Logo Passei Direto
Buscar
Material
páginas com resultados encontrados.
páginas com resultados encontrados.
left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

Prévia do material em texto

Falar mal dos 
outros diminui 
o estresse 
o auellben Elnstein, Chopln, Steven Splelbera, 
Bill lates e J.l. Rowllng têm em comum além da 
criatiVIdade e do sucessoíl A resposta é inuoversão 
Paranormalidade 
O experimento que 
ensina a ver fantasmas 
Caso clí ·co 
Transexualporacaso 
MDIÕBII DO WJIIIÃ 
Por que acreditamos que o futuro será melhor 
SÉRIE 
DINHEIRO E FELICIDADE 
O que os objetos 
que escolhemos 
dizem sobre nós 
AHOXIX 
N"Dl 
editora 
glaucialeal@duettoeditorial.com.br 
e 
Que venha o encontro! 
Comer, beber, exercitar o corpo, estimular a mente, 
manter relacionamentos, dormir e relaxar. De algum 
jeito, todos nós fazemos isso. Como acontece na maio-
ria das vezes, porém, o que importa é menos o "que" 
e mais o "como" se faz qualquer coisa. Essa práxis 
relativa ao cuidado de si nem sempre nos parece clara. 
Nos últimos anos, porém, cada vez mais estudos com-
provam que determinados hábitos (práticos) e atitudes 
(mentais) são de extrema importância para manter 
a saúde não só do corpo, mas também do cérebro. 
Nesta edição destacamos sete "segredos" para 
a saúde. Segredos de polichinelo (desses que todo 
mundo, de algum jeito, em algum nível, sabe ou 
pelo menos intui), é bem verdade. O que a maioria 
ignora mesmo é que, a médio e longo prazo, essas 
informações podem ajudar a melhorar significativa-
mente a qualidade de vida. 
Comer, por exemplo: parece redundante dizer 
que nos alimentamos desde que nascemos (e até 
antes, ainda no útero de nossa mãe. Uma das novi-
dades nessa área é a descoberta de que compostos 
presentes em frutas dtricas, e especialmente em 
mirtilos (aquelas frutinhas azuladas que infelizmen-
te ainda não se encontram à venda em qualquer 
mercado). melhoram a memória, a capacidade 
de aprender, a compreensão verbal e a habilidade 
numérica. Além disso, os flavonoides, presentes 
nesses alimentos, ajudam a desacelerar o declrnio 
de funções cognitivas, que costumam acompanhar 
o processo de envelhecimento. 
Bebidas também são fundamentais, mas existe 
um jeito certo de ingeri-las. É o caso do vinho tin-
to que só surte efeitos positivos sobre as células 
neurais se for degustado lentamente, em pequenos 
goles, para que uma substância chamada resveratrol 
seja absorvida. Reservar tempo para simplesmente 
respirar (prestando atenção no ar que entra e sai de 
nossos pulmões, mesmo que por poucos minutos 
por dia), investir nos relacionamentos afetivos, 
dormir bem e de forma suficiente (na contramão 
dos apelos que nos convidam à vigrlia) também é 
indispensável para o bem-estar físico e mental. Tanto 
quanto criar rotinas de buscar novos aprendizados 
e para exercitar o corpo. 
Mas quando devemos começar a nos preocupar 
com isso? "Desde sempre", afirmou, outro dia, um 
amigo médico, com tom de surpresa na voz como 
se a resposta fosse óbvia. E me fez lembrar de uma 
frase do ator, letrista e poeta Mário Lago que há 
alguns meses publicamos na Mente e Cérebro: "Fiz 
um acordo de coexistência pacífica com o tempo: 
nem ele me persegue, nem eu fujo dele, um dia a 
gente se encontra". Uma coisa é certa: se alguns 
cuidados forem tomados, esse encontro inevitável 
tem probabilidade muito maior de ser suave ... 
Boa leitura! 
3 
, . 
sumar1o 
7 segredo do cér bro saudáv I 
Capa:© MICHEL TCHEREVKOFFjTHE IMAGE BANK/GETTY IMAGES 
40 
1 
2 
2 
r 
Alimentos para o cérebro 
por Mary Franz 
Compostos qufmicos presentes em frutas cítricas 
e vermelhas, tofu e chocolate amargo protegem os 
neurônios, estimulando a memória e a agilidade mental 
Para nutrir e para curar 
por Rosane Gomez e Carina Duarte Venturini 
O que comemos pode diminuir ou intensificar os efeitos 
de determinados medicamentos 
Sabores saudáveis 
por Melinda Wenner 
Substâncias que ajudam a desvendar mecanismos 
do paladar e enganam o cérebro com o propósito de 
combater obesidade e doenças cardfacas 
Uma taça de saúde 
por Luiz Loccoman 
Somente se tomamos vinho tinto lentamente, em 
pequenas quantidades, o cérebro pode se beneficiar 
do resveratrol, que ajuda a prevenir a deterioração das 
células neurais 
COMrrt EXECVTlVO 
~ úmeo"'- woz Femonclo Podtoso, lull Voen.Cidonho úlnl• AN úroiN T~ 
DIRETOR DE REDAÇÃO Jont Hobndo 
onut.olond.IIP<doc>uro.com.br 
EDITORA G~uoo Le.J 
EDIT~ mn.nc~o r.,..,,. RJbeoro 
EDITORA DE ARTE S.mono 01-ra V0011a 
ASSISTENTES DE ARTE AN S. .os • ~Marcelo Svno.s 
PESQUISA ICONOGRÁACA GobnN Faro= 
ASSISTENTE DE REDAÇlo EoON Rq.,. Puan.r. 
COLABORADORES w z loccomon (rodoçJo), lu•z Roberto Moi .. ('""'slo); 
Co rol Duron (ort•) Poulo C~nr Solsodo (trotam•nto d• 1mog•m); O.n•s• 
Mart "'e lnbe ,, v~e fJ (HU,,jr,as) 
DIRETORA COMERCIAl Cid nha Cobro! 
od nhaabra Clduottood tono .combr 
PIJBUOD.\OE 
publ~ut'COodl:On• .com br 
DIRETORA DE MERCADO PIJBUOTÁRIO S.ndra Coroa 
COOROENAOOR Rooson do Soun 
OS ARTIGOS PUBLICADOS NESTA EDIÇÃO SÃO DE RESPONSABILIDADE DOS AUTORES E NÃO EXPRESSAM, NECESSARIAMENTE, A OPINIÃO DOS EDITORES. 
4 I menteárebro I 7 segredos do ch-ebro saudável 
3 Mentes em movimento 5 Sono para organizar a mente 
por Steve Ayan por Robert Stickgold e Jeffiey M. Ellenbogen 
Ati •idade física não fortalece apenas o coração e os Quando adormecemos o cérebro seleciona 
músculos, mas também a capacidade mental de informações coletadas durante a vigíl ia; desse processo 
adultos e crianças, além de combater a depressão surgem elaborações e respostas para problemas que 
nos afligem 
Atletas. E também inteligentes 
por Steve Ayan 
6 Prática de esportes contribui para o aumento dos Descanso terapêutico 
níveis de proteínas que constituem a infraestrutura por Selma Corrêa 
neural necessária para a aprendizagem Para evitar problemas de saúde causados pelas 
pressões do cotidiano podemos diminu ir esses 
efeitos negativos do estresse criando "brechas de 
4E' Nunca parar de descobrir o mundo 
prazer" na rotina 
por Selma Corrêa 7 Pelo direito à paz 
Durante muitos anos cientistas e leigos acreditaram por Victoria Stern 
que o declínio mental era inevitável; hoje se sabe, Meditação ajuda a controlar preocupações excessivas, 
porém, que com o passar do tempo algumas áreas evitando que se tornem patológicas 
do cérebro tendem a funcionar até melhor- mas 
para obter esse resultado é fundamental exercitar o 7 Equilíbrio zen 
órgão mais sofisticado do corpo por Paola Emília Cicerone 
Beneficios físicos e mentais do tai chi chuan atraem cada 
vez mais a atenção de psicólogos e neurocientistas 
5 "Amigos são mais importantes ,para 8 O inferno são os outros. Será mesmo? 
a saúae que a boa alimentação por Maria Maura Fadei 
por Anna von Hopffgarten As diferenças perturbam e assustam, mas é 
Em entrevista, neurologista e psiquiatra Peter impossível evitá-las; afina l, é por meio da interação 
e do relacionamento que nos constitu ímos como Henningen enfatiza a importância da vida social 
seres humanos para manter a saúde mental e fís ica 
REPRESENTANTES COMEJICIAIS 
~fBAHIA/ PERNAMBUCOJSERGIPE: 
Podro Amarante - (79) 32~ 139/997&-8962 
BRASIUA: SOnoa Bnnd:lo- (61) 3321-4304 
ESPIRrrO SANTO: Dldimo Effg<n- (27) 3229-1986/ 3062·1953/ 
~93/971S.7586 
PIIOjETOS ESPECIAIS FAAMAdvncO 
EXEC\1T1VO DE NEGOoos walter l'lnhe.ro 
MARKETlNC 
GERENTE DE MARKETlNCJ MHTOS CUudio Rahal 
COROENAOORA DE MARKETlNC ftxa Pacheco 
ANAUSTA DE MARKETlNC Th.aao Portugal 
ESTÁGIARIOS Rafod Couto e Rodnao Btztm 
NÚCLEO MULJlMIOIA 
DIRETORA Manana Monno! 
REDATORA DO sm: Fmwlda FIJUO'rodo 
WEB OESIGNER Rafad Gush&lcen 
COOROENADClAA DE VENDAS WEB Md>dt l>ma 
ASSISTENTE AOMINISTliATlVA E)..,. Stlva 
ASSINAl\JRAS 
COORDENADOR DE VENDAS PESSOAIS 
Antotw Carlos ~Abreu 
CONSUIJOR DE VENDAS Rodnao ~Souza 
EXECUTIVA PONTO DE VENDAS VMant C.....lante 
ANAUSTA DE PROCESSOS a.tdt Orlandono 
OPERAÇOES 
DIRETORA DE OPERAÇOEs Ana Carolina Trann.n 
ana.arolona®dutttotdotonal.com.br 
GERENTE FINANCEIRA Ariannt Cashlha 
SUPEIMSORA DE PlANEjAMENTO O.l<nt Cesurollo 
ORCVI.AÇAo 
PRODUÇÃO GRÁFICA Wagntr Pinhttro 
ASSISTENTE DE PCP Paula Mtderos 
VENDAS AVULSAS mnanda Cicartlli 
ASSISTENTEDE CIRCVI.AÇAo Cinthya Mulltr 
CENTRAl. DE ATENDIMENTO O. socunda a seu das Ih b 21»> 
ASSINANTE E NO/AS ASSINAl\JRAS 
TEL.: (11) 3031-6300 I Fax: (11) 3033-1. 15 
atendi-~...a-fitorial.mm.br 
~nar!ll>d...a-fitorial.m 
~·..............;~ 
Para '"~~suo ass.Ntura. mudança~ 
enderoço, r<nOY>ÇJo. l'tiiTl!'R's:lo ~ boloto. soii(JQÇJo 
~ ,..,_ ~ ""'"pU <H • outros set\'IÇDS oce"' 
~ 
- • Cére1>n> f uma publicaçJo mensal da Edt0<110 Duelloo 
Edotonol Uda., com conteúdo estr.mg~ro fomtodo por publoaçlle> 
sob lanç. ~ SoEHmC AMEIIICAH. 
Duetto 
EOIOURO OUETTO EDITORIAL liDA. 
Rua Cunho Gago. • 12. q. 33 
Pinheiros-S:lo Paulo- SP CEP05421.001 
Tel. (11) 2713-3150- Fax: (11) 271U197 
FALE COM A REDAÇAo 
""*--~ 
NUmm>s atr.ISOdos • ~ espeaoos podem"" odqwndos 
atrM$ da Lq. Duelloo (wlw<~.com.bt), ao preço da última 
edoçJo acresodo dos custos~ postagem, med11nte dosponobrhd~ ~ 
nossos tstoquts. 
EdtÇJo espeoal n'32 -7 Sfll.dos do cmbro sauc!MI, ISSN 1107· 
1562. O.stnbutÇJo com eodu5Mdade para todo o BRASIL DINAP SA 
Rua Dr. KenlatJ Shunomoto, 16n. 
IMPIIESS.i.o EOlGRÁFICA 
rv='J 
ANER 
~ 
s 
c o M E R 
A ·mentos 
para o cérebro 
(OM POSTOS QUÍMICOS PRESENTES EM FRUTAS 
CÍTRICAS E VERMELHAS, TOFU E CHOCOLATE 
AMARGO, POR EXEMPLO, PODEM ESTIMULAR 
A MEMÓRIA E POTENCIALIZAR A AGILIDADE 
MENTAL, ALÉM DE PROTEGER OS NEURÔNIOS, 
CONTRA ALZH EI M ER E PARKI NSON 
I I por Mary Franz 
ocê sabe o que é azul, doce, suculento e pode impedir os ,~~~~~~~~~~5ª~~ inconvenientes lapsos de memória? Se você respondeu ' 
mirtilo acertou. Aparentemente, porém, os brasilei ros 
não dispõem de grandes quantidades dessa fruta- tam-
bém chamada de bluebeny- que pode ser encontrada em algumas 
redes de supermercados e, às vezes, é vend ida congelada. Mas 
existem boas razões para procurar a Vaccinium cyanococcus: a 
frutinha pode proteger seu cérebro. 
Pesquisas recentes sugerem que compostos presentes em 
mirtilos, conhecidos como flavonoides, são capazes de melhorar 
não só a memória, mas também o aprendizado e as funções 
cognitivas em geral, como compreensão verbal e habilidade nu-
mérica. Além disso, estudos que comparam hábitos al imentares 
com funções cognitivas em adultos sugerem que o consumo 
de flavonoides pode ajudar a desacelerar o declfn io das funções 
mentais que geralmente acompanham o envelhecimento e até ~nutricionista e pesquisadora 
proteger de doenças como Alzheimer e Parkinson. da Universidade Harvard 
6 I mentecbebro I 7 sepdos do cérebro saudáwl 
Há algum tempo, os pesquisadores acredi-
tavam que os flavonoides agiam no cérebro da 
mesma forma que em outras partes do corpo: 
como antioxidantes, protegendo as células de 
danos provocados por moléculas instáveis e 
onipresentes, conhecidas como radicais livres. 
Atualmente, no entanto, novas pesqu isas de-
monstram que o poder desses compostos de 
estimular a cognição resulta principalmente de 
sua interação com proteínas- essenciais para 
manter as estruturas e funções do cérebro. 
Até o momento, os cientistas identificaram 
mais de 6 mil flavonoides que aparecem em 
uma grande variedade de tipos (veja quadro na 
pág. 10). Essas substâncias são amplamente 
distribuídas em frutas e verduras, grãos de 
cereais, cacau , chá, vinho e derivados de 
soja, como tofu. Por isso não é necessário se 
desesperar procurando mirtilos para manter 
sua mente em boa forma. 
Antioxidantes poderosos, os flavonoides 
ajudam a regular o fluxo sanguíneo e a pres-
8 I rnentecmbn> I 7 sepdos do cétebro saudável 
São conhecidos 
mais de 6 mil 
flavonoides 
contidos em 
alimentos que 
interagem 
com proteínas 
essenc1a1s 
às células 
cerebrais 
são arterial e protegem as células de danos 
provocados por radicais livres que se formam 
no corpo durante processos de metabolização 
e são potencializados pelos efeitos da polui-
ção, da fumaça de cigarro e da radiação. Por 
isso, os pesquisadores investigaram, durante 
décadas, o potencial desses compostos para 
melhorar a imunidade, prevenir o câncer e 
reduzir processos inflamatórios. 
Há cerca de 15 anos, o químico Ronald 
Prior e o neurocientista )ames Joseph , ex-
pesquisador do Departamento de Agricultura 
e Serviço de Estudos Agrícolas dos Estados 
Unidos, estavam investigando a ação dos an-
tioxidantes e o potencial de vários al imentos 
no combate a doenças quando Joseph ouviu 
comentários sobre dados prel iminares suge-
rindo que pessoas que ingeriam quantidades 
moderadas de frutas e verdura apresentavam 
melhor desempenho em testes cognitivos 
que aquelas que consumiam poucos desses 
alimentos ou nenhum deles. Os cientistas fica-
ram intrigados e resolveram testar a hipótese 
O USO DE EXTRATO DE 
MIRTILO na alimenta~o 
de roedores fez com que os 
animais mantivessem por 
mais tempo habilidades 
motoras e de memoriza~o 
Mirtilo ou blueberry é uma frutinha de cor azul arroxeada e sabor marcante 
-doce com toque de acidez. Nativa do hemisfério norte, vem de um 
arbusto da família das ericáceas e só chegou ao Brasil na década de 80. 
O munidpio de Vacaria, no Rio Grande Sul, é o principal produtor, e no 
estado há plantações também em Pelotas e na Serra Gaúcha. Em São Paulo 
é cultivada na fazenda Baronesa Von Leithner, em Campos do jordllo, que 
produz também framboesa e amora. Ao todo, no Brasil, sllo apenas 150 
hectares dedicados a essa cultura. Por isso, encontrar a fruta nos mercados 
nllo é muito fácil, mesmo nas grandes cidades, mas os cientistas garantem 
que vale a pena procurar subgrupos. Os mais comuns encontrados nos 
alimentos (e também mais estudados) aparecem na tabela na pág.lO. 
de que a alimentação rica em antioxidantes 
poderia melhorar as funções cerebrais. 
Prior e joseph forneceram alimentos enri-
quecidos com extrato de morango, espinafre 
ou mirtilo a ratos de meia-idade (19 meses) 
durante oito semanas, o equivalente a cerca 
de uma década de vida humana. Ao final das 
oito semanas ratos mais velhos alimentados 
com ração comum apresentaram resultados 
significativamente piores em aprendizagem e 
habilidades motoras como andar em pranchas 
suspensas , subir em postes, equ ilibrar-se 
em varetas giratórias e nadar em labirintos. 
Os resultados refletiram o declínio mental 
normal. Em compensação, roedores que 
comeram alimentos enriquecidos tiveram 
melhor desempenho nas mesmas tarefas 
até em relação à sua própria performance 
no infcio do estudo. Ratos alimentados com 
porções de mirtilo apresentaram aumento sig-
nificativo nas funções motoras e, por razões 
ainda desconhecidas, nos testes na prancha 
e na vareta pareciam muito mais capazes de 
manter o equil íbrio que os ratos que comeram 
morangos e espinafre. Os cientistas percebe-
ram que alguma substância nas refeições com 
frutas e verduras enriquecidas t inha favorecido 
o desem penho dos animais. Ao constatar que 
todos os alimentos do teste eram ricos em 
flavonoides, Prior e Joseph consideraram que 
esses compostos poderiam ser responsáveis 
pelo aprimoramento cerebral. 
Estudos com seres humanos também 
indicavam que comer alimentos ricos em 
flavonoides pod ia trazer benefí-
cios cognit ivos. Num trabalho 
publicado em 2007, o epide-
miologista Luc Letenneur e seus 
colegas do Instituto Nacional 
de Saúde e Pesquisa Médica 
da França (lnserm, na sigla 
em francês) sol icitaram a 
1.640 idosos cognitivamente 
saudáveis que preenchessem 
um questionário sobre seus 
hábitos alimentares e tes-
tassem suas funções cerebrais. 
Eles acom panharam os parti-
cipantes durante dez anos, 
repetindo os questionários 
e reaval iando os voluntários 
quatro vezes nesse período. Em cada exame, 
os pesquisadores quantificaram o consumo 
de cinco flavonoides diferentes e correlacio-
naram esses valores com sua pontuação nos 
testes de cogn ição, levando em conta outros 
hábitos saudáveis conhecidos por afetar a 
cogn ição como exercícios , abstinência de 
fumo e controle da obesidade. 
Participantes que co ns umi ram mais 
flavonoides no infcio do estudo também fo-
ram bem-sucedidos em testes de habilidade 
mental comocapacidade de efetuar exerdcios 
simples de aritmética, lembrar de itens de 
variadas categorias, repetir palavras em frases 
e identificar locais e datas. Além disso, seu 
desempenho nesses testes se mostrou, de 
Chocolate amarg comba e 
danos do A C 
Para alegria de quem é adepto dos prazeres do chocolate as neurociências 
têm oferecido boas notícias. Pesquisas realizadas nos últimos anos 
mostraram que o alimento ajuda a combater o estresse e a depressão. 
Agora, um estudo mais recente indica que a guloseima pode proteger 
o cérebro também contra lesões causadas por derrame. Pesquisadores 
da Universidade johns Hopkins, nos Estados Unidos, descobriram que 
uma substância presente apenas no chocolate amargo (não na versão 
tradicional ou branca) estimula um tipo de atividade celular que resguarda 
os neurônios dos danos causados por acidente vascular cerebral (AVC). 
No estudo realizado em camundongos e publicado nojournal ofCerebral 
Blood Flow and Metabolism, 90 minutos depois de administrarem uma 
pequena dose de epicatequina- nutriente encontrado no cacau -, os 
cientistas induziram um derrame isquêmico por meio da interrupção da 
irrigação sanguínea no cérebro dos animais. O resultado foi um número 
significativamente menor de lesões do tecido cerebral em comparaç.ão 
às dos roedores que passaram pelo mesmo procedimento mas sem ter 
recebido a dose do composto. 
O interesse científico pela epicatequina surgiu com pesquisas 
feitas entre os índios kuna, que vivem em ilhas na costa do 
Panamá. A incidência de acidentes vasculares nessa população 
é muito baixa, o que é atribuído ao alto consumo de uma 
bebida escura e amarga feita à base de cacau. Posteriormente, 
estudos in vitro mostraram que a epicatequina não protege 
diretamente as células contra lesões, mas seus metabólitos 
parecem ativar vias bioquímicas que fazem com que as células 
aumentem suas próprias defesas. O que tem surpreendido os 
pesquisadores é o fato de esse efeito ocorrer em resposta a 
doses muito baixas da substância. ~ 
Os autores alertam, porém, que os dados obtidos até agora ~ 
não autorizam o consumo exagerado de chocolate amargo, ~ I que, aliás, é rico em gordura saturada. Segundo eles, as -
~ evidências abrem boas perspectivas para o desenvolvimento 5 
de uma nova droga potencialmente útil para combater doenças i 
neurodegenerativas, como Alzheimer e outros t ipos de demência. o 
9 
forma geral, mais estável ao longo do tempo 
quando comparado ao de participantes cuja 
alimentação inclufa nfveis muitos baixos de 
flavonoides (nesses casos, as habilidades de 
raciodnio foram diminuindo com o tempo) . 
Participantes que atingiram as melhores 
pontuações nesse estudo ingeriam entre 18 e 
3 7 miligramas de flavonoides por dia, o que 
representa aproximadamente 15 mirtilos, um 
quarto de xfcara de suco de laranja e meia 
xfcara de tofu. 
Outros estudos correlacionando a ingestão 
de flavonoides com aspectos cognitivos mos-
traram evidências dos benefícios de incluir na 
dieta alimentos ricos nesses compostos. Em 
artigo publicado há pouco mais de um ano, o 
grupo de pesquisa liderado pela nutricionista 
Eha Nurk, da Universidade de Oslo, na Norue-
ga, solicitou a 2 mil homens e mulheres com 
idade entre 70 e 75 anos, que preenchessem 
questionários sobre hábitos alimentares e de-
pois os submeteu a testes de agilidade mental, 
que mediam memória de eventos, rapidez 
de 
Milhares de tipos de compostos 
qufmicos podem melhorar o raciocínio e 
até a coorden~ motora. Conhecidos 
como polifenóis porque contêm "anéis" 
múltiplos que se ligam a um grupo de 
álco6is (OH), eles se apresentam em 
vários sabores, ou subgrupos. Os mais 
comuns encontrados nos alimentos (e 
também mais estudados) aparecem na 
tabela ao lado. 
1 0 I rnentecétebto I 7 segredos do chebro saudável 
Flavanones 
Antocianinas 
lsoftavonas 
SEIS PORÇOES DIÁRIAS 
de alimentos ricos em 
vitamina C podem diminuir 
em mais de 40% o risco de 
derrame, segundo artigo 
publicado no Americon 
Journal ofC/inica/ Nutrition 
em nomear objetos e capacidade de lembrar 
rapidamente de palavras começando com 
uma determinada letra. Os voluntários que 
relataram consumir de forma periódica vinho, 
chá e chocolate- alimentos particularmente 
ricos em flavonoides- tiveram desempenho 
cognitivo melhor que aqueles que raramen-
te ingeriam esses itens. Participantes que 
afirmaram beber vinho regularmente (com 
moderação) apresentaram risco 45% menor 
de ter baixo desempenho. Os beneffcios de-
correntes da ingestão de chá ou chocolate 
resu ltaram numa diminuição de 10% a 20% 
no risco. Aqueles que consumiam os três itens 
regularmente tiveram probabilidade de baixa 
pontuação reduzida em 70%. 
Além de associarem o consumo de flavo-
noides à melhoria da cognição, recentemente 
os pesquisadores testaram os efeitos de adi-
cionar esses agentes à alimentação- o equi-
valente humano do trabalho realizado com 
ratos. Embora seja diffcil controlar o que as 
pessoas comem, já que costumam ter hábitos 
muito variados, ficou claro que adicionar fla-
vonoides à dieta pode preservar ou aprimorar 
a memória, a agilidade de raciodnio e outras 
capacidades mentais. Em 
2009, a nutricionista 
Anna Macready e 
seus colegas da 
Universidade de 
Reading, na In-
glaterra, publi-
caram a revisão 
de 15 pesqu isas 
realizadas com um 
número reduzido de 
participantes. Em todos 
FONTE EM AUMENTOS 
Quercetina, kaernpfeol Espinafre, pimentas e cebola 
L.uteolina, apipnina Wsinhae.ipo 
Eriodictiol, hesperidina Frutas dtricas 
Catequinas, epicatequinas Ch4, cacau e vinho 
Cianidina, peonidina Frutas vermelhas, uvas e vinho 
Genisteina, daidzeina Derivados de soja corno tofu 
~ 
~ 
" X 
% 
~ 
c z 
;: 
o 
os casos foi solicitado aos voluntários que 
adicionassem alimentos ricos em flavonoides 
às refeições. Esses compostos podiam provir 
de derivados de soja , suplementos (Ginkgo 
biloba ou extrato de casca de pinheiro) ou, em 
um dos casos, uma bebida contendo cacau. 
Embora a interpretação dos resultados fos-
se complicada por causa de incompatibilida-
des entre os variados tipos de testes cognitivos 
usados em cada estudo feito anteriormente, 
os autores conclufram que o consumo de 
flavonoides de qualquer uma das fontes exami-
nadas melhorou aspectos como compreensão 
verbal, raciodnio lógico, tomada de decisão, 
memória e reconhecimento de padrões numé-
ricos. Flavonoides também parecem aguçar 
habilidades motoras finas como tamborilar. O 
consumo diário do equivalente a uma xfcara 
e meia de tofu ou duas xfcaras e meia de leite 
de soja foi suficiente para produzir melhora, 
como também ocorria com a ingestão de 120 
mg (uma ou duas cápsulas) de Ginkgo biloba, 
150 mg (três cápsulas) de extrato de casca de 
pinheiro ou 172 mg de bebida com cacau. Este 
último equivale a sete quadrados de 43 g de 
chocolate amargo. 
PETISCOS PARA CÉLULAS 
Entre os alimentos ricos em flavonoides, os 
mirtilos podem fornecer proteção muito mais 
acentuada e duradoura para o cérebro. Em um 
estudo publicado em 2010, o psiquiatra Robert 
Krikorian, pesqu isador da Universidade de Cin-
cinnati, coordenou uma equipe que submeteu 
a testes nove adultos com idade acima de 75 
anos com perda moderada de memória. Os 
participantes ingeriram duas xfcaras de suco de 
mirtilo (o equivalente a cerca de cinco xrcaras 
da fruta) todos os dias durante 12 semanas. 
Depois disso, sua habilidade de lembrar pala-
vras e pares de objetos foi testada. Resultado: 
tiveram um desempenho cerca de 30% melhor, 
em média, que o grupo de controle de sete adul-
tos idosos que ingeriram bebidas doces sem 
~ flavonoides com sabor semelhante. "Apesar de 
~ a amostra ser pouco representativa do ponto 
:r 
Í de vista estatfstico, o teste sugere claramente 
~ que adicionar mirtilo à al imentação pode es-
~ timular a memória, pelo menos dos idosos", 
i afirma Krikorian. Ele também acredita que o 
~ consumo regular de blueberries e mirtilo pode 
Contra depressão e ansiedade: 
sálvia, oregano e tomilho 
Apimentare temperar os nossos pratos favoritos pode fazer bem não 
só para o paladar, mas principalmente para as funções neurais. As 
pesquisas ainda estão em andamento, mas há comprovação de que 
especiarias e ervas, como sálvia, orégano e tomilho, contêm grandes 
quantidades de flavonoides, e estudos recentes sugerem 
que esses compostos que estimulam o funcionamento 
do cérebro podem ter efeitos sobre o humor. 
Vários trabalhos mostraram que depois de 
ingerir uma cápsula de óleo de sálvia voluntários 
imediatamente apresentaram melhor desempenho 
em exerdcios nos quais deveriam lembrar palavras, 
principalmente em relação a pessoas que haviam ingerido 
placebo. Participantes que tomaram o óleo disseram que se 
sentiam mais concentrados, tranquilos e satisfeitos. Psicólogos da 
Universidade Nortúmbria em Newcastle, Inglaterra, descobriram 
que simplesmente cheirar o extrato de sálvia pode reproduzir 
alguns desses efeitos. Em julho de 2010, os pesquisadores 
relataram que pessoas que se submeteram a uma bateria de 
testes por computador numa sala aromatizada com sálvia 
comum apresentaram memória mais precisa que aqueles que 
realizaram os mesmos exames em ambiente desodorizado. 
Estes e outros estudos, entretanto, empregaram óleos 
essenciais- extrato concentrado da planta, usado em aromaterapia 
- e não as folhas de sálvia secas ou frescas usadas na culinária. 
Ainda assim, os cientistas acreditam que comer regularmente 
a folha de sálvia pode estimular a memória, embora de modo 
moderado. A razão disso é que a planta é rica em hispidulina, 
um flavonoide que em estudos de culturas de células parece 
interagir com receptores de células cerebrais formando 
ácido gama-aminobutfrico (GABA, na sigla em inglês) -um 
neurotransmissor que afeta justamente a cognição e os 
estados de ânimo. 
Flavonoides encontrados em outros temperos também 
podem, comprovadamente, produzir mudanças observáveis no 
humor- pelo menos em roedores. Recentemente farmacologistas 
da Universidade Federal do Ceará relataram que o flavonoide 
carvacrol, presente em grandes quantidades nos óleos essenciais 
de orégano e tomilho, age como antidepressivo em camundongos. 
Depois de ingerir uma solução, os roedores se mostraram mais 
ativos ao tentar escapar do tanque de natação - usado para 
avaliar o estado de depressão dos animais, que quanto mais 
deprimidos e apáticos menos se esforçam para vencer o 
desafio. Bloqueando diferentes reações químicas no 
cérebro de camundongos, os pesquisadores mostraram 
que os efeitos do carvacrol dependem da interação 
com a dopamina, neurotransmissor envolvido na busca 
de recompensas. Ainda não está claro, no entanto, se 
ingerir pequenas quantidades de orégano e tomilho poderia 
melhorar o humor das pessoas, mas os cientistas esperam que 
isolando e estudando o carvacrol seja possível obter novas - e 
eficazes - drogas antidepressivas. 
11 
adiar a degeneração cognitiva que costuma 
surgir com a idade. 
Apesar das comprovações sobre beneficios 
de certos alimentos, uma questão tem intrigado 
os cientistas: como os flavonoides influem na 
cognição? Exames do tecido cerebral de ratos 
que ingeriram alimentos contendo esses com-
postos mostraram que alguns tipos chegam ao 
cérebro, conduzidos pelo sangue. Uma vez no 
cérebro, essas substâncias evitam a oxidação 
das células. Recentemente, porém, essa teoria 
vem sendo contestada. Dados sugerem que os 
flavonoides estão presentes no cérebro em quan-
tidades muito menores que antioxidantes como 
a vitamina C. Por isso, é provável que outros 
compostos sejam responsáveis por grande parte 
da eliminação dos radicais livres no cérebro. 
Bode-ass ado co 
Além das ervas conhecidas na cozinha, muitas 
ervas medicinais tradicionais também parecem 
exercer um efeito protetor sobre o cérebro. 
Uma dessas ervas, a Epimedium breviromum 
(foto) , é mais conhecida por um nome 
extravagante: "bode-assanhado", um afrodisfaco. 
Pesquisadores do Instituto de Ciência e 
Tecnologia da Coreia do Sul e da Universidade 
de Pequim mostraram que ratos com caroços de 
protefna no cérebro - o equivalente ao Alzheimer 
em roedores- tiveram a memória aprimorada 
quando sua ração foi suplementada com o 
mais importante flavonoide da erva daninha 
bode-assanhado: o icariin. Aparentemente, esse 
composto impede a morte das células cerebrais 
- indicando que o agente poderá ser útil no 
tratamento de demências. 
12 I mentecérebro I 7 segredos do cérebro saud~vel 
A PIMENTA t RICA no 
flavonoide hesperidina, 
presente tambbn nas 
frutas cítricas; a diferença 
é que, dependendo da 
espécie, uma wardidinha~ 
pode ter aU! dez vezes 
mais antioxida.ntes que 
uma laranja- mas poucos 
aguentariam consumir as 
duas na mesma p~o 
Uma informação importante, comprova-
da recentemente, pode dar outros rumos às 
pesquisas: os flavonoides alteram a qufmica 
dos neurônios. Já há bastante tempo joseph e 
seus colegas constataram que camundongos 
jovens al imentados com ração enriquecida 
com mirtilo durante 32 semanas, a partir do 
quarto mês de vida, mostraram níveis mais 
altos de uma enzima chamada cinase em 
suas células cerebrais que aqueles que 
recebiam ração comum. Embora não 
esteja claro como os flavonoides estimulam 
esse processo, sabe-se que muitos tipos 
de cinase são essenciais à aprendizagem e 
ao bom funcionamento da memória - por 
isso se sustenta a hipótese de que grandes 
quantidades da enzima poderiam ajudar a 
melhorar a cognição. 
Mais recentemente, jeremy Spenser, 
bioquímica nutricional da Reading, susten-
tou a tese de que flavonoides favorecem o 
processamento de proteínas críticas para o 
desenvolvimento mental. Eles podem ajudar, 
por exemplo, a regular a atividade das cinases 
e da enzima conhecida como fosfatase - o 
equ ilíbrio entre elas é fundamental para a 
manutenção da integridade das sinapses ou 
junções entre neurônios, e assim para a ma-
nutenção de padrões saudáveis de atividade 
das células cerebrais. 
As isoflavonas da soja podem favorecer 
a memória agindo como estrógenos fracos, 
Pr 
A esquizofrenia afeta aproximadamente 1% da população. O distúrbio, em geral, 
surge pela primeira vez na adolescência, deflagrando sintomas como mania de 
perseguição e isolamento social. Um estudo realizado por um grupo de psiquiatras 
coordenados por Paul Amminger, da Universidade de Viena, indica que ácidos 
graxos poli-insaturados na alimentação podem reduzir o risco da patologia. Os 
cientistas avaliaram 81 pessoas entre 13 e 25 anos que apresentavam leves sintomas 
psicóticos ou tinham predisposição familiar. Durante 12 semanas, 41 participantes 
tomaram diariamente 1,2 grama de óleo de peixe, substância que contém grande 
porcentagem de ômega-3. Os demais receberam placebo. No ano seguinte, entre 
os participantes do grupo-controle 11 desenvolveram psicose completa e do outro, 
CÁPSULAS DE 
ÓLEO de peixe 
n~o têm efeitos 
colaterais como 
os antipsicóticos 
~ ~ apenas 2 apresentaram a doença. Entre os que foram tratados com óleo de peixe, 
-~ vários relataram sensível melhora nos sintomas. Os pesquisadores atribuem o ~ efeito protetor dos ácidos graxos a alterações nas membranas das células neurais. 
: Cápsulas de óleo de peixe não têm efeitos colaterais como os antipsicóticos, 
~ que frequentemente causam aumento de peso ou perda da libido, um problema 
i 
g principalmente para pacientes jovens. 
ligando-se a receptores de estrogênio e 
estimulando os neurônios . Sabe-se que a 
ativação desses receptores altera a anatomia 
e a qufmica neural do hipocampo- estrutura 
com papel importante na memória e cujo 
funcionamento em geral é mais lento com 
o passar do tempo. Mas se a comunicação 
entre os neurônios é facilitada, a capacidade 
mnêmica é beneficiada. Alguns flavonoides 
podem até contribuir para o crescimento de 
novas células no hipocampo. 
Eles também parecem proteger os neurô-
nios de danos e evitar sua morte, combatendo 
doenças neurodegenerativas como Alzheimer 
e Parkinson. Dados obtidos em pesquisas 
com animais e culturas de célulassugerem 
que os flavonoides têm papel importante no 
incremento dos efeitos de neurotoxinas como 
o glutamato- neurotransmissor que em altas 
concentrações danifica os neurônios -, im-
pedindo que toxinas se fixem nos receptores 
neurais. Esses compostos também se opõem 
à ação de enzimas conhecidas como secreta se, 
envolvidas na destruição de células neurais. 
No futuro, técnicas de imageamento como 
ressonância magnética funcional (fM RI) 
deverão permitir que os pesquisadores ob-
servem, em tempo real, como o consumo de 
flavonoides altera a atividade cerebral. Num 
estudo publicado em 2006, os pesquisadores 
usaram a técnica de imagem para detectar 
o aumento no fluxo sangufneo do cérebro 
durante teste de digitação de letras realizado 
p ,. 
What's on your plate? Smart 
food choices for healthy 
aging. Instituto Nacional 
de Saúde dos Estados Uni-
dos, fevere1ro 2012, http:fl 
www.nia.nih.govfhealthf 
publicationfwhats·you r· 
plate-smart-food-choices-
healthy-aging 
Nutrition and brain func-
tion: food for the aging 
mind. Departamento de 
Agricultura dos Estados 
Unidos, Serviço de Pesquisa 
Agrícola, agosto de 2007. 
www.ars.usda.gov{is{AR/ 
archivefaug07faging0807. 
htm?pf=l 
Superfoods Rx: fOurteen foods 
that will change your life. Ste-
ven Pratt e E. Kathy Matthews. 
Harper Collins, 2003. 
com voluntários que tinham consumido uma 
bebida rica em cacau . Essas descobertas 
podem orientar o desenvolvimento de inter-
venções alimentares para reverter ou evitar a 
degeneração cognitiva. 
A ciência ainda não revelou todos os ali-
mentos ricos em flavonoides com potencial 
para estimular a memória e a aprendizagem 
e a escala de eficiência de cada um. Há fortes 
indícios de que consumir regularmente mirtilo, 
frutas cítricas, frutas vermelhas (é o caso de 
uvas e morangos), verduras de folhas escuras 
(como espinafre), derivados de soja (tofu), 
grãos de cereais, vinho tinto, chás (verde, bran-
co e preto), chocolate amargo, cheiro-verde e 
especiarias (pimenta, sálvia, orégano e tomilho 
etc.) provavelmente é melhor que ingerir suple-
mentos alimentares. Sabe-se que há variáveis: 
o processamento, por exemplo, pode destruir 
ou reduzir o verdadeiro conteúdo de flavonoi-
des nos suplementos, e certamente frutas e 
verduras contêm as quantidades e combina-
ções desses compostos mais benéficas para 
o cérebro. Seguindo as recomendações de 
ali mentação saudável do Departamento de 
Agricultura dos Estados Unidos- que sugere 
a ingestão de duas xícaras de frutas e duas 
xícaras e meia de verduras diariamente -, 
podemos ter certeza de estarmos ingerindo 
uma grande variedade desses compostos 
promotores da saúde. E daqui a alguns anos 
esse hábito poderá nos ajudar a lembrar onde 
deixamos as chaves do carro. m ~c 
13 
c o M E 
Para nutrir 
e para curar 
DESDE A ANTIGUIDADE HOUVE PREOCUPAÇÃO DE EVITAR OU 
INTENSIFICAR O CONSUMO DE CERTOS ALIMENTOS QUANDO 
SE USAVAM MEDICAMENTOS; HOJE SE SABE QUE EXCESSO 
OU FALTA DE SÓDIO PODEM INTERFERIR NO TRATAMENTO 
DO TRANSTORNO Bl POLAR; JÁ OS QUEIJOS AMARELOS 
INTERAGEM MAL COM ALGUNS ANTI DEPRESSIVOS 
AS AUTORAS 
ROSANE GOMEZ é farmadutica, doutora em 
c:ifncias biol6cias pela Universidade Federal do 
Rio Grande do Sul (UFRGS), pós-doutora pela 
Universidade Vale, professora de farmacologia 
da UFRGS. CARINA DUARTE VENTURINI é 
nutricionista, mestre em ci~ncias da saúde 
(farmac:olocia) pela Universidade Federal de Ciências 
da Saúde de Porto AJecre (UFCSPA), doutoranda em 
prontolocla biomédica pela Pontíficia Universidade 
Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS). Ambas 
slo autoras do livro lnkraf60 entre alimentos e 
medicamentos (Letra& Vida, 2009). 
11 por Rosane Comez e Carina Duarte Venturini 
U 
m dos primeiros aprendizados do homem 
pré-histórico foi selecionar na natureza os 
elementos que o mantinham mais saudável, 
e ao longo dos séculos essa prática se perpe-
tuou . O reconhecimento da importância dos alimentos 
para a manutenção e recuperação da saúde aparece no 
século so a.C., nas palavras de Hipócrates, o precursor 
da medicina: "Que o alimento seja teu medicamento 
e que o medicamento seja teu alimento" . Naquela i 
época, os preparados usados para curar ou amenizar 5 
o sofrimento eram constiturdos por minerais, tecidos f 
de origem animal, chás, infusões, unguentos. Embora ~ 
o conhecimento a respeito de fisiologia humana fosse ~ 
escasso e não houvesse informações sobre farmacolo- ~ 
gia, alguns escritos forneciam instruções de como a me- g 
~ 
dicação deveria ser administrada, devendo ser evitado ~ e 
ou intensificado o consumo de determinados produtos o 
15 
R 
- pois se previa que essa interação trouxesse 
consequências. Além disso, alguns alimentos 
e bebidas eram utilizadas como antídotos para 
intoxicação por medicamentos. Um exemplo 
relatado na literatura especializada é o emprego 
de chá preto, bem forte, para reverter os efeitos 
do excesso de estricnina e metais pesados no 
organismo, ou o emprego do leite para certos 
tipos de envenenamento-conhecido, aliás, até 
os dias de hoje. 
No século 11, os livros de medicina eram 
divididos em duas partes: a primeira descrevia 
os sintomas das doenças e a segunda rela-
cionava as prescrições em cada caso. Muitas 
dessas ind icações eram verdadeiras rece1tas 
de culinária. Era o caso da sopa de gal inha 
com cebola, alho e condimentos como pimen-
ta, mostarda, entre outros, indicada como 
primeira escolha no tratamento de algumas 
doenças. Caso os alimentos não restituíssem 
a saúde ao paciente, era recomendado então 
o uso de outros recursos, como sangria, la-
xantes, eméticos, minerais e plantas . Esses 
16 I mentecérebro I 7 segredos do chebro saudável 
PARA AMENIZAR O 
SOFRIMENTO: ao longo 
da história foram usados 
sopas, unguentos, tecidos 
de origem animal e 
infusões 
procedimentos eram levados tão a sério que 
os médicos da época poderiam ser processa-
dos por imperícia se não prescrevessem uma 
dieta adequada para o tratamento. 
Com o avanço do conhecimento, a relação 
entre algumas doenças e a deficiência de 
nutrientes foi sendo esclarecida e contorna-
da. No século 18, por exemplo, sabia-se da 
necessidade de ingerir alimentos ricos em 
vitamina C, como lima e limão, para prevenir 
sintomas como sangramento nas gengivas, 
inchaços, dores nas articulações e dificuldade 
de cicatrização (escorbuto). Esse saber foi 
desenvolvido por meio da observação de um 
fato: após vários meses em alto-mar, mari-
nheiros ingleses apresentavam tais sintomas, 
associados à dieta pobre em frutas cítricas. 
Novas áreas da ciência, como a fisio-
logia, tentavam explicar como os órgãos 
funcionavam e qual era a relação entre eles. 
Perturbações no funcionamento do orga-
nismo eram correlacionadas com doenças. 
Concomitantemente, os primeiros farma-
cologistas tentavam encontrar na natureza 
plantas, minera is ou secreções de animais 
que pudessem restabelecer o equilfbrio. Nos 
tempos modernos, a rápida recuperação ! 
;: 
da saúde promovida pelos medicamentos ~ 
2 
deixou em segundo plano a ideia de que ali- ~ 
mentos estariam implicados diretamente na ~ 
manutenção do bem-estar. Mais recentemen- ~ 
te, porém, a importância do que comemos ~ 
~ vem ganhando força quando se fala na ma- ! 
nutenção e recuperação da saúde. Inúmeras ~ 
pesquisas têm demonstrado que nutrientes ~ 
podem rea lmente prevenir doenças e aliviar ~ 
~ 
sintomas. Muitas substâncias presentes nos ~ 
alimentos estão associadas à redução do ris- ~ 
co de câncer, doenças cardfacas e Alzheimer. ~ .. 
z 
º PERIGOSA COMBINAÇÃO ~ 
o 
Se ambos, nutrientes e medicamentos, são 8 s capazes de inte ragir com determinados I! 
g 
sistemas fis iológicos e interferir no funcio- ~ 
namento do organ ismo, faz sentido consi- i 
derarmos a possibilidade de interação entre ~ 
alimentos e medicamentos. Tais influências, ~ 
o 
porém, nem sempre são benéficas. Também ~ 
é esperado pensarmos que, se a maioria 11 
~ dos medicamentos é administrada por via ~ 
" oral e sua absorção se dá principalmenteno ~ 
A importância de manter o equilíbrio 
~ai nda na fase da gestação e até aproxi madamente 
os 6 meses que o cérebro humano é mais sensível aos 
alimentos. Nesse período é importante que o organismo seja 
abastecido com quantidade suficiente de matérias-primas 
(principalmente proteínas e lipídeos) para que os neurônios 
se desenvolvam adequadamente. Alimentando-se de forma 
equilibrada, a mãe fornece à criança, durante a gravidez e 
a amamentação, tudo de que ela necessita. Do contrário, o 
feto e, mais tarde, o bebê sentirão as consequências. Está 
comprovado, por exemplo, que problemas nutricionais nos 
primeiros anos de vida podem reduzir significativamente o 
quociente de inteligência. 
O cérebro adulto também precisa de boa comida no prato. 
A deficiência de ferro, por exemplo, não se caracteriza apenas 
da combinação do queijo e da tranilcipromina". 
Além do cheddar, outros exemplos de queijos 
maturados como o ementa!, o roquefort, o pro-
volone, a mussarela e o parmesão apresentam 
elevado teor de tiramina -e consequente risco 
de interação com antidepressivos. Além dos 
latidnios, são ricos em tiramina frutas como 
abacate, banana bem madura e figo maduro 
ou enlatado, os peixes conservados em picles, 
salgados ou defumados, camarão, caviar, sa-
lame, carnes concentradas em molho, sopa 
industrializada, bem como frgado bovino ou de 
aves, principalmente se armazenado por longo 
tempo ou na forma de patês. Fava de feijão, 
suplementos proteicos, pimenta e molho de 
soja devem ser consumidos com moderação. 
Entre as bebidas, ficam proibidos o vermute, 
o vinho tinto e a cerveja. Além da restri-
ção de alimentos ricos em tiramina, 
recomenda-se a redução da ingestão 
de estimulantes como guaraná, café, 
chocolate e chimarrão. 
Alguns cuidados especiais em 
18 I mentecérebro I 7 segredos do cérebro saudável 
pela palide.z da pele, mas também por cansaço e déficit de 
atenção. Anemia é causa frequente de problemas de leitura, 
raciocínio e linguagem. Como o déficit crônico nos primeiros 
anos de vida compromete o desenvolvimento cerebral, supõe-
se que, mais tarde, as consequências sejam irreversíveis. 
No entanto, adultos que consomem dietas pobres em ferro 
também sofrem prejuízos mentais significativos. 
Para que nossos neurônios possam disparar a qualquer 
momento, incontáveis mecanismos consomem energia. ~ por 
isso que apesar de representar apenas 2% do peso corporal, 
o cérebro precisa de aproximadamente 20% de toda a energia 
que consumimos. Ele queima 120 g de gl icose diariamente, 
e essa pequenina molécula tem de ser transportada pelo 
sangue, já que, diferentemente dos músculos, o sistema 
relação à dieta devem ser adotados para pa-
cientes tratados com sais de lftio, uma medi-
cação bastante eficaz para transtorno bipolar. 
Produtos ricos em sódio e outros eletrólitos 
costumam aumentar a excreção da substância, 
reduzindo seu efeito- ao contrário, as dietas 
muito pobres em sódio reduzem a eliminação 
do lítio, aumentando o risco de intoxicação. A 
dieta, portanto, deve ser normossódica (com 
quantidades moderadas de sódio). O uso de 
drogas diuréticas ou chás com essa proprie-
dade- como o de carqueja, chapéu-de-couro, 
cavalinha, quebra-pedra e alcachofra- também 
costuma acelerar a eliminação de lftio e por isso 
devem ser evitados. 
Não é possível deixar de lado as evidên-
cias de que a alimentação, por si só, tem um 
papel importante na regulação do humor, 
pois muitos nutrientes são precursores de 
neurotransmissores ou fazem parte de sua 
produção. O tratamento da depressão, por 
exemplo, merece cuidados nutricionais não 
apenas porque há muitas interações entre 
medicamentos e alimentos, mas também 
porque variações neuroqufmicas depen-
dem da nutrição adequada. 
A serotonina, um neurotrans-
missor responsável pela regulação 
de emoções e determinante na 
Al~M DO CHEDDAR, o emental, o 
roquefort, o provolone, a muçarela e 
o parmes~o apresentam elevado teor 
de tiramina; ingeridos com certos 
medicamentos podem levar à morte 
intestino, a simples presença de alimentos no 
aparelho digestório pode interferir na taxa e 
na velocidade de sua absorção. 
O marco histórico para o estudo das in-
terações entre alimentos e medicamentos 
aconteceu na década de 60, quando pacientes 
deprimidos tratados com antidepressivos 
inibidores da monoaminoxidase (MAO) inge-
riram alguns tipos de queijos, vinho tinto ou 
peixe e apresenta ram crise hipertensiva grave, 
seguida de acidente vascular cerebral e morte. 
As investigações sobre o fato culminaram com 
a descoberta da incompatibilidade. Desde 
então tem crescido o interesse pelo tema. Em 
1964, foi publ icado o seguinte artigo de ). M. 
Cuthill, no periódico científico Lancet: "Em 3 
de setembro de 1963, um homem de 40 anos 
foi tratado para depressão com tranilcipromi-
Alta 
concentração de 
glicose diminui 
a capacidade 
cognitiva; 
voluntários que 
comeram muito 
doce erraram 
mais cálculos 
durante o 
experimento 
na. Um mês depois, ele se queixou de dor de 
cabeça leve, mas jantou normalmente com sua 
família. Na ocasião, ele consumiu bife, queijo 
cheddar e biscoitos. Durante a noite, sentiu-se 
mal, queixou-se de náusea, tontura e uma dor 
de cabeça insuportável. Pela manhã, porém 
já se sentia suficientemente bem a ponto de 
tomar o café com sua família e consumir dois 
ou três pedaços grandes de queijo. Após a 
refeição, ficou agitado, agressivo e confuso, 
seu nariz começou a sangrar e apresentou 
confusão mental. Levado ao hospital, conti-
nuava confuso, e sua temperatura era alta, seu 
pulso e pressão sanguínea estavam elevados. 
Ele morreu às 20h30 daquele dia. Na autópsia, 
seu cérebro estava aumentado e apresentava 
sintomas de congestão vascular intensa. Os 
médicos concluíram que a morte fora resultado 
Salvos pela barra de cereal 
O que comemos pode evitar a sobrecarga emocional, 
e há fortes indícios de que alimentos crus afastam 
sintomas de demência e até mesmo a síndrome de 
burnout (o esgotamento por estresse). Uma barrinha 
de cereais no meio da manhã, por exemplo, ajuda 
o cérebro a funcionar melhor. E nesse processo, 
nem só flavonoides têm sua importância. O 
neurotransmissor serotonina, por exemplo, participa 
de todos os processos cognitivos, intelectuais, 
afetivos - influencia o que pensamos, sentimos, 
a memória e a imaginação. Nessa abundância de 
atuações, uma delas se destaca. A "substância da 
felicidade" ajuda a melhorar o humor e a reduzir o 
estresse. Esse processo se inicia logo de manhã, 
ao acordarmos. Quando há serotonina abundante 
no corpo, o dia já costuma começar bem. A 
pessoa saudável começa seu dia de trabalho com 
entusiasmo e consegue tomar decisões de forma 
objetiva, sem que esse processo seja excessivamente 
desgastante, pois com suficiente serotonina no 
sangue, em vez de ver principalmente problemas 
e dificuldade.s, o indivíduo imediatamente se 
volta para as soluções possíveis. A atitude básica 
corresponde mais a um decidido "afinal, por que 
não!?" em vez de um "mas ... ". 
O déficit do neurotransmissor não é sentido 
apenas como uma queda na produção e no ânimo. 
v A longo prazo, provoca sintomas psíquicos e fisicos 
ª desagradáveis, variações de humor e até depressJo, 
~ dores de cabeça constantes, distúrbios de sono, 
~ 
0 enfraquecimento do sistema imunológico, falta 
de libido, impotência, assim como a 
síndrome de bumout, que pode levar à 
morte. Segundo estudos recentes, mesmo 
doenças como Alzheimer e diabetes podem 
estar, ainda que parcialmente, associadas 
à baixa produção de serotonina. 
Para prevenir o problema 
um caminho talvez seja tomar 
nossos ancestrais filogenéticos 
como modelos para a composição 
de nossos cardápios! Pois 
se comêssemos como nossos 
ancestrais, há milhões de anos 
-assim como nossos parentes 
geneticamente mais próximos, 
os macacos-, o corpo humano 
conseguiria produzir sensivelmente 
mais serotonina e, mesmo em 
um caso de necessidade elevada, 
sob forte estresse, o organismo não 
chegaria a sofrerem razão de deficiência 
do neurotransmissor. O gargalo decisivo 
para a síntese desse "hormônio chefe" é o 
aminoácido triptofano, que o corpo não consegue 
produzir sozinho. Por isso, precisamos adicioná-
lo ao metabolismo por meio da dieta, recorrendo 
a alimentos crus. Considerando que patologias 
como Alzheimer e diabetes podem estar 
associadas à baixa produção de serotonina, a 
ingestlo frequente de grlos aumenta a produção 
da substância. (Da redação) 
nervoso central não é capaz de estocar glicose (na forma de 
glicogênio). Isso explica por que a glicemia é tão importante 
para a aptidão mental: quando ela cai, a concentração 
diminui. Estudo coordenado pelo bioqufmico Daniel J. 
Cox, da Universidade de Virgfnia, revelou que também a 
concentração muito alta de glicose reduz a capacidade mental. 
Os voluntários que participavam de sua pesquisa cometeram 
mais erros ao fazer cálculos depois de se esbaldar comendo 
doces. Atualmente, os cientistas acreditam que nada melhor 
para o cérebro do que uma glicemia moderada e estável; e isso 
se consegue com ingestão de carboidratos adequados. Mas é 
bom lembrar: seu efeito dura apenas algumas horas. O melhor 
mesmo é manter diariamente uma dieta diversificada. Seu 
cérebro agradece. (Do redação) 
propensão à depressão (no caso de baixa con-
centração) , necessita das vitaminas C, B6, B 12, 
ácido fólico e zinco para sua sfntese a partir do 
triptofano. Este aminoácido está no leite e em 
seus derivados, na aveia, nos produtos à base 
de soja, no arroz, nos grãos integrais, na carne 
branca, nos ovos, no mel, na ameixa, na banana, 
no abacaxi, nas frutas secas, no amendoim, nas 
nozes e na castanha, entre outros al imentos. 
Alguns estudos indicam que dietas ricas 
em carboidratos aumentam a concentração 
de triptofano, o precursor da serotonina, no 
sistema nervoso central (SNC). Dietas ricas em 
proteína, ao contrário, diminuem a captação 
desse aminoácido pelo SNC. Isso se justifica 
porque proteínas contêm, além do triptofa-
no, aminoácidos básicos como metionina e 
alanina, que competem com o triptofano pelo 
transporte ao SNC, realizado por transporta-
Asas à imaginação 
As fibras alimentares retardam a absorção de 
glicose. Elas são formadas por carboidratos 
complexos de origem vegetal que não podem ser 
digeridos pelas enzimas do trato gastrointestinal 
humano. Assim, alimentos ricos tanto em amido 
quanto em fibras, como os produtos integrais, 
legumes, leguminosas e frutas não muito doces 
(como a maçã), mantêm o nível de gficose plas-
mática estável por mais tempo, proporcionando, 
portanto, as condições ideais para altos e longos 
voos intelectuais. (Do redação) 
PARA SABER MAIS 
Interação entre alimentos 
e medicamentos. Rosane 
Gomez e Ca rina Duarte 
Venturini. Letra& Vida, 2009. 
dores "especializados" contidos na barreira 
hematoencefálica. Portanto, dietas equilibra-
das em que a proporção de carboidratos em 
relação a protefnas é maior podem aumentar a 
concentração de triptofano no sistema nervoso 
central e, consequentemente, de serotonina, 
popularmente conhecida como a "substância 
da felicidade" , melhorando assim o humor e 
reduzindo o risco de depressão. 
Além disso, dietas ricas em carboidratos 
aumentam a liberação de insulina após as 
refeições, intensificando a captação de outros 
aminoácidos básicos para o tecido muscular e 
facilitando ainda mais a absorção de triptofano 
pelo SNC. A insulina liberada pelo aumento 
de glicose pós-prandial (após as refeições) 
também aumenta a captação desses aminoá-
cidos básicos para o tecido muscular. Além do 
triptofano, outros aminoácidos, como tirosina, 
colina, histidina e taurina, obtidos por meio da 
dieta, são precursores de neurotransmissores. 
Minerais como manganês (presente no abacaxi 
e em leguminosas) , cromo (encontrado em 
carnes, grãos integrais, germe de trigo, queijo, 
pimentão verde, espinafre e pimenta-do-reino 
etc.), cobalto (disponível no amendoim, ervi-
lha, sardinha, salmão etc.), iodo (no sal iodado, 
alho, cebola e alimentos de origem marinha 
em geral) e selênio (comum na castanha-do-
-pará, carnes e aves) , assim como os ácidos 
graxos e ômega 3 (E PA e DHA) - encontrados 
em óleo de peixe, abacate, li nhaça e abóbo-
ra - também funciona m como importantes 
combustfveis cerebrais. ne 
19 
c o M E R 
Sabores 
saudáveis 
COMPOSTOS Q UE INTENSIFICAM SABORES DOCES E SALGADOS 
DOS ALIMENTOS AJUDAM A DESVEN DAR MECANISMOS DO 
PALADA R E ENGANAM O CÉREBRO CO M O PROPÓS ITO DE 
COM BAT ER OBESIDADE E DOENÇAS CA RDÍACAS 
I I por Melinda Wenner, jornalista 
O
s humanos foram feitos para gostar das 
comidas saborosas que fornecem energia , 
protefnas e eletrólitos. Em uma época em que 
é tão comum consumir produtos carregados 
de açúcar e sal, no entanto, nossas tendências gustativas 
podem resultar em obesidade, doença cardfaca e diabe-
tes do t ipo 2, que estão entre os principais problemas de 
saúde pública. 
Mas e se um grupo de pequenos componentes pu-
desse enganar nosso cérebro para comermos de forma 
diferente? É essa a ideia por trás da nova ciência de mo-
dulação do gosto. Cientistas estão desenvolvendo com-
postos baratos, mas poderosos, que tornam os alimentos 
mais doces, salgados, saborosos - e saudáveis -do que 
realmente são. Adicionando pequenas quantidades desses 
modu ladores a comidas tradicionais, é poss fvel reduzir 
a quantidade de açúcar, sal e glutamato monossódico 
(MSG) necessária para gerar satisfação, o que resultaria 
em produtos mais saudáveis . 
~ 
! 
5 
~ 
õ 
" z o 
!i 
~ 
~ 
~ 
g 
~ 
"' z 
~ 
Q 
20 I mentecérebro I 7 sepdos do cérebro saudável 
~ 
v 
• •• . ···~ ••• ••• • • •• •• •• 
~~-' NJ-., ,. 
I ' )· \ ' . , ,, . . 
·"' · 1 ?.1 .~ ~- h . 
I • • I . 
. ,.-:;.-. i . -r- . r•1·~. .... . \ t . . ' . I. ' .__... , 1r • • .... ' . 
Ao contrário do que pregavam modelos 
antigos (abaixo, à esquerda) , especialistas 
dizem hoje que a língua não tem 
regiões que detectam um único 
tipo de sabor. Na verdade, 
botões gustativos inseridos 
nas papilas (elevações) em 
toda a lrngua sentem todos 
os sabores. Cada botão 
contém células gustativas 
alongadas que respondem 
a doce, salgado, azedo, 
amargo e umami (saboroso). 
Os receptores na superfkie de 
uma célula para doce, por exemplo, 
se ligam a moléculas de açúcar. Se apenas 
alguns açúcares se associam, a sal iência 
envia um sinal fraco para o cérebro (pág. 
ao lado, acima); se moléculas de açúcar 
estão presentes em maior quantidade, 
mais ligações darão origem a um sinal 
mais forte de doce (meio). Moléculas 
que intensificam o gosto aumentam a 
probabilidade de que as moléculas de 
açúcar se liguem a seus receptores, 
acentuando a sensação de doce mesmo 
quando apenas algumas moléculas de 
açúcar estão presentes (ao lado). 
A Senomyx, empresa líder na utilização 
de tecnologias pa ra descobrir e produzir 
ingredientes com sabores inovadores para 
a indústria de alimentos e beb idas, com 
sede em San Diego, está na fronte ira dessa 
nova tecnologia, e grandes empresas como 
a Coca-Cola e a Cadbury têm se interessado 
pelas descobertas. A Senomyx está desen-
volvendo tam bém bloqueadores de gosto 
amargo para que alimentos menos pai atáveis 
tenham melhor sabor, o que ampl iaria as 
fontes de nutrientes disponíveis no mundo. 
As empresas, por exemplo, poderiam usar 
mais a proteína da soja, potencialmente ali-
mentando mais pessoas, se conseguissem 
disfarçar seu gosto amargo residual. Esses 
bloqueadores seriam capazes de melhorar 
o gosto tam bém de med icamentos, o que 
encorajaria as pessoas a usá-los . 
Enganando nossos processos gustativos, 
seria possível economizar grande quantia em 
22 I mentecerebro I 7 segredos do cérebro saudável 
OBSOLETO: o 
modelo antigo 
sustentava que 
as diferentes 
regiões detectavam 
distintos sabores 
dinheiro com a substituição de açúcar, sal e 
outros ingredientes por minúsculas quantida-
des de compostos mais baratos. 
A busca pelos moduladores de sabor 
começou em 1996, quando o pesquisado rCharles Zucker, professor de biologia da Uni-
versidade da Ca lifórn ia, San Diego, percebeu 
que a literatura existente sobre a biologia da 
gustação abordava mecanismos de forma 
potencialmente errada. Os humanos sentem 
cinco tipos de gosto: doce, salgado, amargo, 
azedo e saboroso- também chamado umami, 
que pode ser aproximadamente traduzido do 
japonês como "sabor delicioso". A maioria 
das crianças aprendeu que a língua é dividida 
em regiões que detectam, cada uma, um tipo 
Muitas moléculas de açúcar= gosto forte 
Poucos açúcares e mais moléculas = 
aumento do gosto forte 
de sabor. Mas, ao mesmo tempo, trabalhos 
mostravam que os botões gustativos em 
toda a boca (e não só na língua) contêm pe-
quenos grupos de células que permitem que 
cada botão detecte todos os sabores. Zucker 
concordava, mas duvidava que toda célula 
gustativa era sempre capaz de distinguir entre 
os cinco sabores. 
Para Zucker não fazia sentido evolutivo que 
uma célula fosse responsável por detectar a 
presença de algo teoricamente bom, como o 
açúcar e algo ruim, como um veneno amar-
go. Muitas células sensitivas são capazes de 
diferenciar estrmulos opostos, mas cada um 
de nossos domínios sensoriais inclui também 
estruturas cuja função primária é responder 
a um tipo de estímulo, como as células da 
pele que reagem apenas a uma dada faixa de 
temperatura. Zucker não conseguia conciliar 
a noção de que uma única célula gustativa 
"pudesse evocar comportamentos diametral-
A maioria 
das crianças 
aprendeu que a 
língua é dividida 
em regiões que 
detectam, cada 
uma, um tipo de ª 
sabor, mas hoje ~ 
essa teoria já r 
~ 
não se sustenta: g 
uma mesma 
estrutura é 
capaz de captar 
diferentes 
estímulos 
mente opostos. Em vez disso, supunha que 
a existência de um botão gustativo reunisse 
células para identificar doce, salgado, amargo 
e assim por diante. 
Se as células gustativas fossem tão especí-
ficas seria mais fácil manipulá-las- o que teria 
enormes implicações para o setor ali mentício. 
Zucker considerou que as células gustativas 
teriam sensores específicos em suas membra-
nas. Um receptor de sal se ligaria a uma molé-
cula de sa l, mas não a uma doce ou amarga. 
Mas o pesquisador não tinha evidências para 
sustentar sua teoria. 
O primeiro passo de Zucker deveria isolar 
os receptores , o que ninguém jamais havia 
feito. Ele e seus colegas da UCSD removeram 
célu las gustativas da língua de camundongos 
de laboratório e compararam os genes que 
davam origem a proteínas em cada célula. Por 
fim, seis pesquisadores encontraram genes 
que codificavam duas proteínas pela primei-
ra vez. Zucker consegu iu inferir que as duas 
estruturas ficavam na superfície da célula e 
provavelmente funcionavam como receptores, 
e as chamou de Tl R 1 e Tl R2. 
Mas quando Zucker tentou entender o que 
as duas proteínas faziam, chegou a um beco 
sem saída. Nenhuma delas funcionava sozi-
nha como um receptor gustativo completo. O 
biólogo se lembrou de que os camundongos 
variam suas preferências por comidas doces 
-alguns quase não gostam delas. Estudos an-
teriores haviam mostrado que esses roedores 
apáticos apresentavam um defeito genético. 
Zucker os estudou e acabou encontrando 
outro candidato a receptor. E o gene que dá 
23 
Hoje a Senomyx tem um acervo de 500 mil compostos naturais 
e sintéticos. Após identificarem um composto que interage 
unicamente com uma célula, os pesquisadores usam o 
processo de triagem para melhorar suas propriedades fisicas. 
"Podemos avaliar centenas de milhares de compostos e 
ingredientes diferentes e localizar uma agulha no palheiro", diz 
Mark Zoller, diretor científico da empresa. 
Alguns dos compostos podem necessitar de dissoluçao em 
líquidos ou reter suas propriedades quando aquecidos. Muitos 
devem permanecer estáveis nos produtos durante meses. 
A empresa patenteia compostos promissores e começa a 
certificaçao de segurança enviando informações à Associaçao de 
Fabricantes de Sabores e Extratos em Washington. 
O programa Generally Recognized as Safe (Gras) da 
instituiçao foi estabelecido pela Food and Drug Administration 
origem a essa proteína, a Tl R3 , de 
fato diferia entre os camundongos 
em geral e os que não gostavam de 
doce. Quando ele introduziu uma 
cópia funcional do gene relacionado 
nas células gustativas de um dos 
ratos, a alteração desencadeou uma 
forte predileção por açúcar. 
SACARINA E REFRIGERANTE 
Com alguns outros experimentos 
Zucker e seus colegas revelaram a 
estrutura e a função dos receptores 
gustativos para doce e para sabo-
(FDA), em 1960, para supervisionar as avaliações de segurança de 
compostos flavorizantes consumidos em pequenas quantidades. 
Já que as quantidades slio tlio pequenas, os compostos nlio 
precisam passar pelo processo de segurança mais rigoroso do 
FDA requerido para "aditivos" nos alimentos. Quando a Senomyx 
submete informações sobre um novo composto, cientistas 
independentes decidem, com base na composiçao química, se ele 
será seguro para o consumo. 
Embora o trabalho possa levar dois anos, alguns críticos 
questionam sua validade. Michael Jacobson, diretor executivo do 
Center for Science in the Public lnterest, em Washington, diz que 
o processo Gras "é certamente o caso de uma raposa vigiando 
o galinheiro". Ele reconhece, no entanto, que os flavorizantes 
slio substâncias químicas inócuas se utilizadas em pequenas 
quantidades e que nlio há histórico de problemas de segurança. 
sado, as empresas de alimentos 
identificavam novos sabores por 
tentativa e erro, com humanos 
provando um resultado de cada 
vez. O processo era tedioso, e 
as empresas conseguiam testar 
no máximo alguns milhares de 
compostos anualmente. 
Mas a utilização da estrutura 
dos receptores gustativos de 
Zucker possibilitou que novos 
moduladores de sabor fossem 
rapidamente identificados. Inspi-
roso. Cada tipo de receptor continha duas 
partes. O primeiro consistia na combinação 
de TlR2 e TlR3; o de saboroso, de TlRl e 
Tl R3. Em seguida, Zucker identificou também 
as unidades do receptor de amargo - todas 
as 25 -, bem como o receptor responsável 
pela detecção do azedo. Cada célula gustativa 
possuía os receptores para apenas um gosto. 
Zucker percebeu que, além de contribuir 
para a biologia básica, suas descobertas per-
mitiriam aos cientistas projetar compostos 
que interagissem, por exemplo, apenas com 
o receptor de doce ou de salgado, afetando a 
percepção de gosto de formas específicas. "As 
ferramentas básicas para modular experimen-
talmente como o sistema gustativo funciona 
se tomaram factíveis", d iz. Em 1998, Zucker 
e alguns outros pesquisadores criaram uma 
empresa que se tornou a Senomix. No pas-
Em poucos 
anos, os 
consumidores 
poderão ingerir 
alimentos com 
apenas uma 
fração das 
calorias e do sal 
que já tiveram, 
sem notar a 
diferença 
rando-se nas matrizes de plástico 
com vários pequenos receptáculos que as 
empresas farmacêuticas utilizam para testar 
novas drogas, Zucker elaborou matrizes de 
milhares de "células gustativas" artificiais, 
cada receptáculo contendo um tipo de recep-
tor gustativo. Ele então introduzia milhares 
de compostos potencialmente moduladores 
de sabor a esses "testadores-robôs" de alto 
rendimento para ver quais interagiam com 
quais células. 
Desenvolver adoçantes melhores é um 
dos principais objetivos dos pesquisadores. 
Os substitutos do açúcar de baixa caloria dis-
poníveis hoje, como o aspartame, sucralose ~ 
e sacarina, frequentemente deixam um gosto i: 
residual amargo por causa das altas concen- ~ 
trações. "Do ponto de vista sensorial, não ~ 
são ideais", diz Gary Beauchamp, diretor do ~ 
Monell Chemical Senses Center em Filadélfia. ~ 
24 I ment«érebro I 7 segredos do cérebro saudável 
Refrigerentes dietéticos, por exemplo, não têm 
gosto tão bom quanto os originais, porque o 
sabor residual amargo altera a percepção do 
cérebro. Se as empresas de alimentos pudes-
sem usar quantidades menores dos substitu-
tos, a via de captação de gostos amargosseria 
menos ativada. 
Ao testar tantos compostos, Zucker per-
cebeu que seria possível identificar moléculas 
que não tinham nenhum sabor em si mas 
podiam interagir com os adoçantes e recep-
tores de doce para aumentar a percepção. 
"Pensamos: talvez possamos encontrar meios 
inteligentes de fazer com que pouco açúcar 
pareça muito", relata ele. 
Depois de analisar 200 mil compostos, os 
pesquisadores da Senomyx identificaram um 
que faz com que a sacarose seja quatro vezes 
mais doce. O modulador começou a ser adi-
cionado a produtos em 2009. O mercado po-
tencial é enorme: estima-se que 5 mil produtos 
no varejo atualmente contenham sucralose. 
Também foi descoberto um modulador de açú-
car que faz com que a sacarose, ou açúcar de 
mesa, tenha um gosto duas vezes mais doce. 
Desse modo, seria possível cortar calorias 
de alimentos e manter o mesmo gosto. E as 
comidas dietéticas poderiam ser ainda mais 
saborosas do que são hoje. 
AMARGO E SALGADO 
Estão em andamento estudos sobre 
bloqueadores de gosto amargo para proteínas 
da soja, os quais ajudariam a livrar o cacau 
de seu gosto residual amargo, diminuindo 
a quantidade de açúcar que os fabricantes 
adicionam aos produtos feitos dessa 
semente. Essas substâncias contribuiriam 
para a criação de medicamentos, "plantações 
orgânicas", como de arroz e soja, que 
contivessem vacinas orais contra hepatite 
B e outras doenças. Esses alimentos seriam 
cultivados em países em desenvolvimento 
onde o acesso à vacinação é limitado, mas 
se os componentes medicinais fizessem 
com que eles tivessem um gosto ruim, a 
população local não iria consumi-los. Um 
bloqueador tornaria o produto palatável, mas 
naturalmente o preço teria de ser acessível. 
Outra empresa, a Redpoint Bio, em Ewing, 
Nova Jersey, está pesquisando bloqueadores 
CANAP~ DE CAVIAR: 
descoberto há um século, 
o sabor umami ainda 
não é reconhecido como 
quinto gosto básico que a 
lfngua identifica 
PARA SABER MAIS 
Para driblar o gosto amargo. 
Especial Mente e Cérebro 
Segredos dos sentidos, n• 12, 
pág. 84-90, 2008. 
The search for sweet build-
ing a better sugar substitute. 
Burkhard Bilger, em New 
Yorker, pág. 40, 22 de maio 
de 2006. 
de gosto amargo que utilizam uma abordagem 
levemente diferente. Em vez de vetarem pro-
dutos que afetam os receptores da superfície 
de uma célula gustativa, cientistas buscam 
substâncias que interajam com as vias de si-
nalização das células. Um alvo é o canal iônico 
comum chamado TRPMS; a Redpoint procura 
compostos capazes de bloqueá-lo ou ativá-lo. 
A empresa está colaborando com a Coca-
-Cola e com a Givaudan, companhia sufça de 
sabores e fragrâncias, e prevê que alimentos 
contendo seus compostos estarão nas prate-
leiras dos supermercados em poucos anos. 
Em 2008, a Senomyx identificou o recep-
tor primário responsável pela percepção do 
sal: um poro ou uma cânula que atravessa a 
membrana de uma célula gustativa, permitindo 
que íons de sódio e hidrogênio entrem nela. 
Os compostos que interagem com o canal au-
mentariam a potência do efeito do sal. "Reduzir 
a ingestão, mesmo em pequena proporção, 
poderia ter um impacto significativo tanto 
na saúde quanto na qualidade de vida", diz 
Zucker, que permanece na UCSD, ao mesmo 
tempo que atua como consultor científico da 
Senomyx. "Se é tão difícil mudar o hábito das 
pessoas então faz sentido mudar sua percep-
ção", afirma. Em poucos anos, os consumido-
res poderão ingerir alimentos com apenas uma 
fração das calorias e do sal que já tiveram, sem 
notar a diferença. Mas ainda é preciso saber 
se eles passarão a ingerir menos calorias se a 
alimentação for mais saborosa. mec 
25 
26 I ment«érebro I Sete segredos do cérebro saudável 
B .. ... 8 E 
Uma ta 
desaú 
a 
e 
Ao BEBERMOS VINHO TINTO LENTAMENTE, EM PEQUENOS GOLES, 
SENTINDO O SABOR, NOSSO CÉREBRO SE BENEF ICIA DO RESVERATROL, 
SUBSTÂNCIA PRESENTE NAS UVAS QUE AJUDA A PREVENIR A 
DETERIORAÇÃO DAS CÉLULAS NEURAIS 
D 
egustar uma taça de vinho pode proporcionar 
mais que prazer e bem-estar. A bebida milenar, 
associada ao deus grego Dioniso e ainda hoje 
usada em rituais religiosos, tem chamado a aten-
ção de cientistas por seus benefícios à saúde. É comprovado 
que, em pequenas quantidades, previne doenças cardiovas-
culares, diabetes e alguns tipos de câncer. Uma substância 
~ ~ em especial tem revelado grande potencial terapêutico: o i resveratrol, molécula presente na casca de uvas pretas e ro-
sadas e um dos ativos não alcoólicos encontrados na bebida. 
~ 
~ Segundo o cientista Lindsay Brown, da Escola de Ciências 
ª Biomédicas da Universidade de Queensland, na Austrália, 
! a molécula reduz os sintomas de doenças relacionadas à 
~ idade, como o diabetes 2. Segundo Brown, a substância per-
~ tence ao grupo das sirtu ínas, família de enzimas que agem 
~ 
g na regulação energética e no envelhecimento das células. 
1/ por : • Loc.CC'""' redator da Mente e Cérebro 
Em um estudo da Universidade do Texas pesquisadores 
injetaram o resveratrol no cérebro de ratos e observaram 
aumento da secreção de insulina e redução dos níveis glicêmi-
cos. Mesmo nos animais que receberam dieta hipercalórica, 
a molécula ajudou a reduzir os níveis de açúcar sem causar 
os efeitos colaterais dos medicamentos para diabetes mais 
utilizados. A descoberta pode ajudar a criar remédios que 
atuem sobre as sirtu ínas. Entretanto, os pesquisadores res-
saltam que esse mecan ismo não esclarece o efeito protetor 
do vinho contra o diabetes 2, pois o resveratrol não parece 
atravessar facilmente a barreira hematoencefálica. Isso ocorre 
porque a substância é praticamente inativada quando chega 
ao intestino e ao fígado. Assim, ela atinge a circulação apenas 
em pequenas quantidades. Porém, se o vinho for bebido de 
forma lenta, em pequenos goles, as chances de absorção 
pelo sangue aumentam, através das membranas mucosas 
27 
R 
da boca, até 100 vezes. A equipe coordenada 
pelo qufmico André Souto, da Pontiffcia Univer-
sidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), 
trabalha no desenvolvimento de um fármaco 
contra diabetes com base no resveratrol, que 
além de encontrado na uva, está presente em 
quantidade lOOvezes maior também na hortaliça 
popularmente conhecida como azedinha (Rumex 
acetosa). No entanto, ainda são necessários 
mais estudos para saber se é possfvel produzir 
remédios a partir da planta. 
À FRANCESA 
O resveratrol tem mostrado efeito sobre várias 
patologias. Cientistas da Escola de Medicina 
Johns Hopkins, em Maryland, administraram a 
substância em ratos e duas horas depois indu-
ziram um derrame isquêmico nos animais, cor-
tando o suprimento de sangue do cérebro. Eles 
observaram que os camundongos que haviam 
ingerido preventivamente um composto com 
resveratrol sofreram significativamente menos 
danos cerebrais do que os que não receberam M 
~ a substância. O estudo foi publicado on-line na -
~ Neurology Experimental. :; 
? O neurocientista Sylvain Doré, coordenador ~ 
da pesquisa, aponta que o resveratrol pode e 
aumentar os níveis da enzima hemeoxigenase ~ 
Q 
(HEOX), conhecida por proteger as células 
neurais contra perda progressiva de função 
neurológica causada pelo entupimento (isque-
mia) ou rompimento (hemorragia) de vasos 
sangufneos cerebrais. Durante um acidente 
cardiovascular, a HEOX aumenta a resistência 
dos neurônios contra a asfixia. A novidade é 
que o resveratrol pode potencializar a ação da 
enzima e tornar o cérebro mais resistente contra 
o AVC isquêmico. Por outro lado, os efeitos do 
resveratrol dependem da quantidade de heme 
oxigenase presente no organismo. Ratos com 
deficiência da enzima não se beneficiaram da 
ação protetora do resveratrol- neles um maior 
número de células cerebrais morreu após a 
indução do derrame isquêmico. Doré associa 
suas conclusões ao que chama de "paradoxo 
francês": apesar da dieta rica em queijos, man-
teiga e outras gorduras saturadas, a incidência 
de doenças cardiovasculares é relativamente 
baixa entre os franceses. O fato é atribuídoao 
consumo regular de vinho tinto. 
Além disso, o consumo da bebida tem sido 
28 I rnentecérebro I Sete segredos do cérebro saudável 
O bom cafezinho 
Os efeitos da bebida mais consumida do planeta 
sobre a capacidade de concentração são conhecidos, 
na prática, por estudantes e profissionais. A 
cafeína, o principal componente do café, age na 
área do tronco encefálico e promove alterações 
no estado de alerta, orientação espacial, tempo 
de reação e agilidade de locomoção, combatendo 
temporariamente a fadiga e a sonolência. Os 
efeitos cognitivos, porém, dependem da dose 
ingerida e do tipo de tarefa estudada_ Sabe-se que a 
ate n ç I o pode modificar a atividade neural de áreas corticais específicas 
que participam dos processos perceptivos. Isso significa que a ampliação 
da atençio é capaz de aumentar a resposta dos neurônios a determinados 
estímulos- as respostas tendem a ser mais rápidas e precisas. Em relação 
à memória, porém, não há dados conclusivos sobre os efeitos do café. A 
molécula psicoativa responsável por esse efeito é a metil-xantina, da famflia 
dos alcaloides, usada em inúmeros medicamentos, desde analgésicos 
até drogas para tratamento da asma. Diversos estudos, entre eles 
os do fannacologista Alberto Ascherio, da Universidade Harvard, 
sugerem que o consumo regular pode reduzir também o risco 
de Partdnson. De fato, levantamentos epidemiológicos 
verificaram que maior ingestão de café ao longo da vida 
está associada a menor incidência da patologia. 
Para alguns 
pesquisadores, 
comer a fruta 
fresca ou 
tomar seu 
suco garante 
a mesma 
quantidade de 
antioxidantes, 
com a vantagem 
de não ter álcool 
Nos últimos anos, vem crescendo o interesse 
em estudos sobre as possibilidades 
de a cafeína proteger contra o 
Alzheimer. (Da redação) 
associado também à diminuição de doenças 
inflamatórias agudas como a septicemia (infec-
ção grave do organismo por germes patogêni-
cos). Em estudo feito na Escócia, o imunofar-
macologista Ali rio Melendez, do Centro de Pes-
qu isa Biomédica da Universidade de Glasgow, 
utilizou o resveratrol para tratar camundongos 
com doenças inflamatórias agudas. Ele aponta 
que processos de infecções graves são difíceis 
de ser controlados e, ainda hoje, são causa 
frequente de morte. Pacientes que sobrevivem 
à infecção mantêm qual idade de vida muito 
baixa por causa dos danos provocados pela 
inflamação de vários órgãos internos. Melendez 
induziu um agente inflamatório em dois grupos 
de ratos, mas antes disso um deles havia recebi-
do doses de resveratrol. Os camundongos que 
não receberam a substância mostraram forte 
resposta inflamatória, parecida com a doença 
em humanos, enquanto o grupo que recebeu 
tratamento não demonstrou sinais de infecção. 
Os cientistas examinaram os tecidos dos ratos 
para determinar exatamente como o resveratrol 
foi capaz de proteger os animais e descobriram 
que a substância impediu o corpo de criar duas 
moléculas envolvidas no desencadeamento de 
inflamações: a esflngosina quinase e a fosfoli-
pase. O pesquisador acredita que o resveratrol 
pode ser usado para tratar doenças inflamató-
rias e desenvolver drogas ainda mais eficazes. 
Doré aponta, porém, que tomar suplemen-
tos de resveratrol, comercializados em alguns 
países como os Estados Unidos, não garante ~ 
os mesmos efeitos do consumo moderado de ê 
vinho. Apesar de a substância ser encontrada { 
em uvas pretas, ele acredita que a interação ~ 
com o álcool presente na beb ida garante o ~ 
~ 
potencial terapêutico da substância. @ 
NA MEDIDA CERTA 
É importante ressaltar que as quantidades de 
resveratrol na bebida variam com o tipo de vinho. 
Ainda são necessárias mais pesquisas para escla-
recer qual tipo é mais adequado para consumo e 
quais as quantidades indicadas. "Talvez o resve-
ratrol não seja o responsável direto por proteger 
as células cerebrais contra os danos provocados 
pelos radicais livres. O mais provável é que a subs-
tância e os seus metabolitos estimulem as células 
a se defender", sugere Doré. O neurocientista se 
concentra em estudar os efeitos preventivos da 
substância, mas pretende investigar os benefícios 
terapêuticos depois do acidente vascular cerebral 
(AVC) e se é possível reverter perdas neurais que 
surgem com o passar do tempo. 
Outro benefício associado ao consumo 
de vinho tinto fo i publ icado no Journal of 
Neuroscience. Em um experimento com roedores, 
o neurocientista Giulio Pasinetti e seus colegas 
do Departamento de Psiquiatria da Escola de 
Medicina Monte Sinai, em Nova York, mostraram 
que substâncias presentes na bebida podem 
combater os primeiros sinais de Alzheimer. 
Eles aplicaram extrato retirado da semente de 
uva em camundongos na fase pré-sintomática 
da doença degenerativa, durante cinco meses. 
A dose aplicada era equivalente à quantidade 
média de alimentos consumida pelos animais, 
com referência em valores diários de uma dieta 
saudável. A exposição à substância reduziu a 
acumulação de placas amiloides no cérebro 
e o declínio cognitivo em comparação com o 
grupo de controle. Observaram também que 
UVAS PRETAS 
e rosadas contêm 
altas concentrações de 
flavonoides, componentes 
com ação anti-inflamatória, 
principalmente na casca e 
nas sementes 
PARA SABER MAIS 
Dose certa. Leonardo Caixe· 
ta. Mente e Cérebro Especial 
n• 29, págs. 14·19. 
Wine: a scientific explo-
ration. Merton Sandler e 
Roger Pinder. Taylor & Fran-
cis, 2003. 
Antioxidants and disease 
prevention. Harinder Ga· 
rewal. CRC Press, 1997. 
os roedores tinham melhor memória espacial. 
Segundo Pasinetti , o vinho pode ajudar a 
retardar a formação de placas e fazer com que 
os sintomas, como a perda cognitiva, demorem 
mais para aparecer. 
Em um estudo anterior, o neurocientista 
relatou que o consumo moderado da bebida e 
de outros produtos feitos da uva traz benefícios 
à saúde, particularmente para a função cardio-
vascular. O objetivo agora é tentar descobrir qual 
a principal molécula, entre os milhares conti-
das no vinho tinto, envolvida na prevenção de 
patologias neurodegenerativas. Outros grupos 
desenvolvem pesquisas semelhantes com o café 
(veja quadro ao lado). "Esse pode ser o primeiro 
passo para desenvolver um tratamento natural 
e sem contraindicações para demência", diz. 
Apesar dos ganhos trazidos pela bebida, o 
consumo de álcool tem riscos, principalmente 
para pessoas com problemas hepáticos. "Se 
uma taça diária funciona para os franceses, 
que mantêm o hábito ao longo de gerações, 
isso não significa que pessoas que nunca 
ingeriram a bebida vão se beneficiar se incor-
porarem o vinho à sua dieta", diz Pasinetti. 
Uma alternativa inofensiva é o consumo de 
uvas pretas e rosadas. Elas contêm altas 
concentrações de antioxidantes, resveratrol 
e flavonoides, principalmente na casca e nas 
sementes. Para alguns pesquisadores, comer 
a fruta fresca ou tomar seu suco garante a 
mesma quantidade de antioxidantes, com a 
vantagem- para tristeza dos apreciadores de 
vinho- de não ter álcool. nec 
29 
MEXER O CORPO 
Mentes em 
• movtmento 
ATIVIDADE FÍSICA NÃO FORTA LECE 
APENAS O CORAÇÃO E OUT RO S 
MÚSCULOS, TAMBÉM BENEFICIA 
A CAPACIDADE MENTAL D E 
ADULTOS E AJUDA CRIANÇAS A 
SE DESENVOLVER MELHOR; ALÉM 
DISSO, É ALIADA NO CO M BATE 
À DEPRESSÃO E TORNA 
MAIS LENTO O DECLÍNIO 
COGNITIVO CAUSADO 
PELA IDADE 
li por Steve Ayan, psicólogo e jornalista 
E
m que você pensa quando falamos sobre esporte? Em disciplina, desempe-
nho, condicionamento? Na academia onde você malha muito raramente? 
Ou no parque onde caminha de vez em quando apesar de, no fundo, pre-
erir estar relaxado no sofá de casa? Não se deixe enganar pela ladainha do 
prêmio que não vem sem suor ou da juventude eterna! O exerdcio que realmente ~ 
faz bem está muito distante desses conceitos. Infelizmente, muitas pessoas as- ~ 
sociam a ideia de esporte principalmente ao esforço. Impulsionados pelo peso na ~ 
consciência, muitos tentam se animar a ser ativos- a fim de manter o corpo em ~ 
~ forma,perder alguns quilos ou ser mais saudáveis. Com um resultado bastante ~ 
modesto. Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) mostram que 1,6 bilhão ª 
de pessoas no planeta tem excesso de peso. No Brasil estima-se que esse número 3 
-a-chegue a 70 milhões, sendo 25% considerados obesos. O motivo principal, além ~ 
~ 
da má alimentação, é a falta de exercício. Segundo estimativas, isso gera custos de ~ 
pelo menos 70 bilhões de euros por ano aos órgãos de saúde. ~ 
30 I mentecerebro I 7 segredos do cérebro saudável 
correr por aí, se concentrar no lugar de pular de 
um lado para outro. A televisão, o computador e 
os videogames também colaboram para tirar dos 
pequenos a vontade natural de se movimentar. 
Com isso, aparecem prejuízos primeiramente 
para o estado geral de saúde, com o surgimento 
de problemas posturais e obesidade, por exemplo. 
O corpo e o psiquismo, porém, não amadurecem 
independentemente-como uma função motora 
desenvolvida de forma insuficiente, por exemplo, 
pode frear o intelecto, pois, quanto mais segura 
g a criança está ao explorar seu ambiente, mais fa-
~ cilmente absorve novos estímulos. Dessa forma, 
1 
~ 
subir, saltar e correr marca o início de um ciclo 
que reforça a si mesmo. 
j 
W&--~~--~~~--~~~~~--~~~----------~~ Q 
Um estudo coordenado pelo pesquisador 
Charles Hillman, da Universidade de lllinois 
em Urbana-Champaign, publicado em 2008 
mostra que crianças que se movimentam mais, 
em geral, obtêm melhores notas na escola. O 
desempenho em cálculo ou leitura, por exemplo, 
aumenta proporcionalmente à atividade física. No 
entanto, podemos perguntar aqui, com razão, o 
que determina esse resultado: será que pais que 
apoiam mais seus filhos em questões escolares 
também os estimulam mais a praticar esportes? 
A correlação entre valores estatísticos, porém, 
não revela nada sobre motivos mais profundos. 
Contudo, a solução parece simples. Não é 
novidade que a atividade física moderada e regular 
estimula e mantém a saúde do corpo. O que cada 
vez mais pesquisadores têm comprovado é que a 
prática não fortalece apenas o coração e os múscu-
los, mas também a capacidade mental, ajuda crian-
ças a se desenvolver melhor, é aliada no combate à 
depressão e torna mais lento o declínio intelectual 
atrelado à idade. Para tanto, não é necessário ne-
nhum esforço absurdo ou tortura- pelo contrário: 
o limiar da "dose salutar" é surpreendentemente 
baixo. Incluir passeios a pé ou de bicicleta na rotina 
(quase) diária já cumpre o objetivo. 
Essa descoberta de pesquisadores contraria 
um antigo conceito segundo o qual o corpo 
e a mente estariam em concorrência entre si. 
Durante muito tempo, dizia-se que seria melhor 
para as crianças ficarem sentadas lendo um livro 
ou aprenderem uma língua estrangeira ou um 
instrumento musical em vez de correr atrás de 
uma bola, por exemplo. E quem quisesse manter 
seu potencial intelectual deveria exercitar prefe-
rencialmente o cérebro. Engano! Na verdade, a 
ciência tem comprovado que atividades físicas 
e mentais estão intimamente associadas. E para 
tirar o melhor proveito dessa interseção é preciso 
levar em conta características de cada fase da vida. 
UMA FORÇA PARA A AUTOESTI MA 
De maneira geral, a sociedade ocidental não atribui 
grande valor ao exercício para o desenvolvimento 
infantil. Adultos costumam fazer as crianças des-
de pequenas ficar sentadas e quietas em vez de 
3 2 I rnentecérebro I 7 segredos do cérebro saudável 
CORRER E SALTAR: 
exploração do ambiente 
deve ocorrer de forma lúdica 
O pesquisador Phillip Tomporowski, da 
Universidade da Geórgia, também confirmou 
que o bom condicionamento físico de crianças é 
acompanhado de melhores resultados escolares. 
No entanto, ainda não é possível demonstrar 
experimentalmente a influência do esporte sobre 
o desempenho cognitivo. O que se sabe é que 
nem toda prática esportiva estimula a capacidade 
intelectual. O condicionamento aeróbico por meio 
de atividade muscular moderada costuma ser 
considerado frutífero, assim como treinamentos 
de força parecem reforçar a capacidade de plane-
jar e coordenar ações - em resumo, aquilo que 
chamamos "capacidades executivas". 
Outro grande grupo de estudos, no qual em 
geral são utilizados camundongos e ratos, defen-
de que a atividade física prepara a mente para o 
aprendizado. Experimentos para testar o efeito de 
treinamentos físicos sobre o cérebro de roedores 
remontam aos anos 60. A neurobióloga Marian 
Diamond, da Universidade da Califórnia em 
Berkeley, hoje com 79 anos, foi considerada pio-
neira nessa área. Ela criou animais em "ambientes 
enriquecidos", gaiolas cheias de "brinquedos", 
onde as cobaias eram constantemente estimula-
das de forma lúdica. Entre os roedores, as rodas 
de exercícios são as preferidas: eles percorrem, 
sem dificuldade, 5 a 6 km por dia. 
Ao analisar o tecido cerebral desses ratos 
treinados em laboratório, Marian concluiu que 
o córtex, responsável pelas funções cognitivas 
mais elaboradas, de maneira geral tinha melhor 
irrigação sanguínea e era maior, em comparação 
à mesma região cerebral de animais da mesma 
espécie criados em gaiolas comuns. Além disso, 
os animais "estimulados" dessa forma atingiam 
melhores resultados em testes de aprendizagem 
e comportamento. 
Esses experimentos oferecem grandes vanta-
gens aos pesquisadores: um camundongo ou rato 
não vive mais de dois ou três anos; sendo assim, 
é possível estudar o decorrer de sua vida quase 
em "câmera rápida". Além disso, as alterações no 
tecido cerebral podem ser observadas até mesmo 
em nível molecular com os métodos laboratoriais 
bem mais refinados desde os usados nos tempos 
de Marian. Pela observação, cientistas puderam 
concluir que há principalmente dois tipos de efeito 
do exercício sobre o sistema nervoso: estimula o 
crescimento vascular e o neuronal. 
O primeiro refere-se a processos que permi-
tem que as ramificações dos vasos sanguíneos se 
desenvolvam ainda mais-e não apenas nos mús-
culos, mas também em tecidos neurais. Dos capi-
lares cerebrais provêm os neurônios com oxigênio 
e, consequentemente, a energia. Essas estruturas 
Durante muito 
tempo pais e 
educadores se 
acostumaram a 
pedir às crianças 
desde pequenas 
que ficassem 
sentadas e 
quietas em vez 
de correr e pular 
HÁ PARTICULARMENTE 
dois efeitos importantes 
do exerócio sobre 
o sistema nervoso: 
estimula o cresómento 
vascular e o neuronal 
são fundamentais para o segundo mecanismo: o 
constante trabalho de construção e reestruturação 
das próprias células. Um recém-nascido vem ao 
mundo com a mesma quantidade de neurônios 
de um adulto: entre 100 bilhões e 500 bilhões. No 
entanto, nos pequenos essas células não estão 
densamente interligadas. Assim, nos primeiros 
anos de vida, o plano é "moldar e semear": de 
acordo com a necessidade e os estímulos, esto-
ques de células não utilizadas rotineiramente são 
descartados, assim como novas ligações são for-
madas e fortalecidas. Os neurônios desenvolvem 
longos prolongamentos, tomam contato uns com 
os outros por meio das sinapses e criam redes 
de comunicação que processam informações de 
forma cada vez mais rotineira. 
Pesquisas com animais indicam que princi-
palmente o hipocampo, que funciona como uma 
central de aprendizagem e memória, é a área que 
mais tira proveito da melhor circulação sanguínea 
no cérebro e da produção desse "hardware" neu-
ronal. Um estudo realizado por pesquisadores da 
Universidade de Xangai com ratos de 5 semanas 
de idade e publicado em 2008 indicou que exer-
dcios como caminhada moderada influenciam 
principalmente o giro dentado, um importante 
segmento do hipocampo. Uma quantidade ele-
vada de substâncias mensageiras, como o fator 
de crescimento vascular (VGF, na sigla vascular 
growth factor} e o fator neurotrófico derivado do 
encéfalo (BDN F, brain derived neurotrophic facto r}, 
levou ao processo denominado neurogênese, 
que nada mais é que o crescimento de novas 
33 
células neurais. Porém, o exagero dessa atividadebenéfica teve efeito limitante: com excesso de 
corrida, a função construtora no cérebro dos 
roedores recrudescia. 
Surgem, no entanto, questões inevitáveis: 
informações obtidas com animais podem ser 
transferidas para seres humanos? Será que o exer-
dcio é bom para crianças apenas porque o córtex 
de "ratos esportistas" é mais grosso e tem melhor 
circulação sangurnea? Os processos cerebrais 
são, em prind pio, os mesmos em roedores e hu-
manos. Portanto, parece óbvio que mecanismos 
semelhantes desencadeiem resultados similares. 
No caso de pessoas, no entanto, acrescentam-se 
inúmeros aspectos emocionais e interpessoais. 
Se no infcio da vida é crucial o desenvolvi-
mento do repertório motor, da linguagem e do 
pensamento, com o passar do tempo surgem 
outras prioridades, como adquirir competências 
Flexibilidade nas células neurais 
sociais, testar os próprios limites e construir a 
autoconfiança por meio de vivências bem su-
cedidas. Isso pode ser facil itado pelo exercício. 
Vários estudos já comprovaram que a ativi-
dade física eleva a sensação de bem-estar. Em 
um trabalho recente, a pesquisadora Karen Petty, 
colega de Tomporowski, comparou, por meio de 
questionário, a autoestima e o estado de espírito 
de adolescentes com sobrepeso antes e depois de 
um programa de treinamento de várias semanas. 
Resultado: ao final, os participantes se mostravam 
mais animados, satisfeitos consigo mesmos e 
com uma autoimagem mais positiva. 
Karen ressalta, porém, que não se trata apenas 
de criar condições favoráveis ao desenvolvimento 
neuronal por meio da atividade física. Na ver-
dade, o exerdcio e as experiências associadas a 
ele influenciam posturas e hábitos que afetam o 
caminho a ser seguido na vida. Por isso, a diversão 
EFEITOS SOBRE O CENTRO DA MEMÓRIA 
O hipocampo, aqui representado em corte, é certamente a 
região mais bem estudada do córtex cerebral. Ele indui, 
entre outras coisas, o como de Ammon (amarelo-claro 
e escuro), curvado em espiral, e o giro dentado 
(azul). Os neurônios, que aparecem entrelaçados, 
podem gravar as informações que chegam 
a longo prazo. Para tanto, formaram-se 
mecanismos específicos que desenca-
deiam rápidas alterações plásticas nas 
células neurais. Atividades fisicas 
regulares aumentam a flexibi-
lidade necessária para essas 
mudanças anatamicas. 
deveria estar em primeiro lugar: uma atividade 
escolhida por vontade própria e divertida que gere 
experiências de sucesso. Isso estimula crianças 
efetivamente. A natureza já cuida para que isso 
ocorra, na medida em que provê os pequenos com 
uma intensa tendência natural ao exercício. Tudo 
depende apenas de que nós não as refreemos. O 
deslocamento das prioridades pessoais - estu-
do, trabalho, relacionamentos e famnia - quase 
sempre deixa a atividade ftsica em segundo plano 
na idade adulta. Em outras palavras: as pessoas 
têm menos tempo e muitas vezes se acomodam, 
preferem ir aos lugares de carro em vez de bici-
cleta e usam o tempo livre para namorar, resolver 
questões de trabalho ou ficar com os filhos em 
vez de se exercitar. Frequentar academias, por 
exemplo, exige abertura de espaço na agenda- e 
boa dose de determinação. Muitas vezes, porém, 
simplesmente não há tempo para entrar em forma. 
O treino eleva Se perguntamos a adultos por que deveriam 
(pelo menos teoricamente) se exercitar, rece-
bemos respostas que levam em conta "meios 
para atingir o fim desejado": ajuda a emagrecer, 
manter a saúde, ter uma "válvula de escape" 
após um duro dia de trabalho. De fato, estudos 
comprovam que a prática regular de atividade 
ftsica ajuda a combater o estresse e a aliviar a 
sobrecarga emocional. 
a concentração 
de triptofano, 
que melhora 
a recaptação 
de serotonina, 
diminuindo 
os efeitos da 
depressão, 
estimulando a 
sensação de 
bem-estar 
Por que isso acontece? Motivo número um: 
treinamento regular reduz o nfvel do hormônio 
do estresse, cortisol, que é liberado em razão da 
sobrecarga da hipófise. Essa reação faz com que 
o organismo seja imediatamente abastecido com 
energia adicional, mas a longo prazo isso prejudica 
as células cerebrais. A atividade nsica funciona aqui 
de forma "neuroprotetora" dos efeitos do cortisol. 
Capilares cerebrais 
A FONTE DA JUVENTUDE FICA NA CABEÇA 
O exerdcio leva a uma melhor circulação sangufnea não 
apenas nos músculos, mas também no tecido nervoso. Os 
mais finos vasos sangufneos, os capilares cerebrais, atraves-
sam o hipocampo e proveem os neurônios com nutrientes. 
O volume e a ramificação aumentam com a atividade fisica, 
podendo surgir novos vasos (angiogênese). Por meio da ativa-
çlo e desativaçlo de genes, ou seja, os planos de construção 
gravados no núcleo celular para substâncias mensageiras e 
estruturas celulares, o exerdcio também estimula a cons-
trução de novos hardwares (neurogênese). Esse processo é 
coordenado pelas moléculas de crescimento VGF (fator de 
crescimento vascular), BDNF (fator neurotrófico derivado do 
encéfalo) e IGF (fator de crescimento insulina sfmile). 
Segundo: o exerdcio eleva a concentração de 
triptofano no cérebro. Essa substância é um pre-
Transmissor Botão sináptico 
MAIS PLASTICIDADE SINÁPTICA 
O aprendizado e a memória têm como base a transmissão 
de sinais nas sinapses, os minúsculos pontos de conexão 
entre os neurônios. Um rápido aumento das moléculas 
receptoras na membrana celular toma mais fácil estimular 
a célula receptora por meio de transmissores qufmicos. Se 
um neurônio recebe muitas mensagens de seus vizinhos em 
um curto intervalo, então sua sensibilidade aumenta. Isso é 
denominado por pesquisadores potenciação de longo prazo 
(LTP, de long-term potenciation). Os exercfcios estimulam 
esses processos. Além disso, substâncias anti-inflamatórias 
protegem as células de prejufzos que possam surgir no de-
correr do processo metabólico. Consequência: os neurônios 
continuam funcionando por mais tempo. 
I 
l 
f 
I 
lii -
J 
35 
cursor do neurotransmissor serotonina que favo-
rece o processamento das emoções. Em pessoas 
depressivas, o nível de serotonina e a neurogênese 
são bastante reduzidos. Médicos tentam com-
pensar essa situação por meio da administração 
de inibidores de recaptação de serotonina (SSRI). 
Esses medicamentos fazem com que haja maior 
quantidade disponível do neurotransmissor nos 
contatos sinápticos das células neurais. 
Terceiro: durante a atividade física, opioides 
endógenos (do próprio corpo) estimulam o 
centro de compensação no mesencéfalo. É 
provável que seja a causa do runner's high, fre-
quentemente relatado por esportistas assíduos 
- um sentimento de bem-estar experimentado 
durante o treino. Esse componente emocional da 
atividade física é hoje utilizado com sucesso no 
tratamento de distúrbios psíquicos. Em um es-
tudo de 2007, coordenado pelo psiquiatra James 
Blumenthal, da Universidade Duke em Durham, 
na Carolina do Norte, por exemplo, mais de 200 
pacientes com diagnóstico de depressão foram 
separados em três grupos. Os integrantes do 
primeiro foram instruídos a realizar exercícios 
regulares para melhorar a resistência; o segundo 
foi tratado com sertralina, inibidor seletivo de 
recaptação de serotonina, e o terceiro recebeu 
placebo. Quatro meses mais tarde, metade 
dos voluntários que faziam exercícios regulares 
apresentou melhoras tão efetivas quanto os que 
receberam tratamento medicamentoso. No gru-
po que recebeu placebo ocorreu um fato curioso: 
um terço dos pacientes teve sintomas clínicos 
atenuados num primeiro momento. 
Como nenhum outro estudo confirma esse 
efeito benéfico, os cientistas tentam encontrar 
36 I mentecerebro I 7 segredos do chebro saudável 
ESPORTISTAS ASSIDUOS 
costumam experimentar 
sentimentos de bem-estar 
durante a prática 
explicação por meio de outras análises, incor-
porando os resultados de vários trabalhos. Um 
dos mais recentes estudos comparativos desse 
tipo foi publicado por especialistas em saúde 
coordenados por Gillian Mead, da Universidade 
de Edimburgo. Após a avaliaçãode 25 estudos 
com mais de 900 participantes, os pesquisado-
res perceberam o alto potencial antidepressivo 
dos exercícios de resistência. No entanto, se 
forem utilizados padrões metódicos muito 
~ severos, o efeito desaparecerá. Assim, seria ! necessário que os participantes não soubessem 
I se pertencem ao grupo de controle ou ao de 
G tratamento. Naturalmente, esse tipo de teste 
cego é praticamente impossível em programas 
esportivos. Não se sabe também qual o papel 
desempenhado pelo apoio social mútuo, já que 
quando a pessoa corre, faz exercícios ou anda 
de bicicleta em grupo termina por desenvolver 
laços que podem influir em seu humor. 
De maneira geral, a atividade física parece 
bastante adequada no caso de uma leve tendência 
à depressão ou de uma inquietação ansiosa. Mas 
quando há sintomas graves e causas profundas, 
como um trauma, somente o exercício não é 
suficiente. O estudo já citado desenvolvido por 
Karen Petty com jovens com sobrepeso nos leva 
a supor a mesma coisa. A porção extra de esporte 
fortaleceu a autoestima de participantes brancos 
mas o mesmo não ocorreu com os americanos de 
ascendência africana! Nestes últimos, o desânimo 
aparentemente não apenas tinha raízes na insatis-
fação com a própria aparência, mas estava ligado 
a questões mais amplas, como a discriminação e 
marginalização social. 
EPIGENÉTICA E CURA 
No caso de quadros de ansiedade e depressão a 
prática esportiva favorece a recuperação do con-
trole sobre a própria vida, ajuda a pessoa a voltar a 
fazer algo por si mesma e a desfrutar de um lugar 
no grupo de treinamento. E, ao que tudo indica, 
a prática regular diminui o risco de recaídas. Dez 
meses após o término do programa esportivo 
do estudo de Blumenthal, menos participantes 
retomaram o tratamento, em comparação com o 
grupo que recebeu medicamentos. Isso ocorreu 
principalmente quando os pacientes continuaram 
se exercitando de maneira regular depois do fim 
do experimento. 
No entanto, independentemente das condi-
ções psíquicas, os efeitos positivos do exerdcio 
podem ser comprovados. A palavra mágica é 
"epigenética". Ela designa o complexo processo 
no interior das células que determina qual infor-
mação genética será lida em que momento e 
transformada em novas proteínas e substâncias 
mensageiras. Essas modulações genéticas tam-
bém ajudam a determinar se- e quantos - novos 
receptores, ligações sinápticas e neurônios devem 
surgir, inclusive no cérebro saudável. 
Hoje se sabe que a atividade flsica influencia a 
ativação e desativação de mais de 500 genes. Isso 
foi demonstrado pelos pesquisadores )ames Tim-
mons e Carl Sundberg, do Instituto Karolinska, de 
Estocolmo, quando eles "receitaram" exerdcios 
ergométricos a um grupo de homens jovens. 
A diversão 
deve estar em 
primeiro lugar: 
é importante 
que a atividade 
física seja 
escolhida por 
vontade própria 
e associada 
ao prazer e ao 
sucesso 
O neurobiólogo molecular Jeff Lichtman, da 
Universidade Harvard, comprovou em 1999 a 
rapidez com que alterações neuronais podem 
ocorrer. O pesquisador injetou uma tinta especial 
fluorescente no tecido intacto de cobaias, e assim 
puderam ser marcadas moléculas receptoras na 
membrana de células neurais e musculares às 
quais se conecta a acetilcolina, uma substância 
mensageira que transmite ordens de movimenta-
ção para as junções sinápticas, os locais de ligação 
entre o nervo e o músculo. O cientista esperava 
que uma estimulação artificial das transmissões 
de sinais levasse a alterações após alguns dias 
ou semanas, mas a densidade dos receptores 
aumentou muito após poucas horas. 
Em outro estudo, um grupo coordenado pela 
médica Ana Pereira, da Universidade Colúmbia, 
em Nova York, selecionou voluntários saudáveis 
com idade entre 21 e 45 anos com pouco contato 
com esportes. Após a realização de um teste de 
memória e de uma tomografia por ressonância 
magnética (TRM), iniciou-se o treinamento na 
esteira ou na bicicleta na academia da própria 
universidade quatro vezes por semana, durante 
uma hora, por três meses. Depois desse período, 
os candidatos repetiram os testes de memória e 
resistência flsica, assim como o exame do cére-
bro. O hipocampo, importante para a capacidade 
mnemônica, passou a ter melhor circulação san-
guínea, e os afetados tiveram pontuação mais alta 
nos experimentos de aprendizado. 
COMBATE À DEMÊNCIA 
É preciso reconhecer, porém, que isso nem sem-
pre ocorre: muitas vezes, a atividade flsica não 
eleva o desempenho cognitivo de jovens adultos. 
Cérebros que trabalham "no limite" raramente 
podem ser ainda mais acelerados. Na idade 
adulta média, as pessoas tiram menos proveito 
Vale movimentar-se em pensamento 
Não está com vontade de praticar esporte? Não faz mal: 
simplesmente imaginei Apenas isso já pode aumentar a 
força muscular. Pelo menos é o que garantem pesquisadores 
da Clínica Cleveland, em Ohio, nos Estados Unidos. O 
médico Vinoth Ranganathan e seus colegas pediram a 30 
adultos saudáveis que mentalizassem da forma mais intensa 
e detalhada possível o curvar do dedo mínimo de uma 
das mãos. Após treinamento de 15 minutos diários, cinco 
dias por semana, durante 12 semanas, a força muscular 
do dedo "mentalizado" dos atletas mentais aumentou em 
aproximadamente 35%. Tomografias demonstraram que 
áreas do cérebro frontal que preparam os movimentos se 
tomaram mais ativas. Aparentemente, o aumento da força 
deveu-se a uma linha direta entre o cérebro e os músculos. 
37 
direto das boas condições neuronais. Nesse caso, 
o que faz diferença é o fortalecimento da saúde 
fisica e psíquica. Nessa fase é mais saudável evitar 
a exigência excessiva consigo mesmo devido à 
ambição esportiva exagerada. 
A Organização Mundial da Saúde (OMS) esti-
ma que só no Brasil 1 milhão de pessoas sofrem 
de demência por Alzheimer. Devido ao envelheci-
mento da população e ao aumento da estimativa 
do tempo de vida, esse número deve crescer muito 
nos próximos anos. Até 2050, a porcentagem de 
homens e mulheres com mais de 60 anos na 
população deve dobrar. O problema é que, nesse 
último terço de vida, a probabilidade de uma pes-
soa adoecer de Alzheimer se eleva imensamente. 
No entanto, o risco pode ser reduzido por 
meio de um estilo de vida ativo. Ao lado da al i-
mentação saudável e do estímulo da rede de re-
lacionamentos, os exercícios fisicos parecem 
ser a prática mais adequada para manter 
a capacidade cognitiva por mais tempo. 
O pesquisador Eric Larson, da Univer-
sidade de Washington em Seattle, por 
exemplo, demonstrou que esportistas 
adoecem mais raramente de Alzhei-
mer. Ele estudou 1.740 homens e 
mulheres com mais de 65 anos. No 
início da investigação de longo pra-
zo, todos os participantes não apenas 
estavam saudáveis, mas apresentavam 
altos resultados para a faixa etária no teste 
de inteligência Cognitive Ability Screening 
lnstrument (CASI). Os médicos exa-
gostam de se exercitar e outros mais ociosos 
apontam na mesma direção: os ativos têm me-
lhores resultados em quesitos como atenção, 
memória e capacidade intelectual: conseguem 
memorizar mais informações, as processam 
melhor e demoram mais a se cansar. 
No entanto, ainda há uma questão a ser 
resolvida. Pessoas bem ou mal condicionadas 
provavelmente se diferenciam também em ou-
tros pontos. Talvez as primeiras tenham, já por 
princípio, hábitos mais saudáveis e se alimentem 
melhor. Mesmo que isso seja verdade, não se 
pode desprezar o efeito do bom condicionamento. 
Que o exercício protege contra infartos, diabetes 
ou mesmo osteoporose, já se sabe há muito. E 
quem está em melhores condições fisicas também 
não sofre um declínio mental tão rápido. 
Pesquisadores querem saber, porém, se 
o exercício na velhice também tem efeito 
direto sobre o cérebro. Uma pessoa 
saudável que chega aos 90 anos já 
perdeu até 200/6 dos neurônios que 
possuía quando jovem. No entan-
to, novas células neurais surgem 
ininterruptamente - só no hipo-
campo estima-se que apareçam 
vários milhares por dia. Ou seja:o 
cérebro em envelhecimento passa 
por constante transformação. 
O especialista em biomedicina Stan-
ley Colcombe e colegas da Universidade 
de lllinois em Urbana-Champaign, compro-
minavam os voluntários a cada dois 
anos, avaliando sinais de demência c;~~~-.:=:::::::::::;===i. 
incipiente. Paralelamente, foram 
levantados o tipo de atividade nsica 
varam isso em um estudo em 2006. Os 
pesquisadores dividiram, por sorteio, 59 
idosos saudáveis entre 60 e 79 anos em 
três grupos: o primeiro passou por um 
treinamento cardiovascular; o segundo realizou 
exercícios de alongamento; e o terceiro, um pro-
grama de relaxamento. Todos os participantes trei-
naram três vezes por semana durante seis meses 
e, antes e depois desse período, tiveram o cérebro 
examinado no laboratório. Ficou demonstrado 
que o volume do lobo frontal, assim como o do 
temporal, cresceu após os exercícios de resistência. 
Como isso ocorreu exatamente é dincil de estudar 
em seres humanos. Para esclarecer a questão, os 
pesquisadores recorrem ao modelo animal. 
que praticavam e a frequência com que o faziam, 
além de dados sobre o estado geral de saúde, a 
condição psíquica, hobbies etc. 
Após seis anos, 158 sujeitos estavam demen-
tes e 107 tinham diagnóstico de Alzheimer. O 
índice dos doentes entre aqueles que exerciam 
atividades físicas três vezes por semana ou mais 
estava em 13 por 1.000, uma proporção mais 
baixa que o valor de praticamente 20 entre os 
inativos. O esporte reduziu especialmente o risco 
de demência entre aqueles que haviam apresen-
tado as piores condições nsicas antes do início 
do treinamento. 
Várias dessas comparações entre os que 
38 I mentecerebro I 7 segredos elo chebro saudável 
ESTÍMULOS LÚDICOS 
tornam cobaias mais 
espertas 
O grupo de trabalho coordenado por Fred i 
Gage e Henriette van Praag, do Instituto Salk ~ 
em La Jolla, na Califórnia, forneceu informações i 
inéditas sobre a neurogênese em idade avançada. o 
Os neurobiólogos treinaram ratos de 19 meses 
durante várias semanas com rodas de exerdcios. 
Depois, os animais idosos foram submetidos ao 
''water maze test" - um experimento para avaliar a 
memória no qual eles nadam dentro de uma bacia 
d'água e devem se lembrar do local onde está uma 
plataforma que pode salvá-los. E vejam só: os ve-
lhinhos esportistas conseguiram cumprir a tarefa 
melhor do que os roedores sedentários da mesma 
idade. Além disso, o índice de neurogênese nos 
animais treinados era apenas pouco menor do 
que o de cobaias jovens. Aparentemente, a perda 
de hardware neuronal com a idade pode ser, em 
parte, compensada. 
"O desenvolvimento do cérebro dura a vida 
inteira", confirma o pesquisador da neurogênese 
Gerd Kempermann, da Universidade Técnica de 
Dresden. No final dos anos 90, ele descobriu 
junto com Henriette e Gage que a atividade física 
estimula o crescimento de neurônios também 
em adultos. Os pesquisadores Charles Cotman 
e Nicole Berchtold, da Universidade da Califórnia 
em lrvine, descobriram as causas moleculares: 
camundongos que corriam assiduamente na 
roda produziam mais um importante fator de 
crescimento neuronal (BDNF). E após um des-
canso de vários dias os animais voltavam a atingir 
rapidamente o nível que os seus semelhantes 
não treinados só conquistavam por meio de um 
programa de corrida de semanas. 
Mas o que acontece no caso da demência já 
presente? Será que o declínio intelectual pode 
ser refreado pelo exercício? Isso foi estudado em 
2005 por um grupo coordenado por Paul Adlard, 
também da Universidade da Califórnia, em ca-
mundongos geneticamente alterados. Os animais 
foram induzidos artificialmente a desenvolver um 
problema genético que causa redução das células 
EM SEGUNDO PLANO: 
por falta de tempo, muitos 
se acomodam e preferem 
se locomover de carro em 
vez de usar bicicleta 
PARA SABER MAIS 
Exerci se effects on depressi· 
ve symptoms and self..worth 
in overweight children: a 
randomized controlled trial. 
H. Petty et a/., emjoumal of 
Pediatric Psychology (on-li· 
ne), 16 de fevereiro de 2009. 
Exercise and children's inteUi· 
gence, cognition, and acade-
mic achievemenl Burkhard 
Bilger, em New Yorlcer, pág. 
40, 22 de maio de 2006. P. O. 
Tomporowski et a/. , em Edu-
cationa/ Psychology Review 
20 (2), págs. lll -13 1, 2008. 
neurais. A situação é semelhante à de pessoas 
com Alzheimer. Os pesquisadores dividiram os 
roedores doentes em dois grupos. A única dife-
rença é que em uma das gaiolas havia uma roda 
de exerdcios e na outra não. Após cinco meses, os 
animais que corriam apresentaram menos placas 
amiloides no córtex do lobo frontal e temporal do 
~ que os outros, da mesma idade, que estavam em 
j gaiolas comuns. No hipocampo foi encontrada 
- apenas metade dos emaranhados de proteínas 
~ que caracterizam a doença. 
~ No mesmo ano, pesquisadores da Univer-
G 
sidade de Ch icago comprovaram que camun-
dongos transgênicos com Alzheimer também 
tiravam proveito de "pequenas expedições" por 
ambientes estimulantes: eles saíam em "férias 
de aventuras" em uma ampla gaiola com roda 
de exerdcios, túneis coloridos e brinquedos, no 
início por três horas diárias e, após um mês, 
três vezes por semana. Os passeios retardaram 
consideravelmente o declínio do hipocampo. O 
estímulo aparentemente fortaleceu a capacidade 
do cérebro dos roedores de eliminar a perigosa 
beta-ami loide. Como demonstraram análises, as 
vias sinalizadoras epigenéticas foram responsá-
veis por isso: nos núcleos celulares dos neurônios, 
informações genéticas que estimulam processos 
de reparação e desenvolvimento de neurônios 
foram lidas com frequência. 
Os resultados estão de acordo com observa-
ções feitas em seres humanos. Stanley Colcombe 
e Arthur Kramer avaliaram em 2003 os resultados 
de 18 estudos relevantes. Segundo eles, o treina-
mento aeróbico melhora o desempenho cognitivo 
em adultos saudáveis com mais de 50 anos. 
O psicólogo Ulman Lindenberger, diretor do 
Instituto Max Planck de Pesquisas em Educação, 
de Berlim, porém, relativiza esses resultados. 
Segundo ele, quanto mais for divulgada a ide ia de 
que a demência não é fato do destino mas con-
sequência de um estilo de vida inadequado, mais 
provavelmente a culpa pela doença será atribuída 
à pessoa afetada. O especialista faz um alerta 
contra a estigmatização: "Não existe nenhum 
meio milagroso que proteja com certeza contra 
o declínio intelectual na velh ice". No entanto, 
parece que já está mais do que na hora de aplicar 
na prática o conhecimento científico para o bem 
do corpo e da mente. Afinal, o estudo do cérebro 
nunca nos deu tantos bons argumentos para 
começarmos a nos exercitar quanto agora. nec 
39 
MEXER O CORPO 
Atletas. 
E também 
inteligentes 
A CIÊNCIA AJUDA A QUEBRAR PRECONCEITOS AO 
REVELAR QUE APTIDÃO PARA ESPORTES NÃO É 
INCOMPATÍVEL COM HABILIDADE COGNITIVA: HOJE 
SE SABE QUE ATIVIDADE FÍSICA É FUNDAMENTAL 
PARA AUMENTAR OS NÍVEIS DAS PROTEÍNAS 
QUE CONSTITUEM A INFRAESTRUTURA NEURAL 
NECESSÁRIA PARA A APRENDIZAGEM 
I I por Steve Ayan 
D
urante muito tempo persistiu a ideia de que o mundo se dividia entre 
os esportistas-que malhavam o corpo e negligenciavam a mente-e 
os intelectualmente privilegiados- em geral avessos aos treinos. Ape-
sar dos frequentes relatos de que exerdcios regulares são benéficos 
para o cérebro adulto, a ideia de que quem se destaca na atividade física tem 
menos inclinação para atividades intelectuais ainda permanece entre pais e até 
entre educadores. O artilheiro do time da escola é visto quase como contraponto 
do campeão da olimpfada de matemática, como se aptidão física se opusesse a 
cognição (e vice-versa). Para muitos adultos, deixar as crianças correr ou jogar 
bola pode parecer uma espécie de alienação ao mundo do aprendizado ou, na 
~ ~ melhor das hipóteses, mera diversão. 
E É comum que desde a pré-escola os professores estimulem as crianças a ficar 
f sentadas em vez de se movimentar-aliás, quanto mais quietos e "comportados" 
~ forem os pequenos, mais fácil pareceser controlá-los. Muitas escolas chegaram 
~ a eliminar aulas de educação física para dar mais espaço para áreas básicas do 
4 ensino fundamental como leitura, escrita e matemática. E quando as notas dos 
~ alunos em provas padronizadas (como Fuvest e E nem) são supervalorizadas pelos 
! pais e pelas instituições, educadores podem se sentir pressionados a incentivar 
~ os alunos para atividades intelectuais- afastando-os das práticas esportivas. 
40 I rnentecérebro I 7 segredos do cérebro saudável 
O AUTOR 
É psicólogo e editor de textos científicos. 
41 
Pesquisas sugerem, no entanto, que essa for-
ma de pensar é equivocada. O tempo gasto em 
passeios ao ar livre, corrida ou participação em 
esportes coletivos ajuda as crianças a se concen-
trar e melhora seu desempenho em sala de aula. 
Estudos recentes relacionaram o desempenho 
cognitivo dos alunos com parâmetros de ativida-
des flsicas como capacidade aeróbica (cardfaca, 
pulmonar e dos vasos sangufneos), de responder 
a exerdcios flsicos intensivos e com o fndice de 
massa corporal (IMq, que associa peso a altura. 
E o mais importante: envolver as crianças em 
programas de exerdcios parece ajudá-las a se sair 
bem na escola, já que os treinos flsicos expandem 
habilidades mentais, estimulando a formação de 
novas conexões entre as células cerebrais. 
DA AGILIDADE À COMPETÊNCIA 
Em adultos, exerdcios aeróbicos regulares estão 
associados à melhoria da capacidade intelectual 
e, com o passar do tempo, a uma taxa mais baixa 
de dedfnio cognitivo - e até mesmo à redução 
no risco de demência. Também há muito tempo 
a psicologia do desenvolvimento sugere que 
entre 2 e 5 anos existe forte correlação entre 
crescimento frsico e mental. Nessa idade é 
importante incentivar a habilidade de manusear 
brinquedos e objetos do cotidiano. Nessa faixa 
etária é desenvolvida a base para o conhecimento 
do mundo real. Ao montarem blocos ou mani-
pularem ferramentas as crianças aprendem leis 
básicas da ffsica: quando a pilha de peças está 
torta, por exemplo, a torre desaba; se deixar cair 
42 I mentechebro I 7 segredos do cérebro saud.tvel 
MONTAR BLOCOS 
permite que os pequenos 
coloquem em plitica as 
leis básicas da fisica e 
ampliem sua compreensllo 
do mundo 
um martelo no pé ou prender o dedo na gaveta 
a pessoa sentirá dor. 
Embora os benefícios cognitivos dessa 
manipulação sejam bem conhecidos, somente 
na última década os cientistas começaram a 
perceber correlação mais estreita entre atividade 
flsica mais vigorosa e habilidades intelectuais em 
crianças. O psicólogo Charles H. Hillman, da 
Universidade de lllinois, e seus colegas examina-
ram resultados de pesquisas sobre exerdcios e 
cognição, tomando por base estudos publicados 
desde a década de 90. O trabalho incluiu 12 inves-
tigações sobre crianças e adolescentes, a maioria 
mostrando que altos níveis de aptidão flsica (mas 
não de força muscular ou flexibilidade) estavam 
vinculados ao melhor desempenho escolar. Em 
outras palavras, quanto mais fisicamente apto o 
jovem, maior a probabilidade de ele obter boas 
notas -uma relação que vale desde a pré-escola 
até a universidade. 
O grupo liderado pela pesquisadora da área 
da educação DariaM. Castelli, na época também 
da Universidade de lllinois, avaliou a aptidão 
flsica de 259 alunos da 3• à 5• série pelo IMC e 
solicitou a cada um que realizasse uma prova de 
corrida e um teste de força muscular. Os pesqui-
sadores observaram que o desempenho médio 
nos testes de matemática e de leitura estava 
diretamente relacionado à capacidade aeróbica 
dos pequenos voluntários, isto é, à distância que 
conseguiam correr. 
O grupo liderado pelo neurocientista Hans 
Georg Kuhn, da Universidade de Gotemburgo, na 
Suécia, descobriu recentemente a relação entre 
capacidade aeróbica e coeficiente de inteligência 
(QI) em adolescentes. Em estudo publicado em 
novembro de 2009, os cientistas analisaram o 
desempenho de mais de 1 milhão de jovens do 
sexo masculino em testes de aptidão ffsica e 
de inteligência realizados quando se alistaram 
no serviço militar, aos 18 anos. Mais uma vez, 
os resultados indicaram que, de maneira geral, 
a capacidade cardiovascular (mas não a força 
muscular) estava vinculada à inteligência. E 
depois de explorar outras bases de dados na 
Suécia, os pesquisadores descobriram que ; 
:; 
uma boa condição física aos 18 anos estava ~ 
relacionada a um alto nfvel de erudição no ~ 
" decorrer da vida. l: 
~ 
Em 2010, o psicólogo Christian Roberts, da ~ 
Universidade da Califórnia em Los Angeles, e ~ 
seus colaboradores reforçaram a ideia de que 
o condicionamento físico e o sucesso escolar 
andam juntos. Os pesquisadores testaram a 
competência atlética de 1.989 alunos da s•, 7• 
e 9• séries de escolas da Califórnia medindo 
a velocidade com que conseguiam correr (ou 
caminhar) 1,5 km e seu IMC. Inter-relacionando 
essas variáveis de aptidão física com as notas 
dos alunos em provas padronizadas, os pesqui-
sadores constataram que os estudantes mais 
lentos, cujos tempos de corrida/caminhada 
foram superiores aos padrões da Califórnia- ou 
que apresentavam I MCs acima das diretrizes 
nacionais-, tiraram notas mais baixas nas pro-
vas de matemática, leitura e linguagem que os 
alunos com níveis de aptidão ffsica mais altos, 
mesmo entre crianças cujos pais tinham nfvel de 
escolaridade similar. 
LINGUAGEM E FUTEBOL 
Pesquisadores alertam, porém, que embora as 
correlações entre exercício e desempenho escolar 
sejam fortes, elas não significam necessariamen-
te que a atividade física leva ao aprimoramento 
cognitivo: elas podem simplesmente indicar 
que os pais que estimulam os filhos a praticar 
esportes são também aqueles que exigem deles 
melhor desempenho escolar. Mais que serem 
atletas, ter pais comprometidos pode explicar o 
desempenho escolar dos filhos. 
Para determinar se os exerdcios frsicos 
provocam um efeito direto na capacidade de 
~ raciodnio, foram realizados estudos de inter-a s venção nos quais os pesquisadores adicionaram 
% práticas esportivas às atividades diárias das 
§ crianças e avaliaram seu impacto na aprendiza-
: gem, memória e capacidade de concentração. 
~ Várias dessas pesquisas revelaram que um 
~ condicionamento físico adicional pode melhorar 
§ as notas nas provas e o desempenho escolar em 
~ geral. Em 2008, o cinesiologista (especialista 
ª na análise dos movimentos do corpo humano) 
g Phillip D. Tomporowski, da Universidade da 
: Geórgia, analisou resultados de 12 grupos de 
~ 
2 pesquisa que inscreveram crianças em progra-
~ 
~ mas de exerdcios que duravam de 20 dias a seis 
~ meses. Tomporowksi concluiu que aumentar a 
~ movimentação das crianças pode estimular a 
~ 
~ inteligência, melhorar a criatividade e habilidades 
i de planejamento e aperfeiçoar o desempenho 
~ em matemática e leitura (com base em medi-
Exercícios físicos 
expandem as 
habilidades 
mentais, 
estimulando a 
formação de 
novas conexões 
entre as células 
cerebrais 
das-padrão desses caracteres e habilidades). 
Num trabalho de revisão de 17 estudos (7 
deles envolviam maior participação de meninos 
e meninas em exercícios) , os pesquisadores da 
área da saúde François Trudeau, da Universidade 
de Québec, e Roy J. Shephard, da Universidade 
de Toronto, ambas no Canadá, conclufram que 
incluir até uma hora de atividades físicas por 
dia na grade curricular não prejudica as metas 
escolares. Ao contrário: o aumento de exercícios 
muitas vezes melhora o desempenho escolar, 
apesar do tempo descontado das aulas de leitura, 
linguagem e matemática. 
Alguns pesquisadores sugerem que exerdcios 
ffsicos podem ser benéficos para o desempenho 
escolar, basicamente, por estimular um conjunto 
específico de funções cognitivas. Muitas delas en-
contram-se sob a denominação geral de funções 
executivas -capacidade de planejar e conduzir 
ações. No âmbito da sala de aula, habilidades 
executivas ajudam os alunos a prestar atenção, 
decidir quando tomar nota ou fazer perguntas e 
organizar o dever de casa. Acredita-setambém 
que participar de atividades físicas expande a 
memória de trabalho (capacidade de gravar itens 
como números e palavras durante um período 
suficiente para manipu lá-los mentalmente). Es-
tudos têm mostrado que os exerdcios produzem 
um efeito menor - ou em alguns casos absolu-
tamente nenhum - em habilidades perceptivas 
como reconhecimento de objetos, fluência em 
idiomas e capacidade de visualizar e manipular 
mentalmente objetos ou espaços. 
43 
Porém, as crianças precisam ultrapassar um 
limite mfnimo de esforço para poder aproveitar 
as vantagens dos exerdcios físicos. A psicóloga 
Catherine L Davis, pesquisadora da Universida-
de da Geórgia, juntamente com Tomporowski e 
colegas inscreveram aleatoriamente 94 meninos 
e meninas acima do peso entre 7 e 11 anos 
num programa de atividade por períodos de 
20 ou 40 minutos de exerdcios aeróbicos como 
correr e pular corda, cinco vezes por semana. 
Antes e depois de 15 semanas do programa, os 
voluntários realizaram uma prova padronizada 
que media sua capacidade de planejar, prestar 
atenção e processar informação. As crianças 
que estavam no programa de 40 minutos 
melhoraram significativamente no item plane-
jamento, mas as inscritas no programa de 20 
minutos -como aquelas que não se envolveram 
em nenhuma atividade - não melhoraram em 
nenhum item avaliado. 
ARQUITETURA DA MEMÓRIA 
Os cientistas ainda não sabem exatamente quan-
to e que tipo de exercício aeróbico - esportes 
em grupo, corridas ou andar de bicicleta- afeta 
mais o desenvolvimento intelectual. Os 
estudos diferem muito nos tipos de ati-
vidade física que medem ou solicitam, e 
pode ser que qualquer tipo de atividade 
que estimule o coração seja válido. Apa-
rentemente, exercícios que envolvem 
esportes organizados, prática de jogos 
em equipe e de estratégias de jogo podem 
ser responsáveis por alguns efeitos em 
funções executivas. Em geral, crianças na 
extremidade inferior da escala de desem-
penho tanto físico quanto cognitivo têm 
maior probabilidade de se beneficiar da 
prática de exerdcios que aquelas que são 
razoavelmente competentes em sala de 
aula e na quadra. 
Além dos exercícios regulares, curtos 
perfodos de movimentação podem me-
lhorar a concentração das crianças. Há 
alguns anos, o pesquisador em educação 
Matthew T. Mahar, da Universidade da Ca-
rolina do Norte, relatou ter concedido a 243 
alunos de 3• e 4• séries uma pausa de 10 
a 20 minutos durante o perfodo de aulas. 
Os professores pediram às crianças que se 
levantassem e praticassem atividades agi-
44 I mentecérebro I 7 segredos do cé-ebro saudável 
Porvo~a dos 
18 anos/ uma 
pessoa com bom 
condicionamento 
costuma ter 
mais chances 
de atingir alto 
nível de erudição 
no futuro 
tadas como bater palmas, saltar, bater os pés e fa. 
zer outros movimentos. A prática foi mantida por 
um período médio de seis semanas. Avaliadores 
treinados observaram os pequenos antes, durante 
e depois medindo seu comportamento durante 
atividades escolares como concentrar-se nas 
instruções do professor e participar de discussões 
em classe. Os pesquisadores descobriram que a 
participação no programa tornou os estudantes 
em média 8% mais atentos às tarefas durante as 
explicações. Alunos mais distrafdos melhoraram 
os períodos de atenção em 200;6. Assim, não só 
mudanças permanentes na aptidão nsica favorece-
ramo desempenho, mas simplesmente o fato de 
dar às crianças a oportunidade de se movimentar 
durante o período de aulas melhorou sua capaci-
dade de aprendizagem. 
Embora os cientistas ainda não saibam exa-
tamente por que os exerdcios físicos beneficiam 
o cérebro, estudos com animais sugerem que a 
atividade nsica pode estimular o crescimento de 
neurônios em regiões do cérebro importantes 
para memória e funções executivas. Investiga-
ções realizadas nos anos 70 mostraram que 
ratos criados em gaiolas espaçosas dotadas de 
brinquedos, galhos para escalar e outros 
objetos para estimulá-los física e mental-
mente desenvolveram um córtex cerebral 
mais espesso. Essa é justamente a área do 
cérebro que controla raciocínios mais ela-
borados e tomadas de decisão (entre várias 
outras funções). Ratos que apresentaram 
essas mudanças cerebrais tiveram melhor 
desempenho em tarefas de memorização 
que outros roedores, criados em gaiolas me-
nores e vazias. Os animais desses estudos 
foram beneficiados tanto pelo esforço físico 
como pelo estimulo mental. No entanto, .. 
:i não há evidências sobre qual desses fatores " 
contribuiu (ou se ambos contribufram) para ~ 
as mudanças cognitivas. 
Nos últimos anos, os cientistas vêm des- ~ :;; 
cobrindo substâncias químicas específicas : 
z 
o 
PRÁTICA DE ESPORTES ACELERA O ~ 
CRESCIMENTO de células no hipocampo - área do J 
cérebro fundamentAl( para a memória. Injetando um z 
retrovírus em camundongos, cientistas induziram ~ s novos neur6nios a produzir uma protefna verde ;;; 
fluorescente. Quatro semanas depois, observaram ~ 
o aparecimento de mais células nos roedores que ~ 
corriam regularmente (acima) que em sedentários 
:;; 
(abaixo) 8 
no cérebro que podem melhorar a aptidão mental. 
Entre outros grupos de pesquisa, o da neurocien-
tista Henriette van Praag, do Instituto Nacional 
do Envelhecimento em Baltimore, descobriu que 
os exerdcios flsicos aumentam a quantidade de 
proteínas específicas que ajudam a construir a 
infraestrutura do cérebro para aprendizagem e 
memória em camundongos. Essas moléculas 
incluem o fator de crescimento endotelial (VEGF, 
na sigla em inglês) , que provê o crescimento dos 
vasos sanguíneos, e o fator neurotrófico derivado 
do cérebro (BDNF, na sigla em inglês), que faci-
lita o desenvolvimento de longos filamentos dos 
neurônios chamados axônios, que ligam uma 
célula à outra. Essa carpintaria biológica pode 
criar ou fortalecer grandes redes do cérebro que 
processam informação. 
Especificamente, a atividade física pode 
induzir essa construção numa parte do hi-
pocampo conhecida como giro denteado. O 
hipocampo geralmente está ligado a um painel 
de comando no cérebro que funciona em ope-
rações de memória, mantendo a unidade dos 
pensamentos para retê-los na mente. Num es-
tudo publicado em 2008, o neurobiólogo Shu-jie 
Lou e seus colegas da Universidade de Xangai 
treinaram ratos de 5 semanas, considerados 
jovens, para correr numa roda de exercícios 
na gaiola. (Um animal saudável pode correr 
facilmente vários quilômetros por dia.) Depois 
de uma semana, as células cerebrais no giro 
denteado desses ratos continham níveis mais 
altos de VEGF e BDNF e de outras moléculas 
que promovem o crescimento dos neurônios 
que células de áreas comparáveis do cérebro de 
ratos que não tinham corrido. Contudo, correr 
em excesso pode ser contraproducente: depois 
de correr na roda de exercício várias horas por 
dia durante uma semana, a concentração de 
fatores de crescimento neural no hipocampo 
diminuiu. Por isso, cargas extremas de exercício 
podem ser menos estimulantes intelectualmen-
te que atividade física mais moderada. 
Algumas evidências sugerem que, também 
em humanos, os fatores de crescimento neural 
aumentam depois de exercícios aeróbicos. A 
psiquiatra Cindy Law, da Universidade de Hong 
Kong, e colaboradores descobriram que subir 
escadas durante apenas 15 minutos aumen-
tava os níveis de BDNF no soro sanguíneo de 
16 voluntários. (Esses níveis normalmente são 
PARA SABER MAIS 
Mentes em movimento. 
Steve Ayan. Mente e Cérebro 
n• 211, págs. 36·45, agosto 
de 2010. 
Exercise and the brain: so-
mething to chew on. H. van 
Praag, em Trends in Neuro· 
·Science, vol. 32, n• 5, págs. 
283-290, 2009. 
Exercise and children's in· 
telligence, cognition, and 
academic achievement. P. D. 
Tomporowsk1 et a/., em Edu· 
catíona/ Psychology Review, 
vol. 20, n 2, págs. 111·131, 
junho de 2008. 
Be smart, exercise your 
heart: exercise effects on 
brain and cognition. C. H. 
Híllman, K.l. Eríckson e A. F. 
Kramer, em Nature Reviews 
Neuroscience, vol. 9, n' 1, 
págs. 58·65, janeiro de 2008. 
reduzidosem síndromes psiquiátricas como de-
pressão, nas quais o crescimento e a reconstru-
ção neural também são retardados, sugerindo 
que níveis no soro correspondem a níveis no 
cérebro.) Evidências indicam ainda que, exata-
mente como acontece com ratos, altas cargas 
de exercícios pesados podem ter o efeito oposto. 
Em outro estudo menos abrangente, realizado 
em 2008, a equipe do epidemiologista Shuzo 
Kumagai, da Universidade Kyushu, no Japão, 
observou uma diminuição na concentração de 
BDN F em 12 homens após praticarem ativi-
dades físicas, como corrida de longa distância 
ou partidas de tênis, por mais de 16 horas por 
semana durante mais de três anos, em relação 
a 14 homens sedentários. 
Naturalmente, nem todas as crianças po-
dem ser estrelas do esporte, e para ser bem-
sucedidas na escola precisam fazer os deveres 
de casa em vez de correr por horas seguidas. 
Mas estimulá-las a brincar, saltar e correr, 
principalmente quando estão com a agenda 
mais lotada, pode ser muito produtivo. Além 
de mais divertido. me.: 
45 
Nunca parar de 
desc 
--
ESTIMULAR A MENTE 
brir o mundo 
DuRANTE MUITOS ANOS CIENTISTAS E LEIGOS ACREDITARAM 
QUE O DECLfNIO MENTAL ERA INEVITÁVEL; HOJE SE SABE, 
PORÉM, QUE COM O PASSAR DO TEMPO ALGUMAS ÁREAS 
DO CÉREBRO TENDEM A FUNCIONAR ATÉ MELHOR- MAS 
PARA OBTER ESSE RESULTA DO É FUNDAMENTAL EXERCITAR 
.,..._,.__ O ÓRGÃO MAIS SOFISTICADO DO CORPO 
E
xercitar o cérebro faz bem. Cada 
vez mais estudos comprovam 
que o aprendizado estimula o 
cérebro a continuar funcionado 
bem por mais tempo, o que é fundamen-
tal, considerando que a expectativa de 
vida tem aumentado significativamente. 
Há apenas um século a média nos pafses 
desenvolvidos era de 47 anos e agora está 
em 78; dados do Instituto Brasileiro de 
Geografia e Estatfstica (IBGE) mostram 
que em três décadas o tempo médio de 
vida no pafs cresceu 11 anos. Por conta 
dessa mudança, a meia-idade tem sido 
reconhecida como um perfodo extrema-
mente produtivo. Talvez a melhor noticia 
nesse contexto seja a de que a maioria 
das funções cerebrais podem ser preser-
vadas por 80, 90 anos ou mais, principal-
mente se atitudes e hábitos contribufrem 
li por I ma CorrÊ , jornalista 
para que se mantenham saudáveis . 
E, ao contrário do que os cientistas 
(e as pessoas em geral) acreditavam, o 
envelhecimento não é, necessariamente, 
sinônimo de decadência. De fato algu-
mas funções, como a área da memória 
responsável por recordar nomes, entram 
em declfnio. Mas, ao mesmo tempo, a 
habilidade de formar jufzos mais exatos 
sobre as pessoas e situações relaciona-
das a finanças, por exemplo, fica mais 
aguçada. Isso acontece porque, com o 
passar do tempo, as redes neurais cons-
troem padrões de ligação que podem ser 
comparados a camadas entrelaçadas de 
conhecimentos que nos permitem aces-
sar instantaneamente as semelhanças 
entre situações e, na maioria dos casos, 
discerni-las com mais precisão do que 
terfamos na juventude. 
47 
Recentemente, com a comprovação de que 
neurônios continuam a surg1r até a me1a-1dade 
(um processo denommado neurogênese), mu -
tos conceitos sobre a dinâmica e a plasticidade 
neurológicas se transformaram. Descobertas a 
respeito da estrutura e das funções do cérebro 
também trouxeram perspectivas ammadoras. 
Hoje, por exemplo, sabemos sobre a Impor-
tância da mielina, um revestimento branco e 
gorduroso que, à medida que aumenta, esta-
belece conexões que nos aJudam a processar 
informações e a compreender o mundo que nos 
cerca. Esse acréscimo da massa branca talvez 
explique, do ponto de vista neurocientífico. o 
que muitos identificam como "sabedoria da 
meia-idade", uma vez que essa estrutura ajuda 
a entender de que modo o acúmulo de v1vênc1as 
altera anatomicamente o cérebro . Estudos reali-
zados nos últimos anos em centros de pesqu1sas 
de vários pafses têm mostrado que o cérebro 
de pessoas de meia-idade está mais para se 
adaptar a situações que, na JUVentude, poderiam 
ser consideradas intransponfveis pelo mesmo 
individuo. "À medida que envelhecemos, ele se 
torna mais ativo e áreas ma1ores são alocadas 
para solucionar problemas", afirma a JOrnalista 
Barbara Strauch em seu livro O melhorcérebro da 
Na meia-idade, 
aptidões 
cognitivas 
básicas ainda 
estão em alta e 
temos uma boa 
experiência, o 
que nos torna 
mais aptos 
para lidar com 
situações do 
cotidiano 
sua v1da (Zahar, 2011) . "Nesse momento, aque-
les que mais exercitam as aptidões cognitivas le-
vam vantagem: são elas que melhor conseguem 
"reaprender" a usar suas habilidades", ressalta 
a editora de ciência do The New York Times. Para 
escrever o livro, realizou uma extensa pesquisa 
sobre as pesquisas mais recentes nessa área. 
Pesqu isadores da Universidade Duke consta-
taram que, com o passar dos anos, as pessoas 
começam a usar de forma mais frequente os dois 
hem1sfénos cerebrais, em vez de "privilegiar" 
um deles - um recurso chamado bilateralização. 
"Especialmente aqueles que recrutam a força do 
poderoso córtex cerebral frontal desenvolvem o 
que os cientistas chamam de "reserva cognitiva", 
uma proteção contra os efeitos do envelhecimen-
to", salienta Barbara. 
Esse recurso fornece, por exemplo, a capaci-
dade de chegar mais depressa ao ponto central 
de uma discussão, ou seja: captar a essência, 
avaliar a situação, sem agir de maneira precipi-
tada. Essa reserva cerebral também pode afastar 
os pnmeiros sintomas externos de doenças 
neurodegenerativas como Alzheimer. Em seu 
livro, Barbara ressalta que há fortes indfcios de 
que algo simples como a educação-ou mesmo 
o trabalho - pode ser a chave para construir essa 
Há duas ou três décadas ainda se acreditava que o quociente de 
inteligência (QI) -a medida de habilidades mentais para solução 
de problemas, entre as quais aptidões espaciais como memória 
e raciocínio verbal- era fixo e, em grande parte, determinado 
pela genética. Novas descobertas neuropsicológicas não 
deixam dúvidas de que a ideia está ultrapassada. Pesquisas 
recentes, realizadas em diversos países, sugerem que uma 
função cerebral bem básica chamada memória operacional 
poderia estar na base da nossa inteligência geral, abrindo a 
intrigante possibilidade de que, se uma pessoa desenvolver 
essa habilidade, poderá melhorar sua capacidade de encontrar 
soluções para os mais diferentes problemas. 
A memória operacional é o sistema de armazenamento 
de informações de curto prazo do cérebro. Funciona como 
uma espécie de "bancada de trabalho" para a resolução dos 
problemas mentais. Por exemplo, se você calcular 98-23+2, 
a memória operacional armazenará as etapas intermediárias 
necessárias para elaborar a resposta. A quantidade de 
informações que poderá ser guardada está fortemente 
relacionada à inteligência geral. 
Uma equipe coordenada pelo neurocientista Torkel Klingberg, 
do Instituto Karolinska de Estocolmo, Suécia, encontrou sinais de 
que os sistemas neurais que fundamentam a memória operacional 
podem "crescer" quando estimulados. Com mapeamento cerebral 
pelo método da ressonância magnética funcional (RMf}, o grupo 
quantificou a atividade cerebral de adultos antes e depois de um 
programa de treinamento da memória operacional, que abrangeu 
tarefas como a memorização das posições de uma série de pontos 
dispostos num gráfico. Depois de cinco semanas de treinamento, 
a atividade cerebral dos voluntários tinha aumentado nas regiões 
associadas com esse tipo de memória. A pesquisa foi publicada no 
periódico científico Nature Neuroscience. 
Ao estudarem crianças que tinham completado esse tipo 
de exercício mental, Klimberg e seus colegas observaram 
melhoras em várias aptidões cognitivas não relacionadas ao 
treinamento- e um salto nas pontuações do teste de Ql de 
8%, segundo artigo veiculado pelajourna/ ofthe American 
Academy ofChild and Adolescent Psychiatry. O pesquisador 
acredita que o treino em memória operacional pode ser 
fundamental para ampliar o poder do cérebro: "A genética e a 
vida intrauterina são bastante importantes,mas não podemos 
desprezar o fato de existir um percentual (embora não 
saibamos ainda qual é) que pode ser melhorado por estímulos 
ambientais e pelo treinamento". 
proteção cerebral para a vida inteira. Ela explica 
que a maioria das pesquisas mais antigas sobre 
o envelhecimento foi conduzida, sobretudo, 
em asilos e hospitais, o que apresentou uma 
visão exageradamente negativa do que significa 
envelhecer. "Por muitos anos, até os médicos, 
em sua maioria, julgaram que a demência era 
inevitável; mas agora sabemos que, embora 
certamente tenha seus riscos aumentados com 
a velhice, a demência é uma doença espedfica. 
Se mantivermos um caminho normal de enve-
lhecimento, sem grandes enfermidades, nosso 
cérebro poderá permanecer em condições rela-
tivamente boas", afirma. "Agora que a ciência 
sabe que não perdemos milhões dessas células 
ao envelhecer, de repente parece plausível que, 
se olharmos com bastante atenção, encontre-
mos maneiras mais fáceis de manter nossos 
neurônios em boa forma." 
MUITAS HABILIDADES 
NECESSÁRIAS para 
tomar decisões e resolver 
problemas funcionam 
melhor por volta dos 50 
anos que aos 25 
TARIMBA SOCIAL 
Pela primeira vez na história vivemos um tem-
po em que há indícios científicos de que com 
o passar do tempo ficamos mais hábeis para 
lidar com outros e fazer melhores escolhas, 
uma capacidade enraizada na biologia cerebral. 
Já é possível detectar e até observar o cresci-
mento do "discernimento maduro" em nosso 
cérebro. As ligações que ajudam a identificar 
o "caminho errado" ficam mais fortes e há 
indícios de que atinjam seu auge em torno dos 
50 anos. O psicólogo Thomas Hess, pesquisa-
dor da Universidade Estadual da Carolina do 
Norte, conduziu dezenas de estudos sobre o 
que chama de "tarimba social", que, segundo 
sua constatação, chega ao pico na meia-idade, 
quando as pessoas se tornam muito melhores 
que os mais jovens (antes dos 40 anos) e que 
49 
s 
~ 
Mais cultura, menos prejuízo 
Um estudo conduzido pelo pesquisador Lawrence Whalley na Universidade 
de Aberdeen, Escócia, constatou que, entre pacientes com os sintomas 
comportamentais de demência, os mais instrurdos tinham deterioraçlo 
maior da massa branca do cérebro, a mielina- o revestimento externo dos 
neur6nios. Ou seja: pessoas com mais cultura conseguiam lidar melhor 
com prejurzos maiores. 
~ A ATROFIA CEREBRAL revela danos causados pelo Alzheimer. destruiçJo é aparente quando o 
~ cérebro com a doença (à di~Wl} é comparado a outro saudáY8 da mesma idade (à csqumlo) 
:: 
os mais idosos (após os 80) para julgar o cará-
ter dos outros. Isto é, as avaliações ardilosas 
tornam-se mais fáceis- e acertam o alvo mais 
em cheio- ao envelhecermos. E é o modo de 
amadurecimento do cérebro que nos garante 
essa vantagem. 
Há também o fato de que, na meia-idade, 
como temos mais tempo de experiência 
com pessoas, os neurônios dedicados a nos 
conduzir pelo cenário humano revelam-se ex-
cepcionalmente mais "espertos". Os estudos 
de neuroimagem mostram que as partes do 
córtex frontal que lidam especialmente com a 
regulação de emoções e afetos atrofiam-se com 
menos rapidez do que outras áreas cerebrais. 
É essa mescla de controle afetivo, destreza 
mental e experiência de vida que nos ajuda a 
tomar as decisões corretas na idade madura. 
Segundo Hess, o fato de adultos de meia-idade 
parecerem ser os mais hábeis emocionalmente 
é compatfvel com as ideias de que o perfodo in-
termediário da vida é uma ótima fase: aptidões 
cognitivas básicas ainda estão relativamente 
altas e há também uma dose razoável de expe-
riência, de modo que elas funcionam em alto 
nfvel nas situações do cotidiano. 
O economista David Laibson, professor 
da Universidade Harvard, por exemplo, fez 
estudos fascinantes no campo emergente da 
neu roeconomia. Ele estudou o modo como 
50 I mentecétebro I Sele segredos do cérebro saudável 
Quando as 
dificuldades 
começam a 
surgrr, sem 
grande esforço 
o cérebro 
"acostumado 
a trabalhar" 
chama para si a 
responsabilidade 
e vai atrás 
do melhor 
resultado 
as pessoas tomam decisões financeiras - e 
também descobriu que somos mais compe-
tentes nisso por volta dos 50 anos ou mais. 
O pesquisador verificou que, ao enfrentarem 
problemas complexos ligados a dinheiro como 
dfvidas ou taxas de juros, as pessoas mais ve-
lhas fazem as melhores escolhas. Em estudos 
conduzidos com voluntários de vários pafses, 
Laibson constatou que pessoas entre 40 e 65 
anos apreendem com mais facil idade as conse-
quências das decisões financeiras e, de forma 
geral, têm melhor discernimento. 
O QUE DE FATO IMPORTA 
Analisando estudos longitudinais, os psicólo-
gos começam a se dar conta de que a imagem 
da meia-idade que tivemos durante muito 
tempo era incom pleta e enganosa. Estudos 
reunidos por Barbara indicam que talvez seja a 
própria natureza do envelhecimento do cérebro 
que nos dá uma perspectiva mais ampla do 
mundo, uma capacidade de discernir padrões 
e até sermos mais criativos. 
Nessa fase da vida as pessoas estão mais ap-
tas a avaliar aspectos de problemas complexos e 
encontrar respostas concretas, em comparação 
ao próprio desempenho 20 ou 30 anos atrás. 
Também é possfvellidar mais calmamente com 
emoções e informações - valorizando o que 
realmente importa e deixando de lado o que 
pode (e deve) ser ignorado sem grande prejuízo. 
Entre todas as habilidades singu lares do 
cérebro maduro, talvez nenhuma seja tão ou 
potencialmente promissora quanto o talento 
para a bilateralização. Essa espécie de "truque" 
aprendido com o passar do tempo parece ser 
uma estratégia adaptativa que alguns cérebros 
adotam para se manter fortes. "Em algum pon-
to da meia-idade começamos a desenvolver a 
capacidade de usar com maior frequência os 
dois hemisférios cerebrais, em vez de privilegiar 
um deles", afirma Barbara. Ela salienta que essa 
descoberta ajuda a entender por que pessoas 
mais velhas tendem a ter uma visão panorâ-
mica das situações e perceber interligações. 
Embora seja uma caracterfstica observada em 
outras épocas da vida (e obviamente varie de 
indivíduo para indivíduo), o "talento bilateral" 
comumente se inicia na meia-idade. 
É possfvel pensar que usar os dois hemisfé-
rios para fazer o que um só era ca paz quando 
éramos mais jovens aponta para uma carência 
que pede compensação. Mas um aspecto 
intrigante da bilateralização é que não são os 
cérebros mais hábeis e capazes que passam 
por esse fenômeno, como se simplesmente se 
recusassem a "entregar os pontos". Quando 
as dificuldades começam a surgir, sem grande 
esforço o cérebro "acostumado a trabalhar" 
chama para si a responsabilidade e vai atrás do 
melhor resultado. "Usamos o que nos resta de 
melhor e talvez isso tenha seu maior impacto 
na meia-idade não por estarmos aposentados, 
mas por ainda estarmos trabalhando e ainda 
precisarmos muito de nossas faculdades em 
ordem", afirma o neurocientista Roberto Ca-
beza, pesquisador da Universidade Duke que 
ajudou a desvendar esse truque neurológico. 
"Os hemisférios esquerdo e direito ficam mais o 
integrados na meia-idade, abrindo caminho ~ 
~ para maior criatividade", considerou o psiquia- õ 
tra Gene Cohen, pesquisador da Universidade 
George Washington . Morto em 2009, é autor 
de The mature mind (não publicado no Brasil). 
"Os neurônios em si talvez percam parte da 
velocidade de processamento com a idade, 
mas as informações se entrelaçam de maneira 
cada vez mais enriquecedora" , escreveu. Ele 
estudou os efeitos da arte sobre o cérebro e 
sustentou que a bilateralização pode favorecer 
a criatividade, já que facilita a conciliação de 
percepções intuitivas, afeto e interpretação 
de sinais faciais e corporais com a fala e o 
raciocínio lógico, por exemplo. 
Na verdade, os cientistas imaginavam des-
cobrir o inverso, já que durante muitos anos 
prevaleceu a convicção de que, ao envelhecer, 
o órgão mais sofisticado do corpo humano 
usava uma parcela muito menor dele mes-
mo- e não maior. O protótipo da descrição 
do envelhecimentoneural era semelhante ao 
de uma lesão, e partia-se da crença de que, 
à medida que envelheciam, as pessoas se 
tornavam mentalmente mais preguiçosas. 
Medições anteriores, mais grosseiras, cons-
tatavam que a maioria dos cérebros mais 
velhos seriam cérebros fracos - por isso pa· 
ravam de se esforçar muito e ativavam menos 
neurônios. Essa visão, entretanto, foi virada 
pelo avesso. 
CENA DO FILME Cocoon, 
de 1985: protagonistas da 
terceira idade 
PARA S,..BER ,A S 
A autoimagem também pode ser um fator 
decisivo na qualidade do amadurecimento. 
O melhor cérebro da sua vida 
Barbara Strauch. Zahar, 2011. 
Um estudo desenvolvido pela psicóloga 
Becca Levy, da Universidade Yale, mostrou 
que a memória de pessoas idosas melhorava 
depois da simples visão de palavras positivas 
associadas a envelhecimento- por exemplo, 
sensato, alerta, sábio e capaz. Mesmo quando 
os vocábulos foram exibidos depressa demais 
para que os participantes se conscientizassem 
da leitura, em algum nível ela surtiu efeito. 
já os que viam de relance palavras negativas 
como decl fnio, senil, decrépito , demência e 
confuso se safam pior nos testes de memória. 
O psicólogo Thomas Hess, da Universi-
dade Estadual da Carolina do Norte, consta-
tou que as atitudes são como profecias que 
sempre se realizam. Em seus estudos, as 
pessoas acima de 60 anos apresentavam pior 
desempenho nos testes de memória quando 
primeiro lhes era dito algo negativo sobre a 
velhice, como informar que o estudo que es-
tava para começar era sobre o modo como a 
idade afeta a aprendizagem e a memória. No 
entanto, quando primeiro eram apresentadas 
informações como a de que não há grande 
declínio da memória com o envelhecimento, 
o desempenho nos testes melhorava. Consta-
tações como essas confirmam que o cérebro 
maduro é ainda um fascinante mistério- e, 
talvez, estejamos começando a descobrir que 
o melhor ainda está por vir. ~ 
51 
52 I rnen t.ecerebto I 7 secredos do cérebro saudável 
CULTIVAR AM IZADES 
"Amigos são mais 
• Importantes para 
a saúde que a boa 
alimentação" 
ESPECIALISTA EM MEDICI NA PSICOSSOMÁTICA, 
O NEUROLOGISTA E PSIQUIATRA ALEMÃO PETER 
HENNINGEN, PROFESSOR DA UNIVERSIDADE TÉCNICA 
DE MUNIQUE, ENFATIZA A IMPORTÂNCIA DA VI DA 
SOCIAL PARA MANTER A SAÚDE FÍSICA E ME NTAL 
1/ por Anna von Hopffgarten bióloga e jornalista. 
MeC Professor, pessoas felizes costumam ser mais saudáveis? 
Peter Henn·ngen Não é uma regra, mas existem indfcios de que 
o otimismo e a sensação de bem-estar têm efeito positivo sobre 
a saúde e até sobre a expectativa de vida. Inversamente, pes-
soas permanentemente insatisfeitas e pessimistas costumam 
desenvolver inflamações crônicas com mais frequência. Isso 
foi demonstrado por vários estudos. Na pesquisa americana de 
longo prazo Women's Health lnitiative, por exemplo, cientistas 
perguntaram a quase 100 mil mulheres sobre sua atitude diante 
da vida e sobre diversas doenças ffsicas como câncer, problemas 
cardíacos e osteoporose. As voluntárias que demonstravam 
cinismo e hostilidade apresentaram risco sensivelmente mais 
alto de desenvolver doença cardiovascular ou mesmo de morrer 
durante a fase de observação de oito anos. Já as otimistas, em 
geral, tinham expectativa de vida acima da média. 
53 
MeC Como o senhor explica essa descoberta? 
Henn nge Ainda não sabemos exatamente 
como a maneira de ver a vida e interagir com 
os outros influencia o corpo. Apesar de conhe-
cermos as associações estatísticas, até agora 
existem apenas hipóteses sobre a interação 
desses mecanismos. Alguns estudos indicam, 
por exemplo, que a alegria e o equilíbrio emo-
cional têm efeito positivo sobre determinadas 
fu nções do sistema imunológico. Esse parece 
ser também o motivo por que pessoas felizes 
com as próprias escolhas são menos suscetíveis 
a doenças inflamatórias. 
MeC Qual o papel dos comportamentos de 
cuidados consigo mesmo? 
Henningen Eles são imprescindíveis e devem 
ser considerados nesses estudos. Pessoas 
satisfeitas vivem supostamente de forma mais 
saudável: comem melhor, procuram relaxar, 
se movimentam mais e fumam menos. Isso 
natu ralmente tem efeito positivo sobre a resis-
tência física. Mas não basta ser superficialmente 
otimista, é preciso realmente se dar conta de 
que, apesar de estarmos sujeitos a inúmeras 
intercorrências, há decisões que podemos (e de-
vemos) tomar. Ter consciência dessa autonomia 
nos "alimenta" emocionalmente. 
Poderosa química do carinho 
eC Nem todos conseguem simplesmente 
ser otimistas e felizes. O que o senhor diria às 
pessoas que passam a maior parte do tempo 
descontentes? 
He ngen Se uma pessoa é rabugenta, ela cer-
tamente vai se tornar ainda mais mal-humorada 
quando se der conta das limitações que inevitavel-
mente chegam com a idade. É preciso, primeiro, 
reconhecer que existe uma estreita relação entre 
a própria atitude diante da vida e a saúde. Depois, 
cada um pode descobrir para si mesmo em que 
pontos poderia talvez mudar. Muitas vezes peque-
nas alterações trazem grandes transformações. 
Por exemplo, ficar atento para ser mais flexível, 
parar de reclamar e criticar ou ter formas mais 
gentis de se comunicar. Se a pessoa percebe que 
é uma pessimista crônica, então ela deveria even-
tualmente buscar ajuda profissional porque pode 
sofrer de distimia (um tipo leve de depressão que 
pode passar despercebida durante muitos anos 
e é confundida com simples mau humor) . Mas 
independentemente desse diagnóstico, psicote-
rapia costuma ser fundamental. Provavelmente 
essa pessoa tem também uma depressão que 
pode ser tratada. Convém lembrar o óbvio, que 
tantas vezes desprezamos: não somos onipoten-
tes, precisamos de ajuda, e quando nos permiti-
mos aceitar isso a vida fica mais leve. 
O toque amoroso e delicado sobre a 
pele tem enorme impacto sobre o cé-
rebro. Esse t ipo particular de contato, 
com pressão moderada e movimento 
lento, é detectado por fibras nervosas 
específicas, que levam a informação à 
ínsula (que funciona como uma espécie 
de intérprete do cérebro, traduzindo 
estímulos como sons, cheiros, sabores 
e toque em emoções). A partir dessas 
informações, outras áreas cerebrais 
entram em ação: o hipotálamo diminui 
os níveis de hormônios do estresse no 
organismo, o /ocus ceru/eus reduz sua 
atividade e a quantidade de noradre-
nalina (neurotransmissor que ativa os 
sistemas de alerta e vigília) é liberada. 
Os músculos e o cérebro "relaxam" e, 
com a diminuição do estresse, aumenta 
a sensação de bem-estar. Se esse es-
tímulo for frequente, os neurônios do 
hipocampo sào protegidos da atrofia, 
que ocorre ao longo da vida adulta e está 
diretamente relacionada ao estresse -
incluindo aquele causado pela solidão. 
UM ABRAÇO pode ser 
suficiente, por exemplo, para 
fazer o cérebro aumentar a 
liberaçlo de ocitocina 
54 I mentecerebro I 7 segredos do cérebro saudável 
Do ponto de vista evolutivo, a 
expressao fisica do afeto aproxima as 
pessoas e leva à formação de vínculos 
sociais e afetivos. Um simples abraço 
pode ser suficiente, por exemplo, para 
fazer o cérebro aumentar a liberação 
de ocitocina, hormônio que faci lita a 
aproximação entre pessoas. Além de 
ter efeito tranquilizante sobre o cérebro, 
reduzindo o nível de alerta e ansiedade, 
a ocitocina reduz medos e fobias, nos 
toma mais confiantes, e ainda oferece 
uma sensação de bem-estar ao estimu-
lar o sistema de recompensa. 
Ao ser acariciado o bebê reconhece 
/ 
/ 
a presença de um outro que o aque-
ce, protege e alimenta. Nessa fase, o 
afeto "ensina" o cérebro a formar uma 
resposta saudável ao estresse. Tam-
bém na vida adulta, o toque delicado 
é uma maneira poderosa de regular 
ansiedade e respostas exageradas 
ao estresse de maneira geral. Mais 
curioso, contudo, é que o carinho se 
"propaga" de uma geração para a 
outra. Se a criança é tratada com cari-
nho desde o nascimento, seu cérebro 
alcançará uma melhor "regulagem" 
do sistema de resposta ao estresse, 
o que lhe dará mais chances de se 
tomar mais resistente asituações que 
causam medo e ansiedade. E também 
mais possibilidades de desenvolver 
relacionamentos amorosos no futuro. 
O que sentimos é resultado da 
capacidade do cérebro de alterar a 
si mesmo e ao corpo em resposta às 
mais variadas situações ou, às vezes, 
à simples visão ou memória de uma 
pessoa, animal ou objeto. A primeira 
consequência dessa transformação 
(de expressão, comportamento, tem-
peratura, funcionamento de órgãos 
etc.) é que ficamos mais aptos a lidar 
com as variadas situações. Outra 
consequência é que as mudanças cor-
porais nos permitem reconhecer emo-
ções, como se fossem assinaturas. 
Por Suzana Herculano-Houzel, 
neurocientista e professora da Universidade 
Federal do Rio de Janeiro (UERJ); autora 
de Suo, drogas, roclc'n'ro/111{ chocolate 
(VIeira & l.ent, 2003) e de O cirebro em 
transformaçilo (Objetiva, 2005). 
li Não basta ser superficialmente 
otimista, é preciso realmente se dar conta 
de que, apesar das inúmeras limitações 
às quais estamos sujeitos, sempre 
podemos fazer algumas escolhas; ter 
consciência dessa autonomia 
nos 'alimenta' emocionalmente l l 
MeC Amizades e relacionamento familiar fa-
zem bem para a saúde? 
Henn ngen O afeto desempenha papel impor-
tantíssimo, diria mesmo que é vital em nossa 
existência. A inserção social e a certeza de que 
é possível contar com amigos, desfrutando de 
uma relação de apoio e troca, muitas vezes 
é até mais importante que os al imentos que 
ingerimos. O jornalista científico Werner Bar-
tens recentemente escreveu: "Quem engole 
todo dia algumas colheres de azeite de oliva 
prensado a frio, em estado de mau humor, não 
tira nenhum proveito desse alimento, embora 
haja comprovação científica desse potencial". 
Segundo ele, seria muito melhor comer um por-
co assado numa roda de amigos. Creio que isso 
seja verdadeiro. Inúmeros estudos dos últimos 
anos comprovam: vínculos afetivos ajudam a 
manter a boa saúde. Também vale o inverso: a 
solidão pode nos deixar doentes. 
MeC É possível começar ainda na infância a 
prevenção de doenças psicossomáticas às 
quais a pessoa será suscetível na idade adulta? 
Henmngen De certa forma sim, pois a regulação 
do estresse na idade adu lta é fortemente influen-
ciada por experiências de relacionamentos na 
primeira infância. Se as crianças crescem em um 
ambiente saudável e seguro, onde não estejam 
sujeitas a cargas de estresse que não ultrapas-
sem o nível normal, mais tarde provavelmente 
serão menos suscetíveis a distúrbios em geral. 
Hoje sabemos que experiências traumáticas -
ser vítima de abuso sexual, de violência física 
ou psicológica, ou mesmo sofrer abandono, por 
exemplo - podem ser transmitidas às gerações 
seguintes por meio de mecanismos epigenéti-
cos. Entre eles estão apêndices moleculares que 
influenciam a atividade de determinados genes. 
Diferentemente do que ocorre com a sequência 
de DNA, porém, eles podem se alterar no decor-
55 
Emoções revelam a rimeira "opinião" do cérebro 
Uma das descobertas surpreendentes da neurociência é que as 
emoções do fundamentais para tomannos boas decisões - e, 
consequentemente, nos mantermos mais satisfeitos e saudáveis. 
AD contrário do que diz o senso comum, emoções tem lógica, sim-
e seguem padroes construidos com base nas experiências vividas. 
Como as estruturas cerebrais envolvidas no sistema lfmbico, têm 
acesso privilegiado à memória de situações anteriores similares, 
uma resposta emocional pode ser oferecida em cada caso bem 
antes que elaborações racionais tenham tempo de acontecer. 
Rápidas e personalizadas, as emoções representam a 
primeira "opinillo" do cérebro sobre qualquer assunto e, desde 
o começo, direcionam comportamentos, levando-nos a preferir 
um ou outro curso de açjo, mesmo que ainda nlo saibamos 
explicar o motivo de determinadas escolhas. Essa rapidez, 
sempre embasada no "banco de dados" disponfvel na memória, 
torna possfvel resolver de forma ágil questões simples, mas 
que seriam excessivamente demoradas caso todas as variáveis 
envolvidas fossem processadas pela razlo. (Da redaçilo) 
rer da vida, o que nos oferece certa autonomia 
para elaborar traumas e vivências dolorosas. 
eC Homens e mulheres são afetados de for-
mas especificas por doenças psicossomáticas? 
H Sim, há claras diferenças. Parece que 
as mulheres são mais vulneráveis, ou pelo me-
nos mais atentas às doenças. Elas vão, em mé-
dia, quase duas vezes mais ao médico por esse 
tipo de queixa, em comparação aos homens. 
li Se uma pessoa é rabugenta, é de que esperar 
ela se torne ainda mais mal-humorada quando 
se der contra das limitações que inevitavelmente 
chegam com a idade l l 
MeC Por que isso acontece? 
"' Pode haver diversos motivos. Um 
deles certamente é o fato de que mulheres con-
seguem mais facilmente chegar a um acordo 
com sua autoimagem para procurar ajuda pro-
fissional. Buscar ajuda não é para elas sinal de 
"fraqueza" como para tantos homens, mesmo 
nos dias de hoje. Já eles tendem mais a afogar 
seus problemas no álcool e a se calar para então 
expressar as angústias em sua forma mais acir-
rada. Por isso, suponho que exista entre os ho-
mens grande número de casos não registrados. 
As mulheres, porém, provavelmente percebem 
seus processos corporais de outra forma. Prova-
velmente elas são mais facilmente confrontadas 
com suas funções corporais devido ao seu ciclo 
menstrual e, que as faz observar transformações 
flsicas e mentais às quais estão sujeitas e, com 
isso, tendem a perceber eventuais problemas. 
Mas essa correlação é apenas especulação. 
Inúmeros estudos comprovam que o 
estresse crônico tem efeito negativo sobre o 
sistema imunológico e sobre vários órgãos do 
corpo. ~ possfvel eliminar as consequências 
desse processo por meio da psicoterapia? 
H n Embora ainda estejamos no infcio 
56 I mentechebro I 7 secredos do cérebro sa~wl 
dessas pesquisas, atualmente já existem indf-
cios disso. Alguns estudos com neuroimagem 
revelam alterações anatômicas no cérebro de 
pessoas que passaram por processo psicoterá-
pico, mostrando que novos caminhos neurais 
foram criados. Experimentos com ratos demons-
traram que filhotes que eram separados da mãe 
prematuramente se tornaram mais suscetfveis 
a doenças, mas foram parcialmente curados 
com ajuda dos chamados enriched environments 
(ambientes ricos em estfmulos). Os cientistas 
colocaram os animais em locais repletos de 
"brinquedos" e os trataram extremamente bem. 
Após certo tempo, os animais reagiram de forma 
claramente menos sensfvel ao estresse. 
~eC Isso pode ser aplicado também a seres 
humanos? 
Henn g· n Essa experiência com os ratos 
pode ser análoga à psicoterapia. Se as pes-
soas puderem lidar com o estresse de outra 
forma dentro de um ambiente protegido, não 
vivenciando frustrações de forma tão solitária 
e consequentemente reagindo de maneira 
inflexfvel ou permissiva, é muito provável 
que experimentem os efeitos positivos do 
processo terapêutico não só no psiquismo, 
mas também no corpo. No entanto, isso ainda 
não foi suficientemente assegurado por meio 
de experimentos - o que não quer dizer que 
não aconteça. 
c 
Relações afetivas estáveis estimulam a saúde mental e fis ica e até prolongam 
a vida. Pesquisa da Escola de Saúde Pública de Harvard, em Boston, mostrou 
que homens idosos com muitos amigos têm no sangue uma concentração 
muito menor da substância interleucina-6 (que causa inflamação e é 
considerada fator de risco para doenças cardiovasculares), em comparação 
com os homens mais solitários, da mesma faixa etária. 
O fato, porém, é que nem todos têm faci lidade para manter relações 
de amizade. Um dos fatores que influi nessa capacidade é a experiência 
vivida na infãncia. Pesquisas com ratos conduzidas pelo neurocientista 
Michael Meaney, da Universidade McGill, no Canadá, comprovam que o 
carinho que recebemos quando pequenos pode influenciar sensivelmente 
o comportamento na idade adulta. Comparando roedores que haviam 
s ido bastante cuidados e muito lambidos pelas mães aos que não haviamtido o mesmo tratamento, o pesquisador verificou que os primeiros 
apresentavam menos ansiedade e estresse ao enfrentar situações diflceis 
mais tarde. Em 2004, a equipe de Meaney constatou que a expressão do 
gene para o receptor do hormônio do estresse se altera conforme os tipos 
de cuidados que os ratos recebem quando filhotes. (Da redação} 
:C Que aspectos deveriam ser considerados 
numa terapia? 
He IF'""n A princípio, poderíamos utilizar con· 
ceitos clássicos e pensar numa terapia que ofe· 
recesse suporte egoico. Uma possibilidade seria 
buscar a ativação de recursos do próprio paciente. 
Em vez de o terapeuta se concentrar naquilo que 
a pessoa não consegue fazer, é possível estimular 
o potencial existente. A ideia é fortalecer a auto-
estima e, com isso, a capacidade de lidar melhor 
com problemas. Se o paciente sempre volta a se 
envolver em situações nas quais se sente mal, 
repetindo padrões destrutivos, é imprescindível 
que ele tenha clareza disso e pense em como pode 
quebrar esse esquema. Em muitos casos, só o fato 
de colocar a atenção em determinadas atitudes já 
deflagra, por si só, um processo transformador. 
Independentemente da linha terapêutica, quando 
se trata de doenças orgânicas, embora elas sempre 
tenham algum correlato no psiquismo, é muito 
Genealogia da amizade. Fran· 
cisco Ortega. Editora lluminu· 
ras, 2002. 
Amizade e estética da exis· 
t.ência em Foucault Francisco 
Ortega. Edições Graal, 1999. 
importante não transmitirmos (ou enfatizarmos) 
a ideia de culpa, e sim de responsabilização do 
paciente pelos cuidados e pela adesão ao trata· 
~ mento em caso de patologias graves, por exemplo. 
~ Também é fundamental não incentivar a crença 
~ onipotente de que a psicoterapia, por si só, pode 
j realmente curar doenças como o câncer. 
õ 
" ~ Qual o papel da psicoterapia nesses casos? 
, Embora as doenças manifestadas 
no organismo sempre tenham algum correlato 
no psiquismo, não podemos estabelecer uma 
relação direta de causa e efeito, como se a pessoa 
com determinada característica psicológica 
tivesse adoecido exatamente por causa desse 
traço de personalidade. Os processos são bem 
mais complexos. De qualquer forma, a terapia 
pode melhorar muito a qualidade de vida dos 
pacientes e ajudá-los a lidar com a doença. 
Sabemos que a maneira de ser e ver o mundo 
interfere na saúde de modo geral, mas ninguém 
sabe dizer se um tumor específico pode ser 
realmente influenciado pela uma forma de ser 
do indivíduo. Ter isso claro é importante para 
que os pacientes não se sintam culpados pela 
evolução da doença porque são psiquicamente 
"estragados", o que é um grande equívoco e 
só aumenta desnecessariamente o sofrimento. 
De que forma lidar com o estresse e a 
sobrecarga psíquica do dia a dia? 
Cuide de você! Em períodos de mu-
danças importantes na vida (perda de alguém 
querido ou de algo que valorizamos, como um 
emprego) e até mesmo de alterações que pareçam 
prazerosas mas impliquem novas responsabi-
lidades (como uma promoção, casamento ou 
nascimento de um filho), podemos ficar mais 
vulneráveis. Preste atenção, por exemplo, para não 
buscar fazer tudo sozinho. Todo mundo às vezes 
dorme mal ou tem dor nas costas, isso é totalmen-
te aceitável. Mas se os sintomas duram muitas 
semanas, então a pessoa não deve hesitar em 
procurar um especialista. Quando o desconforto 
fisico vem acompanhado pela sensação de perda 
do equilíbrio emocional ou de que estamos sobre-
carregados, a saída mais inteligente costuma ser 
buscar ajuda profissional. É importante lembrar 
que não há vergonha nenhuma nisso, psicoterapia 
não é para loucos e sim para pessoas que querem 
viver melhor, de maneira mais saudável. ..,...c 
57 
D o R M R 
Sono 
• para organ1zar 
a mente 
QUANDO ADORMECEMOS O CÉREBRO CONTINUA EM 
ATIVIDADE, INFORMAÇÕES COLETADA$ DURANTE A VIGÍLIA 
SÃO PRO CESSADAS E SELECIONADAS; APRENDIZADOS 
SÃO FIXADO S E ALGUMAS LEMBRANÇAS SE PERDEM. A 
CO NSTRUÇÃO DA MEMÓRIA DEPENDE MUITO DESSE PERÍODO 
N O Q UAL SÃO ABERTAS POSSIBILIDADES DE RESPOSTAS PARA 
PROBLEMAS QUE NOS AFLIGEM DURANTE A VIGÍLIA 
I I por Robert Stickgold e Jeffrey M. Ellenbogen 
E
m 1865, o químico alemão Friedrich August Kekulé 
(1829-1896) acordou de um sonho estranho: imaginou 
uma serpente formando um drculo e mordendo a 
própria cauda. Como muitos de seus colegas da época, 
ele vinha trabalhando com fervor para descrever a estrutura 
química do benzeno. O sonho da serpente, diz a história, o 
ajudou a concluir que essa estrutura tinha a forma de anel. Essa 
ideia abriu o caminho para uma nova compreensão da química 
orgânica e rendeu a Kekulé um título de nobreza na Alemanha. 
Embora a maioria de nós não esteja interessada em estrutu-
ras químicas nem em se tornar nobre, há algo indiscutivelmente 
familiar no método de solução de problemas de Kekulé. Quer se 
trate de decidir estudar numa faculdade específica, aceitar uma 
oferta de trabalho desafiadora ou pedir alguém em casamento, 
"dormir e pensar no assunto" parece propiciar a clareza de que 
precisamos para resolver o quebra-cabeça da vida. 
58 I mentecmbro I 7 segredos do cMbro saudável 
OS AUTORES 
ROBERT STICKGOLD é professor da Faculdade de 
Medicina de Harvard. JEFFREY M. ELLENBOGEN é chefe 
da divisão do sono do Hospital Geral de Massachusetts. 
59 
O sono nos apresenta respostas porque 
enquanto estamos dormindo tranquilamente 
nosso cérebro está ocupado processando 
informações coletadas durante a vignia. Ele repassa 
as memórias recém-formadas, as ordena e as 
grava de forma que façam sentido no dia seguinte. 
Uma noite de sono pode tornar essas impressões 
mnênicas mais resistentes à enxurrada de novos 
acontecimentos, permitindo recuperá-las no 
futuro. Além de fortalecer nossas lembranças, 
durante o sono o cérebro adormecido examina 
com cuidado os dados novos, selecionando 
aqueles que vale a pena guardar. Dormir também 
pode salvar os conteúdos emocionais de uma 
imagem, um som, um cheiro, fazendo com que 
todo o resto, sem importância, seja apagado com 
o tempo. Além disso, é nessas horas "mortas" 
que o cérebro estabelece relações entre as 
memórias de toda a vida, identificando a essência 
de cada uma e formando aquilo que chamamos 
aprendizado. 
A relação entre sono, memória e aprendiza-
gem é relativamente nova na história da ciência. 
Até meados dos anos 50, os cientistas pensavam 
60 I mentecérebro I 7 segredos do chebro saudável 
EM KRIEMHILD SONHA 
COM O FALECIDO 
SIEGFRIED, de John Henry 
Fuseli, a represent.a~o de 
sentimentos e recordações 
que o cérebro se desligava enquanto dormía-
mos. Embora o psicólogo alemão Hermann 
Ebbinghaus já acreditasse, em 1885, que o sono 
protegia as memórias simples da degradação, 
por décadas os pesquisadores atribuíram esse 
efeito a uma proteção passiva. Nós esquecemos 
coisas, defendiam eles, porque todas as novas in-
formações que entram substituem as anteriores. 
Foi só em 1953, depois de os fisiologistas Eugene 
Aserinsky (1921-1998) e Nathaniel Kleitman 
(1895-1999), da Universidade de Chicago, des-
cobrirem as fascinantes variações da atividade 
cerebral durante o sono, que os cientistas se 
deram conta de que não estavam dando atenção 
a algo realmente importante. 
Aserinsky e Kleitman observaram que o sono 
humano se divide em ciclos de cerca de 90 minu-
tos que, por sua vez, se dividem em dois padrões 
de atividade cerebral conhecidos como sono de 
ondas lentas e sono paradoxal ou REM (movi-
mento rápido dos olhos, na sigla em inglês). 
Durante o sono REM, as ondas cerebrais são 
muito semelhantes àquelas produzidas enquanto 
estamos acordados (veja quadro na pág. 61). 
Nas décadas seguintes, o neurocientista 
romeno Mircea Steriade, da Universidade Lavai, 
em Québec, chegou à conclusão de que determi-
nados grupos de neurônios disparam de forma 
independente durante o sono de ondas lentas 
quando o restante dispara sincronizadamente, 
num ritmo constante. Tudo isso serviu para 
deixar claro que o cérebro, enquanto dorme, 
nãoestá meramente "descansando". Muito pelo 
contrário, ele está em franca atividade. 
DESCANSO NECESSÁRIO 
Nossa compreensão sobre o assunto mudou 
muito depois de 1994, quando os neurobiólogos 
Avi Kami e Dov Sagi, do Instituto de Ciência 
Weizmann, em Israel, mostraram que, depois de 
uma noite de sono, alguns voluntários melho-
raram seu desempenho em testes de reconhe-
cimento rápido de objetos. Mas isso só ocorria 
se tivessem quantidades adequados de sono 
REM. Se fossem privados dessa fase do sono, 
o ganho desaparecia. O fato de o desempenho 
ter se elevado da noite para o dia eliminava 
aquela antiga ideia de proteção passiva. Algo 
capaz de alterar as memórias formadas no dia 
anterior tinha de estar acontecendo no cérebro 
adormecido. Kami e Sagi descreveram o sono 
REM como um estado permissivo-que poderia 
comportar mudanças. 
Quando um de nós (Stickgold) reviu a ques-
tão, em 2000, ficou claro que o sono poderia, de 
fato, ser necessário para que esse efeito ocorres-
se. Usando a mesma tarefa de diferenciação vi-
sual rápida, descobrimos que o desempenho das 
É nas "horas 
mortas" que são 
estabelecidas 
relações entre 
as diversas 
memórias, 
dando origem 
ao que 
chamamos 
aprendizado 
Sono REM 
Sono de ondas lentas 
Vigília 
A descoberta do sono REM, em 1953, e de sua 
atividade cerebral característica (alto), detectada 
por eletroencefalografia, dissipou a ideia de que 
o cérebro simplesmente descansa enquanto 
dormimos. Logo depois, os padrões de sono de 
ondas lentas (meio) foram descobertos 
Segredo revelado depois de um cochilo 
Pesquisadores ensinaram os participantes a usar duas regras 
para resolver um tipo de problema relacionado à série de 
números 1, 4 e 9. Começando da esquerda, eles tinham de 
examinar os dois primeiros números. Se eles fossem iguais, 
deviam anotar esse número (azul). Se fossem diferentes, 
tinham de anotar o terceiro número possível (por exemplo, 
novo. Ao digitar a resposta final (neste caso, 9 vermelho), eles 
pressionavam a tecla "enter" para informar ao computador 
que haviam terminado. 
se forem 1 e 4, anote o 9). Depois, a instrução era pegar o 
número intermediário (azul) e o seguinte (preto) e começar de 
O que não era dito aos participantes era que o penúltimo 
número único na série original (neste caso, o 9 preto logo 
antes do 4 final) será sempre equivalente à resposta do 
problema. Depois de dormir, a maioria dos voluntários 
descobriu o truque. 
61 
pessoas melhora após dormirem seis horas. E a 
fase REM não é o único componente importante: 
o sono de ondas lentas é igualmente crucial. Em 
outras palavras, em todas as suas fases o sono 
realmente é fundamental para aperfeiçoar a 
memória, o que não acontece durante a vigília. 
Para entender como isso se dá, é útil saber-
mos que ao "codificarmos" informações no 
nosso cérebro, a memória recém-captada está 
apenas começando uma longa jornada durante 
a qual será estabilizada, aprimorada e qualitati-
vamente alterada, até atingir apenas uma vaga 
semelhança com sua forma original. No decorrer 
de algumas horas, ela pode se tornar mais es-
tável, resistente a interferências de lembranças 
conflitantes. Em períodos mais longos, o cérebro 
parece "decidir" o que é importante recordar e 
62 I mentecerebro I 7 segredos do cérebro saudável 
o que não é. É assim que vamos construindo 
nossa história individual. 
Em 2006 demonstramos a poderosa capaci-
dade que o sono tem de estabil izar lembranças e 
protegê-las de interferências. Primeiro, treinamos 
pessoas para memorizar pares de palavras num 
padrão A-8 (por exemplo, "cobertor-janela") 
e então deixávamos alguns dos voluntários 
dormir. Mais tarde elas aprenderam pares num 
padrão A-C ("cobertor-tênis"), cujo propósito era 
interferir com as memórias dos pares A-8. Como 
esperado, as pessoas que dormiram podiam 
lembrar mais pares A-8 do que as que perma-
neceram acordadas. E quando introduzimos os 
pares A-C, ficou mais claro que as que dorm iram 
tinham uma memória mais forte e mais estável 
dos conjuntos A-8. 
Mas os efeitos do sono sobre o que lem-
bramos não estão limitados à estabilização. 
No decorrer dos últimos anos, vários estudos 
demonstraram a sofisticação do processamento 
da memória durante o sono. Na verdade, parece 
que enquanto dormimos nosso cérebro pode 
dissecar nossas lembranças e guardar apenas 
detalhes mais relevantes. Em um estudo, criamos 
uma série de imagens de objetos desagradáveis 
ou neutros num fundo neutro, e testamos as 
pessoas logo depois de olharem as imagens, 
uma após a outra. Doze horas depois, um novo 
teste da recordação dos objetos e dos fundos. 
Os resultados foram bastante surpreendentes. 
Independentemente de os participantes terem 
permanecido acordados ou adormecidos, a 
precisão de suas memórias caiu 100/o em todos 
os casos. Mas as memórias emocionais melho-
raram um pouco da noite para o dia, mostrando 
um acréscimo de cerca de 15%. Sabemos que 
essa seleção acontece também na vida cotidia-
na, o que leva a crer que o sono tenha um papel 
crucial na evolução das memórias afetivas. 
A maneira precisa como o cérebro fortalece e 
melhora a capacidade de elaboração emocional 
ainda é um mistério, mas podemos fazer algumas 
suposições. Sabemos que as lembranças são 
criadas pelo fortalecimento da ligação entre 
centenas, milhares ou talvez até milhões 
de neurônios, tornando certos padrões de 
atividade mais prováveis de se repetir. Quando 
esses modelos são reativados, evocam uma 
recordação, que pode ser o local onde deixamos 
a chave de casa ou um par de palavras como 
"cobertor-janela". Sabe-se que essas mudanças 
na conexão sináptica surgem de um processo 
molecular conhecido como potenciação de longo 
prazo, que fortalece as ligações entre neurônios 
que disparam ao mesmo tempo. 
TRI LHA NO HIPOCAMPO 
Durante o sono, o cérebro reativa padrões de 
atividade que realizou durante o dia, fortalecen-
do as memórias por meio dessa potenciação 
a longo prazo. Em 1994, os neurocientistas 
Matthew Wilson e Bruce McNaugh-ton, então 
da Universidade do Arizona, mostraram esse 
efeito, pela primeira vez, usando ratos equipados 
com implantes que monitoravam sua atividade 
cerebral. Eles ensinaram os animais a encontrar 
uma trilha que levava até a comida, registran-
Adormecido, 
o sistema 
nervoso parece 
ensa1ar a 
realização de 
etapas mais 
difíceis de 
uma tarefa 
até torná-la 
automática 
do ao mesmo tempo os padrões de disparo 
neuronal do cérebro dos roedores. Células no 
hipocampo- uma estrutura do cérebro crucial 
para a memória espacial - criaram um mapa 
da trilha, com células diferentes disparando 
conforme os ratos atravessavam cada região da 
trilha. Essas células correspondem de maneira 
tão rigorosa a locais fís icos exatos que os pes-
quisadores puderam monitorar o progresso dos 
ratos apenas observando quais delas estavam 
disparando em dado momento. E, o que é mais 
interessante: cientistas registraram essas infor-
mações até mesmo quando os ratos dormiam 
e notaram que elas continuavam a disparar na 
mesma ordem-como se os animais estivessem 
"andando pela trilha" durante o sono. 
Conforme essa prática inconsciente fortalece 
a memória, algo mais complexo acontece: o 
cérebro pode estar ensaiando, de forma seletiva, 
os aspectos mais difíceis de uma tarefa. Um 
trabalho realizado em 2005 pelo neurocientista 
Matthew P. Walker, da Faculdade de Medicina de 
Harvard, demonstrou que quando as pessoas 
treinavam num teclado a digitação de sequências 
complicadas, como 4-1-3-2-4 (algo parecido com 
aprender uma partitura no piano) , dormir entre 
sessões de treinamento fazia com que os dedos 
se movimentassem de forma mais rápida e 
coordenada numa próxima tentativa. Em um ex-
perimento mais aprofundado, ele descobriu que 
os voluntários não estavam apenas aprimorando 
a tarefa de digitação; estavam também vencendo 
as dificuldades com as sequências numéricas 
mais complicadas. 
O cérebro faz isso, ao menos em parte, 
63 
deslocando a memória para as sequênciasmais 
diffceis. Usando ressonância magnética fundo· 
na I, Walker mostrou que seus voluntários usavam 
diferentes regiões do cérebro para digitar depois 
de terem dormido (veja quadro na póg. 62) . No 
dia seguinte, a digitação correspondeu a uma 
atividade maior no córtex motor primário direito, 
lobo pré-frontal mediai, hipocampo e cerebelo 
esquerdo- áreas associadas a movimentos mais 
rápidos e precisos. Em compensação, houve me-
nor atividade nos córtices parietais, insula esquer-
da, polo temporal e região frontopolar, indicando 
redução no esforço consciente e emocional. Em 
suma: toda a memória foi fortalec1da , mas em 
especial as partes que mais precisavam sê-lo. 
O sono estava fazendo esse trabalho usando 
regiões do cérebro diferentes daquelas usadas 
enquanto a tarefa era aprendida. 
Descobertas recentes mostram que dormir 
também facilita a análise ativa de novas me-
mórias, permitindo a resolução de problemas e 
dedução de novas informações. 
Em 2007, mostramos que o cérebro aprende 
enquanto dormimos. O estudo usou uma tarefa 
de dedução transitiva: se Luiz é ma1s velho do 
que Carol e Carol é mais velha do que Pedro, 
as leis da transitividade deixam claro que Luiz é 
mais velho que Pedro. Para deduzir isso, porém, 
é preciso juntar dois fragmentos de informação. 
64 I mentecerebro I 7 segredos do ckebro saudável 
É possível 
fazer deduções 
lógicas de fonna 
inconsciente e 
descobrir novas 
informações sem 
aprendizagem 
direta 
As pessoas costumam fazer tais deduções sem 
muito pensamento consciente. Essa capacidade 
cognitiva tem grande utilidade: podemos desco-
brir novas informações sem nunca ter aprendido 
isso de maneira direta. 
A dedução parece óbvia no caso de Luiz e 
Pedro, mas no experimento foram usadas formas 
coloridas abstratas que não tinham nenhuma re-
lação intuitiva umas com as outras (veja ilustração 
abaixo), tornando a tarefa mais desafiadora. Nós 
ensinamos às pessoas os assim chamados pares 
da premissa - elas aprenderam a escolher, por 
exemplo, a oval laranja em vez da azul, a turquesa 
em vez da verde, a verde em vez da floral, e assim 
por diante. Os pares da premissa indicam uma 
hierarquia- se o laranja é uma escolha melhor do 
que o turquesa e o turquesa é preferível ao verde, 
então o laranja deve "ganhar" do verde. Mas 
quando testamos os participantes nesses novos 
pares, 20 minutos depois de terem aprendido pela 
primeira vez eles ainda não haviam descoberto 
essas relações escondidas. No entanto, 12 horas 
mais tarde realizaram a escolha correta. Simples-
mente deixar o tempo passar permitiu ao cérebro 
calcular e aprender essas deduções transitivas. 
E pessoas que dormiram em algum momento, 
durante as 12 horas de intervalo, tiveram desem-
penho significativamente melhor, ligando os pares 
mais distantes com precisão de 900/o. Ou seja: o 
cérebro precisa de tempo para processar novas 
informações, e o sono maximiza esse beneffcio. 
ATALHOS COGNITIVOS 
Num estudo de 2004, o neurocientista Ulrich 
Wagner, da Universidade de Lübeck, Alemanha, 
demonstrou quão poderoso pode ser o proces-
samento de memórias no sono. Ele ensinou aos 
participantes como resolver um tipo de proble-
ma matemático usando um procedimento longo 
e fez com que o repetissem cerca de 100 vezes. 
Em seguida, pediu aos voluntários que fossem 
embora e voltassem 12 horas mais tarde, quando 
foram instruídos a tentar outras 200 vezes. 
Embora não soubessem que havia uma 
maneira bem mais simples de resolver os pro-
blemas, os pesquisadores perceberam exata-
mente quando eles descobriam o atalho, pois a 
velocidade da resolução da tarefa aumentava de 
repente. Muitos dos participantes descobriram o 
truque durante a segunda sessão, e esta chance 
aumentou 59% depois de uma noite de sono. 
De alguma forma o cérebro adormecido estava 
solucionando esse problema-sem nem mesmo 
saber que havia algo para solucionar. 
Quanto mais pesquisamos o assunto, mais 
percebemos que o cérebro está longe da ina-
tividade enquanto dormimos. Está claro que 
o sono pode consolidar memórias por meio 
de seu aprimoramento e estabilização e pelas 
descobertas de padrões dentro do material 
estudado, mesmo quando não sabemos que 
pode haver padrões ali. É óbvio, portanto, que 
economizar nas horas de sono prejudica esses 
processos cognitivos: alguns aspectos da con-
solidação mnêmica só são possíveis quando 
temos mais de seis horas de sono. Perca uma 
noite, e as memórias do dia podem ser com-
prometidas - uma constatação perturbadora 
em uma sociedade na qual a privação de sono 
se alastra em proporções epidêmicas. 
VANTAGEM ADAPTATIVA 
Mas por que certas funções cognitivas só 
entram em ação quando estamos dormindo? 
Não faria mais sentido se essas operações 
ocorressem durante a vigília? Talvez fizesse, 
mas as pressões evolutivas que tornaram o 
sono humano o que ele é hoje já existiam muito 
antes do advento da alta cognição. Funções 
como a regulação do sistema imunológico e o 
uso eficiente de energia (por exemplo, caçar de 
dia e descansar de noite) são apenas duas das 
muitas razões pelas quais faz sentido dormir 
num planeta que alterna a luz e a escuridão. 
E como já tínhamos a pressão evolutiva para 
FILME /NSONIA: privaçJo 
de sono causa confusilo 
mental no personagem 
vivido por AI Pacino 
PARA SABER \1AIS 
Human relational memory 
requires time and sleep. 
J. M. Ellenbogen, P. Hu, J. 
D. Payne, D. Titone e M. P. 
Walker, em Proceedings of 
the National Academy ofSci· 
ences, vol. 104, n• 18, págs. 
7723-7728, 2007. 
Sleep inspires insight.Ro· 
bert Stickgold, em Nalure, 
vol. 437, págs. 1272-1278, 
2005. 
Sleep-dependent memory 
consolidation. Ullrich Wag· 
ner, Steffen Gais , Hilde 
Haider, Rolf Ver-leger e jan 
Born, em Nature, vol. 427, 
págs. 352-355, 22,2004. 
Human relational memory 
requires time and sleep. 
Ulrich Wagner, Steffen Gais, 
Hilde Haider, RolfVer-leger 
e Jan Born, em Nature , vol. 
42 7, págs. 352-355, 22, 
2004. 
dormir, o sistema nervoso acabou usando esse 
tempo para processar informações coletadas 
durante a vigflia imediatamente anterior. 
O processamento da memória parece ser a 
única função do sono que exige do organismo 
estar realmente adormecido, isto é, que ele se 
encontre alheio ao que acontece ao seu redor, 
deixando de captar as informações sensoriais. 
Essa atividade cognitiva inconsciente parece 
exigir os mesmos recursos cerebrais usados 
para processa r estímulos sensoriais quando 
se está acordado. O cérebro precisa se desligar 
do mundo externo para realizar esse trabalho. 
Em contraste, embora outras funções, 
como a regulação do sistema imune, sejam 
realizadas de forma mais imediata quando o 
organismo está inativo, não pa rece haver um 
motivo para precisarmos perder a consciência. 
Assim, pode ser que outras funções tenham se 
desenvolvido para "tirar vantagem" do sono, 
que já foi alocado para o perfodo noturno para 
tecer nossas memórias. 
É inegável que ainda restam muitas outras 
perguntas sobre nossa cognição noturna e 
sobre a forma exata como o cérebro realiza 
o processamento de memórias. Essas inda-
gações suscitam uma questão maior sobre a 
memória em geral: como lembramos certas in-
formações e esquecemos outras? Acreditamos 
que compreender o sono pode ser a chave 
para decifrar mecanismos da memória. Para 
que isso ocorra, no entanto, é preciso realizar 
cada vez mais experimentos, mas igualmente 
importante é dormir e pensar a respeito. nec 
65 
R E L A X A R 
Descanso 
A e 
terapeut1co 
É QUASE IMPOSSÍVEL EVITAR QUE AS PRESSÕES DO COTIDIANO 
CAUSEM PROBLEMAS DE SAÚDE, MUITAS VEZES GRAVES; A BOA 
NOTÍCIA É QUE PODEMOS DIMINUIR ESSES EFEITOS NEGATIVOS 
CRIANDO "BRECHAS DE PRAZER" NA ROTINA, EM VEZ DE ESPERAR 
POR ALGUNS DIAS DE FÉRIAS UMA OU DUAS VEZES POR ANO 
V 
olta e meia a maior parte das 
pessoas constata o inevitável: 
as próprias energias estão se es-
gotando. O que parecia apenas 
sinal de cansaço muitas vezes se trans-
forma em lapsos de memória e irritação. 
Nos casos graves deexaustão aparecem 
sintomas como enxaqueca, dor nas costas 
e no estômago (e em alguns casos até 
úlcera), queda acentuada de cabelos e 
sfndrome do intestino irritável. Por trás do 
desconforto fisico está aquela conhecida 
palavrinha: estresse. Muitos ainda torcem 
o nariz quando algum médico, psicólogo 
ou outro profissional da saúde cogita esse 
diagnóstico, mas há um fato que não se 
pode negar: o esgotamento mental está 
associado a muitos problemas que atacam 
os órgãos ou regiões espedficas do corpo. 
Não é segredo que a natureza dotou 
nossos antepassados pré-históricos com 
I I por Selma Corrêa, jornalista 
uma ferramenta para ajudá-los a enfrentar 
ameaças: um s istema rápido de ativação 
capaz de aguçar a atenção, acelerar as bati-
das do coração, dilatar os vasos sangufneos 
e preparar os músculos para lutar ou fugir 
de um predador que invadia a caverna. Po-
rém, nós, os humanos modernos, estamos 
constantemente sujeitos ao estresse de-
corrente do estilo de vida contemporâneo: 
excesso de trabalho, barulho, pressão so-
cial, doenças fisicas e desafios intelectuais. 
Como resultado, muitos órgãos de nosso 
corpo são atingidos por uma descarga 
implacável de sinais de alarme que podem 
danificá-los e nos fazer adoecer. 
Apesar das mudanças no estilo de vida, 
nosso sistema cerebral ainda excita rapi-
damente o coração, os pulmões e outros 
órgãos, preparando-nos para enfrentar o 
perigo ou fugir dele. Afinal, hoje não são 
as feras que nos incomodam, mas o trân-
/ 
/ 
~~..._ ~ -- ~ ----
- - -- -........J. 
- ~y;= .;:_?:: ---= .....___ --- ----- ..-
I 
67 
sito caótico, a sobrecarga de tarefas, os chefes 
intransigentes, os colegas medíocres dos quais 
dependemos, o risco de sermos assaltados e 
tantas outras ameaças. E quando enfrentamos 
estressores da vida moderna, o sistema pode 
bombardear o corpo com sinais de alarme, ca-
pazes de comprometer nossa saúde. 
Quando os sentidos como visão, audição, 
ou mesmo os pensamentos indicam estresse, 
o hipotálamo inicia uma reação em cadeia, que 
envolve a amígdala e as glândulas pituitárias e 
adrenais, conduzida por impulsos nervosos e 
uma cascata de hormônios, entre eles o CRH, 
o ACHT e os glucocorticoides. Se os cientistas 
conseguirem determinar exatamente quais 
células receptoras no cérebro e nas glândulas 
propagam os sinais de esgotamento, poderão 
criar drogas espedfkas para interferir nesse 
processo, poupando os órgãos do esforço que 
o estresse provoca. 
Fazer coisas 
agradáveis, de 
preferência 
que envolvam 
movimento, são 
fundamentais 
para a saúde 
física e mental, 
pois funcionam 
como válvula de 
escape 
Cérebro sobrecarregado 
Um conglomerado de neurônios no tronco encefálico, 
denominado /ocus ceruleus, coordena o "braço curto" do 
sistema de estresse ao longo de múltiplos caminhos neurais 
(em pretc). Ele ativa o hipotálamo, que contata as fibras 
nervosas autonômas no tronco encefálico. Outros neurônios 
do /ocus ceruleus acionam diretamente as reações de estresse 
em órpos e glândulas através das fibras autônomas que se 
estendem pelo corpo. Ao enviar seus alertas, o /ocus ceruleus 
obtém sinais emocionais da amfgdala e da estria terminal, 
que alcançam também o hipotálamo. Ansiedade constante, 
medo ou agressão frequentes podem estimular os nervos 
interminavelmente, sobrecarregando o cérebro e o corpo. 
68 I rnentecérebro I 7 segredos do c.éreb.o saud2vel 
o 
O sistema de resposta do organismo pro-
duz feedback positivo para fortalecer a própria 
ação do estresse quando necessário, mas, se 
situações de tensão ocorrem constantemente 
(não raro em várias ocasiões por dia), há um 
acúmulo que pode tornar-se perigosamente 
intenso. Apropriada ou não, a reação depende, 
em grande parte, das células que encobrem a 
glândula pituitária. O CRH envia sinais para 
essas células por meio de moléculas receptoras 
tipo 1 na membrana celular. Há alguns anos, os 
pesquisadores do Instituto Salk e do Instituto 
Max Planck de Psiquiatria em Munique criaram 
camundongos nos qua is receptores tipo l 
estavam ausentes. Mesmo quando expostos 
várias vezes a situações estressantes, os níveis 
sanguíneos de certos hormônios do estresse 
desses animais nunca se elevaram acima do 
normal. Eles sentiam-se obviamente menos 
estressados. É possível que drogas capazes de 
Estria terminal 
E ,._~- Núcleo paraventricular .. 
t -~-­
I . . 
·. ·. 
.............. 
......... . . 
- Nervovago 
Humor e hormônios 
O que exatamente acontece no cérebro e no corpo quando 
estamos sobrecarregados? Quais órgãos são ativados? 
Quando os alarmes começam a causar problemas críticos? 
Nas últimas décadas, os pesquisadores identificaram diversas 
áreas que contribuem, de forma considerável, para determinar 
a forma como o corpo reage ao estresse e influem no modo 
como respondemos aos estressores externos. Essas regiões 
processam informação sensorial e emocional e se comunicam 
com uma vasta rede de nervos, órgãos, vasos sanguíneos e 
músculos, realocando as reservas de energia do corpo, de modo 
que possamos avaliar e reagir às situações. 
Quando o estresse se desencadeia, o hipotálamo, uma 
pequena área localizada em uma região profunda do cérebro, 
entra em ação. Ele contém vários núcleos (ou conglomerados) 
de neurônios, responsáveis por tarefas diversas, como regular 
o sono, o apetite e o equilíbrio entre diversos hormônios. O 
conglomerado mais importante de neurônios é o núcleo 
paraventricular, que produz importante liberador de 
corticotropina (CRH), estimulante que desencadeia 
a reação do estresse. 
O CRH foi descoberto em 1981 po~.WY.I.i~ ...... . 
Vale e seus colegas do Instituto Salk de Estudos 
Biológicos em San Diego, e desde então tem 
sido objeto de pesquisa. Esse hormônio controla 
a reação ao estresse de duas formas. Na primeira, 
ele alcança os órgãos por meio do chamado 
suprimir os efeitos do CRH nesses receptores 
possam, também, reduzir os níveis de estresse 
em pessoas perturbadas. 
braço longo - o caminho do sinal hormonal do hipotálamo 
para a glândula pituitária, no cérebro, e para as glândulas 
adrenais, nos rins. Esse braço é também conhecido como eixo 
hipotálamo-pituitária-adrenal. Ao atingir a pituitária o CRH faz 
com que a glândula libere o hormônio adrenocorticotrópico 
(ACHT) na circulação sanguínea. O ACTH, por sua vez, ativa 
as glândulas adrenais para liberar hormônios glucocorticoides 
no sangue. Níveis de glucocorticoides normalmente seguem 
um ritmo diário: alto no começo da manhã, baixo no fim do 
dia. Uma de suas principais tarefas é aumentar a glicose no 
sangue para fornecer energia aos músculos e nervos. Eles 
também controlam o metabolismo da glicose e o ciclo sono-
vigília. Como regulam funções tão importantes, os níveis 
desses hormônios têm de ser controlados com precisão e, 
sendo assim, estão sujeitos a um mecanismo de feedback no 
hipotálamo que pode rapidamente reverter o sistema para 
valores mais baixos. 
O CRH também utiliza outro caminho, o "braço 
curto". Uma pequena região no tronco encefálico 
chamada /ocus ceru/eus funciona como um 
tipo de circuito elétrico neural, ligando as 
áreas cerebrais produtoras de CRH ao sistema 
nervoso autônomo, que controla os processos 
fisiológicos contínuos independentemente 
de nossa vontade, como respiração, pressão 
sanguínea, digestão e assim por diante. 
tos rompidos nosso sistema de estresse pode 
suportar. Entretanto, um conjunto de pesquisas 
em desenvolvimento mostra que o estresse 
crônico compromete nossos órgãos e corpo. 
Embora já não enfrentemos o animal faminto 
na caverna, podemos ter de nos defrontar 
com dilemas igualmente terríveis, envolvendo 
diversos estressores mais insidiosos que estão 
sempre nos agredindo. 
Conhecimentos mais recentes acerca do 
funcionamento do cérebro oferecem fortes in-
dícios de como a tensão pode nos fazer adoecer 
e como neutralizar seus efeitos. Seja para um 
roedor, seja para uma pessoa, qualquer ativação 
do sistema de estresse é um evento extraordi-
nário - e no momentoem que a emergência 
termina, o sistema deve ser rapidamente desli-
gado, de modo que os órgãos afetados possam 
se recuperar. Contudo, quando circunstâncias 
externas estimulam o sistema de estresse repe-
tidamente, ele nunca deixa de reagir, e os órgãos 
nunca conseguem relaxar. Tal tensão crônica 
torna muitos tecidos vulneráveis a danos. 
Mas nem toda reação é igual. Certo nível 
básico, chamado estresse positivo, é até dese-
jável, porque nos mantém física e mentalmente 
prontos para agir bem. Porém, quando estamos 
em risco? Não há resposta consensual a essa 
pergunta. Não sabemos quanto barulho no 
ambiente de trabalho ou quantos relacionamen-
PARA SABER MAIS 
Combate~ exausUo mental. 
Ro be rt Epste1n. Coleçi'lo 
Doenças do cére bro n•J 
Estresse e Ansiedade, págs. 
16-23 , 2012. 
Então, o que fazer para diminuir a carga que 
pode nos prejudicar de forma tão grave? Cada 
vez mais psicólogos e médicos alertam para uma 
providência aparentemente simples, mas que 
pode fazer grande diferença para o bem-estar 
físico e mental: criar "brechas de prazer" na ro-
tina, em vez de apenas aguardar, ansiosamente, 
pelas férias anuais. Ao praticar com frequência 
atividades prazerosas, de preferência que en-
volvam movimento ou relaxamento do corpo 
-como caminhadas, esporte, dança, meditação 
ou massagem-, criamos válvulas de escape para 
a tensão, ajudando o sistema cerebral a "descan-
sar". E assim ganhamos fôlego para aguardar as 
merecidas férias. ~ 
As duas faces do estresse. 
Mathias V. Schmidt e lars 
Schwabe. Coleçilo Doenças 
do cérebro n•J Estresse e 
Ansiedade, págs. 6-15,2012. 
69 
do chebro saudável 70 I mentecerebro I 7 sepdos 
~~)_,­
~ · 
I 
Pelo di rei to 
' a paz 
A PREOCUPAÇÃO CRÔNICA SE ORIGINA DA COMPULSÃO POR 
CONTROLE; PORÉM, QUANTO MAIOR A AFLIÇÃO, MENOS 
SOMOS CAPAZES DE ENCONTRAR SOLUÇÕES CRIATIVAS; 
MEDITAÇÃO PODE EVITAR QUE ANTECIPAÇÕES EXCESSIVAS E 
INCONTROLÁVEIS SE TORNEM PATOLÓGICAS 
//por jornalista científica. 
o ponto de vista cognitivo, pensamentos de an-
tecipação sobre acontecimentos, em geral com 
enfoque negativo, fazem parte de um processo 
mental útil e necessário para a resolução de 
problemas. Para algumas pessoas, porém, a preocupação 
excessiva faz mais mal que bem- e se transforma em uma 
espécie de autotortura. Os preocupados crônicos agem 
sob a percepção enganosa de que, quanto mais pensarem 
sobre a questão que os incomoda e tentarem controlar 
cada situação, melhor será o futuro. Mas, em vez disso, 
esse padrão dificulta a assimilação cognitiva e provoca a 
superestimulação de áreas cerebrais de processamento 
do medo e da emoção. O excesso de vigilância também 
pode tornar o organismo incapaz de lidar adequadamente 
com o estresse, além de afetar o corpo, causando, por 
exemplo, problemas cardiovasculares. 
71 
O psicólogo Thomas Borkovec, da 
Universidade Estadual da Pensilvânia, pioneiro 
nesse campo de estudo, interessou-se pela 
tendência humana a se "pré-ocupar" com algo 
que não pode ser resolvido naquele momento 
enquanto investigava os distúrbios do sono e 
descobriu que a atividade cognitiva intrusiva 
na hora de dormir é um fator causador de 
insônia. No início da década de 90, Borkovec 
e seus colegas desenvolveram o Penn State 
Worry Questionnaire (Questionário sobre 
a Preocupação do Estado da Pensilvânia). 
um teste para diagnóstico que ajudou os 
pesquisadores a mostrar que a aflição excessiva 
é uma característica do transtorno de ansiedade 
generalizada (TAG). Os psicólogos revisaram 
as orientações psiquiátricas oficiais (na época, 
o Diagnostic and Statistical Manual of Mental 
Disorders 111 a terce ira versão do Manual 
Diagnóstico e Estatístico dos Distúrbios Mentais) e 
apontaram a preocupação como a característica 
essencial do TAG, sendo que sua manifestação 
crônica pode ser considerada um problema de 
saúde mental. 
COMPULSÃO POR CONTROLE 
Borkovec definiu três componentes 
principais das preocupações comuns 
das quais a maioria das pessoas não 
está livre: o excesso de pensamen-
tos, a tentativa de evitar resultados 
negativos e a inibição de emoções. 
Douglas Mennin, diretor do Yale An-
xiety and Mood Services da Univers i-
dade Yale, explica que a preocupação 
está associada à tendência inata dos 
seres humanos de pensar sobre o fu-
turo: "Temos compulsão por controle; 
os preocupados crônicos veem o mundo 
como um lugar inseguro e tentam lutar 
contra a sensação de desconforto". 
Os excessivamente preocu-
pados nutrem a crença 
de que a aflição lhes 
propicia esse con-
trole e tendem 
a evitar situa-
ções sobre as 
quais não de-
tenham ne-
nhum poder. 
n I rnentecérebro I 7 segredos do céfebro saudável 
Alguns padrões 
de pensamento 
dificultam a 
assimilação 
cognitiva, 
provocando 
medo e 
ansiedaae 
o que 
pode causar 
nson a e cr ses 
de taqu card1a 
contas 
Em um estudo de 1995, Borkovec fez 
uma descoberta curiosa: essas pessoas se 
martirizavam por questões que raramente 
ocorriam. No entanto, com frequência, os 
participantes do estudo reportaram acreditar 
que o pensamento exagerado sobre um pos-
sível acontecimento negativo evitara que este 
ocorresse- ainda que não houvesse nenhuma 
lógica nesse raciodnio. 
Não é de surpreender que os preocupa-
dos exibam atividade aumentada em áreas 
do cérebro associadas às funções executivas 
como planejamento, raciocínio e controle do 
im pulso. Recentemente, o psicólogo Stefan 
Hoffmann, da Universidade de Boston, usou 
um eletroencefalograma para medir a ativi-
dade no córtex pré-frontal, antes e após ter 
sido dito a 27 un iversitários que deveriam 
fazer um discurso em público. Ele confirmou 
evidências anteriores de aumento de atividade 
no córtex frontal esquerdo em pessoas que se 
preocupam em comparação com as que não 
têm a reação, o que sugere que o córtex frontal 
esquerdo desempenha papel preponderante 
nesse comportamento. 
Porém, a tentativa exagerada de estar 
no comando de determinada situação 
ou de seus próprios pensamentos pode 
ser um tiro pela culatra quando, em 
vez de atingir seu objetivo, as pessoas 
são dominadas por aflições repetitivas. 
A pesquisa mostra que, quanto mais 
cultivamos pensamentos negativos, 
mais as ameaças nos parecem reais e 
ma is se repetirão em nossa cabeça, às 
vezes de forma incontrolável. 
O ps icólogo Daniel M. Wegner, da 
Universidade Harvard, descobriu que 
quando as pessoas recebiam ordens 
para não pensar em um urso-bran-
co , demonstravam a 
tendência de men-
cioná-lo com 
frequência. No 
experimento, 
Wegner deixou 
um voluntário ; 
do estudo! 
em uma sala ~ 
com um mi- ; 
crofone e um J 
sino e pediu a ele que discorresse livremente 
sobre qualquer assunto . Em determinado 
momento, o pesquisador interrompia o mo-
nólogo e dizia ao participante que continu-
asse a falar- mas, nesse ponto, avisava que 
não pensasse no urso-branco, em hipótese 
alguma. Se a pessoa pensasse no animal , 
deveria tocar o sino. Na média, os voluntários 
tocaram o sino mais de seis vezes nos ci nco 
minutos seguintes e chegaram a dizer alto 
"urso-branco" várias vezes . 
"Ao tentarmos nos livrar de uma preo-
cupação ou de um pensamento recorrente, 
a situação parece piorar. O mesmo ocorre 
quando uma música se fixa na sua cabeça; 
você quer esquecê-la, mas ela conti nua res- g 
soando na sua mente cada vez mais sempre l 
que tenta afastá-la" , diz Wegner. Segundo ele, ~ 
nesse caso, dois processos mentais podem 1 ~ 
estar em pauta . In icialmente, ao tentar pro- ~ 
curar conscientemente por distrações para o Q 
Pesquisas já comprovaram que a meditação ajuda a diminuir a 
ansiedade e o limiar da dor - e, em alguns casos, é crucial para 
atingir esse resultado. E traz ainda duas enormes vantagens: a 
pessoa ganha autonomia para buscar o próprio bem-estar e não 
precisa fazer grande investimento financeiro para isso. 
Recentemente, cientistas da Universidade da Califórnia 
em Los Angeles descobriram os beneficios da prática para 
a anatomia cerebral. Eles observaram que áreas como 
hipocampo, córtexorbitofrontal, tálamo e giro temporal 
inferior (todas associadas à regulação das emoções) de 
pessoas que tinham o hábito de meditar entre 10 e 90 
minutos por dia há pelo menos quatro anos eram maiores em 
comparação às mesmas regiões de participantes do grupo-
controle que não meditavam. 
Imagens obtidas por ressonância magnética funcional 
(FRM) indicaram que esse aumento de volume se deve à 
maior quantidade de substância cinzenta, onde se concentram 
os corpos celulares dos neurônios (origem dos impulsos 
nervosos). Segundo os autores do estudo, publicado no periódico 
Neuro/mag, esses resultados parecem oferecer uma pista 
importante sobre a extraordinária capacidade dos adeptos da 
meditação de controlar as emoções e responder melhor aos 
estfmulos estressores do cotidiano e até mesmo à dor. 
Um ponto importante observado pelos pesquisadores é que 
as pessoas que fazem meditação desenvolvem potencial mais 
aguçado de concentração e isso se mantém mesmo nas fases 
em que não estão praticando. E para obter resultados não é 
necessário encerrar-se em um monastério ou reorganizar toda 
a vida para dedicar-se à meditação por várias horas: a prática 
diária, por um período de aproximadamente dez minutos, ou até 
um pouco menos, já é suficiente para trazer beneficios. 
Parece fácil , mas não é bem assim. Segundo uma pesquisa 
desenvolvida na Universidade Stanford, mais da metade dos 
principiantes encontram sérias dificuldade para se manter 
concentrados por cinco minutos, em especial nas primeiras 
seis semanas de prática. Vários afirmaram que no inicio 
consideravam ucomplicado" prestar atenção na própria 
respiração e que use perdiam" em pensamentos, em média 
duas ou três vezes a cada 60 segundos. Os que venciam 
as dificuldades da quietude e se entregavam a essa viagem 
interior, entretanto, eram unânimes em falar dos beneficios da 
meditação- sensação de equi librio, integridade e bem-estar 
ao longo do d ia. 
Esses relatos sugerem que vale a pena tentar: basta sentar-
se de maneira confortável e respirar naturalmente. A primeira 
coisa a fazer em seguida é direcionar a atenção para a própria 
inspiração e expiração, atendo-se aos detalhes da passagem do 
ar pela cavidade nasal, peito e abdômen. Se a pessoa notar que 
tende a se distrair- o que é bastante provável que aconteça -, 
deve redirecionar a concentração para a respiração. Um ponto 
importante: não criticar a si mesmo durante o processo caso 
surjam dificuldades. E uma vez que pegar o jeito, mesmo poucos 
minutos de respiração consciente poderão ajudar a manter a 
calma e aumentar a segurança antes de um encontro importante, 
de falar em público ou de enfrentar alguma outra situação 
estressante. (Da redação) 
73 
Para tornar a vida mais leve (*) 
1. AVALIE A SITUAÇÃO 
Um bom começo é determinar se suas inquietações 
poderão realmente ajudá-lo a encontrar soluções práticas 
para um problema. Se a resposta for "sim", faça uma lista 
com medidas claras e práticas para resolver a questão, de 
preferência estabelecendo prazos. Se a resposta for "não", 
use as técnicas a seguir. 
2. ANOTE 
Registre suas preocupações improdutivas durante o dia 
e reserve aproximadamente 15 minutos para se dedicar 
especificamente à reflexão sobre elas. Muita gente descobre 
que, no horário estipulado, elas simplesmente "deixaram 
de existir". Assuntos aparentemente fundamentais 
que exigiam resposta imediata parecem ter perdido a 
importância mais tarde. 
3. NÃO BRIGUE COM AS INCERTEZAS 
Os preocupados costumam ter dificuldade em aceitar que 
nunca poderão ter controle completo sobre sua vida. Alguns 
psicólogos comportamentais garantem que repetir baixinho 
uma preocupação por 20 minutos ("Nunca vou pegar no 
sono" ou "Posso perder o meu emprego") reduz o medo que 
temos de que essa afirmação se concretize. A maioria das 
pessoas fica entediada e nem chega a completar o tempo-
termina desviando a atenção para outras prioridades. 
4. INSISTA NA A CONCENTRAÇÃO 
Técnicas com base em ensinamentos budistas pregam 
viver o momento presente e experimentar todas as 
emoções, mesmo as negativas. Costumamos nos 
concentrar (ou seja, estar no centro de nossa vida) quando 
estamos imersos em nossa música predileta ou numa 
conversa animada com os amigos. Uma forma eficaz 
de "permanecer" no presente é praticar a respiração 
profunda, deixando o corpo relaxar e a tensão dos 
músculos desaparecer. 
5. ENCARE A REALIDADE 
O que acontece se um de seus receios se concretizar? 
Você sobreviveria à perda do emprego ou do namorado? 
Relativizar a forma como você avalia os desapontamentos 
costuma diminuir - ou até atenuar - a sensação de 
fracasso. Também pode ser útil fazer uma lista de coisas 
pelas quais somos gratos em nossa vida. 
6. OLHE PARA O PASSADO 
Examine as preocupações que o incomodaram e hoje não 
fazem mais sentido. Você tem dificuldade de se lembrar 
quais são? Provavelmente isso significa que aquelas 
preocupações nunca se tornaram realidade ou que você 
conseguiu lidar com elas e esquecê-las. Essa forma de 
pensar ajuda a redimensionar as inquietações atuais. 
(*) Atitudes sugeridas com base na abordagem cognitivo-comportamental 
7 4 I mente<:~ I 7 segredos do chebto saudável 
urso-branco (ou qualquer outra preocupação 
insistente) , de alguma forma a pessoa perma-
nece consciente do pensamento indesejável. 
O segundo motivo para que a supressão não 
funcione é que frequentemente fazemos um 
esforço inconsciente para evitar pensar no que 
é proibido- e, por fim, acabamos sensibilizan-
do nosso cérebro para o problema. 
Duas áreas do cérebro responsáveis pelo 
processamento de emoções estão relaciona-
das também à preocupação: a insula anterior 
e a amígdala. Um estudo de 2008 publicado 
pela Psychologica/ Science, no qual foi usada 
a ressonância magnética funcional, revelou 
que, quando os participantes antecipavam a 
~ perda significativa de dinheiro em um futuro 
i próximo, ocorria um aumento de atividade na 
} ínsula anterior. Essa área não apenas se torna 
5 mais ativa em resposta à preocupação como a 
! inclinação à inquietação também é reforçada. 
No entanto, os pesquisadores concluíram que, 
às vezes, quando o assunto é tomar decisões 
financeiras ousadas, o excesso de racionaliza-
ções pode ser positivo. 
Em 2009, Jack Nitschke, psicólogo clínico 
da Escola Madison de Medicina e Saúde Públi-
ca da Universidade de Wisconsin, relatou ter 
usado ressonância magnética funcional para 
medir a atividade na amígdala enquanto os 
pacientes com TAG e pessoas saudáveis que 
também participaram do estudo viam ima-
gens com conotação negativa (por exemplo, 
corpos mutilados) ou neutra (como um hi-
drante). Poucos segundos antes de vê-las, os 
voluntários eram informados se receberiam 
uma fotografia neutra ou negativa. Embora as 
pessoas com TAG e as saudáveis não apresen-
tassem diferenças na atividade na amígdala 
diante de qualquer tipo de ilustração, aquelas 
com transtorno de ansiedade generalizada 
(TAG) mostraram níveis incomuns de ativi-
dade da amígdala tanto em relação às dicas 
negativas quanto às neutras- sugerindo que 
a mera antecipação de a possibilidade desa-
gradável ocorrer no futuro requer um circuito 
neural espedfico. 
O fato é que todos nós nos afligimos em 
um momento ou outro e a preocupação nos 
coloca diante de um impasse psíquico que 
Medita~o e gerenciamento 
do stress no trabalho. Maria 
Cristina Pesce. Scortecci , 
2012. 
Anticipatory activation in 
the amygdala and anterior 
cingulate in generalized an-
xiety disorder and prediction 
of treatment response. )ack 
Nitschke et ai., em American 
Journa/ of Pshychiatry, vol. 
166, no 3, págs. 302·310, 
março de 2009. 
Como lidar com as preocu-
pações: sete passos para 
impedir que elas paralisem 
você. Robert Leahy. Artmed, 
2007. 
envolve aspectos do circuito neural. Nessas 
situações, os ansiosos crônicos se esforçam 
para controlar não só o que sentem, mas 
também as variáveis externas. E a afl ição 
contribuiu para o entorpecimento das res-
postasemocionais. Atualmente está bem fun-
damentado pela ciência o conhecimento de 
que o dano no lobo frontal está associado ao 
embotamento das emoções. Recentemente, 
um estudo desenvolvido pela Universidade de 
Boston demonstrou que essa área é mais ativa 
em pessoas que pensam no futuro. 
Quando a antecipação se torna muito 
frequente , a ponto de causar sofrimento, é 
importante buscar ajuda profissional. A psico-
terapia- e em determinados casos também os 
medicamentos - ajuda a pessoa a entrar em 
contato com as próprias angústias de forma 
protegida, compreender seu papel na dinâmica 
psíquica e a lidar com elas. A psicanálise e as 
terapias de base psicanalrtica, por exemplo, in-
vestigam a fundo os sintomas. já a abordagem 
cognitivo-comporta mental se propõe a ensinar 
os pacientes a detectar sinais precoces de pre-
ocupação nociva e a integrar procedimentos 
ao seu cotidiano. Em geral, técnicas de rela-
xamento (veja quadro na pág. 74) também são 
bastante eficazes para aliviar a tensão muscular 
associada à preocupação excessiva. m c 
75 
R E L A X A R 
uilíbrio 
BENEFÍCIOS FÍSICOS E MENTAIS 
DO TAl CHI CHUAN , COMO 
FORTALECIMENTO DO SITEMA 
IMUNOLÓGICO E ATÉ DA 
AUTOESTI MA, ATRAEM CADA VEZ 
MAIS A ATENÇÃO DE PSICÓLOGOS 
E NEUROCIENTISTAS 
V 
estidos com roupas orientais, chineses idosos se 
movem em suave sincronia. Reina o silêncio. Para 
os ocidentais essa é a representação mais fiel de 
ma antiga arte marcial chinesa surgida no século 
13. Proibida durante décadas pelo regime de Mao Tse-tung, 
a técnica ressurgiu há pouco mais de 30 anos. Hoje, o tai 
chi chuan, que quer dizer "luta do polo supremo", está di-
fundido também no Ocidente em razão dos beneficios que 
traz ao corpo e principalmente à mente. Mesmo sem atingir 
o nível de popularidade da ioga, vem atraindo a atenção da 
comunidade científica para as vantagens que oferece a quem 
o pratica com assiduidade. 
Embora seja frequentemente descrito como ginástica 
suave, uma forma de meditação em movimento ou dança, 
as raízes do tai chi chuan - ou simplesmente tai chi - estão 
I I por P ola Emilia Cicerone, jornalista 
nas artes marciais. É considerado, aliás, uma representação 
de conflitos internos expressos por meio dos movimentos. A 
técnica faz parte do que os chineses denominam wu shu, que 
nós, ocidentais, chamamos kungfo. De fato, na tradição orien-
tal, otai chi é definido como um "combate com a sombra". "As 
artes marciais mais conhecidas no Ocidente, como o karatê 
e o kung fu, as quais têm como objetivo infligir o maior dano 
possível ao adversário, na verdade são apenas um rascunho da 
original, cuja orientação básica é atingir o autoconhecimento e 
o controle do indivíduo", explica Marco Montagnani, professor 
de acupuntura e especialista em medicina tradicional chinesa. 
"Para o praticante de artes marciais, como o próprio o ta i chi 
chuan, a ideia central é evitar o combate sempre que possível 
ou tornar o adversário inofensivo com o mínimo indispensável 
de violência", diz. 
A técnica ocupa papel intermediário entre as técnicas de 
combate propriamente ditas e um tipo de ginástica terapêutica 
denominada qi gong. "Ele nasceu como uma arte marcial que 
tem também propriedades medicinais", explica Lucio Sotte, 
médico acupunturista e diretor da Revista Italiana de Medicina 
Tradicional Chinesa. Para muitos mestres, certas formas de 
execução dotai chi são consideradas qi gong. Sonia Baccetti, 
do Centro de Medicina Tradicional Chinesa Flor de Ameixa, 
em Florença, tem uma visão diferente. "Segundo os textos 
clássicos, o tai chi permite reequilibrar a energia e promover 
a saúde geral, enquanto o qi gong trata órgãos espedficos. 
Ambas as técnicas usam movimento e respiração consciente 
para reativar a circulação energética." 
Para a medicina chinesa, a saúde depende de uma boa cir-
culação da energia, "pois as patologias nascem da esta se, uma 
espécie de estagnação que pode surgir por vários fatores, como 
maus hábitos alimentares ou o que os chineses chamam 'ener-
gias externas perversas', como variações climáticas extremas, 
infecções ou emoções negativas intensas", diz a especialista. 
Segundo ela, o objetivo do tai chi é reproduzir no corpo os 
movimentos dclicos do Universo, da aurora ao crepúsculo, 
do nascimento à morte; até que se entre em sintonia com o 
que nos circunda. Cada mestre cria seu estilo, que deve, no 
entanto, respeitar os prindpios básicos da tradição", conclui. 
O tai chi praticamente não tem contra-indicações, exceto 
para quem sofre de lesões musculares (nesses casos, é ne-
cessário consultar um médico). Outra vantagem é que pode 
ser praticado por pessoas de todas as idades, em qualquer 
lugar, individualmente ou em grupo. Tudo que é necessário 
para executar as sequências de movimentos lentos e fluidos 
77 
- geralmente definidos por nomes pitorescos 
como "vigiar o macaco" ou "o gavião abre as 
asas"-é um espaço relativamente pequeno e um 
par de calçados confortáveiS. Isso não significa, 
porém, que se trata de um exercício fácil, apesar 
de os mestres ocidentais terem simplificado 
o método de ensino tradicional. Aprender tai 
chi chuan leva tempo, mas os benefícios não 
tardam a aparecer. "Quem faz logo percebe os 
resultados terapêuticos, que se intensificam com 
a experiência e podem levar, em uma década, a 
verdadeiras mudanças de caráter", afirma Marco 
Montagnam. 
O aprendizado do tai chi se divide em três 
grandes fases . A primeira é dedicada ao tiao 
shen, a harmonização corporal. Nela o praticante 
conhece os limites do próprio corpo e melhora 
a coordenação motora, a circulação sanguínea e 
a capacidade articular. Além disso, os exercícios 
frequentemente auxiliam também na expressão 
de emoções. 
Uma vez aprendidos os movimentos básicos, 
começa a chamada harmonização respiratória, 
o tiao xi, etapa em que, segundo especialistas, 
é favorecida a qualidade do sono, do humor e 
da vida afetiva. Nessa fase se aprende a levar a 
respiração até o umbigo, um centro energético, 
segundo os ch1neses, o que aJuda a controlar, por 
exemplo, ansiedade e ataques de pânico. "Não é 
à toa que quando estamos ansiosos tendemos 
a respirar com o tórax", explica Sonia Baccetti. 
A última fase do aprend izado, atingida 
apenas pelos mais assíduos, é chamada de har-
monização do coração, ou tiao xin- a medicina 
Vários est·los 
Atualmente há cinco estilos de ta i chi chuan, cada qual com o nome do mestre 
que o criou. O mais antigo é o estilo chen, que alterna movimentos lentos e 
rápidos, indu i saltos e pisadas vigorosas. O mais difundido é o estilo yong, 
que usa movimentos suaves, com velocidade homogênea. Os estilos wu e 
sun são os mais modernos, compostos por sequêndas mais longas (até 108 
movimentos) e outras muito rápidas (de 24 a 42 movimentos, muito usadas 
em competições e demonstrações). Nos níveis mais avançados, as sequências 
induem o uso de espada, lança ou leque. A popularização dotai chi no Ocidente 
vem gerando pequenas modificações da tradição na própria China, onde já 
existem livros dedicados às variações contemporâneas, dirigidos a quem já 
pratica há tempos essa arte marcial. Para iniciantes, só o contato direto com um 
mestre torna possível o aprendizado das infinitas sutilezas dos exercícios. 
A ideia central 
é evitar o 
combate sempre 
que possível 
ou tornar o 
adversário 
inofensivo 
com o mínimo 
indispensável de 
violência 
tradicional chinesa atribui ao coração as funções 
da mente. Nesse ponto o praticante desenvolve 
habilidades que melhoram o relacionamento 
com os outros e consigo mesmo. Alguns estudos 
mostram que, exercitado du rante anos, o tai chi 
ajuda a tomar consciência dos próprios limites e 
potencialidades. Se na fase anterior os exercícios 
combatiam a ansiedade, aqui são observados 
benefícios nos estados depressivos. 
Dentre as medicinas tradicionais do Oriente, 
a chinesa certamente é a mais estudada. Em 
bancos de dados da literatura científica, como o 
PubMed, há milhares de referências, principal-mente sobre acupuntura e qi gong. "Sabemos, por 
exemplo, que o efeito analgésico da acu puntura 
pode ser explicado pela ativação de vias neurais 
inibitórias, que conseguem bloquear o percurso 
do estímulo doloroso da periferia até o sistema 
nervoso central", explica Sonia. Segu ndo ela, 
Efeitos terapêuticos testados 
MúSCULOS Estudo de 2005 do Centro de Controle e Prevenção de 
Doenças, em Atlanta, mostrou que o tai chi fortalece a musculatura 
postura! e previne quedas em idosos. Outros estudos observaram 
redução na perda de tecido ósseo em mulheres na pós-menopausa. 
Quem sofre de artrite reumatoide parece também se beneficiar dos 
exercícios chineses, que melhoram a mobilidade das articulações, 
especialmente das pernas e do quadril. 
CORAy:..O O tai chi favorece a qualidade de vida e diminui a 
intensidade dos sintomas de portadores de insuficiência cardíaca 
crônica, segundo pesquisa realizada na Faculdade de Medicina da 
Universidade Harvard. No ano seguinte, estudo da Universidade de 
Uverpool mostrou que essa prática é capaz de diminuir a pressão 
arterial em mulheres de meia-idade. 
78 I ~ I 7 segredos do cerebro saudável 
U~ IDADE Portadores de Herpes zoster apresentaram melhora 
na resposta imunológica, especialmente indivíduos com saúde 
mais debilitada, segundo estudo do Centro Cousins de Psico-
neuroimunologia da Universidade da Califórnia em Los Angeles. 
~O O Praticado três vezes por semana durante seis meses, 
o tai chi aumenta a qualidade e a duração média do sono e é 
mais eficaz que programas equivalentes de ginástica de baixo 
impacto, de acordo com trabalho realizado no Instituto de Pes-
quisa de Oregon. 
AU ·om .. AA técnica foi considerada eficaz e contribui para a 
autoestima e para a qualidade de vida de mulheres com câncer 
de mama, segundo pesquisa da Universidade de Rochester. 
técnicas de neuroimagem como a tomografia 
por emissão de pósitrons (PET) mostram que 
a estimulação de alguns pontos do corpo ativa 
áreas específicas do cérebro, enquanto outros 
agem sobre o sistema imunológico ou regulam 
a produção de hormônios. 
As pesquisas científicas sobre tai chi chuan, 
entretanto, apresentam lim itações metodológi-
cas que vão além das dificuldades comuns no 
âmbito da medicina preventiva. Uma delas é o 
período relativamente longo de aprendizagem, 
diferentemente do qi gong, que se baseia também 
em exercícios estáticos, mas bem mais simples 
de executar. "Em geral os ensaios clínicos não 
duram o suficiente para avaliar os reais benefícios 
dessa arte porque ela exige tempo e aplicação", 
diz Fuzhong Li, do Instituto Oregon de Pesqui-
sa, que coordenou um estudo cujos resultados 
mostraram como o tai chi melhora o equil íbrio 
e previne quedas em idosos. "Uma das coisas 
que tendemos a esquecer quando estudamos os 
efeitos do tai chi é que a qualidade do instrutor 
conta muito e pode influenciar decisivamente os 
resultados", diz. 
Apesar das dificuldades, o número de pesqui-
sas sobre o tai chi chuan está se multiplicando 
rapidamente nos últimos anos, principalmente 
depois de uma excelente meta-análise publicada 
em 2004 porChenchen Wang, reumatologista do 
Centro Médico Tufts-New England, em Boston. 
"Pratico tai chi ocasionalmente, mas sou antes 
de tudo uma pesquisadora interessada em seus 
efeitos no organismo e no cérebro", explica a 
reumatologista americana de ascendência chi-
nesa. Vários estudos que fizeram parte da meta-
-análise mostram que o tai ch i pode, após um 
A palavra tai chi chuan, a "luta do polo 
supremo", também pode ser grafada taiji quan 
ou t'ai chi chuan. Diz a lenda que a técnica foi 
inventada no século 13 pelo mestre de artes 
marciais Chang San-Feng, que vivia isolado 
numa montanha da China. Depois de assistir a 
uma luta entre uma cegonha e uma serpente, ele 
teria ficado impressionado com os movimentos 
leves, quase sempre lentos, mas sempre sujeitos 
a contra-ataques rápidos, que o teriam inspirado 
a criar uma arte marcial em que a suavidade e a 
flexibilidade prevalecem sobre a força. 
período relativamente breve (seis meses), aliviar ~ 
~ 
PARA SABER MAIS 
Effect of tai chi ch uan in 
adults with rheumatoid ar-
thrit is. C. Wang et a/., e m 
Rheumatology, vol. 44, n° 5, 
págs. 685-687, 2005. 
The effect oftai chi on health 
outcomes in pat ients with 
chronic conditions: a sys-
tematic review. C. Wang et 
a/., em Archives of Interno/ 
Medicine, vol. 164, n° 5, págs. 
493-501, 2004. 
Sociedade Brasileira de Tai 
Chi Chuan - www.sbtcc.org.br 
a depressão e melhorar claramente indicadores ~ 
psicológicos de bem-estar, tanto os ligados à ~ 
percepção da própria saúde como os relativos 
à satisfação e à autoestima. Outros estudos 
indicam ainda que o tai chi melhora a coordena-
ção visual e motora e pode ajudar pessoas com 
demência leve a desfrutar melhor as próprias 
capacidades. "Entretanto, nenhuma dessas 
pesquisas é conclusiva, faltam evidências mais 
convincentes sobre os mecanismos de ação que 
justifiquem os resultados observados", adverte 
a pesquisadora. 
De modo geral, os trabalhos analisados 
por Chenchen mostram que o tai chi melhora 
o equilíbrio e a mobilidade articular e ajuda a 
combater a hipertensão. Segundo ela, porém, "há 
muito para investigar ainda, por exemplo: quais 
estilos da técnica garantem maiores benefícios; 
quanto se deve exercitar e quais suas reais vanta-
gens". Análises anteriores, como a realizada em 
2003 no Centro Médico Erasmus, de Roterdã, 
fornecem resultados menos precisos, mas se 
justificam pela dificuldade de encontrar estudos 
com metodologia adequada. Mais recentemente, 
Chenchen publicou um levantamento sobre os 
efeitos da técnica chinesa em pacientes com 
artrite reumatoide, nos quais foram observados 
resultados promissores, seja no plano físico, seja 
no psicológico. 
Provavelmente é longo o caminho da investi-
gação científica sobre os possíveis benefícios do 
tai chi na saúde física e mental. Considerando, 
porém, que uma tradição leva séculos para se 
estabelecer- se não milênios - , vale a pena ter 
paciência e aprender a esperar. ne< 
79 
R E L A X A R 
~ O inferno 
os outros. 
sao 
Será 
mesmo? 
As DIFERENÇAS PERTURBAM E 
ASSUSTAM, MAS É IM POSS ÍVEL EVITAR 
A CONVIVÊNCIA-NEM ESSA É A I DElA; 
AFINAL, É POR MEIO DA INTERAÇÃO 
E DO RELACIONAMENTO QUE NOS 
CONSTITUÍMOS COMO SERES HUMANOS 
A AUTORA 
~ psicóloga e 
psicanalista. 
O 
filósofo francês jean-Paul Sartre 
(1905-1980) t inha mesmo razão 
quando escreveu "não há necessida-
de de grelhas, o inferno são os ou-
tros", em sua peça Entre quatro paredes, encenada 
pela primeira vez em 1944? A verdade é que, em 
algum nfvel, o outro sempre incomoda. O desco-
nhecido, então, nem se fa la- seja no trânsito, na 
fila , dormindo nas ruas ou do outro lado da li nha 
telefônica oferecendo algum produto ou serviço 
do qual não precisamos. A relação com aqueles 
"outros" um pouco ma is próximos como cole-
gas de trabalho ou de classe, vizinhos, pessoas 
com quem convivemos quase d iariamente por 
imposições circunstanciais também nem sempre 
é fácil. Afinal, ninguém duvida, por exemplo, que 
uma das partes mais complicadas de qualquer 
80 I rnentec.érebro I 7 segredos do c&ebro saudável 
I I por Maria Maura Fadei 
atividade profissiona l, muitas vezes , não é o 
trabalho em s i, mas a convivência com colegas 
e chefes . Não raro, somos obrigados a passar 
muitas das preciosas horas do nosso d ia bem 
perto de pessoas com quem jamais estarfamos 
sequer cinco m inutos se isso dependesse exclu-
sivamente de nossa vontade. Porém, na maioria 
dos casos de inevitável convfvio social, vêm em 
nosso socorro as regras da boa educação, que ~ 
funcionam como uma proteção, uma espécie E 
de bálsamo que nos resguarda de desgastantes ~ 
~ embates. Por isso costuma ser tão importante ~ 
lançar mão daquelas adoráve is pa lavrinhas ~ 
que ajudam a manter de pé a civilização- com ~ 
? 
licença, por favor, obrigado, desculpe. Podem pa- s 
a 
recer meros vernizes sociais , mas por trás delas ~ 
= estãoentrelaçados conceitos que nos separam o 
(na medida em que explicitam necessidades individuais) , 
protegendo-nos como se fossem redes de contenção e, ao 
mesmo tempo, nos aproximam de nossos semelhantes, 
pois permitem trocas e, em alguns casos, até o reconhe-
cimento do quanto, em essência, somos vulneráreis e 
parecidos uns com os outros . 
O ato de pedir licença nos lembra que há limites- nos-
sos e alheios - a serem reconhecidos e respeitados. Um 
corriqueiro "por favor" encerra o reconhecimento de que 
necessitamos da empatia e, em consequência, da atitude 
benevolente do interlocutor. A gratidão, no sentido do reco-
nhecimento de que um beneficio ou auxilio (por mfnimo que 
seja) nos foi prestado, traz consigo duas ideias implfcitas 
interessantes: primeiro a de que merecemos e podemos 
receber algo; segundo, somos capazes de perceber e aceitar 
algo de positivo que nos foi ofertado. Guardadas as devidas 
proporções e desdobramentos, tanto no microuniverso dos 
relacionamentos pessoais quanto nas trocas diplomáticas 
entre pafses, em última análise valem as mesmas estrutu-
ras que sustentam relações mais ou menos profundas e 
complexas. Naturalmente as palavras, por si sós, podem 
ser enganosas. Qualquer uma delas assume conotações 
diversas, dependendo do contexto e do tom com que são 
pronunciadas. Ditas de forma sincera, conectadas ao que 
realmente sentimos e desejamos transmitir, ganham força 
inusitada. Af surge o que costumo chamar de "o desafio do 
como": quando se trata de relacionamento, às vezes vale 
mais a forma que o conteúdo. 
Na relação com aqueles "outros" com que dividimos 
nossos projetos de vida, sonhos, desejos e até a proximi-
dade ffsica e o carinho - sejam eles nossos pais, filhos, 
amigos, irmãos, cônjuges - é preciso aprender a fazer 
escolhas e negociar (primeiro conosco e depois com quem 
está por perto). Negociar o quê? Entregas e renúncias. Sim, 
81 
porque, por mais desprendidos que sejamos, o 
que fazemos pode até beneficiar o outro, mas 
o fazemos, em primeiro lugar (e muita vezes 
unicamente) , por nós. Sempre há um ganho, 
uma satisfação- e isso não é um problema, é 
bom que haja. Psicólogos evolucionistas, por 
exemplo, se apoiam fortemente na ideia de 
que a espécie humana sobreviveu, em grande 
parte, graças às alegrias e recompensas -
prazer sexual, sabor agradável dos alimentos 
e até a generosidade e o altruísmo, como foi 
provado cientificamente por William Harbau-
gh, professor de economia comportamental e 
experimental da Universidade de Oregon. De 
outra óptica, a da dinâmica psíquica, a psica-
nálise expande esse horizonte e nos acena com 
a ideia da culpa, que nos faz tomar inúmeras 
atitudes que às vezes transformam nossa vida, 
sem sequer nos darmos conta do quanto nos 
sentimos devedores- sabe-se lá de quê. 
Em O mal-estar na cultura, escrito em 1930, 
Freud afirma que, de modo geral, as aspirações 
e realizações humanas estão vinculadas à sua 
utilidade e ao ganho de prazer, o que vale tam-
bém para as criações artísticas e descobertas 
científicas. Nesse artigo, o criador da psicaná-
lise apresenta a tese de que a civilização (ou 
cultura , o autor não distingue uma da outra) 
produz desconforto, pois para que a socieda-
de possa se desenvolver o indivíduo precisa 
82 I ment.ea. I 7 segredos do~ saudavel 
ATOR DANIEL GELIN, 
na peça Entre quatro 
paredes (em rrancês, Huis· 
Cios), escrita por Sartre 
em 1944; encenaçào em 
Paris, em fevereiro de 1981 
renunciar à satisfação sexual e à 
agressividade - já que trocas e en-
contros tanto sociais quanto afetivos 
são regulamentados e obedecem a 
normas. Nas mais diversas relações 
é praticamente impossível livrar-se 
de exigência e ideais, desvinculan-
do os aspectos próprios da cultura 
daqueles que pertencem especifica-
mente ao indivíduo. Na prática, não 
podemos fugir de um fato: o outro 
(os outros todos, aliás, não importa 
que rosto tenham) perturba, irrita. As 
diferenças assustam. Mas também 
é im possível evitar a convivência (e 
nem essa é a ideia). Afinal, é justa-
mente por meio do olhar do outro 
que nos constituímos como huma-
nos. Somos mães ou pais porque 
existe (ou existiu em algum momen-
to) um filho; somos filhos porque 
tivemos pais, irmãos porque temos irmãos. 
Em outras palavras, vale dizer: é preciso 
conviver. Nesse "viver com" obviamente en-
contramos aqueles com quem não nos agrada 
estar. É quase sempre inevitável esbarrarmos 
no diferente, naquele que pensa, age, fala e 
vive de forma diversa da nossa. O outro, aquele 
que se distingue de nós- seja pela cor da pele, 
experiência de vida, orientação sexual, limita-
ções afetivas , capacidade intelectual, crença 
religiosa ou qualquer outro aspecto -, nos 
coloca em xeque, ameaça. Não é uma regra: 
convém prestar atenção naquilo que tanto nos 
incomoda nas outras pessoas, pois, em geral, 
são as características das quais tendemos a 
fugir em nós mesmos que mais "enroscam" 
nesses mesmos aspectos do outro. Nesse 
caso, vale a máxima: gambá cheira gambá. 
Quer dizer, chama nossa atenção repetida-
mente aquilo com o que, de alguma forma, nos 
identificamos. Obviamente situações explícitas 
de crueldade e injustiça não se aplicam a este 
caso- mexem com convicções mais arraigadas 
e causam indignação, lembrando-nos que so-
mos humanos, felizmente. Mas, se você anda 
convicto de que alguém é responsável por seu 
inferno particular e tem a incrível capacidade 
de acabar com a alegria de seus dias, algo pode 
estar errado, e talvez seja a hora de você voltar 
a ser o centro de sua vida . ~ 
. . , .. . 
~ .~!J9lS!H1 
11 
·-::: 
.......... 0 
-~-3111)$ 
DDIIMil 
101901i .... 
use você não for um introvertido, 
certamente está criando, 
trabalhando ou casado com um." 
MAIS DE 
1 MILHÃO 
de exemplares 
vendidos 
- Folha de S. Paulo 
Este livro mostra como 
os tímidos e introvertidos 
foram e são responsáveis 
por algumas das maiores 
transformações da 
sociedade. Você mudará 
para sempre a forma 
como vê o mundo e como 
você se vê. 
O PODER DOS QUIETOS 
Susan Cain 
344 páginas 
R$29.90• 
Já à venda. 
A 
AGI R

Mais conteúdos dessa disciplina