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Falar mal dos
outros diminui
o estresse
o auellben Elnstein, Chopln, Steven Splelbera,
Bill lates e J.l. Rowllng têm em comum além da
criatiVIdade e do sucessoíl A resposta é inuoversão
Paranormalidade
O experimento que
ensina a ver fantasmas
Caso clí ·co
Transexualporacaso
MDIÕBII DO WJIIIÃ
Por que acreditamos que o futuro será melhor
SÉRIE
DINHEIRO E FELICIDADE
O que os objetos
que escolhemos
dizem sobre nós
AHOXIX
N"Dl
editora
glaucialeal@duettoeditorial.com.br
e
Que venha o encontro!
Comer, beber, exercitar o corpo, estimular a mente,
manter relacionamentos, dormir e relaxar. De algum
jeito, todos nós fazemos isso. Como acontece na maio-
ria das vezes, porém, o que importa é menos o "que"
e mais o "como" se faz qualquer coisa. Essa práxis
relativa ao cuidado de si nem sempre nos parece clara.
Nos últimos anos, porém, cada vez mais estudos com-
provam que determinados hábitos (práticos) e atitudes
(mentais) são de extrema importância para manter
a saúde não só do corpo, mas também do cérebro.
Nesta edição destacamos sete "segredos" para
a saúde. Segredos de polichinelo (desses que todo
mundo, de algum jeito, em algum nível, sabe ou
pelo menos intui), é bem verdade. O que a maioria
ignora mesmo é que, a médio e longo prazo, essas
informações podem ajudar a melhorar significativa-
mente a qualidade de vida.
Comer, por exemplo: parece redundante dizer
que nos alimentamos desde que nascemos (e até
antes, ainda no útero de nossa mãe. Uma das novi-
dades nessa área é a descoberta de que compostos
presentes em frutas dtricas, e especialmente em
mirtilos (aquelas frutinhas azuladas que infelizmen-
te ainda não se encontram à venda em qualquer
mercado). melhoram a memória, a capacidade
de aprender, a compreensão verbal e a habilidade
numérica. Além disso, os flavonoides, presentes
nesses alimentos, ajudam a desacelerar o declrnio
de funções cognitivas, que costumam acompanhar
o processo de envelhecimento.
Bebidas também são fundamentais, mas existe
um jeito certo de ingeri-las. É o caso do vinho tin-
to que só surte efeitos positivos sobre as células
neurais se for degustado lentamente, em pequenos
goles, para que uma substância chamada resveratrol
seja absorvida. Reservar tempo para simplesmente
respirar (prestando atenção no ar que entra e sai de
nossos pulmões, mesmo que por poucos minutos
por dia), investir nos relacionamentos afetivos,
dormir bem e de forma suficiente (na contramão
dos apelos que nos convidam à vigrlia) também é
indispensável para o bem-estar físico e mental. Tanto
quanto criar rotinas de buscar novos aprendizados
e para exercitar o corpo.
Mas quando devemos começar a nos preocupar
com isso? "Desde sempre", afirmou, outro dia, um
amigo médico, com tom de surpresa na voz como
se a resposta fosse óbvia. E me fez lembrar de uma
frase do ator, letrista e poeta Mário Lago que há
alguns meses publicamos na Mente e Cérebro: "Fiz
um acordo de coexistência pacífica com o tempo:
nem ele me persegue, nem eu fujo dele, um dia a
gente se encontra". Uma coisa é certa: se alguns
cuidados forem tomados, esse encontro inevitável
tem probabilidade muito maior de ser suave ...
Boa leitura!
3
, .
sumar1o
7 segredo do cér bro saudáv I
Capa:© MICHEL TCHEREVKOFFjTHE IMAGE BANK/GETTY IMAGES
40
1
2
2
r
Alimentos para o cérebro
por Mary Franz
Compostos qufmicos presentes em frutas cítricas
e vermelhas, tofu e chocolate amargo protegem os
neurônios, estimulando a memória e a agilidade mental
Para nutrir e para curar
por Rosane Gomez e Carina Duarte Venturini
O que comemos pode diminuir ou intensificar os efeitos
de determinados medicamentos
Sabores saudáveis
por Melinda Wenner
Substâncias que ajudam a desvendar mecanismos
do paladar e enganam o cérebro com o propósito de
combater obesidade e doenças cardfacas
Uma taça de saúde
por Luiz Loccoman
Somente se tomamos vinho tinto lentamente, em
pequenas quantidades, o cérebro pode se beneficiar
do resveratrol, que ajuda a prevenir a deterioração das
células neurais
COMrrt EXECVTlVO
~ úmeo"'- woz Femonclo Podtoso, lull Voen.Cidonho úlnl• AN úroiN T~
DIRETOR DE REDAÇÃO Jont Hobndo
onut.olond.IIP<doc>uro.com.br
EDITORA G~uoo Le.J
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COOROENAOOR Rooson do Soun
OS ARTIGOS PUBLICADOS NESTA EDIÇÃO SÃO DE RESPONSABILIDADE DOS AUTORES E NÃO EXPRESSAM, NECESSARIAMENTE, A OPINIÃO DOS EDITORES.
4 I menteárebro I 7 segredos do ch-ebro saudável
3 Mentes em movimento 5 Sono para organizar a mente
por Steve Ayan por Robert Stickgold e Jeffiey M. Ellenbogen
Ati •idade física não fortalece apenas o coração e os Quando adormecemos o cérebro seleciona
músculos, mas também a capacidade mental de informações coletadas durante a vigíl ia; desse processo
adultos e crianças, além de combater a depressão surgem elaborações e respostas para problemas que
nos afligem
Atletas. E também inteligentes
por Steve Ayan
6 Prática de esportes contribui para o aumento dos Descanso terapêutico
níveis de proteínas que constituem a infraestrutura por Selma Corrêa
neural necessária para a aprendizagem Para evitar problemas de saúde causados pelas
pressões do cotidiano podemos diminu ir esses
efeitos negativos do estresse criando "brechas de
4E' Nunca parar de descobrir o mundo
prazer" na rotina
por Selma Corrêa 7 Pelo direito à paz
Durante muitos anos cientistas e leigos acreditaram por Victoria Stern
que o declínio mental era inevitável; hoje se sabe, Meditação ajuda a controlar preocupações excessivas,
porém, que com o passar do tempo algumas áreas evitando que se tornem patológicas
do cérebro tendem a funcionar até melhor- mas
para obter esse resultado é fundamental exercitar o 7 Equilíbrio zen
órgão mais sofisticado do corpo por Paola Emília Cicerone
Beneficios físicos e mentais do tai chi chuan atraem cada
vez mais a atenção de psicólogos e neurocientistas
5 "Amigos são mais importantes ,para 8 O inferno são os outros. Será mesmo?
a saúae que a boa alimentação por Maria Maura Fadei
por Anna von Hopffgarten As diferenças perturbam e assustam, mas é
Em entrevista, neurologista e psiquiatra Peter impossível evitá-las; afina l, é por meio da interação
e do relacionamento que nos constitu ímos como Henningen enfatiza a importância da vida social
seres humanos para manter a saúde mental e fís ica
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~fBAHIA/ PERNAMBUCOJSERGIPE:
Podro Amarante - (79) 32~ 139/997&-8962
BRASIUA: SOnoa Bnnd:lo- (61) 3321-4304
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1562. O.stnbutÇJo com eodu5Mdade para todo o BRASIL DINAP SA
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IMPIIESS.i.o EOlGRÁFICA
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c o M E R
A ·mentos
para o cérebro
(OM POSTOS QUÍMICOS PRESENTES EM FRUTAS
CÍTRICAS E VERMELHAS, TOFU E CHOCOLATE
AMARGO, POR EXEMPLO, PODEM ESTIMULAR
A MEMÓRIA E POTENCIALIZAR A AGILIDADE
MENTAL, ALÉM DE PROTEGER OS NEURÔNIOS,
CONTRA ALZH EI M ER E PARKI NSON
I I por Mary Franz
ocê sabe o que é azul, doce, suculento e pode impedir os ,~~~~~~~~~~5ª~~ inconvenientes lapsos de memória? Se você respondeu '
mirtilo acertou. Aparentemente, porém, os brasilei ros
não dispõem de grandes quantidades dessa fruta- tam-
bém chamada de bluebeny- que pode ser encontrada em algumas
redes de supermercados e, às vezes, é vend ida congelada. Mas
existem boas razões para procurar a Vaccinium cyanococcus: a
frutinha pode proteger seu cérebro.
Pesquisas recentes sugerem que compostos presentes em
mirtilos, conhecidos como flavonoides, são capazes de melhorar
não só a memória, mas também o aprendizado e as funções
cognitivas em geral, como compreensão verbal e habilidade nu-
mérica. Além disso, estudos que comparam hábitos al imentares
com funções cognitivas em adultos sugerem que o consumo
de flavonoides pode ajudar a desacelerar o declfn io das funções
mentais que geralmente acompanham o envelhecimento e até ~nutricionista e pesquisadora
proteger de doenças como Alzheimer e Parkinson. da Universidade Harvard
6 I mentecbebro I 7 sepdos do cérebro saudáwl
Há algum tempo, os pesquisadores acredi-
tavam que os flavonoides agiam no cérebro da
mesma forma que em outras partes do corpo:
como antioxidantes, protegendo as células de
danos provocados por moléculas instáveis e
onipresentes, conhecidas como radicais livres.
Atualmente, no entanto, novas pesqu isas de-
monstram que o poder desses compostos de
estimular a cognição resulta principalmente de
sua interação com proteínas- essenciais para
manter as estruturas e funções do cérebro.
Até o momento, os cientistas identificaram
mais de 6 mil flavonoides que aparecem em
uma grande variedade de tipos (veja quadro na
pág. 10). Essas substâncias são amplamente
distribuídas em frutas e verduras, grãos de
cereais, cacau , chá, vinho e derivados de
soja, como tofu. Por isso não é necessário se
desesperar procurando mirtilos para manter
sua mente em boa forma.
Antioxidantes poderosos, os flavonoides
ajudam a regular o fluxo sanguíneo e a pres-
8 I rnentecmbn> I 7 sepdos do cétebro saudável
São conhecidos
mais de 6 mil
flavonoides
contidos em
alimentos que
interagem
com proteínas
essenc1a1s
às células
cerebrais
são arterial e protegem as células de danos
provocados por radicais livres que se formam
no corpo durante processos de metabolização
e são potencializados pelos efeitos da polui-
ção, da fumaça de cigarro e da radiação. Por
isso, os pesquisadores investigaram, durante
décadas, o potencial desses compostos para
melhorar a imunidade, prevenir o câncer e
reduzir processos inflamatórios.
Há cerca de 15 anos, o químico Ronald
Prior e o neurocientista )ames Joseph , ex-
pesquisador do Departamento de Agricultura
e Serviço de Estudos Agrícolas dos Estados
Unidos, estavam investigando a ação dos an-
tioxidantes e o potencial de vários al imentos
no combate a doenças quando Joseph ouviu
comentários sobre dados prel iminares suge-
rindo que pessoas que ingeriam quantidades
moderadas de frutas e verdura apresentavam
melhor desempenho em testes cognitivos
que aquelas que consumiam poucos desses
alimentos ou nenhum deles. Os cientistas fica-
ram intrigados e resolveram testar a hipótese
O USO DE EXTRATO DE
MIRTILO na alimenta~o
de roedores fez com que os
animais mantivessem por
mais tempo habilidades
motoras e de memoriza~o
Mirtilo ou blueberry é uma frutinha de cor azul arroxeada e sabor marcante
-doce com toque de acidez. Nativa do hemisfério norte, vem de um
arbusto da família das ericáceas e só chegou ao Brasil na década de 80.
O munidpio de Vacaria, no Rio Grande Sul, é o principal produtor, e no
estado há plantações também em Pelotas e na Serra Gaúcha. Em São Paulo
é cultivada na fazenda Baronesa Von Leithner, em Campos do jordllo, que
produz também framboesa e amora. Ao todo, no Brasil, sllo apenas 150
hectares dedicados a essa cultura. Por isso, encontrar a fruta nos mercados
nllo é muito fácil, mesmo nas grandes cidades, mas os cientistas garantem
que vale a pena procurar subgrupos. Os mais comuns encontrados nos
alimentos (e também mais estudados) aparecem na tabela na pág.lO.
de que a alimentação rica em antioxidantes
poderia melhorar as funções cerebrais.
Prior e joseph forneceram alimentos enri-
quecidos com extrato de morango, espinafre
ou mirtilo a ratos de meia-idade (19 meses)
durante oito semanas, o equivalente a cerca
de uma década de vida humana. Ao final das
oito semanas ratos mais velhos alimentados
com ração comum apresentaram resultados
significativamente piores em aprendizagem e
habilidades motoras como andar em pranchas
suspensas , subir em postes, equ ilibrar-se
em varetas giratórias e nadar em labirintos.
Os resultados refletiram o declínio mental
normal. Em compensação, roedores que
comeram alimentos enriquecidos tiveram
melhor desempenho nas mesmas tarefas
até em relação à sua própria performance
no infcio do estudo. Ratos alimentados com
porções de mirtilo apresentaram aumento sig-
nificativo nas funções motoras e, por razões
ainda desconhecidas, nos testes na prancha
e na vareta pareciam muito mais capazes de
manter o equil íbrio que os ratos que comeram
morangos e espinafre. Os cientistas percebe-
ram que alguma substância nas refeições com
frutas e verduras enriquecidas t inha favorecido
o desem penho dos animais. Ao constatar que
todos os alimentos do teste eram ricos em
flavonoides, Prior e Joseph consideraram que
esses compostos poderiam ser responsáveis
pelo aprimoramento cerebral.
Estudos com seres humanos também
indicavam que comer alimentos ricos em
flavonoides pod ia trazer benefí-
cios cognit ivos. Num trabalho
publicado em 2007, o epide-
miologista Luc Letenneur e seus
colegas do Instituto Nacional
de Saúde e Pesquisa Médica
da França (lnserm, na sigla
em francês) sol icitaram a
1.640 idosos cognitivamente
saudáveis que preenchessem
um questionário sobre seus
hábitos alimentares e tes-
tassem suas funções cerebrais.
Eles acom panharam os parti-
cipantes durante dez anos,
repetindo os questionários
e reaval iando os voluntários
quatro vezes nesse período. Em cada exame,
os pesquisadores quantificaram o consumo
de cinco flavonoides diferentes e correlacio-
naram esses valores com sua pontuação nos
testes de cogn ição, levando em conta outros
hábitos saudáveis conhecidos por afetar a
cogn ição como exercícios , abstinência de
fumo e controle da obesidade.
Participantes que co ns umi ram mais
flavonoides no infcio do estudo também fo-
ram bem-sucedidos em testes de habilidade
mental comocapacidade de efetuar exerdcios
simples de aritmética, lembrar de itens de
variadas categorias, repetir palavras em frases
e identificar locais e datas. Além disso, seu
desempenho nesses testes se mostrou, de
Chocolate amarg comba e
danos do A C
Para alegria de quem é adepto dos prazeres do chocolate as neurociências
têm oferecido boas notícias. Pesquisas realizadas nos últimos anos
mostraram que o alimento ajuda a combater o estresse e a depressão.
Agora, um estudo mais recente indica que a guloseima pode proteger
o cérebro também contra lesões causadas por derrame. Pesquisadores
da Universidade johns Hopkins, nos Estados Unidos, descobriram que
uma substância presente apenas no chocolate amargo (não na versão
tradicional ou branca) estimula um tipo de atividade celular que resguarda
os neurônios dos danos causados por acidente vascular cerebral (AVC).
No estudo realizado em camundongos e publicado nojournal ofCerebral
Blood Flow and Metabolism, 90 minutos depois de administrarem uma
pequena dose de epicatequina- nutriente encontrado no cacau -, os
cientistas induziram um derrame isquêmico por meio da interrupção da
irrigação sanguínea no cérebro dos animais. O resultado foi um número
significativamente menor de lesões do tecido cerebral em comparaç.ão
às dos roedores que passaram pelo mesmo procedimento mas sem ter
recebido a dose do composto.
O interesse científico pela epicatequina surgiu com pesquisas
feitas entre os índios kuna, que vivem em ilhas na costa do
Panamá. A incidência de acidentes vasculares nessa população
é muito baixa, o que é atribuído ao alto consumo de uma
bebida escura e amarga feita à base de cacau. Posteriormente,
estudos in vitro mostraram que a epicatequina não protege
diretamente as células contra lesões, mas seus metabólitos
parecem ativar vias bioquímicas que fazem com que as células
aumentem suas próprias defesas. O que tem surpreendido os
pesquisadores é o fato de esse efeito ocorrer em resposta a
doses muito baixas da substância. ~
Os autores alertam, porém, que os dados obtidos até agora ~
não autorizam o consumo exagerado de chocolate amargo, ~ I que, aliás, é rico em gordura saturada. Segundo eles, as -
~ evidências abrem boas perspectivas para o desenvolvimento 5
de uma nova droga potencialmente útil para combater doenças i
neurodegenerativas, como Alzheimer e outros t ipos de demência. o
9
forma geral, mais estável ao longo do tempo
quando comparado ao de participantes cuja
alimentação inclufa nfveis muitos baixos de
flavonoides (nesses casos, as habilidades de
raciodnio foram diminuindo com o tempo) .
Participantes que atingiram as melhores
pontuações nesse estudo ingeriam entre 18 e
3 7 miligramas de flavonoides por dia, o que
representa aproximadamente 15 mirtilos, um
quarto de xfcara de suco de laranja e meia
xfcara de tofu.
Outros estudos correlacionando a ingestão
de flavonoides com aspectos cognitivos mos-
traram evidências dos benefícios de incluir na
dieta alimentos ricos nesses compostos. Em
artigo publicado há pouco mais de um ano, o
grupo de pesquisa liderado pela nutricionista
Eha Nurk, da Universidade de Oslo, na Norue-
ga, solicitou a 2 mil homens e mulheres com
idade entre 70 e 75 anos, que preenchessem
questionários sobre hábitos alimentares e de-
pois os submeteu a testes de agilidade mental,
que mediam memória de eventos, rapidez
de
Milhares de tipos de compostos
qufmicos podem melhorar o raciocínio e
até a coorden~ motora. Conhecidos
como polifenóis porque contêm "anéis"
múltiplos que se ligam a um grupo de
álco6is (OH), eles se apresentam em
vários sabores, ou subgrupos. Os mais
comuns encontrados nos alimentos (e
também mais estudados) aparecem na
tabela ao lado.
1 0 I rnentecétebto I 7 segredos do chebro saudável
Flavanones
Antocianinas
lsoftavonas
SEIS PORÇOES DIÁRIAS
de alimentos ricos em
vitamina C podem diminuir
em mais de 40% o risco de
derrame, segundo artigo
publicado no Americon
Journal ofC/inica/ Nutrition
em nomear objetos e capacidade de lembrar
rapidamente de palavras começando com
uma determinada letra. Os voluntários que
relataram consumir de forma periódica vinho,
chá e chocolate- alimentos particularmente
ricos em flavonoides- tiveram desempenho
cognitivo melhor que aqueles que raramen-
te ingeriam esses itens. Participantes que
afirmaram beber vinho regularmente (com
moderação) apresentaram risco 45% menor
de ter baixo desempenho. Os beneffcios de-
correntes da ingestão de chá ou chocolate
resu ltaram numa diminuição de 10% a 20%
no risco. Aqueles que consumiam os três itens
regularmente tiveram probabilidade de baixa
pontuação reduzida em 70%.
Além de associarem o consumo de flavo-
noides à melhoria da cognição, recentemente
os pesquisadores testaram os efeitos de adi-
cionar esses agentes à alimentação- o equi-
valente humano do trabalho realizado com
ratos. Embora seja diffcil controlar o que as
pessoas comem, já que costumam ter hábitos
muito variados, ficou claro que adicionar fla-
vonoides à dieta pode preservar ou aprimorar
a memória, a agilidade de raciodnio e outras
capacidades mentais. Em
2009, a nutricionista
Anna Macready e
seus colegas da
Universidade de
Reading, na In-
glaterra, publi-
caram a revisão
de 15 pesqu isas
realizadas com um
número reduzido de
participantes. Em todos
FONTE EM AUMENTOS
Quercetina, kaernpfeol Espinafre, pimentas e cebola
L.uteolina, apipnina Wsinhae.ipo
Eriodictiol, hesperidina Frutas dtricas
Catequinas, epicatequinas Ch4, cacau e vinho
Cianidina, peonidina Frutas vermelhas, uvas e vinho
Genisteina, daidzeina Derivados de soja corno tofu
~
~
" X
%
~
c z
;:
o
os casos foi solicitado aos voluntários que
adicionassem alimentos ricos em flavonoides
às refeições. Esses compostos podiam provir
de derivados de soja , suplementos (Ginkgo
biloba ou extrato de casca de pinheiro) ou, em
um dos casos, uma bebida contendo cacau.
Embora a interpretação dos resultados fos-
se complicada por causa de incompatibilida-
des entre os variados tipos de testes cognitivos
usados em cada estudo feito anteriormente,
os autores conclufram que o consumo de
flavonoides de qualquer uma das fontes exami-
nadas melhorou aspectos como compreensão
verbal, raciodnio lógico, tomada de decisão,
memória e reconhecimento de padrões numé-
ricos. Flavonoides também parecem aguçar
habilidades motoras finas como tamborilar. O
consumo diário do equivalente a uma xfcara
e meia de tofu ou duas xfcaras e meia de leite
de soja foi suficiente para produzir melhora,
como também ocorria com a ingestão de 120
mg (uma ou duas cápsulas) de Ginkgo biloba,
150 mg (três cápsulas) de extrato de casca de
pinheiro ou 172 mg de bebida com cacau. Este
último equivale a sete quadrados de 43 g de
chocolate amargo.
PETISCOS PARA CÉLULAS
Entre os alimentos ricos em flavonoides, os
mirtilos podem fornecer proteção muito mais
acentuada e duradoura para o cérebro. Em um
estudo publicado em 2010, o psiquiatra Robert
Krikorian, pesqu isador da Universidade de Cin-
cinnati, coordenou uma equipe que submeteu
a testes nove adultos com idade acima de 75
anos com perda moderada de memória. Os
participantes ingeriram duas xfcaras de suco de
mirtilo (o equivalente a cerca de cinco xrcaras
da fruta) todos os dias durante 12 semanas.
Depois disso, sua habilidade de lembrar pala-
vras e pares de objetos foi testada. Resultado:
tiveram um desempenho cerca de 30% melhor,
em média, que o grupo de controle de sete adul-
tos idosos que ingeriram bebidas doces sem
~ flavonoides com sabor semelhante. "Apesar de
~ a amostra ser pouco representativa do ponto
:r
Í de vista estatfstico, o teste sugere claramente
~ que adicionar mirtilo à al imentação pode es-
~ timular a memória, pelo menos dos idosos",
i afirma Krikorian. Ele também acredita que o
~ consumo regular de blueberries e mirtilo pode
Contra depressão e ansiedade:
sálvia, oregano e tomilho
Apimentare temperar os nossos pratos favoritos pode fazer bem não
só para o paladar, mas principalmente para as funções neurais. As
pesquisas ainda estão em andamento, mas há comprovação de que
especiarias e ervas, como sálvia, orégano e tomilho, contêm grandes
quantidades de flavonoides, e estudos recentes sugerem
que esses compostos que estimulam o funcionamento
do cérebro podem ter efeitos sobre o humor.
Vários trabalhos mostraram que depois de
ingerir uma cápsula de óleo de sálvia voluntários
imediatamente apresentaram melhor desempenho
em exerdcios nos quais deveriam lembrar palavras,
principalmente em relação a pessoas que haviam ingerido
placebo. Participantes que tomaram o óleo disseram que se
sentiam mais concentrados, tranquilos e satisfeitos. Psicólogos da
Universidade Nortúmbria em Newcastle, Inglaterra, descobriram
que simplesmente cheirar o extrato de sálvia pode reproduzir
alguns desses efeitos. Em julho de 2010, os pesquisadores
relataram que pessoas que se submeteram a uma bateria de
testes por computador numa sala aromatizada com sálvia
comum apresentaram memória mais precisa que aqueles que
realizaram os mesmos exames em ambiente desodorizado.
Estes e outros estudos, entretanto, empregaram óleos
essenciais- extrato concentrado da planta, usado em aromaterapia
- e não as folhas de sálvia secas ou frescas usadas na culinária.
Ainda assim, os cientistas acreditam que comer regularmente
a folha de sálvia pode estimular a memória, embora de modo
moderado. A razão disso é que a planta é rica em hispidulina,
um flavonoide que em estudos de culturas de células parece
interagir com receptores de células cerebrais formando
ácido gama-aminobutfrico (GABA, na sigla em inglês) -um
neurotransmissor que afeta justamente a cognição e os
estados de ânimo.
Flavonoides encontrados em outros temperos também
podem, comprovadamente, produzir mudanças observáveis no
humor- pelo menos em roedores. Recentemente farmacologistas
da Universidade Federal do Ceará relataram que o flavonoide
carvacrol, presente em grandes quantidades nos óleos essenciais
de orégano e tomilho, age como antidepressivo em camundongos.
Depois de ingerir uma solução, os roedores se mostraram mais
ativos ao tentar escapar do tanque de natação - usado para
avaliar o estado de depressão dos animais, que quanto mais
deprimidos e apáticos menos se esforçam para vencer o
desafio. Bloqueando diferentes reações químicas no
cérebro de camundongos, os pesquisadores mostraram
que os efeitos do carvacrol dependem da interação
com a dopamina, neurotransmissor envolvido na busca
de recompensas. Ainda não está claro, no entanto, se
ingerir pequenas quantidades de orégano e tomilho poderia
melhorar o humor das pessoas, mas os cientistas esperam que
isolando e estudando o carvacrol seja possível obter novas - e
eficazes - drogas antidepressivas.
11
adiar a degeneração cognitiva que costuma
surgir com a idade.
Apesar das comprovações sobre beneficios
de certos alimentos, uma questão tem intrigado
os cientistas: como os flavonoides influem na
cognição? Exames do tecido cerebral de ratos
que ingeriram alimentos contendo esses com-
postos mostraram que alguns tipos chegam ao
cérebro, conduzidos pelo sangue. Uma vez no
cérebro, essas substâncias evitam a oxidação
das células. Recentemente, porém, essa teoria
vem sendo contestada. Dados sugerem que os
flavonoides estão presentes no cérebro em quan-
tidades muito menores que antioxidantes como
a vitamina C. Por isso, é provável que outros
compostos sejam responsáveis por grande parte
da eliminação dos radicais livres no cérebro.
Bode-ass ado co
Além das ervas conhecidas na cozinha, muitas
ervas medicinais tradicionais também parecem
exercer um efeito protetor sobre o cérebro.
Uma dessas ervas, a Epimedium breviromum
(foto) , é mais conhecida por um nome
extravagante: "bode-assanhado", um afrodisfaco.
Pesquisadores do Instituto de Ciência e
Tecnologia da Coreia do Sul e da Universidade
de Pequim mostraram que ratos com caroços de
protefna no cérebro - o equivalente ao Alzheimer
em roedores- tiveram a memória aprimorada
quando sua ração foi suplementada com o
mais importante flavonoide da erva daninha
bode-assanhado: o icariin. Aparentemente, esse
composto impede a morte das células cerebrais
- indicando que o agente poderá ser útil no
tratamento de demências.
12 I mentecérebro I 7 segredos do cérebro saud~vel
A PIMENTA t RICA no
flavonoide hesperidina,
presente tambbn nas
frutas cítricas; a diferença
é que, dependendo da
espécie, uma wardidinha~
pode ter aU! dez vezes
mais antioxida.ntes que
uma laranja- mas poucos
aguentariam consumir as
duas na mesma p~o
Uma informação importante, comprova-
da recentemente, pode dar outros rumos às
pesquisas: os flavonoides alteram a qufmica
dos neurônios. Já há bastante tempo joseph e
seus colegas constataram que camundongos
jovens al imentados com ração enriquecida
com mirtilo durante 32 semanas, a partir do
quarto mês de vida, mostraram níveis mais
altos de uma enzima chamada cinase em
suas células cerebrais que aqueles que
recebiam ração comum. Embora não
esteja claro como os flavonoides estimulam
esse processo, sabe-se que muitos tipos
de cinase são essenciais à aprendizagem e
ao bom funcionamento da memória - por
isso se sustenta a hipótese de que grandes
quantidades da enzima poderiam ajudar a
melhorar a cognição.
Mais recentemente, jeremy Spenser,
bioquímica nutricional da Reading, susten-
tou a tese de que flavonoides favorecem o
processamento de proteínas críticas para o
desenvolvimento mental. Eles podem ajudar,
por exemplo, a regular a atividade das cinases
e da enzima conhecida como fosfatase - o
equ ilíbrio entre elas é fundamental para a
manutenção da integridade das sinapses ou
junções entre neurônios, e assim para a ma-
nutenção de padrões saudáveis de atividade
das células cerebrais.
As isoflavonas da soja podem favorecer
a memória agindo como estrógenos fracos,
Pr
A esquizofrenia afeta aproximadamente 1% da população. O distúrbio, em geral,
surge pela primeira vez na adolescência, deflagrando sintomas como mania de
perseguição e isolamento social. Um estudo realizado por um grupo de psiquiatras
coordenados por Paul Amminger, da Universidade de Viena, indica que ácidos
graxos poli-insaturados na alimentação podem reduzir o risco da patologia. Os
cientistas avaliaram 81 pessoas entre 13 e 25 anos que apresentavam leves sintomas
psicóticos ou tinham predisposição familiar. Durante 12 semanas, 41 participantes
tomaram diariamente 1,2 grama de óleo de peixe, substância que contém grande
porcentagem de ômega-3. Os demais receberam placebo. No ano seguinte, entre
os participantes do grupo-controle 11 desenvolveram psicose completa e do outro,
CÁPSULAS DE
ÓLEO de peixe
n~o têm efeitos
colaterais como
os antipsicóticos
~ ~ apenas 2 apresentaram a doença. Entre os que foram tratados com óleo de peixe,
-~ vários relataram sensível melhora nos sintomas. Os pesquisadores atribuem o ~ efeito protetor dos ácidos graxos a alterações nas membranas das células neurais.
: Cápsulas de óleo de peixe não têm efeitos colaterais como os antipsicóticos,
~ que frequentemente causam aumento de peso ou perda da libido, um problema
i
g principalmente para pacientes jovens.
ligando-se a receptores de estrogênio e
estimulando os neurônios . Sabe-se que a
ativação desses receptores altera a anatomia
e a qufmica neural do hipocampo- estrutura
com papel importante na memória e cujo
funcionamento em geral é mais lento com
o passar do tempo. Mas se a comunicação
entre os neurônios é facilitada, a capacidade
mnêmica é beneficiada. Alguns flavonoides
podem até contribuir para o crescimento de
novas células no hipocampo.
Eles também parecem proteger os neurô-
nios de danos e evitar sua morte, combatendo
doenças neurodegenerativas como Alzheimer
e Parkinson. Dados obtidos em pesquisas
com animais e culturas de célulassugerem
que os flavonoides têm papel importante no
incremento dos efeitos de neurotoxinas como
o glutamato- neurotransmissor que em altas
concentrações danifica os neurônios -, im-
pedindo que toxinas se fixem nos receptores
neurais. Esses compostos também se opõem
à ação de enzimas conhecidas como secreta se,
envolvidas na destruição de células neurais.
No futuro, técnicas de imageamento como
ressonância magnética funcional (fM RI)
deverão permitir que os pesquisadores ob-
servem, em tempo real, como o consumo de
flavonoides altera a atividade cerebral. Num
estudo publicado em 2006, os pesquisadores
usaram a técnica de imagem para detectar
o aumento no fluxo sangufneo do cérebro
durante teste de digitação de letras realizado
p ,.
What's on your plate? Smart
food choices for healthy
aging. Instituto Nacional
de Saúde dos Estados Uni-
dos, fevere1ro 2012, http:fl
www.nia.nih.govfhealthf
publicationfwhats·you r·
plate-smart-food-choices-
healthy-aging
Nutrition and brain func-
tion: food for the aging
mind. Departamento de
Agricultura dos Estados
Unidos, Serviço de Pesquisa
Agrícola, agosto de 2007.
www.ars.usda.gov{is{AR/
archivefaug07faging0807.
htm?pf=l
Superfoods Rx: fOurteen foods
that will change your life. Ste-
ven Pratt e E. Kathy Matthews.
Harper Collins, 2003.
com voluntários que tinham consumido uma
bebida rica em cacau . Essas descobertas
podem orientar o desenvolvimento de inter-
venções alimentares para reverter ou evitar a
degeneração cognitiva.
A ciência ainda não revelou todos os ali-
mentos ricos em flavonoides com potencial
para estimular a memória e a aprendizagem
e a escala de eficiência de cada um. Há fortes
indícios de que consumir regularmente mirtilo,
frutas cítricas, frutas vermelhas (é o caso de
uvas e morangos), verduras de folhas escuras
(como espinafre), derivados de soja (tofu),
grãos de cereais, vinho tinto, chás (verde, bran-
co e preto), chocolate amargo, cheiro-verde e
especiarias (pimenta, sálvia, orégano e tomilho
etc.) provavelmente é melhor que ingerir suple-
mentos alimentares. Sabe-se que há variáveis:
o processamento, por exemplo, pode destruir
ou reduzir o verdadeiro conteúdo de flavonoi-
des nos suplementos, e certamente frutas e
verduras contêm as quantidades e combina-
ções desses compostos mais benéficas para
o cérebro. Seguindo as recomendações de
ali mentação saudável do Departamento de
Agricultura dos Estados Unidos- que sugere
a ingestão de duas xícaras de frutas e duas
xícaras e meia de verduras diariamente -,
podemos ter certeza de estarmos ingerindo
uma grande variedade desses compostos
promotores da saúde. E daqui a alguns anos
esse hábito poderá nos ajudar a lembrar onde
deixamos as chaves do carro. m ~c
13
c o M E
Para nutrir
e para curar
DESDE A ANTIGUIDADE HOUVE PREOCUPAÇÃO DE EVITAR OU
INTENSIFICAR O CONSUMO DE CERTOS ALIMENTOS QUANDO
SE USAVAM MEDICAMENTOS; HOJE SE SABE QUE EXCESSO
OU FALTA DE SÓDIO PODEM INTERFERIR NO TRATAMENTO
DO TRANSTORNO Bl POLAR; JÁ OS QUEIJOS AMARELOS
INTERAGEM MAL COM ALGUNS ANTI DEPRESSIVOS
AS AUTORAS
ROSANE GOMEZ é farmadutica, doutora em
c:ifncias biol6cias pela Universidade Federal do
Rio Grande do Sul (UFRGS), pós-doutora pela
Universidade Vale, professora de farmacologia
da UFRGS. CARINA DUARTE VENTURINI é
nutricionista, mestre em ci~ncias da saúde
(farmac:olocia) pela Universidade Federal de Ciências
da Saúde de Porto AJecre (UFCSPA), doutoranda em
prontolocla biomédica pela Pontíficia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS). Ambas
slo autoras do livro lnkraf60 entre alimentos e
medicamentos (Letra& Vida, 2009).
11 por Rosane Comez e Carina Duarte Venturini
U
m dos primeiros aprendizados do homem
pré-histórico foi selecionar na natureza os
elementos que o mantinham mais saudável,
e ao longo dos séculos essa prática se perpe-
tuou . O reconhecimento da importância dos alimentos
para a manutenção e recuperação da saúde aparece no
século so a.C., nas palavras de Hipócrates, o precursor
da medicina: "Que o alimento seja teu medicamento
e que o medicamento seja teu alimento" . Naquela i
época, os preparados usados para curar ou amenizar 5
o sofrimento eram constiturdos por minerais, tecidos f
de origem animal, chás, infusões, unguentos. Embora ~
o conhecimento a respeito de fisiologia humana fosse ~
escasso e não houvesse informações sobre farmacolo- ~
gia, alguns escritos forneciam instruções de como a me- g
~
dicação deveria ser administrada, devendo ser evitado ~ e
ou intensificado o consumo de determinados produtos o
15
R
- pois se previa que essa interação trouxesse
consequências. Além disso, alguns alimentos
e bebidas eram utilizadas como antídotos para
intoxicação por medicamentos. Um exemplo
relatado na literatura especializada é o emprego
de chá preto, bem forte, para reverter os efeitos
do excesso de estricnina e metais pesados no
organismo, ou o emprego do leite para certos
tipos de envenenamento-conhecido, aliás, até
os dias de hoje.
No século 11, os livros de medicina eram
divididos em duas partes: a primeira descrevia
os sintomas das doenças e a segunda rela-
cionava as prescrições em cada caso. Muitas
dessas ind icações eram verdadeiras rece1tas
de culinária. Era o caso da sopa de gal inha
com cebola, alho e condimentos como pimen-
ta, mostarda, entre outros, indicada como
primeira escolha no tratamento de algumas
doenças. Caso os alimentos não restituíssem
a saúde ao paciente, era recomendado então
o uso de outros recursos, como sangria, la-
xantes, eméticos, minerais e plantas . Esses
16 I mentecérebro I 7 segredos do chebro saudável
PARA AMENIZAR O
SOFRIMENTO: ao longo
da história foram usados
sopas, unguentos, tecidos
de origem animal e
infusões
procedimentos eram levados tão a sério que
os médicos da época poderiam ser processa-
dos por imperícia se não prescrevessem uma
dieta adequada para o tratamento.
Com o avanço do conhecimento, a relação
entre algumas doenças e a deficiência de
nutrientes foi sendo esclarecida e contorna-
da. No século 18, por exemplo, sabia-se da
necessidade de ingerir alimentos ricos em
vitamina C, como lima e limão, para prevenir
sintomas como sangramento nas gengivas,
inchaços, dores nas articulações e dificuldade
de cicatrização (escorbuto). Esse saber foi
desenvolvido por meio da observação de um
fato: após vários meses em alto-mar, mari-
nheiros ingleses apresentavam tais sintomas,
associados à dieta pobre em frutas cítricas.
Novas áreas da ciência, como a fisio-
logia, tentavam explicar como os órgãos
funcionavam e qual era a relação entre eles.
Perturbações no funcionamento do orga-
nismo eram correlacionadas com doenças.
Concomitantemente, os primeiros farma-
cologistas tentavam encontrar na natureza
plantas, minera is ou secreções de animais
que pudessem restabelecer o equilfbrio. Nos
tempos modernos, a rápida recuperação !
;:
da saúde promovida pelos medicamentos ~
2
deixou em segundo plano a ideia de que ali- ~
mentos estariam implicados diretamente na ~
manutenção do bem-estar. Mais recentemen- ~
te, porém, a importância do que comemos ~
~ vem ganhando força quando se fala na ma- !
nutenção e recuperação da saúde. Inúmeras ~
pesquisas têm demonstrado que nutrientes ~
podem rea lmente prevenir doenças e aliviar ~
~
sintomas. Muitas substâncias presentes nos ~
alimentos estão associadas à redução do ris- ~
co de câncer, doenças cardfacas e Alzheimer. ~ ..
z
º PERIGOSA COMBINAÇÃO ~
o
Se ambos, nutrientes e medicamentos, são 8 s capazes de inte ragir com determinados I!
g
sistemas fis iológicos e interferir no funcio- ~
namento do organ ismo, faz sentido consi- i
derarmos a possibilidade de interação entre ~
alimentos e medicamentos. Tais influências, ~
o
porém, nem sempre são benéficas. Também ~
é esperado pensarmos que, se a maioria 11
~ dos medicamentos é administrada por via ~
" oral e sua absorção se dá principalmenteno ~
A importância de manter o equilíbrio
~ai nda na fase da gestação e até aproxi madamente
os 6 meses que o cérebro humano é mais sensível aos
alimentos. Nesse período é importante que o organismo seja
abastecido com quantidade suficiente de matérias-primas
(principalmente proteínas e lipídeos) para que os neurônios
se desenvolvam adequadamente. Alimentando-se de forma
equilibrada, a mãe fornece à criança, durante a gravidez e
a amamentação, tudo de que ela necessita. Do contrário, o
feto e, mais tarde, o bebê sentirão as consequências. Está
comprovado, por exemplo, que problemas nutricionais nos
primeiros anos de vida podem reduzir significativamente o
quociente de inteligência.
O cérebro adulto também precisa de boa comida no prato.
A deficiência de ferro, por exemplo, não se caracteriza apenas
da combinação do queijo e da tranilcipromina".
Além do cheddar, outros exemplos de queijos
maturados como o ementa!, o roquefort, o pro-
volone, a mussarela e o parmesão apresentam
elevado teor de tiramina -e consequente risco
de interação com antidepressivos. Além dos
latidnios, são ricos em tiramina frutas como
abacate, banana bem madura e figo maduro
ou enlatado, os peixes conservados em picles,
salgados ou defumados, camarão, caviar, sa-
lame, carnes concentradas em molho, sopa
industrializada, bem como frgado bovino ou de
aves, principalmente se armazenado por longo
tempo ou na forma de patês. Fava de feijão,
suplementos proteicos, pimenta e molho de
soja devem ser consumidos com moderação.
Entre as bebidas, ficam proibidos o vermute,
o vinho tinto e a cerveja. Além da restri-
ção de alimentos ricos em tiramina,
recomenda-se a redução da ingestão
de estimulantes como guaraná, café,
chocolate e chimarrão.
Alguns cuidados especiais em
18 I mentecérebro I 7 segredos do cérebro saudável
pela palide.z da pele, mas também por cansaço e déficit de
atenção. Anemia é causa frequente de problemas de leitura,
raciocínio e linguagem. Como o déficit crônico nos primeiros
anos de vida compromete o desenvolvimento cerebral, supõe-
se que, mais tarde, as consequências sejam irreversíveis.
No entanto, adultos que consomem dietas pobres em ferro
também sofrem prejuízos mentais significativos.
Para que nossos neurônios possam disparar a qualquer
momento, incontáveis mecanismos consomem energia. ~ por
isso que apesar de representar apenas 2% do peso corporal,
o cérebro precisa de aproximadamente 20% de toda a energia
que consumimos. Ele queima 120 g de gl icose diariamente,
e essa pequenina molécula tem de ser transportada pelo
sangue, já que, diferentemente dos músculos, o sistema
relação à dieta devem ser adotados para pa-
cientes tratados com sais de lftio, uma medi-
cação bastante eficaz para transtorno bipolar.
Produtos ricos em sódio e outros eletrólitos
costumam aumentar a excreção da substância,
reduzindo seu efeito- ao contrário, as dietas
muito pobres em sódio reduzem a eliminação
do lítio, aumentando o risco de intoxicação. A
dieta, portanto, deve ser normossódica (com
quantidades moderadas de sódio). O uso de
drogas diuréticas ou chás com essa proprie-
dade- como o de carqueja, chapéu-de-couro,
cavalinha, quebra-pedra e alcachofra- também
costuma acelerar a eliminação de lftio e por isso
devem ser evitados.
Não é possível deixar de lado as evidên-
cias de que a alimentação, por si só, tem um
papel importante na regulação do humor,
pois muitos nutrientes são precursores de
neurotransmissores ou fazem parte de sua
produção. O tratamento da depressão, por
exemplo, merece cuidados nutricionais não
apenas porque há muitas interações entre
medicamentos e alimentos, mas também
porque variações neuroqufmicas depen-
dem da nutrição adequada.
A serotonina, um neurotrans-
missor responsável pela regulação
de emoções e determinante na
Al~M DO CHEDDAR, o emental, o
roquefort, o provolone, a muçarela e
o parmes~o apresentam elevado teor
de tiramina; ingeridos com certos
medicamentos podem levar à morte
intestino, a simples presença de alimentos no
aparelho digestório pode interferir na taxa e
na velocidade de sua absorção.
O marco histórico para o estudo das in-
terações entre alimentos e medicamentos
aconteceu na década de 60, quando pacientes
deprimidos tratados com antidepressivos
inibidores da monoaminoxidase (MAO) inge-
riram alguns tipos de queijos, vinho tinto ou
peixe e apresenta ram crise hipertensiva grave,
seguida de acidente vascular cerebral e morte.
As investigações sobre o fato culminaram com
a descoberta da incompatibilidade. Desde
então tem crescido o interesse pelo tema. Em
1964, foi publ icado o seguinte artigo de ). M.
Cuthill, no periódico científico Lancet: "Em 3
de setembro de 1963, um homem de 40 anos
foi tratado para depressão com tranilcipromi-
Alta
concentração de
glicose diminui
a capacidade
cognitiva;
voluntários que
comeram muito
doce erraram
mais cálculos
durante o
experimento
na. Um mês depois, ele se queixou de dor de
cabeça leve, mas jantou normalmente com sua
família. Na ocasião, ele consumiu bife, queijo
cheddar e biscoitos. Durante a noite, sentiu-se
mal, queixou-se de náusea, tontura e uma dor
de cabeça insuportável. Pela manhã, porém
já se sentia suficientemente bem a ponto de
tomar o café com sua família e consumir dois
ou três pedaços grandes de queijo. Após a
refeição, ficou agitado, agressivo e confuso,
seu nariz começou a sangrar e apresentou
confusão mental. Levado ao hospital, conti-
nuava confuso, e sua temperatura era alta, seu
pulso e pressão sanguínea estavam elevados.
Ele morreu às 20h30 daquele dia. Na autópsia,
seu cérebro estava aumentado e apresentava
sintomas de congestão vascular intensa. Os
médicos concluíram que a morte fora resultado
Salvos pela barra de cereal
O que comemos pode evitar a sobrecarga emocional,
e há fortes indícios de que alimentos crus afastam
sintomas de demência e até mesmo a síndrome de
burnout (o esgotamento por estresse). Uma barrinha
de cereais no meio da manhã, por exemplo, ajuda
o cérebro a funcionar melhor. E nesse processo,
nem só flavonoides têm sua importância. O
neurotransmissor serotonina, por exemplo, participa
de todos os processos cognitivos, intelectuais,
afetivos - influencia o que pensamos, sentimos,
a memória e a imaginação. Nessa abundância de
atuações, uma delas se destaca. A "substância da
felicidade" ajuda a melhorar o humor e a reduzir o
estresse. Esse processo se inicia logo de manhã,
ao acordarmos. Quando há serotonina abundante
no corpo, o dia já costuma começar bem. A
pessoa saudável começa seu dia de trabalho com
entusiasmo e consegue tomar decisões de forma
objetiva, sem que esse processo seja excessivamente
desgastante, pois com suficiente serotonina no
sangue, em vez de ver principalmente problemas
e dificuldade.s, o indivíduo imediatamente se
volta para as soluções possíveis. A atitude básica
corresponde mais a um decidido "afinal, por que
não!?" em vez de um "mas ... ".
O déficit do neurotransmissor não é sentido
apenas como uma queda na produção e no ânimo.
v A longo prazo, provoca sintomas psíquicos e fisicos
ª desagradáveis, variações de humor e até depressJo,
~ dores de cabeça constantes, distúrbios de sono,
~
0 enfraquecimento do sistema imunológico, falta
de libido, impotência, assim como a
síndrome de bumout, que pode levar à
morte. Segundo estudos recentes, mesmo
doenças como Alzheimer e diabetes podem
estar, ainda que parcialmente, associadas
à baixa produção de serotonina.
Para prevenir o problema
um caminho talvez seja tomar
nossos ancestrais filogenéticos
como modelos para a composição
de nossos cardápios! Pois
se comêssemos como nossos
ancestrais, há milhões de anos
-assim como nossos parentes
geneticamente mais próximos,
os macacos-, o corpo humano
conseguiria produzir sensivelmente
mais serotonina e, mesmo em
um caso de necessidade elevada,
sob forte estresse, o organismo não
chegaria a sofrerem razão de deficiência
do neurotransmissor. O gargalo decisivo
para a síntese desse "hormônio chefe" é o
aminoácido triptofano, que o corpo não consegue
produzir sozinho. Por isso, precisamos adicioná-
lo ao metabolismo por meio da dieta, recorrendo
a alimentos crus. Considerando que patologias
como Alzheimer e diabetes podem estar
associadas à baixa produção de serotonina, a
ingestlo frequente de grlos aumenta a produção
da substância. (Da redação)
nervoso central não é capaz de estocar glicose (na forma de
glicogênio). Isso explica por que a glicemia é tão importante
para a aptidão mental: quando ela cai, a concentração
diminui. Estudo coordenado pelo bioqufmico Daniel J.
Cox, da Universidade de Virgfnia, revelou que também a
concentração muito alta de glicose reduz a capacidade mental.
Os voluntários que participavam de sua pesquisa cometeram
mais erros ao fazer cálculos depois de se esbaldar comendo
doces. Atualmente, os cientistas acreditam que nada melhor
para o cérebro do que uma glicemia moderada e estável; e isso
se consegue com ingestão de carboidratos adequados. Mas é
bom lembrar: seu efeito dura apenas algumas horas. O melhor
mesmo é manter diariamente uma dieta diversificada. Seu
cérebro agradece. (Do redação)
propensão à depressão (no caso de baixa con-
centração) , necessita das vitaminas C, B6, B 12,
ácido fólico e zinco para sua sfntese a partir do
triptofano. Este aminoácido está no leite e em
seus derivados, na aveia, nos produtos à base
de soja, no arroz, nos grãos integrais, na carne
branca, nos ovos, no mel, na ameixa, na banana,
no abacaxi, nas frutas secas, no amendoim, nas
nozes e na castanha, entre outros al imentos.
Alguns estudos indicam que dietas ricas
em carboidratos aumentam a concentração
de triptofano, o precursor da serotonina, no
sistema nervoso central (SNC). Dietas ricas em
proteína, ao contrário, diminuem a captação
desse aminoácido pelo SNC. Isso se justifica
porque proteínas contêm, além do triptofa-
no, aminoácidos básicos como metionina e
alanina, que competem com o triptofano pelo
transporte ao SNC, realizado por transporta-
Asas à imaginação
As fibras alimentares retardam a absorção de
glicose. Elas são formadas por carboidratos
complexos de origem vegetal que não podem ser
digeridos pelas enzimas do trato gastrointestinal
humano. Assim, alimentos ricos tanto em amido
quanto em fibras, como os produtos integrais,
legumes, leguminosas e frutas não muito doces
(como a maçã), mantêm o nível de gficose plas-
mática estável por mais tempo, proporcionando,
portanto, as condições ideais para altos e longos
voos intelectuais. (Do redação)
PARA SABER MAIS
Interação entre alimentos
e medicamentos. Rosane
Gomez e Ca rina Duarte
Venturini. Letra& Vida, 2009.
dores "especializados" contidos na barreira
hematoencefálica. Portanto, dietas equilibra-
das em que a proporção de carboidratos em
relação a protefnas é maior podem aumentar a
concentração de triptofano no sistema nervoso
central e, consequentemente, de serotonina,
popularmente conhecida como a "substância
da felicidade" , melhorando assim o humor e
reduzindo o risco de depressão.
Além disso, dietas ricas em carboidratos
aumentam a liberação de insulina após as
refeições, intensificando a captação de outros
aminoácidos básicos para o tecido muscular e
facilitando ainda mais a absorção de triptofano
pelo SNC. A insulina liberada pelo aumento
de glicose pós-prandial (após as refeições)
também aumenta a captação desses aminoá-
cidos básicos para o tecido muscular. Além do
triptofano, outros aminoácidos, como tirosina,
colina, histidina e taurina, obtidos por meio da
dieta, são precursores de neurotransmissores.
Minerais como manganês (presente no abacaxi
e em leguminosas) , cromo (encontrado em
carnes, grãos integrais, germe de trigo, queijo,
pimentão verde, espinafre e pimenta-do-reino
etc.), cobalto (disponível no amendoim, ervi-
lha, sardinha, salmão etc.), iodo (no sal iodado,
alho, cebola e alimentos de origem marinha
em geral) e selênio (comum na castanha-do-
-pará, carnes e aves) , assim como os ácidos
graxos e ômega 3 (E PA e DHA) - encontrados
em óleo de peixe, abacate, li nhaça e abóbo-
ra - também funciona m como importantes
combustfveis cerebrais. ne
19
c o M E R
Sabores
saudáveis
COMPOSTOS Q UE INTENSIFICAM SABORES DOCES E SALGADOS
DOS ALIMENTOS AJUDAM A DESVEN DAR MECANISMOS DO
PALADA R E ENGANAM O CÉREBRO CO M O PROPÓS ITO DE
COM BAT ER OBESIDADE E DOENÇAS CA RDÍACAS
I I por Melinda Wenner, jornalista
O
s humanos foram feitos para gostar das
comidas saborosas que fornecem energia ,
protefnas e eletrólitos. Em uma época em que
é tão comum consumir produtos carregados
de açúcar e sal, no entanto, nossas tendências gustativas
podem resultar em obesidade, doença cardfaca e diabe-
tes do t ipo 2, que estão entre os principais problemas de
saúde pública.
Mas e se um grupo de pequenos componentes pu-
desse enganar nosso cérebro para comermos de forma
diferente? É essa a ideia por trás da nova ciência de mo-
dulação do gosto. Cientistas estão desenvolvendo com-
postos baratos, mas poderosos, que tornam os alimentos
mais doces, salgados, saborosos - e saudáveis -do que
realmente são. Adicionando pequenas quantidades desses
modu ladores a comidas tradicionais, é poss fvel reduzir
a quantidade de açúcar, sal e glutamato monossódico
(MSG) necessária para gerar satisfação, o que resultaria
em produtos mais saudáveis .
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20 I mentecérebro I 7 sepdos do cérebro saudável
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I • • I .
. ,.-:;.-. i . -r- . r•1·~. .... . \ t . . ' . I. ' .__... , 1r • • .... ' .
Ao contrário do que pregavam modelos
antigos (abaixo, à esquerda) , especialistas
dizem hoje que a língua não tem
regiões que detectam um único
tipo de sabor. Na verdade,
botões gustativos inseridos
nas papilas (elevações) em
toda a lrngua sentem todos
os sabores. Cada botão
contém células gustativas
alongadas que respondem
a doce, salgado, azedo,
amargo e umami (saboroso).
Os receptores na superfkie de
uma célula para doce, por exemplo,
se ligam a moléculas de açúcar. Se apenas
alguns açúcares se associam, a sal iência
envia um sinal fraco para o cérebro (pág.
ao lado, acima); se moléculas de açúcar
estão presentes em maior quantidade,
mais ligações darão origem a um sinal
mais forte de doce (meio). Moléculas
que intensificam o gosto aumentam a
probabilidade de que as moléculas de
açúcar se liguem a seus receptores,
acentuando a sensação de doce mesmo
quando apenas algumas moléculas de
açúcar estão presentes (ao lado).
A Senomyx, empresa líder na utilização
de tecnologias pa ra descobrir e produzir
ingredientes com sabores inovadores para
a indústria de alimentos e beb idas, com
sede em San Diego, está na fronte ira dessa
nova tecnologia, e grandes empresas como
a Coca-Cola e a Cadbury têm se interessado
pelas descobertas. A Senomyx está desen-
volvendo tam bém bloqueadores de gosto
amargo para que alimentos menos pai atáveis
tenham melhor sabor, o que ampl iaria as
fontes de nutrientes disponíveis no mundo.
As empresas, por exemplo, poderiam usar
mais a proteína da soja, potencialmente ali-
mentando mais pessoas, se conseguissem
disfarçar seu gosto amargo residual. Esses
bloqueadores seriam capazes de melhorar
o gosto tam bém de med icamentos, o que
encorajaria as pessoas a usá-los .
Enganando nossos processos gustativos,
seria possível economizar grande quantia em
22 I mentecerebro I 7 segredos do cérebro saudável
OBSOLETO: o
modelo antigo
sustentava que
as diferentes
regiões detectavam
distintos sabores
dinheiro com a substituição de açúcar, sal e
outros ingredientes por minúsculas quantida-
des de compostos mais baratos.
A busca pelos moduladores de sabor
começou em 1996, quando o pesquisado rCharles Zucker, professor de biologia da Uni-
versidade da Ca lifórn ia, San Diego, percebeu
que a literatura existente sobre a biologia da
gustação abordava mecanismos de forma
potencialmente errada. Os humanos sentem
cinco tipos de gosto: doce, salgado, amargo,
azedo e saboroso- também chamado umami,
que pode ser aproximadamente traduzido do
japonês como "sabor delicioso". A maioria
das crianças aprendeu que a língua é dividida
em regiões que detectam, cada uma, um tipo
Muitas moléculas de açúcar= gosto forte
Poucos açúcares e mais moléculas =
aumento do gosto forte
de sabor. Mas, ao mesmo tempo, trabalhos
mostravam que os botões gustativos em
toda a boca (e não só na língua) contêm pe-
quenos grupos de células que permitem que
cada botão detecte todos os sabores. Zucker
concordava, mas duvidava que toda célula
gustativa era sempre capaz de distinguir entre
os cinco sabores.
Para Zucker não fazia sentido evolutivo que
uma célula fosse responsável por detectar a
presença de algo teoricamente bom, como o
açúcar e algo ruim, como um veneno amar-
go. Muitas células sensitivas são capazes de
diferenciar estrmulos opostos, mas cada um
de nossos domínios sensoriais inclui também
estruturas cuja função primária é responder
a um tipo de estímulo, como as células da
pele que reagem apenas a uma dada faixa de
temperatura. Zucker não conseguia conciliar
a noção de que uma única célula gustativa
"pudesse evocar comportamentos diametral-
A maioria
das crianças
aprendeu que a
língua é dividida
em regiões que
detectam, cada
uma, um tipo de ª
sabor, mas hoje ~
essa teoria já r
~
não se sustenta: g
uma mesma
estrutura é
capaz de captar
diferentes
estímulos
mente opostos. Em vez disso, supunha que
a existência de um botão gustativo reunisse
células para identificar doce, salgado, amargo
e assim por diante.
Se as células gustativas fossem tão especí-
ficas seria mais fácil manipulá-las- o que teria
enormes implicações para o setor ali mentício.
Zucker considerou que as células gustativas
teriam sensores específicos em suas membra-
nas. Um receptor de sal se ligaria a uma molé-
cula de sa l, mas não a uma doce ou amarga.
Mas o pesquisador não tinha evidências para
sustentar sua teoria.
O primeiro passo de Zucker deveria isolar
os receptores , o que ninguém jamais havia
feito. Ele e seus colegas da UCSD removeram
célu las gustativas da língua de camundongos
de laboratório e compararam os genes que
davam origem a proteínas em cada célula. Por
fim, seis pesquisadores encontraram genes
que codificavam duas proteínas pela primei-
ra vez. Zucker consegu iu inferir que as duas
estruturas ficavam na superfície da célula e
provavelmente funcionavam como receptores,
e as chamou de Tl R 1 e Tl R2.
Mas quando Zucker tentou entender o que
as duas proteínas faziam, chegou a um beco
sem saída. Nenhuma delas funcionava sozi-
nha como um receptor gustativo completo. O
biólogo se lembrou de que os camundongos
variam suas preferências por comidas doces
-alguns quase não gostam delas. Estudos an-
teriores haviam mostrado que esses roedores
apáticos apresentavam um defeito genético.
Zucker os estudou e acabou encontrando
outro candidato a receptor. E o gene que dá
23
Hoje a Senomyx tem um acervo de 500 mil compostos naturais
e sintéticos. Após identificarem um composto que interage
unicamente com uma célula, os pesquisadores usam o
processo de triagem para melhorar suas propriedades fisicas.
"Podemos avaliar centenas de milhares de compostos e
ingredientes diferentes e localizar uma agulha no palheiro", diz
Mark Zoller, diretor científico da empresa.
Alguns dos compostos podem necessitar de dissoluçao em
líquidos ou reter suas propriedades quando aquecidos. Muitos
devem permanecer estáveis nos produtos durante meses.
A empresa patenteia compostos promissores e começa a
certificaçao de segurança enviando informações à Associaçao de
Fabricantes de Sabores e Extratos em Washington.
O programa Generally Recognized as Safe (Gras) da
instituiçao foi estabelecido pela Food and Drug Administration
origem a essa proteína, a Tl R3 , de
fato diferia entre os camundongos
em geral e os que não gostavam de
doce. Quando ele introduziu uma
cópia funcional do gene relacionado
nas células gustativas de um dos
ratos, a alteração desencadeou uma
forte predileção por açúcar.
SACARINA E REFRIGERANTE
Com alguns outros experimentos
Zucker e seus colegas revelaram a
estrutura e a função dos receptores
gustativos para doce e para sabo-
(FDA), em 1960, para supervisionar as avaliações de segurança de
compostos flavorizantes consumidos em pequenas quantidades.
Já que as quantidades slio tlio pequenas, os compostos nlio
precisam passar pelo processo de segurança mais rigoroso do
FDA requerido para "aditivos" nos alimentos. Quando a Senomyx
submete informações sobre um novo composto, cientistas
independentes decidem, com base na composiçao química, se ele
será seguro para o consumo.
Embora o trabalho possa levar dois anos, alguns críticos
questionam sua validade. Michael Jacobson, diretor executivo do
Center for Science in the Public lnterest, em Washington, diz que
o processo Gras "é certamente o caso de uma raposa vigiando
o galinheiro". Ele reconhece, no entanto, que os flavorizantes
slio substâncias químicas inócuas se utilizadas em pequenas
quantidades e que nlio há histórico de problemas de segurança.
sado, as empresas de alimentos
identificavam novos sabores por
tentativa e erro, com humanos
provando um resultado de cada
vez. O processo era tedioso, e
as empresas conseguiam testar
no máximo alguns milhares de
compostos anualmente.
Mas a utilização da estrutura
dos receptores gustativos de
Zucker possibilitou que novos
moduladores de sabor fossem
rapidamente identificados. Inspi-
roso. Cada tipo de receptor continha duas
partes. O primeiro consistia na combinação
de TlR2 e TlR3; o de saboroso, de TlRl e
Tl R3. Em seguida, Zucker identificou também
as unidades do receptor de amargo - todas
as 25 -, bem como o receptor responsável
pela detecção do azedo. Cada célula gustativa
possuía os receptores para apenas um gosto.
Zucker percebeu que, além de contribuir
para a biologia básica, suas descobertas per-
mitiriam aos cientistas projetar compostos
que interagissem, por exemplo, apenas com
o receptor de doce ou de salgado, afetando a
percepção de gosto de formas específicas. "As
ferramentas básicas para modular experimen-
talmente como o sistema gustativo funciona
se tomaram factíveis", d iz. Em 1998, Zucker
e alguns outros pesquisadores criaram uma
empresa que se tornou a Senomix. No pas-
Em poucos
anos, os
consumidores
poderão ingerir
alimentos com
apenas uma
fração das
calorias e do sal
que já tiveram,
sem notar a
diferença
rando-se nas matrizes de plástico
com vários pequenos receptáculos que as
empresas farmacêuticas utilizam para testar
novas drogas, Zucker elaborou matrizes de
milhares de "células gustativas" artificiais,
cada receptáculo contendo um tipo de recep-
tor gustativo. Ele então introduzia milhares
de compostos potencialmente moduladores
de sabor a esses "testadores-robôs" de alto
rendimento para ver quais interagiam com
quais células.
Desenvolver adoçantes melhores é um
dos principais objetivos dos pesquisadores.
Os substitutos do açúcar de baixa caloria dis-
poníveis hoje, como o aspartame, sucralose ~
e sacarina, frequentemente deixam um gosto i:
residual amargo por causa das altas concen- ~
trações. "Do ponto de vista sensorial, não ~
são ideais", diz Gary Beauchamp, diretor do ~
Monell Chemical Senses Center em Filadélfia. ~
24 I ment«érebro I 7 segredos do cérebro saudável
Refrigerentes dietéticos, por exemplo, não têm
gosto tão bom quanto os originais, porque o
sabor residual amargo altera a percepção do
cérebro. Se as empresas de alimentos pudes-
sem usar quantidades menores dos substitu-
tos, a via de captação de gostos amargosseria
menos ativada.
Ao testar tantos compostos, Zucker per-
cebeu que seria possível identificar moléculas
que não tinham nenhum sabor em si mas
podiam interagir com os adoçantes e recep-
tores de doce para aumentar a percepção.
"Pensamos: talvez possamos encontrar meios
inteligentes de fazer com que pouco açúcar
pareça muito", relata ele.
Depois de analisar 200 mil compostos, os
pesquisadores da Senomyx identificaram um
que faz com que a sacarose seja quatro vezes
mais doce. O modulador começou a ser adi-
cionado a produtos em 2009. O mercado po-
tencial é enorme: estima-se que 5 mil produtos
no varejo atualmente contenham sucralose.
Também foi descoberto um modulador de açú-
car que faz com que a sacarose, ou açúcar de
mesa, tenha um gosto duas vezes mais doce.
Desse modo, seria possível cortar calorias
de alimentos e manter o mesmo gosto. E as
comidas dietéticas poderiam ser ainda mais
saborosas do que são hoje.
AMARGO E SALGADO
Estão em andamento estudos sobre
bloqueadores de gosto amargo para proteínas
da soja, os quais ajudariam a livrar o cacau
de seu gosto residual amargo, diminuindo
a quantidade de açúcar que os fabricantes
adicionam aos produtos feitos dessa
semente. Essas substâncias contribuiriam
para a criação de medicamentos, "plantações
orgânicas", como de arroz e soja, que
contivessem vacinas orais contra hepatite
B e outras doenças. Esses alimentos seriam
cultivados em países em desenvolvimento
onde o acesso à vacinação é limitado, mas
se os componentes medicinais fizessem
com que eles tivessem um gosto ruim, a
população local não iria consumi-los. Um
bloqueador tornaria o produto palatável, mas
naturalmente o preço teria de ser acessível.
Outra empresa, a Redpoint Bio, em Ewing,
Nova Jersey, está pesquisando bloqueadores
CANAP~ DE CAVIAR:
descoberto há um século,
o sabor umami ainda
não é reconhecido como
quinto gosto básico que a
lfngua identifica
PARA SABER MAIS
Para driblar o gosto amargo.
Especial Mente e Cérebro
Segredos dos sentidos, n• 12,
pág. 84-90, 2008.
The search for sweet build-
ing a better sugar substitute.
Burkhard Bilger, em New
Yorker, pág. 40, 22 de maio
de 2006.
de gosto amargo que utilizam uma abordagem
levemente diferente. Em vez de vetarem pro-
dutos que afetam os receptores da superfície
de uma célula gustativa, cientistas buscam
substâncias que interajam com as vias de si-
nalização das células. Um alvo é o canal iônico
comum chamado TRPMS; a Redpoint procura
compostos capazes de bloqueá-lo ou ativá-lo.
A empresa está colaborando com a Coca-
-Cola e com a Givaudan, companhia sufça de
sabores e fragrâncias, e prevê que alimentos
contendo seus compostos estarão nas prate-
leiras dos supermercados em poucos anos.
Em 2008, a Senomyx identificou o recep-
tor primário responsável pela percepção do
sal: um poro ou uma cânula que atravessa a
membrana de uma célula gustativa, permitindo
que íons de sódio e hidrogênio entrem nela.
Os compostos que interagem com o canal au-
mentariam a potência do efeito do sal. "Reduzir
a ingestão, mesmo em pequena proporção,
poderia ter um impacto significativo tanto
na saúde quanto na qualidade de vida", diz
Zucker, que permanece na UCSD, ao mesmo
tempo que atua como consultor científico da
Senomyx. "Se é tão difícil mudar o hábito das
pessoas então faz sentido mudar sua percep-
ção", afirma. Em poucos anos, os consumido-
res poderão ingerir alimentos com apenas uma
fração das calorias e do sal que já tiveram, sem
notar a diferença. Mas ainda é preciso saber
se eles passarão a ingerir menos calorias se a
alimentação for mais saborosa. mec
25
26 I ment«érebro I Sete segredos do cérebro saudável
B .. ... 8 E
Uma ta
desaú
a
e
Ao BEBERMOS VINHO TINTO LENTAMENTE, EM PEQUENOS GOLES,
SENTINDO O SABOR, NOSSO CÉREBRO SE BENEF ICIA DO RESVERATROL,
SUBSTÂNCIA PRESENTE NAS UVAS QUE AJUDA A PREVENIR A
DETERIORAÇÃO DAS CÉLULAS NEURAIS
D
egustar uma taça de vinho pode proporcionar
mais que prazer e bem-estar. A bebida milenar,
associada ao deus grego Dioniso e ainda hoje
usada em rituais religiosos, tem chamado a aten-
ção de cientistas por seus benefícios à saúde. É comprovado
que, em pequenas quantidades, previne doenças cardiovas-
culares, diabetes e alguns tipos de câncer. Uma substância
~ ~ em especial tem revelado grande potencial terapêutico: o i resveratrol, molécula presente na casca de uvas pretas e ro-
sadas e um dos ativos não alcoólicos encontrados na bebida.
~
~ Segundo o cientista Lindsay Brown, da Escola de Ciências
ª Biomédicas da Universidade de Queensland, na Austrália,
! a molécula reduz os sintomas de doenças relacionadas à
~ idade, como o diabetes 2. Segundo Brown, a substância per-
~ tence ao grupo das sirtu ínas, família de enzimas que agem
~
g na regulação energética e no envelhecimento das células.
1/ por : • Loc.CC'""' redator da Mente e Cérebro
Em um estudo da Universidade do Texas pesquisadores
injetaram o resveratrol no cérebro de ratos e observaram
aumento da secreção de insulina e redução dos níveis glicêmi-
cos. Mesmo nos animais que receberam dieta hipercalórica,
a molécula ajudou a reduzir os níveis de açúcar sem causar
os efeitos colaterais dos medicamentos para diabetes mais
utilizados. A descoberta pode ajudar a criar remédios que
atuem sobre as sirtu ínas. Entretanto, os pesquisadores res-
saltam que esse mecan ismo não esclarece o efeito protetor
do vinho contra o diabetes 2, pois o resveratrol não parece
atravessar facilmente a barreira hematoencefálica. Isso ocorre
porque a substância é praticamente inativada quando chega
ao intestino e ao fígado. Assim, ela atinge a circulação apenas
em pequenas quantidades. Porém, se o vinho for bebido de
forma lenta, em pequenos goles, as chances de absorção
pelo sangue aumentam, através das membranas mucosas
27
R
da boca, até 100 vezes. A equipe coordenada
pelo qufmico André Souto, da Pontiffcia Univer-
sidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS),
trabalha no desenvolvimento de um fármaco
contra diabetes com base no resveratrol, que
além de encontrado na uva, está presente em
quantidade lOOvezes maior também na hortaliça
popularmente conhecida como azedinha (Rumex
acetosa). No entanto, ainda são necessários
mais estudos para saber se é possfvel produzir
remédios a partir da planta.
À FRANCESA
O resveratrol tem mostrado efeito sobre várias
patologias. Cientistas da Escola de Medicina
Johns Hopkins, em Maryland, administraram a
substância em ratos e duas horas depois indu-
ziram um derrame isquêmico nos animais, cor-
tando o suprimento de sangue do cérebro. Eles
observaram que os camundongos que haviam
ingerido preventivamente um composto com
resveratrol sofreram significativamente menos
danos cerebrais do que os que não receberam M
~ a substância. O estudo foi publicado on-line na -
~ Neurology Experimental. :;
? O neurocientista Sylvain Doré, coordenador ~
da pesquisa, aponta que o resveratrol pode e
aumentar os níveis da enzima hemeoxigenase ~
Q
(HEOX), conhecida por proteger as células
neurais contra perda progressiva de função
neurológica causada pelo entupimento (isque-
mia) ou rompimento (hemorragia) de vasos
sangufneos cerebrais. Durante um acidente
cardiovascular, a HEOX aumenta a resistência
dos neurônios contra a asfixia. A novidade é
que o resveratrol pode potencializar a ação da
enzima e tornar o cérebro mais resistente contra
o AVC isquêmico. Por outro lado, os efeitos do
resveratrol dependem da quantidade de heme
oxigenase presente no organismo. Ratos com
deficiência da enzima não se beneficiaram da
ação protetora do resveratrol- neles um maior
número de células cerebrais morreu após a
indução do derrame isquêmico. Doré associa
suas conclusões ao que chama de "paradoxo
francês": apesar da dieta rica em queijos, man-
teiga e outras gorduras saturadas, a incidência
de doenças cardiovasculares é relativamente
baixa entre os franceses. O fato é atribuídoao
consumo regular de vinho tinto.
Além disso, o consumo da bebida tem sido
28 I rnentecérebro I Sete segredos do cérebro saudável
O bom cafezinho
Os efeitos da bebida mais consumida do planeta
sobre a capacidade de concentração são conhecidos,
na prática, por estudantes e profissionais. A
cafeína, o principal componente do café, age na
área do tronco encefálico e promove alterações
no estado de alerta, orientação espacial, tempo
de reação e agilidade de locomoção, combatendo
temporariamente a fadiga e a sonolência. Os
efeitos cognitivos, porém, dependem da dose
ingerida e do tipo de tarefa estudada_ Sabe-se que a
ate n ç I o pode modificar a atividade neural de áreas corticais específicas
que participam dos processos perceptivos. Isso significa que a ampliação
da atençio é capaz de aumentar a resposta dos neurônios a determinados
estímulos- as respostas tendem a ser mais rápidas e precisas. Em relação
à memória, porém, não há dados conclusivos sobre os efeitos do café. A
molécula psicoativa responsável por esse efeito é a metil-xantina, da famflia
dos alcaloides, usada em inúmeros medicamentos, desde analgésicos
até drogas para tratamento da asma. Diversos estudos, entre eles
os do fannacologista Alberto Ascherio, da Universidade Harvard,
sugerem que o consumo regular pode reduzir também o risco
de Partdnson. De fato, levantamentos epidemiológicos
verificaram que maior ingestão de café ao longo da vida
está associada a menor incidência da patologia.
Para alguns
pesquisadores,
comer a fruta
fresca ou
tomar seu
suco garante
a mesma
quantidade de
antioxidantes,
com a vantagem
de não ter álcool
Nos últimos anos, vem crescendo o interesse
em estudos sobre as possibilidades
de a cafeína proteger contra o
Alzheimer. (Da redação)
associado também à diminuição de doenças
inflamatórias agudas como a septicemia (infec-
ção grave do organismo por germes patogêni-
cos). Em estudo feito na Escócia, o imunofar-
macologista Ali rio Melendez, do Centro de Pes-
qu isa Biomédica da Universidade de Glasgow,
utilizou o resveratrol para tratar camundongos
com doenças inflamatórias agudas. Ele aponta
que processos de infecções graves são difíceis
de ser controlados e, ainda hoje, são causa
frequente de morte. Pacientes que sobrevivem
à infecção mantêm qual idade de vida muito
baixa por causa dos danos provocados pela
inflamação de vários órgãos internos. Melendez
induziu um agente inflamatório em dois grupos
de ratos, mas antes disso um deles havia recebi-
do doses de resveratrol. Os camundongos que
não receberam a substância mostraram forte
resposta inflamatória, parecida com a doença
em humanos, enquanto o grupo que recebeu
tratamento não demonstrou sinais de infecção.
Os cientistas examinaram os tecidos dos ratos
para determinar exatamente como o resveratrol
foi capaz de proteger os animais e descobriram
que a substância impediu o corpo de criar duas
moléculas envolvidas no desencadeamento de
inflamações: a esflngosina quinase e a fosfoli-
pase. O pesquisador acredita que o resveratrol
pode ser usado para tratar doenças inflamató-
rias e desenvolver drogas ainda mais eficazes.
Doré aponta, porém, que tomar suplemen-
tos de resveratrol, comercializados em alguns
países como os Estados Unidos, não garante ~
os mesmos efeitos do consumo moderado de ê
vinho. Apesar de a substância ser encontrada {
em uvas pretas, ele acredita que a interação ~
com o álcool presente na beb ida garante o ~
~
potencial terapêutico da substância. @
NA MEDIDA CERTA
É importante ressaltar que as quantidades de
resveratrol na bebida variam com o tipo de vinho.
Ainda são necessárias mais pesquisas para escla-
recer qual tipo é mais adequado para consumo e
quais as quantidades indicadas. "Talvez o resve-
ratrol não seja o responsável direto por proteger
as células cerebrais contra os danos provocados
pelos radicais livres. O mais provável é que a subs-
tância e os seus metabolitos estimulem as células
a se defender", sugere Doré. O neurocientista se
concentra em estudar os efeitos preventivos da
substância, mas pretende investigar os benefícios
terapêuticos depois do acidente vascular cerebral
(AVC) e se é possível reverter perdas neurais que
surgem com o passar do tempo.
Outro benefício associado ao consumo
de vinho tinto fo i publ icado no Journal of
Neuroscience. Em um experimento com roedores,
o neurocientista Giulio Pasinetti e seus colegas
do Departamento de Psiquiatria da Escola de
Medicina Monte Sinai, em Nova York, mostraram
que substâncias presentes na bebida podem
combater os primeiros sinais de Alzheimer.
Eles aplicaram extrato retirado da semente de
uva em camundongos na fase pré-sintomática
da doença degenerativa, durante cinco meses.
A dose aplicada era equivalente à quantidade
média de alimentos consumida pelos animais,
com referência em valores diários de uma dieta
saudável. A exposição à substância reduziu a
acumulação de placas amiloides no cérebro
e o declínio cognitivo em comparação com o
grupo de controle. Observaram também que
UVAS PRETAS
e rosadas contêm
altas concentrações de
flavonoides, componentes
com ação anti-inflamatória,
principalmente na casca e
nas sementes
PARA SABER MAIS
Dose certa. Leonardo Caixe·
ta. Mente e Cérebro Especial
n• 29, págs. 14·19.
Wine: a scientific explo-
ration. Merton Sandler e
Roger Pinder. Taylor & Fran-
cis, 2003.
Antioxidants and disease
prevention. Harinder Ga·
rewal. CRC Press, 1997.
os roedores tinham melhor memória espacial.
Segundo Pasinetti , o vinho pode ajudar a
retardar a formação de placas e fazer com que
os sintomas, como a perda cognitiva, demorem
mais para aparecer.
Em um estudo anterior, o neurocientista
relatou que o consumo moderado da bebida e
de outros produtos feitos da uva traz benefícios
à saúde, particularmente para a função cardio-
vascular. O objetivo agora é tentar descobrir qual
a principal molécula, entre os milhares conti-
das no vinho tinto, envolvida na prevenção de
patologias neurodegenerativas. Outros grupos
desenvolvem pesquisas semelhantes com o café
(veja quadro ao lado). "Esse pode ser o primeiro
passo para desenvolver um tratamento natural
e sem contraindicações para demência", diz.
Apesar dos ganhos trazidos pela bebida, o
consumo de álcool tem riscos, principalmente
para pessoas com problemas hepáticos. "Se
uma taça diária funciona para os franceses,
que mantêm o hábito ao longo de gerações,
isso não significa que pessoas que nunca
ingeriram a bebida vão se beneficiar se incor-
porarem o vinho à sua dieta", diz Pasinetti.
Uma alternativa inofensiva é o consumo de
uvas pretas e rosadas. Elas contêm altas
concentrações de antioxidantes, resveratrol
e flavonoides, principalmente na casca e nas
sementes. Para alguns pesquisadores, comer
a fruta fresca ou tomar seu suco garante a
mesma quantidade de antioxidantes, com a
vantagem- para tristeza dos apreciadores de
vinho- de não ter álcool. nec
29
MEXER O CORPO
Mentes em
• movtmento
ATIVIDADE FÍSICA NÃO FORTA LECE
APENAS O CORAÇÃO E OUT RO S
MÚSCULOS, TAMBÉM BENEFICIA
A CAPACIDADE MENTAL D E
ADULTOS E AJUDA CRIANÇAS A
SE DESENVOLVER MELHOR; ALÉM
DISSO, É ALIADA NO CO M BATE
À DEPRESSÃO E TORNA
MAIS LENTO O DECLÍNIO
COGNITIVO CAUSADO
PELA IDADE
li por Steve Ayan, psicólogo e jornalista
E
m que você pensa quando falamos sobre esporte? Em disciplina, desempe-
nho, condicionamento? Na academia onde você malha muito raramente?
Ou no parque onde caminha de vez em quando apesar de, no fundo, pre-
erir estar relaxado no sofá de casa? Não se deixe enganar pela ladainha do
prêmio que não vem sem suor ou da juventude eterna! O exerdcio que realmente ~
faz bem está muito distante desses conceitos. Infelizmente, muitas pessoas as- ~
sociam a ideia de esporte principalmente ao esforço. Impulsionados pelo peso na ~
consciência, muitos tentam se animar a ser ativos- a fim de manter o corpo em ~
~ forma,perder alguns quilos ou ser mais saudáveis. Com um resultado bastante ~
modesto. Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) mostram que 1,6 bilhão ª
de pessoas no planeta tem excesso de peso. No Brasil estima-se que esse número 3
-a-chegue a 70 milhões, sendo 25% considerados obesos. O motivo principal, além ~
~
da má alimentação, é a falta de exercício. Segundo estimativas, isso gera custos de ~
pelo menos 70 bilhões de euros por ano aos órgãos de saúde. ~
30 I mentecerebro I 7 segredos do cérebro saudável
correr por aí, se concentrar no lugar de pular de
um lado para outro. A televisão, o computador e
os videogames também colaboram para tirar dos
pequenos a vontade natural de se movimentar.
Com isso, aparecem prejuízos primeiramente
para o estado geral de saúde, com o surgimento
de problemas posturais e obesidade, por exemplo.
O corpo e o psiquismo, porém, não amadurecem
independentemente-como uma função motora
desenvolvida de forma insuficiente, por exemplo,
pode frear o intelecto, pois, quanto mais segura
g a criança está ao explorar seu ambiente, mais fa-
~ cilmente absorve novos estímulos. Dessa forma,
1
~
subir, saltar e correr marca o início de um ciclo
que reforça a si mesmo.
j
W&--~~--~~~--~~~~~--~~~----------~~ Q
Um estudo coordenado pelo pesquisador
Charles Hillman, da Universidade de lllinois
em Urbana-Champaign, publicado em 2008
mostra que crianças que se movimentam mais,
em geral, obtêm melhores notas na escola. O
desempenho em cálculo ou leitura, por exemplo,
aumenta proporcionalmente à atividade física. No
entanto, podemos perguntar aqui, com razão, o
que determina esse resultado: será que pais que
apoiam mais seus filhos em questões escolares
também os estimulam mais a praticar esportes?
A correlação entre valores estatísticos, porém,
não revela nada sobre motivos mais profundos.
Contudo, a solução parece simples. Não é
novidade que a atividade física moderada e regular
estimula e mantém a saúde do corpo. O que cada
vez mais pesquisadores têm comprovado é que a
prática não fortalece apenas o coração e os múscu-
los, mas também a capacidade mental, ajuda crian-
ças a se desenvolver melhor, é aliada no combate à
depressão e torna mais lento o declínio intelectual
atrelado à idade. Para tanto, não é necessário ne-
nhum esforço absurdo ou tortura- pelo contrário:
o limiar da "dose salutar" é surpreendentemente
baixo. Incluir passeios a pé ou de bicicleta na rotina
(quase) diária já cumpre o objetivo.
Essa descoberta de pesquisadores contraria
um antigo conceito segundo o qual o corpo
e a mente estariam em concorrência entre si.
Durante muito tempo, dizia-se que seria melhor
para as crianças ficarem sentadas lendo um livro
ou aprenderem uma língua estrangeira ou um
instrumento musical em vez de correr atrás de
uma bola, por exemplo. E quem quisesse manter
seu potencial intelectual deveria exercitar prefe-
rencialmente o cérebro. Engano! Na verdade, a
ciência tem comprovado que atividades físicas
e mentais estão intimamente associadas. E para
tirar o melhor proveito dessa interseção é preciso
levar em conta características de cada fase da vida.
UMA FORÇA PARA A AUTOESTI MA
De maneira geral, a sociedade ocidental não atribui
grande valor ao exercício para o desenvolvimento
infantil. Adultos costumam fazer as crianças des-
de pequenas ficar sentadas e quietas em vez de
3 2 I rnentecérebro I 7 segredos do cérebro saudável
CORRER E SALTAR:
exploração do ambiente
deve ocorrer de forma lúdica
O pesquisador Phillip Tomporowski, da
Universidade da Geórgia, também confirmou
que o bom condicionamento físico de crianças é
acompanhado de melhores resultados escolares.
No entanto, ainda não é possível demonstrar
experimentalmente a influência do esporte sobre
o desempenho cognitivo. O que se sabe é que
nem toda prática esportiva estimula a capacidade
intelectual. O condicionamento aeróbico por meio
de atividade muscular moderada costuma ser
considerado frutífero, assim como treinamentos
de força parecem reforçar a capacidade de plane-
jar e coordenar ações - em resumo, aquilo que
chamamos "capacidades executivas".
Outro grande grupo de estudos, no qual em
geral são utilizados camundongos e ratos, defen-
de que a atividade física prepara a mente para o
aprendizado. Experimentos para testar o efeito de
treinamentos físicos sobre o cérebro de roedores
remontam aos anos 60. A neurobióloga Marian
Diamond, da Universidade da Califórnia em
Berkeley, hoje com 79 anos, foi considerada pio-
neira nessa área. Ela criou animais em "ambientes
enriquecidos", gaiolas cheias de "brinquedos",
onde as cobaias eram constantemente estimula-
das de forma lúdica. Entre os roedores, as rodas
de exercícios são as preferidas: eles percorrem,
sem dificuldade, 5 a 6 km por dia.
Ao analisar o tecido cerebral desses ratos
treinados em laboratório, Marian concluiu que
o córtex, responsável pelas funções cognitivas
mais elaboradas, de maneira geral tinha melhor
irrigação sanguínea e era maior, em comparação
à mesma região cerebral de animais da mesma
espécie criados em gaiolas comuns. Além disso,
os animais "estimulados" dessa forma atingiam
melhores resultados em testes de aprendizagem
e comportamento.
Esses experimentos oferecem grandes vanta-
gens aos pesquisadores: um camundongo ou rato
não vive mais de dois ou três anos; sendo assim,
é possível estudar o decorrer de sua vida quase
em "câmera rápida". Além disso, as alterações no
tecido cerebral podem ser observadas até mesmo
em nível molecular com os métodos laboratoriais
bem mais refinados desde os usados nos tempos
de Marian. Pela observação, cientistas puderam
concluir que há principalmente dois tipos de efeito
do exercício sobre o sistema nervoso: estimula o
crescimento vascular e o neuronal.
O primeiro refere-se a processos que permi-
tem que as ramificações dos vasos sanguíneos se
desenvolvam ainda mais-e não apenas nos mús-
culos, mas também em tecidos neurais. Dos capi-
lares cerebrais provêm os neurônios com oxigênio
e, consequentemente, a energia. Essas estruturas
Durante muito
tempo pais e
educadores se
acostumaram a
pedir às crianças
desde pequenas
que ficassem
sentadas e
quietas em vez
de correr e pular
HÁ PARTICULARMENTE
dois efeitos importantes
do exerócio sobre
o sistema nervoso:
estimula o cresómento
vascular e o neuronal
são fundamentais para o segundo mecanismo: o
constante trabalho de construção e reestruturação
das próprias células. Um recém-nascido vem ao
mundo com a mesma quantidade de neurônios
de um adulto: entre 100 bilhões e 500 bilhões. No
entanto, nos pequenos essas células não estão
densamente interligadas. Assim, nos primeiros
anos de vida, o plano é "moldar e semear": de
acordo com a necessidade e os estímulos, esto-
ques de células não utilizadas rotineiramente são
descartados, assim como novas ligações são for-
madas e fortalecidas. Os neurônios desenvolvem
longos prolongamentos, tomam contato uns com
os outros por meio das sinapses e criam redes
de comunicação que processam informações de
forma cada vez mais rotineira.
Pesquisas com animais indicam que princi-
palmente o hipocampo, que funciona como uma
central de aprendizagem e memória, é a área que
mais tira proveito da melhor circulação sanguínea
no cérebro e da produção desse "hardware" neu-
ronal. Um estudo realizado por pesquisadores da
Universidade de Xangai com ratos de 5 semanas
de idade e publicado em 2008 indicou que exer-
dcios como caminhada moderada influenciam
principalmente o giro dentado, um importante
segmento do hipocampo. Uma quantidade ele-
vada de substâncias mensageiras, como o fator
de crescimento vascular (VGF, na sigla vascular
growth factor} e o fator neurotrófico derivado do
encéfalo (BDN F, brain derived neurotrophic facto r},
levou ao processo denominado neurogênese,
que nada mais é que o crescimento de novas
33
células neurais. Porém, o exagero dessa atividadebenéfica teve efeito limitante: com excesso de
corrida, a função construtora no cérebro dos
roedores recrudescia.
Surgem, no entanto, questões inevitáveis:
informações obtidas com animais podem ser
transferidas para seres humanos? Será que o exer-
dcio é bom para crianças apenas porque o córtex
de "ratos esportistas" é mais grosso e tem melhor
circulação sangurnea? Os processos cerebrais
são, em prind pio, os mesmos em roedores e hu-
manos. Portanto, parece óbvio que mecanismos
semelhantes desencadeiem resultados similares.
No caso de pessoas, no entanto, acrescentam-se
inúmeros aspectos emocionais e interpessoais.
Se no infcio da vida é crucial o desenvolvi-
mento do repertório motor, da linguagem e do
pensamento, com o passar do tempo surgem
outras prioridades, como adquirir competências
Flexibilidade nas células neurais
sociais, testar os próprios limites e construir a
autoconfiança por meio de vivências bem su-
cedidas. Isso pode ser facil itado pelo exercício.
Vários estudos já comprovaram que a ativi-
dade física eleva a sensação de bem-estar. Em
um trabalho recente, a pesquisadora Karen Petty,
colega de Tomporowski, comparou, por meio de
questionário, a autoestima e o estado de espírito
de adolescentes com sobrepeso antes e depois de
um programa de treinamento de várias semanas.
Resultado: ao final, os participantes se mostravam
mais animados, satisfeitos consigo mesmos e
com uma autoimagem mais positiva.
Karen ressalta, porém, que não se trata apenas
de criar condições favoráveis ao desenvolvimento
neuronal por meio da atividade física. Na ver-
dade, o exerdcio e as experiências associadas a
ele influenciam posturas e hábitos que afetam o
caminho a ser seguido na vida. Por isso, a diversão
EFEITOS SOBRE O CENTRO DA MEMÓRIA
O hipocampo, aqui representado em corte, é certamente a
região mais bem estudada do córtex cerebral. Ele indui,
entre outras coisas, o como de Ammon (amarelo-claro
e escuro), curvado em espiral, e o giro dentado
(azul). Os neurônios, que aparecem entrelaçados,
podem gravar as informações que chegam
a longo prazo. Para tanto, formaram-se
mecanismos específicos que desenca-
deiam rápidas alterações plásticas nas
células neurais. Atividades fisicas
regulares aumentam a flexibi-
lidade necessária para essas
mudanças anatamicas.
deveria estar em primeiro lugar: uma atividade
escolhida por vontade própria e divertida que gere
experiências de sucesso. Isso estimula crianças
efetivamente. A natureza já cuida para que isso
ocorra, na medida em que provê os pequenos com
uma intensa tendência natural ao exercício. Tudo
depende apenas de que nós não as refreemos. O
deslocamento das prioridades pessoais - estu-
do, trabalho, relacionamentos e famnia - quase
sempre deixa a atividade ftsica em segundo plano
na idade adulta. Em outras palavras: as pessoas
têm menos tempo e muitas vezes se acomodam,
preferem ir aos lugares de carro em vez de bici-
cleta e usam o tempo livre para namorar, resolver
questões de trabalho ou ficar com os filhos em
vez de se exercitar. Frequentar academias, por
exemplo, exige abertura de espaço na agenda- e
boa dose de determinação. Muitas vezes, porém,
simplesmente não há tempo para entrar em forma.
O treino eleva Se perguntamos a adultos por que deveriam
(pelo menos teoricamente) se exercitar, rece-
bemos respostas que levam em conta "meios
para atingir o fim desejado": ajuda a emagrecer,
manter a saúde, ter uma "válvula de escape"
após um duro dia de trabalho. De fato, estudos
comprovam que a prática regular de atividade
ftsica ajuda a combater o estresse e a aliviar a
sobrecarga emocional.
a concentração
de triptofano,
que melhora
a recaptação
de serotonina,
diminuindo
os efeitos da
depressão,
estimulando a
sensação de
bem-estar
Por que isso acontece? Motivo número um:
treinamento regular reduz o nfvel do hormônio
do estresse, cortisol, que é liberado em razão da
sobrecarga da hipófise. Essa reação faz com que
o organismo seja imediatamente abastecido com
energia adicional, mas a longo prazo isso prejudica
as células cerebrais. A atividade nsica funciona aqui
de forma "neuroprotetora" dos efeitos do cortisol.
Capilares cerebrais
A FONTE DA JUVENTUDE FICA NA CABEÇA
O exerdcio leva a uma melhor circulação sangufnea não
apenas nos músculos, mas também no tecido nervoso. Os
mais finos vasos sangufneos, os capilares cerebrais, atraves-
sam o hipocampo e proveem os neurônios com nutrientes.
O volume e a ramificação aumentam com a atividade fisica,
podendo surgir novos vasos (angiogênese). Por meio da ativa-
çlo e desativaçlo de genes, ou seja, os planos de construção
gravados no núcleo celular para substâncias mensageiras e
estruturas celulares, o exerdcio também estimula a cons-
trução de novos hardwares (neurogênese). Esse processo é
coordenado pelas moléculas de crescimento VGF (fator de
crescimento vascular), BDNF (fator neurotrófico derivado do
encéfalo) e IGF (fator de crescimento insulina sfmile).
Segundo: o exerdcio eleva a concentração de
triptofano no cérebro. Essa substância é um pre-
Transmissor Botão sináptico
MAIS PLASTICIDADE SINÁPTICA
O aprendizado e a memória têm como base a transmissão
de sinais nas sinapses, os minúsculos pontos de conexão
entre os neurônios. Um rápido aumento das moléculas
receptoras na membrana celular toma mais fácil estimular
a célula receptora por meio de transmissores qufmicos. Se
um neurônio recebe muitas mensagens de seus vizinhos em
um curto intervalo, então sua sensibilidade aumenta. Isso é
denominado por pesquisadores potenciação de longo prazo
(LTP, de long-term potenciation). Os exercfcios estimulam
esses processos. Além disso, substâncias anti-inflamatórias
protegem as células de prejufzos que possam surgir no de-
correr do processo metabólico. Consequência: os neurônios
continuam funcionando por mais tempo.
I
l
f
I
lii -
J
35
cursor do neurotransmissor serotonina que favo-
rece o processamento das emoções. Em pessoas
depressivas, o nível de serotonina e a neurogênese
são bastante reduzidos. Médicos tentam com-
pensar essa situação por meio da administração
de inibidores de recaptação de serotonina (SSRI).
Esses medicamentos fazem com que haja maior
quantidade disponível do neurotransmissor nos
contatos sinápticos das células neurais.
Terceiro: durante a atividade física, opioides
endógenos (do próprio corpo) estimulam o
centro de compensação no mesencéfalo. É
provável que seja a causa do runner's high, fre-
quentemente relatado por esportistas assíduos
- um sentimento de bem-estar experimentado
durante o treino. Esse componente emocional da
atividade física é hoje utilizado com sucesso no
tratamento de distúrbios psíquicos. Em um es-
tudo de 2007, coordenado pelo psiquiatra James
Blumenthal, da Universidade Duke em Durham,
na Carolina do Norte, por exemplo, mais de 200
pacientes com diagnóstico de depressão foram
separados em três grupos. Os integrantes do
primeiro foram instruídos a realizar exercícios
regulares para melhorar a resistência; o segundo
foi tratado com sertralina, inibidor seletivo de
recaptação de serotonina, e o terceiro recebeu
placebo. Quatro meses mais tarde, metade
dos voluntários que faziam exercícios regulares
apresentou melhoras tão efetivas quanto os que
receberam tratamento medicamentoso. No gru-
po que recebeu placebo ocorreu um fato curioso:
um terço dos pacientes teve sintomas clínicos
atenuados num primeiro momento.
Como nenhum outro estudo confirma esse
efeito benéfico, os cientistas tentam encontrar
36 I mentecerebro I 7 segredos do chebro saudável
ESPORTISTAS ASSIDUOS
costumam experimentar
sentimentos de bem-estar
durante a prática
explicação por meio de outras análises, incor-
porando os resultados de vários trabalhos. Um
dos mais recentes estudos comparativos desse
tipo foi publicado por especialistas em saúde
coordenados por Gillian Mead, da Universidade
de Edimburgo. Após a avaliaçãode 25 estudos
com mais de 900 participantes, os pesquisado-
res perceberam o alto potencial antidepressivo
dos exercícios de resistência. No entanto, se
forem utilizados padrões metódicos muito
~ severos, o efeito desaparecerá. Assim, seria ! necessário que os participantes não soubessem
I se pertencem ao grupo de controle ou ao de
G tratamento. Naturalmente, esse tipo de teste
cego é praticamente impossível em programas
esportivos. Não se sabe também qual o papel
desempenhado pelo apoio social mútuo, já que
quando a pessoa corre, faz exercícios ou anda
de bicicleta em grupo termina por desenvolver
laços que podem influir em seu humor.
De maneira geral, a atividade física parece
bastante adequada no caso de uma leve tendência
à depressão ou de uma inquietação ansiosa. Mas
quando há sintomas graves e causas profundas,
como um trauma, somente o exercício não é
suficiente. O estudo já citado desenvolvido por
Karen Petty com jovens com sobrepeso nos leva
a supor a mesma coisa. A porção extra de esporte
fortaleceu a autoestima de participantes brancos
mas o mesmo não ocorreu com os americanos de
ascendência africana! Nestes últimos, o desânimo
aparentemente não apenas tinha raízes na insatis-
fação com a própria aparência, mas estava ligado
a questões mais amplas, como a discriminação e
marginalização social.
EPIGENÉTICA E CURA
No caso de quadros de ansiedade e depressão a
prática esportiva favorece a recuperação do con-
trole sobre a própria vida, ajuda a pessoa a voltar a
fazer algo por si mesma e a desfrutar de um lugar
no grupo de treinamento. E, ao que tudo indica,
a prática regular diminui o risco de recaídas. Dez
meses após o término do programa esportivo
do estudo de Blumenthal, menos participantes
retomaram o tratamento, em comparação com o
grupo que recebeu medicamentos. Isso ocorreu
principalmente quando os pacientes continuaram
se exercitando de maneira regular depois do fim
do experimento.
No entanto, independentemente das condi-
ções psíquicas, os efeitos positivos do exerdcio
podem ser comprovados. A palavra mágica é
"epigenética". Ela designa o complexo processo
no interior das células que determina qual infor-
mação genética será lida em que momento e
transformada em novas proteínas e substâncias
mensageiras. Essas modulações genéticas tam-
bém ajudam a determinar se- e quantos - novos
receptores, ligações sinápticas e neurônios devem
surgir, inclusive no cérebro saudável.
Hoje se sabe que a atividade flsica influencia a
ativação e desativação de mais de 500 genes. Isso
foi demonstrado pelos pesquisadores )ames Tim-
mons e Carl Sundberg, do Instituto Karolinska, de
Estocolmo, quando eles "receitaram" exerdcios
ergométricos a um grupo de homens jovens.
A diversão
deve estar em
primeiro lugar:
é importante
que a atividade
física seja
escolhida por
vontade própria
e associada
ao prazer e ao
sucesso
O neurobiólogo molecular Jeff Lichtman, da
Universidade Harvard, comprovou em 1999 a
rapidez com que alterações neuronais podem
ocorrer. O pesquisador injetou uma tinta especial
fluorescente no tecido intacto de cobaias, e assim
puderam ser marcadas moléculas receptoras na
membrana de células neurais e musculares às
quais se conecta a acetilcolina, uma substância
mensageira que transmite ordens de movimenta-
ção para as junções sinápticas, os locais de ligação
entre o nervo e o músculo. O cientista esperava
que uma estimulação artificial das transmissões
de sinais levasse a alterações após alguns dias
ou semanas, mas a densidade dos receptores
aumentou muito após poucas horas.
Em outro estudo, um grupo coordenado pela
médica Ana Pereira, da Universidade Colúmbia,
em Nova York, selecionou voluntários saudáveis
com idade entre 21 e 45 anos com pouco contato
com esportes. Após a realização de um teste de
memória e de uma tomografia por ressonância
magnética (TRM), iniciou-se o treinamento na
esteira ou na bicicleta na academia da própria
universidade quatro vezes por semana, durante
uma hora, por três meses. Depois desse período,
os candidatos repetiram os testes de memória e
resistência flsica, assim como o exame do cére-
bro. O hipocampo, importante para a capacidade
mnemônica, passou a ter melhor circulação san-
guínea, e os afetados tiveram pontuação mais alta
nos experimentos de aprendizado.
COMBATE À DEMÊNCIA
É preciso reconhecer, porém, que isso nem sem-
pre ocorre: muitas vezes, a atividade flsica não
eleva o desempenho cognitivo de jovens adultos.
Cérebros que trabalham "no limite" raramente
podem ser ainda mais acelerados. Na idade
adulta média, as pessoas tiram menos proveito
Vale movimentar-se em pensamento
Não está com vontade de praticar esporte? Não faz mal:
simplesmente imaginei Apenas isso já pode aumentar a
força muscular. Pelo menos é o que garantem pesquisadores
da Clínica Cleveland, em Ohio, nos Estados Unidos. O
médico Vinoth Ranganathan e seus colegas pediram a 30
adultos saudáveis que mentalizassem da forma mais intensa
e detalhada possível o curvar do dedo mínimo de uma
das mãos. Após treinamento de 15 minutos diários, cinco
dias por semana, durante 12 semanas, a força muscular
do dedo "mentalizado" dos atletas mentais aumentou em
aproximadamente 35%. Tomografias demonstraram que
áreas do cérebro frontal que preparam os movimentos se
tomaram mais ativas. Aparentemente, o aumento da força
deveu-se a uma linha direta entre o cérebro e os músculos.
37
direto das boas condições neuronais. Nesse caso,
o que faz diferença é o fortalecimento da saúde
fisica e psíquica. Nessa fase é mais saudável evitar
a exigência excessiva consigo mesmo devido à
ambição esportiva exagerada.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) esti-
ma que só no Brasil 1 milhão de pessoas sofrem
de demência por Alzheimer. Devido ao envelheci-
mento da população e ao aumento da estimativa
do tempo de vida, esse número deve crescer muito
nos próximos anos. Até 2050, a porcentagem de
homens e mulheres com mais de 60 anos na
população deve dobrar. O problema é que, nesse
último terço de vida, a probabilidade de uma pes-
soa adoecer de Alzheimer se eleva imensamente.
No entanto, o risco pode ser reduzido por
meio de um estilo de vida ativo. Ao lado da al i-
mentação saudável e do estímulo da rede de re-
lacionamentos, os exercícios fisicos parecem
ser a prática mais adequada para manter
a capacidade cognitiva por mais tempo.
O pesquisador Eric Larson, da Univer-
sidade de Washington em Seattle, por
exemplo, demonstrou que esportistas
adoecem mais raramente de Alzhei-
mer. Ele estudou 1.740 homens e
mulheres com mais de 65 anos. No
início da investigação de longo pra-
zo, todos os participantes não apenas
estavam saudáveis, mas apresentavam
altos resultados para a faixa etária no teste
de inteligência Cognitive Ability Screening
lnstrument (CASI). Os médicos exa-
gostam de se exercitar e outros mais ociosos
apontam na mesma direção: os ativos têm me-
lhores resultados em quesitos como atenção,
memória e capacidade intelectual: conseguem
memorizar mais informações, as processam
melhor e demoram mais a se cansar.
No entanto, ainda há uma questão a ser
resolvida. Pessoas bem ou mal condicionadas
provavelmente se diferenciam também em ou-
tros pontos. Talvez as primeiras tenham, já por
princípio, hábitos mais saudáveis e se alimentem
melhor. Mesmo que isso seja verdade, não se
pode desprezar o efeito do bom condicionamento.
Que o exercício protege contra infartos, diabetes
ou mesmo osteoporose, já se sabe há muito. E
quem está em melhores condições fisicas também
não sofre um declínio mental tão rápido.
Pesquisadores querem saber, porém, se
o exercício na velhice também tem efeito
direto sobre o cérebro. Uma pessoa
saudável que chega aos 90 anos já
perdeu até 200/6 dos neurônios que
possuía quando jovem. No entan-
to, novas células neurais surgem
ininterruptamente - só no hipo-
campo estima-se que apareçam
vários milhares por dia. Ou seja:o
cérebro em envelhecimento passa
por constante transformação.
O especialista em biomedicina Stan-
ley Colcombe e colegas da Universidade
de lllinois em Urbana-Champaign, compro-
minavam os voluntários a cada dois
anos, avaliando sinais de demência c;~~~-.:=:::::::::::;===i.
incipiente. Paralelamente, foram
levantados o tipo de atividade nsica
varam isso em um estudo em 2006. Os
pesquisadores dividiram, por sorteio, 59
idosos saudáveis entre 60 e 79 anos em
três grupos: o primeiro passou por um
treinamento cardiovascular; o segundo realizou
exercícios de alongamento; e o terceiro, um pro-
grama de relaxamento. Todos os participantes trei-
naram três vezes por semana durante seis meses
e, antes e depois desse período, tiveram o cérebro
examinado no laboratório. Ficou demonstrado
que o volume do lobo frontal, assim como o do
temporal, cresceu após os exercícios de resistência.
Como isso ocorreu exatamente é dincil de estudar
em seres humanos. Para esclarecer a questão, os
pesquisadores recorrem ao modelo animal.
que praticavam e a frequência com que o faziam,
além de dados sobre o estado geral de saúde, a
condição psíquica, hobbies etc.
Após seis anos, 158 sujeitos estavam demen-
tes e 107 tinham diagnóstico de Alzheimer. O
índice dos doentes entre aqueles que exerciam
atividades físicas três vezes por semana ou mais
estava em 13 por 1.000, uma proporção mais
baixa que o valor de praticamente 20 entre os
inativos. O esporte reduziu especialmente o risco
de demência entre aqueles que haviam apresen-
tado as piores condições nsicas antes do início
do treinamento.
Várias dessas comparações entre os que
38 I mentecerebro I 7 segredos elo chebro saudável
ESTÍMULOS LÚDICOS
tornam cobaias mais
espertas
O grupo de trabalho coordenado por Fred i
Gage e Henriette van Praag, do Instituto Salk ~
em La Jolla, na Califórnia, forneceu informações i
inéditas sobre a neurogênese em idade avançada. o
Os neurobiólogos treinaram ratos de 19 meses
durante várias semanas com rodas de exerdcios.
Depois, os animais idosos foram submetidos ao
''water maze test" - um experimento para avaliar a
memória no qual eles nadam dentro de uma bacia
d'água e devem se lembrar do local onde está uma
plataforma que pode salvá-los. E vejam só: os ve-
lhinhos esportistas conseguiram cumprir a tarefa
melhor do que os roedores sedentários da mesma
idade. Além disso, o índice de neurogênese nos
animais treinados era apenas pouco menor do
que o de cobaias jovens. Aparentemente, a perda
de hardware neuronal com a idade pode ser, em
parte, compensada.
"O desenvolvimento do cérebro dura a vida
inteira", confirma o pesquisador da neurogênese
Gerd Kempermann, da Universidade Técnica de
Dresden. No final dos anos 90, ele descobriu
junto com Henriette e Gage que a atividade física
estimula o crescimento de neurônios também
em adultos. Os pesquisadores Charles Cotman
e Nicole Berchtold, da Universidade da Califórnia
em lrvine, descobriram as causas moleculares:
camundongos que corriam assiduamente na
roda produziam mais um importante fator de
crescimento neuronal (BDNF). E após um des-
canso de vários dias os animais voltavam a atingir
rapidamente o nível que os seus semelhantes
não treinados só conquistavam por meio de um
programa de corrida de semanas.
Mas o que acontece no caso da demência já
presente? Será que o declínio intelectual pode
ser refreado pelo exercício? Isso foi estudado em
2005 por um grupo coordenado por Paul Adlard,
também da Universidade da Califórnia, em ca-
mundongos geneticamente alterados. Os animais
foram induzidos artificialmente a desenvolver um
problema genético que causa redução das células
EM SEGUNDO PLANO:
por falta de tempo, muitos
se acomodam e preferem
se locomover de carro em
vez de usar bicicleta
PARA SABER MAIS
Exerci se effects on depressi·
ve symptoms and self..worth
in overweight children: a
randomized controlled trial.
H. Petty et a/., emjoumal of
Pediatric Psychology (on-li·
ne), 16 de fevereiro de 2009.
Exercise and children's inteUi·
gence, cognition, and acade-
mic achievemenl Burkhard
Bilger, em New Yorlcer, pág.
40, 22 de maio de 2006. P. O.
Tomporowski et a/. , em Edu-
cationa/ Psychology Review
20 (2), págs. lll -13 1, 2008.
neurais. A situação é semelhante à de pessoas
com Alzheimer. Os pesquisadores dividiram os
roedores doentes em dois grupos. A única dife-
rença é que em uma das gaiolas havia uma roda
de exerdcios e na outra não. Após cinco meses, os
animais que corriam apresentaram menos placas
amiloides no córtex do lobo frontal e temporal do
~ que os outros, da mesma idade, que estavam em
j gaiolas comuns. No hipocampo foi encontrada
- apenas metade dos emaranhados de proteínas
~ que caracterizam a doença.
~ No mesmo ano, pesquisadores da Univer-
G
sidade de Ch icago comprovaram que camun-
dongos transgênicos com Alzheimer também
tiravam proveito de "pequenas expedições" por
ambientes estimulantes: eles saíam em "férias
de aventuras" em uma ampla gaiola com roda
de exerdcios, túneis coloridos e brinquedos, no
início por três horas diárias e, após um mês,
três vezes por semana. Os passeios retardaram
consideravelmente o declínio do hipocampo. O
estímulo aparentemente fortaleceu a capacidade
do cérebro dos roedores de eliminar a perigosa
beta-ami loide. Como demonstraram análises, as
vias sinalizadoras epigenéticas foram responsá-
veis por isso: nos núcleos celulares dos neurônios,
informações genéticas que estimulam processos
de reparação e desenvolvimento de neurônios
foram lidas com frequência.
Os resultados estão de acordo com observa-
ções feitas em seres humanos. Stanley Colcombe
e Arthur Kramer avaliaram em 2003 os resultados
de 18 estudos relevantes. Segundo eles, o treina-
mento aeróbico melhora o desempenho cognitivo
em adultos saudáveis com mais de 50 anos.
O psicólogo Ulman Lindenberger, diretor do
Instituto Max Planck de Pesquisas em Educação,
de Berlim, porém, relativiza esses resultados.
Segundo ele, quanto mais for divulgada a ide ia de
que a demência não é fato do destino mas con-
sequência de um estilo de vida inadequado, mais
provavelmente a culpa pela doença será atribuída
à pessoa afetada. O especialista faz um alerta
contra a estigmatização: "Não existe nenhum
meio milagroso que proteja com certeza contra
o declínio intelectual na velh ice". No entanto,
parece que já está mais do que na hora de aplicar
na prática o conhecimento científico para o bem
do corpo e da mente. Afinal, o estudo do cérebro
nunca nos deu tantos bons argumentos para
começarmos a nos exercitar quanto agora. nec
39
MEXER O CORPO
Atletas.
E também
inteligentes
A CIÊNCIA AJUDA A QUEBRAR PRECONCEITOS AO
REVELAR QUE APTIDÃO PARA ESPORTES NÃO É
INCOMPATÍVEL COM HABILIDADE COGNITIVA: HOJE
SE SABE QUE ATIVIDADE FÍSICA É FUNDAMENTAL
PARA AUMENTAR OS NÍVEIS DAS PROTEÍNAS
QUE CONSTITUEM A INFRAESTRUTURA NEURAL
NECESSÁRIA PARA A APRENDIZAGEM
I I por Steve Ayan
D
urante muito tempo persistiu a ideia de que o mundo se dividia entre
os esportistas-que malhavam o corpo e negligenciavam a mente-e
os intelectualmente privilegiados- em geral avessos aos treinos. Ape-
sar dos frequentes relatos de que exerdcios regulares são benéficos
para o cérebro adulto, a ideia de que quem se destaca na atividade física tem
menos inclinação para atividades intelectuais ainda permanece entre pais e até
entre educadores. O artilheiro do time da escola é visto quase como contraponto
do campeão da olimpfada de matemática, como se aptidão física se opusesse a
cognição (e vice-versa). Para muitos adultos, deixar as crianças correr ou jogar
bola pode parecer uma espécie de alienação ao mundo do aprendizado ou, na
~ ~ melhor das hipóteses, mera diversão.
E É comum que desde a pré-escola os professores estimulem as crianças a ficar
f sentadas em vez de se movimentar-aliás, quanto mais quietos e "comportados"
~ forem os pequenos, mais fácil pareceser controlá-los. Muitas escolas chegaram
~ a eliminar aulas de educação física para dar mais espaço para áreas básicas do
4 ensino fundamental como leitura, escrita e matemática. E quando as notas dos
~ alunos em provas padronizadas (como Fuvest e E nem) são supervalorizadas pelos
! pais e pelas instituições, educadores podem se sentir pressionados a incentivar
~ os alunos para atividades intelectuais- afastando-os das práticas esportivas.
40 I rnentecérebro I 7 segredos do cérebro saudável
O AUTOR
É psicólogo e editor de textos científicos.
41
Pesquisas sugerem, no entanto, que essa for-
ma de pensar é equivocada. O tempo gasto em
passeios ao ar livre, corrida ou participação em
esportes coletivos ajuda as crianças a se concen-
trar e melhora seu desempenho em sala de aula.
Estudos recentes relacionaram o desempenho
cognitivo dos alunos com parâmetros de ativida-
des flsicas como capacidade aeróbica (cardfaca,
pulmonar e dos vasos sangufneos), de responder
a exerdcios flsicos intensivos e com o fndice de
massa corporal (IMq, que associa peso a altura.
E o mais importante: envolver as crianças em
programas de exerdcios parece ajudá-las a se sair
bem na escola, já que os treinos flsicos expandem
habilidades mentais, estimulando a formação de
novas conexões entre as células cerebrais.
DA AGILIDADE À COMPETÊNCIA
Em adultos, exerdcios aeróbicos regulares estão
associados à melhoria da capacidade intelectual
e, com o passar do tempo, a uma taxa mais baixa
de dedfnio cognitivo - e até mesmo à redução
no risco de demência. Também há muito tempo
a psicologia do desenvolvimento sugere que
entre 2 e 5 anos existe forte correlação entre
crescimento frsico e mental. Nessa idade é
importante incentivar a habilidade de manusear
brinquedos e objetos do cotidiano. Nessa faixa
etária é desenvolvida a base para o conhecimento
do mundo real. Ao montarem blocos ou mani-
pularem ferramentas as crianças aprendem leis
básicas da ffsica: quando a pilha de peças está
torta, por exemplo, a torre desaba; se deixar cair
42 I mentechebro I 7 segredos do cérebro saud.tvel
MONTAR BLOCOS
permite que os pequenos
coloquem em plitica as
leis básicas da fisica e
ampliem sua compreensllo
do mundo
um martelo no pé ou prender o dedo na gaveta
a pessoa sentirá dor.
Embora os benefícios cognitivos dessa
manipulação sejam bem conhecidos, somente
na última década os cientistas começaram a
perceber correlação mais estreita entre atividade
flsica mais vigorosa e habilidades intelectuais em
crianças. O psicólogo Charles H. Hillman, da
Universidade de lllinois, e seus colegas examina-
ram resultados de pesquisas sobre exerdcios e
cognição, tomando por base estudos publicados
desde a década de 90. O trabalho incluiu 12 inves-
tigações sobre crianças e adolescentes, a maioria
mostrando que altos níveis de aptidão flsica (mas
não de força muscular ou flexibilidade) estavam
vinculados ao melhor desempenho escolar. Em
outras palavras, quanto mais fisicamente apto o
jovem, maior a probabilidade de ele obter boas
notas -uma relação que vale desde a pré-escola
até a universidade.
O grupo liderado pela pesquisadora da área
da educação DariaM. Castelli, na época também
da Universidade de lllinois, avaliou a aptidão
flsica de 259 alunos da 3• à 5• série pelo IMC e
solicitou a cada um que realizasse uma prova de
corrida e um teste de força muscular. Os pesqui-
sadores observaram que o desempenho médio
nos testes de matemática e de leitura estava
diretamente relacionado à capacidade aeróbica
dos pequenos voluntários, isto é, à distância que
conseguiam correr.
O grupo liderado pelo neurocientista Hans
Georg Kuhn, da Universidade de Gotemburgo, na
Suécia, descobriu recentemente a relação entre
capacidade aeróbica e coeficiente de inteligência
(QI) em adolescentes. Em estudo publicado em
novembro de 2009, os cientistas analisaram o
desempenho de mais de 1 milhão de jovens do
sexo masculino em testes de aptidão ffsica e
de inteligência realizados quando se alistaram
no serviço militar, aos 18 anos. Mais uma vez,
os resultados indicaram que, de maneira geral,
a capacidade cardiovascular (mas não a força
muscular) estava vinculada à inteligência. E
depois de explorar outras bases de dados na
Suécia, os pesquisadores descobriram que ;
:;
uma boa condição física aos 18 anos estava ~
relacionada a um alto nfvel de erudição no ~
" decorrer da vida. l:
~
Em 2010, o psicólogo Christian Roberts, da ~
Universidade da Califórnia em Los Angeles, e ~
seus colaboradores reforçaram a ideia de que
o condicionamento físico e o sucesso escolar
andam juntos. Os pesquisadores testaram a
competência atlética de 1.989 alunos da s•, 7•
e 9• séries de escolas da Califórnia medindo
a velocidade com que conseguiam correr (ou
caminhar) 1,5 km e seu IMC. Inter-relacionando
essas variáveis de aptidão física com as notas
dos alunos em provas padronizadas, os pesqui-
sadores constataram que os estudantes mais
lentos, cujos tempos de corrida/caminhada
foram superiores aos padrões da Califórnia- ou
que apresentavam I MCs acima das diretrizes
nacionais-, tiraram notas mais baixas nas pro-
vas de matemática, leitura e linguagem que os
alunos com níveis de aptidão ffsica mais altos,
mesmo entre crianças cujos pais tinham nfvel de
escolaridade similar.
LINGUAGEM E FUTEBOL
Pesquisadores alertam, porém, que embora as
correlações entre exercício e desempenho escolar
sejam fortes, elas não significam necessariamen-
te que a atividade física leva ao aprimoramento
cognitivo: elas podem simplesmente indicar
que os pais que estimulam os filhos a praticar
esportes são também aqueles que exigem deles
melhor desempenho escolar. Mais que serem
atletas, ter pais comprometidos pode explicar o
desempenho escolar dos filhos.
Para determinar se os exerdcios frsicos
provocam um efeito direto na capacidade de
~ raciodnio, foram realizados estudos de inter-a s venção nos quais os pesquisadores adicionaram
% práticas esportivas às atividades diárias das
§ crianças e avaliaram seu impacto na aprendiza-
: gem, memória e capacidade de concentração.
~ Várias dessas pesquisas revelaram que um
~ condicionamento físico adicional pode melhorar
§ as notas nas provas e o desempenho escolar em
~ geral. Em 2008, o cinesiologista (especialista
ª na análise dos movimentos do corpo humano)
g Phillip D. Tomporowski, da Universidade da
: Geórgia, analisou resultados de 12 grupos de
~
2 pesquisa que inscreveram crianças em progra-
~
~ mas de exerdcios que duravam de 20 dias a seis
~ meses. Tomporowksi concluiu que aumentar a
~ movimentação das crianças pode estimular a
~
~ inteligência, melhorar a criatividade e habilidades
i de planejamento e aperfeiçoar o desempenho
~ em matemática e leitura (com base em medi-
Exercícios físicos
expandem as
habilidades
mentais,
estimulando a
formação de
novas conexões
entre as células
cerebrais
das-padrão desses caracteres e habilidades).
Num trabalho de revisão de 17 estudos (7
deles envolviam maior participação de meninos
e meninas em exercícios) , os pesquisadores da
área da saúde François Trudeau, da Universidade
de Québec, e Roy J. Shephard, da Universidade
de Toronto, ambas no Canadá, conclufram que
incluir até uma hora de atividades físicas por
dia na grade curricular não prejudica as metas
escolares. Ao contrário: o aumento de exercícios
muitas vezes melhora o desempenho escolar,
apesar do tempo descontado das aulas de leitura,
linguagem e matemática.
Alguns pesquisadores sugerem que exerdcios
ffsicos podem ser benéficos para o desempenho
escolar, basicamente, por estimular um conjunto
específico de funções cognitivas. Muitas delas en-
contram-se sob a denominação geral de funções
executivas -capacidade de planejar e conduzir
ações. No âmbito da sala de aula, habilidades
executivas ajudam os alunos a prestar atenção,
decidir quando tomar nota ou fazer perguntas e
organizar o dever de casa. Acredita-setambém
que participar de atividades físicas expande a
memória de trabalho (capacidade de gravar itens
como números e palavras durante um período
suficiente para manipu lá-los mentalmente). Es-
tudos têm mostrado que os exerdcios produzem
um efeito menor - ou em alguns casos absolu-
tamente nenhum - em habilidades perceptivas
como reconhecimento de objetos, fluência em
idiomas e capacidade de visualizar e manipular
mentalmente objetos ou espaços.
43
Porém, as crianças precisam ultrapassar um
limite mfnimo de esforço para poder aproveitar
as vantagens dos exerdcios físicos. A psicóloga
Catherine L Davis, pesquisadora da Universida-
de da Geórgia, juntamente com Tomporowski e
colegas inscreveram aleatoriamente 94 meninos
e meninas acima do peso entre 7 e 11 anos
num programa de atividade por períodos de
20 ou 40 minutos de exerdcios aeróbicos como
correr e pular corda, cinco vezes por semana.
Antes e depois de 15 semanas do programa, os
voluntários realizaram uma prova padronizada
que media sua capacidade de planejar, prestar
atenção e processar informação. As crianças
que estavam no programa de 40 minutos
melhoraram significativamente no item plane-
jamento, mas as inscritas no programa de 20
minutos -como aquelas que não se envolveram
em nenhuma atividade - não melhoraram em
nenhum item avaliado.
ARQUITETURA DA MEMÓRIA
Os cientistas ainda não sabem exatamente quan-
to e que tipo de exercício aeróbico - esportes
em grupo, corridas ou andar de bicicleta- afeta
mais o desenvolvimento intelectual. Os
estudos diferem muito nos tipos de ati-
vidade física que medem ou solicitam, e
pode ser que qualquer tipo de atividade
que estimule o coração seja válido. Apa-
rentemente, exercícios que envolvem
esportes organizados, prática de jogos
em equipe e de estratégias de jogo podem
ser responsáveis por alguns efeitos em
funções executivas. Em geral, crianças na
extremidade inferior da escala de desem-
penho tanto físico quanto cognitivo têm
maior probabilidade de se beneficiar da
prática de exerdcios que aquelas que são
razoavelmente competentes em sala de
aula e na quadra.
Além dos exercícios regulares, curtos
perfodos de movimentação podem me-
lhorar a concentração das crianças. Há
alguns anos, o pesquisador em educação
Matthew T. Mahar, da Universidade da Ca-
rolina do Norte, relatou ter concedido a 243
alunos de 3• e 4• séries uma pausa de 10
a 20 minutos durante o perfodo de aulas.
Os professores pediram às crianças que se
levantassem e praticassem atividades agi-
44 I mentecérebro I 7 segredos do cé-ebro saudável
Porvo~a dos
18 anos/ uma
pessoa com bom
condicionamento
costuma ter
mais chances
de atingir alto
nível de erudição
no futuro
tadas como bater palmas, saltar, bater os pés e fa.
zer outros movimentos. A prática foi mantida por
um período médio de seis semanas. Avaliadores
treinados observaram os pequenos antes, durante
e depois medindo seu comportamento durante
atividades escolares como concentrar-se nas
instruções do professor e participar de discussões
em classe. Os pesquisadores descobriram que a
participação no programa tornou os estudantes
em média 8% mais atentos às tarefas durante as
explicações. Alunos mais distrafdos melhoraram
os períodos de atenção em 200;6. Assim, não só
mudanças permanentes na aptidão nsica favorece-
ramo desempenho, mas simplesmente o fato de
dar às crianças a oportunidade de se movimentar
durante o período de aulas melhorou sua capaci-
dade de aprendizagem.
Embora os cientistas ainda não saibam exa-
tamente por que os exerdcios físicos beneficiam
o cérebro, estudos com animais sugerem que a
atividade nsica pode estimular o crescimento de
neurônios em regiões do cérebro importantes
para memória e funções executivas. Investiga-
ções realizadas nos anos 70 mostraram que
ratos criados em gaiolas espaçosas dotadas de
brinquedos, galhos para escalar e outros
objetos para estimulá-los física e mental-
mente desenvolveram um córtex cerebral
mais espesso. Essa é justamente a área do
cérebro que controla raciocínios mais ela-
borados e tomadas de decisão (entre várias
outras funções). Ratos que apresentaram
essas mudanças cerebrais tiveram melhor
desempenho em tarefas de memorização
que outros roedores, criados em gaiolas me-
nores e vazias. Os animais desses estudos
foram beneficiados tanto pelo esforço físico
como pelo estimulo mental. No entanto, ..
:i não há evidências sobre qual desses fatores "
contribuiu (ou se ambos contribufram) para ~
as mudanças cognitivas.
Nos últimos anos, os cientistas vêm des- ~ :;;
cobrindo substâncias químicas específicas :
z
o
PRÁTICA DE ESPORTES ACELERA O ~
CRESCIMENTO de células no hipocampo - área do J
cérebro fundamentAl( para a memória. Injetando um z
retrovírus em camundongos, cientistas induziram ~ s novos neur6nios a produzir uma protefna verde ;;;
fluorescente. Quatro semanas depois, observaram ~
o aparecimento de mais células nos roedores que ~
corriam regularmente (acima) que em sedentários
:;;
(abaixo) 8
no cérebro que podem melhorar a aptidão mental.
Entre outros grupos de pesquisa, o da neurocien-
tista Henriette van Praag, do Instituto Nacional
do Envelhecimento em Baltimore, descobriu que
os exerdcios flsicos aumentam a quantidade de
proteínas específicas que ajudam a construir a
infraestrutura do cérebro para aprendizagem e
memória em camundongos. Essas moléculas
incluem o fator de crescimento endotelial (VEGF,
na sigla em inglês) , que provê o crescimento dos
vasos sanguíneos, e o fator neurotrófico derivado
do cérebro (BDNF, na sigla em inglês), que faci-
lita o desenvolvimento de longos filamentos dos
neurônios chamados axônios, que ligam uma
célula à outra. Essa carpintaria biológica pode
criar ou fortalecer grandes redes do cérebro que
processam informação.
Especificamente, a atividade física pode
induzir essa construção numa parte do hi-
pocampo conhecida como giro denteado. O
hipocampo geralmente está ligado a um painel
de comando no cérebro que funciona em ope-
rações de memória, mantendo a unidade dos
pensamentos para retê-los na mente. Num es-
tudo publicado em 2008, o neurobiólogo Shu-jie
Lou e seus colegas da Universidade de Xangai
treinaram ratos de 5 semanas, considerados
jovens, para correr numa roda de exercícios
na gaiola. (Um animal saudável pode correr
facilmente vários quilômetros por dia.) Depois
de uma semana, as células cerebrais no giro
denteado desses ratos continham níveis mais
altos de VEGF e BDNF e de outras moléculas
que promovem o crescimento dos neurônios
que células de áreas comparáveis do cérebro de
ratos que não tinham corrido. Contudo, correr
em excesso pode ser contraproducente: depois
de correr na roda de exercício várias horas por
dia durante uma semana, a concentração de
fatores de crescimento neural no hipocampo
diminuiu. Por isso, cargas extremas de exercício
podem ser menos estimulantes intelectualmen-
te que atividade física mais moderada.
Algumas evidências sugerem que, também
em humanos, os fatores de crescimento neural
aumentam depois de exercícios aeróbicos. A
psiquiatra Cindy Law, da Universidade de Hong
Kong, e colaboradores descobriram que subir
escadas durante apenas 15 minutos aumen-
tava os níveis de BDNF no soro sanguíneo de
16 voluntários. (Esses níveis normalmente são
PARA SABER MAIS
Mentes em movimento.
Steve Ayan. Mente e Cérebro
n• 211, págs. 36·45, agosto
de 2010.
Exercise and the brain: so-
mething to chew on. H. van
Praag, em Trends in Neuro·
·Science, vol. 32, n• 5, págs.
283-290, 2009.
Exercise and children's in·
telligence, cognition, and
academic achievement. P. D.
Tomporowsk1 et a/., em Edu·
catíona/ Psychology Review,
vol. 20, n 2, págs. 111·131,
junho de 2008.
Be smart, exercise your
heart: exercise effects on
brain and cognition. C. H.
Híllman, K.l. Eríckson e A. F.
Kramer, em Nature Reviews
Neuroscience, vol. 9, n' 1,
págs. 58·65, janeiro de 2008.
reduzidosem síndromes psiquiátricas como de-
pressão, nas quais o crescimento e a reconstru-
ção neural também são retardados, sugerindo
que níveis no soro correspondem a níveis no
cérebro.) Evidências indicam ainda que, exata-
mente como acontece com ratos, altas cargas
de exercícios pesados podem ter o efeito oposto.
Em outro estudo menos abrangente, realizado
em 2008, a equipe do epidemiologista Shuzo
Kumagai, da Universidade Kyushu, no Japão,
observou uma diminuição na concentração de
BDN F em 12 homens após praticarem ativi-
dades físicas, como corrida de longa distância
ou partidas de tênis, por mais de 16 horas por
semana durante mais de três anos, em relação
a 14 homens sedentários.
Naturalmente, nem todas as crianças po-
dem ser estrelas do esporte, e para ser bem-
sucedidas na escola precisam fazer os deveres
de casa em vez de correr por horas seguidas.
Mas estimulá-las a brincar, saltar e correr,
principalmente quando estão com a agenda
mais lotada, pode ser muito produtivo. Além
de mais divertido. me.:
45
Nunca parar de
desc
--
ESTIMULAR A MENTE
brir o mundo
DuRANTE MUITOS ANOS CIENTISTAS E LEIGOS ACREDITARAM
QUE O DECLfNIO MENTAL ERA INEVITÁVEL; HOJE SE SABE,
PORÉM, QUE COM O PASSAR DO TEMPO ALGUMAS ÁREAS
DO CÉREBRO TENDEM A FUNCIONAR ATÉ MELHOR- MAS
PARA OBTER ESSE RESULTA DO É FUNDAMENTAL EXERCITAR
.,..._,.__ O ÓRGÃO MAIS SOFISTICADO DO CORPO
E
xercitar o cérebro faz bem. Cada
vez mais estudos comprovam
que o aprendizado estimula o
cérebro a continuar funcionado
bem por mais tempo, o que é fundamen-
tal, considerando que a expectativa de
vida tem aumentado significativamente.
Há apenas um século a média nos pafses
desenvolvidos era de 47 anos e agora está
em 78; dados do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatfstica (IBGE) mostram
que em três décadas o tempo médio de
vida no pafs cresceu 11 anos. Por conta
dessa mudança, a meia-idade tem sido
reconhecida como um perfodo extrema-
mente produtivo. Talvez a melhor noticia
nesse contexto seja a de que a maioria
das funções cerebrais podem ser preser-
vadas por 80, 90 anos ou mais, principal-
mente se atitudes e hábitos contribufrem
li por I ma CorrÊ , jornalista
para que se mantenham saudáveis .
E, ao contrário do que os cientistas
(e as pessoas em geral) acreditavam, o
envelhecimento não é, necessariamente,
sinônimo de decadência. De fato algu-
mas funções, como a área da memória
responsável por recordar nomes, entram
em declfnio. Mas, ao mesmo tempo, a
habilidade de formar jufzos mais exatos
sobre as pessoas e situações relaciona-
das a finanças, por exemplo, fica mais
aguçada. Isso acontece porque, com o
passar do tempo, as redes neurais cons-
troem padrões de ligação que podem ser
comparados a camadas entrelaçadas de
conhecimentos que nos permitem aces-
sar instantaneamente as semelhanças
entre situações e, na maioria dos casos,
discerni-las com mais precisão do que
terfamos na juventude.
47
Recentemente, com a comprovação de que
neurônios continuam a surg1r até a me1a-1dade
(um processo denommado neurogênese), mu -
tos conceitos sobre a dinâmica e a plasticidade
neurológicas se transformaram. Descobertas a
respeito da estrutura e das funções do cérebro
também trouxeram perspectivas ammadoras.
Hoje, por exemplo, sabemos sobre a Impor-
tância da mielina, um revestimento branco e
gorduroso que, à medida que aumenta, esta-
belece conexões que nos aJudam a processar
informações e a compreender o mundo que nos
cerca. Esse acréscimo da massa branca talvez
explique, do ponto de vista neurocientífico. o
que muitos identificam como "sabedoria da
meia-idade", uma vez que essa estrutura ajuda
a entender de que modo o acúmulo de v1vênc1as
altera anatomicamente o cérebro . Estudos reali-
zados nos últimos anos em centros de pesqu1sas
de vários pafses têm mostrado que o cérebro
de pessoas de meia-idade está mais para se
adaptar a situações que, na JUVentude, poderiam
ser consideradas intransponfveis pelo mesmo
individuo. "À medida que envelhecemos, ele se
torna mais ativo e áreas ma1ores são alocadas
para solucionar problemas", afirma a JOrnalista
Barbara Strauch em seu livro O melhorcérebro da
Na meia-idade,
aptidões
cognitivas
básicas ainda
estão em alta e
temos uma boa
experiência, o
que nos torna
mais aptos
para lidar com
situações do
cotidiano
sua v1da (Zahar, 2011) . "Nesse momento, aque-
les que mais exercitam as aptidões cognitivas le-
vam vantagem: são elas que melhor conseguem
"reaprender" a usar suas habilidades", ressalta
a editora de ciência do The New York Times. Para
escrever o livro, realizou uma extensa pesquisa
sobre as pesquisas mais recentes nessa área.
Pesqu isadores da Universidade Duke consta-
taram que, com o passar dos anos, as pessoas
começam a usar de forma mais frequente os dois
hem1sfénos cerebrais, em vez de "privilegiar"
um deles - um recurso chamado bilateralização.
"Especialmente aqueles que recrutam a força do
poderoso córtex cerebral frontal desenvolvem o
que os cientistas chamam de "reserva cognitiva",
uma proteção contra os efeitos do envelhecimen-
to", salienta Barbara.
Esse recurso fornece, por exemplo, a capaci-
dade de chegar mais depressa ao ponto central
de uma discussão, ou seja: captar a essência,
avaliar a situação, sem agir de maneira precipi-
tada. Essa reserva cerebral também pode afastar
os pnmeiros sintomas externos de doenças
neurodegenerativas como Alzheimer. Em seu
livro, Barbara ressalta que há fortes indfcios de
que algo simples como a educação-ou mesmo
o trabalho - pode ser a chave para construir essa
Há duas ou três décadas ainda se acreditava que o quociente de
inteligência (QI) -a medida de habilidades mentais para solução
de problemas, entre as quais aptidões espaciais como memória
e raciocínio verbal- era fixo e, em grande parte, determinado
pela genética. Novas descobertas neuropsicológicas não
deixam dúvidas de que a ideia está ultrapassada. Pesquisas
recentes, realizadas em diversos países, sugerem que uma
função cerebral bem básica chamada memória operacional
poderia estar na base da nossa inteligência geral, abrindo a
intrigante possibilidade de que, se uma pessoa desenvolver
essa habilidade, poderá melhorar sua capacidade de encontrar
soluções para os mais diferentes problemas.
A memória operacional é o sistema de armazenamento
de informações de curto prazo do cérebro. Funciona como
uma espécie de "bancada de trabalho" para a resolução dos
problemas mentais. Por exemplo, se você calcular 98-23+2,
a memória operacional armazenará as etapas intermediárias
necessárias para elaborar a resposta. A quantidade de
informações que poderá ser guardada está fortemente
relacionada à inteligência geral.
Uma equipe coordenada pelo neurocientista Torkel Klingberg,
do Instituto Karolinska de Estocolmo, Suécia, encontrou sinais de
que os sistemas neurais que fundamentam a memória operacional
podem "crescer" quando estimulados. Com mapeamento cerebral
pelo método da ressonância magnética funcional (RMf}, o grupo
quantificou a atividade cerebral de adultos antes e depois de um
programa de treinamento da memória operacional, que abrangeu
tarefas como a memorização das posições de uma série de pontos
dispostos num gráfico. Depois de cinco semanas de treinamento,
a atividade cerebral dos voluntários tinha aumentado nas regiões
associadas com esse tipo de memória. A pesquisa foi publicada no
periódico científico Nature Neuroscience.
Ao estudarem crianças que tinham completado esse tipo
de exercício mental, Klimberg e seus colegas observaram
melhoras em várias aptidões cognitivas não relacionadas ao
treinamento- e um salto nas pontuações do teste de Ql de
8%, segundo artigo veiculado pelajourna/ ofthe American
Academy ofChild and Adolescent Psychiatry. O pesquisador
acredita que o treino em memória operacional pode ser
fundamental para ampliar o poder do cérebro: "A genética e a
vida intrauterina são bastante importantes,mas não podemos
desprezar o fato de existir um percentual (embora não
saibamos ainda qual é) que pode ser melhorado por estímulos
ambientais e pelo treinamento".
proteção cerebral para a vida inteira. Ela explica
que a maioria das pesquisas mais antigas sobre
o envelhecimento foi conduzida, sobretudo,
em asilos e hospitais, o que apresentou uma
visão exageradamente negativa do que significa
envelhecer. "Por muitos anos, até os médicos,
em sua maioria, julgaram que a demência era
inevitável; mas agora sabemos que, embora
certamente tenha seus riscos aumentados com
a velhice, a demência é uma doença espedfica.
Se mantivermos um caminho normal de enve-
lhecimento, sem grandes enfermidades, nosso
cérebro poderá permanecer em condições rela-
tivamente boas", afirma. "Agora que a ciência
sabe que não perdemos milhões dessas células
ao envelhecer, de repente parece plausível que,
se olharmos com bastante atenção, encontre-
mos maneiras mais fáceis de manter nossos
neurônios em boa forma."
MUITAS HABILIDADES
NECESSÁRIAS para
tomar decisões e resolver
problemas funcionam
melhor por volta dos 50
anos que aos 25
TARIMBA SOCIAL
Pela primeira vez na história vivemos um tem-
po em que há indícios científicos de que com
o passar do tempo ficamos mais hábeis para
lidar com outros e fazer melhores escolhas,
uma capacidade enraizada na biologia cerebral.
Já é possível detectar e até observar o cresci-
mento do "discernimento maduro" em nosso
cérebro. As ligações que ajudam a identificar
o "caminho errado" ficam mais fortes e há
indícios de que atinjam seu auge em torno dos
50 anos. O psicólogo Thomas Hess, pesquisa-
dor da Universidade Estadual da Carolina do
Norte, conduziu dezenas de estudos sobre o
que chama de "tarimba social", que, segundo
sua constatação, chega ao pico na meia-idade,
quando as pessoas se tornam muito melhores
que os mais jovens (antes dos 40 anos) e que
49
s
~
Mais cultura, menos prejuízo
Um estudo conduzido pelo pesquisador Lawrence Whalley na Universidade
de Aberdeen, Escócia, constatou que, entre pacientes com os sintomas
comportamentais de demência, os mais instrurdos tinham deterioraçlo
maior da massa branca do cérebro, a mielina- o revestimento externo dos
neur6nios. Ou seja: pessoas com mais cultura conseguiam lidar melhor
com prejurzos maiores.
~ A ATROFIA CEREBRAL revela danos causados pelo Alzheimer. destruiçJo é aparente quando o
~ cérebro com a doença (à di~Wl} é comparado a outro saudáY8 da mesma idade (à csqumlo)
::
os mais idosos (após os 80) para julgar o cará-
ter dos outros. Isto é, as avaliações ardilosas
tornam-se mais fáceis- e acertam o alvo mais
em cheio- ao envelhecermos. E é o modo de
amadurecimento do cérebro que nos garante
essa vantagem.
Há também o fato de que, na meia-idade,
como temos mais tempo de experiência
com pessoas, os neurônios dedicados a nos
conduzir pelo cenário humano revelam-se ex-
cepcionalmente mais "espertos". Os estudos
de neuroimagem mostram que as partes do
córtex frontal que lidam especialmente com a
regulação de emoções e afetos atrofiam-se com
menos rapidez do que outras áreas cerebrais.
É essa mescla de controle afetivo, destreza
mental e experiência de vida que nos ajuda a
tomar as decisões corretas na idade madura.
Segundo Hess, o fato de adultos de meia-idade
parecerem ser os mais hábeis emocionalmente
é compatfvel com as ideias de que o perfodo in-
termediário da vida é uma ótima fase: aptidões
cognitivas básicas ainda estão relativamente
altas e há também uma dose razoável de expe-
riência, de modo que elas funcionam em alto
nfvel nas situações do cotidiano.
O economista David Laibson, professor
da Universidade Harvard, por exemplo, fez
estudos fascinantes no campo emergente da
neu roeconomia. Ele estudou o modo como
50 I mentecétebro I Sele segredos do cérebro saudável
Quando as
dificuldades
começam a
surgrr, sem
grande esforço
o cérebro
"acostumado
a trabalhar"
chama para si a
responsabilidade
e vai atrás
do melhor
resultado
as pessoas tomam decisões financeiras - e
também descobriu que somos mais compe-
tentes nisso por volta dos 50 anos ou mais.
O pesquisador verificou que, ao enfrentarem
problemas complexos ligados a dinheiro como
dfvidas ou taxas de juros, as pessoas mais ve-
lhas fazem as melhores escolhas. Em estudos
conduzidos com voluntários de vários pafses,
Laibson constatou que pessoas entre 40 e 65
anos apreendem com mais facil idade as conse-
quências das decisões financeiras e, de forma
geral, têm melhor discernimento.
O QUE DE FATO IMPORTA
Analisando estudos longitudinais, os psicólo-
gos começam a se dar conta de que a imagem
da meia-idade que tivemos durante muito
tempo era incom pleta e enganosa. Estudos
reunidos por Barbara indicam que talvez seja a
própria natureza do envelhecimento do cérebro
que nos dá uma perspectiva mais ampla do
mundo, uma capacidade de discernir padrões
e até sermos mais criativos.
Nessa fase da vida as pessoas estão mais ap-
tas a avaliar aspectos de problemas complexos e
encontrar respostas concretas, em comparação
ao próprio desempenho 20 ou 30 anos atrás.
Também é possfvellidar mais calmamente com
emoções e informações - valorizando o que
realmente importa e deixando de lado o que
pode (e deve) ser ignorado sem grande prejuízo.
Entre todas as habilidades singu lares do
cérebro maduro, talvez nenhuma seja tão ou
potencialmente promissora quanto o talento
para a bilateralização. Essa espécie de "truque"
aprendido com o passar do tempo parece ser
uma estratégia adaptativa que alguns cérebros
adotam para se manter fortes. "Em algum pon-
to da meia-idade começamos a desenvolver a
capacidade de usar com maior frequência os
dois hemisférios cerebrais, em vez de privilegiar
um deles", afirma Barbara. Ela salienta que essa
descoberta ajuda a entender por que pessoas
mais velhas tendem a ter uma visão panorâ-
mica das situações e perceber interligações.
Embora seja uma caracterfstica observada em
outras épocas da vida (e obviamente varie de
indivíduo para indivíduo), o "talento bilateral"
comumente se inicia na meia-idade.
É possfvel pensar que usar os dois hemisfé-
rios para fazer o que um só era ca paz quando
éramos mais jovens aponta para uma carência
que pede compensação. Mas um aspecto
intrigante da bilateralização é que não são os
cérebros mais hábeis e capazes que passam
por esse fenômeno, como se simplesmente se
recusassem a "entregar os pontos". Quando
as dificuldades começam a surgir, sem grande
esforço o cérebro "acostumado a trabalhar"
chama para si a responsabilidade e vai atrás do
melhor resultado. "Usamos o que nos resta de
melhor e talvez isso tenha seu maior impacto
na meia-idade não por estarmos aposentados,
mas por ainda estarmos trabalhando e ainda
precisarmos muito de nossas faculdades em
ordem", afirma o neurocientista Roberto Ca-
beza, pesquisador da Universidade Duke que
ajudou a desvendar esse truque neurológico.
"Os hemisférios esquerdo e direito ficam mais o
integrados na meia-idade, abrindo caminho ~
~ para maior criatividade", considerou o psiquia- õ
tra Gene Cohen, pesquisador da Universidade
George Washington . Morto em 2009, é autor
de The mature mind (não publicado no Brasil).
"Os neurônios em si talvez percam parte da
velocidade de processamento com a idade,
mas as informações se entrelaçam de maneira
cada vez mais enriquecedora" , escreveu. Ele
estudou os efeitos da arte sobre o cérebro e
sustentou que a bilateralização pode favorecer
a criatividade, já que facilita a conciliação de
percepções intuitivas, afeto e interpretação
de sinais faciais e corporais com a fala e o
raciocínio lógico, por exemplo.
Na verdade, os cientistas imaginavam des-
cobrir o inverso, já que durante muitos anos
prevaleceu a convicção de que, ao envelhecer,
o órgão mais sofisticado do corpo humano
usava uma parcela muito menor dele mes-
mo- e não maior. O protótipo da descrição
do envelhecimentoneural era semelhante ao
de uma lesão, e partia-se da crença de que,
à medida que envelheciam, as pessoas se
tornavam mentalmente mais preguiçosas.
Medições anteriores, mais grosseiras, cons-
tatavam que a maioria dos cérebros mais
velhos seriam cérebros fracos - por isso pa·
ravam de se esforçar muito e ativavam menos
neurônios. Essa visão, entretanto, foi virada
pelo avesso.
CENA DO FILME Cocoon,
de 1985: protagonistas da
terceira idade
PARA S,..BER ,A S
A autoimagem também pode ser um fator
decisivo na qualidade do amadurecimento.
O melhor cérebro da sua vida
Barbara Strauch. Zahar, 2011.
Um estudo desenvolvido pela psicóloga
Becca Levy, da Universidade Yale, mostrou
que a memória de pessoas idosas melhorava
depois da simples visão de palavras positivas
associadas a envelhecimento- por exemplo,
sensato, alerta, sábio e capaz. Mesmo quando
os vocábulos foram exibidos depressa demais
para que os participantes se conscientizassem
da leitura, em algum nível ela surtiu efeito.
já os que viam de relance palavras negativas
como decl fnio, senil, decrépito , demência e
confuso se safam pior nos testes de memória.
O psicólogo Thomas Hess, da Universi-
dade Estadual da Carolina do Norte, consta-
tou que as atitudes são como profecias que
sempre se realizam. Em seus estudos, as
pessoas acima de 60 anos apresentavam pior
desempenho nos testes de memória quando
primeiro lhes era dito algo negativo sobre a
velhice, como informar que o estudo que es-
tava para começar era sobre o modo como a
idade afeta a aprendizagem e a memória. No
entanto, quando primeiro eram apresentadas
informações como a de que não há grande
declínio da memória com o envelhecimento,
o desempenho nos testes melhorava. Consta-
tações como essas confirmam que o cérebro
maduro é ainda um fascinante mistério- e,
talvez, estejamos começando a descobrir que
o melhor ainda está por vir. ~
51
52 I rnen t.ecerebto I 7 secredos do cérebro saudável
CULTIVAR AM IZADES
"Amigos são mais
• Importantes para
a saúde que a boa
alimentação"
ESPECIALISTA EM MEDICI NA PSICOSSOMÁTICA,
O NEUROLOGISTA E PSIQUIATRA ALEMÃO PETER
HENNINGEN, PROFESSOR DA UNIVERSIDADE TÉCNICA
DE MUNIQUE, ENFATIZA A IMPORTÂNCIA DA VI DA
SOCIAL PARA MANTER A SAÚDE FÍSICA E ME NTAL
1/ por Anna von Hopffgarten bióloga e jornalista.
MeC Professor, pessoas felizes costumam ser mais saudáveis?
Peter Henn·ngen Não é uma regra, mas existem indfcios de que
o otimismo e a sensação de bem-estar têm efeito positivo sobre
a saúde e até sobre a expectativa de vida. Inversamente, pes-
soas permanentemente insatisfeitas e pessimistas costumam
desenvolver inflamações crônicas com mais frequência. Isso
foi demonstrado por vários estudos. Na pesquisa americana de
longo prazo Women's Health lnitiative, por exemplo, cientistas
perguntaram a quase 100 mil mulheres sobre sua atitude diante
da vida e sobre diversas doenças ffsicas como câncer, problemas
cardíacos e osteoporose. As voluntárias que demonstravam
cinismo e hostilidade apresentaram risco sensivelmente mais
alto de desenvolver doença cardiovascular ou mesmo de morrer
durante a fase de observação de oito anos. Já as otimistas, em
geral, tinham expectativa de vida acima da média.
53
MeC Como o senhor explica essa descoberta?
Henn nge Ainda não sabemos exatamente
como a maneira de ver a vida e interagir com
os outros influencia o corpo. Apesar de conhe-
cermos as associações estatísticas, até agora
existem apenas hipóteses sobre a interação
desses mecanismos. Alguns estudos indicam,
por exemplo, que a alegria e o equilíbrio emo-
cional têm efeito positivo sobre determinadas
fu nções do sistema imunológico. Esse parece
ser também o motivo por que pessoas felizes
com as próprias escolhas são menos suscetíveis
a doenças inflamatórias.
MeC Qual o papel dos comportamentos de
cuidados consigo mesmo?
Henningen Eles são imprescindíveis e devem
ser considerados nesses estudos. Pessoas
satisfeitas vivem supostamente de forma mais
saudável: comem melhor, procuram relaxar,
se movimentam mais e fumam menos. Isso
natu ralmente tem efeito positivo sobre a resis-
tência física. Mas não basta ser superficialmente
otimista, é preciso realmente se dar conta de
que, apesar de estarmos sujeitos a inúmeras
intercorrências, há decisões que podemos (e de-
vemos) tomar. Ter consciência dessa autonomia
nos "alimenta" emocionalmente.
Poderosa química do carinho
eC Nem todos conseguem simplesmente
ser otimistas e felizes. O que o senhor diria às
pessoas que passam a maior parte do tempo
descontentes?
He ngen Se uma pessoa é rabugenta, ela cer-
tamente vai se tornar ainda mais mal-humorada
quando se der conta das limitações que inevitavel-
mente chegam com a idade. É preciso, primeiro,
reconhecer que existe uma estreita relação entre
a própria atitude diante da vida e a saúde. Depois,
cada um pode descobrir para si mesmo em que
pontos poderia talvez mudar. Muitas vezes peque-
nas alterações trazem grandes transformações.
Por exemplo, ficar atento para ser mais flexível,
parar de reclamar e criticar ou ter formas mais
gentis de se comunicar. Se a pessoa percebe que
é uma pessimista crônica, então ela deveria even-
tualmente buscar ajuda profissional porque pode
sofrer de distimia (um tipo leve de depressão que
pode passar despercebida durante muitos anos
e é confundida com simples mau humor) . Mas
independentemente desse diagnóstico, psicote-
rapia costuma ser fundamental. Provavelmente
essa pessoa tem também uma depressão que
pode ser tratada. Convém lembrar o óbvio, que
tantas vezes desprezamos: não somos onipoten-
tes, precisamos de ajuda, e quando nos permiti-
mos aceitar isso a vida fica mais leve.
O toque amoroso e delicado sobre a
pele tem enorme impacto sobre o cé-
rebro. Esse t ipo particular de contato,
com pressão moderada e movimento
lento, é detectado por fibras nervosas
específicas, que levam a informação à
ínsula (que funciona como uma espécie
de intérprete do cérebro, traduzindo
estímulos como sons, cheiros, sabores
e toque em emoções). A partir dessas
informações, outras áreas cerebrais
entram em ação: o hipotálamo diminui
os níveis de hormônios do estresse no
organismo, o /ocus ceru/eus reduz sua
atividade e a quantidade de noradre-
nalina (neurotransmissor que ativa os
sistemas de alerta e vigília) é liberada.
Os músculos e o cérebro "relaxam" e,
com a diminuição do estresse, aumenta
a sensação de bem-estar. Se esse es-
tímulo for frequente, os neurônios do
hipocampo sào protegidos da atrofia,
que ocorre ao longo da vida adulta e está
diretamente relacionada ao estresse -
incluindo aquele causado pela solidão.
UM ABRAÇO pode ser
suficiente, por exemplo, para
fazer o cérebro aumentar a
liberaçlo de ocitocina
54 I mentecerebro I 7 segredos do cérebro saudável
Do ponto de vista evolutivo, a
expressao fisica do afeto aproxima as
pessoas e leva à formação de vínculos
sociais e afetivos. Um simples abraço
pode ser suficiente, por exemplo, para
fazer o cérebro aumentar a liberação
de ocitocina, hormônio que faci lita a
aproximação entre pessoas. Além de
ter efeito tranquilizante sobre o cérebro,
reduzindo o nível de alerta e ansiedade,
a ocitocina reduz medos e fobias, nos
toma mais confiantes, e ainda oferece
uma sensação de bem-estar ao estimu-
lar o sistema de recompensa.
Ao ser acariciado o bebê reconhece
/
/
a presença de um outro que o aque-
ce, protege e alimenta. Nessa fase, o
afeto "ensina" o cérebro a formar uma
resposta saudável ao estresse. Tam-
bém na vida adulta, o toque delicado
é uma maneira poderosa de regular
ansiedade e respostas exageradas
ao estresse de maneira geral. Mais
curioso, contudo, é que o carinho se
"propaga" de uma geração para a
outra. Se a criança é tratada com cari-
nho desde o nascimento, seu cérebro
alcançará uma melhor "regulagem"
do sistema de resposta ao estresse,
o que lhe dará mais chances de se
tomar mais resistente asituações que
causam medo e ansiedade. E também
mais possibilidades de desenvolver
relacionamentos amorosos no futuro.
O que sentimos é resultado da
capacidade do cérebro de alterar a
si mesmo e ao corpo em resposta às
mais variadas situações ou, às vezes,
à simples visão ou memória de uma
pessoa, animal ou objeto. A primeira
consequência dessa transformação
(de expressão, comportamento, tem-
peratura, funcionamento de órgãos
etc.) é que ficamos mais aptos a lidar
com as variadas situações. Outra
consequência é que as mudanças cor-
porais nos permitem reconhecer emo-
ções, como se fossem assinaturas.
Por Suzana Herculano-Houzel,
neurocientista e professora da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UERJ); autora
de Suo, drogas, roclc'n'ro/111{ chocolate
(VIeira & l.ent, 2003) e de O cirebro em
transformaçilo (Objetiva, 2005).
li Não basta ser superficialmente
otimista, é preciso realmente se dar conta
de que, apesar das inúmeras limitações
às quais estamos sujeitos, sempre
podemos fazer algumas escolhas; ter
consciência dessa autonomia
nos 'alimenta' emocionalmente l l
MeC Amizades e relacionamento familiar fa-
zem bem para a saúde?
Henn ngen O afeto desempenha papel impor-
tantíssimo, diria mesmo que é vital em nossa
existência. A inserção social e a certeza de que
é possível contar com amigos, desfrutando de
uma relação de apoio e troca, muitas vezes
é até mais importante que os al imentos que
ingerimos. O jornalista científico Werner Bar-
tens recentemente escreveu: "Quem engole
todo dia algumas colheres de azeite de oliva
prensado a frio, em estado de mau humor, não
tira nenhum proveito desse alimento, embora
haja comprovação científica desse potencial".
Segundo ele, seria muito melhor comer um por-
co assado numa roda de amigos. Creio que isso
seja verdadeiro. Inúmeros estudos dos últimos
anos comprovam: vínculos afetivos ajudam a
manter a boa saúde. Também vale o inverso: a
solidão pode nos deixar doentes.
MeC É possível começar ainda na infância a
prevenção de doenças psicossomáticas às
quais a pessoa será suscetível na idade adulta?
Henmngen De certa forma sim, pois a regulação
do estresse na idade adu lta é fortemente influen-
ciada por experiências de relacionamentos na
primeira infância. Se as crianças crescem em um
ambiente saudável e seguro, onde não estejam
sujeitas a cargas de estresse que não ultrapas-
sem o nível normal, mais tarde provavelmente
serão menos suscetíveis a distúrbios em geral.
Hoje sabemos que experiências traumáticas -
ser vítima de abuso sexual, de violência física
ou psicológica, ou mesmo sofrer abandono, por
exemplo - podem ser transmitidas às gerações
seguintes por meio de mecanismos epigenéti-
cos. Entre eles estão apêndices moleculares que
influenciam a atividade de determinados genes.
Diferentemente do que ocorre com a sequência
de DNA, porém, eles podem se alterar no decor-
55
Emoções revelam a rimeira "opinião" do cérebro
Uma das descobertas surpreendentes da neurociência é que as
emoções do fundamentais para tomannos boas decisões - e,
consequentemente, nos mantermos mais satisfeitos e saudáveis.
AD contrário do que diz o senso comum, emoções tem lógica, sim-
e seguem padroes construidos com base nas experiências vividas.
Como as estruturas cerebrais envolvidas no sistema lfmbico, têm
acesso privilegiado à memória de situações anteriores similares,
uma resposta emocional pode ser oferecida em cada caso bem
antes que elaborações racionais tenham tempo de acontecer.
Rápidas e personalizadas, as emoções representam a
primeira "opinillo" do cérebro sobre qualquer assunto e, desde
o começo, direcionam comportamentos, levando-nos a preferir
um ou outro curso de açjo, mesmo que ainda nlo saibamos
explicar o motivo de determinadas escolhas. Essa rapidez,
sempre embasada no "banco de dados" disponfvel na memória,
torna possfvel resolver de forma ágil questões simples, mas
que seriam excessivamente demoradas caso todas as variáveis
envolvidas fossem processadas pela razlo. (Da redaçilo)
rer da vida, o que nos oferece certa autonomia
para elaborar traumas e vivências dolorosas.
eC Homens e mulheres são afetados de for-
mas especificas por doenças psicossomáticas?
H Sim, há claras diferenças. Parece que
as mulheres são mais vulneráveis, ou pelo me-
nos mais atentas às doenças. Elas vão, em mé-
dia, quase duas vezes mais ao médico por esse
tipo de queixa, em comparação aos homens.
li Se uma pessoa é rabugenta, é de que esperar
ela se torne ainda mais mal-humorada quando
se der contra das limitações que inevitavelmente
chegam com a idade l l
MeC Por que isso acontece?
"' Pode haver diversos motivos. Um
deles certamente é o fato de que mulheres con-
seguem mais facilmente chegar a um acordo
com sua autoimagem para procurar ajuda pro-
fissional. Buscar ajuda não é para elas sinal de
"fraqueza" como para tantos homens, mesmo
nos dias de hoje. Já eles tendem mais a afogar
seus problemas no álcool e a se calar para então
expressar as angústias em sua forma mais acir-
rada. Por isso, suponho que exista entre os ho-
mens grande número de casos não registrados.
As mulheres, porém, provavelmente percebem
seus processos corporais de outra forma. Prova-
velmente elas são mais facilmente confrontadas
com suas funções corporais devido ao seu ciclo
menstrual e, que as faz observar transformações
flsicas e mentais às quais estão sujeitas e, com
isso, tendem a perceber eventuais problemas.
Mas essa correlação é apenas especulação.
Inúmeros estudos comprovam que o
estresse crônico tem efeito negativo sobre o
sistema imunológico e sobre vários órgãos do
corpo. ~ possfvel eliminar as consequências
desse processo por meio da psicoterapia?
H n Embora ainda estejamos no infcio
56 I mentechebro I 7 secredos do cérebro sa~wl
dessas pesquisas, atualmente já existem indf-
cios disso. Alguns estudos com neuroimagem
revelam alterações anatômicas no cérebro de
pessoas que passaram por processo psicoterá-
pico, mostrando que novos caminhos neurais
foram criados. Experimentos com ratos demons-
traram que filhotes que eram separados da mãe
prematuramente se tornaram mais suscetfveis
a doenças, mas foram parcialmente curados
com ajuda dos chamados enriched environments
(ambientes ricos em estfmulos). Os cientistas
colocaram os animais em locais repletos de
"brinquedos" e os trataram extremamente bem.
Após certo tempo, os animais reagiram de forma
claramente menos sensfvel ao estresse.
~eC Isso pode ser aplicado também a seres
humanos?
Henn g· n Essa experiência com os ratos
pode ser análoga à psicoterapia. Se as pes-
soas puderem lidar com o estresse de outra
forma dentro de um ambiente protegido, não
vivenciando frustrações de forma tão solitária
e consequentemente reagindo de maneira
inflexfvel ou permissiva, é muito provável
que experimentem os efeitos positivos do
processo terapêutico não só no psiquismo,
mas também no corpo. No entanto, isso ainda
não foi suficientemente assegurado por meio
de experimentos - o que não quer dizer que
não aconteça.
c
Relações afetivas estáveis estimulam a saúde mental e fis ica e até prolongam
a vida. Pesquisa da Escola de Saúde Pública de Harvard, em Boston, mostrou
que homens idosos com muitos amigos têm no sangue uma concentração
muito menor da substância interleucina-6 (que causa inflamação e é
considerada fator de risco para doenças cardiovasculares), em comparação
com os homens mais solitários, da mesma faixa etária.
O fato, porém, é que nem todos têm faci lidade para manter relações
de amizade. Um dos fatores que influi nessa capacidade é a experiência
vivida na infãncia. Pesquisas com ratos conduzidas pelo neurocientista
Michael Meaney, da Universidade McGill, no Canadá, comprovam que o
carinho que recebemos quando pequenos pode influenciar sensivelmente
o comportamento na idade adulta. Comparando roedores que haviam
s ido bastante cuidados e muito lambidos pelas mães aos que não haviamtido o mesmo tratamento, o pesquisador verificou que os primeiros
apresentavam menos ansiedade e estresse ao enfrentar situações diflceis
mais tarde. Em 2004, a equipe de Meaney constatou que a expressão do
gene para o receptor do hormônio do estresse se altera conforme os tipos
de cuidados que os ratos recebem quando filhotes. (Da redação}
:C Que aspectos deveriam ser considerados
numa terapia?
He IF'""n A princípio, poderíamos utilizar con·
ceitos clássicos e pensar numa terapia que ofe·
recesse suporte egoico. Uma possibilidade seria
buscar a ativação de recursos do próprio paciente.
Em vez de o terapeuta se concentrar naquilo que
a pessoa não consegue fazer, é possível estimular
o potencial existente. A ideia é fortalecer a auto-
estima e, com isso, a capacidade de lidar melhor
com problemas. Se o paciente sempre volta a se
envolver em situações nas quais se sente mal,
repetindo padrões destrutivos, é imprescindível
que ele tenha clareza disso e pense em como pode
quebrar esse esquema. Em muitos casos, só o fato
de colocar a atenção em determinadas atitudes já
deflagra, por si só, um processo transformador.
Independentemente da linha terapêutica, quando
se trata de doenças orgânicas, embora elas sempre
tenham algum correlato no psiquismo, é muito
Genealogia da amizade. Fran·
cisco Ortega. Editora lluminu·
ras, 2002.
Amizade e estética da exis·
t.ência em Foucault Francisco
Ortega. Edições Graal, 1999.
importante não transmitirmos (ou enfatizarmos)
a ideia de culpa, e sim de responsabilização do
paciente pelos cuidados e pela adesão ao trata·
~ mento em caso de patologias graves, por exemplo.
~ Também é fundamental não incentivar a crença
~ onipotente de que a psicoterapia, por si só, pode
j realmente curar doenças como o câncer.
õ
" ~ Qual o papel da psicoterapia nesses casos?
, Embora as doenças manifestadas
no organismo sempre tenham algum correlato
no psiquismo, não podemos estabelecer uma
relação direta de causa e efeito, como se a pessoa
com determinada característica psicológica
tivesse adoecido exatamente por causa desse
traço de personalidade. Os processos são bem
mais complexos. De qualquer forma, a terapia
pode melhorar muito a qualidade de vida dos
pacientes e ajudá-los a lidar com a doença.
Sabemos que a maneira de ser e ver o mundo
interfere na saúde de modo geral, mas ninguém
sabe dizer se um tumor específico pode ser
realmente influenciado pela uma forma de ser
do indivíduo. Ter isso claro é importante para
que os pacientes não se sintam culpados pela
evolução da doença porque são psiquicamente
"estragados", o que é um grande equívoco e
só aumenta desnecessariamente o sofrimento.
De que forma lidar com o estresse e a
sobrecarga psíquica do dia a dia?
Cuide de você! Em períodos de mu-
danças importantes na vida (perda de alguém
querido ou de algo que valorizamos, como um
emprego) e até mesmo de alterações que pareçam
prazerosas mas impliquem novas responsabi-
lidades (como uma promoção, casamento ou
nascimento de um filho), podemos ficar mais
vulneráveis. Preste atenção, por exemplo, para não
buscar fazer tudo sozinho. Todo mundo às vezes
dorme mal ou tem dor nas costas, isso é totalmen-
te aceitável. Mas se os sintomas duram muitas
semanas, então a pessoa não deve hesitar em
procurar um especialista. Quando o desconforto
fisico vem acompanhado pela sensação de perda
do equilíbrio emocional ou de que estamos sobre-
carregados, a saída mais inteligente costuma ser
buscar ajuda profissional. É importante lembrar
que não há vergonha nenhuma nisso, psicoterapia
não é para loucos e sim para pessoas que querem
viver melhor, de maneira mais saudável. ..,...c
57
D o R M R
Sono
• para organ1zar
a mente
QUANDO ADORMECEMOS O CÉREBRO CONTINUA EM
ATIVIDADE, INFORMAÇÕES COLETADA$ DURANTE A VIGÍLIA
SÃO PRO CESSADAS E SELECIONADAS; APRENDIZADOS
SÃO FIXADO S E ALGUMAS LEMBRANÇAS SE PERDEM. A
CO NSTRUÇÃO DA MEMÓRIA DEPENDE MUITO DESSE PERÍODO
N O Q UAL SÃO ABERTAS POSSIBILIDADES DE RESPOSTAS PARA
PROBLEMAS QUE NOS AFLIGEM DURANTE A VIGÍLIA
I I por Robert Stickgold e Jeffrey M. Ellenbogen
E
m 1865, o químico alemão Friedrich August Kekulé
(1829-1896) acordou de um sonho estranho: imaginou
uma serpente formando um drculo e mordendo a
própria cauda. Como muitos de seus colegas da época,
ele vinha trabalhando com fervor para descrever a estrutura
química do benzeno. O sonho da serpente, diz a história, o
ajudou a concluir que essa estrutura tinha a forma de anel. Essa
ideia abriu o caminho para uma nova compreensão da química
orgânica e rendeu a Kekulé um título de nobreza na Alemanha.
Embora a maioria de nós não esteja interessada em estrutu-
ras químicas nem em se tornar nobre, há algo indiscutivelmente
familiar no método de solução de problemas de Kekulé. Quer se
trate de decidir estudar numa faculdade específica, aceitar uma
oferta de trabalho desafiadora ou pedir alguém em casamento,
"dormir e pensar no assunto" parece propiciar a clareza de que
precisamos para resolver o quebra-cabeça da vida.
58 I mentecmbro I 7 segredos do cMbro saudável
OS AUTORES
ROBERT STICKGOLD é professor da Faculdade de
Medicina de Harvard. JEFFREY M. ELLENBOGEN é chefe
da divisão do sono do Hospital Geral de Massachusetts.
59
O sono nos apresenta respostas porque
enquanto estamos dormindo tranquilamente
nosso cérebro está ocupado processando
informações coletadas durante a vignia. Ele repassa
as memórias recém-formadas, as ordena e as
grava de forma que façam sentido no dia seguinte.
Uma noite de sono pode tornar essas impressões
mnênicas mais resistentes à enxurrada de novos
acontecimentos, permitindo recuperá-las no
futuro. Além de fortalecer nossas lembranças,
durante o sono o cérebro adormecido examina
com cuidado os dados novos, selecionando
aqueles que vale a pena guardar. Dormir também
pode salvar os conteúdos emocionais de uma
imagem, um som, um cheiro, fazendo com que
todo o resto, sem importância, seja apagado com
o tempo. Além disso, é nessas horas "mortas"
que o cérebro estabelece relações entre as
memórias de toda a vida, identificando a essência
de cada uma e formando aquilo que chamamos
aprendizado.
A relação entre sono, memória e aprendiza-
gem é relativamente nova na história da ciência.
Até meados dos anos 50, os cientistas pensavam
60 I mentecérebro I 7 segredos do chebro saudável
EM KRIEMHILD SONHA
COM O FALECIDO
SIEGFRIED, de John Henry
Fuseli, a represent.a~o de
sentimentos e recordações
que o cérebro se desligava enquanto dormía-
mos. Embora o psicólogo alemão Hermann
Ebbinghaus já acreditasse, em 1885, que o sono
protegia as memórias simples da degradação,
por décadas os pesquisadores atribuíram esse
efeito a uma proteção passiva. Nós esquecemos
coisas, defendiam eles, porque todas as novas in-
formações que entram substituem as anteriores.
Foi só em 1953, depois de os fisiologistas Eugene
Aserinsky (1921-1998) e Nathaniel Kleitman
(1895-1999), da Universidade de Chicago, des-
cobrirem as fascinantes variações da atividade
cerebral durante o sono, que os cientistas se
deram conta de que não estavam dando atenção
a algo realmente importante.
Aserinsky e Kleitman observaram que o sono
humano se divide em ciclos de cerca de 90 minu-
tos que, por sua vez, se dividem em dois padrões
de atividade cerebral conhecidos como sono de
ondas lentas e sono paradoxal ou REM (movi-
mento rápido dos olhos, na sigla em inglês).
Durante o sono REM, as ondas cerebrais são
muito semelhantes àquelas produzidas enquanto
estamos acordados (veja quadro na pág. 61).
Nas décadas seguintes, o neurocientista
romeno Mircea Steriade, da Universidade Lavai,
em Québec, chegou à conclusão de que determi-
nados grupos de neurônios disparam de forma
independente durante o sono de ondas lentas
quando o restante dispara sincronizadamente,
num ritmo constante. Tudo isso serviu para
deixar claro que o cérebro, enquanto dorme,
nãoestá meramente "descansando". Muito pelo
contrário, ele está em franca atividade.
DESCANSO NECESSÁRIO
Nossa compreensão sobre o assunto mudou
muito depois de 1994, quando os neurobiólogos
Avi Kami e Dov Sagi, do Instituto de Ciência
Weizmann, em Israel, mostraram que, depois de
uma noite de sono, alguns voluntários melho-
raram seu desempenho em testes de reconhe-
cimento rápido de objetos. Mas isso só ocorria
se tivessem quantidades adequados de sono
REM. Se fossem privados dessa fase do sono,
o ganho desaparecia. O fato de o desempenho
ter se elevado da noite para o dia eliminava
aquela antiga ideia de proteção passiva. Algo
capaz de alterar as memórias formadas no dia
anterior tinha de estar acontecendo no cérebro
adormecido. Kami e Sagi descreveram o sono
REM como um estado permissivo-que poderia
comportar mudanças.
Quando um de nós (Stickgold) reviu a ques-
tão, em 2000, ficou claro que o sono poderia, de
fato, ser necessário para que esse efeito ocorres-
se. Usando a mesma tarefa de diferenciação vi-
sual rápida, descobrimos que o desempenho das
É nas "horas
mortas" que são
estabelecidas
relações entre
as diversas
memórias,
dando origem
ao que
chamamos
aprendizado
Sono REM
Sono de ondas lentas
Vigília
A descoberta do sono REM, em 1953, e de sua
atividade cerebral característica (alto), detectada
por eletroencefalografia, dissipou a ideia de que
o cérebro simplesmente descansa enquanto
dormimos. Logo depois, os padrões de sono de
ondas lentas (meio) foram descobertos
Segredo revelado depois de um cochilo
Pesquisadores ensinaram os participantes a usar duas regras
para resolver um tipo de problema relacionado à série de
números 1, 4 e 9. Começando da esquerda, eles tinham de
examinar os dois primeiros números. Se eles fossem iguais,
deviam anotar esse número (azul). Se fossem diferentes,
tinham de anotar o terceiro número possível (por exemplo,
novo. Ao digitar a resposta final (neste caso, 9 vermelho), eles
pressionavam a tecla "enter" para informar ao computador
que haviam terminado.
se forem 1 e 4, anote o 9). Depois, a instrução era pegar o
número intermediário (azul) e o seguinte (preto) e começar de
O que não era dito aos participantes era que o penúltimo
número único na série original (neste caso, o 9 preto logo
antes do 4 final) será sempre equivalente à resposta do
problema. Depois de dormir, a maioria dos voluntários
descobriu o truque.
61
pessoas melhora após dormirem seis horas. E a
fase REM não é o único componente importante:
o sono de ondas lentas é igualmente crucial. Em
outras palavras, em todas as suas fases o sono
realmente é fundamental para aperfeiçoar a
memória, o que não acontece durante a vigília.
Para entender como isso se dá, é útil saber-
mos que ao "codificarmos" informações no
nosso cérebro, a memória recém-captada está
apenas começando uma longa jornada durante
a qual será estabilizada, aprimorada e qualitati-
vamente alterada, até atingir apenas uma vaga
semelhança com sua forma original. No decorrer
de algumas horas, ela pode se tornar mais es-
tável, resistente a interferências de lembranças
conflitantes. Em períodos mais longos, o cérebro
parece "decidir" o que é importante recordar e
62 I mentecerebro I 7 segredos do cérebro saudável
o que não é. É assim que vamos construindo
nossa história individual.
Em 2006 demonstramos a poderosa capaci-
dade que o sono tem de estabil izar lembranças e
protegê-las de interferências. Primeiro, treinamos
pessoas para memorizar pares de palavras num
padrão A-8 (por exemplo, "cobertor-janela")
e então deixávamos alguns dos voluntários
dormir. Mais tarde elas aprenderam pares num
padrão A-C ("cobertor-tênis"), cujo propósito era
interferir com as memórias dos pares A-8. Como
esperado, as pessoas que dormiram podiam
lembrar mais pares A-8 do que as que perma-
neceram acordadas. E quando introduzimos os
pares A-C, ficou mais claro que as que dorm iram
tinham uma memória mais forte e mais estável
dos conjuntos A-8.
Mas os efeitos do sono sobre o que lem-
bramos não estão limitados à estabilização.
No decorrer dos últimos anos, vários estudos
demonstraram a sofisticação do processamento
da memória durante o sono. Na verdade, parece
que enquanto dormimos nosso cérebro pode
dissecar nossas lembranças e guardar apenas
detalhes mais relevantes. Em um estudo, criamos
uma série de imagens de objetos desagradáveis
ou neutros num fundo neutro, e testamos as
pessoas logo depois de olharem as imagens,
uma após a outra. Doze horas depois, um novo
teste da recordação dos objetos e dos fundos.
Os resultados foram bastante surpreendentes.
Independentemente de os participantes terem
permanecido acordados ou adormecidos, a
precisão de suas memórias caiu 100/o em todos
os casos. Mas as memórias emocionais melho-
raram um pouco da noite para o dia, mostrando
um acréscimo de cerca de 15%. Sabemos que
essa seleção acontece também na vida cotidia-
na, o que leva a crer que o sono tenha um papel
crucial na evolução das memórias afetivas.
A maneira precisa como o cérebro fortalece e
melhora a capacidade de elaboração emocional
ainda é um mistério, mas podemos fazer algumas
suposições. Sabemos que as lembranças são
criadas pelo fortalecimento da ligação entre
centenas, milhares ou talvez até milhões
de neurônios, tornando certos padrões de
atividade mais prováveis de se repetir. Quando
esses modelos são reativados, evocam uma
recordação, que pode ser o local onde deixamos
a chave de casa ou um par de palavras como
"cobertor-janela". Sabe-se que essas mudanças
na conexão sináptica surgem de um processo
molecular conhecido como potenciação de longo
prazo, que fortalece as ligações entre neurônios
que disparam ao mesmo tempo.
TRI LHA NO HIPOCAMPO
Durante o sono, o cérebro reativa padrões de
atividade que realizou durante o dia, fortalecen-
do as memórias por meio dessa potenciação
a longo prazo. Em 1994, os neurocientistas
Matthew Wilson e Bruce McNaugh-ton, então
da Universidade do Arizona, mostraram esse
efeito, pela primeira vez, usando ratos equipados
com implantes que monitoravam sua atividade
cerebral. Eles ensinaram os animais a encontrar
uma trilha que levava até a comida, registran-
Adormecido,
o sistema
nervoso parece
ensa1ar a
realização de
etapas mais
difíceis de
uma tarefa
até torná-la
automática
do ao mesmo tempo os padrões de disparo
neuronal do cérebro dos roedores. Células no
hipocampo- uma estrutura do cérebro crucial
para a memória espacial - criaram um mapa
da trilha, com células diferentes disparando
conforme os ratos atravessavam cada região da
trilha. Essas células correspondem de maneira
tão rigorosa a locais fís icos exatos que os pes-
quisadores puderam monitorar o progresso dos
ratos apenas observando quais delas estavam
disparando em dado momento. E, o que é mais
interessante: cientistas registraram essas infor-
mações até mesmo quando os ratos dormiam
e notaram que elas continuavam a disparar na
mesma ordem-como se os animais estivessem
"andando pela trilha" durante o sono.
Conforme essa prática inconsciente fortalece
a memória, algo mais complexo acontece: o
cérebro pode estar ensaiando, de forma seletiva,
os aspectos mais difíceis de uma tarefa. Um
trabalho realizado em 2005 pelo neurocientista
Matthew P. Walker, da Faculdade de Medicina de
Harvard, demonstrou que quando as pessoas
treinavam num teclado a digitação de sequências
complicadas, como 4-1-3-2-4 (algo parecido com
aprender uma partitura no piano) , dormir entre
sessões de treinamento fazia com que os dedos
se movimentassem de forma mais rápida e
coordenada numa próxima tentativa. Em um ex-
perimento mais aprofundado, ele descobriu que
os voluntários não estavam apenas aprimorando
a tarefa de digitação; estavam também vencendo
as dificuldades com as sequências numéricas
mais complicadas.
O cérebro faz isso, ao menos em parte,
63
deslocando a memória para as sequênciasmais
diffceis. Usando ressonância magnética fundo·
na I, Walker mostrou que seus voluntários usavam
diferentes regiões do cérebro para digitar depois
de terem dormido (veja quadro na póg. 62) . No
dia seguinte, a digitação correspondeu a uma
atividade maior no córtex motor primário direito,
lobo pré-frontal mediai, hipocampo e cerebelo
esquerdo- áreas associadas a movimentos mais
rápidos e precisos. Em compensação, houve me-
nor atividade nos córtices parietais, insula esquer-
da, polo temporal e região frontopolar, indicando
redução no esforço consciente e emocional. Em
suma: toda a memória foi fortalec1da , mas em
especial as partes que mais precisavam sê-lo.
O sono estava fazendo esse trabalho usando
regiões do cérebro diferentes daquelas usadas
enquanto a tarefa era aprendida.
Descobertas recentes mostram que dormir
também facilita a análise ativa de novas me-
mórias, permitindo a resolução de problemas e
dedução de novas informações.
Em 2007, mostramos que o cérebro aprende
enquanto dormimos. O estudo usou uma tarefa
de dedução transitiva: se Luiz é ma1s velho do
que Carol e Carol é mais velha do que Pedro,
as leis da transitividade deixam claro que Luiz é
mais velho que Pedro. Para deduzir isso, porém,
é preciso juntar dois fragmentos de informação.
64 I mentecerebro I 7 segredos do ckebro saudável
É possível
fazer deduções
lógicas de fonna
inconsciente e
descobrir novas
informações sem
aprendizagem
direta
As pessoas costumam fazer tais deduções sem
muito pensamento consciente. Essa capacidade
cognitiva tem grande utilidade: podemos desco-
brir novas informações sem nunca ter aprendido
isso de maneira direta.
A dedução parece óbvia no caso de Luiz e
Pedro, mas no experimento foram usadas formas
coloridas abstratas que não tinham nenhuma re-
lação intuitiva umas com as outras (veja ilustração
abaixo), tornando a tarefa mais desafiadora. Nós
ensinamos às pessoas os assim chamados pares
da premissa - elas aprenderam a escolher, por
exemplo, a oval laranja em vez da azul, a turquesa
em vez da verde, a verde em vez da floral, e assim
por diante. Os pares da premissa indicam uma
hierarquia- se o laranja é uma escolha melhor do
que o turquesa e o turquesa é preferível ao verde,
então o laranja deve "ganhar" do verde. Mas
quando testamos os participantes nesses novos
pares, 20 minutos depois de terem aprendido pela
primeira vez eles ainda não haviam descoberto
essas relações escondidas. No entanto, 12 horas
mais tarde realizaram a escolha correta. Simples-
mente deixar o tempo passar permitiu ao cérebro
calcular e aprender essas deduções transitivas.
E pessoas que dormiram em algum momento,
durante as 12 horas de intervalo, tiveram desem-
penho significativamente melhor, ligando os pares
mais distantes com precisão de 900/o. Ou seja: o
cérebro precisa de tempo para processar novas
informações, e o sono maximiza esse beneffcio.
ATALHOS COGNITIVOS
Num estudo de 2004, o neurocientista Ulrich
Wagner, da Universidade de Lübeck, Alemanha,
demonstrou quão poderoso pode ser o proces-
samento de memórias no sono. Ele ensinou aos
participantes como resolver um tipo de proble-
ma matemático usando um procedimento longo
e fez com que o repetissem cerca de 100 vezes.
Em seguida, pediu aos voluntários que fossem
embora e voltassem 12 horas mais tarde, quando
foram instruídos a tentar outras 200 vezes.
Embora não soubessem que havia uma
maneira bem mais simples de resolver os pro-
blemas, os pesquisadores perceberam exata-
mente quando eles descobriam o atalho, pois a
velocidade da resolução da tarefa aumentava de
repente. Muitos dos participantes descobriram o
truque durante a segunda sessão, e esta chance
aumentou 59% depois de uma noite de sono.
De alguma forma o cérebro adormecido estava
solucionando esse problema-sem nem mesmo
saber que havia algo para solucionar.
Quanto mais pesquisamos o assunto, mais
percebemos que o cérebro está longe da ina-
tividade enquanto dormimos. Está claro que
o sono pode consolidar memórias por meio
de seu aprimoramento e estabilização e pelas
descobertas de padrões dentro do material
estudado, mesmo quando não sabemos que
pode haver padrões ali. É óbvio, portanto, que
economizar nas horas de sono prejudica esses
processos cognitivos: alguns aspectos da con-
solidação mnêmica só são possíveis quando
temos mais de seis horas de sono. Perca uma
noite, e as memórias do dia podem ser com-
prometidas - uma constatação perturbadora
em uma sociedade na qual a privação de sono
se alastra em proporções epidêmicas.
VANTAGEM ADAPTATIVA
Mas por que certas funções cognitivas só
entram em ação quando estamos dormindo?
Não faria mais sentido se essas operações
ocorressem durante a vigília? Talvez fizesse,
mas as pressões evolutivas que tornaram o
sono humano o que ele é hoje já existiam muito
antes do advento da alta cognição. Funções
como a regulação do sistema imunológico e o
uso eficiente de energia (por exemplo, caçar de
dia e descansar de noite) são apenas duas das
muitas razões pelas quais faz sentido dormir
num planeta que alterna a luz e a escuridão.
E como já tínhamos a pressão evolutiva para
FILME /NSONIA: privaçJo
de sono causa confusilo
mental no personagem
vivido por AI Pacino
PARA SABER \1AIS
Human relational memory
requires time and sleep.
J. M. Ellenbogen, P. Hu, J.
D. Payne, D. Titone e M. P.
Walker, em Proceedings of
the National Academy ofSci·
ences, vol. 104, n• 18, págs.
7723-7728, 2007.
Sleep inspires insight.Ro·
bert Stickgold, em Nalure,
vol. 437, págs. 1272-1278,
2005.
Sleep-dependent memory
consolidation. Ullrich Wag·
ner, Steffen Gais , Hilde
Haider, Rolf Ver-leger e jan
Born, em Nature, vol. 427,
págs. 352-355, 22,2004.
Human relational memory
requires time and sleep.
Ulrich Wagner, Steffen Gais,
Hilde Haider, RolfVer-leger
e Jan Born, em Nature , vol.
42 7, págs. 352-355, 22,
2004.
dormir, o sistema nervoso acabou usando esse
tempo para processar informações coletadas
durante a vigflia imediatamente anterior.
O processamento da memória parece ser a
única função do sono que exige do organismo
estar realmente adormecido, isto é, que ele se
encontre alheio ao que acontece ao seu redor,
deixando de captar as informações sensoriais.
Essa atividade cognitiva inconsciente parece
exigir os mesmos recursos cerebrais usados
para processa r estímulos sensoriais quando
se está acordado. O cérebro precisa se desligar
do mundo externo para realizar esse trabalho.
Em contraste, embora outras funções,
como a regulação do sistema imune, sejam
realizadas de forma mais imediata quando o
organismo está inativo, não pa rece haver um
motivo para precisarmos perder a consciência.
Assim, pode ser que outras funções tenham se
desenvolvido para "tirar vantagem" do sono,
que já foi alocado para o perfodo noturno para
tecer nossas memórias.
É inegável que ainda restam muitas outras
perguntas sobre nossa cognição noturna e
sobre a forma exata como o cérebro realiza
o processamento de memórias. Essas inda-
gações suscitam uma questão maior sobre a
memória em geral: como lembramos certas in-
formações e esquecemos outras? Acreditamos
que compreender o sono pode ser a chave
para decifrar mecanismos da memória. Para
que isso ocorra, no entanto, é preciso realizar
cada vez mais experimentos, mas igualmente
importante é dormir e pensar a respeito. nec
65
R E L A X A R
Descanso
A e
terapeut1co
É QUASE IMPOSSÍVEL EVITAR QUE AS PRESSÕES DO COTIDIANO
CAUSEM PROBLEMAS DE SAÚDE, MUITAS VEZES GRAVES; A BOA
NOTÍCIA É QUE PODEMOS DIMINUIR ESSES EFEITOS NEGATIVOS
CRIANDO "BRECHAS DE PRAZER" NA ROTINA, EM VEZ DE ESPERAR
POR ALGUNS DIAS DE FÉRIAS UMA OU DUAS VEZES POR ANO
V
olta e meia a maior parte das
pessoas constata o inevitável:
as próprias energias estão se es-
gotando. O que parecia apenas
sinal de cansaço muitas vezes se trans-
forma em lapsos de memória e irritação.
Nos casos graves deexaustão aparecem
sintomas como enxaqueca, dor nas costas
e no estômago (e em alguns casos até
úlcera), queda acentuada de cabelos e
sfndrome do intestino irritável. Por trás do
desconforto fisico está aquela conhecida
palavrinha: estresse. Muitos ainda torcem
o nariz quando algum médico, psicólogo
ou outro profissional da saúde cogita esse
diagnóstico, mas há um fato que não se
pode negar: o esgotamento mental está
associado a muitos problemas que atacam
os órgãos ou regiões espedficas do corpo.
Não é segredo que a natureza dotou
nossos antepassados pré-históricos com
I I por Selma Corrêa, jornalista
uma ferramenta para ajudá-los a enfrentar
ameaças: um s istema rápido de ativação
capaz de aguçar a atenção, acelerar as bati-
das do coração, dilatar os vasos sangufneos
e preparar os músculos para lutar ou fugir
de um predador que invadia a caverna. Po-
rém, nós, os humanos modernos, estamos
constantemente sujeitos ao estresse de-
corrente do estilo de vida contemporâneo:
excesso de trabalho, barulho, pressão so-
cial, doenças fisicas e desafios intelectuais.
Como resultado, muitos órgãos de nosso
corpo são atingidos por uma descarga
implacável de sinais de alarme que podem
danificá-los e nos fazer adoecer.
Apesar das mudanças no estilo de vida,
nosso sistema cerebral ainda excita rapi-
damente o coração, os pulmões e outros
órgãos, preparando-nos para enfrentar o
perigo ou fugir dele. Afinal, hoje não são
as feras que nos incomodam, mas o trân-
/
/
~~..._ ~ -- ~ ----
- - -- -........J.
- ~y;= .;:_?:: ---= .....___ --- ----- ..-
I
67
sito caótico, a sobrecarga de tarefas, os chefes
intransigentes, os colegas medíocres dos quais
dependemos, o risco de sermos assaltados e
tantas outras ameaças. E quando enfrentamos
estressores da vida moderna, o sistema pode
bombardear o corpo com sinais de alarme, ca-
pazes de comprometer nossa saúde.
Quando os sentidos como visão, audição,
ou mesmo os pensamentos indicam estresse,
o hipotálamo inicia uma reação em cadeia, que
envolve a amígdala e as glândulas pituitárias e
adrenais, conduzida por impulsos nervosos e
uma cascata de hormônios, entre eles o CRH,
o ACHT e os glucocorticoides. Se os cientistas
conseguirem determinar exatamente quais
células receptoras no cérebro e nas glândulas
propagam os sinais de esgotamento, poderão
criar drogas espedfkas para interferir nesse
processo, poupando os órgãos do esforço que
o estresse provoca.
Fazer coisas
agradáveis, de
preferência
que envolvam
movimento, são
fundamentais
para a saúde
física e mental,
pois funcionam
como válvula de
escape
Cérebro sobrecarregado
Um conglomerado de neurônios no tronco encefálico,
denominado /ocus ceruleus, coordena o "braço curto" do
sistema de estresse ao longo de múltiplos caminhos neurais
(em pretc). Ele ativa o hipotálamo, que contata as fibras
nervosas autonômas no tronco encefálico. Outros neurônios
do /ocus ceruleus acionam diretamente as reações de estresse
em órpos e glândulas através das fibras autônomas que se
estendem pelo corpo. Ao enviar seus alertas, o /ocus ceruleus
obtém sinais emocionais da amfgdala e da estria terminal,
que alcançam também o hipotálamo. Ansiedade constante,
medo ou agressão frequentes podem estimular os nervos
interminavelmente, sobrecarregando o cérebro e o corpo.
68 I rnentecérebro I 7 segredos do c.éreb.o saud2vel
o
O sistema de resposta do organismo pro-
duz feedback positivo para fortalecer a própria
ação do estresse quando necessário, mas, se
situações de tensão ocorrem constantemente
(não raro em várias ocasiões por dia), há um
acúmulo que pode tornar-se perigosamente
intenso. Apropriada ou não, a reação depende,
em grande parte, das células que encobrem a
glândula pituitária. O CRH envia sinais para
essas células por meio de moléculas receptoras
tipo 1 na membrana celular. Há alguns anos, os
pesquisadores do Instituto Salk e do Instituto
Max Planck de Psiquiatria em Munique criaram
camundongos nos qua is receptores tipo l
estavam ausentes. Mesmo quando expostos
várias vezes a situações estressantes, os níveis
sanguíneos de certos hormônios do estresse
desses animais nunca se elevaram acima do
normal. Eles sentiam-se obviamente menos
estressados. É possível que drogas capazes de
Estria terminal
E ,._~- Núcleo paraventricular ..
t -~-
I . .
·. ·.
..............
......... . .
- Nervovago
Humor e hormônios
O que exatamente acontece no cérebro e no corpo quando
estamos sobrecarregados? Quais órgãos são ativados?
Quando os alarmes começam a causar problemas críticos?
Nas últimas décadas, os pesquisadores identificaram diversas
áreas que contribuem, de forma considerável, para determinar
a forma como o corpo reage ao estresse e influem no modo
como respondemos aos estressores externos. Essas regiões
processam informação sensorial e emocional e se comunicam
com uma vasta rede de nervos, órgãos, vasos sanguíneos e
músculos, realocando as reservas de energia do corpo, de modo
que possamos avaliar e reagir às situações.
Quando o estresse se desencadeia, o hipotálamo, uma
pequena área localizada em uma região profunda do cérebro,
entra em ação. Ele contém vários núcleos (ou conglomerados)
de neurônios, responsáveis por tarefas diversas, como regular
o sono, o apetite e o equilíbrio entre diversos hormônios. O
conglomerado mais importante de neurônios é o núcleo
paraventricular, que produz importante liberador de
corticotropina (CRH), estimulante que desencadeia
a reação do estresse.
O CRH foi descoberto em 1981 po~.WY.I.i~ ...... .
Vale e seus colegas do Instituto Salk de Estudos
Biológicos em San Diego, e desde então tem
sido objeto de pesquisa. Esse hormônio controla
a reação ao estresse de duas formas. Na primeira,
ele alcança os órgãos por meio do chamado
suprimir os efeitos do CRH nesses receptores
possam, também, reduzir os níveis de estresse
em pessoas perturbadas.
braço longo - o caminho do sinal hormonal do hipotálamo
para a glândula pituitária, no cérebro, e para as glândulas
adrenais, nos rins. Esse braço é também conhecido como eixo
hipotálamo-pituitária-adrenal. Ao atingir a pituitária o CRH faz
com que a glândula libere o hormônio adrenocorticotrópico
(ACHT) na circulação sanguínea. O ACTH, por sua vez, ativa
as glândulas adrenais para liberar hormônios glucocorticoides
no sangue. Níveis de glucocorticoides normalmente seguem
um ritmo diário: alto no começo da manhã, baixo no fim do
dia. Uma de suas principais tarefas é aumentar a glicose no
sangue para fornecer energia aos músculos e nervos. Eles
também controlam o metabolismo da glicose e o ciclo sono-
vigília. Como regulam funções tão importantes, os níveis
desses hormônios têm de ser controlados com precisão e,
sendo assim, estão sujeitos a um mecanismo de feedback no
hipotálamo que pode rapidamente reverter o sistema para
valores mais baixos.
O CRH também utiliza outro caminho, o "braço
curto". Uma pequena região no tronco encefálico
chamada /ocus ceru/eus funciona como um
tipo de circuito elétrico neural, ligando as
áreas cerebrais produtoras de CRH ao sistema
nervoso autônomo, que controla os processos
fisiológicos contínuos independentemente
de nossa vontade, como respiração, pressão
sanguínea, digestão e assim por diante.
tos rompidos nosso sistema de estresse pode
suportar. Entretanto, um conjunto de pesquisas
em desenvolvimento mostra que o estresse
crônico compromete nossos órgãos e corpo.
Embora já não enfrentemos o animal faminto
na caverna, podemos ter de nos defrontar
com dilemas igualmente terríveis, envolvendo
diversos estressores mais insidiosos que estão
sempre nos agredindo.
Conhecimentos mais recentes acerca do
funcionamento do cérebro oferecem fortes in-
dícios de como a tensão pode nos fazer adoecer
e como neutralizar seus efeitos. Seja para um
roedor, seja para uma pessoa, qualquer ativação
do sistema de estresse é um evento extraordi-
nário - e no momentoem que a emergência
termina, o sistema deve ser rapidamente desli-
gado, de modo que os órgãos afetados possam
se recuperar. Contudo, quando circunstâncias
externas estimulam o sistema de estresse repe-
tidamente, ele nunca deixa de reagir, e os órgãos
nunca conseguem relaxar. Tal tensão crônica
torna muitos tecidos vulneráveis a danos.
Mas nem toda reação é igual. Certo nível
básico, chamado estresse positivo, é até dese-
jável, porque nos mantém física e mentalmente
prontos para agir bem. Porém, quando estamos
em risco? Não há resposta consensual a essa
pergunta. Não sabemos quanto barulho no
ambiente de trabalho ou quantos relacionamen-
PARA SABER MAIS
Combate~ exausUo mental.
Ro be rt Epste1n. Coleçi'lo
Doenças do cére bro n•J
Estresse e Ansiedade, págs.
16-23 , 2012.
Então, o que fazer para diminuir a carga que
pode nos prejudicar de forma tão grave? Cada
vez mais psicólogos e médicos alertam para uma
providência aparentemente simples, mas que
pode fazer grande diferença para o bem-estar
físico e mental: criar "brechas de prazer" na ro-
tina, em vez de apenas aguardar, ansiosamente,
pelas férias anuais. Ao praticar com frequência
atividades prazerosas, de preferência que en-
volvam movimento ou relaxamento do corpo
-como caminhadas, esporte, dança, meditação
ou massagem-, criamos válvulas de escape para
a tensão, ajudando o sistema cerebral a "descan-
sar". E assim ganhamos fôlego para aguardar as
merecidas férias. ~
As duas faces do estresse.
Mathias V. Schmidt e lars
Schwabe. Coleçilo Doenças
do cérebro n•J Estresse e
Ansiedade, págs. 6-15,2012.
69
do chebro saudável 70 I mentecerebro I 7 sepdos
~~)_,
~ ·
I
Pelo di rei to
' a paz
A PREOCUPAÇÃO CRÔNICA SE ORIGINA DA COMPULSÃO POR
CONTROLE; PORÉM, QUANTO MAIOR A AFLIÇÃO, MENOS
SOMOS CAPAZES DE ENCONTRAR SOLUÇÕES CRIATIVAS;
MEDITAÇÃO PODE EVITAR QUE ANTECIPAÇÕES EXCESSIVAS E
INCONTROLÁVEIS SE TORNEM PATOLÓGICAS
//por jornalista científica.
o ponto de vista cognitivo, pensamentos de an-
tecipação sobre acontecimentos, em geral com
enfoque negativo, fazem parte de um processo
mental útil e necessário para a resolução de
problemas. Para algumas pessoas, porém, a preocupação
excessiva faz mais mal que bem- e se transforma em uma
espécie de autotortura. Os preocupados crônicos agem
sob a percepção enganosa de que, quanto mais pensarem
sobre a questão que os incomoda e tentarem controlar
cada situação, melhor será o futuro. Mas, em vez disso,
esse padrão dificulta a assimilação cognitiva e provoca a
superestimulação de áreas cerebrais de processamento
do medo e da emoção. O excesso de vigilância também
pode tornar o organismo incapaz de lidar adequadamente
com o estresse, além de afetar o corpo, causando, por
exemplo, problemas cardiovasculares.
71
O psicólogo Thomas Borkovec, da
Universidade Estadual da Pensilvânia, pioneiro
nesse campo de estudo, interessou-se pela
tendência humana a se "pré-ocupar" com algo
que não pode ser resolvido naquele momento
enquanto investigava os distúrbios do sono e
descobriu que a atividade cognitiva intrusiva
na hora de dormir é um fator causador de
insônia. No início da década de 90, Borkovec
e seus colegas desenvolveram o Penn State
Worry Questionnaire (Questionário sobre
a Preocupação do Estado da Pensilvânia).
um teste para diagnóstico que ajudou os
pesquisadores a mostrar que a aflição excessiva
é uma característica do transtorno de ansiedade
generalizada (TAG). Os psicólogos revisaram
as orientações psiquiátricas oficiais (na época,
o Diagnostic and Statistical Manual of Mental
Disorders 111 a terce ira versão do Manual
Diagnóstico e Estatístico dos Distúrbios Mentais) e
apontaram a preocupação como a característica
essencial do TAG, sendo que sua manifestação
crônica pode ser considerada um problema de
saúde mental.
COMPULSÃO POR CONTROLE
Borkovec definiu três componentes
principais das preocupações comuns
das quais a maioria das pessoas não
está livre: o excesso de pensamen-
tos, a tentativa de evitar resultados
negativos e a inibição de emoções.
Douglas Mennin, diretor do Yale An-
xiety and Mood Services da Univers i-
dade Yale, explica que a preocupação
está associada à tendência inata dos
seres humanos de pensar sobre o fu-
turo: "Temos compulsão por controle;
os preocupados crônicos veem o mundo
como um lugar inseguro e tentam lutar
contra a sensação de desconforto".
Os excessivamente preocu-
pados nutrem a crença
de que a aflição lhes
propicia esse con-
trole e tendem
a evitar situa-
ções sobre as
quais não de-
tenham ne-
nhum poder.
n I rnentecérebro I 7 segredos do céfebro saudável
Alguns padrões
de pensamento
dificultam a
assimilação
cognitiva,
provocando
medo e
ansiedaae
o que
pode causar
nson a e cr ses
de taqu card1a
contas
Em um estudo de 1995, Borkovec fez
uma descoberta curiosa: essas pessoas se
martirizavam por questões que raramente
ocorriam. No entanto, com frequência, os
participantes do estudo reportaram acreditar
que o pensamento exagerado sobre um pos-
sível acontecimento negativo evitara que este
ocorresse- ainda que não houvesse nenhuma
lógica nesse raciodnio.
Não é de surpreender que os preocupa-
dos exibam atividade aumentada em áreas
do cérebro associadas às funções executivas
como planejamento, raciocínio e controle do
im pulso. Recentemente, o psicólogo Stefan
Hoffmann, da Universidade de Boston, usou
um eletroencefalograma para medir a ativi-
dade no córtex pré-frontal, antes e após ter
sido dito a 27 un iversitários que deveriam
fazer um discurso em público. Ele confirmou
evidências anteriores de aumento de atividade
no córtex frontal esquerdo em pessoas que se
preocupam em comparação com as que não
têm a reação, o que sugere que o córtex frontal
esquerdo desempenha papel preponderante
nesse comportamento.
Porém, a tentativa exagerada de estar
no comando de determinada situação
ou de seus próprios pensamentos pode
ser um tiro pela culatra quando, em
vez de atingir seu objetivo, as pessoas
são dominadas por aflições repetitivas.
A pesquisa mostra que, quanto mais
cultivamos pensamentos negativos,
mais as ameaças nos parecem reais e
ma is se repetirão em nossa cabeça, às
vezes de forma incontrolável.
O ps icólogo Daniel M. Wegner, da
Universidade Harvard, descobriu que
quando as pessoas recebiam ordens
para não pensar em um urso-bran-
co , demonstravam a
tendência de men-
cioná-lo com
frequência. No
experimento,
Wegner deixou
um voluntário ;
do estudo!
em uma sala ~
com um mi- ;
crofone e um J
sino e pediu a ele que discorresse livremente
sobre qualquer assunto . Em determinado
momento, o pesquisador interrompia o mo-
nólogo e dizia ao participante que continu-
asse a falar- mas, nesse ponto, avisava que
não pensasse no urso-branco, em hipótese
alguma. Se a pessoa pensasse no animal ,
deveria tocar o sino. Na média, os voluntários
tocaram o sino mais de seis vezes nos ci nco
minutos seguintes e chegaram a dizer alto
"urso-branco" várias vezes .
"Ao tentarmos nos livrar de uma preo-
cupação ou de um pensamento recorrente,
a situação parece piorar. O mesmo ocorre
quando uma música se fixa na sua cabeça;
você quer esquecê-la, mas ela conti nua res- g
soando na sua mente cada vez mais sempre l
que tenta afastá-la" , diz Wegner. Segundo ele, ~
nesse caso, dois processos mentais podem 1 ~
estar em pauta . In icialmente, ao tentar pro- ~
curar conscientemente por distrações para o Q
Pesquisas já comprovaram que a meditação ajuda a diminuir a
ansiedade e o limiar da dor - e, em alguns casos, é crucial para
atingir esse resultado. E traz ainda duas enormes vantagens: a
pessoa ganha autonomia para buscar o próprio bem-estar e não
precisa fazer grande investimento financeiro para isso.
Recentemente, cientistas da Universidade da Califórnia
em Los Angeles descobriram os beneficios da prática para
a anatomia cerebral. Eles observaram que áreas como
hipocampo, córtexorbitofrontal, tálamo e giro temporal
inferior (todas associadas à regulação das emoções) de
pessoas que tinham o hábito de meditar entre 10 e 90
minutos por dia há pelo menos quatro anos eram maiores em
comparação às mesmas regiões de participantes do grupo-
controle que não meditavam.
Imagens obtidas por ressonância magnética funcional
(FRM) indicaram que esse aumento de volume se deve à
maior quantidade de substância cinzenta, onde se concentram
os corpos celulares dos neurônios (origem dos impulsos
nervosos). Segundo os autores do estudo, publicado no periódico
Neuro/mag, esses resultados parecem oferecer uma pista
importante sobre a extraordinária capacidade dos adeptos da
meditação de controlar as emoções e responder melhor aos
estfmulos estressores do cotidiano e até mesmo à dor.
Um ponto importante observado pelos pesquisadores é que
as pessoas que fazem meditação desenvolvem potencial mais
aguçado de concentração e isso se mantém mesmo nas fases
em que não estão praticando. E para obter resultados não é
necessário encerrar-se em um monastério ou reorganizar toda
a vida para dedicar-se à meditação por várias horas: a prática
diária, por um período de aproximadamente dez minutos, ou até
um pouco menos, já é suficiente para trazer beneficios.
Parece fácil , mas não é bem assim. Segundo uma pesquisa
desenvolvida na Universidade Stanford, mais da metade dos
principiantes encontram sérias dificuldade para se manter
concentrados por cinco minutos, em especial nas primeiras
seis semanas de prática. Vários afirmaram que no inicio
consideravam ucomplicado" prestar atenção na própria
respiração e que use perdiam" em pensamentos, em média
duas ou três vezes a cada 60 segundos. Os que venciam
as dificuldades da quietude e se entregavam a essa viagem
interior, entretanto, eram unânimes em falar dos beneficios da
meditação- sensação de equi librio, integridade e bem-estar
ao longo do d ia.
Esses relatos sugerem que vale a pena tentar: basta sentar-
se de maneira confortável e respirar naturalmente. A primeira
coisa a fazer em seguida é direcionar a atenção para a própria
inspiração e expiração, atendo-se aos detalhes da passagem do
ar pela cavidade nasal, peito e abdômen. Se a pessoa notar que
tende a se distrair- o que é bastante provável que aconteça -,
deve redirecionar a concentração para a respiração. Um ponto
importante: não criticar a si mesmo durante o processo caso
surjam dificuldades. E uma vez que pegar o jeito, mesmo poucos
minutos de respiração consciente poderão ajudar a manter a
calma e aumentar a segurança antes de um encontro importante,
de falar em público ou de enfrentar alguma outra situação
estressante. (Da redação)
73
Para tornar a vida mais leve (*)
1. AVALIE A SITUAÇÃO
Um bom começo é determinar se suas inquietações
poderão realmente ajudá-lo a encontrar soluções práticas
para um problema. Se a resposta for "sim", faça uma lista
com medidas claras e práticas para resolver a questão, de
preferência estabelecendo prazos. Se a resposta for "não",
use as técnicas a seguir.
2. ANOTE
Registre suas preocupações improdutivas durante o dia
e reserve aproximadamente 15 minutos para se dedicar
especificamente à reflexão sobre elas. Muita gente descobre
que, no horário estipulado, elas simplesmente "deixaram
de existir". Assuntos aparentemente fundamentais
que exigiam resposta imediata parecem ter perdido a
importância mais tarde.
3. NÃO BRIGUE COM AS INCERTEZAS
Os preocupados costumam ter dificuldade em aceitar que
nunca poderão ter controle completo sobre sua vida. Alguns
psicólogos comportamentais garantem que repetir baixinho
uma preocupação por 20 minutos ("Nunca vou pegar no
sono" ou "Posso perder o meu emprego") reduz o medo que
temos de que essa afirmação se concretize. A maioria das
pessoas fica entediada e nem chega a completar o tempo-
termina desviando a atenção para outras prioridades.
4. INSISTA NA A CONCENTRAÇÃO
Técnicas com base em ensinamentos budistas pregam
viver o momento presente e experimentar todas as
emoções, mesmo as negativas. Costumamos nos
concentrar (ou seja, estar no centro de nossa vida) quando
estamos imersos em nossa música predileta ou numa
conversa animada com os amigos. Uma forma eficaz
de "permanecer" no presente é praticar a respiração
profunda, deixando o corpo relaxar e a tensão dos
músculos desaparecer.
5. ENCARE A REALIDADE
O que acontece se um de seus receios se concretizar?
Você sobreviveria à perda do emprego ou do namorado?
Relativizar a forma como você avalia os desapontamentos
costuma diminuir - ou até atenuar - a sensação de
fracasso. Também pode ser útil fazer uma lista de coisas
pelas quais somos gratos em nossa vida.
6. OLHE PARA O PASSADO
Examine as preocupações que o incomodaram e hoje não
fazem mais sentido. Você tem dificuldade de se lembrar
quais são? Provavelmente isso significa que aquelas
preocupações nunca se tornaram realidade ou que você
conseguiu lidar com elas e esquecê-las. Essa forma de
pensar ajuda a redimensionar as inquietações atuais.
(*) Atitudes sugeridas com base na abordagem cognitivo-comportamental
7 4 I mente<:~ I 7 segredos do chebto saudável
urso-branco (ou qualquer outra preocupação
insistente) , de alguma forma a pessoa perma-
nece consciente do pensamento indesejável.
O segundo motivo para que a supressão não
funcione é que frequentemente fazemos um
esforço inconsciente para evitar pensar no que
é proibido- e, por fim, acabamos sensibilizan-
do nosso cérebro para o problema.
Duas áreas do cérebro responsáveis pelo
processamento de emoções estão relaciona-
das também à preocupação: a insula anterior
e a amígdala. Um estudo de 2008 publicado
pela Psychologica/ Science, no qual foi usada
a ressonância magnética funcional, revelou
que, quando os participantes antecipavam a
~ perda significativa de dinheiro em um futuro
i próximo, ocorria um aumento de atividade na
} ínsula anterior. Essa área não apenas se torna
5 mais ativa em resposta à preocupação como a
! inclinação à inquietação também é reforçada.
No entanto, os pesquisadores concluíram que,
às vezes, quando o assunto é tomar decisões
financeiras ousadas, o excesso de racionaliza-
ções pode ser positivo.
Em 2009, Jack Nitschke, psicólogo clínico
da Escola Madison de Medicina e Saúde Públi-
ca da Universidade de Wisconsin, relatou ter
usado ressonância magnética funcional para
medir a atividade na amígdala enquanto os
pacientes com TAG e pessoas saudáveis que
também participaram do estudo viam ima-
gens com conotação negativa (por exemplo,
corpos mutilados) ou neutra (como um hi-
drante). Poucos segundos antes de vê-las, os
voluntários eram informados se receberiam
uma fotografia neutra ou negativa. Embora as
pessoas com TAG e as saudáveis não apresen-
tassem diferenças na atividade na amígdala
diante de qualquer tipo de ilustração, aquelas
com transtorno de ansiedade generalizada
(TAG) mostraram níveis incomuns de ativi-
dade da amígdala tanto em relação às dicas
negativas quanto às neutras- sugerindo que
a mera antecipação de a possibilidade desa-
gradável ocorrer no futuro requer um circuito
neural espedfico.
O fato é que todos nós nos afligimos em
um momento ou outro e a preocupação nos
coloca diante de um impasse psíquico que
Medita~o e gerenciamento
do stress no trabalho. Maria
Cristina Pesce. Scortecci ,
2012.
Anticipatory activation in
the amygdala and anterior
cingulate in generalized an-
xiety disorder and prediction
of treatment response. )ack
Nitschke et ai., em American
Journa/ of Pshychiatry, vol.
166, no 3, págs. 302·310,
março de 2009.
Como lidar com as preocu-
pações: sete passos para
impedir que elas paralisem
você. Robert Leahy. Artmed,
2007.
envolve aspectos do circuito neural. Nessas
situações, os ansiosos crônicos se esforçam
para controlar não só o que sentem, mas
também as variáveis externas. E a afl ição
contribuiu para o entorpecimento das res-
postasemocionais. Atualmente está bem fun-
damentado pela ciência o conhecimento de
que o dano no lobo frontal está associado ao
embotamento das emoções. Recentemente,
um estudo desenvolvido pela Universidade de
Boston demonstrou que essa área é mais ativa
em pessoas que pensam no futuro.
Quando a antecipação se torna muito
frequente , a ponto de causar sofrimento, é
importante buscar ajuda profissional. A psico-
terapia- e em determinados casos também os
medicamentos - ajuda a pessoa a entrar em
contato com as próprias angústias de forma
protegida, compreender seu papel na dinâmica
psíquica e a lidar com elas. A psicanálise e as
terapias de base psicanalrtica, por exemplo, in-
vestigam a fundo os sintomas. já a abordagem
cognitivo-comporta mental se propõe a ensinar
os pacientes a detectar sinais precoces de pre-
ocupação nociva e a integrar procedimentos
ao seu cotidiano. Em geral, técnicas de rela-
xamento (veja quadro na pág. 74) também são
bastante eficazes para aliviar a tensão muscular
associada à preocupação excessiva. m c
75
R E L A X A R
uilíbrio
BENEFÍCIOS FÍSICOS E MENTAIS
DO TAl CHI CHUAN , COMO
FORTALECIMENTO DO SITEMA
IMUNOLÓGICO E ATÉ DA
AUTOESTI MA, ATRAEM CADA VEZ
MAIS A ATENÇÃO DE PSICÓLOGOS
E NEUROCIENTISTAS
V
estidos com roupas orientais, chineses idosos se
movem em suave sincronia. Reina o silêncio. Para
os ocidentais essa é a representação mais fiel de
ma antiga arte marcial chinesa surgida no século
13. Proibida durante décadas pelo regime de Mao Tse-tung,
a técnica ressurgiu há pouco mais de 30 anos. Hoje, o tai
chi chuan, que quer dizer "luta do polo supremo", está di-
fundido também no Ocidente em razão dos beneficios que
traz ao corpo e principalmente à mente. Mesmo sem atingir
o nível de popularidade da ioga, vem atraindo a atenção da
comunidade científica para as vantagens que oferece a quem
o pratica com assiduidade.
Embora seja frequentemente descrito como ginástica
suave, uma forma de meditação em movimento ou dança,
as raízes do tai chi chuan - ou simplesmente tai chi - estão
I I por P ola Emilia Cicerone, jornalista
nas artes marciais. É considerado, aliás, uma representação
de conflitos internos expressos por meio dos movimentos. A
técnica faz parte do que os chineses denominam wu shu, que
nós, ocidentais, chamamos kungfo. De fato, na tradição orien-
tal, otai chi é definido como um "combate com a sombra". "As
artes marciais mais conhecidas no Ocidente, como o karatê
e o kung fu, as quais têm como objetivo infligir o maior dano
possível ao adversário, na verdade são apenas um rascunho da
original, cuja orientação básica é atingir o autoconhecimento e
o controle do indivíduo", explica Marco Montagnani, professor
de acupuntura e especialista em medicina tradicional chinesa.
"Para o praticante de artes marciais, como o próprio o ta i chi
chuan, a ideia central é evitar o combate sempre que possível
ou tornar o adversário inofensivo com o mínimo indispensável
de violência", diz.
A técnica ocupa papel intermediário entre as técnicas de
combate propriamente ditas e um tipo de ginástica terapêutica
denominada qi gong. "Ele nasceu como uma arte marcial que
tem também propriedades medicinais", explica Lucio Sotte,
médico acupunturista e diretor da Revista Italiana de Medicina
Tradicional Chinesa. Para muitos mestres, certas formas de
execução dotai chi são consideradas qi gong. Sonia Baccetti,
do Centro de Medicina Tradicional Chinesa Flor de Ameixa,
em Florença, tem uma visão diferente. "Segundo os textos
clássicos, o tai chi permite reequilibrar a energia e promover
a saúde geral, enquanto o qi gong trata órgãos espedficos.
Ambas as técnicas usam movimento e respiração consciente
para reativar a circulação energética."
Para a medicina chinesa, a saúde depende de uma boa cir-
culação da energia, "pois as patologias nascem da esta se, uma
espécie de estagnação que pode surgir por vários fatores, como
maus hábitos alimentares ou o que os chineses chamam 'ener-
gias externas perversas', como variações climáticas extremas,
infecções ou emoções negativas intensas", diz a especialista.
Segundo ela, o objetivo do tai chi é reproduzir no corpo os
movimentos dclicos do Universo, da aurora ao crepúsculo,
do nascimento à morte; até que se entre em sintonia com o
que nos circunda. Cada mestre cria seu estilo, que deve, no
entanto, respeitar os prindpios básicos da tradição", conclui.
O tai chi praticamente não tem contra-indicações, exceto
para quem sofre de lesões musculares (nesses casos, é ne-
cessário consultar um médico). Outra vantagem é que pode
ser praticado por pessoas de todas as idades, em qualquer
lugar, individualmente ou em grupo. Tudo que é necessário
para executar as sequências de movimentos lentos e fluidos
77
- geralmente definidos por nomes pitorescos
como "vigiar o macaco" ou "o gavião abre as
asas"-é um espaço relativamente pequeno e um
par de calçados confortáveiS. Isso não significa,
porém, que se trata de um exercício fácil, apesar
de os mestres ocidentais terem simplificado
o método de ensino tradicional. Aprender tai
chi chuan leva tempo, mas os benefícios não
tardam a aparecer. "Quem faz logo percebe os
resultados terapêuticos, que se intensificam com
a experiência e podem levar, em uma década, a
verdadeiras mudanças de caráter", afirma Marco
Montagnam.
O aprendizado do tai chi se divide em três
grandes fases . A primeira é dedicada ao tiao
shen, a harmonização corporal. Nela o praticante
conhece os limites do próprio corpo e melhora
a coordenação motora, a circulação sanguínea e
a capacidade articular. Além disso, os exercícios
frequentemente auxiliam também na expressão
de emoções.
Uma vez aprendidos os movimentos básicos,
começa a chamada harmonização respiratória,
o tiao xi, etapa em que, segundo especialistas,
é favorecida a qualidade do sono, do humor e
da vida afetiva. Nessa fase se aprende a levar a
respiração até o umbigo, um centro energético,
segundo os ch1neses, o que aJuda a controlar, por
exemplo, ansiedade e ataques de pânico. "Não é
à toa que quando estamos ansiosos tendemos
a respirar com o tórax", explica Sonia Baccetti.
A última fase do aprend izado, atingida
apenas pelos mais assíduos, é chamada de har-
monização do coração, ou tiao xin- a medicina
Vários est·los
Atualmente há cinco estilos de ta i chi chuan, cada qual com o nome do mestre
que o criou. O mais antigo é o estilo chen, que alterna movimentos lentos e
rápidos, indu i saltos e pisadas vigorosas. O mais difundido é o estilo yong,
que usa movimentos suaves, com velocidade homogênea. Os estilos wu e
sun são os mais modernos, compostos por sequêndas mais longas (até 108
movimentos) e outras muito rápidas (de 24 a 42 movimentos, muito usadas
em competições e demonstrações). Nos níveis mais avançados, as sequências
induem o uso de espada, lança ou leque. A popularização dotai chi no Ocidente
vem gerando pequenas modificações da tradição na própria China, onde já
existem livros dedicados às variações contemporâneas, dirigidos a quem já
pratica há tempos essa arte marcial. Para iniciantes, só o contato direto com um
mestre torna possível o aprendizado das infinitas sutilezas dos exercícios.
A ideia central
é evitar o
combate sempre
que possível
ou tornar o
adversário
inofensivo
com o mínimo
indispensável de
violência
tradicional chinesa atribui ao coração as funções
da mente. Nesse ponto o praticante desenvolve
habilidades que melhoram o relacionamento
com os outros e consigo mesmo. Alguns estudos
mostram que, exercitado du rante anos, o tai chi
ajuda a tomar consciência dos próprios limites e
potencialidades. Se na fase anterior os exercícios
combatiam a ansiedade, aqui são observados
benefícios nos estados depressivos.
Dentre as medicinas tradicionais do Oriente,
a chinesa certamente é a mais estudada. Em
bancos de dados da literatura científica, como o
PubMed, há milhares de referências, principal-mente sobre acupuntura e qi gong. "Sabemos, por
exemplo, que o efeito analgésico da acu puntura
pode ser explicado pela ativação de vias neurais
inibitórias, que conseguem bloquear o percurso
do estímulo doloroso da periferia até o sistema
nervoso central", explica Sonia. Segu ndo ela,
Efeitos terapêuticos testados
MúSCULOS Estudo de 2005 do Centro de Controle e Prevenção de
Doenças, em Atlanta, mostrou que o tai chi fortalece a musculatura
postura! e previne quedas em idosos. Outros estudos observaram
redução na perda de tecido ósseo em mulheres na pós-menopausa.
Quem sofre de artrite reumatoide parece também se beneficiar dos
exercícios chineses, que melhoram a mobilidade das articulações,
especialmente das pernas e do quadril.
CORAy:..O O tai chi favorece a qualidade de vida e diminui a
intensidade dos sintomas de portadores de insuficiência cardíaca
crônica, segundo pesquisa realizada na Faculdade de Medicina da
Universidade Harvard. No ano seguinte, estudo da Universidade de
Uverpool mostrou que essa prática é capaz de diminuir a pressão
arterial em mulheres de meia-idade.
78 I ~ I 7 segredos do cerebro saudável
U~ IDADE Portadores de Herpes zoster apresentaram melhora
na resposta imunológica, especialmente indivíduos com saúde
mais debilitada, segundo estudo do Centro Cousins de Psico-
neuroimunologia da Universidade da Califórnia em Los Angeles.
~O O Praticado três vezes por semana durante seis meses,
o tai chi aumenta a qualidade e a duração média do sono e é
mais eficaz que programas equivalentes de ginástica de baixo
impacto, de acordo com trabalho realizado no Instituto de Pes-
quisa de Oregon.
AU ·om .. AA técnica foi considerada eficaz e contribui para a
autoestima e para a qualidade de vida de mulheres com câncer
de mama, segundo pesquisa da Universidade de Rochester.
técnicas de neuroimagem como a tomografia
por emissão de pósitrons (PET) mostram que
a estimulação de alguns pontos do corpo ativa
áreas específicas do cérebro, enquanto outros
agem sobre o sistema imunológico ou regulam
a produção de hormônios.
As pesquisas científicas sobre tai chi chuan,
entretanto, apresentam lim itações metodológi-
cas que vão além das dificuldades comuns no
âmbito da medicina preventiva. Uma delas é o
período relativamente longo de aprendizagem,
diferentemente do qi gong, que se baseia também
em exercícios estáticos, mas bem mais simples
de executar. "Em geral os ensaios clínicos não
duram o suficiente para avaliar os reais benefícios
dessa arte porque ela exige tempo e aplicação",
diz Fuzhong Li, do Instituto Oregon de Pesqui-
sa, que coordenou um estudo cujos resultados
mostraram como o tai chi melhora o equil íbrio
e previne quedas em idosos. "Uma das coisas
que tendemos a esquecer quando estudamos os
efeitos do tai chi é que a qualidade do instrutor
conta muito e pode influenciar decisivamente os
resultados", diz.
Apesar das dificuldades, o número de pesqui-
sas sobre o tai chi chuan está se multiplicando
rapidamente nos últimos anos, principalmente
depois de uma excelente meta-análise publicada
em 2004 porChenchen Wang, reumatologista do
Centro Médico Tufts-New England, em Boston.
"Pratico tai chi ocasionalmente, mas sou antes
de tudo uma pesquisadora interessada em seus
efeitos no organismo e no cérebro", explica a
reumatologista americana de ascendência chi-
nesa. Vários estudos que fizeram parte da meta-
-análise mostram que o tai ch i pode, após um
A palavra tai chi chuan, a "luta do polo
supremo", também pode ser grafada taiji quan
ou t'ai chi chuan. Diz a lenda que a técnica foi
inventada no século 13 pelo mestre de artes
marciais Chang San-Feng, que vivia isolado
numa montanha da China. Depois de assistir a
uma luta entre uma cegonha e uma serpente, ele
teria ficado impressionado com os movimentos
leves, quase sempre lentos, mas sempre sujeitos
a contra-ataques rápidos, que o teriam inspirado
a criar uma arte marcial em que a suavidade e a
flexibilidade prevalecem sobre a força.
período relativamente breve (seis meses), aliviar ~
~
PARA SABER MAIS
Effect of tai chi ch uan in
adults with rheumatoid ar-
thrit is. C. Wang et a/., e m
Rheumatology, vol. 44, n° 5,
págs. 685-687, 2005.
The effect oftai chi on health
outcomes in pat ients with
chronic conditions: a sys-
tematic review. C. Wang et
a/., em Archives of Interno/
Medicine, vol. 164, n° 5, págs.
493-501, 2004.
Sociedade Brasileira de Tai
Chi Chuan - www.sbtcc.org.br
a depressão e melhorar claramente indicadores ~
psicológicos de bem-estar, tanto os ligados à ~
percepção da própria saúde como os relativos
à satisfação e à autoestima. Outros estudos
indicam ainda que o tai chi melhora a coordena-
ção visual e motora e pode ajudar pessoas com
demência leve a desfrutar melhor as próprias
capacidades. "Entretanto, nenhuma dessas
pesquisas é conclusiva, faltam evidências mais
convincentes sobre os mecanismos de ação que
justifiquem os resultados observados", adverte
a pesquisadora.
De modo geral, os trabalhos analisados
por Chenchen mostram que o tai chi melhora
o equilíbrio e a mobilidade articular e ajuda a
combater a hipertensão. Segundo ela, porém, "há
muito para investigar ainda, por exemplo: quais
estilos da técnica garantem maiores benefícios;
quanto se deve exercitar e quais suas reais vanta-
gens". Análises anteriores, como a realizada em
2003 no Centro Médico Erasmus, de Roterdã,
fornecem resultados menos precisos, mas se
justificam pela dificuldade de encontrar estudos
com metodologia adequada. Mais recentemente,
Chenchen publicou um levantamento sobre os
efeitos da técnica chinesa em pacientes com
artrite reumatoide, nos quais foram observados
resultados promissores, seja no plano físico, seja
no psicológico.
Provavelmente é longo o caminho da investi-
gação científica sobre os possíveis benefícios do
tai chi na saúde física e mental. Considerando,
porém, que uma tradição leva séculos para se
estabelecer- se não milênios - , vale a pena ter
paciência e aprender a esperar. ne<
79
R E L A X A R
~ O inferno
os outros.
sao
Será
mesmo?
As DIFERENÇAS PERTURBAM E
ASSUSTAM, MAS É IM POSS ÍVEL EVITAR
A CONVIVÊNCIA-NEM ESSA É A I DElA;
AFINAL, É POR MEIO DA INTERAÇÃO
E DO RELACIONAMENTO QUE NOS
CONSTITUÍMOS COMO SERES HUMANOS
A AUTORA
~ psicóloga e
psicanalista.
O
filósofo francês jean-Paul Sartre
(1905-1980) t inha mesmo razão
quando escreveu "não há necessida-
de de grelhas, o inferno são os ou-
tros", em sua peça Entre quatro paredes, encenada
pela primeira vez em 1944? A verdade é que, em
algum nfvel, o outro sempre incomoda. O desco-
nhecido, então, nem se fa la- seja no trânsito, na
fila , dormindo nas ruas ou do outro lado da li nha
telefônica oferecendo algum produto ou serviço
do qual não precisamos. A relação com aqueles
"outros" um pouco ma is próximos como cole-
gas de trabalho ou de classe, vizinhos, pessoas
com quem convivemos quase d iariamente por
imposições circunstanciais também nem sempre
é fácil. Afinal, ninguém duvida, por exemplo, que
uma das partes mais complicadas de qualquer
80 I rnentec.érebro I 7 segredos do c&ebro saudável
I I por Maria Maura Fadei
atividade profissiona l, muitas vezes , não é o
trabalho em s i, mas a convivência com colegas
e chefes . Não raro, somos obrigados a passar
muitas das preciosas horas do nosso d ia bem
perto de pessoas com quem jamais estarfamos
sequer cinco m inutos se isso dependesse exclu-
sivamente de nossa vontade. Porém, na maioria
dos casos de inevitável convfvio social, vêm em
nosso socorro as regras da boa educação, que ~
funcionam como uma proteção, uma espécie E
de bálsamo que nos resguarda de desgastantes ~
~ embates. Por isso costuma ser tão importante ~
lançar mão daquelas adoráve is pa lavrinhas ~
que ajudam a manter de pé a civilização- com ~
?
licença, por favor, obrigado, desculpe. Podem pa- s
a
recer meros vernizes sociais , mas por trás delas ~
= estãoentrelaçados conceitos que nos separam o
(na medida em que explicitam necessidades individuais) ,
protegendo-nos como se fossem redes de contenção e, ao
mesmo tempo, nos aproximam de nossos semelhantes,
pois permitem trocas e, em alguns casos, até o reconhe-
cimento do quanto, em essência, somos vulneráreis e
parecidos uns com os outros .
O ato de pedir licença nos lembra que há limites- nos-
sos e alheios - a serem reconhecidos e respeitados. Um
corriqueiro "por favor" encerra o reconhecimento de que
necessitamos da empatia e, em consequência, da atitude
benevolente do interlocutor. A gratidão, no sentido do reco-
nhecimento de que um beneficio ou auxilio (por mfnimo que
seja) nos foi prestado, traz consigo duas ideias implfcitas
interessantes: primeiro a de que merecemos e podemos
receber algo; segundo, somos capazes de perceber e aceitar
algo de positivo que nos foi ofertado. Guardadas as devidas
proporções e desdobramentos, tanto no microuniverso dos
relacionamentos pessoais quanto nas trocas diplomáticas
entre pafses, em última análise valem as mesmas estrutu-
ras que sustentam relações mais ou menos profundas e
complexas. Naturalmente as palavras, por si sós, podem
ser enganosas. Qualquer uma delas assume conotações
diversas, dependendo do contexto e do tom com que são
pronunciadas. Ditas de forma sincera, conectadas ao que
realmente sentimos e desejamos transmitir, ganham força
inusitada. Af surge o que costumo chamar de "o desafio do
como": quando se trata de relacionamento, às vezes vale
mais a forma que o conteúdo.
Na relação com aqueles "outros" com que dividimos
nossos projetos de vida, sonhos, desejos e até a proximi-
dade ffsica e o carinho - sejam eles nossos pais, filhos,
amigos, irmãos, cônjuges - é preciso aprender a fazer
escolhas e negociar (primeiro conosco e depois com quem
está por perto). Negociar o quê? Entregas e renúncias. Sim,
81
porque, por mais desprendidos que sejamos, o
que fazemos pode até beneficiar o outro, mas
o fazemos, em primeiro lugar (e muita vezes
unicamente) , por nós. Sempre há um ganho,
uma satisfação- e isso não é um problema, é
bom que haja. Psicólogos evolucionistas, por
exemplo, se apoiam fortemente na ideia de
que a espécie humana sobreviveu, em grande
parte, graças às alegrias e recompensas -
prazer sexual, sabor agradável dos alimentos
e até a generosidade e o altruísmo, como foi
provado cientificamente por William Harbau-
gh, professor de economia comportamental e
experimental da Universidade de Oregon. De
outra óptica, a da dinâmica psíquica, a psica-
nálise expande esse horizonte e nos acena com
a ideia da culpa, que nos faz tomar inúmeras
atitudes que às vezes transformam nossa vida,
sem sequer nos darmos conta do quanto nos
sentimos devedores- sabe-se lá de quê.
Em O mal-estar na cultura, escrito em 1930,
Freud afirma que, de modo geral, as aspirações
e realizações humanas estão vinculadas à sua
utilidade e ao ganho de prazer, o que vale tam-
bém para as criações artísticas e descobertas
científicas. Nesse artigo, o criador da psicaná-
lise apresenta a tese de que a civilização (ou
cultura , o autor não distingue uma da outra)
produz desconforto, pois para que a socieda-
de possa se desenvolver o indivíduo precisa
82 I ment.ea. I 7 segredos do~ saudavel
ATOR DANIEL GELIN,
na peça Entre quatro
paredes (em rrancês, Huis·
Cios), escrita por Sartre
em 1944; encenaçào em
Paris, em fevereiro de 1981
renunciar à satisfação sexual e à
agressividade - já que trocas e en-
contros tanto sociais quanto afetivos
são regulamentados e obedecem a
normas. Nas mais diversas relações
é praticamente impossível livrar-se
de exigência e ideais, desvinculan-
do os aspectos próprios da cultura
daqueles que pertencem especifica-
mente ao indivíduo. Na prática, não
podemos fugir de um fato: o outro
(os outros todos, aliás, não importa
que rosto tenham) perturba, irrita. As
diferenças assustam. Mas também
é im possível evitar a convivência (e
nem essa é a ideia). Afinal, é justa-
mente por meio do olhar do outro
que nos constituímos como huma-
nos. Somos mães ou pais porque
existe (ou existiu em algum momen-
to) um filho; somos filhos porque
tivemos pais, irmãos porque temos irmãos.
Em outras palavras, vale dizer: é preciso
conviver. Nesse "viver com" obviamente en-
contramos aqueles com quem não nos agrada
estar. É quase sempre inevitável esbarrarmos
no diferente, naquele que pensa, age, fala e
vive de forma diversa da nossa. O outro, aquele
que se distingue de nós- seja pela cor da pele,
experiência de vida, orientação sexual, limita-
ções afetivas , capacidade intelectual, crença
religiosa ou qualquer outro aspecto -, nos
coloca em xeque, ameaça. Não é uma regra:
convém prestar atenção naquilo que tanto nos
incomoda nas outras pessoas, pois, em geral,
são as características das quais tendemos a
fugir em nós mesmos que mais "enroscam"
nesses mesmos aspectos do outro. Nesse
caso, vale a máxima: gambá cheira gambá.
Quer dizer, chama nossa atenção repetida-
mente aquilo com o que, de alguma forma, nos
identificamos. Obviamente situações explícitas
de crueldade e injustiça não se aplicam a este
caso- mexem com convicções mais arraigadas
e causam indignação, lembrando-nos que so-
mos humanos, felizmente. Mas, se você anda
convicto de que alguém é responsável por seu
inferno particular e tem a incrível capacidade
de acabar com a alegria de seus dias, algo pode
estar errado, e talvez seja a hora de você voltar
a ser o centro de sua vida . ~
. . , .. .
~ .~!J9lS!H1
11
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-~-3111)$
DDIIMil
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