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Texto fixado conforme as regras do Acordo
Ortográfico da Língua Portuguesa (Decreto
Legislativo nf i 54, de 1995).
Todos os direitos reservados Nenhuma parte
desta edição pode ser utilizada ou reproduzida
— em qualquer meio ou forma, seja mecânico ou
eletrônico, fotocópia, gravação etc. — nem
apropriada ou estocada em sistema de banco de
dados sem a expressa autorização da editora.
Publicado originalmente na Grã-Bretanha
em 2019 por Dorling Kindersley Limited, 80
Strand London, WC2R ORL. Parte da
Penguin Random House.
Título original: The Clássica! Music Book
1-edição. 2019
Impressão e acabamento
Ipsis
Copyright © Dorling Kindersley Limited, 2019
Copyright da tradução © Editora Globo S A..
2019
UM M UNDO D E IDEIA S
www.dk.com
CIP-BRASIL CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS. RJ
C674L
Collisson, Steve
O livro da música clássica / Steve Collisson , ilustração James Graham ; tradução
Mana da Anunciação Rodrigues. - 1 . ed. - Rio de Janeiro : Globo Livros, 2019.
352 p.: il. (As grandes ideias de todos os tempos)
TYadução de: The classical music book
Inclui Índice
ISBN 9786580634026
1. Música - História e crítica. 2. Classicismo na música. I. Graham, James. II.
Rodrigues. Mana da Anunciação III Titulo IV. Série
19-58194 CDD: 780.9033
CDU: 78.0302
Vanessa Mafra Xavier Salgado - Bibliotecária - CRB-7/6644
http://www.globolivros.com.br
http://www.dk.com
COLABORADORES
DR. STEVE COLLISSON, CONSULTOR
Violoncelista, palestrante e examinador britânico, o dr. Steve Collisson
foi professor do Royai Birmingham Conservatoire, da Universidade de
Birmingham e da Open University. Integrou o júri de muitos festivais e
concursos, entre eles a competição BBC Young Musician.
LEVON CHILINGIRIAN
Fundador, com o pianista Clifford Benson, do Quarteto Chilmgirian, o
renomado violinista Levon Chilingirian se apresenta no mundo todo e
dá aulas na Royai Academy of M usic e na Guildhall School of Music &
Drama de Londres.
MATTHEW 0'DONOVAN
Diretor de Música A cadémica no Eton College, no Reino Unido,
Matthew 0'Donovan escreve amplamente sobre música. É também
membro fundador do grupo vocal Stile Antico e arranjador com
trabalho publicado.
GEORGE HALL
Ex-editor da Decca e dos BBC Proms, George Hall é crítico musical em
período integral. Ele escreve para várias publicações de música do
Reino Unido, como Music Magazine, da BBC, The Stage e Opera.
MALCOLM HAYES
Compositor, escritor e radialista, Malcolm Hayes escreveu biografias de
Anton Webern e Franz Liszt e editou The Selected Letters of William
Walton. Seu Concerto para violino estreou nos BBC Proms em 2016.
MICHAEL LANKESTER
Formado no Royai College of Music, Michael Lankester fez carreira
internacional como regente É diretor musical da Hartford Symphony
Orchestra de Connecticut e regente-residente da Pittsburgh Symphony
Orchestra.
KARL LUTCHMAYER
Pianista de concertos internacional, Karl Lutchmayer é professor no
Trinity Laban Conservatoire de Londres e palestrante convidado de
várias escolas de música, como a Juilliard e a Manhattan School.
KEITH MGGOWAN
Grande conhecedor de música, Keith M cG owan tem trabalhado com a
maioria dos principais grupos de música tradicionais de Londres e foi
mestre de música de várias produções no Shakespeare's Globe, em
Londres.
KUMI0GAN0
Professora associada adjunta de música no Connecticut College, Kumi
Ogano é instrumentista abalizada da obra dos compositores japoneses
Toru Takemitsu e A kira Miyoshi.
SOPHIE RASHBR00K
Sophie Rashbrook compõe e apresenta música clássica na Sinfonia
Cymru. de Gales, e no Royai College of Music, de Londres.
DRA, CHRISTINA L. REITZ
Professora associada de música na Western Carolina University, na
Carolina do Norte, a dra. Chnstina L. Reitz ministra cursos de história
da música e de música americana.
TIM RUTHERFORD-JOHNSON
Professor do Goldsmiths College, na Universidade de Londres, Tim
Rutherford-Johnson escreve na internet sobre música contemporânea e é
autor de Music after the Fali: Modern Composition and Culture since 1989.
HUGO SHIRLEY
Jornalista e critico de música estabelecido em Berlim, Hugo Shirley é
colaborador regular das revistas Gramophone e Opera.
KATIE DERHAM, APRESENTAÇÃO
Apresentadora dos programas Sound of Dance e In Tune da BBC Radio 3,
Katie Derham é uma das vozes mais conhecidas da estação. É o rosto
dos BBC Proms desde 2010 e apresenta o programa semanal de notícias
Proms Extra durante a temporada. Katie também está à frente de
documentários de televisão como The Girl from Ipanema: Brazil, Bossa
Nova, and the Beach, da BBC, e dos programas AH Together Now: The
Great Orchestra Challenge e Fine Tuned. Em 2015 foi finalista de
Strictly Come Dancing e, em 2017, venceu o Christmas Special.
6
SUMÁRIO
12 INTRODUÇÃO
MÚSICA ANTIGA
1000-1400
22 A sal modia é a arma do
monge
Canto chão , anó nimo
24 Ut, ré, mi , fá, sol , lá
Micrologus,
Guid o d 'A rezzo
26 D eví amos entoar sal mos
com u m saltério de dez
cordas
Ordo virtutum,
Hild eg ard a de Bing en
28 Cantar é orar duas vez es
Magnus líber organi,
Léo nin
32 Tandaradei , cantou doce o
rouxinol
Le Jeu de Robin et de Marion,
A d a m de la Halle
36 A músi ca é u m
conhecimento que faz rir,
cantar e dançar
Missa de Notre-Dame.
Guil laume de M achaut
RENASCIMENTO
1400-1600
42 N em u m a só composi ção
anterior aos úl timos
quarenta anos [...] merece
ser ouvida
M i ssa LHomme armé,
Guil laume Dufay
43 Língua, proclame o
mistério do corpo glorioso
M i ssa Pange língua,
Jo sq u in Desprez
44 O uça a voz e a oração
Spem in alium,
Tho m as Tal l is
46 O eterno pai da músi ca
ital iana
Canticum Canticorum,
Gio v anni d a Palestrina
52 Es s a é a natureza dos
hinos - eles nos f azem
querer repeti- los
Great Service,
W il l iam By rd
54 Todas as árias e madrigais
[...] sussurram suavidade
O Care, Thou Wilt Despatch
Me,
Tho m as Weelkes
55 O f estim [...] maravi l hou e
assombrou todos aqueles
estranhos, que nunca
ouviram algo igual
Sonata piarí e forte,
Gio v anni Gabriel i
56 A corde, meu alaúde!
Lachrimae,Jo hn Do w land
BARROCO
1600-1750
62 U m a das diversões mai s
magníf icas e caras
Eurídice,
Jaco p o Peri
64 A músi ca deve emocionar
todo o ser
Vésperas,
Cláudio Mo ntev erd i
70 Lul l y é merecidamente
digno do título de príncipe
dos músi cos f ranceses
O burguês fidalgo,
Jean-Bap tiste Lul ly
72 El e tinha u m talento
especial para expressar
a energia das pal avras
inglesas
Dido and Aeneas,
Henry Purcell
78 O sentido das igrejas não
é o vocif erar dos coralistas
Ein feste Burg ist unser Gott,
Dieterich Buxtehud e
7
80 O novo O rf eu de nosso
tempo
Concerti grossi, op. 6,
A rcâng elo Co relli
82 A uni ão dos esti los
f rancês e i tal iano deve
l evar à perf ei ção mus i cal
Pièces de clavecin,
Franço is Co u p erin
84 O s ingl eses gostam de
algo e m que p o s s am
marcar o tempo
Water Music,
Geo rg Fri e d ri c h Hánd el
90 N ão espere i ntenção
prof unda, mas u m
gracejo engenhoso
com arte
So nata em ré meno r,
K. 9 "Pasto ral" ,
Do mênico Sc arlatti
92 A p ri mav era chegou,
e com el a a al egria
As quatro estações,
A nto nio V i v al d i
98 O objetivo de toda mús i ca
deveri a ser apenas a
gl ória de D eus
A Paixão segundo São
Mateus,
Jo h an n Seb astian Bac h
106 T e l e m an n es tá aci ma
de todo elogio
Musique de tabie,
Geo rg Phi l ip p Te l e m ann
107 T i n h a todo o co ração
e a al m a e m seu cravo
Hippolyte et Aricie,
Jean- Phi l ip p e Ram e au
108 Bach é como u m astrónomo
que [...] descobre as
estrelas mais maravilhosas
A arte da fuga,
Jo hann Sebastian Bach
CLASSICISMO
1750-1820
116 Seu forte é como u m
trovão, o crescendo é
como u m a catarata
Sinfo nia em m i bemo l maior,
op. 11, n 2 3 ,
Jo hann Stamitz
118 O ato mai s comovente
de toda a ópera
Orfeu e Eurídice,
Christo p h W ill ibald Gluck
120 D evemos tocar com a
al ma, não como pássaros
treinados
Co ncerto p ara flauta em lá
maior, W q 168,
Carl Philip p Em anu e l Bac h
122 Fu i f orçado a me tornar
original
Quarteto de co rd as em dó
maior, op. 54, n 2 2, Ho bo ken
m:57, Jo sep h H ay d n
128 Seu enorme génio elevou
M ozart aci ma de todos os
mestres
Sinfo nia n 2 40 em so l menor,
K550,
Wo lfgang A m ad eu s Mo z art
132 O objetivo do piano é
substituir toda u m a
orquestra por u m artista
So nata p ara p iano em fá
sustenid o menor, op. 25, n 2 5,
Muz io Clementi
134 Pelo poder da música,
andamos alegres através
da noite escura da morte
A flauta mágica,
Wo lfgang A m ad eu s Mo z art
138 V i vo somente em mi nhas
notas
Sinfo nia n 2 3 em m i bemo l
maior, "Ero ica", op. 55,
Lu d w i g v an Beetho v en
ROMANTISMO
1810-1920
146 O viol inista é aquele
f enómeno pecul iarmente
humano [...] meio tigre,
meio poeta
24 cap richo s p ara v io lino solo,
op. 1, Nicco lò Pag anini
148 D ê- me a l ista da
l avanderia e eu a
musicarei
O barbeiro de Sevilha,
Gio achino Ro ssini
149 A músi ca na verdade
é o próprio amor
Der Freischútz,
Carl M aria v o n Weber
8
150 N i nguém sente a dor de
outro. N i nguém entende a
alegria de outro
Die schòne Múllerin,
Franz Schubert
156 A músi ca é como u m
sonho. U m que não
consigo ouvir
Quarteto de co rd as n'J 14 em
dó sustenid o menor, op. 131,
Lu d w i g v an Beetho v en
162 A i nstrumentação é o que
conduz a marcha
Sinfonia fantástica,
Hecto r Berlio z
164 A simpl icidade é a
conquista def initiva
Prelúdios,
Frédéric Cho p in
166 M i nhas sinf onias teriam
chegado ao opus 100 se eu
as tivesse escrito
Sinfo nia n Q 1, a sinfo nia
"Primav era",
Ro bert Sc hu m ann
170 A úl tima nota foi afogada
numa torrente de aplausos
Elias,
Felix Mend elsso hn
174 A mo a ópera i tal iana - é
tão despreocupada. . .
La traviata, Giusep p e Verd i
176 A quel e que segura o
diabo, que o segure b em
Sinfonia Fausto, Franz Li sz t
178 E os dançari nos rodavam
alegres nos labirintos
vertiginosos da val sa
Danúbio azul,
Jo hann Strauss n
179 V i vo na músi ca como u m
peixe na água
Co ncerto p ara p iano n° 2 em
so l menor,
Camil le Saint-Saèns
180 A ópera deve f azer as
pessoas chorar, sentir
horror, morrer
O ciclo do anel,
Ric hard Wagner
188 El e [...] v e m como se
enviado direto por D eus
Sinfo nia n° 1,
Jo hannes Brahm s
190 A s notas d ançam lá em
ci ma no palco
O quebra-nozes,
Pio tr Ilitch Tc haiko v ski
192 U m a sinf onia tem de ser
como o mundo, tem de
conter tudo
Assim falou Zaratustra
Ric hard Strauss
194 A arte emocional é u m
tipo de doença
Tosca, Giaco mo Pu c c in i
198 Se u m compositor pudess
dizer o que quer em
palavras, não se
incomodaria em dizer em
músi ca
Das Lied von der Erde,
Gustav Mahler
NACIONALISMO
1830-1920
206 M i nha pátria signif ica
mai s para m i m que
qual quer outra coisa
A noiva vendida,
Bed f i c h Smetana
207 M ússorgski tipif ica o
génio na Rússia
Quadros de uma exposição,
Mo d est Petróvitch
Músso rgski
208 Tenho certeza que em
mi nha músi ca há u m
sabor de bacal hau
Peer Gynt, Ed v ard Grieg
210 Eu queria f azer algo
diferente
Péquiem, Gabriel Fauré
212 A músi ca do povo é como
uma flor rara e adorável
Sinfo nia n e 9, A nto nin Dvorák
216 Sinto u m a f orça indómita
O guarani,
A ntô nio Carlo s Go mes
218 A arte da música, mai s
que todas as outras, é a
expressão da al ma
The Dream of Gerontius,
Ed w ard Elg ar
220 Sou u m escravo de meus
temas, e me submeto a
suas exi gênci as
Finlândia, Jean Sibelius
9
222 M úsica espanhol a com
sotaque uni versal
Ibéria, Isaac A lbéniz
223 U m labirinto maravi l hoso
de habil idade rí tmica
El sombrero de tres picos,
M anuel de Falia
MODERNISMO
1900-1950
228 V o u ver a somb ra que
v o cê se tornou
Prélude à laprès-midi d'un
faune, Claud e D eb ussy
232 Q uero que as mul heres
vol tem a mente para
obras grandes e dif íceis
The Wreckers, Ethe l Sm y th
240 O público não deveria ter
ouvidos compl acentes
Pierrot lunaire, op. 21,
A rno ld Scho enberg
246 N ão entendi u m compasso
de músi ca em m i n h a
vi da, mas a senti
A sagração da primavera,
Igor Strav insky
252 E voando cada vez mai s
alto, nosso val e é seu
cál ice dourado
The Lark Ascending,
Ralp h V au g han W i l l iam s
254 Levante- se e as s uma
sua di ssonânci a como
u m ho mem
Sinfo nia n a 4,
Charles Ed w ar d Iv es
256 N unca escrevi u m a nota
s em i ntenção
Parade, Eri k Satie
258 A vi da é muito como o
jazz [...] é melhor quando
se improvisa
Rhapsody in Blue,
Geo rge G e rshw i n
262 U m a extravaganza louca
na beira do abismo
Les Biches, Franc is Po ulenc
263 Trago o espírito j uveni l de
m i n h a terra, com músi ca
j ovem
Sinfonieta, Leo s Janácek
264 M usical mente, não há u m
centro único de gravidade
nesta obra
Symphonie, op. 21,
A nto n v o n Webern
266 O único caso de amor que
tive foi com a músi ca
Concerto para piano para a
mão esquerda, M auric e Rav el
268 Só a ciência pode inf undir
vigor j uveni l à músi ca
Ionisation, Ed g ard Varèse
270 U ma nação cria músi ca.
O compositor só a arranja
Quarteto de co rd as n° 5,
Béla Vikto r Jáno s Bartó k
272 Detesto imitação. D etesto
recursos banais
Pomeu e Julieta,
Serguei Prokófiev
273 A música bal inesa
manteve a vitalidade
rítmica primitiva e jubilosa
Tabuh-Tabuhan,
Co lin M c Phee
274 A verdadeira músi ca
sempre é revol ucionária
Sinfo nia n" 5 em ré menor, op.
47, Dmítri Cho stakó v itch
280 M i nha músi ca é natural ,
como u m a queda- d' água
Bachianas brasileiras,
Heitor Villa-Lo bo s
282 N unca f ui ouvido com tão
enl evada atenção e
compreensão
Quarteto para o Bm do tempo,
Oliv ier M essiaen
284 D evo criar ordem a partir
do caos
A Child oí Our Time,
Michael Tip p ett
286 A músi ca é tão b em tecida
[...] que l eva com mão
muito forte a seu próprio
mundo
Appalachian Spring, A aro n
Co p land
288 Compor é como dirigir
numa estrada com nebl ina
Peter Grimes,
Benjamin Britten10
MÚSICA
CONTEMPORÂNEA
298 O s sons são o vocabul ário
da natureza
Symphonie pour un homme
seul,
Pierre Schaeffer/ Pierre Henry
302 N ão entendo por que tê m
medo de ideias novas. Eu
tenho medo das vel has
4'33", Jo hn Cag e
306 El e mudou nossa visão de
tempo e f orma musicais
Gruppen,
Karlheinz Sto ckhausen
316 E m música [...] as coisas
não melhoram nem pioram:
evoluem e se transf ormam
Sinfonia, Luc iano Berio
318 Se me contar u m a
mentira, que seja u m a
mentira pra val er
Eight Songs for a Mad King,
Peter M ax w e l l Dav ies
320 O processo de trocar
pausas por batidas
Six Pianos,
Stev e Reich
321 N ós es táv amo s tão
adiante [...] porque todos
os outros f icaram tão atrás
Einstein on the Beach,
Phil ip Glass
[ 324 V ul cânico, expansivo,
deslumbrante - e obsessivo
Études, Gyò rgy Lig eti
325 M i nha músi ca é escrita
para ouvidos
LAmour de loin,
Kaija Saariaho
326 A z u l [...] como o céu. O nde
se el evam todas as
possibil idades
blue cathedral,
Jennifer Hig d o n
328 A músi ca usa blocos de
construção simpl es e
cresce organicamente
a partir deles
In Seven Days,
Tho m as A d ès
308 O papel do músi co [...] é a
eterna experi mentação
Pithoprakta, Iannis Xenakis
309 A co munhão íntima com
as pessoas é o al imento
natural de todo o meu
trabalho
Spartacus,
A r a m Khatc haturian
310 Fu i atingido pela carga
emocional da obra
Trenodia para as vítimas de
Hiroxima,
Krzysz to f Pend erecki
312 Se você se torna u m ismo,
o que faz está morto
In C, Terry Riley
314 Q uero entalhar [...] u m
tom doloroso único tão
intenso como o próprio
silêncio
November Steps,
To ru Takem itsu
322 Es s e deve ser o primeiro
f im da arte [...]
transf ormar- nos
Apocalypsis,
R. Murray Schafer
323 Eu poderia co meçar do
caos e criar ordem nele
Q uarta sinfo nia,
Wito ld Lu to slaw ski
329 Es s e é o âmag o de q uem
somos e do que
precisamos ser
AUeluia, Er i c W hitacre
330 OUTROS
COMPOSITORES
340 GLOSSÁRIO
344 ÍNDICE
351 CRÉDITOS DAS
CITAÇÕES
352 AGRADECIMENTOS
11
APRESENTAÇÃO
A música tem certa magia. Pode transportar-nos a u m
mundo diferente, fazer-nos dançar ou lembrar pesso as
queridas que perdemos. Um simples acorde pode nos
levar às lágrimas. Lo nge de ser reserva exclusiva da
elite, a música hoje comumente chamad a de clássica,
que propiciou prazer e inspiração no mundo ocidental
durante a maior parte dos últimos mi l anos, co ntinua a
deliciar os ouvintes. Ela desperta emo çõ es em nossos
filmes favoritos; sua massa sinfónica aumenta a
dramaticidade da ação em jogos de computador; e ela
se esconde na estrutura e nas melodias das músicas
populares do d ia a d ia. Sua magia é de u m tipo muito
especial, e cresceu e evo luiu ao longo dos séculos,
moldada pela política, geografia, religião - e pelo génio
particular de uma profusão de grandes compositores.
À s vezes basta ouvir e d eixar a música envolver-nos
sem perguntar por quê, quando , ou onde ela se
originou. Porém o conjunto de obras d a música
clássica pode parecer intimid ad o ramente vasto ,
abrangendo muito s estilo s e género s d iferentes. Por
exemplo , a música antiga d a Igreja med iev al -
canto chão e canto - é u m mundo sô nico d istante d as
cataratas de so m criad as pelas o rquestras sinfó nicas
do século xix, usad as por compositores românticos
como Tchaikóvski e Brahms, ou do exp erimentalismo
atonal de Schoenberg, no início do século xx. Por
vezes, explorar universo s sonoros novos pode causar
estranhamento ou mesmo um pouco de desconforto ,
pretendido pelo próprio compositor.
Co m este livro você descobrirá o contexto das grandes
obras musicais dos últimos mil anos. Entender quem
eram os compositores e por que eles co mpunham pode
ser revelador e acrescentar uma nova camad a ao
desfrute e compreensão do ato de ouvir. Um a obra
familiar como As quatro estações, de Viv ald i, ganha
nova resso nância quando se aprende que Viv ald i
demonstrou pela primeira vez o verdadeiro potencial
d a forma concerto e que sua fama correu d a Itália à
A lemanha, onde inspiro u u m jovem organista
chamado Jo hann Sebastian Bach.
Talv ez você saiba que Beetho ven ficou surdo no fim
d a v id a, mas co nhecer quais de suas obras ele
co mpô s sem nunca ouvi-las dá u m sentido pro fundo
à experiência d a audição , aumentando o deslumbre.
Perceber que Mo zart era realmente u m pop star do
século xvm pode convencê-lo a dar uma no va chance
a O casamento de Fígaro. Poder, patrocínio e censura
d esemp enharam cad a u m seu papel na génese de
alg umas d as mais amad as obras musicais. Como
vo cê descobrirá, os d ramas e escând alo s d a v id a real
muitas vezes aco mp anhav am a d ramaturg ia musical
no palco e nas partituras.
Esses são os mundos que o livro que você está prestes
a ler o convida a explorar. Ele será um companheiro
inestimável numa jornada por diferentes períodos da
história musical, aprofundando seu conhecimento e sua
apreciação de algumas das maiores obras de música
c lássica. Ele deliciará aqueles que já am am a
música c lássica mas talv ez nu nc a tenham, até
hoje, tido acesso aos elemento s que co mp õ em o
vo cabulário e a teo ria music ais. E, melhor que
tudo , irá, espero , estimular horas infindáveis de
novas audições.
A música clássica, como toda música, tem a paixão
em seu cerne. É por isso que as grandes obras do
passado perduram há século s, os compositores atuais
aind a lutam para igualar sua beleza, e milhõ es
de nós, hoje, amamo s to cá-las, o uvi-las e ser
transpo rtado s por elas. Há tanta música marav ilho sa
e apaixo nante lá fora - d eixe que este livro abra seus
olhos e seus ouvidos para ela.
14 INTRODUÇÃO
Parte v ital d a cultura humana desde pelo menos o Neolítico, a música tem sido
u m traço de todas as civilizações,
como mostram as pinturas
rupestres, os afrescos e a
arqueologia. O que é genericamente
referido como "música clássica" é a
música da civilização ocidental que
evoluiu d a época medieval até o
presente. Em sentido amplo, cobre
u m vasto espectro e não só a
música orquestral ou de piano, como
muitos imaginam. Este livro mostra
seu desenvolvimento como parte
essencial da cultura europeia,
espalhando-se pelo mundo,
deliciando, surpreendendo e por
vezes desconcertando o público, ao
evoluir com os séculos.
Saltos ousados
O desenvo lvimento de uma tradição
musical da música de Igreja
med ieval e dos trovadores da corte
à vanguard a do século xxi, foi
muitas vezes gradual, mas também
pontuado por inovações
empolgantes. A s primeiras óperas,
montadas no fim do século xv i, por
exemplo, revo lucionaram a música
sagrada e também a profana; a
sinfo nia "Ero ica" de Beetho ven
chocou as plateias do início do
século xix co m sua estrutura
inovadora e o descaso pelas
convenções clássicas; já A sagração
da primavera, de Igor Strav insky,
atordoou os que assistiram à sua
estreia em Paris cem anos depois.
Esses saltos definiram os principais
períodos da música clássica -
Música A ntiga, Renascimento ,
Barroco, Classicismo , Romantismo,
Nacionalismo, Modernismo e Música
Contemporânea - , embora essas
sejam distinções amplas, com estilos
diferentes dentro de cada uma, e as
fronteiras não sejam nítidas.
O papel da Igreja
Como outras formas de arte, a
música foi moldada por influências
externas, além de indivíduos
brilhantes. A primeira delas foi a
éé
A música é o ato social de
comunicação entre pessoas,
um gesto de amizade, o mais
forte que existe.
M alcolm Arnold
f f
Igreja. A música clássica ocidental
nasceu numa Euro pa dominada pela
Igreja. Além de deter considerável
poder político, o clero supria a única
fonte de aprendizado da sociedade.
Para os instruídos, a música era
parte do culto, e não diversão. Era
entoada por monges sem
acompanhamento instrumental.
A Arte Nova
Por centenas de anos, a Igreja
resistiu a mudar o canto simples de
textossagrados, com subid as e
descidas representadas em
manuscrito s por neumas (marcas
inclinadas). Por fim, novas ideias
abriram caminho . Co m a invenção
de um sistema de notação por
Guido d A rezzo , monge italiano do
século ix, os co ralistas co meçaram
a cantar harmo nias simples nas
músicas. Mais tarde, eles as
embelezaram co m outras melodias,
criando a polifonia, u m novo som
que, no século xiv, foi saudado
como a A rs Nova, a "A rte Nova". Os
compositores logo intro duziram
outras inovações, como o
aco mpanhamento de órgão. A Igreja
começou a perder o controle sobre a
música e a cultura em geral, um
processo favorecido pelo nascimento
de um novo movimento cultural, o
Renascimento . Conforme
desaparecia o tabu d a música
INTRODUÇÃO 15
profana, a expressão dos
compositores se tornava mais livre e
sua música se espalhou pela Europa,
em especial após a invenção de um
método de impressão e, portanto, de
distribuição da música. Não mais
controlados pela Igreja, os músicos
buscaram trabalho nas cortes
aristocráticas da Itália, França,
Inglaterra e Países Baixo s, onde
alcançaram ganhar a v id a
oferecendo entretenimento.
Os religiosos, porém, ainda
detinham poder, e após a Reforma
um estilo musical mais austero se
impôs nas igrejas protestantes do
norte europeu, e mesmo as
autoridades católicas buscaram
moderar a complexidade da polifonia.
Os compositores desenvolveram
então um estilo harmónico mais
simples, porém mais expressivo . A s
Vésperas (1610), de Monteverdi,
abriram novo campo para a música
sacra incorporando elementos desse
emocionante novo estilo.
Explosão musical
Pela mesma época, em Florença, um
grupo de intelectuais chamado
Camerata de' Bardi apresentou um
novo entretenimento que combinava
música e teatro, criando a ópera. Foi
um sucesso nas cortes aristocráticas,
que continuavam a patrocinar
compositores e artistas, e a demanda
crescente também do público por
ópera e música em geral levou ao
investimento em casas de ópera,
salas de concertos e teatros públicos.
Conforme o Barroco evoluía,
compositores como J. S. Bach e
Georg Fried rich Hándel criaram
obras de complexidade crescente,
aproveitando as orquestras
fornecidas por seus mecenas
aristocráticos. A música do A lto
Barroco foi especialmente
expressiva, muitas vezes
embelezada co m trinados e outros
ornamentos, às vezes de u m
v irtuo sismo deslumbrante.
Por algum tempo o público afluiu
aos concertos para ouvir as últimas
peças para orquestra, óperas e obras
corais, mas co m o surgimento do
Iluminismo , a Idade da Razão, as
tendências mudaram. Subitamente
houve uma demanda por música
mais elegante, que enfatizasse o
equilíbrio e a clareza, levando ao
período clássico , de onde a "música
clássica" derivou seu nome.
Em pouco tempo, os
compositores clássicos, como
Mozart, Hayd n e Beethoven,
fixaram as formas musicais que são
a base dos repertórios de concerto
modernos, como a sinfo nia de
quatro movimentos, o concerto solo
e o quarteto de cordas. A música
também se tornou popular nos lares
à med id a que a crescente classe
méd ia obtinha tempo de lazer e os
instrumento s musicais, como o
piano, se to rnavam mais acessíveis.
O período romântico
A pesar de sua influência duradoura,
o período clássico deu lugar a u m
novo movimento cultural quase ao
nascer. O Romantismo, co m sua
ênfase no indivíduo, varreu a
Europa, e a expressão ganhou
precedência sobre a clareza. Os
compositores levaram as formas
clássicas ao limite na pesquisa por
novos sons. Eles buscavam fontes de
inspiração extramusicais, na arte,
na literatura, nas paisagens e na
experiência humana.
O Ro mantismo foi em essência
u m movimento alemão, embora a
ênfase no indivíduo tenha levado
a uma onda de compositores »
Que paixão não pode a música
despertar e sufocar...
John Dryden
16 INTRODUÇÃO
f L +j£
nacio nalistas, que buscav am
d istanciar-se do domínio austro -
-húngaro do ancien régime musical
e defend iam a música de cada
nação . Compositores russos e
tchecos p assaram a integrar temas
e elementos de música folclórica
nas obras, tendência explorada
depois por compositores de outras
partes da Euro pa.
No fim do século xix, os excessos
do Romantismo alemão precipitaram
uma ruptura nas próprias fundações
da música ocidental, baseada nas
harmonias das escalas maiores e
menores. No século seguinte, os
compositores passaram a buscar não
só um estilo original mas uma
linguagem musical totalmente nova.
Duas das muitas tendências que
emergiram foram especialmente
influentes: o serialismo de doze
notas, sistematizado por Arnold
Schoenberg e aperfeiçoado por Pierre
Boulez, e a aleatoriedade - em que o
acaso tinha papel na composição ou
execução da música.
Novas influências
Esses experimento s musicais
co incid iram co m a evolução do jazz
e mais tarde a explosão da música
pop e do rock, cuja batida rítmica
tinha apelo instantâneo , fazendo as
plateias se afastarem dos sons
estranhos d a nova música clássica
e mesmo da música clássica em
geral. A p esar disso , a música
popular também influenciou e
inspiro u os compositores clássicos,
produzindo uma fertilização
cruzada de ideias que deu nova
v id a às formas clássicas, ao lado do
aproveitamento da tecno logia
moderna. Compositores como
Karlheinz Sto ckhausen exploraram
o po tencial do estúdio eletrônico e
dos enormes avanços dos
equipamentos de gravação .
Hoje, alguns compositores, mais
conscientes do gosto do público ,
escrevem num estilo mais acessível
que cinquenta anos atrás, mas
co ntinuam a experimentar,
produzindo música que incorpora
vídeo, teatro e influências globais.
Os elementos da música
Para entender as ideias e inovações
descritas neste livro , é útil
familiarizar-se co m os elementos de
construção d a música clássica
ocidental, muitos dos quais foram
idealizados por monges med ievais,
a partir de conceitos formulados
pelos gregos antigos. A s notas são o
material fundamental de toda
música, cantada ou tocada. A altura
de uma nota individual, mais grave
ou mais aguda, em especial em
relação a outras, é representada por
uma letra (A para indicar o lá, B para
o si, C para o dó e assim por diante),
às vezes modificada por "acidentes"
(sustenido ou bemol) que sobem ou
descem a nota em um semitom. Na
maior parte da história da música
clássica, as melodias (padrões de
notas) foram compostas com notas
das escalas maior e menor, que
ajudam a determinar o espírito de
uma peça musical. A escala também
rege a harmonia, em que duas ou
mais notas são tocadas juntas.
Certas combinações de notas -
acordes - são consoantes, ou
harmoniosas, e outras mais
dissonantes, ásperas; os acordes
maiores tendem a soar mais
luminosos, enquanto os menores são
mais tristes.
Uma característica dos períodos
barroco, clássico e romântico era o
éé
O ritmo e a harmonia abrem
caminho para os lugares
internos da alma.
Platão
f f
INTRODUÇÃO 17
sistema de tonalidade maior-menor,
em que uma nota principal,
chamad a tónica, é o centro
gravitacio nal ao redor da qual a
composição gira - d istanciando -se
da tónica para criar tensão e
aproximando -se para resolvê-la.
Formas musicais
Diferentes estilos de música
enfatizam aspecto s particulares de
sua estrutura. A lg uns se
co ncentram na melodia, talvez co m
aco mpanhamento harmónico , como
foi co mum no início do Barroco ;
outros empregam o contraponto - o
entrelaçamento de duas ou mais
melodias numa forma complexa de
polifonia que é uma das
características definidoras d a
música clássica ocidental.
A forma de uma peça também é
importante: ela pode compreender
partes diferentes reconhecíveis,
talvez em escalas contrastantes. Por
exemplo, numa forma simples ABA,
uma ideia musical é apresentada,
seguida de uma segunda, e então a
ideia de abertura é repetida. A s
formas musicais vão de cançõ es
simples, como os Lieder,
popularizadospor Franz Schubert e
Robert Schumann, à complexidade
de uma sinfonia de vários
movimentos. Para os ouvintes, a
diferença mais notável entre uma
música renascentista e uma sinfonia
totalmente desenvolvida do século
xix é o som da voz e/ ou dos
instrumentos. A o longo da história,
novos instrumentos foram inventados
e os antigos aperfeiçoados, dando aos
compositores e músicos novos sons
com que trabalhar. Cada instrumento
tem um timbre distintivo, e diferentes
combinações de instrumentos e
vozes se desenvolveram com o
tempo. Elas vão da cappella (voz sem
acompanhamento), passando por
instrumentos solo, como o piano, e
pequenos grupos de câmara, como o
quarteto de cordas, à orquestra de
concerto completa, com mais de
setenta instrumentistas de cordas,
madeiras, metais e percussão, e -
desde os anos 1950 - tecnologia
eletrônica.
éé
Foi-se o tempo em que a
música era escrita para
meia-dúzia de estetas.
Sergei Prokofiev
f f
Este livro
Co mo os compositores juntaram
esses elementos para desenvo lver
d iferentes géneros de música
clássica, quais os fatores que os
influenciaram? É o que este livro
exp lica, apresentando marco s d a
histó ria d a música clássica
o cidental: não só os grandes
compositores e suas obras, mas
alg umas d as figuras menos
co nhecid as cuja música
exemplifica um estilo ou período.
Eles estão arranjados em ordem
cronológica, situando -o s num
co ntexto histórico mais amplo
para mostrar como refletem a
so ciedade e a cultura.
Cad a capítulo enfoca uma obra
que ilustra um desenvo lvimento
particular d a música, d iscutindo
seus traços mais destacados e sua
significação em relação a outras
p eças do mesmo compositor ou
estilo . A co luna lateral " Em
contexto" e a seção "Ver também"
trazem referências cruzad as a
outras obras musicais relevantes
para a que está em d iscussão .
Como nem todos os maiores
compositores, sem falar em todas
as grandes obras, po d iam ser
apresentados, a seção "Outros
artistas", no fim do vo lume, traz
detalhes sobre outros nomes
importantes e suas obras.
20 INTRODUÇÃO
O papa Gregório i
reúne as tradições
de cantochão de
toda a Igreja na
tentativa de
unificá-las.
A
O rei dos francos Carlos
Magno instrui seus músicos
a usar as nuances dos
cantores romanos, liderando
o desenvolvimento da
notação neumática
A
Publicada a obra
anónima Musica
enchiríadis, a primeira a
nomear notas (ou
alturas) musicais com
as letras A a G.
A
A peça musical O/ do
virtutum, de Hildegarda
de Bingen, representa
uma guerra entre as
Virtudes e o Demónio pela
alma humana.
c. 600 c. 800 c. 875 c. 1151
c. 750
I
O canto gregoriano,
síntese dos cantos
romano e galicano, é
encomendado pelos
regentes carolíngios
franceses.
c. 850
O desenvolvimento da
sequência, texto
associado a uma melodia
cantada particular da
missa latina, redefine a
música litúrgica.
c. 1026
i
Guido d'Arezzo
escreve o tratado
Micrologus,
dedicando-o a Tedaldo,
bispo de Arezzo, na
Toscana, Itália.
A música que chamamo s hoje de clássica ocidental evo luiu a partir d a
praticada na Igreja med ieval
europeia, que por sua vez tem
raízes na música religiosa judaica e
na das antigas Ro ma e Grécia.
Nosso conhecimento d essa fase
inic ial é, porém, limitado , já que era
uma tradição oral, passad a por
músicos de geração em geração . O
pouco que se sabe ao certo v em de
relatos da época, que quase
exclusivamente descrevem a
música sacra, já que a Igreja
efetivamente tinha o monopólio da
alfabetização .
O papel da Igreja
A história da música clássica
co meça com textos sagrados em
latim cantados por monges como
partes do culto . A execução era
simples - apenas voz, sem
acompanhamento , co m só uma
linha de música, a monodia, que
poderia ser cantada por u m a
pessoa ou um coro em uníssono .
Esse tipo de música recebeu o
nome de "cantochão", e cad a região
tinha sua própria co leção de
cantos. No início do século xvn,
porém, o papa Gregório tentou
reunir, classificar e padronizar
essas variações regionais, como
parte de seu empenho em unificar
a prática litúrgica.
Para garantir que a apresentação
do canto chão fosse pad ro nizad a
em to da a cristand ad e, u m a
no tação music al foi d esenvo lv id a,
co m símbo lo s chamad o s
"neumas" escrito s sobre o texto
para dar u m a ind icação gráfica d a
fo rma d a melo d ia. Então , em
alg um mo mento do século ix, o
ritmo d as mud anças se acelero u:
u m a fo rma p ad ro nizad a de culto ,
a missa, foi fixada, co m canto chão s
específ ico s p ara suas várias
partes. A no tação também se
so fistico u, co m u m a l inha
ho rizo ntal p ara esclarecer a altura
d as no tas, mo strando quão
agud as ou grav es são .
Mais significante musicalmente
foi a introdução do organum, uma
forma simples de harmo nia.
Enquanto no canto chão só hav ia
uma linha de música, o organum
tinha duas, e mais tarde três, ou até
quatro. Um a voz cantava o
canto chão e outra uma linha
paralela de música algumas notas
ac ima ou abaixo .
Conforme a música se tornou
mais complexa co m os anos, os
meios de registrá-la também
evoluíram, e no século xi
MÚSICA ANTIGA 1000-1400 21
Le Jeu de Robin et de
Maríon, de Adam de la
Halle considerada a
primeira obra profana
francesa, estreia em
Nápoles.
c. 1280-1283
A Missa de Tournai,
composta por vários autores
anónimos, é o primeiro
arranjo polifônico de uma
missa transcrito num
manuscrito.
A
c. 1320
E composta a
polifônica Missa de
Notie-Dame, do
francês Guillaume
de Machaut
A
c. 1360-1365
c. 1170
Em Paris, Léonin
liga o cantochão à
polifonia em seu
Magnus líber organi.
c. 1300
De mensurabiii
musica, do teórico
musical Johannes
de Garlandia.
explica os sistemas
rítmicos modais.
c. 1350
i
A Missa de Toulouse
reúne movimentos
polifônicos de
missa adaptados de
motetos existentes
para três vozes.
estabeleceu-se u m sistema de
pontos co m formas d iversas
escritos numa pauta de quatro ou
mais linhas horizontais - o
precursor de nosso padrão moderno
de no tação musical.
A música se difunde
A notação não só ajudou a
padronizar a execução como
permitiu que se escrevessem no vas
músicas, o que ocorreu do século xn
em diante, marcando o início da
música clássica como é co nhecida
hoje. A música não era mais
anónima e passad a oralmente, e
isso levou ao surgimento de
compositores que go stavam de
testar técnicas inovadoras. A
harmo nia simples do organum, co m
vozes cantando em paralelo co m a
melodia do cantochão , foi suced id a
por u m estilo mais complexo - a
polifonia - , em que cad a voz tem
sua própria melodia. Essa nova
técnica se inicio u com Léonin e
Pérotin, em Paris, e logo se
espalhou pela Euro pa.
A o mesmo tempo, a música
pro fana também florescia, na
forma de menestréis v iajantes que
entretinham as co rtes
aristo cráticas e as pesso as nas
ruas. Chamad o s de trovadores,
eles eram poetas, além de
compositores e artistas, e, à
d iferença dos músico s de igreja,
cantav am co m aco mpanhamento
instrumental. É provável que
também to cassem música apenas
instrumental para dança, mas
como tal música pro fana aind a era
uma tradição oral, nad a se
co nservo u dela.
Em meados do século xiv a
música polifônica co m linhas
vo cais entrelaçadas se tornou
co nhecida como A rs Nova, a 'A rte
Nova", e os compositores que
d o minav am a técnica foram
encarregados de escrever missas
para as catedrais.
O novo estilo não foi
desenvolvido apenas para a missa
cristã. Os compositores também
escrev iam arranjos menores de
palavras em estilo polifônico
chamado s "motetos". A lg uns eram
arranjos de textos sagrados, mas
vários compositores "sérios"
também escreveram motetos
polifônicos sobre poemas laicos.
Co m o fim do período med ieval e o
início do Renascimento , o
monopólio da Igreja sobre a música
declinou. A música sagradae a
profana estav am prestes a florescer
lado a lado. •
22
EM CO N TEXTO
FO C O
Cantochão
A N T E S
c. 1400 a.C. Um a tabuleta de
arg ila d a antiga cid ad e de
Ugarit, no norte d a Síria,
reg istra o hino de u m culto
religioso , co m no tação musical
fragmentária.
c. 200 a.C- 100 d.C. A chad a
num túmulo perto de Éfeso, na
Túrquia, a "canção de Sícilo" é a
mais antiga composição musical
co mpleta co m no taçõ es.
D EPO IS
1562-1563 O Concílio de
Trento , d a Igreja Católica, proíbe
cantar os ornamentos med ievais
do canto chão med ieval
conhecidos como "sequências".
1896 O s mo nges d a A b ad ia
Bened itina de So lesmes
p ublicam o Libei usualis,
tentativa de devo lver ao canto
gregoriano , d isto rcido por
século s de uso , u m texto mais
puro e padronizado .
A SALMODIA É A
ARMA DO MONGE
CANTOCHÃO (SÉCULOS VI a IX), ANÓNIMO
A Igreja Cristã se inicio u como seita judaica, e assim a nascente liturgia
(as formas de serviço) d a nova fé
co mpartilhava muitos traços do
culto judaico , como a repetição
falada ou cantada da escritura e
das orações. Especif icamente, os
cristãos enfo caram alguns tipos de
observância, como a recriação da
Última Ceia (que mais tarde se
to rnaria a missa), o canto de salmos
e a leitura de escrituras e orações
para marcar os d ias santos e as
festas da nova Igreja. Co m o tempo,
esses ritos evoluíram para o Ofício
Div ino ou Liturg ia das Horas - a
base do culto católico .
O canto de ritos
O cristianismo se espalhou a partir
da Terra Santa, e co m ele seus ritos
e cerimónias, celebrados em línguas
d iversas nas comunidades onde se
enraizou, como o aramaico na
Palestina e o grego em Roma. Em
resultado, diferentes estilos de canto
se desenvolveram, como o mo çárabe
na península Ibérica, o galicano na
Gália Ro mana e o ambrosiano, a
partir de santo Ambrósio , um bispo
de Milão do século iv.
Dessas primeiras liturgias, só os
cantos da romana e da ambrosiana
sobreviveram de forma reconhecível.
Eles se tornaram conhecidos como
"cantochão" (em latim cantus planus),
pela simplicidade de suas melodias
sem acompanhamento, cantadas
num ritmo livre, semelhante à fala,
refletindo a prosa não metrificada das
orações, salmos e escrituras. Essa
música, embora sem estrutura,
seguia em grande parte o antigo
Esta escultura de madeira (o 1500)
mostra santo Ambrósio em seu estúdio.
O bispo de Milão defendia o hino, ou
"canção sagrada", como parte central
do culto na igreja.
MÚSICA ANTIGA 1000-1400 23
Ver também: Micrologus 24-25 « Magnus libei organi 28-31 • Missa de
Notie-Dame 36-37 • Canticum Canticorum 46-51 • Gieat Service 52-53
o r n e CAM
f • * ^ >7
* tf - • z ' o
b i / *p u e r *q u e m g i g
sistema modal grego de oitavas de
sete notas, com cinco tons e dois
semitons, e consistia em dois tipos
de canto: o responsorial e o antifonal.
O primeiro envolvia cantos solo mais
elaborados, com uma resposta do
coro. Os cantos antifonais, em que
o coro e a congregação alternavam o
canto, consistiam em melodias mais
simples. Essas formas eram
co mpartilhadas pelo canto chão
romano e ambrosiano , mas o
ambrosiano tinha progressão de
notas mais suave e era mais
dramático que o romano. Ele
também fazia uso maior do
melisma, em que uma série de
notas era cantad a co m uma sílaba
- estilo aind a presente na canção
do Oriente Médio e d a Á sia.
Em meados do primeiro milénio,
hav ia milhares de cantos para os
diferentes ritos. A questão d a
variedade de estilos e tradições foi
enfrentada por Gregório i (papa de
590 a 604 d .C) , que queria unificar
a prática litúrgica. Ele consolidou a
Este canto gregoriano, Hodie
canlandus (Hoje precisamos cantar), de
São Trotilo, monge irlandês do século
x, tem neumas nas linhas superiores e
texto em latim embaixo.
música do rito romano e d iz-se que
incentivo u a schola cantoium
(escola de coro) papal, para fazer
justiça ao repertório que se
desenvo lveu.
Repertório ampliado
Sob a regência de Carlos Magno
(742-814), o primeiro sacro
imperador romano, os canto s
romanos foram co mbinado s a
elementos do estilo galicano ,
também de uso co mum. Essa
co leção exp and id a crio u a base do
canto gregoriano , que se mantém
no âmago d a música d a Igreja
Cató lica. O canto chão também foi
o alicerce d a música med iev al e
renascentista e de sua no tação ,
basead a em pautas e neumas, ou
notas, de canto s escrito s. •
A missa
Fo i so mente no século xi , ou
aind a depo is, que a m issa
alcanço u sua fo rma final. Sua
música se to rno u co nhecid a
como o Grad ual, u m livro
d iv id ido em Ordinário (os
elemento s que se mantêm
iguais to d a semana) e Próprio
(as partes que são específ icas
d a épo ca e do d ia no
calendário d a Igreja).
O Ordinário d a m issa tem
cinco p artes. A p rimeira, Kyrie
eieison (Senhor, tende
piedade), é u m texto antigo
em grego (a língua dos
serv iço s ro mano s até cerca do
século iv); a segund a, Gloria in
excelsis Deo (Glória a Deus nas
alturas), fo i intro d uz id a no
século vn; a terceira, o Credo
( Eu creio ), fo i ad o tad a em 1014
(embo ra se acred ite que date
do século iv); e a quarta, o
Sanctus (Sagrado ), enraizad a
na liturg ia jud aica, to rnou-se
p arte do rito cató lico antes d as
refo rmas do p ap a Gregório i .
A quinta seção , Agnus Dei
(Cordeiro de Deus), foi
acrescentad a à m issa ro mana
a p artir de u m rito sírio no
século vn.
O ritual da missa se baseia na
Última Ceia de Cristo e seus
discípulos - aqui em detalhe de
manuscrito do século vi.
EM CO N TEXTO
A N T E S
500 d.C. Bo écio , senador e
filósofo romano, escreve De
institutione musica, que aind a
estaria em uso co mo manual
de música no século xv i.
935 d.C. Enchiiidion musices,
de Odo de Cluny, se to rna o
primeiro livro a no mear as
no tas musicais co m as letras
A a G na França.
D EPO IS
1260 O teórico musical alemão
Franco de Colónia escreve Ais
cantus mensurabilis, que
aperfeiçoa a no tação de Guid o .
1300 E m Paris, Jo hannes de
Garlândia escreve De
mensurabili musica,
descrevendo os seis modos
rítmicos.
UT, RE, Ml, FA,
SOL. LÁ
MICR0L0GUS (0,1026), GUIDO D'AREZZ0
A notação musical o cidental moderna teve origem nos mosteiros europeus, no fim
do primeiro milénio . Os símbolos
musicais mais antigos, os neumas,
eram traços simples de pena feitos
para ajudar o canto , lembrando aos
monges se a música subia, d escia
ou p ermanecia no mesmo tom.
Neumas d iastemáticos, ou
"aumentados", d av am maior clareza
à notação do canto, formalizando as
figuras d as notas e imaginando
uma linha horizontal cruzando a
página. Isso criava u m "horizonte"
contra o qual o cantor pod ia
descobrir o tom. A p esar d isso ,
neumas aumentados estav am
sujeitos a mal-entendidos e era
necessária mais precisão .
Invenção da pauta
A solução, cred itada a Guido
d A rezzo , monge e teórico musical
italiano (embora talvez só tenha
formalizado o que já era prática
corrente), foi desenhar quatro linhas
na página, permitindo ao cantor
estimar co m precisão o movimento
da melodia. A notação de Guido às
vezes tinha uma d as linhas em
tinta amarela para mostrar a nota
dó, e uma em vermelho para ind icar
o fá, de modo que não só o tom
A Mão Guidoniana foi um sistema
inventado para ensinar aos monges o
modo mais fácil de referir-se às vinte
notas da música litúrgica medieval.
fosse fixado de nota a nota, mas o
cantor so ubesse num olhar em que
nota começar.
O tratado Miciologus (c. 1026),
de Guido , descreve o recurso pelo
qual hoje ele é mais conhecido , a
Mão Guid o niana. Se u m cantor
moderno tiver de se referir a uma
nota, poderá figurar a série
contínua de dó a si, repetida nas
sete o itavas do piano. Para
especificar u m dó em particular, ele
poderá dizer "dó médio " (no meio do
MÚSICA ANTIGA 1000-1400 25
Ver também: Cantochão 22-23 • Orcto virtutum 26-27 • Le Jeu de Robin et deMaríon 32-35 • Great Service 52-53 « Vésperas,
Monteverdi 64-69 • A Paixão segundo São Mateus 98-105
éé
Decidi colocar notações nesta
antífona, para que qualquer
pessoa inteligente e aplicada
possa aprender um canto.
Guido d'Arezzo
99
teclado). Porém, se essa não for a
nota que tinha em mente, poderá
dizer, por exemplo, "dó, na o itava
ac ima do dó médio".
Guido , que só precisava de duas
o itavas e meia (vinte notas) para
cobrir a amplitude vo cal dos cantos,
usou as letras A a G para as sete
notas, em seu sistema. O noviço
ind icava a ponta do dedão esquerdo
e cantava u m G (sol) grave.
Deslizando o dedo para a junta
média do dedão, sua voz ascenderia
a A (lá) e assim por d iante subindo
na escala, espiralando o dedo ao
redor das juntas e pontas dos dedos,
para ind icar todas as v inte notas
(entrando no falsete conforme a
espiral se estreitava e as o itavas
subiam).
Sílabas da solmização
Guido apoiou essas setes letras em
seis sílabas de "so lmização" - ut,
ré, mi, fá, sol, lá - , um sistema para
se referir a melodias de modo
abstrato . Fo i o precursor do atual,
mais familiar, sol-fá (dó, ré, mi, fá,
sol, lá, si), mas as sílabas de Guido
diferem porque a so lmização não
usav a a nota si, de modo que só
tem seis notas - um hexacorde.
Conforme se ia além d as seis notas,
o hexacorde tinha de ser repetido
em padrões superpostos na
extensão d as v inte notas d a Mão
Guid o niana. Cad a nota terminava
então co m um nome de letra básico
e uma coordenada secundária,
derivada d a posição única da nota
na mão, para designar a o itava.
O "dó médio " moderno se traduz
em "C sol-fá-ut" na Mão Guid o niana
O monge e teórico musical italiano
Guido d'Arezzo usa coroa de louros no
retrato pintado por Antonio Maria Crespi
no início do século xvi, cerca de
quinhentos anos após a morte de Guido.
e o sol mais grave, usando o nome
grego da letra, era "gama ut" - daí a
expressão aind a em uso hoje,
"percorrer toda a gama".
O monge po d ia então
facilmente especificar qualquer
d as v inte no tas numa co nversa,
por escrito ou simplesmente
apontando sua mão . •
Os modos
D E F G A B C D
A música o cidental herd o u u m a
base teó rica fund amentad a nas
práticas musicais d a Igreja
inic ial, na Grécia, Síria e
Bizâncio . Em alg um mo mento no
século x, desenvo lveu-se o
princípio dos "mo d o s" musicais
(grupo s ou "escalas" de no tas),
a p artir dos quais as várias
melo d ias do canto chão (base do
canto "gregoriano ", que logo
surg iria) fo ram classif icad as. Os
modos ajud av am os mo nges a
lembrar as muitas obras
litúrgicas.
Os modos po d em ser to cados
usand o só as no tas brancas do
piano . Se vo cê to car seis escalas
co mpletas de sete no tas,
co meçand o a cad a vez u m a no ta
depo is, isso lhe dará u m a id eia
de como cad a modo básico d a
Igreja so aria: em dó (modo jônio ,
que co rrespo nde à escala maior),
ré (dórico), m i (frígio), fá (lídio),
so l (mixolídio) e lá (eólio,
co rrespo ndente à escala menor
natural) . (O modo em "si " , às
v ez es chamad o "lócrio", não era
usad o na música o cidental na
Id ad e Méd ia por ser d isso nante
d emais.)
A música fo i o rganizad a
segund o essa teo ria mo d al até
que, na épo ca dos compositores
barro co s do século xvm, como
Bac h e Hándel, o princípio
"maio r" e "meno r" d a harmo nia
to nal red uz iu o número de
escalas, em essência, a apenas
d uas. Dali em d iante, a música
p asso u a ser c lassif icad a numa
, "escala" p articular e não num
dado "modo".
DEVÍAMOS ENTOAR
SALMOS COM UM
SALTÉRIO DE DEZ CORDAS
ORDO VIRTUTUM (c. 1151), HILDEGARDA DE BINGEN
EM CO N TEXTO
FO C O
Compositoras antigas
A N T E S
c. 920 A s duas estrofes que se
co nserv aram de Sendibíti (Uma
mensagem mordaz), de Jó runn
Skáldmaer, representam o mais
longo po ema escáld ico (tipo de
po esia no rueguesa
possivelmente cantada) de u m a
mulher.
1150 E m Paris, a abad essa
Hélo ise talvez tenha composto
o d rama musical de Pásco a
Ortolanus e a sequência p ascal
Epithalamica, atribuídos ao
teó logo Pierre A bélard .
D EPO IS
1180 Beatriz , co nd essa de Dia,
escreve u m a co letânea de
c inco trovas. A chantar m'er de
so qu'eu no volria, c o m
no taçõ es, se co nservo u.
1210 Ju l iana de Liège pode ter
escrito u m a música para a
festa de Co rp us Christi que se
d iz ter v ind o a ela nu m a visão .
Uma d as vozes mais o riginais d a música sacra do início d a Idade Média
foi a d a monja santa Hildegarda de
Bingen, na A lemanha. Sua
produção musical é d as maiores
entre os compositores med ievais
identificáveis. A co letânea
Symphonia armonie celestium
reveiationum (Sinfonia d a harmo nia
da revelação celeste), por exemplo,
inclui mais de setenta co mpo siçõ es
de canto chão .
Hildegarda tem uma visão divina.
numa imagem de manuscrito do século
xm. Ela está ao lado de Volmar de
Disibodenberg (esq.) e sua confidente,
Richardis von Stade.
Santa Hild egard a teve como
tutora uma jo vem visionária, Jutta
de Spo nheim. Co m o apoio de
Jutta e do monge Vo lmar, na
A b ad ia de Disibo denberg, ela
estudou os salmo s e pratico u o
repertório de canto do ano
MÚSICA ANTIGA 1000-1400 27
Ver também: Le Jeu de Robin et de Marion 32-35 • Missa de Notre-Dame 36-37 •
Missa LHomme armé 42 • The Wreckers 232-239 • Mie cathedrai 326
litúrgico , aprendeu a tocar saltério
( instrumento de cordas) e a
escrever latim. Co mo Jutta,
Hild egard a af irmava ter inspiração
d iv ina, alegando nunca ter
"aprendido neumas nem qualquer
outra parte da música". Não se
sabe quanto há de verdade nisso ,
mas Hild egard a po d ia estar
tentando d isso ciar a si própria e a
Jutta de uma ed ucação em geral
indisponível a mulheres. Se no
século XI I uma mulher d issesse
co nhecer o trívium (artes retóricas)
ou o quadiivium (ciências e teo ria
d a música) ou fizesse uma
interpretação d a Bíblia pod ia ser
co nsiderada uma ameaça d ireta à
autoridade masculina.
Magnum opus
A obra mais famo sa de
Hild egard a, Ordo virtutum (A
ordem d as v irtud es) , é a mais
antiga p eça de mo ralid ad e
remanescente e u m dos primeiro s
d ramas music ais reg istrad o s. A
obra co ntém mais de o itenta
melo d ias e é provável que fosse
representada pelas monjas d a
ordem de Hild egard a. Co m mais
de v inte papéis cantantes, trata
d a luta entre d ezessete "V irtud es"
(cuja rainha é a Humild ad e) e seu
adversário , Diabo lus (o Demónio ),
por u m a alm a (Anima). Diabo lus,
talvez interpretado na o rigem pelo
amigo e co p ista de Hild egard a,
Vo lmar, carece de harmo nia e
articula interjeiçõ es falad as.
A s melodias que aco mpanham
o manuscrito ind icam quando as
Virtud es cantam como coro e dá
música mais floreada às vozes solo.
Quando as Virtud es se ad iantam
para se apresentar, a música se
torna mais expressiva e animad a, e
as arrebatadoras linhas vo cais da
éé
O céu se abriu e uma luz de
brilho extraordinário veio e
permeou todo o meu cérebro
[...] e de imediato eu soube o
sentido da exposição das
Escrituras.
Hildegarda de Bingen
t f
Humilitas (Humildade), da Fed e (Fé)
e da Spes (Esperança) insp iram as
Virtud es irmãs a responder com
ardor. Porém a notação o riginal v ai
pouco além do essencial: a
interpretação moderna desse
esbo ço são gravações co m vio linos,
flauta e aco mpanhamento s em
harmo nia.
Textos e divindade
A s cartas de Hild eg ard a rev elam
sua co nd ição de "v id ente e
mística", que lhe d av a não só
liberdade p ara aco nselhar (até o
papa) como o po rtunid ad es de
expressão musical . El a sempre
enfatizav a a o rigem transcend ente
de suas obras. A música a
co nectav a a u m Éden perdido ,
antes de A dão e Ev a p recip itarem
a Qued a d a humanid ad e ao comer
o fruto pro ibido . Ela imag inav a
seus texto s a serv iço d a música,
de modo que "os que o uv em
p o ssam aprender sobre co isas
internas". •
Hildegardade Bingen
Fi lha mais no v a de u m a grande
família d a p equena nobreza,
Hild egard a, nascid a em 1098,
passo u a primeira infância em
Bermersheim, ao su l de Mainz ,
na A lemanha. Ti nha po uca
saúde e já antes dos cinco ano s
co meço u a ter visões,
chamand o atenção d a família
ao prever co m precisão a cor de
u m bezerro que ia nascer. Co m
oito anos foi entregue aos
cuidado s de Jutta de
Spo nheim, visionária que v iv ia
como reclusa num eremitério
perto d a A b ad ia de
Disibo denberg.
O eremitério de mulheres foi
depois aberto a asp irantes a
freiras, e aos catorze anos
Hild egard a devotou a v id a a
Deus como monja bened itina.
Co m a morte de Jutta em 1136,
Hild egard a, aos 38 anos, fo i
eleita d ireto ra d a co munidade
religiosa. Desempenho u o
papel até a morte, em 1179,
mas também encontrou tempo
p ara escrever três vo lumes de
obras científicas e de teo logia
visionária, e po emas religiosos.
O utra obra importante
c. an o s 1150 Symphonia
armonie celestium
revelationum
28
CANTAR E
ORAR DUAS
VEZES
MAGNUS LÍBER ORGANI (C. 1170),
LÉONIN
EM CO N TEXTO
FO C O
Surgimento da harmonia
vocal
A N T E S
c. 1000 M ais de 160 organa,
pro vavelmente escrito s por
Wulfstan, chantre d a Cated ral
de Winchester, são co ligidos
no Winchester Troper.
c. 1140 O Codex caiixtinus
mencio na certo Mag ister
A lbertus Parisiensis co mo
compositor d a p rimeira obra
p ara três vo zes co m no taçõ es.
D EPO IS
c. 1200 Pérotin aperfeiçoa e
exp and e a obra de Léonin em
Magnus líber organi.
O desenvo lvimento da polifonia (música co m muitas camad as, para
d iversas vozes) no século xu está
intimamente ligado a Notre-Dame
de Paris, a impressionante catedral
que Maurice de Sully fez co nstruir
quando se tornou bispo da cidade
em 1160. Nessa época, Léonin, u m
compositor francês, criava
ornamentos inusitados a duas
vozes para realçar o canto chão
tradicional. Co m o patrocínio d a
catedral, Léonin e vários outros
compositores inovadores fo rmaram
o que depois ficou conhecido como
Esco la de Notre-Dame.
Composição de organa
Não há registros sobre Léonin até
quase u m século após sua v id a,
quando u m inglês que estud ava em
Paris (conhecido na musico lo gia
como A nónimo iv) escreveu sobre
Master Léoninus. Ele o descreveu
MÚSICA ANTIGA 1000-1400 29
Ver também: Cantochão 22-23 • Miciologus 24-25 • Missa de Notre-Dame 36-37 • Canticum Canticorum 46-51 • Vésperas,
Monteverdi 64-69 • Ein feste Burg ist unser Gott 78-79
como o optimus organista (melhor
compositor de organa, ou
harmonizações vo cais) e autor do
Magnus líber organi (Grande livro
de organum), uma anto logia de
música usad a pela catedral para
so lenizar a liturgia.
A nónimo iv escreve que o
Magnus líber de Léonin foi usado
até a época de Pérotin (o 1160-1205),
tido como o melhor compositor de
discantus - um organum co m
contramelodias sobre o canto chão .
Pérotin abreviou e melhorou os
organa de Léonin, escreveu
melhores clausuiae (episódios
musicais inseridos no canto) e
também compôs organa para três e
quatro vozes. Segundo A nónimo iv,
a música de Pérotin aind a era
usada em Notre-Dame em sua
épo ca (c. 1280).
Harmonia antiga
A ntes de Léonin, as harmo nias
vo cais eram muito mais simples.
Os teóricos chamam a atenção para
a prática de cantar em partes a
A nave de Notre-Dame de Paris
foi concluída pouco após a morte de
Maurice de Sully, em 1196. Léonin e
Pérotin criaram suas obras dentro ou
perto da nova catedral.
partir da segund a metade do
século ix, mas as etapas da
evolução do canto harmónico não
são claras. A Schola cantorum (coro)
papal do século vn mantinha u m
total de sete cantores: três scholae
(académicos), um archiparaphonista
(cantor de quarta ordem) e três
paraphonistae, termo grego que
significa "aquele que canta junto
co m o cantochão". A lg uns
musicó logos acred itam que isso
ind ique u m cantor especializado
em um papel harmonizador.
A técnica mais simples de
harmo nização era o cantor
sustentar a finalis (nota principal)
do modo da p eça de forma
contínua sob o canto chão . El a
seria cantad a co m o so m de uma
vo gal aberta, talvez mud and o às
vezes para um tom v iz inho , para
criar uma relação mais agradável
co m o canto chão antes de voltar à
finalis. A s tradições que envo lvem
aco mpanhamento co m nota fixa
aind a são o uvidas hoje na música
qawwali sufi muçulmana da índia e
do Paquistão , e na de gaita de foles.
Um som pecaminoso
A mudança para a polifonia não foi
bem recebida por todos. Na Igreja,
alguns objetaram aos novos
métodos - em especial o cardeal
Robert de Courçon, que critico u os
escritores de organum alegando
que essa nova música era
efeminada. Em Summa, ele
escreveu que, "se um prelado
licencioso dá benefícios a tais
cantores licenciosos para que esse »
Monges cistercienses na Abadia
Zwettl, na Áustria, praticam canto coral
nesta miniatura com notações do
Graduale cisterciense (c. 1268). Um
graduale é um canto ou hino litúrgico.
30 EVOLUÇÃO DA HARMONIA VOCAL
A AJIeJuia nativitas, de Pérotin, foi
escrita para três vozes. Como se vê
aqui, na época o número de linhas na
pauta não era fixo: elas davam apenas
ideia aproximada da "altura" das notas.
tipo de música licencio sa e de
menestréis seja o uvida em sua
igreja, creio que se co ntamina da
doença de simonia".
A titud es como a de Courçon,
que asso c iav a o entrelaçamento de
vozes masculinas d a po lifonia à
so do mia, buscaram desacred itar o
novo estilo musical ligando-o ao
pecado .
Dois manuais
A s primeiras obras que tentaram
exp licar a harmo nia v o cal foram
Musica enchiríadis (Manual de
música), de c. 900, e seu par
Scholia enchiríadis. O método de
harmo nização mais simples
ilustrado por seu autor era cantar
em o itavas. Essa técnica era
co nhecid a como magadis na
Grécia antiga e ocorre
naturalmente quando ho mens e
menino s cantam em uníssono . O
uso de uma harmo nia básica
paralela ao canto o rig inal se
chamav a "organum simp les" nos
do is manuais. Scholia enchiríadis
é é
Mestres do organum [...]
apresentam coisas efeminadas
e de menestréis a pessoas
jovens e ignorantes.
Robert de Courçon
Cardeal inglês
(c. 1160-1219)
f f
também ind ica u m método
híbrido, em que a vox organalis
(voz de aco mpanhamento ) ou
sustenta um tom ou se mo ve em
harmo nia paralela co m a vox
principalis (voz principal), antes de
voltar ao unísso no co m o
canto chão no fim d as frases.
Embo ra o organum simples
envo lva mais de u m a voz, esse
canto em o itavas não é em geral
descrito por autores modernos
como "polifonia", porque as duas
partes não são independentes.
Criar harmo nia apenas seguindo a
melod ia em outra o itava (ou outro
intervalo harmónico ) escrav iza a
parte harmo nizado ra à fo rma e ao
mo vimento do canto chão . O
objetivo é enriquecer o so m do
canto chão , mas a técnica tem
po uca sutileza. Os musicó logos
preferem descrevê-la como uma
versão d a "hetero fonia"
(o rnamentação de uma linha).
Exemplos dispersos
Uma peça breve de organum para
duas vozes independentes (Sancte
Bonifati Martyr, São Bonifácio
Mártir) veio a luz em 2014 na parte
de trás de u m manuscrito da
Biblio teca Britânica que pode datar
de c. 900. Ela parece demonstrar
que alguns cantores no noroeste da
A lemanha já tinham aderido a esse
estilo híbrido de organum no fim do
século ix. Embo ra seja u m exemplo
isolado, concluiu-se que é a mais
antiga p eça co m no taçõ es de
música polifônica para execução
remanescente.
O Winchester Troper (c. 1000),
manuscrito em dois livros na
Catedral de Winchester, copiado de
fontes francesas algumas d écad as
MÚSICA ANTIGA 1000-1400 31
Evolução da
harmonia vocal
Cantochão:
Uma só linha vocal, sem
aco mpanhamento , em ritmo
livre, como a fala.
Organum:
Adição de uma
segunda voz numa
oitava diferente,
paralela à primeira voz.
TContraponto:
O entrel açamento de tocar
ou de cantar
simultaneamente.
Harmonia:
Três ou mais notas musicais
cantadas simultaneamente,
criando um acorde.
após o Sancte Bonifati Martyr, dá
um retrato d a v id a musical
mo nástica na Inglaterra antes d a
co nquista normanda. Embo ra o
segundo vo lume contenha 174
organa (perfazendo o primeiro
corpus substancial de co mpo siçõ es
polifônicas), a notação assume que
o cantor já co nheça o repertório. Os
neumas sozinhos não dão uma
indicação precisa d a altura do tom,
tanto d a melodia do canto chão
original como da vox organalis
harmonizante, tornando difícil a
transcrição acurad a dessas peças.
Um século após o Winchester
Troper, a Esco la de São Marçal de
Limo ges explorou a polifonia de
quatro manuscrito s franceses com
noventa p eças (c. 1120-1180) e do
Codex calixtinus (c. 1140), de
Santiago de Compostela, no
noroeste espanho l. A no tação d essa
"polifonia aquitânica" era menos
ambígua em tom que o Troper e
ind ica que a maior parte do
repertório era cantada co m u m
ritmo. A s p eças são em geral para
dois cantores, em estilo mais
melismático , em que a voz mais
aguda às vezes tem muitas notas,
cantadas sobre uma voz mais grave
menos ativa. O Codex calixtinus
contém o que pode ser a primeira
composição para três vozes com
notações, a Congaudeant catholici.
A Escola de Notre-Dame
Co m a co nstrução d a Cated ral de
No tre-Dame na lie de la Cité, em
Paris, surg iu o estilo do descante,
dando mais liberdade à voz mais
aguda dos organa. Os do is
cantores se separaram em u m
so lista floreado e uma voz de
aco mpanhamento que sustentav a
longas notas. Essa d istinção se
refletiu nos novos nomes de tenor
(o que mantém) e duplum
(segund a voz).
Nessa época, Léonin introduziu
um grau maior de organização
rítmica em suas composições,
regulando o fluxo do metro numa
forma antiga de "ritmo modal". Em
sua versão madura, o ritmo modal
punha em marcha a melod ia
Acredita-se que Pérotin, chamado
por Anónimo ív de Pérotin Magister
(Pérotin, o Mestre), viveu de c. 1160 a
1230. Ele é representado aqui com os
sinos da catedral Notre-Dame de Paris.
éé
[Pérotin] punha notações em
seus livros seguindo fielmente
o uso e o costume de seu
mestre, e ainda melhor.
Anónimo ív
segundo u m de seis padrões
métricos (troqueu, iambo e assim
por d iante, relacionados à métrica
poética clássica), ind icados por
duas formas de nota, longa e brevis.
A duração da nota dependia do
contexto . O desenvo lvimento por
Léonin do organum em descante
deve muito a essa inovação .
Pérotin, o sucessor de Léonin no
estilo parisiense de descante, foi
um pouco além, compondo
organum triplo e até quádruplo,
para três e quatro vozes
respectivamente. Proclamando sua
glória, o bispo de Paris decretou em
1198 que as obras para quatro vozes
Viderunt omnes e Sederunt
príncipes, de Pérotin, fossem
executadas no Natal, no d ia de
santo Estêvão (26 de dezembro) e
no d ia de A no -Novo . •
32
TANDARADEI,
CANTOU DOCE
O ROUXINOL
LE JEU DE ROBIN ET DE MARION (1280-1283),
ADAM DE LA HALLE
EM CO N TEXTO
FO C O
M úsica medieval profana
A N T E S
c. 1160 Surge em Paris e
Beauv ais a Festum stultorum
(Festa dos Tolos), como u m a
oportunidade, no Natal, p ara
que os clérigos se p ermitam
u m a paródia d a liturg ia.
c. 1230 Lu d u s Danielis (A
p eça de Daniel) é escrita em
Beauv ais co mo u m d rama
litúrgico em latim.
D EPO IS
Fi m do século xiv Co meça
em York e Wakefield , na
Inglaterra, o ciclo anual d as
Peças de Mistério -
representaçõ es de cenas
bíblicas co m música.
Sabe-se que d iversas tradições musicais floresceram nas cidades e
v ilas da Idade Média, assim como
nas cortes nobres, mas quase nad a
da notação dessas músicas
populares se conservou. Embo ra a
Igreja usasse escribas para
controlar e registrar seu próprio
repertório para a posteridade, a
maior parte da música profana era
passada oralmente. A falta de fontes
escritas entre as pessoas comuns,
porém, não é só consequência do
analfabetismo. Para muitos músicos
de dança e cantores de obras épicas,
um texto escrito não refletiria a
natureza improvisatória e hábil de
sua profissão, aperfeiçoada por
gerações de artistas hereditários.
Mais ainda, ao registrar suas obras
num manuscrito eles se arriscav am
a entregar seu precioso repertório a
rivais. A s fontes da música profana
MUSICA ANTIGA 1000-1400 33
Le Jeu de Robin et de Marion foi ao
palco em São Petersburgo, na Rússia,
em 1907. O cenário foi feito em
aquarela por Mstislav Dobujínski.
europeia tendem a ser encontradas
onde os estilos populares
despertaram o interesse da Igreja ou
da nobreza. Os cruzados do sul da
França acharam os estilos altamente
desenvolvidos de música
instrumental e vo cal que
encontraram na Terra Santa
especialmente atraentes, e esse foi
um período de grande troca cultural,
além de conflitos e hostilidade.
Línguas e influências
A música profana med ieval
apresenta identidades poéticas
d istintas, ligadas a línguas
regionais. Duas línguas francesas
med ievais surg iram do latim: a
langue doe ou occitano no sul da
França e norte da Esp anha (onde oc
quer dizer "sim") e a langue doil, ao
norte do Lo ire (onde oil quer dizer
"sim"). Cad a uma delas tinha sua
tradição bárdica: o sul tinha a
música do trobador e da trobairítz
(feminino), enquanto o norte usav a
a palavra trouvère, palavras que
devem ter derivado do antigo
francês trobai, "encontrar" ou
"inventar" (uma música). Uma raiz
alternativa pode ser a palavra árabe
tarab, "fonte de alegria". Diz -se que
u m dos primeiros trovadores,
Guilherme ix, duque da A quitânia,
cantou "em verso co m melodias
agradáveis" sobre a experiência de
liderar a assim chamad a Cruzad a
do Temeroso para a Anató lia (hoje
Turquia) em 1101. Suas cançõ es são
claramente influenciadas pelas
co nvençõ es poéticas árabes, em
particular as formas musicais
populares d a mo achaha e do zajal.
Uma peça com música
A d am de la Halle, músico do século
xm, tem sido descrito como trouvère.
Halle provavelmente escreveu Le
Jeu de Robin et de Marion (A peça
A dam de la Halle
O músico francês A d am de la
Halle nasceu na cidade tecelã
de A rras em 1222 e cresceu
aprendendo música como
parte de sua ed ucação
teo ló gica na A b ad ia de
Vaucelles, fund ad a só u m
século antes. Seu p ai esp erav a
que entrasse p ara a Igreja,
mas ele esco lheu u m caminho
d iverso . A pó s u m breve
casamento , inscreveu-se na
Univ ersid ad e de Paris, onde,
entre o utras co isas, aprend eu
as técnicas po lifônicas que
ap licaria depo is a género s
musicais po pulares.
A princípio Halle uso u sua
po esia p ara criticar a
ad ministração co rrupta de
A rras, mas depo is entro u a
serviço d a no breza. Fo i
trabalhand o p ara Carlo s de
A njo u, o q ual se to rno u rei de
Nápoles, que ele escrev eu Le
Jeu de Robin et de Marion.
Mo rreu po uco s ano s depo is,
entre 1285 e 1288.
Outras obras importantes
Data desconhecida Mout me
fu grief/Robin m'aime/Portare
(Grand e fo i m inha tristeza/
Ro bin me ama/ Po rtare)
Data desconhecida A Jointes
Mains vous proi (Pegue minha
mão , suplico )
de Robin e de Marion) para seus
amigo s franceses como parte de
uma celebração de Natal em
Nápoles em 1284. Nobres franceses
tinham se refugiado lá após a
Sicília ter destronado Carlos i de
A njo u (mecenas de A d am) num
golpe sangrento na Páscoa. A p eça
conta a história de uma donzela do
campo que é cortejada por um
cavalheiro libidinoso , mas
permanece fiel a seu amado Robin. »
34 MÚSICA SECULAR MEDIEVAL
Os personagens-título
desempenham a parte principal d a
música, em cançõ es monofônicas
que Halle criou ajustando suas
próprias letras a cançõ es de estilo
popular. A lguns a chamaram de
"primeira ópera-cômica", embora
plateias modernas po ssam
Henrique de Meissen se apresenta na
corte no Codex Manesse(1300). Ele era
chamado de Frauenlob (louvor das
mulheres) por suas canções de cavalaria.
identificá-la mais a uma panto mima
(peça de texto falado com músicas).
A comédia de Halle não conhecia
limites - ele zombava d a Igreja e de
seus clérigos corruptos, do povo de
A rras, onde v iv ia e trabalhava, e
mesmo de sua própria família e v id a.
Contos de cavalaria
A s músicas dos trobadors e dos
trouvères se enraízam na cultura
medieval do fín d'amor (amor
cortesão) - o código de etiqueta entre
um cavaleiro e uma dama idealizada,
baseado nos princípios de lealdade e
fidelidade que definiam a v id a nobre.
O Robin e a Marion de Halle jogam
com essa ideia ao representar um
cavaleiro tentando cortejar seu amor,
mas também mostram a influência
da tradição pastoral francesa da
contação de histórias. A poesia do
trobador sobreviveu bem: mais de 2
mil poemas se conservaram,
compostos por mais de 450 poetas
conhecidos. Porém a informação
sobre o acompanhamento musical
dessas obras é irregular, e meros 10%
dos poemas têm notações de
melodias associadas. A atividade
trouvère no norte da França começou
com o poeta Chrétien de Troyes, no
século xm, cerca de setenta anos após
o primeiro trobador no sul. O número
de músicas trouvère remanescentes é
similar ao corpus do sul, porém mais
de 60% das obras trouvère têm
música - ainda que sem informação
precisa sobre o ritmo.
Sul da Europa
Enquanto os trobadors e trouvères
eram um grupo distinto de poetas
cortesãos que escreviam em géneros
específicos, havia grande número de
artistas menores com atividades
variadas. No sul da Europa um
músico podia receber o nome de
Quando vejo a cotovia
Voar em direção ao sol [...]
E um assombro que o coração
Não derreta de anseio
com a visão.
Bernart de Ventadorn
f f
MÚSICA ANTIGA 1000-1400 35
joglar ou joglaresa. enquanto seus
colegas do norte eram chamados de
jongleurs. As habilidades desses
músicos abrangiam façanhas de
destreza, fluência em qualquer
instrumento para acompanhar a
dança, interpretação de canções de
amor e heróis ou simplesmente fazer
o papel do bobo. No entanto, apesar
da alegria que traziam, os artistas
itinerantes não só ocupavam o
degrau mais baixo da escala social
como eram excluídos da proteção da
lei. Um exemplo de música de joglar é
a obra de Martin Co dax (c. 1250),
escrita no estilo de cantiga de
amigo, género que contava histórias
do ponto de v ista feminino . Codax,
por exemplo, evoca as emo çõ es de
uma mulher numa praia em Vigo
(centro pesqueiro da Galícia, na
Espanha), esperando que seu amado
volte do mar.
Jogadores de taverna
Outro tipo de músico medieval da
época, os goliardos, tinha muito em
co mum co m os músicos itinerantes,
mas eram, na verdade, clérigos
desempregados conhecidos por
tocar em tavernas cançõ es
obscenas que satirizavam a
sociedade em todos os níveis.
O manuscrito de Carmina Burana
(c. 1200-1300) é a principal fonte
remanescente de música goliarda.
Já o nome "menestrel" designa u m
"pequeno ministro " em serviço
talvez na corte ou numa cidade.
Contando com habilidades musicais
muito aprimoradas e podendo
solicitar a proteção de um mecenas,
um menestrel talvez escapasse um
pouco da humilhação que era
muitas vezes d irigida a um jongleur.
No século xiv, porém, o termo
"menestrel" foi usado cada vez mais
na França para descrever todos os
músicos urbanos - muitos dos quais
to cavam em tavernas ou nas ruas.
Na Alemanha
O género de amor cortesão se
d ifundiu da Euro pa latina para os
povos falantes de alemão, onde o
Minnesinger entoava cançõ es sobre
romances de cavalaria. Como seu
correspondente francês, ele era bem-
-vindo em casas nobres como um
igual social e exemplos de antigos
Minnelieder (canções de amor)
ind icam que músicas de trouvère
eram conhecidas na A lemanha. Por
volta de 1200, o estilo assegurou
uma identidade mais forte -
retratada na obra de Walther von
Vogelweide - , mas, comparados às
obras das tradições francesa e
italiana, poucos Minnelieder com
suas melodias se mantiveram. •
Instrumentos
medievais
Muito s dos instrumento s d a
música med iev al euro peia têm
raízes no norte d a Á frica, Á sia
central e Bálcãs. Eles incluem
o alaúde ( instrumento de
co rdas co m a parte de trás
semelhante ao casco de u m a
tartaruga) , o rebeque
( instrumento co m arco , em
fo rma de co lher) e a charamela
(precurso ra do oboé). O
tambo ril euro peu lembra a
tabla ind iana, e o nacara se
relacio na ao naqqara (timbale)
asiático . É provável que a
p alav ra " fanfarra" d erive do
árabe anfar, "tro mpetes".
Os po etas antigo s muitas
v ez es se ac o mp anhav am d a
v iela, instrumento de co rd as
co m arco que se p o usa na
clav ícula. Um a v iela p o d ia ter
de três a seis co rd as que
p assav am sobre u m a ponte
(apoio de co rd as) p lana. Isso
p ro p ic iav a u m estilo
harmó nico de execução , co m
muitas co rd as so ando juntas
- d iv ersamente d a ponte do
v io lino mo derno , que p ermite
fazer soar co rd as ind iv id uais,
favo recend o assim a melo d ia.
Músicos laicos
europeus
H av i a categori as
distintas de
músicos, definidos
por condição social
e público típico.
Trovadores Poetas o
compositores que
apresentavam canções para
a nobreza inspiradas na
cultura do amor cortesão.
Jo ng l eurs Contadores de
histórias, malabaristas e
acrobatas itinerantes de
baixa origem, que também
dançavam e cantavam.
G ol i ardos Cantores
itinerantes que antes eram
clérigos. Cantavam muitas
vezes músicas obscenas e
poemas satíricos a cappella.
M e n e s t ré i s M úsicos
que de início se
apresentavam para a
nobreza e depois em
esquinas e tavernas.
EM CO N TEXTO
FO C O
Polifonia e revolução da
notação
A N T E S
c. 1320 A Missa de Toumai é
a p rimeira a usar a po lifonia
("muitos sons").
c. 1350 A Missa de Toulouse
junta mo v imento s po lifônicos
de m issa arranjados a partir de
antigo s motetos (p eças co rais
curtas sem aco mpanhamento ).
D EPO IS
1415-1421 O OldHall
Manuscript c o ntém vário s
arranjo s po lifô nico s do Kyhe,
à mo d a ing lesa de elabo ração
d essa p arte d a m i ssa.
anos 1440 A Caput é u m a
antiga missa de u m compositor
inglês que usa u m cantus
Brmus (música fixa) ao redor do
qual outras melod ias se
baseiam. Inclui u m a voz grave
abaixo d a do tenor - u m a d as
primeiras co mpo siçõ es co m
u m a parte para baixo .
A MÚSICA E UM
CONHECIMENTO QUE FAZ
RIR, CANTAR E DANÇAR
MISSA DE NOTRE-DAME (c l 360-1365),
GUILLAUME DE MACHAUT
O século xiv foi um dos períodos mais turbulentos d a história med ieval. A
Pequena Era do Gelo , iniciad a por
vo lta de 1300, resultou em co lheitas
frustradas e fome, inclusive a
Grande Fome de 1312-1317, e a
Peste Negra matou até 60% d a
população da Euro pa.
A extrema turbulência so cial,
eco nó mica e ambiental imp acto u
as certezas relig io sas. Erud ito s
como o clérigo e c ientista francês
Nico le Oresme (c. 1320-1382)
co meçaram a imag inar u m
univ erso m ais co mplexo que a
visão basead a na fé do mund o
natural. A música, que já aceitav a
a po lifonia, também foi
inf luenciad a por esse modo de
pensar e exp lo d iu numa no va
co mplexid ad e métrica quand o u m
co lega francês de Oresme, o
composito r e matemático Philip p e
de Vitry (1291-1361), crio u u m
méto do preciso de no tação do
ritmo .
Uma nova ordem de ritmo
O novo estilo se to rnou co nhecid o
como A rs No va. a p artir do
tratado A r s nova notandi (A no va
arte de no tação ), de Vitry ,
publicado em 1322.
Vitry co mpô s p eças vo cais para
demonstrar a nova notação na
forma de motetos (composições
polifônicas baseadas em uma
melodia e um texto , com outras
vozes trazendo diferentes palavras
e melodias). Cad a u m dos motetos
de Vitry, dos quais só doze se
co nservaram, mostrava aspecto s
d iversos da técnica co nhecida hoje
Músicos em iluminura úc
manuscritode 1316 de Le Roman de
Fauvei, poema francês de Gervais du
Bus intercalado com algumas das
primeiras músicas da Ars Nova.
MÚSICA ANTIGA 1000-1400 37
Ver também: Magnus libei organi 28-31 «Missa LHomme aimé 42 • Missa
Pange língua 43 • Canticum Canticoium 46-51 • Vésperas, Monteverdi 64-69
éé
Alguns discípulos da Arte
Nova estão preocupados com
a divisão medida do tempo [...].
Proibimos esses métodos.
Papa João xxn
éé
como isorritmo (do grego, "mesmo
ritmo"), que buscav a dar estrutura a
co mpo siçõ es extensas.
Vitry to mava uma série de notas
em voz tenor (chamada cor) e
ap licava a ela u m padrão rítmico
(talea). Como em geral a talea
(ritmo) era mais curta que a cor
(melodia), pod ia ser preciso fazer
vários ciclos da talea para igualar
uma repetição d a cor.
A Igreja não era apaixo nada pela
A rs No va, e o papa Jo ão xxn
condenou-a num decreto de 1323. O
clero estava alarmado co m o papel
do estilo na secularização do
moteto, antes puramente sagrado e
agora adotado como u m modo de
comentar eventos d a épo ca. O
poema satírico Le Roman de Fauvei
(c. 1316), por exemplo, contém 130
obras musicais, entre elas cinco
motetos de Vitry.
A p esar d a oposição religiosa, a
precisão d a nova notação abriu a
porta a experimentos em ritmo e
métrica. Eles podem ser ouvidos
nos ritmos intricados e mutantes
das obras dos italianos Matteo d a
Perugia e Philippus de Caserta e do
compositor francês Baude Cordier
(todos ativos por vo lta de 1400), no
estilo hoje conhecido como A rs
Subtilior (A rte A ind a Mais Sutil).
A A rs No va se estabeleceu e
formou a base do desenvo lvimento
da notação rítmica da música
ocidental.
Mudanças na missa
A s ideias de Vitry talvez tenham
tido seu maior florescimento na
música de Guillaume de Machaut,
compositor e poeta do século xiv.
Machaut usou as mesmas técnicas
de isorritmo em seus motetos e nos
movimentos Kyrie, Santus, Agnus
Dei e Jte, missa est de sua Missa de
Notre-Dame, o primeiro arranjo
conhecido de música polifônica
para um ciclo completo de missa de
um único compositor. A lém de
empregar o isorritmo para unificar
elementos d a missa, Machaud usou
u m canto chão cantus Srmus
(música fixa) como melodia de
ligação dos movimentos, d a qual
outras se desenvo lvem, e
acrescentou um contratenor para
aumentar o número de vozes de
três - o tradicional - para quatro,
mais rico e mais expansivo .
Machaut asseguro u seu legado
artístico cuidando co m atenção de
sua produção e co ligindo suas
obras em manuscrito s. A lém de sua
importância como compositor,
Machaut foi u m dos maiores poetas
franceses med ievais, produzindo
vastas narrativas po éticas na forma
de lais (versos de oito sílabas) e dits
(poemas sem música). Ele também
desenvo lveu géneros poéticos mais
curtos com frases repetidas, ou
refrões, como a ballade, o rondeau e
o virelai, que se to rnaram veículos
de expressão populares entre
poetas e compositores d as gerações
seguintes. •
Guillaume de M achaut
Nascid o na região d a
Champ ag ne, na França, por
vo lta de 1300, Machaut p asso u
grand e p arte d a v id a ao redor
d a cidade pró xima de Reims.
A pó s to mar as o rdens
relig io sas, em 1323 ele
integro u a co rte de Jo ão de
Luxemburg o , rei d a Bo émia,
v iajand o co m ele p ela Euro p a
o riental e p ela Itália como seu
capelão e secretário . Por meio
do rei Jo ão , Machaut obteve
benefício s lucrativo s, como
có nego d as cated rais de
Verd un em 1330, A rras em
1332 e Reims em 1337.
A pós a morte do rei Jo ão na
Batalha de Crécy, em 1346,
Machaut obteve a pro teção de
Bo nne de Luxemburg o
(segund a filha do rei Jo ão , o
Cego ) e de Carlo s n, rei de
Nav arra, na Esp anha. Passo u
os anos finais em Reims,
superv isio nando a compilação
de suas obras. Mo rreu em 1377
e foi enterrado na Cated ral de
Reims.
Outras obras importantes
c. anos 1330: Douce dame jolie
(virelai)
c. anos 1340: Rose, Hz,
príntemps, verdure (rondeau)
c. anos 1340: Voirdit
40 INTRODUÇÃO
A Rex seculorum é composta
como uma missa de cantus
ãrmus no influente estilo
inglês, atribuído a John
Dunstaple ou a Leonel
Power
O compositor
franco-flamengo
Josquin Desprez
coloca música no
Ordinário em sua missa
Pange língua.
Thomas Tallis
compõe o moteto de
quarenta partes Spem
in alium, com oito
coros de cinco
vozes cada.
A A
c. 1430 c. 1515 c. 1570
c. 1460
i
1568
I
1572
Guillaume Dufay
compõe a missa
LHomme aimé, usando
o terceiro intervalo da
escala para criar um
som doce.
O compositor italiano
Alessandro Striggio
estreia o moteto Ecce
beatam lucem em
Munique, na Alemanha.
O italiano Tomás
Luis de Victoria
elabora sua primeira
coletânea de motetos
enquanto trabalha em
Roma.
O movimento cultural chamado Renascimento surg iu na Itália já no
século xiv. Porém um estilo de
música renascentista d istinto só se
manifesto u alguns anos depois.
Flo resceu primeiro nos Países
Baixo s, na corte de Filipe, o Bom,
da Borgonha (1396-1467). A pesar
de franco-flamengos por
nascimento , os compositores ali
eram cosmopolitas por natureza.
O principal nome d a esco la franco-
-flamenga, Guillaume Dufay,
inspirado pela po lifonia da A rs
No va que ouvira na Itália, achou
u m modo de romper co m o estilo
med ieval e co meço u a definrr a
música do Renascimento .
Um a d as ino vaçõ es de Dufay
foi o uso do cantus ãrmus, a
técnica de compor u m a p eça
po lifônica ao redor de u m a
melo d ia de canto chão . Eco and o a
tend ência renascentista p ara a
crescente secularização , ele
co meço u a usar melo d ias pro fanas
em v ez do canto chão como base
p ara suas missas, que tinham
estilo po lifônico ricamente
expressivo . Ele e outros
co mpo sito res da corte
bo rgo nhesa, como Gilles Bincho is,
Jo hannes Ockeg hem e u m dos
melhores autores do início do
Renascimento , Jo sq u in Desprez ,
não se l imitaram à música sacra,
escrevend o também motetos e
' cançõ es pro fanas.
Novo desafio
A esco la franco -flamenga de
po lifonia dominou a música do
início do Renascimento , mas no
século xv i isso mudou
drasticamente. O poder que a Igreja
Católica tivera na épo ca med ieval
estava sendo contestado e em 1517
Martinho Lutero deflagrou a
Reforma. Muito s se converteram ao
pro testantismo no norte europeu,
onde os ofícios religiosos eram
v isto s de modo muito diferente,
preferindo-se hino s e melodias
simples para a co ngregação cantar
a missas polifônicas entoadas só
pelo coro. Tal música se tornou a
base de u m a tradição musical
germânica d istinta.
A Reforma, porém, provocou
u m a reação no mundo cató lico - a
Contrarrefo rma - , co m que a Igreja
defendeu alg umas de suas práticas
e analiso u e reformulou outras. Um
dos objetos de exame foi a música
dos o fícios religiosos. Muito s na
Igreja Cató lica sentiam incómodo
co m a po lifonia co mplexa que era
moda, já que tantas vo zes
RENASCIMENTO 1400-1600 41
William Byrd compõe
Great Service para uso em
ocasiões formais na Capela
Real de Sua Majestade, no
Hampton Court Palace.
A
c. 1580-1590
O compositor veneziano
Giovanni Bassano publica
sua coletânea de quatro
partes Ricercare, passaggi et
cadentie, a ser tocada no
estilo de um étude.
A
1585
Thomas Weelkes
compõe O Care, Thou
Wilt Despatch Me como
parte de sua obra mais
famosa - uma coletânea
de madrigais.
A
1600
1584
Giovanni Pierluigi da
Palestrina escreve
Canticum Canticorum,
coletânea de motetos
baseada em trechos do
Cântico dos Cânticos bíblico.
1597
I
1604
O organista italiano
Giovanni Gabrieli usa
dinâmica forte e suave
em Sonata pian' e forte.
V
Lachrímae, de
John Dowland,
usa dissonância
para evocar uma
atmosfera de
melancolia.
cantand o linhas meló d icas
d iversas to rnavam as palavras
ininteligíveis. Os compositores
foram aco nselhado s a moderar seu
estilo , precipitando a adoção de
uma po lifoniarelativamente
simples que ev itav a as harmo nias
às vezes d isso nantes d a música
polifônica e enfatizando a nitidez
das palavras. Esse estilo mais
claro e de so m mais doce
caracterizo u a música d ita do A lto
Renascimento .
Entre os primeiros compositores
a adotar o estilo estava Gio v anni
Pierluigi da Palestrina, que compôs
inúmeros motetos e missas para
igrejas de Ro ma. Compositores de
toda a Euro pa acorreram à Itália
para absorver o novo so m e levá-lo a
seus países. Na Inglaterra, ele foi
adotado por compositores como
Tho mas Tallis e W illiam By rd .
Música instrumental
Não só a música de Igreja estava
mudando . No fim do século xiv,
quase não hav ia menestréis
itinerantes, devido à d evastação
d a Peste Negra. Eles foram
atraídos para as cortes
aristo cráticas, onde fo rneciam
entretenimento , entoando cançõ es
e to cando música para d ança e
cerimó nias c iv is, como a po sse de
u m novo doge em Veneza.
N u m a so cied ad e mais laica, a
música instrumental se to rnou
popular não só nas co rtes mas na
crescente c lasse méd ia instruída,
criand o u m a d emand a por música
p ara tocar em casa, tanto em
consorts (grupos) de v io las d a
g amba e flautas do ces quanto em
solos de instrumento s de teclado
como o cravo . Graças ao
surg imento d a técnica mecânica
de impressão , as p artituras
também ficaram facilmente
d ispo níveis, e o novo estilo se
espalho u pela Euro p a. Os
mad rig ais, p ara pequeno s grupo s
de canto res, se to rnaram u m a
fo rma popular de entretenimento
no lar, em esp ec ial na Itália e na
Inglaterra.
Os compositores e o público ,
porém, já exp erimentav am outra
forma no fim do século xv i, e u m
estilo dramático novo foi
anunciad o pelas obras de Gio v anni
Gabrieli em Ro ma. A s últimas
grandes p eças co mpo stas no estilo
renascentista foram Officium
defunctorum, de To más Lu i s de
Victo ria, e Lachrímae, de Jo hn
Do w land , ad equad as ao fim de
u m a era. •
EM CO N TEXTO
FO C O
N ovas harmonias
A N T E S
1 4 3 0 O inglês Leo nel Po w er
co mp õ e Alma redemptoris
mater, talvez a p rimeira m issa
a usar u m cantus fírmus -
(música fixa) identificável
co mo base de su a estrutura
melód ica.
1 4 3 0 A Rex seculorum, m issa
de cantus fírmus no estilo
inglês, é co mpo sta por Jo hn
Dunstap le o u por Leo nel
Pow er.
D EPO IS
1 5 7 0 O italiano Gio v anni
Palestrina p ublica u m arranjo
de c inco vo zes d a m issa sobre
a melo d ia de LHomme armé.
1 9 9 9 O compositor galês Karl
Jenkins incorpora a canção
folclórica LHomme armé no
primeiro e último mo v imento s
de su a m issa The Armed Man.
NEM UMA SÓ COMPOSIÇÃO
ANTERIOR AOS ÚLTIMOS
QUARENTA ANOS [...]
MERECE SER OUVIDA
MISSA LHOMME ARME (c. 1460),
GUILLAUME DUFAY
A partir do compositor franco-flamengo Guillaume Dufay, a linguagem
harmónica da música co meça a soar
mais familiar aos ouvidos atuais. Os
compositores antigos seguiam os
ideais harmónicos idealizados pelo
filósofo e matemático grego
Pitágoras, baseados na consonância
"perfeita" das o itavas e dos
intervalos de quarta e quinta. A
inovação de Dufay era usar acordes
que apresentavam o terceiro
intervalo d a escala como uma nota
de harmonia (mi na escala de canto
sol-fá, seguindo dó e ré).
Historicamente, a harmonia dos
intervalos de terça era v ista como
algo dissonante, a ser pouco usado.
Sons profanos na Igreja
A s missas de Dufay usav am muito a
técnica do cantus fírmus, que
construía uma peça ao redor de uma
melodia preexistente, como uma
composição sacra ou um cantochão
conhecidos. Em LHomme armé,
Dufay esco lheu uma canção
folclórica francesa co m melodia
d istintiva que se prestava bem a
uma polifonia de vozes. Seguindo o
exemplo dos músicos ingleses, que
já tinham adotado os intervalos de
terça, Duffay permite à música se
apoiar no som doce e menos raso do
intervalo . Isso estendeu o
vocabulário harmónico e abriu
espaço para mais vozes. •
O mestre de melodia Guillaume
Dufay ao lado de um órgão portátil,
numa iluminura de Le Champion des
dames, obra poética do século xv.
Ver também: Microiogus 24-25 • Magnus líber organi 28-31 • Missa Pange língua
43 • Canticum Canticorum 46-51 'A Paixão segundo São Mateus 98-105
EM CO N TEXTO
FO C O
D i s s e m i n a ç ã o d a m ú s i c a
A N T E S
c . 1 4 1 5 - 1 4 2 0 O manuscrito
iluminad o Squarcialupi codex,
maior co letânea de música
italiana do século xiv, é
co mpilado em Florença.
1 4 5 7 O Codex psalmorum,
produzido na cid ad e alemã de
Mainz , é o primeiro livro
imp resso a conter música,
embo ra a no tação seja
manuscrita.
D EPO IS
c . 1 5 2 0 O impresso r inglês
Jo hn Rastell produz a p rimeira
música em que pautas, no tas e
texto são impresso s de u m a só
v ez .
1 7 1 0 O Estatuto de A nne ,
promulgado na Grã-Bretanha,
dá aos autores co pyright sobre
suas obras imp ressas pela
p rimeira vez , u m direito por
fim estend ido à co mpo sição
musical em 1777.
RENASCIMENTO 1400-1600 43
LÍNGUA, PROCLAME
0 MISTÉRIO DO
CORPO GLORIOSO
MISSA PANGE LÍNGUA (c. 1515), JOSQUIN DESPREZ
Jo squin Desprez, nascido na França por volta de 1450, foi
u m dos primeiros a se
beneficiar d a imprensa. A té a
invenção d essa tecnologia, em
meados do século xv, a música era
copiada à mão por co pistas
pro fissionais. Segundo o teórico da
música suíço Heinrich Glarean, do
século xv i, Desprez "publicou suas
obras depois de muita deliberação e
inúmeras correções". Esse cuidado
fez de suas co mpo siçõ es as
favoritas no mercado nascente de
publicação musical.
Agora que morreu, Josquin
está lançando mais obras que
quando vivo!
Georg Forster
Compositor alemão (1510-1568)
t f
Contemporâneo de Desprez, o
italiano Ottaviano Petruoci
aperfeiçoou um método de imprimir
música em três etapas: as pautas,
seguidas das notas e depois das
palavras. A primeira publicação de
Petrucci, Odhecaton, uma seleção
com quase cem peças profanas, na
maioria de compositores franco-
-flamengos, como Desprez, A nto ine
Busno is, Jaco b Obrecht e A lexander
Agrícola, apareceu em 1501. Para
vencer o desafio de uma primeira
co letânea de música polifônica para
missa com texto na parte de baixo ,
Petrucci decid iu pôr em sua Missa
(1502) apenas obras de Desprez.
Uma missa atrasada
A missa Pange língua, uma das
co mpo siçõ es finais de Desprez,
tomou a melodia central de um
hino d a Festa de Co rpus Christi
escrito pelo frade e teólogo italiano
do século xm To más de A quino . A
obra não ficou pronta a tempo para
o livro final de missas de Petrucci,
de 1514, mas se conservou em
manuscrito e foi afinal publicada
em 1532. •
Ver também: Missa de Notre-Dame 36-37 • Missa LHomme armé 42 • Canticum
Canticorum 46-51 • A Paixão segundo São Mateus 98-105
44
1 OUÇA A VOZ
EA ORAÇÃO
SPEMINALIUM (c.1570), THOMAS TALLIS
EM CO N TEXTO
FO C O
M úsica coral de larga
escala
A N T E S
c. 1500 O compositor francês
A nto ine Brumel escreve u m a
m issa co m doze partes, Et
ecce terrae motus, a "M issa do
Terremoto".
1568 0 moteto Ecce beatam
lucem, co m quarenta vo zes e
instrumento s, de A lessand ro
Striggio , é apresentado em
Munique.
D EPO IS
1682 Heinrich Biber co mpõ e a
m issa Salisbuigensis, em 53
partes arranjadas em seis
coros de cantores, cordas,
flautas doces, co rnetos e
sacabuxas, co m do is conjuntos
de trompetes e tímpano s e
pelo meno s do is órgãos -
pro vavelmente a maior p eça do
Barro co Co lo ssal, caracterizado
por obras po lico rais de larga
escala.
A composição do grande moteto de quarenta vozes Spem in alium, de Tho mas
Tallis, foi u m ponto alto d a música
coral do Renascimento inglês
inic ial e uma resposta insp irad a a
um desafio continental. Em 1567, o
compositor A lessand ro Striggio
tinha chegado à Inglaterra em
Um coro de capela canta a partir da
partitura disposta num atril, na folha
de rosto de Practica musicae(1512), do
teórico de música italiano Franchini di
Gaffurio.
missão diplomática da corte dos
Médici em Florença, trazendo
partes de suas recentes
co mpo siçõ es para quarenta ou
mais vozes independentes. Eram
manifestaçõ es musicais de
influência e poder, e alguns se
perguntavam o que aconteceria se
um músico inglês tentasse esse
tipo de composição . Eles se
vo ltaram para Tallis, que tinha sido
o principal compositor da corte sob
quatro mo narcas - Henrique vm,
Eduardo vi, Maria i e Elizabeth i. O
mecenas cató lico de Tallis, Tho mas
Ho w ard , quarto duque de Norfolk,
encomendou a obra.
Uma longa tradição coral
Os ingleses hav ia muito se
d isting uiam na música coral. No
século xv, Jo hn Dunstap le
estabeleceu a contenance angloise
(maneira inglesa), estilo polifônico
d istintivo e ricamente harmónico .
O teórico flamengo Jo hannes
Tincto ris d escreveu Dunstap le
como "fonte e o rigem" d a inovação
musical.
Um a geração antes de Tal l is,
Robert Fay rfax era o p rinc ip al
compositor e favorito de Henrique
vm. Ele fo i o rganista e mestre do
coro d a A b ad ia de St. A lb ans de
RENASCIMENTO 1400-1600 45
Ver também: Missa de Notre-Dame 36-37 • Missa LHomme armé 42 • Missa Pange lingua 43 • Canticum Canticorum 46-51
• Great Service 52-53 • A Paixão segundo São Mateus 98-105
1498 a 1502 e co mpô s a co mplexa
m issa de c inco vo zes O quam
glorifica p ara seu doutorado
em 1504.
Mestres da música sacra
No início do século xvi, Jo hn
Taverner emergiu como compositor
importante de música sacra inglesa
após sua indicação em 1526 a
mestre do coro do recém-fundado
Card inal College (hoje Christ
Church), de Tho mas Wolsey, em
Oxford. Lá ele compôs três missas
para seis vozes, Corona spinea,
Gloria tibi Trinitas e O Michael. O
tenor d a seção "In nomine Do mini"
do Benedictus de Gloria tibi Trinitas
seria amplamente usado por outros
compositores como base de arranjos
vo cais e instrumentais. Essa foi a
origem do género de fantasia inglês
conhecido como In nomine, popular
até o fim do século xvn.
Taverner voltou ao Linco lnshire
após a qued a de Wolsey e produziu
pouca música mais. Jo hn Sheppard
era talvez mais hábil em ajustar
sua produção aos gostos d as
mo narquias cató lica e protestante.
éé
Ao ouvir a música [Spem in
alium], o duque tirou a
corrente de ouro do pescoço
e a colocou no de Tallis,
dando-a a ele.
Thomas Wateridge
Carta (1611)
Ele foi mestre do coro do Magdalen
College, em Oxford, por três anos, e
a partir de 1552, sob Eduardo vi e
Maria i, cavalheiro da Capela Real.
Morreu na véspera da ascensão de
Elizabeth, em 1558. Muito d a
música sacra co m texto em latim
de Sheppard se conservou. Seu
responsório Media vita, para seis
vozes, é uma obra quaresmal de
caráter monumental: a lenta
elocução do canto Nunc dimittis
estendendo-se ao longo d a obra
maximiz a seu impacto .
Uma resposta
extraordinária
Tho mas Tallis era membro d a
Capela Real quando Striggio foi à
Inglaterra e mostrou suas partituras
de muitas partes. A s obras
italianas tinham estilo policoral,
co m vozes agrupadas em coros
autónomos que se juntav am num
so m grandioso em pontos cruciais.
A resposta de Tallis em seu
moteto Spem in alium foi muito
diferente: ele mergulhou no so m
sublime da música de Taverner e
Sheppard para criar algo
indiscutivelmente inglês. A s
quarenta vozes de Spem in alium
raramente se juntam nos mesmos
grupos, cada uma seguindo seus
caminho s. Uma voz pode manter
u m ritmo constante mas terá uma
contraparte que alcança algo similar
co m síncopes, acrescentando brilho
à voz parada. Como um murmúrio
gradual de pássaros, as vozes se
unem, se separam e por fim se
juntam com efeito vibrante. •
Thomas Tallis Pouco se sabe sobre os primeiro s
ano s de Tallis, mas em 1532 ele era
o rganista do Priorado de Dover, na
co sta su l d a Inglaterra. A pós a
disso lução do priorado, três ano s
depois, ele trabalho u na Igreja de
St. Mary -at-Hill, em Lo nd res, na
A b ad ia W altham e na Cated ral de
Canterbury, antes de se to rnar
membro do coro ("cavalheiro ") d a
Cap ela Real de Henrique vm, onde
depois foi o rganista. A rainha
Eliz abeth co ncedeu a Tall is e
W ill iam By rd u m a patente p ara
imprimir música em 1572, e em
1575 eles p ublicaram juntos
Cantiones sacrae, co letânea de
motetos latinos. Tallis também foi
u m dos primeiro s a inserir
p alav ras inglesas em salmo s,
cântico s e hinos. Séculos depois,
seu arranjo do Salmo 2 foi usado
por Vaug han W ill iams na
Fantasia on a Theme of Thomas
Tallis (1910). Tallis mo rreu
tranquilamente em casa em
1585. A cred ita-se que tinha cerca
de o itenta anos.
Outras obras importantes
1 5 6 0 - 1 5 6 9 The Lamentations of
Jeremiah
1 5 6 7 Nove arranjo s de salmo s
p ara o saltério do arcebispo
Parker
CANTICUM CANTICORUM (1584),
GIOVANNI DA PALESTRINA
48 SIMPLIFICAÇÃO DA POLIFONIA
EM CO N TEXTO
FO C O
Simplif icação da polifonia
A N T E S
c. 1540 No moteto Inviolata,
integra et casta es Maria, o
compositor italiano Co stanzo
Festa u sa o estilo flamengo
canó nico co m grand e efeito.
Festa foi muito ad mirad o e
imitad o por Palestrina.
1545 O compositor franco -
-flamengo Nico las Go mbert
p ublica Musae Jovis, p eça
deliberadamente arcaica,
como tributo a Jo sq u in
Desprez .
D EPO IS
1610 Gau d io Mo nteverd i
reto ma a po lifonia e o stile
antico (estilo antigo ) co m a
m issa In illo tempore.
c. 1742 J. S. Bac h apresenta
seu arranjo d a m i ssa Sine
nomine (1590), de Palestrina.
Giovanni da Palestrina
O reformador Martinho Lutero influenciou a música sacra não só das
novas igrejas protestantes como,
devido à Contrarreforma, também
dos ritos d a Igreja Católica. O
Concílio de Trento , reunião
ecuménica de membros
importantes d a Igreja na cidade de
Trento , no norte italiano , entre 1545
e 1563, promulgou d iretrizes para a
música sacra que restring iam a
d issonância, limitav am a
o rnamentação excessiv a e
refinavam a polifonia litúrgica. O
compositor que respondeu de modo
mais primoroso a esse novo
chamado de pureza foi Gio v anni da
Palestrina.
Novas demandas
Lutero era um cantor talentoso e
amav a a música, a qual, co m o
poder d a prensa móvel de
d isseminar novas ideias, foi a chave
para o sucesso de suas reformas.
Seu primeiro hino publicado , Ein
newes Lied wir haeben an
(Estamo s criando uma no va
música), de 1524, era uma balada
de rua sobre a morte na fogueira em
Bruxelas de dois adeptos d a
reforma protestante. A rranjado
N asc id o p ro v av elmente em
Palestrina, na Itália, em 1525,
G io v anni Pierluig i d a Palestrina
tinha fo rtes lig açõ es f amil iares
co m Ro m a. A pó s a mo rte d a mãe,
quand o ele tinha cerca de o nze
ano s, to rno u-se co ral ista na
i Ig reja de Santa M ari a Magg io re,
nessa c id ad e.
No f im d a juv entud e
Palestrina v o lto u à c id ad e natal
co mo o rg anista d a c ated ral .
Q uand o o b isp o de Palestrina, o
c ard eal G i o v ann i M ar i a d ei
Mo nte, fo i eleito p ap a Júlio m
em 1550, o co mp o sito r v o lto u a
Ro m a co mo d ireto r d a C ap e la
numa melodia conhecida,
d istanciava-se d a rica polifonia e
do brilho instrumental d a música
da Igreja Católica. Seu encanto
simples falava d iretamente a
muito s que se sentiam afastados
devido ao amor da Igreja aos rituais
ricos e ostentosos.
A música popular e acessível se
tornou u m veículo potente para
espalhar ideias e co nquistar apoio
e foi também o marco dos o fícios
na no va Igreja reformada. Lutero e
o reformador francês pro testante
Jo ão Calv ino estimulav am o canto
de hino s co m melo d ias que todos
co nheciam.
Velhas tradições
Essa ênfase na simplicidade estava
em agudo contraste com a prática
cató lica. Os menos instruídos
tinham maior d ificuldade em seguir
as missas numa catedral ou capela
ducal da épo ca. Esse foi u m
problema que o clérigo, humanistae erudito Bernard ino Cirillo
reconheceu. Em 1549, ele escreveu:
" Em nossos tempos os músico s
co lo caram todo o seu trabalho e
esforço na composição de fugas (em
que as vozes fazem entradas
inesperadas), de modo que quando
Júlia, e em 1554 d ed ico u- lhe a
m i ssa Ecce sacerdos magnus.
E m 1555 g anho u u m lug ar no
coro p ap al d a Cap e la Sistina e
seg u iu o cup and o v ário s alto s
p o sto s m u sic ais . Sua o bra
inc lu i m ad rig ais e m ais de 105
m issas e c inq uenta mo teto s.
Outras obras importantes
1 5 6 2 M issa Papae Marcelli
1570 M issa Brevis
1572 M issa Tu es Petrus
1 5 8 4 Pulchra es (moteto)
1 5 9 0 Stabat Mater (moteto )
RENASCIMENTO 1400-1600 49
Ver também: Missa de Notre-Dame 36-37 • Missa LHomme armé 42 • Missa Pange língua 43 • Spem in alium 44-45 • Great
Service 52-53 • ffin / este Burgist unser Gott 78-79
uma voz canta 'Sanctus' outra d iz
'Sabaoth' e outra aind a 'Gloria tua'.
Uivando , berrando e gaguejando,
parecem mais gatos em janeiro que
flores em maio".
A reforma d a no tação no
século xiv tinha dado aos
composito res, pela p rimeira vez , a
p o ssibilid ad e de reg istrar co m
precisão p raticamente toda id eia
musical . Desd e então , a Igreja
Cató lica tinha às v ezes
estimulad o e outras censurad o
sua tend ência a o rnamentar a
música e lhe acrescentar graus
cad a v ez maio res de
co mplexid ad e e sutileza.
No fim do século xv, a m issa
diária era em geral cantad a em
canto chão . Porém, se a instituição
onde o corria o ofício tiv esse
recursos, o Ordinário d a missa
(Kyrie, Gloria, Credo, Sanctus,
Benedictus e Agnus Dei) poderia
ser tratado co m muitas varied ad es
de o rnamentos. No s anos 1490,
vários autores no taram a presença
de u m tocador de corneto na m issa
solene na capela de Filip e ív d a
Borgonha. Eles não mencio nam o
que ele to cava: sua mera presença
era suficiente para se tornar
notável. Os instrumentistas de
éé
Stabat Matei [de Palestrina] [...]
cativa a alma humana.
Franz Liszt
f f
sopro, que antes imp ro v isav am,
co meçaram a aperfeiçoar suas
habilid ad es de ler música e
aco mpanhar tais coros, de modo
que nos ano s 1530 sua presença
numa m issa so lene po lifônica se
tornou meno s inco mum aos fiéis.
Embo ra a contribuição de
instrumentistas de sopro à música
sacra fosse impressionante, a
ressonância de um conjunto de
metais, se mal manipulado , poderia
prejudicar a clara emissão do texto .
O compositor espanho l Francisco
Guerrero estimulava seus tocadores
de corneto a improvisar ornamentos
floreados, mas u m por vez, po is
"quando o rnamentam juntos fazem
tais absurdos que bloqueariam os
ouvidos".
O Concílio de Trento se reuniu 25
vezes em dezoito anos para discutir as
"heresias" do protestantismo e elucidar
a doutrina e liturgia católicas.
Pouca atenção ao texto
Mesmo quando a missa era cantada
em polifonia não acompanhada, a
clareza da expressão defendida por
Cirillo nem sempre era prioritária na
mente do compositor. Os músicos
franco-flamengos muitas vezes
pavoneavam sua habilidade em lidar
co m estruturas polifônicas
complexas em composições de
virtuosismo extraordinário. N uma
missa de quatro partes, por exemplo,
certas seçõ es poderiam ser escritas
no manuscrito apenas com três
partes com notações, para que o »
50 SIMPLIFICAÇÃO DA POLIFONIA
Texturas musicais
Graus de
complexidade
Os compositores
renascentistas,
auxiliados por
métodos de notação
mais precisos e
estimulados por
mecenas ricos,
produziram obras
de camadas cada
vez mais
numerosas.
Monofonia
Entoada por um só cantor ou um
coro único em uníssono. Entre os
exemplos, o cantochão e a
maioria das músicas de trovador.
H o m o f o n i a
Melodia apoiada em harmonia
cordal e baixo firme no
mesmo ritmo. Muito usada no
canto de hinos.
Polifonia
Várias partes independentes e
de importância igual. A s formas
incluem o cânone, a fuga
e o moteto.
cantor tivesse de "achar" a quarta
parte seguindo a lógica das outras
três - na verdade, decifrando u m
enigma. O compositor poderia
tornar o trabalho dos cantores ainda
mais difícil escrevendo vozes
canó nicas que se mo v iam em
diferentes velocidades a partir do
original. O tour de force aqui é a
missa Prolationum, de Jo hannes
Ockeghem, na qual cada um dos
quatro movimentos do rito explora
um cenário canónico diverso . O
intervalo que separa as vozes do
cânone se torna progressivamente
maior em cada movimento
consecutivo . A missa LHomme
armé super vocês musicales, de
Jo squin Desprez, tem apenas uma
linha melódica para um arranjo
elegante e variado de três vozes da
segunda repetição do Agnus Dei. O
resultado de três vozes cantando
polifonia tecida a partir de uma só
melodia entoada a diferentes
velocidades é extraordinário por sua
audácia, mas a ênfase não está em
palavras facilmente discerníveis.
Uma resposta oficial
A Igreja Católica enfrentou a crise
crescente precipitada pelas reformas
de Lutero com uma série de
encontros para decidir sua resposta
oficial. Após adiar muito, o concílio
se reuniu em 1545 na cidade de
Trento, no norte italiano. Na época
do último encontro (1562-1563),
coordenado pelo papa Pio ív,
havia-se chegado a um beco sem
saída, e ficou claro que reconciliar
Ro ma e os reformistas seria
impossível. A pesar disso , as
reformas protestantes forçaram a
Igreja Católica a introduzir
mudanças na doutrina e na prática,
o que incluiu purificar sua música.
Em 1562, o Concílio de Trento
baixo u as diretrizes para os
músicos. Elas d iz iam: "To das as
co isas devem na verdade ser
ordenadas para que as missas,
celebradas com canto ou coral,
alcancem os ouvidos dos fiéis e
gentilmente penetrem seu coração,
éé
O Renascimento promoveu o
incremento da personalidade,
ideia essencialmente oposta
ao altruísmo e à objetividade
da velha polifonia.
Zoe Kendrick
Biógrafa de Palestrina
quando tudo seja executado com
clareza e velocidade certa. No caso
das missas celebradas co m polifonia
e órgão, que nada profano se
interponha, apenas hinos e orações
d iv inas". Os compositores d ev iam
responder a essa nova diretiva.
Enfatizar as palavras
Gio v anni Pierluigi da Palestrina
publicou seu primeiro livro de
missas em 1554 e voltou a Santa
Maria Maggiore, onde tinha sido
menino de coro, como maestro di
cappella (diretor musical) em 1561.
Co nsta que ele antecipou a censura
papal completa. Temendo a redução
da música na liturgia cató lica
apenas ao canto chão (reforma que
alguns puristas pediam), ele se
preparou co m uma missa para
quatro vozes para demonstrar que a
polifonia podia servir ao texto de
modo que agradaria mesmo aos
críticos mais duros.
A missa Papae Marcelli parece
datar de 1562, o ano d a decisão do
concílio sobre música. Co nsta que
os cardeais gostaram especialmente
dessa missa, uma aprovação que
deu a Palestrina a condição de
salvador da polifonia. Parece, na
verdade, que a missa provavelmente
foi escrita para a Semana Santa e
obedecia ao desejo do papa Marcelo n
de um arranjo contido, que pudesse
RENASCIMENTO 1400-1600 51
ser entendido com clareza. A obra
de Palestrina realiza muito do que
se esperava da polifonia após o
Concílio de Trento, com sua
abordagem direcionada da
dissonância, clareza de elocução e
domínio refinado d a escrita
polifônica. No entanto, Palestrina
não se esquiva de levar os novos
preceitos a seus limites: sua missa
Repleatur os meum, em cinco vozes,
publicada em 1570, mostra controle
total do estilo "canónico" virtuoso
favorecido pelos compositores
franco-flamengos, mas com controle
tão claro do texto que até Cirillo
aprovaria. Em seu Canticum
Canticorum, de 1584, u m aclamado
ciclo de 29 motetos baseado no
Cântico dos Cânticos do Velho
Palestrina foi maestro di cappella
cinco anos na Arquibasílica de São João
de Latrão, em Roma, aqui em gravura
holandesa do século xvn.
Testamento , Palestrina foiaind a
mais ousado. Embo ra se referisse a
ele como peça sacra, adotou sem
constrangimento um estilo mais
apaixonado, explicando , em sua
dedicatória ao papa Gregório xm,
que isso se adequava ao tema.
Em outros lugares da
Europa
Palestrina foi uma estrela brilhante
numa constelação de grandes
polifonistas da Contrarreforma. Na
Esp anha, o zelo ortodoxo de Filipe n
estimulou uma esco la forte de
composição polifônica em suas
catedrais. Tomás Luis de Victoria,
compositor prolífico de obras sacras,
era famoso pela dramaticidade
intensa de sua música. Ele foi
menino do coro e organista em
Ávila, antes de ir para Roma, onde
pode ter estudado com Palestrina.
De volta à Esp anha, passou a maior
parte da v id a no convento das
Descalzas Reales de Madri. Os
Estad o s germânicos se d iv id iram
muito quanto à fé religiosa; os
principados do sul continuaram
adeptos de Roma. O duque A lberto
v da Baviera, figura central da
Contrarreforma alemã, por exemplo,
empregou muitos músicos, como
Orlande de Lassus, compositor
flamengo famoso em criança pela
beleza da voz. Sob patrocínio
generoso do duque, Lassus d irig iu a
Hofkapelle, combinando vozes,
vio linos, vio las da gamba, alaúde e
vários instrumentos de metais e
madeiras, até um cervelato
(instrumento de palheta com som
suavemente grave e estridulo recém-
-inventado). Um conjunto tão grande
de ambição quase orquestral era
muito inco mum na época. Embo ra a
Igreja Católica o lhasse com
desconfiança tal instrumentação ,
era obviamente aberta a algum grau
de interpretação local. •
EM CO N TEXTO
FO C O
M úsica de igreja
protestante inglesa
A N T E S
1558 Jo hn Shep p ard co mp õ e
Second Service, arranjo p ara
c inco vo zes do ofício completo
(em v ez do ofício curto co mum,
que só incluía arranjos p ara o
MagniBcat e o Nunc dimittis),
precursor do Great Service de
dez vo zes de By rd .
c. 1570 W il l iam Mund y
co mp õ e seu ofício vespertino
In médio chori, p ara coro de
nove partes, expand id o às
v ez es p ara onze.
D EPO IS
c. 1620 Tho m as Weelkes
p ublica Evensong for Seven
Voices, u m Great Service de
até dez partes.
c. 1630 O Third or Great
Service, de Tho m as To mkins,
p ara dez vo zes é a obra m ais
grand io sa do género .
ESSA E A NATUREZA DOS
HINOS - ELES NOS FAZEM
QUERER REPETI-LOS
GREAT SERVICE (c. 1580-1590), WILLIAM BYRD
Embo ra se acred ite que tenha sido na maio r parte d a v id a cató lico , se não
sempre, W il l iam By rd co mpô s
música p ara a Igreja A ng l icana,
além de motetos e m issas em
latim p ara o rito cató lico . Ele
atrav esso u três eras de
rev isio nismo religioso na
Inglaterra. Sob Henrique vm e
Ed uard o v i, o p aís foi pro testante
desde 1534, mas em 1553 M aria
Tudor subiu ao trono co m o
marid o , Fil ip e n d a Esp anha, e
reinstalo u o cato licismo . Quand o
ela mo rreu, em 1558, El iz abeth i
d evo lveu a Inglaterra ao
pro testantismo , to lerando no
entanto o cato lic ismo entre os
aristo cratas do país, se fo ssem
leais e o p raticassem co m
d iscrição . El a sancio no u o uso do
As sementes do protestantismo
na Inglaterra foram plantadas por
Martinho Lutero, arquiteto da Reforma
na Alemanha, mostrado aqui tocando
música com seus filhos.
RENASCIMENTO 1400-1600 53
Ver também: Missa LHomme armé 42 • Missa Pange língua 43 • Canticum
Canticorum 46-51 -Ein feste Burgist unser Gott 78-79
éé
Para um homem que pensa
em coisas divinas [...] as
medidas mais adequadas
vêm, não sei de que modo,
como que por seu livre-arbítrio.
William Byrd
f f
latim nos o fícios d a Cap ela Real e
p ermitiu aos co mpo sito res usarem
o latim e o inglês na música
litúrgica.
By rd flo resceu sob a pro teção
de Eliz abeth. Em 1565, era
o rganista e mestre d a Cated ral de
Linco ln, onde pro d uziu os arranjos
de Short Service para matinas,
co munhão e vésperas, que
rep resentaram a maio r parte d a
música p ara liturg ia ang licana na
Inglaterra. Depo is, quand o ele já
era cavalheiro d a Cap ela Real,
El iz abeth co ncedeu-lhe e a
Tho mas Tal l is, que tam b ém era
cató lico , o monopólio de produção
de música na Inglaterra.
Deus e rainha
A fé relig io sa de By rd se tornou no
entanto u m a preo cupação em
1577, quand o sua mulher, Ju l ian,
foi acusad a de faltar aos o fícios do
bispo de Lo nd res, Jo hn A ylmer,
defensor rigoroso do A to d a
Unifo rmid ad e de 1559, que
buscav a unif icar a Igreja
A ng l ic ana. Dal i em d iante, By rd
não esco nd eu sua fé cató lica, e a
recep ção d a p rimeira publicação
de "músicas sacras" em latim em
1575 foi mo rna, talvez d ev id o ao
sentimento cató lico de alg uns dos
texto s.
A p esar do cato licismo , a
lealdade de By rd à rainha e ao
país parece ter tido p reced ência
sobre sua fé. Em ação de graças
pela vitória d a frota ing lesa sobre
a A rm ad a esp anho la em 1588,
El iz abeth escrev eu a letra de
Look, and Bow Down Thine Ear, O
Lord. A cred ita-se que ela esco lheu
W il l iam By rd p ara co locar a
música. Emb o ra o hino hoje esteja
perdido , foi u m a clara
d emo nstração de seu alto apreço
por ele.
Última obra anglicana
Em 1580, By rd publico u Great
Service, sua última obra para o rito
anglicano . É u m a co mpo sição
mo numental, co m sete seçõ es para
u m a celebração ang licana d a
m issa em inglês por do is coros de
cinco vozes. Não se sabe se By rd
escreveu Great Service co m alg um
coro em esp ecial em mente. Porém
a mera escala d a p eça e as
exigências técnicas d a partitura
iriam co locá-la só ao alcance dos
maiores coros. A lg uns a
co nsid eram u m adeus aos co legas
ou, por fim, u m ato de contrição a
u m a mo narca que esco lhera
relevar o cato licismo de By rd .
Em 1605, u m mensageiro co m
u m exemplar do recém-publicado
Gradualia (co letânea de arranjo s
de mo v imento s d a m issa p ara o
ano d a Igreja Cató lica, p ara três a
c inco vozes), de By rd , foi detido e
encarcerad o em New g ate. O
compositor, porém, ev ito u a
prisão , enfrentando ap enas
pressão nas co rtes e p esad as
multas. •
W illiam Byrd
Nascid o nu m a grand e família
mercante em Lo nd res em
1540, é provável que W il l iam
By rd tenha aprendido música
como u m dos dez menino s de
coro d a igreja de St. Paul, em
Lo nd res (antecesso ra d a
Cated ral de St. Paul) , antes de
cantar em cerimó nias cató licas
na Cap ela Real, sob a rainha
M aria. Depo is, em 1572, no
remado de El iz ab eth i, By rd se
to rno u cavalheiro d a Cap ela
Real, posto que o cupo u por
mais de v inte ano s.
Embo ra tenha composto
muita música pro fana, inclusive
p ara v irg inais, ele é mais
famoso pela obra religiosa. Em
1575, publico u co m Tho mas
Tallis u m primeiro vo lume de
motetos latinos, Cantiones
sacrae (Músicas sacras). A pós a
morte de Tallis, By rd continuou
a série com dois vo lumes de
suas próprias Cantiones em
1589 e 1591. Publico u sua
última obra, Psalmes, Songs,
and Sonnets, em 1611, doze
ano s antes de morrer em 1623.
Outras obras importantes
1 5 8 9 Cantiones sacrae, livro 1
1591 Cantiones sacrae, livro 2
1 6 0 5 Gradualia
TODAS AS ÁRIAS E
MADRIGAIS [...]
SUSSURRAM SUAVIDADE
O CARE, THOU WILT DESPATCH ME (1600),
THOMAS WEELKES
EM CO N TEXTO
FO C O
M adrigais
A N T E S
1 5 7 1 Tho m as Whytho rne
p ublica Songes, a p rimeira
co letânea de mad rigais
ingleses.
1 5 9 4 Tho m as Morley p ublica
First Book of Madrigais to Four
Voices, a p rimeira co letânea a
usar a d escrição italiana do
estilo .
D EPO IS
1 6 1 2 Orlando Gibbo ns p ublica
First Se i of Madrigais and
Motets, que inc lui The Silver
Swan, mad rig al curto m as u m
dos mais co nhecid o s hoje.
1 6 2 0 - 1 6 4 9 A m o d a dos
mad rig ais ing leses d ecai ,
d and o lugar à música d e
alaúde, e o estilo se
ap ago u c o m o início d a
C o m m o nw eal th d a Ing laterra
a p artir de 1649.
Em 1544, quando a Inglaterra estava sedentapor modas continentais, o compositor e
poeta Tho mas Whytho rne viajou
pela Euro p a e escreveu sonetos que
depois musico u em Songes, o
primeiro livro de mad rigais
ingleses. Na Itália, entre os mestres
do mad rigal estav am Jaco b
A rcadelt e Philippe Verdelot, cujas
obras co nstavam do primeiro livro
de mad rigais italiano , editado em
Ro ma em 1530. Em 1588, Nicho las
Yonge publicou Musica transalpina,
é é
O madrigal [...] feito de
canções e sonetos [...] muito
encantador para homens de
entendimento.
Thomas Morley
f f
uma co letânea de mad rigais
italianos retrabalhados co m textos
ingleses, aguçando o apetite por
músicas lo cais cantadas em partes.
Ilustração de palavras
Muitas coletâneas inglesas se
seguiram, com frequência com
arranjos para vozes e viola da gamba,
para satisfazer o crescente gosto da
classe média por música após o
jantar. Em 1595, Thomas Morley
introduziu o ballett, um madrigal
rústico com um coro fá-lá-lá que
imitava um refrão instrumental.
Thomas Weelkes, entre outros,
começou a usar efeitos musicais para
ilustrar o texto - conhecidos como
madrigalismo. Em O Care, Thou Wilt
Despatcb Me (1600), Weelkes descreve
a perturbação do poeta deslizando
por semitons (cromatismo), em
conflito com o refrão alegre fá-lá-lá.
Na Itália, os madrigais de Carlo
Gesualdo da Venosa usam mudanças
harmónicas extremas e dissonância
para evocar ação ou ideias, enquanto
o Madrigali guerrieri et amorosi (1638)
de Cláudio Monteverdi levou o
formato a alturas teatrais. •
Ver também: Le Jeu de Robin et de Marion 32-35 • Musique de table 106 • Die
schõne Múlierin 150-155
RENASCIMENTO 1400-1600 55
I
O FESTIM [...] MARAVILHOU
E ASSOMBROU TODOS
AQUELES ESTRANHOS, QUE
NUNCA OUVIRAM ALGO IGUAL
SONATA PIAN' E FORTE (1597), GIOVANNI GABRIELI
EM CO N TEXTO
FO C O
G r u p o s d e s o p r o
r e n a s c e n t i s t a s
A N T E S
c . 1 4 8 0 U m liv ro d e coro
preparad o co mo p resente de
casamento p ara Isabella
d ' Est co ntém p arte do
repertó rio do grup o d e sopro
do d uque de Ferrara, u m do s
melho res d a ép o ca.
1 5 8 2 Florentio Maschera
publica a primeira co letânea de
canzoni, p eças italianas para
vio linos, cornetos e sacabuxas.
D EPO IS
1 5 8 5 - 1 5 9 8 O tocador de
corneto v enez iano Gio v anni
Bassano p ublica u m livro
de passaggi, v ersõ es
v irtuo sísticas de mo teto s e
c anç õ es po pulares.
1 6 6 1 N a Inglaterra, os
"Sacabuxas e Co rneto s" d a
Ro yai W ind Musick to cam
suites de M atthew Lo cke na
coroação de Carlo s n.
A Basílica de São Marcos, em Veneza, é um ambiente impressionante para os
compositores explorarem timbres
instrumentais e o uso do espaço . O
compositor flamengo A d rian Willaert
foi o primeiro a aproveitar esse
potencial ao se tornar seu diretor
musical em 1527. Seu estilo de chorí
spezzati (coros separados) d iv id iu o
conjunto pelas galerias, com maior
teatralidade às apresentações.
Aprendendo os chorí spezzati de
Willaert, A ndrea Gabrieli, designado
©íflynrkhanut
onDrn
\
Blttti i i i l ianti t £ y Mfnt hl i anOí
onDra
Flautas doces renascentistas
acompanhavam voz. Esta figura de
Musica getutscht (1511), tratado de teoria
musical de Sebastian Virdung, ilustra a
posição dos dedos no instrumento.
organista de São Marcos em 1566, e
seu sobrinho Gio vanni Gabrieli
usaram os grupos venezianos de
pifferí (instrumentistas de sopro
oficiais) para reforçar o conjunto vocal
e apenas para fins instrumentais.
Impacto dramático
A ntes, tro mpetistas o ficiais só
eram o uv ido s no to que de reco lher
e aco mp anhand o d anças. Quand o
as c id ad es e Estad o s nacio nais
renascentistas co meçaram a
d isp utar poder, o papel de seus
instrumentistas ganho u
impo rtância. A música de
qualid ad e foi estimulad a, e
Veneza se d estaco u. A Sonata
pian' e forte (1597) de Gio v anni
Gabrieli , para seis tro mbo nes, u m
corneto e u m a v io la de braço
(antigo vio lino ) fo i a p rimeira obra
p ara metais esp ecíf ico s a incluir
ind icaçõ es d inâmicas de so m alto
ou baixo p ara a execução , co m
efeitos d ramático s de claro e
escuro . Na bruxuleante São
Marco s, u m a so nata tão intensa
po d eria aco mp anhar a
co nsagração d a hó stia. •
Ver também: Canticum Canticorum 46-51 • Water Music 84-89 • As quatro
estações 92-97 «A Paixão segundo São Mateus 98-105 -Elias 170-173
EM CO N TEXTO
M úsica instrumental
renascentista
A N T E S
1507 IntabuJatura de lauto, de
Francesco Sp inacino , é
p ublicad a em Veneza.
1545 A no meação de "Mark
Anthony Gayiardell e George
Decombe, viallines" como
músico s d a corte lança o vio lino
na Inglaterra.
D EPO IS
1611 G io v anni Giro lamo
Kapsberger p ublica Libro
primo dintavolatura de lauto,
música p ara teo rba - u m
alaúde de braço exp and id o
p ara aco mo d ar m ais co rd as
de baixo .
c. 1630 O compositor inglês
Jo hn Jenkins produz p av anas
e In nomines, seguind o o
interesse inglês pela música de
conjuntos de v io la d a g amba,
que chega até a ép o ca de
Henry Purcell.
ACORDE,.
MEU ALAÚDE!
LACHRÍMAE (1604), JOHN DOWLAND
O s instrumentos musicais se desenvolveram rápido a partir do fim do século xiv,
conforme os músicos se
aperfeiçoavam e imitav am o estilo
cortesão para atrair patrocínio. O
primeiro registro de um órgão com
pedais e teclado cromático de doze
notas é de 1361, em Halberstadt,
A lemanha. Por volta de 1440,
enquanto trabalhava na corte da
Baviera, o organista holandês
A rnaut v an Zwolle desenhou um
d iagrama do mais antigo cravo, co m
teclas que erguiam peças verticais
éé
Não culpe meu alaúde,
pois ele deve soar
Deste ou daquele jeito
como eu quiser;
Por falta de espírito o
alaúde está destinado
A dar as melodias
que me agradem.
Thomas Wyatt
f f
de madeira, as martinetes, ajustadas
com palhetas que ded ilhavam
cordas. Zwolle também descreveu o
dulce meios, instrumento de teclado
cujas cordas eram percutidas por
martelos de metal, o mais antigo
registro de mecanismo do estilo de
u m piano.
A ascensão do alaúde
Além d essas inovações, o alaúde,
mais portátil, evo luiu, tornando-se
o instrumento emblemático do
Renascimento . Pietrobono, músico
prestigiado pela família Este, de
Ferrara, por vo lta de 1450-1470,
to cava fluxos de melodia
virtuosísticos (não diferentes dos
solos rápidos de guitarra elétrica)
co m uma palheta de pena,
enquanto o tenorista executava o
aco mpanhamento mais grave e
lento em outro alaúde. A adição de
trastes de tripa, amarrados ao redor
do braço do alaúde, permitia mais
rapidez e precisão à mão esquerda.
Mais uma mudança estilística
significativa foi o alaudista deixar a
palheta. Dedilhando as cordas com a
mão direita, o solista tocava todas as
vozes de uma peça polifônica. No fim
do século xv, o alaúde não era mais o
mero companheiro dos menestréis,
tendo ocupado o coração da música e
RENASCIMENTO 1400-1600 57
Ver também: Le Jeu de Robin et de Marion 32-35 • Sonata piarí e forte, Gabrieli 55- 0 burguês fidalgo 70-71 • Sinfonia em
mi bemol maior, Stamitz 116-117
da composição da corte. O alaúde do
século xv i de início tinha seis
ordens (uma só corda para a nota
mais alta e cinco pares de cordas
afinadas em uníssono ou oitavas),
mas depois ganhou ordens extras
no baixo chamad as d iapasões,
afinadas d iato nicamente (em
passos de u m tom).
A conexão inglesa
Na virada do século xvn, Jo hn
John Dowland
Dowland era um dos vários
compositores para alaúdes de nove
courses. A Inglaterra se destacava no
novo estilo de execução , que
também era popular entre amadores,
como Elizabeth i, retratada tocando
alaúde numa miniatura pintada por
Nicholas Hilliard .
Do w land compôs cerca de
noventa obras só para alaúde, mas
também incorporou o instrumento
em u m consort (grupo musical). Sua
A lg u ns d iz em que Do w land
nasceu em 1563 em W estminster
(Lo nd res) , outros que foi em
Dalkey (Irland a), e seus primeiro s
ano s p ermanecem o bscuro s. No
f im d a juventud e ele serv ia ao
embaixad o r inglês na França,
onde abraço u o cato licismo ,
af irmand o mais tard e que essa
co nversão imp ed iu sua no meação
como alaud ista na corte real
ing lesa em 1594. Do w land v iajo u
então três ano s pela Euro p a, até
achar u m mecenas admirador em
Cristiano ív d a Dinamarca. A
relação depois azedo u e Do w land
foi despedido em 1606.
Instrumentos de consort
renascentista, como o alaúde e cordas,
são mostrados em Audição (o
1617-1618), colaboração entre Jan
Brueghel, o Velho, e Paul Rubens.
co letânea Lachrímae (1604)
desenvolve a p av ana (dança co m
música imponente tratada co m
elaboração instrumental) de mesmo
nome, criando sete variações para
conjunto de cordas co m solo de
alaúde. Os conjuntos renascentistas
incluíam consorts do mesmo
instrumento , mas Do w land
imagino u nas p av anas Lachrímae
seis v io las da gamba ou vio linos,
inclusive o vio lino baixo , antecessor
do violoncelo.
Instrumentistas de teclado e
compositores exib iam destreza e
improvisação em d anças como a
p av ana e a galharda de compasso
ternário , em geral co m variações ao
repetir seçõ es. My Ladye Nevells
Booke (1591), do inglês William
Byrd , contém dez pares pavana-
galharda com variações para
v irg inal, instrumento relacionado
ao cravo . •
Embo ra seu filho, o
compositor e alaud ista Robert
Do w land , d issesse em 1610 que o
p ai estav a ficando "grisalho mas,
como o cisne, cantav a chegando
ao fim", em dois ano s Do w land
seria nomeado u m dos alaud istas
do rei Jaime i d a Inglaterra e v i
d a Escó cia. Entre a no meação e
sua morte, em 1625, po ucas
co mpo siçõ es se co nserv aram.
Outras obras importantes
1597 Firste Booke ofSonges or
Ayres
1612 A Pilgrim's Solace
60 INTRODUÇÃO
A mais antiga ópera
remanescente. Eurídice, de
Jacopo Peri, é composta em
honra do rei Henrique ív da
França e seu casamento com
Maria de Médici.
A
O burguês fidalgo, de
Jean-Baptiste Lully.
satiriza o alpinismo
social e a aristocracia
esnobe da França sob
Luís xiv.
O prelúdio para órgão Ein
feste Burgist unser Gott, do
compositor dinamarquês-
-alemâo Dieterich
Buxtehude. influencia
muito o género coral.
Hàndel estreia num
barco no rio Tamisa a
suite de peças curtas
Water Music,
encomendada pelo
rei Jorge [.
A A A
1600 1670 c. 1690 1717
1610
i
A s Vésperas, de
Cláudio Monteverdi
incorporam polifonia e
monodia, aproximando
os estilos renascentista
e barroco.
1689
I
1714
A ópera Dido and
Aeneas, de Henry
Purcell, narra o amor
mítico entre a rainha
de Cartago e o príncipe
de Tróia.
A publicação de doze
Concerti grossi, op. 6, de
Arcângelo Corelli
estabelece o concerto
grosso como um estilo de
composição.
O período barroco na música se inicio u de modo rad ical, com a apresentação em
Florença d a primeira ópera
mund ial, Dafne, de Jacopo Peri, em
1598. A peça ilustra a passagem da
polifonia para algo mais expressivo
- u m a mudança drástica explorada
co m grande efeito nas Vésperas, de
Monteverdi, que contrasta os
estilos velho e novo.
Eventos-chave
Um dos p rincip ais traços do
Barro co inic ial, e que d ev ia ser
surpreendente na épo ca, era a
rejeição da po lifonia em favor de
u m a l inha melód ica única, co m
aco mpanhamento simples. Essa
"monodia", como foi chamad a, era
uma tentativa de reproduzir o
estilo do teatro clássico grego. O
aco mpanhamento tinha
significado especial: nas seçõ es
recitativas d a ópera inic ial -
expo siçõ es livremente co mpo stas
do enredo que ligava as árias - , a
voz era aco mp anhad a por u m só
instrumento grave, como u m
vio loncelo , e u m instrumento
capaz de produzir acordes, como o
cravo ou o alaúde. Esse
aco mpanhamento , co nhecido
como basso continuo, ou
simplesmente continuo, se tornou
elemento -ohave d a música do
Barro co inic ial.
O continuo era importante
porque fornecia a base harmónica
para a melodia. A po lifonia tinha
caracterizado a música
renascentista; já o novo estilo se
definia pela harmo nia. Em vez de
entrelaçar melodias baseadas nos
modos ou escalas gregos antigos,
os compositores do Barroco inic ial
criav am música sobre acordes
maiores ou menores. Efeitos
dramáticos e contrastantes eram
obtidos variando a intensidade do
so m e o tempo, movendo a música
entre escalas e instrumento s,
adicionando às vezes ornamentos
como trinados.
O revolucionário estilo novo e a
ideia de uma p eça teatral musicad a
se mo straram muito populares, em
especial nas aristo cracias italiana e
francesa, que empregavam músicos
e um compositor residente para
entretenimento nas cortes. A lém de
óperas, eles apresentavam música
instrumental, e, na corte real de
Versalhes, Jean-Baptiste Lully
montou uma orquestra que supria
música incidental e d anças para a
encenação d as últimas co méd ias
de autores como Molière. Essa
forma de diversão ligeira se
BARROCO 1600-1750 61
As quatro estações,
de Antonio Vivaldi,
são publicadas com
notas de programa e
recebem aclamação
da crítica.
Georg Philipp
Telemann trabalha
com uma diversidade
de géneros musicais
em seu celebrado
Musique de table.
A
1725
A
1733
Na última década
de vida, J. S.
Bach escreve A
arte da fuga, com
catorze fugas e
quatro cânones.
A
c. 1742-1750
1717-1723
François Couperin, da
famosa família Couperin,
de músicos, publica
quatro volumes de ordres
de cravo em Pièces de
Clavecin.
1727
I
O oratório A Paixão
segundo São Mateus,
de J. S. Bach, musica
os capítulos 26 e 27 do
Evangelho de Mateus.
1733
O sucesso de
Hippolyte et Aricie,
de Jean-Philippe
Rameau desafia o
supremacia da ópera
italiana.
d ifund iu em outros lugares e
influenciou o desenvo lvimento do
d rama musical chamado
"mascarad a" na Inglaterra.
Desde a Reforma, os
protestantes franz iam a testa para
a ópera e em terras germânicas a
ativ idade era muito restringida pela
Igreja. Gradualmente, porém, u m
estilo barroco germânico d istintivo ,
muito d iverso do italiano e do
francês, se desenvo lveu a partir dos
corais, melodias de hinos da Igreja
Luterana que uniam o tratamento
harmónico do novo estilo de música
vo cal a alguns elementos da velha
polifonia italiana.
Esse estilo híbrido se adequava
mais ao temperamento norte-
-europeu e logo foi aceito na música
protestante. Ele inspiro u o
desenvo lvimento do prelúdio coral
instrumental, arranjo às vezes
floreado de uma melodia coral, em
geral para órgão.
Alto e Baixo Barroco
Co m o passar do tempo, muito s
elementos do Barro co inic ial
d esapareceram. Por vo lta de 1700,
co meço u o período referido
como A lto Barroco . O que antes
era u m pequeno grupo de
aco mpanhamento para cantores de
ópera ganho u v id a própria como
u m a orquestra de instrumento s de
corda, mad eira e metal to cando
uma no va fo rma de música, o
concerto grosso, popularizado por
A rcângelo Corelli e A nto nio
Viv ald i . O continuo, embo ra aind a
fosse a esp inha dorsal d a
orquestra, também se tornou u m
conjunto de câmara independente,
to cando a forma de música
co nhecid a como "sonata em trio".
A própria ópera foi arrebatada,
surgindo agora como música co ral
fora do palco , como a cantata laica
e o oratório sacro .
O Baixo Barroco foi dominado
por três compositores nascido s na
A lemanha em 1685. O primeiro ,
Georg Philipp Telemann, é muitas
vezes o fuscado pelos outros dois,
mas foi de longe o mais prolífico.
O segundo , Geo rg Fried rich
Hàndel, foi u m músico não elitista
que fez nome na Inglaterra co m
oratórios e música orquestral.
O terceiro , considerado o maior dos
três, foi Jo hann Sebastian Bach:
u m compositor conservador mas
artesão consumado . Durante uma
v id a de trabalho nas cortes e para a
Igreja, a música sacra e profana de
Bach representou o ponto alto doperíodo Barroco . •
EM CO N TEXTO
FO C O
Ó p e r a i n i c i a l
A N T E S
c . 7 7 0 a . C . O teatro antigo
grego inco rpo ra a música.
Mito s gregos id entif icam Orfeu
co mo o "p ai d as cançõ es".
1 5 9 8 Peri co labora co m Jaco po
Co rsi em L a Dafne, a p rimeira
ópera, co m libreto de Ottav io
Rinuc c ini , encenad a no
Palazzo Co rsini, em Florença.
D EPO IS
1 6 0 7 A p rimeira ópera de
Mo nteverd i, LOrfeo, é
encenad a em Mântua.
1 6 3 7 A p rimeira c asa de ópera
pública - o Teatro d i San
Cassiano , em Venez a - é
aberta, co m LAndromeda (hoje
perdida), de Francesco
Manelli .
1 6 4 0 Mo nteverd i co mpõ e II
rítomo dVIisse in pátria, su a
p rimeira ópera escrita p ara u m
teatro público em Veneza.
UMA DAS DIVERSÕES
MAIS MAGNÍFICAS
E CARAS
EURÍDICE mQ), JACOPO PERI
A s co nd içõ es para o nascimento da ópera eram ideais em Florença nos
anos 1590. Grandes espetáculo s
teatrais co m música, conhecidos
como intermedi e muitas vezes
apresentados como interlúdios em
p eças faladas, eram encomendados
para celebrações d inásticas, como
casamento s e batismos. Suas
seçõ es musicais - cançõ es (ou
"árias"), danças, coros - eram
também intercaladas por diálogos
falados. Fo i a introdução do
Orfeu e Eurídice sobem do
submundo na pintura de Edward
Poynter de 1862. O mito grego se
prestava especialmente à ópera porque
Orfeu era músico.
recitativo (recitar cantando), a arte
de falar em música, que definiu a
ópera.
A s sociedades intelectuais de
Florença, em especial a Camerata
de' Bard i, que se reunia na casa de
seu mecenas, o dramaturgo e
compositor Gio v anni de' Bard i,
BARROCO 1600-1750 63
Ver também: O burguês fidalgo 70-71 -Dido and Aeneas 72-77 • Orfeu e Eurídice
118-119 - A flauta mágica 134-137 • O barbeiro de Sevilha 148
tinham incluído em seus debates
humanistas d iscussõ es sobre a
natureza do teatro grego e
concluíram que era todo cantado .
Peri escreveu La Dafne (1598) co m o
compositor Jacopo Co rsi e o poeta
Ottavio Rinucc ini na tentativa de
recuperar essa prática.
Elementos da ópera
Embo ra só restem fragmentos de
La Dafne, a segund a obra de Peri,
Eurídice, se conservou intacta. O
libreto de Eurídice conta o mito
grego de Orfeu, que v ai ao
submundo resgatar a mulher,
Eurídice, que morreu mordida por
uma cobra. Eurídice tem a
co mbinação de cançõ es intermédio
padrão, alternando coros e
passagens instrumentais, porém
ligados por recitativos - o novo
estilo de d iscurso cantado . No
prefácio à obra, Peri exp lica a
intenção de "imitar a fala com
música", que era a base do novo
género. Ele também lista alguns
dos instrumento s tocados na
produção original, como cravo,
chitarrone (alaúde baixo), vio lino ,
éé
Ela cria um mundo coerente,
carregado de uma atmosfera
distinta. É simples sem
ser sem graça e digna sem
ser pomposa.
Stephen Oliver
f f
éé
Cantar suas obras, compostas
com o maior engenho [...]
emocionava e levava corações
duros às lágrimas.
Severo Bonini
f f
lira e alaúde, embora po ssa ter
havido outros. A apresentação
incluiu seçõ es compostas pelo rival
de Peri na corte, Giulio Cacc ini ,
que treinara vários dos cantores.
Cacc ini fez até seu próprio arranjo
musical do libreto e imprimiu-o
antes do de Peri. A publicação
dessas partituras garantiu a
sobrevivência da ópera.
Nas pegadas de Peri
A nova forma representada por
Eurídice foi repetida em Florença e
imitad a em outros lugares. Em
Mântua, Cláudio Monteverdi,
mestre de música da corte ducal,
produziu em 1607 LOrfeu,
considerada a primeira obra-prima
operística. Ele compôs aind a três
obras para as casas de ópera
venezianas - II rítorno dVlisse in
pátria, Lincoronazione di Poppea e
outra hoje perdida - ,
exemplificando o novo estilo . Logo
os seguidores de Monteverdi, como
Francesco Cav alli e A nto nio Cesti,
produziam óperas dentro e fora d a
Itália, co m recitativos e árias
mantendo unid a a estrutura. •
Jacopo Peri
Nascid o nu m a família nobre
em 1561, Jaco po Peri cresceu
em Flo rença. A d o lescente,
to co u órgão e canto u em
várias igrejas e mo steiro s d a
cidade antes de iniciar u m a
ligação vitalícia co m a corte
dos Médici como cantor,
aco mpanhad o r e compositor.
Em 1598 pro d uziu La Dafne,
seguid a dois ano s depo is por
Euridice, p ara os festejos de
casamento de M aria de Médici
e Henrique ív d a França. Peri
também co mpô s p ara a corte
de Mântua, impo rtante
musicalmente.
Co labo ro u muitas v ez es
co m outros composito res,
como os irmão s Gio v anni
Battista e Marco d a Gagliano .
Embo ra po ucas obras tenham
so brev iv ido como testemunho
do talento de Peri, suas ó peras
fixaram o modelo que seria
seguido mais tard e. Mo rreu
em Flo rença em 1633. Sua
lápide na igreja flo rentina de
Santa M aria No vella
descreve-o como o invento r
d a ópera.
Outras obras importantes
1598 L a Dafne
1609 Le varie musiche
A MÚSICA
DEVE EMOCIONAR
TODO O SER
VfSPE/MS (1610), CLÁUDIO MONTEVERDI
66 NASCIMENTO DO BARROCO
EM CO N TEXTO
FO C O
N a s c i m e n t o d o B a r r o c o
A N T E S
1 5 8 7 A nd rea Gabrieli publica
Concerti, co letânea de música
sacra cerimo nial p ara vo zes e
instrumento s, intro duzindo o
estilo dos cozi spezzati (coros
separados).
1 6 0 2 Lo d o v ico V iad ana
p ublica Conceiti ecclesiastici
p ara u m a a quatro vozes, a
p rimeira co mpo sição co m
basso continuo - u m
aco mp anhamento
instrumental co rdal.
d e z e m b r o d e 1 6 0 2 Giulio
C ac c in i estreia Eurídice
basead o no mesmo libreto d a
Eurídice de Jaco po Peri,
intro duzindo o sLife recitativo
(estilo declamatório entre fala e
canto), insp irad o na
d ramaturg ia dos gregos
antigos.
1 6 0 7 Mo nteverd i co mp õ e su a
revolucionária p rimeira ópera,
LOrfeo, basead a na lenda
grega de Orfeu.
D EPO IS
1 6 1 9 Heinrich Schutz ,
d iscípulo de Gio v anni Gabrieli,
p ublica Psalmen Davids,
co letânea de arranjos para
salmo s. E m 1629 ele produz
três conjuntos de Symphoniae
Sacrae, dando igual
impo rtância a vo zes e
instrumento s.
A s Vésperas da Santa Virgem (1610), de Monteverdi, são uma das
mais influentes co letâneas de obras
sacras para vozes e instrumento s
do século xvn. Nenhum coral maior
foi escrito antes e nenhum tão
longo ou inovador depois, até as
Paixõ es de J. S. Bach e os oratórios
de Hàndel, no século xvm.
Salto coral
Escritas para as vésperas, o ofício
do entardecer na Igreja Católica, e
em especial em honra da Virgem
Maria, as Vésperas de Monteverd i
marcam a transição do velho estilo
polifônico (com muitas vozes)
chamado prima pratica (primeira
prática) no Renascimento , em que
todas as vozes são iguais, para o
estilo mais livre barroco conhecido
como seconda pratica (segunda
A Catedral de Cremona, onde se
pensa que o jovem Monteverdi estudou
composição com o mestre de coro
Mare'Antonio Ingegneri.
prática), co m ênfase na voz solo.
Neste, as harmo nias se to rnaram
mais ousadas, co m maior uso da
monodia, na qual a melodia se
escorava num continuo - ou linha
de baixo - instrumental de órgão,
cravo ou alaúde. A s linhas de baixo
também p assaram a ser mais
melódicas. Ornamentos, que antes
eram improvisados pelo artista,
to rnaram-se mais elaborados,
ganhando muitas vezes notação
completa do compositor.
Esses desenvo lvimentos
levaram às características musicais
d istintas do Barroco , em que a
irregularidade e a extrema
expressão às vezes perturbam o
suave fluxo musical, chamando
atenção dos ouvintes. Contrastes
de melodia, textura, timbre, tempo
e ritmo abund am na música
barroca. Além disso , os
instrumento s assumem papel de
mais destaque e sua música fica
mais definida, refletindo maior
técnica e co nstrução melhor e mais
confiável.
Ver também: Cantochão 22-23 • Magnus líber organi 28-31 • Missa de
Notre-Dame 36-37 • Missa Pange língua 43 • Canticum Canticorum46-51
éé
O objetivo de toda boa música
é afetar a alma.
Cláudio Monteverdi
f f
O novo estilo foi adotado na
maio ria das formas musicais. O uso
maior do baixo cifrado (com
numerais e símbo los ind icando as
harmo nias a tocar no continuo)
passo u à ópera e ao oratório. Na
música vo cal, a melodia transmitia
pensamentos, emo çõ es, açõ es e
reações de u m personagem numa
ópera ou mesmo numa música
aco mpanhada.
A nova ênfase no personagem
levou ao desenvo lvimento da sonata
aco mpanhada (como a sonata em
trio, co m dois vio linos e u m
violoncelo), do recitativo solo e d a
ária, e do concerto - na verdade,
toda forma musical co m u m artista
em especial num grupo. Essa
evolução estilística enfatizou o
contraste, permitindo expressão
emocional mais ampla na música
vo cal e mais variação rítmica na
expressão e transmissão do texto .
Ela estimulo u a experimentação
entre os compositores, que
exploraram cad a vez mais o
v irtuo sismo instrumental.
Música sacra
Enquanto o velho estilo polifônico
aind a era amplamente usado na
música sacra europeia na primeira
metade do século xvn, um novo
estilo , o concertato, contrastando
coros e instrumentistas múltiplos,
desenvo lveu-se em Veneza e se
espraiou na A lemanha. Na
Inglaterra, essa nova tendência se
refletiu no verso anthem, em que
estrofes para vozes solo se
alternavam co m passagens corais.
Vésperas virtuosísticas
A s Vésperas de Monteverdi foram
d as primeiras p eças de música
sacra a explorar as ricas
possibilidades da seconda pratica,
mas o compositor não esqueceu as
vantagens da prima pratica e
arranjou os textos estritamente
litúrgicos em canto chão tradicional.
A sequência musical usual do oficio
de vésperas co nsistia em oito
movimentos, abrindo co m u m
"versículo" iniciado pelas palavras
Deus in adjutorium meum intende
(Deus se apressa a nos salvar). A
ed ição o riginal de 1610 d as
Vésperas contém treze
movimentos e inclui uma versão do
Magnif icai para seis vozes e órgão.
A lém da própria música de
vésperas, o vo lume tem um arranjo
para missa a cappella ("na capela",
ou sem acompanhamento ) - a
missa In ilio tempore -, baseado
num moteto de mesmo nome do
compositor renascentista Nico las
Gombert. (Missas e vésperas eram
os dois ofícios da liturgia da Igreja
Católica mais elaboradamente
arranjados no fim do século xv i e no
início do xvn na Itália.)
Entre os treze mo vimento s das
Vésperas, Monteverdi d ispõe cinco
salmos que lo uvam a Virgem Maria,
além de Ave maris Stella (Salve,
estrela do mar), u m hino a Maria do
século vm que precede o Magnificat
no arranjo o ficial d as o rações
diárias, e o próprio Magnificat. »
BARROCO 1600-1750 67
Cláudio Monteverdi
Nascido em Cremo na em 1567,
Mo nteverd i co meço u
ado lescente a compor música,
produzindo u m a série de
motetos de três partes e u m
livro de mad rigais. Esses feitos
lhe p ermitiram d eixar Cremo na
p ara se to rnar instrumentista
de cordas na corte do duque
Vincenzo Go nzaga em Mântua,
onde foi influenciado pelo
maestro di cappella (diretor
musical) d a corte, Giaches de
Wert, e co meço u a escrever
óperas. Em 1607, sua primeira
ópera, UOrfeo, foi executad a
em Mântua, seguid a por
LArianna em 1608.
A pó s a mo rte de Go nzaga,
em 1612, Mo ntev erd i foi p ara
Ro ma, onde apresento u suas
Vésperas p ara o p ap a. No ano
seguinte to rnou-se maestro di
cappella em São Marco s, em
Venez a. Sua última ópera,
Uincoronazione di Poppea, fo i
encenad a em 1642, u m ano
antes morrer.
Outras obras importantes
1605 Quinto livro de madrigais
1607 UOrfeo
1640-1641 Selva morale e
spirituale
1642 Uincoronazione di
Poppea
68 NASCIMENTO DO BARROCO
Monteverdi usa canto chão (cantos
em latim sem acompanhamento ,
em linha única, associados hoje a
monges e mosteiros) como base de
sete seçõ es. O retorno constante ao
canto chão estabelece u m fio
composicional que une os estilos
muito diferentes do Renascimento
e do Barroco . Ele também ajudou a
assegurar que o trabalho de
Monteverd i não ind ispo ria a Igreja.
Concertos sacros
Além de cinco salmos, d a Ave
marís Stella e do Magnificat,
Monteverd i arranjou quatro
antífonas - sentenças curtas
cantad as ou recitadas antes ou
depois de um salmo ou cântico .
Não litúrgicas (não fazem parte dos
ofícios), as duas primeiras antífonas
vêm do Cântico dos Cânticos do
Velho Testamento . São elas Nigra
sum, sed formosa (Sou escura mas
sou formosa) e Pulchra es (Você é
bela), cantadas por do is sopranos
cujas linhas se entrelaçam como
num dueto de amor.
Na terceira antífona, Duo
Seraphim, dois anjos c lamam
através do céu e na quarta, Audi
coelum (Ouça, ó céu), o final das
palavras cantado por um tenor é
A família em concerto (c 1752), do
artista veneziano Pietro Longhi, que
se especializou em cenas domésticas
da época.
Monteverdi dedicou e apresentou
suas Vésperas ao papa Paulo v, membro
da poderosa família Borghese, talvez na
esperança de obter encomendas.
ecoado por outro, criando um efeito
etéreo. Por exemplo, o "gáudio"
(alegria) do primeiro cantor é ecoado
como "audio" (ouço). Recurso s como
frases repetidas para criar ênfase
podem ter surgido numa ópera.
Os arranjos de vésperas são
completados pela Sonata sopra
Sancta Maria (Sonata sobre [o
cantochão ] de Santa Maria, rogai
por nós). Juntas, as quatro antífonas
e a sonata foram descritas por
Monteverdi como "concertos
sacros". "Sonata" e "concerto" são
termos que d atam do século xvm,
Música em V eneza
Po ucas cidades na Euro p a têm
trad ição musical mais lo nga ou
gloriosa que Veneza. N a era
barro ca, fo i u m centro artístico e
poderoso eixo co mercial, co m
grand e trad ição de cerimó nias d a
Igreja e do Estad o que exig iam
música. A fama de seus
compositores, como A nd re a e
Gio v anni Gabrieli, Mo ntev erd i e
Viv ald i , riv aliz a co m a de seus
p into res - Bellini, Tic iano ,
Veronese, Tinto retto e Tiepo lo .
Co m a abertura d a p rimeira casa
de ó pera do mundo , o Teatro d i
quando tinham sentido e uso u m
pouco d iversos dos atuais. A té
cerca de 1650, "sonata" e "canzona",
composição instrumental que
emprega a repetição , eram
intercambiáveis: já "concerto"
significava apenas uma peça para
grupo de vozes e instrumento s.
As intenções de Monteverdi
Não se sabe se Monteverdi
esperava ouvir as Vésperas
cantadas como uma obra completa.
Há pouca evidência de que alguma
publicação de 1610 tenha sido
executada inteira em sua v id a e
não se sabe se os movimentos d as
vésperas foram alguma vez
apresentados juntos. Segundo
alguns especialistas, as Vésperas
são só uma co letânea de arranjos
religiosos em honra da Virgem
Maria publicados juntos por
conveniência. A publicação pode
ter sido pensada pelo autor como
duas obras - vésperas e missa -
completas em si mesmas, e
também como u m compêndio de
música sacra onde se po deriam
buscar mo vimento s para o casiõ es
d iversas, quando cantores e
instrumentistas exímios
estivessem disponíveis, como nas
San Cassiano , em 1637, a ópera
enco ntro u grand e público na
cidade.
No século xix, Ro ssini teve
alguns de seus maio res triunfo s
em Veneza, enquanto Wagner,
v isitante regular que depo is
mo rreria na cidade, co mpô s
Tristão e Isolda ali, e Verd i
estreo u Rigoletto (1851) e L a
trav iata (1853) no Teatro L a
Fenice, a p rincip al casa de ópera
a partir de 1792. No século xx,
A carreira do devasso (1951),
de Strav insky , e A volta do
parafuso (1953), de Benjamin
Britten, tam b ém estrearam lá.
BARROCO 1600-1750 69
éé
Eu preferiria ser
moderadamente elogiado
pelo novo estilo a ser muito
louvado pelo comum.
Cláudio Monteverdi
f f
cortes de Mântua, São Pedro em
Ro ma ou São Marco s em Veneza.
Era preciso um mínimo de dez
vozes para executar as Vésperas, e
as partes instrumental e vo cal
requeriam enorme agilidade. Para
as seçõ es mais "corais", como
Laudatepuerí, Dixit Dominus e o
movimento final do Magnificat,
algumas apresentaçõ es co ntrastam
Esta página de manuscrito mostra a
notação feita à mão por Monteverdi em
Uincoronazione di Poppea (A coroação
de Popeia), de 1642, sua última obra
antes de morrer, em 1643.
grandes coros com conjuntos
menores usando a técnica dos cori
spezzati (coros separados) para
criar u m efeito "estéreo". Os
instrumento s só são especificados
em certas seçõ es d a obra: a fanfarra
de abertura, emprestada da ópera
LOifeo (1607) de Monteverdi, a
sonata e as seçõ es do Magnificat.
Vozes e instrumentos
Contemporâneos criticav am às
vezes Monteverd i pela mudança de
estilo da prima pratica tradicional
para a seconda pratica mais
operística que uso u nos concertos
sacros e também nos madrigais.
Eles podem ter achado esse tipo de
escrita muito ostentosa para
música religiosa.
Um autor, Gio v anni A rtusi ,
atacou o estilo barroco, citando
mad rigais de Monteverdi para
sustentar seus argumentos. Ele
objetava aos uso s da d issonância,
de mudanças de escala não
ortodoxas e de cadências
irregulares. Porém, Monteverdi não
considerava as duas técnicas
rad icalmente d iversas: ambas eram
modos de arranjar um texto
expressivamente e ser fiel a ele. •
Do Renascimento
ao Barroco
A s Vésperas de Monteverd i se
estruturam sobre o
cantochão gregoriano
tradicional.
Ele acrescenta música
virtuosística para cantores
solo, criando u m efeito mais
enfático e expressivo .
A expressão mais livre é
suplementada por floreios
improvisados e recursos
dramáticos.
A ênfase maior na
harmonia leva a uma técnica
composicional mais livre.
O efeito último é um som
público grandioso
... que se baseia
em estruturas
tradicionais para
criar um novo
estilo coral.
70
LULLY E MERECIDAMENTE
DIGNO DO TÍTULO
DE PRÍNCIPE DOS
MÚSICOS FRANCESES
O BURGUÊS FIDALGO (KW),
IEAN-BAPTISTE LULLY
EM CO N TEXTO
Barroco f rancês
A N T E S
1 6 2 6 É fund ad a a o rquestra do
rei - Le s Vingt-Quatre Vio lons
d u Ro i - , u m conjunto em que
Lully mais tarde se apresenta.
1 6 4 7 Estreia Orpheus, de
Lu ig i Ro ssi, a p rimeira ópera
enco mend ad a pela corte
francesa.
D EPO IS
1 6 9 1 Henry Purcell co mp õ e a
ópera King Arthur, co m efeitos
"arrepiantes" de vio lino ,
supo stamente influenciado
pela ópera Isis, de Lully .
1 6 9 3 A ópera Médée, de
Marc -A nto ine Charpentier, é
devedora do estilo de Lully .
1 7 3 3 Hippolyte etAricie, de
Jean-Philip p e Rameau, é a
p rimeira ópera francesa a se
d istanciar do estilo de Lully e a
p rimeira p eç a musical a ser
d escrita co mo barro ca.
A comédie-ballet O burguês fidalgo (1670), do compositor Jean-Baptiste
Lully e do dramaturgo e ator
Molière, representa o auge desse
género especificamente francês.
Era a culminação de uma série de
comédies-baliets de ambo s,
conhecidos como Le s Deux
Baptistes ("Os dois Baptistes"; o
nome real de Molière era Jean-
-Baptiste Poquelin). O balé era hav ia
muito apreciado na corte de Luís
xiv, e a comédie-bailet misturav a
teatro falado co m música e dança.
A história das ilusões de
grandeza do tolo senhor Jo urdain,
em O burguês fidalgo, é narrada por
diálogos falados, escrito s por
éé
Não creio que haja música
mais doce sob o céu
que a de Lully.
Madame de Sévigné
Aristocrata francesa (1626-1696)
Molière, intercalados a d anças e
interlúdios o rquestrais v iv azes de
Lully . Os coros e as árias solo são
de autoria de ambos.
Habilidade impressionante
Lully era músico , dançarino e ator
hábil, e isso se ev id encia em suas
co mpo siçõ es. Em vez de só
aco mpanhar os cantores, a
o rquestra de Lully realça a
d ramaticid ad e de suas obras,
comentando as açõ es dos
perso nagens e criando u m sentido
de lugar e tempo. Seu Ballet des
muses antecipo u, já em 1666, o
nascimento do concerto ,
contrapondo passagens
instrumentais solo a respo stas
alternadas o rquestrais.
Exemp lo s de v irtuo sismo e
co mplexidade são muito ev identes
em O burguês fidalgo, em esp ecial
nas interaçõ es ágeis entre
personagens, nos o rnamento s
rodopiantes de vio lino e flauta das
cançõ es espanho las e nos floreios
pomposos d a abertura. Em cinco
atos, Lully usa todas as
ferramentas ao dispor, d as formas
de d ança populares, como jigas e
minueto s, a música para escutar
bebendo e até uma marcha "turca"
grand io sa co m percussão vívida.
BARROCO 1600-1750 71
Ver também: Le Jeu de Robin et de Marion 32-35 • Eurídice 62-63 • Hippolyte et Arície 107 • Orfeu e Eurídice 118-119 •
A flauta mágica 134-137 • O barbeiro de Sevilha 148 «Der Freischútz 149 'La traviata 174-175 > Tosca 194-197
Hábil violinista, Lully tocava suas
próprias obras. Acredita-se que seja ele
o homem com um violino nesta pintura
de François Puget de 1688.
Embo ra não tenha inventado o
"o rientalismo" musical, Lully é
amplamente cred itado por sua
d ifusão no século xvm. Seu uso d a
ouverture - introdução o rquestral
semelhante a uma marcha, em que
em geral se exibe a po mpa real e
se rende ho menagem ao rei -
tornou-se u m traço musical padrão
de quase to das as óperas
seguintes.
Surge o maestro
A instrumentação crescente de
Lully, co m cordas, mad eiras e
percussão de cinco partes, fez co m
que O burguês fidalgo fosse uma
d as primeiras obras musicais a
exig ir um regente para coordenar o
ritmo dos cantores e d a o rquestra.
Na verdade, há uma grav ura da
última ópera de Lully , Alceste,
estreada em 1674, que mo stra u m
ho mem "marcando o tempo " no
chão co m u m bastão . Infelizmente
p ara Lully , foi esse método
vigoroso de d ireção musical que
precipitou seu fim. Em março de
1687, ele morreu por gangrena em
uma ferida causad a por u m a
p ancad a no dedão do pé quando
batia o tempo ao reger seu próprio
Te Deum. m
Jean-Baptiste Lully
Nascid o nu m a
família de
mo leiros
flo rentinos em
1632, Gio v anni
Battista Lu l l i
inicio u sua ascensão na
so ciedade francesa ao to rnar-se
criado na corte, aos cato rze
anos. Chamo u a atenção de
Luís xiv, co m o qual mais tard e
danço u em espetáculo s d a
realeza. E m 1661, fo i
encarregad o d a música na corte,
e nessa épo ca afranceso u seu
nome. O monopólio d a ópera
f rancesa por Lu l ly lhe p ermitiu
pro d uzir múltiplas obras. Sua
prolífica produção antes d a
mo rte p rematura em 1687
também inclui música de
câmara e obras sacras.
Outras obras importantes
1 6 6 3 Miserere mei Deus
1674 Alceste
1 6 7 7 Te Deum
1 6 8 6 Armide
TALENTO ESPECIAL
PARA EXPRESSAR A ENERGIA
DAS PALAVRAS
INGLESAS
DIDO AND AENEAS (c. 1683-1689),
HENRY PURCELL
74 OPERA RARROGA NA INGLA7ERRA
EM CO N TEXTO
FO C O
Ó p e r a b a r r o c a n a I n g l a t e r r a
A N T E S
1 6 1 7 A mascarad a Lovers
Made Men, de Ben Jo nso n, é
musicad a por Nicho las Lanier
no estilo recitativo italiano .
1 6 5 6 The Siege ofRhodes, de
cinco compositores, é tida como
a primeira ópera inglesa, mas é
chamad a de "música recitativa"
para evitar a proibição de p eças
feita pelos puritanos.
c . 1 6 8 3 Estreia Vénus and
Adónis, de Jo hn Blow , na corte
de Carlo s n.
1 6 8 5 Albion and Albanius,
co m libreto de Jo hn Dryd en e
musicad a por Lo uis Grabu, é a
mais antiga ópera completa em
inglês que se co nservo u
totalmente.
D EPO IS
1 7 0 5 Gli amori d'Ergasto, de
Jako b Greber, é a p rimeira
ópera italiana pro d uzid a em
Lo nd res.
1 7 1 1 Hándel estreia a ópera
italiana Rinaldo, sua p rimeira
obra p ara os palco s londrinos.
Dido and Aeneas é uma das
expressões de génio mais
originais em toda a ópera.
Gustav Holst
A grandeza de Dido and Aeneas, de Henry Purcell (1659-1695), reside na
perfeição da caracterização e
pro fundidade musical. Embo ra
concebida numa escala em
miniatura, é a mais importante
ópera inic ial inglesa e uma obra-
-prima de toda a era musical
barroca.
No fim do século xvn, quando
Dido and Aeneasfoi composta, a
ópera aind a estava na infância na
Inglaterra. Ela tinha evoluído em
Florença nos anos 1590 a partir de
uma forma de entretenimento
privada o rganizada por grupos de
artistas e músicos conhecidos
como "academias" (pp. 62-63). Dali
se espalhou pela Itália co m
encenaçõ es em várias das muitas
pequenas cortes. Só em 1637, co m
a abertura do Teatro d i San
Cassiano em Veneza, a ópera foi
levada a u m público maior. O novo
género tinha alcançado a
A lemanha nessa épo ca e a França
nos anos 1640, logo se enraizando
nos dois países.
Na Inglaterra, a ópera avançou
mais devagar, em parte por
preconceito contra teatro cantado,
quando o falado era dominante no
Puritanos zombam dos Cavaleiros e
seus trajes exuberantes numa cena de
taverna do século xvn. Cromwell fechou
muitas estalagens e teatros, que
chamava de bastiões da "alegria lasciva".
país. A Inglaterra não tinha uma
corte real ao redor da qual a tradição
operística poderia florescer, devido
ao exílio do futuro rei Carlos n após a
derrota dos Cavaleiros (realistas) na
Guerra Civ i l Inglesa (1642-1651) e o
estabelecimento do protetorado sob
a regência do puritano Oliver
Cromw ell. Nesse período, os
compositores ingleses não foram
muito expostos a influências
estrangeiras e sua música tendeu a
manter forte identidade nacional.
Formas como o verse anthem, em
que vozes solo e coro cantam
estrofes alternadas, eram
favorecidas na liturgia anglicana. A
música profana incluía catches -
cânones licenciosos simples, em
geral cantados em tavernas - , sem
equivalente direto na Euro pa
continental.
Uma génese misteriosa
A restauração d a mo narquia em
1660 co m Carlos n aproximou a
Inglaterra do continente europeu e
BARROCO 1600-1750 75
Ver também: Eurídice 62-63 « Orfeu e Eurídice 118-119 • A flauta mágica 134-137
• O barbeiro de Sevilha 148 • La traviata 174-175 • Peter Grimes 288-293
de seu repertório musical. Isso
influenciaria Purcell, que
desenvo lveu suas habilidades
compondo co m maestria hinos e
cançõ es a partir dos dezesseis anos.
Muitas dessas p eças precoces
mo stram o alcance d a imaginação
que faria de Dido and Aeneas, mais
tarde, uma obra tão poderosa.
Pouco se sabe sobre a criação
de Dido and Aeneas. Os
manuscrito s mais antigos
conhecidos são de várias décadas
após a morte de Purcell e alguns
materiais, como a música para o
prólogo do libretista N ahum Tate,
se perderam. A estreia d a obra
também é misterio sa. Ela foi
Dido acolhe Eneias numa cena de
artista italiano (anónimo, séc. xvm). Embora
baseada no poema épico de Virgílio, a
ópera de Purcell usava bruxas, em vez de
deuses, para separar os amantes.
encenada na Jo sias Priesf s
Bo ard ing School for Yo ung Lad ies
em Chelsea no fim dos anos 1680,
mas alguns crêem que foi
encomendada antes pela corte do
rei Carlos n. Não há, porém,
nenhuma evidência de encenação
no período proposto (1683-1684). O
próprio Priest era coreógrafo e
mestre de dança e hav ia trabalhado
com Purcell em produções teatrais.
Vénus and Adónis, de Jo hn Blow, o
modelo para Dido and Aeneas e
também para uma ópera co m
prólogo e três atos, foi recuperada
por Priest e suas alunas e estreou
na corte por vo lta de 1683.
A influência continental
Embo ra Purcell se inspirasse no
estilo de antecessores e
contemporâneos ingleses, como
Matthew Lo cke e Blow, modelos
musicais europeus são evidentes »
Henry Purcell
Nascido em 1659, quando a
v id a na corte estava prestes a
ser restaurad a co m a ascensão
de Carlo s n, Purcell foi u m
músico completo . Em sua
carreira relativamente breve,
ad quiriu as habilidades
necessárias p ara o êxito em
todos os género s disponíveis.
Fo i menino do coro na Cap ela
Real e, adulto , recebeu vários
encargos na corte, compondo
música p ara eventos o ficiais,
além de obras p ara câmara e
igreja, cançõ es e suites p ara
cravo . Como o rganista d a
A b ad ia de Westminster a
partir de 1680, trabalho u perto
do West En d londrino e compôs
música instrumental p ara
dezenas de p eças. Co laborou
aind a em várias semió peras e
óperas dramáticas co m
substancial conteúdo musical,
como King Arthur e The Fairy
Queen. Mo rreu em 1695,
quando co mp unha The Indian
Queen, d eixand o a conclusão
de sua obra a cargo do irmão.
Outras obras importantes
1691 King Arthur
1692 The Fairy Queen
1694 Come, Ye Sons ofArt
1695 Funeral Music for Queen
Mary
76 ÓPERA BARROCA NA INGLATERRA
Na infância, Purcell foi coralista
da Capela Real em Hampton Court,
na Inglaterra, um local de
treinamento para jovens músicos.
Renovação da música
A base criativ a d a música e do
teatro ingleses se achav a em mau
estado quand o Carlo s n subiu ao
trono em 1660. Os puritano s
tinham fechado os teatro s
lo ndrino s desde cerca de 1642 e,
od iando música em lo cais de culto ,
d isp ersaram até os coros d as
cated rais. O interesse de Carlo s
pelas artes e o apoio que d eu a
elas fo ram p arte de u m a política
mais amp la de estimulo ao
entretenimento .
Isso influencio u a música de
vários modos. Carlo s crio u u m a
o rquestra real de co rdas nos
mo ldes d a Ving t-Quatre Vio lo ns
d u Ro i, de Luís xiv. El a to cav a
em ofícios d a igreja e evento s d a
corte, executand o odes de
aniversário de Purcell e outros.
O posto de "Master of the King ' s
M usick" fo i reinstituído co m a
reno meação de Nicho las Lanier.
Fund açõ es como a Cap ela Real,
que treinav a músico s
pro fissio nais, também fo ram
recuperad as. Casas teatrais
fo ram abertas e pro speraram,
pro duzindo o que é hoje
chamad o Teatro d a Restauração
- muitas v ez es co méd ias
o bscenas - , p ara o qual era
preciso cançõ es e música
incid ental, em geral suprid as
pelo próprio Purcell .
em Dido and Aeneas e outras obras.
Nos anos de exílio, Carlos n tinha
adquirido gosto por música francesa
e italiana. Tais preferências
influenciaram músicos aspirantes
ávidos por patrocínio real.
A s influências francesas são
evidentes já no início de Dido and
Aeneas. O primeiro ato co meça
co m uma típica ouverture francesa,
introdução lenta e imponente
baseada em ritmos pontilhados
intensos (que d iv id em o compasso
éé
Como a poesia é a harmonia
das palavras, a música é a das
notas; e como a poesia está
acima da prosa [...] a música é
a exaltação da poesia.
Henry Purcell
t f
entre uma nota longa e uma curta).
A segund a parte d a ouverture é
rápida e usa contraponto imitativo ,
além de u m recurso estrutural em
que as seçõ es são repetidamente
construídas a partir de uma ária
curta, seguid a de u m coro e uma
dança. A obra incluía várias
danças, um traço co mum nas
óperas francesas e inglesas da
época. Elas sem dúvida agradaram
o mestre de dança ao encenar a
ópera em sua esco la.
Notável também é o impacto d a
ópera italiana - em especial Didone,
outra obra sobre Dido e Eneias, de
Francesco Cavalli. A m b as as óperas
usam u m baixo ostinato ou
passacaglia, em que a linha do baixo
é repetida ao longo das melodias
cambiantes e das harmonias ac ima
dela. Purcell usa isso co m grande
efeito dramático em duas árias de
Dido, inclusive seu lamento, que
vem perto do fim e fornece um
clímax natural ao d rama todo.
Efeitos dramáticos
Na forma preservada, Dido and
Aeneas co nsiste em três atos
curtos que co ntam a história da
chegada à velha Cartago de Eneias,
o herói clássico do poema épico de
Virgílio, Eneida. Tendo escapado de
Tróia incend iad a ao fim d a guerra,
ele navega co m seus seguidores
para o norte da África. Lá, corteja a
rainha cartag inesa Dido - viúva
prudente que afinal cede a suas
investidas. No entanto, bruxas más
co nsp iram contra ela e env iam u m
espírito maléfico disfarçado de
Mercúrio para afastar Eneias e
levá-lo a seu destino glorioso como
fundador de Ro ma. Desesperada
co m sua partida, Dido se suicid a.
Purcell emprega magistralmente
motivos empolgantes e
madrigalismo ágil paraexpressar os
climas cambiantes que dão forma à
ação . O texto e a música de Purcell
trabalham juntos em perfeita
sinergia em movimentos diversos da
ópera, evocando as emo çõ es
condizentes de tristeza ou alegria,
ou a má intenção das bruxas -
música e poesia "andando de mãos
dadas para apoio mútuo", ideal que
Purcell expressou na dedicatória de
sua semiópera Diociesian (1690). Seu
uso de melismas - uma sílaba em
várias notas - é impressionante,
BARROCO 1600-1750 77
Recursos composicionais no
Lamento de Dido
realçando o efeito de representações
de coragem, tormento ou o
abatimento de Dido em seu
recitativo "Whence could so much
virtue spring". Purcell também cria
do propôs Ho d issonâncias
(desarmonias entre notas) nas
partes de cordas do lamento de
Dido, para expressar a extrema
angústia da rainha em uma das
manifestações musicais de tristeza
mais comoventes já compostas. A
última cena da morte é notável,
também, numa épo ca em que heróis
e heroínas líricos raramente
morriam. Em Didone, de Cavalli,
Dido é salva e se casa com outro.
Um legado duradouro
Pouco se sabe sobre as execuções de
Dido and Aeneas em v id a de Purcell.
Ela foi reencenada em Londres em
1700 e 1704, embora essas produções
pareçam ter sido as últimas até o fim
do século xix. Cada vez mais
apresentada desde então, é hoje
regularmente encenada por escolas e
amadores, e também nas grandes
salas de ópera mundiais.
A ascensão de Guilherme m ao
trono em 1689 d iminuiu o patrocínio
na corte, embora Purcell tenha
escrito belas odes para a consorte do
Um baixo de cinco
compassos repetido o
tempo todo sugere
inevitabilidade
Appoggiatura (nota
curta "apo iada") sugere
so luços.
rei, a rainha Maria, até 1694. Nos
anos finais, Purcell se concentrou
mais em obras teatrais, em especial
na forma dramática ou de semiópera.
Esse género de entretenimento
tipicamente inglês compreendia uma
peça com canções, danças e coros no
fim dos atos, como interlúdios. Estes
tinham pouca ligação direta com a
peça e eram apresentados por uma
companhia separada de cantores e
bailarinos. Os exemplos mais
conhecidos são King Arthur (1691),
com texto do poeta John Dryden, e
The Fairy Queen (1692), cujo texto
falado é uma adaptação de Sonho de
uma noite de verão, de Shakespeare,
pelo ator e agente Tho mas Betterton.
A s outras obras de Purcell iam
da música de câmara e sacra a
cançõ es e odes formais. Sua Dido
A partitura de Dido and Aeneas usa
linha de baixo que pode ter sido tocada
por violoncelo, fagote e contrabaixo - ou
viola da gamba baixo, como nesta obra
do holandês Caspar Netscher (1639-1684).
O motivo "Lembre-se de
m im " empresta uma
impressão de anseio
Frases que d escem e
d issonância ind icam
angústia
and Aeneas ind ica, porém, que, não
fosse a morte prematura aos 36
anos, Purcell teria podido lançar as
bases para uma tradição operística
inglesa. O espaço foi por fim
ocupado por Georg Friedrich
Hândel, nascido na A lemanha, que
compôs óperas em Londres entre
1711 e 1741. •
éé
A música só está em sua
minoridade, é uma criança
precoce, o que dá esperança do
que pode ser depois na
Inglaterra, quando seus
mestres tiverem mais estímulo.
Henry Purcell
99
78
EM CO N TEXTO
FO C O
Hinos luteranos
A N T E S
1 5 2 9 Martinho Lutero co mp õ e
o hino Ein feste Burg.
1 6 2 4 Samuel Scheid t p ublica
Tablatura nova, co letânea de
música para teclado co m oito
conjuntos de variaçõ es co rais.
D EPO IS
1 7 0 5 - 1 7 0 6 J. S. Bac h c am inha
de A rnstad t a Lúbeck (378 km)
p ara encontrar e ouvir
Buxtehud e.
1 7 2 6 J. S. Bac h co nclui os
últimos co rais de
Orgelbúchlein (Pequeno livro
do órgão), su a maior co letânea
de prelúdios co rais.
1 8 3 0 Felix Mend elsso hn
baseia o Bnale d a Sinfo nia n 2 5,
"Reforma", em Ein feste Burg,
de Lutero .
0 SENTIDO DAS IGREJAS
NÃO É 0 VOCIFERAR
DOS CORALISTAS
PRELÚDI O CORAL, EIN FESTE BURG IST UNSER
G07TO69O), DIETERICH BUXTEHUDE
Q uando, em 1517, Martinho Lutero escreveu as 95
teses que deflagrariam a
Reforma, suas principais o bjeçõ es
tinham pouco a ver co m música:
d iz iam respeito à vend a de
indulgências e à questão da
autoridade papal. Conforme a
Reforma avançou, porém, a música
de igreja foi pro fundamente afetada.
O canto religioso tinha sido por
séculos exclusiv idade de monges e
cantores treinados e, sendo em
latim, era em geral incompreensível
às pesso as d a congregação .
Lutero co locava ênfase especial
na participação dos congregados e
no uso do vernáculo, de modo que
todos pudessem entender o que
o uviam e cantavam. O coral - hino
congregacional - era a chave para
isso . O próprio Lutero compôs
muitos dos primeiros corais, dos
quais talvez o mais famoso seja Ein
feste Burg, baseado no salmo 46 -
"Nosso Deus é uma fortaleza
imponente, uma torre de poder que
nunca fraqueja".
Na épo ca barroca, melodias
corais eram a base de muitos
géneros diferentes de música na
Igreja Luterana. Um deles era o
prelúdio coral, uma p eça curta para
órgão que introduzia a melodia do
coral, para que as pesso as
so ubessem em que tom cantar.
Traço característico
O principal pioneiro do prelúdio coral
foi Dieterich Buxtehude. Ele
apresentava a melodia coral numa
versão ornamentada em uma só voz
mais alta, tocada pela mão direita
num teclado do órgão separado,
enquanto a esquerda e os pedais
faziam o acompanhamento , em
geral em pontos de som mais
suaves. Buxtehude foi um pouco
influenciado pelas obras de
compositores anteriores, como as
variações para teclado do organista
holandês Jan Pieterszoon Sw eelinck
(1562-1621) e seu discípulo Samuel
é é
[Eu queria] entender uma
coisa ou outra sobre sua arte.
J. S. Bach
f f
BARROCO 1600-1750 79
Ver também: Cantochão 22-23 • Magnus líber organi 28-31 • Great Service 52-53 • Pièces de clavecin 82-83 • A Paixão
segundo São Mateus 98-105 'A arte da fuga 108-111 'Elias 170-173
Alegoria da amizade, do artista
holandês Johannes Voohout, mostra
Buxtehude apoiado no cotovelo. Entre
os outros músicos está o cravista
Johann A dam Reincken.
Scheidt (1587-1654), mas, enquanto
Scheidt muitas vezes apresentava o
tom do coral em notas mais lentas e
sem ornamentação e tecia as
variações ao seu redor, Buxtehude
tornava a própria melodia coral a
linha mais clara e mais ornamentada,
com as variações sendo mais simples.
O prelúdio de Ein feste Burg ist
unser Gott (o. 1690), de Buxtehud e,
é u m exemplo perfeito d essa
abordagem. A mão d ireita
apresenta uma melodia solo de so m
espo ntâneo que segue o contorno
do tom coral. O próprio coral fica
mais claro graças ao fato de que
cad a uma de suas notas é mantid a
por mais tempo que as notas
impro v isadas e decorativas que as
co nectam ou então porque é
apresentado como a primeira (e de
som mais forte) de uma co leção de
quatro notas.
O aco mpanhamento na mão
esquerda e os pedais são em geral
em harmo nia de duas ou três
partes, às vezes usando motivos da
melodia coral e entretecendo-os de
Dieterich Buxtehude
modo imitativo , e outras vezes
optando por uma abordagem
cordal. Desse modo, o tom é
apresentado uma vez do início ao
fim. Esse estilo especial de arranjo
influenciou J. S. Bach, que seguiu
u m modelo similar em seus
prelúdios corais. •
É incerto quand o e onde
exatamente Dieterich
Buxtehud e nasceu, mas p asso u
a p rimeira infância em
Helsingbo rg (na atual Suécia),
de onde a família mais tard e se
mud o u p ara Helsingor, na
Dinamarca. Fo i lá que
Buxtehud e aprend eu a to car
co m o p ai, o rganista.
A pós trabalhar na antiga
igreja do p ai, em Helsingbo rg , e
depo is em Helsingo r, em 1668
Burxtehud e aceito u o
prestigio so posto de o rganista
d a Igreja de M aria, em Lúbeck.
Segund o a trad ição o novo
o rganista d ev ia d espo sar a filha
do antecessor, u m a o brigação
que Buxtehud e cump riu
semanas apó s assumir o cargo .
Co nservo u a po sição de
o rganista de Lúbeck até a
morte, em 1707.
Outras obras importantes
1 6 8 0 Membra Jesu nostri
1 6 8 0 Prelúdio em dó maior
1 6 9 4 So natas em trio , op. 1
EM CO N TEXTO
FO C O
O concerto grosso
A N T E S
1 6 1 0 Publicação de Sonate a
tre para vio lino , corneto e
continuo, de Gio v anni C i m a
- u m dos primeiro s exemplo s
de música italiana pro fana de
câmara.
1 6 7 5 Primeira execução d a
Sonata di viole n Q 25, de
A lessand ro Stradella, que
co ntrasta u m so lista e u m
conjunto . Co nsta que Corelli
o uv iu-a quand o estav a em
Ro ma.
D EPO IS
1 7 2 1 J. S. Bac h agrup a os
Concertos de Brandemburgo,
vários dos quais fazem
experiências co m a
instrumentação tanto solo
co mo de conjuntos.
1 7 4 1 Os doze Concerti grossi,
op. 6, de Hàndel, são publicados,
como u m tributo direto aos
Concerti grossi de Corelli.
0 NOVO ORFEU
NOSSO TEMPO
CONCERTI GROSSI, OP. 6 (1714),
ARCÂNGELO CORELLI
Otermo italiano concerto foi usado a princípio para designar qualquer música
para vozes e instrumentos,
evoluindo para a distinção entre
concerti ecclesiastici (música sacra)
e concerti di camera (música de
câmara) no início do século XV II . No
fim do século xvm tornou-se a
exibição bem mais grandiosa de
virtuosismo que é familiar hoje, mas
suas raízes remontam à modesta
configuração de um pequeno grupo
de so listas e u m conjunto de cordas
com continuo (linha de baixo)
desenvolvida pelo italiano Arcângelo
Corelli por volta da v irada para o
século xvm. A magistral op. 6 de
Os Concerti grossi de Corelli
estrearam no Palazzo Pamphili, em
Roma, um exemplo deslumbrante da
arquitetura barroca italiana, que refletia
a qualidade e a graça da música.
Ver também: As quatro estações 92-97
piano n" 2 em sol menor. Saint-Saèns 179
éé
E maravilhoso observar como
um risco de Corelli está em
toda parte lá - nada vai dar
sabor senão Corelli.
Roger North
Escritor e músico
(1653-1734)
f f
Corelli, Concerti grossi, publicada
como um conjunto de doze
concertos postumamente, sintetiza
essa forma.
Cad a u m dos concerti de Corelli
co nsiste em quatro a seis
movimentos, tocados por um trio
concertino - três so listas, incluindo
dois vio linos e um violoncelo
continuo - e o rípieno, u m conjunto
de cordas maior, co m
aco mpanhamento de cravo .
Confusamente, Corelli muitas vezes
exp and ia a seção concertino para
quatro músicos. O basso continuo
(violoncelo e cravo) fornecia uma
moldura ou base musical contínua,
sobre a qual a melodia e a harmo nia
dos so listas e do grupo
acompanhador, ou ripieno, eram
construídas.
Expressão dinâmica
Usando essas forças instrumentais
contrastantes, Corelli explorou a
expressão d inâmica, dando v id a a
trocas entre as seçõ es por meio de
justapo siçõ es dramáticas - muitas
vezes realçadas quando o
concertino se junta ao ripieno. A
• Musique de table 106 • Concerto para
música v ai de adágios serenos (em
tempo lento), trabalhados co m
suspensõ es primorosas, a allegros
(tempo rápido), temperados co m
intercâmbios ágeis entre os
conjuntos grande e pequeno . O uso
da harmo nia por Corelli nesses
concerti co nd iz ia co m u m
deslocamento mais geral da música
barroca italiana, afastando -se da
miríade de linhas da polifonia
renascentista e usando sequências
de acordes e cadências para criar
um centro tonal estável.
A obra de Corelli atraiu
imed iatamente a admiração de
mecenas e outros músicos. Entre os
concerti op. 6, o n 2 8 em sol menor,
co m o subtítulo Fatto per la Notte
di Natale, foi encomendado por seu
protetor nos anos 1690, o cardeal
Pietro Ottoboni. Co nhecid a como
Concerto de Natal, a obra desfrutou
de popularidade duradoura.
Harmonia e equilíbrio
Embo ra Co relli tiv esse escrito
antes 48 so natas em trio p ara a
co mbinação de instrumento s do
concertino, é impo ssível
co nsiderar os Concerti grossi
como mera d ilatação d essas obras
de câmara de p equena escala.
A lg u m as ap resentaçõ es
envo lveram até o itenta músico s
- u m número enorme, em esp ec ial
na ép o ca de Co relli, quand o as
o rquestras em geral abrang iam
cerca de v inte músico s.
Em 1789, mais de setenta anos
após a morte de Corelli, o músico ,
compositor e historiador da música
inglês Charles Burney escreveu
sobre os Concerti grossi. "O efeito
total [...] [é] tão majestoso , solene e
sublime que impede toda crítica".
Mesmo hoje, suas melodias
co ntinuam a ressoar. •
BARROCO 1600-1750 81
A rcângelo Corelli
Nascid o numa família
pró spera na p equena cidade
italiana de Fusig nano , em
1653, Co relli foi aceito na
o rquestra d a A c ad em ia
Filarmó nica de Bo lo nha aos
d ezessete ano s. Sua maestria
ao v io lino , co mbinad a ao rigor
de seus méto d o s de ensino e
seus muito s d iscípulos, como
A nto nio V iv ald i e Francesco
Geminiani , fizeram sua
reputação crescer. Em mead o s
dos ano s 1670, mudo u-se p ara
Ro ma, onde entro u ao serv iço
d a rainha Cristina d a Suécia, a
qual tinha casa em Ro ma, e
depo is fo i d iretor musical do
card eal Pamp hili . Seu último
mecenas fo i o card eal Pietro
Ottoboni, que era tam b ém
músico e libretista. Co relli
mo rreu em 1713. A p esar de
sua produção relativamente
mo d esta, seus ano s de
co mpo sição mais ativ a
co incid iram co m o crescimento
d a publicação musical, na
v irad a p ara o século xv m.
Resultad o : su a influência se
espalho u na Euro p a aind a
d urante su a v id a.
Outras obras importantes
1694 Doze sonatas em trio, op. 4
1700 Doze sonatas para vio lino ,
op. 5
EM CO N TEXTO
FO C O
M úsica barroca f rancesa
para cravo
A N T E S
1 6 7 0 Jacques Champ io n de
Chambo nnières publica Les
Pièces de clavessin (Peças para
cravo), a primeira obra francesa
importante sobre cravo .
1 6 7 7 Nicho las-A nto ine
Lebèg ue escreve Les Pièces de
clavessin, as p rimeiras suites
de d ança p ublicad as na
França.
D EPO IS
1 7 2 5 J. S. Bac h inc lui Les
Bergeries (de Sixième Oídie,
1717) no Pequeno livro de Anna
Magdalena sob o título
Rondeau.
1 7 5 3 C . P. E. Bac h escreve o
vo lume 1 de Versuch úber die
wahre Art das Clavier zu
spielen, tratado influenciado
por LArt de toucher le clavecin
( A arte de tocar o cravo), de
Co uperin.
A UNIÃO DOS ESTILOS
FRANCÊS E ITALIANO
DEVE LEVAR À
PERFEIÇÃO MUSICAL
PIÈCES DE CLAVECIN (1713), FRANÇOIS COUPERIN
A ntes d as ordres, ou suites, de Franço is Co uperin, a música de teclado francesa
assumia muito a forma d as d anças
populares barrocas, como a
alemanda, a corrente e a
sarabanda. Porém, em parte por
suas co nexõ es na corte francesa,
Co uperin também co nhecia a
música italiana, inclusive a sonata,
peça de vários movimentos para
pequeno grupo de instrumento s,
sem dança ou canto envolvidos. A s
sonatas da épo ca tinham em geral
duas partes, e cad a metade era
repetida. Como v isto nas mais de
quinhentas sonatas de Domênico
Scarlatti, elas tend iam a focalizar o
éé
Eu prefiro o que me toca ao
que me surpreende.
François Couperin
Pièces de clavecin (1713)
f f
v irtuo sismo técnico e a modulação
formal das melodias, mais que
mudanças de humor ou sentimento .
Floreios ornamentais
Embo ra usasse a estrutura d a
sonata em sua música, Co uperin se
concentrou na graça e no gesto ,
influenciado pela visão francesa
prevalecente da música como u m
passatempo sofisticado, elegante e
até frívolo. Muitas de suas obras
têm títulos descritivos, segundo ele
ideias que lhe o corriam enquanto
escrev ia. O equilíbrio cuidadoso
que alcançava entre a sensibilidade
jo v ial francesa e a abordagem mais
formal e estruturada italiana deu a
sua obra grande apelo.
A s obras para teclado foram
escritas to talmente para cravo ou
espineta. Neles, o tocador não tem
controle do vo lume. Co uperin
adicionou ornamentos sutis à
música para dosar seu fluxo e
intensidade e esperava, de modo
inusual na época, que osinstrumentistas não fizessem
acréscimo s nem impro v isassem.
Mais aind a, publicava instruçõ es
detalhadas sobre os ornamentos,
marcando as notas precisamente
como d ev iam ser tocadas,
codificando assim tais signos para
BARROCO 1600-1750 83
Ver também: Micrologus 24-25 • Sonata em ré menor, Scarlatti 90-91 • Musique
de table 106 • Sonata para piano em fá sustenido menor, Clementi 132-133
futuras geraçõ es. Seu estilo não
agradava a todos - embora tenha
arranjado algumas d as obras de
Couperin, co nsta que J. S. Bach
achou-as rebuscadas demais.
Essa confiança nos ornamentos
tende a implicar que a música de
Couperin não se traduz tão bem no
piano moderno, que, com seu som
mais sustentado e cheio, destaca-os
demais. Isso , a par de sua aversão ao
v irtuo sismo aberto e à ousadia
harmónica (como mudanças súbitas
de escala ou notas discordantes),
pode explicar por que sua música
tem sido eclipsada pela de Scarlatti
nas salas de concerto. Embo ra não
seja o primeiro tratado sobre
teclados, LArt de toucher le
clavecin de Co uperin foi um dos
mais importantes, oferecendo não
um curso completo mas conselhos
ao instrumentista sobre postura do
corpo e temas técnico s. Ele inclui
uma série de oito prelúdios para
estudo e dedilhados de algumas
das p eças publicadas de Couperin.
Particularmente avançadas são
suas sugestõ es de que as crianças
do minem algumas p eças antes de
aprender a ler música e que a
prática seja superv isio nada. Essas
ideias antecipam algumas
abordagens modernas d a educação
musical, como o método Suzuki, no
século xx. •
Uma menina aprende a tocar cravo
em A aula de música, de Jean-Honoré
Fragonard. François Couperin ensinou
música aos filhos de Luís xiv em
Versalhes.
François Couperin
M esmo na l inhag em de
g rand es músico s em que
nasc eu em 1668, Franço is
Co up erin fo i extrao rd inário .
A p ó s a mo rte do p ai , Charles,
substituiu-o como o rg anista
na Ig reja de St- Gerv ais, em
Paris, já aos o nze ano s, v ind o
a ser d epo is u m dos
instrum entistas e p ro fesso res
m ais p ro curad o s d a França.
E m 1693, Co up erin fo i
no mead o por Luís xrv
o rg anista d a Cap e la Real .
To rno u-se c rav ista de Luís xv
em 1717 e co mp ô s o bras p ara
a família real . Mo rreu em
Paris em 1733.
A s séries de ordres p ara
teclad o de Co up erin são
c lassi f icad as entre as
co ntribuiçõ es m ais
sig nif icativ as à música de
crav o barro ca. Os c rav istas
aind a ho je estu d am LArt de
toucher le clavecin p ara
melho rar seu d esemp enho .
Outras obras importantes
1 7 1 3 - 1 7 3 0 24 Ordres (em
quatro livro s)
1 7 1 4 - 1715 Les Concerts royaux
(Os concertos reais)
1 7 2 4 - 1 7 2 5 A po tfiéo ses
OS INGLESES
DE ALGO EM QUE POSSAM
MARCAR O TEMPO
mm MUSIC, HWV 348-350 (1717),
GEORG FRIDERIC HANDEL
86 UM ESTILO INTERNACIONAL
EM CO N TEXTO
FO C O
U m estilo internacional
A N T E S
anos 1660 A pó s a restauração
d a mo narquia na Inglaterra,
Carlo s II reintegra a música na
corte. Ele favorece o estilo
francês e promove em esp ecial
a d ança, paixão que ad quiriu
em seu exílio na França.
anos 1670 O grupo de
músico s pro fissionais M usic
Meeting abre u m a sala de
co ncerto s perto de Charing
Cro ss, em Lo nd res.
D EPO IS
1727 Hándel co mp õ e o hino
Zadok the Priest para a
co ro ação de Jo rge n.
sécul o xix O s co mpo sito res
se af astam de u m estilo
internacio nal p ara d estacar a
ind iv id ualid ad e d as naçõ es,
insp irand o -se no s ritmo s de
d anç as fo lclóricas e em temas
nac io nalistas.
A té o fim do século xix, a Inglaterra era em geral referida como a terra sem
música. Embo ra as apresentaçõ es
se suced essem em Londres, onde
hav ia a mais antiga tradição de
concertos públicos d a Euro pa, a
moda era promover compositores e
instrumentistas estrangeiros em
vez dos nativos. Tanto Hàndel
quanto Jo hann Christian Bach
(conhecido como "o Bach inglês") se
mud aram para Lo ndres para
aproveitar as oportunidades da
cidade, e compositores como
Mozart e Hay d n v isitav am-na como
músicos bem pagos e festejados.
Música como prazer
Quando chegou a Lo ndres em 1711,
Hándel já tinha um estilo d istintivo ,
enraizado em sua criação no norte
alemão e influenciado por sua
temporada italiana. Ele fora
apresentado a Arcângelo Corelli e
Domênico Scarlatti na Itália, onde
obtivera sucesso co m óperas
italianas e obras religiosas.
Co nhecia também a obra de Jean-
-Baptiste Lully, que d o minava a
música francesa, e o inglês Henry
Purcell. O cosmopolitismo apelava
ao público de concertos londrino,
éé
Hándel é o maior compositor
que já viveu [...]. Eu vou
descobrir a cabeça e me
ajoelhar em seu túmulo.
Ludwig van Beethoven
f f
que apreciou o fato de Hándel
evitar alguns dos excesso s
floreados do contraponto do A lto
Barroco favorecidos por Bach.
Hàndel logo foi nomeado diretor
musical do duque de Chando s, que
o apresentou a outros membros da
aristo cracia inglesa. Enquanto
trabalhava para o duque, Hãndel
aperfeiçoou u m estilo novo e mais
direto, que pode ser ouvido em seus
hinos de Chand o s e na mascarad a
Acis and Galatea. Fo i também
então que escreveu Esther, o
primeiro de seus oratórios ingleses,
género pelo qual ficaria famoso.
Georg Frideric Hãndel Nascid o em Halle, no nordeste
alemão , em 1685, Hándel recebeu
as p rimeiras lições de música de
u m o rganista lo cal. A i n d a jo vem,
mud o u p ara Hamburg o p ara
trabalhar como compositor, e d ali
foi p ara a Itália. Desenv o lv eu seu
talento dramático nas ó peras
có micas Rodrigo (1707) e
Agrippina (1709) e no arranjo de
salmo Dixit Dominus (1707).
Vo ltando a Hano v er em 1710,
Hàndel se to rno u Kapellmeister
(diretor musical) do eleitor de
Hano v er (mais tard e Jo rge i d a
Grã-Bretanha e Irland a) . Fo i p ara
Lo nd res u m ano depo is, onde
v iv eu o resto d a v id a. M ais tard e
ficou famo so co m seus oratórios,
em esp ecial Messiah, e selo u sua
carreira co m Music for the Royai
Fireworks em 1749. Mo rreu rico
e foi enterrado co m a elite na
A b ad ia de Westminster, em
Lo nd res.
Outras obras importantes
j 1725 Rodehnda, HW V 19
1742 Messiah, H W V 56
1749 The Music for the Royai
t Firew o rks, H W V 351
! 1751 Jephtha, H W V 70
BARROCO 1600-1750 87
Ver também: Sonata piari e forte, Gabrieli 55 •Eurídice 62-63 - A s quatro estações 92-97 - A flauta mágica 134-137 • Elias
170-173 -La traviata 174-175 • O ciclo do anel 180-187 • Tosca 194-197
Hàndel apresenta tVater Music a
Jorge i numa pintura do artista belga
Edouard Hamman. Segundo relatos de
jornal, o rio todo estava cheio de botes
e barcaças.
Em 1717, Jorge i p ed iu a Hãndel
que co mp usesse a música para
uma v iag em de barco no Tâmisa.
Era preciso que fosse sensacio nal:
o rei queria fazer u m grande
evento público para d esv iar a
atenção de seu filho, o príncipe de
Gales, que estava formando uma
facção po lítica de oposição . Hàndel
teve de equilibrar o desejo de
inovação e a exigência de grande
apelo popular. Embo ra o concerto
no barco co m cerca de c inquenta
instrumentistas fosse uma
novidade em si, Hàndel importou
tro mpistas boémios, cujo elegante
toque so aria muito d iversamente
d as trompas de caça familiares ao
público inglês. A o lado de fagotes
e trompetes, eles ajud aram a
projetar a música ao ar livre.
Em essência, Water Music é
uma mescla de estilos europeus
populares. Co meça co m uma
abertura nos ritmos irregulares do
estilo francês, incorpora d anças
que eram moda na Euro pa na épo ca
e inclui a música mais inglesa -
hornpipe - , que se tornou a melodia
que marca a obra.
Ópera em Londres
Em 1719, o duque de Chand o s e
seus amigos, aproveitando o
crescente interesse em ópera na
Inglaterra, inauguraram a Ro yai
A cad emy of Music (sem relação
co m o conservatório de mesmo
nome fundado u m século depois),
sob carta patente do rei. Era um a
empresa co mercial, fo rmada como
corporação de cap ital so cial, co m o
fim de enco mendar e produzir
no vas óperas italianas na Grã-
-Bretanha. Hàndel foi u m de seus
três compositores além de diretor
musical. Ele v iajo u pela Euro p a
para contratar os melhores »
éé
Eu devo me desculpar se só
lhes der entretenimento. Eu
quero torná-los melhores.
Georg Frideric Hãndel
f f
88 UM ESTILO INTERNACIONAL
A música pública e a
plateia de concertos
Lo ndres foi a primeira cidade a
criar concertos públicos com
plateia pagante. A tendência se
iniciou por vo lta de 1672,
quanto o v io linista e compositor
Jo hn Banister organizou u m
concerto pago em sua casa.
Quando Hàndel chegou a
Lo ndres, hav ia locais
destinados a concertos de
música de câmara. A lém disso ,
os teatros na Drury Lane e no
Haymarket o fereciam ópera
italiana e, mais tarde, inglesa à
alta sociedade londrina.
A partir de cerca de 1740,
jard ins públicos co m atrações
se espalharam na capital, em
especial em Vauxhall . Neles os
v isitantes po d iam passear,
jantar e se d ivertir co m música
ao v ivo de o rquestras e band as
de sopro. Um ensaio em 1749 de
Music for the Royai Fireworks,
de Hãndel, em Vauxhall
Gard ens atraiu cerca de 12 mil
pessoas, pagando dois xelins e
seis pence cad a e causando
congestionamento de três horas
na Ponte de Lo ndres.
A banda toca num coreto
iluminado nos Vauxhall Gardens
em Londres, enquanto os
visitantes passeiam e dançam ao
ar livre.
músico s de o rquestra e cantores
famosos como o castrato italiano
Senesino e a soprano Francesca
Cuzzo ni.
Hándel entendeu a contínua
ânsia por novidade do público .
Quando as plateias londrinas se
aco stumaram a esses artistas,
trouxe outra soprano, Faustina
Bordoni, que criou uma base de fãs
rival entre o público, reanimando o
interesse por ópera umas poucas
temporadas mais. Os altos valores
pagos a esses luminares podem ser
uma d as razões para a co mpanhia
ter fechado em 1728 co m dívidas
de cerca de 20 m il libras (hoje
4 milhões de libras).
Mestre da encenação
Hándel escreveu uma série de treze
óperas para a Ro yai A c ad emy of
Music , que tiv eram 235 execuçõ es
em su a épo ca. Obras-p rimas do
estilo italiano , elas inc luem Giulio
Cesare in Egitto (1724) e Alcina
(1735). Emb o ra usasse as
co nv ençõ es líricas d a ép o ca -
recitativo s e árias - p ara
desenvo lver a narrativ a, ele deu às
ó peras u m a estrutura d ramática
que era inco mum então .
Co mpreend eu também a
éé
Hàndel entende efeitos
melhor que qualquer um de
nós - quando quer, golpeia
como um raio.
Wolfgang A madeus
Mozart
f f
éé
Ele v iu homens e mulheres
onde outros só percebiam
bustos históricos e míticos.
Paul Henry Lang
Crítico musical
f f
impo rtância do espetáculo , e
várias de suas obras ex ig iam
elabo rada maq uinaria de palco .
Em Alcina, escrita p ara a no va
c asa de ópera em Co vent Gard en,
as instruçõ es de palco d iz iam:
"co m raio s e trovões, a mo ntanha
rui , revelando o encantado r
palácio de A lc ina" . Tai s efeitos
atraíam o público tanto quanto a
música.
Uma nova direção
Quando a ópera italiana saiu de
moda em Lo ndres após o
extraordinário sucesso em 1728 de
The Beggafs Opera, de Jo hn Gay,
que satirizava a forma, Hándel usou
suas habilidades para criar e
popularizar oratórios em inglês.
Começando co m Deborah (1733),
essas obras emocionantes e
dramáticas para cantores solo, coro
e orquestra narrav am histórias
bíblicas co m libretos em inglês,
mas não eram executadas no palco .
Influenciado até certo ponto por
tradições líricas e até pela tragédia
grega, Hãndel desenvo lveu u m
estilo direto e um novo vigor que
apelava às plateias inglesas. O
público afluiu para ouvir obras
como Messiah (1742), Samson (1743)
e Belshazzar (1745). Messiah foi tão
popular que se ped iu aos homens
BARROCO 1600-1750 89
que não levassem espadas às
apresentaçõ es para deixar espaço
para mais público .
Hàndel muitas vezes
apresentava ele mesmo essas
obras, contratando teatros e
artistas e co m frequência
auferindo bo m lucro . Quand o uma
co mp anhia riv al co mpetiu co m
firmeza, Hándel escreveu vários
concertos para órgão, que
executo u como interlúdios entre as
apresentaçõ es. Isso crio u uma rara
oportunidade de ouvir seu grande
v irtuo sismo no teclado em público
e foi algo como u m golpe de mestre
de marketing .
O oratório hãndeliano se tornou
tão popular que ele escreveu obras
pro fanas no mesmo estilo . Hãndel
co ncebeu Semeie (1744), que se
baseav a na mito logia clássica,
como u m d rama musical "à
maneira de u m oratório" e até
apresentou-o na Quaresma,
quando sua representação de
adultério causo u co nsternação .
Obras como essa eram em
essência óperas em inglês e são
em geral encenad as como tal hoje.
Nacional embora
internacional
Hándel foi co nsiderado o p rinc ip al
composito r nu m a ép o ca em que a
música era julgad a efémera e as
obras mal eram o uv id as no s
ano s após a estreia. Ele foi
pro vavelmente o primeiro cuja
obra não so freu qued a de
po pularid ad e apó s a mo rte. N a
Inglaterra, ajudou a amp liar o
interesse por música além dos
l imites d a aristo crac ia e crio u
u m a identidade musical nacio nal
em u m estilo internacio nal que
duro u até Ed w ard Elgar, no fim do
século xix. Seu hino Zadok the
Priest, co mpo sto para a co ro ação
de Jo rge n, aind a é usado na
cerimó nia pelos mo narcas
britânico s. •
O memorial a Hàndel, de Louis
François Roubiliac, está acima de seu
túmulo na Abadia de Westminster.
Três dias antes de sua morte, Hándel
disse que gostaria de ser enterrado lá.
EM CO N TEXTO
FO C O
Sonata barroca ital iana
A N T E S
1 7 0 1 O compositor barroco
A rcângelo Corelli p ublica
So natas para vio lino , op. 5
- u m exemplo antigo de obra
instrumental solo.
1 7 0 9 A nto nio V iv ald i p ublica
Doze so natas p ara v io lino e
basso continuo , op. 2, exibind o
de novo as habilid ad es
v irtuo sísticas de u m
instrumento solo.
D EPO IS
1 7 8 4 Mo zart p ublica a So nata
p ara p iano n s 1, K. 279,
seguind o os p asso s de
Scarlatti, co m seu foco e m
co mpo sição p ara teclado solo.
1 7 9 5 Beetho v en p ublica a
So nata p ara p iano n 2 1 , op. 2,
dando co ntinuid ad e à
exp erimentação de Scarlatti
co m o género .
NAO ESPERE INTENÇÃO
PROFUNDA, MAS UM
GRACEJO ENGENHOSO
COM ARTE
SONATA EM RÉ MENOR, K. 9 "PASTORAL" (1738),
DOMÊNICO SCARLATTI
O compositor e crav ista v irtuo se italiano Domênico Scarlatti publicou a
primeira ed ição de Essercizi per
gravicembalo (Exercícios para
cravo) em 1738. Como o título da
co letânea sugere, as trinta sonatas
se d estinav am a ser études
(estudos) para alunos de cravo -
embora, segundo o próprio
Scarlatti, a originalidade do
conteúdo d esminta o objetivo de
aparência prática e co mum.
Scarlatti foi contemporâneo de
J. S. Bach e G . F. Hándel e suas
deslumbrantes habilidades no
teclado eram lendárias. Seus dedos
Uma família posa com seu cravo
nesta obra de 1739 de Cornelis Troost.
A popularidade do instrumento em
breve declinaria em favor do piano.
BARROCO 1600-1750 91
Ver também: Pièces de clavecin 82-83 • Musique de table 106 • Sonata para
piano em fá sustenido menor, op. 25, Clementi 132-133 • Sinfonia "Eroica" 138-141
éé
Para tocar o cravo com arrojo
[...] mostre-se mais humano
que crítico e aumente assim
seu prazer [...]. V IV A C O M
FELICID A D E.
Domênico Scarlatti
f f
d ançantes foram descritos por u m
observador britânico impressionado
como "mil demónios". Co nsta que
ele e Hàndel participaram de um
duelo de destreza no teclado que,
segundo todos os relatos, termino u
em empate. Scarlatti pôs seus
talentos a serviço do mais alto nível
real, como tutor de Maria Bárbara,
princesa de Portugal e depois
rainha d a Esp anha. Fo ram a
aptidão dela para o instrumento e o
emprego contínuoproporcionado a
Scarlatti que pro piciaram as
condições para a criação dos
revolucionários Essercizi.
O estilo de sonata de
Scarlatti
O termo "sonata" deriva do verbo
italiano suonare, soar, e em geral
denota música instrumental solo, ou
seja, música que soa, e não a que é
cantada (cantata). No início do
século xvm, compositores italianos
como Arcângelo Corelli, A ntonio
Vivald i e To maso A lbino ni tinham
escrito muito para instrumentos solo
- sendo o vio lino uma esco lha
especialmente popular - , mas suas
sonatas tend iam a consistir em três
a quatro movimentos de climas
contrastantes. Porém as sonatas de
Scarlatti para cravo solo - na época,
um instrumento relativamente
negligenciado - seguem tipicamente
uma estrutura de movimento único
co m duas partes, muitas vezes
girando ao redor de uma crux
central, ou pausa, e com tendência a
ser de proporções menores, durando
só cerca de três a quatro minutos.
A Pastoral
A pesar de influenciada pelas
saraband as e correntes (courantes)
- ambas d anças d a corte - de seus
contemporâneos, a música de
Scarlatti d essa era é única no uso
de id iomas populares tirados de seu
ambiente ibérico . A sonata K. 9 em
ré menor é chamad a "Pastoral". Isso
se deve em parte à enganadora
simplicidade da melodia, mas
também à tradição que evoca, co m
elementos de música de dança
popular, como os efeitos dedilhados
e de percussão do violão espanho l.
A adição de estilos do campo a
influências formais co rtesãs
continuou a definir a obra de
Scarlatti: ele rompeu co m as
convenções da música de câmara
barroca, experimentando a
d isso nância e a síncope nas
últimas sonatas.
E esse "gracejo co m arte"
brincalhão que co loca Scarlatti
como mestre tanto da música
barro ca como do estilo clássico
que florescia. Scarlatti ajudou
a preparar a v ia para os
experimento s aind a mais rad icais
como a so nata de Mo zart e
Beetho ven, que enfatizaram mais
aind a a impo rtância do estilo liv re
e de linhas de melod ia exp ressiv as
sobre a estrutura mais formal da
música barro ca. •
Domênico Scarlatti
Filho de A lessand ro Scarlatti,
compositor prolífico de ópera,
Domênico nasceu em Nápoles
em 1685. Músico igualmente
talentoso , seguiu a carreira do
p ai co m enco mendas muito
v ariad as e patrocínio real. A o s
dezesseis anos tornou-se
compositor e o rganista d a
capela real de Nápoles e depois
serv iu a rainha po lonesa
exilad a Maria Casimira, em
Ro ma. Mais tarde foi nomeado
maestro di cappella (diretor
musical) d a Basílica de São
Pedro . Em 1721, Scarlatti foi
p ara a corte po rtuguesa em
Lisbo a, onde deu aulas de
música à p rincesa M aria
Bárbara. Quand o se caso u co m
Fernand o vi d a Esp anha, ela
convidou Scarlatti p ara ser seu
tutor musical. Ele serv iu a
rainha até morrer, em 1757,
em Mad ri. Scarlatti é
especialmente conhecido por
suas 555 so natas p ara teclado ,
embo ra tenha também
produzido u m a enorme
quantidade de música vo cal
sacra e de câmara.
Outras obras importantes
1724 Stabat Mater p ara dez
vo zes
1757 Salv e Regina
A PRIMAVERA
E COM ELA A
AS QUATRO ESTAÇÕES (1725),
ANTONIO VIVALDI
94 CONCERTO SOLO BARROCO ITALIANO
EM CO N TEXTO
FO C O
Concerto solo barroco
italiano
A N T E S
1 6 9 2 Giusep p e Torelli,
basead o em Bo lo nha, publica a
p rimeira de três co letâneas de
concertos que dão novo
d estaque ao v io linista solo.
1 7 0 7 Co ncerto s publicado s
pelo venez iano To maso
A lb ino ni u sam a estrutura de
três mo v imento s (rápido-lento-
-rápido) que se tornará padrão .
1 7 2 1 O s seis Concertos de
Brandemburgo, de J. S. Bach,
u sam a estrutura e princípios
padro nizado s por V iv ald i em
seus concertos.
D EPO IS
1 7 7 3 Mo zart co mp õ e seu
primeiro co ncerto p ara v io lino
usand o a estrutura de três
mo v imento s.
N os anos 1720, Viv ald i era mais conhecido na Itália como compositor de
óperas, mas no norte europeu -
assim como após sua morte - sua
fama se deveu aos concertos,
modalidade que formatou,
desenvo lveu e d a qual se apropriou,
talvez de modo mais evidente em
A s quatro estações (Le quattro
stagioni), de 1725.
Desde a épo ca de Vivald i, a
palavra "concerto" ganhou u m
sentido claro de p eça para u m ou
mais instrumento s, so listas e
orquestra: u m concerto solo exibe
u m músico : u m concerto grosso
(concerto grande) tem dois ou mais.
A ntes de Viv ald i, porém, o termo
era usado de modo mais vago para
designar obras escritas para
conjuntos combinados de vozes ou
instrumento s, ou para grupos
diferentes de instrumento s. Em
Roma, por exemplo, Arcângelo
Corelli escreveu concerti grossi
para u m conjunto de dois vio linos e
teclado. Esses instrumento s
po d iam ser reunidos a u m conjunto
maior de cordas, cujo papel era
mais aumentar que criar contraste
co m o grupo menor.
O concerto se desenvolve
Fo i no norte da Itália, em Veneza em
especial, que o concerto começou a
tomar a forma que Vivald i usaria.
Em Bolonha, o v io linista e
O Ospedale delia Pietà, orfanato no
Grande Canal de Veneza, onde Vivaldi
se tornou mestre de violino em 1703. O
ospedale tinha uma orquestra e um
coro só de mulheres.
compositor Giuseppe Torelli
escreveu obras para vio lino solo e
u m conjunto instrumental maior,
enquanto em Veneza o rico amador
Tomaso A lbino ni compunha belos
concertos para oboé. Escrito s para
um ou dois oboés e u m conjunto
maior, estão entre as primeiras
obras solo notáveis compostas para
esse instrumento .
Nas p eças de Torelli e A lbino ni,
emergia um contraste entre as
seçõ es solo e as partes to cadas
BARROCO 1600-1750 95
Ver também: Concerto para flauta em lá maior, C. P. E. Bach 120-121 • Concerto para piano n" 2 em sol menor, Saint-Saèns
179 • Concerto para piano para a mão esquerda, Ravel 266-267
pelo conjunto maior, como se duas
vozes fo ssem o uvidas de modo
simultâneo na mesma peça. Fo i
sobre essa base que Viv ald i
co nstruiu o corpo de sua obra.
Um pouco mais jovem que seu
colega veneziano A lbino ni, Vivald i
escreveu seus primeiros concertos
conhecidos por volta dos 25 anos.
No total, nos cerca de quarenta anos
seguintes, ele escreveu por volta de
quinhentos concertos, muitos dos
quais foram publicados em
co letâneas, como II cimento
delTarmonia e delTinventione. Outros
foram vendidos em manuscrito -
uma forma que Vivald i, co m seu tino
comercial, achava mais lucrativa.
Desses concertos, mais de duzentos
eram para violino solo; o próprio
Vivald i era um vio linista famoso e
exuberante. Outros eram para
fagote, violoncelo, flauta, oboé,
bandolim ou flauta doce solo. Hav ia
perto de cinquenta concertos duplos
(compostos para dois instrumentos
solo), além de outras variações,
como um concerto que incluía
partes solo para dezesseis
instrumentos diferentes.
A ntoni o V i v al d i
A o longo de sua imp ressio nante
produção , V iv ald i ajudou a mud ar
o curso d a histó ria d a música. No
entanto , nunca foi revo lucionário .
Ele apenas mo d if icav a as
tend ências existentes, criand o
u m a no v a ling uag em music al que
faz ia músico s e p lateias v ibrar.
To mo u muito s elementos d a
ópera, outro género que ganho u
no v a v id a no Barro co e co m o qual
V iv ald i se envo lveu muito como
compositor. Seguind o as pegad as
de A lb ino ni , ele transfo rmo u a
estrutura rápido-lento -rápido d a
abertura o perística no padrão de
três mo v imento s do concerto : u m
primeiro mo v imento rápido,
preenchid o co m ação music al
como seçõ es alternad as solo e de
conjunto , seguid o por u m
mo v imento do meio lento, mais
med itativo , e por u m novo surto
de ativ id ad e no mo v imento final.
O ritornello
Dentro dos mo v imento s rápidos, o
p rincip al recurso estrutural foi
emprestado d a ópera: o ritornello
(pequeno retorno), um refrão ou
Vivaldi nasceu em 1678, filho de
um violinista da orquestra de São
Marcos, em Veneza. Foi ordenadopadre em 1703, mas logo
abandonou o sacerdócio. Sua
mudança para a música aconteceu
quando foi nomeado mestre de
violino do Ospedale delia Pietà,
em Veneza.
A primeira coletânea publicada
de concertos de Vivaldi, Destro
armonico (Inspiração harmónica),
impressa em 1711, lhe deu fama
internacional, em especial na
Alemanha, onde o jovem J. S. Bach
foi seu admirador. Vivaldi compôs
mais centenas de concertos, além
éé
Ele pode compor um concerto
mais rápido que o copista
consegue escrever.
Charl es de Brosses
Erudito francês e político
f f
ideia musical tocado, repetido e
modificado ao longo do mo vimento
pela o rquestra. Tip icamente,
um mo vimento rápido co meça
co m a apresentação completa,
pela orquestra, do ritornello.
A seguir v em uma seção solo,
em que o músico só recebe
aco mpanhamento de fundo d a
o rquestra. Depo is a o rquestra
completa vo lta, reexibindo parte
do ritornello numa no va escala.
A s seçõ es ritornello e solo se
alternam então , em geral »
de cinquenta óperas e várias
obras vocais religiosas, sonatas
e cantatas. Sua popularidade
declinou no fim dos anos 1730.
Morreu em Viena em 1741,
quando tentava restaurar sua
fortuna, e foi enterrado como
indigente.
Outras obras importantes
1711 Destro armonico, op. 3
1714 La stravaganza, op. 4
1725II cimento delTarmonia e
delTinventione, op. 8
1727 La cetra, op. 9
96 CONCERTO SOLO BARROCO ITALIANO
O concerto
O principal atrativo do
concerto para compositores e
músicos é o grande potencial
dramático da competição e
colaboração alternadas entre
solista e orquestra. Muitos
compositores foram inspirados
a escrever concertos pelo
talento de instrumentistas -
como o violoncelista Antonin
Kraft, para o qual Haydn
escreveu o Concerto para
violoncelo nQ 2 em ré e
Beethoven seu Concerto triplo.
Mozart compôs os famosos
Concertos para trompa para o
trompista Joseph Leutgeb.
Os concertos logo se tornaram
uma vitrine para virtuoses,
como o violinista Paganini e
os pianistas Liszt e Chopin.
Na virada para o século xx,
Rachmaninoff escreveu
concertos para piano - e
Dvofák e Elgar os muito
apreciados concertos para
violoncelo. Fãs posteriores do
concerto grosso incluem
Michael Tippett, com seu
Fantasia Concertante on a
Theme of Corelli.
O violinista Nigel Kennedy
executa As quatro estações com a
English Chamber Orchestra em
1989. A gravação vendeu mais de 2
milhões de cópias.
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quatro a seis vezes, culminand o
numa reapresentação final
orquestral do ritornello.
A s seçõ es solo, porém, também
po d iam ser v istas na ópera. A s
óperas barrocas deram nova ênfase
à ária, permitindo ao cantor exibir o
poder, alcance e natureza
expressiva de sua voz. De modo
similar, as seçõ es solo dos
concertos po ssibilitavam aos
so listas instrumentais mostrar suas
habilidades virtuosísticas. N uma
era marcad a pela teatralidade,
Viv ald i trouxe uma dose de
v irtuo sismo dramático ao concerto .
Quatro estações
Viv ald i deu rédea livre à sua
teatralidade nas p eças de As
quatro estações, publicadas em
A msterd am em 1725. Versões
anteriores c ircularam por vários
anos em forma manuscrita, e já
eram muito co nhecidas e
admiradas. As quatro estações
foram os quatro primeiros de u m a
série de doze concertos para vio lino
intitulados II cimento daimonia e
delTinventione (A d isputa entre
harmo nia e invenção), todos
escritos entre 1723 e 1725. Muito s
Partitura de Primavera, de As quatro
estações, parte de Destro armonico,
coletânea de doze concertos que com
sua viva exuberância mudou a forma
imponente.
dos concertos de Viv ald i buscav am
evocar ou descrever humores e
estados mentais específicos, como
os títulos exp lic itavam - por
exemplo, II piaoere (o prazer),
Línquietude (a ansiedade),
Damoroso (o amante) e U ríposo (o
descanso ). A s quatro estações,
porém, a par do ciclo de três
concertos La Notte (A noite), foi u m
passo além, expondo uma narrativa
musical simples co nhecida como
"programa", forma que foi adotada
por muitos compositores na era
romântica. N a versão publicada,
Viv ald i tornou o programa explícito
incluindo quatro sonetos de autoria
desconhecida, muitas vezes
atribuídos ao próprio compositor.
Cad a u m dos sonetos fala sobre
uma d as estaçõ es. O soneto d a
primavera, por exemplo, co meça
descrevendo como os pássaro s
saúdam a nova estação "com canto
alegre" e como riachos soprados por
brisas suaves fluem "com doce
BARROC01600-1750 97
murmúrio". Túdo isso Viv ald i
descreve musicalmente no primeiro
movimento do concerto Primavera,
cujo ritornello de abertura é uma
dança que representa a alegre
celebração d a volta d a primavera,
suced id a por três vio linos solo que
exp ressam gorjeios e outras
características d a estação .
G randes elogios
Na Itália, a popularidade de Vivald i
d iminuiu no fim d a v ida, devido ao
crescente interesse por u m novo
estilo de ópera napolitano. A o norte
dos A lpes, porém, os concertos de
Vivald i - e As quatro estações em
especial - fizeram dele um dos
compositores mais famosos da
época. Um dos mecenas de Vivald i
foi o conde boémio Wenzel von
Morzin, ao qual Vivald i dedicou II
cimento delTarmonia e
delTinventione, a co letânea que
inclui As quatro estações. "Peço-lhe
que não se surpreenda", ele
escreveu, "se entre esses poucos e
fracos concertos Vo ssa Ilustre Graça
encontrar As quatro estações, que
com sua nobre generosidade Vo ssa
Ilustre Graça há tanto tempo
considera co m indulgência."
Outro apoio ilustre veio do rei
Luís xv d a França, que em
éé
Vivaldi tocou um solo
esplêndido [...]. Nunca antes se
ouviu execução assim, nem
será nunca igualada.
J. F. A . von Uf f enb ach
Viajante alemão
(1687-1769)
t f
Pi ntando q uadros co m m ú s i ca
Primavera
Três violinos solo imitam pássaros
chilreando e regatos murmurando. Um
terceiro movimento alegre sugere uma
festa primaveril com dança.
Verão
Sons tranquilos evocam o calor do
verão, com insetos zumbindo, um cuco
e uma cotovia. Acordes menores e
subtons dramáticos evocam uma
tempestade de verão.
Outono
O rápido primeiro movimento capta a
agitação de uma festa da colheita,
interrompida por um violino solo que
representa um "bêbado cambaleante".
Inverno
Violinos céleres expressam dentes e
pés batendo, e as escalas rápidas e a
dissonância sugerem aragens frias e
vendavais de inverno.
novembro de 1730 requisitou a
apresentação do concerto
Primavera por uma orquestra
formada apenas por nobres e
co rtesão s musicalmente dotados.
Outro apreciador de Primavera foi o
filósofo Jean-Jacques Ro usseau,
que em 1775 arranjou a peça para
flauta sem acompanhamento .
Influência em compositores
Mais extraordinário , porém, foi o
legado dos concertos de Viv ald i a
seus co legas músicos. Um
admirador notável foi J. S. Bach: seu
mecenas, o duque de Saxe-Weimar,
voltou de uma v iagem aos Países
Baixo s co m u m exemplar da
primeira co letânea de concertos de
Vivald i, Destro armonico
(Inspiração harmónica), publicada
em A msterd am. Bach transcreveu
seis dos concertos para cravo solo,
e segundo seu mais antigo
biógrafo, Jo hann Niko laus Forkel, foi
essa experiência que lhe ensino u a
importância d a "ordem, coerência e
proporção" em música.
Segundo especialistas
modernos, talvez a avaliação de
Forkel seja exagerada, mas a
influência de Viv ald i sobre Bach é
claramente visível, por exemplo, no
uso do ritornello por este último.
Também evidente é o fato de que
Vivald i deu ao concerto de três
movimentos (rápido-lento-rápido) um
lugar entre as formas musicais mais
importantes, inspirando incontáveis
compositores futuros, de Bach,
Hayd ne Mozart a Beethoven em
diante. Mais ainda, o concerto foi
uma grande influência em outra
forma emergente, que logo se tornou
a suprema expressão instrumental
dos compositores - a sinfonia. •
O OBJETIVO DE TODA
DEVERIA SER APENAS A
GLORIA DE DEUS
A PAIXÃO SEGUNDO SÃO MATEUS (1727),
JOHANN SEBASTIAN BACH
100 MÚSICA CORAL RELIGIOSA DO ALTO BARROCO
E M C O N T E X T O
FO C O
M úsica coral religiosa do
A lto Barroco
A N T E S
1471 O compositor flamengo
Jaco b Obrecht escreve u m a
Passio secundum Matthaeum
(Paixão segund o Mateus).
anos 1620 E m Ro ma,
Giaco mo C arissim i produz
oratórios sobre temas do Velho
Testamento p ara atender à
d emand a por espetáculo s
líricos na Quaresma.
1718 Hándel co mp õ e a
p rimeira versão de Esther,
sobre essa rainha do Velho
Testamento . E m 1732 a p eça
seria enf im ad aptad a como
primeiro oratório inglês.
D EPO IS
1829 Felix Mend elsso hn rege
a estreia em Berl im de A
Paixão segundo São Mateus -
mo mento -chave na reto mada
do interesse pela música de
Bac h.
1846 Mend elsso hn estreia o
oratório Elijah, sobre a v id a do
profeta El ias.
1850 Moritz H aup tmann
(Kantor d a Tho maskirche) ,
Otto Jahn (biógrafo de Mo zart)
e o compositor Ro bert
Sc hum ann fo rmam a Bach-
-Gesellschaft, p ara publicar a
obra co mpleta de Bach.
1963-1966 O po lonês
Krzyszto f Pend erecki co mpõ e
A Paixão segundo São Lucas,
arranjo coral-o rquestral ato nal
d a história d a Paixão .
P or volta de 1680, v iv ia-se o desenvo lvimento final da estética barroca, conhecido
como A lto Barroco . O novo sistema
tonal, em que a música era
construída por notas que formam
escalas maiores e menores, foi
estabelecido , e os compositores d a
época, como Jo hann Sebastian
A Crucificação, muitas vezes pintada na
arte renascentista, como aqui pelo alemão
Lucas Cranach, o Velho, tornou-se
também tema de compositores, conforme
a música se tornou mais descritiva.
Bach, usaram-no para controlar o
fluxo de seu trabalho modulando
entre diferentes tons. Co mbmand o
linhas melódicas d istintas, o
contraponto cad a vez mais
complexo - u m dos traços
definidores da música barroca -
errava efeitos dramáticos vívidos;
acrescid a de aspectos rítmicos
incisivo s, a música alcançou poder
emocional inédito .
Em períodos anteriores, a música
vo cal hav ia predominado; agora um
interesse crescente pela
instrumental dava aos composrtores
BARROCO 1600-1750 101
Ver também: Ein feste Burg ist unserGott 78-79 -A arte da fuga 108-111
170-173 • The Dream of Gerontius 218-219
Elias
outro recurso dramático . Indo além
do puro acompanhamento , a sempre
destacada orquestra podia ter papel
muito mais variado e expressivo ,
que ajudou a aumentar a
popularidade da ópera barroca. Ela
em geral floresceu em centros
mercantis, onde indivíduos ricos e a
nobreza apreciavam as encenações,
oferecendo ricas oportunidades a
compositores como Georg Fried rich
Hándel. A maioria dos cidadãos,
porém, v ivenciava as novidades
musicais nos ofícios religiosos.
M úsica dramatizada na
igreja
Os compositores logo notaram que
as técnicas líricas e a música que
dava relevância atual a mitos
clássicos poderiam servir a fins
litúrgicos, dando v id a a textos
bíblicos que muitos fiéis não podiam
ler. Como a encenação de óperas era
proibida nas seis semanas da
Quaresma, os compositores
apresentariam oratórios de temas
bíblicos em seu lugar.
Muito s dos géneros d a música
coral d a épo ca são os mesmo s d a
éé
Ele não deveria se chamar
'riacho' [em alemão Bach], mas
'mar', devido a sua riqueza
infinita, inesgotável
de harmonias e
combinações de tons.
Lu d w i g v an Beethoven
f f
música profana. Como os
compositores d a igreja d ev iam
escrever música para mais de
sessenta ofícios ao ano, não era
inco mum que remodelassem p eças
profanas, como fez Jo hann
Sebastian Bach (1675-1750) com o
Oratório de Natal (1734-1735).
Evolução dos géneros
corais
No A lto Barroco , a m issa do norte
alemão evo luiu d a prima pratica,
caracterizad a pelo arranjo
polifônico d as partes mais
relevantes do ofício {Kyrie, Gloria,
Credo, Sanctus, Agnus Dei), co m
coro e aco mpanhamento
instrumental, para algo muito mais
grandioso . Isso se d eveu em parte
à influência d as trad içõ es
italianas, que Bach encontrou após
1712 co m a música de A nto nio
Viv ald i. A o rquestra cresceu em
tamanho e, em esp ecial co m
aco mpanhamento s obbligato
(essenciais, escrito s de modo
completo), alcanço u um papel
musical muito maior. A s vo zes solo
também foram mais co muns.
Bach escreveu cinco missas,
mas a M issa em si menor (1749) se
destaca como uma d as obras mais
importantes do câno ne musical
ocidental. Escrita no fim d a v id a,
não foi executada antes de sua
morte. A lgo inco mum na tradição
luterana, apresenta u m arranjo
completo do Ordinário Latino em 25
movimentos separados que d uram
cerca de duas horas.
Embo ra em declínio na época, o
moteto (poema sacro musicado )
aind a era um género coral
importante, em especial na França,
onde hav ia dois estilos d istintos.
Os petits motets eram
acompanhados apenas p o r»
Jo hann Seb asti an Bach
Nascido em Eisenach, na
Alemanha, em 1685, Bach foi o
mais eminente de uma longa
linhagem de músicos. Ele
aprendeu música com o pai e
depois com o irmão, e foi
nomeado músico da corte de
Weimar ao deixar a escola, em
1703. Sua fama de
extraordinário instrumentista
de teclado se espalhou e logo
ele escreveria a primeira de
mais de duzentas cantatas.
Em 1717, Bach se mudou
para Kõthen a fim de assumir
o posto de Kapellmeister e
compôs muitas obras
instrumentais, como os
Concertos de Brandemburgo.
Em 1723 foi nomeado Kantor
da Igreja de São Tomás em
Leipzig, onde ficou até sua
morte, em 1750, aos 65 anos.
Nesse período, tornou-se um
compositor famoso do Alto
Barroco, com talento nunca
igualado para o contraponto.
Outras obras importantes
1723-1732 Seis motetos, BW V
225-231
1733 Magnificat, BW V 243
1749 Missa em si menor, BW V
232
102 MÚSICA CORAL RELIGIOSA DO ALTO BARROCO
Oratório O ratóri o versus ó p era Ó pera
Usa texto religioso
como tema.
Encenad o como peça de
concerto, sem adereços.
Um narrador que canta
faz o enredo avançar.
Ce Cantores são estático s e
personagens não
interagem
Enredo s se insp iram em
literatura, história e
mitos empolgantes
Encenad a como teatro
musical , co m cenários e
figurinos.
Nas últimas óperas,
personagens fazem o
enredo avançar.
Personagens se mo v em e
interagem
continuo; já os grands motets, como
os de Jean-Baptist Lully, incluíam
so listas e um número crescente de
instrumento s. Eles eram menos
co muns na A lemanha; os mais
conhecidos hoje são de Heinrich
Schútz e Bach. Os motetos de Bach,
que influenciaram muito Wolfgang
A mad eus Mozart (1756-1791), foram
praticamente as únicas obras dele a
ser regularmente executadas após
sua morte, até a revalorização do
artista no início do século xix. Cad a
um tinha arranjo para coro de
tamanho diverso , e não é claro
como eram usados nos ofícios d a
igreja, embora alguns fossem
escritos para funerais.
Outras formas corais do A lto
Barroco incluem o hino , o
Magnificat e o madrigal. O hino foi
do minante na Inglaterra, como obra
dramática d iv id id a, co m seçõ es
instrumentais com passagens solo,
recitativos e coros completos.
Purcell foi um talentoso expoente
da forma, e Hándel a levou aind a
mais alto. Seus quatro hino s
cerimo niais incluem o famoso
Zadok the Priest, composto para a
coroação do rei Jorge n em 1727.
O Magnificat, cantado nas
vésperas, é o cântico (hino) da
Virg em M aria do Ev angelho de
Lucas, musicad o a partir do
Renascimento . Mo nteverd i e
V iv ald i c riaram impo rtantes
arranjos barrocos, mas o
Magnificat de Bach para cinco
partes e o rquestra talvez seja o
mais famoso hoje.
Embo ra o madrigal sejamais
associado a períodos anteriores,
essa forma profana para vozes e
aco mpanhamento continuou
popular no Barroco . Sua sutil
evocação musical de ideias ou ação
influenciou outros géneros e está
presente em muitas obras corais
sacras d a época.
A Paixão segundo São
Mateus
Para um músico como Bach, que
se o cupava em esp ecial de música
sacra, a Paixão , que trata dos
eventos bíblico s d a Última Ceia
até a Crucificação , era uma
oportunidade de usar as técnicas
teatrais d a ópera num cenário
religioso . Bach escreveu pelo
menos três d essas obras (só d uas
se co nservaram). Pela maestria em
emo ção , imaginação e poder de
expressão , A Paixão segundo São
Mateus é u m monumento d a
criativ id ad e humana. Ela foi
escrita em 1727 ou 1729 para ser
encenad a antes ou depo is do
BARROCO 1600-1750 103
sermão d a Sexta-Feira Santa. Bach
também co laborou co m o poeta
Picander, de Leipz ig , na criação de
u m libreto co m o d rama bíblico e
reflexões sobre seu conteúdo .
A Igreja de São To más, para a
qual foi escrita, aumento u a
d ramaticid ad e do evento ; usando
as d uas galerias de órgão, Bach
d istribuiu as forças como um coro
duplo através do espaço . Embo ra
tivesse empregado a técnica em
outras obras, como motetos, seu
uso ali, co m a ad ição de duas
o rquestras e o rganistas, p ermitiu a
mais ampla varied ad e de texturas
dramáticas.
A lém do material o riginal, Bach
inseriu vários corais luteranos.
Quando Lutero co meço u a traduzir
os o fícios para o alemão, foram
necessárias novas melodias - os
famosos hino s que se to rnaram
esteio principal do culto
congregacional. Bach harmo nizo u
centenas dessas melodias,
usando -as regularmente como base
de cantatas e prelúdios corais. Em
A Paixão segundo São Mateus, as
melodias corais d atam de 1525 a
1656, e, assim, eram familiares ao
público. A maio ria era apresentada
em harmo nia de quatro partes, mas
três são referidas como elementos
de aco mpanhamento em outros
éé
Alguém que esqueceu
totalmente o cristianismo
ouve-o aqui como Evangelho.
Fri edri ch N ietzsche
t f
C antatas e oratóri os
O oratório era tradicionalmente
uma peça de concerto para
orquestra, coro e solistas que
representava um episódio
bíblico ou a vida de um santo.
Ele só diferia da ópera por não
ser levado ao palco e não ter
interação entre personagens.
A cantata muitas vezes usou
forças similares, mas era
encenada na igreja antes e
depois do sermão e encerrava
uma série de reflexões sobre os
textos bíblicos do ofício. Ambos
movimentos. Desse modo, Bach
pôde mesclar o conhecido e o novo
- essencial para uma co ngregação
que v ia pela primeira vez uma obra
tão intensa de grande escala.
Caracterização musical
Como numa ópera, os papéis
p rincip ais de A Paixão segundo
São Mateus são de so listas, mas,
na ausência de interpretação física
e de figurino, Bach muitas vezes
cria caracterizaçõ es musicais
d istintas. O tenor Ev ang elista, o
narrador, sempre usa secco
recitativo co m continuo (canto solo
semelhante a fala, co m
aco mpanhamento baixo esparso )
para recitar os texto s do
Evangelho , dando força, clareza e
precisão à narrativa. A s p alav ras
de Jesus, porém, são recitativo s
aco mpanhad o s de cordas d a
primeira o rquestra. Sustentand o
notas e enfatizando palavras-
-chave, elas dão à Vox Christi (voz
de Cristo ) um so m esp iritual -
muitas vezes comparado a u m
halo . Tal caracterização é talvez
mais nítida quando , quase
o peristicamente, Jesus emite suas
últimas p alav ras sem
aco mpanhamento de cordas,
resultando num pathos de
os géneros usavam elementos
líricos como recitativo, ária e
coro, mas a cantata tendia a
usá-los de modo mais sutil, para
denotar dramaticidade.
No Alto Barroco, era difícil
diferenciar cantata de oratório.
O Oratório de Natal de Bach, por
exemplo, na verdade é uma
cantata. Bach, cujas cantatas
estão entre as mais sublimes
músicas religiosas, também
compôs obras profanas do
género, como a Kafíeekantate
(Cantata do café), na essência
uma ópera-cômica curta.
abandono realmente devastador.
Nas mão s de Bach, porém, essa
mesma ausência de cordas na ária
soprano Aus Liebe will mein
Heiland sterben (Por amor, meu
Salvador quer morrer) ind ica u m
ânimo diferente, quase lamentoso .
A o longo d a obra, Bach está
claramente ciente de que p recisa
usar a o rquestra para que a
co ngregação receba todo o »
Bach tocou órgão e deu aulas por 27
anos na Escola de São Tomás em Leipzig,
como mostra esta gravura de 1882. Ele e
seus alunos supriam música para as
quatro principais igrejas da cidade.
104 MÚSICA CORAL RELIGIOSA DO ALTO BARROCO
impacto do texto . A atenção à
orquestração , que era muito mais
do minante nas obras de palco da
épo ca (com duração similar em
geral à d a Paixão), é visível no uso
dos o bo és da caceia (oboé grave
similar ao corne inglês) para apoiar
a descrição lúgubre do Gólgota em
Ach Golgotha. Não menos vívido é
o momento em Buss und Reu
(Culpa e dor) em que o contralto
descreve as lágrimas ao so m de
flautas tocando notas staccato.
Elenco grande e variado
A p eça também tem partes para
Jud as, Pedro , do is sacerdotes,
Pôncio Pilato s e a mulher, d uas
testemunhas e d uas criad as, mas
O Coro de Meninos de São Tomás
em Leipzig, ativo desde 1212, tem mais
de oitocentos anos. Com Bach como
Kantor (1723-1750), a igreja e a cidade se
tornaram o centro da música protestante.
não são to das assumid as por
so listas d iferentes. Em muitas
apresentaçõ es os so listas menores
são membro s dos coros. Co m um
elenco tão d iverso e texto tão
d iscursivo , Bach também pôde
romper co m a tradição do oratório
de ev itar interação entre so listas;
ele inc luiu duetos e cenas de
multidões co m passagens que
simulam falas simultâneas e
interrupções. A ss i m , em Weissage
uns, Christie (Cristo profetizado) os
do is coros se alternam no estilo
cori spezzati, criado em São
Marco s, em Veneza, enquanto em
Herr, wir haben gedacht (Senhor,
nós pensamo s) eles cantam juntos
para representar os fariseus
sedentos de poder.
A verd ad eira glória dos coros é
o contraponto , em esp ec ial
quando , apó s cantar em
d isso nância excruc iante
c lamand o pela liberdade de
éé
Ele quer que os cantores
façam com a garganta tudo o
que consegue tocar no
teclado.
Jo hann Scheibe
Critico e compositor (1708-1776)
f f
Barrabás, embarcam numa série
de estruturas musicais
co mplexas, reco nhecid amente
d ifíceis. Um mo mento anterior,
muito co mo vente, aco mp anha a
cap tura de Jesus no jard im. A pó s
u m a introdução o rquestral
susp irante, o soprano e o contralto
BARROCO 1600-1750 105
lastimam o d estino de Jesus em
tons resignad o s. Em co ntraste, o
coro pede sua so ltura, criand o
uma tensão extrao rd inária entre
os do is ânimo s. Enq uanto o canto
resignado co ntinua, o coro, que
pode representar os d iscípulo s ou
a co ngregação , se ag ita e a
o rquestra co nduz a música à
co nclusão emo cio nante. O fim
d essa seção em escala maior pode
parecer surpreend ente,
sustentand o as p alav ras "sangue
assassino ". Supõ e-se, porém, que
a música po deria estar lembrando
ao o uv inte que, embo ra a histó ria
seja de so frimento , sem a prisão
de Jesus não é possível a
Crucificação - e po rtanto a
Salvação .
Em outras partes, muito s dos
textos mais contemplativos, como o
coral leh bin's ich solhe bússen (Sou
eu quem deverá sofrer) ou a ária
baixo Macbe dich, mein Herze, rein
(Limpa-te, meu coração), estimulam
os ouvintes a sentir a emo ção e
identificar-se com o d rama. O
exemplo mais notável talvez seja a
ária Eibarme dich, mein Gott
(Tende piedade, meu Deus). A
simplicidade do ritmo cadenciado ,
acompanhado pelo vio lino
lamentoso, sustenta e enfatiza a
intensidade do horror e da culpa de
Pedro ao trair Jesus, quando repete
éé
A mais bela peça de
música já escrita para violino.
Y ehud iM enhui n
Descrevendo Erbarme dich, mein Gott
f f
as dezessete palavras do texto co m
angústia crescente.
A Paixão segundo São Mateus
teve apenas umas po ucas
encenaçõ es em v id a de Bach.
O novo estilo clássico tinha
co meçad o a revo lucionar a
co mpo sição e apreciação musical,
e o compositor foi considerado
ultrapassado ao escrever música
co ntrapo ntistica desse tipo .
O legado de Bach
No fim da v id a de Bach, sua música
foi considerada "preciosa", em
sentido pejorativo; as obras de seu
filho Carl Philipp Emanuel Bach
eram mais co nhecidas. Po ucas
p eças de Bach foram impressas,
embora as obras para teclado
fossem às vezes estudadas; Lud w ig
v an Beetho ven (1770-1827) muitas
vezes executava fugas e prelúdios
de O cravo bem temperado de Bach.
Porém obras maiores como A
Paixão segundo São Mateus só
Bach e três de seus filhos posam para
um retrato (1730) de Balthasar Denner.
Bach teve vinte filhos e do início do
século xvi até o fim do xvm sua família
produziu mais de setenta músicos.
existiam em exemplares copiados à
mão num pequeno círculo de
admiradores, alguns dos quais seus
antigos alunos.
Fo i por meio desse grupo que
Mendelssohn veio a estudar as
obras de Bach no início do século
xix, encenando A Paixão segundo
São Mateus em 1829. Essa
apresentação , um marco do
renascimento da música de Bach,
não foi completa nem autêntica, mas
ajudou a divulgar sua obra. Não
demorou muito a surgirem
sociedades para publicar e executar
sua obra. Hoje, A Paixão segundo
São Mateus é muitas vezes
apresentada no palco; com suas
similaridades co m a ópera, tem
poderoso efeito sobre as plateias. •
_ TELEMANN ESTA
I ACIMA DE TODO
ELOGIO
MUSIQUE DE TABLE (1733),
GEORG PHILIPP TELEMANN
E M C O N T E X T O
FO C O
Taíelmusik
A N T E S
1650 O quadro Das
Friedensmahl (A refeição d a
paz), de Jo ac him vo n Sandrart,
representa músico s to cando
Taíelmusik n u m banquete de
u m a conferência diplomática,
anos 1680 Co letâneas
imp ressas de Taíelmusik, na
maio r parte de compositores
alemães d a épo ca, se to rnam
m ais co muns.
D EPO IS
anos 1770 O género
Taíelmusik é aos po uco s
substituído por outros tipos de
música "ligeira", como o
d ivertimento e a serenata.
1820 Um a g rav ura de Jo hann
Wund er mo stra a execução de
Taíelmusik nu m banquete
munic ip al em Kràhw inkel -
no me de lugar fictício que
deno ta o p ro v incianismo de
vilarejo s antiquado s.
A demanda por Taíelmusik (música de mesa) - música de fundo para banquetes
- cresceu de modo contínuo de
meados do século xvi em diante.
Musique de table, uma coletânea
desse tipo de música de Georg
Philipp Telemann, prolífico
compositor alemão que assimilou e
dominou diferentes estilos, reúne
uma gama de géneros de câmara
que se prestavam à Taíelmusik.
Telemann anunciava a coletânea
como um artigo de prestígio que
poderia ser comprado por assinatura.
A co letânea de Telemann se
d iv ide em três "produções", cad a
uma co m uma suite de d ança
orquestral, u m concerto , u m
quarteto , uma sonata em trio, u m a
sonata solo, terminando co m uma
"conclusão" orquestral. A lém das
suites de dança, ele fazia muito uso
do padrão de quatro movimentos
lento-rápido-lento-rápido d a
tradicional sonata da chiesa (género
de música instrumental de câmara
ou orquestral tocada às vezes em
ofícios religiosos). Cad a "produção"
contém música suficiente para
diversão de uma noite,
meticulo samente criada e sempre
memoravelmente melodiosa -
evocando até às vezes cançõ es
folclóricas populares.
Hàndel, u m dos 206 assinantes
d a co letânea, parece ter se
inspirado em algumas d as ideias
musicais. Temas de seu oratório
The Arrival oí the Queen oí Sheba
mo stram semelhança co m material
do concerto d a segund a "produção"
de Musique de table. m
éé
Ele [Telemann] podia compor
uma peça sacra com oito
partes tão rápido quanto outro
escreveria uma carta.
G eorg Fri deri c Hãndel
Ver também: Lachrímae 56-57 • Concerti grossi, Corelli 80-81 • Water Music
84-89 • As quatro estações 92-97 • Concerto para flauta em lá maior, C. P. E. Bach
120-121
BARROCO 1600-1750 107
TINHA TODO
O CORAÇÃO E A ALMA
EM SEU CRAVO
HIPPOLYTE ETARICIE (1733),
JEAN-PHILIPPE RAMEAU
E M C O N T E X T O
FO C O
O style galante
A N T E S
1607 UOrfeo, de Mo nteverd i -
a mais antiga ópera aind a em
repertório corrente - , estreia
em Mântua.
1673 A tradição o perística
francesa nasce co m a estreia
de Cadmus et Hermione, de
Jean-Bap tiste Lully , a p rimeira
d as tragedies en music
(tragédias em música) de Lully .
D EPO IS
1752 A apresentação d a
ópera-bufa L a serva padrona
( A criad a patroa), de Gio v anni
Battista Pergo lesi, deflagra a
Querelle des Bouffons, d isp uta
entre defensores d a ópera-séria
e d a ó pera-cô mica.
1774 A pó s reformar a ópera
italiana, Christo p h Willibald
Gluck co mpõ e Iphigénie en
Aulide p ara o palco de Paris.
A música galante nasceu da oposição à complexidade d a música barroca.
Enquanto esta se caracterizava
muitas vezes pela seriedade e
grandeza, o style galante era
elegante, leve e direto .
Um dos mais enaltecidos
defensores desse estilo foi o
compositor francês Jean-Philippe
Rameau, cuja primeira ópera,
Hippolyte et Aricie, estreou em
Paris em 1733. Rameau uso u em
sua ópera a forma convencional de
cinco atos de uma tragédie en
musique estabelecida por Jean-
-Baptiste Lully. Em tudo mais,
porém, ele rompeu co m o modelo de
Lully, usando d isso nâncias
ousadas, estruturas de frase mais
longas e a abordagem ornamentada
d a escrita melódica que
caracterizaria o style galante.
G uerra de palavras
Hippolyte et Aricie atraiu duras
críticas de assim chamados lullistas,
que temiam que a música italianada
de Rameau ameaçasse a posição
icônica das óperas de Lully na
A mezzo-soprano americana Jennifer
Holloway interpreta Diane num ensaio
de Hippolyte et Aricie, no Théatre du
Capitole, em Toulouse, em 2009.
cultura francesa. O debate entre
lullistas e rameauistas fervilhou por
vários anos, nos quais Rameau
lançou mais quatro óperas. Co m o
tempo, porém, sua música foi mais
aceita, e em 1752, na época da
Querelle des Bouffons, uma d isputa
de dois anos sobre os méritos
relativos das óperas francesa e
italiana, a música de Rameau era
considerada tipicamente francesa. •
Ver também: O burguês fidalgo 70-71 • Orfeu e Euridice 118-119 • A flauta mágica
134-137 « O barbeiro de Sevilha 148 'La traviata 174-175
108
BACH É GOMO UM
ASTRÓNOMO QUE [.
DESCOBRE AS
ESTRELAS MAIS
MARAVILHOSAS
A ARTE DA FUGA (\m),
JOHANN SEBASTIAN BACH
E M C O N T E X T O
FO CO
O contraponto barroco
A N T E S
c. 1606-1621 Sw eel inc k
co mp õ e Fantasia chromatica,
u m a d as p rimeiras obras a
d emo nstrar o d esenv o lv imento
co ntrapo ntístico de u m
só tema.
1725 Fu x p ublica Gradus ad
Parnassum (Degraus para o
Parnaso ), que co ntém
exercício s p ara escrever fugas.
Mo zart estud o u essa obra.
D EPO IS
1837 Mend elsso hn p ublica
Seis prelúdios e fugas, op. 35,
demo nstrando a fuga como
género romântico viável.
1910 Buso ni publica Fantasia
contrappuntistica, u m tributo à
Arte da fuga que inc lui u m a
co nclusão pó s-mo derna de sua
última fuga.
E m contraste co m co mpo siçõ es posteriores, que muitas vezes
depend iam de uma só linha
melódica sobre uma série de
harmo nias, a música barroca co m
frequência co mbinava muitas
linhas melódicas ou vozes
independentes entrelaçadas. A
técnica, co nhecida como
contraponto, permitia criar obras de
complexidade e dramaticidade
intensas, refletindo a riqueza de
outras formas artísticas d a época.
Por outro lado, exig ia grande
habilidade para compor longos
trechos de música com variedade e
interesse suficientes. A ascensão
do estilo clássico , co m sua opção
BARROCO 1600-1750 109
Ver também: Missa LHomme armé 42 • Ein feste Burg ist unser Gott 78-79• A Paixão segundo Sao Mateus 98-105 • Elias
170-173 'Réquiem, Fauré 210-211 • The Dream oí Gerontius 218-219
A segunda fuga de O cravo bem
temperado é em dó menor. Ambos os
conjuntos de 24 prelúdios e fugas são
arranjados em doze escalas maiores e
menores entre dó e o si acima dele.
pela simplicidade e por harmo nias
de mudança mais lenta, desobrigou
os músico s de do minarem técnicas
tão complexas. Bach, porém, o
consagrado praticante do
contraponto barroco, co nsiderava a
habilidade tão v ital que tentou no
fim da v id a organizar e apresentar
seus conhecimentos em
publicaçõ es como A arte da fuga,
u m ciclo co m cerca de v inte obras.
Princípios do contraponto
Muito antes, Bach publicara obras
didáticas para ensinar contraponto
a instrumentistas de teclado. Elas
incluíam duas co letâneas de
especial interesse - as 15 invenções
em duas partes e as 15 sinfonias em
três partes. Em cad a uma das
peças, uma melodia de abertura
simples é apresentada sem
acompanhamento e então
transferida para outras partes (ou
"vozes", como são conhecidas,
mesmo em música instrumental),
enquanto a primeira parte continua
co m uma melodia complementar.
Para o instrumentista, a
d ificuldade d essas obras não está
só em tocar bem as partes de fluxo
muitas vezes rápido, mas também
em equilibrar a importância relativa
das vozes, para que o ouvinte
aprecie a interação e tenha uma
experiência musical satisfatória.
Embo ra sigam regras estritas
barrocas que regem a d issonância,
quando permitid a (por exemplo, em
notas de passagem de compassos
fracos), essas obras têm estrutura
relativamente livre.
Construção de uma fuga
Bach foi mais famoso pelas fugas,
que seguem os mesmos princípios »
Prel údios, f ugas e af i nação b e m temp erad a
Cad a u m dos conjuntos de O
cravo bem temperado co ntém 24
prelúdios e fugas em to das as
escalas maiores e menores.
A lém de serv ir como modelos
p ara que os instrumentistas de
teclado g anhassem proficiência,
eles celebravam a g ama de
escalas dos méto do s de afinação
d a épo ca. A afinação , ou
"temperamento ", sempre foi
tema capcioso . Um a no ta u m a
o itava d istante de outra soa
similar porque a frequência do
so m pode ser red uz id a à relação
simples de dois p ara um.
Relaçõ es de frequência entre
outras no tas são mais
co mplexas, então a afinação p ara
u m a escala de dó maior que
mantiv esse todos os intervalo s
puros faria as outras escalas
so arem d esafinad as em graus
levemente d iverso s. O sistema
mesotônico , usado a partir de c.
1570 e baseado num intervalo de
terça puro , só funcio nava bem
p ara dez a quinze de 24 teclas. O
sistema bem temperado era u m
ajuste de afinação co m intervalo s
equid istantes o bastante p ara
permitir execuçõ es co m todos os
tons. O sistema moderno de
temperamento igual d iv ide a
o itava em intervalo s iguais, na
maior parte impuro s.
Ao afinar um piano, como este
Schimmel de concerto alemão, o
afinador usa um diapasão ou um
equipamento eletrônico para ajustar
as cordas ao tom necessário.
110 0 CONTRAPONTO BARROCO
EXPOSIÇÃO EPISÓDIO SEÇÃO CENTRAL EPISÓDIO SEÇÃO FINAL CODA
Soprano T PL PL R PL T CT PL CT PL PL
Contralto R CT PL T CT PL PL PL PL T PL PL
Baixo T CT PL PL PL PL PL PL R PL PL T PT
Numa fuga - palavra latina para "voo" -
três ou mais vozes entram uma depois da
outra, imitando e modificando o tema
inicial. A estrutura ilustrada aqui tem
muitas outras variantes possíveis.
Legenda
T = Tema - O tema principal da fuga.
R = Resposta - O tema repetido uma quinta (cinco notas) acima.
CT = Contratema - Um tema secundário contrastante.
PL - Parte livre - Material baseado no primeiro tema.
PT = Pedal tónico - Nota baixo final sustentada.
mas os dispõem em estruturas bem
mais rigorosas, propiciando
experiências de audição muito
ricas. Na organização básica d a
fuga, uma melodia co nhecida como
"tema" é apresentada pela primeira
voz na tónica (o tom fundamental
da escala). A voz seguinte responde
então co m a mesma melodia mas
co meçando na do minante (a quinta
nota da escala usada). Quando
replica, a voz o riginal to ca u m
"contratema" que pode ser muito
contrastante. A terceira voz entra
então co m o "tema" de novo,
Trabalho incessante, análise,
reflexão, muita escrita,
correções infinitas, esse é o
meu segredo.
Jo hann Seb asti an Bach
t f
co meçando na mesma nota em
o itava diferente, enquanto a
segund a voz executa o contratema
e a primeira voz em geral to ca
material livre derivado do tema.
Isso co ntinua do mesmo modo até
que todas as vozes entrem, em
rápida transição da simplicidade à
complexidade por meio de material
musical limitado .
A fuga progride então co m mais
"episódios" de ânimo diverso ,
derivados de novo, muitas vezes, do
material de abertura. A seção do
meio, por sua vez, apresenta o tema
em diferentes tons e formatos, até
que a obra volte à escala de
abertura. Outras variantes realçam
esse trajeto, como o stretto, em que
temas e respostas entram antes de
os anteriores acabarem.
Ferramentas de ensino
Co m as 48 fugas de O cravo bem
temperado, Bach deu aos
instrumentistas de teclado e
compositores um compêndio de
técnicas de estudo. Elas foram
concebidas como ferramentas de
ensino e, embora sejam muitas
vezes executadas em salas de
concerto, não são tão poderosas
quanto suas fugas para órgão ou as
de sua música sacra. Porém tiveram
considerável influência em
compositores posteriores, que as
apelidaram de Velho Testamento da
música (as sonatas de Beethoven
eram o Novo Testamento) e as
homenagearam: Chostakóvitch, por
exemplo, compôs 24 prelúdios e
fugas. Mesmo hoje, os p ianistas
estudam O cravo bem temperado
como parte de sua formação.
O fascínio de Bach pelo
contraponto não se limita às fugas.
A energia interna de seus
movimentos de suite de dança se
baseia na compreensão d essa
técnica; mesmo em música para
vio lino ou violoncelo solo ele muitas
vezes ind ica o que outras vozes
to cariam se houvesse mais
instrumento s inserindo notas e
frases em registros diferentes.
Bach também era atraído por
cânones, em que uma voz segue o
contorno melódico exato d a outra
mas um pouco depois (como
acontece em rondas infantis). Seu
uso d essa técnica é evidente em
especial nas Variações Goldberg,
u m conjunto de trinta variações
para teclado publicado em 1741,
segundo ele, "para conhecedores
reanimarem o espírito".
A partir de uma linha de base
repetida, Bach compôs cada terceira
variação como um cânone, mas com
uma d imensão extra. O primeiro
cânone co meça com ambas as
vozes na mesma nota. No cânone
seguinte, porém, a segunda voz toca
a mesma melodia d a primeira, mas
uma nota mais alta; aqui é preciso
habilidade incrível para criar
material melódico que funcione e
soe agradável ao ouvinte. O cânone
seguinte apresenta a segunda voz
duas notas mais alto e isso continua
até que, no último cânone, as vozes
estão d istantes nove notas.
A parentemente não contente com
essa abundância de cânones, Bach
esboçou mais catorze em seu
exemplar de Variações Goldberg,
construídos sobre as primeiras oito
notas da linha de baixo .
Em A oferenda musical, sua
última obra p rincip al para teclado ,
escrita para o recém-inventado
piano , Bach crio u uma co leção de
catorze câno nes e fugas baseados
num tema alegadamente composto
pelo rei da Prússia, Fred erico n. Em
vez de escrever a música completa,
Bach apresentou alguns trechos
que seriam chamad o s de "fugas-
-enigma", apenas co m a melod ia
principal, às vezes como acróstico ,
e declarando em latim brevemente
o tipo de câno ne e o número de
vozes. O executante tem de
ad iv inhar como tocar a p eça. Bach
incluiu até u m "câno ne
caranguejo " em que o tema é
tocado para trás e para a frente ao
mesmo tempo . Curio samente, a
fuga de seis partes d essa obra,
co nhecid a como Ricercar a 6, é
escrita em seis pautas - uma porvoz - em vez de num arranjo para
duas mão s. Bach apresentou A
arte da fuga do mesmo modo,
BARROCO 1600-1750 111
éé
É a coisa mais difícil que já
tentei. Você tem de deixar
fluir; como fazer isso? [...]
Nunca houve nada mais belo
em toda a música.
G l e n n G o ul d
Pianista (1932-1982)
f f
talvez para ind icar que era música
pura, sem vínculo co m u m
instrumento em especial.
Legado inacabado
A arte da fuga é o auge do interesse
de Bach pelo contraponto e foi
escrita como catorze fugas e quatro
câno nes que usam de alguma
forma o mesmo tema principal para
gerar música de extraordinária
sutileza e variedade. A última fuga,
ou "contrapunctus", como a
chamo u, apresenta uma série de
três diferentes temas, cad a u m
trabalhado em quatro vozes antes
de seguir para o seguinte. O último
apresenta u m dos momentos mais
comoventes d a história da música.
Bach introduz u m tema de quatro
notas que so letra seu nome (em
no tação alemã B = si bemol e H =
si, então BA C H = si bemol lá dó si),
mas antes de terminar de
desenvolvê-lo o manuscrito se
interrompe. •
Glenn Gould, brilhante pianista
canadense do século xx, visto aqui
gravando música de teclado de Bach, foi
notável pela habilidade em articular com
clareza a textura dos prelúdios e fugas.
114 INTRODUÇÃO
Carl Philipp Emanuel
Bach, compositor da
corte de Frederico da
Prússia, compõe o
Concerto para flauta
em lá maior.
A
1753
O compositor italiano
Domênico Scarlatti publica
trinta Essercizi (Exercícios)
como parte de mais de
quinhentas sonatas escritas
para teclado.
í
1758
A ópera Doktor und
Apotheker, uma Singspiel
(brincadeira cantada) de
Carl Ditters von
Dittersdorf, estreia
em Viena.
A
1786
1755
i
A Sinfonia em mi bemol
maior, de Johann Stamitz
transforma a forma sinfonia
com suas mudanças súbitas
de dinâmica e um novo
quarto movimento.
1762
l
1787
Em Viena, Orfeu e Euridice,
de Christoph Wilibald
Gluck, derruba as
convenções da ópera italiana,
criando um entretenimento
mais teatral e integrado.
V
Antonio Salieri
estreia Tarare,
uma tragédie en
musique, a partir
de um libreto
francês, em Paris
O século xvm foi a era do Iluminismo na Euro pa, u m período em que a velha
ordem política d ava lugar a uma
sociedade nova, mais inclusiva. A s
cortes aristo cráticas co ntinuaram a
patrocinar as artes, mas a ascensão
d a classe média urbana criou u m
novo público de concerto e ópera,
co m gostos diferentes. A música
também refletiu os valores
iluministas do racionalismo e do
humanismo , apoiados nos ideais
estético s da Grécia antiga,
rejeitando o contraponto
extravagante do Barroco em favor
de u m estilo mais livre, que
enfatizava a elegância e a
proporção.
O Classicismo em música
começou por volta de 1750. Durou
não muito mais que cinquenta anos,
mas foi tão influente que o termo
"música clássica" é amplamente
usado para designar tradições
musicais bem estabelecidas em
geral. Entre os primeiros a adotar o
novo estilo estavam dois filhos de J.
S. Bach: Carl Philipp Emmanuel,
músico da corte que criou uma ponte
entre os estilos musicais barroco e
clássico, e seu irmão, Jo hann
Christian, que fez nome em Londres
executando concertos públicos e
popularizando o recém-inventado
piano. A lguns dos mais empolgantes
desenvolvimentos, porém, ocorreram
em Mannheim, na A lemanha, onde a
orquestra da corte permitiu a
compositores como Jo hann Stamitz
explorar novas formas musicais,
como a sinfonia e o concerto.
A ópera p assav a por
transformação similar. Christo ph
Willibald Gluck, insatisfeito co m o
artificialismo da ópera barroca,
inicio u uma série de óperas
"modificadas", simplificando a
música e buscando uma
teatralidade mais realista.
O cenário vienense
Conforme o estilo clássico se
estabelecia, compositores e
instrumentistas co meçaram a
gravitar para Viena, que se tornou o
centro cultural além de geográfico
da Euro pa, co m uma população
próspera ansio sa por ouvir música
nova. Três compositores se
d estacaram: Jo seph Hayd n,
Wolfgang A mad eus Mozart e
Lud w ig v an Beethoven.
Embo ra seja figura central na
formação do cenário musical
vienense, Hayd n não fazia parte dele
de início. Ele assumiu o cargo
convencional de Kapelimeister
(diretor musical) da propriedade rural
CLASSICISMO 1750-1820 115
Criador do quarteto de
cordas, Joseph Haydn
compõe Opus 54, três
quartetos para cordas cuja
originalidade transforma a
música de câmara.
í
1788
Muzio Clementi
publica a Sonata para
piano em fá sustenido
menor, op. 25, n" 5,
introduzindo inovações
na forma sonata.
Em Londres, o virtuose
do piano e compositor
tcheoo Jan Ladislav
Dussek publica um
influente tratado sobre
pianística.
r
1790
A
1793
1788
Wolfgang Amadeus
Mozart compõe a
Sinfonia na 40 em sol
menor, o ponto alto da
sinfonia no período
clássico.
1791
1
1803
A Singspiel alcança o
auge com o grande
sucesso da estreia de
A flauta mágica, de Mozart
em Viena.
Beethoven lança a
Sinfonia "Eroica", com
aclamação geral,
pavimentando o
caminho para a música
do Romantismo.
da família Esterházy na Hungria,
produzindo música para concertos
bissemanais. Distanciado de um
ambiente musical maior, Hayd n
desenvolveu seu próprio estilo. Tinha
uma equipe de músicos talentosos
(que se referiam a ele como Papai
Haydn) e conseguiu aperfeiçoar as
próprias habilidades e as formas
musicais, como a sinfonia, o quarteto
de cordas, a sonata e o concerto solo.
A pesar do isolamento da propriedade
Esterházy, sua música se d ifundiu
em Viena e além ao ser publicada.
Enquanto Hayd n iniciava a
carreira como músico da corte, um
jovem prodígio musical de Salzburgo
era exibido nas cortes e salas de
concerto por seu ambicioso pai.
Génio precoce, Wolfgang A mad eus
Mozart aprendeu os elementos do
novo estilo clássico enquanto
percorria a Europa. Percebendo que
não se ajustava à v ida de músico de
corte, ele decid iu ganhar a v id a
como compositor independente -
u m dos primeiros a fazer isso - em
Viena. N uma das v iagens de Hayd n
de Esterházy à capital, os dois
ficaram amigos. Mozart se inspirou
a desenvolver sinfonias e quartetos
para cordas na mesma linha de
Haydn, mas também co nstruiu uma
v id a - e uma reputação - como
compositor e p ianista. Mais tarde se
tornou co nhecid o como o mais
impo rtante compositor de ópera
d a épo ca.
Entra Beethoven
Enquanto Hay d n e Mozart estav am
no auge do sucesso nos anos 1770,
outro pai ambicio so tinha
aspirações para seu talentoso filho.
Embo ra Lu d w ig v an Beetho ven não
tenha ficado famoso como criança-
-prodígio, obteve aos treze anos o
cargo de músico da corte em Bo nn
e depois se tornou compositor
independente, instrumentista e
professor em Viena. Ele se fixou ali
em 1792, tarde d emais para
conhecer seu herói, Mozart, que
morrera um ano antes, mas tomou
lições de composição de Hayd n.
A s primeiras obras de
Beethoven, sinfo nias, sonatas para
piano e música de câmara,
seg uiam o estilo estabelecido por
Hay d n e Mozart, mas mo stravam
sinais de um temperamento mais
apaixonado que d iferia do
Classic ismo anterior. Em 1803, a
Terceira Sinfo nia de Beethoven,
"Ero ica", ampliou a forma da
sinfonia, desenvolvendo uma
linguagem musical expressiva e
anunciando o início de um novo
período na história da música. •
116
E M C O N T E X T O
FO C O
Exp ans ão do alcance da
orquestra
A N T E S
anos 1720 Co mpo sito res de
óperas napo litanas, como
Leo nard o V inc i , escrev em
sinfonie (sinfonias) em três
mo v imento s como prelúdios
p ara suas obras d ramáticas.
1732 O compositor italiano
Gio vanni Battista Sammartini
co meça a escrever u m a série de
sinfonias de três movimentos.
D EPO IS
1766 E m Paris, Mo zart faz
amiz ad e co m o compositor e
regente Christian Cannabich,
de M annheim, aluno e
seguidor de Stamitz.
1772 N as sinfo nias do período
Sturm und Drang
(Temp estad e e ímpeto ),
H ay d n exp lo ra aind a m ais o
estilo emo cio nal de música
o rquestral intro d uzid o pelos
co mpo sito res de M annhe im .
SEU F0/?7£E COMO UM
TROVÃO, 0 CRESCENDO í
COMO UMA CATARATA
SINFONIA EM Ml BEMOL MAIOR, OP. 11, N° 3,
(1754-1755), JOHANN STAMITZ
E m 1741, o compositor Jo hann Stamitz se mudou d a Bo émia natal (hoje
República Tcheca) para Mannheim,
capital do Eleitorado do Palatinado ,
um território alemão. Lá ele se
tornou v io linista da corte e em 1745
foi nomeado spalla d a orquestra.
Stamitz elevou os padrões d a
música orquestral, contratando
músicos talentosos, alguns dos
quais também eram compositores,
e ampliando a orquestra co m a
adição de instrumento s de sopro,
como o bo és e trompas. Ele regia
esse grupo d iversificado não a
A cidade adotiva musical de Stamitz,
Mannheim - aqui numa gravura de
1788 que mostra o castelo do eleitor, a
igreja da corte (Hofkirche) e o arsenal -,
tornou-se um centro de inovação musical.
partir do teclado como era a norma,
mas de sua estante d iante d a seção
de vio linos, usando o arco para
marcar o início da peça e ind icar o
ritmo e o tempo. Sob Stamitz , a
orquestra de Mannheim ganhou
nome pela suprema qualidade e
precisão da execução e pela nova
paisagem sonora que criou. Muitas
d as obras to cadas pela orquestra de
CLASSICISMO 1750-1820 117
Ver também: Sinfonia n2 40 em sol menor, Mozart 128-131 'Sinfonia fantástica
162-163 • Sinfonia n 2 1, Schumann 166-169 • Sinfonia Fausto 176-177
éé
O s i n s tr u m e n to s d e so p ro n ão
p o d e r i a m ser u s ad o s melho r:
e les e l e v a m e c o n d u z e m ,
re f o rç am e d ão v i d a à
te m p e s tad e d o s v io l ino s .
C . F. D . S chub art
Poeta, organista e compositor
t f
Mannheim de Stamitz eram
sinfonias, uma forma que se
o riginara na Itália como prelúdio, ou
abertura, de óperas, mas agora
integrava o repertório barroco de
concerto . Essas obras em geral
co nsistiam em três movimentos:
um lento entre do is rápidos.
A sinfonia reinventada
Na Sinfo nia em m i bemol e outras
obras, Stamitz se apo sso u da
forma sinfo nia e a transfo rmou,
criando muito s traços que
d isting uem esse estilo musical.
Ele acrescento u u m mo vimento
extra: u m minueto co m uma seção
co ntrastante chamad a "trio "
porque se d estinav a de início a ser
to cada por três músico s. A do to u
também a forma sonata, usad a no
mo vimento de abertura d a
Sinfo nia em m i bemol, em que o
primeiro tema, tocado na tó nica
(mi bemol) pela o rquestra inteira, é
realçado por u m segund o tema,
executado pelos o bo és na
d o minante (si bemol). Vem então
uma seção de desenvo lv imento e o
primeiro mo vimento termina
recapitulando o segundo tema,
agora na tó nica. Essa fo rma so nata
(em geral co m a retomada do
primeiro tema) se tornou u m
modelo da escrita sinfónica do
período clássico , em esp ecial em
primeiro s mo vimento s.
Fogos de artif ício musicais
Um traço aind a mais notável das
sinfo nias de Stamitz , inclusive
daquela em m i bemol - e d a esco la
de Mannheim em geral - , é o uso
de contrastes d inâmico s e fortes.
N uma passagem de música suave
surge às vezes um foitissimo súbito
ou um crescendo dramático , em
que o so m d a orquestra aumenta
cada vez mais, co m efeito v ibrante.
Outro maneirismo preferido era o
"foguete de Mannheim", uma
melodia ou frase que subia rápido,
junto co m u m crescendo.
Co mbinad as à variad a paleta de
instrumento s de cordas e sopro da
orquestra de Mannheim, sinfo nias
como as de Stamitz inf lamav am o
público e ind icav am o rumo de uma
música mais dramática e
emocional.
A Sinfo nia em m i bemol foi uma
d as últimas obras orquestrais de
Stamitz , mas seu legado sobreviveu
co m os dois filhos compositores,
Carl e A nto n. Eles e outros, como
Christian Cannabich (1731-1798),
regente d a orquestra de Mannheim
após a morte de Stamitz ,
desenvo lveram seu estilo e logo
compositores de corte de toda a
Euro pa escrev iam novas sinfo nias
para diversão de seus patronos. Os
compositores de Mannheim
impressio naram o jovem Mozart,
que admiro u sua orquestra e
adotou algumas das técnicas
compositivas de Stamitz em sua
própria música. •
Jo h an n S tami tz
Nascido em Némecky Brod
(hoje Havlíckúv Brod), na
Boémia, em 1717, Stamitz
aprendeu música com o pai,
organista e mestre do coro, e
depois frequentou uma escola
jesuítica em Jihlava e a
universidade em Praga. É
provável que tenha atuado
como violinista antes de chegar
a Mannheim no início dos anos
1740, logo subindo ao posto de
diretor de música orquestral da
corte em 1750. Stamitz passou
a maior parte da vida ativa em
Mannheim. Viveu de 1754 a
1755 em Paris, onde já era
famoso como compositor, e
executou uma série de
concertos de sucesso. Stamitz
escreveu música sacra e muitas
obras de câmara, porém é mais
lembrado pelas peças
orquestrais, que incluem
concertos para violino e muitas
sinfonias, das quais 58
sobreviveram. Voltou de Paris a
Mannheim em 1755 e lá morreu
em 1757.
Outras obras importantes
c. 1745 Três sinfonias de
Mannheim (em sol maior, lá
maior e si bemol maior)
c. 1750 Missa em ré maior
1754 Concerto para flauta em
dó maior
E M C O N T E X T O
FO C O
Opera seria clássica
A N T E S
1690 Co mpo sito res como
A lessand ro Scarlatti c riam u m
novo estilo de ópera derivado
d as obras v o cais barro cas - a
Esco la Napo litana - ,
po pularizando logo o género .
1748 A fama de Gluck é
realçada quand o su a ópera La
Semiramis riconosciuta
(Semíramis revelada) é
encenad a em V iena no
aniversário d a imperatriz
M aria Teresa de Habsburgo .
1752 Gluck e o libretista Pietro
Metastasio pro d uzem a ópera
La clemenza di Tito (A
clemência de Tito ), c o m
grand e sucesso .
D EPO IS
1781 A ópera Idomeneo, de
Mozart, é encenada pela
primeira vez. Ela mo stra a
influência de Gluck, em especial
nos recitativos acompanhados.
0 ATO MAIS
COMOVENTE DE
TODA A ÓPERA
ORFEU E EURÍDICE (1762),
CHRISTOPH WILLIBALD GLUCK
A ópera Orfeu e Euridice, de Christo ph Willibald Gluck, estreou em Viena em 1762.
Ela se baseia na famosa história d a
mito logia clássica sobre a jornada
de Orfeu ao submundo para
resgatar sua mulher, Eurídice. A o
contrário do mito o riginal, mas de
acordo co m o gosto d a época, a
ópera de Gluck tem final feliz.
Emb o ra a histó ria d a ópera
fosse familiar, o estilo de Gluck
era bastante novo. Ele
transfo rmo u a ópera p ara integrar
mais a música e o enredo ,
d esbastand o elementos que
d istraíam e atrasav am a ação e
to rnando a obra mais envo lvente e
éé
Não há regra musical que
eu não tenha sacrificado de
bom grado em favor do
efeito dramático.
Chri stoph W . G l uck
t f
real. Ele também humaniz o u os
perso nagens e as árias,
fazendo -os exp ressar emo çõ es
mais d iretamente.
Opera seria
Em meados do século xvm, o tipo
de ópera mais em mo da era a
opera seria. El a apresenta
recitativo - passagens cantad as no
ritmo da fala co m muitas sílabas
na mesma nota, em geral
aco mp anhad as apenas por
instrumento s em contínuo
(tip icamente só cravo e vio loncelo)
tocando u m a linha de baixo
ad icio nal imp ro v isad a - e árias,
aco mp anhad as por toda a
orquestra. A s árias têm estrutura
d istinta, chamad a da capo (do
início), co m três seçõ es, sendo a
terceira u m a repetição d a primeira,
co m o rnamentação para exibir a
habilid ad e do cantor. No meio , a
segund a seção introduz u m a no va
melod ia ou desenvo lve a inic ial .
Enquanto isso , elementos como
cenário s variad o s e rico s e balés
elaborados muitas vezes dão mais
v id a ao evento .
Gluck acred itav a que
espetáculo s luxuo so s e árias
longas e po mpo sas tend iam a
atrapalhar o d rama e que a
CLASSICISMO 1750-1820 119
Ver também: Eurídice 62-63-A Paixão segundo São Mateus98-105 'A (lauta
mágica 134-137 - Der Freischútz 149
diferença de textura musical entre
árias e recitativo s interro mpia o
fluxo . Ele e seu libretista, Ranieri
de' Calzabig i, queriam reformar a
ópera co locando o d rama no centro
do palco , varrendo os absurdo s do
enredo e fazendo a música serv ir à
ação . Musicalmente, isso
signif icav a livrar-se d as repetiçõ es
das árias da capo e desenvo lver
u m estilo mais claro e simples. Um
bo m exemplo é a ária de Orfeu no
ato m, Che faro senza Euridice (O
que farei sem Eurídice), em forma
de rondó, em que o tema de
abertura vo lta no fim, mas sem a
repetição da capo d ireta. Gluck
também integrava árias e
recitativos, usando toda a
o rquestra para aco mpanhar
A ópera II Parnasso confuso, de
Gluck, estreada em 1765 no casamento
do imperador José n. A pintura de
Johann Franz Greipel mostra o
arquiduque Leopoldo ao cravo.
ambo s. Isso melhorou o fluxo e deu
à música mais expressão e
emoção . N a ária do ato i em que
Orfeu canta sua tristeza, o
compositor insere recitativo s
comoventes antes de cad a verso ,
integrando mais os elementos.
Resultados e efeitos
Essas mud anças to rnaram a ópera
mais centrad a no perso nagem e
na ação - em outras p alav ras, se
não to talmente realista, mais real
e to cante. Os enredos tend eram a
ser mais co erentes e os
perso nagens e situaçõ es - mesmo
quand o mito ló gico s - mais
vero ssímeis. A o mesmo tempo ,
hav ia meno s o po rtunid ad es para
os canto res fazerem
d emo nstraçõ es v irtuo sísticas que
p ud essem interro mper a ação .
Outro s co mpo sito res, em esp ec ial
Mo zart, d esenv o lv eram mais
essas id eias, pro duzindo obras-
-p rimas líricas. •
C hri s to p h
W i l l i b al d G l u ck
Filho de um guarda-florestal,
Gluck nasceu em Erasbach, na
Baviera, em 1714. Em grande
parte autodidata, viajou muito e
aprendeu órgão e violoncelo em
Praga. Estudou com o
compositor Giuseppe
Sammartini em Milão, antes de
ir para Londres nos anos 1740,
onde compôs óperas para o
King's Theatre. Lá, conheceu
Hãndel, que fez a famosa
declaração de que seu
cozinheiro (o cantor baixo
Gustavus Waltz) conhecia mais
contraponto que Gluck. Por fim
Gluck se fixou em Viena, onde
trabalhou com o libretista
Ranieri de' Calzabigi. Eles
queriam "reformar" a ópera
integrando música e ação e
fizeram óperas inspiradas na
mitologia, como Orfeu e
Eurídice (1762) e Alceste (1767).
A fama de Gluck aumentou com
obras posteriores, como as
versões francesas de Orfeu e
outras óperas. Aposentou-se
após sofrer um derrame em
1779 e morreu em 1787.
Outras obras importantes
1767 Alceste
1777 Armide
1779 Iphigénie en Tauride
E M C O N T E X T O
FO C O
U m a nova l iberdade de
expressão
A N T E S
1750 C. P. E. Bach escreve u m
arranjo para o Magnif icat nu m
estilo como o de J. S. Bach -
talvez na tentativa de assegurar
o antigo emprego de seu p ai
como Kantor d a Tho masschule,
em Leipz ig .
D EPO IS
1772 Jo sep h H ay d n escrev e a
Sinfo nia n 2 44, "Trauer"
(Manhã), o bra-prima do retrato
d a emo ção .
1777 Jo hann Christian Bach,
irmão mais novo de Emanuel ,
p ublica os Co ncerto s para
teclado , op. 13, quase o oposto
music al d a obra emo cio nal e
d ramática de Emanuel .
1779 C. P. E. Bac h p ublica as
séries de rondós e outras obras
p ara teclado solo que m arc am
o auge de seu estilo musical
"emocional".
DEVEMOS TOOAR DOM
A ALMA, NÃO DOMO
PÁSSAROS TREINADOS
CONCERTO PARA FLAUTA EM LÁ MAIOR, WQ168 (1753),
CARL PHILIPP EMANUEL BACH
E m 1738, o jovem C. P. E. , ou Emanuel, Bach foi nomeado crav ista da corte na casa do
príncipe real Frederico da Prússia.
Do is anos depois o príncipe subiu
ao trono e, co m o aumento do seu
poder, tornou-se conhecido como
Frederico , o Grande.
Emanuel, como era chamado ,
viajou co m a corte para Berlim,
onde v iv eu como músico da corte
por 28 anos. Melhor instrumentista
de teclado de sua geração , ele
atraiu ampla admiração mas nunca
se sentiu realmente valorizado . Os
músicos de corte d a épo ca tinham
status de criados e d ev iam escrever
e tocar música de acordo co m o
gosto dos patrões.
O rei dá o tom
Frederico era um flautista
consumado . Encarregado de
aco mpanhar o rei em concertos na
corte, Emanuel era subalterno do
muito mais bem pago flautista da
corte, Jo hann Jo achim Quantz.
Também se esperava que
co mpusesse música para Frederico
tocar - como o Concerto para flauta
em lá maior. Para ganhar tempo,
Emanuel transcrev ia para flauta
C arl Phi l i pp Em an u e l Bach
Segundo filho
de Johann
Sebastian Bach
a sobreviver,
Emanuel
nasceu em
Weimar, na Alemanha, em 1714.
O pai alimentou seu talento para
o cravo.
Emanuel estudou direito
antes se dedicar totalmente à
música. A serviço de Frederico, o
Grande, a partir de 1740, compôs
obras para os músicos da corte e
escreveu um tratado sobre a
execução de instrumentos de
teclado. É, porém, mais
conhecido pelas sinfonias e
concertos de estilo muito pessoal
e emocional que escreveu mais
tarde. Morreu em Hamburgo em
1788, aos 74 anos.
Outras obras importantes
1749 Magnificat em ré, Wq 215
1775-1776 Sinfonias, Wq 183
1783-1787 Sonatas para teclado,
Fantasias e Rondós, Wq 58, 59,
61
CLASSICISMO 1750-1820 121
Ver também: Great Service 52-53 • Water Music 84-89 • Musique de table 106 • Hippolyte et Aricie 107 • A arte da fuga
108-111 • Quarteto de cordas n214 em dó sustenido menor, Beethoven 156-161
l ecenato no sécul o xv m
Grande príncipe
Ferdinando de Médici
(1663-1713)
Convida
Domênico
Scarlatti a Encomenda a
sua corte em ópera Rodrigo,
Florença em de Hãndel
1702. (1707).
Família Esterházy da
Hungria
(a partir de 1761)
Emprega Encomenda os
Haydn por Trios para piano,
toda a vida op. 1, de
desde 1761. Beethoven (1795).
Imperador José n de
Habsburgo
(1741-1790)
Ajuda Salieri Patrocina Die
a se tornar Entfúhrung
diretor da aus dem Serail,
ópera italiana de Mozart
em 1774. (1788).
Um pequeno círculo de mecenas nobres sustentava compositores no
século xvm. Quando a música se tornou mais popular, os músicos ganharam
maior independência, mas o patrocínio ainda desempenhava papel crucial.
Diplomata barão
Gottfried van Swieten
(1733-1803)
Emprega
Encomenda seis Mozart em
sinfonias para vários
orquestra de projetos
cordas a C. P. E. musicais
Bach (1773). (1782-1790).
obras que compusera para outro
instrumento - o Concerto em lá
maior, por exemplo, nascera como
concerto para cravo.
Embo ra Emanuel Bach tenha
estudado composição co m o pai,
Jo hann Sebastian, seus estilos eram
muito diversos. A música do pai se
baseava no contraponto; já o filho se
interessava por transmitir emoção .
éé
Instrumentistas de teclado
cujo principal recurso é a mera
técnica [...] sobrecarregam
nossa audição sem satisfazê-la
e atordoam a mente sem
comovê-la.
C . P. E. Bach
t f
Nisso ele seguia o movimento
Empfíndsamkeit (Sentimentalismo),
uma reação ao racionalismo da
filosofia iluminista. Buscando criar
música expressiva, Emanuel
desenvolveu u m estilo d istinto que
incluía mudanças súbitas e
dramáticas de harmonia, d inâmica
e ritmo, os quais d avam a suas
obras (em especial nos movimentos
rápidos) uma qualidade espontânea,
além de escrever movimentos lentos
melódicos e tocantes. Há alguns
contrastes fortes rítmicos e
dinâmicos nos movimentos externos
do Concerto para flauta em lá maior,
e Emanuel sem dúvida teria
realçado a dramaticidade se não
tivesse de considerar o que
Frederico gostaria de tocar.
Busca de independência
O rei não gostava das peças mais
dramáticas e imprevisíveis de
Emanuel; preferia obras mais
simples. Em 1768, Emanuel foi
embora, tornando-se diretor musical
das cinco igrejas principais de
Hamburgo. A ind a escrevia por
encomenda, mas tinha tempo para
compor o que queria, tanto para ele
mesmo executar como para patrões
dispostos a dar liberdade a esseestilo emocional. Compositores
pósteros, como Mozart e Beethoven,
trabalharam cada vez mais desse
modo independente, em posição
menos semelhante à de um criado e
compondo música mais pessoal. •
éé
Um músico [...] deve sentir
todas as emoções que espera
despertar em sua audiência.
C . P. E. Bach
f f
FUI FORÇADO A
ME TORNAR
ORIGINAL
QUARTETO DE CORDAS EM DÓ MAIOR, OP.
54, N° 2, HOBOKEN 111:57 (1788-1790),
JOSEPH HAYDN
124 DESENVOLVIMENTO DO QUARTETO DE GORDAS
E M C O N T E X T O
FO C O
D esenvol vimento do
quarteto de cordas
A N T E S
1198 O moteto Viderunt
omnes, de Pérotin, estabelece
a prática de compor para
quatro vo zes - a base do
quarteto de co rdas.
séculos xvi e xvn
A s primeiras p eças p ara
quarteto de co rdas inc luem a
Sinfonia em quatro vo zes de
Gregorio A lleg ri e as Sonate a
quattro, de A lessand ro
Scarlatti, mas a forma-padrão
d a música de câmara era a
so nata em trio , em geral p ara
do is v io lino s e basso continuo.
D EPO IS
anos 1890 Insp irad o em
H ay d n, Jo hann Peter Salo mo n,
promotor de co ncerto s em
Lo nd res, lev a os quarteto s de
co rd as p ara as salas de
co ncerto s públicas.
Joseph H ay d n
J o seph H ay d n crio u o quarteto de co rdas. Não se sabe por que esco lheu a
co mbinação de dois v io lino s, v io la
e vio loncelo , mas talvez seja
porque seus timbres ind iv id uais
refletem de perto as vo zes de u m
coro. Os instrumento s - e os
instrumentistas - estav am
disponíveis na corte húngara da
família Esterházy, onde Hay d n era
compositor residente. O grupo
padrão de música de câmara antes
de Hayd n era a sonata em trio, em
que a um instrumento de teclado se
juntavam dois instrumentos de sons
agudos e melódicos (violino ou flauta)
e um instrumento de continuo, como
um violoncelo, duplicando a linha de
baixo do teclado. O uso inspirado de
quatro instrumentos de cordas por
Hayd n modernizou uma tradição que
Henry Purcell tinha desenvolvido um
século antes com as fantasias de
cordas para até seis vozes,
executadas por violas da gamba.
Som realçado
Hay d n se beneficiou de grandes
avanços na manufatura de
instrumento s, representados na
Itália por A nto nio Strad ivari, a
família A mati , Francesco Rugeri e a
A barcand o os períodos barro co e
clássico , H ay d n fo i u m a figura
central p ara o estilo clássico .
Nascid o na Baixa Á ustria em 1732
num meio modesto , foi u m a
criança musicalmente do tada e
frequento u a esco la de coro d a
cated ral de V iena a p artir dos oito
ano s. Suas primeiras músicas,
entre elas alg uns quarteto s de
cordas, fo ram p ublicad as em Paris
em 1764. A co ntratação de H ay d n
de 1761 a 1790 no Esterházy
Palace, na Hung ria, co nso lido u
sua fama como compositor. Viajo u
depo is a muitas cap itais d a
música, em esp ecial Lo nd res, onde
família Guarneri. Vio linos, v io las e
violoncelos mais sensíveis eram
estimulantes para compositores e
instrumentistas. Hay d n também se
interessava pelas melhorias na
fabricação de arcos. Os arcos
antigos tinham de ficar perto d a
corda, produzindo sons de maneira
contínua; repicando o novo arco
sobre a corda podia ser emitido um
so m rápido, quase percussivo , como
Hayd n mostra no final do Quarteto
em dó maior, op. 33 (1781).
A s propriedades de difusão do
som desses novos instrumento s e
técnicas acabaram estimulando a
composição de música de câmara,
a ser executad a em grandes salas
de concertos e não só em salões
privados.
Obras originais e emotivas
A expressividade emocional v incula
a obra madura de Hayd n ao
movimento artístico alemão Sturm
und Drang (Tempestade e ímpeto).
Para Haydn, o quarteto de cordas era
o veículo perfeito para contrastes
emocionais extremos destinados a
chocar a audiência. Seus primeiros
quartetos notáveis incluem a op. 9,
que ele declararia ser o real ponto de
partida de suas composições de
suas co mpo siçõ es tinham
grand e d emand a. A pó s as
Sinfonias de Londres (93-104)
H ay d n só co mpô s seis missas e
dois oratórios. N a última
aparição pública, regeu As sete
últimas palavras em dezembro
de 1803. Mo rreu em paz em su a
casa em V iena em 1809.
Outras obras importantes
1768 Sinfo nia n s 49
1795 Trio p ara p iano n° 24 em ré
maior
1797-1798 A Criação
1798 Missa de Nelson
CLASSICISMO 1750-1820 125
Ver também: Concerti grossi, Corelli 80-81 • Concerto para flauta em lá maior, C. P. E. Bach 120-121 • Sonata para piano em
fá sustenido menor, Clementi 132-133 « Die schòne Múllerin 150-155 • Quarteto de cordas n-14 em dó sustenido menor,
Beethoven 156-161
quartetos, e a op. 20, em que a
liberação gradual das quatro partes
em vozes solo na moldura do quarteto
marcou um novo desenvolvimento do
género. A op. 20, n 2 2, tem interesse
especial, pois inverte a forma mais
usual do quarteto, em que o primeiro
violino domina, colocando o
violoncelo como voz principal, o
segundo violino e a viola abaixo dele,
e o primeiro violino de início
silencioso. O terceiro movimento em
minueto da op. 20, n 2 4, também é
inovador. O pulso padrão de
minuetos é três, mas aqui as
acentuações o fazem soar como se
estivesse no ritmo de dois. Do
mesmo modo, em três dos finais (op.
20, n 2 5 2, 5 e 6) Hayd n usa uma forma
bem estabelecida, a fuga, para
desenvolver novas ideias, como a
interrupção de longos trechos de
sotto voce (muito suave) tocando
surtos súbitos de forte (alto).
A cl amação europeia
A credita-se que Hayd n e Mozart se
conheceram no início dos anos 1780,
tornando-se amigos íntimos. Co m
Hayd n ao segundo vio lino e Mozart
éé
Quando invocamos o nome
Haydn, nos referimos a um de
nossos maiores homens [...].
Ele domina todos os
artifícios harmónicos.
Erns t Lu d w i g G erber
Organista e compositor
(1746-1819)
à viola, o austríaco Carl Ditters von
Dittersdorf ao primeiro vio lino e o
tcheco Jo hann Baptist Vanhal ao
violoncelo, os quatro compositores
muitas vezes to caram quartetos e
testaram suas composições. Isso
levou Mozart a dedicar seus seis
primeiros quartetos de cordas
mad uro s a H ay d n. A d emand a
pela música de Hayd n se espalhou
na Euro pa, co m quartetos tocados
em salas de concertos e salões
particulares, e ele ajustou seu estilo
de acordo. Dando aind a mais brilho
às primeiras partes de vio lino , co m
notas mais altas e mostras de
v irtuo sismo , acabo u fortalecendo
também as três vozes mais baixas,
e os instrumentistas tiveram de
aprender a projetar o som.
Uma obra memorável e
ousada
A op. 54, n a 2, em dó maior de
Hayd n, composta em 1788, é um de
seus muitos quartetos
No Palácio Esterházy aqui em
imagem do século xvm, Haydn tinha
um trabalho seguro mas exigente -
além de compor, cuidava de músicos,
manuscritos e eventos.
excepcionalmente inventivos. Ele
uso u quase todas as tonalidades
possíveis (mudanças de altura e
modos maiores e menores), assim
como formas clássicas (sonata,
fuga, variações, minueto , scherzo e
rondó). Há quartetos mais
virtuosísticos e projetados co m
mais brilho, bem como
co mpo siçõ es mais antigas, como o
movimento lento d a op. 20, n 2 1 , que
talvez transmitam melhor o so m de
perfeita intimidade de um quarteto ,
mas os contrastes extremos entre
os movimentos da op. 54, n 2 2,
assim como a decisão corajosa e
insp irad a de terminar co m u m
movimento lento, to rnam essa p eça
musical singularmente memorável.
O quarteto op. 54, n 2 2, foi u m dos »
126 DESENVOLVIMENTO DO QUARTETO DE CORDAS
A nato mi a de u m quarteto de cordas
que Jo hann To st, v io linista muito
admirado por Hay d n e negociante
astuto , levou a Paris para promover
e vender. Seu brilhante solo do
primeiro vio lino apelava a uma
audiência musical que preferia o
quatuor concertam, género de
quarteto de cordas em moda na
capital francesa de cerca de 1775
até a Revolução Francesa, em 1789.
Ele também d ev ia se adequar ao
talento de To st para tocar em
registrosmuito agudos.
Uma abertura exuberante
O tom em dó maior que Hayd n usou
no quarteto tradicionalmente ind ica
música alegre e o timista. A peça
co meça com compassos de abertura
luminosos e uma melodia rápida e
v iv a improvisada em clima de
celebração . Os instrumentos se
alternam na liderança na seção de
desenvolvimento e a recapitulação é
marcada pelo arpejo exuberante do
violoncelo e interjeições do primeiro
violino. Quando o movimento
deveria conduzir à conclusão, Hayd n
- como outros grandes compositores
(Mozart, Beethoven e Schubert) -
ignora convenções compositivas e
termina com um enorme clímax.
Co m ambos os vio linos o mais alto
possível, a vio la e o violoncelo se
juntam antes que o movimento
termine quase num reflexo, mas só
em seus dois compassos finais.
Contrastes surpreendentes
O adágio a seguir (lento) em dó
menor tem c lima bastante
introspectivo . Uma melodia c igana
triste é co locada nos tons mais
baixo s dos quatro instrumento s. O
milagre desse mo vimento é a
criação imperceptível do que
parece ser u m quinteto , quando os
três mais baixo s to cam co m
paradas duplas o casionais,
liberando o primeiro vio lino para
apresentar u m lamento que soa
como se fosse improvisado . A
liberdade d a notação de Hay d n dá a
cad a v io linista a oportunidade de
apresentar uma interpretação
ind iv id ual e d esinibid a d essa
passagem, que Brahms emulou no
movimento lento de seu Quinteto
para clarinete op. 115.
O final triste - num acorde
comedido - é deliberadamente
incompleto . Em vez da interrupção
normal (e mesmo da afinação de
instrumento s co mum entre
movimentos), a peça segue direto
para um minueto , que co meça de
modo hesitante e depois aos
poucos imita o o timismo do
primeiro movimento . Em seçõ es
CLASSICISMO 1750-1820 127
éé
Po d e - se av e n tar c o m
s e g u r a n ç a q u e n ão h á
q u arte to m a i s o r i g i n al d e
H a y d n [op. 54, n s 2] , n e m
n e n h u m q u e c o n te n h a
i n o v aç õ e s m a i s p ro f étic as.
H ans Kel l er
t f
trio contrastantes, tudo mud a
quando u m lá bemol d isso nante é
reiteradamente acentuado numa
batida fraca, soando como gritos de
angústia. A repetição convencional
do minueto tem papel crítico em
restaurar o c lima o timista.
A maior surpresa acontece no
finale. Em vez do movimento rápido
convencional, Haydn apresenta um
adágio com uma melodia calma e
tranquilizadora. Mesmo aqui, porém,
o violoncelo atua de modo incomum,
subindo até o tom do primeiro
violino. Após um rápido interlúdio, o
quarteto termina pacificamente.
O legado de Haydn
Não se sabe como o quarteto foi
recebido e na verdade as muito
menos inventivas obras de um colega
austríaco, Ignace Joseph Pleyel, eram
mais populares em Paris na época.
Porém, menos de vinte anos depois,
quando Beethoven produziu os
quartetos da op. 18, em 1800, houve
uma retomada dos quartetos de
Haydn. O estilo dos 83 quartetos de
Hayd n tinha revolucionado a música
de câmara. Schumann os estudou
antes de se dedicar a seus três
quartetos op. 41 e todos os futuros
compositores de quartetos se
inspirariam em Haydn. •
Haydn ia muito a Viena, no cortejo do
príncipe Esterházy. Nesta pintura do
século xix, ele é mostrado (de azul-claro)
regendo um quarteto a partir de sua
posição favorita de segundo violino.
G rup o s de c â m a ra
No século xvm, com a
expansão da educação e o
aumento da classe média, a
apreciação da música se
espalhou além da corte e da
igreja. O número de músicos
amadores com dinheiro e
tempo de lazer cresceu, e
amigos se juntavam em uma
" câmara" ou cómodo para
fazer música em casa. Isso
criou um mercado de
composições musicais
próprias para ambiente
íntimo, em especial de cordas,
que se harmonizavam, eram
mais em conta e se tornaram
mais disponíveis com as
melhorias na manufatura de
instrumentos.
Embora os quartetos de
cordas fossem a forma mais
popular de grupo de câmara
nos períodos clássico e
romântico, havia composições
também para quintetos, com
uma viola ou violoncelo
adicional, ou um contrabaixo, e
às vezes obras com outro
"quinto" instrumento, como o
clarinete, criando um som mais
rico. Obras para quintetos de
madeiras (flauta, oboé,
clarinete, fagote e trompa)
também apareceram.
Como muitos lares de classe
média compraram um piano
no fim do século xvm, os
compositores produziram
música de câmara para piano
- trio de piano (piano, violino e
violoncelo), quarteto (trio de
piano e viola) e quinteto
(quarteto de cordas com piano).
O dueto de piano para dois
executantes em um
instrumento também se
popularizou para execuções
domésticas e concertos, e
vários compositores
escreveram obras para quatro
mãos, como Mozart e Schubert.
128
SEU ENORME CENIO
ELEVOU MOZART
ACIMA DE TODOS
OS MESTRES
SINFONIA N° 40 EM SOL MENOR, K. 550 (1788),
WOLFGANG AMADEUS MOZART
E M C O N T E X T O
FO C O
Inovação na sinf onia
clássica
A N T E S
1759-1795 Jo sep h H ay d n
co mpõ e m ais de c em sinfo nias
no formato de quatro
mo v imento s.
1764 A o s oito anos, Wo lfgang
A m ad eu s Mo zart co mpõ e a
Quinta sinfo nia em m i bemo l
maior, K. 16.
D EPO IS
1803 Lu d w i g v an Beetho ven
co nclui a temp estuo sa e
política sinfo nia "Ero ica".
1824 Beetho v en termina seu
projeto sinfónico co m a N o na
sinfo nia, que inc lui u m
mo v imento final co m so listas
v o cais e coro.
N o início dos anos 1780, Mozart hav ia escrito mais de trinta sinfo nias. Essas
obras foram influenciadas por
fatores musicais e extramusicais,
como o trabalho na corte do
arcebispo de sua cidade natal,
Salzburgo , as v iagens aos centros
musicais da Itália, a busca de
emprego em Munique e Paris e as
v isitas a Mannheim, capital d a
sinfonia no século xvm.
Zénite clássico
A pós fixar-se em Viena em 1781,
Mozart escreveu relativamente
poucas sinfonias, dedicando -se a
concertos para piano, música de
câmara e obras para o teatro. No
verão de 1788, porém, compôs suas
três sinfonias finais, n 2 2 39 a 41; a
CLASSICISMO 1750-1820 129
Ver também: Sinfonia em mi bemol maior, Stamitz 116-117 'A flauta mágica
134-137 • Sinfonia "Eroica" 138-141 • Dei Freischutz 149 • O ciclo do anel 180-187
Sinfonia n 2 40 em sol menor, K. 550,
talvez tenha sido co mpo sta para
uma série de concertos para um
cassino central em Viena. Essas
obras representam o auge do
género sinfónico do período
clássico - embora já prenunciem a
música do século xix, co m sua
ênfase numa ampla g ama de
harmo nias, a par de programas de
concerto que atribuíam narrativas e
temas d istinto s às p eças musicais.
Forças expressivas
Na juventude Mo zart fora
influenciado pelo mo vimento
Sturm und Drang (Tempestad e e
ímpeto), que enfatizava a emo ção e
a ind iv id ualid ad e criativ a. Esse
estilo , liderado pela literatura d a
época, também é ev idente em
obras do pioneiro e prolífico "pai d a
sinfonia", Jo seph Hay d n. Em
música, o Sturm und Drang se
exp ressav a por to nalidades
menores, ritmo s sincopados, saltos
melód icos e outros floreios que
caracterizam todos a "Pequena"
sinfo nia em sol menor (n2 25, K.
183/ 173dB), concluída em 1773.
Essa música de humor instável
co m frequência seguia de mãos
dadas co m a execução virtuosística
típica de Mannheim, na A lemanha,
que Mozart v isito u em 1763, aos
sete anos, e em 1777-1778, aos 21.
Os instrumentistas de Mannheim
eram famosos pelas mudanças
d inâmicas e crescendos v ibrantes.
Mas não era só o estilo da sinfonia
de Mannheim que era novo. Sua
estrutura, co m quatro e não três
movimentos, d iferia d a de suas
equivalentes. Os compositores d a
corte também deram mais peso aos
Snales, antes d ançantes (e algo
frívolos), revolucionando aind a mais
o género. »
Mozart com frequência compunha
música em segmentos antes de lhes
dar vida em manuscritos terminados,
como este da Sinfonia n 2 40 em sol
menor.
\
ÇíTrf~X \ \
J^ = ^ = m é
a m
-m
\
lO-
:i ti H 4
\ p
W ol f gang A m ad e u s
M oz art
Nascid o em Salzburgo , então
parte do Sacro Império
Ro mano , em 1756, Mo zart
seg uiu os p asso s do pai,
Leo po ld , músico e compositor
d a corte do arcebispo . No
entanto , o brilho de Mo z art
como v io linista, p ianista e
compositor fez co m que
Salzburgo muitas v ez es
parecesse sufo cante e até
p ro v inciana, e ele busco u
emprego em outro lugar. Em
1781, fixou-se na cidade de
Viena, sede do poder e po mpa
dos Habsburgo . Trabalhand o
como compositor independente,
aperfeiçoou géneros como a
sinfonia, o concerto e o
quarteto de cordas e escreveu
d iversas óperas de muito
sucesso . Mo rreu de causas
misterio sas no fim de 1791, aos
35 anos, deixando cerca de
seiscentas obras musicais e u m
legado extraordinário p ara a
geração seguinte.
Outras obras importantes
1773 Sinfo nia n 2 25 em so l
meno r
1779 Krònungsmesse
1786 O casamento de Fígaro
1790 Cosi fan tutte
1791 Réquiem (incompleto )
130 INOVAÇÃO NA SINFONIA CLÁSSICA
A Sinfonia n 9 40
Embo ra várias obras anterio res de
M o z ai l ex ib issem esses traço s
music ais d ramático s, sob
influência de M annhe im - por
exemplo , justapo ndo as seç õ es de
co rd as e de mad eiras co m
poderoso efeito - sua "Grand e"
sinfo nia, n 2 40, em so l menor se
caracteriz a por u m a paleta
instrumental mais integrad a.
Esse estilo é típ ico de Viena, que
co m M annheim era a c id ad e mais
fo rtemente asso c iad a à sinfo nia
como género no século xvni. A i n d a
que em aparência m ais brando s, o
d rama meló d ico e a cor harmó nica
também são abund antes aqui.
Iniciand o co m u m a figura
susp irante nas cordas, a Sinfo nia
n 2 40 em sol menor mo stra
inúmeras passagens o usadas e
tempestuo sas, além de uma
escrita v irtuo sistica para toda a
o rquestra. Na verdade, a obra
inteira transmite a sensação de
d rama trágico não expresso e
muitas vezes eco a a música de
Mo zart para palco . Tudo isso ,
assim como as aud acio sas
esco lhas to nais ao longo dos
quatro mo vimento s, se d estinav a a
impressio nar os cosmopo litas
v ienenses. Muitas vezes era
preciso proezas de engenho
através d as escalas, em esp ecial
no co meço d a seção de
desenvo lv imento do enérgico
fínale. A l i , Mo zart usa onze d as
doze notas d a escala cro mática (só
excluindo o sol, a tó nica - ou nota
central - d a sinfonia), criando um
so m complexo e às vezes
d isso nante. Não é de ad mirar que
A rno ld Schoenberg, co nhecido por
usar to das as doze no tas de uma
escala, tenha sido atraído por essa
obra em especial.
A tó nica, so l maio r, tam b ém é
elemento imp o rtante d a obra.
Era, p ara Mo zart, o c anal music al
pelo qual muitas v ez es
exp ressav a dor ou tragéd ia, não
só em obras co mp letas co mo em
árias co mo A cir, ich fúhls ( A h , eu
sinto ), de Pam ina, em A flauta
mágica. A lém d as rev irav o ltas
harmó nicas d a Sinfo nia n 2 40,
sua imp rev isib i l id ad e emo cio nal
bro ta d a d uração v ariad a de suas
frases music ais, co mo no c o meç o
do p rimeiro mo v imento , que
in i c ia co mo que a meio f luxo .
Co mp lexa também, e às v ez es
bem co nfro ntante, é a textura
o rquestral. A i n d a que nunc a
U m núcl eo m u s i cal
Como cap ital do império dos
Habsburgo , Viena foi o centro d a
música europeia por do is século s.
A l i v iv eram muitos dos grandes
compositores clássicos, como
Mo zart, H ay d n e Beetho ven. Eles
co nverg iam para a cidade em
busca de patrocínio e público e
fo ram os primeiro s de u m a lista de
O Burgheather, na Michaelerplatz,
Viena, foi gerido pela corte de
Habsburgo. Grande parte das óperas
de Mozart foi encenada nele.
Mozart escreveu uma segunda
versão da Sinfonia n2 40 que incluía
clarinetes, havia pouco inventados.
Eles foram criados por Jacob Denner,
artesão do século xvm.
irro mp a u m a fuga co mp leta -
co mo no mo v imento f inal d a
Sinfo nia em dó maio r ( n 2 41),
"Júpiter", que se seg u iu - , o
co ntrapo nto ( l inhas meló d icas
alternad as to cad as ac im a ou
abaixo d a melo d ia p rinc ip al)
compositores como Schubert
(nascido em Viena) , a família
Strauss, Brahms, Bruckner,
Mahler, Scho enberg e Webern.
Conforme o interesse do público
por música se ampliav a, novos
teatros e salas de concertos
fo ram erguidos. A imperatriz
M aria Teresa co nstruiu o
Burgtheater perto do palácio real
em 1741 e, em 1833, o compositor
e regente Franz Lachner fundo u
o Kúnstlerverein, antecesso r d a
Orquestra Filarmónica de Viena,
que riv aliza co m a Filarmónica
de Berlim pelo título de principal
o rquestra do mundo .
CLASSICISMO 1750-1820 131
é o temp o todo aparente. Mesmo
o minueto e o trio do terceiro
mo v imento d a sinfo nia, em geral
um exerc íc io de rep etição
agradável, se mo stram muito
inf lamad o s, m ais co mo u m a
briga que como u m a d ança
co rtesã.
Junto s, os quatro mo v imento s
da sinfo nia nos lev am muito além
do equilíbrio e d a estabilidade d as
obras anteriores de Mo zart - e de
seus co ntempo râneo s. Eles o lham
para d iante, para a música mais
turbulenta do Ro mantismo .
O legado de M ozart
Não se sabe se a Sinfo nia n 2 40
estreou na épo ca de Mo zart, e
muito s af irmam que não foi escrita
para Viena, mas para a
posteridade. Porém a existência de
uma segund a versão d a partitura
co m trechos para do is clarinetes,
talvez escrita para amigo s dele, os
tocadores de clarinete e basset
horn A nto n e Jo hann Stadler,
ind ica que Mo zart deve ter ouvido
ao meno s u m a execução antes de
morrer em 1791.
A pós a morte de Mo zart, suas
três sinfo nias finais, u m tríptico
magnífico centrado em sol maior,
éé
A m ú s i c a d e M o z a r t é
tão p u r a e b e l a q u e e u a v ejo
c o m o ref lexo d e o p e raç õ e s
i n te rn as d o u n i v e rso .
A l b ert Ei ns tei n
foi repetidas vezes apontado como
o auge d a sinfo nia clássica. Essas
obras - co m o grande corpo de
sinfo nias de Hay d n - sem dúvida
foram u m marco para o jo vem
Lu d w ig v an Beetho ven. Nascid o
em Bo nn, Beetho ven chegou a
Viena no ano seguinte à morte de
Mo zart e se tornou aluno de
Hay d n, de início emulando a
música do mestre e de seu ídolo
Mozart. Por fim, Beetho ven
romperia co m esse modelo co m
obras rad icalmente d iversas, como
a "Ero ica" em 1804 e a No na
sinfo nia em 1824.
Desenvolvimentos
românticos
A música de Franz Schubert,
contemporâneo de Beethoven,
d iversa em tonalidade (e
expressão), também se inspiro u nas
obras finais de Mozart. Os que
seguiram esses mestres v ienenses,
como Hector Berlioz e Franz Lisz t,
co ntinuaram a adaptar a sinfo nia
clássica a seus próprios fins
românticos, introduzindo novos
efeitos e elementos dramáticos,
como notas de programa para
ajudar a plateia a interpretar a
música, como na Sinfonia fantástica
de Berlio z e no s p o emas
sinfó nico s de Lisz t.
Co letivamente, eles d eram à
sinfo nia uma teatralidade aind a
maior e criaram a base para as
óperas "sinfónicas" de Wagner, co m
sua ênfase em temas recorrentes e
a mudança do papel da orquestra
- Wagner foi o primeiro a tirar a
orquestra da visão da plateia,
focando a atenção no palco . A s
raízes dessas inovações ousadas
estão nas obras sinfónicas que
Mozart escreveu no fim de sua
curta v id a. •
O primeiro movimento de uma
sinfonia apresenta vários temas e desenvolve
as seçõ es em tonalidades diferentes, terminando
co m o tom principal, em geral em forma de
sonata-alfegro de ritmo rápido.
O quarto
movimento é mais ou menos
rápido e em geral em forma de rondó, no
qual a primeira seção é repetida e há uma
seção no va diferente entre cada
repetição .
O segundo
movimento apresenta melodias
líricas. Tem em geral forma
ternária, co m três seçõ es, a terceira
repetindo a primeira.
Do is minuetos d inâmicos
separados por uma seção trio contrastante
em forma ternáriaco nstituem
o terceiro movimento
E M C O N T E X T O
FO C O
A sonata instrumental
A N T E S
1758 Do mênico Scarlatti
p ublica os trinta Essercizi per
gravicembalo, que são parte de
suas m ais de quinhentas
so natas para teclado .
1771 Jo sep h H ay d n no meia
u m a p eça p ara p iano
especif icamente "sonata" em
v ez de divertimento.
D EPO IS
1818 Beetho ven co nclui a
Hammerklavier sonata, op. 106,
que leva a so nata a novos
p atamares de co mplexidade e
v irtuo sismo .
1853 Franz Lisz t escreve a
So nata para p iano em si menor
e redefine o género p ara a era
ro mântica.
0 OBJETIVO 00 PIANO
É SUBSTITUIR TODA
UMA ORQUESTRA POR
UM ARTISTA
SONATA PARA PIANO EM FÁ SUSTENIDO MENOR,
OP. 25, N° 5 (1790), MUZIO CLEMENTI
O desenvolvimento da sonata instrumental refletiu uma mudança na função da
música no período clássico . Não
mais u m acompanhamento à dança
ou oração, ela passou a ter foco em
si mesma e os compositores
buscaram novos modos de envolver
a audiência. Co m a popularização do
recém-inventado piano, um recurso
era aproveitar a dramaticidade da
justaposição de passagens ruidosas
e suaves, inviável co m o cravo. Isso
se tornou lugar-oomum. Os
compositores também começaram a
estruturar a música em sequências
de larga escala chamadas sonata,
que permitiam à audiência
experimentar um trajeto musical
mais variado. O compositor anglo-
-italiano Muzio Clementi foi um
inovador importante dessa forma em
desenvolvimento, e sua Sonata em
fá sustenido menor é um exemplo
básico da forma.
Piano de mesa da Clementi & Co.
de Londres, onde a fábrica de pianos
de Clementi floresceu no início do
século X V I I I .
CLASSICISM01750-1820 133
Ver também: Sonata em ré menor, Scarlatti 90-91 • Quarteto de cordas em dó
maior, op. 54, n"2, Haydn 122-127 .Sinfonia "Eroica" 138-141 'Prelúdios 164-165
Em geral, as sonatas tinham
três ou quatro movimentos, o
primeiro dos quais era estruturado
conforme o que hoje se chama
forma-sonata. Era usualmente o
mais longo e dramático dos
mo vimento s e aquele em que se
esperava que o compositor
demonstrasse sua perícia no
d iscurso musical para emocionar e
co nquistar a audiência. Co stumav a
ser rápido e potente, mas o primeiro
mo vimento da Sonata em fá
sustenido menor de Clementi é
inco mum, pois tinha u m clima
mais lento e meditativo de pathos
considerável, d istinguindo -se de
outras obras da época.
O segundo movimento da sonata
era em geral mais lento, dando ao
compositor a chance de demonstrar
sua mais refinada sensibilidade, e
com frequência tinha seçõ es
semelhantes a canções. Na Sonata
em fá sustenido menor, Clementi dá
um passo além: às vezes o soprano
tem só uma linha, semelhante a uma
ária cantada, acompanhada pelos
leves acordes repetidos encontrados
na escrita de cordas operística.
Usando tal técnica, Clementi talvez
buscasse roubar u m pouco do
sucesso da ópera - então o palanque
mais público para a música.
Minueto/trio e fínale
Nas sonatas de quatro movimentos,
era tradicional incluir u m minueto e
u m trio como um retorno às suites de
dança barrocas - um tipo de trégua
entre movimentos mais fortes,
embora Beethoven logo trocasse esse
respiro por um scherzo ("brincadeira",
em italiano) vigoroso cujo ânimo
poderia ir da ironia ao terror. O fínale
era em geral mais leve em substância
mas muito mais brilhante em termos
de demonstração técnica,
A f orma- sonata
Exposição
Dois temas são apresentados
em dois tons diferentes, o
primeiro deles na tónica.
D esenvolvimento
Os temas são manipulados.
fragmentados, estendidos e
transformados
Recapitulação
O s dois temas são tocados
de novo, agora ambos na
tónica
Coda
Co nclui o movimento .
A f orma- sonata te m
u m argumento mus i cal
que cri a tens ão
e resol ução.
propiciando uma finalização
satisfatória para a audiência e com
frequência grande aclamação para os
instrumentistas. Nesta sonata,
Clementi exibia sua técnica de tocar
duas passagens separadas por uma
terça com a mesma mão - habilidade
na qual era famoso. Isso ia além da
destreza dos amadores (e da maioria
dos profissionais), qualificando sua
obra como peça merecedora da sala
de concertos. •
M uz i o C l ementi
Nascido em Roma em 1752,
Muzio Clementi chamou a
atenção do mecenas inglês
Peter Beckford aos catorze
anos. Levando Clementi para
sua propriedade em Dorset, na
Inglaterra, Beckford pagou sua
educação musical nos sete anos
seguintes. Em sua estreia,
Clementi talvez fosse o
instrumentista de teclado mais
capacitado do mundo e foi o
primeiro verdadeiro virtuose de
piano. Em 1780, Clementi
iniciou uma viagem de dois
anos pela Europa, em que
conheceu Mozart em Viena.
(Clementi ficou impressionado
com "o espírito e a graça" de
Mozart, que por sua vez o
chamou de "charlatão" ). De
volta a Londres, Clementi se
tornou compositor e professor
famoso. Também teve sucesso
como editor de música e
fabricante de pianos, e ajudou a
fundar a Royai Philharmonic
Society. Morreu em 1832 e está
enterrado na Abadia de
Westminster.
Outra s obras importante s
Antes de 1781 Sonata para
piano em si bemol maior, op.
24, n2 2
1800 Doze valsas para piano,
triângulo e pandeiro
1826 Gradus ad Parnassum
134
PELO PODER DA
MÚSICA, ANDAMOS
ALEGRES ATRAVÉS
DA NOITE ESCURA
DA MORTE
A FLAUTA MÁGICA (1791),
WOLFGANG AMADEUS MOZART
E M C O N T E X T O
FO C O
Ó pera na A l emanha
A N T E S
1770 Estreia a ópera-cômica
Die Jagd (A caça) de Jo hann
A d am Hiller, u m dos Singspiele
mais populares do século xvm.
1789 Oberon, Kõnig der Eilen
(Oberon, rei dos elfos), do
tcheco Paul Wranitzky ,
inaug ura a tend ência d a
Zauberoper (ópera mágica) .
D EPO IS
1805 A única ópera de
Beetho ven, Fidélio, u m
Singspiel, é encenad a pela
p rimeira v ez em Viena.
1816 Undine, u m a Zauberoper
de E. T. A . Ho f fmann sobre o
espírito d a água, estreia e m
Berlim.
1821 Der Freischútz (O franco -
-atirador), de Carl M aria vo n
Weber, u m Singspiel romântico
de tema sobrenatural, estreia
em Berlim.
Aflauta mágica, ópera em dois atos de Mozart estreada em Viena em
setembro de 1791, marco u o auge
do desenvo lvimento do Singspiel
(brincadeira cantada), género de
ópera unicamente alemão que
co mbinava música e palavras
faladas. Basead a em libreto de
Emanuel Schikaneder, amigo de
Mozart, a ópera se passa no antigo
Egito e conta a história de u m
príncipe, Tamino , que se perde no
reino da misterio sa Rainha da Noite,
onde é atacado por uma serpente.
Resgatado pelas três d amas de
honra da rainha, ele se apaixona
CLASSICISMO 1750-1820 135
Ver também: Orfeu e Eurídice 118-119 • Concerto para flauta em lá maior, C. P. E. Bach 120-121 • Sinfonia n2 40 em sol
menor, Mozart 128-131 • O barbeiro de Sevilha 148 • Der Freischútz 149 • Tosca 194-197
A flauta mágica, de Mozart, continua
tremendamente popular. A ópera atraiu
mais de 400 mil espectadores ao
Bregenz Festival, na Áustria, somando
os anos de 2013 e 2014.
pelo retrato que lhe mostram da filha
da rainha, Pamina, raptada por
Sarastro , sumo sacerdote dos deuses
ísis e Osíris. Tamino jura resgatar
Pamina. Co m seu companheiro
cómico , Papageno (caçador de
pássaros da rainha), e com Pamina,
ele sofre várias provações, armado
apenas de uma flauta e u m carrilhão
mágicos. A luz triunfa no fim sobre a
escuridão, trazendo o final feliz.
A pelo popular
Mozart escreveu v inte óperas de
três géneros: opera seria, ópera-bufa
(ambas totalmente cantadas) e
Singspiel. A forma mais grandiosa, a
opera seria - estilo que inclui suas
peças Idomeneo (1781) e La
clemenza de Tito (1791) - muitas
vezes tirava o enredo d a mitologia e
história de Grécia e Ro ma antigas.
A ópera-bufa era cómica - sua obra
O casamento de Fígaro (1786) é um
exemplo notável do género.
O Singspiel tem raízes na Viena
do início do século xvm, onde o
imponente Theater am Kárntnertor
se especializouem dramas musicais
populares. Diversamente das óperas
italianas encenadas para a corte e a
nobreza, esses espetáculos se
d estinavam a v ienenses de todas as
camadas so ciais. De Viena, os
Singspiele se espalharam para a
A lemanha, onde em meados do
século ganharam popularidade
devido à influência da opéra
comique francesa e d a ballad opera
inglesa. A mbo s os géneros
mesclavam diálogos falados, muitas
vezes satíricos, a cançõ es. A Ópera
do mendigo (1728), de Jo hn Gay, foi
a ballad opera mais famosa, mas foi
o irlandês Charles Coffey,
contemporâneo de Gay, que teve o
maior impacto na A lemanha do »
éé
Acabei de voltar da ópera;
estava cheia como sempre [...],
pode-se ver que a aprovação
do público continua a crescer.
W ol f gang
A m ad e u s M oz art
f f
136 ÓPERA NA ALEMANHA
Juramento de um novo membro
da maçonaria numa gravura colorida
de c. 1750. Mozart foi iniciado de
modo similar na loja da
"Beneflcence" em Viena em 1784.
M oz art e a m aço n ari a
Em 14 de dezembro de 1784,
Mozart foi admitido em uma das
oito lojas maçónicas de Viena.
A cidade tinha na época mais de
setecentos maçons, os " irmãos"
- então, como agora, só homens
podiam ser maçons -, saídos da
mais alta nobreza, do oficialato
e até do clero, mas também de
grupos das classes médias:
médicos, comerciantes, livreiros e
músicos, como o libretista de
A flauta mágica, Emanuel
Schikaneder. Para homens como
Mozart, a maçonaria tinha muitos
atrativos - oferecia uma
abordagem livre-pensadora e
esclarecida da religião, esposava
a virtude da justiça, que para
muitos maçons significava
oposição ativa a abusos do poder
do Estado e do clero, e era um
lugar em que homens de diversas
posições podiam se misturar com
relativa igualdade. Mozart se
manteve maçom devotado o
resto da vida e compôs várias
peças para eventos maçónicos,
em especial Música paia um
funeral maçónico em dó menor
(1785), em memória de dois
" irmãos" recém-falecidos.
século xvm. Sua ballad opera
The Devil to Pay, enorme êxito na
Grã-Bretanha, tornou-se um sucesso
na tradução em Berlim, nos anos
1740. Duas adaptações de outras
óperas de Coffey insp iraram Jo hann
A d am Hiller, tido como pai do
Singspiel, a iniciar sua carreira nos
anos 1760 em Leipzig .
Género nacional
Nas mãos de compositores como
Hiller, Georg A nto n Benda, Karl
Ditters von Dittersdorf e Ignaz
Umlauf, os Singspiele não eram mais
simples d ramas falados com
números musicais que
acrescentavam atmosfera e
personalidade. Em obras como Die
Jagd (A caça, 1770), de Hiller, e
Walder (1776) e Romeo und Julie
(1776), de Benda, as partes cantadas
se tornaram o núcleo dramático da
peça. O reconhecimento o ficial
dessas obras como exemplos de um
género popular e d istintamente
alemão, a ser estimulado em face da
ópera italiana predominante,
ocorreu quando o imperador Jo sé li
de Habsburgo , amante e
patrocinador das artes, fundou a
companhia National-Singspiel, de
curta duração, no Burgtheater de
Viena em 1778. Um de seus maiores
sucessos foi O rapto do serralho
(1782), de Mozart.
Na primavera de 1791, Emanuel
Schikaneder encomendou a Mozart
outro Singspiel - dessa vez para o
Theatre auf der Wieden em Viena,
de que Schikaneder era diretor.
Oberon, o rei dos elfos, com música
do amigo de Mozart Paul Wranitzky,
era u m sucesso recente da
co mpanhia de Schikaneder e u m
Personagens de A flauta mágica expressos atrav és d a m ú s i ca
Rainha da Noite
Soprano, cuja habilidade
vocal culmina numa ária
em staccato que
representa instabilidade,
cobiça e falsidade.
Papageno (caçador de
pássaros) Barítono, canta
melodias populares otimistas e
animadas com uso destacado de
flautas de Pã, indicativas de
natureza confiante.
Tamino e Pamina
Tenor e soprano,
respectivamente, cujas árias
românticas e profundamente
sentidas representam princípios
esclarecidos de luz e alegria.
Sarastro (sumo sacerdote)
Baixo, cuja atuação lenta e digna,
com elocução quase falada em
partes e ampliada por floreios
orquestrais grandiosos, indica
justiça e sabedoria.
CLASSICISMO 1750-1820 137
exemplo de uma nova classe de
Singspiel, às vezes chamada
Zauberoper (ópera mágica), que
misturava comédia a elementos
sobrenaturais e espetáculo
impressionante. Desejoso de repetir
o sucesso da obra de Wranitzky,
Schikaneder escreveu ele mesmo o
libreto para a nova ópera, mas é
provável que Mozart também tenha
colaborado. Os dois to maram um
conto de fadas de A ugust Jacob
Liebeskind , Lulu, oder die
Zauberílôte (Lulu, ou A flauta
mágica) como ponto de partida, mas
o transformaram até quase ficar
irreconhecível. Entre outras co isas,
acrescentaram elementos da
maçonaria (Wranitzky, Schikaneder
e Mozart eram maçons), como nas
provas de iniciação pelas quais o
protagonista passa.
A flauta mági ca
Mozart morreu em 1791, dois meses
após a estreia de A flauta mágica.
Não foi só sua última grande obra
concluída, mas a mais sublime. Em
todas as suas óperas, Mozart
mostrou u m dom insuperável para
criar a música certa para cada
personagem, situação ou emoção .
Em A flauta mágica, isso v ai da
éé
Salieri ouvia e assistia com
total atenção [...], não houve
um número que não lhe
despertasse um 'bravo'
ou bello'.
W ol f gang A m ad e u s
M oz art
f f
profunda solenidade das cançõ es do
sacerdote Sarastro e das duas
poderosas árias da Rainha da Noite
à tocante comédia do dueto em que
Papageno e a companheira
Papagena imaginam um futuro feliz
juntos. O domínio perfeito da
expressão musical permitiu a
Mozart tratar de modo convincente
as ambivalências e reversões muitas
vezes desconcertantes da ópera,
como quando a Rainha da Noite de
repente muda de mãe lamentosa a
aliada cheia de rancor do pior
inimigo d a filha, Monostatos.
A estreia de A flauta mágica, em
30 de setembro de 1791, começou
mal mas termino u bem. A plateia
permaneceu muda no primeiro ato.
Talvez , apesar do recente sucesso
de Oberon, o rei dos elfos, estivesse
co nfusa d iante das características
estranhamente mágicas da
Zauberoper. No segundo ato,
porém, o público acordou e no
final chamo u Mozart ao palco para
aplaudi-lo . A ópera se manteve
popular desde então .
Camarote de ópera em Londres, em
pintura de artista desconhecido de 1796.
A ópera entrou na moda no início do
século xviii, com novas obras
encomendadas a cada temporada.
A influência de A flauta mágica no
desenvo lv imento do Singspiel e d a
ópera romântica alemã foi
fund amental. Ela co nd uziu o
Singspiel até o século xix, quando
o género se desenvo lveu em d uas
d ireçõ es. Um ramo levou à ópera
Fidélio (1805), de Beetho ven e - de
modo mais formador - a outras
"óperas mágicas", como Undine
(1816), de E. T. A . Ho ffmann, e Der
Freischútz (1821) e Oberon (1826),
de Carl Maria von Weber. Estas
foram precurso ras d a ópera
romântica alemã mad ura, mais
bem exemplif icad a nas obras de
Richard Wagner. O outro ramo do
Singspiel ficou fiel a suas origens
mais leves, levando às operetas
v ienenses de Jo hann Strauss, o
jo vem (Die Fledermaus) e Franz
Lehár (A viúva alegre), m
138
VIVO SOMENTE
EM MINHAS
NOTAS
SINFONIA N° 3 EM Ml BEMOL MAIOR,
"EROICA", OP. 55 (1804),
LUDWIG YAN BEETHOVEN
E M C O N T E X T O
FO CO
Rompendo com o modelo
da sonata clássica
A N T E S
1759 Jo sep h H ay d n escreve a
Primeira sinfo nia - em três
mo v imento s.
1793 O teórico alemão
Heinrich Christo p h Ko c h é o
primeiro a descrever co mo
funcio na a forma-sonata.
1800 Beetho ven co nclui a
Primeira sinfo nia.
D EPO IS
1810 O crítico E. T. A .
Ho f fmann d escreve Beetho ven
como "compositor p uramente
ro mântico " em texto sobre a
Sinfo nia na 5.
1824 A Sinfo nia n a 9 de
Beetho ven surpreende ao
acrescentar vo zes a u m género
antes ap enas instrumental.
A "Ero ica" de Beetho ven rompeu co m os limites e as expectativas do público
na estreia em 1805, representandoa
reelaboração rad ical do que se
entendia por "sinfonia". A expansão
ousada da forma-sonata, o
reequilíbrio da estrutura musical e
até a ordenação dos movimentos
foram recebidos co m perplexidade
e afronta.
A s sementes d a sinfonia foram
plantadas, surpreendentemente,
por uma dança. Em março de 1801,
u m novo balé, Die Geschópíe des
Prometheus (A s criaturas de
Prometeu), estreou no Burgtheater
de Viena. Beetho ven criou a
música, que terminava co m u m
tema jovial em m i bemol maior. A
CLASSICISMO 1750-1820 139
Ver também: Sinfonia em mi bemol maior, Stamitz 116-117 • Sinfonia n2 40 em
sol menor, Mozart 128-131 • Sinfonia fantástica 162-163 • Sinfonia n" 1, Schumann
166-169 • Sinfonia n2 9, Dvorák 212-215
éé
Pag o m a i s u m Kreuzer s e ao
m e n o s i s so p arar!
M emb ro d a aud i ênci a
Estreia pública da "Eroica" (1805)
f f
melodia tinha apelo óbvio para ele,
que na mesma época a incluiu
numa co letânea de doze
contredanses (danças rurais)
o rquestrais e quinze variações e
fuga para piano solo, que mais tarde
seriam a base do Gnale da "Ero ica".
Uma sinfonia ganha forma
Beetho ven começou a planejar a
Terceira sinfo nia no outono de 1802,
tinha uma partitura completa dela
para piano em outubro de 1803 e
uma versão orquestrada no início
do verão de 1804. A obra estreou na
casa do príncipe Francisco Jo sé
von Lo bko w itz , u m dos protetores e
financiadores de Beethoven, e
depois para o público no Theater an
der Wien, em Viena.
O compositor pretendia dedicar
a obra a Napoleão Bonaparte, mas
quando o general se declarou
imperador d a França, Beethoven
risco u seu nome do manuscrito .
Remover a dedicatória tinha
sentido político: quando os planos
de invasão de Napoleão ficaram
claros, seria suicídio profissional
celebrá-lo numa sinfo nia. A obra foi
por fim impressa co m dedicatória
ao príncipe Francisco Jo sé (que
pagou co m generosidade a
Beethoven) e o subtítulo "composta
para celebrar a memória de u m
grande homem". O candidato mais
provável ao "grande homem" e fonte
do título "Ero ica" é Luís Ferdinando ,
príncipe da Prússia, morto em
batalha contra a França em 1806 e
a quem Beethoven tinha dedicado
o Terceiro concerto para piano,
op. 37, em 1803.
Rasgando o livro de regras
A Sinfo nia n s 3 co meça co m u m
movimento que se exp and iu muito
além de tudo o que os v ienenses já
tinham ouvido. Não eram para
Beethoven as proporções
cuidado samente equilibradas da
forma-sonata clássica, em que uma
exposição e recapitulação se
co mbinav am ao redor de uma
seção de desenvo lvimento curta,
com uma breve coda ("cauda", em
italiano) para concluir o movimento .
Em vez d isso , ele escreveu u m
desenvo lvimento enorme, entre »
Os feitos heróicos de Napoleão
Bonaparte, representados em Napoleão
cruzando os Alpes, de Jacques-Louis
David (1748-1825), inspiraram
Beethoven a compor a sinfonia "Eroica".
L u d w i g v an Beethoven
Filho de um músico obscuro da
corte, Beethoven nasceu em
Bonn em 1770. Foi para Viena
em 1792 e estudou brevemente
com Haydn e Antonio Salieri.
Pianista de talento prodigioso,
fez nome primeiro como
virtuose e ganhou inúmeros
admiradores nobres ricos, que
o ajudaram a se estabelecer
como compositor. Em todos os
géneros musicais que explorou,
Beethoven foi um inovador
radical, surpreendendo sempre
o público. Após a morte de
Haydn em 1809, foi o principal
compositor de sua geração e
figura central da nova era
romântica. Numa cruel virada
do destino, começou a perder a
audição perto dos trinta anos, e
em 1818 estava praticamente
surdo. Apesar disso, após essa
época e até a morte em Viena
em 1827 escreveu algumas de
suas obras mais inventivas e
radicais.
Outras obras importantes
1808 Sinfonias tf 5 e tf 6, op.
67 e op. 68
1818 Sonata para piano em si
bemol, Hammerkiavier, op. 106
1824 Sinfonia n° 9 em ré
menor, op. 125
140 ROMPENDO COM O MODELO DA SONATA CLÁSSICA
uma exposição e uma reoapitulação
longas, terminando co m uma coda
de mais de cem compassos.
A lém de serem ino o muns o
equilíbrio e a duração extrema do
primeiro mo vimento , Beetho ven
intro duziu u m tema to talmente
novo após o fim d a expo sição (onde
todos os temas já eram por
tradição apresentados). Esse novo
tema era na escala de m i maior,
muito d istante d a escala da tó nica
da p eça.
A forma do tema de abertura da
"Ero ica" também é atípica. Inclui
u m dó sustenido , nota desgarrada
que não pertence à escala de m i
bemol maior e afasta assim a
música de sua tónica e a
desestabiliza. Em resultado,
Beetho ven teve de reescrever o
tema na reoapitulação para criar
uma resolução satisfatória. Isso
desafiava as regras da forma-sonata,
em que a recapitulação deve conter
as ideias musicais d a obra na
mesma forma em que apareceram
na exposição .
A lém da manipulação temática,
a música do primeiro movimento é
cheia de sínco pes que perturbam o
senso de ritmo da audiência. A par
d isso , fortes d isso nâncias - feias
aos ouvidos do início do século xix
- se d estacam, onde segund as
maiores e menores (notas dois
semitons e u m semito m d istantes,
respectivamente) se atritam umas
com as outras.
Surpresas constantes
Após a enorme estrutura do
primeiro movimento , co m suas
surpreendentes rev iravo ltas to nais,
Beetho ven escreveu u m
mo vimento lento, moldado como
uma mareia fúnebre (marcha
fúnebre). É uma p eça
intensamente dramática, co m u m
tema de abertura em tom menor
que por fim dá lugar a u m dó maior
mais fulgurante e esperanço so ,
antes de o tema de abertura voltar
como u m fugato - p eça breve
semelhante a u m a fuga, em que o
tema é imitad o ao mesmo tempo
por instrumento s d iferentes como
se u m p erseguisse o outro.
Co nseguir texturas musicais tão
ricas e intricad as tecid as tão
extensamente em mais de u m
mo vimento era revolucionário .
O Palácio Lobkowitz em Viena, em
gravura colorida de Vinconz Reim
(1796-1858), foi o local da primeira
execução da Sinfonia n° 3 de
Beethoven, em agosto de 1804.
O terceiro movimento é mais
leve - um scherzo ("brincadeira", em
italiano) vívido. Como a maioria dos
movimentos de sinfonia scherzo,
inclui um trio, na seção média
baseada em três instrumentos.
Beethoven inovou aqui ao usar
trompas francesas numa sinfonia
com maior destaque que nunca
antes. Esses instrumentos não
tinham válvulas no início do século
xix e, assim, só pod iam tocar arpejos
num tom, o que os faz soar marciais,
como um chamado de batalha.
O tema principal do scherzo
co meça num tom inesperado .
A música já mudou de tom, de m i
bemol para si bemol, antes de o
oboé por fim co meçar o tema.
De novo, Beetho ven co nfund ia de
propósito a audiência.
O fim e al ém
O fínale da "Ero ica" é u m conjunto
de variações sobre um tema.
éé
Essa obra estranha e
formidável, a peça mais
extensa e ricamente artística
de todas as criadas pelo
espírito original e
extraordinário de Beethoven.
Início de crí ti ca
AUgemeine musikalische Zeitung
(18 de fevereiro de 1807)
f f
CLASSICISMO 1750-1820 141
A grandi osi dade expressi va n a " Ero i ca" de Beethoven
Embo ra não fosse a primeira
sinfo nia a usar uma forma de tema
e variação como mo vimento de
conclusão , Beetho ven rompeu co m
a tradição ao não co meçar co m o
próprio tema, mas co m uma linha
de baixo . A partir dela, Beethoven
cria a textura orquestral até por fim
chegar à melodia tema. Ele inverteu
a forma escrevendo variações antes
até de ter chegado ao tema. A lém
disso , em vez de as variações se
basearem numa só melodia, a
orquestra toda é envo lvida na troca
e desenvo lvimento de linhas
entretecidas, terminando co m um
fugato elaborado que leva a música
co m firmeza e por fim à tónica.
Beetho ven criou uma jornada de
quatro movimentos através de tons,
temas e ideias interligados com
engenho e sutileza. Ele se
aventurou aind a mais em sinfonias
posteriores, e ao chegarà Nona, em
1824, as quatro unidades
separadas, ligadas apenas por u m
título co mum, tinham se tornado
uma narrativa musical
brilhantemente entretecida através
da velha estrutura da sonata.
Os primeiros ouvintes da
"Ero ica" a co nsideraram uma obra
difícil de entender - estava
simplesmente longe d emais de sua
ideia do que uma sinfonia devia ser,
em termos de duração e de
estrutura. Mas logo ela foi aceita
como obra de génio profundo e
exerceu enorme influência nas
gerações futuras de sinfo nistas, de
Schumann e Brahms a Bruckner e
Mahler. •
A Sinfonia n° 3 já era conhecida
como "Ero ica" ao ser publicada,
como mostra o frontispício da
primeira edição.
1810-1920
144 INTRODUÇÃO
Niccolò Paganini
compõe o primeiro dos 24
caprichos para violino solo
- entre as mais difíceis
peças para violino de
todos os tempos.
O ciclo de canções
Die schòne Múllerin,
de Franz Schubert
marca o auge da
forma Lied (canção)
alemã.
1805
t
1824
Em Paris, Hector
Berlioz estreia a
Sintonia fantástica,
uma das obras mais
influentes do género
programático.
A
1830
Pensando em transmiti!
a nostalgia pela
primavera, Robert
Schumann escreve a
Sinfonia n 2 1 em quatro
dias de janeiro.
1841
1821
Baseada numa lenda
popular germânica, a
ópera Der Freischútz, de
Carl Maria von Weber.
explora a identidade
nacional alemã.
1826
l
Síntese do estilo final de
Beethoven, o Quarteto
de cordas n2 14, op. 131
abandona a forma e o
desenvolvimento
tradicionais do quarteto.
1839
l
O ciclo de 24 prelúdios,
de Frédéric Chopin
que cobrem todos os tons
maiores e menores,
desafia a estrutura
temática convencional.
1846
A orquestração
colorida de Elias, de
Felix Mendelssohn
renova o oratório, um
género barroco.
O movimento romântico surg iu em grande parte como reação ao
racionalismo e à urbanização d a
sociedade europeia após a
Revolução Ind ustrial. Desde o fim
do século xvm, escritores, artistas e
compositores se afastaram d a
elegância formal do período
clássico em favor d a expressão
pesso al e do fascínio pela natureza.
Em música isso se manifesto u na
expansão gradual d a paleta
harmónica e instrumental,
apelando às emo çõ es em vez de ao
intelecto da audiência.
O novo estilo
Beethoven satisfazia o estereótipo
do músico romântico , assim como o
v io linista Niccolò Paganini e alguns
outros instrumentistas-
-compositores v irtuo ses. Cabelos
longos descuidado s e roupas
info rmais substituíram perucas e
trajes sérios do período clássico , e o
estilo de v id a dos compositores
românticos era muitas vezes tão
exuberante quanto suas músicas.
Beethoven desenvolveu um estilo
de música mais pessoal a partir de
1803. No que é visto como seu
"período médio", criou sonatas para
piano, quartetos de cordas e outras
formas de música de câmara, e
acima de tudo sinfonias,
revolucionários. Em seu "período
final" - um surto de criatividade - ,
quando a profunda surdez o isolou do
mundo, produziu obras de
intensidade extraordinária, como
suas últimas sonatas para piano,
quartetos de cordas e a Nona
sinfonia, com seu fínale coral
inovador. Nem todos os compositores
aderiram à onda romântica. A s obras
instrumentais de Franz Schubert, por
exemplo, são de estilo mais clássico.
A pesar disso , ele se inspirou em
temas da poesia romântica alemã em
suas canções, ou Lieder, pelas quais
é mais conhecido. Esse aspecto do
Romantismo, em especial o amor à
natureza, influenciou mais tarde a
obra de Robert Schumann, cujas
sinfonias e peças para piano eram
com frequência programáticas
(pintando um quadro ou contando
uma história em música), género
iniciado pela Sexta sinfonia, a
"Pastoral", de Beethoven, que
descreve uma série de cenas rurais.
Hector Berlioz apreciou as
possibilidades de uma orquestra
maior e uma linguagem harmónica
expandida. Suas óperas, obras
orquestrais e corais, todas de ampla
escala, com orquestras grandes,
eram expressivas e bem pessoais.
ROMANTISMO 1810-1920 145
A estreia de La
traviata, de Giuseppe
Verdi, em Veneza
choca o público ao
colocar uma mulher
mundana como tema.
í
1853
Johann Strauss n
escreve Danúbio azul,
valsa com rica
sonoridade sinfónica
que incendeia a
Europa.
A Primeira sinfonia de
Johannes Brahms estreia
em Karlsruhe, na
Alemanha, lembrando o
estilo clássico de
Beethoven.
1867
í
1876
O enredo brutal da ópera
Tosca, de Giacomo
Puccini, tipifica o verismo
(realismo), forma de ópera
popular na Itália e na
França.
1
1900
1857
1
1876
A Sinfonia Fausto, de
Franz Liszt, inspirada
na peça homónima de
Johann Wolfgang Goethe,
estreia em Weimar, na
Alemanha.
A quarta parte do Ciclo do
anel, de Richard Wagner,
estreia em Bayreuth,
marcando o fim de sua
"obra de arte total",
composta em 26 anos.
1896
Inspirado pelo livro de
Nietzsche, Richard
Strauss compõe A ssim
falou Zaratustia, poema
sinfónico que rejeita as
convenções românticas.
1908
I
Gustav Mahler
escreve Das Lied
von der Erde,
reflexão sobre a
inevitabilidade
da morte.
Ele continuou o deslocamento do
abstrato ao programático em suas
sinfonias, tendência assumida depois
por muitos compositores, em
especial Franz Liszt, que
desenvolveu a forma conhecida como
poema sinfónico ou poema tonal.
Lisz t também foi famoso na
juventude pelo v irtuo sismo ao
executar as próprias p eças para
piano e conquistou muito s
seguidores devotados. Os recitais
de piano solo eram u m
entretenimento popular na época,
em especial os de figuras
românticas como Lisz t ou Frédéric
Chopin, cujo estilo de composição
mais delicado e lírico apelava em
especial às audiências francesas.
Exceções à regra
A pesar da popularidade da música
romântica, alguns compositores
sentiam falta da elegância do
Classicismo . Na refinada Viena, por
exemplo, Jo hann Strauss i e n, p ai e
filho, ev o cav am essa no stalgia em
suas valsas, enquanto outros
compositores se ressentiam da falta
de d iscip lina d a música romântica.
À frente de todos estava Jo hannes
Brahms, que moderou a expressão
co m formas clássicas mais estritas.
Outro foi Felix Mendelssohn, cujos
oratórios lembravam o Barroco ,
retomando as tradições corais
alemã e inglesa abandonadas por
Hándel e Bach.
Ópera romântica
A ópera, com sua combinação de
literatura e música, era ideal para
retratar temas e ideias românticos.
Carl Maria von Weber estabeleceu o
modelo de ópera romântica
escolhendo o folclore alemão em vez
da mito logia clássica como tema e
v isando uma forma mais
convincente de representação
dramática. Outros seguiram sua
iniciativa: Bizet na França; os
gigantes da ópera italiana, Verd i e
Puccini, que buscaram u m novo
tipo de realismo na ópera, e Richard
Wagner na A lemanha, cujas óperas
tinham a maior das escalas e
esticavam a linguagem musical.
Co m suas harmo nias inovadoras,
Wagner desafiou a ideia de
tonalidade, que tinha sido a base d a
forma musical desde o fim do
Renascimento . Wagner inspirou o
que é hoje conhecido como o estilo
final romântico , exemplificado por
compositores como A nto n Bruckner,
Gustav Mahler e Richard Strauss.
Era o prenúncio da música moderna,
em que as velhas regras de
harmo nia não se ap licavam mais. •
E M C O N T E X T O
FO C O
Surgimento do virtuose
A N T E S
1733 Pietro Lo catelli publica
Laite dei violino, que insp ira
os Caprichos de Pag anini.
1740 O v io linista Giusep p e
Tartini , co nhecido pela
execução rápida e empolgante,
exp ressa sobretudo em sua
so nata para v io lino O trilo do
diabo, faz u m a turnê de
co ncerto s na Itália.
D EPO IS
1834 Hecto r Berlioz co nclui
Harold en Italie, sinfo nia que
apresenta u m a parte para v io la
solo co mpo sta p ara Pag anini.
1838 Franz Li sz t p ub l ic a
u m a fo rma in i c ial do s Études
dexécution transcendante
daprès Paganini (Estud o s
transcend entais de exec uç ãobasead o s em Pag anini) , de
técnica difícil, transcrevendo para
p iano solo seis dos capricho s
p ara v io lino de Pag anini .
0 VIOLINISTA É AQUELE
FENÓMENO PECULIARMENTE
HUMANO [...] MEIO TIGRE,
MEIO POETA
24 CAPRICHOS PARA VIOLINO SOLO, OP. 1 (1824),
NICCOLÒ PAGANINI
A carreira internacio nal do vio linista-compositor Niccolò Paganini como
instrumentista só durou seis anos,
de 1828 a 1834, mas sua influência
na música foi imensa. Co m a
intenção de divertir, ele introduziu
novas técnicas de execução e
elevou as expectativas do público ,
realizando façanhas inéditas. Ele
tinha muitos vio linos, entre os
quais u m a meia dúzia do que talvez
seja o maior de todos os
fabricantes, A nto nio Strad ivarius.
Uma doença crónica - crê-se que
a síndrome de Marfan - dava a
Paganini aparência esquelética. Isso
éé
D o m i n g o d e Pás c o a ; à tard e
o u v i Pa g a n i n i . Q u e ê x tas e !
E m s u a s m ã o s o s exerc í c i o s
m a i s e s té re i s s e i n c e n d e i am .
Robert S ch u m an n
f f
levou a rumores de que ele fizera um
trato com o diabo em troca de seus
dons. Seus maiores triunfos foram
em Paris, fascinada por espetáculos
grandiosos, nova tecnologia e
genialidade em todos os campos.
Inovações técnicas
Paganini estudou e se aperfeiçoou
na Itália. A cred ita-se que co meço u
a compor os 24 caprichos no início
dos anos 1800, embora não os
tenha publicado até 1820. Nessas
obras admiráveis e muitas outras
ele desafiou cad a aspecto d a
técnica de vio lino e lançou ideias
destinadas a exibir as habilidades
do instrumentista. A s p eças eram
pontuadas por passagens de
quebrar o pesco ço , cordas duplas
ou até triplas (tanger co m o arco
duas ou três cordas ao mesmo
tempo), além de novos truques
como o pizzicato de mão esquerda
(usar os dedos d essa mão para
pinçar as cordas) e o rícochet
(várias notas em staccato num só
golpe do arco).
Inspirado por Paganini
A o s dezenove anos, em 1831, o
compositor húngaro Franz Liszt ouviu
Paganini em Paris. Isso o inspirou a
buscar o mesmo virtuosismo no
ROMANTISMO 1810-1920 147
Ver também: A s quatro estações 92-97 • Sinfonia Fausto 176-177
piano e cultivar uma persona
igualmente dramática. Sua carreira
coincidiu com avanços técnicos na
fabricação do piano que o tornaram
confiável, versátil e com som alto o
bastante para encher as grandes
salas de concertos que atendiam à
crescente classe média. Liszt foi o
mais talentoso de uma nova classe de
compositores-pianistas que
competiam por destaque - às vezes
em duelos de execução pianística.
Sua condição de celebridade ajudou a
estabelecer o recital de piano na
forma atual, beneficiando assim
O primeiro êxito de Paganini, de
Annibale Gatti, c. 1890, talvez mostre
uma apresentação na corte de Lucca,
onde Paganini construiu sua reputação
no início do século xix.
outros compositores. O talento de
Paganini e Liszt forçou os limites das
técnicas existentes para violino e
piano. O concerto se tornou palco
para que solistas se destacassem, e o
tema e a forma das variações - em
que uma melodia simples e com
frequência bem conhecida é
retrabalhada de modo cada vez mais
impressionante - se popularizaram
entre público e compositores. O tema
do Capricho nQ 24 de Paganini
inspirou obras de Liszt, Johannes
Brahms e Sergei Rachmaninoff.
Virtuo ses posteriores foram o
compositor-vio linista belga Henri
Vieuxtemp s e os compositores-
-p ianistas Lo uis Moreau Go ttschalk
nos Estad o s Unidos, Leopo ld
Go d o w sky na Polónia e
Rachmanino ff na Rússia. •
N iccol ò Pag ani ni
Nascido na cidade portuária
italiana de Génova em outubro
de 1782, Paganini aprendeu
violino e violão com o pai,
músico amador excepcional.
O jovem Paganini completou
os estudos com um regime
estrito de treino, afirmando
mais tarde que se tornou
virtuose após ouvir uma
apresentação do violinista
francês nascido na Polónia
August Duranowski.
Em 1809, Paganini deixou
um cargo na corte de Lucca
para tentar a carreira solo.
Viajou pela Itália, compondo e
executando obras que exibiam
suas habilidades. Problemas
de saúde, entre eles sífilis, o
limitaram até 1828, mas
depois foi à Áustria, Boémia,
Alemanha e, em 1831, Paris,
onde seus dez concertos na
Opera causaram sensação. Em
1834, a saúde precária o
obrigou a fazer um retiro
parcial na Itália, onde morreu
em 1840.
Outra s obras importante s
1813 Le streghe (As bruxas)
1816 Concerto para violino n 2 1
1819 Sonata " a Preghiera"
1826 Concerto para violino
n2 2 em si menor
E M C O N T E X T O
FO C O
Ó pera- buf a ital iana
A N T E S
1782 Um a versão lírica
anterior de O barbeiro de
Sevilha, do compositor italiano
Gio v anni Paisiello , é encenad a
pela p rimeira v ez em São
Petersburgo .
1786 O casamento de Fígaro,
de Mo zart, estreia em Viena.
D EPO IS
1843 A ó pera-cô mica Don
Pasquale, de Gaetano
Do nizetti, é exib id a pela
p rimeira vez no Théâtre Italien,
em Paris.
1850 Crispino e la comare (O
sapateiro e a fada), dos irmão s
Lu ig i e Fed erico Ric c i , é u m
dos últimos exemplo s de
verd ad eira ópera-bufa.
DE-ME A LISTA DA
LAVANDERIA E
EU A MUSICAREI
0 BARBEIRO DE SEVILHA (1816),
GIOACHINO ROSSINI
S obrevivendo à desastrosa estreia em Ro ma em 1816, O barbeiro de Sevilha, de
Gioachino Ro ssini, logo ganhou
aclamação universal. Ro ssini já
escrevera dezesseis óperas, mas
essa era sua primeira ópera-bufa
(ou ópera-cômica, oposta à opera
seria). Ela relata as tentativas do
conde A lm av iv a de co nquistar a
bela Rosina, tutelada pelo muito
mais velho dom Bartolo, que
pretende se casar com ela.
éé
Querido Deus, eis aqui
terminada esta pobre
missinha. Será música sacra
[...] ou música do diabo?
Nasci para a ópera-bufa,
como bem sabe.
G i oachi no Rossi ni
O barbeiro Fígaro, um faz-tudo de
Sevilha, é central no enredo. Entre
as cançõ es da ópera estão Largo al
factotum delia città (A bram alas ao
faz-tudo da cidade), de Fígaro, e Una
voce poco la (Uma voz há pouco).
Realismo operístico
Os cenários de submundo e a
linguagem d as ruas da ópera-bufa
tro uxeram u m realismo fresco ao
d rama musical e sua popularidade
se espalhou pela Euro pa.
O casamento de Fígaro e Cosi fan
tutte, de Mozart, são outros
exemplos do género.
Beethoven ad mirava O barbeiro
de Sevilha, assim como Verd i e
Wagner. Porém, salvo uma farsa de
u m ato, Ro ssini não escreveu outras
co médias. Nos anos 1820, tornou-se
diretor do Théâtre Italien, em Paris,
onde escreveu mais cinco óperas,
culminand o co m Guillaume Tell
(Guilherme Tell) em 1829. Depo is,
sua produção declinou. Um a d as
poucas p eças de larga escala em
suas três últimas d écad as de v id a
foi Petite messe solennelle
(Pequena missa solene) em 1863. •
Ver também: O burguês fidalgo 70-71 • A flauta mágica 134-137 • La traviata
174-175 • Tosca 194-197
ROMANTISMO 1810-1920 149
A MUSICA NA VERDADE
É O PRÓPRIO AMOR
DER FREISCHUTZ (1821),
CARL MARIA VON WEBER
E M C O N T E X T O
FO C O
Ó pera romântica al emã
A N T E S
1791 A flauta mágica de
Mo zart, exemplo supremo d a
tradição do Singspiel, é
encenad a em Viena.
1816 Estreia em Berl im a
ópera ro mântica Undine, de
E. T. A . Ho ffmann, sobre u m a
ninfa d as ág uas que se casa
co m u m humano .
D EPO IS
1833 A ópera Hans Heiling, de
Heinrich Marschner, como seu
sucesso anterior Der Vampyr,
co ntrasta o mund o real e o
sobrenatural.
1834 Richard Wagner co nclui
a ópera Die Feen ( A s fadas),
muito influenciad a por Der
Freischútz, de Weber.
Um exemplo v ienense de Singspiel (brincadeira em canção ), que liga cançõ es a
diálogo falado, Der Freischútz (O
franco-atirador), de Carl Maria von
Weber, conta a história de Max,
jovem caçador da Bo émia
convencido pelo malvado Caspar a
participar de u m concurso de tiro
para co nquistar a mão de A gathe.
Para garantir a vitória Caspar lhe
dá balas mágicas forjadas novale
do Lobo.
As balas mágicas usadas na disputa
de tiro em Der Freischútz são
disparadas no fantasmagórico vale do
Lobo, aqui numa água-tinta de cena da
ópera.
Estreada em Berlim em 1821, Der
Freischútz levou seu compositor ao
estrelato. O sucesso se deveu em
parte ao fato de se basear firmemente
na cultura alemã, usando
personagens, cenários, folclore e
música popular bem conhecidos.
Weber imaginava uma nova grande
tradição operística alemã.
A co mbinação de orgulho
nacional, conteúdo emocional e
representação do sobrenatural
impressionou o jovem Richard
Wagner, que v iu Der Freischútz aos
nove anos. A o mesmo tempo, a
orquestração inovadora de Weber,
em especial o uso evocativo das
madeiras e trompas, influenciou
Berlioz, Mahler e Debussy.
Weber escreveu mais duas
óperas. Estav a em Lo ndres para
reger a estreia de sua última obra,
Oberon, em 1826, quando morreu
de tuberculose, aos 39 anos. •
Ver também: A flauta mágica 134-137 • O barbeiro de Sevilha 148 • La traviata
174-175 • O ciclo do anel 180-187 . Tosca 194-197
NINGUÉM SENTE A
DOR DO OUTRO
NINGUÉM ENTENDE A
ALEGRIA DO OUTRO
DIE SCHÕNE MÚLLERIN (1824),
FRANZ SCHUBERT
152 LIEDER E CICLOS DE CANÇÕES
E M C O N T E X T O
FO C O
Lieder e ciclos de canções
A N T E S
1816 Beetho ven co mpõ e An
die ferne Geliebte (À amad a
d istante), considerado o
primeiro ciclo de cançõ es.
1821 W ilhelm Muller publica
os p o emas de Die schóne
Múllerin (entre eles seis não
musicad o s por Schubert) co mo
parte de u m a anto logia.
D EPO IS
1840 Robert Schumann compõe
vários grandes ciclos de
cançõ es, entre eles Frauenliebe
und Leben e Dichterliebe.
1856 O baríto no Ju l ius
Sto ckhausen faz a p rimeira
ap resentação pública
co mpleta de Die schóne
Múllerin em V iena.
O compositor Franz Schubert é muitas vezes ligado à canção artística (ou Lied,
plural Lieder) alemã. Ele não
inventou o género. Vários grandes
compositores fizeram cançõ es antes
dele, como Beethoven, Mozart e
Hayd n, além de figuras menos
conhecidas. Não é sequer verdade
que Schubert criou o primeiro "ciclo
de canções", expressão usada
depois para u m conjunto de cançõ es
com uma narrativa ou tema
abrangente. An die íern Geliebte, de
Beethoven, composta em 1816, foi a
primeira obra importante a se
ajustar a tal descrição .
Schubert, porém, transformou o
género. A ntes dele, os Lieder eram
em geral ingénuos ou francamente
líricos. A forma tend ia a ser
estrófica - a mesma melodia se
repetia nas estrofes do po ema - , a
música se envo lvia co m o texto
apenas captando o c lima geral e o
aco mpanhamento ao teclado era
com frequência previsível,
funcional e sem expressão . Hayd n e
Beethoven foram apresentados à
forma quando encarregados de
criar arranjos para músicas
folclóricas, ao passo que as cançõ es
de Mozart, que reservou seus
trabalhos mais so fisticados co m
palavras à ópera, são de pequena
escala e alcance modesto . Compor
cançõ es era algo acessório , não
parte central d as ativ idades de
qualquer d esses compositores.
Piano e canção
Schubert cresceu num mundo de
sensibilidade poética aumentada, de
ênfase na experiência subjetiva. O
potencial técnico e a disponibilidade
do piano, uma invenção um pouco
recente, tinham crescido. A s
apresentações domésticas estavam
em alta, em especial em Viena, cuja
classe média, refreada de muitos
modos pelo controle de uma
sociedade estrita, buscava saídas
As canções artísticas, ou Lieder, de
Schubert eram em geral tocadas em
casas de amigos. Os concertos públicos
de larga escala eram basicamente
reservados a grandes obras orquestrais.
ROMANTISMO 1810-1920 153
Ver também: Sinfonia fantástica 162-163 • Sinfonia n° 1, Schumann 166-169 •
Sinfonia Fausto 176-177 • A ssim falou Zaiatustia 192-193
éé
M i n h a s c o m p o s i ç õ e s b r o tam
d e m i n h a s tr i s te z as . A s q u e
d ão ao m u n d o o m ai o r d ele ite
n a s c e r a m d e m e u s m a i s
p ro f u nd o s p e sare s .
Franz Schub ert
pessoais para os impulsos artísticos.
Essa forma amadora de fazer música,
longe das cortes e sociedades de
concertos formais, alcançava novos
níveis de sofisticação.
Em sua v id a breve, Schubert
compôs cerca de seiscentas
cançõ es. A s primeiras publicadas,
Erlkònig e Gretchen am Spinnrade
(Margarida e a roca), escritas aos
dezessete anos, aind a são as mais
populares. A rranjad as sobre textos
de Jo hann Wolfgang von Goethe,
traz iam u m novo tipo de canção :
ambas eram "não estró ficas" (sem
estrofes estritamente repetidas) e
apresentavam poderosos d ramas
em miniatura que progrediam de
modo inexorável para u m clímax.
Erlkònig inclui uma voz de
narrador além d as do pai, seu filho
e do Erlking do titulo - criatura
malevolente semelhante a u m
duende que v ive na floresta escura
da imaginação romântica.
Margarida, por sua vez, é a heroína
trágica d a obra-prima de Goethe,
Fausto. Em 1816, Schubert compôs
Der Wanderer, uma de muitas
cançõ es que fo caliza outra figura
fundamental do Ro mantismo
alemão, cujo d ilema é sintetizado
no verso final d a canção : "Lá, onde
você não está, está a felicidade!".
Schubert também compôs
cançõ es que aderiam à
simplicidade popular e ao longo de
sua v id a curta mas intensamente
criativa alternou entre formas
complexas e mais d iretas. Sua
produção para voz é notável pela
variedade e riqueza da inspiração
melódica, mas o papel do
aco mpanhamento de piano
também se desenvo lveu muito nas
mão s de Schubert. De simples
apoio direto passo u à inclusão de
reflexões so fisticadas e reaçõ es ao
conteúdo do poema acompanhado .
Ciclos de canções
A variedade d a arte de Schubert é
evidente em seu primeiro ciclo de
cançõ es, Die schóne Múllerin (A
bela moleira), publicado em 1824.
Para as v inte cançõ es do ciclo ,
Schubert esco lheu poemas de uma
co letânea de Wilhelm Muller, poeta
contemporâneo cujos versos ele
também usaria em Winterreise
(Jornada de inverno), seu segundo
ciclo de cançõ es, três anos depois.
Die schóne Múllerin segue
vagamente a história d a paixão de
u m jovem empregado de moinho
pela bela filha do patrão, de sua
o bsessão inic ial e do ciúme até
resignar-se - como os o uvintes são
levados a supor - ao suicídio .
A narrativa flui em grande parte
por sugestões, com os poemas
oferecendo instantâneos, em geral na
voz do próprio empregado do moinho.
Juntas as cançõ es condensam
muitos dos temas fundamentais da
poesia romântica, em especial a
solidão do forasteiro e a busca, em
face da rejeição, de consolo na
natureza. Essas ideias seriam »
Fran z S chub ert
Nascido num distrito pobre de
Viena em 1797, Schubert era
filho de um conhecido professor
escolar e de música que lhe
ensinou piano e violino. Compôs
desde cedo e logo foi favorecido
por importantes figuras de
Viena, como Antonio Salieri.
Apesar disso, não alcançou o
sucesso com composições
" públicas" de larga escala.
Schubert conseguiu uma vida
respeitável com obras
destinadas ao mercado amador,
como composições e canções
para piano. Embora algumas de
suas peças de câmara tenham
sido executadas em público,
muitas de suas melhores obras
- sonatas para piano e
sinfonias, entre elas - só foram
redescobertas anos após sua
morte em 1828, aos 31 anos.
Isso levou a uma reavaliação
que consolidou sua reputação
como mestre da composição
de música instrumental além
de canções.
Outras obras importantes
1822 Sinfonia em si menor
("Inacabada"), D759
1822 M issa ns 2 em sol maior,
D167
1828 Quinteto de cordas em dó,
D956
154 LIEDER E CICLOS DE CANÇÕES
Lied e cicl os de can çõ e s
Escri tos p ara voz e pi ano p ara e xe cu ção e m l ares e sal as de
concertos, às vezes co mo u m cicl o de três ou mai s can çõ e s
l i gadas por u m a hi stóri a ou tema.
A p res entam três f ormas pri nci pai s
T T
Estrófica:
todas as estrofes são
cantadas com a mesma
música, como em Der Fischere Heidenròslein. de Schubert.
Estrófica modificada:
a música mud a em algumas
estrofes, como em Der
Lindenbaum. de Winterreise.
de Schubert.
Não estrófica:
cad a estrofe tem música
diferente que se ajusta às
palavras. Erlkònig, de
Schubert, é não estrófica.
exploradas com força ainda maior em
Winterreise, em que os poemas
acompanham o caminho do viajante
abandonado e solitário por uma
sombria paisagem invernal. A s
cançõ es da Schwanengesang (Canto
do cisne), publicadas juntas após a
morte de Schubert mas nunca
concebidas como um ciclo, levam o
género além e, com seu poder
expressionista, podem ser chocantes.
Só para o público
A s cançõ es de Die schóne Múllerin,
como tantas de Schubert
d ifund idas em sua v id a, foram
concebidas basicamente para
apresentaçõ es privadas, como as
que ele fazia aos amigos, as
Schubertíadas, não sendo de início
publicadas juntas como u m ciclo . A
primeira execução pública do ciclo
como um todo só ocorreu em 1856.
Co m a aproximação do século xx o
Lied foi se tornando uma forma
cad a vez mais pública, embora
muitos compositores aind a o
usassem em algumas de suas obras
mais pesso ais.
Veículo romântico
A influência de Schubert, em
termos de evolução futura do Lied,
é difícil de superestimar. Um a
ativ idade que tinha sido periférica
para compositores anteriores
tornou-se algo central para vários
dos que v ieram depois dele. A
mistura única de música e po esia
desse género se provou
especialmente atrativa para os
românticos. Ciclo s de cançõ es
subsequentes muitas vezes
representaram tentativas de
co nstruir sobre o legado de
Schubert.
Schubert musicou vários poemas
de Goethe, entre eles a obra trágica de
1778 An den Mond (À lua). Este
manuscrito de Schubert data de
1815.
ROMANTISMO 1810-1920 155
C an ção ro m ân ti ca f rancesa
A história d a canção artística na
França foi muito inf luenciad a
pelo ambiente cultural de Paris,
onde a canção - mélodie ou
chanson - , d estinad a em geral à
execução em salõ es privad o s,
existia à so mbra d a ópera. A
canção francesa enfrentav a u m
pro blema a mais: os ritmo s e
ênfases irregulares d a língua
to rnav am difícil musicar
p alav ras co m naturalid ad e.
A p esar d isso , o género se
to rno u mais ambicio so e
so fisticado na França por vo lta
do fim do século xix, a partir de
| obras de compositores como
Hecto r Berlio z - suas Le s Nuits
d'eté (No ites de verão , 1841),
arranjos p ara seis po emas de
Théo phile Gauthier, estão entre
as p rimeiras cançõ es p ara voz e
o rquestra no repertório , embo ra
tenham sido co mpo stas de início
p ara aco mpanhamento de piano .
A p esar de influenciado pelo
compositor alemão Ric hard
Wagner, u m ramo ap enas
francês de cançõ es artísticas se
d esenvo lveu depo is p elas mão s
de Gabriel Fauré, Claud e
Debussy e Franc is Po ulenc.
Robert Schumann foi muito
influenciado por Schubert. Seus
próprios ciclo s de cançõ es, muito s
dos quais compostos num surto de
inspiração em 1840, quando se
caso u co m a p ianista e
compositora Clara Wieck, tendem
a ser de menor escala, o ferecendo
uma série de impressõ es po éticas
ou, no caso de Frauenliebe und
Leben (A mo r e v id a de uma
mulher), o amplo retrato de u m a
relação . Schumann escreveu
muito s prelúdios curto s para piano
a fim de criar o cenário de suas
cançõ es, além de poslúdios para
éé
Não há canção de Schubert a
partir da qual não se possa
aprender algo.
Johannes Brahms
f f
recapitular o c lima. Embo ra
Jo hannes Brahms tenha escrito
do is ciclo s de cançõ es, tanto ele
quanto o austríaco Hugo Wolf se
co ncentraram em agrupá-las em
conjuntos adequado s à publicação ,
o que não imp lica que d ev iam ser
necessariamente to cadas juntas.
Wolf, em especial, foi notável por
compor quase que apenas Lieder.
Em suas obras, co nseguiu
incorporar a co mplexidade
harmó nica w ag neriana e a
intuição psico lógica em escala
mais íntima.
Legado de canções
A influência de Schubert em
âmbito maior também foi enorme, e
o desejo de levar a canção a um
plano artístico mais alto co incid iu,
na segund a metade do século xix,
co m tentativas de afirmar e definir
a nacionalidade, no mundo falante
do alemão e fora dele. A s cançõ es de
compositores como A nto nin Dvorák
Hugo Wolf escreveu centenas de
canções artísticas, em geral com temas
românticos e pessoais, como mostra este
cartão-postal com uma canção de seu
Caderno de canções espanholas, de 1891.
e Modest Mússorgski muitas vezes
têm coloração nacio nalista.
N a v irad a p ara o século xx,
Gustav Mahler firmou o género na
esfera pública, em esp ec ial
porque foi u m dos primeiro s
composito res, como Richard
Strauss, a o rquestrar as próprias
cançõ es. Várias d as cançõ es de
Mahler abriram caminho para
suas p rimeiras sinfo nias, tanto
co mpletas como retrabalhad as
co mo mo v imento s instrumentais.
Strauss, por sua vez , co mpô s
cançõ es ao longo de to da a v id a e
escrev eu sua o bra-prima de
d esp ed id a, As quatro últimas
canções, p ara voz soprano e
o rquestra, em 1948.
A arte d a canção também
floresceu na França, Grã-Bretanha
e Estad o s Unid o s, em esp ec ial no
século xx, co m co mpo sito res
como Ralp h Vaug han W ill iams,
Gerald Finz i , Charles Ives e
Benjamin Britten, que, como
ó timo p ianista, se esp ec ializ o u
em executar os ciclo s de cançõ es
de Schubert. •
A MÚSICA É COMO UM
UM QUE NÂO
CONSIGO OUVIR
QUARTETO DE CORDAS Nõ 14 EM DÓ
SUSTENIDO MENOR, OP. 131 (1826),
LUDWIG VAN BEETHOVEN
158 PROTORROMANTISMO
E M C O N T E X T O
FO C O
Protorromantismo
A N T E S
1781 Hay d n, o inventor do
quarteto de cordas, p ublica os
quarteto s op. 33.
1782-1785 Mo zart escreve
seis quarteto s, que d ed ica ao
compositor Jo sep h Hay d n.
1824 Franz Schubert escreve o
Quarteto de co rdas n s 14,
co nhecido como "A Mo rte e a
Donzela".
D EPO IS
1827-1829 Felix Mend elsso hn
co mp õ e os quarteto s de co rdas
op. 12 e op. 13. O quarteto op.
13, em especial, faz eco às op.
95 e op. 132 de Beetho ven.
1828 O último desejo de
Schubert no leito de morte é
o uvir o quarteto op. 131 de
Beetho ven.
1873 Jo hannes Brahm s
p ublica o Quarteto de co rdas
n° 1 em dó menor e o Quarteto
de co rdas n 2 2 em lá menor,
co nstituind o a op. 51. Eles
fo ram sua v igésima tentativa
de escrever quarteto s.
1934 Michael Tip p ett co mp õ e
o primeiro de seus c inco
quarteto s, todos insp irad o s por
obras esp ecíf icas de
Beetho ven.
A música de Beetho ven se d iv ide em três períodos estilísticos: o inic ial (até
1802), o médio (1803-1813) e o final
(1817-1827). Ele nasceu em 1770, e
aos 27 anos tinha escrito grande
variedade de obras. Em boa parte
desse período, porém, evitou o
território dominado por Hay d n e
Mozart - o quarteto de cordas. Só
no fim dos anos 1790, quando não
era mais comparado a Mozart,
compôs seus seis primeiros
quartetos, a op. 18. A obra mostra
tal energia e maestria técnica que,
se ele tivesse morrido então, aind a
seria colocado entre os maiores
compositores mund iais. A sombra
de Mozart se mescla ao espírito de
Hayd n ao longo dos cinco primeiros
quartetos, mas no sexto Beethoven
plantou as sementes de sua obra
futura.
éé
Nenhum compositor antes de
Beethoven desprezou as
capacidades tanto dos
instrumentistas quanto do
público com tal crueza.
Charl es Rosen
f f
A crescente surdez a partir dos trinta
anos levou Beethoven a encomendar a
Johann Nepomuk Maelzel, inventor do
metrônomo, aparelhos de audição, entre
eles esta "corneta acústica".
O período médio de Beethoven
inclui a "Fase Heróica" de 1803-1808,
em que escreveu a Sinfonia "Ero ica"
para e sobre Napoleão Bonaparte. Foi
uma época de energia e
compromisso real de Beethoven com
suas crenças humanistas e políticas.
Muitos d izem que esse período se
iniciou na esteira do "Testamento
Heiligenstadt" de 1802 -uma carta
que escreveu aos dois irmãos
descrevendo o desespero com a
grande perda de audição. Só a
música, Beethoven escreveu,
impedia que se suicidasse. O
concerto para violino de Beethoven
(op. 61) é um exemplo notável do
produtivo período médio, em que ele
começou a se afastar das convenções
clássicas - desenvolvendo um estilo
individual mais ousado e produzindo
muitas de suas composições mais
famosas. O início da música
romântica pode ser identificado nos
movimentos lentos dos quartetos
médios de Beethoven. Esses cinco
quartetos expandiram os limites da
forma, primeiro ampliando sua
duração, na op. 59 e na op. 74, e
depois comprimindo-a no conciso
Quartetto seríoso, op. 95. Nos cinco,
os quatro instrumentistas se tornam
solistas, cada um com passagens
virtuosísticas d ignas de um concerto,
ROMANTISMO 1810-1920 159
Ver também: Quarteto de cordas em dó maior, op. 54, Haydn 122-127 • Sinfonia "Eroica" 138-141 • Sinfonia n 2 1, Brahms
188-189 • Pierrot lunaire 240-245 • Sinfonia n= 5 em ré menor, Chostakóvitch 274-279
enquanto a op. 74, o quarteto "Harpa",
tem movimentos tanto no modo
heróico quanto no clássico.
O período f inal
Entre 1813 e 1816, Beethoven v iveu
grandes problemas emocionais, de
dificuldades financeiras à batalha
pela custódia do sobrinho. Sua
produção declinou, e as obras que
criou mostram-no lutando para
desenvolver ainda mais seu estilo.
A pesar disso , ele emergiu desses
anos de aperfeiçoamento com uma
habilidade incomparável de imaginar
melodias, formas e harmonias que
seriam úteis no período final. A
indiferença de Beethoven com as
convenções sociais da época e sua
crença apaixonada nas próprias
ideias criaram um conjunto único de
circunstâncias que levariam à
composição de seus cinco quartetos
finais. Ele estava decidido a expandir
os limites da composição; tendo
ampliado com sucesso a duração e
desenvolvido a estrutura das formas
convencionais em concertos,
sinfonias, sonatas e obras de câmara,
estava pronto para experimentar
mais. A op. 131 (1826) é o mais
V ari açõ es sobre u m te m a no q uarto mo v i mento
Violino 1
à 3=£
Violino 2 Violino 2
O tema é tocado
primeiro num
diálogo entre o
primeiro e o
segundo violinos.
Na primeira
variação, o tema
é tocado pelo
mais grave dos
três instrumentos.
Violoncelo
Na segunda
variação, o tempo
é mais rápido e a
melodia alterna
entre as frases
agudas do
primeiro violino e
as graves do
violoncelo.
A s variaçõ es seguintes partilham o tema em
desenvolvimento entre os diversos instrumentos,
com tempos musicais variados.
heterodoxo dos cinco quartetos finais
de Beethoven, todos escritos em
1825-1826. Seus sete movimentos,
que vão de catorze minutos a menos
de um, totalizando cerca de quarenta
minutos e tocados sem intervalo, têm
sequência não convencional e à
M ús i ca co mo au to e xp re s s ão
O mund o cultural e literário d a
A le m anha e dos pequeno s
Estad o s ao redor na épo ca em
que Beetho v en nasceu foi muito
influenciad o pelo mo v imento
Sturm und Drang (Temp estad e e
ímpeto ). Lid erad o pelo po eta e
filósofo Jo hann Go ttfried v o n
Herder, ele foi ampliad o por
escrito res e artistas como
Jo hann Wo lfgang v o n Go ethe e
Fried rich Schiller. O mo v imento
enfatizav a as identidades,
língua e artes nacio nais,
v alo riz av a muito a liberd ad e
p esso al e a resistência heró ica a
opressores e defend ia u m a
síntese d as id eias i luministas,
c lássicas e ro mânticas.
Co mo a literatura e a arte, o
mund o music al co meço u a
refletir esses id eais, d and o -lhes
exp ressão em sinfo nias e
música v o cal , e o próprio
Beetho v en musico u mais tard e
o p o ema de Schiller " A n d ie
Freud e" (Ode à alegria) em su a
N o na sinfo nia.
época parecia improvável que fossem
reconhecidos como uma grande obra.
Quartetos convencionais seguem a
fórmula de quatro movimentos:
iniciam com um allegro na forma-
-sonata, na tónica; ficam mais lentos
no segundo movimento; usam um
minueto e trio como terceiro
movimento e terminam em forma
rondó. Na op. 131, porém, o primeiro
movimento - uma sombria e
alongada fuga (peça em que a
melodia é estritamente imitada pelas
outras vozes) - é seguido por uma
dança muito curta no segundo
movimento. O terceiro movimento (só
onze compassos) conclui com um
solo floreado que lembra um período
musical anterior, enquanto o quarto
traz um tema poderoso e variações.
O quinto movimento apresenta um
longo scherzo (uma dança rápida).
Um sexto movimento em adágio
(lento) curto (28 compassos) leva a »
160 PR0T0RR0MANTISM0
D i f erenças entre o quarteto cl áss i co
e a op. 131 de Beethoven
I Quarteto clássico típico
I 1 1 1 1 1 1 1
1 2 3 4 5 6
MOVIMENTOS
Os quartetos clássicos em geral tinham quatro movimentos. Após
Beethoven, alguns quartetos românticos tinham mais (ou menos)
movimentos e abandonaram o padrão usual de desenvolvimento.
um sétimo movimento intenso e
enérgico, do tipo que em geral é
colocado primeiro em obras mais
convencionais. Construir uma
estrutura com bases tão pouco
convencionais foi um desafio que
Beethoven se propôs. A lguns
consideram a op. 131 a maior
composição de Beethoven; ela
consolidou seu grande legado e
garantiu louvores a seus quartetos
finais.
éé
[Os quartetos de Beethoven]
se destacam [...] na fronteira
extrema de tudo o que até ali
fora alcançado pela
imaginação e arte humanas.
Robert S ch u m an n
f f
V ariações naturais
Um bom exemplo do engenho
estrutural de Beethoven pode ser
visto no manuseio do tema e
variações no quarto movimento (que
se baseia em técnicas desenvolvidas
em suas variações Diabelli, op. 120).
Um problema tradicional dos
compositores com essa forma era
como criar uma impressão de
continuidade natural em vez da
repetição banal de u m tema. A
abordagem de Beethoven é permitir
a evolução constante da música,
desde o próprio início do tema. Ele
co meça no topo da textura, com u m
diálogo entre o primeiro e o segundo
violinos que é duplicado então em
décimas, antes de descer rumo ao
meio da textura. Quando a primeira
variação co meça com o tema nas
três cordas mais baixas, parece uma
continuação natural desse
desenvolvimento, mas no fim dessa
variação o tema sofreu várias
transformações de ritmo e textura.
A segunda variação co meça como
uma dança suave em que frases de
co lcheias melódicas p assam de um
instrumento a outro, acompanhadas
por acordes separados, mas,
conforme a variação avança, as
co lcheias circulantes avultam,
encaminhando para um clímax com
todos os quatro instrumentos
tocando em o itavas - um mundo
sonoro totalmente diverso da
abertura da variação. A s variações
continuam, pontuadas por uma
dupla de floreios do primeiro vio lino
semelhante a uma cadenza,
lembrando o "arcaico" terceiro
movimento . O desenvolvimento
temático também ocorre em escala
grande. Como em muitas obras de
Beethoven (mais notavelmente a
Quinta sinfonia, de 1807-1808), o
quarteto co meça com u m motivo
curto de quatro notas, que também
ocupou Beethoven em seu quarteto
op. 132, embora os tons estejam
aqui numa ordem um pouco d iversa,
com efeito perturbador. Esse motivo
forma a primeira metade do tema da
fuga de abertura, que, por sua vez,
fornece muitas das ideias de
motivos das quais os outros
movimentos se desenvolvem.
Fi nal estimulante
O tom de m i maior do quinto
movimento é um irmão o timista da
triste tónica em dó sustenido menor
e, seguindo a convenção, um
scherzo despreocupado se alterna
com um trio contrastante. De modo
inco mum, porém, Beethoven não só
estende a forma A - B- A convencional
com mais uma repetição do trio e
scherzo (como faz em várias outras
obras), como termina com uma
repetição reduzida de cada tema.
Essa repetição lhe permite explorar
vários climas e técnicas, em
especial numa passagem tocada sul
ponticello (com o arco perto da
ponte do instrumento), criandou m
so m vítreo, delicado. Um poderoso
crescendo leva então a dois
conjuntos dos três acordes, cada u m
ROMANTISMO 1810-1920 161
seguido de um silêncio dramático,
anunciando o sexto movimento .
Nesse curto adagio, conduzido pela
vio la, o motivo de quatro notas do
primeiro movimento se transforma
pela negação do uso de sua quarta e
mais expressiva nota. Um
movimento ascendente o timista é
sempre repelido por uma resposta
triste, descendente. No sétimo
movimento , as ideias anteriores
chegam a uma conclusão musical
satisfatória. Conforme a música
avança, fragmentos do primeiro
movimento co meçam a emergir, até
que o motivo de quatro notas
reaparece. Após muitos sons
sombrios e ameaçadores, surge um
Uma estátua de Beethoven foi
erguida em 1880 na Beethovenplatz em
Viena, na Áustria. A s figuras sentadas
abaixo do compositor são representações
alegóricas de suas sinfonias.
dos temas mais românticos de
Beethoven, livre em seus saltos
expressivos compassados e
abrangentes. Depois que o tema
atinge o auge, aparece um
"fantasma", lembrando a melodia
ouvida no início da obra. Em seguida,
a música co meça a refletir o
esgo tamento físico dos
instrumentistas após quase quarenta
minutos de execução contínua. A
música se d issipa conforme o ritmo
fica mais lento, embora o final suave
esperado não aconteça. Num último
gesto desafiador, a energia dos
instrumentistas é reanimada,
impelindo ao final em três acordes
afirmativos.
Influência duradoura
Os últimos quartetos de Beethoven
- que co meçam e terminam com
estruturas de quatro movimentos (op.
127 e op. 135) mas experimentam
éé
To c ar u m a n o ta e rrad a n ão é
g rav e . T o c a r s e m p ai x ão é
ind esc u lp áv e l .
Lu d w i g v an Beethoven
f f
cinco , seis e sete movimentos (op.
130 a 132) - foram sua dádiva final
ao mundo antes de morrer em 1827.
Co m eles, Beetho ven transformou o
quarteto de cordas - influenciando
Schumann, Mendelssohn, Brahms,
Bartók, Schoenberg, Chostakóvitch
e Tippett - e se tornou mentor v ital
e inspiração de todos os que
v ieram depois. •
E M C O N T E X T O
FO C O
A sinf onia programáti ca
A N T E S
1808 Beetho ven estreia a
Sexta sinfo nia, a "Pastoral",
que o compositor insiste ser
"mais expressão de sentimento
que representação de u m
texto".
1824 A No na sinfo nia de
Beetho ven termina co m u m
arranjo coral de u m texto
tirado d a "Ode à alegria", do
poeta alemão Fried rich
Schiller.
D EPO IS
1848-1849 Lisz t co mp õ e C e
qu'on Entend surla Montagne,
o p rimeiro p o ema sinfónico ,
basead o n u m p o ema de Victo r
Hugo .
1857 Primeira apresentação
d a Sinfonia Fausto, de Lisz t,
d ed icad a a Berlioz.
A INSTRUMENTAÇÃO
É 0 QUE CONDUZ
A MARCHA
SINFONIA FANTÁSTICA (1830),
HECTOR BERLIOZ
A o longo de sua carreira, o compositor francês Hector Berlioz explorou o formato
da sinfo nia programática - uma
obra que evoca estados de ânimo
influenciados por temas externos à
música, como a literatura ou a arte.
Fo i a Sinfonia fantástica, porém,
composta cedo em sua carreira,
que se provou sua obra de maior
sucesso e mais duradoura no
género.
A inspiração de Berlioz
Em 1827, estudante de música de
23 anos, Berlioz foi ver Romeu e
é é
Ninguém que ouça essa
sinfonia aqui em Paris, tocada
pela orquestra de Berlioz, pode
deixar de crer que está
ouvindo uma maravilha
sem precedente.
Ri chard W agner
f f
Julieta, de Shakespeare, em Paris.
A atriz irlandesa Harriet Smithso n
fazia Julieta. Fo i um encontro
decisivo , po is Berlioz se apaixonou
por Harriet e gastaria muito de sua
energia nos anos seguintes
perseguindo -a.
Durante o curso d essa o bsessão ,
sentiu-se compelido a escrever uma
obra que descrevesse sua grande
paixão e as alegrias e tristezas
decorrentes. Ele desejava que o
lançamento deslanchasse sua
carreira co m u m golpe ousado e ao
mesmo tempo deslumbrasse
Harriet. Na estreia da peça,
Sinfonia fantástica, em 5 de
dezembro de 1830 no Conservatório
de Paris, foi fornecida uma sinopse
impressa do "enredo".
A mor e morte
O título denota uma sinfonia d a
imaginação ; já o subtítulo -
Episódio na vida de um artista -
ind ica um elemento autobiográfico
na obra, embora seu programa
descritivo (que Berlioz forneceu ao
público) se concentrasse mais na
fantasia que na realidade. No
primeiro movimento , u m jovem
músico descobre o amor na forma
de uma bela mulher desco nhecida.
A imagem dela (representada numa
ROMANTISMO 1810-1920 163
Ver também: As quatro estações 92-97 • Sinfonia Fausto 176-177 • O ciclo do anel
180-187 • Assim falou Zaratustra 192-193 • Das Lied von der Erde 198-201
melodia recorrente que Berlioz
chamo u de idée fíxe) se impõe à
visão do jovem aonde quer que ele
vá, como num baile ou até no
campo, onde o som de trovão
parece simbo lizar seu estado de
espírito sombrio .
Decid ido a envenenar-se co m
ópio, ele descobre que a dose
apenas lhe induz pesadelos. No
primeiro deles, se imag ina
condenado à morte por ter matado
sua amad a: no fim d a Marcha para
o cadafalso ele é executado . No
Hector Berlioz rege uma orquestra
ensurdecedora num cartum publicado
no jornal francês Lillustration em 1845.
Atrás dele, membros do público tapam
os ouvidos.
segundo pesadelo , so nha estar
num sabá de bruxas e vê sua
amad a se juntar ao terrivel
espetáculo .
Influência duradoura
Outros compositores imitaram a
co mbinação de música e narrativa
de Berlioz, em especial Franz Lisz t
na Sinfonia Fausto e nos doze
poemas sinfónicos (peças de um
movimento e género programático),
entre eles Mazeppa e Hamlet.
Embo ra alguns importantes
compositores, como Bruckner e
Brahms, ev itassem a forma, outros,
como Tchaikóvski, César Franck,
Elgar e Richard Strauss, exploraram
à exaustão e de modo inventivo
suas possibilidades. •
Hector Berl ioz
Filho de um médico, Berlioz
nasceu em La Côte-St-André,
no sudeste francês, em 1803.
Começou a estudar música aos
doze anos e, aos dezessete, se
mudou para Paris para estudar
no Conservatório.
Em 1833, em sua quinta
tentativa, ganhou o Prix de
Rome (uma bolsa prestigiosa).
Já produzira então a Sinfonia
fantástica para impressionar a
atriz Harriet Smithson, com
quem depois se casou. Em
Paris, teve sucesso limitado
como compositor, e por isso
trabalhou também como
jornalista. A partir de 1842
viajou ao exterior, encontrando
público mais receptivo na
Rússia, Inglaterra e Alemanha.
Ele desejava o sucesso na casa
de ópera, mas sua ópera
Benvenuto Cellini (1838)
fracassou e a obra-prima Les
Troyens (1858) só teve uma
encenação parcial em sua vida.
Sofrendo de doença de Crohn e
depressão, morreu em 1869.
Outras obras importantes
1837 Grande Messe des Morts
(Réquiem)
1839 Roméo et Juliette
1856-1858 Les Troyens
E M C O N T E X T O
FO C O
M úsica para piano solo
A N T E S
1812 Jo hn Field , compositor
irlandês que v i v i a em São
Petersburgo , p ublica a
p rimeira p eça ro mântica p ara
p iano chamad a "noturno".
1833 E m Paris, os No turno s de
Cho p in, op. 9, são seus
primeiro s no turnos publicado s.
1834-1835 Robert Schumann
co mpõ e Carnaval, co letânea
co m 21 mo vimento s para piano,
u m deles chamad o Chopin.
D EPO IS
1892-1893 Brahm s p ublica
quatro co letâneas de p equenas
p eç as p ara piano , entre elas
intermezzi. fantasias e
capricho s.
1910-1913 Debussy , que
d escrev ia Cho p in como "o
maior dentre nós todos",
co mp õ e os do is livro s de
Prelúdios.
A SIMPLICIDADE
É A CONQUISTA
DEFINITIVA
PRELÚDIOS (1839), FRÉDÉRIC CHOPIN
C hopin foi u m dos maiores compositores do Ro mantismo inicial, mas
em certos aspecto s era atípico da
era que veio a representar. À
diferença dos co legas Robert
Schumann e Franz Lisz t, ele se
interessava pouco por usar a
música para expressar narrativas
insp iradas na arte e na literatura
românticas ou por criar obras
grandiosas co m orquestrasenormes à maneira de Hector
Berlioz. Em vez d isso , Cho pin
aperfeiçoou sua arte em espaço s
circunscrito s, tendendo à brevidade
e à evocação de estados de espírito .
To d as as suas co mpo siçõ es
incluem piano e a v asta maio ria é
só para piano, mas dentro d essa
área definida co m precisão o
alcance de seu pensamento
musical é imenso .
Suas obras têm intensid ad e de
melo d ia, harmo nia e exp ressão
sem paralelo . Co mpo ndo num
Chopin toca para o príncipe Radziwill
em uma viagem a Berlim em 1829. No
mesmo ano, compõe a Polonaise
brillante para o príncipe (violoncelista) e
sua filha (pianista) praticarem.
ROMANTISMO 1810-1920 165
Ver também: Pièces de clavecin 82-83 - Die schóne Múllerin 150-155 -Prélude
à Vaprès-midi d'un faune 228-231 • Concerto para piano para a mão esquerda.
Ravel 266-267
Prel údio, noturno e
estudo
Prelúdio
Curto movimento
introdutório que em
geral precede uma
peça maior.
Noturno
Composição expressiva
e tranquila inspirada na
noite, sem forma
determinada.
Estudo
Peça destinada à
prática, para
aperfeiçoar
habilidades musicais.
estilo que p arec ia representar a
alma do próprio instrumento ,
Cho p in teve pro fundo efeito na
técnica p ianística e ajudou a
co locar o instrumento na
v ang uard a d a música do século
xix. Preferindo a miniatura à larga
escala, co mpô s três so natas p ara
p iano de quatro mo v imento s e
muitas p eças curtas "de caráter",
em esp ec ial prelúdios, no turnos,
estud o s e d anças, como
maz urcas, polonaises e v alsas.
 ni mo e estilo
Entre 1835 e 1839, Cho p in co mpô s
u m conjunto de 24 prelúdios - u m
em cad a to m maior e menor -
tendo os Prelúdios de J. S. Bac h
do Cravo bem temperado (1722)
como modelo . Para Cho p in o
prelúdio era em essênc ia u m a
fo rma abstrata, embo ra os títulos
dados por ed ito res a alg umas de
suas p eças ind iquem influências
esp ecíf icas. O prelúdio "Go ta
d'Água", por exemplo , recebeu seu
apelido do (inverídico ) relato d a
I ro mancista francesa Geo rge Sand
de chuv a incessante em
Valld emo ssa, na i lha de Maio rca,
onde ela e Cho p in, então seu
amante, p assaram o inverno de
1838-1839.
D ança polonesa
O interesse de Cho p in por d ança
rend ia em parte ho menagem a
sua o rigem po lonesa. A polonaise
(po lonesa, em francês) foi usad a
por muito s co mpo sito res na
Euro p a e Cho p in co mpô s mais de
doze, a p rimeira já aos sete ano s.
Co mo a polonaise, a maz urc a era
uma fo rma de d ança trad icio nal à
qual Cho p in vo ltou não meno s de
c inquenta vezes.
Cho p in uso u a fo rma de d ança
d a v alsa em esp ec ial p ara música
de salão ligeira. A c hamad a
"Valsa do minuto " e a V alsa em m i
bemol, op. 18 (Grande Valse
brillante) são p eças rápidas. Em
co ntraste co m as v alsas v isto sas,
os v inte no turno s de Cho p in são
na maio ria íntimo s e de espírito
introvertido , lentos e so nhado res,
como os títulos ind ic am. Os
no turno s estão entre as obras solo
mais po pulares já escritas p ara
piano . O termo "no turno " e seu
estilo fo ram u m a invenção do
célebre p ianista e co mpo sito r
irlandês Jo hn Field , cuja obra
Cho p in ad mirav a.
Co mo Field , Cho p in foi u m
p ianista v irtuo se e seu interesse
na exp ansão d a técnica do p iano
é demo nstrado nos 27 études
(estudos), que co meço u a escrever
na juventud e. N essas p eças,
co nseg uiu unir av anço s técnico s
a grande qualid ad e exp ressiv a e
musical . Elas co ntinuam a ser u m
desafio e u m a alegria p ara
p ianistas d esd e então . •
Fréd éri c C h o p i n
Nascid o perto de Varsóvia em
1810, Cho p in estud o u p iano na
cap ital po lo nesa e to cav a em
soirées musicais em suas
maio res casas. Visito u Paris
aos v inte ano s e fixou-se ali,
v ivend o de d ar aulas, publicar
música e apresentar-se em
salõ es. Não go stav a de
concertos e to co u em poucos,
mas sua influência foi enorme,
basead a em obras que
p erf i lhav am a música fo lclórica
de sua terra natal, além de
o utras fo rmas mais co nceituais
que elev aram a técnica do
p iano a no v o s nív eis.
Co mpo ndo de início nu m estilo
que favo recia o v irtuo sismo na
trad ição de músico s como
Jo hann Nepo muk Hummel,
Fried rich Kalkbrenner e Carl
M aria v o n Weber, abso rv eu
mais tard e em suas texturas
de p iano a influência de Bach.
Sua relação p esso al mais
d urad o ura, co m a ro mancista
Geo rge Sand , termino u em
1847. Mo rreu de tuberculo se
do is ano s depo is em Paris.
Outras obras importantes
1830 Co ncerto p ara p iano n a 1
1835 Ballade n° 1 em so l menor
1844 So nata n° 3 em si menor
1846 Barcarolle em fá
sustenid o
166
MINHAS SINFONIAS
TERIAM CHEGADO AO
OPUS 100 SE EU AS
TIVESSE ESCRITO
SINFONIA N° 1, A SINFONIA "PRIMAVERA" (1841),
ROBERT SCHUMANN
E M C O N T E X T O
FO C O
A sinf onia romântica
A N T E S
1824 Primeira execução d a
Sinfo nia n" 9 de Beetho ven em
Viena.
1838 Sc hu m ann "descobre" a
"Grand e" Sinfo nia em dó maior
de Schubert, em Viena.
D EPO IS
1876 Estreia d a Sinfo nia n 2 1
de Brahms, chamad a por H ans
v o n Bulo w de "Décima de
Beethoven".
1889 A Sinfo nia n 2 1 de
Mahler estreia em Bud apeste.
El a marca o início de u m ciclo
que redefine a fo rma d a
sinfo nia.
N o final da era clássica, a Nona sinfo nia de Beethoven, co m sua
mensagem revolucionária, a
inclusão de coro e so listas e muitos
traços musicais narrativos, ofereceu
uma visão nova e ousada do que
podia ser uma sinfo nia. Muito s
outros compositores românticos,
como Cho pin e Wagner, sentiam
porém que Beethoven elevara tanto
essa forma que não po deriam
desenvolvê-la mais e se vo ltaram
para outros géneros. Isso levou à
escassez de escrita sinfónica até a
segund a metade do século xix.
A pesar d isso , as sinfo nias
produzidas pelos compositores
românticos de maior sucesso estão
entre as maiores músicas escritas
no século xix. Elas incluem a
Sinfonia fantástica, de Hector
ROMANTISMO 1810-1920 167
Ver também: Sinfonia "Eroica" 138-141 • Die schóne Múllerin 150-155 • Sinfonia
fantástica 162-163 • Sinfonia Fausto 176-177
éé
N ão se p o d e c h e g ar a n a d a
c erto e m arte s e m e n tu s i as m o .
Robert S ch u m an n
t f
Berlioz, a Sinfonia Fausto, de Franz
Lisz t, e a Sinfo nia n 2 1 de Robert
Schumann, co nhecida como
Sinfonia "Primavera".
A influência de Schubert
Quando Beethoven escreveu a
última sinfonia, Schubert
trabalhava em suas obras maduras
do género . Em 1822, co meço u sua
Nona sinfo nia, hoje co nhecida
como "Grande sinfo nia em dó
maior", mas não chegou a
apresentá-la. Após sua morte, o
amigo Schumann a descobriu
numa v isita a Viena. Ele levou uma
cópia do manuscrito para Leipzig ,
onde Felix Mendelsso hn regeu sua
estreia em 1839.
Enquanto as obras de
Beetho ven se centravam num
argumento musical intenso e no
ímpeto interior, Schubert abordava
a forma como uma estrutura mais
suave e d iscursiv a, lembrando os
romances românticos da épo ca. A
Nona sinfo nia de Schubert usa tons
inesperados e não tradicionais,
gerando uma gama maior de
estados de ânimo. Lo nga para
então, a peça, co m cerca de 55
minutos, amplia muitos dos traços
trad icionais d a sinfonia, como a
introdução ao primeiro movimento
(quase uma sonata completa em si
mesma) e os numerosos elementos
temáticos do último.
A ssumindo a batuta
Foi ao ouvir a Nona sinfonia de
Schubert que Robert Schumann se
inspiro u a co meçar a trabalhar em
sua própria primeira sinfonia, em
1841. A té então, ele tinha sido mais
conhecido como compositor de
p eças para piano. Ev itand o em
geral obras de grande escala, ele
tinha se concentrado em co letâneas
ou ciclos de p eças menores,
consolidando a fama de
miniaturista. A ssim , escrever uma
sinfo nia era u m novo desafio para
ele. De modo notável, esbo ço u a
obra toda em apenas quatro d ias.
Cinco semanas depois, a p eça
totalmente orquestrada estreouem
Leipzig , sob regência de
Mendelssohn, co m boa recepção . »
A mulher de Schumann, Clara, era
filha de seu primeiro professor de
piano, Friedrich Wieck. Clara e seu
pai eram famosos pela habilidade ao
teclado.
Robert S ch u m an n
Nascido na cidade saxã de
Zwickau (hoje na Alemanha)
em 1810, Schumann começou
a compor ainda menino. Não
menos interessado em
literatura, escreveu vários
romances juvenis antes de ir a
Leipzig estudar direito. Deixou
a escola para ser pianista de
concertos, mas feriu a mão e
não pôde alcançar seu
objetivo. Então se concentrou
na composição e crítica
musical, tornando-se editor do
Novo Jornal de Música,
através do qual apresentou ao
mundo a música de Chopin e
Brahms. Suas originais obras
para piano, com frequência
inspiradas na literatura, logo
se popularizaram. Após
casar-se com Clara Wieck,
famosa pianista, começou a se
dedicar a outros géneros
musicais. Em seus últimos
anos foi afligido por uma
doença mental e morreu num
hospício em 1856.
Outras obras importantes
1838 Kreisleríana, op. 16
1840 Dichterliehe, op. 48
1845 Concerto para piano em
lá menor, op. 54
1850 Sinfonia n° 3, op. 97
168 A SINFONIA ROMÂNTICA
Inspirado no Iluminismo
e na Idade da Razão
Ênfase na elegância e na
estrutura
Era da sinfonia, d a
sonata instrumental e
do quarteto de cordas.
A música é em grande
parte privilégio da corte e
dos ricos.
U m a no v a era, u m a no v a estética
Cl assicismo Romanti smo
Inspirado na natureza, na
poesia e nos mitos
Ênfase na expressão
emocional
Surgem novos estilos
de melodia, harmonia
e ritmo
A udiências se expandem,
incluindo as classes
médias
Uma sinfonia romântica
O título de Sinfonia "Primavera" foi
tirado de u m po ema de Adolf
Bõttger finalizado co m os versos
"Oh, v ire e v ire e mude seu curso/
No vale, a primavera viceja", que
insp iraram a abertura d a sinfonia.
O poema trata de um apaixonado
melancó lico cuja dor aumenta co m
a chegada da primavera, mas
Schumann afirmava que o anseio
pela primavera em geral insp irara a
obra. N uma carta ao regente
W illiam Taubert em 1843, escreveu:
" Eu go staria que o primeiro toque
de trompete so asse como se v indo
de c ima e chamando a despertar.
[...] Seria possível sentir o mundo se
tornando verde; talvez (...) uma
borboleta flutuando". N a primeira
partitura d a sinfonia, Schumann
deu título a todos os movimentos:
"Início d a primavera", "Tarde",
"A legres companheiros de
brincadeiras" e "Plena primavera".
Porém removeu-os ao publicar a
sinfonia.
A fanfarra de abertura de
metais, co m seu intenso to m de
esperança, ev id encia que esta é
u m a sinfo nia do período
romântico . Cheia de co ntrastes e
surpresas, tem c limas rapidamente
cambiantes que d eixam os
o uv intes suspenso s. Ev itand o os
éé
Enviar luz à escuridão do
coração dos homens - tal é o
dever do artista.
Robert S ch u m an n
t f
argumento s musicais de
Beetho ven e a abo rdagem
d iscursiv a de Schubert, Schumann
acho u u m modo de d irig ir a
energia d a música através de
justapo sição e repetição ,
transmitind o ao mesmo tempo
emo çõ es sutis. Ele também se
esquiv a de usar as estruturas de
tom trad icio nais, de modo que o
segundo tema melódico está em
tom menor, acrescentando u m a
no ta de melanco lia.
O segundo mo vimento d a
sinfo nia várias vezes parece como
se tivesse sido escrito de início
para piano - u m a crítica feita co m
frequência às obras o rquestrais de
Schumann - , mas isso lhe dá uma
qualidade o rig inal quase
improvisatória que marco u o
afastamento d as estruturas
clássicas. Enquanto isso , ao
esco lher compor o terceiro
mo vimento como um scherzo e trio
ROMANTISMO 1810-1920 169
E u m e sinto tão e m m e u
e lem ento c o m u m a o rq u e stra
c o m p le ta; m e s m o s e m e u s
i n i m i g o s m o r ta i s e s t i v e s s e m
[...] d i an te d e m i m , e u p o d e r i a
lid erá- lo s, co ntro lá- lo s,
c erc á- lo s o u rec haç á- lo s .
Robert S ch u m an n
Schumann foi influenciado por
Beetho ven, que crio u essa
estrutura a partir do velho minueto
e trio , mas aqui, também, a
co mpo sição de Sc humann co ntém
mais ino vaçõ es: há dois trios em
vez do trio único usual, e eles têm
tempo musical d iferente. O último
mo vimento d a Sinfo nia
"Primav era" tem estrutura
trad icio nal, mas é cheio de u m
humor que parece antecipar
Tchaikóvski em seus momentos
mais leves. Perto do fim,
Schumann tem mais u m a surpresa
de reserv a - u m tema de sua p eça
para p iano Kreisleriana surge de
repente em forma u m pouco
alterada. Embo ra não se saiba por
que fez isso , tal auto citação não
era inco mum em Schumann.
N ova abordagem
Compositor quase to talmente
autod idata, Schumann trouxe
o riginalidade e frescor à sinfo nia
A cidade alemã de Leipzig tornou-se
o lar de Schumann em 1828. Ele compôs
muitas obras na casa que dividiu com a
mulher, Clara Wieck. Situada na
Inselstrasse 18, hoje é um museu.
que lhe v aleram considerável
aplauso . Co m títulos programáticos
e referências literárias, e também
co m os próprios sons que criou,
Schumann ajudou a definir o ethos
romântico inic ial .
A sinfo nia do Ro mantismo
inic ial atento u mais à
o rquestração que a sinfo nia
c lássica; ela uso u u m a paleta
maior de timbres o rquestrais e
co mbino u as forças instrumentais
de no vas maneiras. Instrumento s
que antes eram meno s po pulares
- como harp a, tuba e trombone,
além de vários de p ercussão -
também se to rnaram padrão .
Os compositores d a ép o ca mal
se co nsid eravam diferentes dos
clássico s anteriores, e estav am em
essência tentando trazer à v id a o
novo espírito "romântico " de
política revolucionária, usand o
meios bem trad icio nais. Porém,
conforme o mo vimento mais amplo
romântico ganho u ímpeto , alguns
compositores inovadores - como
Berlioz e Lisz t - testaram, nem
sempre co m sucesso , no vas
abordagens de harmo nia, ritmo e
estrutura. Fo i esse espírito de
experimentação que preparou o
caminho do Ro mantismo final. •
A f orma d á l ugar à
exp res s ão
A música co mpo sta pela
geração romântica buscav a
refletir a importância do
indivíduo. To mand o a d eixa em
parte de Beetho ven - cuja
No na sinfo nia rompera co m o
modelo - , os compositores
pro curavam criar música livre
de estruturas bem
estabelecidas como o minueto
e trio e o rondó, e desenvo lver
outros padrões, como a forma-
-sonata e a fuga. Suas
inovações d eram à música dos
compositores românticos u m
imediatismo que lhe permitiu
ser mais facilmente entend ida
pelo público de classe média,
em geral co m po uca fo rmação
musical mas desejoso de
usu f ru ir d ela co mo
entretenimento . No mesmo
espírito , as obras românticas
muitas vezes recebiam títulos
que ajud av am os o uvintes a
captar o c l ima e a história d a
música. A lg uns músicos, como
Berlioz e Lisz t, até fo rneciam
u m pro grama escrito p ara
exp licar à audiência a narrativ a
pretend ida d a música.
170
A ULTIMA NOTA
FOI AFOGADA
NUMA TORRENTE
DE APLAUSOS
£LMS(1846), FELIX MENDELSSOHN
E M C O N T E X T O
FO C O
M úsica coral sacra do
século xix
A N T E S
1741 Hándel co mp õ e o oratório
Messiah.
1829 Felix Mend elsso hn rege
A Paixão segundo São Mateus
de Bac h pela p rimeira v ez
desde a mo rte do compositor
em 1750.
D EPO IS
1857 O Festiv al Hándel no
Palácio de Cristal em Lo nd res
inc lui a execução de Messiah
co m u m coro de 2 mi l p esso as
e o rquestra de quinhentas,
criand o a v o ga de co rais muito
grandes na Inglaterra.
1900 Ed w ard Elgar co mp õ e
The Dream of Gerontius -
arranjo de u m p o ema de 1866
do card eal N e w m an - para o
Festiv al de Música de
Birming ham.
A música coral co meço u a perder popularidade no século xix. O período
clássico anunciara uma nova
filosofia que considerava que a
música mais pura era autónoma e
não se referia a nad a alémdela. A
música instrumental - em especial
a sinfo nia - se tornara o género
mais importante. Embo ra os
músicos de igreja mantiv essem a
tradição coral v iv a em certa
medida, eram cada vez mais
j amadores. Coros laicos co meçaram
a florescer, mas, como não se
tratava de artistas pro fissionais,
esse tipo de música perdia
prestígio , comparado a outros. Na
ausência de mercado para música
Ver também: Magnus líber organi 28-31 • Canticum Canticorum 46-51 •
Vésperas, Monteverdi 64-69 'A Paixão segundo São Mateus 98-105
ROMANTISMO 1810-1920 171
MIDLAND RAILWAY
CRYSTAL PALACE
Orand Ptr/ormance 0/ Uerulsltso\a's Oratório
Saturday, Jane 22
MADAME ALBANI
MB. EDWARD LLOYD
a n t h b b | 0 0 0 h É i B
aro, A U Q M T nuuma.
t IQaQd ~n1 TUlit nn iM l l— A d mlMaa to I*i1tntl in: •
coral sacra, hav ia também pouco
incentivo a que os compositores
escrevessem novas obras desse
tipo. Em resultado, a música coral
apresentada tend ia a se valer de
obras do passado .
A sede por oratórios
N a Inglaterra, apresentaçõ es
regulares de oratórios de Hándel no
fim do século xvm marcaram o
início de uma tendência que
continuou no século seguinte.
Entre as primeiras obras retomadas
após a morte do compositor, muitas
foram atualizadas para execuçõ es
mais grandiosas. Em eventos
musicais como o Festiv al dos Três
Coros (instituído pelas catedrais de
Hereford, Worcester e Gloucester),
os coros po d iam ter mais de mil
cantores - algo muito d istante das
intençõ es o riginais do compositor.
A Singakademie de Berlim foi
uma das primeiras sociedades
corais, co m amadores pagando
Oratórios, como Elias, eram
regularmente apresentados com enormes
coros e solistas que atraíam multidões no
Palácio de Cristal, em Londres e outros
lugares da Inglaterra, na era vitoriana.
uma soma regular para contratar
um regente profissional e custear
despesas de concerto . Ela começou
como uma iniciativa educacional
para senhoras ricas, incluiu homens
em 1791 e daí em d iante promoveu
concertos constantes. Fo i ali que o
jovem Felix Mendelssohn, cujo pai
pertencia ao coro, co nheceu as
obras de J. S. Bach e se inspiro u a
reger A Paixão segundo São
Mateus, que ajudou a causar a
retomada de Bach na A lemanha.
Outras sociedades corais se
espalharam pela Euro pa e A mérica,
e a publicação de música coral se
tornou uma ativ idade lucrativa, já
que alguns coros precisavam de
mais de trezentas cópias de uma
partitura para uma só
apresentação .
Fo i quase certamente ao assistir
a apresentações de oratórios de
Hàndel em Londres nos anos 1790
que Hay d n se inspiro u a criar uma
obra similar em estilo clássico . A
Criação, baseada no Génesis, foi
publicada em 1800, curio samente
em ed ição bilíngue, em alemão e
inglês - provavelmente porque
Hay d n estava de olho no mercado
britânico , em que tinha muito
sucesso . A Criação teve êxito
imediato , sendo executad a em todo
o Ocidente em v id a de Hayd n.
Mesmo tendo outras músicas
excluídas do repertório-padrão,
esse oratório permanecia uma das
obras preferidas em festivais e
sociedades corais.
Fo i nesse c lima cultural que
Mendelsso hn compôs o oratório »
Fel ix M end el s s o hn
N asc id o nu m a família ric a
jud ia alemã em 1809,
M end elsso hn fo i u m a
criança-pro d íg io . Não só se
d isting u ia ao p iano e v io lino ,
regend o e co mpo ndo , co mo
p intand o , esg rimind o e
cav alg and o . A o s v inte ano s,
reg eu u m a ap resentação de
A Paixão segundo São
Mateus - a p rimeira d esd e
a mo rte de Bac h.
Sua v isita à Ing laterra em
1829 foi bem recebida e lhe
causo u grand e impressão ,
resultand o em mais no ve
longas v iag ens e co nv ites ao
Palácio de Bucking ham. A lém
de compor e se apresentar,
Mend elsso hn regeu a
Orquestra Gew and hau s de
Leip z ig e fund o u o
Conservató rio de Leip z ig .
A pó s ficar doente, talvez
devido a muito trabalho e à
mo rte d a querid a irmã, so freu
u m a série de d errames e
mo rreu em 1847, aos 38 ano s.
Outras obras importantes
1826 A b ertura "So nho de u m a
noite de verão ", op. 21
1833 Sinfo nia n Q 4 em lá maior
("Italiana") , op. 90
1844 Co ncerto p ara v io lino em
m i menor, op. 64
172 MÚSICA CORAL SACRA DO SÉCULO XIX
São Paulo em 1836. Sua
apresentação subsequente (em
tradução inglesa) em Liverpoo l, na
Inglaterra, e depois nos Estad o s
Unido s lhe valeu a reputação de
compositor simpático à
possibilidade de amadores to carem
suas obras.
Mend elsso hn regeu São Paulo
no Festiv al Trienal de Música de
Birming ham em 1837 e seus
organizadores lhe p ed iram um
novo oratório em 1846, u m ano
antes de sua morte. O compositor
de início recuso u o co nvite mas foi
convencido a escrever Elias
quando lhe prometeram tantos
músico s quanto s quisesse. A
apresentação teve u m a orquestra
de 125 instrumentistas e um coro
de 271 cantores. Os cantores até
tentaram contratar a famo sa
canto ra de ópera sueca Jenny
Lind , para a qual Mend elsso hn
tinha feito a parte soprano. Porém,
como seria sua estreia britânica,
ela recuso u, preferindo uma ópera
éé
N u n c a an te s h o u v e alg o c o m o
e s ta te m p o rad a [...]. Co nc lu í
m a i s m ú s i c a s e m d o is m e s e s
q u e e m to d o o resto d o ano .
Fel ix M endel ssohn
f f
para exibir suas habilid ad es
v o cais.
Por fim, ela cantou o papel
soprano de Elias em Lo ndres em
1848, após a morte de
Mendelssohn, num concerto
beneficente para custear a Bo lsa
Mendelssohn, que existe até hoje.
A própria Elias tem uma curio sa
qualidade híbrida. Embo ra
claramente influenciada pelo
Barroco e insp irad a em oratórios de
Bach e Hàndel, aind a reflete o
período romântico inic ial em sua
orquestração colorida e lirismo
sutil. Há d ivisões estruturais nos
hino s corais, como as das Paixõ es
de Bach. A lém d isso , de modo
d iverso a outras obras do período,
pode-se ouvir uma variedade de
estilos e texturas muito ampla,
lembrando Hándel. Porém
Mendelsso hn também usa formas
inovadoras, como a inclusão do coro
em certos recitativos, co m efeito
dramático , e tenta dar unidade à
obra ligando os movimentos e
usando motivos recorrentes, ambo s
recursos de sua própria era. São de
especial interesse as fugas na
abertura e no fínale, que
demo nstraram claramente à
geração romântica que essa forma
barroca po d ia ser retomada co m
grande efeito.
Elias teve sucesso imediato , em
especial na versão em inglês, e se
tornou um requisito dos concertos
corais ao longo do século xix. Mais
tarde, porém, co m frequência foi
considerado convencional d emais e
produto de valores do auge
vitoriano .
Obras sacras grandiosas
Embo ra muito s compositores não
se interessassem por música coral,
Hector Berlioz crio u duas d as
obras mais grand io sas d esse tipo .
Co m agrupamento s
extrao rd inariamente grandes, seu
Réquiem de 1837 e o Te Deum,
apresentado em 1855, são
exemplos vívidos dos excesso s do
A lto Ro mantismo ; o Réquiem
O profeta chama os israelitas no
recitativo do baixo "Aproximai-vos
todos" do oratório Elias. Esta página,
manuscrita por Mendelssohn, é da
partitura original de 1846 da obra.
ROMANTISMO 1810-1920 173
Quatro
acordes
fortes
introduzem o
d rama e a
profecia.
A m al d i ção
de El i as Sopros
de madeira e
metal sombrios são
usados. A s cordas
mais brilhantes ficam
em silêncio.
Trítonos
descendentes,
indicando perigo,
são cobertos pelo
estampido de um
trombone.
Um
rufar de
tambor final
transmite uma
sensação de
ruína.
Elias, de Mendelssohn, começa com o profeta amaldiçoando o rei
Acabe e os israelitas. Sua punição pelo governo corrupto e adoração
de falsos ídolos será uma seca terrível.
exige quatro conjuntos de metais
nos bastidores e a partitura do Te
Deum especif ica doze harpas. Co m
isso , as apresentaçõ es eram - e
aind a são - raras e d ifíceis, e essas
obras pouco inf luenciaram o
género . Ro ssinie outros
co mpuseram várias cantatas, mas
elas tend iam a ser o fuscad as pelas
óperas, mais populares, e po ucas
vezes eram o uvidas. Fo i Verd i que
co nseguiu apro ximar as obras
líricas leigas e as co rais sacras.
Seu Réquiem foi composto em
estilo operístico , co m enorme
d ramaticid ad e, em esp ecial no
Dies iiae, e hav ia partes para vo zes
femininas numa era em que a
Igreja Cató lica só usav a ho mens
nos coros. A primeira apresentação
do Réquiem o correu na Igreja de
São Marco s de Milão , mas a
segund a foi no La Scala. Desde
então , as opiniões se d iv id em se é
uma obra religio sa ou expressão
muito mais teatral que
sacramental.
Um réquiem " humano"
O Réquiem alemão de Brahms foi
talvez a obra co ral mais singular
d a épo ca. Fo i sua p rimeira
co mpo sição impo rtante e lhe v aleu
aclamação internacio nal. Ele
ev ito u o texto de m issa do réquiem
trad icio nal, criando o seu próprio a
partir d a Bíblia luterana. A obra se
co ncentra no conforto aos v iv o s,
sem referência ao Dia do Juízo ou a
Jesus. Brahms o co nsiderava u m
"réquiem humano", que não se
ligava a nenhum ponto de v ista
teo lógico , e é talvez por isso que
aind a seja tão executado . Escrito
em sete grandes seçõ es, o material
musical é firmemente o rganizado
ao redor d as notas de abertura
cantad as em Selig sind ("São
abenço ado s"). Isso cria u m todo
muito unificado , em que Brahms
parece ter evitado usar modelos
prévios. Obra de sutil majestade, o
Réquiem alemão se d estaca
agudamente d a maio ria d a música
coral do século xix. •
M ús i ca n a G rã- Bretanha vi tori ana
E m meio à ino vação ind ustrial e
à co nstrução do império , as
artes - em esp ec ial a música -
fo ram bastante marg inal iz ad as
no início d a era v ito riana.
Em b o ra ho uv esse u m a cultura
de co ncerto s flo rescente, era
d o minad a por artistas de fo ra.
Co m a exp ansão rápida de u m a
c lasse méd ia rica, po rém, hav ia
muito s amad o res - em esp ec ial
mo ças - que p rec isav am de
música so c ialmente aceitável
p ara tocar. N esse ambiente,
Canções sem palavras, de
Mend elsso hn, co mpo sito r
"resp eitáv el" de o rigem rica, e até
festejado p ela rainha, se to rno u
o nipresente. Enq uanto isso , as
band as de metais no no rte inglês
e os music halls nas c id ad es eram
válvulas de escape musicais p ara
as c lasses trabalhad o ras. A i n d a
no século xix, a busca de
id entid ad e cultural insp iro u os
músico s c lássico s britânico s,
levand o tam b ém à criação de
co nservató rio s. Fig u ras tão
d iv ersas como Sul l iv an e Elg ar
surg iram d esse assim chamad o
no vo "Renasc imento M usic al
Inglês".
O príncipe Alberto toca órgão para
Mendelssohn, observado pela rainha
Victoria. O compositor fez várias visitas
ao Palácio de Buckingham em 1842.
E M C O N T E X T O
FO C O
A ópera ital iana
A N T E S
1829 Ro ssini cho ca o meio
musical ao aband o nar a ópera
apó s sua última obra para o
palco , Guilherme Tell, estrear
em Paris.
1848 O compositor Gaetano
Do nizetti morre, treze ano s
apó s seu co mpatrio ta Vincenz o
Bellini, d eixand o Verd i como
p rincip al no me d a ópera
italiana.
D EPO IS
1887 Milão recebe a estreia de
Otelo, de Verd i, su a p rimeira
ópera desde Aida, em 1871.
1890 A o bra-prima Cavalleris
rusticana, do compositor
italiano Pietro M ascag ni ,
estreia em Ro ma, introduzindo
o naturalista e melo dramático
estilo "verismo " d a ópera.
AMO A OPERA
ITALIANA - É TÃO
DESPREOCUPADA.
LA TRAVIATA (1853), GIUSEPPE VERDI
N as primeiras d écad as do século xix era usual as óperas tratarem de
tragédias dos grandes e nobres.
Giuseppe Verd i desafiou isso ,
produzindo também óperas sobre
pesso as co muns.
Verd i logo obteve notável
sucesso co m Nabucco (1842),
basead a na história bíblica de
Nabucodonosor n. Seu coro Va
pensiero, em que os escravo s
hebreus lamentam a perd a d a terra
natal, se to rnaria depo is u m hino
pela independência italiana. Porém
O tenor italiano Francesco Meli
interpreta o apaixonado de Violetta,
Alfredo, na canção do bríndisi em uma
produção de La traviata de 2016. Seu amor
por Violetta envergonha a família dele.
foi só bem mais tarde na carreira
que ele satisfez suas ambiçõ es
demo cráticas co m três obras-
-primas co mpo stas em rápida
sucessão - Rigoletto (1851), II
trovatore (1853) e La traviata (1853).
Rigoletto trata do perso nagem
epônimo - u m co rcund a que,
tentando proteger a filha, provoca
ROMANTISMO 1810-1920 175
Ver também: A flauta mágica 134-137 • O barbeiro de Sevilha 148 -Der Freischútz 149 • Tosca 194-197 • The Wreckers
232-239 • Peter Grímes 288-293
sem querer sua ruína, II trovatore
nana a história melo dramática d a
bela Leonora, que se vê entre do is
homens e a v ingança de uma
cigana, e em La traviata (A mulher
decaída) a co rtesã Vio letta
sacrif ica seu amor e, por fim, a s i
mesma, em prol d a so ciedade
patriarcal que busca controlá-la.
Essas três óperas co nfirmaram a
ruptura de Verd i co m o que ele
d escreveu como seus ano s de galé,
criando obras sob med id a para a
"indústria d a ópera".
V ergando as regras
Verd i co nseguiu manipular e
subverter as co nvençõ es
operísticas para alcançar uma
síntese de tradição e inovação . Co m
La traviata, ele tomou o tema de um
romance conhecido , A dama das
camélias, de A lexand re Dumas, e
de modo inovador colocou a história
em sua épo ca. Por fim, o retrato de
uma mulher decaída na sociedade
moderna foi considerado picante
demais e rejeitado pela censura
italiana, e na estreia o enredo da
ópera foi deslocado para o século
xvm. Mesmo assim, La traviata foi
singular ao confrontar de modo
ousado o tratamento hipócrita dado
pela sociedade à mulher.
Embo ra alguns dos números
mais famo so s de La traviata - em
esp ecial a canção do brindisi
(brinde) no A to Um - tenham
cenas de multidão, La traviata se
d estaca por seus momentos de
intimid ad e. Verd i nos leva ao
mundo de sua heroína, e o foco
revolucionário numa pro tago nista
preparou o caminho para outras,
como a hero ína c igana de Carmen
(1875), de Geo rges Bizet -
perso nagem d a ópera francesa
mas também do mundo literário
(de uma história de Prosper
Mérimée) e do mesmo modo
expo sta à hip o crisia dos co stumes
sexuais do século xix.
Obras-primas finais
Em suas muitas obras seguintes,
Verd i derrubo u d iversas
co nvençõ es d a grand opéra, como
nas o bras-primas Don Carlos,
co mpo sta para a Opéra de Paris
em 1867. Aida, escrita p ara a
éé
C o p i ar a v e rd ad e p o d e ser
u m a c o i sa b o a, m a s inv entá- la
é melho r, m u i to melho r.
G i useppe V erdi
abertura d a no va casa de óperas
do Cairo em 1871, marco u no
entanto u m a p ausa para Verd i,
descontente co m a impo rtação de
ópera francesa e alemã na Itália.
Ele co meço u a fo calizar outros
aspecto s d a v id a e co mpô s pouco,
depo is da Missa da Réquiem de
1874, escrita em memória do poeta
nacio nalista A lessand ro Manzo ni,
até suas d uas p eças finais, ambas
basead as em obras de seu amado
Shakespeare: Otelo (1887) e
Falstaff (1893). •
G i useppe V erd i Verdi nasceu em Busseto, no norte
italiano, em 1813. O pai,
estalajadeiro de modesta
condição, estimulou sua educação
inicial, e um negociante rico da
cidade, Antonio Barezzi, pagou
seus estudos em Milão.
Em 1836, Verdi se casou com a
filha de Barezzi, mas ela e os dois
filhos deles morreram quatro anos
depois. Apesar da tragédia, a
carreira de Verdi começou a
deslanchar. Seu grande avanço
veio com Nabucco, em 1842. Na
década seguinte, produziu treze
óperas. Nos anos 1850, tornou-se o
compositor de óperas de maior
sucesso da época e dali em
diante sua música foi
encampada pelo movimento
nacionalista Risorgimento.
Em 1859, casou-se com a
soprano Giuseppina Strepponi,
com quem ficou até a morte
dela, em 1897. Verdi morreu
quatro anos depois, em 1901.
Outras