Prévia do material em texto
APOSTILA ESPECÍFICA PSICOLOGIA MPU – MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃO 210 - REPRODUÇÃO PROIBIDA – www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 2 Índice: I CLÍNICA. 1. Avaliação psicológica: fundamentos da medida psicológica. Instrumentos de avaliação: critérios de seleção, avaliação e interpretação dos resultados. Técnicas de entrevista. Página 03 2. Psicologia do desenvolvimento: o desenvolvimento normal. Psicopatologia do desenvolvimento. Página 33 3. Processo saúde-doença: doenças crônicas e doenças agudas; modelo biomédico e modelo biopsicossocial de saúde. Página 73 4. Ações básicas de saúde: promoção; prevenção; reabilitação; barreiras e comportamentos de saúde; níveis de atenção à saúde. Página 97 5. Psicologia da saúde: a instituição hospitalar; ética em saúde e no contexto hospitalar. Página 107 6. Equipes interdisciplinares: interdisciplinaridade e multidisciplinaridade em saúde. Página 112 7. Técnicas cognitivo-comportamentais: psicoterapia individual e grupal. Página 114 8. Repertório básico para intervenção: avaliação do nível funcional e necessidades psicossociais do doente; o sistema psiconeuroendocrinológico; adesão ao tratamento; teorias e manejos do estresse; teorias e manejo da dor; estilos de enfrentamento; o impacto da doença e da hospitalização sobre o doente e a família. Página 135 9. Práticas grupais. A atuação do psicólogo na interface saúde/ trabalho/ educação. Página 170 10. A violência na infância, adolescência e na velhice. Página 179 11. O processo de envelhecimento e as doenças degenerativas. Página 200 12. Álcool, tabagismo, outras drogas e redução de danos. Página 208 13. Tratamento multidisciplinar da obesidade. Página 219 II GESTÃO DE PESSOAS NAS ORGANIZAÇÕES. 1. Conceitos, importância, relação com os outros sistemas de organização. Página 221 2. A função do órgão de Gestão de Pessoas: atribuições básicas e objetivos, políticas e sistemas de informações gerenciais. Página 226 3. Comportamento organizacional: relações indivíduo/organização, motivação, liderança, desempenho. Página 237 4. Competência interpessoal. Página 252 5. Gerenciamento de conflitos. Página 256 6. Clima e cultura organizacional. Página 260 7. Recrutamento e Seleção: técnicas e processo decisório. Página 269 8. Avaliação de Desempenho: objetivos, métodos, vantagens e desvantagens. Página 276 9. Desenvolvimento e treinamento de pessoal: levantamento de necessidades, programação, execução e avaliação. Página 282 10. Gestão por competências. Página 291 III APRENDIZAGEM ORGANIZACIONAL. 1. Educação corporativa. Educação a distância. Página 299 2. Projeto pedagógico. Página 301 Referências Bibliográficas página 303 www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 3 I CLÍNICA: 1. Avaliação psicológica: fundamentos da medida psi cológica. Instrumentos de avaliação: critérios de seleção, avaliação e interp retação dos resultados. Técnicas de entrevista. Definição e Caracterização: De acordo com o Dicionário Aurélio (1999), Avaliação refere-se à: “sf. 1. Ato ou efeito de avaliar (-se). 2. Apreciação, análise. 3. Valor determinado pelos avaliadores”. O termo avaliação é abrangente e nos remete a diferentes conceitos, desta forma, para o Conselho Federal de Psicologia a Avaliação Psicológica, é um processo técnico e científico realizado com pessoas ou grupos de pessoas que, de acordo com cada área do conhecimento, requer metodologias específicas. Suas estratégias aplicam-se a diversas abordagens e recursos disponíveis para o processo de avaliação (CUNHA, 2000). Ela é dinâmica e constitui-se em fonte de informações de caráter explicativo sobre os fenômenos psicológicos, com a finalidade de subsidiar os trabalhos nos diferentes campos de atuação do psicólogo. Trata-se de um estudo que requer um planejamento prévio e cuidadoso, de acordo com a demanda e os fins aos quais a avaliação destina-se. Avaliação Psicológica para Alchieri e Noronha (2004) é: “um exame de caráter compreensivo efetuado para responder questões específicas quanto ao funcionamento psíquico adaptado ou não de uma pessoa durante um período específico de tempo ou para predizer o funcionamento psicológico da pessoa no futuro. A avaliação deve fornecer informações cientificamente fundamentadas tais que orientem, sugiram, sustentem o processo de tomada de decisão em algum contexto específico no qual a decisão precisa levar em consideração informações sobre o funcionamento psicológico” (p. 44). Segundo Cunha (2000), o conceito de avaliação psicológica é muito amplo, englobando em si o psicodiagnóstico. Este seria uma avaliação psicológica de finalidade clínica, e não abarcaria todos os modelos possíveis de avaliação psicológica. Para a autora, o psicodiagnóstico é definido como “um processo científico, limitado no tempo, que utiliza técnicas e testes psicológicos, em nível individual ou não, seja para entender problemas à luz de pressupostos teóricos, identificar e avaliar aspectos www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 4 específicos, seja para classificar o caso e prever seu curso possível, comunicando os resultados, na base dos quais são propostas soluções, se for o caso”. Visa, assim, identificar forças e fraquezas no funcionamento psicológico (CUNHA, 2000). A fim de caracterizar este processo, tem-se que o mesmo se dá em uma situação bipessoal, com papéis bastante definidos e com um contrato, havendo uma pessoa que pede ajuda (paciente) e uma que recebe o pedido e se compromete em solucioná-lo, na medida do possível, o psicólogo. Sua duração é limitada e seu objetivo é conseguir, através de técnicas, investigar, descrever e compreender, de forma mais completa possível, a personalidade total do paciente ou grupo familiar, abrangendo aspectos passados, presentes e futuros desta personalidade (OCAMPO & ARZENO, 2001). Mostra-se assim, como um processo científico, uma vez que parte do levantamento prévio de hipóteses que serão confirmadas ou refutadas por meio de um plano de avaliação, com passos e técnicas predeterminadas e objetivos específicos (CUNHA, 2000). Com os dados obtidos, faz-se uma inter-relação destes com as informações obtidas a partir das hipóteses iniciais, e uma seleção e integração com os objetivos do psicodiagnóstico, assim, os resultados são comunicados, a quem de direito, determinando-se quais dados devem ser apresentados para que seja possível a oferta de subsídios para recomendações e/ou decisões (CUNHA, 2000). É importante ainda salientar a qual público o psicólogo que realiza psicodiagnóstico atende. Este, geralmente, é formado por profissionais médicos (psiquiatras, pediatras, neurologistas, etc.), advogados, juízes e pela comunidade escolar, que encaminham seus clientes. Há também, mas com menor freqüência, casos de procura espontânea do paciente ou familiar, principalmente quando recomendado por amigo ou outro membro da família (CUNHA, 200). O profissional psicólogo deve, por fim, atentar-se para a finalidade da investigação, para que as necessidades da fonte de solicitação sejam atendidas e seu trabalho tenha o impacto e crédito merecidos. Para tanto, ao se observar a dificuldade que o solicitante do encaminhamento pode apresentar ao requerer uma avaliação psicológica, é de sua responsabilidade encontrar meios de manter contato e uma boa comunicação com os diferentes profissionais com quem trabalha, para conhecer melhor suas necessidades e, owww.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 5 mais importante, esclarecer e determinar, em conjunto, o que se espera dele (CUNHA, 2000). Breve Histórico: “Ao longo da história, por um lado temos que o papel do psicólogo foi se estabelecendo a partir do uso dos testes psicológicos, como um psicometrista ou um avaliador da inteligência, da personalidade, criando um espaço ou um mercado de trabalho próprio, tentando desvincular-se do modelo médico, mas, com o passar do tempo, o psicólogo clínico vai-se influenciando e aproximando-se do modelo do psicanalista (e/ou psicoterapeuta), chegando a “negar” aquilo que é sua constituição, ou seja, utilizar os testes psicológicos na sua pratica clínica, principalmente no diagnóstico clínico”. Este texto é de autoria de Isabel Cristina Gomes, Profa. Dra. da USP. Para dar continuidade e maior esclarecimento ao assunto, a seguir um breve histórico dos momentos mais marcantes da avaliação psicológica e consequentemente do psicodiagnóstico. A história da avaliação psicológica começou no fim do século XIX e início do século XX e está muito ligada ao surgimento da Psicologia Experimental no séc. XIX. A fundação do primeiro laboratório de Psicologia Experimental pelo psicólogo alemão Wundt, em 1879, marcou o início das experiências científicas, visando principalmente investigar as sensações auditivas e visuais, a psicofísica, tempos de reação e outros. Época que marcou o início do uso de testes psicológicos, e propiciou a imagem de “aplicador de testes” que muitos têm do profissional psicólogo. Segundo Cunha (2000), o psicodiagnóstico derivou da psicologia clínica, em 1896, introduzida por Lighter Witmer, sob a tradição da psicologia acadêmica e da tradição médica. Esta última teria efeitos marcantes na identidade profissional do psicólogo clínico. Ao final deste século e início do seguinte, a psicologia sofreu influência da Biologia, com os trabalhos realizados por Galton, na década de 1880, que tentou aplicar os princípios do evolucionismo de Darwin à seleção, adaptação e ao estudo do ser humano. Galton elaborou alguns testes a fim de identificar diferenças individuais e determinar o grau de semelhança entre parentes em um estudo sobre hereditariedade e genialidade (CUNHA, 2000; GEOCITES, 2008). www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 6 Influenciado por Galton, Cattel (psicólogo americano) fez seus estudos dando ênfase às medidas sensoriais, afirmando que elas permitiam uma maior exatidão. Elaborou também uma tese sobre diferenças no Tempo de Reação, que consistia em registrar os minutos decorridos entre a apresentação de um estímulo ou ordem para começar a tarefa, e a primeira resposta emitida pelo examinando. E desenvolveu medidas das diferenças individuais, o que resultou na criação da terminologia Mental Test (teste mental) (PASQUALLI, 2001 apud SILVA, 2008). Stern, em 1900, estudava as diferenças raciais, culturais, sociais, profissionais, etc, e incluiu nestes o conceito de “quociente intelectual” (Q.I.), sendo conhecido como seu idealizador (GEOCITES, 2008). O primeiro a fazer realmente testes de nível mental foi A. Binet, que fazia várias críticas aos testes utilizados até então, por acreditar que as medidas exclusivamente sensoriais, apesar de permitirem maior precisão, não tinham relação importante com as funções intelectuais (SILVA, 2008). Binet tinha seus interesses voltados para avaliação das aptidões mais nas áreas acadêmica e da saúde. Em 1905, ele e Simon desenvolveram o primeiro teste psicológico, com o objetivo de avaliar e detectar, através de medidas intelectuais como julgamento, compreensão e raciocínio, o nível de inteligência ou retardo mental de adultos e crianças das escolas de Paris. Estes testes de conteúdo cognitivo foram bem aceitos, principalmente nos EUA, a partir da sua tradução por Terman (1916), nascendo, assim, a era dos testes com base no Q.I. ( CUNHA, 2000; SILVA, 2008). A tradição em psicometria passou a ser melhor sedimentada então pelas escalas de Binet, os quais foram aperfeiçoados por Terman, e pela criação dos testes do exército americano (CUNHA, 2000 e geocites). Os primeiros testes de inteligência em forma coletiva surgiram por ocasião da Primeira Guerra Mundial, em 1914. Eles foram elaborados para classificar intelectualmente soldados do exército norte-americano, e receberam os nomes de “Army Alpha” e “Army Beta” (CUNHA, 2000 e geocites). Deste modo, tem-se que os testes psicológicos surgiram a partir de diferentes fatores, porém, alguns merecem destaque: a necessidade de identificação de deficientes mentais; os problemas de aprendizagem; a seleção rápida e eficiente de contingente para www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 7 as forças armadas; seleção e classificação de empregados; e a adoção de crianças (GEOCITES, 2008). No Brasil, em 1924, na Bahia, foi realizada por Isaias Alvez a adaptação da escala Binet-Simon, sendo considerada um dos primeiros estudos de adaptação de instrumentos psicométricos no país (NORONHA & ALCHIERI, 2005 apud SILVA, 2008). Com a revolução e aperfeiçoamento de técnicas, surgiram diversos tipos de testes, entre eles os de aptidão (criados para aconselhamento vocacional, seleção e classificação de pessoal), os psicológicos (medida objetiva e padronizada sobre uma amostra de comportamento) e os de Q.I. (com a finalidade de medir o quociente de inteligência entre pessoas de uma mesma faixa etária) (GEOCITES, 2008). Atualmente, o progresso na elaboração dos testes psicológicos tem sido constante, disponibilizando ao profissional psicólogo cada vez um número maior de possibilidades a serem usadas. É importante recordar que a contribuição da psicometria foi e é essencial para garantir a cientificidade dos instrumentos do psicólogo, mas também, que existem diferenças entre o psicometrista e o psicólogo clínico. O primeiro valoriza mais os aspectos técnicos da testagem, já no psicodiagnóstico, o psicólogo utiliza testes e outras estratégias para avaliar um sujeito de forma sistemática, científica e norteada para a resolução de um problema, relacionando-os com o contexto total da pessoa (CUNHA, 2000). Mesmo no período entre as duas grandes guerras, a classificação das doenças mentais ainda pressupunha uma hierarquia, herança de um modelo médico, que evidenciava alterações nas condições orgânicas, e quando isto ocorria, qualquer outro diagnóstico era subjugado (CUNHA, 2000, SILVA, 2008). É neste cenário que as obras de Freud e Kraepelin aparecem, e dão novo significado às antigas classificações, desvendando as diferenças entre estados neuróticos e psicóticos, dentre os transtornos classificados na época como funcionais (não- orgânicos) (CUNHA, 2000). Assim, segundo Cunha (2000), Freud representou o primeiro elo de uma corrente de conteúdo dinâmico, seguido pelo surgimento de Jung, com seu teste de associação de palavras em 1906, e fornecendo forças para o lançamento posterior das técnicas projetivas. www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 8 Começa o período áureo dos testes de personalidade e técnicas projetivas. Em 1921, é lançado o Rorschach, com grande sucesso, em seguida o TAT, e desde então a multiplicação das técnicas projetivas. Cunha (2000), fazendo referência a Groth-Marnat, (1999), aponta que isto ocorreu devido a dois fatores: o primeiro seria o de que os testes até então consagrados, como os utilizados na áreamilitar e industrial, não mais atendiam as necessidades da população, na avaliação de problemas da vida, como neuroses, etc; e o segundo, seria pela grande valorização do entendimento dinâmico por parte da comunidade psiquiátrica. Porém, logo em seguida, as técnicas projetivas entraram em um certo declínio, por estarem muito associadas a uma perspectiva teórica (a psicanálise), por apresentarem problemas metodológicos, e por dar certa ênfase à interpretação intuitiva (CUNHA, 2000). Atualmente há uma busca por instrumentos mais objetivos e estruturados, por isto o maior rigor na aprovação e validação dos testes, pela necessidade de manter embasamento científico para oferecer respostas adequadas e compatíveis com outros ramos da ciência, e em termos de questões diagnósticas. Porém, isto não significa que as técnicas projetivas não tenham seu valor e não sejam utilizadas até hoje, somente aponta para a necessidade de constantes reavaliações, para que haja um reconhecimento da qualidade do proposto por um psicodiagnóstico (CUNHA, 2000). Objetivos: O principal objetivo do processo psicodiagnóstico é conseguir uma descrição e compreensão da personalidade do paciente, de forma a explicar a dinâmica do caso como aparece no material, integrando-o, posteriormente, num quadro global, sem esquecer-se de incluir tanto aspectos patológicos quanto adaptativos. (OCAMPO & ARZENO, 2001). É de suma importância que o psicólogo tenha ciência sobre qual a finalidade, ou finalidades, do psicodiagnóstico a ser realizado, que depende do motivo do encaminhamento. Isto confere ao profissional maiores condições de fazer escolhas mais acertadas quanto às técnicas e materiais a serem utilizados (ARZENO, 1995) (CUNHA, 2000). Dentre os motivos que levam a este tipo de consulta tem que se distinguir basicamente dois tipos: o motivo latente e o motivo manifesto. O primeiro, caracterizado por ser o mais oculto, inconsciente, que às vezes nem o cliente tem muita certeza, e, o www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 9 último, o mais consciente, geralmente o motivo que aparece num primeiro momento, quando o cliente é perguntado sobre o porquê da consulta (ARZENO, 1995). Cunha (2000) aponta que existem um ou vários objetivos em um processo psicodiagnóstico, e que os mais comuns seriam os seguintes: a) Classificação simples: quando há a comparação da amostra do comportamento do examinado com os resultados obtidos por outros sujeitos de uma população com condições semelhantes à dele (idade, escolaridade, sexo); os dados são fornecidos de modo quantitativo, e são classificados de maneira resumida e simplificada, como p.ex. em uma avaliação intelectual. b) Descrição: vai além da anterior, uma vez que interpreta diferenças de escores, identifica potencialidades e fracassos, além de descrever o desempenho do paciente, p.ex. avaliações de déficit neurológico. c) Classificação nosológica: as hipóteses iniciais são testadas tendo como referência critérios diagnósticos. Uma avaliação com este objetivo pode ser realizada em diferentes situações. Uma refere-se ao paciente não testável, sendo assim, o profissional deverá fazer um julgamento clínico acerca da presença ou não de sintomas significativos, para verificar através da comparação com outros pacientes da mesma categoria diagnóstica o que este tem em comum com ela. A outra situação é quando o paciente é passível de teste, assim, a possibilidade da realização de um psicodiagnóstico se faz possível, e as hipóteses iniciais podem ser testadas cientificamente, através da bateria de testes – nesta situação não caberia somente conferir quais critérios diagnósticos são preenchidos pelo paciente. A classificação nosológica auxilia na comunicação entre profissionais e contribui para o levantamento de dados epidemiológicos de uma comunidade. d) Diagnóstico diferencial: são investigadas irregularidades e inconsistências dos resultados dos testes e/ou do quadro sintomático para diferenciar categorias nosológicas, níveis de funcionamento, alternativas diagnósticas ou natureza da patologia. Para tanto, o psicólogo de ter um vasto conhecimento em psicopatologia e sobre técnicas sofisticadas de diagnóstico. e) Avaliação compreensiva: considera o caso num sentido mais global. Tenta-se determinar o nível de funcionamento da personalidade, examinam-se funções do ego (insight) e condições do sistema de defesas para que a indicação terapêutica e/ou a www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 10 previsão das possíveis respostas aos mesmos possam ser facilitadas. Não há uma necessidade explícita do uso de testes, porém estes permitem evidências mais precisas e objetivas, que podem contribuir na avaliação dos resultados terapêuticos, por um reteste futuro. f) Entendimento dinâmico: similar à avaliação compreensiva, uma vez que enfoca a personalidade de modo global, mas a ultrapassa por pressupor um nível mais elevado de inferência clínica, utilizando uma dimensão mais aprofundada, na direção histórica do desenvolvimento, investigando conflitos, psicodinamismos e chegando a uma compreensão do caso com base num referencial teórico. Requer uma condução diferenciada das entrevistas e dos materiais de testagem. g) Prevenção: propõe identificar problemas precocemente, avaliar riscos, estimar forças e fraquezas do ego, de sua capacidade para enfrentar situações novas, conflitivas, ansiogênicas ou difíceis. Geralmente utiliza-se recursos de triagem, para atingir uma maior população em um menor número de tempo, mas também é de grande utilidade numa avaliação individual, mais aprofundada. h) Prognóstico: pode avaliar condições que possam influenciar, de algum modo, no curso de um caso. Ressalta-se que esta área ainda exige maior estudo para aprimorar tanto a adequação da testagem utilizada, como sua coleta de dados estatísticos. i) Perícia forense: contribui na resolução de questões relacionadas com “insanidade”, competência para o exercício de funções de cidadão, avaliação de incapacidade ou de comprometimentos psicopatológicos que possam se associar com infrações de leis, etc. geralmente o psicólogo deve responder uma série de quesitos pra instruir em decisões importantíssimas do processo, portanto, isto deve ser feito de forma clara, precisa e objetiva. Etapas do processo: Os passos do psicodiagnóstico não apresentam muitas diferenças de autor para autor, aqui será utilizado um modelo baseado em Cunha (2000) e Arzeno (1995), sendo que a única diferença entre estes está no fato de que Arzeno considera uma etapa anterior às apresentadas a seguir, sendo esta referente ao momento em que o consultante faz a solicitação de avaliação até o encontro com o profissional. As etapas são as seguintes: www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 11 • 1º momento: realização da(s) primeira(s) entrevista(s) para levantamento e esclarecimento dos motivos (manifesto e latente) da consulta, as ansiedades, defesas, fantasias, e a construção da história do indivíduo e da família em questão. Nesta etapa ocorre a definição das hipóteses iniciais e dos objetivos do exame. • 2º momento: reflexão sobre material coletado na etapa anterior e sobre as hipóteses iniciais a fim de planejar e selecionar os instrumentos a serem utilizados na avaliação. Em alguns casos se mostra de suma importância as entrevistas incluindo os membros mais implicados na patologia do paciente e/ou grupo familiar. • 3º momento: realização da estratégia diagnósticaplanejada. Ocorre o levantamento quantitativo e qualitativo dos dados. É relevante salientar que não deve haver um modelo rígido de psicodiagnóstico, uma vez que cada caso é único, demonstrando necessidades únicas, sendo estas sanadas com instrumentos próprios para elas. • 4º momento: estudo do material coletado. Nesta etapa faz-se a integração dos dados e informações, buscando recorrências e convergências dentro do material, encontrar o significado de pontos obscuros, correlacionar os instrumentos entre si e com as histórias obtidas no primeiro momento, formulando inferências por estas relações tendo como ponto de partida as hipóteses iniciais e os objetivos da avaliação. • 5º momento: entrevista de devolução. Nela ocorre a comunicação dos resultados obtidos, as orientações a respeito do caso e o encerramento do processo. Ela pode ocorrer somente uma vez, ou diversas vezes, uma vez que, geralmente, faz-se uma devolutiva de forma separada para o paciente (em primeiro lugar) e outra para os pais e o restante da família. Quando o paciente é um grupo familiar, a devolutiva e as conclusões são transmitidas a todos. O psicólogo deve se lembrar de que o processo psicodiagnóstico não é agradável para o paciente, portanto é importante ter bastante cuidado para não torná-lo persecutório. Isto é possível quando o profissional explica como se dá o processo já num primeiro encontro; evita que a(s) entrevista(s) inicial(is) se torne(m) um inquérito sem fim, causando muita ansiedade; explicita em linguagem acessível e compreensível o que é esperado do paciente em cada etapa do processo (principalmente quando são utilizados testes); procura evitar que a entrevista de devolução seja uma mera transmissão de www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 12 conclusões, sem que haja a oportunidade do paciente ou familiares expressarem suas reações, e sim, que neste momento, ocorra um espaço para que uma conversa se instaure, para que possíveis dúvidas possam ser sanadas e encaminhamentos realizados com maior esclarecimento. Ao final do processo psicodiagnóstico, dependendo da fonte solicitante, é necessário que o psicólogo forneça um documento contendo as observações e conclusões a que chegou, o chamado laudo psicológico. Trata-se de um parecer técnico que visa subsidiar o profissional a tomar decisões e é um dos principais recursos para comunicar resultados de uma avaliação psicológica. Seu objetivo é apresentar materialmente um resultado conclusivo de acordo com a finalidade proposta de consulta, estudo ou prova e deve restringir as informações fornecidas às estritamente necessárias à solicitação (objetivo da avaliação), com a intenção de preservar a privacidade do paciente (SILVA, 2008). NOTA: cada etapa do processo psicodiagnóstico está descrita de maneira mais detalhada no capítulo 11 de Cunha (2000). Instrumentos de avaliação: critérios de seleção, av aliação e interpretação de resultados. Nesta unidade serão apresentadas as diversas modalidades de testes psicológicos. Primeiramente haverá uma breve consideração sobre o estabelecimento de um plano de avaliação e a bateria de testes a ser escolhida. Em seguida, uma explanação sobre alguns testes será feita. Existem diferentes formas de se classificar os testes psicológicos, tipo de aplicação, finalidade, etc. Nesta apostila optou-se por dividir os teste pelo método, sendo assim, em psicométricos ou projetivos. É importante ressaltar que esta unidade não esgota a totalidade de testes existentes, principalmente pelo fato de o Conselho Federal de Psicologia (CFP) sempre realizar avaliações a respeito da validação destes testes, o que torna esta lista sempre mutável, e devido a isto, tem-se a necessidade de consultas freqüentes ao site do conselho para averiguação dos testes aprovados por este. Muitas vezes ocorre de um teste passar por esta avaliação diversas vezes, e em cada uma delas o resultado apresentado parecer ser semelhante ao anterior, porém, o www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 13 que se observa é que algumas destas alterações aparentam-se sutis, mas são de extrema relevância, como é o caso da alteração da edição do teste ou este ser o modelo revisado. Tais alterações podem modificar, e muitas vezes modificam, a forma de aplicação do teste, correção e interpretação dos dados. Atualmente o site divulgou a legalidade de uso de 102 testes psicológicos. Os testes que não constam na relação dos testes aprovados pelo CFP só podem ser utilizados para fins de pesquisa. Nota: no site do Conselho Federal de Psicologia (ww w2.pol.org.br/satepsi) você poderá acessar a lista dos testes aprovados para ut ilização. Plano de Avaliação e Bateria de Testes Relembrando que o processo psicodiagnóstico parte do levantamento prévio de hipóteses que serão confirmadas ou refutadas por meio de um plano de avaliação, com passos e técnicas predeterminadas e objetivos específicos, é importante explorarmos um pouco o que seriam este plano de avaliação e as técnicas subjacentes a este. Através do plano de avaliação, o qual se caracteriza por ser um processo, procura- se identificar quais recursos auxiliariam o investigador (neste caso o psicólogo) a estabelecer uma relação entre suas hipóteses iniciais e suas possíveis respostas (CUNHA, 2000). Um dos fatores que podem colaborar com a escolha do material mais adequado para a investigação é o encaminhamento feito por outro profissional, uma vez que este sugere um objetivo para o exame psicológico. Porém, esta informação não é suficiente, o psicólogo deve complementá-la e confrontá-la com os dados objetivos e subjetivos do caso. Por isto, na maioria das vezes, este plano só é estabelecido após entrevistas com o sujeito e/ou responsável (CUNHA, 2000). O plano de avaliação consiste então em traduzir as perguntas sugeridas inicialmente em testes e técnicas, programando a administração de alguns instrumentos que sejam adequados e especialmente selecionados para fornecer subsídios para se chegar às respostas das perguntas iniciais. O que irá confirmar ou refutar as hipóteses de modo mais seguro (CUNHA, 2000). www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 14 É importante ressaltar que a testagem de uma hipótese pode ser feita por diferentes instrumentos, e que a opção por um específico deve levar em consideração os seguintes itens: características demográficas do sujeito (idade, sexo, nível sociocultural, etc.); suas condições específicas (comprometimentos sensoriais, motores, cognitivos – permanentes ou temporários); fatores situacionais (ex: medicação, internação, etc.) (ARZENO, 1995; CUNHA, 2000). Como pode ser observado então, o plano de avaliação envolve a organização de uma “bateria de testes”. Segundo Cunha (2000), esta é uma expressão usada para designar “um conjunto de testes ou de técnicas, que podem variar entre dois e cinco ou mais instrumentos, que são incluídos no processo psicodiagnóstico para fornecer subsídios que permitam confirmar ou infirmar as hipóteses iniciais, atendendo o objetivo da avaliação”. A bateria de testes é utilizada principalmente por duas razões: 1. por se considerar que nenhum teste sozinho conseguiria fazer uma avaliação abrangente da pessoa como um todo. 2. por se acreditar que o uso de diferentes testes envolve a tentativa de uma validação intertestes dos dados obtidos, diminuindo assim a margem de erro e provendo um fundamento mais embasado para se chegar a inferênciasclínicas (Exner, 1980 apud CUNHA, 2000). Porém, é importante ressaltar, para o segundo ponto, que embora isto garanta maior segurança nas conclusões, não se deve utilizar um número extensivo de testes, para não aumentar, desnecessariamente, o número de sessões do psicodiagnóstico e, conseqüentemente, seu valor persecutório. Cunha (2000) apresenta dois tipos de principais de baterias de testes: - as padronizadas : para avaliações mais específicas - nestas a organização da bateria provém de vários estudos, que auxiliam a realização de exames bastante específicos, como alguns exames neuropsicológicos, mas o psicólogo pode incluir alguns testes, se necessário; - e as não-padronizadas : mais comuns na prática clínica - a bateria de testes é selecionada de acordo com o objetivo da consulta e características do paciente, e, baseando-se nisto, durante o plano de avaliação, determina-se o número e tipos de www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 15 testes, de acordo com sua natureza, tipo, propriedades psicométricas, tempo de administração, grau de dificuldade, e qualidade ansiogênica. Devido à grande variedade de questões iniciais e aos objetivos do psicodiagnóstico, constantemente a bateria de testes é composta por testes psicométricos e técnicas projetivas. E sua distribuição e seqüência devem ser consideradas levando-se em conta o tempo de aplicação, grau de dificuldade, o quanto de ansiedade pode gerar, e as características individuais do paciente (ARZENO, 1995; CUNHA, 2000). Quanto a isto, Cunha (2000) propõe que à medida que são apresentadas as técnicas projetivas, maior a mobilização de ansiedade, por oferecer estímulos pouco estruturados e o paciente ter que se responsabilizar pela situação e respostas dadas (uma vez que não há certo e errado). Sendo assim, coloca-se que o conveniente seria que houvesse uma alternância entre técnicas projetivas e psicométricas, iniciando e terminando o processo com testes pouco ou não-ansiogênicos para o paciente. Complementando, ao se organizar a bateria de testes, deve-se revisar quem é o cliente, e quais as características e particularidades tanto do teste em si como de sua aplicação. Lembrando-se que o mais importante, o foco da investigação, é o sujeito e não o teste. Testes Psicométricos Os testes psicométricos têm um caráter científico, se baseiam na teoria da medida e, mais especificamente, na psicometria, usam números para descrever os fenômenos psicológicos, assim, são considerados objetivos (SILVA, 2008; FORMIGA, MELLO, 2000). Tem-se denominado método psicométrico o procedimento estatístico sobre o qual se baseia a construção dos testes, assim como a elaboração dos dados da investigação. Entretanto, quando se trata da metodologia utilizada para a obtenção de dados, diz-se que um teste psicométrico é aquele cujas normas gerais utilizadas são quantitativas, o que quer dizer que o resultado é um número ou medida (ESTÁCIO, 2008). Os itens do teste são objetivos e podem ser computados de forma independente uns dos outros, seguindo uma tabela (ex.: testes de inteligência). A técnica se caracteriza por ser de escolha forçada, escalas em que o sujeito deve simplesmente marcar suas respostas. Primam pela objetividade, que é traduzida em tarefas padronizadas. A www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 16 correção ou apuração é mecânica, portanto, sem ambigüidade por parte do avaliador (ESTÁCIO, 2008; SILVA, 2008). Para Alchieri e Cruz (2003, p.59 apud SILVA, 2008), os instrumentos psicométricos estão basicamente fundamentados em valores estatísticos que indicam sua sensibilidade (ou adaptabilidade do teste ao grupo examinado), sua precisão (fidedignidade nos valores quanto à confiabilidade e estabilidade dos resultados) e validade (segurança de que o teste mede o que se deseja medir). A seguir serão apresentados alguns destes testes. I)Testes das Matrizes Progressivas de Raven Criada pelo psicólogo J. C. Raven, em 1938, a escala das Matrizes Progressivas, se constitui num teste que revela a capacidade que um indivíduo possui, no momento de fazer a prova, para apreender figuras sem significado/abstratas que se submetem a sua observação, descobrir as relações que existem entre elas, imaginar a natureza da figura que completaria o sistema de relações implícito e, ao fazê-lo, desenvolver um método sistemático de raciocínio (RAVEN, 1997; CUNHA, 2000). Atualmente existem três séries das Matrizes Progressivas, as quais são ordenadas por dificuldade crescente e podem ser aplicadas de forma individual ou coletiva. A Escala Geral, compreende cinco séries – A, B, C, D e E -, a Escala Especial (Matrizes Progressivas Coloridas), três séries – A, Ab e B -, e a Avançada, duas – I e II (incluída somente para os sujeitos que resolvem mais da metade da série I) (CUNHA, 2000). Todas as séries são apresentadas na forma de caderno, contendo desenhos impressos na parte superior de cada página, entre os quais falta um, que completa o conjunto. Na parte inferior, há de seis a oito figuras como alternativas para o sujeito escolher para completar a figura superior. Existe ainda a versão tabuleiro do teste, na qual o sujeito deve encaixar a prancha que completa corretamente a figura (CUNHA, 2000). A escala consta de 60 problemas divididos em cinco séries com 12 problemas cada uma. Em cada série, o primeiro problema tem uma solução óbvia, enquanto possível. Os problemas seguintes aumentam gradualmente sua dificuldade. A ordem dos itens facilita um treinamento uniforme no método de trabalho. As cinco séries fornecem cinco oportunidades para compreender o método e cinco apreciações progressivas da capacidade de um indivíduo para a atividade intelectual (RAVEN, 1997). www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 17 A escala propõe-se abranger toda a gama do desenvolvimento intelectual a partir do momento em que uma criança é capaz de compreender a idéia de complementar uma figura ou peça que lhes falte; é também suficientemente longa para avaliar a capacidade máxima de uma pessoa para estabelecer comparações e raciocinar por analogia sem, todavia, ser indevidamente cansativa ou extremamente difícil (RAVEN, 1997). Considera-se a escala como um teste de observação e de clareza do pensamento. Na série geral, crianças pequenas, deficientes mentais e pessoas muito idosas costumam resolver apenas os problemas das séries A e B, e os mais fáceis da série C e D, nos quais o raciocínio por analogia não é essencial (RAVEN, 1997). As Matrizes Progressivas Coloridas, Séries A, Ab e B, nos dão um valioso teste para crianças e pessoas idosas. Podem ser usados satisfatoriamente com os que, por algum motivo, não compreendem ou falam o idioma nacional, sofrem defeitos físicos, são intelectualmente subnormais ou estão em processo de deterioração mental. Desta forma, as Matrizes Progressivas são um instrumento válido para apurar a capacidade atual de uma pessoa para pensar claramente e realizar um trabalho intelectual preciso (RAVEN, 1997). Ao se pensar em desenvolvimento intelectual, esse parece ocorrer, entre as idades de 8 a 11 anos, ocorrendo uma transformação quase que completa nos processos de raciocínio da criança. Antes dessa transformação, uma criança é incapaz de compreender muito mais do que problema do tipo que apresentam as séries A e B da Escala Geral das Matrizes Progressivas. Seu vocabulário tende a ser limitado e a sua educação depende amplamente do trabalhoprático e de ajuda visuais. Posteriormente a criança é capaz não só de estabelecer comparações e de raciocinar por analogia, como adotar esse tipo de pensamento como método consistente de raciocínio. Progride sem dificuldade desde os problemas das séries A e B até os problemas que aparecem nas séries C, D e E; sabe apreender os significados das palavras abstratas (RAVEN, 1997). Essa etapa, aparentemente decisiva, de amadurecimento intelectual diferencia as pessoas intelectualmente imaturas daquelas cuja inteligência é normal ou superior a média. Nesse sentido, as Matrizes Progressivas Coloridas, tanto na forma impressa como na de peças móveis, foram preparadas para o exame psicológico do desenvolvimento mental anterior à fase de amadurecimento intelectual. São também especialmente úteis www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 18 para avaliar o desenvolvimento intelectual na ocorrência de defeitos físicos (RAVEN, 1997). II) Escala Colúmbia de Maturidade Intelectual A Escala Colúmbia de Maturidade Intelectual – Colúmbia (CMMS – Columbia Mental Maturity Scale) é de autoria de Burgemeister, Blum e Lorge. Foi criada em 1947 e, inicialmente, visava a avaliação de sujeitos com paralisia cerebral. Hoje, é muito útil para a avaliação da capacidade de raciocínio geral de crianças normais e também de crianças que tenham qualquer problema de comunicação, audição, linguagem ou motor. É considerada, atualmente, um dos melhores instrumentos para avaliar crianças em idade pré-escolar (CUNHA, 2000). O teste se caracteriza por ser individual, rápido, de fácil aplicação, que fornece uma estimativa da aptidão geral de raciocínio de crianças, a partir da idade de 3 anos e 6 meses até 9 anos e 11 meses. Possui 92 itens de classificação de figuras e desenhos que são dispostos em uma série de 8 escalas ou níveis que se hiperpõem. Aplica-se à criança o nível indicado para sua idade cronológica. São apresentados, de fato, entre 51 e 65 itens dependendo do nível aplicado. Cada item consiste em uma série com 3 a 5 desenhos, impressos sobre uma lamina de 15x48 cm. São usadas cores diferentes para alguns dos itens, a fim de tornar as figuras mais atraentes para as crianças (RODRIGUES, 1994). Os objetos desenhados estão, de um modo geral, dentro do campo de experiência da maioria das crianças americanas, mesmo daquelas cujo ambiente tenha sido limitado. Na tradução, foi verificada sua adaptabilidade à cultura brasileira (RODRIGUES, 1994). Para cada item, a criança é solicitada a olhar para todas as figuras da lamina, escolher uma que seja diferente das outras, ou não relacionada com elas, e em seguida, indicar a figura escolhida apontando para ela. Para tanto, ela deve descobrir um princípio de organização das figuras, que só permita excluir uma delas (RODRIGUES, 1994). O teste Colúmbia foi preparado com vistas a assegurar que os estímulos apresentados sejam familiares a todas as crianças. O fato de a maioria das crianças, mesmo as pertencentes a famílias muito pobres, terem sido expostas à televisão desde o www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 19 nascimento, significa que elas têm visto objetos com os quais elas poderiam não ter tido realmente um contato direto no seu dia a dia (RODRIGUES, 1994). O Colúmbia não mede a capacidade inata da criança. Na realidade, não há um teste de aptidão mental que suporte tal proposição. O desempenho de uma criança é o resultado de fatores complexos e em interação, que afetam o desenvolvimento de sua habilidade de compreender os tipos de material apresentados no teste. O Colúmbia mede habilidade de raciocínio que são particularmente importantes para o sucesso na escola, onde a habilidade de discernir relações entre vários tipos de símbolos é enfatizada e, o desempenho numa tarefa medindo essas habilidades reflete, de alguma maneira, a experiência que ela possui em lidar com tais relações (RODRIGUES, 1994). Observação importante: embora considerado uma medida de raciocínio geral ou de maturidade mental, por suas autoras, ele tem sido mais indicado como teste de triagem intelectual, para selecionar crianças a serem submetidas a uma avaliação intelectual completa (CUNHA, 2000). Testes/Técnicas Projetivos (as) Os testes projetivos requerem respostas livres; sua apuração é ambígua, sujeita aos vieses de interpretação do avaliador. O psicólogo trabalha com tarefas pouco ou nada estruturadas, a apuração das respostas deixa margem para interpretações subjetivas do próprio avaliador, e os resultados são totalmente dependentes da sua percepção, dos seus critérios de entendimento e bom senso (SILVA, 2008). Os testes cuja metodologia é projetiva são aqueles cujas normas são qualitativas, ou seja, são testes menos objetivos. O resultado se expressa através de uma tipologia. Por terem uma avaliação qualitativa, seus elementos (itens de teste) não podem ser medidos em separado. A constância de certas características avaliadas no teste, como um todo, que dará a relativa certeza de um diagnóstico (ex.: testes de personalidade em geral) (ESTÁCIO, 2008) Os testes de personalidade, como integrantes dos projetivos, medem as características de personalidade propriamente ditas, que não se referem aos aspectos cognitivos da conduta. Ex.: estabilidade emocional, atitude, interesse, sociabilidade, etc. Porém, sabe-se que a personalidade de um indivíduo muda constantemente, portanto, o que realmente é medido são as características mais ou menos constantes da personalidade, mas mesmo assim, em determinado momento (ESTÁCIO, 2008). www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 20 A seguir, alguns exemplares destes testes. I) O Teste das Fábulas O Teste das Fábulas, conhecido popularmente no meio acadêmico como Fábulas de Düss, foi criado por Louisa Düss em 1940, com o intuito de investigar conflitos inconscientes, com uma base teórica essencialmente freudiana (CUNHA, 2000). É indicado para realização de psicodiagnóstico de crianças; avaliação dinâmica de adolescentes e adultos, inclusive de terceira idade; avaliação dinâmica em casos clínicos (auxiliando na detecção rápida do complexo ou do conflito presente no paciente); além de possibilitar a triagem de conflitos emocionais em crianças, adolescentes e adultos por meio de administração coletiva (CUNHA, 2000; TARDIVO; PINTO; SANTOS, 2005). Por meio das fábulas, as crianças podem expressar seus desejos, seus temores, suas necessidades e seus pensamentos como se na realidade não lhes pertencessem, podendo atribuir certos sentimentos ou pensamentos não aceitáveis aos personagens das fábulas (TARDIVO; PINTO; SANTOS, 2005). Assim, o teste das Fábulas de Düss, por se tratar de uma técnica projetiva, propicia uma investigação profunda sobre os conflitos vivenciados pela criança e da forma como avalia a relação intrafamiliar. Nesse sentido, sua inclusão no processo psicodiagnóstico de crianças revela-se extremamente rica para o conhecimento e entendimento do funcionamento mental dos sujeitos (TARDIVO; PINTO; SANTOS, 2005). O teste é composto de dez fábulas, pequenas, de fácil compreensão às crianças, cada uma delas referindo-se a um complexo específico. Ele propõe, na administração, que seja feita a apresentação da forma verbal e pictória concomitantemente; sendo que na forma pictória, existem 12 pranchas, uma vez que existem duas alternativas possíveis para a fábula 4 (conformea idade) e para a fábula 8 (de acordo com o sexo) (CUNHA, 2000). Para análise do teste, é utilizado um sistema de categorização de respostas, o qual identifica respostas populares e fenômenos específicos, e faz suas interpretações fundamentadas num referencial teórico completo e complexo (essencialmente freudiano) (CUNHA, 2000). www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 21 Cada fábula apresenta uma situação-problema, para a qual deve ser encontrada uma solução. Fornece determinadas informações que devem ser elaboradas por meio de operações cognitivas, com base nas quais o sujeito pode produzir uma resposta lógica, derivada da esfera do ego livre de conflitos. Tanto as respostas populares quando as respostas ‘normais’ são isentas de simbolismo personalizado e não envolvem indícios de conflito. Isso pode ocorrer por duas razões: a) o conteúdo da fábula não produziu uma mobilização afetiva ou b) o sujeito é capaz de controle de sua expressão afetiva, produzindo uma resposta que está em concordância com a expectativa social. (CUNHA; WERLANG; ARGIMON, 2000). Uma das formas mais utilizadas para a avaliação do teste, é a proposta por Tardivo (1998, citado em TARDIVO; PINTO; SANTOS, 2005). A autora propõe algumas categorias de análise para cada fábula, procurando abranger o significado mais latente das respostas do sujeito. As categorias para cada fábula são as seguintes: Fábula 1 – Pássaro 1. Relação com a Figura Materna; 1 a) dependência e passividade; 1 b) independência e atividade. 2. Relação com a Figura Paterna; 2 a) dependência e passividade; 2 b) independência e atividade. 3. Independência e Autonomia; 3 a) realista; 3 b) onipotente 4. Total impotência – Morte Fábula 2 – Aniversário de casamento 5. Relação de agressividade e hostilidade diante da cena primária; 5 a) hostilidade manifesta; 5 b) hostilidade latente. 6. Relação de aceitação e mais realista diante da cena primária. 7. Total impossibilidade de lidar com a situação de cena primária; 7 a) rejeição completa da fábula; 7 b) respostas ilógicas. Fábula 3 – Carneirinho 8. Desmame vivido de forma esquizoparanóide. 9. Desmame vivido de forma depressiva. 10. Rivalidade fraterna; 10 a) agressividade e hostilidade manifestas; 10 b) agressividade e hostilidade latentes. 11. Aceitação em relação à figura fraterna. www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 22 12. Total impossibilidade de lidar com a situação de desmame ou morte. Fábula 4 – Enterro 13. Relação com a figura paterna – desejos destrutivos. 14. Relação com a figura materna – desejos destrutivos. 15. Respostas adequadas à realidade. 16. Outros não significativos. 17. Autodestruição. 18. Velhice. 19. Doença; 19 a) coração; 19 b) outras. 20. Provocadas por outros. 21. Acidental. Fábula 5 – Medo 22. Medo de Objetos Internos; 22 a) masculinos; 22 b) femininos; 22 c) sem definição clara de sexo. 23. Medo de objetos externos reais. 24. Medo de autodestruição. Fábula 6 – Elefante 25. Presença de angústia ligada ao complexo de castração; 25 a) transformações causadas pela própria criança; 25 b) transformações provocadas por outros. 26. Superação do complexo de castração. 27. Total impossibilidade de lidar com o complexo de castração. Fábula 7 – Objeto fabricado 28. Presença do caráter possessivo na relação com a figura materna. 29. Ausência do caráter possessivo na relação com a figura materna; 29 a) espontâneo; 29 b) por imposição. Fábula 8 – Passeio com o pai ou com a mãe 30. Complexo de Édipo vivido de forma angustiante; 30 a) figura paterna do mesmo sexo da criança com sentimentos de raiva e inveja; 30 b) figura paterna do mesmo sexo da criança com sentimentos www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 23 depressivos; 30 c) presença de angústia persecutória na criança; 30 d) presença de culpa depressiva na criança. 31. Complexo de Édipo superado. Fábula 9 – Notícia 32. Desejos – notícias agradáveis. 33. Temores – notícias desagradáveis. Fábula 10 – Sonho mau 34. Relação com circunstância difícil. 35. Relação com figuras fantásticas. 36. Relação com pessoas reais. 37. Relação com autodestruição. II) Teste do Desenho da Figura Humana (DFH) Ao final do século XIX, já se acreditava que o desenho de crianças podia ser avaliado como indicador do desenvolvimento psicológico. Goodenough foi pioneira; em 1926 desenvolveu a primeira escala com critérios de análise do Desenho da Figura Humana (DFH), como medida de desenvolvimento intelectual de crianças. Posteriormente, Harris, em 1963, revisou a escala e a expandiu, sendo esta passando a ser considerada como medida de maturidade (HUTZ; BANDEIRA, 2000). Após duas décadas, Manchover, após análise de diversas observações clínicas sobre a representação gráfica de figuras humanas desenhadas por crianças e adultos que apresentavam problemas psicológicos, publicou tais resultados em 1949, e assim surgiu um novo caráter dado ao DFH, o projetivo. Este tipo de análise se popularizou, hoje é um dos mais utilizados como método de avaliação da personalidade (HUTZ; BANDEIRA, 2000). DFH: Avaliação do desenvolvimento infantil Ao revisar e ampliar a escala de Goodenough, Harris (1963) já questionava o uso do DFH como teste de inteligência, entendendo-o como medida de maturidade conceitual, ou seja, como a criança compreende o corpo humano, introduzindo o enfoque do desenvolvimento infantil no desenho, amplamente estudado por Koppitz (HUTZ, BANDEIRA, 2000). www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 24 O instrumento, após a colaboração de Koppitz, passou a ser um sistema de avaliação objetivo utilizado internacionalmente. Para a aplicação dessa técnica, pede-se à criança que faça o desenho de uma pessoa inteira em uma folha branca, tamanho ofício, colocando a sua disposição um lápis preto número dois e uma borracha. A avaliação é feita com um único desenho, inclui 30 itens evolutivos, pontuados como ausentes ou presentes, que somados, gerando um escore global. A análise também pode ser realizada na avaliação pela presença de itens esperados, comuns, incomuns e excepcionais conforme a idade da criança. (HUTZ, BANDEIRA, 2000). Esta forma de aplicação do DFH mede o desenvolvimento cognitivo. Atualmente, é considerado pelo CFP, para avaliação do desenvolvimento cognitivo, a forma de correção proposta por Sisto, ainda tendo como referencia os estudos de Goodenough, baseado no modelo de Rasch, criado em 1960, o qual supõe que ao responder um item do teste, a pessoa manifesta alguma quantidade de determinada habilidade. Assim, em cada nível de habilidade, existe a probabilidade das pessoas desse nível fornecerem resposta correta para aquele item. Os itens se apresentam então de forma hierárquica de acordo com sua dificuldade e da habilidade do sujeito, de tal modo que as pessoas mais habilidosas desenharão os itens mais difíceis e as menos, não (RUEDA, 2005). A escala solicita o desenho de uma pessoa e reduziu os itens a 30 diferentemente de Kopitz, que foram selecionados com vistas a se constituírem em uma escala e não em um simples inventário de itens (VETOR – EDITORA, 2009). O DFH – Escala Sisto é uma medida de inteligência e está relacionada ao fator g, a operatoriedade (conceito de Piaget referente ao desenvolvimento cognitivo em crianças) e aprendizagem escolar (VETOR-EDITORA,2009). Algumas vantagens apresentadas por este sistema de correção: menor número de itens (30); itens predominantemente masculinos e femininos (o sistema de correção é o mesmo, mudam-se as normas); existência de uma classificação hierárquica de itens de acordo com o sexo e a idade da criança; solicitação de apenas um desenho, não levando em consideração se a figura desenhada é feminina ou masculina; esta forma de correção possibilita uma escala unidimensional (RUEDA, 2005). Além destas, o sistema proposto por Sisto fornece as seguintes contribuições (VETOR – EDITORA, 2009): www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 25 1) Estudo dos itens quanto ao funcionamento diferencial e a análise de sua influência. São técnicas de análises não disponíveis à época para Goodenough; 2) A manutenção do caráter evolutivo da proposta original, procurando selecionar os itens em relação às idades cronológicas; 3) Além de fornecer evidências de validade em termos de desenvolvimento cronológico e inteligência como fez Goodenough fornece evidências de validade em termos de desenvolvimento cognitivo na perspectiva de Piaget, ficando claro sua relação com a operatoriedade. DFH: Avaliação da Personalidade e Ajustamento Emoci onal Koppitz em 1968, propôs outra forma de avaliação descrita para a interpretação do DFH, quando passou a avaliar os aspectos emocionais em crianças pelo DFH, baseada nos estudos de Machover e Hammer. Estabelecendo uma escala de 30 indicadores emocionais que seriam suficientes para diferenciar crianças com e sem problemas emocionais (HUTZ; BANDEIRA, 2000). O DFH pode também ter uma avaliação que aborde a personalidade e seus aspectos estruturais e dinâmicos. Esta forma de avaliação teve origem com as pesquisas de Machover, em 1949, e mostra-se como um dos mais ricos instrumentos para a investigação da personalidade e de características psicológicas. Na aplicação, é solicitado também que se faça o desenho DFH do sexo oposto à primeira figura desenhada (em folhas separadas). Há outra possibilidade, pedindo que se desenhe a pessoa na chuva, o que permitiria investigar as reações do examinando a situações de tensão. Recomenda- se ainda, a realização de um inquérito ou a construção de uma história sobre a figura (HUTZ; BANDEIRA, 2000). Machover (1967) afirma que, quando um sujeito realiza o Desenho da Figura Humana, refere-se necessariamente às imagens internalizadas que tem de si próprio e dos outros, e dessa forma ocorre à projeção de sua imagem corporal. Ao se desenhar uma pessoa, o indivíduo projeta a sua imagem corporal no papel, ou seja, é como a figuração de nosso corpo formada em nossa mente, um modo pelo qual o corpo se apresenta para nós (Schilder, 1981, citado em HUTZ; BANDEIRA, 2000). Para Van Kolker (1984, citado em HUTZ; BANDEIRA, 2000), o desenho pode também ser a representação de outros aspectos do indivíduo, como aspirações, preferências, pessoas vinculadas a ele, imagem ideal, padrões de hábitos, atitudes para www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 26 com o examinador e a situação de testagem. Trinca, 1987, corrobora estes fatos citando Levy, 1959, ao dizer que o desenho “além de veículo de projeção da imagem corporal, pode ser uma projeção de autoconceito, uma projeção de atitudes para com alguém do ambiente, uma projeção da imagem ideal do eu, um resultado de circunstâncias externas, uma expressão de padrões de hábitos, uma expressão de tonalidade emocional, uma projeção de atitudes do sujeito para com o examinador e a situação, uma expressão de suas atitudes para com a vida e a sociedade em geral”, sendo uma combinação de tudo isso. Além do mais, o desenho pode ser uma expressão consciente ou pode incluir símbolos profundamente disfarçados, expressivos de fenômenos inconscientes. DFH e a Ansiedade O DFH pode ser utilizado também para a avaliação de aspectos específicos, tais com a ansiedade. Handler, em 1967, propôs uma escala para avaliação da ansiedade de adolescente e adultos, com 20 itens de ansiedade, estabelecendo critérios de escore para análise de maneira formal, que abrangem tanto a ansiedade causada por situações externas estressantes como causas intrapsíquicas. Foram descritos vinte índices, atribuindo-se escores de acordo com as características do desenho de cada um deles, em escalas de quatro ou dois pontos, onde, nesta última, a presença é um indicador de ansiedade. Porém recomenda-se cautela na utilização deste material com tal finalidade (HUTZ; BANDEIRA, 2000). O Sexo da Figura Sendo o DFH considerado uma expressão da auto-imagem de crianças que projetam suas identificações e conflitos nos desenhos, seria esperado que os mesmos fossem correspondentes ao sexo da criança que o desenhou. Machover (1949) afirmou que crianças que desenham figuras do sexo oposto provavelmente apresentam um problema no desenvolvimento de sua identidade sexual. Vários estudos mostraram que há uma tendência geral das pessoas desenharem figuras do mesmo sexo, contudo, não há confirmação da hipótese lançada por Machover. Desta forma, o DFH não pode ser utilizado como indicador de patologia (HUTZ; BANDEIRA, 2000). Técnicas de entrevista www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 27 A entrevista é um dos recursos técnicos de que dispõe o psicólogo para obter informações, com o objetivo de pesquisa, avaliação, orientação e/ou aconselhamento, seja em contexto escolar, clínico, organizacional ou em outros. Historicamente, as técnicas de entrevista têm origem na medicina e, já no campo da psicologia, foram elaboradas no contexto da psicoterapia e da psicometria. Segundo Winicott (1983) a psicanálise, ao se preocupar com a etiologia das doenças psiquiátricas, passou a exigir do clínico o interesse pelos processos de desenvolvimento psíquico e não apenas pelos sintomas; assim “os psicanalistas se tornaram pioneiros em tomar a história do paciente” (p. 115). Na visão de Bleger (1991) pode ser considerado uma entrevista uma relação humana na qual um dos integrantes devem procurar entender o que está acontecendo e atuar segundo esse conhecimento. A realização dos objetivos possíveis da entrevista da atuação de acordo com esse saber. O psicólogo utiliza uma técnica psicológica e concomitantemente lança mão de recursos advindos da psicologia para configurar a própria situação da entrevista. Merece destaque a tão debatida questão da (ilusão da) neutralidade científica. Nesse sentido, Thiollent (1987) expõe que a idéia de neutralidade não é verdadeira visto que à medida que qualquer procedimento de investigação envolve pressupostos teóricos, práticos e variáveis segundo os interesses sociopolíticos que estão em pauta no ato de conhecer. O referido autor apresenta uma visão sociológica da questão referente ao posicionamento do entrevistador. A esse aspecto acrescentam-se os psicológicos, como os valores, pensamentos e sentimentos, que não apenas perpassam mas constituem todo e qualquer encontro entre pessoas. Sendo assim, o entrevistador não está isento de comprometer os resultados de seu trabalho em função de suas limitações pessoais e profissionais. Entretanto, isso não significa descuido com os aspectos éticos, norteadores da atuação do psicólogo. Elementos mais minuciosos em relação à entrevista psicológica de maneira geral podem ser encontrados em Bleger (1991) e Pain (1992). Aspectos Técnicos Em uma entrevista, espera-se que surjam elementos referentes àquilo que o entrevistadoconhece, ouviu falar e que também imagina, relacionados à psicologia e ao trabalho do psicólogo, de maneira geral. Considerando-se tais elementos, torna-se mais www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 28 fácil compreender determinados comportamentos e verbalizações por parte de nosso sujeito. Na entrevista faz-se necessária uma efetiva interação interpessoal, com o profissional apresentando seus questionamentos, observando e ouvindo a pessoa entrevistada. A condução do processo precisa ser respaldada tanto pelos pressupostos da teoria adotada pelo profissional quanto pelas condições subjetivas deste, ou seja, requer possibilidades efetivas de escutar, acolher e elaborar hipóteses diagnósticas a respeito do caso. Durante a entrevista é importante o psicólogo observar a postura corporal, os gestos, o tom de voz, a aparência, a posição na cadeira, enfim, aspectos não verbais que fornecem dados fundamentais a respeito do entrevistado e seu posicionamento na circunstância de entrevista. Estar atento, também, aos sentimentos despertados em si durante a entrevista é fundamental para o psicólogo, pois fenômenos como a transferência e a contratransferência fazem parte de todo relacionamento interpessoal e seguramente vão configurar o processo de entrevista. O entrevistado atribui papéis ao entrevistador e se comporta em função destes. A respeito disso, Bleger (1991) afirma que com a observação desses fenômenos é possível colocar-se frente aos aspectos da conduta e da personalidade do entrevistado. Esses aspectos acrescentam uma dimensão importante do conhecimento da estrutura de sua personalidade e ao caráter de seus conflitos. A contratransferência nesse contexto, abrange as respostas do entrevistador às manifestações do entrevistado. Envolve a história pessoal daquele e esses sentimentos precisam ser considerados para um bom manejo e eficácia da entrevista. Tipos de Entrevistas A entrevista pode ser utilizada dentro de um processo avaliativo, seja de indivíduos, seja da instituição como um todo. Também pode ser empregada com fins investigativos, no caso de uma pesquisa. E há pesquisas que também comportam processos avaliativos. Os tipos de entrevistas estão diretamente relacionados aos objetivos com que são empregadas. Existe a entrevista dirigida, composta de questões fechadas; a semidirigida, em que o sujeito orienta-se a partir de perguntas abertas; a www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 29 centrada, que focaliza um tema específico; a não diretiva, que gira em torno de um tema geral, e a clínica. De acordo com a situação, seja uma avaliação de uma criança com dificuldades escolares, seja uma pesquisa, por exemplo, cabe ao profissional decidir o tipo de entrevista mais pertinente. Em algumas circunstâncias, é comum iniciarmos a entrevista de maneira mais livre e depois apresentarmos algumas perguntas abertas, para o aprofundamento de temas não abordados pelo entrevistado. Com base em pesquisas na área das ciências sociais, Thiollent (1987) mostra que entrevistas e questionários (assim como testes) que, de maneira geral, favorecem pessoas de mesmo nível sociocultural de quem elaborou os instrumentos. Esse dado leva-nos a pensar que alguns questionamentos apresentados ao indivíduo entrevistado não necessariamente fazem parte de seu universo cotidiano e que por isso sua resposta pode refletir apenas nossa inabilidade em compreender a sua realidade. É preciso um particular cuidado com perguntas que apenas conduzem à confirmação daquilo que esperamos. O entrevistado deve falar por si. De maneira geral, a primeira entrevista caracteriza-se por um momento inicial mais livre, acompanhado, posteriormente e de acordo com a configuração da situação, de um direcionamento para o preenchimento de lacunas percebidas pelo profissional. A obtenção de determinadas informações é imprescindível para a compreensão do contexto, que nos permite formular hipóteses que vão compondo o mosaico. Assim como outras técnicas adotadas no trabalho do psicólogo, a entrevista merece uma atenção especial na formação profissional, sendo aqui compreendida como um momento privilegiado de escuta do outro, no qual o entrevistado busca um espaço de acolhimento (Bleger, 1991). Assim, além da função avaliativa, a entrevista também pode apresentar-se como um momento terapêutico, para o qual o psicólogo precisa estar atento. Entrevista Clínica De acordo com TAVARES (2000) “A entrevista clínica é um conjunto de processos de técnicas de investigação, de tempo delimitado, dirigido por um entrevistador treinado, www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 30 que utiliza conhecimentos psicológicos, em uma relação profissional, com o objetivo de descrever e avaliar aspectos pessoais, relacionais ou sistêmicos (indivíduo, casal, família, rede social), em um processo que visa a fazer recomendações, encaminhamentos ou propor algum tipo de intervenção em benefício das pessoas entrevistadas.” A entrevista clínica é dirigida, ou seja, tem objetivos definidos e é através dela que o entrevistador estrutura sua intervenção. Todos os tipos de entrevista têm alguma forma de estruturação na medida em que a atividade do entrevistador direciona a entrevista no sentido de alcançar seus objetivos. (TAVARES, 2000) Papel do entrevistador É necessário habilidades do entrevistador para que ele esteja preparado para lidar com o direcionamento que o sujeito parecer querer dar a entrevista, de forma a otimizar o encontro entre a demanda do sujeito e os objetivos da tarefa. Quando o entrevistador confronta uma defesa, ele empaticamente reconhece ou pede esclarecimentos, está facilitando ou dificultando o processo. Portando é necessário que o entrevistador domine as especificações da técnica. Segundo TAVARES (2000) para realizar uma entrevista de modo adequado o entrevistador deve ser capaz de: 1. Estar presente, no sentido de estar inteiramente disponível para o outro naquele momento sem a interferência de outras pessoas; 2. Auxiliar o paciente para que ele se sinta a vontade e construa a possibilidade de uma aliança terapêutica; 3. Facilitar a expressão dos motivos que levaram a pessoa até a consulta; 4. Buscar esclarecimentos para colocações vagas ou incompletas; 5. Confrontar esquivas e contradições de maneira gentil; 6. Tolerar a ansiedade relacionada aos temas evocados na entrevista; 7. Reconhecer defesas e modos de estruturação do paciente; www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 31 8. Identificar e compreender seus processos transferenciais; 9. Assumir a iniciativa em momentos de impasse; 10. Dominas as técnicas que utiliza no seu trabalho; Outro ponto importante significa reconhecer a desigualdade intrínseca na relação, que dá uma posição privilegiada ao entrevistador. Essa posição lhe confere poder e, portanto, a responsabilidade de zelar pelo interesse e bem-estar do outro. Também é do entrevistador a responsabilidade de reconhecer a necessidade de treinamento especializado e atualizações constantes ou periódicas. Papel do entrevistado O papel principal da pessoa entrevistada é o de prestar informações. Nos casos em que parece haver dificuldades de levantar a informação, é bem provável que o entrevistador tenha que centrar sua atenção na relação com a pessoa entrevistada, para compreender os motivosde sua atitude. Distorções relacionadas a pessoas ou instituições interessadas na avaliação, a idéias preconcebidas em relação à psicologia ou à saúde mental e a fantasias inconscientes vinculadas a ansiedades pessoais acerca do processo. O resultado de uma entrevista depende largamente da experiência e da habilidade do entrevistador, além do domínio da técnica. Criar um clima que facilite a interação nesse contexto e a abertura para o exame de questões íntimas e pessoais talvez seja o desafio maior da entrevista clínica. Nas entrevistas clínicas deseja-se conhecer em profundidade o sujeito, com o objetivo de entender qual a situação que o levou à entrevista. Nessa situação o entrevistado é porta-voz de uma demanda e espera um retorno que o auxilie. Nesses casos é preciso que se crie um espaço as manifestações individuais e requer habilidades e conhecimentos específicos que permitam ao entrevistador conduzir adequadamente o processo. Essa especificidade clinica favorece que sejam utilizadas as entrevistas semi- estruturas e de estruturação. www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 32 De acordo com TAVARES (2000), as entrevistas podem ser classificadas em relação ao aspecto formal em: Estruturadas: Tem pouca utilidade na área clinica. Ela é mais utilizada em pesquisas onde se destinam basicamente no levantamento de informações. É utilizada praticamente como um questionário. Semi-estruturadas: Tem um roteiro com tópicos pré-estabelecidos. São assim denominadas porque o entrevistador tem clareza de seus objetivos, de que tipo de informação é necessária para atingi-los, de como essa informação deve ser obtida, quando ou em que seqüência, em que condições deve ser investigadas e como deve ser considerada. São de grande utilidade em settings onde é necessária ou desejável a padronização de procedimentos e registro de dados, como nas clínicas sociais, na saúde pública, na psicologia hospitalar. Livre de estruturação: Não tem o roteiro pré-estabelecido, no entanto tem certa estruturação, pois tem suas metas, o papel de quem a conduz e os procedimentos pelos quais é possível atingir seus objetivos. Segundo TAVARES (2000) todas as entrevistas requerem uma etapa de apresentação da demanda, de reconhecimento da natureza da natureza do problema e da formulação de alternativas de solução e de encaminhamento. Elas podem ser classificadas em relação aos seus objetivos: Entrevista de triagem: O objetivo principal é avaliar a demanda do sujeito e fazer encaminhamento. É fundamental para avaliar a gravidade da crise, pois nesses casos, torna-se necessário ou imprescindível o encaminhamento para um apoio medicamentoso. Entrevista de Anamnese: O objetivo principal é o levantamento detalhado da história de desenvolvimento da pessoa, principalmente na infância. Entrevista Diagnóstica (que podem ser sindrômicas ou dinâmicas): De certo modo, toda entrevista clínica comporta elementos diagnósticos. Em outro sentido, empregamos o termo diagnóstico de modo mais específico, definindo-o como o exame e a análise explícitos ou cuidadosos de uma condição na tentativa de compreendê-la, explicá-la e www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 33 possivelmente modificá-la. Implica descrever, avaliar, relaciona e inferir, tendo em vista a modificação daquela condição. A entrevista diagnóstica pode priorizar aspectos sindrômicos ou psicodinâmicos. O primeiro visa á descrição de sinais (como por exemplo: baixa auto-estima, sentimentos de culpa) e sintomas (humor deprimido, ideação suicida) para a classificação de um quadro ou síndrome (Transtorno Depressivo Maior). O diagnóstico psicodinâmico visa á descrição e à compreensão da experiência ou do modo particular de funcionamento do sujeito, tendo em vista uma abordagem teórica. Entrevistas sistêmicas: Geralmente são utilizadas para avaliar casais e famílias e podem focalizar a avaliação da estrutura ou da estória familiar. Essas técnicas são muito variadas e fortemente influenciadas pela orientação teórica do entrevistador. Entrevistas de devolutiva: Tem por finalidade comunicar ao sujeito o resultado da avaliação. É importante, pois permite ao sujeito expressar pensamentos e sentimentos em relação às conclusões e recomendações do entrevistador. 2. Psicologia do desenvolvimento: o desenvolvimento normal. Psicopatologia do desenvolvimento . Psicologia do Desenvolvimento: histórico e diferent es concepções De acordo com Rappaport (1981), a Psicologia do Desenvolvimento pretende observar, descrever e explicar as mudanças mais significativas no decorrer do desenvolvimento da criança, entendendo-o como um processo que se inicia na gestação e termina com a morte do indivíduo. Assim, as teorias do desenvolvimento lançam mão de pesquisas e teorizações como subsídios ao entendimento do processo de desenvolvimento em determinada cultura, bem como os possíveis desvios e distúrbios que podem decorrer em problemas emocionais, sociais, escolares, profissionais, etc. Em linhas gerais, esta ciência é voltada ao estudo do desenvolvimento humano em todos os seus aspectos: físico-motor, cognitivo, afetivo-emocional e social. O aspecto físico-motor refere-se ao crescimento orgânico e à maturação neurofisiológica. A cognição integra a capacidade de pensar, raciocinar, abstrair. A afetividade indica o modo particular www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 34 de o indivíduo integrar e reagir às suas vivências. O aspecto social nos mostra como o desenvolvimento do indivíduo se dá em sua relação com os outros e com o mundo em que vive. É importante salientar que todos estes aspectos se inter-relacionam mutuamente ao longo do desenvolvimento (SANTANA, 2008). Os limites ainda encontrados nesta área de conhecimento remetem muitas vezes a seu recente surgimento, datado do século XIX, início do século XX, momento em que começa a despontar uma preocupação mais ampla e sistemática em relação à condição da criança na sociedade, a partir do estudo da criança e da necessidade de uma educação formal (RAPPAPORT, 1981). Em tempos precedentes, as crianças eram vistas e tratadas como pequenos adultos: a partir dos 3 a 4 anos já exerciam as atividades dos adultos, trabalhando, participando de orgias, enforcamento públicos, sendo alvo de atrocidades pelos mais velhos. Somente em meados do século XVII há a tentativa da Igreja em afastar as crianças de assuntos ligados ao sexo, preocupada com a formação moral dos indivíduos. Esta iniciativa, contudo, apresentou limites em seus intuitos educativos, métodos utilizados, no escasso número de crianças atendidas. Ainda assim, despertou de alguma forma uma reflexão inicial a respeito da especificidade do mundo infantil, que se expressou no pensamento de grandes filósofos dos séculos XVII e XVIII (ibid). Mas é somente no século XXI que se evidencia uma mudança na atitude a partir do estudo científico da infância, cujo reconhecimento enfrentou a duras penas a longa história de desconhecimento total acerca da criança. Dessa forma, a então recente ciência do comportamento infantil passou a descrever os comportamentos típicos de cada faixa etária e organizar extensas escalas de desenvolvimento, fundamentadas no que era considerado “normal” na conduta do indivíduo. As posteriores contribuições de Freud, a partir da análise psicanalítica de adultos, constataram a existência da sexualidade infantil e de processos inconscientes em todas as fases da vida, ampliando ainda maiso alcance científico da Psicologia do Desenvolvimento. Destaca-se também a perspectiva etológica, que considera a conduta de outras espécies para a compreensão do desenvolvimento humano. Outras abordagens, como a de Piaget e sua proposição de estágios de desenvolvimento, bem como a de Vigotski e outros autores russos, preocupados com a www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 35 consolidação de uma psicologia mais objetiva e concreta, também contribuíram para a compreensão da infância em suas peculiaridades (ibid). É importante ressaltar a necessária consideração de outras variáveis intervenientes no desenvolvimento além das especificamente psicológicas, como os fatores externos à própria criança e à dinâmica familiar estabelecida, numa busca de não fragmentação da conduta humana, sob pena de uma visão inadequada do processo como um todo, dos encadeamentos e influências biológicas e sociais que ocorrem a todo momento (ibid). Sabe-se hoje que o desenvolvimento humano transcorre na base de condições tanto biológicas quanto sociais, caracterizando-se assim uma compreensão interacionista entre ambos os aspectos. Contudo, ao longo da história, estiveram também presentes modelos teóricos que ora privilegiaram as condições biológicas, indicando uma concepção inatista do desenvolvimento, ora as condições sociais, representando as concepções ditas ambientalistas (MARTINS; CAVALVANTI, 2005). As concepções inatistas pressupõem que as propriedades básicas do ser humano já se encontram garantidas no nascimento, dependendo de fatores hereditários e maturacionais. Dessa forma, o processo de aquisição dos conhecimentos encontra-se na dependência da prontidão espontaneamente alcançada pela criança, de onde se entende que o desenvolvimento seria então pré-requisito para a aprendizagem (MARTINS; CAVALVANTI, 2005). Ou seja, nesta visão, o desenvolvimento cria possibilidades que serão realizadas no processo de aprendizagem, a qual se edifica então sobre a maturação. Entende-se assim que há uma dependência puramente externa e unilateral da aprendizagem sobre o desenvolvimento, pois este não se modifica sob influência do ensino, e portanto, não há interpenetração, entrelaçamento interno entre ambos os processos (VIGOTSKI, 2001). Já em relação às concepções ambientalistas, a constituição das características humanas depende, prioritariamente, do ambiente. As experiências pelas quais o indivíduo passa seriam as únicas fontes de seu desenvolvimento, então condicionado pelos elementos que constituem o universo social, dentre eles a família e o contexto sócio- econômico do indivíduo (MARTINS; CAVALVANTI, 2005). Pode-se dizer que a partir www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 36 desta compreensão, propõe-se uma fusão entre desenvolvimento e aprendizagem, na medida em que a formação de associações e habilidades é a base única e essencial de ambos os processos. A acumulação gradual de reflexos condicionados é o que define desenvolvimento, bem como a aprendizagem. Assim, conclui-se que desenvolvimento e aprendizagem são sinônimos, não havendo mais fundamentos para continuar distinguindo um do outro, ou relacionar um ao outro. A criança se desenvolve na medida em que aprende, em que é ilustrada. Desenvolvimento é aprendizagem, aprendizagem é desenvolvimento (VIGOTSKI, 2001). Em contraposição às concepções que privilegiam ao extremo ora os aspectos inatos, ora os ambientais, as teorias de Piaget e Vigotski são consideradas em seu caráter interacionista, pois seus pressupostos indicam que a construção do conhecimento e das características pessoais dos indivíduos se dá através da interação com outras pessoas e das suas ações sobre o mundo. Suas teorias influenciam fortemente grande parte dos educadores de nosso tempo, entretanto é importante salientar que os referidos autores partem de matrizes distintas, posto que os pressupostos biológicos preponderam na Psicologia Genética de Piaget (e por isso muitos entendem que para ele o desenvolvimento é pré-requisito para a aprendizagem) e os aspectos sociais preponderam na Psicologia Histórico-Cultural (ou Sócio-Histórica) de Vigotski (MARTINS; CAVALVANTI, 2005). A Psicologia Histórico Cultural de Lev Semenovich Vigotski Vigotski (1896-1934) preocupou-se em investigar o processo de construção das funções psíquicas superiores (como a atenção voluntária, a memória mediada, o pensamento, etc.) a partir do princípio do desenvolvimento histórico da sociedade como eixo norteador da Psicologia. Considerado como principal referência na construção de uma psicologia de bases objetivas, ele introduz a idéia de historicidade da natureza do psiquismo humano, fundamentando-se nos preceitos filosóficos do materialismo histórico- dialético, como proposto por Marx e Engels. Assim, todos os fenômenos humanos, incluindo aí o próprio homem e suas capacidades, são produzidos pela atividade humana, a partir de condições objetivas (materiais) existentes. Entende-se, portanto, que a www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 37 existência humana é histórica e social enquanto produto dessas ações coletivas ao longo dos tempos (MARTINS; CAVALVANTI, 2005). Em contraposição à psicologia tradicional de sua época, Vigotski defende uma análise psicológica explicativa, e não meramente descritiva, buscando revelar os nexos dinâmico-causais que determinam os fenômenos. Este pressuposto se evidencia em sua postura em relação à periodização das idades no desenvolvimento infantil. O autor afirma que os fundamentos para tal periodização não devem ser buscados em seus indícios externos, como procedem diversos investigadores. Pelo contrário, propõe-se ater à essência do processo do desenvolvimento psicológico, procurando o que se oculta sob os aspectos externos, isto é, focando o que os condiciona: as próprias leis internas do desenvolvimento infantil (PASQUALINI, 2006). Vigotski considera que a multiplicidade de aspectos parciais da personalidade da criança constitui um todo único, com determinada estrutura que se modifica ao longo do processo de desenvolvimento. Assim, não se verificam mudanças isoladas nos diferentes aspectos da personalidade, mas há a modificação interna dessa estrutura em sua totalidade. Os aspectos parciais não são compreendidos em si, mas como parte da estrutura psicológica que caracteriza cada momento do desenvolvimento infantil. Neste sentido, o autor procura estabelecer uma análise não atomística dos fenômenos psíquicos, substituindo o estudo de objetos/partes pelo estudo de processos, na reconstrução dos momentos fundamentais de seu desenvolvimento (PASQUALINI, 2006). A partir de suas investigações acerca de como os processos cognitivos superiores (tipicamente humanos) são constituídos nas condições histórico - sociais e nas interações humanas, postulou que tais processos são estabelecidos, inicialmente, no plano social – na interação com pessoas mais experientes – e posteriormente são internalizadas no plano psicológico, possibilitando à criança a regulação de seus pensamentos e ações (MARTINS; CAVALVANTI, 2005). O conceito de internalização pressupõe assim que a criança impõe a si própria as mesmas formas de comportamento que outros impunham a ela a princípio, dessa maneira assimilando formas sociais de conduta. Neste sentido, todas as funções psíquicas superiores aparecem primeiramente no plano social, naswww.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 38 interrelações entre os homens (interpsiquicamente), e posteriormente no plano psicológico, como categoria intrapsíquica (VYGOTSKY, 1998). Dessa forma, a internalização de formas culturais de conduta consiste numa série de transformações: uma operação inicialmente dada de forma externa é reconstruída e passa a ocorrer internamente; um processo interpessoal transforma-se em um processo intrapessoal, como resultado de uma série de eventos transcorridos ao longo do desenvolvimento (MARTINS; CAVALVANTI, 2005). Por exemplo: quando a criança descobre não ser capaz de resolver um problema por si mesma e, verbalmente, pede a ajuda de um adulto, ela descreve o procedimento que sozinha não pôde colocar em ação. Posteriormente em seu desenvolvimento, ao invés de apelar para o adulto, ela apela a si mesma, de forma que a linguagem passa a adquirir uma função intrapessoal além do seu uso interpessoal. Ao desenvolver um método de comportamento para guiar a si mesma, o qual tinha sido antes usado em relação a outra pessoa, a criança passa a organizar a própria atividade de acordo com uma forma social de comportamento: a fala socializada é então internalizada (VYGOTSKY, 1998). Vygotsky (1998) afirma que as funções psíquicas superiores como produtos do desenvolvimento social da conduta, requerem a introdução de estímulos-meios artificiais que passam a mediar a relação do homem com o que o cerca, através de sua internalização. Os signos, como estímulos artificiais introduzidos pelo homem na situação psicológica, cumprem a função de auto-estimulação como meio para o controle e domínio da conduta própria e alheia. Sendo assim, a conduta humana passa então a ser regida pelo princípio regulador da significação (criação e utilização de signos). Este princípio é traço característico da operação psíquica superior, e marca distintivamente o agir humano por presumir a relação essencialmente ativa do homem para com o meio, através do qual estabelece o domínio sobre seu próprio comportamento, regulando sua atividade interna, reestruturando a operação psíquica. Considerando então que o processo de formação do pensamento é construído a partir das interações sociais e da internalização de signos, a linguagem é de fundamental importância na compreensão do desenvolvimento humano. Vigotski observou a importância da fala externa como condição para o planejamento e execução da ação, www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 39 identificando modificações nas relações entre a fala externa (falar para si em voz alta) e o pensamento, ao longo do desenvolvimento. Em um primeiro momento (até aproximadamente os três anos de idade) a fala acompanha a ação, de forma dispersa e caótica. Em seguida (de 3 a 6 anos) a fala precede a ação e auxilia o planejamento da ação. Surge assim a função planejadora da fala, em que esta domina o curso da ação, além das funções já existentes da linguagem, de refletir o mundo exterior. Por fim (6 anos em diante), a fala vai se tornando constitutiva do pensamento, ou seja, interna (MARTINS; CAVALVANTI, 2005). No que se refere à relação entre a aprendizagem e o desenvolvimento, Vigotski afirma que todo planejamento da aprendizagem deve considerar (deve ser combinada com) o nível de desenvolvimento da criança. Para a avaliação das relações entre o processo de desenvolvimento e as possibilidades de aprendizagem, o autor propõe que se devem determinar dois níveis de desenvolvimento: o nível de desenvolvimento real, que constitui as capacidades mentais da criança de solucionar problemas sem ajuda do outro, e o nível de desenvolvimento potencial, o qual inclui capacidades mentais da criança de solucionar problemas com a ajuda de outras crianças ou do educador. A diferença existente entre estes dois níveis de desenvolvimento (o real e o potencial) foi chamada de zona de desenvolvimento proximal porque inclui funções que se encontram em processo de desenvolvimento (MARTINS; CAVALVANTI, 2005). Vigotski (1998), ao apresentar este conceito, exemplifica com a seguinte situação: duas crianças apresentam a idade mental de 8 anos, o que corresponde dizer que se encontram no mesmo nível de desenvolvimento real, isto é, em relação ao que sabem fazer por si mesmas, sem ajuda. No entanto, no que se refere aos problemas resolvidos com a ajuda de um adulto, uma das crianças conseguia resolver problemas que atingiam a idade mental de 9 anos, enquanto que a outra conseguia resolver problemas até a idade mental de 12 anos. Essa divergência entre a idade mental ou desenvolvimento real, e o nível que alcança a criança ao resolver as tarefas em colaboração, é o que determina a zona de desenvolvimento próximo. No caso considerado, esta zona se expressa para uma criança com a cifra 1 e para outra, com a cifra 4. Portanto, não se pode considerar www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 40 que ambas as crianças se encontram no mesmo estado de desenvolvimento, ou que tenham o mesmo nível de desenvolvimento mental. Em sendo assim, a ação educativa deve incidir na zona de desenvolvimento proximal (também denominada zona de desenvolvimento próximo, potencial, ou imediato) (MARTINS; CAVALVANTI, 2005). Nas palavras de Vigotski (2001): (...) a aprendizagem se apóia em processos psíquicos imaturos, que apenas estão iniciando o seu círculo primeiro e básico de desenvolvimento. (...) a imaturidade das funções no momento em que se inicia o aprendizado é a lei geral e fundamental a que levam unanimemente as investigações em todos os campos do ensino escolar. (p.318-9, grifo nosso). Mais adiante: Descobrimos que a aprendizagem está sempre adiante do desenvolvimento (...). Um resumo geral da segunda série das nossas investigações pode ser formulado da seguinte maneira: no momento da assimilação de alguma operação aritmética, de algum conceito científico, o desenvolvimento dessa operação e desse conceito não termina mas apenas começa, a curva do desenvolvimento não coincide com a curva do aprendizado do programa escolar; no fundamental a aprendizagem está a frente do desenvolvimento. (ibid, p.322; 324, grifo nosso). Para Vigotski (2003), a correta organização da aprendizagem da criança orienta e estimula processos internos de desenvolvimento que não poderiam ser produzidos sem a aprendizagem, de forma que esta se faz essencialmente necessária e universal para que haja o desenvolvimento das características humanas não naturais, mas formadas histórica e socialmente. O estabelecimento da zona de desenvolvimento potencial nos mostra que o que a criança é capaz de fazer hoje em colaboração, conseguirá fazer amanhã sozinha. A questão da necessidade de que haja certas funções já amadurecidas para que ocorra a aprendizagem permanece em vigor. Trata-se de definir o limiar inferior da aprendizagem, em que esta se oriente nos ciclos já percorridos do desenvolvimento. Entretanto, o problema não termina aí, pois a aprendizagem não se apóia na maturação, mas sempre www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 41 começa daquilo que ainda não está maduro na criança. Assim, deve-se também definir o limiar superior da aprendizagem. É somente entre seus limiares inferior e superior é que se pode estabelecer o período ótimo de ensino de determinada matéria (VIGOTSKI, 2001). Para Vigotski, os fatores biológicos e sociais exercem influências mútuas, sendo que as característicasbiológicas sustentam a interação da criança com seu mundo físico e social, modificando-o, e por sua vez, esta relação também influencia a construção de suas características biológicas próprias, num processo de inter-relação progressiva e contínua. O desenvolvimento pressupõe então um vínculo ativo entre a criança e o mundo social, caracterizado por seu caráter prático e objetivo no contato com a realidade, por meio da atividade da criança (MARTINS; CAVALVANTI, 2005). Em síntese, a explicitação da dimensão histórica do psiquismo humano por Vigotski refuta explicações universais e naturalizantes a respeito do desenvolvimento, situando a apropriação da cultura (um processo eminentemente educativo), como fator determinante do desenvolvimento psicológico dos indivíduos (PASQUALINI, 2006). A Psicologia Genética de Jean Piaget Jean Piaget (1896-1980), biólogo de formação, buscou investigar o processo de construção de conhecimento pela criança, compreendendo-o através da interação entre o sujeito cognoscente e o objeto a ser conhecido (MARTINS; CAVALVANTI, 2005). Para ele, a adaptação à realidade externa depende do conhecimento, que se dá pela interação ente o mundo material e exercício da razão, e desse modo constrói sua teoria sobre as bases do interacionismo (BARDUCHI, 2004). Seus pressupostos teóricos integram a investigação da estrutura e gênese do conhecimento, daí a denominação “Psicogênese”, ou mesmo “epistemologia genética”, marcando o estudo da passagem de formas inferiores do conhecimento a formas mais complexas (MARTINS; CAVALVANTI, 2005; BARDUCHI, 2004). De acordo com a teoria da Psicogênese, o desenvolvimento da inteligência se dá de forma organizada, tendo como base a estrutura mental. Tal estrutura é constituída pela www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 42 inter-relação entre diversos esquemas, estes definidos como a organização das ações de modo que seja possível sua generalização quando a ação se repete em condições semelhantes. Os esquemas, quando modificados, promovem a transformação da estrutura mental, permitindo que ocorra a complexificação do pensamento (BARDUCHI, 2004). Os fatores que determinam o processo de construção do conhecimento/desenvolvimento são: a maturação biológica do organismo, estimulada pelo meio ambiente e necessária ao surgimento de estruturas mentais; a interação social e a experiência física com os objetos; e o processo de equilibração. Sendo assim, o desenvolvimento é visto como um processo de contínua equilibração com o meio, processo este direcionado à conquista de um pensamento lógico mais avançado que o anterior. Para Piaget, a inteligência (capacidade para conhecer) é adaptação. Assim, todo organismo tende à adaptação ao meio, isto é, a um estado de equilíbrio constante que, no entanto, é rompido continuamente por desequilíbrios provocados pelos meios social e físico, em que modificações no ambiente ou mesmo novas possibilidades orgânicas produzem desafios que alteram o processo de adaptação. E deste estado de desequilíbrio surge conseqüentemente um estado superior de equilíbrio com o meio, isto é, novas formas mais eficientes de resolução de problemas (MARTINS; CAVALVANTI, 2005; BARDUCHI, 2004). Em decorrência desse novo processo adaptativo iniciado pelos desequilíbrios, o organismo busca meios necessários à adaptação intelectual à nova realidade, acionando os mecanismos de assimilação e acomodação. A assimilação ocorre quando o sujeito se utiliza de estruturas mentais já formadas, para solução de determinada situação. Ou seja, o novo elemento circunstancial é incorporado a um sistema já pronto. Em outras palavras, a assimilação constitui a: (...) integração de elementos novos em estruturas ou esquemas já existentes. A noção de assimilação, por um lado, implica a noção de significação e por outro expressa o fato fundamental de que todo conhecimento está ligado a uma ação e de que conhecer um objeto ou um acontecimento é www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 43 assimilá-lo a esquemas de ação. (PIAGET1, 1983 apud MARTINS; CAVACANTI, 2005). Já o mecanismo de acomodação pressupõe estruturas antigas inadequadas ou insuficientes para solucionar a nova situação, e assim as estruturas então existentes devem ser modificadas para a integração de elementos novos (MARTINS; CAVALVANTI, 2005). Tanto o processo de assimilação quanto o de acomodação se complementam e estão presentes ao longo da vida do sujeito. Consideremos como exemplo uma criança que está aprendendo a reconhecer animais, sendo o cachorro o único animal que ela conhece. Ela tem, portanto, em sua estrutura cognitiva, um esquema de cachorro. Se apresentarmos a esta criança outro animal semelhante, como o cavalo, ela o terá como um cachorro (marrom, quadrúpede, com rabo, etc.). Apesar das diferenças, a similaridade entre o cachorro e o cavalo prevalece em função da proximidade dos estímulos e da pouca variedade e qualidade dos esquemas acumulados pela criança até o momento. Mas quando o adulto intervém e corrige a criança, dizendo tratar-se de um cavalo, provocando assim um desequilíbrio, ela acomodará aquele estímulo a uma nova estrutura cognitiva, criando assim um novo esquema. Assim, a diferenciação entre os dois estímulos ocorre pelo processo de acomodação, e a criança passa a ter um esquema para o conceito de cachorro e outro para o conceito de cavalo (TAFNER, 2008). Em suas investigações Piaget observou então diferentes formas de interação com o ambiente em cada etapa do desenvolvimento. Estabeleceu assim alguns estágios ou períodos do desenvolvimento humano, que correspondem a uma seqüência universal, em diferentes faixas etárias. Hoje se entende que estas faixas etárias podem variar nos diferentes estágios, em dependência das interações ambientais disponibilizadas à criança. Essa noção de estágio foi utilizada para a descrição da organização da atividade mental (inteligência) do nascimento até a adolescência, momento este em que a ação 1 PIAGET, J. A Epistemologia Genética. São Paulo: Abril Cultural. Os Pensadores, 1983. www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 44 lógica conquistada respaldará a ação adulta na resolução de problemas (BARDUCHI, 2004). Essa seqüência de estágios do desenvolvimento pressupõe que ele ocorre em sucessão constante; que as estruturas construídas em determinado estágio integrarão as novas estruturas do estágio posterior; que cada estágio é constituído por “estruturas de conjunto” e não por características justapostas; que em todo estágio há um nível de preparação para um estágio posterior, e um nível de acabamento que o diferencia do estágio anterior; e que o nível de acabamento deve diferenciar-se das aquisições anteriores e ser preparatório para as aquisições futuras (MARTINS; CAVALVANTI, 2005). Os estágios apresentados para a compreensão do processo de desenvolvimento das estruturas da inteligência são: o estágio sensório-motor (até dois anos); o estágio de operações mentais, que se divide nos sub-estágios pré-operatório (2 a 7 anos) e operatório concreto (7 anos até a adolescência); e o estágio da lógica formal (a partir da adolescência). O estágio sensório-motor é marcado pela ausência da relação entre o sujeito e o objeto de conhecimento, e assim o bebê ainda não manifesta reconhecimento da existência de seu “eu”. Há o estabelecimento de relações entre as ações e as modificaçõesque elas provocam no ambiente físico, através da manipulação do mundo por meio da ação. Neste momento inicial do desenvolvimento, o exercício dos reflexos sensoriais e motores vão tornando-se cada vez mais complexos, sendo muito importante oferecer um rico e diversificado mundo de experiências para a criança, para que ela possa se inserir no meio social, com outras crianças e adultos, bem como interagir com os objetos a sua volta. Assim, o trabalho educativo nesse sentido pode promover a complexificação das estruturas mentais, contribuindo para a formação dos esquemas sensório-motores e a inteligência prática (solução imediata de problemas práticos pela criança), e também para a gradual diferenciação entre sujeito e objeto. No estágio das operações mentais, a criança desenvolve a capacidade de representar suas ações e algumas relações de seu meio social através da utilização de símbolos, de imagens mentais e da linguagem. No entanto, no sub-estágio pré-operatório, www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 45 o pensamento ainda depende das ações externas, sendo que as representações simbólicas são repetições idênticas da realidade, já que não há ainda a capacidade de reelaborar, reorganizar os acontecimentos. Esta etapa é caracterizada pelo pensamento egocêntrico, em que a criança não é capaz de pensar a partir do ponto de vista de outra pessoa. Além disso, é muito comum a criança conferir o caráter de animismo às coisas a sua volta, isto é, há “a tendência a conceber as coisas como vivas e dotadas de intenção.” (PIAGET2, 1989 apud MARTINS; CAVALVANTI, 2005), como quando ela atribui comportamentos e sentimentos humanos à boneca, por exemplo. Outra característica própria desse sub-estágio é o artificialismo, ou seja, “a crença que as coisas foram construídas pelo homem ou por uma atividade divina operando do mesmo modo que a fabricação humana.” (PIAGET, 1989 apud MARTINS; CAVALVANTI, 2005) Por exemplo, a criança pode dizer que o homem fez o mar. A interação com outros adultos por meio de processos educativos é de suma importância, pois é a partir de brincadeiras e de jogos simbólicos que a criança poderá reorganizar/reelaborar suas experiências em família, na escola, etc., para compreendê-las e assim desenvolver suas estruturas cognitivas. No sub-estágio seguinte, o operatório-concreto, as operações mentais ainda se restringem a objetos e situações da realidade concreta, mas já ocorre a diferenciação entre sujeito e objeto, o que possibilita uma compreensão mais adequada da realidade. Assim, já se inicia a capacidade de formação de conceitos, motivo pelo qual neste momento há a preponderância do pensamento lógico e objetivo. O sujeito já é capaz de entender e realizar operações com classes (inclusão); operações com relações (igualar diferenças, reversibilidade); e operações de conservação de quantidade de substância, peso e volume. A criança conserva inicialmente a substância, seguida da conservação do peso, e por fim, do volume. Por fim, o estágio da lógica formal é caracterizado pelo pensamento hipotético- dedutivo (levantamento de hipóteses, realização de deduções), e pela formação plena da capacidade de formar idéias e construções abstratas. Há, portanto, independência em 2 PIAGET, J. Seis Estudos de Psicologia. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1989. www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 46 relação ao recurso concreto, constituindo assim o ápice do desenvolvimento intelectual da vida do indivíduo (MARTINS; CAVALVANTI, 2005). Para além destas questões, Piaget estudou também o desenvolvimento do juízo moral nas crianças, apontando a existência de duas tendências nessa evolução: a heteronomia e a autonomia. A heteronomia seria o seguimento de regras determinadas externamente por uma autoridade (como pais, professores, etc.). Por outro lado, a autonomia se caracteriza pelo princípio da reciprocidade, em que as regras deixam de ser cumpridas por submissão a outrem e passam a ser elaboradas e seguidas para manter a convivência grupal. Podemos então concluir que para Piaget os processos e operações mentais são os fatores determinantes da conduta individual. Embora seja construída a partir da interação social, a estrutura cognitiva é considerada um elemento básico na constituição do indivíduo para que ele possa responder às demandas sociais (MARTINS; CAVALVANTI, 2005). A Psicanálise Kleiniana Melanie Klein (1882-1960) nasceu em Viena, em uma família judia pobre. Formou- se em Arte e História, mas assim que iniciou sua incursão nas idéias de Freud, delegou suas atividades à psicanálise de crianças. Protagonista das ditas Grandes Controvérsias internas à Sociedade Britânica de Psicanálise, em que estabeleceu grande rivalidade em relação às idéias de Anna Freud sobre a análise com crianças, organizou em torno de si uma verdadeira escola de psicanálise, contribuindo para o surgimento de reconhecidos autores pós e neo-kleinianos (ZIMERMAN, 2001). Dentre os postulados advindos de um princípio próprio de psicanálise com crianças, Klein afirma ser possível a transferência na análise infantil, tornando então desnecessária qualquer atitude pedagógica em relação aos pais (FUNDAMENTOS, 2008). Essa questão foi o alvo do embate teórico travado entre Klein e Anna Freud. Contudo, o reconhecimento do trabalho de Klein advém da criação da psicanálise da criança por meio da técnica do brincar. Ela o considerou como processo equivalente à associação livre do adulto, sendo o conteúdo emocional do brincar correspondente ao www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 47 sonho do adulto. É deste modo que a compreensão da estrutura emocional do bebê possibilitou a investigação das atividades mentais primitivas de psicóticos e pacientes regressivos. (ZIMERMAN, 1999; BARROS, E.M.R.; BARROS E.L.R.,2006). Klein postula que as fantasias estão presentes desde muito cedo na vida do bebê e se constituem enquanto representantes mentais das pulsões instintivas, tomando forma em representações figurativas que evocam estados e significados afetivos, os quais organizam as emoções enquanto a vivemos. Todo impulso instintivo é dirigido a um objeto interno (representação figurativa capaz de evocar afetos), que nada mais é que uma imagem distorcida dos objetos reais, mas que se instalam não só no mundo externo, como também internamente incorporando-se ao ego (BARROS, E.M.R.; BARROS E.L.R.,2006). O primeiro objeto interno do bebê é a mãe, ou sua representação parcial como seio alimentador, e pode adquirir qualidades boas e más. A fome, por exemplo, é vivida pelo bebê como a presença de um objeto que frustra, como fruto de uma ação de algo existente dentro dele, e que provoca sentimentos bons quando alimentado, e sentimentos maus quando não satisfeitos. Com a progressiva associação de moções pulsionais com os objetos internos representantes do mundo externo, são gerados os significados para as experiências vividas, dando sentido às ações, crenças e percepções, bem como uma tonalidade afetiva às relações com o mundo externo e interno (expressos em fantasias inconscientes) (ibid). Concomitante ao nascimento, já se inicia o embate permanente entre o instinto de vida e o de morte: “diante da pressão exercida no nível mental pelas necessidades físicas ligadas à sobrevivência, o bebê é colocado diante de duas possibilidades: ou se organiza para satisfazê-las (pulsão devida) ou para negá-las (pulsão de morte).” (ibid). A pulsão de morte expressa-se por meio de ataques invejosos (inveja primária) e sádico-destrutivos contra o seio materno. Essas pulsões provocam internamente a “angústia de aniquilamento” ou “ansiedade de morte”. É neste contexto que o ego rudimentar do recém-nascido assume a posição de defesa contra a angústia através de mecanismos primitivos, como a negação onipotente, a dissociação, a identificação www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 48 projetiva, a introjeção e a idealização (como veremos em alguns destes conceitos mais adiante) (ZIMERMAN, 1999, 2001). Inaugurando dessa forma um modo particular de conceber o desenvolvimento humano, Klein considera não somente o passado histórico de repressões inconscientes acumuladas como fatores intervenientes no desenvolvimento (normal ou patológico). Ela amplia o conceito de instinto de morte como principal fonte de ansiedade, relacionando-o com o medo de não sobreviver, e esta ansiedade de morte se torna o motor do desenvolvimento (BARROS, E.M.R.; BARROS E.L.R.,2006). Essas pulsões provocam um intenso intercâmbio entre o mundo externo e interno, através de um movimento permanente de projeção e introjeção de estados de espírito. É neste cenário de processos projetivos e introjetivos, intrínsecos ao modo de operar da mente humana, que são gerados os significados das experiências emocionais e os afetos envolvidos nas relações humanas em geral (ibid). Assim, o ego se desenvolve mediante a introjeção de objetos que são sentidos como pertencentes a ele. Simultaneamente, os objetos externos se constituem por meio da projeção, no mundo externo, de objetos provenientes da fantasia inconsciente e de experiências anteriores de objeto, o que indica a combinação de aspectos do self com características reais dos objetos presentes e passados (GEVERTS, 2006). Estes mecanismos de projeção e introjeção possibilitam a defesa (contra a ansiedade) do ego incipiente do bebê, de modo que as estruturas precursoras do ego podem dividir-se ou excindir-se, e ser projetadas para fora. Deste modo, não são apenas projetados os estados perturbadores, mas também partes do próprio self, da própria personalidade. Dessa dinâmica decorre que podemos viver parte de nossas vidas projetados (em fantasia) no mundo interno de outra pessoa, ou podemos ter parte de nossas vidas vividas em identificação com aspectos da vida de outrem. Esse mecanismo é denominado por Klein de introjeção projetiva, um de seus mais importantes legados conceituais. Assim, o que é projetado para fora, isto é, para dentro de um objeto, não só é perdido como também confere nova identidade a esse objeto (BARROS, E.M.R.; BARROS E.L.R.,2006). www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 49 Esse mecanismo se faz presente desde o nascimento, e em síntese, se baseia na fantasia de que certos aspectos do self estão situados fora dele, dentro do objeto, de forma que tenha a sensação de controlar o objeto desde dentro e que o projetor vivencie o objeto como parte dele mesmo (GEVERTS, 2006). Atribui-se ao conceito de introjeção projetiva a profunda modificação da técnica psicanalítica, da concepção das relações humanas e do desenvolvimento, indicando áreas ainda não consideradas pela psicanálise em seu foco central (BARROS, E.M.R.; BARROS E.L.R.,2006). Por fim, para Klein, a qualidade da natureza da ansiedade pode ser paranóide ou depressiva, determinando assim a natureza do conjunto de defesas estruturantes do ego. Às integrações possíveis entre o tipo de ansiedade e os modos de defesa ativados pelo ego, Klein dá o nome de posição, que caracteriza o modo de o individuo ver a si mesmo e o mundo à sua volta. A ansiedade paranóide, ou posição esquizoparanóide, é vivida como uma ameaça à integridade do ego, mas a sobrevivência do objeto não está em jogo, pois é tido somente como fonte de ameaça e não de amor. Esse tipo de ansiedade mobiliza uma defesa para sobrevivência do ego, principalmente pelo mecanismo de dissociação (divisão do self ou do objeto) e a identificação projetiva (ibid). Há a necessidade de preservar a experiência prazerosa e rechaçar a experiência dolorosa, o que leva à primeira dissociação de forma que o psiquismo gira em torno do estruturante (“seio bom”), e de um desestruturante (“seio mau”). Nos primeiros meses da vida do bebê, as defesas características da posição esquizoparanóide são necessárias, mas a persistência exagerada das mesmas a outros períodos da evolução psíquica pode determinar condições para uma psicopatologia (ZIMERMAN, 1999). Por outro lado, a posição depressiva é definida por uma ansiedade de perda do objeto de seu amor e se organiza a fim de se proteger dessa experiência dolorosa, mobilizando defesas de natureza diferente da de caráter paranóide (BARROS, E.M.R.; BARROS E.L.R.,2006). Ao contrário da posição esquizoparanóide, caracterizada pela dissociação do todo em partes, a posição depressiva consiste na integração das partes do sujeito que estão dispersas. A criancinha pode então reconhecer e integrar os aspectos clivados da mãe, agora como objeto total. Essa posição é fundamental para o desenvolvimento psíquico da criança pequena, possibilitando a criação de núcleos www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 50 básicos de confiança pela introjeção do “seio bom”, e a progressiva aceitação de perdas parciais, como um afastamento temporário da mãe (ZIMERMAN, 1999). A partir do seu conceito de posição, Klein realizou uma mudança significativa na forma de entender os movimentos evolutivos do psiquismo, a despeito da concepção de “fases” como descrita por Freud, então vigente entre os psicanalistas (ibid). Winnicott: o ambiente suficientemente bom Donald Woods Winnicott (1896 – 1971) nasceu na Inglaterra, onde viveu num lar estruturado econômica e afetivamente. Formou-se em medicina, atuando na área de pediatria por 40 anos. Em 1935 tornou-se psicanalista habilitado na Sociedade Britânica de Psicanálise, quando aproximou-se de Melanie Klein, ainda que houvessem divergências teóricas e técnicas (ZIMERMAN, 2001; NASIO, 1995). Dentro do campo psicanalítico, seu interesse voltou-se para a vida dos recém- nascidos e para os distúrbios cuja etiologia era anterior à fase edipiana. Seu estudo enfatizou a influência dos fatores ambientais no desenvolvimento psíquico, ampliando o campo de reflexão e atuação da psicanálise. Em detrimento do estudo dos conflitos intrapsíquicos, Winnicott passo ao estudo dos conflitos interpsíquicos, como distorções psíquicas provocadas por um ambiente patogênico. Propôs, deste modo, alterações na técnica terapêutica clássica, visando os pacientes que se depararam com um ambiente falho na adaptação às necessidades da primeira infância (NASIO, 1995). Para Winnicott, o ser humano apresenta uma tendência inata a se desenvolver, que se realiza pelos processos maturacionais, isto é, a formação do ego, do id e do superego, bem como das defesas do ego num indivíduo sadio. No entanto, são os aspectos ambientais, inicialmente representados pela mãe ou seus substitutos, que permitem ou dificultam o livre desenrolar desses processos de maturação (ibid). A fase inicial da vida, que compreende o nascimento aos seis meses, caracteriza- se pela condição de dependência absoluta do bebê em relação ao meio, aos cuidados maternos. Mas ainda que dependa inteiramente do que lhe é oferecido pela mãe, é importante consideraro desconhecimento do bebê em relação ao seu estado de www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 51 dependência, já que em sua mente ele e o meio são uma coisa só. Idealmente, é pela perfeita adaptação às necessidades do bebê que a mãe permite o livre desenrolar dos processos de maturação (ibid). As necessidades do bebê não se constituem somente daquelas de ordem fisiológica, mas há também as necessidades psíquicas. É para satisfação destas necessidades ligadas ao desenvolvimento psíquico que a mãe exerce três funções básicas, exercidas em simultaneidade: a apresentação do objeto, o holding e o handling (ibid). A apresentação do objeto começa com a primeira refeição do bebê (apresentação do seio ou da mamadeira), que simbolicamente, pela soma das experiências precoces de muitas refeições na vida real, constitui-se a primeira refeição teórica, de acordo com Winnicott. A mãe, ao oferecer o seio ao bebê mais ou menos no momento certo, isto é, quando a criança está à espera de algo, pronto para imaginá-lo, para encontrá-lo, dá a seu filho a ilusão de que ele mesmo criou o objeto do qual sente confusamente a necessidade. A criança tem então uma experiência de onipotência, já que o objeto adquire existência real no momento em que é esperado pelo bebê. É neste momento que se desenvolve a capacidade de experimentar sentimentos como amor e ódio de forma necessariamente angustiante, insuportável (NASIO, 1995). A segunda função materna corresponde ao holding, ou seja, à sustentação. Através dos cuidados cotidianos, com seqüências repetitivas, a mãe segura o bebê não somente física, mas psiquicamente, dando apoio ao eu do bebê em seu desenvolvimento. Assim, a criança encontra uma realidade externa simplificada, rotineira e estável, sobre a qual pode integrar-se no tempo e no espaço (ibid). O handling é a manipulação do bebê enquanto ele é cuidado, necessária ao seu bem-estar físico, e assim aos poucos ele se experimenta como vivendo dentro de um corpo, unindo-o à sua vida psíquica. Este processo é denominado personalização (ibid). É identificando-se estreitamente com o bebê, adaptando-se às suas necessidades, que a mãe representa assim o ambiente suficientemente bom, e permite à criança desenvolver uma vida psíquica e física fundamentada em suas tendências inatas. A esta www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 52 mãe Winnicott denomina mãe suficientemente boa. É ela que permite à criança o desenvolvimento das principais funções do eu: integração no tempo e no espaço, o encontro com os objetos do mundo externo e a unificação entre a vida psíquica e o corpo. A relação assim estabelecida provê um sentimento de continuidade da vida, e indica a emergência de um verdadeiro eu, um verdadeiro self (ibid). Em proporções variadas, todos os seres humanos apresentam dois aspectos do self: um verdadeiro e um falso. O self verdadeiro, resultante da aceitação dos gestos espontâneos do bebê pela mãe, corresponde à pessoa que se constitui a partir do emprego de suas tendências inatas. Por outro lado, quando as falhas do ambiente ameaçam a continuidade existencial do bebê, ele deforma o seu verdadeiro self submetendo-se às exigências ambientais, o que leva à construção de um falso self. Neste caso, o falso self é o traço principal da reação do bebê às falhas de adaptação da mãe. A criança se submete às pressões de uma mãe que lhe impõe uma maneira inadequada de exprimir suas tendências inatas e que, conseqüentemente, obriga-o a adotar um modo de ser falso e artificial (coloca o seu próprio gesto) (ZIMERMAN, 2001; NASIO, 1995). Desse modo, a mãe incapaz de se identificar com as necessidades do bebê é denominada mãe insuficientemente boa, que pode ser representada por uma mãe real ou uma situação, por exemplo, quando os cuidados são exercidos por diversas pessoas. A criança se depara então com uma mãe dividida em partes, e experiência os cuidados em sua complexidade, e não pela simplicidade que seria desejável (NASIO, 1995). Na segunda fase do desenvolvimento da criança, que se estende do sexto mês aos dois anos, ela se encontra num estado de dependência relativa em relação ao meio. Neste momento, a criança se conscientiza de sua sujeição, e conseqüentemente tolera melhor as falhas de adaptação da mãe, e dessa forma se torna capaz de tirar proveito delas para se desenvolver. A criança já é capaz de se situar no tempo e no espaço, o que permite reconhecer as pessoas e objetos como parte da realidade externa e perceber a mãe como separada dela, como também realizar uma união entre sua vida psíquica e seu corpo. Por parte da mãe, passa a haver uma identificação com o filho menos intensa, reintroduzindo então “falhas de adaptação” moderadas (ibid). www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 53 Apesar destes avanços em seu desenvolvimento, surge nesta fase um novo desafio: lidar com a constante tensão da realidade de dentro (povoada de fantasias pessoais) com a realidade de fora (povoada de coisas e pessoas) (ibid). Entre outras coisas, é nesta fase que a criança deve entender que a mãe dos momentos de tranqüilidade, que zela, cuida e brinca com o bebê, é a mesma mãe dos momentos de tensão pulsional em que a agressividade está implicada, como na hora das refeições, quando a criança fantasia que a satisfação da fome acarreta uma deterioração do corpo da mãe. Desse modo, a criança sente uma angústia depressiva e culpa pela destruição que provoca na mãe, da qual reconhece depender para o seu bem-estar. Este conflito tende à resolução através dos atos da mãe suficientemente boa, que assim se mostra capaz de sobreviver à possibilidade de destruição (ibid). Por conseguinte, após a desilusão por perceber que a fantasia não corresponde à realidade, a criança desenvolve atividades que permitem uma sustentação, um apoio frente à angústia, como levar à boca algum objeto externo (travesseiro, pano, etc.), segurar, se acariciar ou chupar um pedaço de tecido, balbucios, etc. Tais atividades foram denominadas fenômenos transicionais, e estes objetos utilizados foram chamados de objetos transicionais (ibid). O termo “transicional” indica que essa atitude da criança ocupa um lugar intermediário entre as realidades externa e interna, numa tentativa de amortecer o choque provocado pela conscientização da tensão entre ambos aspectos de sua vida. Este espaço existente entre o mundo interior e mundo externo é chamado de espaço transicional, que persiste ao longo de toda a vida, sendo ocupado por atividades lúdicas e criativas diversificadas através das quais o ser humano busca aliviar a permanente tensão (NASIO, 1995). Para Winnicott, assim como nos outros campos do desenvolvimento psíquico, o ambiente desempenha papel fundamental no aparecimento e na evolução dos fenômenos transicionais, tendo a missão de respeitar e proteger a expressão destes. Antes de mais nada, o surgimento dessa dimensão no desenvolvimento da criança é sinal de que a mãe www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 54 da primeira fase foi suficientemente boa. O ambiente continuar a exercer influência na criança que cresce, no adolescente e até no adulto (ibid). A Teoria do Apego de John Bowlby Nascido numa família aristocrática inglesa, John Bowlby (1907-1990) iniciou sua formação em Medicina. Interrompeu seus estudos, mas, aoconstatar os efeitos prejudiciais das experiências interpessoais negativas em crianças, retomou suas atividades acadêmicas. Formou-se em Psiquiatria e especializou-se em Psicanálise (AUGUSTO; JERÔNIMO, 2008). Investigando as conseqüências negativas das separações na formação da personalidade em jovens delinqüentes e em crianças hospitalizadas, Bowlby observou que os efeitos das separações permaneciam para além do período de sua ocorrência, verificando-se dificuldades comportamentais como agressividade e imaturidade, bem como efeitos mais permanentes sobre a capacidade de estabelecimento de vínculos afetivos significativos e estáveis no futuro (ibid). Assim, suas observações acerca dos cuidados inadequados dispensados às crianças na primeira infância, e do desconforto e ansiedade acarretados pela separação dos cuidadores, o levaram à análise dos efeitos adversos desse rompimento no desenvolvimento infantil (DALBEM; DELL’AGLIO, 2005). Bowlby estabelece então três fases pelas quais passam as crianças privadas precocemente das mães: na fase de protesto, o bebê chora e esperneia, voltando-se a qualquer som que possa indicar a presença da mãe; a desesperança caracteriza a criança apática, cansada de esperar que sente tudo como perda; e o retraimento indica o desapego emocional e indiferença (ZIMERMAN, 2001). Juntamente com a colaboração da norte-americana Mary Ainsworth no início dos anos 50, novos trabalhos vieram confirmar as idéias de Bowlby, culminando no aprofundamento de sua teoria em obras de fundamental importância: Cuidados Maternos e Saúde Mental (1951) e Apego, Perda, Separação, em três volumes (1969, 1973, 1980) (AUGUSTO; JERÔNIMO, 2008; ZIMERMAN, 2001). Dessa forma, suas investigações, além dos estudos de outros pesquisadores proeminentes, originaram as formulações e www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 55 pressupostos iniciais da Teoria do Apego. Sua obra apresenta referências aos campos da psicanálise, da biologia evolucionária, da etologia, das ciências cognitivas, dentre outras (DALBEM; DELL’AGLIO, 2005). Indo além de uma compreensão meramente fisiológica das ações da criança para satisfação de suas necessidades vitais, Bowlby defende a prevalência do fenômeno de vinculação afetiva dentre tais necessidades. Dessa forma, reforçou a importância da criação de um vínculo afetivo baseado na confiança em relação à figura de vinculação. Entendido como um instinto voltado à proximidade recíproca entre os indivíduos, a vinculação é um importante elemento organizador da atividade sócio-emocional da criança (AUGUSTO; JERÔNIMO, 2008). De acordo com Bowlby3 (apud DALBEM; DELL’AGLIO, 2005), o mecanismo de apego se refere a um comportamento biologicamente programado, agindo conforme um sistema de controle homeostático, e que funciona em consonância com outros sistemas de controle comportamentais. Este vínculo afetivo primário, isto é, as primeiras relações de apego estabelecidas pela criança, afetarão o caráter de seu comportamento de apego ao longo de sua vida. Assim, a relação entre o bebê e seus cuidadores é permeada pelas respostas inatas da criança que demandam proximidade, desenvolvendo-se pouco a pouco um vínculo afetivo. Esse vínculo é então garantido pelas capacidades cognitivas e emocionais da criança, assim como pela consistência dos procedimentos de cuidado, pela sensibilidade e responsividade dos cuidadores. Em síntese, o papel do apego no desenvolvimento é definido em termos do reconhecimento de que uma figura de apego se faz presente e disponível, oferecendo um sentimento de segurança que fortifica a relação. O comportamento de apego, outro conceito fundamental, refere-se às ações de um indivíduo em vistas a obter proximidade com outro, claramente considerado como mais apto a lidar com o mundo. A função desse comportamento remete a uma necessidade (de caráter biológico) de proteção e segurança (DALBEM; DELL’AGLIO, 2005). 3 BOWLBY, J. Uma base segura: Aplicações clínicas da teoria do apego. Porto Alegre: Artes Médicas,1989. www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 56 No entanto, Bowlby considera também a interação complexa existente entre as condições físicas e temperamentais da criança e as condições do ambiente, uma vez que ambos os fatores interferem na ativação do sistema do comportamento de apego. E em sua complexidade, essa interação depende, de certa forma, da estimulação do sistema de apego (DALBEM; DELL’AGLIO, 2005). Esse sistema tem função direta nas respostas afetivas e no desenvolvimento cognitivo, pois envolve uma representação mental das figuras de apego, de si mesmo e do ambiente, sendo estas baseadas na experiência. Essa capacidade de representação mental, que surge ao longo do desenvolvimento da criança, é denominada modelo interno de funcionamento. É dessa forma que as primeiras experiências entre a criança e a figura de apego darão início ao que futuramente se generalizará em relação às expectativas sobre si mesmo, sobre os outros e o mundo, tendo importantes implicações para o desenvolvimento da personalidade (ibid). Os working models (modelos de funcionamento) se relacionam então com os sentimentos de disponibilidade das figuras de apego, com a probabilidade de recebimento de suporte emocional em momentos de estresse e, de maneira geral, com a forma de interação com tais figuras. Sendo assim, serão estas representações e expectativas que guiarão a conduta individual, servindo como base de predição e interpretação do comportamento de outras pessoas às quais se é apegado (BOWLBY4 apud DALBEM; DELL’AGLIO, 2005). Ou seja, ainda que essas representações constituam-se desde muito cedo no desenvolvimento da criança, elas permanecem em evolução, sob certa influência das experiências de apego precoces. Embora sejam menos evidentes nos adolescentes e adultos, ocorre essa tendência de recriação do padrão interno de apego primário nas relações atuais do indivíduo. Em outras palavras, a imagem interna construída inicialmente com os cuidadores primários se expressa nos padrões de apego e de vinculação também com outras pessoas desde cedo, e a partir daí será considerada a base para todos os relacionamentos significativos futuros (DALBEM; DELL’AGLIO, 2005). 4 BOWLBY, J. Uma base segura: Aplicações clínicas da teoria do apego. Porto Alegre: Artes Médicas,1989. www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 57 Isso indica que a necessidade de figuras de apego que proporcionem uma base segura não se limita absolutamente às crianças (BOWLBY5 apud DALBEM; DELL’AGLIO, 2005). Atualmente, as pesquisas relativas à Teoria do Apego caminham na direção do estudo do apego para além de sua expressão na infância. Contudo, admite-se haver controvérsias quanto à generalização dos padrões de interação primários para relações futuras. Permanecem, ademais, algumas dúvidas em relação às razões pelas quais algumas crianças desenvolvem apego seguro, mesmo que os cuidadores não estejam tão próximos. Questiona-se também o forte cunho naturalista/biologicista dessa teoria, por seu determinismo implícito na análise da influência das relações de apego precoce. De qualquer forma, tais indagações sugerem alguns limites dessa abordagem teórica, evidenciando assim a necessidade de maiores aprofundamentos e análises científicas, por meio de pesquisas que possam enriquecer seu arcabouçoconceitual e sua aplicação prática de forma coerente (DALBEM; DELL’AGLIO, 2005). Psicopatologia do Desenvolvimento Transtornos de Aprendizagem ou Transtornos Específi cos do Desenvolvimento das Habilidades Escolares Distúrbio ou Transtorno de Aprendizagem é, segundo Tuleski e Eidt (2007), um termo genérico para designar um grupo heterogêneo de desordens, manifestado por dificuldades de aquisição e uso de audição, fala, escrita e raciocínio matemático. Estas dificuldades são intrínsecas ao indivíduo e presume-se disfunção do sistema nervoso central. Deuschle, Donicht e Paula (2010) ressaltam que há controvérsias para designar distúrbios e dificuldades de aprendizagem, visto que há muitos sintomas e diversos fatores etiológicos quando se fala de aprendizado de leitura, escrita e habilidades matemáticas. De acordo com o DSM IV, o diagnóstico de Transtornos de Aprendizagem se dá quando os resultados de testes padronizados de leitura, expressão escrita e matemática estão abaixo do esperado para a idade, escolarização ou nível de inteligência. O CID 10 5 BOWLBY, J. Formação e rompimento dos laços afetivos. São Paulo: Martins Fontes, 1979. www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 58 preconiza que estes Transtornos são manifestados por comprometimentos específicos e significativos no aprendizado de habilidades escolares. Eles não resultam diretamente de outros transtornos, como retardo mental, déficits neurológicos grosseiros, problemas de visão ou audição não corrigidos, ou perturbações emocionais, embora possam ocorrer concomitantemente a estas situações (Deuschle, Donicht e Paula, 2010). Segundo Deuschle, Donicht e Paula (2010), os requisitos para o diagnóstico dos Transtornos de Aprendizagem são: - Ausência de comprometimento intelectual, neurológico evidente ou sensorial; - Condições adequadas de escolarização; - Início obrigatoriamente na primeira ou segunda infância. Tanto o DSM IV quanto o CID 10 subdividem os Transtornos de Aprendizagem em três tipos, quais sejam: - Transtorno de Leitura: Dislexia - Transtornos da escrita: Disgrafia e Disortografia - Transtorno das Habilidades Matemáticas: Discalculia Transtorno de Leitura: Dislexia A Dislexia caracteriza-se por uma redução na velocidade e qualidade de aquisição de leitura e escrita. Ela aparece no processo de alfabetização e mostra-se como uma dificuldade em aprender a ler e a escrever (Dislexia, 2010). Há uma dificuldade de segmentação fonológica, ou seja, de dividir palavras em fonemas (Carvalhais e Silva, 2010). Assim, a criança com este distúrbio tem dificuldade em reconhecer palavras sem confundir com outras de fonemas parecidos (por exemplo, “faca” e “vaca”), por não reconhecer fonemas isolados, somente o som da palavra inteira (Dislexia, 2010). Muitas crianças com dislexia apresentam ótimos resultados em testes de lógica e atividades cognitivas, têm inteligência normal ou acima da média. A dislexia também não tem relação com deficiência ou retardo nem indica dificuldades futuras acadêmicas e profissionais. No entanto, as dificuldades apresentadas por elas podem acabar desestimulando e frustrando-as, o que pode ser visto por outros como relaxo ou preguiça, www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 59 quando o que falta, na realidade, é estímulo para a realização das tarefas atribuídas (Dislexia, 2010). A International Dyslexia Association (IDA) define dislexia como: “[...] um distúrbio específico da linguagem de origem constitucional e caracterizada por dificuldades na descodificação de palavras isoladas, usualmente refletindo insuficientes competências de processamento fonológico. Estas dificuldades são inesperadas em relação à idade e a outras capacidades cognitivas e acadêmicas. A dislexia manifesta-se em múltiplas dificuldades em diferentes formas de linguagem, e incluem juntamente com os problemas de leitura, problemas na aquisição de proficiência na escrita e ortografia” (Carvalhais e Silva, 2010). A dislexia tem base neurológica e origem genética (Fisher e DeFries, 2002, apud Carvalhais e Silva, 2010). Sendo uma desordem do desenvolvimento, as suas manifestações se modificam no decorrer do tempo (Carvalhais e Silva, 2010). A criança que tem dislexia apresenta dificuldades nas seguintes áreas: de assimilação do que o professor ensina na sala de aula; com rimas, aliteração e reconhecimento de letras e fonemas; na leitura de palavras curtas e simples; soletração de palavras; leitura em voz alta; memorização de palavras; recordação dos dias da semana e do mês; e em contação e recontação de histórias já conhecidas por ela. Além disto, elas reclamam da leitura, confundem palavras e apresentam desorganização geral e trocas na fala persistente após os 6 anos. As dificuldades apresentadas não são resultado de deficiência mental, auditiva ou visual (Dislexia, 2010). Transtorno das Habilidades Matemáticas: Discalculia Discalculia é definida, no DSM IV, como a capacidade matemática de realizar operações matemáticas, cálculos e raciocínio matemático substancialmente abaixo do esperado para faixa etária, capacidade intelectual e nível de escolarização. Esta dificuldade traz prejuízos significativos em atividades da vida diária que exigem estas www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 60 habilidades. A discalculia não é causada por deficiência mental, déficits visuais ou auditivos, tampouco falha na escolarização (Sampaio S, 2010). Segundo Sampaio S (2010), na discalculia pode haver várias habilidades prejudicadas, quais sejam: - lingüísticas: nomear e compreender termos, operações, conceitos matemáticos, transpor problemas escritos em símbolos matemáticos; - perceptuais: reconhecer símbolos numéricos ou aritméticos ou agrupar números em conjunto; - matemáticas: seqüenciar etapas matemáticas, contar e aprender tabuada. Outras áreas comprometidas pela discalculia são a auto-estima, a organização espacial, a orientação temporal, a memória, as habilidades sociais, as habilidades grafomotoras, a linguagem e a leitura, a impulsividade e a memorização (Sampaio S, 2010). Transtornos da Escrita Disgrafia A disgrafia, conhecida como “letra feia”, é resultante de uma incapacidade de recordar a grafia da letra, tornando a escrita lenta e a união das letras inadequada, fazendo com que a letra fique ilegível (Sampaio S, 2010). Este distúrbio caracteriza-se por lentidão na escrita; letra ilegível; traços irregulares; desorganização da escrita, do texto, das letras e das formas; irregularidade do espaçamento entre as linhas, palavras, letras e ligação das letras; desorganização geral na folha; e ligação das letras inadequada. Há dois tipos de disgrafia: a motora e a perceptiva. No primeiro tipo, a criança tem dificuldade de coordenação motora fina para escrever, embora consiga ver a figura gráfica. Na disgrafia perceptiva, a criança não consegue “fazer relação entre sistema simbólico e as grafias que representam os sons, as palavras e frases” (Sampaio S, 2010). www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 61 Disortografia A disortografia caracteriza-se pela troca de letras com sons parecidos, confusão de sílabas, adições de sílabas repetidas (como “ventitilador” em vez de “ventilador”), omissões de letras, fragmentações (porexemplo, “en saiar” em vez de “ensaiar”), inversões de letras e junção de palavras. Estas confusões ortográficas são persistentes após as séries escolares iniciais (Sampaio S, 2010). Transtornos Invasivos do Desenvolvimento Os transtornos invasivos do desenvolvimento são condições “as quais as habilidades sociais, o desenvolvimento da linguagem e o repertório comportamental esperados não se desenvolvem adequadamente ou são perdidos no início da infância” (Kaplan, Sadock e Grebb, 1997). Os Transtornos Invasivos do Desenvolvimento são o Autismo, o Transtorno de Rett, o Transtorno Desintegrativo da Infância e o Transtorno de Asperger, sendo o primeiro o mais comum (Kaplan, Sadock e Grebb, 1997). Autismo O autismo foi primeiramente descrito por Kanner, em 1943, que nomeou esta condição de autismo infantil precoce. A etiologia no autismo associa-se a diversos fatores, como lesões neurológicas, rubéola congênita, fenilcetonúria, esclerose tuberosa e Transtorno de Rett. (Souza et. al, 2004). Segundo Faggiani (2010), o autismo é causado por uma alteração cerebral que resulta dificuldade em três áreas: comunicação, relacionamento social e prejuízos na relação com o ambiente. A dificuldade na área da comunicação pode se manifestar por problema em desenvolver repertório verbal, utilização de poucas palavras em suas frases e dificuldade de compreender a fala de terceiros (Faggiani, 2010). Pode haver uso estereotipado e repetitivo ou uso idiossincrático da linguagem (Souza et al., 2004). No relacionamento social, pode apresentar baixa capacidade de compreensão do sentimento dos outros, preferir objetos que giram ou televisão a contato com outras pessoas (Faggiani, 2010). Os indivíduos com autismo preferem ficar sozinhos, não www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 62 desenvolvem relações pessoais íntimas, não abraçam e evitam contato visual (Oliveira Filho e Oliveira, 2010). Em sua relação com o ambiente, apresenta comportamentos repetitivos e, em alguns casos, auto-lesivos, provavelmente devido à busca de auto-estimulação (Faggiani, 2010). Estes indivíduos apresentam comportamento compulsivo e ritualista, resiste a mudanças e se prende a objetos familiares (Oliveira Filho e Oliveira, 2010). As crianças com autismo também têm dificuldade em organizar dados da percepção ou percebem o mundo de forma diferente (Faggiani, 2010). Há, ainda, adesão inflexível a rotinas ou rituais específicos e não funcionais e preocupação persistente com partes de objetos (Souza et al., 2004). A inteligência não se desenvolve de maneira normal. O desempenho intelectual em testes pode ser desigual, tendo que ser repetido várias vezes. Geralmente, indivíduos com autismo têm melhores resultados em itens de desempenho (habilidades motoras e espaciais) do que em itens verbais dos testes. O retardo mental (QI abaixo de 70) está presente em cerca de 70%. De 20 a 30% dos portadores de autismo têm QI inferior a 50 e especialmente nestes é comum a ocorrência de convulsões antes da adolescência. A lesão cerebral pode estar presente concomitantemente com autismo (Oliveira Filho e Oliveira, 2010). Kanner (1976, apud Souza et. al, 2004) observou que, no entanto, os portadores de autismo apresentam boa memória para fatos de muitos anos antes, memória mecânica para poesias e nomes, e facilidade para recordar minuciosamente formas completas e seus derivados. O diagnóstico do autismo se baseia em três critérios (Bosa e Callias, 2010): - prejuízo qualitativo na interação social; - prejuízo qualitativo na comunicação verbal e não verbal, e no brinquedo imaginativo; - comportamentos e interesses restritivos e repetitivos. Normalmente, os sintomas de autismo aparecem no primeiro ano e sempre antes dos 3 anos de idade. É um distúrbio quatro vezes mais comum em meninos do que www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 63 meninas (Oliveira Filho e Oliveira, 2010), porém as meninas tendem a ser mais severamente acometidas (Wing, 1996, apud Bosa e Callias, 2010). Uma variante do autismo, com início tardio, até os 12 anos de idade, é chamada de “desordem pervasiva de início na infância” ou “autismo atípico”. Além dos mesmos sintomas, o indivíduo pode apresentar Síndrome de Tourette, Transtorno Obsessivo Compulsivo ou hiperatividade (Oliveira Filho e Oliveira, 2010). Oliveira Filho e Oliveira (2010) listam os indicadores para o diagnóstico de autismo e afirma que pelo menos 50% dos itens devem estar presentes para que se faça este diagnóstico. Os indicadores são: - Dificuldade em juntar-se com outras pessoas, - Insistência com gestos idênticos, resistência a mudar de rotina, - Risos e sorrisos inapropriados, - Não temer os perigos, - Pouco contato visual, - Pequena resposta aos métodos normais de ensino, - Brinquedos muitas vezes interrompidos, - Aparente insensibilidade à dor, - Ecolalia (repetição de palavras ou frases), - Preferência por estar só; conduta reservada, - Pode não querer abraços de carinho ou pode aconchegar-se carinhosamente, - Faz girar os objetos, - Hiper ou hipo atividade física, - Aparenta angústia sem razão aparente, www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 64 - Não responde às ordens verbais; atua como se fosse surdo, - Apego inapropriado a objetos, - Habilidades motoras e atividades motoras finas desiguais, e - Dificuldade em expressar suas necessidades; emprega gestos ou sinais para os objetos ao invés de usar palavras. Transtorno de Rett O Transtorno de Rett é mais comum entre crianças do sexo feminino. A criança apresenta desenvolvimento normal até os 5 meses, havendo, posteriormente “perda total ou parcial das habilidades manuais adquiridas e da fala e com uma desaceleração do crescimento do crânio” (Souza et al., 2004). Os sinais iniciais são hipotonia e dificuldade de engatinhar. A fala é muito comprometida, em muitos casos, é ausente e, se a criança chega a falar, esta capacidade é perdida (Shwartzman, 2003). Geralmente, as crianças portadoras de Transtorno de Rett inicialmente recebem diagnóstico de autismo, porém, a perda das aptidões verbais, os problemas respiratórios e a desaceleração do desenvolvimento craniano diferenciam este Transtorno do autismo (Souza et. al, 2004). Segundo Hagberg e Witt-Engerström (1986, apud Shwartzman, 2003), o Transtorno de Rett se desenvolve nos seguintes estágios: 1) estagnação precoce (de 06 a 18 meses de idade): há uma parada do desenvolvimento, desaceleração do crescimento do perímetro craniano, diminuição da interação social e isolamento. 2) rapidamente destrutivo (entre 01 e 03 anos, durando semanas ou meses): caracteriza-se por regressão psicomotora rápida, choro imotivado, irritabilidade, comportamento autista, perda da fala e surgimento de movimentos estereotipados das mãos com perda práxica, disfunções respiratórias, crises convulsivas e distúrbio de sono comum. 3) pseudo-estacionário (de 02 a 10 anos de idade): ocorre melhora de alguns sintomas, inclusive do contato social. Os distúrbios motores, como ataxia, apraxia, www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 65 espasticidade, escoliose e bruxismo, são evidentes. Com freqüência, a criança tem perda de fôlego, aerofagia e expulsão forçada de ar e saliva. 4) deterioração motora tardia (aproximadamente 10 anos de idade): há uma progressão lenta dos déficits motores,escoliose e deficiência mental severa. A epilepsia é menos importante. As poucas crianças que ainda conseguem andar poderão ter prejuízo crescente e precisar de cadeira de rodas. A sobrevida do portador de Transtorno de Rett pode ser limitada e a morte geralmente ocorre por quadro infeccioso ou de forma súbita durante o sono. O problema respiratório crônico em decorrência de problemas secundários à escoliose diminui a qualidade de vida e a sobrevida (Shwartzman, 2003). Transtorno Desintegrativo da Infância O Transtorno Desintegrativo da Infância é uma condição bastante rara que se caracteriza por perdas sociais e comunicativas proeminentes, mas sem que haja deterioração continuada nem progresso. Depois de uma regressão dramática, chega-se a um status quo. O impacto, no entanto, é visível durante toda a vida do sujeito (Mercadante, Van Der Gaab, e Schwartzman, 2010). Após 2 anos de desenvolvimento normal, nos quais há desenvolvimento de comunicação verbal e não verbal, dos relacionamentos sociais, dos jogos e do comportamento adaptativo próprio da idade, há uma regressão pronunciada em múltiplas áreas de funcionamento. Isto ocorre após os 02 anos de idade, mas antes dos 10 anos, geralmente entre os 03 e 04 anos, sendo o início insidioso ou abrupto. É uma condição mais comum entre crianças do sexo masculino. Também é chamado Síndrome de Heller, Demência Infantil ou Psicose Desintegrativa (299.10 Transtorno Desintegrativo da Infância – DSM IV, 2010). Há prejuízos na interação social e na comunicação e padrões restritos, repetitivos e estereotipados de comportamento, interesse e atividade. Geralmente, este Transtorno está associado a retardo mental severo (299.10 Transtorno Desintegrativo da Infância – DSM IV, 2010). www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 66 O Transtorno Desintegrativo da Infância se diferencia do Autismo pela idade do surgimento. Enquanto no primeiro, há desenvolvimento normal até os 2 anos de idade, os sinais do Autismo aparecem já no primeiro ano de vida (F84.0 - 299.00 Transtorno Autista - DSM.IV, 2010). O diagnóstico se dá após observação de perdas em pelo menos duas das seguintes áreas: linguagem expressiva ou receptiva, habilidades sociais ou comportamento adaptativo, controle intestinal ou vesical, jogos ou habilidades motoras. Alguns sinais ajudam a prever o início de Transtorno Desintegrativo da Infância. São eles: aumento de atividade, irritabilidade e ansiedade, e, após, perda da fala e de outras habilidades já adquiridas. Transtorno de Asperger O Transtorno de Asperger caracteriza-se por anormalidades em três áreas: interação social, uso da linguagem para comunicação e características repetitivas ou perseverativas sobre um número limitado de interesses. Embora os sintomas sejam semelhantes aos do autismo, o que os diferencia é que o portador de Transtorno de Asperger apresenta alta habilidade cognitiva ou, no mínimo, QI na média, e função de linguagem normal (Teixeira, 2010). Outra diferença é o desenvolvimento normal das habilidades de auto-cuidado e a curiosidade sobre o ambiente, presentes nesta condição (Klin, 2010). Os sintomas estão presentes desde o nascimento ou a partir dos 03 anos de idade (Pereira e Tenenbaum, 2010). A prevalência maior é entre crianças do sexo masculino (Klin, 2010). A criança com Transtorno de Asperger tem extremo comando de linguagem e vocabulário elaborado, porém é incapaz de utilizar-se disto em um contexto social, falando em tom monocórdico, com alguma nuance e inflexão da voz (Teixeira, 2010). O aspecto não verbal, em relação a gestos e tom afetivo de voz, é pobre, bem como sua empatia. O indivíduo tende a intelectualizar emoções. Sua fala é prolixa, em monólogos e, às vezes, incoerente, com tendência ao formalismo. O foco de sua fala é seus interesses, que costumam ser pouco usuais (Klin, 2010). Segundo Klin (2010), as anormalidades de linguagem presentes no Transtorno de Asperger são: www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 67 - Prosódia pobre: padrão de entonação restrita, velocidade incomum ou falta de fluência, modulação pobre de volume, falta de ajustamento ao ambiente social; - Fala tangencial e circunstancial: frouxidão de associações e incoerência por conta de conversação em monólogo, incapacidade de fornecer origem de comentários e não supressão da voz em pensamentos introspectivos; - Verbosidade: pode falar muito sobre seu assunto de interesse, sem se importar com a pessoa que está ouvindo, frustrando, ainda, tentativas de comentário ou mudança de assunto. Fala muito, mas pode não chegar a um ponto de conclusão. Estas crianças têm dificuldade em fazer contato visual e de se colocar no lugar do outro. No entanto, têm interesses sociais e participa de brincadeiras conjuntas (Pereira e Tenenbaum, 2010). Elas costumam ser socialmente isoladas, porém não inibidas na presença de outros. Podem buscar amizades, mas sua abordagem desajeitada e insensibilidade em relação a sentimentos e intenções dos outros frustram a sua intenção. Esta frustração social pode resultar em transtorno de ansiedade e de humor, que precisam de tratamento. O indivíduo pode descrever corretamente as emoções, porém é incapaz de atuar de acordo com esta informação de maneira intuitiva e espontânea. Tem forte apego às regras formais do comportamento e às rígidas convenções sociais (Klin, 2010). Outras características presentes no Transtorno de Asperger são: dificuldade de mostrar objetos, orientação pelo nome quando chamado, o uso da terceira pessoa em vez da primeira para referir-se a si, ecolalia, rigidez de significado (dificuldade em associar vários significados a um único significante), capacidade de brincar de “faz de conta”, dificuldade para abstrair duplo sentido ou metáfora. Além disto, a criança pode aprender a ler sozinha, o que é chamado hiperlexia. A memória é excelente e usada para decorar tudo sobre assuntos não usuais (Pereira e Tenenbaum, 2010). Decora grande quantidade de informação sobre um tópico, de forma intensa. O tópico pode mudar, mas predomina conteúdo de intercâmbio social. Pode haver atraso na aquisição de habilidades motoras, como abrir garrafas, agarrar bolas, escalar brinquedos, etc. Freqüentemente, a criança é visivelmente desajeitada e com coordenação pobre, podendo andar arqueada ou aos saltos e com postura bizarra. Apresenta padrão elevado de habilidade auditiva e verbal, e aprendizagem repetitiva. No entanto, há déficit em habilidades visuomotora e visuoperceptual e no aprendizado conceitual (Klin, 2010). www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 68 Tratamento dos Transtornos Invasivos do Desenvolvim ento Devido às semelhanças entre os Transtornos Invasivos do Desenvolvimento, o tratamento para eles é parecido, sendo baseado em métodos comportamentais para diminuir os sintomas de comportamento e desenvolver as funções em atraso. O tratamento medicamentoso é indicado para casos de autismo, atuando como coadjuvante, e para os de Transtorno de Rett, visando controlar as convulsões (Kaplan, Sadock e Grebb, 1997). Sampaio (2010b) aponta algumas técnicas cognitivo-comportamentais utilizadas no tratamento de Transtornos Invasivos do Desenvolvimento: - Intervenção intensiva : exige interação durante várias horas por semana do terapeuta com a criança. Esta técnica pode ser realizada em ambiente doméstico e visa a instalação de novos repertórios comportamentais para a criança atuar no meio social. Inclui atividadesrotineiras e comportamentos complexos de comunicação e interação social. O terapeuta oferece reforço positivo às aproximações de comportamentos desejados emitidos pela criança, aumentando gradativamente o grau de exigência, até que a criança emita o comportamento desejado que, por sua vez, será reforçado até que se instale e mantenha-se no repertório. Tem custo elevado, o que pode inviabilizar para a família. - PECS (Picture Exchange Communication System): auxiliam autistas e pessoas com dificuldade de comunicação a se expressar sem usar a fala. Por meio de cartões de figuras que representam objetos e situações, a pessoa expressa o que deseja. O uso dos cartões é mantido pelo reforçamento de receber o que quer, amplia o repertório comportamental e serve de instrumento de comunicação quando a criança não possui comportamento verbal necessário para interagir com o ambiente. - Automonitoração: utilizado para o adolescente autista, porém, para a utilização desta técnica, é necessário que a auto-observação e a discriminação do comportamento estejam em seu repertório. Inclui a aprendizagem de definir seus sentimentos e pensamentos e comunicá-los aos outros. Isto ajuda a diminuir a frustração, a ansiedade e www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 69 a agressividade resultantes do fato de não serem compreendidos e atendidos em suas necessidades. - TEACCH (Treatment and Education of Autistic and R elated Communication Handicapped Children): mais do que uma técnica, o TEACCH é um programa completo para trabalhar com autistas. O objetivo deste programa é desenvolver treino em habilidades sociais, independência e ensino em geral. Ele é montado individualmente a partir do PER-R (Perfil Psicoeducacional Revisado). Baseia-se na criação de ambiente organizado através de rotinas expostas em quadros, agendas ou murais, no qual o indivíduo pode ver a atividade que fará posteriormente, por desenhos ou anotações, e colocá-la em prática. - ABA (Applied Behavior Analysis): consiste em aumentar, diminuir, melhorar, criar ou eliminar comportamentos previamente observados e identificados segundo critérios de funcionalidade para o indivíduo em relação ao ambiente. Comportamentos que não fazem parte do repertório são ensinados e as respostas corretas não reforçadas. Comportamentos indesejáveis ou disfuncionais são ignorados, corrigidos ou redirecionados no sentido de buscar outros mais adaptativos. - Auto-instrução: esta técnica visa ensinar a criança como orientar seu próprio comportamento. Primeiramente, o terapeuta realiza uma atividade simples e orienta suas ações, passo a passo, em voz alta. Em seguida, a criança é motivada a fazer a mesma atividade, seguindo a orientação verbal do terapeuta. Em uma próxima fase, a criança assume a responsabilidade de dirigir a atividade, falando os passos em voz alta. A seguir, as orientações devem ser apenas sussurradas pela criança e, por último, devem ocorrer apenas por auto-instrução interna. - Tentativas discretas: esta técnica inicia-se com uma instrução do terapeuta para a criança de uma atividade que ela precisa realizar. Segue-se a observação se ela seguiu ou não a conduta ou, ainda, se ocorreu uma conduta fora do contexto. O terapeuta reforça positivamente se a resposta emitida foi adequada, ou ignora se o comportamento for inadequado. Em caso de resposta errada, mas não disfuncional, o terapeuta auxilia a criança, por meio de contato físico, a emitir a resposta correta. Após estes passos, é www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 70 necessário haver um intervalo de 3 a 5 segundos (pausa discreta) entre a conseqüênciação da resposta e a próxima instrução. Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade ( TDAH) O Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) é um transtorno do desenvolvimento de atenção (Barkley, 2002) e apresenta-se como uma disfunção em três áreas: sustentação, agitação excessiva e auto-regulação de impulsos, podendo causar prejuízos no desenvolvimento psicossocial e acadêmico (Rizo e Rangé, 2003). Segundo Rizo e Rangé (2003), há três tipos de TDAH: 1) Tipo Desatento , no qual estão presentes seis entre os seguintes sintomas: dificuldade de prestar atenção a detalhes ou erros por descuido no trabalho e em atividades escolares; ter dificuldade para manter atenção em tarefas e atividades lúdicas; parecer não ouvir quando falam com a pessoa; não seguir instruções nem terminar tarefas escolares, domésticas ou profissionais; dificuldade em organizar atividades ou tarefas; evitar ou relutar em engajar-se em atividades que exijam esforço mental constante; perder objetos necessários para a execução de atividades; distrair-se por estímulos alheios à tarefa; ter esquecimentos em atividades diárias. 2) Tipo Hiperativo/Impulsivo, no qual estão presentes seis dos nove sintomas de hiperatividade e/ou impulsividade. Os sintomas de hiperatividade são: agitar as mãos e os pés, ou remexer-se na cadeira; levantar-se quando se espera que o indivíduo fique sentado; correr ou escalar em demasia ou em momentos inoportunos; dificuldade em brincar ou realizar atividades de lazer silenciosamente; estar freqüentemente “a mil”; falar muito. Os sintomas de impulsividade são: responder antes que a pergunta esteja terminada; dificuldade em esperar a vez; interromper ou se intrometer em assuntos dos outros. 3) Tipo Combinado , no qual há seis ou mais sintomas de desatenção além de seis ou mais sintomas de hiperatividade/impulsividade. A criança com TDAH costuma ter baixa tolerância à frustração, alta competitividade, mudar regras de jogos para se beneficiarem, ter dificuldade em www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 71 compartilhar brinquedos e não se importar com o que as outras crianças querem fazer (Rizo e Rangé, 2003). Segundo Rizo e Rangé (2003), os sintomas de TDAH costumam ter impactos na vida social do indivíduo. As crianças com TDAH começam a deixar de ser levadas a passeios por seus pais e de serem convidadas para festas e brincadeiras por outras crianças. Na vida familiar, têm conflitos com irmãos, aborrecem os adultos por sua desatenção hiperatividade e impulsividade. Por isto, são mais propensos a sofrer ações disciplinares. Na escola, entediam-se com a condição de permanecer por muito tempo no mesmo lugar fazendo tarefas que não lhes atrai. Neste ambiente, têm, ainda, dificuldade de filtrar distratores, de sustentar atenção e de organizar-se, esquecem o que já estudaram, agem de maneira impulsiva, respondendo antes do fim da pergunta e mudando de tópico antes de terminar o anterior, o que torna suas anotações confusas. Tratamento do Transtorno de Déficit de Atenção e Hi perativ idade Embora haja indicação de medicamentos nos casos de TDAH, o uso exclusivo dos mesmos poucas vezes satisfaz as necessidades terapêuticas da criança, podendo ser necessária, também, psicoterapia individual, modificação do comportamento aconselhamento dos pais e tratamento de distúrbio específico do desenvolvimento (Kaplan, Sadock e Grebb, 1997). Sampaio (2010a) aponta algumas técnicas cognitivas e outras comportamentais que podem ser utilizadas nestes casos. São técnicas cognitivas: - auto-instrução: esta técnica, descrita anteriormente nesta apostila na seção sobre Autismo, visa, no caso de TDAH, ensinar a criança a dirigir e regular o próprio comportamento, especialmente no que se refere à desatenção e à impulsividade, visto que, neste transtorno,o caráter regulador do comportamento encontra-se comprometido. - resolução de problemas: o objetivo desta técnica é a criança com TDAH expresse suas necessidades de forma adequada, realista e socialmente aceita. Parte do pressuposto que a criança com TDAH dificilmente avalia possibilidades diferentes para solucionar problemas do seu cotidiano. Esta técnica é realizada em cinco passos: 1- www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 72 orientação para o problema, que se refere às reações cognitivo-afetivo-comportamentais do indivíduo frente ao problema; 2- definição e formulação do problema, etapa na qual a criança aprende a identificar qual a situação a ser resolvida; 3- levantamento de alternativas, em que se auxilia a criança a levantar soluções possíveis e suas conseqüências; 4- tomada de decisão, passo no qual a criança seleciona, entre as alternativas possíveis, qual é a mais viável para a situação; 5- prática da solução, na qual é possível verificar o resultado da solução escolhida. Segundo Reinecke et al. (1999, apud Sampaio, 2010), a utilização desta técnica isoladamente não produz resultados. As estratégias comportamentais citadas por Sampaio (2010a) são: - autocontrole: visa interromper a cadeia disruptiva de comportamento por meio da utilização de uma palavra-chave. O adulto escolhe os comportamentos disruptivos sobre os quais a criança deve aprender a ter autocontrole e os interrompe utilizando a palavra-chave. Paralelamente, há reforçamento da resposta esperada, que pode ser tanto social (abraço, elogio), quanto material. Num segundo momento, ensina-se a criança a relaxar, e, posteriormente, a levantar possibilidades diferentes de solução de problemas, como na “técnica de solução de problemas”. - auto-avaliação e auto reforço: nesta técnica, um adulto (pai/mãe, professor(a) ou terapeuta) e a criança ou adolescente com TDAH emitem parecer, em uma escala de 0 a 5, a respeito de um comportamento-alvo do último, após um período de tempo. A criança ou o adolescente recebe reforço quando emite comportamento adequado e quando sua auto-avaliação e a do adulto coincidem. A freqüência de avaliação do adulto deve reduzir gradativamente, aumentando a oportunidade de automanejo do comportamento e da manutenção dos comportamentos-alvo em longo prazo. - técnica de treino de correspondência: esta técnica ainda em caráter experimental objetiva aumentar a correspondência entre o que a criança ou adolescente diz que vai fazer e o que realmente faz. Ela pode ocorrer com descrição posterior ao comportamento (agir-comunicar) ou previsão do comportamento (comunicar-agir). O reforço é oferecido quando há correspondência entre a intenção e o comportamento. www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 73 É importante frisar que, no processo psicoterápico em TDAH, deve haver atendimento aos pais para correção de concepções errôneas, debate sobre o transtorno, ensino de técnicas de manejo adequado e de diferenciação do TDAH da falta de limites. Além disto, pode ser necessário que haja apoio psicológico aos pais em casos de depressão, ansiedade ou conflitos conjugais. O psicólogo necessita, ainda, manter contato com a escola e o(a) professor(a) da criança, oferecendo suporte para que haja o manejo escolar adequado (Sampaio, 2010a). 3. Processo saúde-doença: doenças crônicas e doença s agudas; modelo biomédico e modelo biopsicossocial de saúde. O que é Saúde? Para responder a esta questão não podemos deixar de citar a fonte da resposta, pois o termo gera controvérsias na literatura. Para alguns autores a definição está sob o foco do indivíduo, para outros nas variáveis econômicas, culturais e sociais. Do ponto de vista epistemológico, a dificuldade de conceituar saúde é reconhecida desde a Grécia antiga. A carência de estudos sobre o conceito de saúde propriamente definido parece indicar uma dificuldade da ciência em abordar o termo de uma maneira positiva, com características presentes para se considerar uma pessoa saudável, como por exemplo, sentir-se bem estar, e não de forma negativa, como ausência de dores. Por outro lado, tal pobreza conceitual pode ter sido resultado da influência da indústria farmacêutica e de uma certa cultura, que têm restringido o interesse e os investimentos de pesquisa a um tratamento teórico e empírico da questão da saúde como mera ausência de doença. Entretanto, a divisão do corpo humano, a tecnologização das práticas e a fragmentação do saber, com o surgimento das várias especialidades médicas, têm gerado reações contra a expropriação da saúde e, desde a década de 1970, vêm www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 74 propiciando um movimento que busca ressuscitá-la como objeto científico (COELHO; ALMEIDA-FILHO, 2002). Para Épinay (1988) a saúde seria responsabilidade de cada um e ao médico competiria, não curar, mas tratar a saúde, criando, em colaboração com o paciente, condições adequadas para que ela ocorra. Avançado para além da díade médico-paciente, porém com características individuais, Czeresnia (1999) coloca que tanto a saúde como o adoecer são manifestações subjetivas e singulares, em que a experiência da doença relatada pelo doente se transforma em queixas que são traduzidos, juntamente com os sintomas, para uma linguagem técnica e objetiva pertinente a área médica. Miyazaki e Amaral (1995) conceituam saúde dentro de uma perspectiva integradora, composta por duas dimensões: 1) social, compreendida como bem estar do indivíduo e 2) biológica, que corresponde a ausência da doença. Neste caso, a prevenção, tratamento e reabilitação, implicam na participação do comportamento do indivíduo. Esta seria a dimensão psicológica da saúde. De maneira contrária, Coelho e Almeida- Filho (2002) apontam que o conceito de saúde pode ser visto de maneira positiva, retomando a sensação de bem estar, bem como da perspectiva negativa, ou seja, como a ausência da doença e colocam que estas premissas não seriam suficientes para defini-lo propondo então, que o termo saúde seja dividido em três níveis conceituais: primário, secundário e terciário. No nível primário a noção de saúde seria correspondente a indicadores tidos como universais, como a sabedoria popular de algumas culturas. O modelo biomédico poderia ser incluso nesta categoria, visto que a saúde é também uma questão pessoal (psicológica), cultural, social e política, deve-se considerar a noção de saúde primária como abrangendo também as vertentes universais de um conceito de saúde enriquecido pelas contribuições da epistemologia, da www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 75 psicanálise, da sociologia e da antropologia. No plano coletivo, ações como campanhas de vacinação, saneamento básico, contra o HIV ou a dengue podem ser consideradas como exemplo. O termo saúde secundária refere-se aos critérios do estado de saúde ou doença de grupo social, bem como as ações em torno deste. Neste caso o grupo partilha de práticas, significados, estratégias que culminam no controle social da doença. Exemplo destas práticas seriam a circuncisão entre os judeus ou o uso de chás para alguns povos indígenas. A saúde terciária seria a manifestação da expressão singular de normas instituídas pelo sujeito, passível de transformação a partir da experiência de enfermidade ou pela exposiçãoa ambientes que oferecem riscos. Neste caso a saúde teria relação com tratamentos, perspectivas de melhoras, experiências já realizadas, etc. Enfim, apresentamos a definição adotada pela Organização Mundial de Saúde (OMS), a qual foi elaborada no ano de 1948, como uma alternativa ao modelo biomédico, que passara a ser questionado por sua limitação, devido ao paradigma organicista, fundamentado filosoficamente na dissociação cartesiana. Para Sarriera et al (2003) esta definição traz a idéia de saúde como um conceito integral, resultante de aspectos físicos, psicológicos e sociais a qual significaria: - que saúde não é o oposto de doença; Para OMS a definição de saúde é o estado completo de bem estar físico, mental e social e não a ausência de doença. www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 76 - que não se limita ao corpo e - que envolve outros setores sociais e econômicos, para além do indivíduo. Apesar desta definição dada pela OMS ainda hoje convivem dois modelos de saúde: o modelo Biomédico e o modelo Biopsicosocial. O modelo Biomédico de saúde consiste na atuação tradicional em saúde, na qual a explicação para a doença é biológica. Esta forma de entender a doença determina que o tratamento seja focado no aspecto biológico e por isso o único responsável pela saúde do paciente é o médico. Já o modelo Biopsicosocial entende que o indivíduo tem em sua determinação fatores biológicos, psicológicos e sociais e sendo assim o seu estado de saúde é também determinado por esses três fatores. Este segundo modelo possibilita que outros profissionais (psicólogos, por exemplo) também integrem a equipe de saúde. Nota-se que o termo doença também gera controvérsias na literatura. Por um lado temos a utilização do termo como antônimo à noção de Saúde , que de acordo com Romano (1999) estaria relacionada a concepção da Medicina Clássica, que o define a partir de dois ângulos: 1- como conseqüência de uma agressão ao organismo, com duração limitada, e que, cessada, deixava seqüelas ou não (enfermidades decorrentes de qualquer origem exógena, as infecciosas e as tóxicas) e 2- através da desarmonia orgânica ou desarranjos funcionais. Esta definição, ainda de acordo com a autora, excluiria o males de ordem psicológica, e questões ligadas a sobrevivência, como habitação, alimentação, sono e outros. Por um outro lado, como trazem Boruchovitch, Felix-Sousa e Schall (1991) a doença é resultante de um processo atrelado aos valores sociais e historicamente construídos e não simplesmente como a expressão de uma situação biológica do organismo, o efeito seria que o estado provocador de uma doença seria decorrente de múltiplos fatores como: política, economia, social, www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 77 cultural, psicológico, genético, físicos e químicos. Não existiria, portanto, uma definição de doença com características ou causas universais. Doenças agudas e crônicas Doenças agudas acontecem aceleradamente e levam o sujeito a um estado de convalescença, podendo evoluir para a morte. Os sintomas aparecem inesperadamente e em pouco tempo o individuo fica bastante debilitado. Se o quadro do indivíduo evoluir para melhora ele pode ter momentos de recaídas e também as chamados recrudescências, nas quais os sintomas reaparecem com muita força. Já as doenças crônicas são aquelas que não têm desfecho antes de três meses. Elas podem ser graves ou não, contudo, mesmo aquelas que são graves não levam riscos imediatos ao sujeito, podendo sim levar a morte, porém somente em longo prazo. Nessas doenças os sintomas podem estar presentes o tempo todo e também ocorrerem em episódios agudos, os quais não devem ser confundidos com doenças crônicas. Muitas também podem ser assintomática a maior parte do tempo. De acordo com Castro e Piccinini (2002) na infância a doença crônica também apresenta uma prevalência alta, sendo que estes autores destacam as seguintes doenças como as que mais “aparecem” na infância: fibrose cística; doenças hepáticas; cardiopatias congênitas; paralisia cerebral e câncer. Os referidos autores afirmam ainda que a presença dessas doenças na infância tem um agravante, o fato de que a presença dessas doenças afeta o desenvolvimento emocional e físico das crianças. Algumas doenças. • Doença de Parkinson: o indivíduo com Parkinson apresenta como sintomas tremores, alterações na fala e no andar, diminuição dos movimentos, alterações na postura e rigidez. A causa dessa doença ainda não é conhecida, porém já se conhece algumas alterações existentes no sistema nervoso daqueles que têm Parkinson, a saber: baixa concentração de dopamina na substância negra, assim como degeneração neural nessa região. Por conta da projeção da substância negra para o corpo estriado ser feita através do neurotransmissor dopamina, admite-se que a doença aconteça em decorrência da falta de dopamina no corpo www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 78 estriado. O tratamento medicamentoso é indicado e a Levedopa tem apresentado efeito positivo no tratamento dessas pessoas. • Fenilcetonúria: nessa doença o indivíduo não tem a enzima responsável por metabolizar o aminoácido fenil-alanina. Essa deficiência tem causas genéticas e dela decorre deficiência mental. Para prevenir o quadro de deficiência mental, o indivíduo que apresenta Fenilcetonúria deve ter a doença diagnosticada precocemente (pouco tempo de nascimento) e deve ter retirado da sua dieta tal aminoácido. • Hipertireoidismo: aqui há uma super produção de hormônio na glândula tireóide – hormônios T3 e T4. Os principais sintomas do indivíduo que apresenta hipertireoidismo são diminuição do peso; cansaço; insônia; ansiedade; falta de ar; taquicardia; aumento no apetite, diarréia; tremores; aumento na sudação, intolerância ao calor. Há necessidade de tratamento, podendo ser medicamentoso e até mesmo cirúrgico. • Hipotireoidismo: aqui ocorre o contrário do hipertireoidismo: há uma baixa produção de hormônio na glândula tireóide. Os sintomas são: cansaço; depressão, pele seca e fria; baixa freqüência cardíaca; diminuição do apetite; sonolência; voz mais grossa; intolerância ao frio; alterações menstruais; adinamia, prisão de ventre; diminuição da libido; diminuição da atividade cerebral. Tratamento medicamentoso com reposição hormonal se faz necessário. • Insuficiência coronariana: deficiência na irrigação miocárdica devido a diminuição do diâmetro de uma ou mais artérias coronárias. O sintoma principal é dor no peito. No tratamento são utilizados medicamentos, porém a mudança no estilo de vida é imprescindível para a melhora do paciente. • Crises epilépticas: ocasionado por uma atividade anormal no cérebro, contudo que é passageira. Sintomas como tremores nas mãos, cheiro doce queimado, desmaio acontecem, porém cada sintoma ou conjunto deles depende da região cerebral que está em atividade anormal. • Epilepsia: na epilepsia as crises se repetem e não se conhece, normalmente, o fator que as desencadeia. Apenas 30% dos casos de epilepsia têm causa conhecida. Alguns desencadeantes são: infecções, traumatismo, hipoglicemia, www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 79 consumo de drogas. Tratamento medicamentoso é predominante, contudo cirurgias também são utilizadas em menor escala. Nessas cirurgias remove-seo tecido cerebral lesado que está relacionado com as crises. • Diabetes Mellitus: é provocada pela deficiência de produção ou da ação da insulina. - Diabetes Tipo 1: normalmente ocorre devido a doença auto-imune que destrói a célula beta do pâncreas. Há uma deficiência absoluta de insulina e também níveis de açúcar mal controlados, altos no sangue. Os principais sintomas são: perda de peso; fome exagerada; muita vontade de urinar; aumento da sede; diversas infecções na pele e nas mucosas; visão embaçada; dificuldade de cicatrização em machucados; dores nas pernas (má circulação); cansaço/ fadiga; perda/ diminuição da função renal. - Diabetes Tipo 2: fatores hereditários contribuem para o aparecimento desse diabetes, contudo ele está relacionado a obesidade e sedentarismo. O pâncreas produz insulina, porém as células adiposas e musculares não conseguem metabolizar glicose suficiente da corrente sanguínea. Sintomas como visão embaçada, formigamento nos pés, dificuldade de cicatrização de machucados, perda/ diminuição da função renal, infecções freqüentes e furunculose estão presentes. Esse tipo de diabetes é o que melhor responde a práticas de exercícios físicos. Pode ser necessário medicamentos orais e também a associação desse com insulina. - Diabetes gestacional: é diagnosticada no curso de uma gravidez. Qualidade de vida, com alimentação saudável, peso controlado e prática de exercícios físicos é importante tanto para a prevenção quanto para o tratamento do diabetes. • Câncer: crescimento desordenado de células que invadem os tecidos e órgãos. Há um conjunto de mais de 100 doenças que são “enquadradas” na nomenclatura câncer. Pode ocorrer ou não metástase, ou seja, as células com crescimento desordenado espalham-se para diversas regiões/ órgãos/ tecidos do corpo. Quando a divisão dessas células é agressiva e incontrolável observa-se a formação de tumores (neoplasias malignas). Já quando essas células se multiplicam lentamente e se assemelham ao tecido normal, não constituindo risco de vida afirma-se que ali existe um tumor benigno. Os diferentes tipos de célula do www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 80 corpo correspondem a diferentes tipos de câncer, por exemplo carcinoma (tecidos epiteliais). • Hipertensão arterial: primeiramente, para se compreender o que é hipertensão, é necessário compreendermos o que significa pressão arterial. A pressão arterial diz respeito à força com que o coração bombeia o sangue através dos vasos sanguíneos e essa força depende da resistência que o sangue encontra para chegar aos diversos órgãos/ partes do corpo, assim como do volume de sangue que sai do coração. Se o sangue fica mais espesso (viscoso), ou se a freqüência cardíaca e/ ou a elasticidade dos vasos se altera esta pressão pode sofrer modificações. Quando a pressão arterial fica acima de 140x90 mmHg (milímetros de mercúrio) em adultos pode-se dizer que o indivíduo apresenta um quadro de hipertensão arterial. Contudo, tal hipertensão só pode ser confirmada se for medida com o indivíduo em repouso por 15 minutos ou mais e se esta medição for repetida por três vezes consecutivas e em mais de um dia. Afirma-se que o indivíduo apresenta um quadro de hipertensão arterial sistêmica quando se instalou um quadro crônico de hipertensão e esse quadro pode trazer outros prejuízos a saúde desse indivíduo. • Paralisia Cerebral. são problemas motores que ocorrem devido a lesões no sistema nervoso central ou a problemas no desenvolvimento do sistema nervososcentral que ocorrem antes mesmo do nascimento do indivíduo. Os principais problemas apresentados pelo indivíduo com Paralisia Cerebral (P.C) são: problemas de aprendizagem, da fala, da audição, visão e de locomoção. A causa ainda é investigada, porém alguns fatores que levam a P.C são conhecidos, a saber: infecção (bebê ou mão durante a gestação), trauma, baixos níveis de oxigênio no cérebro, problemas genéticos, icterícia grave no recém nascido, doenças relacionadas ao desenvolvimento anormal do cérebro. SAIBA MAIS: Psicossomática e o processo saúde-doença: O conceito de saúde e doença e a discussão da relação mente e corpo têm sido objeto de interesse ao longo da história. A superstição, a magia e o ato de curar eram www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 81 mesclados e a figura do médico e sacerdote encontrava-se neste amálgama, como atesta o homem (médico) com a máscara de cervo encontrada na caverna de Trois Frères, datada de cerca de 16000anos, tida como a mais antiga representação do homem curador de enfermidades (CALDER, 1970 apud CASTRO, ANDRADE, MULLER, 2006). Segundo Ramos (1994 apud CASTRO, ANDRADE, MULLER, 2006) o xamã era o mediador entre as forças cósmicas e o doente. Outras civilizações antigas, como a assírio-babilônica, davam conta da associação dos demônios e doenças, como era o caso das doenças oculares, atribuídas ao vento Demônio do Sudoeste. Na mitologia grega, várias divindades estão vinculadas à saúde: Apolo, Esculápio, Higéia e Panacéia. Já em um período posterior grego, Hipócrates, Platão e Aristóteles já consideravam a unidade indivisível do ser humano. Platão descrevia a alma como preexistente ao corpo e a ele sobrevivente, enquanto Aristóteles postulava que todo o organismo é a síntese de dois princípios: matéria e forma (CASTRO, ANDRADE, MULLER, 2006). Hipócrates de Cós (460 a.C.), que deu à medicina o espírito científico, em uma tentativa de explicar os estados de enfermidade e saúde, postulou a existência de quatro fluidos (humores) principais no corpo: bile amarela, bile negra, fleuma e sangue; desta forma, a saúde era baseada no equilíbrio destes elementos. Ele via o homem como uma unidade organizada e entendia a doença como uma desorganização deste estado (VOLICH, 2000 apud CASTRO, ANDRADE, MULLER, 2006). A partir destes conceitos Hipócrates afirmava que os asmáticos deviam se resguardar da raiva. No período helênico, Demócrito via o corpo como uma tenda (skênos), habitação natural da alma, tida como a causa da vida e da sensação. A teoria democritiana preconizava que os átomos da alma (que eram finos e arredondados e formados por um elemento não menos perecível que o corpo) insinuavam-se pelos poros, explicando, deste modo, as sensações (CASTRO, ANDRADE, MULLER, 2006). Cláudio Galeno (129-199), revisitou a teoria humoral e ressaltou a importância dos quatro temperamentos no estado de saúde. Via a causa da doença como endógena, ou seja, estaria dentro do próprio homem, em sua constituição física ou em hábitos de vida que levassem ao desequilíbrio. O conceito de Galeno a respeito de saúde e doença www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 82 prevaleceu por vários séculos, até o suíço Paracelsus (1493-1541), afirmar que as doenças eram provocadas por agentes externos ao organismo. Ele propôs a cura pelos semelhantes, baseada no princípio de que, se os processos que ocorrem no corpo humano são químicos, os melhores remédios para expulsar a doença seriam também químicos, e passou então a administrar aos doentes pequenas doses de minerais e metais (CASTRO, ANDRADE, MULLER, 2006). Durante a Idade Média, Fava (2000 apud CASTRO, ANDRADE, MULLER, 2006) coloca que a doença era atribuída ao pecado, sendo o corpo o locus dos defeitos e pecados, e a alma, o dos valores supremos, como espiritualidade e racionalidade. Ainda no período medieval, Santo Agostinho referia que o homem era constituído por substânciasracionais, resultantes de alma e corpo, ambos criados por Deus. Santo Tomás de Aquino, um dos representantes desse período, escreveu sobre a unidade do composto humano (CASTRO, ANDRADE, MULLER, 2006). Ao avaliar o período da modernidade nota-se um interesse crescente pelas ciências naturais. Descartes, imerso neste contexto, postulou a separação total da mente e corpo, sendo o estudo da mente atribuído à religião e à filosofia, e o estudo do corpo, visto então como uma máquina, era objeto de estudo da medicina (CASTRO, ANDRADE, MULLER, 2006). Esta postura dualista teve grande influência no pensamento médico, sendo reforçada no século XIX com o avanço representado pelas descobertas de Pasteur e Virchow e a visão de uma etiologia de causa específica de doença reforçando esta tendência ao reducionismo (CASTRO, ANDRADE, MULLER, 2006). No fim do século XIX, Pierre Janet, através do caso de Marie, levantou a hipótese psicodinâmica para um processo psicossomático. Janet acreditava que a dissociação era o resultado de uma deficiência na energia psicológica. A partir do início do século XX, com o desenvolvimento da teoria psicanalítica, Freud, através do conceito de determinismo psíquico, resgata a importância dos aspectos internos do homem (CASTRO, ANDRADE, MULLER, 2006). Observa-se que desde seu início a psicanálise partiu do corpo, com os estudos de Freud sobre a histeria e sua atenção às conversões. Como afirmou Freud (1923/1976), o www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 83 ego é, primitivamente e antes de tudo, um ego corporal (CASTRO, ANDRADE, MULLER, 2006). Em 1917, Groddeck, influente psicanalista, inicia o período analítico de sua obra escrita, com a aprovação de Freud, embora afirme sua independência de espírito. Esse autor publica "Determinação psíquica e tratamento psicanalítico das afecções orgânicas", sendo este considerado um marco da medicina psicossomática. Nesta obra propõe que o mecanismo psicológico da conversão histérica poderia ser generalizado para outras doenças somáticas, como uma expressão simbólica de desejos inconscientes manifestados no corpo do paciente (HAYNAL, 1993 apud CASTRO, ANDRADE, MULLER, 2006)). Groddeck considerava que toda doença tem um sentido e não é fruto do acaso; que é uma solução problemática para os conflitos que pontuam cada ser humano. A saúde seria responsabilidade de cada um e ao médico competiria, não curar, mas tratá-la, criando, em colaboração com o paciente, condições adequadas de saúde. Um retorno à postura holística é observado quando se passa a avaliar o termo psicossomático, que atualmente é compreendido como a inseparabilidade e interdependência dos aspectos psicológicos e biológicos (RAMOS, 1994 apud CASTRO, ANDRADE, MULLER, 2006). O termo psicossomática foi introduzido por Heinroth, em 1818, e objetivava definir sintomas, sinais clínicos ou doenças tidas como de origem mental. Por este conceito, qualquer manifestação física cuja origem fosse a “mente” ou o funcionamento mental seria psicossomática. Esse autor acreditava na influência das paixões sexuais sobre algumas doenças, como tuberculose, epilepsia e câncer; mas o movimento consolidou-se com Alexander e a criação da Escola de Chicago. Outra contribuição de Heinroth foi a definição do termo somatopsíquico, em 1828. Segundo Heinroth, o fenômeno somatopsíquico se verificava quando o fator corporal modificava o estado psíquico. Na classificação vigente da American Psyquiatric Association (DSM-IV, 2002), o termo psicossomático foi substituído por fatores psicológicos que afetam a condição médica. Classicamente, psicossomático é definido como todo distúrbio somático que comporta em seu determinismo um fator psicológico interveniente, não de modo www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 84 contingente, como pode ocorrer com qualquer afecção, mas por uma contribuição essencial à gênese da doença (JEAMMET, 1989). A concepção holística foi reforçada com uma base fisiológica a partir do conceito de homeostase, desenvolvido em 1929 por Cannon, o qual afirmava que qualquer estímulo, inclusive o psicossocial, que perturba o organismo, o perturba em sua totalidade (CALDER, 1970 apud CASTRO, ANDRADE, MULLER, 2006). Seguindo-se a evolução da área da psicossomática, observa-se o mais significativo desenvolvimento em 1952, com a publicação de Franz Alexander, propondo que fatores psicológicos causavam ou predispunham a vários estados patológicos. O psicanalista Alexander (1989) fez a distinção entre a conversão clássica e o que ele chamou de neurose orgânica, que seria um distúrbio da função orgânica, controlado fisiologicamente pelo sistema nervoso autônomo. Ele pensava que Groddeck e outros pesquisadores haviam atribuído valor excessivo ao aspecto psicológico e ignorado os mecanismos fisiológicos autônomos que controlam as expressões de emoção do corpo que responde a um estímulo estressor (CASTRO, ANDRADE, MULLER, 2006). O Grupo de Chicago, liderado por Alexander, centrava-se na gênese inconsciente das enfermidades, abrangendo a investigação de doenças como úlcera péptica, colite ulcerativa, neurodermatite, artrite reumatóide, hipertensão arterial e tireotoxicose. Isso resultou na formulação da hipótese da especificidade psicossomática, segundo a qual haveria o pareamento de conflitos específicos, no sentido psicanalítico do termo, com algumas modificações fisiológicas (HAYNAL, 1998 apud CASTRO, ANDRADE, MULLER, 2006). Na história da psicossomática é necessário ressaltar a importância de Sifneos, que observou uma marcada dificuldade de alguns pacientes psicossomáticos ao descrever seus sentimentos, e em 1972 cunhou o termo alexitimia para descrever esta característica. A etimologia desta palavra mostra que é composta pelos étimos "a" (privação), "lex" (leitura) e "timos" (emoções) (CASTRO, ANDRADE, MULLER, 2006). Épinay (1998 apud CASTRO, ANDRADE, MULLER, 2006) salienta a contribuição dos psicanalistas da Escola Psicossomática de Paris Marty, M'Uzan e David, os quais www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 85 fortaleceram a postura da introdução do conceito de "pensee operatore", que equivale ao de alexitimia. Zimermann (1996 apud CASTRO, ANDRADE, MULLER, 2006) cita que, segundo estes autores, a doença resulta de uma falha na organização do indivíduo, de um ataque desorganizador interno ou externo e de um poder variável de reorganização. Ramos (1994 apud CASTRO, ANDRADE, MULLER, 2006) coloca que a psicanálise francesa classifica os pacientes portadores de distúrbios psicossomáticos como pacientes que fazem "fugas somáticas". A idéia central é a de que os sujeitos psicossomáticos se diferenciam dos demais pela pobreza do mundo simbólico, havendo pouca elaboração psíquica. Seu pensamento é do tipo operatório, aprisionado ao concreto e à orientação pragmática, tendo pouca ligação com o seu inconsciente. Segundo Ramos (1994 apud CASTRO, ANDRADE, MULLER, 2006), o conceito de estresse, foi primeiramente descrito por Hans Selye em 1956, denominado então síndrome geral de adaptação, hoje conhecida como síndrome do estresse. Este conceito diminui a importância do conflito psíquico no papel etiológico e se dirige cada vez mais a uma etiologia multifatorial. A implicação básica das idéias de Selye para a psicossomática é a descoberta de quanto e como o corpo se transforma sob o estresse. Neste sentido o estilo de vida atualmente é considerado como um importantefator para a saúde e prevenção da doença. Segundo Castro, Andrade e Muller (2006), com o desenvolvimento das neurociências o conceito dualístico tornou-se mais difícil de ser aceito. Por exemplo, o sistema nervoso autônomo não é tão autônomo assim e se encontra regulado pelas estruturas límbicas junto com o controle emocional. O sistema imune influencia e é influenciado pelo cérebro. O campo de estudo da psiconeuroimunologia tem suas origens no pensamento psicossomático e tem evoluído no sentido da realização de investigações de complexas interações entre a psique e os sistemas nervoso, imune e endócrino. Para Fava (2000 apud CASTRO, ANDRADE, MULLER, 2006) o estudo de Kissen, em 1963, pressupõe que qualquer doença deve levar em consideração o indivíduo, seu corpo e o ambiente no qual está inserido. As variáveis sociais incluem desde o status socioeconômico até a exposição a substâncias tóxicas ambientais. Esclarece ainda que a www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 86 influência dos fatores psicossociais varia de um indivíduo para outro dentro de uma mesma patologia. A medicina psicossomática, através da sua visão holística, tem considerações quanto aos cuidados dos pacientes que envolvem a avaliação do papel dos fatores psicossociais que afetam a vulnerabilidade individual a todos os tipos de doença, quanto à interação entre os fatores psicossociais e biológicos no curso da doença e quanto ao uso de terapias psicológicas para a prevenção, reabilitação e tratamento de doenças (CASTRO, ANDRADE, MULLER, 2006). Em relação à vulnerabilidade individual, alguns fatores são considerados capazes de causar alterações: acontecimentos recentes na vida, estresse crônico, eventos na infância, personalidade, bem-estar psicológico, comportamentos e atitudes saudáveis. Para Damásio (2004 apud CASTRO, ANDRADE, MULLER, 2006), a investigação da forma como os pensamentos desencadeiam as emoções e de como as modificações do corpo durante as emoções se transformam nos fenômenos mentais que chamamos de sentimentos sustenta algo novo sobre o corpo e sobre a mente, duas manifestações aparentemente separadas de um organismo integrado e singular. O homem e a doença A psicossomática é, atualmente, um terreno de encontro entre profissionais de saúde de formação diversa. É assim que os somaticistas são levados a considerar o fato de que um corpo, sadio ou doente, é sempre um corpo em relação com o meio, envolvido por emoções, animado de movimentos afetivos, e que os psiquiatras, psicólogos e psicanalistas tendem a ver, no funcionamento somático e seus desequilíbrios, um dado constantemente intrincado com a vida psíquica e indissociável da noção de equilíbrio psíquico do indivíduo (PINHEIRO, 1992). De fato, é de extrema importância buscar na biografia do indivíduo e no conhecimento de sua organização psíquica o apoio para alcançar uma compreensão mais global de sua doença. A Expressão Somática da Angústia www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 87 Pode-se definir angústia como a vivência corporal da ansiedade. Angústia ou ansiedade designam um sentimento penoso de espera ou medo sem objeto, constituem um estado afetivo doloroso, desencadeado por um perigo imaginário, ou sinalizando-o, em geral inconsciente, o que a distingue do medo, estado afetivo ligado à ameaça representada por um objeto ou situação definidos (PINHEIRO, 1992). A angústia é considerada a principal origem de todos os nossos sintomas. A grande questão é: qual sintoma representará melhor uma tentativa de cura de si mesmo? Frente a esta questão, internamente, cada indivíduo poderá criar uma forma de apresentação desta tentativa. Uns talvez desenvolvam neuroses, outros delírios, ou quem sabe doenças psicossomáticas (McDOUGAULL, 2000). Pinheiro (1992) aponta que existem as modificações das funções vegetativas, na expressão da angústia (alterações de pressão, cardíacas, sudorese, etc.). mas, mesmo quando a angústia é uma expressão essencialmente somática, ela permanece um fenômeno de características afetivas. O que acontece, segundo ele, é que em certas personalidades o constrangimento percebido limita-se às sensações corporais desagradáveis, sendo designado como dor ou tensão, sem que isso se associe a qualquer mal estar essencial. Entretanto, o transtorno somático pode ser sentido como uma ameaça vital e justificar um distúrbio psíquico secundário: a angustia é racionalizada e transformada em medo da doença ou da morte (PINHEIRO, 1992). A expressão da angústia não depende só de predisposições genéticas ou de ações reflexas, mas depende também de elementos de natureza cultural e social. A autorização de sentir e exprimir emoções pelo corpo é um dado intimamente ligado aos modelos educativos e às condições de aprendizagem de cada cultura (PINHEIRO, 1992). Mas, a capacidade de elaborar mentalmente um certo grau de angústia e de suportar a insegurança imposta por um sentimento de ameaça depende igualmente do modo de organização psíquica de cada indivíduo. Toda pessoa tem um limiar de tolerância para o desconhecido e para o sentimento de falta, correlativos da angústia (PINHEIRO, 1992). www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 88 Assim, a expressão somática da angústia aparece sob um duplo aspecto: 1) Positivo, pois a modificação corporal pode levar até a absorção da carga afetiva flutuante da angústia e oferecer um suporte representativo à fantasia inconsciente; 2) Negativo, pois a descarga somática demonstra a incapacidade da mente em servir como conteúdo de um afeto desagradável, ameaçando a coesão do indivíduo (PINHEIRO, 1992). A visão psiquiátrica das doenças psicossomáticas é muito complexa, mas, objetivamente, entende-se que as manifestações psicossomáticas podem ser compreendidas como uma dificuldade de simbolização e verbalização dos sentimentos (McDOUGAULL, 2000). A Alexitimia e Pensamento Operatório O termo alexitimia foi proposto nos anos 70, por Sifneos para se referir àqueles pacientes com uma vida emocional pobre em sonhos e fantasias e que demonstravam não ter palavras para nomear ou expressar as emoções (SIFNEOS, 1972/1977, 1991 apud CARNEIRO, YOSHIDA, 2009). Em 1963, um conceito semelhante havia sido proposto por Marty e M'Uzan, iniciadores do movimento científico que deu origem à chamada Escola Psicossomática de Paris (Peçanha, 1998). Tratava-se do pensamento operatório, construto desenvolvido para designar um estilo de raciocínio concreto, objetivo, voltado para a realidade externa, com uma vida interior pobre e com ausência de reação afetiva frente a situações de perda ou traumas (MARTY, M'ÚZAN, 1963/1994 apud CARNEIRO, YOSHIDA, 2009). Apesar de ambos os conceitos, alexitimia e pensamento operatório, terem sido inicialmente associados a pacientes psicossomáticos e muitas vezes empregados de forma alternada na literatura, foram concebidos segundo vertentes teóricas distintas. Sifneos, um psicanalista de orientação freudiana, considerava que as doenças psicossomáticas diferiam das neuroses, neuroses narcísicas e psicoses, quanto à sua natureza. Enquanto estas últimas se enquadrariam entre as doenças mentais, propriamente ditas, e seus sintomas se caracterizariam por uma expressão simbólica de conflitos psíquicos infantis, as afecções psicossomáticas se aproximariam das neuroses atuais, propostas por Freud, cujos sintomas seriam principalmente de ordem somática (CARNEIRO, YOSHIDA, 2009).www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 89 Quanto ao conceito de pensamento operatório, faz parte de um arcabouço teórico no qual "a palavra psicossomática agrupa dois termos, sem traço de união entre eles, a fim de conotar a unidade fundamental entre o psíquico e o corpo" (PEÇANHA, 1998 apud CARNEIRO, YOSHIDA, 2009). Trata-se, portanto, de um conceito que parte de uma concepção monista de homem, de acordo com a qual, o soma e o psiquismo só são divididos por uma questão de ênfase, sendo inadequado falar exclusivamente em sintomas físicos ou somáticos. De acordo com essa perspectiva, a unidade essencial do organismo humano decorre da hierarquização progressiva de todas as funções que participam de sua organização e inclui as noções de: mentalização (em um nível superior), depressão essencial, pulsão de morte, doença somática (em um nível mais inferior), entre outras. Todas elas, segundo Peçanha, devem ser consideradas na definição de pensamento operatório, que fica sem sentido se descontextualizada teoricamente (CARNEIRO, YOSHIDA, 2009). Atualmente, a definição de alexitimia mais encontrada na literatura é a de que se trata de um construto multidimensional, integrado pelos seguintes fatores: • dificuldades em identificar e descrever sentimentos subjetivos; • dificuldades em fazer distinção entre emoções e sensações físicas; • escassez de sonho e incapacidade de simbolizar ou fazer relação entre afeto e fantasia; • um estilo de raciocínio concreto e objetivo, voltado para a realidade externa. Não há, no entanto, consenso na literatura quanto à importância de cada fator nessa última definição. Alguns autores enfatizam mais os aspectos cognitivos da alexitimia do que os emocionais, como é o caso de Taylor e cols. (1994; 2004). Essa crítica já havia sido expressa, por exemplo, por Haviland e Reise (1996) e, posteriormente, por Larsen e cols. (2003) (CARNEIRO, YOSHIDA, 2009). Quanto à etiologia, Sifneos, Apfel-Savitz e Frankel (1977 apud CARNEIRO, YOSHIDA, 2009), no início de seus estudos, já apontavam para uma variedade de fatores etiológicos da alexitimia, tais como: genéticos, fisiológicos, neuroanatômicos, psicossociais, assim como alterações neuroquímicas e de desenvolvimento. www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 90 Posteriormente, Sifneos veio a propor que as várias etiologias fossem classificadas segundo dois tipos: as de origem biológica e as de causa psicossocial (ou de desenvolvimento). E, seguindo a tendência dos pesquisadores europeus, identificou como alexitimia primária as do primeiro tipo, e como alexitimia secundária aquelas com causa psicossocial (SIFNEOS, 1991 apud CARNEIRO, YOSHIDA, 2009). Alexitimia primária seria a forma biológica da doença, advinda de defeito estrutural neuroanatômico ou deficiência neurobiológica. Também costuma ser considerada como um traço de personalidade, devido ao seu caráter mais duradouro. No caso da alexitimia secundária, Sifneos se refere a uma reação aos efeitos de traumas ou doenças sérias, podendo ter como origem situações traumáticas vividas em períodos críticos do desenvolvimento infantil ou traumas intensos na idade adulta (SIFNEOS, 1991 apud CARNEIRO, YOSHIDA, 2009). As experiências traumáticas, tanto na infância como na idade adulta, podem ser de tal magnitude que levem a alterações estruturais do funcionamento psíquico, afetando, principalmente, o componente afetivo das emoções, com implicações significativas para a vida do indivíduo. Acredita-se que, quando as situações traumáticas ocorrem antes do desenvolvimento da linguagem, há posteriormente prejuízo na habilidade de usar as palavras para expressar os sentimentos. Sifneos explica que, como consequência, as emoções seriam expressas em termos de sensações somáticas ou reações comportamentais, em vez de relacionadas a pensamentos (SIFNEOS, 1991 apud CARNEIRO, YOSHIDA, 2009). Os Perfis da Personalidade: o Papel da Doença Existem alguns esquemas típicos de personalidade que se tornaram clássicos e que, geralmente, são observados nas pesquisas e estudos na área da psicossomática. Apresentaremos agora alguns dos perfis mais importantes. Hipertensão Saul, Dunbar e Alexander foram os primeiros a enfatizar que os hipertensos se debatem entre duas tendências contraditórias, de um lado um desejo de passividade e www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 91 dependência , vivido como inferior e humilhante, de outro lado, um comportamento reativo, visando ao controle das situações, o domínio e a autonomia. Tais indivíduos apresentam-se freqüentemente sob uma aparência exterior calma e negligente, que mascara uma importante tensão emocional. O autocontrole é conseqüência de uma determinação consciente desses indivíduos, que costumam mobilizar uma grande energia para reprimir seus afetos, principalmente sua agressividade, mas também toda emoção que poderia revelar sua dependência em relação aos outros (JEAMMET, REYNAUD, CONSOLI, 1982). Sua auto-afirmação e competitividade os empurram no sentido de buscar responsabilidades e se vincularem em uma atividade permanente. Esses mesmos traços de caráter explicam a negação da doença e de suas implicações terapêuticas (JEAMMET, REYNAUD, CONSOLI, 1982). Doença Coronariana A personalidade coronariana também está repleta dessas características relatadas para os hipertensos. Arlow (s.d. apud JEAMMET, REYNAUD, CONSOLI, 1982) atribuiu a luta sem tréguas desses indivíduos para o sucesso à uma rivalidade simbólica como pai. Rosenman e Friedman (s.d. apud JEAMMET, REYNAUD, CONSOLI, 1982) tentaram definir dois padrões comportamentais: A e B. O padrão comportamental A é significativamente mais freqüente nos coronarianos do que na população geral. A descoberta deste padrão em um individuo não acometido de qualquer problema cardíaco pode ter valor de previsão e constitui fator de risco. Por essa razão, foi denominado de coronariogênico. Algumas características deste padrão são: a importância do investimento profissional, a ambição social, o medo à inatividade, o sentimento de perda do tempo e a freqüência das reações de impaciência. Além disso, demonstram grande vulnerabilidade diante do fracasso e de qualquer ferida narcísica (JEAMMET, REYNAUD, CONSOLI, 1982). Outros estudos permitiram descrever, entre os coronarianos, a predominância de uma estrutura obsessiva da personalidade. www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 92 De acordo com os autores citados, parece que a morbidade cardiovascular é um fenômeno da civilização, ligado ao modelo ocidental, favorecendo a competitividade e a rentabilidade, ao mesmo tempo que reprime a manifestação da agressividade. Além disso, os controles educacionais no que concerne à sexualidade vão se tornando cada vez mais flexíveis (JEAMMET, REYNAUD, CONSOLI, 1982). Úlceras Nas descrições dos portadores de úlceras também encontram-se numerosas características presentes nos coronarianos. No entanto, a maior parte dos estudos insiste sobre a importância das tendências orais frustradas e sobre o intenso desejo de dependência e de proteção , quer reprimido e mantido afastado por um comportamento ambicioso e competitivo, que compensado pelas satisfações encontradas nas reações familiares, mas raramente manifesto e, nesse caso, culposo (JEAMMET, REYNAUD, CONSOLI, 1982). Em razão de suas particularidades constitucionais, a úlcera obriga o indivíduo,com maior freqüência do que a hipertensão, a exprimir uma queixa ao círculo familiar ou médico, e a se situar numa posição de expectativa e dependência em relação ao terapeuta. Asma Os perfis das doenças asmáticas são mais difíceis de reconhecer. Entre os asmáticos encontram-se tanto indivíduos ambiciosos, racionais, quanto os hipersensíveis. Neste caso, o desejo de dependência tomaria menos a forma de ser nutrido, como os portadores de úlceras, e mais de ser protegido, aconchegado , por um personagem maternal (JEAMMET, REYNAUD, CONSOLI, 1982). Com freqüência, é encontrado um vínculo afetivo excessivo e não resolvido com a mãe, as relações mantidas com o círculo de amizades se fazem sempre sob a “égide de uma avidez oral essencialmente ambivalente, pois que castradora e, portanto, ameaçadora para o objeto” (JEAMMET, REYNAUD, CONSOLI, 1982, p. 228). A frustração de tal reivindicação afetiva pode conduzir a sintomas depressivos ou a atitudes características em que a agressividade torna-se mais manifesta. www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 93 Doenças Alérgicas A manutenção de uma boa distância com o objeto, presente nos asmáticos, também é encontrada em muitos portadores de doenças alérgicas. Marty e a Escola Psicossomática de Paris tentaram definir uma relação objetal alérgica , que pode ser observada ao longo da consulta clínica pela familiaridade, as vezes exagerada, desses pacientes quando confrontados a uma situação nova ou quando tem que contactar um interlocutor até aquele momento desconhecido (JEAMMET, REYNAUD, CONSOLI, 1982). Suas relações pessoais seriam influenciadas por uma tendência permanente a se aproximar do objeto, a ponto de se confundir com ele. O caráter frustrante do objeto poderia desencadear uma crise alérgica, mas relações novas podem se efetuar com uma rapidez e labilidade extremas, graças a substituição do objeto de investimento (JEAMMET, REYNAUD, CONSOLI, 1982). Tais características de relacionamento estariam ligadas a fixações em um estágio muito precoce do desenvolvimento libidinal, estágio pré-objetal, antes do reconhecimento do outro como totalidade e como separado de si (JEAMMET, REYNAUD, CONSOLI, 1982). Pode-se considerar que o paciente asmático e o paciente alérgico são um lugar à parte nas personalidades psicossomáticas. A Personalidade Psicossomática O estudo desses perfis de personalidade conduziu a elaboração de um certo número de traços de caráter comuns às doenças psicossomáticas. Apesar de nuanças próprias a cada doença apresentada didaticamente, a especificidade desses perfis tem sido contestada. Assim, psicanalistas parisienses (David, Fain, Marty e M’Uzan) tentaram elaborar uma teoria unitária da organização psicossomática . Estes autores constataram, a partir da experiência clínica, que os portadores de doenças somáticas tinham, durante a entrevista, uma atitude muito particular na relação com o terapeuta e a propósito da própria doença. Estes pacientes limitavam-se a descrever exclusivamente seus sintomas, www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 94 dando, eventualmente, os dados biográficos ou profissionais em função de referencias impessoais do tipo espaço-temporal, os aspectos concretos da vida eram privilegiados, em detrimento de qualquer conotação afetiva (JEAMMET, REYNAUD, CONSOLI, 1982). O discurso se desenrolava seguindo uma ordem racional, parecendo eliminar tudo o que pudesse perturbar a lógica seqüencial. Acabado o material racional, os pacientes se calavam (JEAMMET, REYNAUD, CONSOLI, 1982). Esse tipo de relação com o entrevistador, vazio de afetividade, foi chamado pelos autores de relação branca, onde o interlocutor parece ser ignorado, ele não é um outro, com o qual se pode manter um intercâmbio libidinal. As particularidades do desenvolvimento do discurso conduziu à noção de pensamento operatório (conceituado acima). Este funcionamento mental pode dar passagem a um pensamento obsessivo, visto que uma couraça neurótica obsessiva pode superpor-se a uma estrutura operatória de base. O pensamento operatório está associado a uma limitação das capacidades identificadoras dos pacientes psicossomáticos. Estes mostram-se freqüentemente pouco aptos a imaginar diferenças que existem entre eles e os outros. Para ele, seus hábitos alimentares, seu lazer, suas atitudes diante de conflitos e eventos são coisas iguais para todo mundo (JEAMMET, REYNAUD, CONSOLI, 1982). Esta dificuldade em imaginar a diferença faria parte de um bloqueio mais geral das capacidades de elaboração fantástica. Estes pacientes apresentam poucos devaneios, não projetam para o futuro, seus sonhos se limitam a uma reprodução dos resíduos diurnos, sem o trabalho do deslocamento, condensação ou simbolização própria à figuração onírica (JEAMMET, REYNAUD, CONSOLI, 1982). Concluindo, os pacientes assim descritos pela escola de Paris são caracterizados por um tipo de organização mental que favorece sua adaptação social e sua produtividade, mas os mantém mais sensíveis do que os outros aos traumatismos, perdas objetais ou feridas narcísicas (JEAMMET, REYNAUD, CONSOLI, 1982). O Sentido do Sintoma www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 95 De acordo com Jeammet, Reynaud e Consoli (1982) numerosos autores, intrigados pelo enigma da somatização, têm tentado colocar a questão do sentido que teriam os sintomas físicos secundários às lesões psicossomáticas. Estes autores propõem duas correntes opostas. A primeira corrente tentou aplicar à psicossomática o modelo de conversão somática , descrita por Freud na histeria. O nome de Groddeck mantém-se ligado a esta teorização (embora não fosse psicanalista). Pode-se dizer que Groddeck é o inventor do Id, conceito retomado e desenvolvido por Freud na sua segunda tópica. O id é definido como a força que faz surgir o homem, que o faz viver. Exprime-se por meio de símbolo, e todo material é bom para servir de suporte a uma tal simbolização. Assim, existe uma anatomia fantástica, onde diferentes regiões do corpo são consideradas como encarnação de qualidades ou afetos, ou como os representantes análogos uns dos outros. Para Groddeck as modificações fisiológicas e as formas adotadas por uma doença não são devidas ao acaso e correspondem a uma intencionalidade expressa, sobre o cenário corporal, segundo regras representativas do mesmo tipo que as dos sonhos. É assim que a febre torna-se o sinal de um sentimento bastante ardente, uma afecção cardíaca, o sinal de um sofrimento de amor ou de ódio. Groddeck via em toda doença uma formação de compromisso comparável aos atos falhos e à elaboração do sonho. Os sintomas somáticos revestiriam um valor econômico, contribuindo para organizar a relação de um indivíduo com a realidade externa e com sua própria realidade psíquica. Outros autores, como Angel Garma e Medard Boss estão próximos dos constructos de Groddeck (JEAMMET, REYNAUD, CONSOLI, 1982). Angel Garma era discípulo da escola kleiniana e distinguiu-se no tratamento psicanalítico de pacientes ulcerosos. A úlcera seria, para ele, o efeito da interiorização da mãe má sentida na cavidade gástrica. As representações inconscientes são consideradas como tendo implicações reais, inscritas na carne. www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 96 Estas elaborações devem serrecolocadas no contexto das terapias analíticas de pacientes portadores de doenças somáticas. Pode ocorrer que uma interpretação referente ao aspecto simbólico de certos sintomas seja seguida do desaparecimento dos distúrbios somáticos, pois ela pode oferecer uma mediação entre os conflitos e o corpo, permitindo às fantasias ocultas colonizarem um espaço mental. A segunda corrente apresentada pelos autores (JEAMMET, REYNAUD, CONSOLI, 1982) é representada pelas considerações da escola psicossomática de Paris. De acordo com esta escola, mais especificamente Alexander inicialmente, as manifestações somáticas, assim como a escolha do órgão alvo, não teriam em si qualquer significação: o corpo, suporte de uma mensagem cifrada no quadro da histeria, não seria senão a vítima de um transtorno sobredeterminado de suas funções, sem chegar a se implicar um verdadeiro sistema de relação com outro. Esta teoria, que se enriqueceu e tornou-se flexível, foi muito criticada. Valabrega, por exemplo, propôs estabelecer uma continuidade entre a conversão histérica e a somatização psicossomática, buscando formas de transição e sublinhando os pontos de interferência entre os dois modelos. De um lado a histeria deixa aberta a questão, já colocada por Freud, da complacência somática. Outros fatores, além dos psicológicos ou simbólicos, parecem contribuir para a escolha dos sintomas e favorecem a propensão do indivíduo à conversão histérica (JEAMMET, REYNAUD, CONSOLI, 1982). De outro lado, numerosos sintomas psicossomáticos colocam o problema de uma expressão simbólica parcial, ou pelo menos, de uma capacidade de figuração através do corpo. Neste ponto, é importante distinguir dois campos freqüentes confundidos nos trabalhos psicossomáticos. Há o campo das manifestações psicofuncionais , sem alteração orgânica subjacente e os das lesões anatomoclínicas propriamente ditas (JEAMMET, REYNAUD, CONSOLI, 1982). Manifestações psicofuncionais: correspondem às alterações das funções naturais (trânsito intestinal, ritmo cardíaco, etc.). Conforme os casos podem sobrevir as estruturas operatórias aparentemente pobres em fantasias ou em estruturas histéricas, onde desempenham o papel de sintomas de conversão. www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 97 Lesões anatomoclínicas: implicam remanejamentos, mais ou menos profundos, de funções e o recurso a mecanismos de defesa inabituais ou incontrolados (lesões ulcerosas, alergias, processos auto-imunes, etc.). O lugar de uma simbolização é aqui muito mais incerto, aleatório e difícil de demonstrar. As doenças dermatológicas constituem um campo privilegiado para a psicossomática. Se muitas categorias de afecções dermatológicas são tidas como doenças psicossomáticas (eczema, psoríase, vitiligo, pelada, prurido, urticária, herpes), muitas colocam freqüentemente a questão de sua localização. Não é raro que as zonas corporais estejam associadas, na história do paciente, à lembrança de traumatismos físicos ou à imagem de zonas equivalentes do corpo de pessoas investidas afetivamente e que teriam sido sede de traumatismos ou de uma função simbólica particular (JEAMMET, REYNAUD, CONSOLI, 1982). As constatações interessantes sobre as localizações de certas dematoses fizeram evocar um mecanismo arcaico de identificação com o corpo do outro, inscrevendo-se numa tendência global da personalidade em se aproximar do outro, até fundir-se com ele, identificação total e maciça, bem diferente da identificação parcial, que supõe a aceitação imaginária de um sintoma, de um habito ou de um traço de caráter do outro, percebido, nesse caso, como modelo e como rival potencial (JEAMMET, REYNAUD, CONSOLI, 1982). 4. Ações básicas de saúde: promoção; prevenção; rea bilitação; barreiras e comportamentos de saúde; níveis de atenção à saúde. Níveis de prevenção: promoção, prevenção e tratamen to (CASTRO; BONRHOLDT, 2004). Quando nos referimos ao hospital, automaticamente pensamos em algum tipo de doença já instalada, mas existem maneiras de prevenir ou de promover intervenções mesmo antes que a doença instale e decorra em prejuízos ao indivíduo. Quando trabalhamos esta questão estamos falando em níveis de prevenção, que podem ser primário, secundário ou terciário. www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 98 Prevenção primária : relativo à promoção e educação para a saúde quando não existem problemas de saúde instalados. Ex: trabalho com a população em geral na comunidade sobre os riscos do contágio do vírus da AIDS. Prevenção secundária : já existe uma demanda e o profissional atua prevenindo seus possíveis efeitos adversos. Ex: trabalho com pessoas que recorrem ao exame do HIV durante o período da espera pelo resultado. Prevenção terciária : diz respeito ao trabalho com pessoas com problemas de saúde instalados, atuando para minimizar seu sofrimento. Ex: trabalho (de grupo, psicoterápico, de apoio, etc.) com pessoas infectadas pelo vírus HIV. A Psicologia da Saúde propõem um trabalho amplo de saúde mental nos três níveis de atuação – primário, secundário e terciário - aplicada ao âmbito sanitário, enfatizando as implicações psicológicas, sociais e físicas da saúde e da doença. No que diz respeito à Psicologia Hospitalar, sua atuação poderia ser incluída nos preceitos da Psicologia da Saúde, limitando-se, entretanto, a instituição-hospital e, em conseqüência, ao trabalho de prevenção secundária e terciária. Barreiras e comportamentos de saúde O papel do comportamento na saúde tem recebido uma crescente atenção devido aos hábitos de saúde dos indivíduos. Segundo Canavarro (2007) os comportamentos de saúde realizados habitualmente influenciam na probabilidade de desenvolver uma doença fatal ou crônica. A doença ou a morte precoce podem ser substancialmente reduzidas se as pessoas adotarem estilos de vida que promovam o seu bem-estar e saúde: alimentação adequada; exercício físico; não fumar nem ingerir bebidas alcoólicas em excesso, etc. Estilo de vida, Fatores de Risco e Saúde O estilo de vida de um indivíduo pode incluir vários fatores de risco, que aumentam a probabilidade de ocorrência de uma doença, como: fumar, alimentação incorreta; obesidade; etc. www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 99 Comportamentos relacionados com a saúde são: qualquer atividade realizada pelo indivíduo com o objetivo de manter ou melhorar a sua saúde, independentemente do estado de saúde percebido ou do fato do seu comportamento alcançar o objetivo ou não. Comportamento de saúde: qualquer comportamento realizado com o intuito de manter o bom estado de saúde atual e evitar a doença. Os comportamentos de saúde dependem de fatores motivacionais, como: percepção da ameaça da doença; valor dado ao comportamento destinado a reduzir a probabilidade de doença; atratividade do comportamento oposto (ex:fumar). Podemos citar como comportamentos de saúde: exercício físico; dieta saudável; visitas regulares ao médico e vacinação.(Canavarro, 2007) Segundo Canavarro (2007) a realização de qualquer comportamento de saúde é influenciado por diferenças de gênero, sócio-culturais e etárias. Segundo a autora é importante salientar que: • Apesar dos hábitos de saúde serem bastante estáveis, podem mudar ao longo do tempo • Os comportamentos de saúde não estão necessariamente ligados uns aos outros (ex.: se uma pessoa tiver um comportamento de saúde, como usar cinto de segurança, não podemos predizer que pratique outrohábito de saúde, como realizar exercício físico) • Os comportamentos de saúde não parecem ser comandados por um conjunto particular de atitudes ou tendências de resposta (ex.: uma pessoa que use cinto de segurança para se proteger pode controlar o seu peso para se sentir atraente e não fumar por ser alérgica) Problemas na Promoção da Saúde Os problemas na promoção de saúde segundo Canavarro podem ser na ordem de fatores individuais, interpessoais ou comunitários: Fatores Individuais www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 100 • Encarar os comportamentos de saúde como menos apelativos ou convenientes que os alternativos não saudáveis (ex.: fumar) • Dificuldades na mudança de comportamentos duradouros (ex.: adicções) • Necessidade de recursos cognitivos e de competências para saber que comportamentos adotar, fazer planos para mudar comportamentos e ultrapassar obstáculos e barreiras • Necessidade de auto-eficácia • Estar doente e tomar determinados medicamentos pode influenciar o humor e os níveis de energia do indivíduo, afetando os seus recursos cognitivos e a sua motivação (Canarraro, 2007) Fatores Interpessoais É muito importante: • A presença de amigos e familiares que modelem os comportamentos de saúde • Receber apoio social e encorajamento para mudar hábitos de vida não saudáveis Fatores Comunitários As pessoas adotam mais facilmente comportamentos de saúde se estes forem promovidos ou encorajados pelas organizações comunitárias, como o Sistema Nacional de Saúde. (no caso Brasileiro, o SUS) Os determinantes dos Comportamentos de Saúde podem ser: • Fatores Gerais • Hereditariedade • Aprendizagem • Condicionamento Operante, Modelamento • Fatores Sociais, Emocionais e Personalidade • Percepção e Cognição www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 101 Percepção: • Os sintomas influenciam os comportamentos de saúde do indivíduo (sintomas como uma dor severa podem levar o indivíduo a procurar rapidamente cuidados médicos, enquanto que sintomas mais suaves podem apenas conduzir a um reajustamento de hábitos) • Alguns indivíduos ignoram os sintomas e outros procuram imediatamente ajuda médica Cognição: • Conhecimentos sobre aspectos médicos • Saber como resolver os problemas que surgem quando se tenta implementar um comportamento saudável • Avaliações do estado de saúde • Tomada de decisão • Otimismo irrealista – percepções de risco e de susceptibilidade erradas O papel das crenças e intenções Modelo das Crenças de Saúde (Becker & Rosenstock, 1984 apud Canavarro, 2007) Segundo esse modelo a probabilidade de um comportamento de saúde está relacionada à percepção de ameaça de uma doença, baseada em: gravidade percebida do problema, susceptibilidade percebida do problema, pistas para a ação, benefícios e custos percebidos (prós e contras) de um comportamento de saúde. Críticas ao modelo das crenças de saúde • Focalização no processamento racional da informação • Ênfase no indivíduo. • A inter-relação entre as diferentes crenças centrais. www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 102 • Ausência de um papel para os fatores emocionais, como o medo ou a negação • Não considera fatores como a expectativa dos resultados e a auto-eficácia Teoria da Motivação para a Proteção (Rogers, 1975, 1983, 1985 apud Canavarro, 2007) Desenvolvimento do modelo das crenças de saúde para incluir fatores adicionais. Os comportamentos relacionados com a saúde são o produto de 4 componentes: • Auto-eficácia: “acredito que posso mudar a minha dieta” • Eficácia da resposta: “mudar a minha dieta iria melhorar o meu estado de saúde” • Gravidade: “o cancro do intestino é uma doença grave” • Vulnerabilidade: “as hipóteses de eu ter um cancro do intestino são altas” O Modelo do Comportamento Planeado (Ajzen, 1985 apud Canavarro 2007) Este modelo enfatiza as intenções de comportamento, que são planos de ação para atingir objetivos comportamentais e resultam da combinação de diferentes crenças: Atitudes em relação aos comportamentos - compostas por avaliações positivas e negativas de um determinado comportamento e pelas crenças sobre o resultado desse comportamento (ex.: “fazer exercício é divertido e irá melhorar o meu estado de saúde”) Norma subjetiva - composta pela percepção das normas e pressões sociais para ter um dado comportamento, assim como pela avaliação da motivação, ou não, para se submeter a esta pressão (ex.: “as pessoas importantes para mim aprovarão o fato de eu perder peso e quero a sua aprovação”) Controle comportamental percepcionado - crença de que o indivíduo consegue manter um determinado comportamento, baseando-se na ponderação dos fatores internos de controle (ex.: competências, aptidões, informação) e fatores de controlo externos (ex.: obstáculos, oportunidades), ambos relacionados com o comportamento passado. www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 103 O Modelo dos Estádios de Mudança ou Modelo Transteórico de Mudança (Prochaska e DiClemente, 1982 apud Canavarro, 2007 ) 1) Pré-contemplação: o indivíduo não pretende fazer qualquer mudança 2) Contemplação: o indivíduo considera a possibilidade de mudança 3) Preparação: o indivíduo realiza pequenas mudanças 4) Ação: o indivíduo empenha-se ativamente num novo comportamento 5) Manutenção: o indivíduo mantém a mudança ao longo do tempo Fatores Desenvolvimentais, de Gênero e Socioculturais na Saúde - Desenvolvimento e Saúde Os fatores biológicos, psicológicos e sociais que influenciam a saúde do indivíduo mudam ao longo do ciclo de vida, conduzindo a que as pessoas se confrontem com diferentes riscos e problemas à medida que o desenvolvimento ocorre. As necessidades preventivas e os objetivos mudam com a idade Gênero e Saúde A esperança média de vida das mulheres é superior à dos homens, especialmente nos países desenvolvidos (OMS, 2004) Diferenças biológicas e comportamentais: • Em situações de stress, a relatividade fisiológica, como a pressão sanguínea ou a libertação de catecolaminas, é maior nos homens, o que os torna mais vulneráveis a doenças cardiovasculares • Os homens fumam mais e ingerem bebidas alcoólicas em maiores quantidades, ficando mais susceptíveis a doenças cardiovasculares, respiratórias, oncológicas e cirrose • Os homens apresentam maiores taxas de acidentes rodoviários • Etc. www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 104 Fatores Sócio-culturais e Saúde Os comportamentos de saúde estão a aumentar nas sociedades industrializadas, mas as taxas variam entre as culturas As pessoas de classes socioeconômicas mais baixas têm maior probabilidade de: apresentarem menor peso à nascença; morrerem durante a infância; morrerem antes dos 65 anos; terem pior saúde e desenvolverem doenças duradouras na adultez; terem hábitos de saúde menos saudáveis: fumam mais, praticam menos exercício físico e terem menor conhecimento dos fatores de risco das doenças. Reabilitação A reabilitação é um processo global e dinâmico orientado para a recuperação física e psicológica. A medicina física e de reabilitação pretende tratar ou atenuar as incapacidades causadas por doenças crónicas, sequelasneurológicas ou lesões derivadas da gestação e do parto, acidentes de trânsito e de trabalho. O que é a reabilitação? É um processo global e dinâmico orientado para a recuperação física e psicológica da pessoa portadora de deficiência, tendo em vista a sua reintegração social. Está associada a um conceito mais amplo de saúde, incorporando o bem-estar físico, psíquico e social a que todos os indivíduos têm direito. Qual a abrangência da reabilitação? Para uma plena realização, as acções de reabilitação devem abranger campos complementares, como a saúde, a educação, a formação, o emprego, a segurança social, o controlo ambiental, o lazer, entre outros. Como surgiu a reabilitação? A reabilitação teve grande impulso e desenvolvimento no século XX, sobretudo no período posterior às grandes catástrofes mundiais, como foram as guerras. Foram, então, imputados aos governos os custos económicos, familiares e www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 105 sociais decorrentes das lesões e sequelas dos seus cidadãos e exigidas medidas de reparação e integração. Em que situações é necessária a medicina física e d e reabilitação? Doenças crónicas – Nas sociedades modernas, a melhoria das condições de vida, os avanços médico-cirúrgicos e a promoção e a generalização dos cuidados de saúde levaram ao aumento da longevidade e, como tal, ao progressivo crescimento do número de idosos. Paradoxalmente, ampliou-se, a par do aumento da esperança de vida, o número de doenças crónicas, frequentemente incapacitantes. Sequelas neurológicas ou lesões derivadas da gestação e do parto – Os progressos na protecção materna e infantil permitem, hoje em dia, por seu turno, salvar crianças que sobrevivem com graves sequelas neurológicas ou outras lesões. Acidentes de trânsito e de trabalho – A evolução tecnológica e as alterações nos estilos de vida têm levado ao surgimento de um elevado número de deficientes, vítimas de acidentes de trânsito, de trabalho e de doenças cardiovasculares, em idades cada vez mais jovens e produtivas. Quais são os profissionais responsáveis pela reabil itação? Para ser bem sucedida, a reabilitação deve envolver uma equipa multidisciplinar, composta por: Fisiatras; Enfermeiros; Fisioterapeutas; Terapeutas ocupacionais; Terapeutas da fala; Secretárias clínicas; Auxiliares de acção médica; Assistentes sociais; Psicólogos. Constituindo um trabalho integrado de diferentes profissionais, estes devem estabelecer uma estratégia com objectivos comuns e desenvolver acções www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 106 convergentes e sinérgicas. Interessa por isso à maioria das áreas médicas, particularmente quando estão em causa situações potencialmente incapacitantes. A Medicina Física e de Reabilitação surge como uma área de especialização médica, para responder à necessidade de apoiar as várias especialidades de forma global ou diferenciada. Procura contribuir, de modo científico, para a reabilitação/recuperação do indivíduo afectado funcionalmente por uma doença ou traumatismo. Onde posso encontrar serviços de Medicina Física e de Reabilitação? Em alguns hospitais, nos Institutos de Oncologia e em algumas estâncias termais. Os centros de saúde são, por excelência, os responsáveis pela prevenção da incapacidade e pela orientação adequada do utente. Nos serviços hospitalares são assistidas, sobretudo, as situações potencialmente mais incapacitantes. Os centros de reabilitação são centros pluri ou monoespecializados dirigidos ao apoio aos grandes deficientes. A criação dos serviços de reabilitação depende das características da população a que se destina e dos objectivos da estrutura em que está inserido. O que são centros de reabilitação? São estruturas vocacionadas para a resolução de casos mais graves, mas com potencial de recuperação e reabilitação, implicando a necessidade de tempos de intervenção mais prolongados (regime de internamento) e a intervenção de uma equipa de reabilitação multidisciplinar. Como se processo a reabilitação? Diagnóstico e definição das diferentes patologias, deficiências e incapacidades existentes; Definição do prognóstico e avaliação do potencial de reabilitação; Planeamento e prescrição do tratamento; Coadjuvação e apoio das diferentes acções médico-cirúrgicas; Prevenção do descondicionamento físico e psicológico, bem como www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 107 todas as sequelas decorrentes do imobilismo e isolamento dos doentes internados; Facilitação e estímulo dos processos de recuperação e regeneração natural; Estímulo, maximização e compensação das capacidades residuais; Promoção da integração socioprofissional. Texto retirado do site portal da saúde: http://www.portaldasaude.pt/portal/conteudos/inform acoes+uteis/reabilitacao/reabili tacao.htm 5. Psicologia da saúde: a instituição hospitalar; é tica em saúde e no contexto hospitalar. Psicologia da Saúde X Psicologia Hospitalar Você sabia que a Psicologia da Saúde e a Psicologia Hospitalar são conceitos distintos? Apenas no Brasil usa-se a denominação Psicologia Hospitalar . Os marcos da Psicologia da Saúde no Brasil iniciam-se na década de 50, anteriores, portanto à própria regulamentação da profissão de psicólogo neste país, datada de 1961. A Psicologia da Saúde tem sido considerada como um campo de trabalho da Psicologia que nasce para dar resposta a uma demanda sócio-sanitária. Os Psicólogos da Saúde, procedentes em sua maioria (no Brasil) da Psicologia Clínica, da Medicina Psicossomática e da Psicologia Social Comunitária estão adaptando seus enquadres e técnicas a um novo campo de aplicação. Saímos de uma vocação sanitarista, preconizada pelas inúmeras epidemias que assolaram nosso país até a década de 30 e abarcamos um modelo em grande parte importado dos Estados Unidos da América, onde o Hospital passa a ser o símbolo máximo de atendimento em saúde. Muito provavelmente esses motivos levaram, no Brasil, a ser denominado de “Psicologia Hospitalar ”, sem precedentes em outros países do mundo, quando nos referimos às atividades do www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 108 Psicólogo no campo da Saúde latu-sensu6, pois se a saúde dentro do modelo vigente no Brasil emanava da instituição hospitalar, nada mais óbvio do que o Psicólogo da Saúde brasileiro iniciar, a partir dela, suas atividades e ações em saúde (SEBASTIANI, 2003). No início dos anos 60 a Psicologia é reconhecida oficialmente como profissão no Brasil, e observamos igualmente a expansão de várias iniciativas de psicólogos no sentido de desenvolverem seus trabalhos vinculados a hospitais gerais, na mesma década, em Cuba é fundada a primeira Sociedade de Psicologia da Saúde do mundo. Tanto no Brasil como em outros países da América Latina, iniciam-se atividades voltadas a atenção à saúde da população com a participação de psicólogos, já expandindo seu campo de atuação para além das clássicas delimitações do modelo clínico e da atividade estritamente dedicada a então chamada “Saúde Mental”. A Psicologia da Saúde tem sua especificidade, não é simples justaposição de posições clínico-biológicas, educativo-pedagógicas e sócio-culturais. De acordo com a definição do órgão que rege o exercício profissional do psicólogo no Brasil, oCFP (2003), o psicólogo especialista em Psicologia Hospitalar tem sua função centrada nos âmbitos secundário e terciário de atenção à saúde , atuando em instituições de saúde e realizando atividades como: atendimento psicoterapêutico; grupos psicoterapêuticos; grupos de psicoprofilaxia; atendimentos em ambulatório e unidade de terapia intensiva; pronto atendimento; enfermarias em geral; psicomotricidade no contexto hospitalar; avaliação diagnóstica; psicodiagnóstico; consultoria e interconsultoria. Atuação do psicólogo Para entendermos a atuação do psicólogo na área da saúde é importante salientar que estamos sob um novo paradigma, o qual surgiu da necessidade de entender o homem de forma holística, integrado aos sistemas biopsicossociais, em detrimento ao pensamento cartesiano (CAPRA, 1995). O processo saúde/doença, entendido como um fenômeno coletivo, num processo histórico e multideterminado, remetem-nos a uma atuação integrada com vistas à saúde, 6 É uma expressão em latim que significa literalmente em sentido amplo. www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 109 demonstrando a necessidade da interdisciplinaridade. Nesse contexto, a atuação do psicólogo vai além da atuação clínica, do psicodiagnóstico e da terapia individual. Esse perfil de atuação já não satisfaz as necessidades do contexto atual, vale parafrasear Bleger que, já em 1984, definiu o psicólogo institucional como um agente de mudanças. Assim, as diretrizes que correspondem a uma ação de mudança são: • atuação interdisciplinar, orientação das ações profissionais na direção da saúde coletiva e o caráter educativo da assistência; • inserção dos indivíduos, grupos e comunidades na promoção da saúde; • a natureza da intervenção deixaria de ter uma perspectiva unidisciplinar para evoluir para uma perspectiva multidisciplinar, com ênfase em equipes multiprofissionais e interdisciplinares; • o enfoque pode ser de natureza curativa ou preventiva numa perspectiva primária, secundária e terciária; O Psicólogo na rede básica de saúde pode atuar na organização dos serviços de saúde preconizada pelo SUS, cujos níveis de atendimento vão desde as ações preventivas ou remediativas de baixa complexidade (na atenção primária) às ações especializadas, que requerem seguimento (atenção secundária) até as ações especializadas específicas das situações hospitalares (atenção terciária). A atenção Primária à Saúde requer um engajamento diferente do psicólogo, diferente do lidar com distúrbios já instalados. É a porta de entrada de um sistema unificado e hierarquizado de saúde e volta-se para prevenir a necessidade de atendimentos ambulatoriais e hospitalares. Em centros de saúde, o tipo de intervenção pode ser: psicoterapia de adulto, triagem, orientação de mães, psicoterapia de adolescentes, psicodiagnóstico, ludoterapia, grupos de alcoolistas, toxicômanos, aidéticos, tuberculosos, hansenianos, dentre outros. www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 110 Em termos de prevenção pode-se atuar em orientação a puérperas; planejamento familiar; orientação à terceira idade e a sexualidade dos adolescentes; lazer, acompanhamento ao desenvolvimento infantil, visando à detecção precoce e intervenção em problemas e ou atrasos, acompanhamento a grupos de gestantes, acompanhamento a clientela de programas e subprogramas de saúde de adulto em problemas específicos de saúde tais como: hipertensos, hansenianos, diabéticos, desnutridos etc. E a prática clínica em hospitais? A Psicologia Clínica em hospitais objetiva a minimização do sofrimento provocado pela hospitalização. Atua na integração da equipe profissional. Citando a apresentação de Ramozzi-Chiarottino,“O psicólogo tratará das representações que o indivíduo tem de doença em geral e da sua doença em particular; ocupar-se-á de toda simbologia cultural, social e individual ligada à doença daquela pessoa” (ROMANO,1999, p.10). O atendimento indireto se dá por meio da interconsulta. Como? Detectam-se os fatores iatrogênicos7 no funcionamento dos serviços hospitalares. Utiliza-se tal prática em situação de conflito não explicitada, envolvendo tanto a equipe quanto a instituição. Recolhem-se informações com todos os envolvidos: paciente, família e equipe. Realiza-se um diagnóstico da situação através de trocas com a equipe, alivia-se a crise, restabelece- se a relação equipe/paciente (ROMANO, 1999). E a consultoria? Para o diagnóstico e aconselhamento no manejo da conduta de um paciente, a pedido de um médico, faz-se a mediação para manter a comunicação entre o paciente e os que estão encarregados de assisti-lo. A assistência pode ser direta, ou seja, com o paciente e sua família. Os recursos técnicos seriam: entrevista, observação, psicodiagnóstico, psicoterapia individual e grupal, testes psicológicos, 7 Iatrogenia refere-se a um estado de doença, efeitos adversos ou complicações causadas por ou resultantes do tratamento médico. Pode aplicar-se tanto a efeitos bons ou maus. Em farmacologia, o termo iatrogenia refere-se a doenças ou alterações patológicas criadas por efeitos laterais dos medicamentos. De um ponto de vista sociológico, a iatrogenia pode ser clínica, social ou cultural. Embora seja usada geralmente para se referir às consequências de acções danosas dos médicos, pode igualmente ser resultado das acções de outros profissionais médicos, tais como psicólogos, terapeutas, enfermeiros, dentistas, etc. www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 111 psicoterapias breves, focais, observação lúdica, dinâmica de grupos, grupos operativos, técnicas corporais, dentre outros. Enfatiza-se o planejamento e execução de ações com base em demandas coletivas, ou seja, o lidar com contingentes maiores de indivíduos, priorizando estratégias grupais e focais para atuar com os problemas trazidos pela população. Resumindo, o papel do psicólogo hospitalar seria o de ser um agente de mudanças, um especialista em relações, com a atuação voltada para o social, para a comunidade, numa atividade curativa e preventiva, trabalhando com os conteúdos manifestos e latentes, tendo a função de diagnosticar e compreender o que está envolvido na queixa, no sintoma, na patologia, contribuindo também para a humanização do hospital numa função educativa, profilática e psicoterapêutica. Qual a tarefa do psicólogo na instituição hospitala r? De acordo com Lima (1994 in Romano 1999) existem três níveis essenciais para a atuação em hospitais, são eles: psicopedagógico; psicoprofilático; psicoterapeutico. Cabe ao psicólogo hospitalar considerar quatro tipos de relação: 1) pessoa com a pessoa (quem é o paciente e quem é o cuidador), sexo, idade, procedência, valores, costumes, etc. 2) paciente com grupos – seu grupo familiar, a equipe multiprofissional, o grupo dos outros pacientes; 3) paciente com processo de adoecer e com situação da hospitalização (considerando-se o local físico onde ele se encontra); 4) paciente consigo mesmo – personalidade necessidades, mitos e fantasias, etc. O psicólogo também intermedia a relação equipe/paciente. Em relação ao paciente, o psicólogo deverá considerar as seguintes variáveis: processo adaptativo, o psiquismo do doente, o surgimento de quadros psicopatológicos reativos são diretamente dependentes de idade, sexo, tipo e prognóstico da doença, suporte familiar, escolaridadee fase da vida produtiva em que se encontra o doente. Ética: www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 112 Quando falamos em ética profissional pensamos em normas de conduta que o profissional de certa área deve ter. Essas normas podem ser legais, entretanto, muito da conduta do indivíduo se dá por normas que estão presentes no seu contexto, porém não estão escritas na forma de lei. No contexto de saúde há muitas questões complexas sob as quais o psicólogo deve refletir para agir eticamente. Barletta (2008), aponta alguns pontos para serem pensados: 1) Em decorrência da modernização da saúde houve um processo de despojamento dos pacientes, eles não são vistos como um todo, mas como partes que devem ser tratadas. É necessário mudar essa prática, já que ser sensível a dor do outro e respeitar o outro são atitudes fundamentais na prática do psicólogo. 2) Por vezes pacientes são fonte de chacota dos profissionais da saúde devido a “habitualização” que tais profissionais tem com essa situação. Novamente é importante pensar nas consequências de tais atitudes para os pacientes. 3) O bem do paciente deve ser o alvo das atitudes dos profissionais da saúde - princípio da beneficência citado pela bioética. 4) Princípio da autonomia – o indivíduo tem direito a escolher questões relacionadas a sua própria vida, tais como a escolha do profissional, desde que haja possibilidade de escolha. 5) O paciente tem direito ao consentimento livre e informado, contudo em muitos casos as informações não são dadas corretamente, prejudicando esse direito. O psicólogo hospitalar deve estar atento a essas e outras questões ma busca pela atuação ética. Também deve estar atento ao seu comportamento junto a equipe de trabalho 6. Equipes interdisciplinares: interdisciplinarida de e multidisciplinaridade em saúde. Segundo Campos (1994) o pensar, o saber e o fazer dos profissionais da saúde constituem, no conjunto, uma tarefa complexa que implica a concorrência de várias disciplinas do conhecimento humano, a ação articulada das diversas profissões da área www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 113 da saúde e, sobretudo, entre os diversos setores, condição mínima necessária produção da saúde. Para facilitar a transmissão e a absorção do conhecimento, o homem dividiu os saberes em vários compartimentos, comumente chamados de disciplinas: pensamentos fundamentados, cada qual em seu estilo de pensamento, ou seja, num olhar especializado acerca de um conjunto de regras para a abordagem e resolução de um problema, baseado numa formação específica e diferenciada com marco conceitual identificado construindo, assim, fatos novos diante de problemas comuns. O modelo científico que se baseia na multidisciplinaridade é importante porque propicia a sistematização e a delimitação do objeto de estudo, em contrapartida provoca uma tendência à rigidez nos limites entre as diversas disciplinas, e com isso a ilusão do saber completo a partir dessa visão fragmentada e incompleta da realidade (MATTOS, 2003). Esse modelo implica em especialização e subespecialização e, dessa forma, uma tendência cada vez maior de fragmentação do conhecimento sobre o objeto de estudo e uma subdivisão progressiva das tarefas de trabalho. Entretanto, o processo saúde doença envolve muitos fatores distintos e muitas dimensões do indivíduo em questão e não pode ser estudada de forma reducionista valorizando-se a causalidade única. A relação entre os saberes no campo da saúde foi estudada por ALMEIDA FILHO apud OLIVEIRA (2007), que aprofundou o debate sobre o tema, discutindo inicialmente aspectos históricos, epistemológicos e etimológicos do conceito de disciplina, passando a seguir a uma análise crítica dos conceitos de inter, pluri, multi, meta e transdisciplinaridade, apoiado em vários autores, a saber: a) Multidisciplinaridade é o conjunto de disciplinas que simultaneamente tratam de uma dada questão, sem que os profissionais implicados estabeleçam entre si efetivas relações no campo técnico ou científico; b) Pluridisciplinaridade refere-se à justaposição de diferentes disciplinas em um processo de tratamento de uma temática unificada, desenvolvendo relações entre si. www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 114 Nesta perspectiva, são comuns os objetivos e os campos disciplinares estão situados no mesmo nível hierárquico. Neste caso, há uma perspectiva de complementaridade, sem ocorrer coordenação de ações ou pretensão de criar uma axiomática comum; c) Metadisciplinaridade seria a interação entre as disciplinas asseguradas por uma metadisciplina situada em um nível epistemológico superior; d) Interdisciplinaridade parte do pressuposto de uma axiomática comum a um grupo de disciplinas conexas cujas relações são definidas a partir de um nível hierárquico superior ocupado por uma delas. Exige a identificação de um problema comum, levantamento de uma axiomática teórica e/ou política básica e uma plataforma de trabalho conjunto; e)Transdicisplinaridade enfoca o conceito de radicalização da interdisciplinaridade com a criação de um campo teórico ou disciplinar de tipo novo e mais amplo. Baseia-se na possibilidade de comunicação não entre campos disciplinares, mas entre agentes em cada campo, através da circulação não dos discursos, mas dos sujeitos dos discursos. 7. Técnicas cognitivo-comportamentais: psicoterapi a individual e grupal. Práticas grupais. Terapia comportamental A terapia comportamental implica principalmente, conforme (FRANKS E WILSON, 1975, APUD CABALLO, 2002), na aplicação dos princípios derivados da investigação na psicologia experimental e social, para o alívio do sofrimento das pessoas e o progresso do funcionamento humano, assim sendo, implica na alteração ambiental e na interação social, mais que na alteração direta dos processos corporais por meio de procedimentos biológicos. Os mesmos autores colocam que tal terapia apresenta objetivos educativos e as técnicas facilitam um maior autocontrole. “Na aplicação da terapia comportamental, normalmente se negocia um acordo contratual no qual se especificam procedimentos e www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 115 objetivos mutuamente agradáveis. Aqueles que empregam os enfoques comportamentais de modo responsável, guiam-se por princípios éticos amplamente aceitos”. (p. 11). A análise do Comportamento tem suas raízes teóricas no Behaviorismo Radical , o qual enfatiza a determinação ambiental sobre o sujeito. Para esta corrente teórica, “o comportamento dos sujeitos ocorre (desenvolve-se e modifica-se) em função de certas condições ambientais especificáveis”. (CABALLO, 2002, p. 62). Em outras palavras, o sujeito é determinado pelo ambiente físico, cultural, social e histórico que o cerca. Assim sendo, Caballo (2002) apresenta a análise funcional como o recurso utilizado para avaliar e propor mudanças comportamentais de modo a atingir os objetivos terapêuticos. A análise funcional especifica as condições ambientais das quais o comportamento é função, ou seja, permite a descrição detalhada das relações funcionais entre as variáveis antecedentes e o comportamento em questão, e entre o comportamento e suas conseqüências, relações estas também conhecidas como tríplice contingência do comportamento:estímulo-resposta-conseqüência (S-R-C). É com base na identificação destas relações que o terapeuta, segundo Lettner e Rangé (1988), pode levantar hipóteses de aquisição e manutenção do comportamento, a fim de escolher procedimentos e objetivos adequados para a intervenção. É importante ressaltar que a atividade psicológica não consiste, como pode parecer em um primeiro momento, em aprendizados estereotipados, pré-fixados mecanicamente. Trata-se de classes de comportamento de acordo com as definições de estímulo propostas por Skinner, em 1975. Não cabe neste momento o aprofundamento sobre a teoria da aprendizagem que sustenta a terapia comportamental, mas para maiores esclarecimentos pode-se consultar Caballo (2002). Reitera-se apenas, de acordo com tal autor, que o importante nesta teoria é identificar a função do comportamento, e não a sua topografia. O terapeuta comportamental utiliza-se de muitos recursos durante o processo terapêutico, e o relacionamento terapeuta-cliente , assim como em outras abordagens teóricas, é sua primeira preocupação. O relacionamento é direcionado pelo terapeuta e, segundo Lettner e Rangé (1988), depende de diversos fatores, entre eles a história www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 116 anterior de comportamentos de cada membro, aspectos de contato visual adequado, linguagem ao nível de compreensão do cliente, postura que denote atenção e ao mesmo tempo descontração, vestuário e ambiente onde se desenvolve a relação. Para o bom andamento da psicoterapia, este relacionamento é fundamental para que o cliente aceite as orientações psicoterápicas e confie no terapeuta, para tanto é necessário que o terapeuta domine as técnicas de entrevista, saiba reforçar diferencialmente as verbalizações do cliente, saiba controlar a própria ansiedade, e seja capaz de proporcionar uma audiência não punitiva ao paciente. O reforçamento positivo é outro recurso disponível ao terapeuta comportamental, o qual tem sua base no grande princípio da teoria da aprendizagem, que afirma que os comportamentos são mantidos por suas conseqüências, uma vez que há uma relação de contingência entre uma resposta e sua conseqüência, quando a conseqüência depende da ocorrência da resposta. Assim, o reforçamento positivo implica na apresentação de um estímulo positivo, reforçador, ou seja, uma recompensa. O efeito do uso deste recurso é o aumento gradual da resposta que o precede, até sua ocorrência mais ou menos estável. Logo, o terapeuta pode utilizar o reforço diretamente em sua relação com o cliente. Por exemplo, o terapeuta pode reforçar diferencialmente, com elogios verbais, a ocorrência de comportamentos assertivos em clientes com baixo repertório de assertividade. Vale lembrar também a possibilidade de utilização do reforçamento negativo , ou seja, a retirada de um estímulo aversivo. O reforço negativo também aumenta a probabilidade de ocorrência da resposta. Há diversas maneiras de utilizar esses tipos de reforçamento, tais formas de programar o reforço são chamadas de esquemas de reforçamento. O esquema de reforço contínuo implica em um reforço a cada resposta apresentada pelo cliente, o qual produz freqüência baixa e estável de ocorrência do comportamento e baixo nível de resistência à extinção. O esquema de reforço intermitente segue critérios de tempo ou de números de comportamentos para liberar o reforço, o qual gera uma freqüência de comportamentos mais alta e a resistência à extinção é maior. O reforço diferencial , citado acima, consiste em reforçar diferentemente as respostas, ou seja, reforçar umas e www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 117 extinguir outras, no sentido de modelar8 o comportamento de acordo com o planejamento final. O reforço condicionado diz respeito a um estímulo que anteriormente não tivesse propriedades reforçadoras e passa a adquiri-las de uma maneira condicionada quando é associado sistematicamente a um estímulo reforçador, funcionando então como estímulo discriminativo para a ocorrência da resposta que o produz. O reforçamento simbólico ocorre quando o estímulo reforçador apresentado após a ocorrência da resposta é um símbolo a ser trocado pelo paciente por reforçadores condicionados. (LETTNER e RANGÉ, 1988). Certamente, depende dos objetivos do terapeuta a escolha do melhor esquema de reforçamento para cada situação clínica. A discriminação e a generalização também podem ser utilizadas pelo terapeuta. A discriminação consiste em “reforçar positivamente um comportamento na presença de um estímulo, e extinguir a ocorrência deste comportamento na presença de outros estímulos”. (LETTNER E RANGÉ, 1988, p. 76). E a generalização acontece após um processo de discriminação, o qual “aumenta a probabilidade de ocorrência da resposta reforçada na presença de estímulos que tenham características semelhantes ao estímulo discriminativo”. (LETTNER E RANGÉ, 1988, p. 77). A extinção do comportamento é a quebra da relação de contingência que existe entre uma resposta e sua conseqüência, o que produz o efeito de reduzir gradual e definitivamente a freqüência do comportamento que deixou de ser reforçado. “Deixar que uma resposta ocorra sem ser seguida por suas conseqüências usuais, ou permitir que o cliente tenha acesso aos estímulos reforçadores sem a ocorrência da resposta que antes o produzia, faz com que o comportamento antes mantido por esta relação de contingência perca sua força e diminua de freqüência”. (LETTNER E RANGÉ, 1988, p. 75). Há comportamentos que são extintos com mais facilidades que outros. A medida que indica a força do condicionamento é chamada de resistência à extinção , a qual, segundo Lettner e Rangé (1988), possui como critério o número de respostas ou tempo 8 A modelagem do comportamento baseia-se nos princípios de reforço diferencial e aproximação sucessiva, que consiste na escolha progressiva de novos comportamentos a reforçar, dentro de uma hierarquia de comportamentos pertencentes a uma mesma classe de respostas, até atingir-se um critério preestabelecido de desempenho considerado desejável. www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 118 que o organismo demora para atingir as freqüências não condicionadas de ocorrência do comportamento. Para uma intervenção comportamental mais efetiva, sugere-se que o terapeuta tenha formas de mensurar a freqüência e mesmo a topografia do comportamento antes de iniciar o processo terapêutico em si, como linha de base para avaliar, ao final do processo, as mudanças adquiridas com a intervenção. E, para avaliar a duração de um efeito terapêutico, muitos terapeutas utilizam-se do seguimento , técnica que consiste no acompanhamento e avaliação da problemática do paciente após algum tempo de alta. A psicoterapia comportamental dispõe ainda de inúmeras técnicas que podem ser utilizadas na intervenção psicoterápica, mas não é possível, no espaço deste texto, abordá-las com profundidade. Assim, apenas citaremos as mais importantes, que são facilmente encontradas nas referências bibliográficas indicadas: Esvaecimento – desvanecimento (fading out); Condicionamento Clássico; Dessensibilização Sistemática; Autocontrole; Frustração; Resistência à Frustração; Registro de comportamento; Economia de Fichas; Relaxamento Muscular; Técnicas de Dessensibilização Auto- administrada; Pais como agentes de mudança – pais como terapeutas; Desempenho de Papéis – ouTreino de papéis (role-play); Treinamento assertivo; Modelação; Contrato de Contingências; Punição; Time out; Reforçamento Negativo; Sensibilização (terapia aversiva); Sensibilização Encoberta; Inundação (flooding) – ou terapia implosiva; Prática negativa; Habituação (ou adaptação); Supressão de resposta (ansiedade); Princípio de Premack; Feedback auditivo atrasado (DAF); Biofeedback; Terapia Racional Emotiva (Ellis); Terapia Cognitiva (Beck); Terapia cognitiva (Meichemnaum) ou treino auto- instrucional; Tratamento de projeção do futuro; Treinamento de habilidades sociais; Inoculação de estresse; Ensaio comportamental; Tarefas Comportamentais; Terapia da enurese por despertador; Treinamento do controle da bexiga; Intenção Paradoxal; Prevenção de resposta; Inversão de hábito; Foco Sensorial e foco genital; Técnica de compressão (squeeze); Recondicionamento orgásmico (treinamento de masturbação); Terapia Sexual conjunta; Dessensibilização masturbatória; Dilatadores hegar; Parada no pensamento (thought-stopping); Família instrutora; Imaginação emotiva. www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 119 Dentre estas técnicas citadas, há algumas de controle aversivo, e os autores Lettner e Rangé (1988) ressaltam que apesar das inúmeras restrições, “em alguns casos utiliza- se o controle aversivo especialmente quando está em risco a segurança ou integridade física do cliente, ou quando a severidade do distúrbio é muito grande, e outros recursos para a redução na freqüência de respostas não podem ser usados ou são ineficientes”. (p. 80). Há autores que distinguem técnicas operantes e técnicas respondentes, mas, como os comportamentos dos clientes e os processos por que passam, sejam operantes ou respondentes, podem ocorrer ao mesmo tempo, Lettner e Rangé (1988) julgaram preferível descrever as técnicas sem esta separação formal. Por fim, os autores esclarecem que é praticamente impossível fazer uma prescrição de técnicas exclusivas, ou mais apropriadamente utilizáveis para cada distúrbio de comportamento. Se o terapeuta tem formação adequada nenhuma escolha de técnicas se fará, sem antes efetuar-se uma análise funcional que identifique e descreva claramente o distúrbio do comportamento e suas relações com variáveis do meio ambiente. Caberá a cada terapeuta a escolha da técnica que julgar mais adequada a cada caso, o que também é uma característica da terapia comportamental. Terapia Cognitivo-Comportamental A Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) tem o seu foco voltado para os processos cognitivos, os quais estão envolvidos na origem e desenvolvimento das psicopatologias. O que produz a queixa do paciente “não são diretamente os estímulos ambientais, mas sim o processamento cognitivo seletivo falho (atribuição de significados) da realidade pessoal do indivíduo”, ou seja, “uma distorção das cognições diante das possíveis interpretações da realidade”. (NEVES NETO, 2003, p. 18). É o processamento cognitivo que faz a mediação dos processos psicológicos, tais como a expressão de emoções e a execução de comportamentos, desta forma acredita-se dar mais relevância para o indivíduo e sua construção pessoal deste processamento. Assim, as intervenções do psicoterapeuta cognitivo-comportamental tomam por base os pensamentos dos clientes. Para tal, utiliza-se a classificação dos pensamentos www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 120 quanto ao grau de ajustamento psicossocial e cultural para com o seu meio (disfuncionais ou primitivos e funcionais ou maduros), bem como a identificação de como o próprio cliente se ajusta aos seus valores e o quanto este conjunto de dispositivos aproxima ou distancia o indivíduo de seus mais diversos objetivos. (NEVES NETO, 2003). Os erros sistemáticos ou distorções cognitivas podem ocorrer durante o processamento de informações sobre si mesmo, o mundo e o futuro. “Esses erros reforçam as cognições que podem ser adaptativas ou desadaptativas”. (BECK, 1997, apud NEVES NETO, 2003, p. 20). Os mesmos podem ser: inferência arbitrária, abstração seletiva, hipergeneralização, magnificação e minimização, personalização, pensamento dicotômico9. O objetivo da TCC, segundo Neves Neto (2003), é a “substituição de cognições disfuncionais por pensamentos mais flexíveis e pautados na interação entre indivíduo e seu ambiente”. (p. 15). A TCC, conforme o mesmo autor, atualmente defende uma postura integrativa de psicoterapia, ou seja, reúnem-se sistematicamente técnicas cientificamente embasadas das diversas abordagens teóricas existentes em psicologia clínica, tais como psicoterapia comportamental, psicoterapia interpessoal, psicodinâmica, gestalt, logoterapia, etc. “A terapia cognitiva fornece uma estrutura teórica unificadora dentro da qual as técnicas clínicas de outras abordagens psicoterapêuticas estabelecidas e validadas podem ser apropriadamente incorporadas (...) fornece um paradigma coerente e ao mesmo tempo evolutivo para a prática clínica”. (BECK E ALFORD, 2000, apud NEVES NETO, 2003, p. 17). Ao terapeuta cognitivo-comportamental também são possíveis inúmeras técnicas como recurso terapêutico, citaremos apenas algumas questões importantes. A postura ativa consiste no estabelecimento de uma relação terapêutica entre cliente e psicoterapeuta embasada na tríade: calor humano, compreensão empática e interesse genuíno. Novamente a aliança terapêutica é o passo inicial e fundamental para o bom andamento do processo terapêutico. 9 Para maiores esclarecimentos destes erros indica-se a consulta à referência bibliográfica indicada. www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 121 Outro componente é o que se denominou chamar de empirismo colaborativo , ou seja, não oferecer primeiramente as respostas para o paciente, mas criar condições para que este as encontre e teste suas cognições. A TCC é diretiva , ou seja, é um processo orientado para os problemas do presente, uma vez que estes geralmente são mais fáceis e garantem um aumento de adesão do cliente às intervenções futuras e mais amplas. E é também educativa , na qual discute-se com o paciente sobre o modelo cognitivo-comportamental de psicoterapia, sobre a natureza de seu problema, o processo psicoterapêutico e prepara-se para a prevenção de recaídas. A seqüência de sessões é previamente estabelecida pelo terapeuta, o que caracteriza a TCC como estruturada . Há também o planejamento terapêutico personalizado , que se baseia nos achados de pesquisas que demonstram tratamentos eficazes para as queixas do paciente, mas não de modo rígido a ponto de ignorar mudanças nas queixas ou problemas emergenciais da vida. Esta estrutura e planejamento da TCC, possibilitam que este processo terapêutico seja de prazo limitado , ou seja, os objetivos são priorizados no acordo entre paciente-terapeuta. Uma vez tratados, novos objetivos podem ser ou não estipulados. Uma técnica bastante utilizada consiste nas tarefas de casa , que são atividades complementares à consulta e que visam aumentar a efetividade e a generalização dos efeitos da psicoterapia. Com este recurso a psicoterapia permanece mais tempo na vida do paciente e este se sente também mais envolvido com a resolução de seus problemas. A respeito da utilização das técnicas, Neves Neto (2003) ressalta que uma boa técnica em geral flui naturalmente dentro das sessões, e requer habilidade do terapeuta ao empregar estepoderoso recurso, no entanto, as técnicas não substituem o papel da relação terapêutica. Novamente não será possível dentro deste texto a abordagem detalhada das principais técnicas utilizadas na TCC. Para maior aprofundamento da temática indica-se a consulta às referências sugeridas (Manual de técnicas cognitivo-comportamentais, de Keith S. Dobson). Apresenta-se apenas as mais utilizadas de cada abordagem teórica. www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 122 Comportamentais: relaxamento muscular progressivo, agenda de atividades, análise do comportamento, exposição, treino do manejo da ansiedade, reforçamento, agendamento de atividades (semanal/diária), treino de discriminação, treino de contato, agenda diária, contrato, controle de estímulos, relaxamento autógeno, modificação de resposta, prevenção de resposta, observação do comportamento. Cognitivas: terapia cognitiva geral, auto-reforçamento, resolução de problemas, auto-verbalização, dessensibilização sistemática (imaginação), autocontrole, terapia racional emotiva (Ellis), terapia cognitiva (Beck), automonitoração, eliciação de cognições, parada de pensamento, inoculação de stress, explicação alternativa, ensaio cognitivo, registro de pensamentos disfuncionais, linha do tempo. Teoria da aprendizagem social: treino de assertividade, treino de habilidades sociais, modelação. Outras técnicas: terapia de casais, empatia, aconselhamento, terapia de família, terapia sexual. Ações psicoterápicas de grupo. Existem diversas modalidades de psicoterapia de grupo eficazes no tratamento de transtornos psiquiátricos e problemas emocionais. De acordo com Zimerman (1998) a aplicação de dinâmicas de grupo, nos dias atuais, abrange um largo espectro de possibilidades, quer em situações clínicas ou não- clínicas. Existe uma imensa variedade de objetivos e de modalidades de aplicação prática da dinâmica de grupo, não obstante, o fato de que os princípios gerais teóricos sejam os mesmos para qualquer grupo. Um Pouco de História A literatura atribui a Joseph H. Pratt a criação da psicoterapia de grupo. Pratt trabalhava como clínico geral, no Ambulatório do Massachussetts General Hospital (Boston). Em julho de 1905 iniciou um programa de assistência a doentes de tuberculose, incapazes de arcar com os custos de internação. Reunia-os uma vez por semana, em grupos de 15 a 20 membros, no máximo 25, para que fosse possível estabelecer maior www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 123 contato com os pacientes. Além dos cuidados clínicos, orientava-os a adotar atitudes positivas em relação às suas condições, enfatizando a necessidade de manter a confiança e a esperança. O reconhecimento de que não eram os únicos a sofrer, aparentemente, contribuía para certa sensação de melhora (BECHELLI, SANTOS, 2004). Pratt começou seus grupos com o propósito educacional, descrevia sua abordagem como um método baseado em estratégia de persuasão e reeducação emocional. Adotava técnicas denominadas, posteriormente, comportamentais, como o emprego de diário para anotação de detalhes do dia-a-dia e tarefas a serem realizadas em casa. Em suas aulas, como Pratt as denominava, processavam-se o que atualmente conhecemos por fatores terapêuticos: universalidade, aceitação e instilação de esperança (BECHELLI, SANTOS, 2004). Este método serviu como modelo para outras organizações similares, como a dos “Alcoólicos Anônimos”, iniciada em 1935 e que ainda se mantém até hoje (ZIMERMAN, 1998). Em maio de 1920 Lazell descreveu, na Washington Society for Nervous and Mental Disease, o método de grupo que vinha empregando em esquizofrênicos internados. Adotava o sistema de aula e discutia assuntos diversos (medo de morte, conflito, amor-próprio, sentimentos de inferioridade, homossexualidade, alucinações, delírios, fantasias e outros) numa abordagem psicanalítica (BECHELLI, SANTOS, 2004). Entre as diversas vantagens desta forma de trabalho, ressaltou que determinados pacientes, que se apresentavam calados e aparentemente inacessíveis, prestavam atenção, retinham o material da reunião, desenvolviam rápida adaptação e solicitavam, posteriormente, assistência individual. Muitos participavam das discussões e procuravam encontrar soluções para seus problemas, reconheciam que outros se encontravam na mesma condição e, conseqüentemente, seu estado não deveria ser tão grave como imaginavam. Após as aulas, mantinham diálogo sobre o assunto, o que contribuía para uma melhor interação. Nas décadas de 30 e de 40 também surgiram outras contribuições importantes. Wolf aplicava princípios de psicanálise de acordo com a teoria de Freud, utilizando métodos de livre associação, análise de sonhos e transferência. Adotava o sistema em www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 124 que alternava a presença e a ausência do terapeuta nas sessões, com o intuito de facilitar a expressão de alguns participantes e, também, oferecer a oportunidade de atuarem sem a interferência da figura paterna representada pelo terapeuta (BECHELLI, SANTOS, 2004). Embora Freud nunca tenha trabalhado diretamente com grupos, ele trouxe contribuições específicas à psicologia dos grupos humanos. Freud postulou a sua crença de que a psicologia individual e de grupo são indissociáveis e complementares (ZIMERMAN, 1998). Como pioneiros no movimento das psicoterapias de grupo destacam-se também J. Moreno, médico romeno que em 1930 introduziu as técnicas psicodramáticas; K. Lewin, que alguns anos mais tarde, fundou o Centro de Pesquisa para Dinâmicas de Grupo, na Universidade de Michigan, desenvolvendo estudos experimentais sobre o relacionamento humano, tornando-se um dos responsáveis pelo desenvolvimento desta área (BECHELLI, SANTOS, 2004); S.H.Foulkes, psicanalista britânico que, a partir de 1948 introduziu conceitos psicanalíticos à dinâmica de grupo; Pichon Rivière, psicanalista argentino que aprofundou o entendimento do campo grupal com algumas concepções originais e é o criador da teoria e prática dos grupos operativos; W. R. Bion, psicanalista britânico, que trouxe decisivas contribuições à dinâmica de grupo, como é o caso da sua concepção sobre os pressupostos básicos de dependência, luta e fuga e o de acasalamento (ZIMERMAN, 1998). No Brasil, a psicoterapia de grupo de orientação psicanalítica, incentivada pelo modelo argentino, teve inicio na década de 50, e atingiu seu ápice na década de 60, sendo que atualmente, há uma série de grupoterapeutas trabalhando em diversas áreas. O Que é Grupo? Reunir-se em grupos é uma característica essencial dos seres humanos que nascem, crescem e morrem inseridos em grupos sociais. No decorrer de todo o processo de civilização, os homens organizam-se socialmente nas mais variadas atividades. Ao longo do ciclo vital, é em grupo que atravessam experiências de alegria e tristeza, saúde e doença, sucesso e fracasso. As sociedades humanas dependem do funcionamento eficiente dos grupos para proporcionar o bem-estar psíquico, espiritual, social e material www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 125 aos seus membros. Em grupo se desenvolvem as habilidades interpessoais, o desempenho de papéis designados pela cultura, a participação nos processos coletivos e as soluções para os problemas (BECHELLI, SANTOS, 2005). Ou seja, o ser humano é gregário pornatureza . A importância do conhecimento da psicologia de grupo decorre justamente do fato de que todo o individuo passa a maior parte de sua vida interagindo em grupo. O primeiro grupo natural é a família, onde o bebê convive com os pais, avós, irmãos, babás, etc., passando por creches, escolas e inúmeros grupos de formação espontânea. Tais agrupamentos vão se ampliando na vida adulta, com a constituição de novas famílias e outros grupos (esportivos, sociais, etc.) (ZIMERMAN, 1998). De acordo com Zimerman (1998) os grupos se subdividem em: grandes grupos e pequenos grupos . No entanto, os pequenos grupos, como os grupos terapêuticos, tendem a reproduzir as características políticas, sócio-econômicas e a dinâmica psicológica dos grandes grupos. As características de um grupo, seja ele psicoterápico ou operativo, são: • Não ser um mero somatório de indivíduos; • Reunir todos os integrantes em torno de uma tarefa e objetivo comum; • Ter o tamanho que não exceda o limite que possa colocar em risco a preservação da comunicação; • Haver um enquadre (setting) e o cumprimento das combinações nele feitas; • Ter uma permanente interação e mútua dependência entre cada indivíduo separadamente e o grupo como um todo; • Apesar de se constituir como uma nova entidade com identidade grupal própria e genuína, é importante que fiquem preservadas as identidades de cada um dos componentes do grupo; • Apresentar uma hierarquia, com distribuição de posições e papéis; • Existir interação afetiva; www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 126 • Formar um campo grupal dinâmico, onde gravitam fantasias, ansiedades, mecanismos de defesa, além de outros fenômenos. Classificação dos Grupos O que diferencia os grupos é a finalidade para a qual eles foram criados. Eles podem ser subdivididos em grupos operativos e psicoterápicos ou terapêuticos . Neste tópico trataremos apenas dos grupos psicoterápicos, sendo o grupo operativo tratado posteriormente. Grupos Psicoterápicos Os grupos psicoterápicos podem seguir diferentes orientações teóricas no que se refere à dinâmica de grupo e podem ser divididos em quatro correntes (ZIMERMAN, 1998): Psicodramática: seus elementos básicos são o cenário, o protagonista, o diretor, o ego auxiliar, o público, e a cena a ser representada. As principais cenas da vida de cada um e de todos são representadas por meio de dramatizações e a psicoterapia consiste em ressignificá-las durante a dramatização. Sistêmica: parte do princípio de que os grupos funcionam como um sistema onde há uma constante interação, complementação e suplementação dos papéis que lhes foram atribuídos e que cada um dos componentes se vê impelido a desempenhar. A melhor utilização prática deste tipo de psicoterapia é a terapia familiar e de casal. Cognitivo-comportamental: preconiza três objetivos principais, uma reeducação das concepções errôneas do paciente, um treinamento de habilidades comportamentais e uma modificação no estilo de viver. Psicanalítica: tem como respaldo toda a obra de Freud e seus seguidores, baseando-se em três princípios, resistência, transferência e interpretação. Fundamentos da Técnica de Grupos Psicoterápicos Em geral, para o funcionamento da psicoterapia de grupo, são imprescindíveis alguns princípios gerais. Traremos a partir de agora estes princípios, utilizados particularmente na psicoterapia de orientação analítica. www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 127 Planejamento O primeiro passo é traçar o planejamento quanto ao objetivo do grupo, como fará a seleção e composição do grupo, com suas indicações e contra-indicações. É fundamental que o coordenador do grupo tenha claro o que pretende com o grupo e como vai operacionaliza para chegar ao seu objetivo. Seleção Os terapeutas de grupo não concordam quanto aos critérios de seleção para a composição de um grupo. Alguns aceitam que qualquer pessoa pode compor um grupo, desde que esteja interessado. Outros, adotam um posicionamento mais rígido, baseados nos seguintes argumentos (ZIMERMAN, 1998). Segundo eles, uma motivação frágil de um indivíduo pode levar a um abandono prematuro do grupo. Este tipo de abandono causa um mal-estar no grupo, causando sentimento de fracasso. Em conseqüência, o grupo fica sobrecarregado por sentimentos de culpa e com um estado de indignação por sentir desrespeitado; Um outro prejuízo possível é o da composição de um inadequado grupamento. Além disso, pode acontecer um estado de permanente desconforto contratransferencial. Mas, como afirmam Bachelli e Santos (2005) “para participar da terapia de grupo, assim como de outras modalidades de psicoterapia, é necessário que os pacientes tenham alguma disciplina e aceitem as regras propostas. Concomitantemente, uma condição imprescindível é que sintam motivação, e que a psicoterapia de grupo seja uma das atividades consideradas prioritárias na sua vida. Essa condição reflete o desejo de se envolver no processo terapêutico e exerce importante papel no resultado a ser obtido”. Enquadre O enquadre é a soma de todos os procedimentos que organizam, normatizam e possibilitam o funcionamento do grupo. Assim, ele resulta de uma conjunção de regras, atitudes e combinações. Os principais elementos a serem considerados na configuração de um enquadre grupal são (ZIMERMAN, 1998): www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 128 • Grupo homogêneo ou heterogêneo; • Grupo fechado (ninguém entra após seu fechamento) ou grupo aberto (sempre que houver vaga poderá ter um novo componente); • Duração limitada com tempo previsto para o termino do grupo ou permanência dos participantes; • Número de participantes; • Número de reuniões semanais ou quinzenais, tempo de duração de cada sessão, etc. O Participante do Grupo O participante do grupo inicia a terapia com sua bagagem familiar e social, seu sistema de crenças, valores, atitudes e distorções que ocasionaram as dificuldades ou comportamentos inapropriados (BECHELLI, SANTOS, 2005). É compreensível que, nas primeiras sessões, os pacientes não compreendam como a terapia irá promover mudanças. Acreditam que essa tarefa seja da responsabilidade do terapeuta que irá descobrir as causas dos sintomas ou encontrar as soluções para suas dificuldades ou problemas, imaginando que os outros membros do grupo tenham papel secundário (BECHELLI, SANTOS, 2005). Além disso, não têm noção de como devam atuar. Mostram-se hesitantes e, de maneira típica, mantêm o olhar fixo no terapeuta, como se esperassem um indício ou orientação de como proceder (BECHELLI, SANTOS, 2005). De acordo com Bechelli e Santos (2005) muitos indivíduos fantasiam o terapeuta como uma figura onipotente e onisciente que irá proporcionar toda ajuda, apoio, cuidado físico e emocional, de forma ilimitada, segura e constante. Transferem, assim, para outrem suas responsabilidades e dificuldades, e procuram as soluções no terapeuta ao invés de examinarem sua própria pessoa. Esta atitude ocorre particularmente nos pacientes que não tiveram experiência prévia de psicoterapia e tendem a ver seus problemas como decorrentes do ambiente. Gradualmente, no curso da terapia, passam a entender que são eles próprios que irão www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 129 assumir papel ativo na sua própriapsicoterapia, explorando, analisando, compreendendo e tentando novas soluções para os problemas (BECHELLI, SANTOS, 2005). Uma tarefa importante dos pacientes em uma primeira fase da psicoterapia de grupo é desenvolver confiança tanto em si próprios quanto nos colegas. Nessa etapa podem encontrar-se desencorajados, dependentes e emocionalmente instáveis, ou se considerarem inadequados, sem valor e indignos de merecerem atenção (BECHELLI, SANTOS, 2005). Alguns analisam cuidadosamente os riscos a que estão sujeitos com a auto- exposição, para não se sentirem melindrados ou agredidos como no passado. Se as condições são seguras, se encontra coerência nas idéias e nos comportamentos, consideração, respeito, sinceridade e empatia da parte dos integrantes do grupo, passam, de forma progressiva, a revelar suas intimidades e seus sentimentos positivos, negativos ou ambivalentes. Sentindo-se mais confiantes, automaticamente aumentam a auto-estima e participam também das interações, de forma menos dependente dos outros quanto aos valores e padrões, com mais abertura e flexibilidade para vivenciar as diversas situações que se deparam, apresentando e manifestando suas características pessoais. As condições acima descritas são componentes básicos do processo psicoterápico (BECHELLI, SANTOS, 2005). Segundo estes mesmos autores, ao iniciar a psicoterapia de grupo, o paciente confronta-se não só com situações de sua vida real, mas também com as dos outros membros. Dependendo da composição, o grupo pode ter um participante que tenha um significado especial ou particular para outro membro, que lhe traga recordações de experiências passadas ou de situações atuais ou que evoque seus conflitos. Nesse caso, o paciente pode passar a assumir certos riscos que normalmente evitaria: tentar novos comportamentos, compartilhar experiências, vivenciar sentimentos que normalmente procura manter à distância. Os pacientes descobrem na terapia de grupo a possibilidade de lançar mão do relacionamento para desenvolvimento pessoal, crescimento e mudança. Pode-se aqui incluir a criatividade e a inovação que envolvem a condição de estar aberto à experiência e ao novo, sem receio do desconhecido, mantendo uma atitude de espontaneidade, www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 130 expressividade e flexibilidade, além da capacidade de elaborar e integrar o oposto (BECHELLI, SANTOS, 2005). Quanto à flexibilidade, convém destacar a condição de aceitar conflitos e tensões que resultam de polaridade, tolerar inconsistências e contradições sem fragmentar ou enfraquecer a coesão do ego. Todas as formas de criatividade se desenvolvem por um desencadeamento de atividades, combinando e reestruturando experiências do passado em novos padrões que venham a satisfazer a pessoa. Em relação ao crescimento e interação interpessoal, o indivíduo tem a possibilidade de se tornar mais espontâneo e natural, amistoso, objetivo e realista, mostrando-se menos dependente das pessoas (BECHELLI, SANTOS, 2005). Grupos Operativos Pichon-Rivière, nascido na Suíça em 1907, viveu na Argentina, onde produziu sua obra, e é o psicanalista que introduziu a dinâmica de grupos operativos, na década de 40. Era adepto do referencial kleiniano, porém demonstrava grande interesse pela psicologia social. Além disso, teve como embasamento as contribuições teóricas de Kurt Lewin. Para Pichon-Rivière o indivíduo é considerado um pólo vincular, já com lugar para outro. Para Pichon-Rivière o grupo operativo é constituído de pessoas reunidas com um objetivo comum, chamado de "grupo centrado na tarefa que tem por finalidade aprender a pensar em termos de resolução das dificuldades criadas e manifestadas no campo grupal". O autor desenvolve toda uma teoria em que explicita sua forma de pensar no sujeito, na sua "relação objeto" e no grupo , tendo como base a estrutura vincular modelando a sua intervenção em grupo, atribuindo à técnica um caráter dinâmico e interdisciplinar, empregado na educação (grupos de ensino) e na terapia (grupoterapia). Dentre os fatores descritos por este autor, podemos destacar dois: a formação de papéis (como bode expiatório, porta-voz, sabotador, e a emergência de diferentes tipos de líderes) e a noção dos três “Ds” , o depositante, o depositado e o depositário das ansiedades básicas que surgem no campo grupal (ZIMERMAN, 1998). www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 131 Os grupos operativos visam operar em uma determinada tarefa, sem que haja finalidade psicoterápica. Princípios Teóricos de Pichon-Rivière A psicologia social de Pichon-Rivière está voltada ao estudo do homem como um ser social, que se relaciona com o outro em grupo. Visualiza o homem com necessidades que são internas que mobilizam ações diante do mundo externo, dando-se um interjogo dialético entre mundo interno/externo. Algumas de suas idéias são: • Para fazer um diagnóstico, como pano de fundo situacional há sempre uma instituição familiar doente, do qual o paciente é a figura emergente, o porta-voz da enfermidade familiar; • Na situação grupal, o paciente tem um papel; • O paciente é o depositário das ansiedades e tensões do grupo familiar; • O paciente é o membro dinamicamente mais forte, pois tem uma estrutura que lhe permite encarregar-se da doença grupal, preservando o grupo da destruição; • Certa economia sociodinâmica é mantida pelo grupo, enquanto o papel é assumido pelo paciente; • Podem surgir mecanismos segregatórios como desejo de extirpar a doença grupal (FERNANDES, SVARTMAN, FERNANDE, 2003). Para ele, o conhecimento é terapêutico. Se alguém ensina outro aprende. O mundo interno é definido como um sistema em que interatuam relações e objetos, sempre em mútua realimentação enquanto se mantém a interação com o meio (FERNANDES, SVARTMAN, FERNANDE, 2003). Para compreensão da técnica elaborada por Pichon-Rivière, denominada grupo operativo, faz-se necessário comentar sobre o ECRO – esquema conceitual, referencial e operativo, definido "como um conjunto organizado de conceitos gerais, teóricos, referentes a um setor real, a um determinado universo de discurso, que permite uma www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 132 aproximação instrumental do objeto particular (conceito)". Por meio do ECRO há a apreensão da realidade que se propõe estudar (ZIMERMAN, 1998). Os níveis articulares no grupo relacionados à inserção da pessoa são: verticalidade referente à vida pessoal de cada membro e horizontalidade que é a história grupal, compartilhada entre os integrantes, que surge com base na existência do grupo até o momento presente. Estes níveis representam as histórias do indivíduo e do grupo que se fundem, conjugando o papel a ser desempenhado. Nos grupos operativos, como em outros grupos, existem dois níveis de atividade mental: um racional , lógico e relacionado realisticamente com a tarefa, e outro carregado de emoções e conectado magicamente com as fantasias inconscientes presentes no grupo. É essencial fazer algo para conseguir que esse nível básico – processo primário – atue a favor do nível mais elaborado – processo secundário – assegurando o cumprimento da tarefa grupal. Há dois aspectos da tarefa: uma tarefa externa , que é o trabalho produtivo cuja realização constitui a razão de ser do grupo, e uma tarefa interna , que consiste na totalidade das operações que os membros do grupo devem realizar juntos para montar, manter e desenvolver ogrupo como equipe de trabalho. A tarefa externa é a organizadora do processo grupal. A tarefa interna exige que os membros façam uma permanente indagação das operações que se realizam internamente no grupo, em relação à tarefa externa (FERNANDES, SVARTMAN, FERNANDE, 2003). O Trabalho com Grupos Operativos O grupo operativo deve configurar um ECRO, de caráter dialético, em que as contradições referentes ao campo de trabalho devem ser resolvidas como tarefa e durante o transcorrer do grupo. De acordo com Fernandes, Svartman e Fernandes (2003) nesse tipo de grupo ocorre uma atividade centrada na mobilização de estruturas estereotipadas, nas dificuldades de aprendizagem e de comunicação, por ansiedades despertadas pela mudança. A tarefa grupal prioritária será a construção de um ECRO grupal comum para poder estabelecer uma comunicação com afinidades entre os esquemas referenciais do emissor e do receptor. Tal elaboração implica um processo de aprendizagem. www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 133 No grupo operativo coincidem o esclarecimento, a comunicação, a aprendizagem, e a resolução da tarefa. Cada integrante tem um esquema de referência, mas com um trabalho grupal configura-se um ECRO grupal. Normalmente, o grupo passa de estereotipado para uma estrutura com maior mobilidade de papéis, sendo importante o tipo de líder (autocrático, democrático, laissez-faire ou demagógico) (FERNANDES, SVARTMAN, FERNANDE, 2003). Quanto ao uso dos grupos operativos, Fernandes, Svartman e Fernandes (2003) referem que há grupos no ensino de forma geral, grupos para professores que querem aplicar o método, grupos para empresas, instituições, hospitais e comunidades terapêuticas. A situação grupal de enfermidade é o emergente, sendo o porta-voz o veículo por meio do qual esse emergente manifesta-se. Segundo Fernandes, Svartman e Fernandes (2003) há dois momentos importantes: 1. momento de pré-tarefa com mecanismos de dissociação entre o bom e o mau e diferentes defesas para não entrar na tarefa; 2. momento de tarefa com a elaboração das ansiedades e a emergência da posição depressiva, com rompimento de estereotipias e aproximação do objeto de conhecimento. Ao se elaborar uma estratégia operativa, vai emergindo na tarefa um planejamento para o futuro, o projeto . Fernandes, Svartman e Fernandes (2003) apontam um interessante estudo de Pichon-Rivière capaz de permitir que se observe graficamente a dinâmica entre o explicito e o implícito do grupo. São os vetores do cone invertido, que facilitam uma avaliação dos processos de interação grupal . www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 134 Figura Adaptada de Fernandes, Svartman e Fernandes (2003, p. 199) Os vetores do cone invertido são os seguintes: • Afiliação e pertença: o grau de identificação dos membros com a tarefa. A afiliação é o nível mais superficial de identificação e a pertença o mais profundo, quando os participantes sentem que fazem parte do grupo. • Cooperação: capacidade de ajuda mútua e com relação ao coordenador do grupo. Os papéis circulam dentro do grupo, o que é fundamental para que ocorra a cooperação. • Pertinência: capacidade de concentração na tarefa, nos objetivos, e articulação entre as tarefas explícita e implícita. • Comunicação: pode-se ver as diferentes formas de vinculação entre as pessoas, bode-expiatório, líder, ordem, caos, subgrupos, não-comunicação, etc. Há também as comunicações do tipo um para todos – apenas um fala e os outros escutam – todos para um – somente um não fala – parcerias excludentes – todos tem espaço para falar. • Aprendizagem: depende da adaptação ativa à realidade. É a capacidade do grupo e de cada participante de se adaptar, de inovar e de desenvolver condutas alternativas diante dos obstáculos. • Tele: termo criado por Moreno para se referir ao sentimento para interatuar com alguns membros mais do que com outros, de atração ou rejeição. Há uma relação Explícito Implícito www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 135 entre esse conceito, da corrente psicodramática, com o conceito de transferência, da psicanálise. A principal questão diante dos grupos operativos é saber se o mesmo é um grupo terapêutico. Para Pichon-Rivière, o grupo operativo é um instrumento de trabalho e também um método de investigação, mas cumpre com uma função terapêutica (FERNANDES, SVARTMAN, FERNANDE, 2003). O grupo operativo não é um termo utilizado para se referir a uma técnica específica de coordenação de grupos, nem a um tipo determinado de grupo. Em função de seu objetivo, poderia ser grupo terapêutico, grupo de aprendizagem ou grupo de discussão (FERNANDES, SVARTMAN, FERNANDE, 2003). A expressão grupo operativo refere-se a uma forma de pensar e de operar em grupos, que pode ser aplicada a coordenação de numerosos tipos de grupos. 8. Repertório básico para intervenção: avaliação do nível funcional e necessidades psicossociais do doente; o sistema psiconeuroendocr inológico; adesão ao tratamento; teorias e manejos do estresse; teorias e manejo da dor; estilos de enfrentamento; o impacto da doença e da hospitaliza ção sobre o doente e a família. Avaliação do nível funcional e necessidades psicoss ociais do doente De acordo com Pinheiro (2010) o processo de avaliação funcional tem conhecido uma importância crescente. A identificação dos instrumentos de avaliação mais adequados e das variáveis funcionais a considerar neste processo revela-se essencial na determinação do potencial funcional permitindo a instituição de medidas de intervenção dirigidas que contribuam para uma melhoria da sua qualidade de vida. A “avaliação” pode ser definida como uma proposta de valorização ou de apreciação de valores, mas também como uma forma de conhecimento elaborado, seja de um momento atual, seja de uma evolução entre momentos distintos, eventualmente com capacidade de reconhecer um determinado potencial / prognóstico (Pinheiro, 2010) www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 136 A “função” é entendida como uma forma de desempenho, como uma atividade de relação, podendo envolver não só a dimensão biológica (uma atividade ou desempenho de um orgão, aparelho ou sistema para manter “algo vivo”), mas traduzir também uma dinâmica de intervenção. (Pinheiro, 2010) Desta forma, podemos compreender a “avaliação funcional” como um processo de conhecimento das atividades biológicas e de relação do indivíduo, uma medida dos desempenhos individuais necessários para a vivência dos papéis biológicos e sociais. É um processo dinâmico que evolui no tempo e que acompanha os avanços da ciência médica e uma cada vez maior consciencialização social (progressiva transferência de interesses, nomeadamente do médico para o doente, da doença para as suas conseqüências e da instituição para o meio envolvente). Esta evolução transfere as preocupações relativas à sobrevivência imediata para as conseqüências da doença crônica, valorizando o conceito de “qualidade de vida”, nas suas variáveis operativas (estado de saúde, capacidade funcional e participação social). (Pinheiro, 2010) Materializando a noção de conceitos no âmbito funcional, sugerimos três importantes referências temporais: a) Em 1965, Saad Nagi sugere a incapacidade como uma proposta relacional. Fundamentaesta condição num modelo conceptual delineado pelo seguinte padrão: patologia → deficiência → limitação funcional → incapacidade. Segundo este modelo a patologia conduz à deficiência, ou seja, à perda anatômica ou anormalidade fisiológica (orgão - estrutura). Esta, por sua vez, traduz-se numa limitação funcional, numa redução da função global do indivíduo, condicionando uma incapacidade ou limitação no desempenho de atividades (simples - instrumentais). (Pinheiro, 2010) b) Em 1980, a OMS formula o modelo ICIDH1 (International Classification for Impairment, Disability and Handicap) e perspectiva os limites das conseqüências da doença crônica. Considera não só os aspectos referentes à etiologia, fisiopatologia e sinais e sintomas da doença, mas também a deficiência, a incapacidade e a desvantagem que ela pode condicionar. Esta nova perspectiva pretende determinar e compreender os fatores que podem originar desvantagem, no sentido de objetivar as condutas www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 137 (nomeadamente de reeducação e readaptação) que permitam reduzi-la / controlá-la. (Pinheiro, 2010) c) Em 1997-99 surge o modelo ICIDH2 que reformula as conseqüências da doença nos conceitos deficiência, atividade e participação. Desta forma, o modelo valoriza as capacidades restantes e potencia a noção da função e da participação. (Pinheiro, 2010) Segundo Pinheiro (2010) falar de avaliação funcional não significa apenas falar de deficiência, mas de avaliação de desempenhos, de atividades quotidianas, de capacidades e de participação no meio. O processo de avaliação funcional apresenta-se deste modo como o processo métrico da função, quer da função na sua globalidade, quer das suas diferentes variáveis. Neste sentido, de acordo com Pinheiro (2010) os instrumentos empregues deverão respeitar as normas de utilização devem ser: • Normalizados, definindo-se previamente as condições e procedimentos de aplicação; • Reprodutíveis, e assim capazes de manter uma constância e consistência na informação independentemente do tempo, local ou pessoa que realiza a avaliação; • Representativos, medindo de facto a condição em avaliação; • Válidos, e portanto adequados, significativos e úteis para avaliar essa condição; • Sensíveis, permitindo a discriminação específica; • Exequíveis, ou seja, possíveis de aplicar com metodologias claras e concisas. Este processo métrico pode revelar-se mais objetivo ou subjetivo, mais quantitativo ou qualitativo, relativamente aos instrumentos que utiliza. De uma forma geral, os instrumentos métricos utilizados na avaliação funcional podem ser globais e generalistas (Medida de Independência Funcional, índice de Barthel, escala de Lawton e PULSES) ou analíticos e específicos, seja de um segmento (por www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 138 exemplo, “knee pain scale”), seja de uma patologia (por exemplo, índice algo-funcional de Lequesne para a osteoartrose). A avaliação da capacidade funcional dos idosos a equipe multidisciplinar uma visão mais precisa quanto à severidade da doença e o impacto da comorbidade. Assim, entende-se como avaliação funcional, a designação dada para uma função específica, a capacidade de se autocuidar e atender as necessidades básicas diárias, ou seja, as "atividades da vida diária” (AVD). Entre as clássicas AVD propostas inicialmente por Sidney Katz incluem-se a capacidade para alimentar-se, transferir-se, vestir-se, banhar- se, ter continência e usar o banheiro, denominadas pelo autor e colaboradores como atividades básicas da vida diária (PASCHOAL, 1996). Outras atividades como preparar as refeições, lavar roupa, cuidar da casa, fazer compras, usar o telefone, usar o transporte, controlar o dinheiro e os medicamentos, são as "atividades instrumentais da vida diária" - AIVD, propostas por Lawton e Brody (PASCHOAL, 1996; PAULA et al., 1998). A independência na realização das AVD é de grande importância na vida das pessoas, pois envolve questões de natureza emocional, física e social. Independentemente da faixa etária, a dependência pode alterar a dinâmica familiar, os papéis desenvolvidos pelos seus membros, interferindo nas relações e no bem estar da pessoa dependente e dos seus familiares. A Escala de Atividade Física e Instrumental de Vida Diária, pode ser utilizada em idosos que vivem na comunidade e em instituição, e ainda que freqüentam grupos de convivência, procuram ambulatórios e postos de saúde, por si só. É de fácil uso e se destina a medir a autonomia nas atividades de vida diária (AVD) no aspecto físico e instrumental. Sua aplicação pode ser feita tanto quantitativa quanto qualitativamente, e poderá detectar ou prever instalações de deficiência que favoreçam a intervenção preventiva ou retardamento das incapacidades (Cardoso; Gonçalves, 1996 apud Pacheco e Santos, 2004). Quadro I - Escala para avaliação das incapacidades nas AIVDs, desenvolvida por Lawton e Brody(3) e adaptada ao contexto brasileiro. www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 139 O Sistema psiconeuroendocrinológico O fato de que nas populações de pacientes psiquiátricos, independente do diagnóstico específico, as disfunções tireoidianas são mais comuns do que na população em geral associado às alterações encontradas no eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (HPA) no estresse e depressão, e a importância dos hormônios sexuais para o estado psíquico dos indivíduos, fez com que se originasse um novo campo de estudo denominado de psiconeuroendocrinologia. (Guaer et al, 2003) O sistema nervoso central (SNC) tem papel fundamental na regulação do sistema endócrino. Da mesma forma, o cérebro é alvo de diversos hormônios que podem alterar o humor e o comportamento. Estudos que integram áreas como psiquiatria, neurologia e www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 140 endocrinologia, tem contribuído para melhorar o manejo e o entendimento da patogênese dos transtornos psiquiátricos, devido a importante relação entre o comportamento e o sistema neurossecretor. O SNC controla a secreção hormonal através do hipotálamo. Os hormônios, por sua vez, atuam em vários tecidos e células, incluindo o cérebro, para promover respostas adequadas às mudanças do ambiente. Os exemplos mais evidentes incluem: • Reação ao estresse, mediada principalmente pela adrenalina e pelos glicocorticóides; • Comportamento sexual, que varia durante o ciclo, influenciado pelas gonadotrofinas; • Apetite ligado ao metabolismo energético, sendo influenciado por hormônios tireóideos e esteróides da adrenal. (Guaer et al, 2003) Psiconeuroendocrinologia dos distúrbios depressivos Segundo Carvalho e Sougey (1994) os pacientes com depressão apresentam sinais e sintomas que refletem alterações em vários sistemas biológicos como o sono, apetite, atividade motora e atividade sexual. Pacientes com certas endocrinopatias, como o hipotiroidismo, cursam com síndromes depressivas. Estima-se que cerca de 76% dos pacientes com hipotiroidismo apresentam sintomas de depressão (Droba e col., 1989 apud Carvalho e Sougey, 1994). Dessa forma, clínicos e pesquisadores já há muito tempo consideram a possibilidade de haver uma associação entre o sistema endócrino e os distúrbios afetivos. Com o desenvolvimento de vários testes sensíveis para análise bioquímica dos hormônios e de peptídeos hipotalâmicos,a psiconeuroendocrinologia se estabeleceu como uma importante área de pesquisas dos distúrbios afetivos. De acordo com Carvalho e Sougey (1994) os resultados dos estudos são ainda muito contraditórios. Alterações relacionadas com os distúrbios depressivos têm sido encontradas nos seguintes sistemas: • Eixo hipotálamo-hipófise-adrenal; • Eixo hipotálamo-hipófise-tiróide; • Eixo hipotálamo-hormônio do crescimento; www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 141 • Eixo hipotálamo-hipófise-prolactina; • Glândula pineal (melatonina). Por muito tempo o estudo do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal teve uma atenção especial movido, principalmente, pelo interesse e entusiasmo com a possibilidade do teste de supressão do cortisol pela dexametasona (DST) servir como um marcador biológico da depressão. Atualmente estes estudos têm maior interesse na pesquisa da disfunção do eixo do que como marcador biológico da depressão (Moreno e col., 1990 apud Carvalho e Sougey, 1994). Mais recentemente o estudo do eixo hipotálamo-hipófise-tiróide tem recebido destaque. Só nos últimos quinze anos, cerca de mil pacientes foram estudados em aproximamente 50 diferentes pesquisas sobre esse tema (Schildkraut e col., 1989 apud Carvalho e Sougey, 1994). Além dos constantes relatos de alterações desse sistema em um subgrupo de pacientes com depressão, várias pesquisas nos anos oitenta demonstraram importante benefício terapêutico da associação de T3 com um antidepressivo. Alterações do eixo hipotálamo-hipófise-tiróide em pacientes com depressão Em um grupo de pacientes com depressão tem sido encontrado uma diminuição da resposta do TSH ao TRH. Estima-se que 25% a 70% dos pacientes com depressão apresentam essa característica (Loosen & Prange, 1982; Barry & Dinan, 1990 apud Carvalho e Sougey, 1994). Esse achado tem levado a especulações sobre a fisiopatologia dos distúrbios depressivos, levantando a hipótese de um possível defeito na regulação do eixo hipotálamo-hipófise-tiróide (Kirkegaard, 1981 apud Carvalho e Sougey, 1994). Como acontece com o teste da dexametasona, uma alteração na resposta do TSH após estimulação do TRH poderia permitir distinções entre subtipos nosológicos de depressão. Para Asnis e col. (1980) apud Carvalho e Sougey (1994), um teste de estimulação de TSH anormal diferencia depressões primárias das secundárias, não somente durante o episódio depressivo, mas após a sua remissão. Por outro lado, Gold e col. (1980) e Extein e col. (1980) observaram que os pacientes deprimidos bipolares www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 142 apresentam uma resposta do TSH ao TRH normal ou aumentada. (Carvalho e Sougey, 1994). De um modo geral, a maioria dos autores é unânime em reconhecer que a normalização da resposta do TSH ao TRH ocorrendo paralelamente à remissão do quadro clínico confere a este teste laboratorial um valor preditivo. Para Kirkegarrd e col. (1978), um tratamento antidepressivo pode ser interrompido quando o teste TSH/TRH se normaliza, constituindo dessa forma um índice bioquímico do efeito terapêutico dos antidepressivos. Não obstante, autores como Langer e col. (1980) se opõem à opinião de Kirkeegarrd e col. ao estimarem que a tendência do pico de TSH em resposta ao TRH prediz apenas a evolução clínica imediata. Segundo Carvalho e Sougey (1994) parece que há um mecanismo que, durante a depressão, modifica o padrão de funcionamento do hipotálamo. Esse subgrupo de pacientes com depressão merece uma especial atenção, visto que eles apresentam padrão de resposta terapêutica diferenciada, o que pode contribuir para o desenvolvimento de tratamentos mais eficazes para os distúrbios depressivos. Enfrentamento da doença O enfrentamento da doença é, freqüentemente, o ponto final de uma dura caminhada. Quando o paciente encontra-se na posição de enfrentamento, ele ainda precisa de muita ajuda, é mais fácil para o paciente fazer essa elaboração quando tem um ouvinte que aguenta escutar coisas alegres e coisas tristes, do que quando está sozinho com seus pensamentos e fantasias. Segundo Simonetti (2004) o enfrentamento é uma posição de fluidez, tanto de emoções quanto de idéias. Para o paciente, há que ser verdadeiro em relação à sua doença, e noa coerente, e a verdade muda de instante para instante: o que o paciente disse e sentia ontem pode ser diferente hoje, e não há problema nisso. A posição de enfrentamento se caracteriza pela alternância entre as posturas de luta e luto em relação a doença e as intervenções do psicólogo hospitalar devem se dar no sentido de facilitar esse movimento entre a luta e o luto. Simonetti (2004) apresenta um quadro dos comportamentos de luta e luto nas reações diante do adoecimento. www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 143 LUTA LUTO Reações diante do limite Reações diante da perda Fazer Falar Produzir Elaborar Mudar Adaptar Força Flexibilidade Garra Profundidade Disciplina Sabedoria Revolução Aceitação Ação Meditação Trabalho no real Trabalho psíquico Adaptado de Simonetti (2004, p. 124). Estes tópicos pode ser utilizados como metas terapêuticas no atendimento psicológico desses pacientes, apontando em que direção o tratamento deve ser conduzido. Exemplos de Situações Clínicas Um dos casos encontrados no hospital é o do paciente desenganado. O paciente desenganado é aquele considerado fora das possibilidades terapêuticas oferecidas pela medicina. Este é um momento de intensa angústia para o paciente, familiares e equipe médica. www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 144 No caso do psicólogo, este não deve assumir como seu esse veredicto, uma vez que a psicologia não trabalha com a cura e sim com o desejo (SIMONETTI, 2004). O que orienta o trabalho do psicólogo é o desejo de vida do paciente e não sua possibilidade de vida. Na prática da psicologia hospitalar, a fé raramente se opõe à ciência, constituindo- se em uma força de superação a ser incentivada pelo psicólogo. Quando o psicólogo é chamado para atender um paciente que se recusa a receber o tratamento médico indicado (por exemplo, transfusão) por motivos religiosos, a melhor estratégia é começar ouvindo o paciente, pois, por mais absurda que essa recusa pareça, ela comporta uma verdade significativa no universo psicológico e cultural do paciente (SIMONETTI, 2004). Ao reconhecer essa verdade, o psicólogo ajuda o paciente a resolver o impasse, seja no sentido de suportar as conseqüências médicas de sua recusa, seja no sentido de lidar com as conseqüências psicológicas, caso mude de posição e aceite o tratamento (SIMONETTI, 2004). É importante ressaltar a diferença entre psicólogos e religiosos, na cena hospitalar. Os religiosos impulsionam o paciente em direção a uma verdade transcendental – Deus – enquanto o psicólogo favorece o encontro com o paciente com uma verdade particular e individual: seus desejos diante da experiência e do adoecimento (SIMONETTI, 2004). Há também o caso do paciente que não pediu para ser atendido. Geralmente a solicitação de atendimento parte da equipe de saúde ou da família, se o paciente aceito esse oferecimento, o atendimento flui. Porém, se o paciente não aceita o atendimento, uma boa estratégia é discutir com o paciente os supostos motivos que levaram as pessoas a pensar que um atendimento psicológicoseria benéfico (SIMONETTI, 2004). A partir daí, o psicólogo tem a oportunidade de explicar o que é o atendimento psicológico, desfazendo fantasias do paciente sobre psicologia (psicólogo é para louco). Na seqüência, o psicólogo restitui ao paciente o poder de decidir sobre o atendimento, questionando seu desejo quanto ao atendimento, mantendo sempre a porta aberta, pois, como disse Lacan com a oferta se cria a demanda (MORETTO, 2001 apud SIMONETTI, 2004). www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 145 Quanto ao paciente silencioso (SIMONETTI, 2004), a estratégia básica que orienta o trabalho é falar, seja este um mutismo voluntário ou devido a uma condição física, pois “quem não fala é falado” (p.135). As condições clínicas que mais impedem o paciente de falar são o coma, fraqueza extrema, sedação, lesão na região oral, entubação e sequelas de AVC, entre outras. Nestes casos o psicólogo deve buscar formas alternativas de comunicação, tais como gestos e comunicação escrita (SIMONETTI, 2004). Segundo Simonetti (2004), considerando que o paciente não fala, mas escuta, o psicólogo apropria-se da palavra e passa a falar para o paciente, dizendo-lhe que sabe que não consegue falar, dando notícias do andamento do tratamento, falando-lhe do carinho e preocupação dos familiares e amigos, incentivando-o a continuar enfrentando a doença, lendo jornais, revistas, livros para ele. Quando o silencio é voluntário, esse mutismo deve ser tomado como sintoma e deve-se avaliá-lo em termos de saúde mental. Uma boa estratégia é aceitar a recusa do paciente, ficar pouco tempo com ele e dizer que voltará outro dia, demonstrando respeito pelo desejo do paciente e deixando a possibilidade caso ele mude de idéia (SIMONETTI, 2004). Adesão ao tratamento A adesão é definida como uma colaboração ativa entre o paciente e seu médico, num trabalho cooperativo, para alcançar sucesso terapêutico. A adesão é expressa na medida em que o comportamento do paciente correspondente à opinião, à informação ou ao cuidado médico, seguindo instruções para medicações, dietas e/ou fisioterapia (Drotar, 2000; Miller, 1997 apud Oliveira e Gomes, 2004) Podemos entender adesão como “um processo colaborativo que facilita a aceitação e a integração de determinado regime terapêutico no cotidiano das pessoas em tratamento, pressupondo sua participação nas decisões sobre o mesmo.” (BRASIL, 2008, p.14) Segundo CARACIOLO e ADÃO (2007) existem alguns fatores que influenciam na adesão ao tratamento, que podem ser: www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 146 • Relacionados à doença: a cronicidade da doença e a ausência de cura, ausência de sintomas, insegurança, segredo social, estigma, exclusão e isolamento, forte sobrecarga emocional com a presença do vírus como uma ameaça constante; • Relacionados ao tratamento: concretização da doença, consciência de finitude, necessidade de reorganização da vida, complexidade do esquema terapêutico, efeitos colaterais, duração do tratamento por tempo indeterminado, objetivo do tratamento (o tratamento visa o controle e não a cura), castigo (o paciente pode encarar o tratamento como punição), quantidade de comprimidos ingeridos; • Relacionados aos pacientes: aceitação da doença, medo, escolaridade e renda (quanto menor a renda e a escolaridade, maior a probabilidade de não-adesão), uso social de álcool, uso de drogas, nível de conhecimento, fragilização por oscilações clínicas e laboratoriais, solidão, depressão, esquecimento, falta de privacidade na hora das tomadas, auto-estima, ambigüidade em relação aos benefícios do tratamento, • Relacionados à relação paciente-equipe: qualidade do vínculo, postura do profissional, linguagem utilizada durante a consulta, confiança na equipe. • Relacionados ao serviço: tempo de duração da consulta médica, acesso ao serviço de saúde, envolvimento de toda a equipe no processo, existência de trabalhos voltados para a adesão, reuniões de equipe, medicação fracionada e rotina de assistência domiciliar bem definida, Uma definição mais ampla e abrangente assinala que adesão é um processo dinâmico e multifatorial que inclui aspectos físicos, psicológicos, sociais, culturais e comportamentais, que requer decisões compartilhadas e co-responsabilizadas entre a pessoa que vive com HIV, a equipe e a rede social. Ela deve ser entendida como um processo de negociação entre o usuário e os profissionais de saúde, no qual são reconhecidas as responsabilidades específicas de cada um, que visa a fortalecer a autonomia para o autocuidado. (BRASIL, 2007, p.11) O impacto da doença e da hospitalização Processo de Hospitalização O processo de hospitalização é sem dúvida uma situação adversa vivenciada por pessoas que são acometidas por diversas doenças. Esse processo traz diversas www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 147 mudanças para o indivíduo, a saber: quebra da rotina, submissão a uma equipe de profissionais e também a acomodações muitas vezes desconfortáveis, dor, divisão de quarto com pessoas que lhe são estranhas, falta de privacidade, entre outras (BIANCHINI; DELL´AGLIO, 2006). Quando o processo de internação se repete por várias vezes devido, por exemplo, a presença de uma doença crônica nota-se um agravamento dos fatores de risco relativos ao processo de internação, e mesmo o próprio estigma de “doente incurável” contribui para isso (BIANCHINI; DELL´AGLIO, 2006). Para Camon (2003) apud Bianchini e Delĺ Aglio (2006) o imaginário tem papel importante na forma pela qual o indivíduo vivenciará esse processo. Segundo este autor, a forma como o indivíduo percebe esse processo depende, em grande escala, de conceitos apriorísticos que o indivíduo tem sobre esse processo e sobre a doença. Assim, para entender o sofrimento do sujeito nessa situação é necessário que se compreenda fatores subjetivos relativos ao conceito que este tem sobre enfermidade, tal como a autoconfiança, esperança e motivação para vencer. Os sujeitos que passam pelo processo de internação/ hospitalização podem reagir recorrendo a mecanismos de defesa, por exemplo, negação, regressão, isolamento e isso pode influenciar negativamente sua relação com o tratamento, com seu estado clínico (BIANCHINI; DELL´AGLIO, 2006). Ocorre, contudo, que alguns pacientes reagem a essa situação demonstrando resiliência, conceito que será abordado mais adiante. Hoje há uma preocupação, também na Psicologia, em se entender o que acontece com o indivíduo em situação de hospitalização sob uma ótica global, não apenas com foco na doença e no sofrimento causado por esta situação (BIANCHINI; DELL´AGLIO, 2006). Assim, busca-se compreender a capacidade que o indivíduo possui para enfrentar situações estressantes, ou seja, que estratégias de enfrentamento os indivíduos se utilizam, se são eficientes e por que esses indivíduos apresentam essas estratégias positivas (BIANCHINI; DELL´AGLIO, 2006). Resiliência A pesquisa sobre resiliência, assim como sua defesa tem sido feita, entre outros, por estudiosos da Psicologia Positiva (BIANCHINI; DELL´AGLIO, 2006). www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 148 Este termo diz respeito a processos psicossociais que contribuem para o desenvolvimento sadio do indivíduo quando o mesmo vivencia uma situação problemática. Segundo Bianchini e Delĺ Aglio(2006) diversos autores afirmam que resiliência tem relação com “flexibilidade interna para manejar dificuldades e conseguir re- significar sua vida”. A resiliência age então, na tentativa de eliminar ou evitar fatores de risco, como é o caso de uma situação de hospitalização. Morais e Koller (2004) apud Bianchini e Dell´Aglio (2006) que a resiliência tem bases tanto constitucionais (por exemplo, determinados “tipos” de personalidade) quanto ambientais. Assim, faz-se necessário o estudo de fatores de risco (eventos negativos da vida – por exemplo, a hospitalização, a doença) e fatores de proteção (também chamados de mediadores) para uma melhor compreensão da questão da resiliência. Exemplos de fatores protetores são: auto-estima elevada, família coesas, autonomia, presença de relacionamentos saudáveis (amigos, colegas, enfim diversas redes de apoio) (BIANCHINI; DELL´AGLIO, 2006). No que diz respeito à situação de doença, Bianchini e Delĺ Aglio (2006) afirmam que a resiliência “seria a capacidade que um indivíduo tem de lidar com a doença, aceitando suas limitações, colaborando com a aderência ao tratamento, readaptando-se e sobrevivendo de forma positiva”. Bianchini e Delĺ Aglio (2006) afirmam que muitas doenças provocam alterações não só orgânicas, mas também emocionais e sociais, as quais devem ser cuidadas e o indivíduo precisa se adaptar para conviver com elas. A maneira como cada pessoa irá vivenciar o processo de doença e também processos de hospitalização vai depender de inúmeros fatores, contudo, a maneira como a pessoa já viveu outras situações negativas e também como a situação negativa atual é percebida histórica e atualmente pelo grupo. Outro aspecto importante, que pode ser determinante no processo de resiliência frente a hospitalização são as estratégias utilizadas dentro do hospital para facilitar o desencadeamento de tais processos, por exemplo, boa relação entre paciente e equipe, fornecimento de informações claras e objetivas ao paciente, humanização no atendimento (BIANCHINI; DELL´AGLIO, 2006). www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 149 Internação em UTI O sofrimento, a dor e a iminência da morte são situações que geram tensão, ansiedade e conflitos emocionais. As reações psicológicas frente a acontecimentos de alto impacto emocional, como internações de alto risco, vêm modificando as formas de pensar, agir e atuar dos psicólogos. Nas UTIs são internados pacientes graves que apresentam um prognóstico favorável para viver. São atendidos casos de pessoas que se encontram em uma situação limite (vida e morte) e necessitam de recursos técnicos e humanos especializados para sua recuperação (OLIVEIRA, 2002). Além disso, este é um setor que, por um lado, concretiza o anseio dos homens, no sentido dos avanços científicos, e por outro lado evidencia a impossibilidade de controle, remetendo à possibilidade de perdas importantes. Vida e morte estão em constante luta (SECCHIN, 2006). Ao atuar, o psicólogo fica diante da concretude de uma experiência importante que está sendo vivenciada e participa dos fatos que se transformarão em acontecimentos na vida do paciente e de seus familiares, assim como da construção dos elos da cadeia de signos da história pessoal de cada um dos envolvidos (OLIVEIRA, 2002). Em resposta a demanda apresentada destaca-se o papel preventivo do psicólogo ao atuar em UTI, fazendo parte do processo de internação, e não somente como “pronto socorro”. As ações frente a experiências traumáticas possuem fundamental relevância na prática psicológica e, intervenções preventivas em situações de crise estão além da contribuição apenas para a dinâmica intrapsíquica (DI BIAGGI, 2002). A internação em uma Unidade de Terapia Intensiva mobiliza o medo fundamental do ser humano, o medo da morte. A partir da possibilidade de óbito, os pacientes e seus familiares podem apresentar reações emocionais que vão desde a negação até a aceitação dos próprios limites. Estas reações emocionais dependem do diagnóstico e prognóstico médico, estrutura psíquica, dinâmica familiar e do contexto no qual estão inseridos. www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 150 A possibilidade da vivência humana de extremo desamparo, que é a sensação de incontrolabilidade, é atualizada quando se dá a hospitalização. A gravidade do quadro clínico, a incerteza do diagnóstico e a imprevisibilidade do futuro aliados a estrutura psíquica do paciente e seus familiares são os causadores deste sentimento (MOURA; MOHALLEM; FARIA, 1994 ). A morte é um problema real, porém não pode ser representada psiquicamente porque nunca foi vivida pelo sujeito. O homem nunca viveu a morte, mas durante a vida viveu perdas sentidas como mortes. Esse medo já experimentado é o medo da dependência para própria sobrevivência, como já foi um dia enquanto bebê. É o medo de reviver o sentimento de ter a vida colocada nas mãos de outros (MOURA; MOHALLEM; FARIA, 1994 ). Na UTI os pacientes estão isolados e despidos de seus pertences, sendo reduzidos às vozes que escutam, ao leito, à doença que possuem, os familiares estão tomados pela incerteza e pelo sentimento de perda iminente e os profissionais estão assolados por sentimentos ambivalentes de onipotência. Cuidar de alguém e aproximar- se dessa pessoa faz com que, da experiência da morte do próximo surja a consciência da própria morte, da própria finitude. Neste contexto, os objetivos da atenção do psicólogo na UTI são constituídos por uma tríade, qual seja, o paciente, sua família e a própria equipe (SEBASTIANI, 1992). O paciente, por vezes, sofre perdas violentas neste momento, tanto fisicamente quanto ao nível de sua singularidade e subjetividade. Fica frágil, desamparado e se encontra em um período difícil. Muitas vezes precisa (re)significar sua vida. Vivencia a experiência de renunciar aos seus investimentos. Ficará afastado de sua família, amigos, trabalho e lazer. Sua rotina é alterada e passará por privações (OLIVEIRA, 2002). O isolamento familiar e social ao qual este paciente é submetido é uma fonte intensa de insegurança. O paciente vê os papéis, anteriormente definidos, invertidos ou alterados (KAMIYAMA, 1972, apud SOUZA, 1988). A forma como cada paciente vai lidar com a renúncia e privação está relacionada à sua história de vida. Alguns realizam questionamentos sobre si mesmos, sua história, seu www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 151 vazio e, ao “viverem de novo” podem descobrir que são responsáveis tanto por sua história passada como pela futura (OLIVEIRA, 2002). Do paciente é esperado o silêncio. Na instituição hospitalar, parte-se do pressuposto que o paciente não tem o desejo ou mesmo o direito de saber seu prognóstico, principalmente se não for favorável. Espera-se a negação, que corresponde a própria relutância da equipe em aceitar (OLIVEIRA, 2002). Muitas vezes, a equipe acredita que as emoções interferem negativamente no tratamento. Em alguns casos pode acontecer, mas não é regra geral. Pode-se afirmar que o que há é a tentativa de fugir de um confronto com a morte. Causa menos angústia lidar com a doença de forma abstrata (OLIVEIRA, 2002). Nos momentos limite da vida, como estar entre a vida e a morte em uma UTI, construções de subjetividade podem afetar os processos de adoecimento e recuperação, levando em consideração a interação do paciente com o espaço e a assistência a saúde, a partir de sua história já construída (OLIVEIRA,2002). Para abordar os mecanismos saudáveis de enfrentamento que permitem ao paciente a permanência em uma UTI, é importante dar atenção ao sujeito biológico, dotado de inconsciente, que constitui o ser social (OLIVEIRA, 2002). É inevitável que o paciente traga consigo uma história. E esta não tem como “desaparecer”, principalmente diante da possibilidade de morte. Pois, a hospitalização tem sentidos diferentes para cada ser humano e faz emergir uma angústia que não é tratada por grandes avanços da medicina (SECCHIN, 2006). A forma como cada um dos atores envolvidos no processo de adoecimento vai agir, seja o próprio paciente, os familiares ou profissionais está relacionada com a maneira como estes têm enfrentado suas perdas e dificuldades até o momento da internação. Esta vivência remete a imagem de um útero onde a pessoa pode viver de novo. A UTI passa por um ambiente semelhante ao útero materno onde, inicialmente, o meio provê as necessidades. Mas, o “renascimento” exige que a pessoa ou bebê respire sozinho e que reviva por meio do desejo (OLIVEIRA, 2002). www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 152 Diante de tantas angústias e sentimentos permanentemente presentes, amenizar o impacto é substancialmente importante para o restabelecimento da saúde do paciente crítico e para o fortalecimento de familiares e profissionais. O cuidado psicológico está intimamente relacionado à eficiência de tratamentos biológicos e ambos devem caminhar lado a lado. O sentimento constante de medo da morte, sem a presença do enfrentamento adequado, pode levar os sujeitos ao desenvolvimento de transtornos do humor e do afeto, como a ansiedade, a angústia e a depressão (DI BIAGGI, 2002). O sentimento de desamparo, referido anteriormente, é a base para reações emocionais depressivas, sendo a motivação destruída e a capacidade de enfrentamento reduzida (DI BIAGGI, 2002). Durante o desenvolvimento do ser humano, ocorrem diversos acontecimentos percebidos como ameaçadores, configurando algumas crises vitais. Um exemplo importante é o que se está tratando neste momento, a internação hospitalar. A ocorrência de crises está relacionada ao desequilíbrio entre a dificuldade e a importância do problema e os recursos disponíveis para resolvê-los, isto é, os métodos habituais, já conhecidos pelo indivíduo, não suprem o problema (AGUIAR, 1998). Durante a crise é importante que a pessoa consiga redimensionar sua psicodinâmica interior e de relacionamento com as pessoas de seu contexto, para a resolução da mesma. Neste caso, este é um momento considerado de crescimento emocional e não apenas desencadeante de desequilíbrio (AGUIAR, 1998). Porém, em algumas situações, estas crises produzem demandas urgentes e de intervenção rápida. Neste caso, a psicoterapia breve é eficaz para um ambiente como a Unidade de Terapia Intensiva. Esta indicação pode ser afirmada diante da necessidade de alívio mais breve possível, visto que, alguns sintomas psíquicos podem levar a piora do quadro clínico (DI BIAGGI, 2002). Um exemplo importante está relacionado a ansiedade, que pode contribuir para a ativação do sistema de estresse, provocando mudanças na imunocompetência do www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 153 organismo, aumentando a suscetibilidade a infecções e levando a complicações, principalmente em pacientes cirúrgicos (ZIMMERMANN et al., 2006). Aqui é importante afirmar que o conceito estresse é derivado da psicologia experimental e da patologia experimental, compreendendo amplamente toda agressão ao organismo, seja de origem interna ou externa, que altere o equilíbrio homeostático do indivíduo. Esta agressão pode ser física, como os estímulos nociceptivos ou agentes traumáticos, e ou também se relacionar a níveis de integração sensorial e cognitiva, quando a alteração afeta a relação do homem com o seu meio (JEAMMET; REYNAUD; CONSOLI, 1982). Um tratamento de emergência tem o objetivo de alterar a psicopatologia incapacitante presente no momento, sem a necessidade de alterar as estruturas psíquicas básicas. Procura promover uma readaptação ampla, possibilitando melhora dos mecanismos de defesa e enfrentamento. É uma técnica que não reformula o indivíduo, mas o ampara do exterior para o interior (DI BIAGGI, 2002). Inicialmente, é de extrema importância que seja realizado o psicodiagnóstico do paciente e/ou familiar, composto pela avaliação psicológica e o exame psíquico. A partir do estado emocional do paciente, dos seus sintomas e da sua história é possível estabelecer um diagnóstico dinâmico, onde estejam presentes seus conflitos mais importantes, a qualidade da rigidez e a compreensão das situações que exijam adaptação (DI BIAGGI, 2002). O diagnóstico psicodinâmico leva em conta não só os conflitos focais, mas sim a dinâmica global do indivíduo: estrutura, mecanismos de defesa mais utilizados e a capacidade de enfrentamento das situações de conflito. Este diagnóstico permite ao psicólogo prever algumas reações frente aos procedimentos e situações e a provável tolerância da qual o indivíduo é capaz. Aqui cabe uma ressalva, em pacientes internados em UTI existem algumas síndromes psiquiátricas prevalentes. Como já citado, algumas delas são a depressão, a ansiedade e o delirium (ZIMMERMANN et al., 2006). www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 154 Com freqüência o paciente permanece em estado de sedação e durante a recuperação da consciência depara-se com o ambiente da UTI, que pode provocar ou exacerbar quadros semelhantes aos provocados por experiências de privação sensorial, onde predominam ilusões e alucinações, principalmente visuais (ZIMMERMANN et al., 2006). Os sintomas de delirium, depressão e ansiedade em UTI podem ser tratados por meio de intervenções psiquiátricas, e algumas medidas psicossociais podem ser realizadas, na tentativa de auxiliar as crises (ZIMMERMANN et al., 2006). O início de confusão mental em um paciente de UTI pode significar uma mudança importante em sua condição clínica, o que requer avaliação de anormalidades sistêmicas e metabólicas, toxicidade a drogas, estados de abstinência e outros fatores reversíveis, ou seja, um psicodiagnóstico deve ser muito bem realizado para que não sejam confundidos estes sintomas (ZIMMERMANN et al., 2006). Em relação aos fatores ambientais, uma série de condições podem afetar a integridade do paciente. A ausência de referências externas, a iluminação constante, a estimulação sonora, a movimentação contínua da equipe e o campo visual restrito fazem com que o paciente passe por uma experiência de privação sensorial (ZIMMERMANN et al., 2006). No caso da depressão, é preciso tratá-la energicamente. A depressão não tratada reduz a sobrevida em geral e aumenta a morbidade e mortalidade em doenças cardiovasculares, por exemplo, em períodos longos de evolução. Na UTI a depressão pode ocorrer como uma reação psicológica à doença orgânica aguda, uma manifestação de transtorno afetivo primário, um transtorno de humor associado a uma patologia orgânica específica e/ou ao tratamento da mesma ou ao somatório de sintomas depressivos com sintomas da doença orgânica (ZIMMERMANN et al., 2006). Feita esta ressalva, os objetivos terapêuticos a serem alcançados em uma Unidade de Terapia Intensiva são a facilitação da relação emocional do paciente com a sua enfermidade, visto ser necessária a permanência para o tratamento, a orientação durante o processode internação, aliviando intercorrências emocionais, a facilitação da expressão não verbal do paciente impossibilitado de verbalizar e o favorecimento da www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 155 expressão de sentimentos dos pacientes sobre o tratamento e sua vivência na UTI (DI BIAGGI, 2002). Além destes objetivos, o psicólogo ainda pode estimular a equipe a perceber suas dificuldades em lidar com determinadas situações, atuando em momentos de grande angústia, visando o fortalecimento do profissional (DI BIAGGI, 2002). Pode também acompanhar familiares de pacientes em situações críticas, como pré-óbitos, morte súbita, comas, oferecendo condições para a expressão de dúvidas, fantasias e crenças em relação a doença e a UTI, prevenindo a saúde mental de familiares que apresentem reações como desmaios, quedas de pressão, reações histéricas, surtos psicóticos, próprias da situação, frente à emoção de ver um familiar internado na UTI (DI BIAGGI, 2002). A doença e a cura são processos dialéticos inseparáveis. O atendimento àqueles que se encontram em situações de risco iminente não deve visar somente à doença e sim a busca do indivíduo como um todo para que este integre o seu pensar, agir e sentir, tornando viável o restabelecimento da saúde. Pode-se afirmar que o processo de despersonalização ao qual o paciente internado é submetido pode ser transformado pelo resgate da subjetividade deste, possibilitando efeitos no corpo e no psíquico que colaboram para a melhora do mesmo. A criança e a hospitalização Um pouco da história dos estudos sobre hospitalização infantil Entre as situações que, ao serem vivenciadas pela criança, são consideradas determinadoras de estresse encontram-se a doença e a hospitalização, que podem fazer com que a criança fique emocionalmente traumatizada em maior grau do que está fisicamente doente (RIBEIRO, ANGELO, 2005). Ao ser hospitalizada a criança encontra- se duplamente doente; além da patologia física, ela sofre de outra doença, a própria hospitalização, que se não for adequadamente tratada, deixará marcas em sua saúde mental. Na literatura acerca da hospitalização da criança distinguem-se dois períodos, cujos trabalhos apresentam ênfases diferentes (RIBEIRO, ANGELO, 2005). No primeiro, www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 156 que vai de 1950 até meados da década de 80, a ênfase dos trabalhos repousa nos efeitos maléficos à saúde física e mental da criança decorrentes da separação da família, especialmente de sua mãe, que determina sofrimento e desencadeia mudanças no seu comportamento, não só durante a hospitalização como também após a alta. As autoras trazem as fases de resposta emocional da criança em função da separação da mãe e ou hospitalização: • protesto, desesperança e negação; • os danos da privação materna que podem ocorrer durante a hospitalização, especialmente se esta for prolongada e a criança for menor que cinco anos de idade; • o risco do hospitalismo, o qual é descrito como um quadro de reações bastante complexas, apresentado por crianças hospitalizadas, inclusive com sintomas clínicos que podem agravar ou se confundir com os sintomas da própria doença que determinou a internação, dificultando o diagnóstico e o tratamento; • as reações apresentadas pelas crianças, após a alta como insônia, pesadelos, medo excessivo, seguir a mãe freqüentemente e ter dificuldade em separar-se dela, ou, contrariamente, rejeitá-la, além do aparecimento de distúrbios reativos de conduta como enurese, roer unhas, maneirismos entre outras (RIBEIRO, ANGELO, 2005). No segundo período, a partir da metade da década de 80, os trabalhos passam a discutir, principalmente, os benefícios da presença da mãe para a criança hospitalizada, tais como: redução do tempo de hospitalização e melhora do comportamento após a alta; declínio da incidência de infecção cruzada e de complicações pós-operatórias; aumento do senso de segurança por não haver mais a ansiedade da separação; maior acerácea de balanço hídrico e maior facilidade de coleta de material para exames, além de as crianças ficarem menos sozinhas, dormirem melhor e manterem mais interações sociais com menor número de adultos (RIBEIRO, ANGELO, 2005). Os estudos passam também a ressaltar os conflitos entre a mãe e a equipe e as tentativas de mediação desses conflitos. Enfocam que os conflitos surgem em função da www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 157 diferença de expectativas e de poder de decisão sobre o cuidado da criança, entre os pais e a equipe, assim como em decorrência do estresse e do sofrimento determinados pela vivência que os procedimentos causam tanto na criança e nos pais, como na própria equipe (RIBEIRO, ANGELO, 2005). Segundo Ribeiro e Angelo (2005) outra característica dessa fase é a realização de trabalhos que se preocupam em discutir, mais profundamente, diferentes fontes de estresse da criança hospitalizada, além da ansiedade da separação, tais como o medo da dor, das agulhas, e de ficar sem a mãe, e a falta de controle sobre as situações, inclusive de seu corpo. Surgem ainda alguns trabalhos que discutem aspectos da hospitalização a partir de relatos das próprias crianças, as quais expressam o sofrimento advindo da vivência dos procedimentos diagnósticos e terapêuticos, especialmente os que envolvem a utilização de agulhas, assim como de outros aspectos da hospitalização: a diferença de alimentação, as restrições para poder brincar e o próprio fato de ter que permanecer no hospital (RIBEIRO, ANGELO, 2005). O Processo de Internação infantil A criança é um ser em desenvolvimento e como tal, pode não estar preparada emocionalmente para lidar com a experiência total de uma internação; portanto, esta torna-se um evento traumático para ela e é capaz de provocar um bloqueio no seu vir-a- ser (OLIVEIRA, MATTIOLI, s.d.). Durante a internação, a criança costuma vivenciar grande insegurança, desconforto e sofrimento psíquico em função do afastamento dos pais, dos amigos, da escola, de sua casa, de seus brinquedos, pela submissão à passividade, pela restrição ao leito, pela obediência aos procedimentos e pelo perigo real de morte. Além disso, tem o seu corpo exposto a procedimentos de investigação e tratamento, perdendo sua privacidade, ocorrendo assim uma ruptura com sua identidade (PARCIANELLO, FELIN, 2008). Sendo assim, de acordo com Parcianello e Felin (2008) a criança hospitalizada tem maior risco de sofrer graves prejuízos no seu desenvolvimento. Neste sentido, evidencia-se a necessidade de que sejam minimizadas as conseqüências que a hospitalização pode causar à criança, sendo imprescindível tornar os ambientes hospitalares mais humanos, orientar e mobilizar os profissionais para prestar cuidados à www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 158 criança de maneira menos traumática, ressaltando a importância da presença da família, do psicólogo e do brincar nesse processo. Chiattone (2003, apud PARCIANELLO, FELIN, 2008) afirma que, nesta situação de hospitalização, a criança fica com sua auto-estima comprometida, se sentido culpada pelo sofrimento de seus familiares. Os problemas decorrentes da hospitalização podem ser: problemas de sono, agressão hostil, perda de apetite, perda de peso, parada do desenvolvimento e crescimento, dermatoses,manifestações psicossomáticas, incapacidade de fazer contatos e tomar iniciativas, personalidade instável, carência afetiva, sentimentos de vingança, desorientação, distúrbios do comportamento, enfraquecimento de todas as suas funções fisiológicas, estando sujeita a contrair infecções e ausência de aquisição das aprendizagens normais ou até mesmo a perda daquelas que já existiam, como exemplo: fala e controle dos esfíncteres (PARCIANELLO, FELIN, 2008). Segundo estes mesmo autores (PARCIANELLO, FELIN, 2008) a criança hospitalizada pode também encarar a desintegração de sua identidade frente às alterações corporais derivadas dos efeitos adversos dos medicamentos e/ou das mutilações sofridas em seu corpo. Por isso, a criança experimenta situações de sucessivo enfrentamento com a morte e com o luto, convivendo diretamente com a aproximação da morte em relação a si e aos demais internados (CHIATTONE, 2003; TORRES, 1999 apud PARCIANELLO, FELIN, 2008). A criança hospitalizada também sofre, por exemplo, por ser tratada como “não- pessoa”, ou seja, ser chamada de “o paciente do quarto 116”. Essa despersonalização é uma sensação de perda de identidade, ou seja, a criança tem a sensação de que ela não é ela, e pode acabar por perder o controle (PARCIANELLO, FELIN, 2008). Enfim, é esperado que a criança se comporte de maneira submissa às normas do hospital, incluindo seus horários para dormir, comer e receber visitas, além, é claro, de se disponibilizar a exames quando a equipe ordena (STRAUB, 2005 apud PARCIANELLO, FELIN, 2008). Segundo Chiattone (2003, apud PARCIANELLO, FELIN, 2008), a despersonalização ocorre desde a chegada ao hospital, onde a criança é despida, colocada dentro das roupas do hospital, dentro das normas e padrões, ou seja, camas www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 159 iguais, roupas iguais, etc. A partir deste momento, ocorrerá uma mutilação do “eu”, uma ruptura com sua identidade. Parcianello e Felin (2008) trazem, em seu texto, as conseqüências da hospitalização no desenvolvimento da criança assinaladas por John Bowlby (1995) e René Spitz (1945), mostrando os prejuízos e os riscos que a hospitalização pode causar à criança. Segundo eles, as conseqüências observadas por esses pesquisadores derivam da qualidade das interações bastantes precárias encontradas dentro do ambiente hospitalar. De acordo com Bowlby (1995, apud PARCIANELLO, FELIN, 2008), a criança hospitalizada passa por três fases: a primeira é a de revolta com a internação e os procedimentos invasivos e dolorosos; depois, entra em um estado de apatia e finalmente, com a formação de vínculos dentro do hospital, começa a substituir a reação de revolta por aceitação aos cuidados. Este também destaca que, se a separação da criança com a mãe ocorrer antes dos seis primeiros meses de vida, a criança sofrerá principalmente prejuízo em seu desenvolvimento físico e intelectual; se a separação ocorrer entre os seis meses e os cinco anos de vida, a criança terá falta de habilidade para estabelecer relações afetivas contínuas e efetivas, podendo gerar desajustamentos às regras sociais. Num outro trabalho, Bowlby (1997, apud PARCIANELLO, FELIN, 2008), ao falar da separação entre a criança e sua mãe, afirma que é possível notar a seguinte seqüência de reações, chamando-as de fase de protesto, fase de desespero e fase de desligamento: a fase de protesto é a primeira, ela poderá durar dias e será de muito choro e raiva; depois, na fase de desespero, a criança torna-se mais calma, porém, ela permanece preocupada com a ausência da mãe e tem esperança que esta volte; e, com o passar do tempo ocorre a fase de desligamento, na qual a criança parece esquecer a mãe, quando esta vai visitá-la aparenta estar desinteressada, podendo parecer que não a reconhece. Bowlby (1997, apud PARCIANELLO, FELIN, 2008) destaca que “[...] essa seqüência de respostas descrita - protesto, desespero e desligamento - é uma seqüência que, numa variante ou outra, é característica de todas as formas de luto”. Para René Spitz (1945, apud PARCIANELLO, FELIN, 2008) hospitalismo seria um conjunto de regressões ditas como graves, nas quais crianças de seis a dezoito meses, colocadas em hospitais, separadas de suas mães (se a separação durar mais de www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 160 quatro ou cinco meses), apresentaram inicialmente um período de choro, gritos e perda de peso, seguido de um estado de recusa de contato, insônia e regressão do desenvolvimento geral, com numerosos sintomas somáticos podendo levar a um estado de enfraquecimento, rigidez facial, aumento de retardo e gemidos raros. O hospitalismo pode ser confundindo com os sintomas da própria doença que determinou a hospitalização da criança, dificultando o diagnóstico e o tratamento. A maneira como a criança se comporta e se adapta diante do processo de hospitalização depende de alguns fatores, como por exemplo, a forma com que o problema de saúde está sendo tratado, a idade da criança, sendo o período de seis meses aos seis anos o mais susceptível, à freqüência da visita dos familiares e às estratégias de enfrentamento (STRAUB, 2005, apud PARCIANELLO, FELIN, 2008). A adaptação não deve ser confundida como uma aceitação passiva e submissa em relação à hospitalização, mas, sim, deve ser entendida como uma atitude equilibrada do paciente, ou seja, de resiliência, capacidade do indivíduo frente à adversidade, de aceitar as limitações, superar os obstáculos e readaptar-se de forma positiva (JEAMMET et al., 2000, apud PARCIANELLO, FELIN, 2008). Durante a hospitalização, a criança apresenta repertórios diferentes de comportamentos, indicando como ela está lidando com a internação, sendo esses comportamentos estratégias de enfrentamento, isto é, um conjunto de estratégias utilizadas pelos indivíduos para adaptarem-se a circunstâncias estressantes ou adversas (COSTA JÚNIOR, 2005, apud PARCIANELLO, FELIN, 2008). Conforme Angerami-Camon et al. (2003, apud PARCIANELLO, FELIN, 2008), a adaptação ao processo de hospitalização depende das implicações do imaginário de cada indivíduo, ou seja, a maneira como cada paciente percebe esse processo, sendo que isso irá determinar como ele se adaptará ao processo de hospitalização. Em vista disso, é necessário que o sujeito tenha autoconfiança e esperança para que assim possa conseguir diminuir o grau de prejuízo da hospitalização para si mesmo. As condições psíquicas irão determinar uma quantia bastante significativa no processo de recuperação de um indivíduo, não somente pelo seu anseio de superação da hospitalização em si, mas pelo modo como a doença e a hospitalização foram configuradas em seu imaginário. Porém, para aquelas pessoas que entendem a doença e www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 161 a hospitalização como sinal de morte, estes eventos poderão ser entendidos como um fator de risco (PARCIANELLO, FELIN, 2008). Parcianello e Felin (2008) apontam que na criança a má adaptação à doença e à hospitalização pode gerar reações psicológicas como medo, angústia, ansiedade, agressividade, irritabilidade e depressão. Já para Chiattone (2003, apud PARCIANELLO, FELIN, 2008) a adaptação ao processo de hospitalização depende se a criança que é internada sente dor. Porém, a criança que é hospitalizada sem dor, não se adapta e não aceita facilmente a hospitalização, sendo assim, sofre mais com os procedimentos, e isso ocorre devido àmá explicação do porquê ela está ali, pensando, por exemplo, que foi por causa do brinquedo que quebrou. Essa criança geralmente se culpa, e/ou culpa seus pais, e/ou a equipe pelo seu sofrimento. De acordo com Oliveira e Mattioli (s.d.), o adulto como ambiente acolhedor pode oferecer-se em holding à criança integrando dois olhares para ela: o olhar técnico (FAZER) que consiste no manejo relativo aos cuidados físicos e o olhar sensível (SER) que traz a possibilidade do próprio ser da criança. Assim, Ser e Fazer podem ser integrados no cuidado das crianças. O próprio adoecer favorece a dissociação psique-soma. Comumente o hospital cuida dos aspectos somáticos, a fim de curá-los o mais brevemente possível. Desta forma, a instituição hospitalar sustenta ao paciente uma dinâmica dissociada, concentrando-se nos aspectos físicos do caso (OLIVEIRA, MATTIOLI, s.d.). No ambiente hospitalar, a contribuição do brincar está no entendimento de utilizá- lo como espaço de investimento afetivo. Teorias e manejos do estresse O Estresse pode ser definido como um estado de tensão que causa uma ruptura no equilíbrio interno do organismo, ou seja, um estado de tensão patogênico do organismo. O desequilíbrio ocorre quando a pessoa necessita responder a alguma demanda que ultrapassa sua capacidade adaptativa (Everly, 1990 apud Lipp, 2001). A fonte de tensão pode ser externa ao próprio organismo, como uma exigência de algo ou alguém, ou interna, exemplificada como uma autodemanda, ou autocobrança (Lazarus, 1966 apud Lipp, 2001). www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 162 Fontes externas Toda mudança significativa gera uma necessidade de adaptação por parte do organismo e essa, por sua vez, exerce um papel determinante na patogênese do estresse (Homes e Rahe, 1967 apud Lipp, 2001). À medida que o ser humano passa por mudanças, ele utiliza suas reservas de energia adaptativa e, conseqüentemente, pode, em certas circunstâncias, enfraquecer sua resistência física e mental, dando origem a inúmeras doenças psicofisiológicas que podem ser interpretadas como tendo em sua gênese o estresse emocional excessivo (Toates, 1999 apud Lipp, 2001) As mudanças ocorridas na sociedade moderna são marcantes. As mudanças verificadas, no seu conjunto de aspectos positivos e negativos, levam a repercussões em muitas áreas, tais como as mudanças de hábitos, quer seja no contexto micro da organização familiar, quer seja no contexto macro das organizações empresariais. O homem vive hoje de modo muito diferente de antigamente e esses novos hábitos nem sempre representam avanços do ponto de vista da qualidade de vida. Em nosso entender a qualidade de vida só pode estar boa se ela estiver acertada nestes quadrantes: o social, o afetivo, o profissional e o referente à saúde. Estando ela excelente em um desses quadrantes, como no profissional, por exemplo, e deficitária nos outros, não se pode considerar que ela esteja aceitável (Lipp e Rocha, 1996 apud Lipp, 2001). Em uma sociedade em mutação como a nossa, imatura ainda em seu desenvolvimento, porém com um potencial imenso para realizações e progresso, há de se prever que o estresse continuará presente ou tenderá a aumentar. É de se prever também que haja um aumento cada vez maior de doenças psicofisiológicas ligadas ao estresse a não ser que medidas profiláticas de ensino de manejo e gerenciamento do estresse sejam implementadas e que o tratamento do estresse seja oferecido como parte de planos de saúde a nossa sociedade que na maioria das vezes sente os efeitos do estresse sem sequer saber identificar o que ele é (Lipp, 2001). Fontes internas Além das causas externas de estresse mencionadas acima, que são fáceis de serem reconhecidas, existem outras causas que nem sempre são discutidas (Lipp, 2000). www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 163 Referem-se aqui a expectativas irrealistas, cognições distorcidas, perfeccionismo, sonhos inalcansáveis, desejos e fantasias que passam a ser vistos como realidades que cada ser humano muitas vezes tem para si próprio e para os outros ao seu redor. Alguns estados emocionais também podem assumir a função de geradores de estados tensionais, como, por exemplo, um transtorno de ansiedade, o qual pode ser uma fonte poderosa de estresse porque o ser humano ansioso possui a tendência a ver o mundo de modo ameaçador, como se houvesse sempre um risco das coisas não darem certo. Assim, aquilo que para as outras pessoas representaria somente um desafio, para quem tem ansiedade parece uma batalha muito grande. Porque percebem os desafios como gigantescos, logicamente se estressam mais. As fontes externas e internas de estresse se somam na determinação de nível de estresse que será experimentado, porém a somatória dos estressores é mediada por dois fatores importantes, que são o repertório de estratégias de coping e sua vulnerabilidade ao estresse (Lipp, 2001). Vulnerabilidade ao estresse A tendência para se estressar se constitui em um quadro que inclui distorções cognitivas, isto é, um modo inadequado de pensar e avaliar os eventos da vida, expectativas ilógicas e exageradas, vulnerabilidades pessoais e comportamentos observáveis eliciadores de estresse. Inclui também uma hiper-reatividade fisiológica perante as demandas psicossociais, a qual pode ser gerada por uma hipersensibilidade do sistema límbico, conduzindo a produção excessiva de catecolaminas, testosterona e cortisol (LIPP, 2001). Segundo Lipp (2001) o estresse pode ser gerado por fontes externas que marcam sua presença na vida de uma pessoa e pelo seu mundo interior, cujos efeitos são mediados pelas estratégias de enfrentamento aprendidas principalmente na infância, mas que podem também ser adquiridas durante a história de vida do ser humano. Uma vez que se considere a possibilidade de que exista, de fato, uma vulnerabilidade humana ao estresse emocional, a questão surge quanto a ser ou não possível se reduzir ou eliminar essa vulnerabilidade. A resposta a essa questão necessita www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 164 considerar que as vulnerabilidades psicológicas têm em comum um veículo que as leva do estado latente no qual existem, dentro do ser humano, para o pico do estresse e para a ação prejudicada: o pensamento. Desse modo, propõe-se que seja possível, pelo menos, reduzir a predisposição ao desenvolvimento da reação do estresse emocional por meio de medidas psicológicas que se baseiam na reestruturação cognitiva e que tenham por objetivo a reformulação de pensamentos estressógenos (LIPP, 2001) Fonte: LIPP, 2001 Modelo quadrifásico do estresse Selye (1974) apud Lipp (2000) sugeriu que o organismo sempre procura uma adaptação ao evento estressor, necessitando de muita energia adaptativa, e desenvolveu o conceito trifásico do stress, que pode se manifestar tanto no físico quanto no psicológico da pessoa. Os estágios são assim definidos: Fase de alarme: é considerado o estágio inicial do stress, no qual o organismo se prepara para reagir por meio da fuga ou da luta. Conhecido também como “eustress” ou reação saudável do stress, pois o indivíduo consegue diante de um estímulo enfrentá-lo e posteriormente retornar à homeostase, ou seja, utiliza-o a seu favor. Fase de resistência: caracteriza-se pela busca de adaptação pelo organismo e os sintomas iniciais do stress desaparecem dando lugar a dois sintomas que nem sempre são identificados: sensação de desgaste generalizado semuma causa específica e dificuldade com a memória. O organismo encontra-se com maior desgaste, o que o torna propenso a piorar ou a desenvolver algum quadro sintomatológico e ao aparecimento de manifestações psicossociais, tais como medo, isolamento social, roer unhas, oscilação do www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 165 apetite, impotência sexual, dúvida quanto a si próprio, sensibilidade emotiva excessiva, entre outros (Lipp, 1984). Nesse estágio, se o estressor for eliminado, o processo de stress termina. Porém se o organismo não conseguir enfrentar adequadamente o estressor e ele permanecer, inicia-se um novo estágio denominado exaustão. Fase de exaustão: caracteriza-se pela permanência de estímulos estressantes, o que desencadeia uma falha na capacidade adaptativa do organismo, tornando-o propenso a doenças. Embora bastante grave, não é irreversível, desde que afete unicamente partes do corpo (Selye, 1956). Nesse estágio encontram-se sintomas que se assemelham aos do estágio inicial do stress (alerta), porém sua magnitude é mais intensa já que a doença provavelmente já está instalada. O corpo que se encontra em desgaste intenso pode desencadear até mesmo a morte de acordo com as doenças que podem ocorrer (Lipp, 2003). Essas doenças sofrem influência da predisposição de cada indivíduo, assim como aspectos da sua história de vida e saúde, que incluem idade, condições ambientais, dentre outros. Fase de quase-exaustão: esse estágio foi proposto por Lipp e se caracteriza por um enfraquecimento da pessoa que não está mais conseguindo resistir e se adaptar à situação. As doenças começam a aparecer, porém não tão graves quanto no estágio de exaustão. Embora a pessoa apresente um desgaste, consegue executar suas tarefas até certo ponto, o que difere da exaustão em que a pessoa não consegue na maioria das vezes trabalhar e se concentrar (Lipp, 2000). Inventário de Sintomas de Stress para Adultos de Lipp (ISSL) (LIPP, 2002) Esse instrumento foi desenvolvido para medir o nível de estresse global e não ocupacional em jovens e adultos. Foi validado em 1994 por Lipp e Guevara em populações de diferentes regiões do País e padronizado por Lipp. O ISSL emprega um modelo quadrifásico, com cada fase refletindo a intensidade do estresse: alerta, resistência, quase exaustão e exaustão. O modelo é baseado na síndrome geral de adaptação de Selye , tendo sido a fase de quase-exaustão acrescentada por Lipp. O ISSL é composto por 37 itens de natureza somática e 19 de natureza psicológica, sendo alguns repetidos, diferenciados apenas em termos de intensidade. www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 166 Esses itens são organizados em três quadros. O primeiro quadro, que avalia a fase de alerta, inclui 12 sintomas físicos e três psicológicos. O participante marca os sintomas físicos ou psicológicos que experimentou nas últimas 24 horas. O segundo quadro é composto de 10 sintomas físicos e cinco psicológicos; nesse quadro, o participante marca os sintomas que experimentou na última semana. Já a fase de quase-exaustão é diagnosticada com base em uma freqüência maior de sintomas listados no quadro 2 do inventário. Por fim, o terceiro quadro, que avalia a fase de exaustão, apresenta 12 sintomas físicos e 11 psicológicos, e o participante marca aqueles que experimentou no último mês. Teorias e manejo da dor Segundo Fortes (2006), há um grande desafio no trabalho com queixas de dor, pois estamos lidando com uma queixa que se situa na interface do somático e do psíquico, de difícil quantificação, fonte de grande mobilização pessoal, familiar e social e cuja abordagem constitui-se na obrigação primeira da atuação médica em todos os tempos: aliviar o sofrimento. De acordo com a definição apoiada pela International Association for the Study of Pain, “dor é uma experiência sensorial e emotiva desagradável associada a dano tecidual real ou potencial ou descrita em termos de dano” (Fortes, 2006, p. 405). Segundo a autora toda dor tem um componente psicogênico, e todo grau de dor relaciona-se, para além do gru de lesão existente, à representação psicológica, familiar, cultural daquele indivíduo que sofre. Desde a teoria do portão, as conexões do sistema nociceptivo com os sistemas cerebrais relacionados aos aspectos emocionais e cognitivos foram bem-caracterizadas (Melzack e Wall, 1982 apud Fortes, 2006), demostrando que a dor possui três componentes: • Sensitivo/perceptivo (discriminativo) • Motivacional/aversivo (afetivo) • Cognitivo (avaliador) www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 167 Existem muitas maneiras de se classificar a dor. Uma das classificações mais comum considera a duração da sua manifestação, podendo ser de três tipos: • Dor Aguda - manifesta-se durante um período relativamente curto, de minutos a algumas semanas. Está associada a lesões em tecidos ou órgãos, ocasionadas por inflamação, infecção, traumatismo ou outras causas. Normalmente desaparece quando a causa é corretamente diagnosticada e quando o tratamento recomendado pelo especialista é seguido corretamente pelo paciente. Exemplo: dor de dente, dor pós- operatória. • Dor Crônica - Tem duração prolongada, que pode se estender de vários meses a vários anos. Geralmente, está associada a um processo de doença crônica. A dor crônica pode também pode ser conseqüência de uma lesão já previamente tratada. Exemplos: dor ocasionada pela artrite reumatóide, dor do paciente com câncer, dor relacionada a esforços repetitivos durante o trabalho. • Dor Recorrente - Apresenta períodos de curta duração que, no entanto, se repetem com freqüência, podendo ocorrer durante toda a vida do indivíduo, mesmo sem estar associada a um processo específico. Exemplo: a enxaqueca. (Liga da dor, Fmrp) Segundo Fortes (2006) um dos principais pontos do processo diagnóstico dos quadros de dor consistem em avaliaar a situação psicossocial do paciente para esclarecimento dos aspectos emocionais envolvidos no processo de adoecer. A dor será compreendida de forma diferente por cada individuo, conforme sua idade e seu sexo, sua maturidade emocional, seu contexto cultural e suas experiências anteriores, incluindo as experiências de sua família e representações de sua cultura. Essa constelação desenha a forma como cada indivíduo representa a dor que sente, o significado que a ela atribui, como elabora a dor presente em sua vida; será influenciada por aspectos cognitivos, emocionais e pelos ganhos secundários (Fortes, 2006 pg. 407) www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 168 Locuco (1999 apud Fortes, 2006) descreve os quatro padrões mais freqüentes de convívio com a dor: • Relação caótica: a identidade do paciente se com a identidade de sofredor • Relação de dependência: o paciente encontra-se muito fragilizado pela dor. • Relação de repulsa: o paciente nega a dor e suas limitações, com recusa ao autocuidado. • Relação de integração: a dor é reconhecida, os limites são aceitos, e a identidade é preservada. O conceito de comportamento anormal de dor refere-se ao fato de que alguns pacientes começam a ampliar as restrições impostas pela dor, a aderir excessivamente a intervenções para diminuí-la (como medicação) ampliando a intensidade das queixas. (Fortes, 2006). Segundo a autora esse comportamento,que normalmente é reforçado por uma ou mais pessoas do círculo do paciente, deve ser abordado no tratamento. Idade Sexo Maturidade emocional Experiências anteriores Aprendizado familiar Cognições Coping/controle Expectativa Valorização Conhecimento Ganhos secundários Litígios trabalhistas Reações familiares Mudança de papéis sociais Padrão de comunicação Sentimentos Raiva Medo Tristeza Depressão Impulso nociceptivo Dor www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 169 O comportamento anormal da dor pode ser descrito como: • Amplificação das queixas dolorosas • Presença de alterações na marcha, expressões faciais e posturas corporais indicando grande sofrimento • Restrição excessiva de atividades físicas • Graus intensos de comprometimento de atividades laborativas e funcionais • Ganho secundário de atenção e cuidado • Resolução de situações conflitivas inter-relacionais através da posição de doente, (Fortes, 2006). De acordo com Fortes (2006) na avaliação do paciente com dor devem ser pesquisados juntos ao paciente os seguintes aspectos: 1. Quais aspectos psicossociais estão interferindo no quadro patológico principal? 2. A conduta analgésica está correta? 3. Qual a reação da equipe às queixas de dor? As clínicas de dor representam uma proposta assistencial relativamente recente. Devem-se constituir com, no mínimo, três especialidades, sendo uma delas a saúde mental (psiquiatra ou psicólogo), necessariamente. Segundo Fortes (2006) podemos caracterizar especificidades na atuação terapêutica desses profissionais: 1. Promover o diagnóstico e o tratamento das patologias mentais presentes, em co-morbidade, nesses pacientes. O manejo dos quadros depressivos, ansiosos e das somatizações permite uma melhora rápida do quadro de dor. 2. Melhorar o funcionamento de pacientes com dor crônica pela utilização de estratégias apropriadas de adaptação, diminuição da percepção da dor, melhora do desempenho e da inserção psicossocial, menor adesão ao papel de doente e melhor utilização do sistema de saúde. 3. Estruturar um esquema medicamentoso para melhora da dor. A utilização de opiácios, pelo seu risco de dependência, costuma se constituir em uma www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 170 situação conflitiva par ao paciente e para a equipe médica, freqüentemente gerando utilização inadequada desses medicamentos. O psiquiatra tem importante papel nesse aspecto, tanto de esclarecimento quanto de orientação. Além disso vários psicotrópicos apresentam ação analgésica específica, tais como antidepressivos e anticonvulsivantes. Um dos maiores desafios no tratamento de pacientes com dor é o paciente com dor crônica benigna. Segundo Fortes (2006) é importante que o paciente desenvolva formas de lidar melhor com a dor impedindo que ela domine a sua vida, sendo esse o objetivo principal da terapia que atua transformando atitudes disfuncionais, como a sensação de impotência aprendida, raivas mal-elaboradas e pessimismo (Gallagher, 199 apud Fortes 2006). Incluem nessa abordagem terapêutica: orientação sobre o ciclo da dor/tensão, e os componentes psicofisiológicas da dor, relaxamento, técnicas para redução e estresse e biofeedfack (Caudill, 1998 apud Fortes, 2006). 9. A atuação do psicólogo na interface saúde/ traba lho/ educação. A atuação do Psicólogo se alterou muito nos últimos anos no Brasil. Tendo como campo de atuação primeiro a clínica, esse profissional ganhou espaço em diferentes campos. A Psicologia da saúde, por exemplo, se desenvolveu muito nos últimos anos, ampliando suas intervenções para além do olhar clínico. Nesse sentido, o psicólogo que atua na saúde pública hoje atua na interface com questões educativas, de trabalho, por exemplo, com grupos que visam a promoção de saúde e prevenção de doenças (psicoeducativos), assim como no trabalho com outros profissionais da saúde contribuindo para um trabalho interdisciplinar. Vejamos um pouco mais de perto a atuação da Psicologia na Saúde Pública e no Programa de Saúde da Família para compreendermos melhor essa interface. Psicologia e Saúde Pública Apoiada na regulamentação de 1962, através da Lei Federal 4.119, tradicionalmente foram constituídas quatro áreas de atuação do psicólogo: a clínica, a escolar, a industrial e o magistério. A psicologia, desde a sua criação, é reconhecida www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 171 como profissão liberal - parecer 403/68 (Lei 4.119) (CAMARGO-BORGES, CARDOSO, 2005). Nas décadas seguintes, a atuação deste profissional priorizou o trabalho autônomo, clínico, individual, curativo e voltado para uma clientela financeiramente privilegiada no acesso (CAMARGO-BORGES, CARDOSO, 2005). Na reconfiguração do sistema de saúde, o psicólogo passa a integrar equipes. Entretanto, não dispunha de conhecimentos teóricos e práticos para atuação nesse âmbito, o que contribuiu para a manutenção do modelo médico hegemônico, do trabalho com enfoque no tratamento de fenômenos da esfera psíquica ou mental sem necessidade de compreendê-los a partir de suas multideterminações, ou seja, sem considerar o contexto social, econômico e político no qual o indivíduo está imerso (SPINK, 1992; SILVA, 1992; DIMENSTEIN, 1998 apud CAMARGO-BORGES, CARDOSO, 2005). A Psicologia Social da Saúde configura-se como um campo de conhecimento e prática que trata das questões psicológicas com enfoque mais social, coletivo e comunitário voltado para a saúde. Segundo Marin (1995, apud (CAMARGO-BORGES, CARDOSO, 2005), caracteriza-se pela interlocução da psicologia Social - com seus conhecimentos e técnicas – com o âmbito da saúde e destaca a interação como ponto fundamental do processo saúde-doença. A interação refere-se tanto ao homem e seu ambiente quanto aos diversos atores sociais presentes no cuidado à saúde. Spink (2003, apud CAMARGO-BORGES, CARDOSO, 2005) trata da Psicologia Social da Saúde como um campo ampliado de atuação do psicólogo nas instituições de saúde. Essa ampliação ocorreria principalmente, em relação ao referencial de trabalho utilizado e exercido, e abrangeria duas principais questões que a autora destaca como fundamentais. Primeiramente, a questão contextual da intervenção, isto é, a importância de se compreender toda a história e o contexto da instituição na qual será implementada uma ação, assim como as pessoas que compõem essa instituição. Cada organização tem sua realidade local, sua cultura de relações e as histórias específicas das pessoas que recorrem a esses serviços. www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 172 A segunda enfatiza a questão do “outro”, da alteridade. As intervenções nessa abordagem levam em conta a interface da cultura e do social no processo de construção da identidade e da inserção da pessoa na vida. É a percepção da construção dessa identidade que possibilita reconhecer a alteridade e lidar com o diverso. A alteridade é entendida como o relacionar-se com o outro, diferente de mim, mas reconhecido por mim como uma pessoa com direitos iguais aos meus e valorizada enquanto sujeito (SPINK, 2003 apud, CAMARGO-BORGES, CARDOSO, 2005). A Psicologia Social da Saúde, segundo Spink (2003, apud CAMARGO-BORGES, CARDOSO, 2005), tem como características principais a atuação centrada em uma perspectiva coletiva e o comprometimentocom os direitos sociais e com a cidadania. A atuação se dá principalmente nos serviços de atenção primária à saúde, focaliza a prevenção da doença e a promoção da saúde e incentiva os atores sociais envolvidos para a geração de propostas de transformação do ambiente em que vivem. Trata-se de um processo de transformação crítica e democrática que potencializa e fortalece a qualidade de vida. A Psicologia Social da Saúde, ao contribuir para a superação do modelo biomédico, objetiva trabalhar dentro de um modelo mais integrado, reconhece a saúde como um fenômeno multidimensional em que interagem aspectos biológicos, psicológicos e sociais e caminha para uma compreensão mais holística do processo saúde-doença- cuidado. Dessa maneira a inserção do psicólogo na ESF pode ser útil para contribuir para a transformação das práticas em saúde rumo à integralidade. Na ESF, a psicologia tem despontado através da proposição de algumas intervenções, já consagradas, no âmbito da saúde, como o trabalho com grupos e o das equipes de saúde mental. A intervenção através de grupos na ESF acontece, principalmente, com os chamados grupos programáticos para o cuidado de questões prevalentes na saúde, tais como os grupos de hipertensão e diabetes e os de gestantes. Esses grupos têm, geralmente, caráter informativo e número determinado de encontros. Já o trabalho da saúde mental, na ESF, tem sido constituído por profissionais dessa área (psicólogos e psiquiatras) que assessoram a equipe mínima através de estudo de casos, www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 173 interconsultas, supervisão continuada, orientação e capacitação no cuidado e acolhimento dos casos de saúde mental (LANCETTI, 2003 apud CAMARGO-BORGES, CARDOSO, 2005). A produção do vínculo nas relações de trabalho também é foco tanto da ESF quanto da Psicologia Social da Saúde. Na ESF, o acolhimento, peça fundamental, é uma forma de intervenção que propõe apoio contínuo à pessoa em todo o seu processo de atendimento na saúde e não somente no que diz respeito ao acesso do usuário ao serviço. Abrange o encontro do profissional com esse usuário, num processo de negociação das necessidades deste, promovendo acesso, buscando a produção do vínculo (MATSUMOTO, 1998 apud CAMARGO-BORGES, CARDOSO, 2005). A Psicologia Social da Saúde se interessa pela criação de práticas conversacionais que possam construir caminhos possíveis para que as pessoas sigam juntas mesmo na diversidade, ou seja, com vínculos entre elas. Interessa-se pela utilização de um discurso que possa ser compartilhado, para que se criem mais possibilidades de ação. Tais práticas estão dizendo que o acolhimento e o vínculo são potenciais na criação de um espaço coletivo de atuação. Assim, segundo Camargo-Borges e Cardoso (2005), a Psicologia Social da Saúde viria ao encontro desse desafio da ESF em construir um modelo de atenção à saúde pertinente à realidade local e gerador de interlocuções entre equipe de saúde e comunidade. Nesse sentido, a parceria pode ser útil para pensar discursos, na saúde, que propiciem a construção de espaços viabilizadores de acolhimento e a construção do vínculo, contribuindo para a reflexão e a problematização dessas práticas que se propõem coletivas. Tomando como referência as idéias de Guzzo (2002, apud FRANCA, VIANA, 2006), que contempla ações em educação, mas fazendo ressalva às devidas particularidades de cada área de atuação, busca-se relacionar e adaptar algumas ações à realidade do psicólogo em ESF, fazendo as devidas modificações ao considerar a demanda preventiva e educativa própria à realidade da ESF. Para finalizar, podem-se citar algumas contribuições deste profissional (FRANCA, VIANA, 2006): www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 174 • Assessoria na elaboração, implementação e avaliação permanente de ações em saúde pública junto à equipe multidisciplinar; • Assessoria na elaboração de instrumentos e procedimentos para avaliação do serviço prestado pela equipe multidisciplinar em conformidade com a proposta da ESF; • Assessoria na elaboração de programas especiais de educação em saúde, inclusive articulados com os recursos disponíveis na comunidade-alvo, assim como com seus principais representantes (associação de moradores, igrejas, organizações não governamentais, clubes, etc.); • Assessoria na elaboração de programas e atividades complementares, em áreas pertinentes à consecução do projeto em saúde, tais como: desenvolvimento emocional e relações interpessoais, orientação sexual, prevenção em relação ao uso de substâncias psicoativas, orientação vocacional e preparação para o trabalho, preparação para a aposentadoria, reorientação profissional, lazer, criatividade, etc; • Análise e proposição de alternativas de reestruturação das relações funcionais entre os membros da equipe multiprofissional, tendo em vista maior participação nas tomadas de decisão e na avaliação e monitoramento das ações e resultados; • Análise e dinamização dos espaços e eventos educativos em saúde, objetivando transpor o ritualismo das ações e arranjos ambientais e promover a exploração da criatividade; • Elaboração e condução de programas de trabalho com grupos que contemplem a prevenção e a promoção da saúde mental da comunidade, objetivando a melhoria na qualidade de vida, a promoção da resiliência psicológica, ou seja, a capacidade de retornar às condições adaptativas anteriores, mesmo depois de uma sobrecarga psíquica, a manutenção dos aspectos saudáveis, a reconstrução de aprendizagens inadequadas, evitar o agravamento de fatores emocionais que comprometam o espaço psicológico, bem como despertar na população a www.educapsico.com.br Karina de O. Lima Coordenação e Organização CRP: 84326/06 Página 175 conscientização desta enquanto agente do processo saúde/doença, fazendo-a refletir sobre suas ações e omissões e oferecendo o serviço como referência; • Elaboração e condução de programas que contemplem o acompanhamento dos usuários do serviço que se encontram com problemas mentais agudos, tornando o serviço referência nos casos de urgências psicológicas e realizando os devidos encaminhamentos sempre que necessário; • Participação no acompanhamento dos usuários do serviço que se encontram com problemas mentais crônicos, os quais são assistidos pelos serviços de média e alta complexidade do sistema de saúde; • Diagnóstico e encaminhamento de problemas de média e alta complexidade aos centros de referência; • Participação na orientação, treinamento e desenvolvimento técnico-profissional da equipe multiprofissional como também dos agentes de saúde, os quais, inclusive, precisam estar capacitados para identificarem as demandas em saúde mental pelo caráter particular que desfrutam por atuarem no cerne da comunidade e por fazerem parte desta enquanto moradores. A Estratégia Saúde da Família e Psicologia O Programa Saúde da Família (PSF) busca desenvolver ações de atenção primária à saúde, dirigidas não somente para a cura e prevenção de doenças, mas, principalmente, buscando promover a qualidade de vida e valorizar o papel dos indivíduos no cuidado com sua saúde, de sua família e de sua comunidade. Trata-se de uma proposta de atuação que visa a propiciar a integração das ações de promoção, proteção, recuperação e reabilitação da saúde constituindo-se num modelo que se opõe ao modelo assistencial, centrado na doença e no consumo de medicamentos (CARDOSO, 2002). Seus objetivos trazem, implicitamente, a noção de