 Lo d o v ico V iad ana 
p ublica Conceiti ecclesiastici 
p ara u m a a quatro vozes, a 
p rimeira co mpo sição co m 
basso continuo - u m 
aco mp anhamento 
instrumental co rdal. 
d e z e m b r o d e 1 6 0 2 Giulio 
C ac c in i estreia Eurídice 
basead o no mesmo libreto d a 
Eurídice de Jaco po Peri, 
intro duzindo o sLife recitativo 
(estilo declamatório entre fala e 
canto), insp irad o na 
d ramaturg ia dos gregos 
antigos. 
1 6 0 7 Mo nteverd i co mp õ e su a 
revolucionária p rimeira ópera, 
LOrfeo, basead a na lenda 
grega de Orfeu. 
D EPO IS 
1 6 1 9 Heinrich Schutz , 
d iscípulo de Gio v anni Gabrieli, 
p ublica Psalmen Davids, 
co letânea de arranjos para 
salmo s. E m 1629 ele produz 
três conjuntos de Symphoniae 
Sacrae, dando igual 
impo rtância a vo zes e 
instrumento s. 
A s Vésperas da Santa Virgem (1610), de Monteverdi, são uma das 
mais influentes co letâneas de obras 
sacras para vozes e instrumento s 
do século xvn. Nenhum coral maior 
foi escrito antes e nenhum tão 
longo ou inovador depois, até as 
Paixõ es de J. S. Bach e os oratórios 
de Hàndel, no século xvm. 
Salto coral 
Escritas para as vésperas, o ofício 
do entardecer na Igreja Católica, e 
em especial em honra da Virgem 
Maria, as Vésperas de Monteverd i 
marcam a transição do velho estilo 
polifônico (com muitas vozes) 
chamado prima pratica (primeira 
prática) no Renascimento , em que 
todas as vozes são iguais, para o 
estilo mais livre barroco conhecido 
como seconda pratica (segunda 
A Catedral de Cremona, onde se 
pensa que o jovem Monteverdi estudou 
composição com o mestre de coro 
Mare'Antonio Ingegneri. 
prática), co m ênfase na voz solo. 
Neste, as harmo nias se to rnaram 
mais ousadas, co m maior uso da 
monodia, na qual a melodia se 
escorava num continuo - ou linha 
de baixo - instrumental de órgão, 
cravo ou alaúde. A s linhas de baixo 
também p assaram a ser mais 
melódicas. Ornamentos, que antes 
eram improvisados pelo artista, 
to rnaram-se mais elaborados, 
ganhando muitas vezes notação 
completa do compositor. 
Esses desenvo lvimentos 
levaram às características musicais 
d istintas do Barroco , em que a 
irregularidade e a extrema 
expressão às vezes perturbam o 
suave fluxo musical, chamando 
atenção dos ouvintes. Contrastes 
de melodia, textura, timbre, tempo 
e ritmo abund am na música 
barroca. Além disso , os 
instrumento s assumem papel de 
mais destaque e sua música fica 
mais definida, refletindo maior 
técnica e co nstrução melhor e mais 
confiável. 
Ver também: Cantochão 22-23 • Magnus líber organi 28-31 • Missa de 
Notre-Dame 36-37 • Missa Pange língua 43 • Canticum Canticorum46-51 
éé 
O objetivo de toda boa música 
é afetar a alma. 
Cláudio Monteverdi 
f f 
O novo estilo foi adotado na 
maio ria das formas musicais. O uso 
maior do baixo cifrado (com 
numerais e símbo los ind icando as 
harmo nias a tocar no continuo) 
passo u à ópera e ao oratório. Na 
música vo cal, a melodia transmitia 
pensamentos, emo çõ es, açõ es e 
reações de u m personagem numa 
ópera ou mesmo numa música 
aco mpanhada. 
A nova ênfase no personagem 
levou ao desenvo lvimento da sonata 
aco mpanhada (como a sonata em 
trio, co m dois vio linos e u m 
violoncelo), do recitativo solo e d a 
ária, e do concerto - na verdade, 
toda forma musical co m u m artista 
em especial num grupo. Essa 
evolução estilística enfatizou o 
contraste, permitindo expressão 
emocional mais ampla na música 
vo cal e mais variação rítmica na 
expressão e transmissão do texto . 
Ela estimulo u a experimentação 
entre os compositores, que 
exploraram cad a vez mais o 
v irtuo sismo instrumental. 
Música sacra 
Enquanto o velho estilo polifônico 
aind a era amplamente usado na 
música sacra europeia na primeira 
metade do século xvn, um novo 
estilo , o concertato, contrastando 
coros e instrumentistas múltiplos, 
desenvo lveu-se em Veneza e se 
espraiou na A lemanha. Na 
Inglaterra, essa nova tendência se 
refletiu no verso anthem, em que 
estrofes para vozes solo se 
alternavam co m passagens corais. 
Vésperas virtuosísticas 
A s Vésperas de Monteverdi foram 
d as primeiras p eças de música 
sacra a explorar as ricas 
possibilidades da seconda pratica, 
mas o compositor não esqueceu as 
vantagens da prima pratica e 
arranjou os textos estritamente 
litúrgicos em canto chão tradicional. 
A sequência musical usual do oficio 
de vésperas co nsistia em oito 
movimentos, abrindo co m u m 
"versículo" iniciado pelas palavras 
Deus in adjutorium meum intende 
(Deus se apressa a nos salvar). A 
ed ição o riginal de 1610 d as 
Vésperas contém treze 
movimentos e inclui uma versão do 
Magnif icai para seis vozes e órgão. 
A lém da própria música de 
vésperas, o vo lume tem um arranjo 
para missa a cappella ("na capela", 
ou sem acompanhamento ) - a 
missa In ilio tempore -, baseado 
num moteto de mesmo nome do 
compositor renascentista Nico las 
Gombert. (Missas e vésperas eram 
os dois ofícios da liturgia da Igreja 
Católica mais elaboradamente 
arranjados no fim do século xv i e no 
início do xvn na Itália.) 
Entre os treze mo vimento s das 
Vésperas, Monteverdi d ispõe cinco 
salmos que lo uvam a Virgem Maria, 
além de Ave maris Stella (Salve, 
estrela do mar), u m hino a Maria do 
século vm que precede o Magnificat 
no arranjo o ficial d as o rações 
diárias, e o próprio Magnificat. » 
BARROCO 1600-1750 67 
Cláudio Monteverdi 
Nascido em Cremo na em 1567, 
Mo nteverd i co meço u 
ado lescente a compor música, 
produzindo u m a série de 
motetos de três partes e u m 
livro de mad rigais. Esses feitos 
lhe p ermitiram d eixar Cremo na 
p ara se to rnar instrumentista 
de cordas na corte do duque 
Vincenzo Go nzaga em Mântua, 
onde foi influenciado pelo 
maestro di cappella (diretor 
musical) d a corte, Giaches de 
Wert, e co meço u a escrever 
óperas. Em 1607, sua primeira 
ópera, UOrfeo, foi executad a 
em Mântua, seguid a por 
LArianna em 1608. 
A pó s a mo rte de Go nzaga, 
em 1612, Mo ntev erd i foi p ara 
Ro ma, onde apresento u suas 
Vésperas p ara o p ap a. No ano 
seguinte to rnou-se maestro di 
cappella em São Marco s, em 
Venez a. Sua última ópera, 
Uincoronazione di Poppea, fo i 
encenad a em 1642, u m ano 
antes morrer. 
Outras obras importantes 
1605 Quinto livro de madrigais 
1607 UOrfeo 
1640-1641 Selva morale e 
spirituale 
1642 Uincoronazione di 
Poppea 
68 NASCIMENTO DO BARROCO 
Monteverdi usa canto chão (cantos 
em latim sem acompanhamento , 
em linha única, associados hoje a 
monges e mosteiros) como base de 
sete seçõ es. O retorno constante ao 
canto chão estabelece u m fio 
composicional que une os estilos 
muito diferentes do Renascimento 
e do Barroco . Ele também ajudou a 
assegurar que o trabalho de 
Monteverd i não ind ispo ria a Igreja. 
Concertos sacros 
Além de cinco salmos, d a Ave 
marís Stella e do Magnificat, 
Monteverd i arranjou quatro 
antífonas - sentenças curtas 
cantad as ou recitadas antes ou 
depois de um salmo ou cântico . 
Não litúrgicas (não fazem parte dos 
ofícios), as duas primeiras antífonas 
vêm do Cântico dos Cânticos do 
Velho Testamento . São elas Nigra 
sum, sed formosa (Sou escura mas 
sou formosa) e Pulchra es (Você é 
bela), cantadas por do is sopranos 
cujas linhas se entrelaçam como 
num dueto de amor. 
Na terceira antífona, Duo 
Seraphim, dois anjos c lamam 
através do céu e na quarta, Audi 
coelum (Ouça, ó céu), o final das 
palavras cantado por um tenor é 
A família em concerto (c 1752), do 
artista veneziano Pietro Longhi, que 
se especializou em cenas domésticas 
da época. 
Monteverdi dedicou e apresentou 
suas Vésperas ao papa Paulo v, membro 
da poderosa família Borghese, talvez na 
esperança de obter encomendas. 
ecoado por outro, criando um efeito 
etéreo. Por exemplo, o "gáudio" 
(alegria) do primeiro cantor é ecoado 
como "audio" (ouço). Recurso s como 
frases repetidas para criar ênfase 
podem ter surgido numa ópera. 
Os arranjos de vésperas são 
completados pela Sonata sopra 
Sancta Maria (Sonata sobre [o 
cantochão ] de Santa Maria, rogai 
por nós). Juntas, as quatro antífonas 
e a sonata foram descritas por 
Monteverdi como "concertos 
sacros". "Sonata" e "concerto" são 
termos que d atam do século xvm, 
Música em V eneza 
Po ucas cidades na Euro p a têm 
trad ição musical mais lo nga ou 
gloriosa que Veneza. N a era 
barro ca, fo i u m centro artístico e 
poderoso eixo co mercial, co m 
grand e trad ição de cerimó nias d a 
Igreja e do Estad o que exig iam 
música. A fama de seus 
compositores, como A nd re a e 
Gio v anni Gabrieli, Mo ntev erd i e 
Viv ald i , riv aliz a co m a de seus 
p into res - Bellini, Tic iano , 
Veronese, Tinto retto e Tiepo lo . 
Co m a abertura d a p rimeira casa 
de ó pera do mundo , o Teatro d i 
quando tinham sentido e uso u m 
pouco d iversos dos atuais. A té 
cerca de 1650, "sonata" e "canzona", 
composição instrumental que 
emprega a repetição , eram 
intercambiáveis: já "concerto" 
significava apenas uma peça para 
grupo de vozes e instrumento s. 
As intenções de Monteverdi 
Não se sabe se Monteverdi 
esperava ouvir as Vésperas 
cantadas como uma obra completa. 
Há pouca evidência de que alguma 
publicação de 1610 tenha sido 
executada inteira em sua v id a e 
não se sabe se os movimentos d as 
vésperas foram alguma vez 
apresentados juntos. Segundo 
alguns especialistas, as Vésperas 
são só uma co letânea de arranjos 
religiosos em honra da Virgem 
Maria publicados juntos por 
conveniência. A publicação pode 
ter sido pensada pelo autor como 
duas obras - vésperas e missa -
completas em si mesmas, e 
também como u m compêndio de 
música sacra onde se po deriam 
buscar mo vimento s para o casiõ es 
d iversas, quando cantores e 
instrumentistas exímios 
estivessem disponíveis, como nas 
San Cassiano , em 1637, a ópera 
enco ntro u grand e público na 
cidade. 
No século xix, Ro ssini teve 
alguns de seus maio res triunfo s 
em Veneza, enquanto Wagner, 
v isitante regular que depo is 
mo rreria na cidade, co mpô s 
Tristão e Isolda ali, e Verd i 
estreo u Rigoletto (1851) e L a 
trav iata (1853) no Teatro L a 
Fenice, a p rincip al casa de ópera 
a partir de 1792. No século xx, 
A carreira do devasso (1951), 
de Strav insky , e A volta do 
parafuso (1953), de Benjamin 
Britten, tam b ém estrearam lá. 
BARROCO 1600-1750 69 
éé 
Eu preferiria ser 
moderadamente elogiado 
pelo novo estilo a ser muito 
louvado pelo comum. 
Cláudio Monteverdi 
f f 
cortes de Mântua, São Pedro em 
Ro ma ou São Marco s em Veneza. 
Era preciso um mínimo de dez 
vozes para executar as Vésperas, e 
as partes instrumental e vo cal 
requeriam enorme agilidade. Para 
as seçõ es mais "corais", como 
Laudatepuerí, Dixit Dominus e o 
movimento final do Magnificat, 
algumas apresentaçõ es co ntrastam 
Esta página de manuscrito mostra a 
notação feita à mão por Monteverdi em 
Uincoronazione di Poppea (A coroação 
de Popeia), de 1642, sua última obra 
antes de morrer, em 1643. 
grandes coros com conjuntos 
menores usando a técnica dos cori 
spezzati (coros separados) para 
criar u m efeito "estéreo". Os 
instrumento s só são especificados 
em certas seçõ es d a obra: a fanfarra 
de abertura, emprestada da ópera 
LOifeo (1607) de Monteverdi, a 
sonata e as seçõ es do Magnificat. 
Vozes e instrumentos 
Contemporâneos criticav am às 
vezes Monteverd i pela mudança de 
estilo da prima pratica tradicional 
para a seconda pratica mais 
operística que uso u nos concertos 
sacros e também nos madrigais. 
Eles podem ter achado esse tipo de 
escrita muito ostentosa para 
música religiosa. 
Um autor, Gio v anni A rtusi , 
atacou o estilo barroco, citando 
mad rigais de Monteverdi para 
sustentar seus argumentos. Ele 
objetava aos uso s da d issonância, 
de mudanças de escala não 
ortodoxas e de cadências 
irregulares. Porém, Monteverdi não 
considerava as duas técnicas 
rad icalmente d iversas: ambas eram 
modos de arranjar um texto 
expressivamente e ser fiel a ele. • 
Do Renascimento 
ao Barroco 
A s Vésperas de Monteverd i se 
estruturam sobre o 
cantochão gregoriano 
tradicional. 
Ele acrescenta música 
virtuosística para cantores 
solo, criando u m efeito mais 
enfático e expressivo . 
A expressão mais livre é 
suplementada por floreios 
improvisados e recursos 
dramáticos. 
A ênfase maior na 
harmonia leva a uma técnica 
composicional mais livre. 
O efeito último é um som 
público grandioso 
... que se baseia 
em estruturas 
tradicionais para 
criar um novo 
estilo coral. 
70 
LULLY E MERECIDAMENTE 
DIGNO DO TÍTULO 
DE PRÍNCIPE DOS 
MÚSICOS FRANCESES 
O BURGUÊS FIDALGO (KW), 
IEAN-BAPTISTE LULLY 
EM CO N TEXTO 
Barroco f rancês 
A N T E S 
1 6 2 6 É fund ad a a o rquestra do 
rei - Le s Vingt-Quatre Vio lons 
d u Ro i - , u m conjunto em que 
Lully mais tarde se apresenta. 
1 6 4 7 Estreia Orpheus, de 
Lu ig i Ro ssi, a p rimeira ópera 
enco mend ad a pela corte 
francesa. 
D EPO IS 
1 6 9 1 Henry Purcell co mp õ e a 
ópera King Arthur, co m efeitos 
"arrepiantes" de vio lino , 
supo stamente influenciado 
pela ópera Isis, de Lully . 
1 6 9 3 A ópera Médée, de 
Marc -A nto ine Charpentier, é 
devedora do estilo de Lully . 
1 7 3 3 Hippolyte etAricie, de 
Jean-Philip p e Rameau, é a 
p rimeira ópera francesa a se 
d istanciar do estilo de Lully e a 
p rimeira p eç a musical a ser 
d escrita co mo barro ca. 
A comédie-ballet O burguês fidalgo (1670), do compositor Jean-Baptiste 
Lully e do dramaturgo e ator 
Molière, representa o auge desse 
género especificamente francês. 
Era a culminação de uma série de 
comédies-baliets de ambo s, 
conhecidos como Le s Deux 
Baptistes ("Os dois Baptistes"; o 
nome real de Molière era Jean-
-Baptiste Poquelin). O balé era hav ia 
muito apreciado na corte de Luís 
xiv, e a comédie-bailet misturav a 
teatro falado co m música e dança. 
A história das ilusões de 
grandeza do tolo senhor Jo urdain, 
em O burguês fidalgo, é narrada por 
diálogos falados, escrito s por 
éé 
Não creio que haja música 
mais doce sob o céu 
que a de Lully. 
Madame de Sévigné 
Aristocrata francesa (1626-1696) 
Molière, intercalados a d anças e 
interlúdios o rquestrais v iv azes de 
Lully . Os coros e as árias solo são 
de autoria de ambos. 
Habilidade impressionante 
Lully era músico , dançarino e ator 
hábil, e isso se ev id encia em suas 
co mpo siçõ es. Em vez de só 
aco mpanhar os cantores, a 
o rquestra de Lully realça a 
d ramaticid ad e de suas obras, 
comentando as açõ es dos 
perso nagens e criando u m sentido 
de lugar e tempo. Seu Ballet des 
muses antecipo u, já em 1666, o 
nascimento do concerto , 
contrapondo passagens 
instrumentais solo a respo stas 
alternadas o rquestrais. 
Exemp lo s de v irtuo sismo e 
co mplexidade são muito ev identes 
em O burguês fidalgo, em esp ecial 
nas interaçõ es ágeis entre 
personagens, nos o rnamento s 
rodopiantes de vio lino e flauta das 
cançõ es espanho las e nos floreios 
pomposos d a abertura. Em cinco 
atos, Lully usa todas as 
ferramentas ao dispor, d as formas 
de d ança populares, como jigas e 
minueto s, a música para escutar 
bebendo e até uma marcha "turca" 
grand io sa co m percussão vívida. 
BARROCO 1600-1750 71 
Ver também: Le Jeu de Robin et de Marion 32-35 • Eurídice 62-63 • Hippolyte et Arície 107 • Orfeu e Eurídice 118-119 • 
A flauta mágica 134-137 • O barbeiro de Sevilha 148 «Der Freischútz 149 'La traviata 174-175 > Tosca 194-197 
Hábil violinista, Lully tocava suas 
próprias obras. Acredita-se que seja ele 
o homem com um violino nesta pintura 
de François Puget de 1688. 
Embo ra não tenha inventado o 
"o rientalismo" musical, Lully é 
amplamente cred itado por sua 
d ifusão no século xvm. Seu uso d a 
ouverture - introdução o rquestral 
semelhante a uma marcha, em que 
em geral se exibe a po mpa real e 
se rende ho menagem ao rei -
tornou-se u m traço musical padrão 
de quase to das as óperas 
seguintes. 
Surge o maestro 
A instrumentação crescente de 
Lully, co m cordas, mad eiras e 
percussão de cinco partes, fez co m 
que O burguês fidalgo fosse uma 
d as primeiras obras musicais a 
exig ir um regente para coordenar o 
ritmo dos cantores e d a o rquestra. 
Na verdade, há uma grav ura da 
última ópera de Lully , Alceste, 
estreada em 1674, que mo stra u m 
ho mem "marcando o tempo " no 
chão co m u m bastão . Infelizmente 
p ara Lully , foi esse método 
vigoroso de d ireção musical que 
precipitou seu fim. Em março de 
1687, ele morreu por gangrena em 
uma ferida causad a por u m a 
p ancad a no dedão do pé quando 
batia o tempo ao reger seu próprio 
Te Deum. m 
Jean-Baptiste Lully 
Nascid o nu m a 
família de 
mo leiros 
flo rentinos em 
1632, Gio v anni 
Battista Lu l l i 
inicio u sua ascensão na 
so ciedade francesa ao to rnar-se 
criado na corte, aos cato rze 
anos. Chamo u a atenção de 
Luís xiv, co m o qual mais tard e 
danço u em espetáculo s d a 
realeza. E m 1661, fo i 
encarregad o d a música na corte, 
e nessa épo ca afranceso u seu 
nome. O monopólio d a ópera 
f rancesa por Lu l ly lhe p ermitiu 
pro d uzir múltiplas obras. Sua 
prolífica produção antes d a 
mo rte p rematura em 1687 
também inclui música de 
câmara e obras sacras. 
Outras obras importantes 
1 6 6 3 Miserere mei Deus 
1674 Alceste 
1 6 7 7 Te Deum 
1 6 8 6 Armide 
TALENTO ESPECIAL 
PARA EXPRESSAR A ENERGIA 
DAS PALAVRAS 
INGLESAS 
DIDO AND AENEAS (c. 1683-1689), 
HENRY PURCELL 
74 OPERA RARROGA NA INGLA7ERRA 
EM CO N TEXTO 
FO C O 
Ó p e r a b a r r o c a n a I n g l a t e r r a 
A N T E S 
1 6 1 7 A mascarad a Lovers 
Made Men, de Ben Jo nso n, é 
musicad a por Nicho las Lanier 
no estilo recitativo italiano . 
1 6 5 6 The Siege ofRhodes, de 
cinco compositores, é tida como 
a primeira ópera inglesa, mas é 
chamad a de "música recitativa" 
para evitar a proibição de p eças 
feita pelos puritanos. 
c . 1 6 8 3 Estreia Vénus and 
Adónis, de Jo hn Blow , na corte 
de Carlo s n. 
1 6 8 5 Albion and Albanius, 
co m libreto de Jo hn Dryd en e 
musicad a por Lo uis Grabu, é a 
mais antiga ópera completa em 
inglês que se co nservo u 
totalmente. 
D EPO IS 
1 7 0 5 Gli amori d'Ergasto, de 
Jako b Greber, é a p rimeira 
ópera italiana pro d uzid a em 
Lo nd res. 
1 7 1 1 Hándel estreia a ópera 
italiana Rinaldo, sua p rimeira 
obra p ara os palco s londrinos. 
Dido and Aeneas é uma das 
expressões de génio mais 
originais em toda a ópera. 
Gustav Holst 
A grandeza de Dido and Aeneas, de Henry Purcell (1659-1695), reside na 
perfeição da caracterização e 
pro fundidade musical. Embo ra 
concebida numa escala em 
miniatura, é a mais importante 
ópera inic ial inglesa e uma obra-
-prima de toda a era musical 
barroca. 
No fim do século xvn, quando 
Dido and Aeneasfoi composta, a 
ópera aind a estava na infância na 
Inglaterra. Ela tinha evoluído em 
Florença nos anos 1590 a partir de 
uma forma de entretenimento 
privada o rganizada por grupos de 
artistas e músicos conhecidos 
como "academias" (pp. 62-63). Dali 
se espalhou pela Itália co m 
encenaçõ es em várias das muitas 
pequenas cortes. Só em 1637, co m 
a abertura do Teatro d i San 
Cassiano em Veneza, a ópera foi 
levada a u m público maior. O novo 
género tinha alcançado a 
A lemanha nessa épo ca e a França 
nos anos 1640, logo se enraizando 
nos dois países. 
Na Inglaterra, a ópera avançou 
mais devagar, em parte por 
preconceito contra teatro cantado, 
quando o falado era dominante no 
Puritanos zombam dos Cavaleiros e 
seus trajes exuberantes numa cena de 
taverna do século xvn. Cromwell fechou 
muitas estalagens e teatros, que 
chamava de bastiões da "alegria lasciva". 
país. A Inglaterra não tinha uma 
corte real ao redor da qual a tradição 
operística poderia florescer, devido 
ao exílio do futuro rei Carlos n após a 
derrota dos Cavaleiros (realistas) na 
Guerra Civ i l Inglesa (1642-1651) e o 
estabelecimento do protetorado sob 
a regência do puritano Oliver 
Cromw ell. Nesse período, os 
compositores ingleses não foram 
muito expostos a influências 
estrangeiras e sua música tendeu a 
manter forte identidade nacional. 
Formas como o verse anthem, em 
que vozes solo e coro cantam 
estrofes alternadas, eram 
favorecidas na liturgia anglicana. A 
música profana incluía catches -
cânones licenciosos simples, em 
geral cantados em tavernas - , sem 
equivalente direto na Euro pa 
continental. 
Uma génese misteriosa 
A restauração d a mo narquia em 
1660 co m Carlos n aproximou a 
Inglaterra do continente europeu e 
BARROCO 1600-1750 75 
Ver também: Eurídice 62-63 « Orfeu e Eurídice 118-119 • A flauta mágica 134-137 
• O barbeiro de Sevilha 148 • La traviata 174-175 • Peter Grimes 288-293 
de seu repertório musical. Isso 
influenciaria Purcell, que 
desenvo lveu suas habilidades 
compondo co m maestria hinos e 
cançõ es a partir dos dezesseis anos. 
Muitas dessas p eças precoces 
mo stram o alcance d a imaginação 
que faria de Dido and Aeneas, mais 
tarde, uma obra tão poderosa. 
Pouco se sabe sobre a criação 
de Dido and Aeneas. Os 
manuscrito s mais antigos 
conhecidos são de várias décadas 
após a morte de Purcell e alguns 
materiais, como a música para o 
prólogo do libretista N ahum Tate, 
se perderam. A estreia d a obra 
também é misterio sa. Ela foi 
Dido acolhe Eneias numa cena de 
artista italiano (anónimo, séc. xvm). Embora 
baseada no poema épico de Virgílio, a 
ópera de Purcell usava bruxas, em vez de 
deuses, para separar os amantes. 
encenada na Jo sias Priesf s 
Bo ard ing School for Yo ung Lad ies 
em Chelsea no fim dos anos 1680, 
mas alguns crêem que foi 
encomendada antes pela corte do 
rei Carlos n. Não há, porém, 
nenhuma evidência de encenação 
no período proposto (1683-1684). O 
próprio Priest era coreógrafo e 
mestre de dança e hav ia trabalhado 
com Purcell em produções teatrais. 
Vénus and Adónis, de Jo hn Blow, o 
modelo para Dido and Aeneas e 
também para uma ópera co m 
prólogo e três atos, foi recuperada 
por Priest e suas alunas e estreou 
na corte por vo lta de 1683. 
A influência continental 
Embo ra Purcell se inspirasse no 
estilo de antecessores e 
contemporâneos ingleses, como 
Matthew Lo cke e Blow, modelos 
musicais europeus são evidentes » 
Henry Purcell 
Nascido em 1659, quando a 
v id a na corte estava prestes a 
ser restaurad a co m a ascensão 
de Carlo s n, Purcell foi u m 
músico completo . Em sua 
carreira relativamente breve, 
ad quiriu as habilidades 
necessárias p ara o êxito em 
todos os género s disponíveis. 
Fo i menino do coro na Cap ela 
Real e, adulto , recebeu vários 
encargos na corte, compondo 
música p ara eventos o ficiais, 
além de obras p ara câmara e 
igreja, cançõ es e suites p ara 
cravo . Como o rganista d a 
A b ad ia de Westminster a 
partir de 1680, trabalho u perto 
do West En d londrino e compôs 
música instrumental p ara 
dezenas de p eças. Co laborou 
aind a em várias semió peras e 
óperas dramáticas co m 
substancial conteúdo musical, 
como King Arthur e The Fairy 
Queen. Mo rreu em 1695, 
quando co mp unha The Indian 
Queen, d eixand o a conclusão 
de sua obra a cargo do irmão. 
Outras obras importantes 
1691 King Arthur 
1692 The Fairy Queen 
1694 Come, Ye Sons ofArt 
1695 Funeral Music for Queen 
Mary 
76 ÓPERA BARROCA NA INGLATERRA 
Na infância, Purcell foi coralista 
da Capela Real em Hampton Court, 
na Inglaterra, um local de 
treinamento para jovens músicos. 
Renovação da música 
A base criativ a d a música e do 
teatro ingleses se achav a em mau 
estado quand o Carlo s n subiu ao 
trono em 1660. Os puritano s 
tinham fechado os teatro s 
lo ndrino s desde cerca de 1642 e, 
od iando música em lo cais de culto , 
d isp ersaram até os coros d as 
cated rais. O interesse de Carlo s 
pelas artes e o apoio que d eu a 
elas fo ram p arte de u m a política 
mais amp la de estimulo ao 
entretenimento . 
Isso influencio u a música de 
vários modos. Carlo s crio u u m a 
o rquestra real de co rdas nos 
mo ldes d a Ving t-Quatre Vio lo ns 
d u Ro i, de Luís xiv. El a to cav a 
em ofícios d a igreja e evento s d a 
corte, executand o odes de 
aniversário de Purcell e outros. 
O posto de "Master of the King ' s 
M usick" fo i reinstituído co m a 
reno meação de Nicho las Lanier. 
Fund açõ es como a Cap ela Real, 
que treinav a músico s 
pro fissio nais, também fo ram 
recuperad as. Casas teatrais 
fo ram abertas e pro speraram, 
pro duzindo o que é hoje 
chamad o Teatro d a Restauração 
- muitas v ez es co méd ias 
o bscenas - , p ara o qual era 
preciso cançõ es e música 
incid ental, em geral suprid as 
pelo próprio Purcell . 
em Dido and Aeneas e outras obras. 
Nos anos de exílio, Carlos n tinha 
adquirido gosto por música francesa 
e italiana. Tais preferências 
influenciaram músicos aspirantes 
ávidos por patrocínio real. 
A s influências francesas são 
evidentes já no início de Dido and 
Aeneas. O primeiro ato co meça 
co m uma típica ouverture francesa, 
introdução lenta e imponente 
baseada em ritmos pontilhados 
intensos (que d iv id em o compasso 
éé 
Como a poesia é a harmonia 
das palavras, a música é a das 
notas; e como a poesia está 
acima da prosa [...] a música é 
a exaltação da poesia. 
Henry Purcell 
t f 
entre uma nota longa e uma curta). 
A segund a parte d a ouverture é 
rápida e usa contraponto imitativo , 
além de u m recurso estrutural em 
que as seçõ es são repetidamente 
construídas a partir de uma ária 
curta, seguid a de u m coro e uma 
dança. A obra incluía várias 
danças, um traço co mum nas 
óperas francesas e inglesas da 
época. Elas sem dúvida agradaram 
o mestre de dança ao encenar a 
ópera em sua esco la. 
Notável também é o impacto d a 
ópera italiana - em especial Didone, 
outra obra sobre Dido e Eneias, de 
Francesco Cavalli. A m b as as óperas 
usam u m baixo ostinato ou 
passacaglia, em que a linha do baixo 
é repetida ao longo das melodias 
cambiantes e das harmonias ac ima 
dela. Purcell usa isso co m grande 
efeito dramático em duas árias de 
Dido, inclusive seu lamento, que 
vem perto do fim e fornece um 
clímax natural ao d rama todo. 
Efeitos dramáticos 
Na forma preservada, Dido and 
Aeneas co nsiste em três atos 
curtos que co ntam a história da 
chegada à velha Cartago de Eneias, 
o herói clássico do poema épico de 
Virgílio, Eneida. Tendo escapado de 
Tróia incend iad a ao fim d a guerra, 
ele navega co m seus seguidores 
para o norte da África. Lá, corteja a 
rainha cartag inesa Dido - viúva 
prudente que afinal cede a suas 
investidas. No entanto, bruxas más 
co nsp iram contra ela e env iam u m 
espírito maléfico disfarçado de 
Mercúrio para afastar Eneias e 
levá-lo a seu destino glorioso como 
fundador de Ro ma. Desesperada 
co m sua partida, Dido se suicid a. 
Purcell emprega magistralmente 
motivos empolgantes e 
madrigalismo ágil paraexpressar os 
climas cambiantes que dão forma à 
ação . O texto e a música de Purcell 
trabalham juntos em perfeita 
sinergia em movimentos diversos da 
ópera, evocando as emo çõ es 
condizentes de tristeza ou alegria, 
ou a má intenção das bruxas -
música e poesia "andando de mãos 
dadas para apoio mútuo", ideal que 
Purcell expressou na dedicatória de 
sua semiópera Diociesian (1690). Seu 
uso de melismas - uma sílaba em 
várias notas - é impressionante, 
BARROCO 1600-1750 77 
Recursos composicionais no 
Lamento de Dido 
realçando o efeito de representações 
de coragem, tormento ou o 
abatimento de Dido em seu 
recitativo "Whence could so much 
virtue spring". Purcell também cria 
do propôs Ho d issonâncias 
(desarmonias entre notas) nas 
partes de cordas do lamento de 
Dido, para expressar a extrema 
angústia da rainha em uma das 
manifestações musicais de tristeza 
mais comoventes já compostas. A 
última cena da morte é notável, 
também, numa épo ca em que heróis 
e heroínas líricos raramente 
morriam. Em Didone, de Cavalli, 
Dido é salva e se casa com outro. 
Um legado duradouro 
Pouco se sabe sobre as execuções de 
Dido and Aeneas em v id a de Purcell. 
Ela foi reencenada em Londres em 
1700 e 1704, embora essas produções 
pareçam ter sido as últimas até o fim 
do século xix. Cada vez mais 
apresentada desde então, é hoje 
regularmente encenada por escolas e 
amadores, e também nas grandes 
salas de ópera mundiais. 
A ascensão de Guilherme m ao 
trono em 1689 d iminuiu o patrocínio 
na corte, embora Purcell tenha 
escrito belas odes para a consorte do 
Um baixo de cinco 
compassos repetido o 
tempo todo sugere 
inevitabilidade 
Appoggiatura (nota 
curta "apo iada") sugere 
so luços. 
rei, a rainha Maria, até 1694. Nos 
anos finais, Purcell se concentrou 
mais em obras teatrais, em especial 
na forma dramática ou de semiópera. 
Esse género de entretenimento 
tipicamente inglês compreendia uma 
peça com canções, danças e coros no 
fim dos atos, como interlúdios. Estes 
tinham pouca ligação direta com a 
peça e eram apresentados por uma 
companhia separada de cantores e 
bailarinos. Os exemplos mais 
conhecidos são King Arthur (1691), 
com texto do poeta John Dryden, e 
The Fairy Queen (1692), cujo texto 
falado é uma adaptação de Sonho de 
uma noite de verão, de Shakespeare, 
pelo ator e agente Tho mas Betterton. 
A s outras obras de Purcell iam 
da música de câmara e sacra a 
cançõ es e odes formais. Sua Dido 
A partitura de Dido and Aeneas usa 
linha de baixo que pode ter sido tocada 
por violoncelo, fagote e contrabaixo - ou 
viola da gamba baixo, como nesta obra 
do holandês Caspar Netscher (1639-1684). 
O motivo "Lembre-se de 
m im " empresta uma 
impressão de anseio 
Frases que d escem e 
d issonância ind icam 
angústia 
and Aeneas ind ica, porém, que, não 
fosse a morte prematura aos 36 
anos, Purcell teria podido lançar as 
bases para uma tradição operística 
inglesa. O espaço foi por fim 
ocupado por Georg Friedrich 
Hândel, nascido na A lemanha, que 
compôs óperas em Londres entre 
1711 e 1741. • 
éé 
A música só está em sua 
minoridade, é uma criança 
precoce, o que dá esperança do 
que pode ser depois na 
Inglaterra, quando seus 
mestres tiverem mais estímulo. 
Henry Purcell 
99 
78 
EM CO N TEXTO 
FO C O 
Hinos luteranos 
A N T E S 
1 5 2 9 Martinho Lutero co mp õ e 
o hino Ein feste Burg. 
1 6 2 4 Samuel Scheid t p ublica 
Tablatura nova, co letânea de 
música para teclado co m oito 
conjuntos de variaçõ es co rais. 
D EPO IS 
1 7 0 5 - 1 7 0 6 J. S. Bac h c am inha 
de A rnstad t a Lúbeck (378 km) 
p ara encontrar e ouvir 
Buxtehud e. 
1 7 2 6 J. S. Bac h co nclui os 
últimos co rais de 
Orgelbúchlein (Pequeno livro 
do órgão), su a maior co letânea 
de prelúdios co rais. 
1 8 3 0 Felix Mend elsso hn 
baseia o Bnale d a Sinfo nia n 2 5, 
"Reforma", em Ein feste Burg, 
de Lutero . 
0 SENTIDO DAS IGREJAS 
NÃO É 0 VOCIFERAR 
DOS CORALISTAS 
PRELÚDI O CORAL, EIN FESTE BURG IST UNSER 
G07TO69O), DIETERICH BUXTEHUDE 
Q uando, em 1517, Martinho Lutero escreveu as 95 
teses que deflagrariam a 
Reforma, suas principais o bjeçõ es 
tinham pouco a ver co m música: 
d iz iam respeito à vend a de 
indulgências e à questão da 
autoridade papal. Conforme a 
Reforma avançou, porém, a música 
de igreja foi pro fundamente afetada. 
O canto religioso tinha sido por 
séculos exclusiv idade de monges e 
cantores treinados e, sendo em 
latim, era em geral incompreensível 
às pesso as d a congregação . 
Lutero co locava ênfase especial 
na participação dos congregados e 
no uso do vernáculo, de modo que 
todos pudessem entender o que 
o uviam e cantavam. O coral - hino 
congregacional - era a chave para 
isso . O próprio Lutero compôs 
muitos dos primeiros corais, dos 
quais talvez o mais famoso seja Ein 
feste Burg, baseado no salmo 46 -
"Nosso Deus é uma fortaleza 
imponente, uma torre de poder que 
nunca fraqueja". 
Na épo ca barroca, melodias 
corais eram a base de muitos 
géneros diferentes de música na 
Igreja Luterana. Um deles era o 
prelúdio coral, uma p eça curta para 
órgão que introduzia a melodia do 
coral, para que as pesso as 
so ubessem em que tom cantar. 
Traço característico 
O principal pioneiro do prelúdio coral 
foi Dieterich Buxtehude. Ele 
apresentava a melodia coral numa 
versão ornamentada em uma só voz 
mais alta, tocada pela mão direita 
num teclado do órgão separado, 
enquanto a esquerda e os pedais 
faziam o acompanhamento , em 
geral em pontos de som mais 
suaves. Buxtehude foi um pouco 
influenciado pelas obras de 
compositores anteriores, como as 
variações para teclado do organista 
holandês Jan Pieterszoon Sw eelinck 
(1562-1621) e seu discípulo Samuel 
é é 
[Eu queria] entender uma 
coisa ou outra sobre sua arte. 
J. S. Bach 
f f 
BARROCO 1600-1750 79 
Ver também: Cantochão 22-23 • Magnus líber organi 28-31 • Great Service 52-53 • Pièces de clavecin 82-83 • A Paixão 
segundo São Mateus 98-105 'A arte da fuga 108-111 'Elias 170-173 
Alegoria da amizade, do artista 
holandês Johannes Voohout, mostra 
Buxtehude apoiado no cotovelo. Entre 
os outros músicos está o cravista 
Johann A dam Reincken. 
Scheidt (1587-1654), mas, enquanto 
Scheidt muitas vezes apresentava o 
tom do coral em notas mais lentas e 
sem ornamentação e tecia as 
variações ao seu redor, Buxtehude 
tornava a própria melodia coral a 
linha mais clara e mais ornamentada, 
com as variações sendo mais simples. 
O prelúdio de Ein feste Burg ist 
unser Gott (o. 1690), de Buxtehud e, 
é u m exemplo perfeito d essa 
abordagem. A mão d ireita 
apresenta uma melodia solo de so m 
espo ntâneo que segue o contorno 
do tom coral. O próprio coral fica 
mais claro graças ao fato de que 
cad a uma de suas notas é mantid a 
por mais tempo que as notas 
impro v isadas e decorativas que as 
co nectam ou então porque é 
apresentado como a primeira (e de 
som mais forte) de uma co leção de 
quatro notas. 
O aco mpanhamento na mão 
esquerda e os pedais são em geral 
em harmo nia de duas ou três 
partes, às vezes usando motivos da 
melodia coral e entretecendo-os de 
Dieterich Buxtehude 
modo imitativo , e outras vezes 
optando por uma abordagem 
cordal. Desse modo, o tom é 
apresentado uma vez do início ao 
fim. Esse estilo especial de arranjo 
influenciou J. S. Bach, que seguiu 
u m modelo similar em seus 
prelúdios corais. • 
É incerto quand o e onde 
exatamente Dieterich 
Buxtehud e nasceu, mas p asso u 
a p rimeira infância em 
Helsingbo rg (na atual Suécia), 
de onde a família mais tard e se 
mud o u p ara Helsingor, na 
Dinamarca. Fo i lá que 
Buxtehud e aprend eu a to car 
co m o p ai, o rganista. 
A pós trabalhar na antiga 
igreja do p ai, em Helsingbo rg , e 
depo is em Helsingo r, em 1668 
Burxtehud e aceito u o 
prestigio so posto de o rganista 
d a Igreja de M aria, em Lúbeck. 
Segund o a trad ição o novo 
o rganista d ev ia d espo sar a filha 
do antecessor, u m a o brigação 
que Buxtehud e cump riu 
semanas apó s assumir o cargo . 
Co nservo u a po sição de 
o rganista de Lúbeck até a 
morte, em 1707. 
Outras obras importantes 
1 6 8 0 Membra Jesu nostri 
1 6 8 0 Prelúdio em dó maior 
1 6 9 4 So natas em trio , op. 1 
EM CO N TEXTO 
FO C O 
O concerto grosso 
A N T E S 
1 6 1 0 Publicação de Sonate a 
tre para vio lino , corneto e 
continuo, de Gio v anni C i m a 
- u m dos primeiro s exemplo s 
de música italiana pro fana de 
câmara. 
1 6 7 5 Primeira execução d a 
Sonata di viole n Q 25, de 
A lessand ro Stradella, que 
co ntrasta u m so lista e u m 
conjunto . Co nsta que Corelli 
o uv iu-a quand o estav a em 
Ro ma. 
D EPO IS 
1 7 2 1 J. S. Bac h agrup a os 
Concertos de Brandemburgo, 
vários dos quais fazem 
experiências co m a 
instrumentação tanto solo 
co mo de conjuntos. 
1 7 4 1 Os doze Concerti grossi, 
op. 6, de Hàndel, são publicados, 
como u m tributo direto aos 
Concerti grossi de Corelli. 
0 NOVO ORFEU 
NOSSO TEMPO 
CONCERTI GROSSI, OP. 6 (1714), 
ARCÂNGELO CORELLI 
Otermo italiano concerto foi usado a princípio para designar qualquer música 
para vozes e instrumentos, 
evoluindo para a distinção entre 
concerti ecclesiastici (música sacra) 
e concerti di camera (música de 
câmara) no início do século XV II . No 
fim do século xvm tornou-se a 
exibição bem mais grandiosa de 
virtuosismo que é familiar hoje, mas 
suas raízes remontam à modesta 
configuração de um pequeno grupo 
de so listas e u m conjunto de cordas 
com continuo (linha de baixo) 
desenvolvida pelo italiano Arcângelo 
Corelli por volta da v irada para o 
século xvm. A magistral op. 6 de 
Os Concerti grossi de Corelli 
estrearam no Palazzo Pamphili, em 
Roma, um exemplo deslumbrante da 
arquitetura barroca italiana, que refletia 
a qualidade e a graça da música. 
Ver também: As quatro estações 92-97 
piano n" 2 em sol menor. Saint-Saèns 179 
éé 
E maravilhoso observar como 
um risco de Corelli está em 
toda parte lá - nada vai dar 
sabor senão Corelli. 
Roger North 
Escritor e músico 
(1653-1734) 
f f 
Corelli, Concerti grossi, publicada 
como um conjunto de doze 
concertos postumamente, sintetiza 
essa forma. 
Cad a u m dos concerti de Corelli 
co nsiste em quatro a seis 
movimentos, tocados por um trio 
concertino - três so listas, incluindo 
dois vio linos e um violoncelo 
continuo - e o rípieno, u m conjunto 
de cordas maior, co m 
aco mpanhamento de cravo . 
Confusamente, Corelli muitas vezes 
exp and ia a seção concertino para 
quatro músicos. O basso continuo 
(violoncelo e cravo) fornecia uma 
moldura ou base musical contínua, 
sobre a qual a melodia e a harmo nia 
dos so listas e do grupo 
acompanhador, ou ripieno, eram 
construídas. 
Expressão dinâmica 
Usando essas forças instrumentais 
contrastantes, Corelli explorou a 
expressão d inâmica, dando v id a a 
trocas entre as seçõ es por meio de 
justapo siçõ es dramáticas - muitas 
vezes realçadas quando o 
concertino se junta ao ripieno. A 
• Musique de table 106 • Concerto para 
música v ai de adágios serenos (em 
tempo lento), trabalhados co m 
suspensõ es primorosas, a allegros 
(tempo rápido), temperados co m 
intercâmbios ágeis entre os 
conjuntos grande e pequeno . O uso 
da harmo nia por Corelli nesses 
concerti co nd iz ia co m u m 
deslocamento mais geral da música 
barroca italiana, afastando -se da 
miríade de linhas da polifonia 
renascentista e usando sequências 
de acordes e cadências para criar 
um centro tonal estável. 
A obra de Corelli atraiu 
imed iatamente a admiração de 
mecenas e outros músicos. Entre os 
concerti op. 6, o n 2 8 em sol menor, 
co m o subtítulo Fatto per la Notte 
di Natale, foi encomendado por seu 
protetor nos anos 1690, o cardeal 
Pietro Ottoboni. Co nhecid a como 
Concerto de Natal, a obra desfrutou 
de popularidade duradoura. 
Harmonia e equilíbrio 
Embo ra Co relli tiv esse escrito 
antes 48 so natas em trio p ara a 
co mbinação de instrumento s do 
concertino, é impo ssível 
co nsiderar os Concerti grossi 
como mera d ilatação d essas obras 
de câmara de p equena escala. 
A lg u m as ap resentaçõ es 
envo lveram até o itenta músico s 
- u m número enorme, em esp ec ial 
na ép o ca de Co relli, quand o as 
o rquestras em geral abrang iam 
cerca de v inte músico s. 
Em 1789, mais de setenta anos 
após a morte de Corelli, o músico , 
compositor e historiador da música 
inglês Charles Burney escreveu 
sobre os Concerti grossi. "O efeito 
total [...] [é] tão majestoso , solene e 
sublime que impede toda crítica". 
Mesmo hoje, suas melodias 
co ntinuam a ressoar. • 
BARROCO 1600-1750 81 
A rcângelo Corelli 
Nascid o numa família 
pró spera na p equena cidade 
italiana de Fusig nano , em 
1653, Co relli foi aceito na 
o rquestra d a A c ad em ia 
Filarmó nica de Bo lo nha aos 
d ezessete ano s. Sua maestria 
ao v io lino , co mbinad a ao rigor 
de seus méto d o s de ensino e 
seus muito s d iscípulos, como 
A nto nio V iv ald i e Francesco 
Geminiani , fizeram sua 
reputação crescer. Em mead o s 
dos ano s 1670, mudo u-se p ara 
Ro ma, onde entro u ao serv iço 
d a rainha Cristina d a Suécia, a 
qual tinha casa em Ro ma, e 
depo is fo i d iretor musical do 
card eal Pamp hili . Seu último 
mecenas fo i o card eal Pietro 
Ottoboni, que era tam b ém 
músico e libretista. Co relli 
mo rreu em 1713. A p esar de 
sua produção relativamente 
mo d esta, seus ano s de 
co mpo sição mais ativ a 
co incid iram co m o crescimento 
d a publicação musical, na 
v irad a p ara o século xv m. 
Resultad o : su a influência se 
espalho u na Euro p a aind a 
d urante su a v id a. 
Outras obras importantes 
1694 Doze sonatas em trio, op. 4 
1700 Doze sonatas para vio lino , 
op. 5 
EM CO N TEXTO 
FO C O 
M úsica barroca f rancesa 
para cravo 
A N T E S 
1 6 7 0 Jacques Champ io n de 
Chambo nnières publica Les 
Pièces de clavessin (Peças para 
cravo), a primeira obra francesa 
importante sobre cravo . 
1 6 7 7 Nicho las-A nto ine 
Lebèg ue escreve Les Pièces de 
clavessin, as p rimeiras suites 
de d ança p ublicad as na 
França. 
D EPO IS 
1 7 2 5 J. S. Bac h inc lui Les 
Bergeries (de Sixième Oídie, 
1717) no Pequeno livro de Anna 
Magdalena sob o título 
Rondeau. 
1 7 5 3 C . P. E. Bac h escreve o 
vo lume 1 de Versuch úber die 
wahre Art das Clavier zu 
spielen, tratado influenciado 
por LArt de toucher le clavecin 
( A arte de tocar o cravo), de 
Co uperin. 
A UNIÃO DOS ESTILOS 
FRANCÊS E ITALIANO 
DEVE LEVAR À 
PERFEIÇÃO MUSICAL 
PIÈCES DE CLAVECIN (1713), FRANÇOIS COUPERIN 
A ntes d as ordres, ou suites, de Franço is Co uperin, a música de teclado francesa 
assumia muito a forma d as d anças 
populares barrocas, como a 
alemanda, a corrente e a 
sarabanda. Porém, em parte por 
suas co nexõ es na corte francesa, 
Co uperin também co nhecia a 
música italiana, inclusive a sonata, 
peça de vários movimentos para 
pequeno grupo de instrumento s, 
sem dança ou canto envolvidos. A s 
sonatas da épo ca tinham em geral 
duas partes, e cad a metade era 
repetida. Como v isto nas mais de 
quinhentas sonatas de Domênico 
Scarlatti, elas tend iam a focalizar o 
éé 
Eu prefiro o que me toca ao 
que me surpreende. 
François Couperin 
Pièces de clavecin (1713) 
f f 
v irtuo sismo técnico e a modulação 
formal das melodias, mais que 
mudanças de humor ou sentimento . 
Floreios ornamentais 
Embo ra usasse a estrutura d a 
sonata em sua música, Co uperin se 
concentrou na graça e no gesto , 
influenciado pela visão francesa 
prevalecente da música como u m 
passatempo sofisticado, elegante e 
até frívolo. Muitas de suas obras 
têm títulos descritivos, segundo ele 
ideias que lhe o corriam enquanto 
escrev ia. O equilíbrio cuidadoso 
que alcançava entre a sensibilidade 
jo v ial francesa e a abordagem mais 
formal e estruturada italiana deu a 
sua obra grande apelo. 
A s obras para teclado foram 
escritas to talmente para cravo ou 
espineta. Neles, o tocador não tem 
controle do vo lume. Co uperin 
adicionou ornamentos sutis à 
música para dosar seu fluxo e 
intensidade e esperava, de modo 
inusual na época, que osinstrumentistas não fizessem 
acréscimo s nem impro v isassem. 
Mais aind a, publicava instruçõ es 
detalhadas sobre os ornamentos, 
marcando as notas precisamente 
como d ev iam ser tocadas, 
codificando assim tais signos para 
BARROCO 1600-1750 83 
Ver também: Micrologus 24-25 • Sonata em ré menor, Scarlatti 90-91 • Musique 
de table 106 • Sonata para piano em fá sustenido menor, Clementi 132-133 
futuras geraçõ es. Seu estilo não 
agradava a todos - embora tenha 
arranjado algumas d as obras de 
Couperin, co nsta que J. S. Bach 
achou-as rebuscadas demais. 
Essa confiança nos ornamentos 
tende a implicar que a música de 
Couperin não se traduz tão bem no 
piano moderno, que, com seu som 
mais sustentado e cheio, destaca-os 
demais. Isso , a par de sua aversão ao 
v irtuo sismo aberto e à ousadia 
harmónica (como mudanças súbitas 
de escala ou notas discordantes), 
pode explicar por que sua música 
tem sido eclipsada pela de Scarlatti 
nas salas de concerto. Embo ra não 
seja o primeiro tratado sobre 
teclados, LArt de toucher le 
clavecin de Co uperin foi um dos 
mais importantes, oferecendo não 
um curso completo mas conselhos 
ao instrumentista sobre postura do 
corpo e temas técnico s. Ele inclui 
uma série de oito prelúdios para 
estudo e dedilhados de algumas 
das p eças publicadas de Couperin. 
Particularmente avançadas são 
suas sugestõ es de que as crianças 
do minem algumas p eças antes de 
aprender a ler música e que a 
prática seja superv isio nada. Essas 
ideias antecipam algumas 
abordagens modernas d a educação 
musical, como o método Suzuki, no 
século xx. • 
Uma menina aprende a tocar cravo 
em A aula de música, de Jean-Honoré 
Fragonard. François Couperin ensinou 
música aos filhos de Luís xiv em 
Versalhes. 
François Couperin 
M esmo na l inhag em de 
g rand es músico s em que 
nasc eu em 1668, Franço is 
Co up erin fo i extrao rd inário . 
A p ó s a mo rte do p ai , Charles, 
substituiu-o como o rg anista 
na Ig reja de St- Gerv ais, em 
Paris, já aos o nze ano s, v ind o 
a ser d epo is u m dos 
instrum entistas e p ro fesso res 
m ais p ro curad o s d a França. 
E m 1693, Co up erin fo i 
no mead o por Luís xrv 
o rg anista d a Cap e la Real . 
To rno u-se c rav ista de Luís xv 
em 1717 e co mp ô s o bras p ara 
a família real . Mo rreu em 
Paris em 1733. 
A s séries de ordres p ara 
teclad o de Co up erin são 
c lassi f icad as entre as 
co ntribuiçõ es m ais 
sig nif icativ as à música de 
crav o barro ca. Os c rav istas 
aind a ho je estu d am LArt de 
toucher le clavecin p ara 
melho rar seu d esemp enho . 
Outras obras importantes 
1 7 1 3 - 1 7 3 0 24 Ordres (em 
quatro livro s) 
1 7 1 4 - 1715 Les Concerts royaux 
(Os concertos reais) 
1 7 2 4 - 1 7 2 5 A po tfiéo ses 
OS INGLESES 
DE ALGO EM QUE POSSAM 
MARCAR O TEMPO 
mm MUSIC, HWV 348-350 (1717), 
GEORG FRIDERIC HANDEL 
86 UM ESTILO INTERNACIONAL 
EM CO N TEXTO 
FO C O 
U m estilo internacional 
A N T E S 
anos 1660 A pó s a restauração 
d a mo narquia na Inglaterra, 
Carlo s II reintegra a música na 
corte. Ele favorece o estilo 
francês e promove em esp ecial 
a d ança, paixão que ad quiriu 
em seu exílio na França. 
anos 1670 O grupo de 
músico s pro fissionais M usic 
Meeting abre u m a sala de 
co ncerto s perto de Charing 
Cro ss, em Lo nd res. 
D EPO IS 
1727 Hándel co mp õ e o hino 
Zadok the Priest para a 
co ro ação de Jo rge n. 
sécul o xix O s co mpo sito res 
se af astam de u m estilo 
internacio nal p ara d estacar a 
ind iv id ualid ad e d as naçõ es, 
insp irand o -se no s ritmo s de 
d anç as fo lclóricas e em temas 
nac io nalistas. 
A té o fim do século xix, a Inglaterra era em geral referida como a terra sem 
música. Embo ra as apresentaçõ es 
se suced essem em Londres, onde 
hav ia a mais antiga tradição de 
concertos públicos d a Euro pa, a 
moda era promover compositores e 
instrumentistas estrangeiros em 
vez dos nativos. Tanto Hàndel 
quanto Jo hann Christian Bach 
(conhecido como "o Bach inglês") se 
mud aram para Lo ndres para 
aproveitar as oportunidades da 
cidade, e compositores como 
Mozart e Hay d n v isitav am-na como 
músicos bem pagos e festejados. 
Música como prazer 
Quando chegou a Lo ndres em 1711, 
Hándel já tinha um estilo d istintivo , 
enraizado em sua criação no norte 
alemão e influenciado por sua 
temporada italiana. Ele fora 
apresentado a Arcângelo Corelli e 
Domênico Scarlatti na Itália, onde 
obtivera sucesso co m óperas 
italianas e obras religiosas. 
Co nhecia também a obra de Jean-
-Baptiste Lully, que d o minava a 
música francesa, e o inglês Henry 
Purcell. O cosmopolitismo apelava 
ao público de concertos londrino, 
éé 
Hándel é o maior compositor 
que já viveu [...]. Eu vou 
descobrir a cabeça e me 
ajoelhar em seu túmulo. 
Ludwig van Beethoven 
f f 
que apreciou o fato de Hándel 
evitar alguns dos excesso s 
floreados do contraponto do A lto 
Barroco favorecidos por Bach. 
Hàndel logo foi nomeado diretor 
musical do duque de Chando s, que 
o apresentou a outros membros da 
aristo cracia inglesa. Enquanto 
trabalhava para o duque, Hãndel 
aperfeiçoou u m estilo novo e mais 
direto, que pode ser ouvido em seus 
hinos de Chand o s e na mascarad a 
Acis and Galatea. Fo i também 
então que escreveu Esther, o 
primeiro de seus oratórios ingleses, 
género pelo qual ficaria famoso. 
Georg Frideric Hãndel Nascid o em Halle, no nordeste 
alemão , em 1685, Hándel recebeu 
as p rimeiras lições de música de 
u m o rganista lo cal. A i n d a jo vem, 
mud o u p ara Hamburg o p ara 
trabalhar como compositor, e d ali 
foi p ara a Itália. Desenv o lv eu seu 
talento dramático nas ó peras 
có micas Rodrigo (1707) e 
Agrippina (1709) e no arranjo de 
salmo Dixit Dominus (1707). 
Vo ltando a Hano v er em 1710, 
Hàndel se to rno u Kapellmeister 
(diretor musical) do eleitor de 
Hano v er (mais tard e Jo rge i d a 
Grã-Bretanha e Irland a) . Fo i p ara 
Lo nd res u m ano depo is, onde 
v iv eu o resto d a v id a. M ais tard e 
ficou famo so co m seus oratórios, 
em esp ecial Messiah, e selo u sua 
carreira co m Music for the Royai 
Fireworks em 1749. Mo rreu rico 
e foi enterrado co m a elite na 
A b ad ia de Westminster, em 
Lo nd res. 
Outras obras importantes 
j 1725 Rodehnda, HW V 19 
1742 Messiah, H W V 56 
1749 The Music for the Royai 
t Firew o rks, H W V 351 
! 1751 Jephtha, H W V 70 
BARROCO 1600-1750 87 
Ver também: Sonata piari e forte, Gabrieli 55 •Eurídice 62-63 - A s quatro estações 92-97 - A flauta mágica 134-137 • Elias 
170-173 -La traviata 174-175 • O ciclo do anel 180-187 • Tosca 194-197 
Hàndel apresenta tVater Music a 
Jorge i numa pintura do artista belga 
Edouard Hamman. Segundo relatos de 
jornal, o rio todo estava cheio de botes 
e barcaças. 
Em 1717, Jorge i p ed iu a Hãndel 
que co mp usesse a música para 
uma v iag em de barco no Tâmisa. 
Era preciso que fosse sensacio nal: 
o rei queria fazer u m grande 
evento público para d esv iar a 
atenção de seu filho, o príncipe de 
Gales, que estava formando uma 
facção po lítica de oposição . Hàndel 
teve de equilibrar o desejo de 
inovação e a exigência de grande 
apelo popular. Embo ra o concerto 
no barco co m cerca de c inquenta 
instrumentistas fosse uma 
novidade em si, Hàndel importou 
tro mpistas boémios, cujo elegante 
toque so aria muito d iversamente 
d as trompas de caça familiares ao 
público inglês. A o lado de fagotes 
e trompetes, eles ajud aram a 
projetar a música ao ar livre. 
Em essência, Water Music é 
uma mescla de estilos europeus 
populares. Co meça co m uma 
abertura nos ritmos irregulares do 
estilo francês, incorpora d anças 
que eram moda na Euro pa na épo ca 
e inclui a música mais inglesa -
hornpipe - , que se tornou a melodia 
que marca a obra. 
Ópera em Londres 
Em 1719, o duque de Chand o s e 
seus amigos, aproveitando o 
crescente interesse em ópera na 
Inglaterra, inauguraram a Ro yai 
A cad emy of Music (sem relação 
co m o conservatório de mesmo 
nome fundado u m século depois), 
sob carta patente do rei. Era um a 
empresa co mercial, fo rmada como 
corporação de cap ital so cial, co m o 
fim de enco mendar e produzir 
no vas óperas italianas na Grã-
-Bretanha. Hàndel foi u m de seus 
três compositores além de diretor 
musical. Ele v iajo u pela Euro p a 
para contratar os melhores » 
éé 
Eu devo me desculpar se só 
lhes der entretenimento. Eu 
quero torná-los melhores. 
Georg Frideric Hãndel 
f f 
88 UM ESTILO INTERNACIONAL 
A música pública e a 
plateia de concertos 
Lo ndres foi a primeira cidade a 
criar concertos públicos com 
plateia pagante. A tendência se 
iniciou por vo lta de 1672, 
quanto o v io linista e compositor 
Jo hn Banister organizou u m 
concerto pago em sua casa. 
Quando Hàndel chegou a 
Lo ndres, hav ia locais 
destinados a concertos de 
música de câmara. A lém disso , 
os teatros na Drury Lane e no 
Haymarket o fereciam ópera 
italiana e, mais tarde, inglesa à 
alta sociedade londrina. 
A partir de cerca de 1740, 
jard ins públicos co m atrações 
se espalharam na capital, em 
especial em Vauxhall . Neles os 
v isitantes po d iam passear, 
jantar e se d ivertir co m música 
ao v ivo de o rquestras e band as 
de sopro. Um ensaio em 1749 de 
Music for the Royai Fireworks, 
de Hãndel, em Vauxhall 
Gard ens atraiu cerca de 12 mil 
pessoas, pagando dois xelins e 
seis pence cad a e causando 
congestionamento de três horas 
na Ponte de Lo ndres. 
A banda toca num coreto 
iluminado nos Vauxhall Gardens 
em Londres, enquanto os 
visitantes passeiam e dançam ao 
ar livre. 
músico s de o rquestra e cantores 
famosos como o castrato italiano 
Senesino e a soprano Francesca 
Cuzzo ni. 
Hándel entendeu a contínua 
ânsia por novidade do público . 
Quando as plateias londrinas se 
aco stumaram a esses artistas, 
trouxe outra soprano, Faustina 
Bordoni, que criou uma base de fãs 
rival entre o público, reanimando o 
interesse por ópera umas poucas 
temporadas mais. Os altos valores 
pagos a esses luminares podem ser 
uma d as razões para a co mpanhia 
ter fechado em 1728 co m dívidas 
de cerca de 20 m il libras (hoje 
4 milhões de libras). 
Mestre da encenação 
Hándel escreveu uma série de treze 
óperas para a Ro yai A c ad emy of 
Music , que tiv eram 235 execuçõ es 
em su a épo ca. Obras-p rimas do 
estilo italiano , elas inc luem Giulio 
Cesare in Egitto (1724) e Alcina 
(1735). Emb o ra usasse as 
co nv ençõ es líricas d a ép o ca -
recitativo s e árias - p ara 
desenvo lver a narrativ a, ele deu às 
ó peras u m a estrutura d ramática 
que era inco mum então . 
Co mpreend eu também a 
éé 
Hàndel entende efeitos 
melhor que qualquer um de 
nós - quando quer, golpeia 
como um raio. 
Wolfgang A madeus 
Mozart 
f f 
éé 
Ele v iu homens e mulheres 
onde outros só percebiam 
bustos históricos e míticos. 
Paul Henry Lang 
Crítico musical 
f f 
impo rtância do espetáculo , e 
várias de suas obras ex ig iam 
elabo rada maq uinaria de palco . 
Em Alcina, escrita p ara a no va 
c asa de ópera em Co vent Gard en, 
as instruçõ es de palco d iz iam: 
"co m raio s e trovões, a mo ntanha 
rui , revelando o encantado r 
palácio de A lc ina" . Tai s efeitos 
atraíam o público tanto quanto a 
música. 
Uma nova direção 
Quando a ópera italiana saiu de 
moda em Lo ndres após o 
extraordinário sucesso em 1728 de 
The Beggafs Opera, de Jo hn Gay, 
que satirizava a forma, Hándel usou 
suas habilidades para criar e 
popularizar oratórios em inglês. 
Começando co m Deborah (1733), 
essas obras emocionantes e 
dramáticas para cantores solo, coro 
e orquestra narrav am histórias 
bíblicas co m libretos em inglês, 
mas não eram executadas no palco . 
Influenciado até certo ponto por 
tradições líricas e até pela tragédia 
grega, Hãndel desenvo lveu u m 
estilo direto e um novo vigor que 
apelava às plateias inglesas. O 
público afluiu para ouvir obras 
como Messiah (1742), Samson (1743) 
e Belshazzar (1745). Messiah foi tão 
popular que se ped iu aos homens 
BARROCO 1600-1750 89 
que não levassem espadas às 
apresentaçõ es para deixar espaço 
para mais público . 
Hàndel muitas vezes 
apresentava ele mesmo essas 
obras, contratando teatros e 
artistas e co m frequência 
auferindo bo m lucro . Quand o uma 
co mp anhia riv al co mpetiu co m 
firmeza, Hándel escreveu vários 
concertos para órgão, que 
executo u como interlúdios entre as 
apresentaçõ es. Isso crio u uma rara 
oportunidade de ouvir seu grande 
v irtuo sismo no teclado em público 
e foi algo como u m golpe de mestre 
de marketing . 
O oratório hãndeliano se tornou 
tão popular que ele escreveu obras 
pro fanas no mesmo estilo . Hãndel 
co ncebeu Semeie (1744), que se 
baseav a na mito logia clássica, 
como u m d rama musical "à 
maneira de u m oratório" e até 
apresentou-o na Quaresma, 
quando sua representação de 
adultério causo u co nsternação . 
Obras como essa eram em 
essência óperas em inglês e são 
em geral encenad as como tal hoje. 
Nacional embora 
internacional 
Hándel foi co nsiderado o p rinc ip al 
composito r nu m a ép o ca em que a 
música era julgad a efémera e as 
obras mal eram o uv id as no s 
ano s após a estreia. Ele foi 
pro vavelmente o primeiro cuja 
obra não so freu qued a de 
po pularid ad e apó s a mo rte. N a 
Inglaterra, ajudou a amp liar o 
interesse por música além dos 
l imites d a aristo crac ia e crio u 
u m a identidade musical nacio nal 
em u m estilo internacio nal que 
duro u até Ed w ard Elgar, no fim do 
século xix. Seu hino Zadok the 
Priest, co mpo sto para a co ro ação 
de Jo rge n, aind a é usado na 
cerimó nia pelos mo narcas 
britânico s. • 
O memorial a Hàndel, de Louis 
François Roubiliac, está acima de seu 
túmulo na Abadia de Westminster. 
Três dias antes de sua morte, Hándel 
disse que gostaria de ser enterrado lá. 
EM CO N TEXTO 
FO C O 
Sonata barroca ital iana 
A N T E S 
1 7 0 1 O compositor barroco 
A rcângelo Corelli p ublica 
So natas para vio lino , op. 5 
- u m exemplo antigo de obra 
instrumental solo. 
1 7 0 9 A nto nio V iv ald i p ublica 
Doze so natas p ara v io lino e 
basso continuo , op. 2, exibind o 
de novo as habilid ad es 
v irtuo sísticas de u m 
instrumento solo. 
D EPO IS 
1 7 8 4 Mo zart p ublica a So nata 
p ara p iano n s 1, K. 279, 
seguind o os p asso s de 
Scarlatti, co m seu foco e m 
co mpo sição p ara teclado solo. 
1 7 9 5 Beetho v en p ublica a 
So nata p ara p iano n 2 1 , op. 2, 
dando co ntinuid ad e à 
exp erimentação de Scarlatti 
co m o género . 
NAO ESPERE INTENÇÃO 
PROFUNDA, MAS UM 
GRACEJO ENGENHOSO 
COM ARTE 
SONATA EM RÉ MENOR, K. 9 "PASTORAL" (1738), 
DOMÊNICO SCARLATTI 
O compositor e crav ista v irtuo se italiano Domênico Scarlatti publicou a 
primeira ed ição de Essercizi per 
gravicembalo (Exercícios para 
cravo) em 1738. Como o título da 
co letânea sugere, as trinta sonatas 
se d estinav am a ser études 
(estudos) para alunos de cravo -
embora, segundo o próprio 
Scarlatti, a originalidade do 
conteúdo d esminta o objetivo de 
aparência prática e co mum. 
Scarlatti foi contemporâneo de 
J. S. Bach e G . F. Hándel e suas 
deslumbrantes habilidades no 
teclado eram lendárias. Seus dedos 
Uma família posa com seu cravo 
nesta obra de 1739 de Cornelis Troost. 
A popularidade do instrumento em 
breve declinaria em favor do piano. 
BARROCO 1600-1750 91 
Ver também: Pièces de clavecin 82-83 • Musique de table 106 • Sonata para 
piano em fá sustenido menor, op. 25, Clementi 132-133 • Sinfonia "Eroica" 138-141 
éé 
Para tocar o cravo com arrojo 
[...] mostre-se mais humano 
que crítico e aumente assim 
seu prazer [...]. V IV A C O M 
FELICID A D E. 
Domênico Scarlatti 
f f 
d ançantes foram descritos por u m 
observador britânico impressionado 
como "mil demónios". Co nsta que 
ele e Hàndel participaram de um 
duelo de destreza no teclado que, 
segundo todos os relatos, termino u 
em empate. Scarlatti pôs seus 
talentos a serviço do mais alto nível 
real, como tutor de Maria Bárbara, 
princesa de Portugal e depois 
rainha d a Esp anha. Fo ram a 
aptidão dela para o instrumento e o 
emprego contínuoproporcionado a 
Scarlatti que pro piciaram as 
condições para a criação dos 
revolucionários Essercizi. 
O estilo de sonata de 
Scarlatti 
O termo "sonata" deriva do verbo 
italiano suonare, soar, e em geral 
denota música instrumental solo, ou 
seja, música que soa, e não a que é 
cantada (cantata). No início do 
século xvm, compositores italianos 
como Arcângelo Corelli, A ntonio 
Vivald i e To maso A lbino ni tinham 
escrito muito para instrumentos solo 
- sendo o vio lino uma esco lha 
especialmente popular - , mas suas 
sonatas tend iam a consistir em três 
a quatro movimentos de climas 
contrastantes. Porém as sonatas de 
Scarlatti para cravo solo - na época, 
um instrumento relativamente 
negligenciado - seguem tipicamente 
uma estrutura de movimento único 
co m duas partes, muitas vezes 
girando ao redor de uma crux 
central, ou pausa, e com tendência a 
ser de proporções menores, durando 
só cerca de três a quatro minutos. 
A Pastoral 
A pesar de influenciada pelas 
saraband as e correntes (courantes) 
- ambas d anças d a corte - de seus 
contemporâneos, a música de 
Scarlatti d essa era é única no uso 
de id iomas populares tirados de seu 
ambiente ibérico . A sonata K. 9 em 
ré menor é chamad a "Pastoral". Isso 
se deve em parte à enganadora 
simplicidade da melodia, mas 
também à tradição que evoca, co m 
elementos de música de dança 
popular, como os efeitos dedilhados 
e de percussão do violão espanho l. 
A adição de estilos do campo a 
influências formais co rtesãs 
continuou a definir a obra de 
Scarlatti: ele rompeu co m as 
convenções da música de câmara 
barroca, experimentando a 
d isso nância e a síncope nas 
últimas sonatas. 
E esse "gracejo co m arte" 
brincalhão que co loca Scarlatti 
como mestre tanto da música 
barro ca como do estilo clássico 
que florescia. Scarlatti ajudou 
a preparar a v ia para os 
experimento s aind a mais rad icais 
como a so nata de Mo zart e 
Beetho ven, que enfatizaram mais 
aind a a impo rtância do estilo liv re 
e de linhas de melod ia exp ressiv as 
sobre a estrutura mais formal da 
música barro ca. • 
Domênico Scarlatti 
Filho de A lessand ro Scarlatti, 
compositor prolífico de ópera, 
Domênico nasceu em Nápoles 
em 1685. Músico igualmente 
talentoso , seguiu a carreira do 
p ai co m enco mendas muito 
v ariad as e patrocínio real. A o s 
dezesseis anos tornou-se 
compositor e o rganista d a 
capela real de Nápoles e depois 
serv iu a rainha po lonesa 
exilad a Maria Casimira, em 
Ro ma. Mais tarde foi nomeado 
maestro di cappella (diretor 
musical) d a Basílica de São 
Pedro . Em 1721, Scarlatti foi 
p ara a corte po rtuguesa em 
Lisbo a, onde deu aulas de 
música à p rincesa M aria 
Bárbara. Quand o se caso u co m 
Fernand o vi d a Esp anha, ela 
convidou Scarlatti p ara ser seu 
tutor musical. Ele serv iu a 
rainha até morrer, em 1757, 
em Mad ri. Scarlatti é 
especialmente conhecido por 
suas 555 so natas p ara teclado , 
embo ra tenha também 
produzido u m a enorme 
quantidade de música vo cal 
sacra e de câmara. 
Outras obras importantes 
1724 Stabat Mater p ara dez 
vo zes 
1757 Salv e Regina 
A PRIMAVERA 
E COM ELA A 
AS QUATRO ESTAÇÕES (1725), 
ANTONIO VIVALDI 
94 CONCERTO SOLO BARROCO ITALIANO 
EM CO N TEXTO 
FO C O 
Concerto solo barroco 
italiano 
A N T E S 
1 6 9 2 Giusep p e Torelli, 
basead o em Bo lo nha, publica a 
p rimeira de três co letâneas de 
concertos que dão novo 
d estaque ao v io linista solo. 
1 7 0 7 Co ncerto s publicado s 
pelo venez iano To maso 
A lb ino ni u sam a estrutura de 
três mo v imento s (rápido-lento-
-rápido) que se tornará padrão . 
1 7 2 1 O s seis Concertos de 
Brandemburgo, de J. S. Bach, 
u sam a estrutura e princípios 
padro nizado s por V iv ald i em 
seus concertos. 
D EPO IS 
1 7 7 3 Mo zart co mp õ e seu 
primeiro co ncerto p ara v io lino 
usand o a estrutura de três 
mo v imento s. 
N os anos 1720, Viv ald i era mais conhecido na Itália como compositor de 
óperas, mas no norte europeu -
assim como após sua morte - sua 
fama se deveu aos concertos, 
modalidade que formatou, 
desenvo lveu e d a qual se apropriou, 
talvez de modo mais evidente em 
A s quatro estações (Le quattro 
stagioni), de 1725. 
Desde a épo ca de Vivald i, a 
palavra "concerto" ganhou u m 
sentido claro de p eça para u m ou 
mais instrumento s, so listas e 
orquestra: u m concerto solo exibe 
u m músico : u m concerto grosso 
(concerto grande) tem dois ou mais. 
A ntes de Viv ald i, porém, o termo 
era usado de modo mais vago para 
designar obras escritas para 
conjuntos combinados de vozes ou 
instrumento s, ou para grupos 
diferentes de instrumento s. Em 
Roma, por exemplo, Arcângelo 
Corelli escreveu concerti grossi 
para u m conjunto de dois vio linos e 
teclado. Esses instrumento s 
po d iam ser reunidos a u m conjunto 
maior de cordas, cujo papel era 
mais aumentar que criar contraste 
co m o grupo menor. 
O concerto se desenvolve 
Fo i no norte da Itália, em Veneza em 
especial, que o concerto começou a 
tomar a forma que Vivald i usaria. 
Em Bolonha, o v io linista e 
O Ospedale delia Pietà, orfanato no 
Grande Canal de Veneza, onde Vivaldi 
se tornou mestre de violino em 1703. O 
ospedale tinha uma orquestra e um 
coro só de mulheres. 
compositor Giuseppe Torelli 
escreveu obras para vio lino solo e 
u m conjunto instrumental maior, 
enquanto em Veneza o rico amador 
Tomaso A lbino ni compunha belos 
concertos para oboé. Escrito s para 
um ou dois oboés e u m conjunto 
maior, estão entre as primeiras 
obras solo notáveis compostas para 
esse instrumento . 
Nas p eças de Torelli e A lbino ni, 
emergia um contraste entre as 
seçõ es solo e as partes to cadas 
BARROCO 1600-1750 95 
Ver também: Concerto para flauta em lá maior, C. P. E. Bach 120-121 • Concerto para piano n" 2 em sol menor, Saint-Saèns 
179 • Concerto para piano para a mão esquerda, Ravel 266-267 
pelo conjunto maior, como se duas 
vozes fo ssem o uvidas de modo 
simultâneo na mesma peça. Fo i 
sobre essa base que Viv ald i 
co nstruiu o corpo de sua obra. 
Um pouco mais jovem que seu 
colega veneziano A lbino ni, Vivald i 
escreveu seus primeiros concertos 
conhecidos por volta dos 25 anos. 
No total, nos cerca de quarenta anos 
seguintes, ele escreveu por volta de 
quinhentos concertos, muitos dos 
quais foram publicados em 
co letâneas, como II cimento 
delTarmonia e delTinventione. Outros 
foram vendidos em manuscrito -
uma forma que Vivald i, co m seu tino 
comercial, achava mais lucrativa. 
Desses concertos, mais de duzentos 
eram para violino solo; o próprio 
Vivald i era um vio linista famoso e 
exuberante. Outros eram para 
fagote, violoncelo, flauta, oboé, 
bandolim ou flauta doce solo. Hav ia 
perto de cinquenta concertos duplos 
(compostos para dois instrumentos 
solo), além de outras variações, 
como um concerto que incluía 
partes solo para dezesseis 
instrumentos diferentes. 
A ntoni o V i v al d i 
A o longo de sua imp ressio nante 
produção , V iv ald i ajudou a mud ar 
o curso d a histó ria d a música. No 
entanto , nunca foi revo lucionário . 
Ele apenas mo d if icav a as 
tend ências existentes, criand o 
u m a no v a ling uag em music al que 
faz ia músico s e p lateias v ibrar. 
To mo u muito s elementos d a 
ópera, outro género que ganho u 
no v a v id a no Barro co e co m o qual 
V iv ald i se envo lveu muito como 
compositor. Seguind o as pegad as 
de A lb ino ni , ele transfo rmo u a 
estrutura rápido-lento -rápido d a 
abertura o perística no padrão de 
três mo v imento s do concerto : u m 
primeiro mo v imento rápido, 
preenchid o co m ação music al 
como seçõ es alternad as solo e de 
conjunto , seguid o por u m 
mo v imento do meio lento, mais 
med itativo , e por u m novo surto 
de ativ id ad e no mo v imento final. 
O ritornello 
Dentro dos mo v imento s rápidos, o 
p rincip al recurso estrutural foi 
emprestado d a ópera: o ritornello 
(pequeno retorno), um refrão ou 
Vivaldi nasceu em 1678, filho de 
um violinista da orquestra de São 
Marcos, em Veneza. Foi ordenadopadre em 1703, mas logo 
abandonou o sacerdócio. Sua 
mudança para a música aconteceu 
quando foi nomeado mestre de 
violino do Ospedale delia Pietà, 
em Veneza. 
A primeira coletânea publicada 
de concertos de Vivaldi, Destro 
armonico (Inspiração harmónica), 
impressa em 1711, lhe deu fama 
internacional, em especial na 
Alemanha, onde o jovem J. S. Bach 
foi seu admirador. Vivaldi compôs 
mais centenas de concertos, além 
éé 
Ele pode compor um concerto 
mais rápido que o copista 
consegue escrever. 
Charl es de Brosses 
Erudito francês e político 
f f 
ideia musical tocado, repetido e 
modificado ao longo do mo vimento 
pela o rquestra. Tip icamente, 
um mo vimento rápido co meça 
co m a apresentação completa, 
pela orquestra, do ritornello. 
A seguir v em uma seção solo, 
em que o músico só recebe 
aco mpanhamento de fundo d a 
o rquestra. Depo is a o rquestra 
completa vo lta, reexibindo parte 
do ritornello numa no va escala. 
A s seçõ es ritornello e solo se 
alternam então , em geral » 
de cinquenta óperas e várias 
obras vocais religiosas, sonatas 
e cantatas. Sua popularidade 
declinou no fim dos anos 1730. 
Morreu em Viena em 1741, 
quando tentava restaurar sua 
fortuna, e foi enterrado como 
indigente. 
Outras obras importantes 
1711 Destro armonico, op. 3 
1714 La stravaganza, op. 4 
1725II cimento delTarmonia e 
delTinventione, op. 8 
1727 La cetra, op. 9 
96 CONCERTO SOLO BARROCO ITALIANO 
O concerto 
O principal atrativo do 
concerto para compositores e 
músicos é o grande potencial 
dramático da competição e 
colaboração alternadas entre 
solista e orquestra. Muitos 
compositores foram inspirados 
a escrever concertos pelo 
talento de instrumentistas -
como o violoncelista Antonin 
Kraft, para o qual Haydn 
escreveu o Concerto para 
violoncelo nQ 2 em ré e 
Beethoven seu Concerto triplo. 
Mozart compôs os famosos 
Concertos para trompa para o 
trompista Joseph Leutgeb. 
Os concertos logo se tornaram 
uma vitrine para virtuoses, 
como o violinista Paganini e 
os pianistas Liszt e Chopin. 
Na virada para o século xx, 
Rachmaninoff escreveu 
concertos para piano - e 
Dvofák e Elgar os muito 
apreciados concertos para 
violoncelo. Fãs posteriores do 
concerto grosso incluem 
Michael Tippett, com seu 
Fantasia Concertante on a 
Theme of Corelli. 
O violinista Nigel Kennedy 
executa As quatro estações com a 
English Chamber Orchestra em 
1989. A gravação vendeu mais de 2 
milhões de cópias. 
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- k
 
quatro a seis vezes, culminand o 
numa reapresentação final 
orquestral do ritornello. 
A s seçõ es solo, porém, também 
po d iam ser v istas na ópera. A s 
óperas barrocas deram nova ênfase 
à ária, permitindo ao cantor exibir o 
poder, alcance e natureza 
expressiva de sua voz. De modo 
similar, as seçõ es solo dos 
concertos po ssibilitavam aos 
so listas instrumentais mostrar suas 
habilidades virtuosísticas. N uma 
era marcad a pela teatralidade, 
Viv ald i trouxe uma dose de 
v irtuo sismo dramático ao concerto . 
Quatro estações 
Viv ald i deu rédea livre à sua 
teatralidade nas p eças de As 
quatro estações, publicadas em 
A msterd am em 1725. Versões 
anteriores c ircularam por vários 
anos em forma manuscrita, e já 
eram muito co nhecidas e 
admiradas. As quatro estações 
foram os quatro primeiros de u m a 
série de doze concertos para vio lino 
intitulados II cimento daimonia e 
delTinventione (A d isputa entre 
harmo nia e invenção), todos 
escritos entre 1723 e 1725. Muito s 
Partitura de Primavera, de As quatro 
estações, parte de Destro armonico, 
coletânea de doze concertos que com 
sua viva exuberância mudou a forma 
imponente. 
dos concertos de Viv ald i buscav am 
evocar ou descrever humores e 
estados mentais específicos, como 
os títulos exp lic itavam - por 
exemplo, II piaoere (o prazer), 
Línquietude (a ansiedade), 
Damoroso (o amante) e U ríposo (o 
descanso ). A s quatro estações, 
porém, a par do ciclo de três 
concertos La Notte (A noite), foi u m 
passo além, expondo uma narrativa 
musical simples co nhecida como 
"programa", forma que foi adotada 
por muitos compositores na era 
romântica. N a versão publicada, 
Viv ald i tornou o programa explícito 
incluindo quatro sonetos de autoria 
desconhecida, muitas vezes 
atribuídos ao próprio compositor. 
Cad a u m dos sonetos fala sobre 
uma d as estaçõ es. O soneto d a 
primavera, por exemplo, co meça 
descrevendo como os pássaro s 
saúdam a nova estação "com canto 
alegre" e como riachos soprados por 
brisas suaves fluem "com doce 
BARROC01600-1750 97 
murmúrio". Túdo isso Viv ald i 
descreve musicalmente no primeiro 
movimento do concerto Primavera, 
cujo ritornello de abertura é uma 
dança que representa a alegre 
celebração d a volta d a primavera, 
suced id a por três vio linos solo que 
exp ressam gorjeios e outras 
características d a estação . 
G randes elogios 
Na Itália, a popularidade de Vivald i 
d iminuiu no fim d a v ida, devido ao 
crescente interesse por u m novo 
estilo de ópera napolitano. A o norte 
dos A lpes, porém, os concertos de 
Vivald i - e As quatro estações em 
especial - fizeram dele um dos 
compositores mais famosos da 
época. Um dos mecenas de Vivald i 
foi o conde boémio Wenzel von 
Morzin, ao qual Vivald i dedicou II 
cimento delTarmonia e 
delTinventione, a co letânea que 
inclui As quatro estações. "Peço-lhe 
que não se surpreenda", ele 
escreveu, "se entre esses poucos e 
fracos concertos Vo ssa Ilustre Graça 
encontrar As quatro estações, que 
com sua nobre generosidade Vo ssa 
Ilustre Graça há tanto tempo 
considera co m indulgência." 
Outro apoio ilustre veio do rei 
Luís xv d a França, que em 
éé 
Vivaldi tocou um solo 
esplêndido [...]. Nunca antes se 
ouviu execução assim, nem 
será nunca igualada. 
J. F. A . von Uf f enb ach 
Viajante alemão 
(1687-1769) 
t f 
Pi ntando q uadros co m m ú s i ca 
Primavera 
Três violinos solo imitam pássaros 
chilreando e regatos murmurando. Um 
terceiro movimento alegre sugere uma 
festa primaveril com dança. 
Verão 
Sons tranquilos evocam o calor do 
verão, com insetos zumbindo, um cuco 
e uma cotovia. Acordes menores e 
subtons dramáticos evocam uma 
tempestade de verão. 
Outono 
O rápido primeiro movimento capta a 
agitação de uma festa da colheita, 
interrompida por um violino solo que 
representa um "bêbado cambaleante". 
Inverno 
Violinos céleres expressam dentes e 
pés batendo, e as escalas rápidas e a 
dissonância sugerem aragens frias e 
vendavais de inverno. 
novembro de 1730 requisitou a 
apresentação do concerto 
Primavera por uma orquestra 
formada apenas por nobres e 
co rtesão s musicalmente dotados. 
Outro apreciador de Primavera foi o 
filósofo Jean-Jacques Ro usseau, 
que em 1775 arranjou a peça para 
flauta sem acompanhamento . 
Influência em compositores 
Mais extraordinário , porém, foi o 
legado dos concertos de Viv ald i a 
seus co legas músicos. Um 
admirador notável foi J. S. Bach: seu 
mecenas, o duque de Saxe-Weimar, 
voltou de uma v iagem aos Países 
Baixo s co m u m exemplar da 
primeira co letânea de concertos de 
Vivald i, Destro armonico 
(Inspiração harmónica), publicada 
em A msterd am. Bach transcreveu 
seis dos concertos para cravo solo, 
e segundo seu mais antigo 
biógrafo, Jo hann Niko laus Forkel, foi 
essa experiência que lhe ensino u a 
importância d a "ordem, coerência e 
proporção" em música. 
Segundo especialistas 
modernos, talvez a avaliação de 
Forkel seja exagerada, mas a 
influência de Viv ald i sobre Bach é 
claramente visível, por exemplo, no 
uso do ritornello por este último. 
Também evidente é o fato de que 
Vivald i deu ao concerto de três 
movimentos (rápido-lento-rápido) um 
lugar entre as formas musicais mais 
importantes, inspirando incontáveis 
compositores futuros, de Bach, 
Hayd ne Mozart a Beethoven em 
diante. Mais ainda, o concerto foi 
uma grande influência em outra 
forma emergente, que logo se tornou 
a suprema expressão instrumental 
dos compositores - a sinfonia. • 
O OBJETIVO DE TODA 
DEVERIA SER APENAS A 
GLORIA DE DEUS 
A PAIXÃO SEGUNDO SÃO MATEUS (1727), 
JOHANN SEBASTIAN BACH 
100 MÚSICA CORAL RELIGIOSA DO ALTO BARROCO 
E M C O N T E X T O 
FO C O 
M úsica coral religiosa do 
A lto Barroco 
A N T E S 
1471 O compositor flamengo 
Jaco b Obrecht escreve u m a 
Passio secundum Matthaeum 
(Paixão segund o Mateus). 
anos 1620 E m Ro ma, 
Giaco mo C arissim i produz 
oratórios sobre temas do Velho 
Testamento p ara atender à 
d emand a por espetáculo s 
líricos na Quaresma. 
1718 Hándel co mp õ e a 
p rimeira versão de Esther, 
sobre essa rainha do Velho 
Testamento . E m 1732 a p eça 
seria enf im ad aptad a como 
primeiro oratório inglês. 
D EPO IS 
1829 Felix Mend elsso hn rege 
a estreia em Berl im de A 
Paixão segundo São Mateus -
mo mento -chave na reto mada 
do interesse pela música de 
Bac h. 
1846 Mend elsso hn estreia o 
oratório Elijah, sobre a v id a do 
profeta El ias. 
1850 Moritz H aup tmann 
(Kantor d a Tho maskirche) , 
Otto Jahn (biógrafo de Mo zart) 
e o compositor Ro bert 
Sc hum ann fo rmam a Bach-
-Gesellschaft, p ara publicar a 
obra co mpleta de Bach. 
1963-1966 O po lonês 
Krzyszto f Pend erecki co mpõ e 
A Paixão segundo São Lucas, 
arranjo coral-o rquestral ato nal 
d a história d a Paixão . 
P or volta de 1680, v iv ia-se o desenvo lvimento final da estética barroca, conhecido 
como A lto Barroco . O novo sistema 
tonal, em que a música era 
construída por notas que formam 
escalas maiores e menores, foi 
estabelecido , e os compositores d a 
época, como Jo hann Sebastian 
A Crucificação, muitas vezes pintada na 
arte renascentista, como aqui pelo alemão 
Lucas Cranach, o Velho, tornou-se 
também tema de compositores, conforme 
a música se tornou mais descritiva. 
Bach, usaram-no para controlar o 
fluxo de seu trabalho modulando 
entre diferentes tons. Co mbmand o 
linhas melódicas d istintas, o 
contraponto cad a vez mais 
complexo - u m dos traços 
definidores da música barroca -
errava efeitos dramáticos vívidos; 
acrescid a de aspectos rítmicos 
incisivo s, a música alcançou poder 
emocional inédito . 
Em períodos anteriores, a música 
vo cal hav ia predominado; agora um 
interesse crescente pela 
instrumental dava aos composrtores 
BARROCO 1600-1750 101 
Ver também: Ein feste Burg ist unserGott 78-79 -A arte da fuga 108-111 
170-173 • The Dream of Gerontius 218-219 
Elias 
outro recurso dramático . Indo além 
do puro acompanhamento , a sempre 
destacada orquestra podia ter papel 
muito mais variado e expressivo , 
que ajudou a aumentar a 
popularidade da ópera barroca. Ela 
em geral floresceu em centros 
mercantis, onde indivíduos ricos e a 
nobreza apreciavam as encenações, 
oferecendo ricas oportunidades a 
compositores como Georg Fried rich 
Hándel. A maioria dos cidadãos, 
porém, v ivenciava as novidades 
musicais nos ofícios religiosos. 
M úsica dramatizada na 
igreja 
Os compositores logo notaram que 
as técnicas líricas e a música que 
dava relevância atual a mitos 
clássicos poderiam servir a fins 
litúrgicos, dando v id a a textos 
bíblicos que muitos fiéis não podiam 
ler. Como a encenação de óperas era 
proibida nas seis semanas da 
Quaresma, os compositores 
apresentariam oratórios de temas 
bíblicos em seu lugar. 
Muito s dos géneros d a música 
coral d a épo ca são os mesmo s d a 
éé 
Ele não deveria se chamar 
'riacho' [em alemão Bach], mas 
'mar', devido a sua riqueza 
infinita, inesgotável 
de harmonias e 
combinações de tons. 
Lu d w i g v an Beethoven 
f f 
música profana. Como os 
compositores d a igreja d ev iam 
escrever música para mais de 
sessenta ofícios ao ano, não era 
inco mum que remodelassem p eças 
profanas, como fez Jo hann 
Sebastian Bach (1675-1750) com o 
Oratório de Natal (1734-1735). 
Evolução dos géneros 
corais 
No A lto Barroco , a m issa do norte 
alemão evo luiu d a prima pratica, 
caracterizad a pelo arranjo 
polifônico d as partes mais 
relevantes do ofício {Kyrie, Gloria, 
Credo, Sanctus, Agnus Dei), co m 
coro e aco mpanhamento 
instrumental, para algo muito mais 
grandioso . Isso se d eveu em parte 
à influência d as trad içõ es 
italianas, que Bach encontrou após 
1712 co m a música de A nto nio 
Viv ald i. A o rquestra cresceu em 
tamanho e, em esp ecial co m 
aco mpanhamento s obbligato 
(essenciais, escrito s de modo 
completo), alcanço u um papel 
musical muito maior. A s vo zes solo 
também foram mais co muns. 
Bach escreveu cinco missas, 
mas a M issa em si menor (1749) se 
destaca como uma d as obras mais 
importantes do câno ne musical 
ocidental. Escrita no fim d a v id a, 
não foi executada antes de sua 
morte. A lgo inco mum na tradição 
luterana, apresenta u m arranjo 
completo do Ordinário Latino em 25 
movimentos separados que d uram 
cerca de duas horas. 
Embo ra em declínio na época, o 
moteto (poema sacro musicado ) 
aind a era um género coral 
importante, em especial na França, 
onde hav ia dois estilos d istintos. 
Os petits motets eram 
acompanhados apenas p o r» 
Jo hann Seb asti an Bach 
Nascido em Eisenach, na 
Alemanha, em 1685, Bach foi o 
mais eminente de uma longa 
linhagem de músicos. Ele 
aprendeu música com o pai e 
depois com o irmão, e foi 
nomeado músico da corte de 
Weimar ao deixar a escola, em 
1703. Sua fama de 
extraordinário instrumentista 
de teclado se espalhou e logo 
ele escreveria a primeira de 
mais de duzentas cantatas. 
Em 1717, Bach se mudou 
para Kõthen a fim de assumir 
o posto de Kapellmeister e 
compôs muitas obras 
instrumentais, como os 
Concertos de Brandemburgo. 
Em 1723 foi nomeado Kantor 
da Igreja de São Tomás em 
Leipzig, onde ficou até sua 
morte, em 1750, aos 65 anos. 
Nesse período, tornou-se um 
compositor famoso do Alto 
Barroco, com talento nunca 
igualado para o contraponto. 
Outras obras importantes 
1723-1732 Seis motetos, BW V 
225-231 
1733 Magnificat, BW V 243 
1749 Missa em si menor, BW V 
232 
102 MÚSICA CORAL RELIGIOSA DO ALTO BARROCO 
Oratório O ratóri o versus ó p era Ó pera 
Usa texto religioso 
como tema. 
Encenad o como peça de 
concerto, sem adereços. 
Um narrador que canta 
faz o enredo avançar. 
Ce Cantores são estático s e 
personagens não 
interagem 
Enredo s se insp iram em 
literatura, história e 
mitos empolgantes 
Encenad a como teatro 
musical , co m cenários e 
figurinos. 
Nas últimas óperas, 
personagens fazem o 
enredo avançar. 
Personagens se mo v em e 
interagem 
continuo; já os grands motets, como 
os de Jean-Baptist Lully, incluíam 
so listas e um número crescente de 
instrumento s. Eles eram menos 
co muns na A lemanha; os mais 
conhecidos hoje são de Heinrich 
Schútz e Bach. Os motetos de Bach, 
que influenciaram muito Wolfgang 
A mad eus Mozart (1756-1791), foram 
praticamente as únicas obras dele a 
ser regularmente executadas após 
sua morte, até a revalorização do 
artista no início do século xix. Cad a 
um tinha arranjo para coro de 
tamanho diverso , e não é claro 
como eram usados nos ofícios d a 
igreja, embora alguns fossem 
escritos para funerais. 
Outras formas corais do A lto 
Barroco incluem o hino , o 
Magnificat e o madrigal. O hino foi 
do minante na Inglaterra, como obra 
dramática d iv id id a, co m seçõ es 
instrumentais com passagens solo, 
recitativos e coros completos. 
Purcell foi um talentoso expoente 
da forma, e Hándel a levou aind a 
mais alto. Seus quatro hino s 
cerimo niais incluem o famoso 
Zadok the Priest, composto para a 
coroação do rei Jorge n em 1727. 
O Magnificat, cantado nas 
vésperas, é o cântico (hino) da 
Virg em M aria do Ev angelho de 
Lucas, musicad o a partir do 
Renascimento . Mo nteverd i e 
V iv ald i c riaram impo rtantes 
arranjos barrocos, mas o 
Magnificat de Bach para cinco 
partes e o rquestra talvez seja o 
mais famoso hoje. 
Embo ra o madrigal sejamais 
associado a períodos anteriores, 
essa forma profana para vozes e 
aco mpanhamento continuou 
popular no Barroco . Sua sutil 
evocação musical de ideias ou ação 
influenciou outros géneros e está 
presente em muitas obras corais 
sacras d a época. 
A Paixão segundo São 
Mateus 
Para um músico como Bach, que 
se o cupava em esp ecial de música 
sacra, a Paixão , que trata dos 
eventos bíblico s d a Última Ceia 
até a Crucificação , era uma 
oportunidade de usar as técnicas 
teatrais d a ópera num cenário 
religioso . Bach escreveu pelo 
menos três d essas obras (só d uas 
se co nservaram). Pela maestria em 
emo ção , imaginação e poder de 
expressão , A Paixão segundo São 
Mateus é u m monumento d a 
criativ id ad e humana. Ela foi 
escrita em 1727 ou 1729 para ser 
encenad a antes ou depo is do 
BARROCO 1600-1750 103 
sermão d a Sexta-Feira Santa. Bach 
também co laborou co m o poeta 
Picander, de Leipz ig , na criação de 
u m libreto co m o d rama bíblico e 
reflexões sobre seu conteúdo . 
A Igreja de São To más, para a 
qual foi escrita, aumento u a 
d ramaticid ad e do evento ; usando 
as d uas galerias de órgão, Bach 
d istribuiu as forças como um coro 
duplo através do espaço . Embo ra 
tivesse empregado a técnica em 
outras obras, como motetos, seu 
uso ali, co m a ad ição de duas 
o rquestras e o rganistas, p ermitiu a 
mais ampla varied ad e de texturas 
dramáticas. 
A lém do material o riginal, Bach 
inseriu vários corais luteranos. 
Quando Lutero co meço u a traduzir 
os o fícios para o alemão, foram 
necessárias novas melodias - os 
famosos hino s que se to rnaram 
esteio principal do culto 
congregacional. Bach harmo nizo u 
centenas dessas melodias, 
usando -as regularmente como base 
de cantatas e prelúdios corais. Em 
A Paixão segundo São Mateus, as 
melodias corais d atam de 1525 a 
1656, e, assim, eram familiares ao 
público. A maio ria era apresentada 
em harmo nia de quatro partes, mas 
três são referidas como elementos 
de aco mpanhamento em outros 
éé 
Alguém que esqueceu 
totalmente o cristianismo 
ouve-o aqui como Evangelho. 
Fri edri ch N ietzsche 
t f 
C antatas e oratóri os 
O oratório era tradicionalmente 
uma peça de concerto para 
orquestra, coro e solistas que 
representava um episódio 
bíblico ou a vida de um santo. 
Ele só diferia da ópera por não 
ser levado ao palco e não ter 
interação entre personagens. 
A cantata muitas vezes usou 
forças similares, mas era 
encenada na igreja antes e 
depois do sermão e encerrava 
uma série de reflexões sobre os 
textos bíblicos do ofício. Ambos 
movimentos. Desse modo, Bach 
pôde mesclar o conhecido e o novo 
- essencial para uma co ngregação 
que v ia pela primeira vez uma obra 
tão intensa de grande escala. 
Caracterização musical 
Como numa ópera, os papéis 
p rincip ais de A Paixão segundo 
São Mateus são de so listas, mas, 
na ausência de interpretação física 
e de figurino, Bach muitas vezes 
cria caracterizaçõ es musicais 
d istintas. O tenor Ev ang elista, o 
narrador, sempre usa secco 
recitativo co m continuo (canto solo 
semelhante a fala, co m 
aco mpanhamento baixo esparso ) 
para recitar os texto s do 
Evangelho , dando força, clareza e 
precisão à narrativa. A s p alav ras 
de Jesus, porém, são recitativo s 
aco mpanhad o s de cordas d a 
primeira o rquestra. Sustentand o 
notas e enfatizando palavras-
-chave, elas dão à Vox Christi (voz 
de Cristo ) um so m esp iritual -
muitas vezes comparado a u m 
halo . Tal caracterização é talvez 
mais nítida quando , quase 
o peristicamente, Jesus emite suas 
últimas p alav ras sem 
aco mpanhamento de cordas, 
resultando num pathos de 
os géneros usavam elementos 
líricos como recitativo, ária e 
coro, mas a cantata tendia a 
usá-los de modo mais sutil, para 
denotar dramaticidade. 
No Alto Barroco, era difícil 
diferenciar cantata de oratório. 
O Oratório de Natal de Bach, por 
exemplo, na verdade é uma 
cantata. Bach, cujas cantatas 
estão entre as mais sublimes 
músicas religiosas, também 
compôs obras profanas do 
género, como a Kafíeekantate 
(Cantata do café), na essência 
uma ópera-cômica curta. 
abandono realmente devastador. 
Nas mão s de Bach, porém, essa 
mesma ausência de cordas na ária 
soprano Aus Liebe will mein 
Heiland sterben (Por amor, meu 
Salvador quer morrer) ind ica u m 
ânimo diferente, quase lamentoso . 
A o longo d a obra, Bach está 
claramente ciente de que p recisa 
usar a o rquestra para que a 
co ngregação receba todo o » 
Bach tocou órgão e deu aulas por 27 
anos na Escola de São Tomás em Leipzig, 
como mostra esta gravura de 1882. Ele e 
seus alunos supriam música para as 
quatro principais igrejas da cidade. 
104 MÚSICA CORAL RELIGIOSA DO ALTO BARROCO 
impacto do texto . A atenção à 
orquestração , que era muito mais 
do minante nas obras de palco da 
épo ca (com duração similar em 
geral à d a Paixão), é visível no uso 
dos o bo és da caceia (oboé grave 
similar ao corne inglês) para apoiar 
a descrição lúgubre do Gólgota em 
Ach Golgotha. Não menos vívido é 
o momento em Buss und Reu 
(Culpa e dor) em que o contralto 
descreve as lágrimas ao so m de 
flautas tocando notas staccato. 
Elenco grande e variado 
A p eça também tem partes para 
Jud as, Pedro , do is sacerdotes, 
Pôncio Pilato s e a mulher, d uas 
testemunhas e d uas criad as, mas 
O Coro de Meninos de São Tomás 
em Leipzig, ativo desde 1212, tem mais 
de oitocentos anos. Com Bach como 
Kantor (1723-1750), a igreja e a cidade se 
tornaram o centro da música protestante. 
não são to das assumid as por 
so listas d iferentes. Em muitas 
apresentaçõ es os so listas menores 
são membro s dos coros. Co m um 
elenco tão d iverso e texto tão 
d iscursivo , Bach também pôde 
romper co m a tradição do oratório 
de ev itar interação entre so listas; 
ele inc luiu duetos e cenas de 
multidões co m passagens que 
simulam falas simultâneas e 
interrupções. A ss i m , em Weissage 
uns, Christie (Cristo profetizado) os 
do is coros se alternam no estilo 
cori spezzati, criado em São 
Marco s, em Veneza, enquanto em 
Herr, wir haben gedacht (Senhor, 
nós pensamo s) eles cantam juntos 
para representar os fariseus 
sedentos de poder. 
A verd ad eira glória dos coros é 
o contraponto , em esp ec ial 
quando , apó s cantar em 
d isso nância excruc iante 
c lamand o pela liberdade de 
éé 
Ele quer que os cantores 
façam com a garganta tudo o 
que consegue tocar no 
teclado. 
Jo hann Scheibe 
Critico e compositor (1708-1776) 
f f 
Barrabás, embarcam numa série 
de estruturas musicais 
co mplexas, reco nhecid amente 
d ifíceis. Um mo mento anterior, 
muito co mo vente, aco mp anha a 
cap tura de Jesus no jard im. A pó s 
u m a introdução o rquestral 
susp irante, o soprano e o contralto 
BARROCO 1600-1750 105 
lastimam o d estino de Jesus em 
tons resignad o s. Em co ntraste, o 
coro pede sua so ltura, criand o 
uma tensão extrao rd inária entre 
os do is ânimo s. Enq uanto o canto 
resignado co ntinua, o coro, que 
pode representar os d iscípulo s ou 
a co ngregação , se ag ita e a 
o rquestra co nduz a música à 
co nclusão emo cio nante. O fim 
d essa seção em escala maior pode 
parecer surpreend ente, 
sustentand o as p alav ras "sangue 
assassino ". Supõ e-se, porém, que 
a música po deria estar lembrando 
ao o uv inte que, embo ra a histó ria 
seja de so frimento , sem a prisão 
de Jesus não é possível a 
Crucificação - e po rtanto a 
Salvação . 
Em outras partes, muito s dos 
textos mais contemplativos, como o 
coral leh bin's ich solhe bússen (Sou 
eu quem deverá sofrer) ou a ária 
baixo Macbe dich, mein Herze, rein 
(Limpa-te, meu coração), estimulam 
os ouvintes a sentir a emo ção e 
identificar-se com o d rama. O 
exemplo mais notável talvez seja a 
ária Eibarme dich, mein Gott 
(Tende piedade, meu Deus). A 
simplicidade do ritmo cadenciado , 
acompanhado pelo vio lino 
lamentoso, sustenta e enfatiza a 
intensidade do horror e da culpa de 
Pedro ao trair Jesus, quando repete 
éé 
A mais bela peça de 
música já escrita para violino. 
Y ehud iM enhui n 
Descrevendo Erbarme dich, mein Gott 
f f 
as dezessete palavras do texto co m 
angústia crescente. 
A Paixão segundo São Mateus 
teve apenas umas po ucas 
encenaçõ es em v id a de Bach. 
O novo estilo clássico tinha 
co meçad o a revo lucionar a 
co mpo sição e apreciação musical, 
e o compositor foi considerado 
ultrapassado ao escrever música 
co ntrapo ntistica desse tipo . 
O legado de Bach 
No fim da v id a de Bach, sua música 
foi considerada "preciosa", em 
sentido pejorativo; as obras de seu 
filho Carl Philipp Emanuel Bach 
eram mais co nhecidas. Po ucas 
p eças de Bach foram impressas, 
embora as obras para teclado 
fossem às vezes estudadas; Lud w ig 
v an Beetho ven (1770-1827) muitas 
vezes executava fugas e prelúdios 
de O cravo bem temperado de Bach. 
Porém obras maiores como A 
Paixão segundo São Mateus só 
Bach e três de seus filhos posam para 
um retrato (1730) de Balthasar Denner. 
Bach teve vinte filhos e do início do 
século xvi até o fim do xvm sua família 
produziu mais de setenta músicos. 
existiam em exemplares copiados à 
mão num pequeno círculo de 
admiradores, alguns dos quais seus 
antigos alunos. 
Fo i por meio desse grupo que 
Mendelssohn veio a estudar as 
obras de Bach no início do século 
xix, encenando A Paixão segundo 
São Mateus em 1829. Essa 
apresentação , um marco do 
renascimento da música de Bach, 
não foi completa nem autêntica, mas 
ajudou a divulgar sua obra. Não 
demorou muito a surgirem 
sociedades para publicar e executar 
sua obra. Hoje, A Paixão segundo 
São Mateus é muitas vezes 
apresentada no palco; com suas 
similaridades co m a ópera, tem 
poderoso efeito sobre as plateias. • 
_ TELEMANN ESTA 
I ACIMA DE TODO 
ELOGIO 
MUSIQUE DE TABLE (1733), 
GEORG PHILIPP TELEMANN 
E M C O N T E X T O 
FO C O 
Taíelmusik 
A N T E S 
1650 O quadro Das 
Friedensmahl (A refeição d a 
paz), de Jo ac him vo n Sandrart, 
representa músico s to cando 
Taíelmusik n u m banquete de 
u m a conferência diplomática, 
anos 1680 Co letâneas 
imp ressas de Taíelmusik, na 
maio r parte de compositores 
alemães d a épo ca, se to rnam 
m ais co muns. 
D EPO IS 
anos 1770 O género 
Taíelmusik é aos po uco s 
substituído por outros tipos de 
música "ligeira", como o 
d ivertimento e a serenata. 
1820 Um a g rav ura de Jo hann 
Wund er mo stra a execução de 
Taíelmusik nu m banquete 
munic ip al em Kràhw inkel -
no me de lugar fictício que 
deno ta o p ro v incianismo de 
vilarejo s antiquado s. 
A demanda por Taíelmusik (música de mesa) - música de fundo para banquetes 
- cresceu de modo contínuo de 
meados do século xvi em diante. 
Musique de table, uma coletânea 
desse tipo de música de Georg 
Philipp Telemann, prolífico 
compositor alemão que assimilou e 
dominou diferentes estilos, reúne 
uma gama de géneros de câmara 
que se prestavam à Taíelmusik. 
Telemann anunciava a coletânea 
como um artigo de prestígio que 
poderia ser comprado por assinatura. 
A co letânea de Telemann se 
d iv ide em três "produções", cad a 
uma co m uma suite de d ança 
orquestral, u m concerto , u m 
quarteto , uma sonata em trio, u m a 
sonata solo, terminando co m uma 
"conclusão" orquestral. A lém das 
suites de dança, ele fazia muito uso 
do padrão de quatro movimentos 
lento-rápido-lento-rápido d a 
tradicional sonata da chiesa (género 
de música instrumental de câmara 
ou orquestral tocada às vezes em 
ofícios religiosos). Cad a "produção" 
contém música suficiente para 
diversão de uma noite, 
meticulo samente criada e sempre 
memoravelmente melodiosa -
evocando até às vezes cançõ es 
folclóricas populares. 
Hàndel, u m dos 206 assinantes 
d a co letânea, parece ter se 
inspirado em algumas d as ideias 
musicais. Temas de seu oratório 
The Arrival oí the Queen oí Sheba 
mo stram semelhança co m material 
do concerto d a segund a "produção" 
de Musique de table. m 
éé 
Ele [Telemann] podia compor 
uma peça sacra com oito 
partes tão rápido quanto outro 
escreveria uma carta. 
G eorg Fri deri c Hãndel 
Ver também: Lachrímae 56-57 • Concerti grossi, Corelli 80-81 • Water Music 
84-89 • As quatro estações 92-97 • Concerto para flauta em lá maior, C. P. E. Bach 
120-121 
BARROCO 1600-1750 107 
TINHA TODO 
O CORAÇÃO E A ALMA 
EM SEU CRAVO 
HIPPOLYTE ETARICIE (1733), 
JEAN-PHILIPPE RAMEAU 
E M C O N T E X T O 
FO C O 
O style galante 
A N T E S 
1607 UOrfeo, de Mo nteverd i -
a mais antiga ópera aind a em 
repertório corrente - , estreia 
em Mântua. 
1673 A tradição o perística 
francesa nasce co m a estreia 
de Cadmus et Hermione, de 
Jean-Bap tiste Lully , a p rimeira 
d as tragedies en music 
(tragédias em música) de Lully . 
D EPO IS 
1752 A apresentação d a 
ópera-bufa L a serva padrona 
( A criad a patroa), de Gio v anni 
Battista Pergo lesi, deflagra a 
Querelle des Bouffons, d isp uta 
entre defensores d a ópera-séria 
e d a ó pera-cô mica. 
1774 A pó s reformar a ópera 
italiana, Christo p h Willibald 
Gluck co mpõ e Iphigénie en 
Aulide p ara o palco de Paris. 
A música galante nasceu da oposição à complexidade d a música barroca. 
Enquanto esta se caracterizava 
muitas vezes pela seriedade e 
grandeza, o style galante era 
elegante, leve e direto . 
Um dos mais enaltecidos 
defensores desse estilo foi o 
compositor francês Jean-Philippe 
Rameau, cuja primeira ópera, 
Hippolyte et Aricie, estreou em 
Paris em 1733. Rameau uso u em 
sua ópera a forma convencional de 
cinco atos de uma tragédie en 
musique estabelecida por Jean-
-Baptiste Lully. Em tudo mais, 
porém, ele rompeu co m o modelo de 
Lully, usando d isso nâncias 
ousadas, estruturas de frase mais 
longas e a abordagem ornamentada 
d a escrita melódica que 
caracterizaria o style galante. 
G uerra de palavras 
Hippolyte et Aricie atraiu duras 
críticas de assim chamados lullistas, 
que temiam que a música italianada 
de Rameau ameaçasse a posição 
icônica das óperas de Lully na 
A mezzo-soprano americana Jennifer 
Holloway interpreta Diane num ensaio 
de Hippolyte et Aricie, no Théatre du 
Capitole, em Toulouse, em 2009. 
cultura francesa. O debate entre 
lullistas e rameauistas fervilhou por 
vários anos, nos quais Rameau 
lançou mais quatro óperas. Co m o 
tempo, porém, sua música foi mais 
aceita, e em 1752, na época da 
Querelle des Bouffons, uma d isputa 
de dois anos sobre os méritos 
relativos das óperas francesa e 
italiana, a música de Rameau era 
considerada tipicamente francesa. • 
Ver também: O burguês fidalgo 70-71 • Orfeu e Euridice 118-119 • A flauta mágica 
134-137 « O barbeiro de Sevilha 148 'La traviata 174-175 
108 
BACH É GOMO UM 
ASTRÓNOMO QUE [. 
DESCOBRE AS 
ESTRELAS MAIS 
MARAVILHOSAS 
A ARTE DA FUGA (\m), 
JOHANN SEBASTIAN BACH 
E M C O N T E X T O 
FO CO 
O contraponto barroco 
A N T E S 
c. 1606-1621 Sw eel inc k 
co mp õ e Fantasia chromatica, 
u m a d as p rimeiras obras a 
d emo nstrar o d esenv o lv imento 
co ntrapo ntístico de u m 
só tema. 
1725 Fu x p ublica Gradus ad 
Parnassum (Degraus para o 
Parnaso ), que co ntém 
exercício s p ara escrever fugas. 
Mo zart estud o u essa obra. 
D EPO IS 
1837 Mend elsso hn p ublica 
Seis prelúdios e fugas, op. 35, 
demo nstrando a fuga como 
género romântico viável. 
1910 Buso ni publica Fantasia 
contrappuntistica, u m tributo à 
Arte da fuga que inc lui u m a 
co nclusão pó s-mo derna de sua 
última fuga. 
E m contraste co m co mpo siçõ es posteriores, que muitas vezes 
depend iam de uma só linha 
melódica sobre uma série de 
harmo nias, a música barroca co m 
frequência co mbinava muitas 
linhas melódicas ou vozes 
independentes entrelaçadas. A 
técnica, co nhecida como 
contraponto, permitia criar obras de 
complexidade e dramaticidade 
intensas, refletindo a riqueza de 
outras formas artísticas d a época. 
Por outro lado, exig ia grande 
habilidade para compor longos 
trechos de música com variedade e 
interesse suficientes. A ascensão 
do estilo clássico , co m sua opção 
BARROCO 1600-1750 109 
Ver também: Missa LHomme armé 42 • Ein feste Burg ist unser Gott 78-79• A Paixão segundo Sao Mateus 98-105 • Elias 
170-173 'Réquiem, Fauré 210-211 • The Dream oí Gerontius 218-219 
A segunda fuga de O cravo bem 
temperado é em dó menor. Ambos os 
conjuntos de 24 prelúdios e fugas são 
arranjados em doze escalas maiores e 
menores entre dó e o si acima dele. 
pela simplicidade e por harmo nias 
de mudança mais lenta, desobrigou 
os músico s de do minarem técnicas 
tão complexas. Bach, porém, o 
consagrado praticante do 
contraponto barroco, co nsiderava a 
habilidade tão v ital que tentou no 
fim da v id a organizar e apresentar 
seus conhecimentos em 
publicaçõ es como A arte da fuga, 
u m ciclo co m cerca de v inte obras. 
Princípios do contraponto 
Muito antes, Bach publicara obras 
didáticas para ensinar contraponto 
a instrumentistas de teclado. Elas 
incluíam duas co letâneas de 
especial interesse - as 15 invenções 
em duas partes e as 15 sinfonias em 
três partes. Em cad a uma das 
peças, uma melodia de abertura 
simples é apresentada sem 
acompanhamento e então 
transferida para outras partes (ou 
"vozes", como são conhecidas, 
mesmo em música instrumental), 
enquanto a primeira parte continua 
co m uma melodia complementar. 
Para o instrumentista, a 
d ificuldade d essas obras não está 
só em tocar bem as partes de fluxo 
muitas vezes rápido, mas também 
em equilibrar a importância relativa 
das vozes, para que o ouvinte 
aprecie a interação e tenha uma 
experiência musical satisfatória. 
Embo ra sigam regras estritas 
barrocas que regem a d issonância, 
quando permitid a (por exemplo, em 
notas de passagem de compassos 
fracos), essas obras têm estrutura 
relativamente livre. 
Construção de uma fuga 
Bach foi mais famoso pelas fugas, 
que seguem os mesmos princípios » 
Prel údios, f ugas e af i nação b e m temp erad a 
Cad a u m dos conjuntos de O 
cravo bem temperado co ntém 24 
prelúdios e fugas em to das as 
escalas maiores e menores. 
A lém de serv ir como modelos 
p ara que os instrumentistas de 
teclado g anhassem proficiência, 
eles celebravam a g ama de 
escalas dos méto do s de afinação 
d a épo ca. A afinação , ou 
"temperamento ", sempre foi 
tema capcioso . Um a no ta u m a 
o itava d istante de outra soa 
similar porque a frequência do 
so m pode ser red uz id a à relação 
simples de dois p ara um. 
Relaçõ es de frequência entre 
outras no tas são mais 
co mplexas, então a afinação p ara 
u m a escala de dó maior que 
mantiv esse todos os intervalo s 
puros faria as outras escalas 
so arem d esafinad as em graus 
levemente d iverso s. O sistema 
mesotônico , usado a partir de c. 
1570 e baseado num intervalo de 
terça puro , só funcio nava bem 
p ara dez a quinze de 24 teclas. O 
sistema bem temperado era u m 
ajuste de afinação co m intervalo s 
equid istantes o bastante p ara 
permitir execuçõ es co m todos os 
tons. O sistema moderno de 
temperamento igual d iv ide a 
o itava em intervalo s iguais, na 
maior parte impuro s. 
Ao afinar um piano, como este 
Schimmel de concerto alemão, o 
afinador usa um diapasão ou um 
equipamento eletrônico para ajustar 
as cordas ao tom necessário. 
110 0 CONTRAPONTO BARROCO 
EXPOSIÇÃO EPISÓDIO SEÇÃO CENTRAL EPISÓDIO SEÇÃO FINAL CODA 
Soprano T PL PL R PL T CT PL CT PL PL 
Contralto R CT PL T CT PL PL PL PL T PL PL 
Baixo T CT PL PL PL PL PL PL R PL PL T PT 
Numa fuga - palavra latina para "voo" -
três ou mais vozes entram uma depois da 
outra, imitando e modificando o tema 
inicial. A estrutura ilustrada aqui tem 
muitas outras variantes possíveis. 
Legenda 
T = Tema - O tema principal da fuga. 
R = Resposta - O tema repetido uma quinta (cinco notas) acima. 
CT = Contratema - Um tema secundário contrastante. 
PL - Parte livre - Material baseado no primeiro tema. 
PT = Pedal tónico - Nota baixo final sustentada. 
mas os dispõem em estruturas bem 
mais rigorosas, propiciando 
experiências de audição muito 
ricas. Na organização básica d a 
fuga, uma melodia co nhecida como 
"tema" é apresentada pela primeira 
voz na tónica (o tom fundamental 
da escala). A voz seguinte responde 
então co m a mesma melodia mas 
co meçando na do minante (a quinta 
nota da escala usada). Quando 
replica, a voz o riginal to ca u m 
"contratema" que pode ser muito 
contrastante. A terceira voz entra 
então co m o "tema" de novo, 
Trabalho incessante, análise, 
reflexão, muita escrita, 
correções infinitas, esse é o 
meu segredo. 
Jo hann Seb asti an Bach 
t f 
co meçando na mesma nota em 
o itava diferente, enquanto a 
segund a voz executa o contratema 
e a primeira voz em geral to ca 
material livre derivado do tema. 
Isso co ntinua do mesmo modo até 
que todas as vozes entrem, em 
rápida transição da simplicidade à 
complexidade por meio de material 
musical limitado . 
A fuga progride então co m mais 
"episódios" de ânimo diverso , 
derivados de novo, muitas vezes, do 
material de abertura. A seção do 
meio, por sua vez, apresenta o tema 
em diferentes tons e formatos, até 
que a obra volte à escala de 
abertura. Outras variantes realçam 
esse trajeto, como o stretto, em que 
temas e respostas entram antes de 
os anteriores acabarem. 
Ferramentas de ensino 
Co m as 48 fugas de O cravo bem 
temperado, Bach deu aos 
instrumentistas de teclado e 
compositores um compêndio de 
técnicas de estudo. Elas foram 
concebidas como ferramentas de 
ensino e, embora sejam muitas 
vezes executadas em salas de 
concerto, não são tão poderosas 
quanto suas fugas para órgão ou as 
de sua música sacra. Porém tiveram 
considerável influência em 
compositores posteriores, que as 
apelidaram de Velho Testamento da 
música (as sonatas de Beethoven 
eram o Novo Testamento) e as 
homenagearam: Chostakóvitch, por 
exemplo, compôs 24 prelúdios e 
fugas. Mesmo hoje, os p ianistas 
estudam O cravo bem temperado 
como parte de sua formação. 
O fascínio de Bach pelo 
contraponto não se limita às fugas. 
A energia interna de seus 
movimentos de suite de dança se 
baseia na compreensão d essa 
técnica; mesmo em música para 
vio lino ou violoncelo solo ele muitas 
vezes ind ica o que outras vozes 
to cariam se houvesse mais 
instrumento s inserindo notas e 
frases em registros diferentes. 
Bach também era atraído por 
cânones, em que uma voz segue o 
contorno melódico exato d a outra 
mas um pouco depois (como 
acontece em rondas infantis). Seu 
uso d essa técnica é evidente em 
especial nas Variações Goldberg, 
u m conjunto de trinta variações 
para teclado publicado em 1741, 
segundo ele, "para conhecedores 
reanimarem o espírito". 
A partir de uma linha de base 
repetida, Bach compôs cada terceira 
variação como um cânone, mas com 
uma d imensão extra. O primeiro 
cânone co meça com ambas as 
vozes na mesma nota. No cânone 
seguinte, porém, a segunda voz toca 
a mesma melodia d a primeira, mas 
uma nota mais alta; aqui é preciso 
habilidade incrível para criar 
material melódico que funcione e 
soe agradável ao ouvinte. O cânone 
seguinte apresenta a segunda voz 
duas notas mais alto e isso continua 
até que, no último cânone, as vozes 
estão d istantes nove notas. 
A parentemente não contente com 
essa abundância de cânones, Bach 
esboçou mais catorze em seu 
exemplar de Variações Goldberg, 
construídos sobre as primeiras oito 
notas da linha de baixo . 
Em A oferenda musical, sua 
última obra p rincip al para teclado , 
escrita para o recém-inventado 
piano , Bach crio u uma co leção de 
catorze câno nes e fugas baseados 
num tema alegadamente composto 
pelo rei da Prússia, Fred erico n. Em 
vez de escrever a música completa, 
Bach apresentou alguns trechos 
que seriam chamad o s de "fugas-
-enigma", apenas co m a melod ia 
principal, às vezes como acróstico , 
e declarando em latim brevemente 
o tipo de câno ne e o número de 
vozes. O executante tem de 
ad iv inhar como tocar a p eça. Bach 
incluiu até u m "câno ne 
caranguejo " em que o tema é 
tocado para trás e para a frente ao 
mesmo tempo . Curio samente, a 
fuga de seis partes d essa obra, 
co nhecid a como Ricercar a 6, é 
escrita em seis pautas - uma porvoz - em vez de num arranjo para 
duas mão s. Bach apresentou A 
arte da fuga do mesmo modo, 
BARROCO 1600-1750 111 
éé 
É a coisa mais difícil que já 
tentei. Você tem de deixar 
fluir; como fazer isso? [...] 
Nunca houve nada mais belo 
em toda a música. 
G l e n n G o ul d 
Pianista (1932-1982) 
f f 
talvez para ind icar que era música 
pura, sem vínculo co m u m 
instrumento em especial. 
Legado inacabado 
A arte da fuga é o auge do interesse 
de Bach pelo contraponto e foi 
escrita como catorze fugas e quatro 
câno nes que usam de alguma 
forma o mesmo tema principal para 
gerar música de extraordinária 
sutileza e variedade. A última fuga, 
ou "contrapunctus", como a 
chamo u, apresenta uma série de 
três diferentes temas, cad a u m 
trabalhado em quatro vozes antes 
de seguir para o seguinte. O último 
apresenta u m dos momentos mais 
comoventes d a história da música. 
Bach introduz u m tema de quatro 
notas que so letra seu nome (em 
no tação alemã B = si bemol e H = 
si, então BA C H = si bemol lá dó si), 
mas antes de terminar de 
desenvolvê-lo o manuscrito se 
interrompe. • 
Glenn Gould, brilhante pianista 
canadense do século xx, visto aqui 
gravando música de teclado de Bach, foi 
notável pela habilidade em articular com 
clareza a textura dos prelúdios e fugas. 
114 INTRODUÇÃO 
Carl Philipp Emanuel 
Bach, compositor da 
corte de Frederico da 
Prússia, compõe o 
Concerto para flauta 
em lá maior. 
A 
1753 
O compositor italiano 
Domênico Scarlatti publica 
trinta Essercizi (Exercícios) 
como parte de mais de 
quinhentas sonatas escritas 
para teclado. 
í 
1758 
A ópera Doktor und 
Apotheker, uma Singspiel 
(brincadeira cantada) de 
Carl Ditters von 
Dittersdorf, estreia 
em Viena. 
A 
1786 
1755 
i 
A Sinfonia em mi bemol 
maior, de Johann Stamitz 
transforma a forma sinfonia 
com suas mudanças súbitas 
de dinâmica e um novo 
quarto movimento. 
1762 
l 
1787 
Em Viena, Orfeu e Euridice, 
de Christoph Wilibald 
Gluck, derruba as 
convenções da ópera italiana, 
criando um entretenimento 
mais teatral e integrado. 
V 
Antonio Salieri 
estreia Tarare, 
uma tragédie en 
musique, a partir 
de um libreto 
francês, em Paris 
O século xvm foi a era do Iluminismo na Euro pa, u m período em que a velha 
ordem política d ava lugar a uma 
sociedade nova, mais inclusiva. A s 
cortes aristo cráticas co ntinuaram a 
patrocinar as artes, mas a ascensão 
d a classe média urbana criou u m 
novo público de concerto e ópera, 
co m gostos diferentes. A música 
também refletiu os valores 
iluministas do racionalismo e do 
humanismo , apoiados nos ideais 
estético s da Grécia antiga, 
rejeitando o contraponto 
extravagante do Barroco em favor 
de u m estilo mais livre, que 
enfatizava a elegância e a 
proporção. 
O Classicismo em música 
começou por volta de 1750. Durou 
não muito mais que cinquenta anos, 
mas foi tão influente que o termo 
"música clássica" é amplamente 
usado para designar tradições 
musicais bem estabelecidas em 
geral. Entre os primeiros a adotar o 
novo estilo estavam dois filhos de J. 
S. Bach: Carl Philipp Emmanuel, 
músico da corte que criou uma ponte 
entre os estilos musicais barroco e 
clássico, e seu irmão, Jo hann 
Christian, que fez nome em Londres 
executando concertos públicos e 
popularizando o recém-inventado 
piano. A lguns dos mais empolgantes 
desenvolvimentos, porém, ocorreram 
em Mannheim, na A lemanha, onde a 
orquestra da corte permitiu a 
compositores como Jo hann Stamitz 
explorar novas formas musicais, 
como a sinfonia e o concerto. 
A ópera p assav a por 
transformação similar. Christo ph 
Willibald Gluck, insatisfeito co m o 
artificialismo da ópera barroca, 
inicio u uma série de óperas 
"modificadas", simplificando a 
música e buscando uma 
teatralidade mais realista. 
O cenário vienense 
Conforme o estilo clássico se 
estabelecia, compositores e 
instrumentistas co meçaram a 
gravitar para Viena, que se tornou o 
centro cultural além de geográfico 
da Euro pa, co m uma população 
próspera ansio sa por ouvir música 
nova. Três compositores se 
d estacaram: Jo seph Hayd n, 
Wolfgang A mad eus Mozart e 
Lud w ig v an Beethoven. 
Embo ra seja figura central na 
formação do cenário musical 
vienense, Hayd n não fazia parte dele 
de início. Ele assumiu o cargo 
convencional de Kapelimeister 
(diretor musical) da propriedade rural 
CLASSICISMO 1750-1820 115 
Criador do quarteto de 
cordas, Joseph Haydn 
compõe Opus 54, três 
quartetos para cordas cuja 
originalidade transforma a 
música de câmara. 
í 
1788 
Muzio Clementi 
publica a Sonata para 
piano em fá sustenido 
menor, op. 25, n" 5, 
introduzindo inovações 
na forma sonata. 
Em Londres, o virtuose 
do piano e compositor 
tcheoo Jan Ladislav 
Dussek publica um 
influente tratado sobre 
pianística. 
r 
1790 
A 
1793 
1788 
Wolfgang Amadeus 
Mozart compõe a 
Sinfonia na 40 em sol 
menor, o ponto alto da 
sinfonia no período 
clássico. 
1791 
1 
1803 
A Singspiel alcança o 
auge com o grande 
sucesso da estreia de 
A flauta mágica, de Mozart 
em Viena. 
Beethoven lança a 
Sinfonia "Eroica", com 
aclamação geral, 
pavimentando o 
caminho para a música 
do Romantismo. 
da família Esterházy na Hungria, 
produzindo música para concertos 
bissemanais. Distanciado de um 
ambiente musical maior, Hayd n 
desenvolveu seu próprio estilo. Tinha 
uma equipe de músicos talentosos 
(que se referiam a ele como Papai 
Haydn) e conseguiu aperfeiçoar as 
próprias habilidades e as formas 
musicais, como a sinfonia, o quarteto 
de cordas, a sonata e o concerto solo. 
A pesar do isolamento da propriedade 
Esterházy, sua música se d ifundiu 
em Viena e além ao ser publicada. 
Enquanto Hayd n iniciava a 
carreira como músico da corte, um 
jovem prodígio musical de Salzburgo 
era exibido nas cortes e salas de 
concerto por seu ambicioso pai. 
Génio precoce, Wolfgang A mad eus 
Mozart aprendeu os elementos do 
novo estilo clássico enquanto 
percorria a Europa. Percebendo que 
não se ajustava à v ida de músico de 
corte, ele decid iu ganhar a v id a 
como compositor independente -
u m dos primeiros a fazer isso - em 
Viena. N uma das v iagens de Hayd n 
de Esterházy à capital, os dois 
ficaram amigos. Mozart se inspirou 
a desenvolver sinfonias e quartetos 
para cordas na mesma linha de 
Haydn, mas também co nstruiu uma 
v id a - e uma reputação - como 
compositor e p ianista. Mais tarde se 
tornou co nhecid o como o mais 
impo rtante compositor de ópera 
d a épo ca. 
Entra Beethoven 
Enquanto Hay d n e Mozart estav am 
no auge do sucesso nos anos 1770, 
outro pai ambicio so tinha 
aspirações para seu talentoso filho. 
Embo ra Lu d w ig v an Beetho ven não 
tenha ficado famoso como criança-
-prodígio, obteve aos treze anos o 
cargo de músico da corte em Bo nn 
e depois se tornou compositor 
independente, instrumentista e 
professor em Viena. Ele se fixou ali 
em 1792, tarde d emais para 
conhecer seu herói, Mozart, que 
morrera um ano antes, mas tomou 
lições de composição de Hayd n. 
A s primeiras obras de 
Beethoven, sinfo nias, sonatas para 
piano e música de câmara, 
seg uiam o estilo estabelecido por 
Hay d n e Mozart, mas mo stravam 
sinais de um temperamento mais 
apaixonado que d iferia do 
Classic ismo anterior. Em 1803, a 
Terceira Sinfo nia de Beethoven, 
"Ero ica", ampliou a forma da 
sinfonia, desenvolvendo uma 
linguagem musical expressiva e 
anunciando o início de um novo 
período na história da música. • 
116 
E M C O N T E X T O 
FO C O 
Exp ans ão do alcance da 
orquestra 
A N T E S 
anos 1720 Co mpo sito res de 
óperas napo litanas, como 
Leo nard o V inc i , escrev em 
sinfonie (sinfonias) em três 
mo v imento s como prelúdios 
p ara suas obras d ramáticas. 
1732 O compositor italiano 
Gio vanni Battista Sammartini 
co meça a escrever u m a série de 
sinfonias de três movimentos. 
D EPO IS 
1766 E m Paris, Mo zart faz 
amiz ad e co m o compositor e 
regente Christian Cannabich, 
de M annheim, aluno e 
seguidor de Stamitz. 
1772 N as sinfo nias do período 
Sturm und Drang 
(Temp estad e e ímpeto ), 
H ay d n exp lo ra aind a m ais o 
estilo emo cio nal de música 
o rquestral intro d uzid o pelos 
co mpo sito res de M annhe im . 
SEU F0/?7£E COMO UM 
TROVÃO, 0 CRESCENDO í 
COMO UMA CATARATA 
SINFONIA EM Ml BEMOL MAIOR, OP. 11, N° 3, 
(1754-1755), JOHANN STAMITZ 
E m 1741, o compositor Jo hann Stamitz se mudou d a Bo émia natal (hoje 
República Tcheca) para Mannheim, 
capital do Eleitorado do Palatinado , 
um território alemão. Lá ele se 
tornou v io linista da corte e em 1745 
foi nomeado spalla d a orquestra. 
Stamitz elevou os padrões d a 
música orquestral, contratando 
músicos talentosos, alguns dos 
quais também eram compositores, 
e ampliando a orquestra co m a 
adição de instrumento s de sopro, 
como o bo és e trompas. Ele regia 
esse grupo d iversificado não a 
A cidade adotiva musical de Stamitz, 
Mannheim - aqui numa gravura de 
1788 que mostra o castelo do eleitor, a 
igreja da corte (Hofkirche) e o arsenal -, 
tornou-se um centro de inovação musical. 
partir do teclado como era a norma, 
mas de sua estante d iante d a seção 
de vio linos, usando o arco para 
marcar o início da peça e ind icar o 
ritmo e o tempo. Sob Stamitz , a 
orquestra de Mannheim ganhou 
nome pela suprema qualidade e 
precisão da execução e pela nova 
paisagem sonora que criou. Muitas 
d as obras to cadas pela orquestra de 
CLASSICISMO 1750-1820 117 
Ver também: Sinfonia n2 40 em sol menor, Mozart 128-131 'Sinfonia fantástica 
162-163 • Sinfonia n 2 1, Schumann 166-169 • Sinfonia Fausto 176-177 
éé 
O s i n s tr u m e n to s d e so p ro n ão 
p o d e r i a m ser u s ad o s melho r: 
e les e l e v a m e c o n d u z e m , 
re f o rç am e d ão v i d a à 
te m p e s tad e d o s v io l ino s . 
C . F. D . S chub art 
Poeta, organista e compositor 
t f 
Mannheim de Stamitz eram 
sinfonias, uma forma que se 
o riginara na Itália como prelúdio, ou 
abertura, de óperas, mas agora 
integrava o repertório barroco de 
concerto . Essas obras em geral 
co nsistiam em três movimentos: 
um lento entre do is rápidos. 
A sinfonia reinventada 
Na Sinfo nia em m i bemol e outras 
obras, Stamitz se apo sso u da 
forma sinfo nia e a transfo rmou, 
criando muito s traços que 
d isting uem esse estilo musical. 
Ele acrescento u u m mo vimento 
extra: u m minueto co m uma seção 
co ntrastante chamad a "trio " 
porque se d estinav a de início a ser 
to cada por três músico s. A do to u 
também a forma sonata, usad a no 
mo vimento de abertura d a 
Sinfo nia em m i bemol, em que o 
primeiro tema, tocado na tó nica 
(mi bemol) pela o rquestra inteira, é 
realçado por u m segund o tema, 
executado pelos o bo és na 
d o minante (si bemol). Vem então 
uma seção de desenvo lv imento e o 
primeiro mo vimento termina 
recapitulando o segundo tema, 
agora na tó nica. Essa fo rma so nata 
(em geral co m a retomada do 
primeiro tema) se tornou u m 
modelo da escrita sinfónica do 
período clássico , em esp ecial em 
primeiro s mo vimento s. 
Fogos de artif ício musicais 
Um traço aind a mais notável das 
sinfo nias de Stamitz , inclusive 
daquela em m i bemol - e d a esco la 
de Mannheim em geral - , é o uso 
de contrastes d inâmico s e fortes. 
N uma passagem de música suave 
surge às vezes um foitissimo súbito 
ou um crescendo dramático , em 
que o so m d a orquestra aumenta 
cada vez mais, co m efeito v ibrante. 
Outro maneirismo preferido era o 
"foguete de Mannheim", uma 
melodia ou frase que subia rápido, 
junto co m u m crescendo. 
Co mbinad as à variad a paleta de 
instrumento s de cordas e sopro da 
orquestra de Mannheim, sinfo nias 
como as de Stamitz inf lamav am o 
público e ind icav am o rumo de uma 
música mais dramática e 
emocional. 
A Sinfo nia em m i bemol foi uma 
d as últimas obras orquestrais de 
Stamitz , mas seu legado sobreviveu 
co m os dois filhos compositores, 
Carl e A nto n. Eles e outros, como 
Christian Cannabich (1731-1798), 
regente d a orquestra de Mannheim 
após a morte de Stamitz , 
desenvo lveram seu estilo e logo 
compositores de corte de toda a 
Euro pa escrev iam novas sinfo nias 
para diversão de seus patronos. Os 
compositores de Mannheim 
impressio naram o jovem Mozart, 
que admiro u sua orquestra e 
adotou algumas das técnicas 
compositivas de Stamitz em sua 
própria música. • 
Jo h an n S tami tz 
Nascido em Némecky Brod 
(hoje Havlíckúv Brod), na 
Boémia, em 1717, Stamitz 
aprendeu música com o pai, 
organista e mestre do coro, e 
depois frequentou uma escola 
jesuítica em Jihlava e a 
universidade em Praga. É 
provável que tenha atuado 
como violinista antes de chegar 
a Mannheim no início dos anos 
1740, logo subindo ao posto de 
diretor de música orquestral da 
corte em 1750. Stamitz passou 
a maior parte da vida ativa em 
Mannheim. Viveu de 1754 a 
1755 em Paris, onde já era 
famoso como compositor, e 
executou uma série de 
concertos de sucesso. Stamitz 
escreveu música sacra e muitas 
obras de câmara, porém é mais 
lembrado pelas peças 
orquestrais, que incluem 
concertos para violino e muitas 
sinfonias, das quais 58 
sobreviveram. Voltou de Paris a 
Mannheim em 1755 e lá morreu 
em 1757. 
Outras obras importantes 
c. 1745 Três sinfonias de 
Mannheim (em sol maior, lá 
maior e si bemol maior) 
c. 1750 Missa em ré maior 
1754 Concerto para flauta em 
dó maior 
E M C O N T E X T O 
FO C O 
Opera seria clássica 
A N T E S 
1690 Co mpo sito res como 
A lessand ro Scarlatti c riam u m 
novo estilo de ópera derivado 
d as obras v o cais barro cas - a 
Esco la Napo litana - , 
po pularizando logo o género . 
1748 A fama de Gluck é 
realçada quand o su a ópera La 
Semiramis riconosciuta 
(Semíramis revelada) é 
encenad a em V iena no 
aniversário d a imperatriz 
M aria Teresa de Habsburgo . 
1752 Gluck e o libretista Pietro 
Metastasio pro d uzem a ópera 
La clemenza di Tito (A 
clemência de Tito ), c o m 
grand e sucesso . 
D EPO IS 
1781 A ópera Idomeneo, de 
Mozart, é encenada pela 
primeira vez. Ela mo stra a 
influência de Gluck, em especial 
nos recitativos acompanhados. 
0 ATO MAIS 
COMOVENTE DE 
TODA A ÓPERA 
ORFEU E EURÍDICE (1762), 
CHRISTOPH WILLIBALD GLUCK 
A ópera Orfeu e Euridice, de Christo ph Willibald Gluck, estreou em Viena em 1762. 
Ela se baseia na famosa história d a 
mito logia clássica sobre a jornada 
de Orfeu ao submundo para 
resgatar sua mulher, Eurídice. A o 
contrário do mito o riginal, mas de 
acordo co m o gosto d a época, a 
ópera de Gluck tem final feliz. 
Emb o ra a histó ria d a ópera 
fosse familiar, o estilo de Gluck 
era bastante novo. Ele 
transfo rmo u a ópera p ara integrar 
mais a música e o enredo , 
d esbastand o elementos que 
d istraíam e atrasav am a ação e 
to rnando a obra mais envo lvente e 
éé 
Não há regra musical que 
eu não tenha sacrificado de 
bom grado em favor do 
efeito dramático. 
Chri stoph W . G l uck 
t f 
real. Ele também humaniz o u os 
perso nagens e as árias, 
fazendo -os exp ressar emo çõ es 
mais d iretamente. 
Opera seria 
Em meados do século xvm, o tipo 
de ópera mais em mo da era a 
opera seria. El a apresenta 
recitativo - passagens cantad as no 
ritmo da fala co m muitas sílabas 
na mesma nota, em geral 
aco mp anhad as apenas por 
instrumento s em contínuo 
(tip icamente só cravo e vio loncelo) 
tocando u m a linha de baixo 
ad icio nal imp ro v isad a - e árias, 
aco mp anhad as por toda a 
orquestra. A s árias têm estrutura 
d istinta, chamad a da capo (do 
início), co m três seçõ es, sendo a 
terceira u m a repetição d a primeira, 
co m o rnamentação para exibir a 
habilid ad e do cantor. No meio , a 
segund a seção introduz u m a no va 
melod ia ou desenvo lve a inic ial . 
Enquanto isso , elementos como 
cenário s variad o s e rico s e balés 
elaborados muitas vezes dão mais 
v id a ao evento . 
Gluck acred itav a que 
espetáculo s luxuo so s e árias 
longas e po mpo sas tend iam a 
atrapalhar o d rama e que a 
CLASSICISMO 1750-1820 119 
Ver também: Eurídice 62-63-A Paixão segundo São Mateus98-105 'A (lauta 
mágica 134-137 - Der Freischútz 149 
diferença de textura musical entre 
árias e recitativo s interro mpia o 
fluxo . Ele e seu libretista, Ranieri 
de' Calzabig i, queriam reformar a 
ópera co locando o d rama no centro 
do palco , varrendo os absurdo s do 
enredo e fazendo a música serv ir à 
ação . Musicalmente, isso 
signif icav a livrar-se d as repetiçõ es 
das árias da capo e desenvo lver 
u m estilo mais claro e simples. Um 
bo m exemplo é a ária de Orfeu no 
ato m, Che faro senza Euridice (O 
que farei sem Eurídice), em forma 
de rondó, em que o tema de 
abertura vo lta no fim, mas sem a 
repetição da capo d ireta. Gluck 
também integrava árias e 
recitativos, usando toda a 
o rquestra para aco mpanhar 
A ópera II Parnasso confuso, de 
Gluck, estreada em 1765 no casamento 
do imperador José n. A pintura de 
Johann Franz Greipel mostra o 
arquiduque Leopoldo ao cravo. 
ambo s. Isso melhorou o fluxo e deu 
à música mais expressão e 
emoção . N a ária do ato i em que 
Orfeu canta sua tristeza, o 
compositor insere recitativo s 
comoventes antes de cad a verso , 
integrando mais os elementos. 
Resultados e efeitos 
Essas mud anças to rnaram a ópera 
mais centrad a no perso nagem e 
na ação - em outras p alav ras, se 
não to talmente realista, mais real 
e to cante. Os enredos tend eram a 
ser mais co erentes e os 
perso nagens e situaçõ es - mesmo 
quand o mito ló gico s - mais 
vero ssímeis. A o mesmo tempo , 
hav ia meno s o po rtunid ad es para 
os canto res fazerem 
d emo nstraçõ es v irtuo sísticas que 
p ud essem interro mper a ação . 
Outro s co mpo sito res, em esp ec ial 
Mo zart, d esenv o lv eram mais 
essas id eias, pro duzindo obras-
-p rimas líricas. • 
C hri s to p h 
W i l l i b al d G l u ck 
Filho de um guarda-florestal, 
Gluck nasceu em Erasbach, na 
Baviera, em 1714. Em grande 
parte autodidata, viajou muito e 
aprendeu órgão e violoncelo em 
Praga. Estudou com o 
compositor Giuseppe 
Sammartini em Milão, antes de 
ir para Londres nos anos 1740, 
onde compôs óperas para o 
King's Theatre. Lá, conheceu 
Hãndel, que fez a famosa 
declaração de que seu 
cozinheiro (o cantor baixo 
Gustavus Waltz) conhecia mais 
contraponto que Gluck. Por fim 
Gluck se fixou em Viena, onde 
trabalhou com o libretista 
Ranieri de' Calzabigi. Eles 
queriam "reformar" a ópera 
integrando música e ação e 
fizeram óperas inspiradas na 
mitologia, como Orfeu e 
Eurídice (1762) e Alceste (1767). 
A fama de Gluck aumentou com 
obras posteriores, como as 
versões francesas de Orfeu e 
outras óperas. Aposentou-se 
após sofrer um derrame em 
1779 e morreu em 1787. 
Outras obras importantes 
1767 Alceste 
1777 Armide 
1779 Iphigénie en Tauride 
E M C O N T E X T O 
FO C O 
U m a nova l iberdade de 
expressão 
A N T E S 
1750 C. P. E. Bach escreve u m 
arranjo para o Magnif icat nu m 
estilo como o de J. S. Bach -
talvez na tentativa de assegurar 
o antigo emprego de seu p ai 
como Kantor d a Tho masschule, 
em Leipz ig . 
D EPO IS 
1772 Jo sep h H ay d n escrev e a 
Sinfo nia n 2 44, "Trauer" 
(Manhã), o bra-prima do retrato 
d a emo ção . 
1777 Jo hann Christian Bach, 
irmão mais novo de Emanuel , 
p ublica os Co ncerto s para 
teclado , op. 13, quase o oposto 
music al d a obra emo cio nal e 
d ramática de Emanuel . 
1779 C. P. E. Bac h p ublica as 
séries de rondós e outras obras 
p ara teclado solo que m arc am 
o auge de seu estilo musical 
"emocional". 
DEVEMOS TOOAR DOM 
A ALMA, NÃO DOMO 
PÁSSAROS TREINADOS 
CONCERTO PARA FLAUTA EM LÁ MAIOR, WQ168 (1753), 
CARL PHILIPP EMANUEL BACH 
E m 1738, o jovem C. P. E. , ou Emanuel, Bach foi nomeado crav ista da corte na casa do 
príncipe real Frederico da Prússia. 
Do is anos depois o príncipe subiu 
ao trono e, co m o aumento do seu 
poder, tornou-se conhecido como 
Frederico , o Grande. 
Emanuel, como era chamado , 
viajou co m a corte para Berlim, 
onde v iv eu como músico da corte 
por 28 anos. Melhor instrumentista 
de teclado de sua geração , ele 
atraiu ampla admiração mas nunca 
se sentiu realmente valorizado . Os 
músicos de corte d a épo ca tinham 
status de criados e d ev iam escrever 
e tocar música de acordo co m o 
gosto dos patrões. 
O rei dá o tom 
Frederico era um flautista 
consumado . Encarregado de 
aco mpanhar o rei em concertos na 
corte, Emanuel era subalterno do 
muito mais bem pago flautista da 
corte, Jo hann Jo achim Quantz. 
Também se esperava que 
co mpusesse música para Frederico 
tocar - como o Concerto para flauta 
em lá maior. Para ganhar tempo, 
Emanuel transcrev ia para flauta 
C arl Phi l i pp Em an u e l Bach 
Segundo filho 
de Johann 
Sebastian Bach 
a sobreviver, 
Emanuel 
nasceu em 
Weimar, na Alemanha, em 1714. 
O pai alimentou seu talento para 
o cravo. 
Emanuel estudou direito 
antes se dedicar totalmente à 
música. A serviço de Frederico, o 
Grande, a partir de 1740, compôs 
obras para os músicos da corte e 
escreveu um tratado sobre a 
execução de instrumentos de 
teclado. É, porém, mais 
conhecido pelas sinfonias e 
concertos de estilo muito pessoal 
e emocional que escreveu mais 
tarde. Morreu em Hamburgo em 
1788, aos 74 anos. 
Outras obras importantes 
1749 Magnificat em ré, Wq 215 
1775-1776 Sinfonias, Wq 183 
1783-1787 Sonatas para teclado, 
Fantasias e Rondós, Wq 58, 59, 
61 
CLASSICISMO 1750-1820 121 
Ver também: Great Service 52-53 • Water Music 84-89 • Musique de table 106 • Hippolyte et Aricie 107 • A arte da fuga 
108-111 • Quarteto de cordas n214 em dó sustenido menor, Beethoven 156-161 
l ecenato no sécul o xv m 
Grande príncipe 
Ferdinando de Médici 
(1663-1713) 
Convida 
Domênico 
Scarlatti a Encomenda a 
sua corte em ópera Rodrigo, 
Florença em de Hãndel 
1702. (1707). 
Família Esterházy da 
Hungria 
(a partir de 1761) 
Emprega Encomenda os 
Haydn por Trios para piano, 
toda a vida op. 1, de 
desde 1761. Beethoven (1795). 
Imperador José n de 
Habsburgo 
(1741-1790) 
Ajuda Salieri Patrocina Die 
a se tornar Entfúhrung 
diretor da aus dem Serail, 
ópera italiana de Mozart 
em 1774. (1788). 
Um pequeno círculo de mecenas nobres sustentava compositores no 
século xvm. Quando a música se tornou mais popular, os músicos ganharam 
maior independência, mas o patrocínio ainda desempenhava papel crucial. 
Diplomata barão 
Gottfried van Swieten 
(1733-1803) 
Emprega 
Encomenda seis Mozart em 
sinfonias para vários 
orquestra de projetos 
cordas a C. P. E. musicais 
Bach (1773). (1782-1790). 
obras que compusera para outro 
instrumento - o Concerto em lá 
maior, por exemplo, nascera como 
concerto para cravo. 
Embo ra Emanuel Bach tenha 
estudado composição co m o pai, 
Jo hann Sebastian, seus estilos eram 
muito diversos. A música do pai se 
baseava no contraponto; já o filho se 
interessava por transmitir emoção . 
éé 
Instrumentistas de teclado 
cujo principal recurso é a mera 
técnica [...] sobrecarregam 
nossa audição sem satisfazê-la 
e atordoam a mente sem 
comovê-la. 
C . P. E. Bach 
t f 
Nisso ele seguia o movimento 
Empfíndsamkeit (Sentimentalismo), 
uma reação ao racionalismo da 
filosofia iluminista. Buscando criar 
música expressiva, Emanuel 
desenvolveu u m estilo d istinto que 
incluía mudanças súbitas e 
dramáticas de harmonia, d inâmica 
e ritmo, os quais d avam a suas 
obras (em especial nos movimentos 
rápidos) uma qualidade espontânea, 
além de escrever movimentos lentos 
melódicos e tocantes. Há alguns 
contrastes fortes rítmicos e 
dinâmicos nos movimentos externos 
do Concerto para flauta em lá maior, 
e Emanuel sem dúvida teria 
realçado a dramaticidade se não 
tivesse de considerar o que 
Frederico gostaria de tocar. 
Busca de independência 
O rei não gostava das peças mais 
dramáticas e imprevisíveis de 
Emanuel; preferia obras mais 
simples. Em 1768, Emanuel foi 
embora, tornando-se diretor musical 
das cinco igrejas principais de 
Hamburgo. A ind a escrevia por 
encomenda, mas tinha tempo para 
compor o que queria, tanto para ele 
mesmo executar como para patrões 
dispostos a dar liberdade a esseestilo emocional. Compositores 
pósteros, como Mozart e Beethoven, 
trabalharam cada vez mais desse 
modo independente, em posição 
menos semelhante à de um criado e 
compondo música mais pessoal. • 
éé 
Um músico [...] deve sentir 
todas as emoções que espera 
despertar em sua audiência. 
C . P. E. Bach 
f f 
FUI FORÇADO A 
ME TORNAR 
ORIGINAL 
QUARTETO DE CORDAS EM DÓ MAIOR, OP. 
54, N° 2, HOBOKEN 111:57 (1788-1790), 
JOSEPH HAYDN 
124 DESENVOLVIMENTO DO QUARTETO DE GORDAS 
E M C O N T E X T O 
FO C O 
D esenvol vimento do 
quarteto de cordas 
A N T E S 
1198 O moteto Viderunt 
omnes, de Pérotin, estabelece 
a prática de compor para 
quatro vo zes - a base do 
quarteto de co rdas. 
séculos xvi e xvn 
A s primeiras p eças p ara 
quarteto de co rdas inc luem a 
Sinfonia em quatro vo zes de 
Gregorio A lleg ri e as Sonate a 
quattro, de A lessand ro 
Scarlatti, mas a forma-padrão 
d a música de câmara era a 
so nata em trio , em geral p ara 
do is v io lino s e basso continuo. 
D EPO IS 
anos 1890 Insp irad o em 
H ay d n, Jo hann Peter Salo mo n, 
promotor de co ncerto s em 
Lo nd res, lev a os quarteto s de 
co rd as p ara as salas de 
co ncerto s públicas. 
Joseph H ay d n 
J o seph H ay d n crio u o quarteto de co rdas. Não se sabe por que esco lheu a 
co mbinação de dois v io lino s, v io la 
e vio loncelo , mas talvez seja 
porque seus timbres ind iv id uais 
refletem de perto as vo zes de u m 
coro. Os instrumento s - e os 
instrumentistas - estav am 
disponíveis na corte húngara da 
família Esterházy, onde Hay d n era 
compositor residente. O grupo 
padrão de música de câmara antes 
de Hayd n era a sonata em trio, em 
que a um instrumento de teclado se 
juntavam dois instrumentos de sons 
agudos e melódicos (violino ou flauta) 
e um instrumento de continuo, como 
um violoncelo, duplicando a linha de 
baixo do teclado. O uso inspirado de 
quatro instrumentos de cordas por 
Hayd n modernizou uma tradição que 
Henry Purcell tinha desenvolvido um 
século antes com as fantasias de 
cordas para até seis vozes, 
executadas por violas da gamba. 
Som realçado 
Hay d n se beneficiou de grandes 
avanços na manufatura de 
instrumento s, representados na 
Itália por A nto nio Strad ivari, a 
família A mati , Francesco Rugeri e a 
A barcand o os períodos barro co e 
clássico , H ay d n fo i u m a figura 
central p ara o estilo clássico . 
Nascid o na Baixa Á ustria em 1732 
num meio modesto , foi u m a 
criança musicalmente do tada e 
frequento u a esco la de coro d a 
cated ral de V iena a p artir dos oito 
ano s. Suas primeiras músicas, 
entre elas alg uns quarteto s de 
cordas, fo ram p ublicad as em Paris 
em 1764. A co ntratação de H ay d n 
de 1761 a 1790 no Esterházy 
Palace, na Hung ria, co nso lido u 
sua fama como compositor. Viajo u 
depo is a muitas cap itais d a 
música, em esp ecial Lo nd res, onde 
família Guarneri. Vio linos, v io las e 
violoncelos mais sensíveis eram 
estimulantes para compositores e 
instrumentistas. Hay d n também se 
interessava pelas melhorias na 
fabricação de arcos. Os arcos 
antigos tinham de ficar perto d a 
corda, produzindo sons de maneira 
contínua; repicando o novo arco 
sobre a corda podia ser emitido um 
so m rápido, quase percussivo , como 
Hayd n mostra no final do Quarteto 
em dó maior, op. 33 (1781). 
A s propriedades de difusão do 
som desses novos instrumento s e 
técnicas acabaram estimulando a 
composição de música de câmara, 
a ser executad a em grandes salas 
de concertos e não só em salões 
privados. 
Obras originais e emotivas 
A expressividade emocional v incula 
a obra madura de Hayd n ao 
movimento artístico alemão Sturm 
und Drang (Tempestade e ímpeto). 
Para Haydn, o quarteto de cordas era 
o veículo perfeito para contrastes 
emocionais extremos destinados a 
chocar a audiência. Seus primeiros 
quartetos notáveis incluem a op. 9, 
que ele declararia ser o real ponto de 
partida de suas composições de 
suas co mpo siçõ es tinham 
grand e d emand a. A pó s as 
Sinfonias de Londres (93-104) 
H ay d n só co mpô s seis missas e 
dois oratórios. N a última 
aparição pública, regeu As sete 
últimas palavras em dezembro 
de 1803. Mo rreu em paz em su a 
casa em V iena em 1809. 
Outras obras importantes 
1768 Sinfo nia n s 49 
1795 Trio p ara p iano n° 24 em ré 
maior 
1797-1798 A Criação 
1798 Missa de Nelson 
CLASSICISMO 1750-1820 125 
Ver também: Concerti grossi, Corelli 80-81 • Concerto para flauta em lá maior, C. P. E. Bach 120-121 • Sonata para piano em 
fá sustenido menor, Clementi 132-133 « Die schòne Múllerin 150-155 • Quarteto de cordas n-14 em dó sustenido menor, 
Beethoven 156-161 
quartetos, e a op. 20, em que a 
liberação gradual das quatro partes 
em vozes solo na moldura do quarteto 
marcou um novo desenvolvimento do 
género. A op. 20, n 2 2, tem interesse 
especial, pois inverte a forma mais 
usual do quarteto, em que o primeiro 
violino domina, colocando o 
violoncelo como voz principal, o 
segundo violino e a viola abaixo dele, 
e o primeiro violino de início 
silencioso. O terceiro movimento em 
minueto da op. 20, n 2 4, também é 
inovador. O pulso padrão de 
minuetos é três, mas aqui as 
acentuações o fazem soar como se 
estivesse no ritmo de dois. Do 
mesmo modo, em três dos finais (op. 
20, n 2 5 2, 5 e 6) Hayd n usa uma forma 
bem estabelecida, a fuga, para 
desenvolver novas ideias, como a 
interrupção de longos trechos de 
sotto voce (muito suave) tocando 
surtos súbitos de forte (alto). 
A cl amação europeia 
A credita-se que Hayd n e Mozart se 
conheceram no início dos anos 1780, 
tornando-se amigos íntimos. Co m 
Hayd n ao segundo vio lino e Mozart 
éé 
Quando invocamos o nome 
Haydn, nos referimos a um de 
nossos maiores homens [...]. 
Ele domina todos os 
artifícios harmónicos. 
Erns t Lu d w i g G erber 
Organista e compositor 
(1746-1819) 
à viola, o austríaco Carl Ditters von 
Dittersdorf ao primeiro vio lino e o 
tcheco Jo hann Baptist Vanhal ao 
violoncelo, os quatro compositores 
muitas vezes to caram quartetos e 
testaram suas composições. Isso 
levou Mozart a dedicar seus seis 
primeiros quartetos de cordas 
mad uro s a H ay d n. A d emand a 
pela música de Hayd n se espalhou 
na Euro pa, co m quartetos tocados 
em salas de concertos e salões 
particulares, e ele ajustou seu estilo 
de acordo. Dando aind a mais brilho 
às primeiras partes de vio lino , co m 
notas mais altas e mostras de 
v irtuo sismo , acabo u fortalecendo 
também as três vozes mais baixas, 
e os instrumentistas tiveram de 
aprender a projetar o som. 
Uma obra memorável e 
ousada 
A op. 54, n a 2, em dó maior de 
Hayd n, composta em 1788, é um de 
seus muitos quartetos 
No Palácio Esterházy aqui em 
imagem do século xvm, Haydn tinha 
um trabalho seguro mas exigente -
além de compor, cuidava de músicos, 
manuscritos e eventos. 
excepcionalmente inventivos. Ele 
uso u quase todas as tonalidades 
possíveis (mudanças de altura e 
modos maiores e menores), assim 
como formas clássicas (sonata, 
fuga, variações, minueto , scherzo e 
rondó). Há quartetos mais 
virtuosísticos e projetados co m 
mais brilho, bem como 
co mpo siçõ es mais antigas, como o 
movimento lento d a op. 20, n 2 1 , que 
talvez transmitam melhor o so m de 
perfeita intimidade de um quarteto , 
mas os contrastes extremos entre 
os movimentos da op. 54, n 2 2, 
assim como a decisão corajosa e 
insp irad a de terminar co m u m 
movimento lento, to rnam essa p eça 
musical singularmente memorável. 
O quarteto op. 54, n 2 2, foi u m dos » 
126 DESENVOLVIMENTO DO QUARTETO DE CORDAS 
A nato mi a de u m quarteto de cordas 
que Jo hann To st, v io linista muito 
admirado por Hay d n e negociante 
astuto , levou a Paris para promover 
e vender. Seu brilhante solo do 
primeiro vio lino apelava a uma 
audiência musical que preferia o 
quatuor concertam, género de 
quarteto de cordas em moda na 
capital francesa de cerca de 1775 
até a Revolução Francesa, em 1789. 
Ele também d ev ia se adequar ao 
talento de To st para tocar em 
registrosmuito agudos. 
Uma abertura exuberante 
O tom em dó maior que Hayd n usou 
no quarteto tradicionalmente ind ica 
música alegre e o timista. A peça 
co meça com compassos de abertura 
luminosos e uma melodia rápida e 
v iv a improvisada em clima de 
celebração . Os instrumentos se 
alternam na liderança na seção de 
desenvolvimento e a recapitulação é 
marcada pelo arpejo exuberante do 
violoncelo e interjeições do primeiro 
violino. Quando o movimento 
deveria conduzir à conclusão, Hayd n 
- como outros grandes compositores 
(Mozart, Beethoven e Schubert) -
ignora convenções compositivas e 
termina com um enorme clímax. 
Co m ambos os vio linos o mais alto 
possível, a vio la e o violoncelo se 
juntam antes que o movimento 
termine quase num reflexo, mas só 
em seus dois compassos finais. 
Contrastes surpreendentes 
O adágio a seguir (lento) em dó 
menor tem c lima bastante 
introspectivo . Uma melodia c igana 
triste é co locada nos tons mais 
baixo s dos quatro instrumento s. O 
milagre desse mo vimento é a 
criação imperceptível do que 
parece ser u m quinteto , quando os 
três mais baixo s to cam co m 
paradas duplas o casionais, 
liberando o primeiro vio lino para 
apresentar u m lamento que soa 
como se fosse improvisado . A 
liberdade d a notação de Hay d n dá a 
cad a v io linista a oportunidade de 
apresentar uma interpretação 
ind iv id ual e d esinibid a d essa 
passagem, que Brahms emulou no 
movimento lento de seu Quinteto 
para clarinete op. 115. 
O final triste - num acorde 
comedido - é deliberadamente 
incompleto . Em vez da interrupção 
normal (e mesmo da afinação de 
instrumento s co mum entre 
movimentos), a peça segue direto 
para um minueto , que co meça de 
modo hesitante e depois aos 
poucos imita o o timismo do 
primeiro movimento . Em seçõ es 
CLASSICISMO 1750-1820 127 
éé 
Po d e - se av e n tar c o m 
s e g u r a n ç a q u e n ão h á 
q u arte to m a i s o r i g i n al d e 
H a y d n [op. 54, n s 2] , n e m 
n e n h u m q u e c o n te n h a 
i n o v aç õ e s m a i s p ro f étic as. 
H ans Kel l er 
t f 
trio contrastantes, tudo mud a 
quando u m lá bemol d isso nante é 
reiteradamente acentuado numa 
batida fraca, soando como gritos de 
angústia. A repetição convencional 
do minueto tem papel crítico em 
restaurar o c lima o timista. 
A maior surpresa acontece no 
finale. Em vez do movimento rápido 
convencional, Haydn apresenta um 
adágio com uma melodia calma e 
tranquilizadora. Mesmo aqui, porém, 
o violoncelo atua de modo incomum, 
subindo até o tom do primeiro 
violino. Após um rápido interlúdio, o 
quarteto termina pacificamente. 
O legado de Haydn 
Não se sabe como o quarteto foi 
recebido e na verdade as muito 
menos inventivas obras de um colega 
austríaco, Ignace Joseph Pleyel, eram 
mais populares em Paris na época. 
Porém, menos de vinte anos depois, 
quando Beethoven produziu os 
quartetos da op. 18, em 1800, houve 
uma retomada dos quartetos de 
Haydn. O estilo dos 83 quartetos de 
Hayd n tinha revolucionado a música 
de câmara. Schumann os estudou 
antes de se dedicar a seus três 
quartetos op. 41 e todos os futuros 
compositores de quartetos se 
inspirariam em Haydn. • 
Haydn ia muito a Viena, no cortejo do 
príncipe Esterházy. Nesta pintura do 
século xix, ele é mostrado (de azul-claro) 
regendo um quarteto a partir de sua 
posição favorita de segundo violino. 
G rup o s de c â m a ra 
No século xvm, com a 
expansão da educação e o 
aumento da classe média, a 
apreciação da música se 
espalhou além da corte e da 
igreja. O número de músicos 
amadores com dinheiro e 
tempo de lazer cresceu, e 
amigos se juntavam em uma 
" câmara" ou cómodo para 
fazer música em casa. Isso 
criou um mercado de 
composições musicais 
próprias para ambiente 
íntimo, em especial de cordas, 
que se harmonizavam, eram 
mais em conta e se tornaram 
mais disponíveis com as 
melhorias na manufatura de 
instrumentos. 
Embora os quartetos de 
cordas fossem a forma mais 
popular de grupo de câmara 
nos períodos clássico e 
romântico, havia composições 
também para quintetos, com 
uma viola ou violoncelo 
adicional, ou um contrabaixo, e 
às vezes obras com outro 
"quinto" instrumento, como o 
clarinete, criando um som mais 
rico. Obras para quintetos de 
madeiras (flauta, oboé, 
clarinete, fagote e trompa) 
também apareceram. 
Como muitos lares de classe 
média compraram um piano 
no fim do século xvm, os 
compositores produziram 
música de câmara para piano 
- trio de piano (piano, violino e 
violoncelo), quarteto (trio de 
piano e viola) e quinteto 
(quarteto de cordas com piano). 
O dueto de piano para dois 
executantes em um 
instrumento também se 
popularizou para execuções 
domésticas e concertos, e 
vários compositores 
escreveram obras para quatro 
mãos, como Mozart e Schubert. 
128 
SEU ENORME CENIO 
ELEVOU MOZART 
ACIMA DE TODOS 
OS MESTRES 
SINFONIA N° 40 EM SOL MENOR, K. 550 (1788), 
WOLFGANG AMADEUS MOZART 
E M C O N T E X T O 
FO C O 
Inovação na sinf onia 
clássica 
A N T E S 
1759-1795 Jo sep h H ay d n 
co mpõ e m ais de c em sinfo nias 
no formato de quatro 
mo v imento s. 
1764 A o s oito anos, Wo lfgang 
A m ad eu s Mo zart co mpõ e a 
Quinta sinfo nia em m i bemo l 
maior, K. 16. 
D EPO IS 
1803 Lu d w i g v an Beetho ven 
co nclui a temp estuo sa e 
política sinfo nia "Ero ica". 
1824 Beetho v en termina seu 
projeto sinfónico co m a N o na 
sinfo nia, que inc lui u m 
mo v imento final co m so listas 
v o cais e coro. 
N o início dos anos 1780, Mozart hav ia escrito mais de trinta sinfo nias. Essas 
obras foram influenciadas por 
fatores musicais e extramusicais, 
como o trabalho na corte do 
arcebispo de sua cidade natal, 
Salzburgo , as v iagens aos centros 
musicais da Itália, a busca de 
emprego em Munique e Paris e as 
v isitas a Mannheim, capital d a 
sinfonia no século xvm. 
Zénite clássico 
A pós fixar-se em Viena em 1781, 
Mozart escreveu relativamente 
poucas sinfonias, dedicando -se a 
concertos para piano, música de 
câmara e obras para o teatro. No 
verão de 1788, porém, compôs suas 
três sinfonias finais, n 2 2 39 a 41; a 
CLASSICISMO 1750-1820 129 
Ver também: Sinfonia em mi bemol maior, Stamitz 116-117 'A flauta mágica 
134-137 • Sinfonia "Eroica" 138-141 • Dei Freischutz 149 • O ciclo do anel 180-187 
Sinfonia n 2 40 em sol menor, K. 550, 
talvez tenha sido co mpo sta para 
uma série de concertos para um 
cassino central em Viena. Essas 
obras representam o auge do 
género sinfónico do período 
clássico - embora já prenunciem a 
música do século xix, co m sua 
ênfase numa ampla g ama de 
harmo nias, a par de programas de 
concerto que atribuíam narrativas e 
temas d istinto s às p eças musicais. 
Forças expressivas 
Na juventude Mo zart fora 
influenciado pelo mo vimento 
Sturm und Drang (Tempestad e e 
ímpeto), que enfatizava a emo ção e 
a ind iv id ualid ad e criativ a. Esse 
estilo , liderado pela literatura d a 
época, também é ev idente em 
obras do pioneiro e prolífico "pai d a 
sinfonia", Jo seph Hay d n. Em 
música, o Sturm und Drang se 
exp ressav a por to nalidades 
menores, ritmo s sincopados, saltos 
melód icos e outros floreios que 
caracterizam todos a "Pequena" 
sinfo nia em sol menor (n2 25, K. 
183/ 173dB), concluída em 1773. 
Essa música de humor instável 
co m frequência seguia de mãos 
dadas co m a execução virtuosística 
típica de Mannheim, na A lemanha, 
que Mozart v isito u em 1763, aos 
sete anos, e em 1777-1778, aos 21. 
Os instrumentistas de Mannheim 
eram famosos pelas mudanças 
d inâmicas e crescendos v ibrantes. 
Mas não era só o estilo da sinfonia 
de Mannheim que era novo. Sua 
estrutura, co m quatro e não três 
movimentos, d iferia d a de suas 
equivalentes. Os compositores d a 
corte também deram mais peso aos 
Snales, antes d ançantes (e algo 
frívolos), revolucionando aind a mais 
o género. » 
Mozart com frequência compunha 
música em segmentos antes de lhes 
dar vida em manuscritos terminados, 
como este da Sinfonia n 2 40 em sol 
menor. 
\ 
ÇíTrf~X \ \ 
J^ = ^ = m é 
a m 
-m 
\ 
lO-
:i ti H 4 
\ p 
W ol f gang A m ad e u s 
M oz art 
Nascid o em Salzburgo , então 
parte do Sacro Império 
Ro mano , em 1756, Mo zart 
seg uiu os p asso s do pai, 
Leo po ld , músico e compositor 
d a corte do arcebispo . No 
entanto , o brilho de Mo z art 
como v io linista, p ianista e 
compositor fez co m que 
Salzburgo muitas v ez es 
parecesse sufo cante e até 
p ro v inciana, e ele busco u 
emprego em outro lugar. Em 
1781, fixou-se na cidade de 
Viena, sede do poder e po mpa 
dos Habsburgo . Trabalhand o 
como compositor independente, 
aperfeiçoou géneros como a 
sinfonia, o concerto e o 
quarteto de cordas e escreveu 
d iversas óperas de muito 
sucesso . Mo rreu de causas 
misterio sas no fim de 1791, aos 
35 anos, deixando cerca de 
seiscentas obras musicais e u m 
legado extraordinário p ara a 
geração seguinte. 
Outras obras importantes 
1773 Sinfo nia n 2 25 em so l 
meno r 
1779 Krònungsmesse 
1786 O casamento de Fígaro 
1790 Cosi fan tutte 
1791 Réquiem (incompleto ) 
130 INOVAÇÃO NA SINFONIA CLÁSSICA 
A Sinfonia n 9 40 
Embo ra várias obras anterio res de 
M o z ai l ex ib issem esses traço s 
music ais d ramático s, sob 
influência de M annhe im - por 
exemplo , justapo ndo as seç õ es de 
co rd as e de mad eiras co m 
poderoso efeito - sua "Grand e" 
sinfo nia, n 2 40, em so l menor se 
caracteriz a por u m a paleta 
instrumental mais integrad a. 
Esse estilo é típ ico de Viena, que 
co m M annheim era a c id ad e mais 
fo rtemente asso c iad a à sinfo nia 
como género no século xvni. A i n d a 
que em aparência m ais brando s, o 
d rama meló d ico e a cor harmó nica 
também são abund antes aqui. 
Iniciand o co m u m a figura 
susp irante nas cordas, a Sinfo nia 
n 2 40 em sol menor mo stra 
inúmeras passagens o usadas e 
tempestuo sas, além de uma 
escrita v irtuo sistica para toda a 
o rquestra. Na verdade, a obra 
inteira transmite a sensação de 
d rama trágico não expresso e 
muitas vezes eco a a música de 
Mo zart para palco . Tudo isso , 
assim como as aud acio sas 
esco lhas to nais ao longo dos 
quatro mo vimento s, se d estinav a a 
impressio nar os cosmopo litas 
v ienenses. Muitas vezes era 
preciso proezas de engenho 
através d as escalas, em esp ecial 
no co meço d a seção de 
desenvo lv imento do enérgico 
fínale. A l i , Mo zart usa onze d as 
doze notas d a escala cro mática (só 
excluindo o sol, a tó nica - ou nota 
central - d a sinfonia), criando um 
so m complexo e às vezes 
d isso nante. Não é de ad mirar que 
A rno ld Schoenberg, co nhecido por 
usar to das as doze no tas de uma 
escala, tenha sido atraído por essa 
obra em especial. 
A tó nica, so l maio r, tam b ém é 
elemento imp o rtante d a obra. 
Era, p ara Mo zart, o c anal music al 
pelo qual muitas v ez es 
exp ressav a dor ou tragéd ia, não 
só em obras co mp letas co mo em 
árias co mo A cir, ich fúhls ( A h , eu 
sinto ), de Pam ina, em A flauta 
mágica. A lém d as rev irav o ltas 
harmó nicas d a Sinfo nia n 2 40, 
sua imp rev isib i l id ad e emo cio nal 
bro ta d a d uração v ariad a de suas 
frases music ais, co mo no c o meç o 
do p rimeiro mo v imento , que 
in i c ia co mo que a meio f luxo . 
Co mp lexa também, e às v ez es 
bem co nfro ntante, é a textura 
o rquestral. A i n d a que nunc a 
U m núcl eo m u s i cal 
Como cap ital do império dos 
Habsburgo , Viena foi o centro d a 
música europeia por do is século s. 
A l i v iv eram muitos dos grandes 
compositores clássicos, como 
Mo zart, H ay d n e Beetho ven. Eles 
co nverg iam para a cidade em 
busca de patrocínio e público e 
fo ram os primeiro s de u m a lista de 
O Burgheather, na Michaelerplatz, 
Viena, foi gerido pela corte de 
Habsburgo. Grande parte das óperas 
de Mozart foi encenada nele. 
Mozart escreveu uma segunda 
versão da Sinfonia n2 40 que incluía 
clarinetes, havia pouco inventados. 
Eles foram criados por Jacob Denner, 
artesão do século xvm. 
irro mp a u m a fuga co mp leta -
co mo no mo v imento f inal d a 
Sinfo nia em dó maio r ( n 2 41), 
"Júpiter", que se seg u iu - , o 
co ntrapo nto ( l inhas meló d icas 
alternad as to cad as ac im a ou 
abaixo d a melo d ia p rinc ip al) 
compositores como Schubert 
(nascido em Viena) , a família 
Strauss, Brahms, Bruckner, 
Mahler, Scho enberg e Webern. 
Conforme o interesse do público 
por música se ampliav a, novos 
teatros e salas de concertos 
fo ram erguidos. A imperatriz 
M aria Teresa co nstruiu o 
Burgtheater perto do palácio real 
em 1741 e, em 1833, o compositor 
e regente Franz Lachner fundo u 
o Kúnstlerverein, antecesso r d a 
Orquestra Filarmónica de Viena, 
que riv aliza co m a Filarmónica 
de Berlim pelo título de principal 
o rquestra do mundo . 
CLASSICISMO 1750-1820 131 
é o temp o todo aparente. Mesmo 
o minueto e o trio do terceiro 
mo v imento d a sinfo nia, em geral 
um exerc íc io de rep etição 
agradável, se mo stram muito 
inf lamad o s, m ais co mo u m a 
briga que como u m a d ança 
co rtesã. 
Junto s, os quatro mo v imento s 
da sinfo nia nos lev am muito além 
do equilíbrio e d a estabilidade d as 
obras anteriores de Mo zart - e de 
seus co ntempo râneo s. Eles o lham 
para d iante, para a música mais 
turbulenta do Ro mantismo . 
O legado de M ozart 
Não se sabe se a Sinfo nia n 2 40 
estreou na épo ca de Mo zart, e 
muito s af irmam que não foi escrita 
para Viena, mas para a 
posteridade. Porém a existência de 
uma segund a versão d a partitura 
co m trechos para do is clarinetes, 
talvez escrita para amigo s dele, os 
tocadores de clarinete e basset 
horn A nto n e Jo hann Stadler, 
ind ica que Mo zart deve ter ouvido 
ao meno s u m a execução antes de 
morrer em 1791. 
A pós a morte de Mo zart, suas 
três sinfo nias finais, u m tríptico 
magnífico centrado em sol maior, 
éé 
A m ú s i c a d e M o z a r t é 
tão p u r a e b e l a q u e e u a v ejo 
c o m o ref lexo d e o p e raç õ e s 
i n te rn as d o u n i v e rso . 
A l b ert Ei ns tei n 
foi repetidas vezes apontado como 
o auge d a sinfo nia clássica. Essas 
obras - co m o grande corpo de 
sinfo nias de Hay d n - sem dúvida 
foram u m marco para o jo vem 
Lu d w ig v an Beetho ven. Nascid o 
em Bo nn, Beetho ven chegou a 
Viena no ano seguinte à morte de 
Mo zart e se tornou aluno de 
Hay d n, de início emulando a 
música do mestre e de seu ídolo 
Mozart. Por fim, Beetho ven 
romperia co m esse modelo co m 
obras rad icalmente d iversas, como 
a "Ero ica" em 1804 e a No na 
sinfo nia em 1824. 
Desenvolvimentos 
românticos 
A música de Franz Schubert, 
contemporâneo de Beethoven, 
d iversa em tonalidade (e 
expressão), também se inspiro u nas 
obras finais de Mozart. Os que 
seguiram esses mestres v ienenses, 
como Hector Berlioz e Franz Lisz t, 
co ntinuaram a adaptar a sinfo nia 
clássica a seus próprios fins 
românticos, introduzindo novos 
efeitos e elementos dramáticos, 
como notas de programa para 
ajudar a plateia a interpretar a 
música, como na Sinfonia fantástica 
de Berlio z e no s p o emas 
sinfó nico s de Lisz t. 
Co letivamente, eles d eram à 
sinfo nia uma teatralidade aind a 
maior e criaram a base para as 
óperas "sinfónicas" de Wagner, co m 
sua ênfase em temas recorrentes e 
a mudança do papel da orquestra 
- Wagner foi o primeiro a tirar a 
orquestra da visão da plateia, 
focando a atenção no palco . A s 
raízes dessas inovações ousadas 
estão nas obras sinfónicas que 
Mozart escreveu no fim de sua 
curta v id a. • 
O primeiro movimento de uma 
sinfonia apresenta vários temas e desenvolve 
as seçõ es em tonalidades diferentes, terminando 
co m o tom principal, em geral em forma de 
sonata-alfegro de ritmo rápido. 
O quarto 
movimento é mais ou menos 
rápido e em geral em forma de rondó, no 
qual a primeira seção é repetida e há uma 
seção no va diferente entre cada 
repetição . 
O segundo 
movimento apresenta melodias 
líricas. Tem em geral forma 
ternária, co m três seçõ es, a terceira 
repetindo a primeira. 
Do is minuetos d inâmicos 
separados por uma seção trio contrastante 
em forma ternáriaco nstituem 
o terceiro movimento 
E M C O N T E X T O 
FO C O 
A sonata instrumental 
A N T E S 
1758 Do mênico Scarlatti 
p ublica os trinta Essercizi per 
gravicembalo, que são parte de 
suas m ais de quinhentas 
so natas para teclado . 
1771 Jo sep h H ay d n no meia 
u m a p eça p ara p iano 
especif icamente "sonata" em 
v ez de divertimento. 
D EPO IS 
1818 Beetho ven co nclui a 
Hammerklavier sonata, op. 106, 
que leva a so nata a novos 
p atamares de co mplexidade e 
v irtuo sismo . 
1853 Franz Lisz t escreve a 
So nata para p iano em si menor 
e redefine o género p ara a era 
ro mântica. 
0 OBJETIVO 00 PIANO 
É SUBSTITUIR TODA 
UMA ORQUESTRA POR 
UM ARTISTA 
SONATA PARA PIANO EM FÁ SUSTENIDO MENOR, 
OP. 25, N° 5 (1790), MUZIO CLEMENTI 
O desenvolvimento da sonata instrumental refletiu uma mudança na função da 
música no período clássico . Não 
mais u m acompanhamento à dança 
ou oração, ela passou a ter foco em 
si mesma e os compositores 
buscaram novos modos de envolver 
a audiência. Co m a popularização do 
recém-inventado piano, um recurso 
era aproveitar a dramaticidade da 
justaposição de passagens ruidosas 
e suaves, inviável co m o cravo. Isso 
se tornou lugar-oomum. Os 
compositores também começaram a 
estruturar a música em sequências 
de larga escala chamadas sonata, 
que permitiam à audiência 
experimentar um trajeto musical 
mais variado. O compositor anglo-
-italiano Muzio Clementi foi um 
inovador importante dessa forma em 
desenvolvimento, e sua Sonata em 
fá sustenido menor é um exemplo 
básico da forma. 
Piano de mesa da Clementi & Co. 
de Londres, onde a fábrica de pianos 
de Clementi floresceu no início do 
século X V I I I . 
CLASSICISM01750-1820 133 
Ver também: Sonata em ré menor, Scarlatti 90-91 • Quarteto de cordas em dó 
maior, op. 54, n"2, Haydn 122-127 .Sinfonia "Eroica" 138-141 'Prelúdios 164-165 
Em geral, as sonatas tinham 
três ou quatro movimentos, o 
primeiro dos quais era estruturado 
conforme o que hoje se chama 
forma-sonata. Era usualmente o 
mais longo e dramático dos 
mo vimento s e aquele em que se 
esperava que o compositor 
demonstrasse sua perícia no 
d iscurso musical para emocionar e 
co nquistar a audiência. Co stumav a 
ser rápido e potente, mas o primeiro 
mo vimento da Sonata em fá 
sustenido menor de Clementi é 
inco mum, pois tinha u m clima 
mais lento e meditativo de pathos 
considerável, d istinguindo -se de 
outras obras da época. 
O segundo movimento da sonata 
era em geral mais lento, dando ao 
compositor a chance de demonstrar 
sua mais refinada sensibilidade, e 
com frequência tinha seçõ es 
semelhantes a canções. Na Sonata 
em fá sustenido menor, Clementi dá 
um passo além: às vezes o soprano 
tem só uma linha, semelhante a uma 
ária cantada, acompanhada pelos 
leves acordes repetidos encontrados 
na escrita de cordas operística. 
Usando tal técnica, Clementi talvez 
buscasse roubar u m pouco do 
sucesso da ópera - então o palanque 
mais público para a música. 
Minueto/trio e fínale 
Nas sonatas de quatro movimentos, 
era tradicional incluir u m minueto e 
u m trio como um retorno às suites de 
dança barrocas - um tipo de trégua 
entre movimentos mais fortes, 
embora Beethoven logo trocasse esse 
respiro por um scherzo ("brincadeira", 
em italiano) vigoroso cujo ânimo 
poderia ir da ironia ao terror. O fínale 
era em geral mais leve em substância 
mas muito mais brilhante em termos 
de demonstração técnica, 
A f orma- sonata 
Exposição 
Dois temas são apresentados 
em dois tons diferentes, o 
primeiro deles na tónica. 
D esenvolvimento 
Os temas são manipulados. 
fragmentados, estendidos e 
transformados 
Recapitulação 
O s dois temas são tocados 
de novo, agora ambos na 
tónica 
Coda 
Co nclui o movimento . 
A f orma- sonata te m 
u m argumento mus i cal 
que cri a tens ão 
e resol ução. 
propiciando uma finalização 
satisfatória para a audiência e com 
frequência grande aclamação para os 
instrumentistas. Nesta sonata, 
Clementi exibia sua técnica de tocar 
duas passagens separadas por uma 
terça com a mesma mão - habilidade 
na qual era famoso. Isso ia além da 
destreza dos amadores (e da maioria 
dos profissionais), qualificando sua 
obra como peça merecedora da sala 
de concertos. • 
M uz i o C l ementi 
Nascido em Roma em 1752, 
Muzio Clementi chamou a 
atenção do mecenas inglês 
Peter Beckford aos catorze 
anos. Levando Clementi para 
sua propriedade em Dorset, na 
Inglaterra, Beckford pagou sua 
educação musical nos sete anos 
seguintes. Em sua estreia, 
Clementi talvez fosse o 
instrumentista de teclado mais 
capacitado do mundo e foi o 
primeiro verdadeiro virtuose de 
piano. Em 1780, Clementi 
iniciou uma viagem de dois 
anos pela Europa, em que 
conheceu Mozart em Viena. 
(Clementi ficou impressionado 
com "o espírito e a graça" de 
Mozart, que por sua vez o 
chamou de "charlatão" ). De 
volta a Londres, Clementi se 
tornou compositor e professor 
famoso. Também teve sucesso 
como editor de música e 
fabricante de pianos, e ajudou a 
fundar a Royai Philharmonic 
Society. Morreu em 1832 e está 
enterrado na Abadia de 
Westminster. 
Outra s obras importante s 
Antes de 1781 Sonata para 
piano em si bemol maior, op. 
24, n2 2 
1800 Doze valsas para piano, 
triângulo e pandeiro 
1826 Gradus ad Parnassum 
134 
PELO PODER DA 
MÚSICA, ANDAMOS 
ALEGRES ATRAVÉS 
DA NOITE ESCURA 
DA MORTE 
A FLAUTA MÁGICA (1791), 
WOLFGANG AMADEUS MOZART 
E M C O N T E X T O 
FO C O 
Ó pera na A l emanha 
A N T E S 
1770 Estreia a ópera-cômica 
Die Jagd (A caça) de Jo hann 
A d am Hiller, u m dos Singspiele 
mais populares do século xvm. 
1789 Oberon, Kõnig der Eilen 
(Oberon, rei dos elfos), do 
tcheco Paul Wranitzky , 
inaug ura a tend ência d a 
Zauberoper (ópera mágica) . 
D EPO IS 
1805 A única ópera de 
Beetho ven, Fidélio, u m 
Singspiel, é encenad a pela 
p rimeira v ez em Viena. 
1816 Undine, u m a Zauberoper 
de E. T. A . Ho f fmann sobre o 
espírito d a água, estreia e m 
Berlim. 
1821 Der Freischútz (O franco -
-atirador), de Carl M aria vo n 
Weber, u m Singspiel romântico 
de tema sobrenatural, estreia 
em Berlim. 
Aflauta mágica, ópera em dois atos de Mozart estreada em Viena em 
setembro de 1791, marco u o auge 
do desenvo lvimento do Singspiel 
(brincadeira cantada), género de 
ópera unicamente alemão que 
co mbinava música e palavras 
faladas. Basead a em libreto de 
Emanuel Schikaneder, amigo de 
Mozart, a ópera se passa no antigo 
Egito e conta a história de u m 
príncipe, Tamino , que se perde no 
reino da misterio sa Rainha da Noite, 
onde é atacado por uma serpente. 
Resgatado pelas três d amas de 
honra da rainha, ele se apaixona 
CLASSICISMO 1750-1820 135 
Ver também: Orfeu e Eurídice 118-119 • Concerto para flauta em lá maior, C. P. E. Bach 120-121 • Sinfonia n2 40 em sol 
menor, Mozart 128-131 • O barbeiro de Sevilha 148 • Der Freischútz 149 • Tosca 194-197 
A flauta mágica, de Mozart, continua 
tremendamente popular. A ópera atraiu 
mais de 400 mil espectadores ao 
Bregenz Festival, na Áustria, somando 
os anos de 2013 e 2014. 
pelo retrato que lhe mostram da filha 
da rainha, Pamina, raptada por 
Sarastro , sumo sacerdote dos deuses 
ísis e Osíris. Tamino jura resgatar 
Pamina. Co m seu companheiro 
cómico , Papageno (caçador de 
pássaros da rainha), e com Pamina, 
ele sofre várias provações, armado 
apenas de uma flauta e u m carrilhão 
mágicos. A luz triunfa no fim sobre a 
escuridão, trazendo o final feliz. 
A pelo popular 
Mozart escreveu v inte óperas de 
três géneros: opera seria, ópera-bufa 
(ambas totalmente cantadas) e 
Singspiel. A forma mais grandiosa, a 
opera seria - estilo que inclui suas 
peças Idomeneo (1781) e La 
clemenza de Tito (1791) - muitas 
vezes tirava o enredo d a mitologia e 
história de Grécia e Ro ma antigas. 
A ópera-bufa era cómica - sua obra 
O casamento de Fígaro (1786) é um 
exemplo notável do género. 
O Singspiel tem raízes na Viena 
do início do século xvm, onde o 
imponente Theater am Kárntnertor 
se especializouem dramas musicais 
populares. Diversamente das óperas 
italianas encenadas para a corte e a 
nobreza, esses espetáculos se 
d estinavam a v ienenses de todas as 
camadas so ciais. De Viena, os 
Singspiele se espalharam para a 
A lemanha, onde em meados do 
século ganharam popularidade 
devido à influência da opéra 
comique francesa e d a ballad opera 
inglesa. A mbo s os géneros 
mesclavam diálogos falados, muitas 
vezes satíricos, a cançõ es. A Ópera 
do mendigo (1728), de Jo hn Gay, foi 
a ballad opera mais famosa, mas foi 
o irlandês Charles Coffey, 
contemporâneo de Gay, que teve o 
maior impacto na A lemanha do » 
éé 
Acabei de voltar da ópera; 
estava cheia como sempre [...], 
pode-se ver que a aprovação 
do público continua a crescer. 
W ol f gang 
A m ad e u s M oz art 
f f 
136 ÓPERA NA ALEMANHA 
Juramento de um novo membro 
da maçonaria numa gravura colorida 
de c. 1750. Mozart foi iniciado de 
modo similar na loja da 
"Beneflcence" em Viena em 1784. 
M oz art e a m aço n ari a 
Em 14 de dezembro de 1784, 
Mozart foi admitido em uma das 
oito lojas maçónicas de Viena. 
A cidade tinha na época mais de 
setecentos maçons, os " irmãos" 
- então, como agora, só homens 
podiam ser maçons -, saídos da 
mais alta nobreza, do oficialato 
e até do clero, mas também de 
grupos das classes médias: 
médicos, comerciantes, livreiros e 
músicos, como o libretista de 
A flauta mágica, Emanuel 
Schikaneder. Para homens como 
Mozart, a maçonaria tinha muitos 
atrativos - oferecia uma 
abordagem livre-pensadora e 
esclarecida da religião, esposava 
a virtude da justiça, que para 
muitos maçons significava 
oposição ativa a abusos do poder 
do Estado e do clero, e era um 
lugar em que homens de diversas 
posições podiam se misturar com 
relativa igualdade. Mozart se 
manteve maçom devotado o 
resto da vida e compôs várias 
peças para eventos maçónicos, 
em especial Música paia um 
funeral maçónico em dó menor 
(1785), em memória de dois 
" irmãos" recém-falecidos. 
século xvm. Sua ballad opera 
The Devil to Pay, enorme êxito na 
Grã-Bretanha, tornou-se um sucesso 
na tradução em Berlim, nos anos 
1740. Duas adaptações de outras 
óperas de Coffey insp iraram Jo hann 
A d am Hiller, tido como pai do 
Singspiel, a iniciar sua carreira nos 
anos 1760 em Leipzig . 
Género nacional 
Nas mãos de compositores como 
Hiller, Georg A nto n Benda, Karl 
Ditters von Dittersdorf e Ignaz 
Umlauf, os Singspiele não eram mais 
simples d ramas falados com 
números musicais que 
acrescentavam atmosfera e 
personalidade. Em obras como Die 
Jagd (A caça, 1770), de Hiller, e 
Walder (1776) e Romeo und Julie 
(1776), de Benda, as partes cantadas 
se tornaram o núcleo dramático da 
peça. O reconhecimento o ficial 
dessas obras como exemplos de um 
género popular e d istintamente 
alemão, a ser estimulado em face da 
ópera italiana predominante, 
ocorreu quando o imperador Jo sé li 
de Habsburgo , amante e 
patrocinador das artes, fundou a 
companhia National-Singspiel, de 
curta duração, no Burgtheater de 
Viena em 1778. Um de seus maiores 
sucessos foi O rapto do serralho 
(1782), de Mozart. 
Na primavera de 1791, Emanuel 
Schikaneder encomendou a Mozart 
outro Singspiel - dessa vez para o 
Theatre auf der Wieden em Viena, 
de que Schikaneder era diretor. 
Oberon, o rei dos elfos, com música 
do amigo de Mozart Paul Wranitzky, 
era u m sucesso recente da 
co mpanhia de Schikaneder e u m 
Personagens de A flauta mágica expressos atrav és d a m ú s i ca 
Rainha da Noite 
Soprano, cuja habilidade 
vocal culmina numa ária 
em staccato que 
representa instabilidade, 
cobiça e falsidade. 
Papageno (caçador de 
pássaros) Barítono, canta 
melodias populares otimistas e 
animadas com uso destacado de 
flautas de Pã, indicativas de 
natureza confiante. 
Tamino e Pamina 
Tenor e soprano, 
respectivamente, cujas árias 
românticas e profundamente 
sentidas representam princípios 
esclarecidos de luz e alegria. 
Sarastro (sumo sacerdote) 
Baixo, cuja atuação lenta e digna, 
com elocução quase falada em 
partes e ampliada por floreios 
orquestrais grandiosos, indica 
justiça e sabedoria. 
CLASSICISMO 1750-1820 137 
exemplo de uma nova classe de 
Singspiel, às vezes chamada 
Zauberoper (ópera mágica), que 
misturava comédia a elementos 
sobrenaturais e espetáculo 
impressionante. Desejoso de repetir 
o sucesso da obra de Wranitzky, 
Schikaneder escreveu ele mesmo o 
libreto para a nova ópera, mas é 
provável que Mozart também tenha 
colaborado. Os dois to maram um 
conto de fadas de A ugust Jacob 
Liebeskind , Lulu, oder die 
Zauberílôte (Lulu, ou A flauta 
mágica) como ponto de partida, mas 
o transformaram até quase ficar 
irreconhecível. Entre outras co isas, 
acrescentaram elementos da 
maçonaria (Wranitzky, Schikaneder 
e Mozart eram maçons), como nas 
provas de iniciação pelas quais o 
protagonista passa. 
A flauta mági ca 
Mozart morreu em 1791, dois meses 
após a estreia de A flauta mágica. 
Não foi só sua última grande obra 
concluída, mas a mais sublime. Em 
todas as suas óperas, Mozart 
mostrou u m dom insuperável para 
criar a música certa para cada 
personagem, situação ou emoção . 
Em A flauta mágica, isso v ai da 
éé 
Salieri ouvia e assistia com 
total atenção [...], não houve 
um número que não lhe 
despertasse um 'bravo' 
ou bello'. 
W ol f gang A m ad e u s 
M oz art 
f f 
profunda solenidade das cançõ es do 
sacerdote Sarastro e das duas 
poderosas árias da Rainha da Noite 
à tocante comédia do dueto em que 
Papageno e a companheira 
Papagena imaginam um futuro feliz 
juntos. O domínio perfeito da 
expressão musical permitiu a 
Mozart tratar de modo convincente 
as ambivalências e reversões muitas 
vezes desconcertantes da ópera, 
como quando a Rainha da Noite de 
repente muda de mãe lamentosa a 
aliada cheia de rancor do pior 
inimigo d a filha, Monostatos. 
A estreia de A flauta mágica, em 
30 de setembro de 1791, começou 
mal mas termino u bem. A plateia 
permaneceu muda no primeiro ato. 
Talvez , apesar do recente sucesso 
de Oberon, o rei dos elfos, estivesse 
co nfusa d iante das características 
estranhamente mágicas da 
Zauberoper. No segundo ato, 
porém, o público acordou e no 
final chamo u Mozart ao palco para 
aplaudi-lo . A ópera se manteve 
popular desde então . 
Camarote de ópera em Londres, em 
pintura de artista desconhecido de 1796. 
A ópera entrou na moda no início do 
século xviii, com novas obras 
encomendadas a cada temporada. 
A influência de A flauta mágica no 
desenvo lv imento do Singspiel e d a 
ópera romântica alemã foi 
fund amental. Ela co nd uziu o 
Singspiel até o século xix, quando 
o género se desenvo lveu em d uas 
d ireçõ es. Um ramo levou à ópera 
Fidélio (1805), de Beetho ven e - de 
modo mais formador - a outras 
"óperas mágicas", como Undine 
(1816), de E. T. A . Ho ffmann, e Der 
Freischútz (1821) e Oberon (1826), 
de Carl Maria von Weber. Estas 
foram precurso ras d a ópera 
romântica alemã mad ura, mais 
bem exemplif icad a nas obras de 
Richard Wagner. O outro ramo do 
Singspiel ficou fiel a suas origens 
mais leves, levando às operetas 
v ienenses de Jo hann Strauss, o 
jo vem (Die Fledermaus) e Franz 
Lehár (A viúva alegre), m 
138 
VIVO SOMENTE 
EM MINHAS 
NOTAS 
SINFONIA N° 3 EM Ml BEMOL MAIOR, 
"EROICA", OP. 55 (1804), 
LUDWIG YAN BEETHOVEN 
E M C O N T E X T O 
FO CO 
Rompendo com o modelo 
da sonata clássica 
A N T E S 
1759 Jo sep h H ay d n escreve a 
Primeira sinfo nia - em três 
mo v imento s. 
1793 O teórico alemão 
Heinrich Christo p h Ko c h é o 
primeiro a descrever co mo 
funcio na a forma-sonata. 
1800 Beetho ven co nclui a 
Primeira sinfo nia. 
D EPO IS 
1810 O crítico E. T. A . 
Ho f fmann d escreve Beetho ven 
como "compositor p uramente 
ro mântico " em texto sobre a 
Sinfo nia na 5. 
1824 A Sinfo nia n a 9 de 
Beetho ven surpreende ao 
acrescentar vo zes a u m género 
antes ap enas instrumental. 
A "Ero ica" de Beetho ven rompeu co m os limites e as expectativas do público 
na estreia em 1805, representandoa 
reelaboração rad ical do que se 
entendia por "sinfonia". A expansão 
ousada da forma-sonata, o 
reequilíbrio da estrutura musical e 
até a ordenação dos movimentos 
foram recebidos co m perplexidade 
e afronta. 
A s sementes d a sinfonia foram 
plantadas, surpreendentemente, 
por uma dança. Em março de 1801, 
u m novo balé, Die Geschópíe des 
Prometheus (A s criaturas de 
Prometeu), estreou no Burgtheater 
de Viena. Beetho ven criou a 
música, que terminava co m u m 
tema jovial em m i bemol maior. A 
CLASSICISMO 1750-1820 139 
Ver também: Sinfonia em mi bemol maior, Stamitz 116-117 • Sinfonia n2 40 em 
sol menor, Mozart 128-131 • Sinfonia fantástica 162-163 • Sinfonia n" 1, Schumann 
166-169 • Sinfonia n2 9, Dvorák 212-215 
éé 
Pag o m a i s u m Kreuzer s e ao 
m e n o s i s so p arar! 
M emb ro d a aud i ênci a 
Estreia pública da "Eroica" (1805) 
f f 
melodia tinha apelo óbvio para ele, 
que na mesma época a incluiu 
numa co letânea de doze 
contredanses (danças rurais) 
o rquestrais e quinze variações e 
fuga para piano solo, que mais tarde 
seriam a base do Gnale da "Ero ica". 
Uma sinfonia ganha forma 
Beetho ven começou a planejar a 
Terceira sinfo nia no outono de 1802, 
tinha uma partitura completa dela 
para piano em outubro de 1803 e 
uma versão orquestrada no início 
do verão de 1804. A obra estreou na 
casa do príncipe Francisco Jo sé 
von Lo bko w itz , u m dos protetores e 
financiadores de Beethoven, e 
depois para o público no Theater an 
der Wien, em Viena. 
O compositor pretendia dedicar 
a obra a Napoleão Bonaparte, mas 
quando o general se declarou 
imperador d a França, Beethoven 
risco u seu nome do manuscrito . 
Remover a dedicatória tinha 
sentido político: quando os planos 
de invasão de Napoleão ficaram 
claros, seria suicídio profissional 
celebrá-lo numa sinfo nia. A obra foi 
por fim impressa co m dedicatória 
ao príncipe Francisco Jo sé (que 
pagou co m generosidade a 
Beethoven) e o subtítulo "composta 
para celebrar a memória de u m 
grande homem". O candidato mais 
provável ao "grande homem" e fonte 
do título "Ero ica" é Luís Ferdinando , 
príncipe da Prússia, morto em 
batalha contra a França em 1806 e 
a quem Beethoven tinha dedicado 
o Terceiro concerto para piano, 
op. 37, em 1803. 
Rasgando o livro de regras 
A Sinfo nia n s 3 co meça co m u m 
movimento que se exp and iu muito 
além de tudo o que os v ienenses já 
tinham ouvido. Não eram para 
Beethoven as proporções 
cuidado samente equilibradas da 
forma-sonata clássica, em que uma 
exposição e recapitulação se 
co mbinav am ao redor de uma 
seção de desenvo lvimento curta, 
com uma breve coda ("cauda", em 
italiano) para concluir o movimento . 
Em vez d isso , ele escreveu u m 
desenvo lvimento enorme, entre » 
Os feitos heróicos de Napoleão 
Bonaparte, representados em Napoleão 
cruzando os Alpes, de Jacques-Louis 
David (1748-1825), inspiraram 
Beethoven a compor a sinfonia "Eroica". 
L u d w i g v an Beethoven 
Filho de um músico obscuro da 
corte, Beethoven nasceu em 
Bonn em 1770. Foi para Viena 
em 1792 e estudou brevemente 
com Haydn e Antonio Salieri. 
Pianista de talento prodigioso, 
fez nome primeiro como 
virtuose e ganhou inúmeros 
admiradores nobres ricos, que 
o ajudaram a se estabelecer 
como compositor. Em todos os 
géneros musicais que explorou, 
Beethoven foi um inovador 
radical, surpreendendo sempre 
o público. Após a morte de 
Haydn em 1809, foi o principal 
compositor de sua geração e 
figura central da nova era 
romântica. Numa cruel virada 
do destino, começou a perder a 
audição perto dos trinta anos, e 
em 1818 estava praticamente 
surdo. Apesar disso, após essa 
época e até a morte em Viena 
em 1827 escreveu algumas de 
suas obras mais inventivas e 
radicais. 
Outras obras importantes 
1808 Sinfonias tf 5 e tf 6, op. 
67 e op. 68 
1818 Sonata para piano em si 
bemol, Hammerkiavier, op. 106 
1824 Sinfonia n° 9 em ré 
menor, op. 125 
140 ROMPENDO COM O MODELO DA SONATA CLÁSSICA 
uma exposição e uma reoapitulação 
longas, terminando co m uma coda 
de mais de cem compassos. 
A lém de serem ino o muns o 
equilíbrio e a duração extrema do 
primeiro mo vimento , Beetho ven 
intro duziu u m tema to talmente 
novo após o fim d a expo sição (onde 
todos os temas já eram por 
tradição apresentados). Esse novo 
tema era na escala de m i maior, 
muito d istante d a escala da tó nica 
da p eça. 
A forma do tema de abertura da 
"Ero ica" também é atípica. Inclui 
u m dó sustenido , nota desgarrada 
que não pertence à escala de m i 
bemol maior e afasta assim a 
música de sua tónica e a 
desestabiliza. Em resultado, 
Beetho ven teve de reescrever o 
tema na reoapitulação para criar 
uma resolução satisfatória. Isso 
desafiava as regras da forma-sonata, 
em que a recapitulação deve conter 
as ideias musicais d a obra na 
mesma forma em que apareceram 
na exposição . 
A lém da manipulação temática, 
a música do primeiro movimento é 
cheia de sínco pes que perturbam o 
senso de ritmo da audiência. A par 
d isso , fortes d isso nâncias - feias 
aos ouvidos do início do século xix 
- se d estacam, onde segund as 
maiores e menores (notas dois 
semitons e u m semito m d istantes, 
respectivamente) se atritam umas 
com as outras. 
Surpresas constantes 
Após a enorme estrutura do 
primeiro movimento , co m suas 
surpreendentes rev iravo ltas to nais, 
Beetho ven escreveu u m 
mo vimento lento, moldado como 
uma mareia fúnebre (marcha 
fúnebre). É uma p eça 
intensamente dramática, co m u m 
tema de abertura em tom menor 
que por fim dá lugar a u m dó maior 
mais fulgurante e esperanço so , 
antes de o tema de abertura voltar 
como u m fugato - p eça breve 
semelhante a u m a fuga, em que o 
tema é imitad o ao mesmo tempo 
por instrumento s d iferentes como 
se u m p erseguisse o outro. 
Co nseguir texturas musicais tão 
ricas e intricad as tecid as tão 
extensamente em mais de u m 
mo vimento era revolucionário . 
O Palácio Lobkowitz em Viena, em 
gravura colorida de Vinconz Reim 
(1796-1858), foi o local da primeira 
execução da Sinfonia n° 3 de 
Beethoven, em agosto de 1804. 
O terceiro movimento é mais 
leve - um scherzo ("brincadeira", em 
italiano) vívido. Como a maioria dos 
movimentos de sinfonia scherzo, 
inclui um trio, na seção média 
baseada em três instrumentos. 
Beethoven inovou aqui ao usar 
trompas francesas numa sinfonia 
com maior destaque que nunca 
antes. Esses instrumentos não 
tinham válvulas no início do século 
xix e, assim, só pod iam tocar arpejos 
num tom, o que os faz soar marciais, 
como um chamado de batalha. 
O tema principal do scherzo 
co meça num tom inesperado . 
A música já mudou de tom, de m i 
bemol para si bemol, antes de o 
oboé por fim co meçar o tema. 
De novo, Beetho ven co nfund ia de 
propósito a audiência. 
O fim e al ém 
O fínale da "Ero ica" é u m conjunto 
de variações sobre um tema. 
éé 
Essa obra estranha e 
formidável, a peça mais 
extensa e ricamente artística 
de todas as criadas pelo 
espírito original e 
extraordinário de Beethoven. 
Início de crí ti ca 
AUgemeine musikalische Zeitung 
(18 de fevereiro de 1807) 
f f 
CLASSICISMO 1750-1820 141 
A grandi osi dade expressi va n a " Ero i ca" de Beethoven 
Embo ra não fosse a primeira 
sinfo nia a usar uma forma de tema 
e variação como mo vimento de 
conclusão , Beetho ven rompeu co m 
a tradição ao não co meçar co m o 
próprio tema, mas co m uma linha 
de baixo . A partir dela, Beethoven 
cria a textura orquestral até por fim 
chegar à melodia tema. Ele inverteu 
a forma escrevendo variações antes 
até de ter chegado ao tema. A lém 
disso , em vez de as variações se 
basearem numa só melodia, a 
orquestra toda é envo lvida na troca 
e desenvo lvimento de linhas 
entretecidas, terminando co m um 
fugato elaborado que leva a música 
co m firmeza e por fim à tónica. 
Beetho ven criou uma jornada de 
quatro movimentos através de tons, 
temas e ideias interligados com 
engenho e sutileza. Ele se 
aventurou aind a mais em sinfonias 
posteriores, e ao chegarà Nona, em 
1824, as quatro unidades 
separadas, ligadas apenas por u m 
título co mum, tinham se tornado 
uma narrativa musical 
brilhantemente entretecida através 
da velha estrutura da sonata. 
Os primeiros ouvintes da 
"Ero ica" a co nsideraram uma obra 
difícil de entender - estava 
simplesmente longe d emais de sua 
ideia do que uma sinfonia devia ser, 
em termos de duração e de 
estrutura. Mas logo ela foi aceita 
como obra de génio profundo e 
exerceu enorme influência nas 
gerações futuras de sinfo nistas, de 
Schumann e Brahms a Bruckner e 
Mahler. • 
A Sinfonia n° 3 já era conhecida 
como "Ero ica" ao ser publicada, 
como mostra o frontispício da 
primeira edição. 
1810-1920 
144 INTRODUÇÃO 
Niccolò Paganini 
compõe o primeiro dos 24 
caprichos para violino solo 
- entre as mais difíceis 
peças para violino de 
todos os tempos. 
O ciclo de canções 
Die schòne Múllerin, 
de Franz Schubert 
marca o auge da 
forma Lied (canção) 
alemã. 
1805 
t 
1824 
Em Paris, Hector 
Berlioz estreia a 
Sintonia fantástica, 
uma das obras mais 
influentes do género 
programático. 
A 
1830 
Pensando em transmiti! 
a nostalgia pela 
primavera, Robert 
Schumann escreve a 
Sinfonia n 2 1 em quatro 
dias de janeiro. 
1841 
1821 
Baseada numa lenda 
popular germânica, a 
ópera Der Freischútz, de 
Carl Maria von Weber. 
explora a identidade 
nacional alemã. 
1826 
l 
Síntese do estilo final de 
Beethoven, o Quarteto 
de cordas n2 14, op. 131 
abandona a forma e o 
desenvolvimento 
tradicionais do quarteto. 
1839 
l 
O ciclo de 24 prelúdios, 
de Frédéric Chopin 
que cobrem todos os tons 
maiores e menores, 
desafia a estrutura 
temática convencional. 
1846 
A orquestração 
colorida de Elias, de 
Felix Mendelssohn 
renova o oratório, um 
género barroco. 
O movimento romântico surg iu em grande parte como reação ao 
racionalismo e à urbanização d a 
sociedade europeia após a 
Revolução Ind ustrial. Desde o fim 
do século xvm, escritores, artistas e 
compositores se afastaram d a 
elegância formal do período 
clássico em favor d a expressão 
pesso al e do fascínio pela natureza. 
Em música isso se manifesto u na 
expansão gradual d a paleta 
harmónica e instrumental, 
apelando às emo çõ es em vez de ao 
intelecto da audiência. 
O novo estilo 
Beethoven satisfazia o estereótipo 
do músico romântico , assim como o 
v io linista Niccolò Paganini e alguns 
outros instrumentistas-
-compositores v irtuo ses. Cabelos 
longos descuidado s e roupas 
info rmais substituíram perucas e 
trajes sérios do período clássico , e o 
estilo de v id a dos compositores 
românticos era muitas vezes tão 
exuberante quanto suas músicas. 
Beethoven desenvolveu um estilo 
de música mais pessoal a partir de 
1803. No que é visto como seu 
"período médio", criou sonatas para 
piano, quartetos de cordas e outras 
formas de música de câmara, e 
acima de tudo sinfonias, 
revolucionários. Em seu "período 
final" - um surto de criatividade - , 
quando a profunda surdez o isolou do 
mundo, produziu obras de 
intensidade extraordinária, como 
suas últimas sonatas para piano, 
quartetos de cordas e a Nona 
sinfonia, com seu fínale coral 
inovador. Nem todos os compositores 
aderiram à onda romântica. A s obras 
instrumentais de Franz Schubert, por 
exemplo, são de estilo mais clássico. 
A pesar disso , ele se inspirou em 
temas da poesia romântica alemã em 
suas canções, ou Lieder, pelas quais 
é mais conhecido. Esse aspecto do 
Romantismo, em especial o amor à 
natureza, influenciou mais tarde a 
obra de Robert Schumann, cujas 
sinfonias e peças para piano eram 
com frequência programáticas 
(pintando um quadro ou contando 
uma história em música), género 
iniciado pela Sexta sinfonia, a 
"Pastoral", de Beethoven, que 
descreve uma série de cenas rurais. 
Hector Berlioz apreciou as 
possibilidades de uma orquestra 
maior e uma linguagem harmónica 
expandida. Suas óperas, obras 
orquestrais e corais, todas de ampla 
escala, com orquestras grandes, 
eram expressivas e bem pessoais. 
ROMANTISMO 1810-1920 145 
A estreia de La 
traviata, de Giuseppe 
Verdi, em Veneza 
choca o público ao 
colocar uma mulher 
mundana como tema. 
í 
1853 
Johann Strauss n 
escreve Danúbio azul, 
valsa com rica 
sonoridade sinfónica 
que incendeia a 
Europa. 
A Primeira sinfonia de 
Johannes Brahms estreia 
em Karlsruhe, na 
Alemanha, lembrando o 
estilo clássico de 
Beethoven. 
1867 
í 
1876 
O enredo brutal da ópera 
Tosca, de Giacomo 
Puccini, tipifica o verismo 
(realismo), forma de ópera 
popular na Itália e na 
França. 
1 
1900 
1857 
1 
1876 
A Sinfonia Fausto, de 
Franz Liszt, inspirada 
na peça homónima de 
Johann Wolfgang Goethe, 
estreia em Weimar, na 
Alemanha. 
A quarta parte do Ciclo do 
anel, de Richard Wagner, 
estreia em Bayreuth, 
marcando o fim de sua 
"obra de arte total", 
composta em 26 anos. 
1896 
Inspirado pelo livro de 
Nietzsche, Richard 
Strauss compõe A ssim 
falou Zaratustia, poema 
sinfónico que rejeita as 
convenções românticas. 
1908 
I 
Gustav Mahler 
escreve Das Lied 
von der Erde, 
reflexão sobre a 
inevitabilidade 
da morte. 
Ele continuou o deslocamento do 
abstrato ao programático em suas 
sinfonias, tendência assumida depois 
por muitos compositores, em 
especial Franz Liszt, que 
desenvolveu a forma conhecida como 
poema sinfónico ou poema tonal. 
Lisz t também foi famoso na 
juventude pelo v irtuo sismo ao 
executar as próprias p eças para 
piano e conquistou muito s 
seguidores devotados. Os recitais 
de piano solo eram u m 
entretenimento popular na época, 
em especial os de figuras 
românticas como Lisz t ou Frédéric 
Chopin, cujo estilo de composição 
mais delicado e lírico apelava em 
especial às audiências francesas. 
Exceções à regra 
A pesar da popularidade da música 
romântica, alguns compositores 
sentiam falta da elegância do 
Classicismo . Na refinada Viena, por 
exemplo, Jo hann Strauss i e n, p ai e 
filho, ev o cav am essa no stalgia em 
suas valsas, enquanto outros 
compositores se ressentiam da falta 
de d iscip lina d a música romântica. 
À frente de todos estava Jo hannes 
Brahms, que moderou a expressão 
co m formas clássicas mais estritas. 
Outro foi Felix Mendelssohn, cujos 
oratórios lembravam o Barroco , 
retomando as tradições corais 
alemã e inglesa abandonadas por 
Hándel e Bach. 
Ópera romântica 
A ópera, com sua combinação de 
literatura e música, era ideal para 
retratar temas e ideias românticos. 
Carl Maria von Weber estabeleceu o 
modelo de ópera romântica 
escolhendo o folclore alemão em vez 
da mito logia clássica como tema e 
v isando uma forma mais 
convincente de representação 
dramática. Outros seguiram sua 
iniciativa: Bizet na França; os 
gigantes da ópera italiana, Verd i e 
Puccini, que buscaram u m novo 
tipo de realismo na ópera, e Richard 
Wagner na A lemanha, cujas óperas 
tinham a maior das escalas e 
esticavam a linguagem musical. 
Co m suas harmo nias inovadoras, 
Wagner desafiou a ideia de 
tonalidade, que tinha sido a base d a 
forma musical desde o fim do 
Renascimento . Wagner inspirou o 
que é hoje conhecido como o estilo 
final romântico , exemplificado por 
compositores como A nto n Bruckner, 
Gustav Mahler e Richard Strauss. 
Era o prenúncio da música moderna, 
em que as velhas regras de 
harmo nia não se ap licavam mais. • 
E M C O N T E X T O 
FO C O 
Surgimento do virtuose 
A N T E S 
1733 Pietro Lo catelli publica 
Laite dei violino, que insp ira 
os Caprichos de Pag anini. 
1740 O v io linista Giusep p e 
Tartini , co nhecido pela 
execução rápida e empolgante, 
exp ressa sobretudo em sua 
so nata para v io lino O trilo do 
diabo, faz u m a turnê de 
co ncerto s na Itália. 
D EPO IS 
1834 Hecto r Berlioz co nclui 
Harold en Italie, sinfo nia que 
apresenta u m a parte para v io la 
solo co mpo sta p ara Pag anini. 
1838 Franz Li sz t p ub l ic a 
u m a fo rma in i c ial do s Études 
dexécution transcendante 
daprès Paganini (Estud o s 
transcend entais de exec uç ãobasead o s em Pag anini) , de 
técnica difícil, transcrevendo para 
p iano solo seis dos capricho s 
p ara v io lino de Pag anini . 
0 VIOLINISTA É AQUELE 
FENÓMENO PECULIARMENTE 
HUMANO [...] MEIO TIGRE, 
MEIO POETA 
24 CAPRICHOS PARA VIOLINO SOLO, OP. 1 (1824), 
NICCOLÒ PAGANINI 
A carreira internacio nal do vio linista-compositor Niccolò Paganini como 
instrumentista só durou seis anos, 
de 1828 a 1834, mas sua influência 
na música foi imensa. Co m a 
intenção de divertir, ele introduziu 
novas técnicas de execução e 
elevou as expectativas do público , 
realizando façanhas inéditas. Ele 
tinha muitos vio linos, entre os 
quais u m a meia dúzia do que talvez 
seja o maior de todos os 
fabricantes, A nto nio Strad ivarius. 
Uma doença crónica - crê-se que 
a síndrome de Marfan - dava a 
Paganini aparência esquelética. Isso 
éé 
D o m i n g o d e Pás c o a ; à tard e 
o u v i Pa g a n i n i . Q u e ê x tas e ! 
E m s u a s m ã o s o s exerc í c i o s 
m a i s e s té re i s s e i n c e n d e i am . 
Robert S ch u m an n 
f f 
levou a rumores de que ele fizera um 
trato com o diabo em troca de seus 
dons. Seus maiores triunfos foram 
em Paris, fascinada por espetáculos 
grandiosos, nova tecnologia e 
genialidade em todos os campos. 
Inovações técnicas 
Paganini estudou e se aperfeiçoou 
na Itália. A cred ita-se que co meço u 
a compor os 24 caprichos no início 
dos anos 1800, embora não os 
tenha publicado até 1820. Nessas 
obras admiráveis e muitas outras 
ele desafiou cad a aspecto d a 
técnica de vio lino e lançou ideias 
destinadas a exibir as habilidades 
do instrumentista. A s p eças eram 
pontuadas por passagens de 
quebrar o pesco ço , cordas duplas 
ou até triplas (tanger co m o arco 
duas ou três cordas ao mesmo 
tempo), além de novos truques 
como o pizzicato de mão esquerda 
(usar os dedos d essa mão para 
pinçar as cordas) e o rícochet 
(várias notas em staccato num só 
golpe do arco). 
Inspirado por Paganini 
A o s dezenove anos, em 1831, o 
compositor húngaro Franz Liszt ouviu 
Paganini em Paris. Isso o inspirou a 
buscar o mesmo virtuosismo no 
ROMANTISMO 1810-1920 147 
Ver também: A s quatro estações 92-97 • Sinfonia Fausto 176-177 
piano e cultivar uma persona 
igualmente dramática. Sua carreira 
coincidiu com avanços técnicos na 
fabricação do piano que o tornaram 
confiável, versátil e com som alto o 
bastante para encher as grandes 
salas de concertos que atendiam à 
crescente classe média. Liszt foi o 
mais talentoso de uma nova classe de 
compositores-pianistas que 
competiam por destaque - às vezes 
em duelos de execução pianística. 
Sua condição de celebridade ajudou a 
estabelecer o recital de piano na 
forma atual, beneficiando assim 
O primeiro êxito de Paganini, de 
Annibale Gatti, c. 1890, talvez mostre 
uma apresentação na corte de Lucca, 
onde Paganini construiu sua reputação 
no início do século xix. 
outros compositores. O talento de 
Paganini e Liszt forçou os limites das 
técnicas existentes para violino e 
piano. O concerto se tornou palco 
para que solistas se destacassem, e o 
tema e a forma das variações - em 
que uma melodia simples e com 
frequência bem conhecida é 
retrabalhada de modo cada vez mais 
impressionante - se popularizaram 
entre público e compositores. O tema 
do Capricho nQ 24 de Paganini 
inspirou obras de Liszt, Johannes 
Brahms e Sergei Rachmaninoff. 
Virtuo ses posteriores foram o 
compositor-vio linista belga Henri 
Vieuxtemp s e os compositores-
-p ianistas Lo uis Moreau Go ttschalk 
nos Estad o s Unidos, Leopo ld 
Go d o w sky na Polónia e 
Rachmanino ff na Rússia. • 
N iccol ò Pag ani ni 
Nascido na cidade portuária 
italiana de Génova em outubro 
de 1782, Paganini aprendeu 
violino e violão com o pai, 
músico amador excepcional. 
O jovem Paganini completou 
os estudos com um regime 
estrito de treino, afirmando 
mais tarde que se tornou 
virtuose após ouvir uma 
apresentação do violinista 
francês nascido na Polónia 
August Duranowski. 
Em 1809, Paganini deixou 
um cargo na corte de Lucca 
para tentar a carreira solo. 
Viajou pela Itália, compondo e 
executando obras que exibiam 
suas habilidades. Problemas 
de saúde, entre eles sífilis, o 
limitaram até 1828, mas 
depois foi à Áustria, Boémia, 
Alemanha e, em 1831, Paris, 
onde seus dez concertos na 
Opera causaram sensação. Em 
1834, a saúde precária o 
obrigou a fazer um retiro 
parcial na Itália, onde morreu 
em 1840. 
Outra s obras importante s 
1813 Le streghe (As bruxas) 
1816 Concerto para violino n 2 1 
1819 Sonata " a Preghiera" 
1826 Concerto para violino 
n2 2 em si menor 
E M C O N T E X T O 
FO C O 
Ó pera- buf a ital iana 
A N T E S 
1782 Um a versão lírica 
anterior de O barbeiro de 
Sevilha, do compositor italiano 
Gio v anni Paisiello , é encenad a 
pela p rimeira v ez em São 
Petersburgo . 
1786 O casamento de Fígaro, 
de Mo zart, estreia em Viena. 
D EPO IS 
1843 A ó pera-cô mica Don 
Pasquale, de Gaetano 
Do nizetti, é exib id a pela 
p rimeira vez no Théâtre Italien, 
em Paris. 
1850 Crispino e la comare (O 
sapateiro e a fada), dos irmão s 
Lu ig i e Fed erico Ric c i , é u m 
dos últimos exemplo s de 
verd ad eira ópera-bufa. 
DE-ME A LISTA DA 
LAVANDERIA E 
EU A MUSICAREI 
0 BARBEIRO DE SEVILHA (1816), 
GIOACHINO ROSSINI 
S obrevivendo à desastrosa estreia em Ro ma em 1816, O barbeiro de Sevilha, de 
Gioachino Ro ssini, logo ganhou 
aclamação universal. Ro ssini já 
escrevera dezesseis óperas, mas 
essa era sua primeira ópera-bufa 
(ou ópera-cômica, oposta à opera 
seria). Ela relata as tentativas do 
conde A lm av iv a de co nquistar a 
bela Rosina, tutelada pelo muito 
mais velho dom Bartolo, que 
pretende se casar com ela. 
éé 
Querido Deus, eis aqui 
terminada esta pobre 
missinha. Será música sacra 
[...] ou música do diabo? 
Nasci para a ópera-bufa, 
como bem sabe. 
G i oachi no Rossi ni 
O barbeiro Fígaro, um faz-tudo de 
Sevilha, é central no enredo. Entre 
as cançõ es da ópera estão Largo al 
factotum delia città (A bram alas ao 
faz-tudo da cidade), de Fígaro, e Una 
voce poco la (Uma voz há pouco). 
Realismo operístico 
Os cenários de submundo e a 
linguagem d as ruas da ópera-bufa 
tro uxeram u m realismo fresco ao 
d rama musical e sua popularidade 
se espalhou pela Euro pa. 
O casamento de Fígaro e Cosi fan 
tutte, de Mozart, são outros 
exemplos do género. 
Beethoven ad mirava O barbeiro 
de Sevilha, assim como Verd i e 
Wagner. Porém, salvo uma farsa de 
u m ato, Ro ssini não escreveu outras 
co médias. Nos anos 1820, tornou-se 
diretor do Théâtre Italien, em Paris, 
onde escreveu mais cinco óperas, 
culminand o co m Guillaume Tell 
(Guilherme Tell) em 1829. Depo is, 
sua produção declinou. Um a d as 
poucas p eças de larga escala em 
suas três últimas d écad as de v id a 
foi Petite messe solennelle 
(Pequena missa solene) em 1863. • 
Ver também: O burguês fidalgo 70-71 • A flauta mágica 134-137 • La traviata 
174-175 • Tosca 194-197 
ROMANTISMO 1810-1920 149 
A MUSICA NA VERDADE 
É O PRÓPRIO AMOR 
DER FREISCHUTZ (1821), 
CARL MARIA VON WEBER 
E M C O N T E X T O 
FO C O 
Ó pera romântica al emã 
A N T E S 
1791 A flauta mágica de 
Mo zart, exemplo supremo d a 
tradição do Singspiel, é 
encenad a em Viena. 
1816 Estreia em Berl im a 
ópera ro mântica Undine, de 
E. T. A . Ho ffmann, sobre u m a 
ninfa d as ág uas que se casa 
co m u m humano . 
D EPO IS 
1833 A ópera Hans Heiling, de 
Heinrich Marschner, como seu 
sucesso anterior Der Vampyr, 
co ntrasta o mund o real e o 
sobrenatural. 
1834 Richard Wagner co nclui 
a ópera Die Feen ( A s fadas), 
muito influenciad a por Der 
Freischútz, de Weber. 
Um exemplo v ienense de Singspiel (brincadeira em canção ), que liga cançõ es a 
diálogo falado, Der Freischútz (O 
franco-atirador), de Carl Maria von 
Weber, conta a história de Max, 
jovem caçador da Bo émia 
convencido pelo malvado Caspar a 
participar de u m concurso de tiro 
para co nquistar a mão de A gathe. 
Para garantir a vitória Caspar lhe 
dá balas mágicas forjadas novale 
do Lobo. 
As balas mágicas usadas na disputa 
de tiro em Der Freischútz são 
disparadas no fantasmagórico vale do 
Lobo, aqui numa água-tinta de cena da 
ópera. 
Estreada em Berlim em 1821, Der 
Freischútz levou seu compositor ao 
estrelato. O sucesso se deveu em 
parte ao fato de se basear firmemente 
na cultura alemã, usando 
personagens, cenários, folclore e 
música popular bem conhecidos. 
Weber imaginava uma nova grande 
tradição operística alemã. 
A co mbinação de orgulho 
nacional, conteúdo emocional e 
representação do sobrenatural 
impressionou o jovem Richard 
Wagner, que v iu Der Freischútz aos 
nove anos. A o mesmo tempo, a 
orquestração inovadora de Weber, 
em especial o uso evocativo das 
madeiras e trompas, influenciou 
Berlioz, Mahler e Debussy. 
Weber escreveu mais duas 
óperas. Estav a em Lo ndres para 
reger a estreia de sua última obra, 
Oberon, em 1826, quando morreu 
de tuberculose, aos 39 anos. • 
Ver também: A flauta mágica 134-137 • O barbeiro de Sevilha 148 • La traviata 
174-175 • O ciclo do anel 180-187 . Tosca 194-197 
NINGUÉM SENTE A 
DOR DO OUTRO 
NINGUÉM ENTENDE A 
ALEGRIA DO OUTRO 
DIE SCHÕNE MÚLLERIN (1824), 
FRANZ SCHUBERT 
152 LIEDER E CICLOS DE CANÇÕES 
E M C O N T E X T O 
FO C O 
Lieder e ciclos de canções 
A N T E S 
1816 Beetho ven co mpõ e An 
die ferne Geliebte (À amad a 
d istante), considerado o 
primeiro ciclo de cançõ es. 
1821 W ilhelm Muller publica 
os p o emas de Die schóne 
Múllerin (entre eles seis não 
musicad o s por Schubert) co mo 
parte de u m a anto logia. 
D EPO IS 
1840 Robert Schumann compõe 
vários grandes ciclos de 
cançõ es, entre eles Frauenliebe 
und Leben e Dichterliebe. 
1856 O baríto no Ju l ius 
Sto ckhausen faz a p rimeira 
ap resentação pública 
co mpleta de Die schóne 
Múllerin em V iena. 
O compositor Franz Schubert é muitas vezes ligado à canção artística (ou Lied, 
plural Lieder) alemã. Ele não 
inventou o género. Vários grandes 
compositores fizeram cançõ es antes 
dele, como Beethoven, Mozart e 
Hayd n, além de figuras menos 
conhecidas. Não é sequer verdade 
que Schubert criou o primeiro "ciclo 
de canções", expressão usada 
depois para u m conjunto de cançõ es 
com uma narrativa ou tema 
abrangente. An die íern Geliebte, de 
Beethoven, composta em 1816, foi a 
primeira obra importante a se 
ajustar a tal descrição . 
Schubert, porém, transformou o 
género. A ntes dele, os Lieder eram 
em geral ingénuos ou francamente 
líricos. A forma tend ia a ser 
estrófica - a mesma melodia se 
repetia nas estrofes do po ema - , a 
música se envo lvia co m o texto 
apenas captando o c lima geral e o 
aco mpanhamento ao teclado era 
com frequência previsível, 
funcional e sem expressão . Hayd n e 
Beethoven foram apresentados à 
forma quando encarregados de 
criar arranjos para músicas 
folclóricas, ao passo que as cançõ es 
de Mozart, que reservou seus 
trabalhos mais so fisticados co m 
palavras à ópera, são de pequena 
escala e alcance modesto . Compor 
cançõ es era algo acessório , não 
parte central d as ativ idades de 
qualquer d esses compositores. 
Piano e canção 
Schubert cresceu num mundo de 
sensibilidade poética aumentada, de 
ênfase na experiência subjetiva. O 
potencial técnico e a disponibilidade 
do piano, uma invenção um pouco 
recente, tinham crescido. A s 
apresentações domésticas estavam 
em alta, em especial em Viena, cuja 
classe média, refreada de muitos 
modos pelo controle de uma 
sociedade estrita, buscava saídas 
As canções artísticas, ou Lieder, de 
Schubert eram em geral tocadas em 
casas de amigos. Os concertos públicos 
de larga escala eram basicamente 
reservados a grandes obras orquestrais. 
ROMANTISMO 1810-1920 153 
Ver também: Sinfonia fantástica 162-163 • Sinfonia n° 1, Schumann 166-169 • 
Sinfonia Fausto 176-177 • A ssim falou Zaiatustia 192-193 
éé 
M i n h a s c o m p o s i ç õ e s b r o tam 
d e m i n h a s tr i s te z as . A s q u e 
d ão ao m u n d o o m ai o r d ele ite 
n a s c e r a m d e m e u s m a i s 
p ro f u nd o s p e sare s . 
Franz Schub ert 
pessoais para os impulsos artísticos. 
Essa forma amadora de fazer música, 
longe das cortes e sociedades de 
concertos formais, alcançava novos 
níveis de sofisticação. 
Em sua v id a breve, Schubert 
compôs cerca de seiscentas 
cançõ es. A s primeiras publicadas, 
Erlkònig e Gretchen am Spinnrade 
(Margarida e a roca), escritas aos 
dezessete anos, aind a são as mais 
populares. A rranjad as sobre textos 
de Jo hann Wolfgang von Goethe, 
traz iam u m novo tipo de canção : 
ambas eram "não estró ficas" (sem 
estrofes estritamente repetidas) e 
apresentavam poderosos d ramas 
em miniatura que progrediam de 
modo inexorável para u m clímax. 
Erlkònig inclui uma voz de 
narrador além d as do pai, seu filho 
e do Erlking do titulo - criatura 
malevolente semelhante a u m 
duende que v ive na floresta escura 
da imaginação romântica. 
Margarida, por sua vez, é a heroína 
trágica d a obra-prima de Goethe, 
Fausto. Em 1816, Schubert compôs 
Der Wanderer, uma de muitas 
cançõ es que fo caliza outra figura 
fundamental do Ro mantismo 
alemão, cujo d ilema é sintetizado 
no verso final d a canção : "Lá, onde 
você não está, está a felicidade!". 
Schubert também compôs 
cançõ es que aderiam à 
simplicidade popular e ao longo de 
sua v id a curta mas intensamente 
criativa alternou entre formas 
complexas e mais d iretas. Sua 
produção para voz é notável pela 
variedade e riqueza da inspiração 
melódica, mas o papel do 
aco mpanhamento de piano 
também se desenvo lveu muito nas 
mão s de Schubert. De simples 
apoio direto passo u à inclusão de 
reflexões so fisticadas e reaçõ es ao 
conteúdo do poema acompanhado . 
Ciclos de canções 
A variedade d a arte de Schubert é 
evidente em seu primeiro ciclo de 
cançõ es, Die schóne Múllerin (A 
bela moleira), publicado em 1824. 
Para as v inte cançõ es do ciclo , 
Schubert esco lheu poemas de uma 
co letânea de Wilhelm Muller, poeta 
contemporâneo cujos versos ele 
também usaria em Winterreise 
(Jornada de inverno), seu segundo 
ciclo de cançõ es, três anos depois. 
Die schóne Múllerin segue 
vagamente a história d a paixão de 
u m jovem empregado de moinho 
pela bela filha do patrão, de sua 
o bsessão inic ial e do ciúme até 
resignar-se - como os o uvintes são 
levados a supor - ao suicídio . 
A narrativa flui em grande parte 
por sugestões, com os poemas 
oferecendo instantâneos, em geral na 
voz do próprio empregado do moinho. 
Juntas as cançõ es condensam 
muitos dos temas fundamentais da 
poesia romântica, em especial a 
solidão do forasteiro e a busca, em 
face da rejeição, de consolo na 
natureza. Essas ideias seriam » 
Fran z S chub ert 
Nascido num distrito pobre de 
Viena em 1797, Schubert era 
filho de um conhecido professor 
escolar e de música que lhe 
ensinou piano e violino. Compôs 
desde cedo e logo foi favorecido 
por importantes figuras de 
Viena, como Antonio Salieri. 
Apesar disso, não alcançou o 
sucesso com composições 
" públicas" de larga escala. 
Schubert conseguiu uma vida 
respeitável com obras 
destinadas ao mercado amador, 
como composições e canções 
para piano. Embora algumas de 
suas peças de câmara tenham 
sido executadas em público, 
muitas de suas melhores obras 
- sonatas para piano e 
sinfonias, entre elas - só foram 
redescobertas anos após sua 
morte em 1828, aos 31 anos. 
Isso levou a uma reavaliação 
que consolidou sua reputação 
como mestre da composição 
de música instrumental além 
de canções. 
Outras obras importantes 
1822 Sinfonia em si menor 
("Inacabada"), D759 
1822 M issa ns 2 em sol maior, 
D167 
1828 Quinteto de cordas em dó, 
D956 
154 LIEDER E CICLOS DE CANÇÕES 
Lied e cicl os de can çõ e s 
Escri tos p ara voz e pi ano p ara e xe cu ção e m l ares e sal as de 
concertos, às vezes co mo u m cicl o de três ou mai s can çõ e s 
l i gadas por u m a hi stóri a ou tema. 
A p res entam três f ormas pri nci pai s 
T T 
Estrófica: 
todas as estrofes são 
cantadas com a mesma 
música, como em Der Fischere Heidenròslein. de Schubert. 
Estrófica modificada: 
a música mud a em algumas 
estrofes, como em Der 
Lindenbaum. de Winterreise. 
de Schubert. 
Não estrófica: 
cad a estrofe tem música 
diferente que se ajusta às 
palavras. Erlkònig, de 
Schubert, é não estrófica. 
exploradas com força ainda maior em 
Winterreise, em que os poemas 
acompanham o caminho do viajante 
abandonado e solitário por uma 
sombria paisagem invernal. A s 
cançõ es da Schwanengesang (Canto 
do cisne), publicadas juntas após a 
morte de Schubert mas nunca 
concebidas como um ciclo, levam o 
género além e, com seu poder 
expressionista, podem ser chocantes. 
Só para o público 
A s cançõ es de Die schóne Múllerin, 
como tantas de Schubert 
d ifund idas em sua v id a, foram 
concebidas basicamente para 
apresentaçõ es privadas, como as 
que ele fazia aos amigos, as 
Schubertíadas, não sendo de início 
publicadas juntas como u m ciclo . A 
primeira execução pública do ciclo 
como um todo só ocorreu em 1856. 
Co m a aproximação do século xx o 
Lied foi se tornando uma forma 
cad a vez mais pública, embora 
muitos compositores aind a o 
usassem em algumas de suas obras 
mais pesso ais. 
Veículo romântico 
A influência de Schubert, em 
termos de evolução futura do Lied, 
é difícil de superestimar. Um a 
ativ idade que tinha sido periférica 
para compositores anteriores 
tornou-se algo central para vários 
dos que v ieram depois dele. A 
mistura única de música e po esia 
desse género se provou 
especialmente atrativa para os 
românticos. Ciclo s de cançõ es 
subsequentes muitas vezes 
representaram tentativas de 
co nstruir sobre o legado de 
Schubert. 
Schubert musicou vários poemas 
de Goethe, entre eles a obra trágica de 
1778 An den Mond (À lua). Este 
manuscrito de Schubert data de 
1815. 
ROMANTISMO 1810-1920 155 
C an ção ro m ân ti ca f rancesa 
A história d a canção artística na 
França foi muito inf luenciad a 
pelo ambiente cultural de Paris, 
onde a canção - mélodie ou 
chanson - , d estinad a em geral à 
execução em salõ es privad o s, 
existia à so mbra d a ópera. A 
canção francesa enfrentav a u m 
pro blema a mais: os ritmo s e 
ênfases irregulares d a língua 
to rnav am difícil musicar 
p alav ras co m naturalid ad e. 
A p esar d isso , o género se 
to rno u mais ambicio so e 
so fisticado na França por vo lta 
do fim do século xix, a partir de 
| obras de compositores como 
Hecto r Berlio z - suas Le s Nuits 
d'eté (No ites de verão , 1841), 
arranjos p ara seis po emas de 
Théo phile Gauthier, estão entre 
as p rimeiras cançõ es p ara voz e 
o rquestra no repertório , embo ra 
tenham sido co mpo stas de início 
p ara aco mpanhamento de piano . 
A p esar de influenciado pelo 
compositor alemão Ric hard 
Wagner, u m ramo ap enas 
francês de cançõ es artísticas se 
d esenvo lveu depo is p elas mão s 
de Gabriel Fauré, Claud e 
Debussy e Franc is Po ulenc. 
Robert Schumann foi muito 
influenciado por Schubert. Seus 
próprios ciclo s de cançõ es, muito s 
dos quais compostos num surto de 
inspiração em 1840, quando se 
caso u co m a p ianista e 
compositora Clara Wieck, tendem 
a ser de menor escala, o ferecendo 
uma série de impressõ es po éticas 
ou, no caso de Frauenliebe und 
Leben (A mo r e v id a de uma 
mulher), o amplo retrato de u m a 
relação . Schumann escreveu 
muito s prelúdios curto s para piano 
a fim de criar o cenário de suas 
cançõ es, além de poslúdios para 
éé 
Não há canção de Schubert a 
partir da qual não se possa 
aprender algo. 
Johannes Brahms 
f f 
recapitular o c lima. Embo ra 
Jo hannes Brahms tenha escrito 
do is ciclo s de cançõ es, tanto ele 
quanto o austríaco Hugo Wolf se 
co ncentraram em agrupá-las em 
conjuntos adequado s à publicação , 
o que não imp lica que d ev iam ser 
necessariamente to cadas juntas. 
Wolf, em especial, foi notável por 
compor quase que apenas Lieder. 
Em suas obras, co nseguiu 
incorporar a co mplexidade 
harmó nica w ag neriana e a 
intuição psico lógica em escala 
mais íntima. 
Legado de canções 
A influência de Schubert em 
âmbito maior também foi enorme, e 
o desejo de levar a canção a um 
plano artístico mais alto co incid iu, 
na segund a metade do século xix, 
co m tentativas de afirmar e definir 
a nacionalidade, no mundo falante 
do alemão e fora dele. A s cançõ es de 
compositores como A nto nin Dvorák 
Hugo Wolf escreveu centenas de 
canções artísticas, em geral com temas 
românticos e pessoais, como mostra este 
cartão-postal com uma canção de seu 
Caderno de canções espanholas, de 1891. 
e Modest Mússorgski muitas vezes 
têm coloração nacio nalista. 
N a v irad a p ara o século xx, 
Gustav Mahler firmou o género na 
esfera pública, em esp ec ial 
porque foi u m dos primeiro s 
composito res, como Richard 
Strauss, a o rquestrar as próprias 
cançõ es. Várias d as cançõ es de 
Mahler abriram caminho para 
suas p rimeiras sinfo nias, tanto 
co mpletas como retrabalhad as 
co mo mo v imento s instrumentais. 
Strauss, por sua vez , co mpô s 
cançõ es ao longo de to da a v id a e 
escrev eu sua o bra-prima de 
d esp ed id a, As quatro últimas 
canções, p ara voz soprano e 
o rquestra, em 1948. 
A arte d a canção também 
floresceu na França, Grã-Bretanha 
e Estad o s Unid o s, em esp ec ial no 
século xx, co m co mpo sito res 
como Ralp h Vaug han W ill iams, 
Gerald Finz i , Charles Ives e 
Benjamin Britten, que, como 
ó timo p ianista, se esp ec ializ o u 
em executar os ciclo s de cançõ es 
de Schubert. • 
A MÚSICA É COMO UM 
UM QUE NÂO 
CONSIGO OUVIR 
QUARTETO DE CORDAS Nõ 14 EM DÓ 
SUSTENIDO MENOR, OP. 131 (1826), 
LUDWIG VAN BEETHOVEN 
158 PROTORROMANTISMO 
E M C O N T E X T O 
FO C O 
Protorromantismo 
A N T E S 
1781 Hay d n, o inventor do 
quarteto de cordas, p ublica os 
quarteto s op. 33. 
1782-1785 Mo zart escreve 
seis quarteto s, que d ed ica ao 
compositor Jo sep h Hay d n. 
1824 Franz Schubert escreve o 
Quarteto de co rdas n s 14, 
co nhecido como "A Mo rte e a 
Donzela". 
D EPO IS 
1827-1829 Felix Mend elsso hn 
co mp õ e os quarteto s de co rdas 
op. 12 e op. 13. O quarteto op. 
13, em especial, faz eco às op. 
95 e op. 132 de Beetho ven. 
1828 O último desejo de 
Schubert no leito de morte é 
o uvir o quarteto op. 131 de 
Beetho ven. 
1873 Jo hannes Brahm s 
p ublica o Quarteto de co rdas 
n° 1 em dó menor e o Quarteto 
de co rdas n 2 2 em lá menor, 
co nstituind o a op. 51. Eles 
fo ram sua v igésima tentativa 
de escrever quarteto s. 
1934 Michael Tip p ett co mp õ e 
o primeiro de seus c inco 
quarteto s, todos insp irad o s por 
obras esp ecíf icas de 
Beetho ven. 
A música de Beetho ven se d iv ide em três períodos estilísticos: o inic ial (até 
1802), o médio (1803-1813) e o final 
(1817-1827). Ele nasceu em 1770, e 
aos 27 anos tinha escrito grande 
variedade de obras. Em boa parte 
desse período, porém, evitou o 
território dominado por Hay d n e 
Mozart - o quarteto de cordas. Só 
no fim dos anos 1790, quando não 
era mais comparado a Mozart, 
compôs seus seis primeiros 
quartetos, a op. 18. A obra mostra 
tal energia e maestria técnica que, 
se ele tivesse morrido então, aind a 
seria colocado entre os maiores 
compositores mund iais. A sombra 
de Mozart se mescla ao espírito de 
Hayd n ao longo dos cinco primeiros 
quartetos, mas no sexto Beethoven 
plantou as sementes de sua obra 
futura. 
éé 
Nenhum compositor antes de 
Beethoven desprezou as 
capacidades tanto dos 
instrumentistas quanto do 
público com tal crueza. 
Charl es Rosen 
f f 
A crescente surdez a partir dos trinta 
anos levou Beethoven a encomendar a 
Johann Nepomuk Maelzel, inventor do 
metrônomo, aparelhos de audição, entre 
eles esta "corneta acústica". 
O período médio de Beethoven 
inclui a "Fase Heróica" de 1803-1808, 
em que escreveu a Sinfonia "Ero ica" 
para e sobre Napoleão Bonaparte. Foi 
uma época de energia e 
compromisso real de Beethoven com 
suas crenças humanistas e políticas. 
Muitos d izem que esse período se 
iniciou na esteira do "Testamento 
Heiligenstadt" de 1802 -uma carta 
que escreveu aos dois irmãos 
descrevendo o desespero com a 
grande perda de audição. Só a 
música, Beethoven escreveu, 
impedia que se suicidasse. O 
concerto para violino de Beethoven 
(op. 61) é um exemplo notável do 
produtivo período médio, em que ele 
começou a se afastar das convenções 
clássicas - desenvolvendo um estilo 
individual mais ousado e produzindo 
muitas de suas composições mais 
famosas. O início da música 
romântica pode ser identificado nos 
movimentos lentos dos quartetos 
médios de Beethoven. Esses cinco 
quartetos expandiram os limites da 
forma, primeiro ampliando sua 
duração, na op. 59 e na op. 74, e 
depois comprimindo-a no conciso 
Quartetto seríoso, op. 95. Nos cinco, 
os quatro instrumentistas se tornam 
solistas, cada um com passagens 
virtuosísticas d ignas de um concerto, 
ROMANTISMO 1810-1920 159 
Ver também: Quarteto de cordas em dó maior, op. 54, Haydn 122-127 • Sinfonia "Eroica" 138-141 • Sinfonia n 2 1, Brahms 
188-189 • Pierrot lunaire 240-245 • Sinfonia n= 5 em ré menor, Chostakóvitch 274-279 
enquanto a op. 74, o quarteto "Harpa", 
tem movimentos tanto no modo 
heróico quanto no clássico. 
O período f inal 
Entre 1813 e 1816, Beethoven v iveu 
grandes problemas emocionais, de 
dificuldades financeiras à batalha 
pela custódia do sobrinho. Sua 
produção declinou, e as obras que 
criou mostram-no lutando para 
desenvolver ainda mais seu estilo. 
A pesar disso , ele emergiu desses 
anos de aperfeiçoamento com uma 
habilidade incomparável de imaginar 
melodias, formas e harmonias que 
seriam úteis no período final. A 
indiferença de Beethoven com as 
convenções sociais da época e sua 
crença apaixonada nas próprias 
ideias criaram um conjunto único de 
circunstâncias que levariam à 
composição de seus cinco quartetos 
finais. Ele estava decidido a expandir 
os limites da composição; tendo 
ampliado com sucesso a duração e 
desenvolvido a estrutura das formas 
convencionais em concertos, 
sinfonias, sonatas e obras de câmara, 
estava pronto para experimentar 
mais. A op. 131 (1826) é o mais 
V ari açõ es sobre u m te m a no q uarto mo v i mento 
Violino 1 
à 3=£ 
Violino 2 Violino 2 
O tema é tocado 
primeiro num 
diálogo entre o 
primeiro e o 
segundo violinos. 
Na primeira 
variação, o tema 
é tocado pelo 
mais grave dos 
três instrumentos. 
Violoncelo 
Na segunda 
variação, o tempo 
é mais rápido e a 
melodia alterna 
entre as frases 
agudas do 
primeiro violino e 
as graves do 
violoncelo. 
A s variaçõ es seguintes partilham o tema em 
desenvolvimento entre os diversos instrumentos, 
com tempos musicais variados. 
heterodoxo dos cinco quartetos finais 
de Beethoven, todos escritos em 
1825-1826. Seus sete movimentos, 
que vão de catorze minutos a menos 
de um, totalizando cerca de quarenta 
minutos e tocados sem intervalo, têm 
sequência não convencional e à 
M ús i ca co mo au to e xp re s s ão 
O mund o cultural e literário d a 
A le m anha e dos pequeno s 
Estad o s ao redor na épo ca em 
que Beetho v en nasceu foi muito 
influenciad o pelo mo v imento 
Sturm und Drang (Temp estad e e 
ímpeto ). Lid erad o pelo po eta e 
filósofo Jo hann Go ttfried v o n 
Herder, ele foi ampliad o por 
escrito res e artistas como 
Jo hann Wo lfgang v o n Go ethe e 
Fried rich Schiller. O mo v imento 
enfatizav a as identidades, 
língua e artes nacio nais, 
v alo riz av a muito a liberd ad e 
p esso al e a resistência heró ica a 
opressores e defend ia u m a 
síntese d as id eias i luministas, 
c lássicas e ro mânticas. 
Co mo a literatura e a arte, o 
mund o music al co meço u a 
refletir esses id eais, d and o -lhes 
exp ressão em sinfo nias e 
música v o cal , e o próprio 
Beetho v en musico u mais tard e 
o p o ema de Schiller " A n d ie 
Freud e" (Ode à alegria) em su a 
N o na sinfo nia. 
época parecia improvável que fossem 
reconhecidos como uma grande obra. 
Quartetos convencionais seguem a 
fórmula de quatro movimentos: 
iniciam com um allegro na forma-
-sonata, na tónica; ficam mais lentos 
no segundo movimento; usam um 
minueto e trio como terceiro 
movimento e terminam em forma 
rondó. Na op. 131, porém, o primeiro 
movimento - uma sombria e 
alongada fuga (peça em que a 
melodia é estritamente imitada pelas 
outras vozes) - é seguido por uma 
dança muito curta no segundo 
movimento. O terceiro movimento (só 
onze compassos) conclui com um 
solo floreado que lembra um período 
musical anterior, enquanto o quarto 
traz um tema poderoso e variações. 
O quinto movimento apresenta um 
longo scherzo (uma dança rápida). 
Um sexto movimento em adágio 
(lento) curto (28 compassos) leva a » 
160 PR0T0RR0MANTISM0 
D i f erenças entre o quarteto cl áss i co 
e a op. 131 de Beethoven 
I Quarteto clássico típico 
I 1 1 1 1 1 1 1 
1 2 3 4 5 6 
MOVIMENTOS 
Os quartetos clássicos em geral tinham quatro movimentos. Após 
Beethoven, alguns quartetos românticos tinham mais (ou menos) 
movimentos e abandonaram o padrão usual de desenvolvimento. 
um sétimo movimento intenso e 
enérgico, do tipo que em geral é 
colocado primeiro em obras mais 
convencionais. Construir uma 
estrutura com bases tão pouco 
convencionais foi um desafio que 
Beethoven se propôs. A lguns 
consideram a op. 131 a maior 
composição de Beethoven; ela 
consolidou seu grande legado e 
garantiu louvores a seus quartetos 
finais. 
éé 
[Os quartetos de Beethoven] 
se destacam [...] na fronteira 
extrema de tudo o que até ali 
fora alcançado pela 
imaginação e arte humanas. 
Robert S ch u m an n 
f f 
V ariações naturais 
Um bom exemplo do engenho 
estrutural de Beethoven pode ser 
visto no manuseio do tema e 
variações no quarto movimento (que 
se baseia em técnicas desenvolvidas 
em suas variações Diabelli, op. 120). 
Um problema tradicional dos 
compositores com essa forma era 
como criar uma impressão de 
continuidade natural em vez da 
repetição banal de u m tema. A 
abordagem de Beethoven é permitir 
a evolução constante da música, 
desde o próprio início do tema. Ele 
co meça no topo da textura, com u m 
diálogo entre o primeiro e o segundo 
violinos que é duplicado então em 
décimas, antes de descer rumo ao 
meio da textura. Quando a primeira 
variação co meça com o tema nas 
três cordas mais baixas, parece uma 
continuação natural desse 
desenvolvimento, mas no fim dessa 
variação o tema sofreu várias 
transformações de ritmo e textura. 
A segunda variação co meça como 
uma dança suave em que frases de 
co lcheias melódicas p assam de um 
instrumento a outro, acompanhadas 
por acordes separados, mas, 
conforme a variação avança, as 
co lcheias circulantes avultam, 
encaminhando para um clímax com 
todos os quatro instrumentos 
tocando em o itavas - um mundo 
sonoro totalmente diverso da 
abertura da variação. A s variações 
continuam, pontuadas por uma 
dupla de floreios do primeiro vio lino 
semelhante a uma cadenza, 
lembrando o "arcaico" terceiro 
movimento . O desenvolvimento 
temático também ocorre em escala 
grande. Como em muitas obras de 
Beethoven (mais notavelmente a 
Quinta sinfonia, de 1807-1808), o 
quarteto co meça com u m motivo 
curto de quatro notas, que também 
ocupou Beethoven em seu quarteto 
op. 132, embora os tons estejam 
aqui numa ordem um pouco d iversa, 
com efeito perturbador. Esse motivo 
forma a primeira metade do tema da 
fuga de abertura, que, por sua vez, 
fornece muitas das ideias de 
motivos das quais os outros 
movimentos se desenvolvem. 
Fi nal estimulante 
O tom de m i maior do quinto 
movimento é um irmão o timista da 
triste tónica em dó sustenido menor 
e, seguindo a convenção, um 
scherzo despreocupado se alterna 
com um trio contrastante. De modo 
inco mum, porém, Beethoven não só 
estende a forma A - B- A convencional 
com mais uma repetição do trio e 
scherzo (como faz em várias outras 
obras), como termina com uma 
repetição reduzida de cada tema. 
Essa repetição lhe permite explorar 
vários climas e técnicas, em 
especial numa passagem tocada sul 
ponticello (com o arco perto da 
ponte do instrumento), criandou m 
so m vítreo, delicado. Um poderoso 
crescendo leva então a dois 
conjuntos dos três acordes, cada u m 
ROMANTISMO 1810-1920 161 
seguido de um silêncio dramático, 
anunciando o sexto movimento . 
Nesse curto adagio, conduzido pela 
vio la, o motivo de quatro notas do 
primeiro movimento se transforma 
pela negação do uso de sua quarta e 
mais expressiva nota. Um 
movimento ascendente o timista é 
sempre repelido por uma resposta 
triste, descendente. No sétimo 
movimento , as ideias anteriores 
chegam a uma conclusão musical 
satisfatória. Conforme a música 
avança, fragmentos do primeiro 
movimento co meçam a emergir, até 
que o motivo de quatro notas 
reaparece. Após muitos sons 
sombrios e ameaçadores, surge um 
Uma estátua de Beethoven foi 
erguida em 1880 na Beethovenplatz em 
Viena, na Áustria. A s figuras sentadas 
abaixo do compositor são representações 
alegóricas de suas sinfonias. 
dos temas mais românticos de 
Beethoven, livre em seus saltos 
expressivos compassados e 
abrangentes. Depois que o tema 
atinge o auge, aparece um 
"fantasma", lembrando a melodia 
ouvida no início da obra. Em seguida, 
a música co meça a refletir o 
esgo tamento físico dos 
instrumentistas após quase quarenta 
minutos de execução contínua. A 
música se d issipa conforme o ritmo 
fica mais lento, embora o final suave 
esperado não aconteça. Num último 
gesto desafiador, a energia dos 
instrumentistas é reanimada, 
impelindo ao final em três acordes 
afirmativos. 
Influência duradoura 
Os últimos quartetos de Beethoven 
- que co meçam e terminam com 
estruturas de quatro movimentos (op. 
127 e op. 135) mas experimentam 
éé 
To c ar u m a n o ta e rrad a n ão é 
g rav e . T o c a r s e m p ai x ão é 
ind esc u lp áv e l . 
Lu d w i g v an Beethoven 
f f 
cinco , seis e sete movimentos (op. 
130 a 132) - foram sua dádiva final 
ao mundo antes de morrer em 1827. 
Co m eles, Beetho ven transformou o 
quarteto de cordas - influenciando 
Schumann, Mendelssohn, Brahms, 
Bartók, Schoenberg, Chostakóvitch 
e Tippett - e se tornou mentor v ital 
e inspiração de todos os que 
v ieram depois. • 
E M C O N T E X T O 
FO C O 
A sinf onia programáti ca 
A N T E S 
1808 Beetho ven estreia a 
Sexta sinfo nia, a "Pastoral", 
que o compositor insiste ser 
"mais expressão de sentimento 
que representação de u m 
texto". 
1824 A No na sinfo nia de 
Beetho ven termina co m u m 
arranjo coral de u m texto 
tirado d a "Ode à alegria", do 
poeta alemão Fried rich 
Schiller. 
D EPO IS 
1848-1849 Lisz t co mp õ e C e 
qu'on Entend surla Montagne, 
o p rimeiro p o ema sinfónico , 
basead o n u m p o ema de Victo r 
Hugo . 
1857 Primeira apresentação 
d a Sinfonia Fausto, de Lisz t, 
d ed icad a a Berlioz. 
A INSTRUMENTAÇÃO 
É 0 QUE CONDUZ 
A MARCHA 
SINFONIA FANTÁSTICA (1830), 
HECTOR BERLIOZ 
A o longo de sua carreira, o compositor francês Hector Berlioz explorou o formato 
da sinfo nia programática - uma 
obra que evoca estados de ânimo 
influenciados por temas externos à 
música, como a literatura ou a arte. 
Fo i a Sinfonia fantástica, porém, 
composta cedo em sua carreira, 
que se provou sua obra de maior 
sucesso e mais duradoura no 
género. 
A inspiração de Berlioz 
Em 1827, estudante de música de 
23 anos, Berlioz foi ver Romeu e 
é é 
Ninguém que ouça essa 
sinfonia aqui em Paris, tocada 
pela orquestra de Berlioz, pode 
deixar de crer que está 
ouvindo uma maravilha 
sem precedente. 
Ri chard W agner 
f f 
Julieta, de Shakespeare, em Paris. 
A atriz irlandesa Harriet Smithso n 
fazia Julieta. Fo i um encontro 
decisivo , po is Berlioz se apaixonou 
por Harriet e gastaria muito de sua 
energia nos anos seguintes 
perseguindo -a. 
Durante o curso d essa o bsessão , 
sentiu-se compelido a escrever uma 
obra que descrevesse sua grande 
paixão e as alegrias e tristezas 
decorrentes. Ele desejava que o 
lançamento deslanchasse sua 
carreira co m u m golpe ousado e ao 
mesmo tempo deslumbrasse 
Harriet. Na estreia da peça, 
Sinfonia fantástica, em 5 de 
dezembro de 1830 no Conservatório 
de Paris, foi fornecida uma sinopse 
impressa do "enredo". 
A mor e morte 
O título denota uma sinfonia d a 
imaginação ; já o subtítulo -
Episódio na vida de um artista -
ind ica um elemento autobiográfico 
na obra, embora seu programa 
descritivo (que Berlioz forneceu ao 
público) se concentrasse mais na 
fantasia que na realidade. No 
primeiro movimento , u m jovem 
músico descobre o amor na forma 
de uma bela mulher desco nhecida. 
A imagem dela (representada numa 
ROMANTISMO 1810-1920 163 
Ver também: As quatro estações 92-97 • Sinfonia Fausto 176-177 • O ciclo do anel 
180-187 • Assim falou Zaratustra 192-193 • Das Lied von der Erde 198-201 
melodia recorrente que Berlioz 
chamo u de idée fíxe) se impõe à 
visão do jovem aonde quer que ele 
vá, como num baile ou até no 
campo, onde o som de trovão 
parece simbo lizar seu estado de 
espírito sombrio . 
Decid ido a envenenar-se co m 
ópio, ele descobre que a dose 
apenas lhe induz pesadelos. No 
primeiro deles, se imag ina 
condenado à morte por ter matado 
sua amad a: no fim d a Marcha para 
o cadafalso ele é executado . No 
Hector Berlioz rege uma orquestra 
ensurdecedora num cartum publicado 
no jornal francês Lillustration em 1845. 
Atrás dele, membros do público tapam 
os ouvidos. 
segundo pesadelo , so nha estar 
num sabá de bruxas e vê sua 
amad a se juntar ao terrivel 
espetáculo . 
Influência duradoura 
Outros compositores imitaram a 
co mbinação de música e narrativa 
de Berlioz, em especial Franz Lisz t 
na Sinfonia Fausto e nos doze 
poemas sinfónicos (peças de um 
movimento e género programático), 
entre eles Mazeppa e Hamlet. 
Embo ra alguns importantes 
compositores, como Bruckner e 
Brahms, ev itassem a forma, outros, 
como Tchaikóvski, César Franck, 
Elgar e Richard Strauss, exploraram 
à exaustão e de modo inventivo 
suas possibilidades. • 
Hector Berl ioz 
Filho de um médico, Berlioz 
nasceu em La Côte-St-André, 
no sudeste francês, em 1803. 
Começou a estudar música aos 
doze anos e, aos dezessete, se 
mudou para Paris para estudar 
no Conservatório. 
Em 1833, em sua quinta 
tentativa, ganhou o Prix de 
Rome (uma bolsa prestigiosa). 
Já produzira então a Sinfonia 
fantástica para impressionar a 
atriz Harriet Smithson, com 
quem depois se casou. Em 
Paris, teve sucesso limitado 
como compositor, e por isso 
trabalhou também como 
jornalista. A partir de 1842 
viajou ao exterior, encontrando 
público mais receptivo na 
Rússia, Inglaterra e Alemanha. 
Ele desejava o sucesso na casa 
de ópera, mas sua ópera 
Benvenuto Cellini (1838) 
fracassou e a obra-prima Les 
Troyens (1858) só teve uma 
encenação parcial em sua vida. 
Sofrendo de doença de Crohn e 
depressão, morreu em 1869. 
Outras obras importantes 
1837 Grande Messe des Morts 
(Réquiem) 
1839 Roméo et Juliette 
1856-1858 Les Troyens 
E M C O N T E X T O 
FO C O 
M úsica para piano solo 
A N T E S 
1812 Jo hn Field , compositor 
irlandês que v i v i a em São 
Petersburgo , p ublica a 
p rimeira p eça ro mântica p ara 
p iano chamad a "noturno". 
1833 E m Paris, os No turno s de 
Cho p in, op. 9, são seus 
primeiro s no turnos publicado s. 
1834-1835 Robert Schumann 
co mpõ e Carnaval, co letânea 
co m 21 mo vimento s para piano, 
u m deles chamad o Chopin. 
D EPO IS 
1892-1893 Brahm s p ublica 
quatro co letâneas de p equenas 
p eç as p ara piano , entre elas 
intermezzi. fantasias e 
capricho s. 
1910-1913 Debussy , que 
d escrev ia Cho p in como "o 
maior dentre nós todos", 
co mp õ e os do is livro s de 
Prelúdios. 
A SIMPLICIDADE 
É A CONQUISTA 
DEFINITIVA 
PRELÚDIOS (1839), FRÉDÉRIC CHOPIN 
C hopin foi u m dos maiores compositores do Ro mantismo inicial, mas 
em certos aspecto s era atípico da 
era que veio a representar. À 
diferença dos co legas Robert 
Schumann e Franz Lisz t, ele se 
interessava pouco por usar a 
música para expressar narrativas 
insp iradas na arte e na literatura 
românticas ou por criar obras 
grandiosas co m orquestrasenormes à maneira de Hector 
Berlioz. Em vez d isso , Cho pin 
aperfeiçoou sua arte em espaço s 
circunscrito s, tendendo à brevidade 
e à evocação de estados de espírito . 
To d as as suas co mpo siçõ es 
incluem piano e a v asta maio ria é 
só para piano, mas dentro d essa 
área definida co m precisão o 
alcance de seu pensamento 
musical é imenso . 
Suas obras têm intensid ad e de 
melo d ia, harmo nia e exp ressão 
sem paralelo . Co mpo ndo num 
Chopin toca para o príncipe Radziwill 
em uma viagem a Berlim em 1829. No 
mesmo ano, compõe a Polonaise 
brillante para o príncipe (violoncelista) e 
sua filha (pianista) praticarem. 
ROMANTISMO 1810-1920 165 
Ver também: Pièces de clavecin 82-83 - Die schóne Múllerin 150-155 -Prélude 
à Vaprès-midi d'un faune 228-231 • Concerto para piano para a mão esquerda. 
Ravel 266-267 
Prel údio, noturno e 
estudo 
Prelúdio 
Curto movimento 
introdutório que em 
geral precede uma 
peça maior. 
Noturno 
Composição expressiva 
e tranquila inspirada na 
noite, sem forma 
determinada. 
Estudo 
Peça destinada à 
prática, para 
aperfeiçoar 
habilidades musicais. 
estilo que p arec ia representar a 
alma do próprio instrumento , 
Cho p in teve pro fundo efeito na 
técnica p ianística e ajudou a 
co locar o instrumento na 
v ang uard a d a música do século 
xix. Preferindo a miniatura à larga 
escala, co mpô s três so natas p ara 
p iano de quatro mo v imento s e 
muitas p eças curtas "de caráter", 
em esp ec ial prelúdios, no turnos, 
estud o s e d anças, como 
maz urcas, polonaises e v alsas. 
 ni mo e estilo 
Entre 1835 e 1839, Cho p in co mpô s 
u m conjunto de 24 prelúdios - u m 
em cad a to m maior e menor -
tendo os Prelúdios de J. S. Bac h 
do Cravo bem temperado (1722) 
como modelo . Para Cho p in o 
prelúdio era em essênc ia u m a 
fo rma abstrata, embo ra os títulos 
dados por ed ito res a alg umas de 
suas p eças ind iquem influências 
esp ecíf icas. O prelúdio "Go ta 
d'Água", por exemplo , recebeu seu 
apelido do (inverídico ) relato d a 
I ro mancista francesa Geo rge Sand 
de chuv a incessante em 
Valld emo ssa, na i lha de Maio rca, 
onde ela e Cho p in, então seu 
amante, p assaram o inverno de 
1838-1839. 
D ança polonesa 
O interesse de Cho p in por d ança 
rend ia em parte ho menagem a 
sua o rigem po lonesa. A polonaise 
(po lonesa, em francês) foi usad a 
por muito s co mpo sito res na 
Euro p a e Cho p in co mpô s mais de 
doze, a p rimeira já aos sete ano s. 
Co mo a polonaise, a maz urc a era 
uma fo rma de d ança trad icio nal à 
qual Cho p in vo ltou não meno s de 
c inquenta vezes. 
Cho p in uso u a fo rma de d ança 
d a v alsa em esp ec ial p ara música 
de salão ligeira. A c hamad a 
"Valsa do minuto " e a V alsa em m i 
bemol, op. 18 (Grande Valse 
brillante) são p eças rápidas. Em 
co ntraste co m as v alsas v isto sas, 
os v inte no turno s de Cho p in são 
na maio ria íntimo s e de espírito 
introvertido , lentos e so nhado res, 
como os títulos ind ic am. Os 
no turno s estão entre as obras solo 
mais po pulares já escritas p ara 
piano . O termo "no turno " e seu 
estilo fo ram u m a invenção do 
célebre p ianista e co mpo sito r 
irlandês Jo hn Field , cuja obra 
Cho p in ad mirav a. 
Co mo Field , Cho p in foi u m 
p ianista v irtuo se e seu interesse 
na exp ansão d a técnica do p iano 
é demo nstrado nos 27 études 
(estudos), que co meço u a escrever 
na juventud e. N essas p eças, 
co nseg uiu unir av anço s técnico s 
a grande qualid ad e exp ressiv a e 
musical . Elas co ntinuam a ser u m 
desafio e u m a alegria p ara 
p ianistas d esd e então . • 
Fréd éri c C h o p i n 
Nascid o perto de Varsóvia em 
1810, Cho p in estud o u p iano na 
cap ital po lo nesa e to cav a em 
soirées musicais em suas 
maio res casas. Visito u Paris 
aos v inte ano s e fixou-se ali, 
v ivend o de d ar aulas, publicar 
música e apresentar-se em 
salõ es. Não go stav a de 
concertos e to co u em poucos, 
mas sua influência foi enorme, 
basead a em obras que 
p erf i lhav am a música fo lclórica 
de sua terra natal, além de 
o utras fo rmas mais co nceituais 
que elev aram a técnica do 
p iano a no v o s nív eis. 
Co mpo ndo de início nu m estilo 
que favo recia o v irtuo sismo na 
trad ição de músico s como 
Jo hann Nepo muk Hummel, 
Fried rich Kalkbrenner e Carl 
M aria v o n Weber, abso rv eu 
mais tard e em suas texturas 
de p iano a influência de Bach. 
Sua relação p esso al mais 
d urad o ura, co m a ro mancista 
Geo rge Sand , termino u em 
1847. Mo rreu de tuberculo se 
do is ano s depo is em Paris. 
Outras obras importantes 
1830 Co ncerto p ara p iano n a 1 
1835 Ballade n° 1 em so l menor 
1844 So nata n° 3 em si menor 
1846 Barcarolle em fá 
sustenid o 
166 
MINHAS SINFONIAS 
TERIAM CHEGADO AO 
OPUS 100 SE EU AS 
TIVESSE ESCRITO 
SINFONIA N° 1, A SINFONIA "PRIMAVERA" (1841), 
ROBERT SCHUMANN 
E M C O N T E X T O 
FO C O 
A sinf onia romântica 
A N T E S 
1824 Primeira execução d a 
Sinfo nia n" 9 de Beetho ven em 
Viena. 
1838 Sc hu m ann "descobre" a 
"Grand e" Sinfo nia em dó maior 
de Schubert, em Viena. 
D EPO IS 
1876 Estreia d a Sinfo nia n 2 1 
de Brahms, chamad a por H ans 
v o n Bulo w de "Décima de 
Beethoven". 
1889 A Sinfo nia n 2 1 de 
Mahler estreia em Bud apeste. 
El a marca o início de u m ciclo 
que redefine a fo rma d a 
sinfo nia. 
N o final da era clássica, a Nona sinfo nia de Beethoven, co m sua 
mensagem revolucionária, a 
inclusão de coro e so listas e muitos 
traços musicais narrativos, ofereceu 
uma visão nova e ousada do que 
podia ser uma sinfo nia. Muito s 
outros compositores românticos, 
como Cho pin e Wagner, sentiam 
porém que Beethoven elevara tanto 
essa forma que não po deriam 
desenvolvê-la mais e se vo ltaram 
para outros géneros. Isso levou à 
escassez de escrita sinfónica até a 
segund a metade do século xix. 
A pesar d isso , as sinfo nias 
produzidas pelos compositores 
românticos de maior sucesso estão 
entre as maiores músicas escritas 
no século xix. Elas incluem a 
Sinfonia fantástica, de Hector 
ROMANTISMO 1810-1920 167 
Ver também: Sinfonia "Eroica" 138-141 • Die schóne Múllerin 150-155 • Sinfonia 
fantástica 162-163 • Sinfonia Fausto 176-177 
éé 
N ão se p o d e c h e g ar a n a d a 
c erto e m arte s e m e n tu s i as m o . 
Robert S ch u m an n 
t f 
Berlioz, a Sinfonia Fausto, de Franz 
Lisz t, e a Sinfo nia n 2 1 de Robert 
Schumann, co nhecida como 
Sinfonia "Primavera". 
A influência de Schubert 
Quando Beethoven escreveu a 
última sinfonia, Schubert 
trabalhava em suas obras maduras 
do género . Em 1822, co meço u sua 
Nona sinfo nia, hoje co nhecida 
como "Grande sinfo nia em dó 
maior", mas não chegou a 
apresentá-la. Após sua morte, o 
amigo Schumann a descobriu 
numa v isita a Viena. Ele levou uma 
cópia do manuscrito para Leipzig , 
onde Felix Mendelsso hn regeu sua 
estreia em 1839. 
Enquanto as obras de 
Beetho ven se centravam num 
argumento musical intenso e no 
ímpeto interior, Schubert abordava 
a forma como uma estrutura mais 
suave e d iscursiv a, lembrando os 
romances românticos da épo ca. A 
Nona sinfo nia de Schubert usa tons 
inesperados e não tradicionais, 
gerando uma gama maior de 
estados de ânimo. Lo nga para 
então, a peça, co m cerca de 55 
minutos, amplia muitos dos traços 
trad icionais d a sinfonia, como a 
introdução ao primeiro movimento 
(quase uma sonata completa em si 
mesma) e os numerosos elementos 
temáticos do último. 
A ssumindo a batuta 
Foi ao ouvir a Nona sinfonia de 
Schubert que Robert Schumann se 
inspiro u a co meçar a trabalhar em 
sua própria primeira sinfonia, em 
1841. A té então, ele tinha sido mais 
conhecido como compositor de 
p eças para piano. Ev itand o em 
geral obras de grande escala, ele 
tinha se concentrado em co letâneas 
ou ciclos de p eças menores, 
consolidando a fama de 
miniaturista. A ssim , escrever uma 
sinfo nia era u m novo desafio para 
ele. De modo notável, esbo ço u a 
obra toda em apenas quatro d ias. 
Cinco semanas depois, a p eça 
totalmente orquestrada estreouem 
Leipzig , sob regência de 
Mendelssohn, co m boa recepção . » 
A mulher de Schumann, Clara, era 
filha de seu primeiro professor de 
piano, Friedrich Wieck. Clara e seu 
pai eram famosos pela habilidade ao 
teclado. 
Robert S ch u m an n 
Nascido na cidade saxã de 
Zwickau (hoje na Alemanha) 
em 1810, Schumann começou 
a compor ainda menino. Não 
menos interessado em 
literatura, escreveu vários 
romances juvenis antes de ir a 
Leipzig estudar direito. Deixou 
a escola para ser pianista de 
concertos, mas feriu a mão e 
não pôde alcançar seu 
objetivo. Então se concentrou 
na composição e crítica 
musical, tornando-se editor do 
Novo Jornal de Música, 
através do qual apresentou ao 
mundo a música de Chopin e 
Brahms. Suas originais obras 
para piano, com frequência 
inspiradas na literatura, logo 
se popularizaram. Após 
casar-se com Clara Wieck, 
famosa pianista, começou a se 
dedicar a outros géneros 
musicais. Em seus últimos 
anos foi afligido por uma 
doença mental e morreu num 
hospício em 1856. 
Outras obras importantes 
1838 Kreisleríana, op. 16 
1840 Dichterliehe, op. 48 
1845 Concerto para piano em 
lá menor, op. 54 
1850 Sinfonia n° 3, op. 97 
168 A SINFONIA ROMÂNTICA 
Inspirado no Iluminismo 
e na Idade da Razão 
Ênfase na elegância e na 
estrutura 
Era da sinfonia, d a 
sonata instrumental e 
do quarteto de cordas. 
A música é em grande 
parte privilégio da corte e 
dos ricos. 
U m a no v a era, u m a no v a estética 
Cl assicismo Romanti smo 
Inspirado na natureza, na 
poesia e nos mitos 
Ênfase na expressão 
emocional 
Surgem novos estilos 
de melodia, harmonia 
e ritmo 
A udiências se expandem, 
incluindo as classes 
médias 
Uma sinfonia romântica 
O título de Sinfonia "Primavera" foi 
tirado de u m po ema de Adolf 
Bõttger finalizado co m os versos 
"Oh, v ire e v ire e mude seu curso/ 
No vale, a primavera viceja", que 
insp iraram a abertura d a sinfonia. 
O poema trata de um apaixonado 
melancó lico cuja dor aumenta co m 
a chegada da primavera, mas 
Schumann afirmava que o anseio 
pela primavera em geral insp irara a 
obra. N uma carta ao regente 
W illiam Taubert em 1843, escreveu: 
" Eu go staria que o primeiro toque 
de trompete so asse como se v indo 
de c ima e chamando a despertar. 
[...] Seria possível sentir o mundo se 
tornando verde; talvez (...) uma 
borboleta flutuando". N a primeira 
partitura d a sinfonia, Schumann 
deu título a todos os movimentos: 
"Início d a primavera", "Tarde", 
"A legres companheiros de 
brincadeiras" e "Plena primavera". 
Porém removeu-os ao publicar a 
sinfonia. 
A fanfarra de abertura de 
metais, co m seu intenso to m de 
esperança, ev id encia que esta é 
u m a sinfo nia do período 
romântico . Cheia de co ntrastes e 
surpresas, tem c limas rapidamente 
cambiantes que d eixam os 
o uv intes suspenso s. Ev itand o os 
éé 
Enviar luz à escuridão do 
coração dos homens - tal é o 
dever do artista. 
Robert S ch u m an n 
t f 
argumento s musicais de 
Beetho ven e a abo rdagem 
d iscursiv a de Schubert, Schumann 
acho u u m modo de d irig ir a 
energia d a música através de 
justapo sição e repetição , 
transmitind o ao mesmo tempo 
emo çõ es sutis. Ele também se 
esquiv a de usar as estruturas de 
tom trad icio nais, de modo que o 
segundo tema melódico está em 
tom menor, acrescentando u m a 
no ta de melanco lia. 
O segundo mo vimento d a 
sinfo nia várias vezes parece como 
se tivesse sido escrito de início 
para piano - u m a crítica feita co m 
frequência às obras o rquestrais de 
Schumann - , mas isso lhe dá uma 
qualidade o rig inal quase 
improvisatória que marco u o 
afastamento d as estruturas 
clássicas. Enquanto isso , ao 
esco lher compor o terceiro 
mo vimento como um scherzo e trio 
ROMANTISMO 1810-1920 169 
E u m e sinto tão e m m e u 
e lem ento c o m u m a o rq u e stra 
c o m p le ta; m e s m o s e m e u s 
i n i m i g o s m o r ta i s e s t i v e s s e m 
[...] d i an te d e m i m , e u p o d e r i a 
lid erá- lo s, co ntro lá- lo s, 
c erc á- lo s o u rec haç á- lo s . 
Robert S ch u m an n 
Schumann foi influenciado por 
Beetho ven, que crio u essa 
estrutura a partir do velho minueto 
e trio , mas aqui, também, a 
co mpo sição de Sc humann co ntém 
mais ino vaçõ es: há dois trios em 
vez do trio único usual, e eles têm 
tempo musical d iferente. O último 
mo vimento d a Sinfo nia 
"Primav era" tem estrutura 
trad icio nal, mas é cheio de u m 
humor que parece antecipar 
Tchaikóvski em seus momentos 
mais leves. Perto do fim, 
Schumann tem mais u m a surpresa 
de reserv a - u m tema de sua p eça 
para p iano Kreisleriana surge de 
repente em forma u m pouco 
alterada. Embo ra não se saiba por 
que fez isso , tal auto citação não 
era inco mum em Schumann. 
N ova abordagem 
Compositor quase to talmente 
autod idata, Schumann trouxe 
o riginalidade e frescor à sinfo nia 
A cidade alemã de Leipzig tornou-se 
o lar de Schumann em 1828. Ele compôs 
muitas obras na casa que dividiu com a 
mulher, Clara Wieck. Situada na 
Inselstrasse 18, hoje é um museu. 
que lhe v aleram considerável 
aplauso . Co m títulos programáticos 
e referências literárias, e também 
co m os próprios sons que criou, 
Schumann ajudou a definir o ethos 
romântico inic ial . 
A sinfo nia do Ro mantismo 
inic ial atento u mais à 
o rquestração que a sinfo nia 
c lássica; ela uso u u m a paleta 
maior de timbres o rquestrais e 
co mbino u as forças instrumentais 
de no vas maneiras. Instrumento s 
que antes eram meno s po pulares 
- como harp a, tuba e trombone, 
além de vários de p ercussão -
também se to rnaram padrão . 
Os compositores d a ép o ca mal 
se co nsid eravam diferentes dos 
clássico s anteriores, e estav am em 
essência tentando trazer à v id a o 
novo espírito "romântico " de 
política revolucionária, usand o 
meios bem trad icio nais. Porém, 
conforme o mo vimento mais amplo 
romântico ganho u ímpeto , alguns 
compositores inovadores - como 
Berlioz e Lisz t - testaram, nem 
sempre co m sucesso , no vas 
abordagens de harmo nia, ritmo e 
estrutura. Fo i esse espírito de 
experimentação que preparou o 
caminho do Ro mantismo final. • 
A f orma d á l ugar à 
exp res s ão 
A música co mpo sta pela 
geração romântica buscav a 
refletir a importância do 
indivíduo. To mand o a d eixa em 
parte de Beetho ven - cuja 
No na sinfo nia rompera co m o 
modelo - , os compositores 
pro curavam criar música livre 
de estruturas bem 
estabelecidas como o minueto 
e trio e o rondó, e desenvo lver 
outros padrões, como a forma-
-sonata e a fuga. Suas 
inovações d eram à música dos 
compositores românticos u m 
imediatismo que lhe permitiu 
ser mais facilmente entend ida 
pelo público de classe média, 
em geral co m po uca fo rmação 
musical mas desejoso de 
usu f ru ir d ela co mo 
entretenimento . No mesmo 
espírito , as obras românticas 
muitas vezes recebiam títulos 
que ajud av am os o uvintes a 
captar o c l ima e a história d a 
música. A lg uns músicos, como 
Berlioz e Lisz t, até fo rneciam 
u m pro grama escrito p ara 
exp licar à audiência a narrativ a 
pretend ida d a música. 
170 
A ULTIMA NOTA 
FOI AFOGADA 
NUMA TORRENTE 
DE APLAUSOS 
£LMS(1846), FELIX MENDELSSOHN 
E M C O N T E X T O 
FO C O 
M úsica coral sacra do 
século xix 
A N T E S 
1741 Hándel co mp õ e o oratório 
Messiah. 
1829 Felix Mend elsso hn rege 
A Paixão segundo São Mateus 
de Bac h pela p rimeira v ez 
desde a mo rte do compositor 
em 1750. 
D EPO IS 
1857 O Festiv al Hándel no 
Palácio de Cristal em Lo nd res 
inc lui a execução de Messiah 
co m u m coro de 2 mi l p esso as 
e o rquestra de quinhentas, 
criand o a v o ga de co rais muito 
grandes na Inglaterra. 
1900 Ed w ard Elgar co mp õ e 
The Dream of Gerontius -
arranjo de u m p o ema de 1866 
do card eal N e w m an - para o 
Festiv al de Música de 
Birming ham. 
A música coral co meço u a perder popularidade no século xix. O período 
clássico anunciara uma nova 
filosofia que considerava que a 
música mais pura era autónoma e 
não se referia a nad a alémdela. A 
música instrumental - em especial 
a sinfo nia - se tornara o género 
mais importante. Embo ra os 
músicos de igreja mantiv essem a 
tradição coral v iv a em certa 
medida, eram cada vez mais 
j amadores. Coros laicos co meçaram 
a florescer, mas, como não se 
tratava de artistas pro fissionais, 
esse tipo de música perdia 
prestígio , comparado a outros. Na 
ausência de mercado para música 
Ver também: Magnus líber organi 28-31 • Canticum Canticorum 46-51 • 
Vésperas, Monteverdi 64-69 'A Paixão segundo São Mateus 98-105 
ROMANTISMO 1810-1920 171 
MIDLAND RAILWAY 
CRYSTAL PALACE 
Orand Ptr/ormance 0/ Uerulsltso\a's Oratório 
Saturday, Jane 22 
MADAME ALBANI 
MB. EDWARD LLOYD 
a n t h b b | 0 0 0 h É i B 
aro, A U Q M T nuuma. 
t IQaQd ~n1 TUlit nn iM l l— A d mlMaa to I*i1tntl in: • 
coral sacra, hav ia também pouco 
incentivo a que os compositores 
escrevessem novas obras desse 
tipo. Em resultado, a música coral 
apresentada tend ia a se valer de 
obras do passado . 
A sede por oratórios 
N a Inglaterra, apresentaçõ es 
regulares de oratórios de Hándel no 
fim do século xvm marcaram o 
início de uma tendência que 
continuou no século seguinte. 
Entre as primeiras obras retomadas 
após a morte do compositor, muitas 
foram atualizadas para execuçõ es 
mais grandiosas. Em eventos 
musicais como o Festiv al dos Três 
Coros (instituído pelas catedrais de 
Hereford, Worcester e Gloucester), 
os coros po d iam ter mais de mil 
cantores - algo muito d istante das 
intençõ es o riginais do compositor. 
A Singakademie de Berlim foi 
uma das primeiras sociedades 
corais, co m amadores pagando 
Oratórios, como Elias, eram 
regularmente apresentados com enormes 
coros e solistas que atraíam multidões no 
Palácio de Cristal, em Londres e outros 
lugares da Inglaterra, na era vitoriana. 
uma soma regular para contratar 
um regente profissional e custear 
despesas de concerto . Ela começou 
como uma iniciativa educacional 
para senhoras ricas, incluiu homens 
em 1791 e daí em d iante promoveu 
concertos constantes. Fo i ali que o 
jovem Felix Mendelssohn, cujo pai 
pertencia ao coro, co nheceu as 
obras de J. S. Bach e se inspiro u a 
reger A Paixão segundo São 
Mateus, que ajudou a causar a 
retomada de Bach na A lemanha. 
Outras sociedades corais se 
espalharam pela Euro pa e A mérica, 
e a publicação de música coral se 
tornou uma ativ idade lucrativa, já 
que alguns coros precisavam de 
mais de trezentas cópias de uma 
partitura para uma só 
apresentação . 
Fo i quase certamente ao assistir 
a apresentações de oratórios de 
Hàndel em Londres nos anos 1790 
que Hay d n se inspiro u a criar uma 
obra similar em estilo clássico . A 
Criação, baseada no Génesis, foi 
publicada em 1800, curio samente 
em ed ição bilíngue, em alemão e 
inglês - provavelmente porque 
Hay d n estava de olho no mercado 
britânico , em que tinha muito 
sucesso . A Criação teve êxito 
imediato , sendo executad a em todo 
o Ocidente em v id a de Hayd n. 
Mesmo tendo outras músicas 
excluídas do repertório-padrão, 
esse oratório permanecia uma das 
obras preferidas em festivais e 
sociedades corais. 
Fo i nesse c lima cultural que 
Mendelsso hn compôs o oratório » 
Fel ix M end el s s o hn 
N asc id o nu m a família ric a 
jud ia alemã em 1809, 
M end elsso hn fo i u m a 
criança-pro d íg io . Não só se 
d isting u ia ao p iano e v io lino , 
regend o e co mpo ndo , co mo 
p intand o , esg rimind o e 
cav alg and o . A o s v inte ano s, 
reg eu u m a ap resentação de 
A Paixão segundo São 
Mateus - a p rimeira d esd e 
a mo rte de Bac h. 
Sua v isita à Ing laterra em 
1829 foi bem recebida e lhe 
causo u grand e impressão , 
resultand o em mais no ve 
longas v iag ens e co nv ites ao 
Palácio de Bucking ham. A lém 
de compor e se apresentar, 
Mend elsso hn regeu a 
Orquestra Gew and hau s de 
Leip z ig e fund o u o 
Conservató rio de Leip z ig . 
A pó s ficar doente, talvez 
devido a muito trabalho e à 
mo rte d a querid a irmã, so freu 
u m a série de d errames e 
mo rreu em 1847, aos 38 ano s. 
Outras obras importantes 
1826 A b ertura "So nho de u m a 
noite de verão ", op. 21 
1833 Sinfo nia n Q 4 em lá maior 
("Italiana") , op. 90 
1844 Co ncerto p ara v io lino em 
m i menor, op. 64 
172 MÚSICA CORAL SACRA DO SÉCULO XIX 
São Paulo em 1836. Sua 
apresentação subsequente (em 
tradução inglesa) em Liverpoo l, na 
Inglaterra, e depois nos Estad o s 
Unido s lhe valeu a reputação de 
compositor simpático à 
possibilidade de amadores to carem 
suas obras. 
Mend elsso hn regeu São Paulo 
no Festiv al Trienal de Música de 
Birming ham em 1837 e seus 
organizadores lhe p ed iram um 
novo oratório em 1846, u m ano 
antes de sua morte. O compositor 
de início recuso u o co nvite mas foi 
convencido a escrever Elias 
quando lhe prometeram tantos 
músico s quanto s quisesse. A 
apresentação teve u m a orquestra 
de 125 instrumentistas e um coro 
de 271 cantores. Os cantores até 
tentaram contratar a famo sa 
canto ra de ópera sueca Jenny 
Lind , para a qual Mend elsso hn 
tinha feito a parte soprano. Porém, 
como seria sua estreia britânica, 
ela recuso u, preferindo uma ópera 
éé 
N u n c a an te s h o u v e alg o c o m o 
e s ta te m p o rad a [...]. Co nc lu í 
m a i s m ú s i c a s e m d o is m e s e s 
q u e e m to d o o resto d o ano . 
Fel ix M endel ssohn 
f f 
para exibir suas habilid ad es 
v o cais. 
Por fim, ela cantou o papel 
soprano de Elias em Lo ndres em 
1848, após a morte de 
Mendelssohn, num concerto 
beneficente para custear a Bo lsa 
Mendelssohn, que existe até hoje. 
A própria Elias tem uma curio sa 
qualidade híbrida. Embo ra 
claramente influenciada pelo 
Barroco e insp irad a em oratórios de 
Bach e Hàndel, aind a reflete o 
período romântico inic ial em sua 
orquestração colorida e lirismo 
sutil. Há d ivisões estruturais nos 
hino s corais, como as das Paixõ es 
de Bach. A lém d isso , de modo 
d iverso a outras obras do período, 
pode-se ouvir uma variedade de 
estilos e texturas muito ampla, 
lembrando Hándel. Porém 
Mendelsso hn também usa formas 
inovadoras, como a inclusão do coro 
em certos recitativos, co m efeito 
dramático , e tenta dar unidade à 
obra ligando os movimentos e 
usando motivos recorrentes, ambo s 
recursos de sua própria era. São de 
especial interesse as fugas na 
abertura e no fínale, que 
demo nstraram claramente à 
geração romântica que essa forma 
barroca po d ia ser retomada co m 
grande efeito. 
Elias teve sucesso imediato , em 
especial na versão em inglês, e se 
tornou um requisito dos concertos 
corais ao longo do século xix. Mais 
tarde, porém, co m frequência foi 
considerado convencional d emais e 
produto de valores do auge 
vitoriano . 
Obras sacras grandiosas 
Embo ra muito s compositores não 
se interessassem por música coral, 
Hector Berlioz crio u duas d as 
obras mais grand io sas d esse tipo . 
Co m agrupamento s 
extrao rd inariamente grandes, seu 
Réquiem de 1837 e o Te Deum, 
apresentado em 1855, são 
exemplos vívidos dos excesso s do 
A lto Ro mantismo ; o Réquiem 
O profeta chama os israelitas no 
recitativo do baixo "Aproximai-vos 
todos" do oratório Elias. Esta página, 
manuscrita por Mendelssohn, é da 
partitura original de 1846 da obra. 
ROMANTISMO 1810-1920 173 
Quatro 
acordes 
fortes 
introduzem o 
d rama e a 
profecia. 
A m al d i ção 
de El i as Sopros 
de madeira e 
metal sombrios são 
usados. A s cordas 
mais brilhantes ficam 
em silêncio. 
Trítonos 
descendentes, 
indicando perigo, 
são cobertos pelo 
estampido de um 
trombone. 
Um 
rufar de 
tambor final 
transmite uma 
sensação de 
ruína. 
Elias, de Mendelssohn, começa com o profeta amaldiçoando o rei 
Acabe e os israelitas. Sua punição pelo governo corrupto e adoração 
de falsos ídolos será uma seca terrível. 
exige quatro conjuntos de metais 
nos bastidores e a partitura do Te 
Deum especif ica doze harpas. Co m 
isso , as apresentaçõ es eram - e 
aind a são - raras e d ifíceis, e essas 
obras pouco inf luenciaram o 
género . Ro ssinie outros 
co mpuseram várias cantatas, mas 
elas tend iam a ser o fuscad as pelas 
óperas, mais populares, e po ucas 
vezes eram o uvidas. Fo i Verd i que 
co nseguiu apro ximar as obras 
líricas leigas e as co rais sacras. 
Seu Réquiem foi composto em 
estilo operístico , co m enorme 
d ramaticid ad e, em esp ecial no 
Dies iiae, e hav ia partes para vo zes 
femininas numa era em que a 
Igreja Cató lica só usav a ho mens 
nos coros. A primeira apresentação 
do Réquiem o correu na Igreja de 
São Marco s de Milão , mas a 
segund a foi no La Scala. Desde 
então , as opiniões se d iv id em se é 
uma obra religio sa ou expressão 
muito mais teatral que 
sacramental. 
Um réquiem " humano" 
O Réquiem alemão de Brahms foi 
talvez a obra co ral mais singular 
d a épo ca. Fo i sua p rimeira 
co mpo sição impo rtante e lhe v aleu 
aclamação internacio nal. Ele 
ev ito u o texto de m issa do réquiem 
trad icio nal, criando o seu próprio a 
partir d a Bíblia luterana. A obra se 
co ncentra no conforto aos v iv o s, 
sem referência ao Dia do Juízo ou a 
Jesus. Brahms o co nsiderava u m 
"réquiem humano", que não se 
ligava a nenhum ponto de v ista 
teo lógico , e é talvez por isso que 
aind a seja tão executado . Escrito 
em sete grandes seçõ es, o material 
musical é firmemente o rganizado 
ao redor d as notas de abertura 
cantad as em Selig sind ("São 
abenço ado s"). Isso cria u m todo 
muito unificado , em que Brahms 
parece ter evitado usar modelos 
prévios. Obra de sutil majestade, o 
Réquiem alemão se d estaca 
agudamente d a maio ria d a música 
coral do século xix. • 
M ús i ca n a G rã- Bretanha vi tori ana 
E m meio à ino vação ind ustrial e 
à co nstrução do império , as 
artes - em esp ec ial a música -
fo ram bastante marg inal iz ad as 
no início d a era v ito riana. 
Em b o ra ho uv esse u m a cultura 
de co ncerto s flo rescente, era 
d o minad a por artistas de fo ra. 
Co m a exp ansão rápida de u m a 
c lasse méd ia rica, po rém, hav ia 
muito s amad o res - em esp ec ial 
mo ças - que p rec isav am de 
música so c ialmente aceitável 
p ara tocar. N esse ambiente, 
Canções sem palavras, de 
Mend elsso hn, co mpo sito r 
"resp eitáv el" de o rigem rica, e até 
festejado p ela rainha, se to rno u 
o nipresente. Enq uanto isso , as 
band as de metais no no rte inglês 
e os music halls nas c id ad es eram 
válvulas de escape musicais p ara 
as c lasses trabalhad o ras. A i n d a 
no século xix, a busca de 
id entid ad e cultural insp iro u os 
músico s c lássico s britânico s, 
levand o tam b ém à criação de 
co nservató rio s. Fig u ras tão 
d iv ersas como Sul l iv an e Elg ar 
surg iram d esse assim chamad o 
no vo "Renasc imento M usic al 
Inglês". 
O príncipe Alberto toca órgão para 
Mendelssohn, observado pela rainha 
Victoria. O compositor fez várias visitas 
ao Palácio de Buckingham em 1842. 
E M C O N T E X T O 
FO C O 
A ópera ital iana 
A N T E S 
1829 Ro ssini cho ca o meio 
musical ao aband o nar a ópera 
apó s sua última obra para o 
palco , Guilherme Tell, estrear 
em Paris. 
1848 O compositor Gaetano 
Do nizetti morre, treze ano s 
apó s seu co mpatrio ta Vincenz o 
Bellini, d eixand o Verd i como 
p rincip al no me d a ópera 
italiana. 
D EPO IS 
1887 Milão recebe a estreia de 
Otelo, de Verd i, su a p rimeira 
ópera desde Aida, em 1871. 
1890 A o bra-prima Cavalleris 
rusticana, do compositor 
italiano Pietro M ascag ni , 
estreia em Ro ma, introduzindo 
o naturalista e melo dramático 
estilo "verismo " d a ópera. 
AMO A OPERA 
ITALIANA - É TÃO 
DESPREOCUPADA. 
LA TRAVIATA (1853), GIUSEPPE VERDI 
N as primeiras d écad as do século xix era usual as óperas tratarem de 
tragédias dos grandes e nobres. 
Giuseppe Verd i desafiou isso , 
produzindo também óperas sobre 
pesso as co muns. 
Verd i logo obteve notável 
sucesso co m Nabucco (1842), 
basead a na história bíblica de 
Nabucodonosor n. Seu coro Va 
pensiero, em que os escravo s 
hebreus lamentam a perd a d a terra 
natal, se to rnaria depo is u m hino 
pela independência italiana. Porém 
O tenor italiano Francesco Meli 
interpreta o apaixonado de Violetta, 
Alfredo, na canção do bríndisi em uma 
produção de La traviata de 2016. Seu amor 
por Violetta envergonha a família dele. 
foi só bem mais tarde na carreira 
que ele satisfez suas ambiçõ es 
demo cráticas co m três obras-
-primas co mpo stas em rápida 
sucessão - Rigoletto (1851), II 
trovatore (1853) e La traviata (1853). 
Rigoletto trata do perso nagem 
epônimo - u m co rcund a que, 
tentando proteger a filha, provoca 
ROMANTISMO 1810-1920 175 
Ver também: A flauta mágica 134-137 • O barbeiro de Sevilha 148 -Der Freischútz 149 • Tosca 194-197 • The Wreckers 
232-239 • Peter Grímes 288-293 
sem querer sua ruína, II trovatore 
nana a história melo dramática d a 
bela Leonora, que se vê entre do is 
homens e a v ingança de uma 
cigana, e em La traviata (A mulher 
decaída) a co rtesã Vio letta 
sacrif ica seu amor e, por fim, a s i 
mesma, em prol d a so ciedade 
patriarcal que busca controlá-la. 
Essas três óperas co nfirmaram a 
ruptura de Verd i co m o que ele 
d escreveu como seus ano s de galé, 
criando obras sob med id a para a 
"indústria d a ópera". 
V ergando as regras 
Verd i co nseguiu manipular e 
subverter as co nvençõ es 
operísticas para alcançar uma 
síntese de tradição e inovação . Co m 
La traviata, ele tomou o tema de um 
romance conhecido , A dama das 
camélias, de A lexand re Dumas, e 
de modo inovador colocou a história 
em sua épo ca. Por fim, o retrato de 
uma mulher decaída na sociedade 
moderna foi considerado picante 
demais e rejeitado pela censura 
italiana, e na estreia o enredo da 
ópera foi deslocado para o século 
xvm. Mesmo assim, La traviata foi 
singular ao confrontar de modo 
ousado o tratamento hipócrita dado 
pela sociedade à mulher. 
Embo ra alguns dos números 
mais famo so s de La traviata - em 
esp ecial a canção do brindisi 
(brinde) no A to Um - tenham 
cenas de multidão, La traviata se 
d estaca por seus momentos de 
intimid ad e. Verd i nos leva ao 
mundo de sua heroína, e o foco 
revolucionário numa pro tago nista 
preparou o caminho para outras, 
como a hero ína c igana de Carmen 
(1875), de Geo rges Bizet -
perso nagem d a ópera francesa 
mas também do mundo literário 
(de uma história de Prosper 
Mérimée) e do mesmo modo 
expo sta à hip o crisia dos co stumes 
sexuais do século xix. 
Obras-primas finais 
Em suas muitas obras seguintes, 
Verd i derrubo u d iversas 
co nvençõ es d a grand opéra, como 
nas o bras-primas Don Carlos, 
co mpo sta para a Opéra de Paris 
em 1867. Aida, escrita p ara a 
éé 
C o p i ar a v e rd ad e p o d e ser 
u m a c o i sa b o a, m a s inv entá- la 
é melho r, m u i to melho r. 
G i useppe V erdi 
abertura d a no va casa de óperas 
do Cairo em 1871, marco u no 
entanto u m a p ausa para Verd i, 
descontente co m a impo rtação de 
ópera francesa e alemã na Itália. 
Ele co meço u a fo calizar outros 
aspecto s d a v id a e co mpô s pouco, 
depo is da Missa da Réquiem de 
1874, escrita em memória do poeta 
nacio nalista A lessand ro Manzo ni, 
até suas d uas p eças finais, ambas 
basead as em obras de seu amado 
Shakespeare: Otelo (1887) e 
Falstaff (1893). • 
G i useppe V erd i Verdi nasceu em Busseto, no norte 
italiano, em 1813. O pai, 
estalajadeiro de modesta 
condição, estimulou sua educação 
inicial, e um negociante rico da 
cidade, Antonio Barezzi, pagou 
seus estudos em Milão. 
Em 1836, Verdi se casou com a 
filha de Barezzi, mas ela e os dois 
filhos deles morreram quatro anos 
depois. Apesar da tragédia, a 
carreira de Verdi começou a 
deslanchar. Seu grande avanço 
veio com Nabucco, em 1842. Na 
década seguinte, produziu treze 
óperas. Nos anos 1850, tornou-se o 
compositor de óperas de maior 
sucesso da época e dali em 
diante sua música foi 
encampada pelo movimento 
nacionalista Risorgimento. 
Em 1859, casou-se com a 
soprano Giuseppina Strepponi, 
com quem ficou até a morte 
dela, em 1897. Verdi morreu 
quatro anos depois, em 1901. 
Outras

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