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Princípios de Irrteroretaçâo da Bíblia Walter A. Henrichsen E D I T O R A M u n d o Cristão Título do original em inglês A LAYMAN’S GUIDE TO INTERPRETING THE BIBLE Copyright © 1976, 1978 por The Navigators Traduzido por Odair Olivetti 1.‘ edição brasileira agosto de 1980 Publicado no Brasil com a devida autorização e com todos os direitos reservados pela ASSOCIAÇÃO RELIGIOSA EDITORA MUNDO CRISTÃO Slo Paulo, S.P., Brasil C O N T E Ú D O Prefácio ................................................................................. .............. 5 1 - A Interpretação é para todos .................................................... 7 2 -Princípios Gerais de Interpretação ............................................ 10 3 - Princípios Gramaticais de Interpretação ................................... 36 4 - Princípios Históricos de Interpretação ...................................... 56 5 - Princípios Teológicos de Interpretação ...................................... 62 6 - Sumário e Conclusão..................................................................... 71 Chamamos a atenção do leitor para o outro volume do livro original em inglês pelo mesmo Autor que comple menta este estudo e tem o seguinte título: Métodos de Estudo Bíblico. O Autor Walt Henrichsen confiou sua vida a Cristo quando era estudante de engenharia num curso pré-universitário da Califórnia. Mais tarde foi aluno do Central College de Pella, Iowa, e do Western Theological Semittary de Holland, Michigan. Walt entrou em contato com Os Navegantes quando trabalhava no escritório de retaguarda da Cruzada de Billy Graham em San Fran cisco, em 1958. Depois de formar-se no Seminário, participou de um programa de treinamento na sede internacional de Os Navegantes em Glen Eyrie, Colorado Springs, Colorado. Em seguida juntou-se a um ministério de Os Navegantes em Los Angeles e mais tarde foi para o México, a um acampamento de treinamento na selva, promovido pela Wycliffe Bible Translators. Exerceu o ministério com Os Navegantes em Kalamazoo, Michi gan, serviu como diretor regional do sudoeste, foi por dois anos assis tente do presidente, dirigiu o departamento internacional de pessoal da organização, e mais recentemente foi Diretor Delegado de Os Navegan tes da Área do Pacífico. Hoje Walt trabalha com homens de negócio e de profissões libe rais nos Estados Unidos, num ministério pessoal, ajudando-os a agirem mais efetivamente por Cristo no terreno em que Deus os colocou. Ele, sua esposa, Leette, e seus três filhos vivem em Colorado Springs, Colo rado. Walt é autor do sucesso de livraria, Disciples Are Made — Not Bom (Os Discípulos Não Nascem — São Feitos), manual prático de instrução sobre o discipulado, e de um livro a publicar-se, Ajter the Sacrifice (Depois do Sacrifício), sobre a Epístola aos Hebreus (Zon- dervan). À sua presente responsabilidade, Walt trouxe prático e profundo conhecimento da Bíblia, bem como experiência e método no treina mento dos homens para o crescimento na fé e na obra de alcançar outros para Jesus Cristo. Prefácio Uma real necessidade desta hora vulcânica é a abordagem correta da interpretação bíblica. Precisamos de alimento sólido . . . não apenas de migalhas. Precisamos aprender a arte de mastigar . . . não de ficar somente a sugar mamadeiras. Precisamos pensar com alguma honesti dade moral . . . não de continuar o processo de lavagem cerebral reli giosa. Disse um líder cristão: “ O cristianismo costumava ser um toque de trombeta chamando para a vida santa, pensamento elevado e sólido e estudo da Bíblia; agora é um tímido e apologético convite para um suave debate” . Walt Henrichsen crê que a Ascritura Sagrada é uma necessidade vital, e não um deleite especulativo somente. Daí, ele liga a tomada do seu livro focalizando resultados, e não apenas a atividade em conhecer a Palavra de Deus. O autor é homem que vê grande o objetivo, mas tem a capacidade de mantê-lo simples. Como teólogo, pastor, professor de Bíblia, conse lheiro e pai, ele colocou os “ biscoitos” na parte baixa da prateleira, onde todos podem aprender a alcançá-los e comê-los. Frank E. Gaebelain expôs bem a situação: “ O cristianismo é peculiarmente religião de um só livro. Elimine a Bíblia, e você terá destruído o meio pelo qual Deus decidiu apresentar Sua revelação ao homem através de sucessivas eras. Segue-se, pois, que o conhecimento da Bíblia é requisito indispensável para o crescimento na vida cristã” . A interpretação da Bíblia é mais do que mero jogo com que se distraem teólogos. Ela abre amplamente as nossas vidas em Cristo. É a vida cristã em plenitude. Esta vida é para ser desfrutada quando aprendemos as “ regras básicas” e depois as passamos para outros. Nossos agradecimentos a Walt Henrichsen por tirar esta matéria das bibliotecas dos seminários e do vocabulário do “ especialista” , e trazê-la para baixo, onde cada um de nós está vivendo hoje. Lost Valley Ranch IA Interpretação É para T odos Esta obra foi escrita para aqueles que gostam de estudar a Bíblia e ficam em dúvida sobre se estão fazendo isso corretamente. Por certo você já ouviu dizer: “ Cada um tem a sua própria interpretação da Bíblia” ; ou: “ As duas coisas em que as pessoas não podem concordar nunca, são religião e política” . Se essas afirmativas são certas, então o cristianismo é sem sentido e a Bíblia não tem mensagens para nós. Se um indivíduo pode fazer a Bíblia dizer o que ele quer que ela diga, então a Bíblia não pode guiá-lo. Não passa de uma arma em suas mãos para dar apoio às suas idéias. A Bíblia não foi escrita com esse propósito em mente. Em sua maioria, os livros sobre o tema da interpretação bíblica são muito longos e complicados. Produzidos para os que estão familia rizados com o hebraico, o aramaico e o grego, línguas em que a Escri tura foi originalmente escrita, procuram tratar do assunto de modo exaustivo e erudito. Por exemplo, contêm minuciosas explicações das alegorias, símiles, metáforas e outros usos lingüísticos. Investigam as tendências da teologia, tais como o impacto da neo-ortodoxia sobre a igreja, e o efeito do liberalismo em sua negação do sobrenatural. Esta seção apresenta leis bíblicas fundamentais de interpretação em termos simples, e, ao fazê-lo, mune de uma ferramenta funcional a todo cristão desejoso de compreender e aplicar a Escritura. Cada pessoa leva a vida com algumas pressuposições básicas. Estas variam de uma situação a outra. Por exemplo, sé você tivesse 8 Princípios de Interpretação da Bíblia que ir para o Japão por vi aérea, teria de presumir pelo menos quatro coisas: 1. O piloto sabe dirigir o aparelho. 2. O avião chegará com segurança. 3. O pessoal que cuida da imigração naquele país respeitará o seu passaporte. 4. Você poderá concretizar o propósito que o levou a viajar. Em nosso estudo das leis ou regras de interpretação da Bíblia, precisamos também pressupor certas coisas: 1. A Bíblia tem autoridade. 2. A Bíblia contém as suas próprias leis de interpretação que, quando entendidas e aplicadas apropriadamente, produzem o sentido correto de determinada passagem. 3. O objetivo primário da interpretação é descobrir o sentido que a passagem tinha para o autor. 4. A língua pode comunicar verdades espirituais. Estas pressuposições aparecerão freqüentemente nos princípios relacionados nesta seção. Algumas são regras, bem como pressuposi ções, e como tais aparecerão. Estas pressuposições fazem significativa diferença na saudável abordagem do estudo da Bíblia. Estudar, interpretar e poder aplicar a Bíblia corretamente são as metas de todos os cristãos conscienciosos. Antes de anotar como estas quatro pressuposições e os princípios sub seqüentes influem no estudo da Bíblia, é bom notar que há quatro partes básicas no estudo correto da Bíblias. São elas: • OBSERVAÇÃO,(1) que responde à pergunta: “ Que vejo?” Aqui o estudante da Bíblia aborda o texto como um detetive. Nenhum pormenoré sem importância; nenhuma pedra fica sem ser virada. Cada observação é cuidadosamente arrolada para consideração e compara ções posteriores. • INTERPRETAÇÃO,(1) que responde à pergunta: “ Que signifi ca?” Aqui o intérprete bombardeia o texto com perguntas como: “ Que significavam estes pormenores para as pessoas às quais foram dados? [Por que o texto diz isto?]” “ Qual a principal idéia que ele está procurando comunicar?” • CORRELAÇÃO, (1> que responde à pergunta: “ Como isto se relaciona com o restante daquilo que a Bíblia diz?” O estudante da Bíblia deve fazer mais do que examinar somente passagens individuais. Deve coordenar o seu estudo com tudo mais que a Bíblia diz sobre o d ) Para estudo mais completo sobre estes pontos, consultar a obra do mesmo Autor: Métodos de Estudo Bíblico. A Interpretação é para Todos 9 assunto. A precisa compreensão da Bíblia sobre qualquer assunto leva em conta tudo que a Bíblia diz sobre aquele assunto. • APLICAÇÃO ,(2) que responde à pergunta: “ Que significa para mim?” Esta é a meta dos outros três passos. Um especialista nessa área disse-o sucintamente: “ Observação e interpretação sem aplicação é aborto” . A Bíblia é Deus falando. Sua Palavra exige resposta. Essa res posta tem de ser nada menos do que obediência à vontade de Deus revelada. (Mais amplo desenvolvimento de cada uma destas partes acha-se no livro Métodos de Estudo Bíblico do mesmo Autor). Estas quatro partes do estudo da Bíblia são guiadas pelas regras fundamentais de interpretação. Disse o salmista: “De todo o coração te busquei; não me deixes fugir aos teup mandamentos. Guardo no coração as tuas palavras, para não pecar contra ti” (Salmo 119.10,11). Estas suas palavras ecoam o clamor do coração do cristão dedicado, cujo alvo é saturar-se tanto da Palavra de Deus, que comece a pensar e a regir de modo semelhante a Deus. Para isso, o estudante da Bíblia tem de se familiarizar tanto com estas regras básicas, que elas se tomem parte integrante da sua investigação da Escritura. As regras de interpretação se dividem em quatro categorias: Ge rais, Gramaticais, Históricas e Teológicas. Princípios Gerais de Interpretação (Capítulo 2) são os que tratam da matéria global da interpretação. São universais em sua natureza, não se limitando a considerações específicas, incluídas estas nas outras três seções. Princípios Gramaticais de Interpretação (Capítulo 3) são os que tratam do texto propriamente dito. Estabelecem as regras básicas para o entendimento das palavras e sentenças da passagem em estudo. Princípios Históricos de Interpretação (Capítulo 4) são os que tratam do substrato ou contexto em que os livros da Bíblia foram escritos. As situações políticas, econômicas e culturais são importan tes na consideração do aspecto histórico do seu estudo da Palavra de Deus. Princípios Teológicos de Interpretação (Capítulo 5) são os que tratam da formação da doutrina cristã. São, por necessidade, regras “ amplas” , pois a doutrina tem de levar em consideração tudo que a Bíblia diz sobre dado assunto. Embora tendam a ser regras um tanto complicadas, nem por isso são menos importantes, pois desempenham papel de profunda relevância na obra de dar forma àquele corpo de crenças a que você chama suas convicções. Vide nota n.° 1 na pg. 8. Princípios f Gerais de Interpretação Nas questões de religião o cristão se submete, consciente ou inconscien temente, a uma das seguintes autorida des, acatando-a como autoridade últi ma: a tradição, a razão, ou as Escri turas. A posição oficial e histórica da Igreja Católica Romana tem sido a de fazer da tradição o supremo tribunal de recursos. A doutrina da virgem Maria é um exemplo. O que a Bíblia ensina sobre Maria é interpretado de acordo com o modo como a Igreja Católica Romana a tem visto tradicionalmente. Em boa parte dò protestantismo, o racionalismo ocupou o centro do palco. Liberalismo e modernismo são termos cunhados para des REGRA UM 5 Trabalhe partindo da pressuposição de que a Bíblia tem autoridade. Princípios Gerais de Interpretação 11 crever esta abordagem. Para eles, a conclusão extraída pela mente é o supremo tribunal de recursos. Da mesma forma, deixa-se que a razão decida o que é fundamental para a fé em Deus. Por exemplo: uma pessoa que abraça esta abordagem pode concluir que a fé na concepção virginal de Cristo não é nem racional nem essencial, e daí o ensino bíblico pode ser rejeitado. O cristão fiel considera a Bíblia como o seu supremo tribunal de recursos. A crença na concepção virginal de Jesus é abraçada porque a Bíblia a ensina. O que a igreja crê acerca da virgem Maria deve ser interpretado pelas Escrituras, e não vice-versa. Isto não equivale a sugerir que não há validade em cada uma das três formas de autoridade. Os adeptos de cada um dos sistemas de pensamento acima referidos prontamente concordariam sobre a impor tância de cada um dos outros dois. Contudo, em caso de conflito, a questão é: Que voto conta? Se a tradição, a razão e a Escritura dife rem quanto ao modo de ver Maria e a concepção virginal de Cristo, qual autoridade será o árbitro final? A primeira lei da interpretação diz que a Bíblia é o supremo tribunal de recursos. A questão da autoridade liga-se freqüentemente à da inspiração das Escrituras. Uma pessoa não pode submeter-se à Bíblia, como auto ridade sobre ela, se não for a Palavra de Deus inspirada. O mesmo ponto surgiu durante o ministério terreno de Jesus. Ele “ ensinava como quem tem autoridade” (Mateus 7.29). Mas, em que se baseava Sua autoridade? Como podemos saber se Ele é verdadeiramente o Cristo como se arroga ser? Em resposta a essas questões desafiadoras, Jesus dizia: “ Se alguém quiser fazer a vontade dele [de Deus], conhecerá a respeito da dou trina, se ela é de Deus ou se eu falo por mim mesmo” (João 7.17). “ Se você quiser fazer o que eu lhe peço que faça, então você saberá se o que eu estou dizendo é certo ou não” , é o que Jesus basicamente disse. Se você fizer, então saberá. Fazer vem antes de saber. A entrega pessoal vem antes do conhecimento. Há centenas de anos, Agostinho o colocou deste modo: “ Creio, logo sei” . A autoridade tem que ver com a vontade, com a obediência e com o fazer. A inspiração relaciona-se com o intelecto, o entendimento e o conhecimento. A questão da inspiração deve seguir-se à da autori dade. Justamente como é só depois de você fazer o que Cristo lhe pede que faça que você fica sabendo que Ele é o Cristo, assim também só depois de submeter-se à autoridade da Bíblia e obedecer-lhe, você saberá que ela é̂ a Palavra de Deus inspirada. A exigência de que o compromisso preceda ao conhecimento não é exclusivamente peculiar à fé cristã. É a experiência comum e diária 12 Princípios de Interpretação da Bíblia de toda gente. Na introdução falamos do uso de pressuposições. Em pregamos a ilustração de uma viagem ao Japão. Ao tomar aquelas pressuposições você simplesmente assumiu um compromisso antes de saber o que ia acontecer. Não sabia se as autoridades lhe permitiriam entrar no Japão. Supôs que o fariam, e se comprometeu com aquela suposição antes de o saber. Ampliando a ilustração, digamos que você vá até o piloto antes da decolagem e indague sobre a segurança do enorme aparelho. “ Será que ele me leva mesmo a Tóquio?” , você pergunta. “ Certamente” , o comandante lhe assegura. Você vai adiante na investigação. “ Mas, que dizer do aeroplano que caiu no Pacífico uns meses atrás? O senhor garante que o avião chegará a salvo no Japão?” “ Não” , diz o comandante, “ não posso garantir isso. Mas suba a bordo e, quando chegarmos lá (se chegarmos) o senhor o saberá.” Isso é compromisso antes de conhecimento. Você se dispõe a com prometer-se e a arriscar a vida porque o Japão fica muito longe para ir lá a nado. Portanto, no estudo da Bíblia você começa com a questão da auto ridade. Esta, e a questão da inspiração que se lhe segue naturalmente, são respondidasquando você se submete à Palavra de Deus. Você pode estudar a inspiração como um tópico separado, mas somente saberá que a Bíblia é a Palavra de Deus inspirada quando se colocar sob a autoridade dela. * * * Ao procurar submeter-se ao que dizem as Escrituras, é importante entender que na Bíblia a autoridade é expressa de várias maneiras. 1. Uma pessoa age como quem tem autoridade, e a passagem ex plica se o ato é aprovado ou reprovado. Por exemplo, no Jardim do Éden “ a serpente disse à mulher: ‘É certo que não morrereis’ ” (Gêne sis 3.4). Você sabe que isso está errado porque Adão e Eva de fato morreram. O rei Davi queria construir um templo para Deus; assim Natã lhe disse: “ Vai, faze tudo quanto está no teu coração; porque o Senhor é contigo” (2 Samuel 7.3). Natã falou em tom de autoridade a Davi o que este devia fazer, mas lemos que esse conselho foi errado e que Deus não queria que Davi edificasse o templo (versículos 4-17). Depois do Concílio de Jerusalém (Atos J5), o apóstolo Pedro visi tou a igreja de Antioquia da Síria e comeu com os gentios. Paulo disse de Pedro: “ Com efeito, antes de chegarem alguns da parte de Princípios Gerais de Interpretação 13 Tiago, comia com os gentios; quando, porém, chegaram afastou-se e, por fim, veio a apartar-se, temendo os da circuncisão [cristãos ju deus]” (Gálatas 2.12). Sabemos que este ato de separar-se dos cris tãos gentios foi errado, pois Paulo o repreendeu por isso e em seguida explicou porque era errado. 2. Uma pessoa age com atitude de autoridade e a passagem não mostra aprovação nem reprovação. Neste caso, a ação precisa ser jul gada com base naquilo que o restante da Bíblia ensina sobre o assunto. Por exemplo, Abraão e Sara vão para o Egito por causa da fome em Canaã (Gênesis 12.10-20). Temeroso de que o Faraó pudesse matá-lo para apossar-se da bela Sara, Abraão disse à sua esposa: “ Dize, pois, que és minha irmã, para que me considerem por amor a ti e, por tua causa, me conservem a vida” . Foi uma atitude covarde de Abraão? A passagem não o diz. Você fica entregue, para a sua conclusão, à sua compreensão daquilo que o restante da Escritura tem pará dizer sobre o assunto. Você terá de decidir em sua mente se Abraão errou ou não com essa atitude, e é precisamente este o interesse todo da interpretação da Bíblia. Este livro não procurará dar-lhe a interpretação “ correta” , mas simplesmente o ajudará a escolher a base correta para chegar às suas conclusões. Depois que Ló perdeu sua esposa, quando Deus destruiu Sodoma e Gomorra, ele e suas duas filhas foram viver numa caverna situada nas montanhas acima de Zoar. Temendo que nunca se casariam e que, portanto, morreriam sem deixar filhos, as duas filhas tomaram as coisas em suas próprias mãos. Duas noites sucessivas deixaram o pai bêbado e tiveram intercurso sexual com ele, cada noite uma delas. Conceberam dele e tiveram filhos, Moabe e Ben-Ami (ver Gênesis 19.30-38). Apesar disso, Pedro disse que Ló era justo. “ [Se Deus], redu zindo as cinzas as cidades de Sodoma e Gomorra, ordenou-as à ruína completa, tendo-as posto como exemplo a quantos venham a viver im piamente; e livrou o justo Ló, afligido pelo procedimento libertino daqueles insubordinados...” (2 Pedro 2.6,7). O que aconteceu na caverna de Zoar foi um ato justo? A passagem não o diz. Contudo, as Escrituras têm muito que dizer sobre o tipo de conduta que teve lugar na caverna de Zoar, e a ação pode ser julgada com base nesses numerosos ensinamentos. 3. Deus ou um dos Seus representantes declara a mente e a von tade de Deus. Muitas vezes isto vem na forma de mandamentos. Por exemplo, disse Jesus: “ Novo mandamento vos dou: que vos ameis uns aos outros; assim como eu vos amei, que também vos ameis uns aos 14 Princípios de Interpretação da Bíblia outros. Nisto conhecerão todos que sois meus discípulos, se tiverdes amor uns aos outros” (João 13.14-35). Entretanto, alguns mandamentos são para as circunstâncias ime diatas, e não foram dados com a intenção de serém aplicados univer salmente. Deus disse a Noé: “ Faze uma arca de tábuas de cipreste; nela farás compartimentos, e a calafetarás com betume por dentro e por fora” (Gênesis 6.14). Jesus disse a dois dos seus discípulos: “ Ide à aldeia que aí está diante de vós e logo achareis presa uma jumenta, e com ela um jumentinho. Desprendei-a e trazei-mos” (Mateus 21.2). Porque Deus disse a Noé que construísse uma arca, não significa que nós detemos achar que seja da vontade de Deus que nós construamos arcas; tampouco vamos sair por aí desamarrando jumentos para levá- los a Jesus. O contexto e a natureza da ordem indicam se ela deve ser aplicada universalijiente ou não. Toda a Escritura tem autoridade, mas há partes que você não tem de seguir. Todavia, precisa ter o cuidado de não usar uma lógica fantasiosa para evitar fazer o que sabe que é a vontade de Deus para você. O homem secular está se afastando cada vez mais dos absolutos bíblicos. Isto, por sua vez, exerce pressão sobre a igreja para que faça nova abordagem dos mandamentos bíblicos quanto a coisas como o divórcio e ampla variedade de questões morais. Em maior número de vezes, esta nova abordagem não é nada mais que a grosseira imorali dade que causou a queda de Sodoma e Gomorra. Essas tendências originam-se na má vontade quanto a submeter-se à autoridade da Bíblia. Para o cristão, a Bíblia tem e sempre terá autoridade. Diz-nos a Bíblia que um dos pri meiros intérpretes da Palavra de Deus foi o diabo. “ Mas a serpente, mais sagaz que todos os animais selváticos que o Se nhor Deus tinha feito, disse à mulher: ‘É assim que Deus disse: “ Não come reis de toda árvore do jardim” ?’ Res pondeu-lhe a mulher: (Do fruto das árvores do jardim podemos comer, mas do fruto da árvore que está no meio do jardim disse Deus: “ Dele não comereis,,nem tocareis nele, para que não morrais” .) Então a serpente disse à mulher: “ É certo que não morrereis. Porque Deus sabe que no dia em que dele comerdes se vos REGRA DOIS____________ A Bíblia é seu intérprete; a Escritura explica melhor a Escritura. Princípios Gerais de Interpretação 15 abrirão os olhos e, como Deus, sereis conhecedores do bem e do mal” (Gênesis 3.1-5). Antes Deus dissera: “ De toda árvore do jardim comerás livre mente, mas da árvore do conhecimento do bem e do mal não comerás; porque no dia em que dela comeres, certamente morrerás” (Gênesis 2.16-17). Satanás não negou que Deus dissera essas palavras. Em vez disso torceu-as, dando-lhes um sentido que não tinham. Esse tipo de erro dá-se por omissão e por acréscimo. Omissão — citar só a parte que lhe convém e deixar de lado o restante. Há dois tipos de morte na Bíblia, física e espiritual. Morte física é separar-se a alma do corpo. Morte espiritual é separar-se a alma de Deus. Quando Deus disse a Adão: “ Certamente morrerás” (Gênesis 2.17), estava se referindo à morte física e à morte espiritual. Quando a serpente disse a Eva: “ É certo que não morrereis” (3.4), estava omitindo de propósito o fato da morte espiritual. Acréscimo — dizer mais do que a Bíblia diz. Em sua conversa ção com Satanás, Eva cita o que Deus falou a seu marido. Mas à Palavra de Deus acrescenta a frase: “ Nem tocareis nele*’ (Gênesis 3.3). Você pode torcer a Escritura fazendo-a dizer mais do que de fato diz. Geralmente o motivo é o desejo de tomar irracional a ordem de Deus e assim indigna de ser obedecida. * * * Quando você estudar a Bíblia, deixe-a falar por si mesma. Não lhe acrescente nem lhe subtraia nada. Deixe que a Bíblia seja o seu próprio comèntário. Compare Escritura com. Escritura. Isaías, por exemplo, diz: "Portanto, o Senhor mesmo vos dará sinal: Eis que a virgem conceberá, e dará à luz um filho, e lhe chamará Emanuel” .(Isaías 7.14). Em hebraico, a palavra traduzida em muitas versões como “ virgem” pode na realidade ser traduzida por “ moça” ou por “ virgem” . Este mesmo versículo é citado por Mateus com ref0ç rênciaà concepção virginal de Jesus Cristo (Mateus 1.23). Contudo, em grego a palavra tem um sentido só: “ virgem” . Em outras palavras, Mateus interpreta a palavra e nós traduzimos a expressão de Isaías como “ virgem” . Normalmente aplicamos esta regra às grandes verdades da Bíblia, e não a versículos específicos. Uma dessas verdades é a segurança da salvação. Versículos individuais podem ser citados sobre ambos os lados da questão, se podemos perder a nossa salvação ou não. Paulo disse aos gálatas: “ Da graça decaístes” (Gálatas 5.4). Alguns cristãos, ao lerem isto, concluiriam que é possível perder a nossa salvação depois de havê-la obtido. 16 Princípios de Interpretação da Bíblia Por outro lado, Jesus disse: “ As minhas ovelhas ouvem a minha voz; eu as conheço e elas me seguem. Eu lhes dou a vida eterna; jamais perecerão, eternamente, e ninguém as arrebatará da minha mão. Aquilo que meu Pai me deu é maior do que tudo; e da mão do Pai ninguém pode arrebatar” (João 10.27-29). Contudo, um estudo com pleto do tópico da segurança da salvação, comparando Escritura com Escritura, indica que o crente pode ter a segurança de que está salvo com base na obra consumada por Cristo. Mais uma aplicação desta regra está no uso das referências bíbli cas no estudo da Escritura. Ao estudar-se um capítulo ou um pará grafo, o contexto é o primeiro lugar em que você procurará a interpre tação. As referências são úteis, mas você deve tentar estabelecer a referência do pensamento do versículo, e não de uma palavra ou frase apenas. Por exemplo, estudando a crucifixão de Cristo em Mateus 27.27-50, tomará como ponto de referência o versículo 35: “ Depois de o crucificarem, repartiram entre si as suas vestes, tirando a sorte” . Boas referências bíblicas incluiriam o Salmo 22.18, que é o versículo do Velho Testamento citado aqui. Também Marcos 15.24, Lucas 23.34 e João 19.23,24, todas as quais são referências à crucifixão segundo os outros evangelhos. Referências secundárias seriam Josué 7.21, 1 Reis 11.29 e Daniel 7.9, que se referem à palavra vestes. Nestes exemplos todos o princípio permanece o mesmo — deixe a Escritura explicar a Escritura. A Bíblia se interpretará a si mesma, se for estudada apropriadamente. Quando Jesus se encontrava na Galiléia, à beira-mar, as multidões se reuniram em volta dele, bebendo Suas preciosas palavras enquanto Ele expli cava os mistérios do reino dos céus. Jesus concluiu a parábola do Semea dor com estas palavras: "Quem tem ouvidos [para ouvir], ouça” (Mateus 13.9). Depois interpretou a parábola unicamente para os Seus discípulos com esta explicação: “ Porque o cora ção deste povo está endurecido, de mau grado ouviram com os seus ouvi dos, e fecharam os seus olhos; para não suceder que vejam com os olhos, ouçam com os ouvidos, en tendam com o coração, se convertam e sejam por mim curados” (Mateus 13.15). REGRA TRÊS A fé salvadora e o Espírito Santo são-nos necessários para compreendermos e interpretarmos bem as Escrituras Princípios Gerais de Interpretação 17 A gente tem dois pares de olhos e de ouvidos. Um par vê e ouve as coisas fisicamente; o outro, espiritualmente. Comentando isto, diz o apóstolo Paulo: “ O deus deste século cegou os entendimentos dos incrédulos” (2 Coríntios 4.4). O deus deste mundo, Satanás, faz o máximo que pode para impedir que as pessoas compreendam a ver dade espiritual. O cristão dedicado lê uma passagem, e sua verdade se patenteia para ele. É muito simples e muito óbvia quando a explica com clareza a seu amigo não-cristão, mas esse amigo não consegue captar o seu significado. Faça o esforço que fizer, o cristão não pode comunicar a verdade, simples como é. É como se houvesse uma barreira de incom preensão entre eles. Através dos anos, os cristãos têm tido consciência deste problema. Escrevendo aos coríntios, Paulo o descreve deste modo: “ O homem natural. (o homem sem o Espírito) não aceita as cousas do Espírito de Deus, porque lhe são loucura; e não pode entendê-las porque elas se discernem espiritualmente” (1 Coríntios 2.14). Vemos um notável exemplo disto na ressurreição de Lázaro. O bom amigo de Jesus morrera havia quatro dias, e a decomposição já se iniciara. Os amigos se reuniram para consolar Maria e Marta, irmãs de Lázaro. Então Jesus chegou. A pedra foi removida e Jesus bradou em alta voz: “ Lázaro, vem para fora” (João 11.43). Ainda envolto em sua mortalha, Lázaro saiu do túmulo em obediência à ordem de Cristo. Quando João registrou esse acontecimento, disse: “ Muitos, pois, dentre os judeus que tinham vindo visitar Maria, vendo o que fizera Jesus, creram nele. Outros, porém, foram ter com os fariseus e lhes contaram dos feitos que Jesus realizara. Então os principais sacerdotes e os fariseus convocaram o Sinédrio” (João 11.45-47). Alguns viram o fato como era, um milagre de Deus. Outros olharam esse mesmo acon tecimento com olhos totalmente diversos. Viram-no como uma ameaça às suas próprias crenças, metas e objetivos. É fácil ficar horrorizado com essa incredulidade crassa. Mas, antes de julgá-la com excessiva dureza, devemos lembrar-nos de que isso resulta de uma batalha espiritual. Satanás procura velar a nossa visão espiritual de maneira semelhante. Diz a Bíblia: “ Nós não temos recebido o espírito do mundo, e, sim, o Espírito que vem de Deus, para que conheçamos o que por Deus nos foi dado gratuitamente” (1 Corín tios 2.12). Temos de estudar a Bíblia com profundo senso de depen dência do Espírito Santo, cientes de que Ele é Aquele que “ vos guiará a toda a verdade” (João 16.13). É possível proclamar a Bíblia como a sua autoridade e ainda estar espiritualmente cego. Talvez você tenha tido a experiência de ser abor- 18 Princípios de Interpretação da Bíblia dado por alguém pertencente às testemunhas de Jeová ou aos mórmons ou a alguma outra seita. Essas pessoas se apressam a dizer que a sua fé se baseia na Bíblia, mas não é preciso prosear com elas muito tempo para perceber que não interpretam a Bíblia apropriadamente. Antes, torcem o sentido da Escritura para consubstanciar as suas próprias posições. Este problema de usar a Bíblia como sua autoridade continuando cego para o seu verdadeiro significado não se limita às seitas. Muitas das piores atrocidades ocorridas através dos séculos têm sido cometidas em nome de Cristo. No início do século doze, em resposta à convo cação da igreja, milhares se reuniram sob a bandeira da cruz para libertar a Terra Santa (Palestina) dos muçulmanos. Não raro os zelotes dessas cruzadas (como eram chamadas) massacravam comunidades inteiras de judeus e pagãos, chegando a empalar crianças lançando-as ao ar e apanhando-as com as suas lanças. Durante a guerra civil americana, a Bíblia era usada tanto para denunciar como para apoiar a escravidão. Consta que um dos generais de Abraão Lincoln lhe disse durante o feroz conflito: “ Espero que Deus esteja do nosso lado” . Replicou o presidente: “ Senhor, não me preocupa se Deus está do nosso lado, nem a metade do que me preocupa se estamos do lado de Deus” . Ver as coisas do ponto de vista de Deus é um ministério exercido pelo Espírito Santo a favor daqueles que confiaram nele não só para a salvação, mas também para a iluminação. Embora ser cristão não seja garantia de que você interpretará com precisão todas as passagens da Bíblia, é fundamental para entender adequadamente a verdade espiritual. REGRA QUATRO Interprete a experiência pessoal à luz da Escritura, e não a Escritura à luz da experiência pessoal. Ao ler o Novo Testamento você descobre que ele contém dois tipos de literatura — narrativa e instrutiva ou didática. (A maior parte do Apocalipse e certas porções dos evangelhos podem ser classificados como proféticas.) As partes de narrativa traçam a vida do Senhor Jesus nos quatro evangelhos, e a história da igreja primitiva no livro de Atos. As cartas ou epístolas em grande parte foram escritas para instruir os mejnbrosdaquelas primei ras igrejas sobre como viver a vida cristã. Princípios Gerais de Interpretação 19 Ao estudar as porções didáticas você descobre que o escritor não diz que, porque tal coisa aconteceu, isto tem de ser verdade. Em vez disso, afirma justamente o oposto. Porque isto é verdadeiro, uma coisa particular aconteceu. Por exemplo, o Novo Testamento não ensina que, porque Jesus ressurgiu dos mortos, Ele é o Filho de Deus. Antes, porque Ele é o Filho de Deus, ressurgiu dos mortos. Os acontecimentos que se desdobram através da Bíblia toda são interpretados com base no que Deus afirma que é verdade, e não vice- versa. Não concluímos que o mundo se corrompeu porque Deus o destruiu com um dilúvio nos dias de Noé. Ao contrário, diz a Bíblia que, porque o mundo se corrompera Deus disse que ia destruí-lo, e o fez. Através do livro de Atos vem à luz a narrativa do que sucedeu na vida dos crentes do primeiro século. Você não extrai conclusões doutrinárias desses acontecimentos, a menos que incluam pregação. Antes, você interpreta esses acontecimentos à luz das passagens doutri nárias. Há diversos casos em que as pessoas, no registro de Atos, encontraram o Espírito Santo. Quando você analisa todas as variadas experiências, fica evidente que você não pode formular doutrina a par tir desses encontros. No dia de Pentecoste, Pedro e os demais discípu los falaram em línguas, e pessoas de diferentes grupos lingüísticos puderam entender o Evangelho em suas respectivas línguas. “ Estavam, pois, atônitos, e se admiravam, dizendo: ‘Vede! Não são, porventura, galileus todos esses que aí estão falando? E como os ouvimos falar, cada um em nossa própria língua materna?’ ” (Atos 2.7,8). Quando Pedro foi para Samaria para ver como ia o ministério de Filipe, os novos conversos não tinham recebido ainda o Espírito Santo. “ Então [Pedro e João] lhes impunham as mãos, e recebiam estes o Espírito Santo” (Atos 8.17). Não se menciona nenhum falar em lín guas subseqüente a essa ocorrência. Depois da conversão de Paulo no caminho de Damasco, Ananias o procurou e impôs sobre ele as mãos. Paulo ficou cheio do Espírito Santo e foi batizado (Atos 9.17-19). Na cidade de Éfeso, Paulo encoutrou alguns homens que só tinham recebido o “ batismo de João” — batismo de arrependimento. Paulo lhes pregou Jesus, e eles creram e foram batizados. “ E, impon do-lhes Paulo as mãos, veio sobre eles o Espírito Santo; e tanto fala vam em línguas como profetizavam” (Atos 19.6). Não se nos diz que língua esses homens falaram, mas provavelmente era diferente da falada no Pentecoste. A situação era diferente. É bem provável que fosse uma língua desconhecida, requerendo-se um intérprete, como o menciona Paulo em sua carta aos coríntios (1 Coríntios 14). 20 Princípios de Interpretação da Bíblia As porções didáticas do Novo Testamento falam do uso de línguas pelos crentes. A passagem expressiva sobre este ensino é 1 Coríntios 12-14. Note-se que esta passagem visa ao uso e controle das línguas, sem mencionar a prática das línguas como em Atos. Em outras pala vras, Paulo diz: “ Eis a doutrina correta com relação a línguas — certi fiquem-se de que a sua experiência se harmoniza com ela” . Não diz ele que, porque certo fenômeno foi experimentado na igreja, certa ver dade doutrinária pode ser extraída disso. As suas experiências pessoais — sejam quais forem — devem ser conduzidas às Escrituras e interpretadas. Nunca o caminho inverso. "Porque tive esta experiência, o que se segue tem de ser verdade” não é sadio procedimento na interpretação da Bíblia. Nada do que foi dito sugere que não há valor na experiência. Muito ao contrário. A experiência atesta a validade da doutrina. A ressurreição de Jesus Cristo consubstancia o fato de que Ele é o Filho de Deus. Você sabe que a sua salvação é um fato devido àquilo que você experimentou. Mas você não dá forma à doutrina da salvação com base em sua experiência. Você leva a sua experiência às Escri turas para averiguar o que sucedeu em sua vida. Muitas vezes vemos na Bíblia que é feita uma afirmação e se segue uma experiência para provar a sua validade. Por exemplo, vemos o seguinte teste para ver se o homem que tem a pretensão de ser profeta o é realmente: “ Sabe que quando esse profeta falar, em nome do Senhor, e a palavra dele se não cumprir nem suceder, como profetizou, esta é palavra que o Senhor não disse; com soberba a falou o tal profeta; não tenhas temor dele” (Deuteronômio 18.22). Acazias, filho de Acabe e de Jezabel, era rei de Israel, o reino do norte. Por causa do seu pecado, Elias, o profeta, profetizou que ele ia morrer. O rei Acazias mandou soldados para prenderem Elias. “ Elias, porém, respondeu ao capitão de cinqüenta: ‘Se eu sou homem de Deus, desça fogo do céu e te consuma a ti e aos teus cinqüenta’. Então fogo desceu do céu, e o consumiu a ele e aos seus cinqüenta” (2 Reis 1.10). A declaração profética de Elias foi acompanhada por seu cumprimento, provando que Elias era um verdadeiro profeta de Deus. À afirmação seguiu-se a experiência. A experiência pessoal é parte importante da vida cristã, mas você deve ter o cuidado de mantê-la em seu lugar próprio. Conquanto você aprenda da experiência, não julgará a Bíblia sobre aquela base. É fácil esquecer isso em muitíssimas áreas da vida. Suponhamos, por exemplo, que você tenha ficado em dificuldade por causa do seu déficit orçamentário. O Senhor lhe fala sobre isso, e você acha que Ele quer que você elimine todas as formas de compra a crédito. Você Princípios Gerais de Interpretação 21 trabalha arduamente, economiza, e paga todos os seus credores. Isto revoluciona a sua vida. Agora está livre da dívida e convencido de que nunca mais deve voltar a comprar a prázo. Até aqui, tudo bem. Mas depois você dá mais um passo e opina que todos os que têm cartões de crédito ou compram a prestação violam um mandamento bíblico. Para provar o seu ponto, cita: “ A ninguém fiqueis devendo cousa alguma” (Romanos 13.8). Aí você quebra esta importante regra de interpretação. Interpreta a Bíblia à luz da sua experiência pessoal e exige que outros sigam esta interpretação. As Escrituras se fundem lindamente com as experiências da vida. Quanto mais tempo você passar estudando a Bíblia, mais esta verdade se imprimirá em sua vida. Parece que os escritores bíblicos tinham você em mente quando lavraram as suas palavras, tão aguçadas e vívi das são as aplicações. É precisamente por esta razão que você deve ter cuidado para não inverter esta regra. Permita que a Palavra de Deus interprete e amolde as suas experiências, em vez de você interpretar a Escritura a partir das suas experiências. Ao ler a Bíblia, fica evidente que você não deve seguir o exemplo de cada pessoa que encontra. Não precisa seguir o exemplo de Moisés e confron tar os líderes do Egito. Não deve se guir o exemplo do apóstolo Pedro ne gando a Cristo. Estas ilustrações podem parecer simplificadas demais, mas a Bíblia está repleta de exemplos que são dignos de imitação. Você não está obrigado a seguir estes? Sim, se o exemplo ilustra uma ordem bíblica. Não, se o exemplo não tem o apoio de uma ordem bíblica. Jesus Cristo é o homem perfeito. Se há uma vida digna de copiar- se é esta. Quando olhamos para a Sua vida perfeita, se não achamos necessário seguir todos os Seus exemplos, seguir-se-á logicamente que a mesma coisa valerá para o restante da Bíblia. Jesus usava vestes longas e alparcatas. Normalmente andava a pé. Quando dirigiu, foi montando um jumento. Nunca se casou, e nunca saiu dos limites do Seu país natal (exceto na infância, quando Seus pais fugiram para o Egito para escapar do rei Herodes, e uma breve REGRA CINCO Os exemplos bíblicos só tem autoridade quando amparados por uma ordem. 22 Princípios de Interpretação da Bíblia visita à região siro-fenícia). Transparece imediatamente que não se espera que você siga o exemplo de Cristo em áreas como essas. Porexemplo, seguir o exemplo de Cristo quanto a ter permane cido solteiro significaria que os cristãos não devem casar-se; entre tanto, a Bíblia fala bastante sobre a relação conjugal, recomendando-a altamente e usando-a como ilustração da plena relação Cristo-igreja. Jesus foi homem de grande amor e compaixão. Você sabe que tem de seguir o exemplo dele nisso porque Ele disse: “ Novo manda mento vos dou: que vos ameis uns aos, outros; assim como eu vos amei, que também vos ameis uns aos outros. Nisto conhecerão todos que sois meus discípulos, se tiverdes amor uns aos outros” (João 13.34,35). Exemplos tirados da vida de Jesus ou das vidas dos Seus segui dores, não apoiados por ordens, têm algum valor: 1. Um exemplo bíblico pode confirmar o que você pensa que o Senhor o está induzindo a fazer. Você pode achar, por exemplo, que Deus quer que você fique solteiro pelo resto da vida. Visto que na maioria as pessoas se casam, você poderá sentir a pressão dos outros nesta direção. Mas a sua convicção de que o Senhor quer que você fique sem se casar é amparada biblicamente pelo fato de que Jesus nunca se casou. 2. Um exemplo bíblico pode ser rica fonte de aplicações à sua vida. Suponhamos que você esteja lendo o Evangelho Segundo Marcos e faça uma pausa para meditar neste relato: “ Tendo-se levantado alta madrugada, saiu [Jesus], foi para um lugar deserto, e ali orava” (Mar cos 1.35). Depois de pensar e orar, você acha que Deus quer que você passe algum tempo com Ele todas as manhãs, bem cedo. Esta seria uma aplicação apropriada e, sem dúvida, beneficiaria a sua vida espiritual. Contudo, tomar esta aplicação e tentar aplicá-la a outras pessoas seria tomar um exemplo da Bíblia e tratá-lo como se fosse uma ordem. A Escritura nos manda orar; Paulo insta: “ Orai sem cessar” (1 Tessa- lonicenses 5.17). E a Bíblia nos exorta a tomar tempo com a Palavra: “ Habite ricamente em vós a palavra de Cristo; instruí-vos e aconse lhai-vos mutuamente em toda a sabedoria, louvando a Deus, com sal mos e hinos e cânticos espirituais, com gratidão em vossos corações” (Colossenses 3.16). Nenhuma ordem da Escritura diz que isso deve ser feito de manhã cedo, conquanto seja a hora em que Jesus o fez, e talvez seja à melhor hora para você. Cada indivíduo deve deduzir a sua própria aplicação daqueles exemplos não seguidos de ordem. Naturalmente, os mandamentos da Bíblia têm autoridade para toda gente. Não aásim os exemplos bíbli cos, a não ser que sejam amparados por uma ordem. Princípios Gerais de Interpretação 23 Um corolário deste princípio é verdadeiro também: O crente é livre para fazer qualquer coisa que a Bíblia não proiba. Um exemplo claro deste princípio pode-se ver nas atividades da igreja no presente. Uma igreja local pode construir um novo santuário, de senvolver uma grande Escola Dominical, iniciar o trabalho com esco teiros ou fundar uma escola cristã diária. A Bíblia não contém exem plos desses atividades; muito menos as ordena. Todavia, são inteira mente permissíveis. A Bíblia estabelece limites sobre o que não se pode fazer, não sobre o que se pode. Todas as coisas são lícitas, a menos que especificamente proibidas. Uma proibição clara assim aplica-se à esfera do sexo pré-marital e extra-marital. Paulo diz que os envolvidos nisso “ não herdarão o reino de Deus” (1 Coríntios 6.9). O Espírito Santo utiliza a Bíblia para guiar e dirigir as nossas vidas. Quando seguimos a Sua orientação e nos expomos às grandes verdades das Escrituras, nos revestimos mais e mais do caráter de Jesus Cristo. A Bíblia chama este processo de santificação. E na san tificação o Senhor nos dá grande liberdade — liberdade na excitante experiência de tornar-nos semelhantes a Cristo. Quando estudarmos a Bíblia, deveremos fazê-lo com cuidado para não restringirmos esta liberdade, quer para nós, quer para os outros. Para citar os grandes teólogos puritanos do passado: “ A Bíblia é a nossa única regra de fé e prática” . Quando o Espírito Santo superin tendeu o registro da Escritura, Sua in tenção foi que nós, que lemos as Escri turas, aprendamos e apliquemos o que elas nos ensinam. A própria Escritura afirma que esse é o propósito por ela visado. Quando Paulo escreveu a sua Pri meira Epístola aos Coríntios, extraiu argumentos da experiência de Israel durante o êxodo para documentar o seu ponto de vista. Israel cobiçara no deserto coisas que não possuía. Co mentando isto para a igreja de Corinto, Paulo disse: “ Ora, estas cousas se tornaram exemplos para nós, a fim de que não cobicemos as cousas más, como eles cobiçaram” (1 Coríntios 10.6). Dois modos pelos quais você pode aprender uma lição são as experiências pessoais e as experiências alheias. Algumas lições da vida REGRA SEIS O propósito primário da Bíblia é mudar as nossas vidas, não aumentar o nosso conhecimento. 24 Princípios de Interpretação da Bíblia você só pode aprender vivendo-as. Mas algumas lições custam caro demais para serem aprendidas desse modo. O prudente as aprenderá observando as vidas de outros. A incredulidade de Israel durante o êxito custou àquela nação quarenta anos desperdiçados na peregrinação no deserto. Paulo diz aos coríntios que Deus registrou isso para nós, a fim de que não come têssemos os mesmos enganos trágicos. De maneira a mais notável o Senhor nos mostra nas páginas da Bíblia os fracassos e fraquezas (bem como os pontos fortes) do Seu povo, de sorte que possamos aprender com eles. “ Aprendam dos seus pontos fortes e evitem os seus pontos fracos” , é a mensagem do Espírito Santo para nós. Precisamos entender antes de aplicar a lição, mas o entendimento sem a aplicação não torna uma pessoa poderosa. Satanás conhece bem a Bíblia. Sem dúvida passaria em qualquer exame de teologia que se lhe deparasse. Até memorizou a Escritura, o que demonstrou quando citou passagem dos Salmos durante a tentação de Jesus. “ A seguir, foi Jesus levado pelo Espírito, ao deserto, para ser tentado pelo diabo. E, depois de jejuar quarenta dias e quarenta noites, teve fome. Então o tentador, aproximando-se, lhe disse: ‘Se és Filho de Deus, manda que estas pedras se transformem em pães’. “ Jesus, porém, respondeu: ‘Está escrito: Não só de pão viverá o homem, mas de toda palavra que procede da boca de Deus’. “ Então o diabo levou à cidade santa, colocou-o sobre o pináculo do templo. E lhe disse: ‘Se és Filho de Deus, atira-te abaixo, porque está escrito: “ Aos seus anjos ordenará a teu respeito;” e: “ Eles te susterão nas suas mãos, para não tropeçares nalguma pedra” ’ (Salmo 91.11,12). “ Respondeu-lhe Jesus: ‘Também está escrito: “ Não tentarás o Senhor teu Deus” .’ “ Levou-o ainda o diabo a um monte muito alto, mostrou-lhe todos os reinos do mundo e a glória deles, e lhe disse: ‘Tudo isto te darei se, prostrado, me adorares’. “ Então Jesus lhe ordenou: ‘Retira-te, Satanás, porque está escrito: “ Ao Senhor teu Deus adorarás, e só a ele darás culto” .’ Com isto o deixou o diabo, e eis que vieram anjos, e o serviam” (Mateus 4.1-11), “ Até os demônios crêem, e tremem” , é a colocação feita por Tiago (Tiago 2.19). A Bíblia não nos foi dada para que pudéssemos ficar espertos como o diabo; foi-nos dada para que pudéssemos tornar-nos santos como Deus. Pedro escreveu: “ [Ele nos deu] as suas preciosas e mui grandes promessas para que por elas vos torneis co-participan- tes da natureza divina, livrando-vos da corrupção das paixões que há no mundo” (2 Pedro 1.4). Princípios Gerais de Interpretação 25 Paulo aconselhou a Timóteo: “ Toda Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção, para a educação na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra (2 Timóteo 3.16,17). Toda Escritura foi dada com este fim em mente — que modele as nossas vidas. Contudo, ao procurar aplicar “ toda Escritura” , você deve ter o cuidado de lembrar duas coisas. Estas podem ser firmadas comocorolários da regra em foco. * * * 1. Algumas passagens não devem ser aplicadas da mesma maneira como foram aplicadas na ocasião em que foram escritas. Suponhamos que você está lendo o livro de Levítico, procurando fazer uma aplicação à sua vida, e você lê: “ Esta é a lei da oferta pela culpa: cousa santíssima é. No lugar onde imolam o holocausto, imola rão a oferta pela culpa, e o seu sangue se espargirá sobre o altar em redor” (Levítico 7.1,2). Uma aplicação errônea seria fazer a mesma coisa que os sacerdotes do Velho Testamento faziam: oferecer sacrifí cio de animais. Diz o Novo Testamento que Jesus Cristo “ aboliu na sua carne a lei dos mandamentos na forma de ordenanças” (Efésios 2.15). Talvez lhe fosse possível aplicar esta passagem de Levítico com o propósito de refletir sobre quão grande preço o Salvador pagou para que você fosse perdoado de cada um dos seus pecados, usando o sis tema sacrificial do Velho Testamento como ponto de referência. A Bíblia oferece outra possível aplicação: “ Por meio de Jesus, pois, ofereçamos a Deus, sempre, sacrifício de louvor, que é o fruto de lábios que confessam o seu nome. Não negligencieis igualmente a prá tica do bem e a mútua cooperação; pois com tais sacrifícios Deus se compraz” (Hebreus 13.15,16). 2. Quando você aplicar uma passagem, deverá fazê-lo em harmonia com a interpretação correta. Por exemplo, o nosso Senhor vem descendo do Monte da Trans figuração quando encontra alguns dos Seus discípulos tentando curar um lunático (Mateus 17.14-16). Visto que são incapazes de fazê-lo, o pai do menino vai a Jesus em busca de socorro. Jesus expulsa o espírito imundo e mais tarde os discípulos frustrados perguntam por que não o puderam fazer. Jesus responde: “ Por causa da pequenez da vossa fé. Pois em verdade vos digo que, se tiverdes fé como um grão de mos tarda, direis a este monte: ‘Passa daqui para acolá,’ e ele passará. Nada vos será impossível” (17.20). 26 Princípios de Interpretação da Bíblia Se você estivesse aflito pela enfermidade incurável de um ente querido, poderia ler esta passagem e, fazendo a aplicação, poderia pensar que unicamente por sua falta de fé foi impedido de curá-lo. Você tenta curá-lo, mas a pessoa mor^r. Assim, você se culpa e pensa: Talvez seja por algum pecado em minha vida que não pude curá-lo. Provavelmente nem pecado nem incredulidade eram o seu pro blema. Simplesmente interpretou mal a passagem. Pouco antes, Jesus tinha dado instruções específicas aos Seus discípulos: “ Curai enfermos, ressuscitai mortos, purificai leprosos, expeli demônios; de graça rece bestes, de graça dai” (Mateus 10.8). Eles foram censurados por sua falta de fé porque tinham recebido ordem do Senhor para curar, e tinham sido dotados de poder pertinente para fazê-lo. A você Deus não deu essa ordem específica. Todas as partes da Bíblia são aplicáveis a você, todavia, a inter pretação correta é essencial, antes de procurar fazer aplicação. Falhar nisso pode levar a mal-entendido e desgosto desnecessários. Tenha o cuidado de interpretar corretamente a passagem; depois, devotamente faça a aplicação. Este princípio foi um dos abran gentes fundamentos da Reforma Pro testante do século dezesseis. Por cen tenas de anos o povo dependera de que a igreja fizesse o estudo e a inter pretação das Escrituras para ele. Não havia traduções da Bíblia na língua do povo. Quando se faziam tentativas para produzir essas traduções, a igreja as suprimia à força. Hoje existem múltiplas traduções e paráfrases ao alcance de todos, tor nando fácil o acesso à Bíblia para quem quer que saiba ler. Todavia, a nossa geração parece estar produzindo um povo biblicamente iletrado. Mesmo entre cristãos conscientes a Bíblia é pouco mais que um livro de devoção no qual se pode “ encontrar” Deus. O aprofundamento em busca das grandes verdades da Bíblia é deixado aos teólogos e outros “ expertos” . É como se estivéssemos voltando aos dias anteriores à Reforma. A presença do Espírito Santo e o poder que a língua tem de comunicar a verdade combinam-se para dar-íhe tudo que você precisa para estudar e interpretar pessoalmente a Bíblia. No ministério do REGRA SETE Cada cristão tem o direito e a responsabilidade de investigar e interpretar pessoalmente a Palavra de Deus. Princípios Gerais de Interpretação 27 Senhor Jesus, Ele repreendeu os judeus do Seu tempo por sua incapa cidade de compreender quem era Ele. Jesus atribuiu este fracasso deles diretamente à ignorância das Escrituras: “ Examinais as Escrituras, por que julgais ter nelas a vida eterna, e são elas mesmas que testificam de mim” (João 5.39). Mais tarde Jesus disse que um sinal distintivo daquele que é Seu discípulo é que permaneça “ em minha palavra” (João 8.31). No de correr das epístolas esse tema é desenvolvido e salientado. “ Habite ricamente em vós a palavra de Cristo; instruí-vos e aconselhai-vos mu tuamente em toda a sabedoria, louvando a Deus, com salmos e hinos e cânticos espirituais, com gratidão, em vossos corações” (Colossen- ses 3.16). Paulo admoestou os crentes de Colossos. A seu filho na fé fez esta colocação: “ Procura apresentar-te a Deus, aprovado, como obreiro que não tem de que se envergonhar, que maneja bem a palavra da verdade (2 Timóteo 2.15). O estudo em profundidade nem sempre lhe dá as respostas que procura. Muitas vezes você encontrará uma verdade cujas profundi dades lhe escapam. E a sua mente é constituída de modo tal, que você pode fazer mais perguntas do que pode responder.. O estudo da Bíblia não responderá a todas as suas questões. As respostas a algumas delas virão mais tarde, como o descobrimento da peça que falta num jogo de quebra-cabeças. Algumas jamais serão respondidas deste lado do céu. A apreciação dos mistérios da fé cristã é em si mesma um sinal de maturidade. Quando a sua interpretação particular o conduzir a uma conclu são diversa do significado histórico que os homens de Deus têm dado à passagem, deverá brilhar na sua mente a luz amarela da advertência. Qualquer conclusão a que você chegue, que seja diferente da posição evangélica histórica, deve ser considerada suspeita. Na maioria das vezes, depois de mais amplo estudo, você verá que errou em sua interpretação pessoal. Se você tiver na Escola Dominical a bênção de um pastor que exponha fielmente a Bíblia, terá nisso uma herança realmente rica. Contudo, isto poderia levá-lo a descansar em outros que o alimentem, em vez de disciplinar-se para você mesmo alimentar a sua própria alma. Não deve ser uma proposição do tipo “ ou isto/ou aquilo” , mas, “ tanto/como” . Você deve manter equilíbrio entre ser ensinado por outros e alimentar-se a si próprio. Quanto mais apto você ficar para o estudo pessoal da Bíblia, mais se fiará no seu pastor como um meio de testar a maneira como você interpretou dada passagem, e não como a fonte primária da sua perspectiva escriturística. Mesmo quando aprender verdades espirituais pela pregação feita por outros, você tem a responsabilidade de pesar essas verdades com 28 Princípios de Interpretação da Bíblia aquilo que encontrar no seu estudo pessoal da Bíblia, e de formar as suas próprias convicções. Foi isso que tornou nobre aos olhos de Lucas a igreja de Beréia. Note o que ele disse daqueles crentes: “ Ora, estes de Beréia eram mais nobres que os de Tessalônica; pois receberam a palavra com toda a avidez, examinando as Escrituras todos os dias para ver se as cousas eram de fato assim" (Atos 17.11). Sublinhe as palavras toda a avidez/ O s nobres bereanos recebe ram o ensino de Paulo com mente aberta e com atenção. Mas não pararam aí. Quando Paulo estava realizando o seu trabalho de prega ção, eles examinavam “ as Escrituras todos os dias para ver se as cousas eram de fato assim” (isto é, para ver se o que Paulo dizia era verdade). Que combinação! Ouça, atentamente a Palavra e depois estude a Bíblia para formar as suas próprias convicções. 7 Quando você aceita umaidéia simplesmente porque outra pessoa lhe afirma que é assim, você causa um curto-circuito no processo, ainda que o que lhe foi dito seja exato e merecedor de fé. Você creu na coisa certa pelo motivo errado. Não se tornou ainda uma convic ção sua. Aí está por que tantos cristãos se tornam presas de grupos heréticos como as testemunhas de Jeová e os mórmons. Uma diferente ilustração expressa o mesmo ponto. Um amigo cristão o incentiva a memorizar a Escritura. Você o faz porque ele lho disse. Você não está convicto de que deve fazê-lo, e o trabalho é árduo. Depois de um começo entusiástico, você se descuida. Exami- nando-se a si mesmo, julga-se infiel, esquece logo os versículos que tinha decorado, e desanima. Somente se se convencer de que Deus quer que memorize o texto bíblico, você saltará os obstáculos do desa lento e prosseguirá para a vitória. Como já vimos, Deus nos manda passar tempo com Ele nas Escri turas. Memorizar a Escritura, porém, é um método de penetrar na Palavra. Você pode não estar necessariamente convencido quanto ao método que outros empregam. Neste caso, deve ir à presença do Senhor e perguntar-lhe como Ele quer que você proceda à investigação e interpretação da Bíblia. Cinco métodos de estudo da Bíblia são apresentados no livro Métodos de Estudo Bíblico, deste Àutor. O método é um veículo para aprofundamento na Palavra. O processo de cavar fundo na Escritura e chegar à sua conclusão pessoal é o que transforma simples crenças em convicções solidamente firma das. Envolver-se nesse processo é, não só seu' direito como filho de Deus, mas também sua solene responsabilidade. Princípios Gerais de Interpretação 29 Na introdução deste livro, com paramos a autoridade da razão~e da tradição com a autoridade da Escritu r a Conquanto todas as três autorida des sejam importantes e tenham seu lugar próprio, a razão e a tradição têm de se render à Escritura. Quando hou ver desacordo entre os três tipos de autoridade, a Escritura tem de ser o supremo tribunal de recursos. Há um lugar próprio para a razão e para a tradição, e aqui desejamos examinar o lugar da tradição, ou da história da igreja. Por amor à simplicidade igualamos ambas. Muitas doutrinas consideradas essenciais pelos evangélicos são implícitas nas Escrituras. Porque implícitas, e não estabelecidas expli citamente, houve tempo em que eram muito controvertidas. Devemos à história da igreja o fato de que tais questões tenham sido resolvidas. Uma dessas doutrinas é a da divindade de Jesus Cristo, isto é, que Ele é coeterno com o Pai, que Ele é Deus. Nunca houve época em que Ele não o fosse. Ele é “ verdadeiro Deus de verdadeiro Deus” . Esta doutrina é bíblica. Vem ensinada em várias partes da Bíblia. O prólogo do Evangelho de João dá-nos claro exemplo: “ No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus. . . . E o Verbo se fez carne, e habitou entre nós” (João 1.1,14). A correta interpretação desta passagem e de outras correlatas veio com o amadu recimento da igreja. Somos devedores à história da igreja que registra o que os crentes do passado malharam na bigorna da sondagem da alma, da investigação escriturística e do debate. " k * * Eis um corolário desta regra: A igreja não determina o que a Bíblia ensina; a Bíblia determina o que a igreja ensina. As interpretações da igreja têm autoridade somente na medida em que estejam em harmonia com os ensinamentos da Bíblia como um todo. Não houve o propósito de que a história fosse decisiva na inter pretação da Escritura, pois houve ocasiões em que a igreja não foi fiel à Palavra de Deus. Nos primórdios dos tempos medievais ela ensinou o celibato clerical, que os sacerdotes não poderiam se casar nunca. REGRA OITO A história da igreja é importante, mas não decisiva na interpretação da Escritura. 30 Princípios de Interpretação da Bíblia Mais tarde, no mesmo período medieval, exaltou Mana à posição de igualdade com Deus. Estas determinações foram da igreja, não da Bíblia. As interpretações da igreja precisam ser estucadas e avaliadas cuidadosamente à luz daquilo que a Bíblia ensina. Contudo, tendo expressado esta palavra de cautela, é preciso que não passemos por alto a importância da história da igreja. Ela pode dar a você um ponto de aferição e de equilíbrio no seu estudo pessoal da Bíblia. Consta que Charles H. Spurgeon, o famoso pregador inglês, disse: “ Parece estranho que certos homens que falam muito do que o Espírito Santo lhes revela pensem tão pouco do que Ele revelou a outros” . Há um importante lugar para os comentários e os credos na formulação da doutrina. Os santos de Deus do passado têm muito que nos dizer hoje, se tão somente lhes dermos ouvidos. Muitos crentes fiéis reagem exageradamente recusando-se a dar consideração a qualquer outra fonte que não a Bíblia, e não sem razão. O ataque à Palavra de Deus tem sido feroz nestas últimas décadas. Muitos credos históricos da igreja foram revistos e diluídos para a inclusão das tendências filosóficas da época. Tenha o cuidado de man ter equilíbrio aqui. Aprenda da história e reconheça a sua importante contribuição, lembrando-se no entanto de que a Bíblia é o árbitro final em todas as questões pertencentes à fé e à prática. As promessas de Deus, que se acham na Bíblia, são um meio pelo qual Deus revela Sua vontade aos ho mens. Ao dizer isto, devemos reconhe cer que reclamar promessas é algo sub jetivo. Por conseguinte, assim se dá com o uso de qualquer método para determinar a vontade de Deus para a vida de uma pessoa. Muita gente fica inquieta quando se usam as promessas bíblicas, em parte porque muitas vezes elas são mal utilizadas. Uma caricatura nada engra çada de uma pessoa em busca de uma promessa bíblica, mostra-a abrindo a a Bíblia com os olhos fechados e pondo o dedo no meio da página. Onde o dedo marca, ali está a promessa de Deus para ela. O problema não é pretender uma promessa em si, mas descobrir a vontade de Deus. Ao reclamar as promessas de Deus, tenha a mesma cautela que tem quando procura descobrir a vontade de Deus. O Senhor requer que em tudo ajamos baseados na fé. As promessas REGRA NOVE As promessas de Deus na Bíblia toda estão disponíveis ao Espírito Santo a favor dos crentes de todas as gerações. Princípios Gerais de Interpretação 31 sãonos dadas como valioso instrumento para ajudar-nos a reagir ade quadamente. Reclamar as promessas de Deus é uma forma específica de apli cação. Note na Regra Seis a ênfase dada à aplicação: O propósito primário da Bíblia é mudar as nossas vidas, não aumentar o nosso conhecimento (pág. 24). Exatamente como é essencial que você inter prete apropriadamente a passagem antes de aplicá-la, também é essen cial interpretar apropriadamente a promessa antes de reivindicá-la. Se você não for cuidadoso sobre o que diz a passagem, todos os tipos de interpretação fantasiosa podem seguir-se. Por exemplo, você pode desejar que o Senhor guie a sua vida. Depois de muita oração, você apela para Isaías 30.21: “ Quando te desviares para a direita e quando te desviares para a esquerda, os teus ouvidos ouvirão atrás de ti uma palavra, dizendo: ‘Este é o caminho, andai por ele’ ” . Você pede ao Senhor que lhe diga quando virar à direita e quando à esquerda. De agora em diante você vai receber as indicações do rumo diretamente de Deus, pois não foi isto que Ele prometeu? Estudando o contexto de Isaías 30.21, você vê que a palavra que lhe é dita por detrás é dos seus mestres. É de Deus, sim, mas através dos seus mestres. Falhar na interpretação adequada do versículo po derá levá-lo a entender mal como Deus quer guiá-lo. É-lhe permissível reclamar uma promessa fora do seu contexto histórico, contanto que seja fiel ao que diz e significa a passagem. Digamos, por exemplo, que você está cercado por circunstâncias adver sas e sofre acusação falsa. Você ora, pedindo a Deus que o oriente. Ele o induz a apoiar-se em Êxodo 14.14:“ O Senhor pelejará por vós, e vós vos calareis” . Esta promessa foi feita originalmente a Moisés quando Israel estava rodeado de circunstâncias adversas. Mas com esta promessa Deus aquieta o seu coração, e você espera nele para que as coisas andem. A Bíblia dá numerosos incentivos para contarmos com as promes sas desta maneira. Pedro, exortando o seu rebanho a uma vida devota e santa, disse: “ Visto como pelo pelo seu divino poder nos têm sido doadas todas as cousas que conduzem à vida e à piedade, pelo conhe cimento completo daquele que nos chamou para a sua própria glória e virtude, pelas quais nos têm sido doadas as suas preciosas e mui grandes promessas para que por elas vos torneis co-participantes da natureza divina, livrando-nos da corrupção das paixões que há no mundo” (2 Pedro 1.3,4). O salmista o expressou deste modo: “ O con selho do Senhor dura para sempre, os desígnios do seu coração por todas as gerações” (Salmo 33.11). É importante assumir atitude apropriada ao abordar as promessas. 32 Princípios de Interpretação da Bíblia O Senhor lhas deu para ajudá-lo a fazer a Sua vontade. No entanto, muitas vezes as pessoas as usam para tentar levar Deus a fazer a von tade delas. Diz a Bíblia: “ Até agora nada tendes pedido em meu nome; pedi, e recebereis, para que a vossa alegria seja completa” (João 16.24). Foi Jesus mesmo quem fez essa promessa. Você ama alguém e quer casar-se com essa pessoa. Ou você e seu cônjuge querem um filho. Assim, você apela para esta promessa, mas não recebe o que deseja. Por quê? Possivelmente porque Deus não lhe fez aquela pro messa particular. Você se apropriou dela. Mas Deus não é seu servo; você o é dele. Você frustra o propósito das promessas quando as faz servi-lo. Promessa é compromisso de Deus, de fazer alguma coisa, e requer sua resposta de fé em forma de obediência. Às vezes essa obediência significa esperar pacientemente que o Senhor faça o que Ele promete. Outras vezes pode significar lançar-se ao desconhecido ou enfrentar grandes riscos. As promessas de Deus constituem o fundamento da expressão da fé. Sem a promessa você não tem base para pedir. Com a promessa você responde pela fé. A fé é sempre ativa, nunca passiva. Quando você, pela fé, responde à promessa de Deus, Sua vontade é feita e Ele é glorificado. Suponhamos que você responda à promessa e ela não se cumpra. A aparência é de que Deus não fez o que prometeu. A que conclusões pode chegar? Há três possibilidades: 1. Deus o deixou na mão. Ele não conseguiu finalizar Sua parte no trato. Sendo assim, a Bíblia não merece fé; não vale a pena seguir a Cristo; em suma, o Deus das Escrituras não existe. Pois Deus mesmo disse: “ Deus não é homem, para que minta; nem filho do homem, para que se arrependa. Porventura, tendo ele prometido, não o fará? ou tendo falado, não o cumprirá?” (Números 19.23). Embora coloquemos “ Deus o deixou na mão” como uma possível conclusão, é na verdade uma impossibilidade. É uma impossibilidade porque Deus promete que nunca falhará conosco. Paulo estava falando com Timóteo quando disse, sobre a fidedignidade de Deus: “ Ele per manece fiel, pois de maneira nenhuma pode negar-se a si mesmo” (2 Timóteo 2.13). Podemos rejeitar esta primeira possibilidade de conclusão simplesmente porque Deus sempre cumpre o que promete. 2. Você errou ao reclamar a promessa. Esta é uma possibilidade desagradável, mas real. Se você já teve a desventura de esperar o cum primento de uma promessa que Deus nunca tencionou para você, não pense que está sozinho nisso. Muitos já o fizeram. Normalmente acon tece isso quando os seus motivos ficam confusos. A promessa foi requerida com o sincero desejo de fazer a vontade de Deus e nada Princípios Gerais de Interpretação 33 mais? Ou você queria uma intervenção em algum ponto do seu percurso? Se você verificou que procurava somente agradar a Deus, deve então suspender o julgamento sobre o que aconteceu. Até Paulo não tinha certeza dos seus motivos. Disse ele: “ Todavia, a mim mui pouco se me dá de ser julgado por vós, ou por tribunal humano; nem eu tão pouco julgo a mim mesmo. Porque de nada me argúi a consciência; contudo, nem por isso me dou por justificado, pois quem me julga é o Senhor. Portanto, nada julgueis antes de tempo, até que venha o Senhor, o qual não somente trará à plena luz as cousas ocultas das trevas, mas também manifestará os desígnios dos corações; e então cada um receberá o seu louvor da parte de Deus (1 Coríntios 4.3-5). Deus conhece o seu coração e algum dia revelará o que aconte ceu. Talvez você se tenha apropriado erroneamente da promessa, mas resta uma terceira opção. 3. A promessa se cumprirá numa ocasião posterior e/ou de um modo que você não espera. Deus prometeu a Abraão que os seus des cendentes seriam numerosos como as estrelas dos céus. Ele e Sara con tinuaram esperando pacientemente pelo cumprimento depois de Sara já ter passado da menopausa e estando Abraãó com quase 100 anos de idade. Tinham tentado ajudar Deus a cumprir a Sua promessa, mas tudo em vão. Abraão tivera um filho com a criada de Sara, Hagar, mas não era isso que Deus tinha em mente. A velhice atingira o casal e ainda não havia filhos. Não haveria de ocorrer o cumprimento natu ral da promessa. Deus a queria cumprida de maneira sobrenatural. Falando disso, diz o escritor de Hebreus: “ Ora, todos estes que obtiveram bom testemunho por sua fé, não obtiveram, contudo, a concretização da promessa’ ’ (Hebreus 11.39). Ali estavam os heróis de Deus, os heróis da fé, que não viveram para ver cumpridas as promessas de Deus. Deus as cumpriu noutra geração. Eles não “ abandonaram o navio” e desistiram. Apegaram-se com tenacidade às promessas e confiaram 'em que Deus as cumpriria a Seu modo. Deus não falhou com você, e talvez você não tenha errado ao reclamar a promessa. O Senhor poderá cumpri-la de um modo e numa ocasião que você nem desconfia. O que todos devemos estar tentando seguir é a vontade de Deus conforme o calendário e o horário de Deus. • k k k Talvez seja útil considerar os dois tipos de promessas que se acham na Bíblia. 1. Promessas Gerais. São feitas pelo Espírito Santo a todos os crentes. Qüando foram escritas pelo autor não visavam a nenhuma 34 Princípios de Interpretação da Bíblia pessoa ou época em particular. Antes, são gerais, isto é, destinadas a todas as pessoas, de todas as gerações. Eis um exemplo deste tipo de promessa: “ Se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda injustiça” (1 João 1.9). Esta promessa era válida para as pessoas a quem João estava escrevendo, e é igualmente válida para você hoje. Há muitas promessas dessg tipo na Bíblia toda. 2. Promessas Específicas. São feitas pelo Espírito Santo a indiví duos específicos em ocasiões específicas. Como as promessas gerais, as específicas são-lhe disponíveis, de acordo com a direção do Espí rito Santo. A diferença é que as promessas específicas têm de ser feitas pelo Espírito Santo especificamente a você como o foram aos beneficiários originais. Neste sentido elas são muito mais subjetivas do que as promessas gerais. Você pode saber que todas as promessas gerais são-lhe dadas, e a todos os demais. Contudo, as promessas específicas estão disponíveis para você, más não lhe pertencerão, a não ser que lhe sejam dadas por Deus. As promessas específicas são dadas mais freqüentemente para orientação e bênção. O Espírito Santo pode querer fazer-lhe uma promessa específica para ajudá-lo a determinar a Sua vontade. Isto é, quando Ele quer guiá-lo numa direção particular. Exemplo: “ As tuas portas estarão abertas de contínuo; nem de dia nem de noite se fecharão, para que te sejam trazidas as riquezas das nações, e, conduzidos com elas, os seus reis” (Isaías 60.11). Quando você ora, meditando neste versículo, e fica crescente mente convencido de que o Senhor quer que você o aplique à sua vida, talvez você se decidaa abrir sua casa vinte quatro horas por dia para todos os que o Senhor lhe enviar. A promessa foi feita originalmente ao Messias, mas o Espírito de Deus pode fazê-la a você, para o seu ministério. Em sua primeira viagem missionária, Paulo e Barnabé sofreram oposição dos judeus quando ministravam a Palavra em Antioquia da Pisídia. Sentiram-se chamados por Deus para os gentios, e para tornar concreta essa orientação Paulo citou Isaías: “ Porque o Senhor assim no-lo determinou: ‘Eu te constituí para luz dos gentios, a fim de que sejas para salvação até aos confins da terra’ ” (Atos 13.47; ver Isaías 42.6,7). Paulo citou um versículo messiânico que o Senhor lhe dera para orientação. Bênção é outro modo pelo qual as promessas específicas podem ser utilizadas. Pode suceder que o Espírito S^nto não esteja procuran do guiá-lo, mas simplesmente revelar a bênção que planeja para a sua vida. Para ilustrar isto, digamos que a sua igreja esteja sem pastor. Princípios Gerais de Interpretação 35 O último fora insatisfatório, e os dirigentes da igreja têm sido caute losos na busca do sucessor. Passaram-se meses, e você está preocupa do, querendo que o Senhor dê o pastor certo. Orando sobre a situação, o Senhor lhe dá certeza de Sua bênção prometida com as palavras: “ Dar-vos-ei pastores segundo o meu coração, que vos apascentem com conhecimento e com inteligência” (Jeremias 3.15). Visto que as promessas específicas são subjetivas, se faz pouco tempo que você é cristão, é melhor ficar com as promessas gerais que se acham no Novo Testamento durante o primeiro par de anos. Quando se julgar pronto para requerer promessas específicas, deverá seguir certas linhas de roteiro: 1. O Espírito de Deus as faz aos cristãos, individualmente, em ocasiões particulares das suas vidas, conforme Lhe apraz. 2. Muitas vezes as promessas são condicionais, e a condição é obediência. Você pode captar a condição pela presença da pequena palavra se no versículo ou no contexto. 3. O Espírito Santo de Deus é soberano. “ O conselho do Senhor dura para sempre, os desígnios do seu coração por todas as gerações” (Salmo 33.11). EJè pode falar partindo de qualquer passagem, a qual quer pessoa, em qualquer ocasião. 4. Não prejulgue o Senhor sobre quando e como a promessa se cumprirá em sua vida. 5. Deus faz Suas promessas para tornar você mais dependente dele, não independente. Busque-as com espírito de dependência e humildade. 6. O propósito de Deus é glorificar-se fazendo-lhe promessas. Nunca deixe de Lhe dar glória quando se cumprir a promessa. Mais uma precaução é oportuna antes de concluir este ponto. Quando você reivindica uma promessa da Bíblia, você está determi nando a vontade de Deus nessa matéria particular. Por sua vez, isto o isola de qualquer outro conselho, pois, quem quer aconselhar contra a vontade de Deus? Digamos, por exemplo, que você está orando e buscando conselho acerca da mudança de emprego. Você pode apoiar- se numa promessa da Palavra que com efeito lhe diz: “ A vontade de Deus é que se faça a mudança” . Nesse ponto não se necessita mais nenhum conselho. Agora você precisa agir com base no que Deus disse. Todavia, fazendo isso você coloca toda a responsabilidade da decisão sobre os seus ombros. Você mesmo determinou qual é a von tade de Deus. Isto não é mau, a menos que você tenha reclamado erroneamente a promessa. A precaução consiste em garantir que você dê tempo e oração suficientes para tornar a promessa uma convicção em sua alma, de que é verdadeiramente isso que Deus quer. 3 Princípios Gramaticais de Interpretação Os princípios gramaticais tratam das palavras do texto propria mente ditas. Como você deverá entender as palavras e frases das passagens em estudo? Que regras básicas devem ser lembradas no trato do texto? Estes princípios respondem a essas questões. * ★ * Nos afazeres diários da vida, ne nhuma pessoa séria, conscienciosa, pretende que o que diz ou escreve tenha diversidade de sentidos. Ao con trário, deseja que o sentido óbvio e verdadeiro seja compreendido por seus ouvintes ou leitores. Se você fosse dizer a um auditório: “ Atravessei o oceano dos Estados Unidos à Europa” , não gostaria que interpretassem a sua afirmação como significando que você REGRA DEZ A Escritura tem somente um sentido, e deve ser tomada literalmente. Princípios Gramaticais de Interpretação 37 atravessou as difíceis águas da vida até o porto de uma nova experiên cia. Semelhantemente, nenhum jornalista gostaria de escrever sobre a fome e os sofrimentos de um país como a Índia e ver as suas palavras interpretadas com o sentido de que o povo da Índia está experimen tando grande fome intelectual. Por mais ridículo que isso pareça, grande parte da igreja ecumê nica faz precisamente isso em sua interpretação da Bíblia. Chamam-lhe emprego de “ palavras conotativas” . Exemplo: não empregam reconci liação no sentido bíblico de um homem reconciliar-se com Deus. Tiram a palavra de passagens bíblicas, dão-lhe o sentido que querem, e falam de reconciliação de homem com homem. Redenção não é empregada no sentido escriturístico de o homem ser salvo do pecado e do castigo. Em vez disso, tomam essa palavra de um texto bíblico, dão-lhe dife rente “ conotação” , e opinam que ela tem que ver com melhoria socio lógica e cultural. Para comunicar, você precisa presumir (1) que o verdadeiro pro pósito da palavra é transmitir pensamento, e (2) que a língua é um meio de comunicação digno de confiança. Portanto, a interpretação literal, no contexto, é a única interpre tação verdadeira. Se você não tomar literalmente a passagem, todos os tipos de interpretação fantasiosa podem resultar disso. Quando você encontrar uma passagem para a qual o contexto indica uma interpretação literal,, e você preferir dar-lhe outra interpre tação, não literal, avalie cuidadosamente os seus motivos. Com toda a sinceridade que lhe for possível, responda as seguintes perguntas: 1. Estarei pondo em dúvida que esta passagem é literal porque não quero obedecer-lhe? Por exemplo, Paulo diz: “ Conservem-se as mulheres caladas nas igrejas, porque não lhes é permitido falar; mas estejam submissas como também a lei o determina” (1 Coríntios 14.34). Você responde dizendo que isso era questão de cultura, impor tante nos dias de Paulo, não porém em nossos dias. O que o levou a essa conclusão? O desejo de não fazer o que a Bíblia manda, ou o desejo sincero de agradar a Deus e cumprir os Seus mandamentos? Se for o primeiro, você estará pisando em terreno movediço e precisará encarar a questão do senhorio em sua vida. Se for o segundo, você estará livre para continuar o seu estudo e ver se as regras de interpre tação autorizam essa conclusão. 2. Estarei interpretando esta passagem figuradamente porque ela não se enquadra na minha tendência teológica preconcebida? Um inci dente do Velho Testamento dá-nos um exemplo: “ Então [Eliseu] subiu dali a Betei; e, indo ele pelo caminho, uns rapazinhos saíram da 38 Princípios de Interpretação da Bíblia cidade, e zombavam dele, e diziam-lhe: ‘Sobe, calvo; sobe, calvo!’ Virando-se ele para trás, viu-os e os amaldiçoou, em nome do Senhor; então duas ursas saíram do bosque, e despedaçaram quarenta e dois daqueles meninos” (2 Reis 2.23,24). A sua reação imediata talvez seja que jamais Deus poderia permitir que ocorresse um incidente dessa espécie. Deus não é assim! Uma vez mais você precisa fazer uma pausa e analisar os seus motivos. Sua reação a essa passagem nasceu da sua perplexidade em face do que se relata que Deus fez? Se a sua conclusão é resultado da sua tentativa de fazer Deus comportar-se como você acha que Ele deve comportar-se, outra vez está errada toda a sua abordagem da interpretação. Você é servo de Deus. A sua tarefa é entender quem Ele é e o que Ele espera. O objetivo do seu estudo da Bíblia não é confirmar as suas idéias daquilo a que Deus se assemelha. A aplicação das regras de interpretaçãosempre deve basear-se num motivo correto. Assim, determine qual é o sentido usual e ordinário da palavra e considere esse o significado correto, a menos que o contexto exija outra coisa. Nenhuma afirmação deve ser considerada como tendo mais de um sentido. Nenhuma palavra pode significar mais que uma coisa, segun do o emprego dela feito na passagem. A mesma palavra pode, todavia, variar de sentido dentro da mesma sentença, quando usada mais de uma vez. Exemplo disto: “ Deus é espírito; e importa que os seus adoradores o adorem em espírito e em verdade” (João 4.24). Espírito é empregada duas vezes neste versículo. Na primeira vez refere-se ao Espírito Santo, pois diz: “ Deus é espírito” , e o Espírito Santo é Deus. No segundo emprego da palavra espírito pode-se depreender do con texto que ela se refere, não a Deus, mas à totalidade da pessoa no íntimo — o seu ser interior essencial, o seu coração. A palavra espírito muda de sentido, mas a palavra não pode significar mais que uma coisa por vez. Isto é, espírito, segundo o emprego feito desta palavra na primeira vez, só pode significar Deus. Jamais pode significar qual quer outra coisa. Quando uma passagem ou palavra parece ter mais de um sentido, escolha a interpretação mais clara. O significado mais óbvio geral mente é o correto. Quebra-se esta regra com freqüência. Por exemplo, na alimenta ção dos 5000 feita por Jesus, a maioria das pessoas, lendo o relato, aceita que ele significa o que diz. Entretanto, alguns intérpretes pre tendem fazer-nos acreditar que o real significado da passagem é que Jesus extraiu das multidões um latente espírito de generosidade. Quan Princípios Gramaticais de Interpretação 39 do viram que o menino compartilhou o seu almoço, seguiram o seu exemplo tirando os alimentos de sob os seus mantos. Antes de ficarmos muito severos com os que fazem mau uso da Escritura desse jeito, devemos examinar as nossas próprias práticas. O livro de Juizes relata a história do voto que Jefté fez a Deus. Se Deus lhe concedesse a vitória, ele ofereceria em sacrifício a primeira coisa que encontrasse ao voltar para casa. O que encontrou foi a sua amada filha. O voto de Jefté fora: “ Eu o oferecerei em holocausto” , ou seja, oferta queimada (Juizes 11.31). Depois o registro afirma que “ lhe fez segundo o voto por ele proferido” (11.39). Você pode facilmente ficar perplexo com tais histórias e concluir que não se passaram exatamente como foram escritas. O pensamento de um homem oferecendo a própria filha em sacri fício ao Deus das Escrituras é, para dizer o mínimo, repulsivo. Como seria fácil tomar as ferramentas da interpretação e tirar uma conclusão diferente. Quando você se sentir sob tal compulsão, lembre-se desta importante regra de interpretação: A Escritura tem somente um sen tido, e deve ser tomada literalmente. Nos dias finais do ministério de Jesus, Ele contou várias parábolas so bre o reino dos céus. Uma delas é a parábola das dez virgens (Mateus 25.1-13). Cinco eram sábias porque tinham azeite suficiente para as suas lâmpadas, e cinco eram néscias por que não tinham. Por que se usava a lâmpada nas antigas festas de casa mento? Com que se assemelhava? Estas são algumas perguntas que o estudante deve fazer quando estudar essa passagem. Aí está um exemplo na necessidade de entender o sen tido e o uso da palavra na época em que foi escrita. Determinar o correto sentido das palavras da Bíblia não é parti cularmente difícil hoje em dia. Muitas excelentes traduções estão a disposição, e quando o sentido de uma palavra não ficar claro com elas, um bom dicionário bíblico será proveitoso. Ocasionalmente o escritor bíblico dará seu próprio significado a uma palavra em particular. Por exemplo, Jesus expulsou “ os cam bistas” (João 2.14) do templo. Os judeus não gostaram disso e come çaram a argüí-lo. Jesus respondeu-lhes dizendo: “ Destruí este santuá rio, e em três dias o reconstruirei” . Disseram os judeus: “ Em quarenta REGRA ONZE Interprete as palavras no sentido que tinham no tempo do autor. 40 Princípios de Interpretação da Bíblia e seis anos foi edificado este santuário, e tu, em três dias, o levanta rás?” Naturalmente Jesus estava falando do “ santuário” do Seu corpo (João 2.19-21). Diz-nos João que o santuário a que Jesus se referiu era o Seu corpo. Dá-nos aqui o sentido da palavra santuário. Pouco antes, João falara dos “ cambistas” . Não explicou quem eram e o que faziam, de modo que você precisa pesquisar para encontrar pessoalmente a res posta. Recorrendo a um dicionário bíblico ou a um comentário do Evangelho de João, você encontrará a sua resposta. Paulo interpreta o sentido de mim no testemunho que dá de suas lutas: “ Porque eu sei que em mim, isto é, na minha carne, não habita bem nenhum: pois o querer o bem está em mim; não, porém, o efe tuá-lo” (Romanos 7.18). Mim pode referir-se à vontade, ao intelecto, ao homem espiritual ou ao homem físico. Ou pode referir-se à pessoa completa. Paulo aqui limita o uso dessa palavra e nos diz o seu sen tido exato. Quando estudar uma passagem, nunca pule palavras que não com preende. Uma idéia errônea quanto ao significado de uma única pa lavra pode facilmente obscurecer o sentido da sentença e possivel mente do parágrafo inteiro. Mesmo as palavras que você acha que não entende devem ser investigadas. Um exemplo disso está em Provérbios 29.18: “ Não havendo pro fecia o povo se corrompe” . Algumas versões trazem visão, em vez de profecia; outras, revelação. Visão é tradução pobre. A passagem se refere à necessidade de estar sob o ministério da Palavra para fins de restrição moral. Uma idéia errônea quanto ao significado da palavra visão obscurece o sentido da afirmação. Quando você estudar uma palavra particular, deverá determinar quatro coisas: 1. O uso que dela fez o escritor. Ê-lhe possível fazer emocio nantes estudos de palavras no vernáculo, se você cuidar de cavar um pouco. Se a palavra é central para o pensamento do escritor no livro todo, poderá revelar-se da maior utilidade. A palavra pecado, por exemplo, é importante para o apóstolo João. Um estudo dessa palavra, na forma em que é empregada por ele em sua primeira epístola, aju dá-lo-á a compreender a carta toda. 2. Sua relação com o seu contexto imediato. Quase sempre o contexto lhe dirá muita coisa sobre a palavra. Paulo e seus companheiros estavam ministrando em Filipos, quan do ele e Silas foram presos, açoitados e lançados na prisão. À meia- noite, enquanto os homens louvavam a Deus, um terremoto abriu as Princípios Gramaticais de Interpretação 41 portas da prisão, e a impressão era de que todos os prisioneiros tinham fugido. O carcereiro estava a ponto de cometer suicídio, mas Paulo o deteve. “ Então o carcereiro, tendo pedido uma luz, entrou precipitada mente e, trêmulo, prostrou-se diante de Paulo e Silas. Depois, tra zendo-os para fora, disse: ‘Senhores, que devo fazer para que seja salvo?’ Responderam-lhe: ‘Crê no Senhor Jesus, e serás salvo, tu e tua casa’ ” (Atos 16.29-31). Que quis dizer o carcereiro quando usou a palavra salvo? Seria o mesmo sentido dado por Paulo no versículo 31? Visto que a tarefa deste livro não é a interpretação de certas passagens bíblicas, mas a apresentação de regras básicas de interpretação, você terá de estudar o contexto da narrativa para responder pessoalmente essas questões. 3. Seu uso corrente na época em que foi escrita. Isto exige estu do mais técnico. Geralmente uma tradução merecedora de confiança dá-lhe o melhor sentido da palavra, visto que a melhor erudição aca dêmica disponível na igreja está envolvida nessas traduções. Se dese jar ir além na pesquisa, poderá usar um bom comentário. 4. Seu sentido etimológico. Este modo final de estudar o sentido de uma palavra, em geral é para o estudante da Bíblia mais avançado. Há obras de consultas disponíveis que podem dar-lhe o fundo histó rico das palavras. A obra mais compreensiva é a que foieditada por Gerhard Kittel e Gerhard Friedrich, da qual existe tradução inglesa com o título de Theological Dictionary of the New Testament (Wm. B. Eerdmans Publishing Co., Grand Rapids, Michigan). Outras boas obras de consulta são, Word Studies in the New Testament, de Mar vin R. Vincent (Eerdmans) e The New International Dictionary of New Testament Theology, editado por Colin Brown (Zondervan). Uma obra menor, de um só volume, e que é excelente é An Expository Dictionary of New Testament Words, de W. E. Vine (Fleming H. Revell Co., Óld Tappan, New Jersey). Contudo, determinar o sentido etimológico de uma palavra não é a consideração mais importante, e você não deve ficar desanimado se achar que isso está além das suas possibilidades. Mencionamos a existência e a bênção das traduções modernas. Todavia, muitas delas são mais paráfrases do que traduções preciosas, e, portanto, transparecem com freqüência nelas a interpretação e as tendências pessoais do tradutor. Enquanto o tradutor ou a comissão se entrega à autoridade e inspiração das Escrituras, o perigo não é muito sério. Toda vez, porém, que o texto original é alterado por amor da clareza, abre-se um precedente perigoso. Uma ilustração disso está 42 Princípios de Interpretação da Bíblia na tradução de Gênesis 11.1, da New English Bible, que começa: “ Era uma vez” . A palavra hebraica é simplesmente e. A frase “ erà uma vez” é usada nos contos de fadas e sugere ao leitor que a história da construção da Torre de Babel não passa de ficção. Se a frase reflete a tendência do tradutor, é matéria de conjetura. A presença dela na Palavra de Deus é infeliz. O uso das traduções modernas é proveitoso, mas quando você fizer um estudo sério, é melhor ficar com uma das traduções que me recem fé. São elas: A King James Version (KJV), a American Stan dard Version (ASV), a New American Standard Bible (NASB), e a New International Version (NIV). * Ao interpretar uma palavra ou passagem, sua meta é determinar o sentido dela para o autor, quando a escreveu. Esforce-se para liber tar-se de todo e qualquer preconceito pessoal quando estudar uma passagem. O seu objetivo é compreender o pensamento do escritor, não o que você acha que ele devia ter dito. Já anotamos que é importante estudar uma palavra em relação a seu contexto imediato (Regra 11). Isso é tão básico e essencial na interpretação da Bíblia, que o arrolamos como uma regra à parte. O melhor modo de explicá-la é com uma série de exem plos extraídos da Bíblia, quando ne cessário. Começamos com a palavra fé. É palavra importante na Bíblia, especial mente no Novo Testamento. Vemos, em diferentes passagens. Numa carta Paulo Diz: “ Ouviam somente dizer: ‘Aquele que antes nos perseguia, agora prega a fé que outrora procurava destruir’ ” (Gálatas Í.23). Estudando o contexto, você vê que aí fé significa, “ a doutrina do Evangelho” . Escrevendo aos romanos Paulo diz: “ Mas aquele que tem dúvidas, é condenado, se comer, porque o que faz não provém de fé; e tudo o que não provém de fé é pecado” (Romanos 14.23). Aqui o contexto o leva a concluir que fé significa “ convicção de que é isto que Deus quer que você faça” . REGRA DOZE Interprete a palavra em relação à sua sentença e ao seu contexto. * Em português, algumas boas traduções são: Almeida, Edição Revista e Corrigida; Almeida, Edição Revista e Atualizada no Brasil; e a Tradução Brasi leira. Nota do Tradutor. Princípios Gramaticais de Interpretação 43 Aconselhando seu colaborador. Timóteo, Paulo diz: “ Mas, rejeita viúvas mais novas, porque, quando se tornam levianas contra Cristo, querem casar-se; tornando-se condenáveis por anularem o seu primeiro compromisso” — ou, como diz literalmente o original grego, “ puse ram de lado a sua primeira fé” (1 Timóteo 5.11,12). Aqui fé significa “ penhor ou promessa feita ao Senhor” . É claro que há relação entre os empregos da palavra fé nessas três passagens, mas as diferenças são suficientemente significativas para notar-se, a fim de compreender o que Paulo está dizendo. Um segundo exemplo é o emprego da palavra sangue. Lucas registrou a mensagem que Paulo entregou aos atenienses na Colina de Marte. Nela Paulo diz: “ O Deus que fez o mundo e tudo o que nele existe, sendo ele Senhor do céu e da terra, não habita em santuários feitos por mãos humanas. Nem é servido por mãos humanas, como se de alguma cousa precisasse; pois ele mesmo é quem a todos dá vida, respiração e tudo mais; de um só [sangue]* fez toda raça humana para habitar sobre toda a face da terra, havendo fixado os tempos previamente estabelecidos e os limites da sua habitação” (Atos 17.24-26). Estüdando-se o contexto fica evidente que sangue significa um grupo de pessoas. Paulo escreveu sobre a salvação que temos mediante Cristo: “ No qual temos a redenção, pelo seu sangue, a remissão dos pecados, segun* do a riqueza da sua graça” (Efésios 1.7). A palavra sangue aqui se refere à morte expiatória de Cristo. Noutra parte da Escritura lemos: “ Ora, depois de tudo isto assim preparado, continuamente entram no primeiro tabernáculo os sacerdo tes, para realizar os serviços sagrados; mas no segundo o sumo sacer dote, ele sozinho, uma vez por ano, não sem sangue, que oferece, por si e pelos pecados de ignorância do povo” (Hebreus 9.6,7). Aqui sangue se refere ao fluido que circula nas veias e artérias dos animais levando nutrição ao corpo. Usando uma diferente espécie de ilustração, observamos a exorta ção feita por Paulo à igreja de Corinto: “ Quanto ao que me escreves tes, é bom que o homem não toque mulher” (1 Coríntios 7.1). Alguns usam este versículo para sustentar a idéia de que o homem nunca deve tocar mulher em nenhum tipo de contato corporal. Con tudo, o contexto fala da necessidade de abstenção da imoralidade sexual. Neste sentido o homem não deve “ tocar mulher” . Seria errô- * Na versão usada pelo autor, o versículo 26 começa: “E de um sangue f ez . . Nota do Tradutor. 44 Princípios de Interpretação da Bíblia neo concluir que o homèm nunca deve tocar mulher, como num aperto de mãos cumprimentando-a. Em seu estudo pessoal desta pas sagem você poderia concluir que, a fim de manter a pureza sexual, o Senhor quer que você evite contato com pessoa do sexo oposto. Toda via, seria errado tornar esta aplicação normativa para toda gente. Os manuscritos antigos dos quais fazemos nossas traduções da Bíblia, não têm sinais de pontuação. Não há pontos, vírgulas, pará grafos, versículos e capítulos. Estes foram introduzidos depois pelos tradutores, para clareza e facilidade do estudo. Quando você fizer o seu estudo, é bom lembrar isso. O contexto nem sempre se acha dentro dos limites do versículo ou do capítulo. Talvez seja necessário incluir versículos do capítulo anterior ou posterior. Este estudo do contexto para determinar o sentido exato de uma palavra é uma das mais importantes e fundamentais regras de inter pretação. Você se verá a consultá-lo a cada passo em seu estudo da Bíblia. Cada escritor da Bíblia teve uma razão particular para escrever seu(s) livro(s). Ao desenrolar-se o argumento do escritor, há conexão lógica entre uma seção e a seguinte. Você precisa encontrar o propósito global do livro a fim de determinar o sentido de pa lavras ou passagens particulares no livro. Estas quatro perguntas o aju darão: 1. Como a passagem se relaciona com o material circunvizinho? 2. Como se relaciona com o restante do livro? 3. Como se relaciona com a Bíblia como um todo? 4. Como se relaciona com a cultura e com o quadro de fundo em que foi escrita? Esta quarta pergunta será tratada de maneira mais compreensiva sob o título, Princípios Históricos de Interpretação (Ca pítulo 4), mas é importante considerá-la aqui também. Responder essas quatro questões é especialmente importante quando você está tentando interpretar uma passagem difícil. Um exemplo é esta passagem: “ Todo aquele que permanece nele [em Cristo] não vive pecando;todo aquele que vive pecando não no viu, nem o conheceu. Filhinhos, não vos deiteis enganar por ninguém; aquele que pratica a justiça é justo, assim como ele é justo. Aquele que pratica o pecado procede do diabo, porque o diabo vive pecando REGRA TREZE________ Interprete a passagem em harmonia com o seu contexto. Princípios Gramaticais de Interpretação 45 desde o princípio. Para isto se manifestou o Filho de Deus, para des truir as obras do diabo. Todo aquele que é nascido de Deus não vive na prática do pecado; pois o que permanece nele é a divina semente; ora, esse não pode viver pecando, porque é nascido de Deus. Nisto são manifestos os filhos de Deus e os filhos do diabo: todo aquele que não pratica justiça não procede de Deus, também aquele que não ama a seu irmão” (1 João 3.6-10). Ao ler pessoalmente esta passagem, você poderia concluir que o cristão nunca peca. Ou, se peca, não pode ser crente, pois “ aquele que vive pecando não no viu [a Cristo], nem o conheceu” (versículo 6). Se for esta a interpretação correta, então só Jesus pode entrar no céu, pois Ele é a única pessoa sem pecado que já andou na terra — quer dentre os cristãos, quer dentre os não-cristãos. Que significa esta passagem? Como você deverá interpretá-la? Deverá interpretá-la à luz do contexto, e responder estas quatro per guntas que o ajudarão a fazê-lo. Pode-se ver outro exemplo disto nos quatro evangelhos. Eles têm muitas coisas em comum, não sendo a menor delas o fato de que todos os quatro dão um relato da vida, ministério, crucifixão e ressurreição de Jesus Cristo. Entretanto, a ênfase de cada um é diferente. A com preensão desta diferença o ajudará no estudo das partes. Em Mateus vemos Jesus como Rei. Ele é o cumprimento de todas as profecias messiânicas do Velho Testamento. Assim você encontra numerosas citações do Velho Testamento em Mateus. Em Marcos, Jesus é retratado como Servo. A ênfase deste evan gelho é nos feitos de Cristo. Não consta nenhuma genealogia, pois quem está interessado na genealogia de um servo? Em Lucas, Jesus é o Filho do homem. Aqui notamos a ênfase dada à Sua humanidade. Sua genealogia vai até Adão, o primeiro homem. Em João vemos Jesus como o Filho de Deus. O evangelho começa revelando-o como a Palavra eterna: “ Ele estava no princípio com Deus” (João 1.2). Isso não é dar a idéia de que os ensinamentos de um evangelho não podem ser vistos nos outros três. Muito ao contrário. A ênfase de cada um deles é diferente. Você precisa estudar globalmente cada evangelho para captar a vista panorâmica pintada nele. Deste modo você verá a singularidade de cada um, e estará mais capacitado para interpretar os acontecimentos e os ensinos nele, registrados. Não há como exagerar a importância deste princípio. É uma das regras essenciais de interpretação. 46 Princípios de Interpretação da Bíblia As grandes passagens “ Eu sou” do Evangelho Segundo João ilustram esta regra. Disse Jesus: “ Eu sou o pão da vida” (João 6.35). “ Eu sou a luz do mundo” (8.12). “ Eu sou a porta das ovelhas” (10.7). Jesus não é pão nem porta no sentido literal. Uma vez que um objeto inanimado como o pão é usado para descrever o Salvador, você pode con cluir que pão deve ser tomado figura da, e não literalmente. Muitos exemplos como estes se acham na Bíblia inteira. O salmista escreve: “ O justo florescerá como a palmeira, crescerá como o cedro do Líbano” (Salmo 92.12). A pes soa justa é comparada com árvores — palmeira, cedro. Obviamente é linguagem figurada; um objeto inanimado é usado para descrever um ser vivo. É importante ter clara compreensão da coisa em que se baseia a figura ou da qual é feita imitação. No presente exemplo, o seu estudo será enriquecido pela compreensão das características da palmeira e do cedro e de como essas árvores crescem. Pode-se tirar outro exemplo da grande oração de Davi em que ele pede perdão. “ Purifica-me com hissopo, e ficarei limpo; lava-me, e ficarei mais alvo que a neve” (Salmo 51.7). Que é hissopo, e como era usado naquele tempo? Um estudo do cerimonial de purificação usado em Israel ajudá-lo-á a fazer apreciação mais completa daquilo por que orava Davi. De vez em quando você encontrará uma passagem sobre a qual há desacordo na igreja quanto à sua interpretação figurada ou literal. Para uma ilustração disso, note as palavras de Jesus com relação à Santa Ceia. “ Enquanto comiam, tomou Jesus um pão e, abençoando-o, o partiu e o deu aos discípulos, dizendo: ‘Tomai, comei; isto é o meu corpo.’ A seguir tomou um cálice e, tendo dado graças, o deu aos discípulos, dizendo: ‘Bebei dele todos; porque isto é o meu sangue, o sangue da [nova] aliança, derramado em favor de muitos, para remis são de pecados” (Mateus 26.26-28). O apóstolo Paulo, explicando o significado da Mesa do Senhor aos coríntios, virtualmente emprega as mesmas palavras. “ Porque eu recebi do Senhor o que também vos entreguei: que o Senhor Jesus, na noite em que foi traído, tomou o pão; e, tendo dado graças, o partiu e disse: ‘ Isto é o meu corpo, que é dado por vós; fazei isto em me REGRA QUATORZE Quando um objeto inanimado é usado para descrever um ser vivo, a proposição pode ser considerada figurada. Princípios Gramaticais de Interpretação 47 mória de mim.’ Por semelhante modo, depois de haver ceado, tomou também o cálice, dizendo: ‘Este cálice é a nova aliança no meu sangue; fazei isto, todas as vezes que o beberdes, em memória de mim.’ Porque todas as vezes que comerdes este pão e beberdes o cálice, anunciais a morte do Senhor, até que ele venha” (1 Coríntios 11.23-26). O pão e o cálice referentes ao corpo e ao sangue de Jesus devem ser tomados figurada ou literalmente? A igreja se dividiu, e continua a dividir-se, por várias interpretações sobre como se devem entender o pão e o vinho. Você deve ler as passagens paralelas, ler o que outros crêem quanto ao sentido do texto e por quê, e então formar as suas próprias convicções. Contudo, você deve dar lugar à tolerância para com a convicção dos outros quanto à maneira como entendem o signi ficado da comunhão. * * * Eis um corolário desta regra: Quando se atribuem vida e ação a objetos inanimados, a propo sição pode ser considerada figurada. Visto que este é o mesmo princípio examinado de outra maneira, um exemplo o colocará em foco. Disse Miquéias: “ Ouvi, montes, a controvérsia do Senhor, e vós, duráveis fundamentos da terra; porque o Senhor tem controvérsia com o seu povo, e com Israel entrará em juízo” (Miquéias 6.2). Quando o escritor sugere que os montes podem ouvir, isto se deve tomar figura damente. Não está insinuando que os montes ouvem e reagem como os seres humanos. A aplicação desta regra e seu corolário em seu estudo da Bíblia virá muito naturalmente. Na maioria das vezes o contexto lhe dirá imediatamente se um objeto inanimado é usado para descrever um ser animado, ou como se possuísse vida e ação. Um grupo de judeus foi atrás de Paulo através da Galácia ensinando que os cristãos tinham de ser circun cidados para serem salvos. Foram objeto da ira de Paulo em sua Epís tola aos Filipenses. “ Acautelai-vos dos cães! acautelai-vos dos maus obreiros! acautelai-vos da falsa circuncisão! Por que nós é que somos a circuncisão, nós que adoramos a Deus no Espírito, e nos gloriamos em Cristo Jesus, e não confiamos na carne” (Filipenses 3.2,3). Quando Paulo adverte seus leitores a terem cuidado com os cães, o contexto REGRA QUINZE Quando uma expressão não caracteriza a coisa descrita, a proposição pode ser considerada figurada. 48 Princípios de Interpretação da Bíblia não nos autoriza a concluir que ele está falando daqueles bichos peludos de quatro patas usados como animais de estimação no mundo ocidental. Está se referindo àqueles que insistiam em impor aos cristãos gentílicos todas as ordenanças do Velho Testamento. Portanto, a palavra cães deve ser interpretada figuradamente. Jesus rumava para Jerusalém,ensinado pelo caminho, quando alguns fariseus o avisaram de que o rei Herodes se dispunha a ma tá-lo. A essa advertência respondeu Jesus: “ Ide dizer a essa raposa que hoje e amanhã expulso demônios e curo enfermos, e no terceiro dia terminarei” (Lucas 13.32). Raposa refere-se a Herodes; sabemos pelas demais partes dos evangelhos que Herodes não é o nome de uma raposa, mas de um mau rei, daquele que decapitara João Batista. Daí, podemos concluir que a palavra raposa deve ser interpretada de modo figurado, e não literal. Normalmente o contexto lhe dirá se a proposição é figurada ou literal, bem como a quem se refere. Se você estudar passagens para lelas sobre o assunto, muitas vezes elas o ajudarão a encontrar a inter pretação adequada. Por exemplo, disse João Batista, a respeito de Jesus: “ Eis o Cordeiro de Deus” (João 1.36). Esta mesma frase é empregada por Isaías em sua grandiosa passagem messiânica: “ Ele foi oprimido e humilhado, mas não abriu a boca; como cordeiro foi levado ao matadouro; e, como ovelha, muda perante os seus tosquia- dores, ele não abriu a boca” (Isaías 53.7). Aí o Messias é mencionado como um cordeiro levado para o matadouro. Esta e outras passagens correlatas das Escrituras corroboram a idéia de que cordeiro é uma expressão figurada referente a Cristo. Às vezes a mesma palavra pode ser usada figuradamente, mas com sentidos diferentes em diferentes lugares da Bíblia. Por exemplo, diz Pedro: “ Sede sóbrios e vigilantes. O diabo, vosso adversário, anda em derredor, como leão que ruge procurando alguém para devorar” (1 Pedro 5.8). Aqui o contexto lhe diz que leão se refere a Satanás. Diz o apóstolo João: “ Todavia um dos anciãos me disse: ‘Não chores: eis que o Leão da tribo de Judá, a Raiz de Davi, venceu para abrir o livro e os seus sete selos’ ” (Apocalipse 5.5). Aqui também é empregado o termo leão, mas o contexto indica que se refere a Cristo. Eitt geral, pelo contexto você pode chegar à interpretação correta. Com muita freqüência se emprega linguagem figurada para des crever Deus. Em Seu empenho por comunicar-se com o homem, Deus se descreve com qualidades humanas ,̂ Diz o cronista: “ Porque, quanto ao Senhor, seus olhos passam por toda a terra, para mostrar-se forte para com aqueles cujo coração é totalmente dele; nisto proce Princípios Gramaticais de Interpretação 49 deste loucamente, por isso desde agora haverá guerras contra ti” (2 Crônicas 16.9). A frase, “ quanto ao Senhor, seus olhos” é figurada. Ainda, disse Deus a Seu servo Moisés: “ Depois, em tirando eu a mão, tu me verás pelas costas; mas a minha face não se verá” (Êxodo 33.23). As palavras mão, costas e face devem ser interpretadas figu radamente. Para Deus falar conosco, precisa usar figuras e ima gens humanas a fim de comunicar a verdade divina. Em nenhum outro lugar isso é tão evidente como no taber náculo do Velho Testamento e nas parábolas do Novo. Nas duas situações há um veículo (o terrenal, humano) que leva a compreensão da verdade espiritual. A nossa compreensão do mundo espiritual é analógica. O fato da onipotência de Deus é dito em termos de braço direito porque entre os homens o braço direito é o mais forte dos dois, e com ele se vibram os golpes mais decididos. Fala-se da preeminên cia em termos de sentar-se à destra de Deus porque nas si tuações sociais da terra esse é o lugar de honra. O juízo é descrito em termos de fogo porque a dor causada por quei madura é a mais intensa que se conhece em nossa experiên cia mais geral, e o bicho que rói é um símbolo daquilo que é moroso, persistente, sem dó e doloroso. Semelhantemente, as glórias do céu são mencionadas nos termos da experiên cia humana — custosas estruturas de ouro, prata, jóias, ausência de lágrimas, ausência da morte, a árvore da vida, etc. A questão quanto a se as descrições do céu e do inferno não são literais ou simbólicas não é o ponto. Em qualquer dos casos elas são reais, por exemplo, seja no caso de fogo literal, seja no caso de sofrimento espiritual do qual o fogo é o símbolo mais próximo.* Em conclusão, observe duas coisas importantes: 1. Uma palavra não pode significar mais de uma coisa de cada vez. Não pode ter sentido figurado e literal ao mesmo tempo. Quando se dá a uma palavra um sentido figurado, como no caso das ilustra ções usadas para esta regra, cancela-se o sentido literal da palavra. 2. Sempre que possível, a passagem deve ser interpretada literal mente. Só se o sentido literal da palavra não se enquadrar é que deverá ser interpretada figuradamente. É sempre preferível o sentido literal da palavra, a menos que o contexto o impossibilite. * De Protestant Biblical Interpretation (Interpretação Protestante da Bíblia), de Bernard Ramm, Baker Book House, Grand Rapids, Michigan. 50 Princípios de Interpretação da Bíblia O ministério de nosso Senhor Jesus foi especialmente rico de pará bolas. Ele as empregava para dar ên fase colorida e dinâmica as verdades espirituais. Esta regra lhe recomenda que não ultrapasse os pretendidos li mites da parábola; não queira fazê-la dizer mais do que foi destinada a dizer Uma olhada num par de parábolas ajuda-nos a definir os seus limites. A primeira é a parábola do se meador. “ Afluindo uma grande multidão e vindo ter com ele gente de todas as cidades, disse Jesus por parábola: ‘Eis que o semeador saiu a semear. E, ao semear, uma parte caiu à beira do caminho; foi pisada e as aves do céu a comeram. Outra caiu sobre a pedra; e, tendo crescido, secou, por falta de umidade. Outra caiu no meio dos espinhos; e estes, ao crescerem com ela, a sufocaram. Outra, afinal, caiu em boa terra; cresceu e produziu a cento por um.’ “ Dizendo isto clamou: ‘Quem tem ouvidos para ouvir, ouça.” ’ “ E os seus discípulos o interrogaram dizendo: ‘Que parábola é esta?’ Respondeu-lhes Jesus: ‘A vós outros é dado conhecer os mis térios do reino de Deus; aos mais fala-se por parábolas, para que vendo não vejam, e ouvindo não entendam.” ’ “ Este é o sentido da parábola: A semente é a palavra de Deus. A que caiu à beira do caminho são os que a ouviram; vem a seguir o diabo e arrebata-lhes do coração a palavra, para não suceder que, crendo, sejam salvos. A que caiu sobre a pedra são os que, ouvindo a palavra, a recebem com alegria; estes não têm raiz, crêem apenas por algum tempo, e na hora da provação se desviam. A que caiu entre espinhos são os que ouviram e, no decorrer dos dias, foram sufocados com os cuidados, riquezas e deleites da vida; os seus frutos não chegam a amadurecer. A que caiu na boa terra são os que, tendo ouvido de bom e reto coração, retêm a palavra; estes frutificam com perseverança” (Lucas 8.4-15). Esta é uma boa parábola para estudar porque Jesus nos dá a interpretação visada. Estes versículos podem, ser divididos em dois parágrafos: a parábola propriamente dita (versículos 4-9) e sua inter pretação dada por Jesus (versículos 10-15). As partes principais da REGRA DEZESSEIS As principais partes e figuras de uma parábola representam certas realidades. Considere somente essas principais partes e figuras quando estiver tirando conclusões. Princípios Gramaticais de Interpretação 51 parábola, como Jesus deixa claro em Sua explicação, são a semente e os tipos de solo em que a semente foi semeada. Embora seja fre qüentemente intitulada parábola do semeador, o semeador não é a sua principal personagem. Aparece acidentalmente na história. O propósito da parábola é ilustrar os diferentes tipos de resposta que a Palavra recebe quando é proclamada. Quando você estudar a parábola, não estenda o propósito dela além da intenção do autor. A segunda parábola é a história do bom samaritano, contada por Jesus. “ Certo homem descia de Jerusalém para Jericó, e veio cair em mãos de salteadores, os quais, depois de tudo lhe roubarem e lhe cau sarem muitos ferimentos, retiraram-se deixando-o semimorto. Casual mente descia um sacerdote por aquele mesmo caminho e, vendo-o,passou de largo. Semelhantemente um levita descia por aquele lugar e, vendo-o, também passou de largo. Certo samaritano, que seguia o seu caminho, passou-lhe perto e, vendo-o, compadeceu-se dele. E, che- gando-se, pensou-lhe os ferimentos, aplicando-lhes óleo e vinho; e, çolocando-o sobre o seu próprio animal, levou-o para uma hospedaria e tratou dele.” “ No dia seguinte tirou dois denários e os entregou ao hospedeiro, dizendo: ‘Cuida deste homem e, se alguma cousa gastares a mais, eu to indenizarei quando voltar’ ” (Lucas 10.30-35). Quando você interpretar esta ou alguma outra parábola, siga este processo: 1. Determine o propósito da parábola. Neste exemplo a chave está na pergunta inicial. “ Ele, porém, querendo justificar-se, pergun tou a Jesus: ‘Quem é o meu próximo?’ (versículo 29). 2. Certifique-se de que explica as diferentes partes em harmonia com o fim principal. Nesta parábola havia a necessidade, havia aque les que deviam satisfazer a necessidade, mas não o fizeram, e houve a satisfação da necessidade, satisfação provinda de uma fonte ines perada. Estes pontos ilustram o universal dever de bondade e de fazer o bem. 3. Use somente as principais partes da parábola ao explicar a lição. É quando as pessoas tentam interpretar os pormenores que o erro pode insinuar-se facilmente. Não faça a parábola falar demais. Por exemplo, você pode ser tentado a opinar que o óleo e o vinho" simbolizam o Espírito Santo e o sangue de Cristo (versículo 34), os dois ingredientes necessários para a salvação. Fazer isso é ir além do propósito visado pela parábola. Determine a principal intenção da parábola e fique com isso. Com algumas parábolas achará fácil fazê-lo. Por exemplo, Jesus perguntou: 52 Princípios de Interpretação da Bíblia “ A que compararei o reino de Deus? É semelhante ao fermento que uma mulher tomou e escondeu em três medidas de farinha, até ficar tudo levedado” (Lucas 13.20,21). Fermento é uma figura que designa uma realidade, o reino dos céus. Com outras parábolas você precisará estudar mais, antes de tirar as suas conclusões. Cada parábola tem um principal ponto de comparação. Procure relacionar esse ponto com aquilo que o orador estava ensinando. Em alguns aspectos a profecia é para o cristão o que a política é para o homem secular — fonte de muita controvérsia, acaloramento e emoção. Esta regra de interpretação não se des tina a influir em suas convicções sobre profecia, mas simplesmente estabelecer um roteiro para a formação das suas convicções. Uma das regras já estu dadas afirma que “ A Escritura tem somente um sentido, e deve ser toma da literalmente” (Regra 10, pág. 37). A profecia' deve ser interpretada literalmente, a menos que o contexto ou alguma referência posterior na Es critura indique outra coisa. Um exem plo de um ponto na Escritura em que uma referência posterior na Escritura indica que não pode ser tomada lite ralmente é a profecia de Malaquias a respeito do precursor de Cristo. “ Eis que eu vos enviarei o profeta Elias, antes que venha o grande e terrível dia do Senhor; ele converterá o cora ção dos pais aos filhos, e o coração dos filhos a seus pais; para que eu não venha e fira a terra com maldição” (Malaquias 4.5,6). Diz Malaquias que Deus enviará “ o profeta Elias” . Quando apa receu João Batista como o precursor de Jesus Cristo, gerou-se muita confusão, o que mostra que o povo daquele tempo esperava que a profecia iria cumprir-se literalmente. Contudo, Jesus disse que essa profecia deveria ter cumprimento figurado, e não literal. REGRA DEZESSETE Interprete as palavras dos profetas no seu sentido comum, literal e histórico, a não ser que o contexto ou a maneira como se cumpriram indi quem claramente que têm sentido simbólico. O cumprimento delas pode ser por etapas, cada cumprimento sen do uma garantia daquilo que há de seguir-se. Princípios Gramaticais de Interpretação 53 Uma ocasião Jesus afirmou: “ Todos os profetas e a lei profetiza ram até João. E, se o quereis reconhecer, ele mesmo é Elias, que estava para vir” (Mateus 11.13,14). Outra ocasião, quando Seus dis cípulos Lhe perguntaram: “ Por que dizem, pois, os escribas ser ne cessário que Elias venha primeiro?” , Ele respondeu: “ De fato Elias virá e restaurará todas as cousas. Eu, porém, vos declaro que Elias já veio, e não o reconheceram, antes fizeram com ele tudo quanto quiseram. Assim também o Filho do homem há de padecer nas mãos deles” . Finalmente os discípulos entenderam que Jesus chamara João Batista de Elias (Mateus 17.10-13). João Batista foi o cumprimento da profecia de Malaquias. Essas ilustrações constituem a exceção, e não a regra, na inter pretação de profecia. Na maior parte, as profecias podem e devem ser interpretadas literalmente. Pode ser que haja ocasiões em que você pode fazer derivar dois sentidos aparentes de uma profecia. Dê pre ferência àquele que teria sido mais óbvio para a compreensão dos ouvintes originais. Também haverá ocasiões em que um escritor do Novo Testa mento dará a uma passagem do Velho Testamento uma interpretação profética quando a passagem do Velho Testamento não parece ser profética. Você achará um exemplo disto em Oséias. Israel tinha-se afastado de Deus e se fez referência a ele como a esposa adúltera do Senhor. Deus falavra a Israel quando disse: “ Quando Israel era me nino, eu o amei; e do Egito chamei o meu filho” (Oséias 11.1). Os ouvintes originais poderiam concluir, e com acerto, que isto se referia à libertação de Israel do Egito sob Moisés. Mateus, porém, cita esta passagem e diz que ela é profética sobre Jesus Cristo, quando José e Maria voltaram com Ele para Nazaré. “ E lá [no Egito] ficou até à morte de Herodes, para que se cumprisse o que fora dito pelo Senhor, por intermédio do profeta: ‘Do Egito chamei o meu filho’ (Mateus 2.15). Notamos que a passagem de Oséias é profética porque Mateus, escrevendo por inspiração do Espírito Santo, diz que é. No seu estudo da Bíblia você não pode tomar estas liberdades. Mateus podia porque escreveu por inspiração do Espírito, e o Espírito sabia a correta inter pretação de Oséias, visto que o inspirou também. Todavia, Mateus não lhe conta por que usa desse modo a profecia de Oséias. Muitas vezes uma profecia se cumpre parcialmente numa geração, com o restante cumprindo-se noutra época. Na ocasião em que a pro fecia é dada, isto não é perceptível. Fica claro quando uma parte se cumpre e outra não. É muito semelhante com o que acontece quando você olha para as montanhas e vê apenas a primeira fileira delas. Quando os profetas olhavam para a vinda do Messias, viam os Seus 54 Princípios de Interpretação da Bíblia dois adventos como um só. Quando você sobe uma montanha e desce ao vale do outro lado, vê outra fileira de montanhas. Olha para trás, e vê uma fileira; olha para a frente, e vê outra. Os cristãos de hoje são um tanto parecidos com isto, no sentido de que ficam entre os dois adventos de Cristo. Atrás de nós ficou a Sua primeira vinda; em frente de nós está a Sua segunda vinda. Num par de profecias podemos ver que foi isso que aconteceu. Deus profetizou mediante Joel: “ E acontecerá depois que derramarei o meu Espírito sobre toda a carne; vossos filhos e vossas filhas pro fetizarão, vossos velhos sonharão, e vossos jovens terão visões; até sobre os servos e sobre as servas derramarei o meu Espírito naqueles dias. Mostrarei prodígios no céu e na terra; sangue, fogo e colunas de fumo. O sol se converterá em trevas, e a lua em sangue, antes que venha o grande e terrível dia do Senhor. A acontecerá que todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo” (Joel 2.28-32). Pedro cita exatamente estas palavras no dia de Pentecoste (Atos 2.15-21). Quando o Espírito desceu sobre a igreja, Pedro disse: “ Mas o que ocorre é o que foi dito por intermédio do profeta Joel” (Atos 2.16). De fato o Espírito foi derramado sobre eles. Mas, quando foi que o sol se converteuem trevas e a lua em sangue, antes da vinda do “ grande e terrível dia do Senhor” ? Esta porção da profecia de Joel se refere ao segundo advento e se cumprirá no futuro. Na pers pectiva de Joel os dois adventos pareciam um só. Podemos observar a mesma coisa na profecia de Isaías concer nente ao Messias. “ O Espírito do Senhor Deus está sobre mim, por que o Senhor me ungiu, para pregar boas-novas aos quebrantados, enviou-me a curar os quebrantados de coração, a proclamar libertação aos cativos, e a pôr em liberdade os algemados; a apregoar o ano aceitável do Senhor e o dia da vingança do nosso Deus; a consolar todos os que choram” (Isaías 61.1,2). Jesus estava na cidade de Nazaré, onde fora criado, quando entrou na sinagoga para adorar no sábado. “ Então lhe deram o livro do profeta Isaías, e, abrindo o livro, achou o lugar onde estava escrito: (O Espírito do Senhor está sobre mim, pelo que me ungiu para evan gelizar aos pobres; enviou-me para proclamar libertação aos cativos e restauração da vista aos cegos, para pôr em liberdade os oprimidos, e apregoar o ano aceitável do Senhor.) Tendo fechado o livro, devol veu-o ao assistente e sentou-se; e todos na sinagoga tinham os olhos fitos nele. Então passou Jesus a dizer-lhes: ‘Hoje se cumpriu a Escri tura que acabais de ouvir’ ” (Lucas 4.17-21). Ao comparar a declaração de Nazaré com a profecia de Isaías, você nota que Jesus interrompeu a leitura no meio da sentença (Isaías Princípios Gramaticais de Interpretação 55 61.2). Omitiu as palavras: “ e o dia da vingança do nosso Deus; a consolar todos os que choram” . Esta parte da profecia refere-se à segunda vinda de Cristo. Isaías combinou os elementos proféticos relativos aos dois adventos. Da sua posição de observação eles pare ciam um só. Reconhecer isto o ajudará em seu estudo da Bíblia, como também animará o seu coração. Pois o cumprimento da primeira etapa é uma garantia do seu cumprimento total, justamente como o Espírito Santo é o penhor ou garantia de sua herança em Cristo. Anime-se. Ele veio a primeira vez, como fora prometido. Também virá a segunda vez, como foi profetizado! i | Princípios Históricos de I nterpretação Os princípios históricos tratam do cenário histórico do texto. Para quem e por quem foi escrito o livro? Por que foi escrito e que papel desempenhou o cenário histórico na formação da mensagem do livro? Quais os costumes e o ambiente do povo? São desse tipo as pergun tas que você procura responder quando considera o aspecto histórico do seu estudo. * ¥ * Quando você começar o seu estu do de uma passagem, imagine-se um repórter em busca de todos os fatos. Bombardeie o texto com questões como estas: • A quem foi escrita a carta (o livro)? • Qual foi o quadro de fundo do escritor? • Qual foi a experiência ou oca sião que deu origem à mensagem? • Quem são os principais perso nagens do livro? Seu objetivo é colocar-se no cenário do tempo em que o livro foi escrito e sentir com as pessoas envolvidas. Quais eram os inte resses delas? Como via Deus a sua situação? Se puder, tome o pulso do autor conforme ele se expressa. Um breve repasse do livro de Gálatas pode ajudar a focalizar a importância desta regra. A igreja do Novo Testamento, quando Deus lhe deu nascimento, era judaica. O povo escolhido do Velho Testamento era hebreu, e foi dentre os judeus que Jesus escolheu os Seus discípulos. No dia de Pentecoste (Atos 2) os não-judeus ou gentios convertidos eram todos REGRA DEZOITO Desde que a Escritura originou-se num contexto histórico, só pode ser compreendida à luz da história bíblica. Princípios Históricos de Interpretação 57 prosélitos do judaísmo ou a este convertidos. Estes primeiros segui dores de Jesus supuseram que o caminho para Cristo era através da religião judaica. Não era tanto questão de convicção; foi simplesmente como aconteceu. Então Cornélio veio a Cristo sem ser circuncidado para a adesão ao judaísmo (Atos 10), e isto causou não pequeno reboliço entre os crentes. Mas isto logo se acalmou e o assunto não se apresentou mais, até entrar em curso o ministério de Paulo. Paulo, o grande erudito do judaísmo, que recebera instrução do famoso rabi Gamaliel, foi o instrumento escolhido por Deus para polir a doutrina de como os gentios podiam tornar-se cristãos. Durante a sua primeira viagem missionária, Paulo começou a incluir os gentios convertidos na comunhão da igreja sem fazê-los passar pelas leis do judaísmo. Para muitos cristãos judeus isto era inaceitável. Os mais legalistas deles começaram a seguir o ministério de Paulo através da província romana da Galácia (a Turquia de hoje), pregando que esses cristãos gentios tinham de ser circuncidados ade rindo à religião judaica. Paulo irou-se. Mas, que podia fazer? As únicas Escrituras que a igreja tinha naquele tempo eram os livros do Velho Testamento, e era o Velho Testamento que aqueles judaizantes estavam apregoando aos gálatas. De volta a Jerusalém, Paulo compareceu a um concílio dos líderes da igreja e lhes colocou a questão (Atòs 15). Precisa o gentio tornar-se judeu primeiro, antes de se tornar cristão? Como se justifica o homem diante de Deus? “ Pela fé em Cristo e não por obras da lei” , foi a contestação de Paulo. A liderança do concílio de Jerusalém concordou com Paulo. Isto assinalou importante mudança na direção da igreja. Antes disso o cristianismo não era considerado uma religião separada. Era visto como a evolução natural do judaísmo — o seu cumprimento. Desse ponto em diante, o cristianismo começou a ser visto como distinto da religião judaica. Como iria Paulo partilhar estas novas com os gálatas? Como poderia desfazer o dano causado pelos judaizantes? Paulo retornou à lei do Velho Testamento e pela lei provou que a lei não pode salvar. Através de toda a Carta aos Gálatas numerosas citações vêm da lei do Velho Testamento. A lei do Velho Testamento não, Paulo prega que o homem é justificado pela fé, independentemente da lei. Entender o fundo histórico ajuda a entender e interpretar o livro de Gálatas. Este tipo de estudo pagará ricos dividendos, e você o achará indispensável para a interpretação de qualquer passagem que estudar. 58 Princípios de Interpretação da Bíblia Não é incomum ouvir uma pessoa dizer: “ O Deus do Velho Testamento é diferente do Deus do Novo Testa mento. No Velho Testamento Ele pa rece tão severo e condenatório, en quanto que no Novo Testamento é mais amoroso e cheio de graça” . Con quanto seja uma crença comumente sustentada, não se baseia nos fatos e, se for mantida, fará você desviar-se em sua interpretação da Bíblia. Exemplo: Jesus falou do inferno e do juízo de Deus mais que ninguém na Bíblia. O Velho Testamento monta o cenário para a correta interpretação do Novo Testamento. Você teria difi culdade em entender aquilo de que fala o Novo Testamento, se não conhe cesse o relato veterotestamentário de acontecimentos como a criação e a queda do homem. Jesus presume que os Seus ouvintes estão familiarizados com o relato de como os israelitas foram mordidos por serpentes por terem eles murmurado, e como foram libertos ao olharem para uma serpente de bronze colocada no alto de uma estaca (Números 21). Referindo-se a este aconteci mento, disse Jesus: “ E do modo por que Moisés levantou a serpente no deserto, assim importa que o Filho do homem seja levantado” (João 3.14). Noutro sentido, o Novo Testamento é um comentário do Velho — de como Deus se revelou e de como o Seu plano é progressivo. Quanto mais você avança na leitura, mais você fica sabendo sobre Ele e sobre o que Ele planeja fazer. O Novo Testamento explica o propósito de muita coisa que sucedeu no Velho Testamento. O livro de Hebreus é, todo ele, um exemplo disto. Se você não estiver familiarizado com os sistemas do tabernáculo, do sacerdócio e dos sacrifícios veterotestamentários, terá dificuldade em acompanhar a argumentação do livro. Essa carta explica a finalidadee o signifi cado das formas de culto do Velho Testamento. As pessoas eram salvas nos tempos do Velho Testamento do mes mo modo como são salvas no Novo. A justificação perante Deus sempre foi pela fé. No Velho Testamento as pessoas eram salvas pela fé em Cristo (o Messias) que havia de vir. , No Novo Testamento somos salvos pela fé em Cristo que já veio. Disse Jesus: “ Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida; ninguém vem ao Pai senão por mim” REGRA DEZENOVE Embora a revelação de Deus nas Escrituras seja progressiva, tanto o Velho como o Novo Testamento são partes essenciais desta revelação e formam uma unidade. Princípios Históricos de Interpretação 59 ((João 14.6). Isto é tão verdadeiro para o Velho Testamento como o é para o Novo. O meio e o conteúdo desta salvação vão ficando progressivamente mais claros à medida que se desenvolve a história do Velho Testa mento. O profeta Isaías compreendeu mais do que Adão, mas não tanto como nós compreendemos hoje. Mas é claro que existe unidade entre o Velho e o Novo Testamento sobre como se salvam as pessoas. Também se pode ver a unidade das Escrituras nas freqüentes citações do Velho Testamento no Novo. Mateus, mostrando que Jesus é o cumprimento das profecias do Velho Testamento, faz cerca de 70 citações do Velho Testamento. Desde a queda de Adão até à consumação da história, toda gente precisa de Cristo como seu Redentor. Todos os crentes nasceram de novo por obra do Espírito Santo. Todos recebem a mesma herança do céu. Deus empregou diferentes métodos para comunicar estas ver dades. Por exemplo, no Velho Testamento, um dos sinais e selos da relação pactuai consistia em observar a Páscoa e comer o cordeiro pascal; no Novo Testamento consiste na celebração da Ceia do Senhor. Mas as verdades propriamente ditas são aplicáveis em ambos os testamentos. Deus se revela progressivamente conforme a história se desen volve. Mas isto não significa que os padrões de Deus se tomam pro gressivamente mais elevados ou que Deus muda no meio do caminho. Antes, nossa compreensão de Deus e de Sua revelação é que é pro gressiva. Deus não muda nunca. Certas práticas do Velho Testamento foram canceladas pelo Novo, mas isto somente porque acharam seu cumprimento em Cristo. Um exemplo disto é a oferta de sacrifícios de animais. Quando Cristo, o sacrifício perfeito, se ofereceu, deixou de haver necessidade de ofere cer animais. Estes sacrifícios de animais eram uma pré-apresentação daquilo que Deus planejara fazer por meio de Cristo. Mas as Escritu ras esclarecem muito bem que os sacrifícios de animais não podiam salvar: “ Porque é impossível que sangue de touros e de bodes remova pecados” (Hebreus 10.4). O caráter de Deus no Velho Testamento não mudou por algum processo de evolução moral. Sua santidade perfeita é uma parte imu tável e inflexível da Sua natureza. Exemplo: Jesus foi interrogado sobre a questão do divórcio (Mateus 19). Alguns argumentaram em favor dessa prática com base na lei do divórcio do código mosaico. “ Replicaram-lhe: ‘Por que mandou então Moisés dar carta de divórcio e repudiar?’ ” (versículo 7; ver Deuteronômio 24.1-4). Replicou Jesus: “ Por causa da dureza do vosso coração é que Moisés vos permitiu 60 Princípios de Interpretação da Bíblia repudiar vossas mulheres; entretanto, não foi assim desde o princípio” (versículo 8). Disse Jesus que as leis contra o divórcio foram postas de lado temporariamente no Velho Testamento por causa da dureza do povo, não por causa de alguma mudança ocorrida no caráter de Deus ou em Suas exigências morais. A revelação que Deus faz de Si é progressiva, à medida que você vai lendo a Bíblia, mas o Seu caráter é imutável. O grandioso plano divino de redenção é o mesmo em ambos os testamentos. Ao estudar a Bíblia, você pode considerá-los duas partes do mesmo livro, não dois livros separados. O dicionário Webster define sím bolo como “ algo que representa ou lembra alguma outra coisa por rela ção, associação, convenção ou seme lhança acidental; especialmente, um sinal visível de uma coisa invisível” . Embora haja diferenças entre as pala vras símbolo, tipo, alegoria, símile e metáfora, relacionam-se de modo sufi cientemente íntimo para que as combi nemos aqui. Esta regra se aplica a todas elas, dado que muitas vezes são usadas para designar sinais visíveis de alguma coisa invisível. Um exemplo do uso feito pela Bíblia de um acontecimento histórico como símbolo de uma verdade espiri tual é a declaração de Paulo: “ Ora, irmãos, não quero que ignoreis que nossos pais estiveram todos sob a nuvem, e todos passaram pelo mar, tendo sido todos batizados, assim na nuvem, como no mar, com respeito a Moisés. Todos eles comeram de um só manjar espiritual, e beberam da mesma fonte espiritual; porque bebiam de uma pedra espiritual que os seguia. E a pedra era Cristo” (1 Coríntios 10.1-4). A passagem dos israelitas pelo Mar Vermelho (Êxodo 14.22) sim boliza o seu batismo. A pedra da qual Israel bebeu (Números 20.11) é um tipo de Cristo. Em bom número de lugares, o escritor toma um acontecimento histórico para representar uma verdade espiritual. Levar isto além do ponto a que Paulo vai seria prejudicar o sentido literal da passagem. Dizer que o Mar Vermelho simboliza o sangue expiatório de Cristo, que oferece seguro caminho para a Canaã celestial, é fazer imprópria interpretação da passagem de Coríntios. REGRA VINTE Os fatos ou acontecimentos históricos se tornam símbolos de verdades espirituais, somente se as Escrituras assim os designarem. Princípios Históricos de Interpretação 61 Esta mesma regra se aplica ao uso de alegoria. Quando Paulo desenvolve no livro de Gálatas o tema de que a justificação é mediante a fé em Jesus Cristo, independentemente da lei, emprega uma alegoria para explicar o seu ponto. Não somente alegoriza Sara e Agar (ambas as quais deram filhos a Abraão); diz-nos que está fazendo isso. “ Pois está escrito que Abraão teve dois filhos, um da mulher escrava, e outro da livre. Mas o da escrava nasceu segundo a carne, o da livre, mediante a promessa. Estas cousas são alegóricas: porque estas mu lheres são duas alianças; uma, na verdade, se refere ao monte Sinai, que gera para escravidão; esta é Agar” (Gálatas 4.22-24). Paulo fez estas interpretações do Velho Testamento sob a inspi ração do Espírito Santo. Ele o fez ocasionalmente e por razões espe cíficas. Quanto a você, porém, transformar em hábito a alegorização de fatos históricos é prejudicar a interpretação literal da Bíblia, é mudar o sentido que ela pretendeu ter. O objetivo do estudo da Bíblia é entender o sentido visado pelo autor, não despejar nas palavras dele o conteúdo que a você pertence. Muitas vezes um exemplo negativo presta ajuda, especialmente quando uma passagem foi indevidamente usada para simbolizar algu ma coisa. Uma parte da Escritura comumente assim usada é o livro de Filemom. Paulo escreve a seu bom amigo Filemom em favor de um escravo foragido, Onésimo. Onésimo, escravo de Filemom, roubara seu amo e fugira para Roma. Ali, por meio de Paulo, fez-se cristão, e Paulo o estava mandando de volta a seu senhor em Colossos com esta carta. O apelo dirigido por Paulo a Filemom era no sentido de que perdoasse a Onésimo e o acolhesse de novo, “ como irmão carís simo” . “ E se algum dano te fez, ou se te deve alguma cousa, lança tudo em minha conta” , foi o pedido de Paulo (versículos 16,18). É um belo exemplo cristão de amor, perdão e fraternidade. Sem nenhuma razão aparente, muitos alegorizam esse livro, iden tificando Filemom com Deus, Onésimo com a humanidade e Paulo com Cristo. Cristo (Paulo) intercede junto ao Pai (Filemom) em favor do fugitivo que se converteu (Onésimo). Paulo não estabelece esta analogia, nem aqui, nem em nenhuma outra passagem. Tampouco você deve fazê-lo. Esta espécie de alegorização é diferente de fazer aplicação. Por exemplo, podemos dizer que o que Paulo pediu a Filemom em favorde Onésimo é o que Cristo nos pede. Da mesma maneira devemos perdoar os que nos tenham lesado. Nossa aplicação é extraída do acontecimento ou fato histórico, sem alterar o sentido visado no refe rido fato. Príncipios Teológicos de Interpretação Teologia é o estudo de Deus e de Sua relação com o mundo. O livro-fonte deste estudo é a Bíblia. A teologia procura tirar conclusões sobre vários tópicos, amplos e importantes, presentes na Bíblia. A que se assemelha Deus? Qual é a natureza do homem? Qual é a doutrina da salvação realmente válida? São estes os tipos de assun tos de que trata a teologia. Os princípios teológicos são aquelas amplas regras que tratam da formulação da doutrina. Por exemplo, como podemos dizer que uma doutrina é verdadeiramente bíblica? Um dos nossos princípios teológicos procurará responder a isto. Princípios Teológicos de Interpretação 63 Outro modo de firmar esta regra é dizer: “ Você precisa entender o que diz a passagem, antes de poder espe rar entender o que ela quer dizer” . Pode-se ver um exemplo disto na seguinte afirmação de Paulo: “ Toda via, não é assim o dom gratuito como a ofensa; porque se pela ofensa de um só, morreram muitos, muito mais a graça de Deus, e o dom pela graça de um só homem, Jesus Cristo, foi abun dante sobre muitos. O dom, entre tanto, não é como no caso em que somente um pecou; porque o julgamento derivou de uma só ofensa, para a condenação; mas a graça transcorre de muitas ofensas, para a justificação. Se pela ofensa de um, e por meio de um só, reinou a morte, muito mais os que recebem a abundância da graça e o dom da justiça, reinarão em vida por meio de um só, a saber, Jesus Cristo. “ Pois assim como por uma só ofensa veio o juízo sobre todos os homens para condenação, assim também por um só ato de justiça veio a graça sobre todos os homens para a justificação que dá vida. Porque, como pela desobediência de um só homem muitos se toma ram pecadores, assim também por meio da obediência de um só muitos se tornarão justos.” “ Sobreveio a lei para que avultasse a ofensa; mas onde abundou o pecado, superabundou a graça; a fim de que, como o pecado reinou pela morte, assim também reinasse a graça pela justiça para a vida eterna, mediante Jesus Cristo nosso Senhor” (Romanos 5.15-21). Você precisa estudar cuidadosamente esta passagem para enten der o que Paulo está dizendo. Ele está comparando Cristo com Adão. Assim como você é considerado injusto devido ao pecado de Adão, assim é considerado justo devido ao que Jesus Cristo fez. Foi-lhe imputado o pecado de Adão, apesar de você não ter feito nada para merecê-lo; assim também lhe foi imputada a justiça de Cristo, apesar de você não ter feito nada para merecê-la. Em parte é isto que a passagem diz. Disto podemos tirar algumas conclusões. Por exemplo, vemos que a imputação não afeta o seu caráter moral, mas, sim, a sua posição legal. Quando você foi considerado justo graças à obra de Cristo, o seu caráter moral não foi alterado; você não se tomou moralmente justo e perfeito, só legalmente justo e perfeito à vista de Deus. Aí REGRA VINTE UM Você precisa compreender gramaticalmente a Bíblia, antes de compreendê-la teologicamente. 64 Princípios de Interpretação da Bíblia está por que alguns não-cristãos são mais justos em seu procedimento do que muitos cristãos. Outro exemplo é esta afirmação: “ Porque, se vivemos deliberada mente em pecado, depois de termos recebido o pleno conhecimento da verdade, já não resta sacrifício pelos pecados” (Hebreus 10.26). Muitos se utilizam deste versículo para ensinar que é possível ao cristão perder a sua salvação. Um estudo deste versículo em seu con texto levá-lo-á a uma conclusão inteiramente diversa. Esta passagem fala especificamente a judeus que criam em sacrifício de animais em antecipação do Messias por vir, não percebendo que Ele já tinha vindo. O escritor de Hebreus expõe o fato do sacrifício de Jesus. Esta sua afirmação diz que, uma vez que esses judeus compreenderam a razão da morte de Jesus e deliberadamente a ignoraram, se retornas sem aos seus sacrifícios, não haveria nenhum sacrifício futuro provido por Deus. Você pode ver como um problema desses pode ser aliviado pelo uso de sadios princípios gramaticais (Regras 10-17). Você terá de compreender o que uma passagem diz, antes de extrair dela quaisquer conclusões doutrinárias. Transparece de imediato que este é um procedimento importante no estu do da Bíblia, precisamente como o é em tudo na vida. “ Responder antes de ouvir é estultícia e vergonha” (Provér bios 18.13). Ê estulto chegar a uma conclusão antes de ouvir os argumen tos todos. Assim também, é um erro chegar a conclusões a respeito de de terminada doutrina antes de estudar tudo que a Bíblia diz sobre o assunto. Por exemplo, existem numerosas passagens no Novo Testamento que dizem que você não está debaixo da lei. “ Concluímos, pois, que o homem é justificado pela fé, independentemente das obras da lei” (Romanos 3.28). “ Mas, se sois guiados pelo Espírito, não estais sob a lei” (Gála- tas 5.18). Ao ler tais declarações, pode você concluir que a graça de Deus o livra de qualquer obrigação de viver uma vida disciplinada, santa? REGRA VINTE DOIS Uma doutrina não pode ser considerada bíblica, a não ser que resuma e inclua tudo o que a Escritura diz sobre ela. Princípios Teológicos de Interpretação 65 De maneira nenhuma. Tal conclusão seria contestada por afirma ções como estas: “ Que diremos pois? Permaneceremos no pecado, para que seja a graça mais abundante? De modo nenhum. Como viveremos ainda no pecado, nós os que para ele morremos? Ou, porventura, ignorais que todos os que fomos batizados em Cristo Jesus, fomos batizados na Sua morte? Fomos, pois, sepultados com ele na morte pelo batismo; para que, como Cristo foi ressuscitado dentre os mortos pela glória do Pai, assim também andemos nós em novidade de vida” (Romanos 6.1-4). Ê aqui onde um estudo tópico da Bíblia se mostra útil. Você toma um tema, idéia ou ensinamento e estuda todas as passagens sobre o assunto. Eis aqui três espécies de estudos paralelos: 1. Paralelos de Palavras. Você pode, por exemplo, resolver estu dar a vida de Balaão. A principal passagem sobre ele acha-se em Números 22-24. Ele foi um profeta de Deus que se deixou seduzir por um convite do rei de Moabe para amaldiçoar Israel. Que conclu sões você pode deduzir na vida dele? Um estudo do que os escritores do Novo Testamento dizem de Balaão o ajudarão a avaliá-lo. Diz-nos Pedro que ele “ amou o prêmio da injustiça” (2 Pedro 2.15). Diz-nos Judas que ele foi movido “ de ganância” (Judas 11). João acrescenta a informação de que ele aconselhou o rei de Moabe “ a armar ciladas diante dos filhos de Israel para comerem cousas sacrificadas aos ídolos e praticarem a prostituição (Apocalipse 2.14). 2. Paralelos de Idéias. O paralelo de idéias difere do de palavras em que você não pode recorrer às referências de uma palavra, como pode fazer no caso de Balaão. A idéia é mais abrangente do que qual quer palavra. Um exemplo poderia ser a questão da autoridade em sentido global. Os principais sacerdotes e os anciãos perguntaram a Jesus: “ Com que autoridade fazes estas cousas? e quem te deu essa autoridade?” (Mateus 21.23). Você necessita estudar não somente esta passagem de Mateus 21, mas muitas outras passagens das Escrituras que tratam do assunto. Moisés registra a primeira rebelião do homem contra a autoridade (Gênesis 3); a Escritura mostra também Deus tratando severamente aqueles que rejeitaram a autoridade de um de Seus servos (Números 16). 3. Paralelos Doutrinários. Isto inclui estudos tópicos sobre as grandes doutrinas da Bíblia, tais como os atributos de Deus, a natureza do homem, a redenção, a justificação, e a santificação. Neste tipo de estudo você reune todas as peças de informação e extrai uma conclusão. É bem parecido com a colocação das peças de um quebra-cabeças,reunindo-as. A isto se chama raciocínio indutivo 66 Princípios de Interpretação da Bíblia — o processo de raciocinar das partes para o todo. Se, por exemplo, você estivesse estudando indutivamente a doutrina da igreja (eclesio- logia), trataria de achar todas as passagens sobre o assunto, estudaria cada uma, e então as juntaria todas para formular as suas conclusões. Na Regra 24 consideraremos um princípio que tem que ver com o raciocínio dedutivo, mas precisamos observar ligeiramente o racio cínio dedutivo aqui. Este método aborda o estudo olhando para o todo e chegando a conclusões quanto às peças menores, outra vez semelhante a um quebra-cabeças de recortes. Do enigma completo você pode concluir certas coisas acerca das peças individuais. Racio cínio dedutivo é o processo de raciocinar do geral para o particular. Eis um exemplo de raciocínio dedutivo: • Primeira Premissa — Se pedimos de aordo com a Sua vontade, Deus nos ouve (1 João 5.14,15). • Segunda Premissa — A santificação está de acordo com a von tade de Deus (1 Tessalonicenses 4.3). • Conclusão — Quando oramos por nossa santificação, Deus nos ouve. A razão por que estamos discutindo aqui o raciocínio dedutivo é a necessidade de relacioná-lo com o seu estudo indutivo. Em regra, a primeira premissa em seu estudo dedutivo só pode ser feita depois que o estudo indutivo o tenha levado a compreender em que consiste a premissa e que significa. Podem-se ver outros exemplos dè estudo dedutivo na Regra 24. O estudo indutivo da Bíblia é extremamente importante no desen volvimento das suas convicções. Estudando as partes você pode captar um retrato cada vez mais claro do todo. Se você não está envolvido num estudo indutivo, devia estar. Pois, se as suas convicções quanto às doutrinas da Bíblia se formaram pelo que outros lhe falaram, em vez de por sua investigação pessoal das Escrituras, resistirão nos tem pos de provação? Você não pode contar com que permanecerá fiel durante os períodos de adversidade baseado no ouvir dizer. Você tem de cavar nas Escrituras, você mesmo, e conseguir as suas convicções pessoais. Infelizmente, como muitas vezes acontece, o que é importante exige trabalho duro. Isto é verdade quanto à formação de convicções vitais. Requer-se cuidadoso e completo estudo da Bíblia. Não existe atalho. Os seus estudos doutrinários constituem a espinha dorsal das suas convicções espirituais, e, por sua vez, só se pode chegar a estas estudando tudo o que a Bíblia diz sobre dado assunto. Princípios Teológicos de Interpretação 67 Existe nas Escrituras certo núme ro de aparentes contradições ou para doxos. “ Aparentes” porque na reali dade não o são. Parecem contraditó rias porque a mente finita do homem não pode compreender a mente infi nita de Deus. Eis alguns dos conhecidos para doxos para a mente humana: 1. A Trindade. Não servimos a três deuses, mas, sim, a um só Deus; contudo, cada Pessoa da divindade é plena e completamente Deus, e não apenas um terço Deus. Em essência podemos concluir que um mais um mais um são iguais a um. Nenhuma ilustração humana pode explicar ade quadamente este mistério teológico. Está inteiramente além da nossa com preensão. 2. A dual natureza de Cristo. Jesus Cristo é Deus completo e homem completo. Não é meio Deus e meio homem; todavia, Ele não é duas pessoas, mas somente uma. Outra vez, um mais um igual a um. 3. A'origem e existência do mal. Em termos lógicos, a mente humana deduz que de duas coisas, uma deve ser verdadeira. Ou Deus criou o mal, ou este Lhe é coetemo. A Bíblia noz induz a crer que nenhuma destas é verdadeira. É um mistério. 4. A soberana eleição de Deus e a responsabilidade do homem. Paulo afirma que Deus escolheu o crente em Seu soberano conselho antes da fundação do mundo (Efésios 1.4). Pedro, porém, diz: “ Não retarda o Senhor a sua promessa, como alguns a julgam demorada; pelo contrário, ele é longânimo para convosco, não querendo que nenhum pereça, senão que todos cheguem ao arrependimento” (2 Pedro 3.9). Através de todas as Escrituras há um bem intencionado oferecimento do Evangelho a todos os homens. O homem é visto como agente moral responsável de quem Deus pede contas, e “ Todo aquele que invocar o nome do Senhor, será salvo” (Romanos 10.13). Não há maneira pela qual as nossas mentes possam conciliar estas duas verdades difíceis e aparentemente antagônicas. De todas as dificuldades, nenhuma causa tanta controvérsia emo cional como à última. Possivelmente porque as três primeiras soam REGRA VINTE TRÊS Quando parecer que duas doutrinas ensinadas na Bíblia são contraditórias, aceite ambas como escriturísticas, crendo confiantemente que elas se explicarão dentro de uma unidade mais elevada. 68 Princípios de Interpretação da Bíblia mais como questões acadêmicas, ao passo que a quarta toca as nossas sensibilidades morais. Ela tem a ver com o destino eterno do homem. Quando a Bíblia deixa duas doutrinas “ conflitantes” sem as con ciliar, você deve fazer o mesmo. Viver em tensão não é agradável, mas você deve ter cuidado para não perder o equilíbrio bíblico ao procurar aliviar a tensão. Não arranque partes da Escritura na tenta tiva de forçar acordo entre as duas doutrinas “ conflitantes” . Você pode fazer aplicação dessas doutrinas “ conflitantes” pre gando a doutrina certa à pessoa certa. Por exemplo, como cristão você prega a si próprio que Deus o escolheu; você não O escolheu. Se a escolha fosse sua, você votaria contra Ele. Tudo que você é e tem é dom da graça de Deus. Isto deve enchê-lo de humildade e singeleza. Mas você pode proclamar com arrojo ao não-cristão que Deus o ama, pois Jesus mesmo disse: “ Deus amou ao mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigénito” (João 3.16). Nossa lealdade não é primeira e primordialmente a um sistema de teologia, mas à Escritura. Quando você interpretar a Bíblia, não permita que a lógica humana a faça dizer nem mais nem menos do que de fato diz. Na proporção em que as Escrituras falam com clareza, você pode falar com clareza. Quando as Escrituras fazem silêncio, você deve ficar em silêncio. Onde a Bíblia ensina duas doutrinas “ conflitantes” , você deve seguir o exemplo dela e sustentar ambas, mantendo cada uma em perfeito equilíbrio com a outra. A comunidade religiosa judaica do tempo de Jesus estava dividida em vários grupos: herodianos, essênios, zelotes, saduceus e fariseus. Estes dois últimos grupos divergiam sobre certos pontos doutrinários, notadamente a ressurreição dos mortos. Os fariseus criam nisso; os saduceus o negavam. Certa ocasião Jesus se viu numa discussão com os saduceus sobre esta questão da vida além desta. Será que o Velho Testamento a ensina de fato? Atente para a linha de raciocínio de Jesus: “ Quanto à ressurreição dos mor tos, não tendesiido no livro de Moisés, no trecho referente à sarça, como Deus falou: ‘Eu sou o Deus de Abraão, o Deus de Isaque e o Deus de Jacó’? Ora, ele não é Deus REGRA VINTE QUATRO Um ensinamento simplesmente implícito na Escritura pode ser considerado bíblico quando uma comparação de passagens correlatas o apóia. Princípios Teológicos de Interpretação 69 de mortos, e, sim, de vivos. Laborais em grande erro” (Marcos 12.26,27). Diz o Senhor que a ressurreição pode ser provada com base no Velho Testamento (Êxodo 3.15), em que Deus se identificou como o Deus de Abraão, Isaque e Jacó. Uma vez que Deus é Deus de vivos, esses três homens têm de estar vivos ou ressurretos. Este raciocínio é dedutivo, e pode ser delineado da seguinte forma: • Primeira Premissa — Deus é Deus de vivos. • Segunda Premissa — Deus é o Deus de Abraão, Isaque e Jacó. • Conclusão — Abraão, Isaque e Jacó estão entre os que vivem. A doutrina da ressurreição é implícita no Velho Testamento, arra zoou Cristo. O Velho Testamento não afirma expressamente que há uma ressurreição dos mortos, mas quando você compara passagens correlatas sobre esse assunto, deduzque é verdade. Outro exemplo é a questão de se admitirem mulheres à Mesa do Senhor. Concluímos que elas devem ser admitidas à comunhão, não porém com base em algum mandamento ou exemplo específico achado na Bíblia, visto que não nos é dado nenhum. Presumimos que elas devem ser admitidas baseados nos ensinamentos implícitos do Novo Testamento. Neste exemplo, o processo dedutivo é como se segue: Quando Paulo escreveu à igreja de Corinto, é evidente que entre os membros da igreja havia mulheres. “ Pois a vosso respeito, meus irmãos, fui informado, pelos da casa de Cloe, de que há contendas entre vós” (1 Coríntios 1.11). “ As igrejas da Ásia vos saúdam. No Senhor muito vos saúdam Àqüila e Priscila e, bem assim, a igreja que está na casa deles” (1 Coríntios 16.19). Cloe e Priscila eram mulheres. Paulo também instruiu a igreja sobre como conduzir-se na Ceia do Senhor (1 Coríntios 11). Portanto, inferimos dessas passa gens da Escritura que mulheres participavam da comunhão. • Primeira Premissa — A igreja de Corinto recebeu instrução sobre a comunhão. • Segunda Premissa — Havia mulheres que faziam parte da igreja de Corinto. • Conclusão — As mulheres podem participar da comunhão. Você precisa estar certo de que as deduções que faz estão verda deiramente implícitas nas Escrituras de que as extrai, e de que você averiguou e comparou passagens correlatas sobre o assunto. É fácil fazer mau uso do princípio e chegar a conclusões antibíblicas. Isto acontece muitas vezes com passagens que nos dão exemplos da vida de Cristo. 70 Princípios de Interpretação da Bíblia Marcos diz de Jesus: “ Tendo-se levantado alta madrugada, saiu, foi para um lugar deserto, e ali orava” (Marcos 1.35). Daí somos inclinado^ a deduzir que o cristão fiel deve ter sua hora tranqüila de manhã bêm cedo. • Primeira Premissa — O crente deve ser semelhante a Cristo. • Segunda Premissa — Cristo fazia devoções de manhã bem cedo. • Conclusão — O crente deve fazer devoções de manhã bem cedo. Todavia, você se lembrará de que sob a Regra 5, Os exemplos bíblicos só têm autoridade quando apoiados por uma ordem, discuti mos isto, empregando este mesmo exemplo. Usando o raciocínio esbo çado aqui, você pode concluir apropriadamente que pode fazer devo ções de manhã bem cedo, mas não é obrigado a fazê-las. Esta passa gem sustenta a validade da hora tranqüila matutina, não porém a sua necessidade. Você não pode violar um princípio de interpretação a fim de justificar outro. O seu estudo da Bíblia precisa levar em conta todos os princípios, se é que pretende fazer uma interpretação válida. Crer que uma coisa é verdadeira graças a um ensino implícito na Bíblia, não somente é válida, mas também é necessário (o argumento de Jesus em favor da ressurreição dos mortos com base no Velho Testamento, por exemplo). Contudo, segundo a Regra 23, tal racio cínio requer cuidadoso estudo, e isto é trabalho duro; mas o fruto dessa labuta é compensador e bem vale o esforço. Não tenha medo de usar o raciocínio dedutivo no seu estudo da Bíblia. Você faz isso o tempo todo na vida diária. Suponhamos que você trabalha para uma firma de processamento de dados, e que está nesse serviço já há algum tempo. Hoje, quando vai para o trabalho, vê-se voltando para aquele mesmo emprego, muito embora o seu em pregador não lhe tenha pedido especificamente que viesse neste dia. Você o faz porque raciocina: • Primeira Premissa — O seu empregador o quer como em pregado. • Segunda Premissa — O seu empregador o mantém neste ser viço particular já faz algum tempo. • Conclusão — o seu empregador quer que você faça esse ser viço hoje. Rememore o número de vezes que você deduziu que algo é ver dadeiro com base em certos fatos; ou como alguém deixou implícito que algo é verdadeiro, embora não o tenha dito especificamente. Este processo é válido no seu estudo da Bíblia, precavendo-se no sentido de seguir fielmente a Regra 24. ôSumário e Conclusão Um dos objetivos deste livro é dar-lhes regras de interpretação simples que o induzam a um programa de estudo bíblico mais preciso e, conseqüentemente, mais compensador. Vinte quatro regras, com meia dúzia de corolários ou mais, podem parecer um prato grande demais para digerir, mas você pode fazê-lo. De fato, muito do que lemos logo deixa o consciente e desliza para o subconsciente. Somente quando uma idéia ou experiência associada puxa o que está depositado ali, sobe de novo ao consciente. Quando você se engajar no estudo da Bíblia *, o processo de inter pretar as Escrituras extrairá os pensamentos deste livro agora deposi tados em seu subconsciente e os trará à superfície. Você poderá consultar a regra básica em questão e refrescar a sua memória com a sua aplicação. Em pouco tempo, essas regras se tornarão quase que uma segunda natureza em você — algo muito parecido com o toque das teclas do piano por um pianista consumado. Na proporção em que são válidas, as regras contidas neste livro devem ser biblicamente patentes. Ao lê-las, devem parecer-lhes óbvias. Se você conceber a possibilidade de substituir alguma das regras por uma alternativa qualquer, as implicações dessa permuta deverão tor- ná-la inaceitável. A Regra 12, por exemplo, diz: Interprete a palavra em relação à sua sentença e ao seu contexto. Sugerimos como alternativa que não interpretemos a palavra à luz do seu contexto, mas unicamente à base do que diz o dicionário. Neste caso, Paulo se refere a animais de quatro patas quando fala de “ cães” (Filipenses 3.2), e o rei Herodes é literalmente uma “ raposa” (Lucas 13.32). Estas regras, se são legítimas e precisas, harmonizam-se com o espírito e com o conteúdo daquilo que a Bíblia afirma que é verdade. Talvez tenha havido época, digamos, cerca de uma geração atrás, em que era desnecessário redigir essas regras auto-evidentes. Mas, na socie dade de hoje as coisas mudaram. A nossa geração relativista questiona os absolutos e obscurece as decisões. Daí, o estabelecimento de regras de interpretação para o estudo da Bíblia veio a ser uma necessidade. * Ver o livro "Métodos de Estudo Bíblico” do mesmo Autor, capítulo 1-6. 72 Princípios de Interpretação da Bíblia O que é por si evidente para as pessoas que têm conhecimento bíblico, soa como novidade para os que não estão familiarizados com a Bíblia. Isso tem o seu lado bom e o seu lado mau. É um fato què as Escrituras são novas e vivas para o homem da rua nos dias de hoje. Mais e mais homens e mulheres famintos são retirados do pensamento relativista e levados a um encontro com as dinâmicas verdades da Bíblia. Aquilo de que estava imbuída a mente dos nossos antepassados como “ óbvio” a ponto de ster árido, vê-se hoje como coisa nova e im pressionante — e isso atrai as pessoas. A desvantagem é que produzimos uma geração de iletrados bíbli cos que não só desconhece as grandes verdades das Escrituras, mas também está insegura sobre como proceder para descobri-las. Por tanto, uma abordagem básida e simples dos princípios de interpretação bíblica é uma' grande necessidade hoje. Ao procurar aplicar essas regras, você deve lembrar-se de que há diferença entre serem as regras bíblicas e corretas, e serem usadas ade quadamente. O martelo é a ferramenta certa para pregar um prego, mas usar um martelo não garante que você não entortará o prego. Quando você aplica as regras de interpretação ao seu estudo bíblico, não tem garantia de fazer interpretação correta em todas as tentativas. Cometerá erros. Mas a esperançosa proficiência e precisão virá com a prática fiel. Talvez haja ocasiões em que, ao ler os capítulos deste livro, sin ta-se como se o tivessem “ deixado no ar” com respeito a qual deve ser a interpretação válida de uma passagem. Conquanto não houvesse a intenção de deixar o leitor “ no ar” , o livro procura esquivar-se de interpretar as passagens por você. O objetivo deste livro é o estabelecimento de regras básicas de interpretação, não a interpretação mesma.Infelizmente, nem sempre é possível isso. Traços das tendências teológicas do autor se insinuam, embora em grau mínimo, esperamos. Alguns sugeriram uma sessão de laboratório para algumas passa gens. A exposição de 1 João 3.6-10, na página 45, propiciou opor tunidade para isso. Outra sugestão foi a de expormos uma passagem usando tantas regras básicas quantas possíveis. Estas sugestões foram tentadoras, mas sem dúvida teriam feito o livro desviar-se do seu propósito. Ficaríamos debatendo sem parar se foi tirada a conclusão certa de uma regra particular. Portanto, o sentido de cada uma das 24 regras foi explicado, e sua aplicação é deixada com você. Se achar que é apenas principiante na arte de interpretar e estudar a Bíblia adequadamente, anime-se a avançar a passos ousados. Não fixe o olhar nos possíveis erros que cometer, mas, sim, no Cristo incompa rável e no rico potencial à sua disposição para conhecê-lo melhor. Princípios de Interpretação da Bíblia Um ponto absolutamente básico do estudo bíblico, é a exposição dos princípios de como interpretar corretamente a Bíblia. Para melhor aproveitamento, use este livro em conjunto com os Métodos de Estu do Bíblico pelo mesmo autor. W alter A . H enrichsen R. Álvaro de Carvalho, 118 - 3." and. - Tel. 2590860 Caixa Postal 9.500 - 01000 - São Paulo - Est. SP. EDITORA MUNDO CRISTÃO