Prévia do material em texto
O termo doença renal crônica (DRC) engloba um espectro de processos fisiopatológicos associados à função renal anormal e ao declínio progressivo da taxa de filtração glomerular (TFG). O risco de progressão da DRC está estreitamente relacionado à TFG e à quantidade de albuminúria. O termo desalentador doença renal em estágio terminal representa um estágio da DRC em que o acúmulo de toxinas, líquidos e eletrólitos normalmente excretados pelos rins resulta em risco de vida, a menos que as toxinas sejam removidas por terapia de substituição renal, empregando diálise ou transplante renal. • Baixo peso ao nascer para a idade gestacional • obesidade infantil • hipertensão • diabetes melito • doença autoimune • idade avançada • descendência africana • história familiar de doença renal • episódio prévio de lesão renal aguda e existência de proteinúria, sedimento urinário anormal, ou anormalidades estruturais do trato urinário. A prevalência em populações da África Ocidental parece ter emergido como adaptação evolutiva que conferia proteção contra patógenos tropicais. Como em outras doenças comuns com componente hereditário, os desencadeantes ambientais (como um patógeno viral) transformam o risco genético em doença. Nos Estados Unidos, no mínimo 6% da população adulta tenha DRC em estágios 1 e 2. As mesmas estimativas sugeriram que outros 4,5% da população norte- americana tenha DRC nos estágios 3 e 4. A DRC é um problema mundial que afeta pessoas de todas as idades, raças e grupos socioeconômicos. A prevalência e a incidência dessa doença – que refletem as das doenças como diabetes, hipertensão e obesidade – estão aumentando. Apenas nos EUA, mais de 20 milhões de pessoas (ou 1 entre 9 adultos) têm DRC. Outro grupo de 20 milhões encontra-se em risco de desenvolver essa doença. Cinco categorias mais frequentes de etiologias da DRC que, em conjunto, representam mais de 90% de todos os casos mundiais da doença. • Nefropatia diabética • Glomerulonefrite • DRC associada à hipertensão (inclui doença renal vascular e isquêmica, e doença glomerular primária com hipertensão associada) • Doença renal policística autossômica dominante • Outras nefropatias císticas e tubulointersticiais Na América do Norte e na Europa, a causa mais comum de DRC é nefropatia diabética, na maioria dos casos secundária ao diabetes melito tipo 2. Os pacientes com DRC recém-diagnosticada costumam apresentar hipertensão. Quando não há outras evidências de doença renal glomerular ou tubulointersticial primária, a DRC, em geral, é atribuída à hipertensão. Todavia, hoje se sabe que esses pacientes podem ser classificados em duas categorias. A primeira categoria inclui os pacientes com glomerulopatia primária subclínica, como glomerulosclerose focal segmentar ou global. A segunda categoria inclui os pacientes nos quais a hipertensão e a nefrosclerose progressivas representam o correspondente renal de uma doença vascular sistêmica, que muitas vezes inclui também patologias de pequenos e grandes vasos cardíacos e cerebrais. Essa última combinação é especialmente comum em idosos, nos quais a isquemia renal crônica como causa de DRC pode não ser diagnosticada de maneira adequada. A incidência crescente de DRC na população idosa é atribuída em parte à queda das taxas de mortalidade devido a complicações cardíacas e cerebrais da doença vascular aterosclerótica, permitindo que um segmento maior da população evolua para os estágios mais avançados da DRC. No entanto, é importante entender que a grande maioria dos pacientes com DRC nos estágios iniciais morre em razão das complicações cardiovasculares e cerebrovasculares, antes de progredir para os estágios mais avançados da DRC. Na verdade, até mesmo uma redução mínima da TFG ou a presença de albuminúria atualmente é reconhecida como importante fator de risco de doença cardiovascular. FASE DE FUNÇÃO RENAL NORMAL SEM LESÃO RENAL: importante do ponto de vista epidemiológico, pois inclui pessoas integrantes dos chamados grupos de risco para o desenvolvimento da doença renal crônica (hipertensos, diabéticos, parentes de hipertensos, diabéticos e portadores de DRC), que ainda não desenvolveram lesão renal. FASE DE LESÃO RENAL COM FUNÇÃO RENAL NORMAL: Corresponde às fases iniciais de lesão renal com filtração glomerular preservada, ou seja, o ritmo de filtração glomerular está acima de 90ml/min/1,73m2. FASE DE INSUFICIÊNCIA RENAL FUNCIONAL OU LEVE: Ocorre no início da perda de função dos rins. Nesta fase, os níveis de ureia e creatinina plasmáticos ainda são normais, não há sinais ou sintomas clínicos importantes de insuficiência renal e somente métodos acurados de avaliação da função do rim (métodos de depuração, por exemplo) irão detectar estas anormalidades. Os rins conseguem manter razoável controle do meio interno. Compreende a um ritmo de filtração glomerular entre 60 e 89ml/min/1,73m2. FASE DE INSUFICIÊNCIA RENAL LABORATORIAL OU MODERADA: Nessa fase, embora os sinais e sintomas da uremia possam estar presentes de maneira discreta, o paciente mantém-se clinicamente bem. Na maioria das vezes, apresenta somente sinais e sintomas ligados à causa básica. Avaliação laboratorial simples já mostra, quase sempre, níveis elevados de ureia e de creatinina plasmáticos. Corresponde a uma faixa de ritmo de filtração glomerular compreendido entre 30 e 59ml/min/1,73m2. FASE DE INSUFICIÊNCIA RENAL CLÍNICA OU SEVERA: O paciente já se ressente de disfunção renal. Apresenta sinais e sintomas marcados de uremia. Corresponde à faixa de ritmo de filtração glomerular entre 15 a 29ml/min/1,73m2. FASE TERMINAL DE INSUFICIÊNCIA RENAL CRÔNICA: Como o próprio nome indica, corresponde à faixa de função renal na qual os rins perderam o controle do meio interno, tornando-se este bastante alterado para ser incompatível com a vida. Nesta fase, o paciente encontra- se intensamente sintomático. Compreende a um ritmo de filtração glomerular inferior a 15ml/min/1,73m2. . • Mecanismos iniciais específicos da etiologia subjacente (p. ex., anormalidades do desenvolvimento ou da integridade renal, deposição de imunocomplexos e inflamação em alguns tipos de glomerulonefrite, ou exposição a toxinas em algumas doenças dos túbulos e do interstício renais); • Hiperfiltração e hipertrofia dos néfrons viáveis remanescentes, que são uma consequência comum da redução da massa renal a longo prazo, independentemente da etiologia subjacente e que leva ao declínio adicional da função renal. As respostas à redução da quantidade de néfrons são mediadas por hormônios vasoativos, citocinas e fatores de crescimento. Por fim, essas adaptações de curto prazo (hiperfiltração e hipertrofia) para manter a TFG tornam-se mal- adaptativas à medida que a pressão e o fluxo sanguíneo aumentados dentro do néfron predispõem à distorção da arquitetura dos glomérulos, função anormal dos podócitos e rompimento da barreira de filtração, levando à esclerose e à destruição dos néfrons remanescentes. O aumento da atividade intrarrenal do sistema renina- angiotensina (SRA) parece contribuir para a hiperfiltração compensatória inicial e para a subsequente hipertrofia e esclerose maladaptativas. Esse processo explica por que a redução da massa renal secundária a uma agressão isolada pode levar ao declínio progressivo da função renal ao longo de muitos anos. Na progressão das nefropatias, a angiotensina II, ao menos em grande parte, é responsável não só pelas alterações hemodinâmicas intraglomerulares, como também inflamatórias. Sua ação vasoconstritora maior na arteríola eferente levando à hipertensão intraglomerular para manter a pressão de perfusão glomerular. Tem efeito imunomodulador, estimulando a síntese de diversos fatores de crescimento como PDGF, TGF-β e FGF, induzindo a proliferaçãode células mesangiais e o acúmulo de matriz extracelular. Receptores de angiotensina II estão presentes na superfície dos podócitos, e sua ativação pode alterar as propriedades contráteis do complexo citoesqueleto dessas células. Portanto, a angiotensina II pode alterar, de forma direta e não somente via alterações hemodinâmicas, a permeabilidade seletiva do capilar glomerular, permitindo escape de proteínas à luz tubular. A sobrecarga proteica no túbulo também pode gerar mudanças fenotípicas na célula tubular com maior secreção de substâncias vasoativos, citocinas e fatores de crescimento na membrana basolateral, com consequentes inflamação e fibrose intersticial. FISIOPATOLOGIA E BIOQUÍMICA DA UREMIA • distúrbios secundários ao acúmulo das toxinas normalmente excretadas pelos rins; • anormalidades consequentes à perda das outras funções renais, como a homeostase hidreletrolítica e a regulação hormonal; • inflamação sistêmica progressiva e suas consequências vasculares e nutricionais. Embora as concentrações séricas de ureia e creatinina sejam utilizadas para avaliar a capacidade excretora dos rins, o acúmulo dessas duas moléculas, por si só, não explica os muitos sinais e sintomas que caracterizam a síndrome urêmica na insuficiência renal avançada. Um grande número de toxinas que se acumulam com o declínio da TFG foram implicadas na síndrome urêmica. Entre essas toxinas, estão as hidrossolúveis, as hidrofóbicas, aquelas ligadas a proteínas e os produtos metabólicos não voláteis contendo nitrogênio com e sem carga. A síndrome urêmica envolve mais do que a insuficiência excretora renal. Inúmeras funções metabólicas e endócrinas desempenhadas normalmente pelos rins também são comprometidas, e isso causa anemia, desnutrição e anormalidades do metabolismo dos carboidratos, gorduras e proteínas. Além disso, os níveis plasmáticos de muitos hormônios (como PTH, FGF-23, insulina, glucagon, hormônios esteroides, como a vitamina D e os hormônios sexuais, e prolactina) alteram-se na DRC em razão da excreção reduzida, da menor degradação ou da regulação hormonal anormal. Por fim, a DRC está associada à inflamação sistêmica aumentada. Os níveis altos de proteína C-reativa são detectados simultaneamente com outros reagentes de fase aguda, enquanto as concentrações dos chamados reagentes negativos da fase aguda (p. ex., albumina e fetuína) diminuem. Desse modo, a inflamação associada à DRC é importante para a síndrome de desnutrição- inflamação-aterosclerose/calcificação, que contribui para a aceleração da doença vascular e a comorbidade associada à doença renal avançada. As manifestações clínicas e laboratoriais da DRC incluem acumulação de escórias nitrogenadas; distúrbios hidroeletrolíticos e acidobásicos; distúrbios minerais e ósseos; anemia e distúrbios da coagulação; hipertensão e alterações da função cardiovascular; distúrbios gastrintestinais; complicações neurológicas; distúrbios dermatológicos; e distúrbios do sistema imune. PERDA LEVE A MODERADA DA FUNÇÃO RENAL: Pode causar somente sintomas leves, como a noctúria. A noctúria ocorre porque os rins não conseguem absorver a água da urina para reduzir o volume, como ocorre normalmente durante a noite. À MEDIDA QUE A FUNÇÃO RENAL PIORA: mais resíduos metabólicos se acumulam no sangue, as pessoas podem sentir-se cansadas e fracas de modo geral e apresentarem uma diminuição da capacidade mental. Algumas pessoas apresentam falta de apetite e dificuldade em respirar. A anemia também é responsável pela fadiga e fraqueza generalizada. O acúmulo de resíduos metabólicos também causa perda do apetite, náuseas e vômitos e um gosto desagradável na boca, podendo levar à desnutrição e perda de peso. As pessoas com doença renal crônica tendem a formar hematomas ou sangrar por um tempo anormalmente longo após um corte ou outro tipo de lesão. A doença renal crônica também diminui a capacidade do organismo de combater infecções. Gota pode causar artrite aguda com dor nas articulações e inchaço. PERDA GRAVE DA FUNÇÃO RENAL: Resulta no acúmulo de resíduos metabólicos no sangue em níveis mais elevados. A lesão aos nervos e músculos pode causar espasmos musculares, fraqueza muscular, cãibra e dor. As pessoas também podem sentir uma sensação de formigamento nos braços e nas pernas e podem perder a sensibilidade em certas partes do corpo. Podem desenvolver a síndrome das pernas inquietas. Pode surgir encefalopatia, um quadro clínico no qual o cérebro não funciona corretamente, e levar à confusão, letargia e convulsões. Insuficiência cardíaca pode causar dispneia. Pode haver edema em membros inferiores. Pericardite pode causar angina e hipotensão. As pessoas que sofrem de doença renal crônica avançada têm, em geral, úlceras gastrointestinais e sangramento. A pele pode ficar com uma tonalidade amarelo-castanha e, ocasionalmente, a concentração de ureia é tão elevada que se cristaliza no suor, formando um pó branco sobre a pele. Algumas pessoas desenvolvem prurido e halitose ANAMNESE E EXAME FÍSICO: Os elementos específicos da história clínica que sugerem doença renal incluem relatos de hipertensão (que pode causar DRC ou, mais comumente, ser uma consequência da doença), diabetes melito, anormalidades do exame de urina e distúrbios gestacionais como pré-eclâmpsia ou abortamento precoce. É necessário obter uma história farmacológica detalhada. Os fármacos a serem considerados incluem anti- inflamatórios não esteroides (AINEs), inibidores da cicloxigenase-2 (COX-2), antimicrobianos, quimioterápicos, antirretrovirais, inibidores da bomba de prótons, laxantes contendo fosfato e lítio. O exame físico deve concentrar-se na pressão arterial e nas lesões dos órgãos-alvo secundárias à hipertensão. Portanto, é necessário realizar exames fundoscópico e precordial. O exame do fundo de olho é importante no paciente diabético para detectar evidências de retinopatia diabética, que está associada à nefropatia. Outras manifestações de DRC ao exame físico dos pacientes são edema e polineuropatia sensitiva. EXAMES DE SANGUE E DE URINA: são essenciais, confirmam a diminuição da função renal. • Ureia e creatinina: resíduos metabólicos normalmente filtrados pelos rins, estão aumentados. • O sangue fica moderadamente acídico. • É frequente que o potássio no sangue esteja normal ou levemente aumentado, mas ele pode se tornar perigosamente elevado. • O cálcio e o calcitriol no sangue diminuem. • Os níveis de fosfato e do hormônio da paratireoide aumentam. • Anemia: deficiência na produção de eritropoetina em decorrência da redução da massa renal funcional. O nível de potássio pode tornar-se perigosamente elevado quando a insuficiência renal atinge um estágio avançado ou se as pessoas ingerem grandes quantidades de potássio ou tomam um medicamento para evitar que os rins excretem o potássio. A análise da urina pode detectar muitas anormalidades, que englobam proteínas e as células anormais ULTRASSONOGRAFIA: realizada para excluir a obstrução e verificar o tamanho dos rins. Rins pequenos e com cicatrizes frequentemente indicam que a perda da função renal é crônica. Fica cada vez mais difícil determinar uma causa exata, à medida que a doença renal alcança um estágio avançado BIÓPSIA: pode ser o exame mais exato, mas não é recomendável se os resultados de uma ultrassonografia mostrarem que os rins estão pequenos e têm cicatrizes. A automedicação pode ser entendida como a seleção e o uso de medicamentos por pessoas para tratar doenças ou sintomas sem a supervisão ou a prescrição de um profissional, inserida no contexto do autocuidado. Essa prática tem se mostrado muito comum na sociedade e pode estar relacionada a diferentes causas. Dentre elas, pode-se citar a variedade de produtos fabricados pela indústria farmacêutica,a facilidade de comercialização de medicamentos, a própria cultura e comodidade assimilada pela sociedade, a grande variedade de informações médicas disponíveis e a substituição inadvertida da orientação médica por sugestões de medicamentos provenientes de pessoas não autorizadas, entre estes familiares, amigos ou balconistas em farmácias. Uma preocupante consequência da automedicação são as intoxicações medicamentosas, as quais surgem devido a mecanismos complexos, relacionados a processos farmacodinâmicos e farmacocinéticos envolvidos, por sua vez, com características individuais, com propriedades farmacêuticas do produto e com interações com medicamentos e alimentos RIELLA, Miguel C. Princípios de Nefrologia e Distúrbios Hidroeletrolíticos, 6ª edição. Grupo GEN, 2018. 9788527733267. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/978852 7733267/. JAMESON, J L.; FAUCI, Anthony S.; KASPER, Dennis L.; et al. Medicina interna de Harrison - 2 volumes. Grupo A, 2019. 9788580556346. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/978858 0556346/. Acesso em: 03 jun. 2022. MARINHO, Ana Wanda Guerra Barreto et al. Prevalência de doença renal crônica em adultos no Brasil: revisão sistemática da literatura. Cadernos Saúde Coletiva, v. 25, p. 379-388, 2017.