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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes Programa de Pós-Graduação em Psicologia Posicionamento de adolescentes sobre mudanças climáticas e estilos de vida sustentáveis: (re)significando o planeta e o futuro? Hellen C. L. Barros Natal – RN 2019 ii Hellen Chrystianne Lucio Barros Posicionamento de adolescentes sobre mudanças climáticas e estilos de vida sustentáveis: (re)significando o planeta e o futuro? Tese elaborada sob a orientação do Prof. Dr. José de Queiroz Pinheiro e apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial à obtenção do título de Doutora em Psicologia. Natal – RN 2019 iii Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes - CCHLA Barros, Hellen Chrystianne Lucio. Posicionamento de adolescentes sobre mudanças climáticas e estilos de vida sustentáveis: (re)significando o planeta e o futuro / Hellen Chrystianne Lucio Barros. - Natal, 2019. 285f.: il. color. Tese (Doutorado) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Programa de Pós-graduação em Psicologia. Natal, RN, 2019. Orientador: Prof. Dr. José de Queiroz Pinheiro. 1. Mudanças climáticas - Tese. 2. Percepção - Tese. 3. Adolescentes - Tese. 4. Estilo de vida sustentável - Tese. 5. Abordagem multimetodológica - Tese. I. Pinheiro, José de Queiroz. II. Título. RN/UF/BS-CCHLA CDU 159.9 iv Universidade Federal do Rio Grande do Norte Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes Programa de Pós-Graduação em Psicologia A tese “Posicionamento de adolescentes sobre mudanças climáticas e estilos de vida sustentáveis: (re)significando o planeta e o futuro?”, elaborada por Hellen Chrystianne Lucio Barros, foi considerada aprovada por todos os professores da Banca Examinadora e aceita pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia, como requisito parcial à obtenção do título de DOUTORA EM PSICOLOGIA. Natal, RN, 10 de Dezembro de 2018. BANCA EXAMINADORA Prof. Dr. José de Queiroz Pinheiro (presidente) Profa Dra Maria Inês Gasparetto Higuchi (UFAM/INPA) Prof. Dr. Gustavo Martineli Massola (USP) Profa Dra Tatiana de Lucena Torres (UFRN) Profa Dra Cimone Rozendo de Souza (UFRN) v Ella (la utopía) está en el horizonte — dice Fernando Birri—. Me acerco dos pasos, ella se aleja dos pasos. Camino diez pasos y el horizonte se corre diez pasos más allá. Por mucho que yo camine, nunca la alcanzaré. ¿Para qué sirve la utopía? Para eso sirve: para caminar EDUARDO GALEANO Educação ambiental não pode ser que nem um trem, que para em qualquer estação. Ela tem que continuar, seguir... PROFESSOR ENTREVISTADO vi Dedico esta tese aos meus pais que possibilitaram o início dessa jornada, a Marcel que me segurou, dirigiu – literalmente – e evitou que eu tropeçasse pelo caminho, e a Zé que acreditou em mim para que a jornada continuasse, e me serviu de bússola. vii Agradecimentos É extremamente desafiador romper uma página em branco, principalmente se for para agradecer. Tenho tanto a dizer, tantas pessoas a quem agradecer, que se torna difícil organizar o pensamento e preencher tais páginas. Uma certeza que tenho é que elas não serão suficientes para expressar tamanha gratidão que sinto ao finalizar essa longa jornada. O início dessa jornada não foi o ingresso no curso de doutorado. Não, essa jornada se iniciou muito antes, arrisco dizer que começou no dia em que recebi a notícia de que fui aprovada no vestibular para cursar psicologia na Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Por isso, meu profundo agradecimento aos meus pais. Desde a escola, durante vestibular, durante todo curso de graduação, durante meu mestrado, e agora durante o doutorado, eles foram fonte de suporte, apoio, foram solidez, foram lucidez. Obrigada. Hoje posso afirmar que a psicologia é meu lugar, de trabalho, de pesquisa, de afetos, e a psicologia ambiental tem toda parte nisso. Não caí nessa área de pesquisa à toa, avalio que construí meu caminho nela. Tudo começou em 2006, durante meu segundo ano de graduação, com uma disciplina complementar chamada “Comprometimento Ambiental & Conduta Sustentável”, ministrada por um dos professores mais temidos de minha turma, com fama de rígido e antipático. O professor Pinheiro. O cuidado com o meio e a ideia de educação ambiental sempre me atraíram, por isso, mesmo diante do “difícil” professor, fui lá e me matriculei. A cada aula, a cada conteúdo eu me interessava mais e mais. O receio de aproximação com o “rígido” docente continuava, mas suas discussões, os debates trazidos e até os elogios aos trabalhos que eu entregava me motivaram a buscar uma participação voluntária no seu grupo de pesquisa, o Grupo de Estudos Inter-Ações Pessoa-Ambiente (GEPA). Não tive coragem de perguntar ao professor Pinheiro sobre o grupo viii pessoalmente, hoje posso admitir isso. Tinha vergonha de levar uma resposta antipática. Daí escrevi um e-mail com a maior cautela que pude. O texto dizia: “Professor, ia te perguntar na aula de hoje, mas acabei esquecendo”. Esquecendo? Claro que não. Mas me pareceu plausível. E insisti: “Enviar e-mail me impede obviamente de esquecer de novo!!!!” Com as exclamações e tudo, continuei: “Você aceita voluntários na base de pesquisa? Como agora é final de ano eu não sei se realmente tem condições, já que os projetos estão em andamento, mas eu gostaria muito de conhecer mais a respeito dessa área ... enfim... é isso!”. É isso. Foi isso. Minha jornada no GEPA começou em 2006, continuou e continua. O outrora professor Pinheiro deu espaço rapidamente ao Zé. E o que dizer ao Zé? Não existe palavra que descreva a minha imensa gratidão ao longo desses doze anos de parceria; professor da iniciação científica, orientador de mestrado, de doutorado, orientador da minha postura profissional enquanto psicóloga, enquanto pesquisadora, enquanto Hellen. Obrigada! Eu não seria a pessoa e a profissional de hoje se não fosse por você. Se eu conseguir inspirar em um aluno toda a ética, postura, sensibilidade, simpatia (sim simpatia!), seriedade e humanidade que você me inspira, terei cumprido uma parte de minha missão enquanto docente. Eu não teria construído essa trajetória se não fosse por seu apoio, acadêmico, intelectual, emocional. Obrigada! Agradeço também a todos os colegas do GEPA, fonte de suporte e incentivos, Raquel, Tadeu, Fernanda, Alexandra, Cíntia, Leonardo, em especial a Claudinha e aos nossos cafés, um apoio afetivo essencial durante a construção da tese. E ainda, agradeço imensamente a Gleice, professora e pesquisadora exemplar, a quem sempre admirei. Agradeço aos meus amigos e familiares que de uma forma ou de outra sempre se fizeram presentes, em especial Juliana, Mariana, com quem sempre dividi meus dramas acadêmicos. À Lui, pela redução de tensões. Agradeço aos meus sogros, Vera e Marcílio, pelas comidas deliciosas em tempos de estresse, pelas palavras acolhedoras, e até pelas dicas de português do professor Marcílio. ix Agradeço às amigas que a vida de professora me presentou, e que me deram suporte durante essa caminhada, Martha, Carol, em especial a Cíntia Gallo, que me auxiliou no retorno à docência, que época maravilhosa trabalharcom vocês. Obrigada. Agradeço ainda a Nívia, Gabi, Ana Isaura, Antonimária, Vânia, Carina, pelos papos e descontrações psicológicas diante das dificuldades enfrentadas no cotidiano da docência, vocês me inspiram! Inspiram a me construir e reconstruir a cada semestre enquanto psicóloga, enquanto professora, obrigada pela caminhada, diante das dores e sabores da rotina docente. Em especial à Astrid, por ter me auxiliado tanto na conciliação de horários entre esse cotidiano e finalização da tese. A vocês minha gratidão. É com imenso prazer que agradeço aos 484 adolescentes e às 8 escolas participantes, aos professores das mesmas que me receberam com muita disposição, atenção e interesse. Ao Programa de Pós-graduação em Psicologia da UFRN, que tornou todo esse esforço possível, à CAPES, pela concessão de bolsa de estudos. Agradeço, especialmente, aos professores Maria Inês Higuchi, Tatiana Torres, Cimone Rozendo, Jorge Sarriera e Gustavo Massola pelas contribuições, diálogos, e inspirações geradas durante o andamento e finalização da tese, e a todos os meus mestres que estiveram presentes nessa trajetória acadêmica. Por fim, e principalmente, é preciso agradecer a Marcel. Mais uma vez fico sem palavras apropriadas para descrever o meu agradecimento. É como diz aquela música do Paul McCartney (que ele absolutamente adora): “Blackbird singing in the dead of night, take these broken wings and learn to fly; all your life, you were only waiting for this moment to arise”. Assim como esse blackbird, eu mudei minha perspectiva, meu estilo de vida. Marcel me inspirou, juntou meus cacos, me apoiou; ajudou a voar, me guiou, me dirigiu – nesse caso literalmente; meu motorista para coleta de dados de norte a sul, pelas estradas que me levaram às cidades participantes. Lutou batalhas comigo, estava lá para qualquer queda, para qualquer crise, para qualquer problema. Sem Marcel, não haveria doutorado. Não haveria Hellen. Obrigada. x Sumário Lista de Figuras......................................................................................................................xiv Lista de Tabelas.......................................................................................................................xv Resumo...................................................................................................................................xvii Abstract................................................................................................................................xviii Resumen........................................................................................................... .......................xix Apresentação...........................................................................................................................20 Introdução................................................................................................................................24 1. Mudanças Climáticas..........................................................................................29 1.1. O que são mudanças climáticas?.........................................................................30 1.1.1. O quinto relatório de avaliação do IPCC.....................................................32 1.1.2. Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas...................................................33 1.2. Mitigação das MCs e adaptação aos seus impactos..........................................35 1.2.1. Adaptação e vulnerabilidade........................................................................36 1.2.2. Medidas de mitigação..................................................................................40 1.2.3. Mitigação e fontes renováveis de energia....................................................43 2. Dimensões psicológicas e sociais.......................................................................47 2.1. Percepção, conhecimentos, fantasias e escala...................................................48 2.1.1. A percepção das mudanças climáticas.........................................................48 2.1.2. O conhecimento sobre mudanças climáticas................................................50 2.1.3. Crenças, ideias e fantasias sobre o problema...............................................52 2.1.4. Mudanças climáticas: uma questão de escala?.............................................55 2.2. Comunicação das MCs.........................................................................................57 2.2.1. Aspectos sociais e midiáticos.......................................................................57 2.2.2. Percepção de risco........................................................................................60 2.2.3. Aspectos afetivos.........................................................................................61 3. Sustentabilidade e Psicologia.............................................................................65 3.1. De um compromisso pró-ecológico a um estilo de vida sustentável................66 3.2. A orientação de futuro.........................................................................................69 3.3. Conectividade com a natureza............................................................................72 3.4. Práticas de cuidado com o meio ambiente.........................................................76 xi 4. Adolescência, sustentabilidade e mudanças climáticas............................78 4.1. A adolescência.......................................................................................................79 4.2. Adolescentes, ambiente e estilos de vida sustentáveis.......................................83 4.3. O adolescente diante das mudanças climáticas globais....................................88 5. A proposta do estudo............................................................................................94 5.1. O olhar ecológico..................................................................................................95 5.1.1. A orientação pró-sustentabilidade na perspectiva ecológica.......................98 5.1.2. O tempo na experiência ambiental.............................................................102 5.2. Declaração de objetivos.....................................................................................104 6. Método......................................................................................................................105 6.1. Primeira etapa do estudo...................................................................................107 6.1.1. Participantes...............................................................................................107 6.1.2. Composição do questionário......................................................................112 6.1.3. Procedimentos............................................................................................116 6.1.4. Análise de dados....................................................................................... 117 6.2. Fase mediadora: entrevistas exploratórias com professores..........................118 6.2.1. Procedimentos e roteiro semiestruturado das entrevistas...........................118 6.3. Segunda etapa do estudo: As rodas de conversa com os adolescentes..........121 6.3.1. Procedimentos para rodas de conversa: devolutivas e melhor “aprofundamento” do posicionamento sobre mudanças climáticas.....................122 6.4. Análise dos dados das entrevistas e rodas de conversa...................................125 7. O posicionamento dos adolescentes sobre mudanças climáticas.......128 7.1. Categorizações do posicionamento diante das MCs........................................128 7.1.1. Categoria Causa.........................................................................................1317.1.2. Categoria Consequência.............................................................................134 7.1.3. Categoria Solução......................................................................................140 7.1.4. Categoria Atribuição de responsabilidade.................................................141 7.1.5. Categoria Menção à temporalidade............................................................143 7.1.6. Tipo de escola, gênero e idade influindo no posicionamento....................145 7.2. Avaliando a gravidade das MCs nas escalas espacial e temporal..................148 7.3. Compondo um posicionamento de base afetiva...............................................152 8. Indicadores de estilos de vida sustentáveis e o posicionamento sobre mudanças climáticas......................................................................................................156 xii 8.1. Práticas de cuidado ambiental..........................................................................156 8.2. Inventário de perspectiva temporal..................................................................159 8.3. Escala de conectividade com a natureza..........................................................166 9. A contribuição de professores: um olhar sobre o posicionamento e contexto ecológico do adolescente..................................................................174 9.1. Ideias dos professores sobre a relação: adolescente e MCs............................176 9.1.1. Visão de MCs como mais um problema ambiental...................................177 9.1.2. Estratégias e ferramentas para abordar o tema...........................................178 9.1.3. Contato com a prática.................................................................................180 9.1.4. Interdisciplinaridade...................................................................................182 9.1.5. Desafios para abordar/comunicar sobre o tema.........................................184 9.1.6. Visão positiva sobre o jovem.....................................................................186 9.2. Contexto de inserção do adolescente................................................................189 9.2.1. MCs como conteúdo programático............................................................189 9.2.2. Projetos esporádicos sobre temas do meio ambiente.................................189 9.2.3. Inexistência de projetos sobre MCs...........................................................190 9.2.4. Dificuldades institucionais.........................................................................190 9.2.5. Contato com a realidade e com a natureza.................................................193 9.2.6. Presença de guias: pessoas experientes......................................................196 9.2.7. Continuidade e interdependência...............................................................198 9.3. Opinião dos professores sobre o questionário aplicado ao adolescente........200 9.3.1. Preocupação com o desconhecimento sobre o problema...........................200 9.3.2. Sentimento de surpresa ao saber do viés do otimismo...............................201 9.3.3. Questionário compreendido como prova pelo aluno.................................204 9.3.4. Não compreensão da diferença entre “clima” e “tempo”...........................205 9.4. Contribuições diretas sobre estratégias e tópicos de discussão para rodas de conversa......................................................................................................................205 9.4.1. Predominância do tema lixo (como causa)................................................206 9.4.2. Consequências e soluções - globais e locais..............................................206 9.4.3. Sentimento de satisfação e interesse ao ser implicado...............................207 9.4.4. Viés do otimismo na interpretação dos adolescentes.................................207 9.4.5. Como o adolescente se vê conectado.........................................................208 10. As rodas de conversa: aprofundando o posicionamento dos adolescentes e integrando a análise dos dados..............................................209 10.1. Aprofundamento das noções de “causa”........................................................209 10.2. Aprofundamento das noções de consequências (globais e locais)................214 10.3. Explorando possíveis soluções (locais e globais)............................................217 10.4. Interpretação do viés do otimismo..................................................................222 xiii 10.5. A conectividade com a natureza e seus sentidos............................................227 11. Considerações finais............................................................................................235 Referências............................................................................................................................ 242 Apêndice A.............................................................................................................................256 Apêndice B.............................................................................................................................260 Apêndice C.............................................................................................................................263 Apêndice D.............................................................................................................................267 Apêndice E.............................................................................................................................270 Apêndice F.............................................................................................................................278 Apêndice G.............................................................................................................................281 Anexo A..................................................................................................................................283 xiv Lista de Figuras Figura Página 1 Expressão gráfica do viés do otimismo constatado na escala espacial 149 2 Expressão gráfica do viés do otimismo constatado – temporalidade 151 3 Gráfico de Sedimentação da primeira extração fatorial realizada, a partir dos 27 itens do Inventário de Perspectiva Temporal 160 4 Gráfico de Sedimentação da primeira extração fatorial realizada, a partir dos 14 itens da Escala de Conectividade com a Natureza 167 xv Lista de Tabelas Tabela Página 1 Escolas e séries participantes, por cidade e tipo de instituição 108 2 Quantitativo de participantes por escolas e séries 109 3 Média de idade dos participantes e descrição de acordo com o gênero 111 4 Frequência absoluta e percentual de ocorrência das categorias encontradas 129 5 Frequência absoluta e percentual de ocorrência das subcategorias de causas 132 6 Trechos de respostas referentes às causas, de acordo com as subcategorias 134 7 Frequência absoluta e percentual de ocorrência das subcategorias de consequências gerais das MCs 135 8 Trechos de respostas referentes às consequências gerais, de acordo com as subcategorias 137 9 Frequência absoluta e percentual de ocorrência das consequências LOCAIS das MCs 137 10 Frequência absoluta e percentual de ocorrência das subcategorias de solução das MCs 140 11 Trechos de respostas referentes às soluções, de acordo com as subcategorias 141 12 Frequência absoluta e percentual de ocorrência das subcategorias de atribuição de responsabilidade pelas MCs 141 13 Trechos de respostas referentes às atribuições de responsabilidade, de acordocom as Subcategorias 143 14 Frequência absoluta e percentual de ocorrência das subcategorias de menção à temporalidade 144 15 Trechos de respostas referentes às menções de temporalidade, de acordo com as Subcategorias 144 16 Frequência absoluta (f) e frequência esperada (fe) das associações entre indicação da categoria causa e o tipo de escola 145 17 Frequência absoluta (f) e frequência esperada (fe) das associações entre indicação da categoria consequência geral e o tipo de escola 146 18 Frequência absoluta (f) e frequência esperada (fe) das associações entre indicação da categoria atribuição de responsabilidade e o tipo de escola 146 19 Frequência absoluta (f) e frequência esperada (fe) das associações entre indicação da categoria mensagens de conservação e o tipo de escola 147 xvi 20 Frequência absoluta de indicações de gravidade das MCs de acordo com as escalas espaciais: cidade, país e mundo 149 21 Frequência absoluta de indicações de quando são ou serão graves as MCs de acordo com as escalas espaciais: cidade, país e mundo 151 22 Frequência absoluta e percentual de ocorrência do posicionamento de base afetiva 155 23 Frequência absoluta (f) e frequência esperada (fe) das associações entre indicação da categoria consequência geral e o cuidado ambiental 158 24 Frequência absoluta (f) e frequência esperada (fe) das associações entre a percepção da categoria consequência local e o cuidado ambiental 159 25 Estrutura fatorial do Inventário de Perspectiva Temporal (Bardagi et al., 2015), com itens, cargas fatoriais, comunalidades (h²), número de itens, valores próprios, percentuais de variância e coeficientes Alfa de Cronbach. 161 26 Médias (M), desvios-padrão (DP) e mediana (Md) do fator de visão ansiosa de futuro para a variável Não sei 165 27 Estrutura fatorial da Escala de Conectividade com a Natureza (Mayer & Frantz, 2004), com itens, cargas fatoriais, comunalidades (h²), número de itens, valor próprio, percentuais de variância e coeficientes Alfa de Cronbach 168 28 Médias (M), desvios-padrão (DP) e mediana (Md) do fator de conectividade com a natureza para a variável prática de cuidado ambiental 169 29 Médias (M), desvios-padrão (DP) e mediana (Md) do fator de conectividade com a natureza para a variável local de moradia 170 30 Médias (M), desvios-padrão (DP) e mediana (Md) do fator de conectividade com a natureza para a variável de atribuição de responsáveis 171 31 Médias (M), desvios-padrão (DP) e mediana (Md) do fator de conectividade com a natureza para a variável de percepção de consequências locais 172 32 Aspectos norteadores para análise das entrevistas e eixos temáticos extraídos a partir de cada aspecto 176 xvii Resumo O objetivo deste estudo foi investigar como os adolescentes se posicionam diante das mudanças climáticas (MCs), e como esse posicionamento se associa a indicadores de estilos de vida sustentáveis. A abordagem multimetodológica utilizada constou de duas etapas. Na primeira, um questionário foi aplicado a 484 estudantes, com média de idade de 15,5 anos (DP = 1,34), de escolas públicas e particulares, nas cidades de Natal, Arez e São Miguel do Gostoso, no estado do Rio Grande do Norte. Uma fase mediadora foi conduzida, por meio de 11 entrevistas exploratórias com professores desses alunos, elucidando informações provenientes da primeira etapa e auxiliando na estruturação da segunda, que correspondeu à realização de nove rodas de conversa com alguns dos respondentes do questionário. As causas do problema foram a categoria mais indicada nos questionários, com temáticas associadas à poluição pelo acúmulo de lixo e poluição do ar. Ao mesmo tempo, 70% dos adolescentes mencionaram perceber consequências locais. Um viés de otimismo espacial foi constatado: os adolescentes avaliaram que as MCs são mais graves para o mundo do que para suas cidades. Identifiquei que 73% afirmaram praticar ações de cuidado ambiental, o que se associou com a percepção de consequências das MCs, e com a conectividade com a natureza, que também foi significativamente associada com a atribuição de responsabilidade pelo problema. Os dados obtidos pelas rodas de conversa auxiliaram no aprofundamento e esclarecimento dos resultados anteriores. Os adolescentes explicaram porque entendem que o lixo desempenha papel importante, forneceram interpretação para o viés do otimismo, e indicaram maior variabilidade de ações em que consideram ser possível se engajar com vistas à mitigação das MCs. Este estudo, portanto, enfatiza a importância de abordagens multimetodológicas, e ressalta norteadores para projetos de educação socioambiental pautados na percepção desse público. Palavras-chave: mudanças climáticas; percepção; adolescente; estilo de vida sustentável; abordagem multimetodológica. xviii Abstract The objective of this study was to investigate how adolescents position themselves in the face of climate change (CC) and how this positioning is associated with indicators of sustainable lifestyles. The multi-method approach used consisted of two steps. In the first one, a questionnaire was applied to 484 students, with a mean age of 15.5 years (SD = 1.34), of public and private schools in the cities of Natal, Arez and São Miguel do Gostoso, in the state of Rio Grande do Norte. A interceding phase was conducted, whereby 11 exploratory interviews with teachers of these students were performed, in order to elucidate previous information from the first stage and to assist the structure of second step, which involved nine focal groups with some of the questionnaire respondents. The causes of the problem were the most indicated category in the questionnaires, with issues associated with pollution by the accumulation of garbage and air pollution. At the same time, 70% of adolescents mentioned perceiving local consequences. A bias of spatial optimism was found: adolescents assessed MCs as more serious to the world than to their cities. I identified that 73% affirmed to practice environmental care actions, which was associated with the perception of consequences of MCs, and with connectivity with nature, which was also significantly associated with the assignment of responsibility for the problem. The data obtained by the focal groups helped to deepen and clarify the previous results. The adolescents explained why they understand that garbage plays an important role, provided an interpretation for the bias of optimism, and indicated a greater variability of actions in which they consider that it is possible to engage in mitigation of CC. This study, therefore, emphasizes the importance of multi-methodological approaches, and highlights guiding principles for socio-environmental education projects based on the perception of this public. Keywords: climate change; perception; adolescent; sustainable lifestyle; multi-methods xix Resumen El objetivo de este estudio fue investigar cómo los adolescentes se posicionan ante el cambio climático (CC), y cómo ese posicionamiento se asocia a indicadores de estilos de vida sostenibles. El enfoque multimetodológico utilizado consta de dos etapas. En la primera, un cuestionario fue aplicado a 484 estudiantes, con edad media de 15,5 años (DP = 1,34), de escuelas públicas y particulares, en las ciudades de Natal, Arez y São Miguel do Gostoso, en el estado de Rio Grande do Norte. Una fase mediadora fue conducida, por medio de 11 entrevistas exploratorias con profesores de esos alumnos, para elucidar informaciones provenientes de la primera etapa y para auxiliar en la organización de la segunda, que correspondió a la realización de nueve grupos focales con algunos de los encuestados del cuestionario. Las causas del problema fueron la categoría más indicadaen los cuestionarios, con temáticas asociadas a la contaminación por la acumulación de basura y la contaminación del aire. Al mismo tiempo, el 70% de los adolescentes mencionaron percibir consecuencias locales. Un sesgo de optimismo espacial fue constatado: los adolescentes evaluaron que el CC es más graves para el mundo que para sus ciudades. Además, se observó que el 73% afirmaron practicar acciones de cuidado ambiental, lo que se asoció con la percepción de las consecuencias de las MC, y con la conectividad con la naturaleza, que también fue significativamente asociada con la atribución de responsabilidad por el problema. Los datos obtenidos por los grupos focales ayudaron en la profundización y aclaración de resultados anteriores. Los adolescentes explicaron porque entienden que la basura desempeña un papel importante, proporcionaron interpretación para el sesgo del optimismo, y indicaron mayor variabilidad de acciones en las que consideran posible involucrarse con miras a la mitigación del CC. Este estudio, por lo tanto, enfatiza la importancia de enfoques multi-metodológicos, y resalta orientadores para proyectos de educación socio- ambiental pautados en la percepción de ese público. Palabras clave: cambio climático; percepción; adolescente; estilo de vida sostenible; enfoque multi-metodológico. 20 Apresentação Nos últimos anos, muito tem se falado a respeito do meio ambiente e de problemas ambientais, já sendo uma realidade a gravidade destes problemas (Corral-Verdugo, 2010; Held, 2001; Lago, Amaral, & Mühl, 2013; Milbrath, 1995). Observa-se um aumento da atenção dada pela mídia e de conferências e reuniões internacionais para debate desses, como por exemplo, a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio ambiente e Desenvolvimento, no Rio de Janeiro em 1992, conhecida como Rio 92, a posterior e mais recente Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, também no Rio de Janeiro em 2012, conhecida como Rio+20. Além das Conferências das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, conhecidas como COPs, tais como a COP 15, em Copenhagen, na Dinamarca, que ocorreu em dezembro de 2009, e a COP 21, realizada em 2015, em Paris, objetivando a discussão do fenômeno e o estabelecimento de acordos para redução na emissão de gases e enfrentamento das mudanças climáticas (MCs). Por meio desses debates, as evidências científicas sobre o papel humano envolvido nos diversos problemas ambientais são cada vez mais conhecidas e inegáveis (Corraliza, 1997; Corral-Verdugo, 2010; Olson, 1995; Oskamp, 2000). Logo, eles podem ser considerados como problemas humano-ambientais (Pinheiro, 1997). Por um lado, porque podem ser causados ou intensificados pela ação humana e, por outro, porque as consequências destes problemas são e serão vivenciadas pelos seres humanos, afetando tanto sua qualidade de vida no planeta, quanto a própria sobrevivência. O dilema ambiental atual reside em um conflito entre desejos humanos de obter e consumir mais recursos e a necessidade de conservar esses recursos (Corral-Verdugo, 21 2010). A crise ambiental deflagrada na atualidade é, portanto, uma crise de ordem humana (Lago, Amaral, & Mühl, 2013). O advento da noção de sustentabilidade intensificou a atenção dada aos aspectos sociais e humanos da preservação ecológica, esta deixou de ser meramente física e de conservação imediata, para ser pensada em aspectos culturais e de futuro. A sustentabilidade passa a ser entendida como um modo possível de existência de todos os ecossistemas, e tem entre seus princípios a interdependência entre a diversidade ecológica e social, atualmente e no futuro, nas localidades dos indivíduos e em todo o globo (Corral-Verdugo, Bonnes, Tapia-Fonllem, Fraijo- Sing, Frías-Armenta, & Carrus, 2009; Corral-Verdugo, 2010). Nesse contexto, as MCs, também chamadas de mudanças climáticas globais, correspondem a um problema humano-ambiental complexo que continua se agravando, considerando que os comportamentos humanos de emissão de carbono continuam intensos e insustentáveis (Gifford, 2008; IPCC, 2014a; PBMC, 2014a; Scannel & Gifford, 2013). Assim, estudos dos aspectos psicológicos relacionados à temática são de extrema relevância, pois permitem investigações que busquem maior compreensão de comportamentos de degradação ambiental, engajamento e aceitação de políticas públicas para proteção ecológica, além da compreensão de elementos atrelados à adoção de estilos de vida sustentáveis, de barreiras psicológicas para esta adoção, dentre outros aspectos psicológicos presentes na interação pessoa-ambiente (Gifford, 2008; 2014; Milbrath, 1995; Werner, 1999). Foi com algumas dessas inquietações que comecei enquanto bolsista de iniciação científica, durante minha graduação em psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), a investigar as dimensões psicológicas envolvidas nas MCs (Barros & Pinheiro, 2008). Esta trajetória me levou à realização do mestrado na área, pelo Grupo de Estudos Inter-Ações Pessoa-Ambiente (GEPA-UFRN), buscando investigar o que os adolescentes natalenses conheciam sobre o assunto e se esse conhecimento se associaria a um 22 compromisso pró-ecológico por parte dos mesmos (Barros, 2011). Os resultados de minha dissertação indicaram conhecimento confuso sobre o tema pelos participantes do estudo, e revelaram associações entre o desconhecimento sobre o que seria aquecimento global e o desinteresse por questões ambientais. Naquele momento, a questão feita aos adolescentes era aberta e pedia para que imaginassem que estavam explicando sobre o aquecimento global a um amigo, e, assim, o que diriam a respeito. O que busco hoje, a partir dos dados encontrados em 2011, é aprofundar e ampliar esse conhecimento e entender como se posicionam sobre o tema, utilizando, para isso, o termo mudanças climáticas globais. Existem diferentes compreensões quando se utiliza o termo aquecimento global e quando se utiliza mudanças climáticas. Em um estudo feito no Reino Unido, constatou-se que o primeiro foi mais relacionado a uma problemática com causas antropogênicas, e o segundo muito mais associado a causas naturais (Whitmarsh, 2009). O esclarecimento dessas diferenças pode contribuir para fomentar a comunicação das MCs em projetos de educação socioambiental. Para além disso, nestes mais de sete anos desde a coleta inicial, alguns aspectos mudaram. A mídia já começa a tratar o tema com o termo MCs, e não apenas como aquecimento global, bastante utilizado em 2010. O assunto também é mais tratado no cenário nacional, em jornais e pela documentação científica, e por meio, ainda, do maior desenvolvimento de fontes renováveis de energia. A temática também parece chegar mais aos adolescentes e jovens em idade escolar, devido às cobranças representadas pelo Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), que, ano após ano, traz questões sobre sustentabilidade, aspectos energéticos e mudanças climáticas em si. Questões nas provas de 2009, 2011 e 2016 ilustram isso e, à guisa de exemplo, algumas delas foram dispostas no anexo A desta tese. Assim, é pertinente questionar: como os adolescentes se posicionam atualmente sobre MCs? A decisão pelo termo posicionamento é embasada nas ideias de Scannel e Gifford (2013) 23 e Lorenzoni, Nicholson-Cole e Whitmarsh (2007), que utilizam o termo engajamento para se referirem a tal posição, em sentido abrangente. Este engajamento é muito mais do que a ação em si, e muito mais do que a consciência da existência do problema, inclui conhecer, se importar com, e estar disposto a agir considerando as MCs (Scannel & Gifford, 2013). Em português, “engajar-se” está muito atrelado à realização do comportamento, e pode perder seu sentido de amplitude. Já “posicionar-se” não se refere apenas à posição de algo ou alguém no espaço físico, mas também se refere à uma posiçãotomada a respeito de um assunto, não sendo apenas uma atitude, mas também um ponto de vista: “Assumir posição, opinião”, conforme dicionário Caldas Aulete de língua portuguesa (2004). Nesta investigação, utilizo o termo dessa forma abrangente, entendendo-o como o que os adolescentes conhecem sobre MCs, como as compreendem, como as percebem, além de possíveis sentimentos envolvidos diante da temática, sentido que também se pauta nas contribuições teóricas de autores como Clayton et al. (2015), McDonald, Chai e Newell (2015) e Uzzell (2000). Desse modo, os achados da minha dissertação trouxeram novas questões a serem exploradas por esta tese, que tem como objetivo compreender o posicionamento que os adolescentes possuem a respeito das mudanças climáticas globais. E ainda, se este posicionamento pode ser compreendido à luz de indicadores de estilos de vida sustentáveis. A intenção maior para realização deste estudo é a possibilidade de fornecer indicadores que norteiem a elaboração de ações de conscientização e de educação sócio-ambiental, que sejam orientadas para esta população específica, e pautadas em suas próprias ideias. 24 Introdução O Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas, ou Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC, 2014a), inicia seu quinto relatório de avaliação de mudanças climáticas com as seguintes frases em destaque: “A influência humana no sistema climático é clara, e as recentes emissões antropogênicas de gases são as mais altas na história. Recentes mudanças climáticas têm espalhado impactos nos sistemas humanos e naturais”1 (p. 40). Sobre esses impactos, destacam: “A atmosfera e o oceano têm aquecido, as quantidades de neve e gelo têm diminuído, e o nível do mar tem aumentado” (p. 40). Para uma pessoa como eu, que sempre residiu em um país tropical – mais especificamente no Nordeste do Brasil, local sem as quatro estações do ano bem definidas, e que possui altas médias de temperaturas anuais com pequena variação entre elas – não é fácil visualizar que alguns eventos catastróficos sejam consequências de um problema como as MCs. Nem é fácil ver, muito menos tocar, tais mudanças climáticas. É um problema complexo, amplo, e global, diferente de um cano de esgoto estourado em nossa rua. O avanço do nível do mar e a contingente erosão costeira também não eram algo facilmente visto nas praias nordestinas, pelo menos até há alguns anos. Essa situação vem se modificando, e tornando-se mais visível, por exemplo, com a construção de “quebra-mares” e a maior perda das faixas de areia. Estudos compilados pelo Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas (PBMC, 2014a) – órgão nacional com objetivos análogos aos do IPCC – ressaltam esse avanço do nível do mar em todo Brasil. As consequências para a população desse aumento 1 As citações apresentadas ao longo de todo o texto, originais de material de língua estrangeira, foram traduzidas pela própria autora. 25 são inúmeras e afetam a saúde e qualidade da vida humana, e vão muito além do redesenho de praias por causa da erosão. Esse aumento do nível do mar é associado a frequentes enchentes e inundações durante tempestades, à intrusão salina em lençóis freáticos e reservatórios de água natural, e à perda de ecossistemas – a exemplo de manguezais (PBMC, 2014a). Segundo o quarto relatório do IPCC (2007), o nível do mar aumentou em torno de 1,7 a 1,8 mm/ano no último século, com um aumento da taxa em torno de 3 mm/ano durante a última década. Ainda assim, esse avanço pode passar despercebido no âmbito nacional. Nesse sentido, além dos achados de minha dissertação de mestrado, um aspecto vivencial me impulsionou a continuar a pesquisar sobre fatores psicológicos das MCs. Tal aspecto foi poder ver e sentir impactos do problema de forma mais intensa do que a que eu tinha vivenciado até então; o que permitiu, posteriormente, ampliar a visualização dos impactos em território nacional. Na sequência destas páginas faço um breve relato dessa vivência. No inverno europeu, em um período entre dezembro de 2014 a janeiro de 2015, tive a oportunidade de conhecer uma região dos Alpes Franceses. Mais especificamente, uma pequena cidade chamada Chamonix-Mont-Blanc, na tríplice fronteira França-Itália-Suíça. Lá se situa o Mont Blanc (Monte Branco), considerado o ponto mais alto da Europa Ocidental. Ao fazer uma visita a uma das geleiras, chamada Mer de Glace (Mar de Gelo), vivenciei uma sensação extremamente emocionante, porém também entristecedora. Subimos de trem até o topo da geleira, aproximadamente a 1.930 metros de altura, e que tem aproximadamente 7 km de extensão. Do topo, as pessoas podem ir descendo até o “coração da geleira”, onde se encontra uma gruta de gelo, esculpida (e re-esculpida) todo ano, e que abriga um museu sobre as pessoas que viveram nas montanhas durante início do século XIX. A descida até à gruta é realizada em duas partes. Primeiro é possível descer por uma “gôndola- elevador” (uma espécie de teleférico), e, depois da chegada desta ao seu ponto final, são necessários descer ainda 430 degraus. A sensação inicial foi de alegria por estar contemplando 26 neve pela primeira vez. Uma felicidade pueril tomou conta e fez com que eu me engajasse em uma guerra de bolas de neve. Mas essa alegria infantil e o encantamento de turista durou pouco. O que me chamou atenção no passeio foi o fato de que estes 430 degraus foram acrescentados ao longo dos anos. O nível de gelo atingia, até o século XX (aproximadamente até 1990), o ponto em que o elevador parava, e para até hoje. Ao pesquisar na internet, em sites de informações e no site oficial da cidade, descobri que foram acrescentados em média 15 degraus por ano. Em 19 anos, a geleira perdeu aproximadamente 100 metros de espessura, e o nível de gelo diminui em torno de 5 metros a cada ano. Em 2009 eram 360 degraus até chegar ao nível do gelo no “coração” da geleira. Atualmente, já são os 430 degraus anunciados no site do departamento de turismo da cidade. Essas informações não foram obtidas a priori. Fui conhecer a geleira sem saber desses números. O que me fez pesquisá-los foi ver que, durante a descida dos degraus, existiam placas nas paredes da montanha indicando os níveis máximos de gelo em diferentes anos, por exemplo, desde 1990, 1995, 2000, 2005 até 2010. Era possível ver um comparativo muito claro e concreto de até onde o gelo chegava antes, e qual o máximo que ele alcança atualmente durante o inverno. Mais drástico ainda foi perceber que as placas de 2005 e 2010 eram muito mais próximas entre si que as de 2000 e 2005, e que já havia um espaçamento entre a placa de 2010 e o nível do gelo em 2014. O propósito deste relato vivencial não é detalhar cientificamente a realidade da Mer de Glace. Mas sim afirmar que pude experienciar e sentir pessoalmente o que havia lido anteriormente em fontes científicas, como as encontradas nos relatórios do IPCC (2007; 2014a), o que me motivou mais ainda a continuar este estudo. As geleiras estão derretendo, o nível do mar está aumentando; pude ver as corredeiras de água descendo pelas paredes das montanhas em pleno inverno e formando pequenas cascatas de água doce. Nem todo mundo vive essa realidade, nem todo mundo pode ver a neve derreter na sua 27 cidade, o que é uma das consequências atuais mais palpável do problema, e nem pode arcar financeiramente com essa experiência. A falta de visualização pode gerar uma grande barreira para o enfrentamento do problema; afinal, como enfrentar algo que não se conhece, ou que não se vê? As consequências do problema em território nacional começam a se intensificar ano a ano (PBMC, 2014a), não sendo necessária uma viagem extrema referente à realidade de outro local para que as consequências de um problema global possam ser discutidas.Essa discussão é necessária, e entender o posicionamento das pessoas em relação ao problema contribui para o surgimento de diretrizes que fomentem a implementação, aceitação e participação em políticas públicas voltadas para mitigação e adaptação das MCs nos âmbitos locais (Heft & Chawla, 2005; Gifford, 2008). Afinal, reconhece-se a existência do campo político na vida social, que inclui muito mais que conhecimento e desejos individuais, e vai além, inclui posições nacionais, internacionais, e conflitos multilaterais nessas esferas. Assim, estudos como este representam esforços que tentam fazer com que o lema ambientalista “pensar globalmente e agir localmente” possa ser posto em prática, tanto no dia-a-dia das pessoas quanto em esferas públicas de gestão. Nesse contexto, o primeiro capítulo desta tese dedica-se a apresentar o que são as MCs, a partir do que se tem produzido pelos principais documentos que as discutem, tanto no cenário nacional, como no internacional, bem como as principais medidas de mitigação e adaptação diante do problema. O segundo capítulo apresenta as dimensões psicológicas e sociais das MCs, os aspectos teóricos que as circundam e os estudos que foram desenvolvidos até mais recentemente. O terceiro capítulo destina-se à discussão sobre sustentabilidade e psicologia, e discorre sobre os elementos psicológicos que são associados pela literatura a um estilo de vida sustentável. O quarto capítulo aborda a adolescência diante dessas questões, enfatizando elementos que têm sido investigados como relevantes para a construção de um interesse pela 28 sustentabilidade, de uma orientação pró-sustentabilidade (Corral-Verdugo et al., 2009), e como a adolescência tem sido discutida diante das mudanças climáticas globais. O quinto capítulo apresenta a proposta desta investigação e declara os objetivos da tese, e sumariza o olhar ecológico que a embasa. O sexto capítulo discorre a respeito dos aspectos metodológicos adotados, e, na sequência, são apresentados os capítulos referentes aos resultados do estudo e sua discussão. No primeiro deles, capítulo 7, identifico e analiso o posicionamento dos adolescentes sobre MCs com base na primeira etapa do estudo. No capítulo 8 apresento as associações desse posicionamento com os indicadores de estilos de vida sustentáveis pesquisados. O capítulo 9 apresenta as contribuições oriundas das entrevistas exploratórias com os professores, a respeito do adolescente diante das MCs. O capítulo 10 discorre sobre a segunda etapa do estudo, e discute o posicionamento aprofundado dos adolescentes sobre MCs, a partir das rodas de conversa realizadas. Por fim, no capítulo 11, apresento discussões que integram os dados oriundos dos diferentes momentos do estudo, encerrando com o capítulo 12, referente às considerações finais. 29 1. Mudanças Climáticas As mudanças climáticas globais (MCs) expõem as pessoas, as sociedades, os setores econômicos e todo o ecossistema ao risco. O IPCC, em seu quinto relatório síntese de avaliação das mudanças climáticas (2014a), define risco como o potencial de consequências a serem geradas, a probabilidade de ocorrência de eventos catastróficos, a partir da interação entre: a) o surgimento desses eventos, por exemplo, fortes tempestades fora de época (disparados pelas ou relacionados às MCs); b) a vulnerabilidade das regiões (suscetibilidade aos danos); e c) a exposição de pessoas, ecossistemas a essas potenciais consequências. Com a combinação desses três elementos ficam ressaltadas as implicações humanas que a problemática envolve. Não adianta olhar para o fenômeno como se o mesmo correspondesse apenas a um problema físico, de debate das ciências naturais, cuja solução seria meramente tecnológica. As MCs envolvem necessariamente instâncias humanas: psicológicas, comportamentais, sociais, político-econômicas e culturais (O`Neill, 2008; Pawlik, 1991; Stern, Young, & Druckman, 1992; Swim, Clayton, Doherty et al., 2009; Uzzell, 2000). A influência humana no sistema climático hoje é clara, e as recentes emissões dos chamados Gases de Efeito Estufa (GEE) são as maiores da história, ocasionando por todo globo terrestre impactos nos sistemas humanos e naturais (IPCC, 2014a). Convém ressaltar que, apesar desta clareza apresentada por documentos científicos (IPCC, 2014a; PBMC; 2014a), o papel humano como causa única de sua ocorrência é debatido e contestado por alguns cientistas, que afirmam que o aumento de GEE é oriundo, em sua maioria, de ciclos biogeológicos naturais (Lima, 2009; Molion, 2008). Ainda assim, atualmente, há uma redução de incertezas (IPCC, 2014a), assumindo que as atividades humanas contribuem para o chamado “efeito estufa ampliado”, e para rapidez e intensidade da ampliação desse 30 fenômeno, desde a Revolução Industrial (Lima, 2009). Nesse sentido, a variabilidade natural não é um aval para o ser humano continuar a degradar o meio em que vive, e as mudanças de hábitos para sobrevivência das atuais e futuras gerações são necessárias (Molion, 2008). Diante desse cenário, os estudos dos aspectos psicológicos envolvidos devem incluir ainda os âmbitos local e global do problema, e devem reconhecer também que a esfera de atuação diante das MCs pode e deve ser tanto individual como coletiva, contribuindo para que políticas públicas de mitigação possam ser pensadas, questionando continuamente o atual padrão de exploração ambiental (Gifford, 2008). Todavia, antes de prosseguir nessa discussão, é importante ter claro como vem sendo atualmente respondida a questão posta na seção seguinte. 1.1. O que são mudanças climáticas? A temperatura terrestre, entre 1880 e 2012, aumentou aproximadamente em 0,85°C, o que representa um grande aumento em um tempo relativamente curto (IPCC, 2014a). As forças antropogênicas que têm colaborado com esse aumento correspondem, primordialmente, à intensa liberação dos gases de efeito estufa (GEE) na atmosfera, somada à degradação da camada de ozônio (IPCC, 2014a). Essa degradação foi ocasionada em partes também pela liberação histórica de gases, tais como o CFC (Clorofluorcarbono), usado em sprays, refrigeradores e solventes, mas, cujo uso tem sido intensamente combatido e proibido em diversos países, inclusive no Brasil, conforme publicação sobre ações brasileiras para proteção da camada de ozônio, do Ministério de Meio Ambiente – MMA (MMA, 2014). Contudo, as emissões de GEE oriundos da ação humana continuam. Elas têm aumentado desde a Revolução Industrial movidas pelo crescimento econômico e pelo crescimento populacional. Essas emissões partem de atividades industriais, desmatamento e queimadas para 31 uso de terra, e queima de combustíveis fósseis no uso de veículos de transporte de carga e de pessoas. De 2000 a 2010 as emissões foram as mais altas da história. A quantidade atual de gases na atmosfera, tais como dióxido de carbono (CO2), metano (CH4) e óxido nitroso (N2O) é sem precedentes na história da humanidade (IPCC, 2014a). Essa concentração de gases impede a liberação de volta ao espaço do calor emitido pela superfície terrestre, a partir de seu aquecimento pelo Sol, retendo mais calor do que o esperado naturalmente, assemelhando-se a uma estufa. O aquecimento global, nome utilizado por vezes na mídia para se referir às mudanças climáticas globais, representa então, o agravamento do efeito estufa (IPCC, 2007; 2014a). E, apesar desse nome popular utilizado, as MCs correspondem a muito mais do que somente o “aquecimento”. Cada consequência do problema acarreta novas consequências para o planeta, que irão afetar mais diretamente os sistemas vivos e a qualidade de vida humana. Esses impactos ocorrem em cascata (IPCC, 2014a), em uma cadeia complexa de acontecimentos que envolve todo o globo. Por exemplo, o derretimento das geleiras contribui para o aumento do níveldo mar, que por sua vez, leva à perda de faixas litorâneas e prejuízos ao habitat de vários animais. Além disso, o aumento da temperatura das massas de ar altera os padrões nos períodos de chuvas e de secas, o que leva a alterações nos sistemas hidrológicos, afetando os recursos de água e abastecimento de rios, tanto em termos de quantidade como de qualidade; o que afeta mais diretamente ainda a população (principalmente a mais carente de recursos) com a falta de água em determinadas regiões (IPCC, 2014a). De forma sintetizada, apresento a seguir os documentos base para essas conclusões, como uma forma de contextualizar o que se tem investigado e produzido sobre MCs no cenário nacional e internacional. 32 1.1.1. O quinto relatório de avaliação do IPCC Os documentos mais recentes do IPCC compõem o quinto relatório de avaliação das mudanças no clima, e apresentam probabilidades de ocorrências de suas causas e consequências. Esse relatório integra contribuições de três grupos de trabalho, com dados oriundos desde 2011 e 2013. Um dos materiais mais comumente acessado é o relatório síntese (IPCC, 2014a), que apresenta uma compilação de três outros materiais. Há um relatório dedicado a apresentar as bases físicas e científicas do problema, que conta com 14 capítulos, e que apresenta conclusões claras e robustas sobre a atividade humana como causa do observado aquecimento, desde meados do século XX. Este relatório esclarece as mudanças físicas nos sistemas do planeta, e estabelece altos índices de probabilidades para suas causas. Seus capítulos discutem mudanças físicas na atmosfera, no oceano, informações relativas ao ciclo do carbono, aos ciclos biogeoquímicos, avaliam modelos climáticos, e atribuições das mudanças em nível global e regional, e projetam e preveem como as mudanças climáticas continuarão a ocorrer (IPCC, 2013). Outro material que compõe o quinto relatório é um documento, dividido em dois, destinado à discussão dos impactos, vulnerabilidades e medidas de adaptação. A primeira parte, chamada de parte A, discute os aspectos globais desses impactos (IPCC, 2014b), focando-se nos sistemas de água potável, sistemas costeiros, segurança e produção de alimentos, áreas urbanas e rurais, saúde e segurança humana, estilos de vida e pobreza, riscos emergentes e planos e oportunidades para adaptação. A segunda parte, chamada de parte B, se volta para o detalhamento por regiões. Assim, esse documento discute os impactos regionais em capítulos relativos às regiões da África, Europa, Ásia, Austrália, América do Norte, Américas Central e do Sul, regiões polares, pequenas ilhas e oceanos. O terceiro e último documento que compõe o quinto relatório de avaliação, é um volume a respeito da mitigação das MCs (IPCC, 2014d), entendendo mitigação como combate, 33 enfrentamento, busca pela amenização do problema. Esse documento aborda opções relevantes para mitigar a mudança climática, seja limitando e prevenindo as emissões de GEE, seja aumentando atividades que reduzem as concentrações já existentes na atmosfera. Abordarei mais sobre ações de mitigação e adaptação na seção 1.2, após apresentar, brevemente, documentos relativos ao cenário nacional. 1.1.2. Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas No cenário brasileiro há um organismo científico que mencionei anteriormente, criado pelos Ministérios da Ciência e Tecnologia e do Meio Ambiente desde 2009: o Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas (PBMC), cujo objetivo é fornecer avaliações científicas sobre as MCs de relevância para o território nacional. A ideia do Painel é subsidiar o processo de formulação de políticas públicas e tomada de decisão para o enfrentamento dos impactos das MCs, servindo também como fonte de informações de referência para a sociedade. Recentemente, o PBMC publicou o primeiro Relatório de Avaliação Nacional sobre Mudanças Climáticas, dividido em três volumes, com organização semelhante aos documentos do IPCC: o primeiro trata das bases científicas das mudanças climáticas; o segundo trata dos impactos, vulnerabilidades e adaptação; e o terceiro trata de ações de mitigação, todos centrando-se no contexto brasileiro (PBMC, 2014a; 2014b; 2014c). O primeiro volume do relatório destaca possíveis intensificadores nacionais do problema, que favorecem o aumento da temperatura média global. Entre eles são apontados: o desmatamento de áreas florestais, principalmente na Amazônia e no Cerrado; emissões de GEE industriais, provenientes dos grandes centros urbanos, como a cidade de São Paulo e arredores; intensa utilização de veículos e ilhas de calor das grandes cidades; e a queima de combustíveis fósseis para produção de energia, que vem aumentando nos últimos anos devido à escassez 34 hídrica (PBMC, 2014a). Muitos dos impactos nacionais das MCs podem ser mais intensamente observados nas localidades dos indivíduos hoje em dia. No entanto, por falta de conexão clara entre suas causas e consequências, a atribuição desses impactos ao aquecimento global se torna difícil e deve ser feita com cautela (IPCC, 2014a; PBMC, 2014a). Esse cenário de incertezas é atrelado primordialmente ao longo período entre as causas do aquecimento e suas consequências. Tais consequências não são imediatas, fato que caracteriza como “previsão” as conclusões dos cientistas, e não como “certeza” (IPCC, 2014c; PBMC, 2014a). Nesse contexto, alguns impactos com maior grau de probabilidade podem ser atribuídos às MCs no território nacional. Dentre eles estão: mudanças nos padrões pluviais; eventos extremos, como secas, incêndios florestais, enchentes e inundações associadas a tempestades; o aumento do nível do mar; e consequente prejuízo aos manguezais. Tais impactos também acontecem em cadeia como mencionado, e acarretam outras consequências como perda da biodiversidade, fome e problemas de saúde ocasionados pela concentração da poluição, ou decorrentes das enchentes (Confalonieri & Marinho, 2007; PBMC, 2014b). As previsões desses impactos sustentam, por exemplo, que na Amazônia deverá haver redução percentual de 10% na distribuição de chuvas e aumento da temperatura de 1º a 1,5ºC (até 2040), mantendo a tendência de diminuição de 25% a 30% nas chuvas e aumento de temperatura entre 3º e 3,5ºC no período 2041-2070. Isso pode comprometer esse bioma brasileiro em longo prazo. Em curto prazo, o desmatamento atual decorrente das intensas atividades de uso da terra representa uma ameaça mais imediata, e acaba por agravar as mudanças climáticas globais, intensificando e acelerando impactos em todo o mundo, prejudicando o padrão do ciclo hidrológico mais intensa e rapidamente (PBMC, 2014a). Para caatinga, o relatório sugere tendência semelhante de aquecimento, e maior decréscimo da precipitação pluvial, de 10% a 20% até 2040, somado ao forte agravamento do 35 déficit hídrico regional, que pode desencadear o processo de desertificação da caatinga. Também fizeram projeções para o Cerrado, para as regiões da Mata atlântica, e para o Pantanal, sendo a mesma tendência destacada com algumas variações. Estima-se intenso aquecimento depois de 2070 (maior que 3ºC), espera-se acentuação das variações sazonais, a existência de eventos intensos e “fora de época”, e grande risco de perda da biodiversidade, principalmente para o Pantanal. Já para região dos Pampas, o relatório aponta para uma grande intensificação de chuvas, apesar da mesma tendência de aquecimento como no restante do país (PBMC, 2014a; 2014b). O terceiro e último volume do relatório destaca as medidas de mitigação necessárias ao cenário nacional (PBMC, 2014c). Nessa direção, é interessante ressaltar a existência do Plano Nacional sobre Mudança no Clima (PNMC), (Decreto nº 6.263), criado em de 21 de novembro de 2007 e publicado em 2008. É possível afirmar que esse plano é relativamente desconhecido pela população,apesar de seus relevantes objetivos, que envolvem: incentivar o desenvolvimento de ações no Brasil para o combate às MCs, criando ainda condições internas para o enfrentamento de suas consequências. Temáticas que são abordadas com maior detalhamento na seção seguinte. 1.2. Mitigação das MCs e adaptação aos seus impactos Essa seção apresenta discussões a respeito das medidas de adaptação e de mitigação necessárias, nos âmbitos nacional e internacional, e se encerra com discussões e estudos sobre fontes renováveis de energia e sua relação com as mudanças no clima. 36 1.2.1. Adaptação e vulnerabilidade Por adaptação se entende a realização de ajustes necessários em sistemas humanos ou naturais, incluindo estruturas, processos e práticas (IPCC, 2007). Como exemplo, é possível mencionar a crise nos sistemas de abastecimento hídrico, que demanda medidas de adaptação (IPCC, 2014a; PBMC, 2014b), tais como as destinadas a assegurar o abastecimento de água. Essas medidas podem ocorrer com foco nos usuários que demandam o abastecimento, com adoção de instrumentos de incentivo econômico, cobrança e regulação para diminuir o desperdício, e aumentar a eficiência em seu aproveitamento, como também podem ocorrer com foco em quem o oferta, envolvendo aumento da capacidade de armazenamento, captação de cursos e transferência de água, além de ações de recuperação das bacias hidrográficas (PBMC, 2014b). É importante mencionar que os materiais anteriores produzidos pelo IPCC se centravam na investigação sobre os impactos diretos do problema, na temperatura, nas precipitações de chuvas, nas colheitas e na vida de plantas e animais silvestres. As produções mais recentes, por outro lado, já apontam a necessidade de entender não apenas tais impactos diretos, mas também indiretos, incluindo impactos de ordem social e comunitária. Nesse sentido, dificilmente alguma esfera humana ou dos ecossistemas naturais poderia ser isolada dessas consequências, devido à interconexão dos sistemas terrestres, sendo basicamente impossível desenhar barreiras ou limites ao redor desses impactos (IPCC, 2014b). Por isso, as incertezas continuam existindo. Mas, ainda assim, os estudos se focam em elementos centrais ao problema e a partir disso, buscam identificar pontos de conexão das MCs com outros problemas de ordem local. As investigações mais recentes do IPCC se focam, portanto, no aumento do conhecimento sobre o risco das MCs, e na prevenção desses como forma de adaptação, antecipando-se a prováveis impactos diretos. Isso porque o foco no risco pode ligar a experiência histórica (o que ocorreu ao longo dos anos) às projeções futuras, auxiliando na 37 consideração de diversas consequências possíveis, e abrindo portas para desenvolvimento de ferramentas para mitigação. Existem sistemas sociais ameaçados pelas consequências do problema, e que necessitarão de estratégias para se adaptarem às novas condições impostas pelas mudanças climáticas, que colocam grande parte do mundo em situação de vulnerabilidade, ou intensifica essas situações já existentes (IPCC, 2014a). Assim, vulnerabilidade é um constructo multidimensional, que se refere à interação entre a magnitude da ameaça e a intensidade do dano potencial, buscando caracterizar distúrbios e propensões aos impactos (Lindoso & Filho, 2016). Mas não somente isso, o conceito implica uma noção sistêmica para sua avaliação, o que inclui aspectos físicos, econômicos, sociais, ambientais, que aumentam a suscetibilidade aos impactos de determinado fenômeno, buscando também compreender condições que levem à adaptação, que possibilitem capacidade adaptativa (Furtado, 2015; Lindoso & Filho, 2016). Esse conceito está intrinsecamente relacionado à ideia de resiliência, entendida, portanto, como o aumento na capacidade dos sistemas sociais e ecológicos de enfrentarem e se adaptarem diante de ameaças diversas (Furtado, 2015). O estudo de Andrade, Souza e Silva (2013), à guisa de exemplo, se interessou pela investigação de componentes da vulnerabilidade de agricultores familiares da região do Seridó Potiguar, identificando formas de fortalecer resiliência, e reduzir a exposição (grau, frequência, magnitude, duração do estresse) e a sensibilidade (extensão dos impactos que um sistema pode absorver sem sofrer danos de longo prazo). Por sua vez, a partir da ótica ecológica de Bronfenbrenner, Poletto e Koller (2008) ressaltam que fatores de risco e de proteção, em interação, podem contribuir para o equilíbrio entre vulnerabilidades e a promoção da resiliência. Portanto, apesar de entendimentos variados, há consonâncias que caracterizam essas noções como sendo complementares e dinâmicas, não sendo estáticas ou fixas (Furtado, 2015). Diante desse cenário, é relevante enfatizar aspectos como justiça social e ambiental, pois 38 muitos locais que irão sofrer as consequências das MCs não estão preparados para tal e podem ter contribuído muito pouco para a manutenção do problema (Lima, 2009). Clayton et al. (2015) afirmam que: “as pessoas necessitarão alterar seus comportamentos para se adaptarem a um clima alterado” (p. 643). Uma das direções que esses autores sugerem para futuras pesquisas nesse contexto, é a que se refere a comportamentos cooperativos e preparação comunitária frente, por exemplo, a secas ou inundações relacionadas às MCs (Clayton et al., 2015). Dessa maneira, aspectos como a redistribuição da terra, os padrões de agricultura, a insuficiência de recursos, a formação de ilhas de calor nos grandes centros urbanos e as estratégias para lidar com isso, são impactos que podem causar conflitos sociais e modificações nas dinâmicas intra e intergrupos, e que precisam ser levados em conta a fim de promover adaptação (Doherty & Clayton, 2011). Os países em desenvolvimento e as comunidades econômica e socialmente fragilizadas sentirão mais fortemente os impactos negativos dos desastres associados às MCs (Clayton et al., 2015; Lima, 2009). Por isso, ao falar em vulnerabilidade é preciso questionar ao quê, de quem, onde (Furtado, 2015). Do mesmo modo, ao discutir adaptação, é preciso se questionar sobre que tipo de adaptação e a quem ela beneficiará. A adaptação não significa acomodação. As MCs já demandam e exigirão mais urgentemente com os anos, que o debate sobre sustentabilidade e suas dimensões, tais como equidade e solidariedade sejam intensificados. Desse modo, a adaptação não se trata de um processo passivo. Adaptação é compreendida como a tendência para encontrar um equilíbrio entre as capacidades e potencialidades das pessoas e as oportunidades que o meio oferece (Sarriera, 1998), sendo um processo ativo e de construção, que envolve os diferentes níveis de atuação – do micro ao macrossistema. As condições ambientais diante de ameaças globais, nesse sentido, devem ser consideradas pelas – e, também devem considerar – discussões sobre direitos humanos (Doherty & Clayton, 2011). E ainda, deverão ser associadas a debates junto às comunidades 39 para construção dessas medidas, que devem também repensar o modelo de desenvolvimento posto atualmente, e não apenas formas de reproduzi-lo por mais tempo (Lima, 2009). Assim, considerar os aspectos sociais envolvidos nos impactos das MCs relaciona-se com a perspectiva de implementação de políticas públicas, que deverão contar com o apoio e engajamento individual. E mais, políticas estas que também podem e devem ser cobradas a partir do âmbito mais micro (Clayton et al., 2015; Stern et al., 1992), criando coletivos fortalecidos a partir de comunidades locais para pensar tais políticas, e não apenas apoiá-las. Desse modo, é preciso refletir criticamente sobre as condições macro-políticas e interesses internacionais que influenciam grandemente nas medidas ambientais globais adotadas, influências que são pautadas em uma arena de conflitos multilaterais,na qual países discordam sobre seus papeis na ocorrência do problema e em suas responsabilidades, tais conflitos atrasam e dificultam negociações, se tornando extremamente prejudicial para o futuro da qualidade de vida humana no planeta (IPCC, 2014a), e por vezes, contribuem para soluções consideradas cosméticas e não efetivas em longo prazo (Lima, 2009). A vulnerabilidade, então, varia como uma consequência da capacidade dos grupos e indivíduos de reduzir e gerenciar os impactos das mudanças climáticas, e estes podem ser, por fim, de ordem econômica, física, de infra-estrutura, também emocional. Alguns fatores podem determinar estados mais vulneráveis, tais como gênero, idade, status social, localização geográfica. Porém, como já dito, as persistentes inequidades devem ser as mais salientes das condições que levam às pessoas e comunidades a se tornarem vulneráveis (IPCC, 2014a; 2014b), isso devido a péssima qualidade de abrigos, a falta de prestação de serviços básicos locais, como centros de saúde, e falta de recursos para lidar e se recuperar de grandes eventos climáticos. Apesar das diferentes necessidades, de acordo com diferentes grupos e locais geográficos, a adaptação requer, em geral, que comunidades, donos de casa, empresas do setor 40 privado, instituições públicas, compartilhem aprendizados para lidar com essas mudanças. A adaptação é então um processo social de aprendizagem, para implementar ações, que combatam às inequidades citadas acima, que incluam educação e acesso à informação, respeitando o conhecimento científico, mas também o conhecimento oriundo das próprias comunidades (IPCC, 2014b; 2014c; Lima, 2009). 1.2.2. Medidas de mitigação Algumas formas de mitigação do problema são apontadas com maior grau de certeza como possíveis e necessárias, são elas: a) a redução de carbono, por meio da promoção e recuperação de áreas que foram degradadas para pastagem; b) a mudança no padrão pecuarista, com encorajamento de adoção de sistemas lavoura-pecuária; c) a substituição dos combustíveis fósseis usados pela indústria, com a geração de energia solar e eólica; d) a implementação de sistemas de transporte públicos integrados e mais eficientes, com a ampliação de linhas de metrô e trens urbanos, implantação de linhas de veículos leves sobre trilho, e a implementação de medidas de gerenciamento de tráfego. Além disso, a redução de veículos automotivos nas áreas urbanas é extremamente necessária, assim como é necessário frear o desmatamento na Amazônia (PBMC, 2014b; 2014c). Essas ações são do âmbito da gestão pública, mas outras ações individuais e coletivas também são demandadas. Desde o trabalho comunitário para cobrança dessas medidas, engajamento nas mesmas quando implantadas, mudanças nos padrões de transporte e de consumo energético, até a promoção de plantio e manutenção de áreas verdes, realização de um consumo consciente, reutilização e engajamento em reciclagem. Todas essas medidas contribuem direta ou indiretamente para reduzir a manutenção de GEE na atmosfera, e consequentemente mitigam as mudanças climáticas globais (PBMC, 2014c). Além de diminuir a manutenção de GEE, é preciso frear, em curto prazo, as emissões 41 de carbono em alta porcentagem. No entanto, isso “prejudica” (numa lógica neoliberal, obviamente) o crescimento econômico das nações e necessita de alto custo de investimento. A tendência mundial atual é optar por uma redução gradativa dos índices de carbono, investindo em energias mais limpas, buscando alcançar, inicialmente, o aumento das emissões mundiais a taxas decrescentes, até um determinado ano em que alcancem um máximo e passem a decair gradativamente ao se fixarem em um nível entre 10% e 20% das emissões atuais. Isso se daria por volta de 2050 (PBMC, 2014c), o que é arriscado, afinal, nas palavras do próprio relatório do PBMC (2014c, p.12): É preciso lembrar que ao postergar a adoção de políticas de mitigação das emissões o objetivo de manter o aumento da temperatura dentro de limites seguros pode ser prejudicado. Pelas dúvidas ainda existentes quanto à definição de que nível seria realmente seguro à concentração de GEE na atmosfera e, também, quanto à capacidade de absorção de carbono pelos oceanos no futuro, uma estratégia que considere o “princípio da precaução” vem sendo recomendada pelo IPCC para minimizar o valor total dos custos das mudanças climáticas dentro da economia mundial. Essa “recomendação” pode ser pensada à luz dos escritos de Bauman (1999), quando este ressalta o papel das incertezas, ao mencionar que “maior poder é exercido por aquelas unidades capazes de permanecer a fonte da incerteza de outras unidades” (p. 41). O autor se refere à moderna organização burocrática representada pelo Estado Moderno. É possível fazer um paralelo com a discussão aqui apontada, já que a insistência em promover grandes incertezas sobre o papel dos GEE no comprometimento climático terrestre, e até sobre a promoção da ideia de que as MCs não passam de ciclos naturais do planeta, contribui apenas para manutenção da ordem de poder dominante, que tem como padrão a exploração inconsequente dos recursos da natureza e da intensa produção industrial. Essa lógica, por sua vez, vem sendo vista como “promotora do crescimento e do desenvolvimento”, e por isso não acarretaria problemas, logo não precisaria ser repensada. 42 No entanto, a grande demonstração de problemas ambientais já é visível em diferentes partes do planeta com diferentes intensidades (IPCC, 2014a). Eventos extremos fora de época, desastres ecológicos, problemas de saúde como respiratórios e alta incidência de câncer (Confalonieri & Marinho, 2007), o alto índice de derretimento das geleiras e aumento do nível dos oceanos já se fazem presentes. Há, portanto, pouco espaço para propagação das incertezas. O papel institucional de gestão e de políticas públicas é extremamente relevante para a adesão de comportamentos individuais de mitigação, sendo importante atentar para o fato de que o comportamento em prol do meio ambiente pode ser extremamente diversificado, e algumas ações podem ser mais diretamente efetivas no combate às MCs, e outras podem auxiliar de forma mais indireta (PBMC, 2014c). Algumas podem ser melhor compreendidas e de fácil execução, outras podem ser mais complexas e não serem visualizadas ou conhecidas pelas pessoas (Whitmarsh, 2009). Em seu estudo, Whitmarsh (2009) encontrou, por exemplo, que poucas pessoas se engajavam em comportamentos de mitigação de forma intencional, para mitigar; as pessoas que economizavam energia – ação estimulada pelo governo – o faziam por benefícios no pagamento da conta de energia e não para amenizar as MCs. Já as pessoas que buscavam mitigá-las deliberadamente optavam por outras opções de ações, que não apenas economia energética, sendo a reciclagem uma das mais mencionadas nestes casos. Essa dinâmica comportamental e social precisa ser mais amplamente compreendida. A psicologia pode contribuir, neste sentido, de vários modos; por exemplo, com estudos que investiguem preditores de comportamentos distintos para mitigar as MCs, e fatores que impedem a adesão a esses comportamentos (Clayton et al., 2015; Gifford, 2011; Milbrath, 1995). Os fatores psicológicos, sociais e comportamentais envolvidos nessa esfera são discutidos no capítulo 2. 43 1.2.3. Mitigação e fontes renováveis de energia A mudança na matriz energética e no padrão de consumo de energia é considerada uma medida de mitigação direta de grande relevância (IPCC, 2014a). O terceiro volume do relatório do PBMC, dedicado a abordar formas de mitigação no Brasil, opta por ter uma imagem de painéis de energia solar fotovoltaica em sua capa, o que ilustra e até resume a necessidade de investimento em energias renováveis para mitigar a situação (PBMC, 2014c). Além disso, o PNMC(2008) destaca, como um dos objetivos da política brasileira do clima, manter uma elevada participação de energia renovável na matriz elétrica do país. Mas, apesar dos investimentos estarem aumentando, parecem ainda tímidos (Baltelo, 2008). Essa timidez é perigosa, pois, as próprias fontes de energias renováveis podem, com o tempo, ser ameaçadas pela mudança no clima. Isso geraria um ciclo vicioso, em que os impactos climáticos gerados levariam a que se recorresse a fontes energéticas fósseis, que agravariam ainda mais o problema. Tais ideias foram apresentadas em um estudo feito com a parceria da embaixada do Reino Unido no Brasil, no qual os pesquisadores Carlos Nobre, José Marengo e outros colaboradores afirmam que, em um cenário de aquecimento extremo maior que 4ºC neste século, haverá déficit no atendimento da demanda elétrica no país. Tal déficit se dará, por um lado, pelo aumento da própria demanda diante de temperaturas mais elevadas, e por outro, pela menor vazão de rios, já que a produção de energia elétrica no país é primordialmente originada de fontes hidroelétricas (Nobre, Marengo, Soares et al., 2016). Por isso, diversificar a produção torna-se muito relevante, por meio de fontes como a eólica e solar. Nesse sentido, esses autores alertam: “no que diz respeito às demais fontes renováveis de energia, todas estariam, em graus variáveis, vulneráveis às mudanças climáticas” (Nobre et al, 2016, p. 17), por causa, por exemplo, do aumento da concentração de nuvens e mudança no padrão pluvial, mudança no padrão de ventos, e de prejuízos à plantação de cana- de-açúcar, afetando, por conseguinte, a eletricidade gerada por biomassa. 44 Em 2012, o IPCC publicou um relatório especial dedicado à discussão sobre fontes renováveis de energia e a mitigação das MCs. Nesse documento, ressalta-se que tais fontes oferecem oportunidades para contribuir para o desenvolvimento social e econômico, com o acesso à energia elétrica, com a mitigação das mudanças no clima, e com a redução de impactos nocivos ao ambiente e à saúde humana (IPCC, 2012). Com investimentos nessas formas de produção, o custo de importação de energia declina, além de ser possível aumentar a criação de empregos nas localidades. Quanto a esse aspecto há ambiguidades apresentadas pelos estudos, o que é admitido pelo próprio relatório (IPCC, 2012), afinal, se um parque eólico, por exemplo, é instalado em uma comunidade, mas só contrata trabalhadores de outras localidades, e já especializados, não se resolve um eventual problema de desemprego, podendo criar conflitos e lacunas entre empreendimento e comunidade. Portanto, para estar de acordo com os ideais de sustentabilidade, os aspectos sociais e culturais também devem ser levados em conta na implementação de usinas, parques e indústrias de produção de energias renováveis; caso contrário, tais empreendimentos podem manter a lógica de desenvolvimento vigente, e a relação de exploração pode se manter, não beneficiando a comunidade que os cerca. As decisões dos especialistas, pautadas no conhecimento científico, não devem ser tomadas como verdades absolutas a serem implantadas à força, mas sim, debatidas e construídas junto à comunidade que as receberá (Lima, 2009). Ao levar esses aspectos em consideração, a ampliação dessas fontes acarreta outros benefícios. Ela pode ampliar a oferta de eletricidade para bilhões de pessoas sem o acesso a esta, além de trazer oportunidades de modernização dos serviços de energia, e diminuir as emissões de GEE, auxiliando no combate à poluição do ar, e a problemas de saúde relacionados (IPCC, 2012). 45 Assim, com o importante papel dado às energias renováveis no mundo, vários estudos começaram a se interessar pelo que as pessoas sabem sobre essas energias e se conhecem suas relações com as mudanças climáticas (Cavalcanti & Pinheiro, 2014). Nessa direção, alguns autores têm investigado o uso rotineiro de energia pelas pessoas, o conhecimento sobre sua origem, e suas consequências para o meio ambiente (Culley, Carton, Weaver, Ogley-Oliver, & Street; 2011; Spence, Leygue, Bedwell, & O’Malley, 2014; Swim & Becker, 2012). Outros temas, que também envolvem uso de combustível e geração de energia, têm sido foco de estudo, tais como: o uso privado de automóveis versus outras formas de mobilidade, e os níveis de aquecimento e resfriamento das casas (Clayton et al., 2015). De modo geral, o entendimento de fatores que levem ou barrem a adesão às novas tecnologias é do interesse de investigações a respeito das ações de mitigação. Essa adesão ainda é muito baixa, e incentivos financeiros poderiam ser implementados por instituições governamentais e pelo mercado com vistas ao seu aumento; sendo necessário, no entanto, considerar a limitação desses, ou seja, o encerramento das práticas pró-ecológicas mediante término dos incentivos. Por isso, para além de incentivar financeiramente, apelos centrados na natureza, sustentabilidade e uso de recursos podem ter mais efeito duradouro para o comportamento almejado (Clayton et al., 2015). Os estudos também têm buscado entender se o conhecimento sobre essas questões contribui para o engajamento nas práticas de redução de emissão de carbono, tais como, na redução do consumo de energia no lar, ou na escolha de produtos para consumo cuja produção não emita, ou emita quantidades reduzidas de CO₂, ou ainda, no apoio e adesão às energias renováveis. Os resultados dessas investigações sugerem, portanto, que sim, que o conhecimento é relevante para esse fim (Culley et al, 2011; Spence et al, 2014; Sundblad, Biel, & Gärling, 2014; Swim & Becker, 2012), concordando com as ideias de Gifford (2011), quando o autor aponta a ignorância como barreira às ações de mitigação. 46 Em síntese, para que haja sucesso, uma política de enfrentamento à mudança do clima deve considerar como fatores determinantes: a matriz energética, as fontes de energia atuais e potenciais, a agricultura, a transferência de tecnologias, a gestão de riscos, o combate ao desmatamento, e, primordialmente, o combate à inércia do comportamento de pessoas e organizações (PBMC, 2014b). Nessa direção, o capítulo seguinte dedica-se à discussão das dimensões psicológicas associadas às MCs. 47 2. Dimensões psicológicas e sociais Foi somente a partir do início da década de 1990, que os aspectos humanos envolvidos nas mudanças climáticas começaram a ser mais sistematicamente considerados (Kümmerer, 1996; Pawlik, 1991; Stern et al., 1992). E, atualmente, a necessidade de investigações desses aspectos já é reconhecida e consolidada como interesse da psicologia. Um exemplo disso é o relatório publicado em julho de 2009 pela American Psychological Association (APA), que discute as contribuições da ciência psicológica para mitigação e adaptação diante dessa problemática e de suas complexidades (Swim et al., 2009); relatório que, posteriormente, em 2011, foi reapresentado por meio de sete artigos publicados no periódico da APA, American Psychologist. Tais ideias foram retomadas e atualizadas em 2015, com o artigo de revisão de Clayton e colaboradores, reforçando o papel da psicologia neste cenário. É uma ideia comum, porém, um tanto incorreta, a de que os psicólogos se preocupam apenas com os micro-ambientes (localidades), e assim, a investigação de questões do âmbito global seria implausível (Moser & Uzzell, 2004). É verdade que estudar macro-ambientes (nível global) se constitui em um desafio heurístico (Pawlik, 2004), justamente pela abstração desta dimensão espacial, mas é um desafio necessário diante desses problemas humano-ambientais que aí estão. Nessa direção, as dimensões humanas das MCs podem ser entendidas como conjuntos de aspectos (ou componentes) psicológicos, sociais e comportamentais, por meio dos quais as pessoas se posicionam diante do tema, interagemcom as (e respondem às) características das mudanças climáticas globais (Pawlik, 1991; Stern et al, 1992). A partir de um levantamento 48 bibliográfico de estudos que se interessam por esses aspectos humanos, foi possível compilá- los com propósitos didáticos, servindo como substrato teórico para análise das dimensões psicológicas que poderão ser encontradas nesta investigação, que se estende à população adolescente. 2.1. Percepção, conhecimentos, fantasias e escalas Esta seção abrange dimensões cognitivas do funcionamento humano, tais como ideias, crenças e conhecimento sobre as MCs, e a reflexão sobre esses elementos em seus desdobramentos de acordo com as escalas, espacial (local-global) e temporal (hoje-futuro). 2.1.1. A percepção das mudanças climáticas As características das MCs as tornam um problema complexo e de difícil visualização, o que consequentemente acarreta dificuldades para ações que as combatam. Isso porque se considera que a aprendizagem de comportamentos é facilitada pela proximidade dos fatores e indivíduos envolvidos, e as modificações comportamentais parecem ser facilitadas quando se enxerga a consequência de um ato (Pawlik, 1991; Urbina-Soria & Fernández, 2006). Assim sendo, é improvável que, na situação das MCs, as consequências causadas sirvam de reforço para uma mudança comportamental. Diante dessas dificuldades, as investigações para entender como as pessoas percebem esse problema têm crescido, a fim de reduzir a distância entre compreensão e ação concreta. O conceito de percepção tem sido utilizado referindo-se ao que as pessoas apreendem sobre MCs (McDonald, Chai, & Newell, 2015; Moser & Uzzell, 2004; Pawlik, 2004; Uzzell, 2000), em um sentido coerente à ideia de percepção ambiental, que se refere às formas de vivências humanas nos ambientes, aludindo não apenas aos aspectos físicos destes, mas 49 também à compreensão sobre como as pessoas entendem e interpretam seu entorno, levando em conta aspectos psicológicos, sociais e culturais (Kuhnen & Higuchi, 2011). Importa destacar, nesse sentido, que a experiência direta das MCs é algo improvável, ou mesmo impossível. O sinal físico de tais alterações climáticas é extremamente baixo para ser sentido pelos humanos. As alterações são de variações baixíssimas de graus ao longo dos anos, ao passo que, em um só ano, as pessoas experienciam grandes mudanças climáticas sazonais, oriundas de suas estações (Pawlik, 1991; Uzzel, 2000). Assim, a percepção das MCs é construída de maneira indireta (representada, ou de segunda mão), sendo proporcionada por professores em sala de aula, ou por sua representação em livros, jornais, internet e na mídia em geral, com que se tenha contato. Tais representações, todavia, não substituem a experiência direta do mundo, do ambiente; que, no caso das MCs, se refere à experiência dos sinais concretos desse problema, nas respectivas localidades e em suas condições de existência (Heft & Chawla, 2005). Desse modo, a percepção das MCs não é da ordem de fatores sensoriais, ou de psicofísica, mas sim de ordem da comunicação social (Pawlik, 1991). Portanto, para haver consideração adequada do problema, enfocar a mediação comunicativa é imprescindível (Oppenheimer & Todorov, 2006; Corner, 2012), assim como é o ensinamento e o contato com os sinais regionais dessa problemática (Heft & Chawla, 2005). Nesse contexto, Cabecinhas, Lázaro e Carvalho (2006) investigaram a percepção de estudantes (entre 18 e 24 anos) a respeito do problema, e Dunlap (1998) investigou, a partir de um estudo transcultural, a de leigos. Ambos os estudos chegaram a conclusões semelhantes, apontando para uma percepção confusa, com a falta de conhecimento claro a respeito, e com grande confusão sobre quais seriam as causas e efeitos reais do problema. Aksüt, Doğan e Bahar (2016) concordam com esses achados, ao mencionar que a visão dos estudantes se refere a concepções equivocadas, confundido a dinâmica de emissão de GEE com a degradação da 50 camada de ozônio, a chuva ácida e a poluição em geral. No contexto norteriograndense, Andrade, Silva e Souza (2014) investigaram, dentre outros aspectos, as percepções de agricultores familiares sobre as alterações no clima e seus conhecimentos sobre mudanças climáticas e aquecimento global. De maneira sumária, os resultados evidenciaram percepções de alterações climáticas voltadas para mudanças no regime de chuvas (mais fortes, fora de época e imprevisíveis) e aumento de temperatura, além de conhecimento impreciso sobre o termo “mudanças climáticas”. Atualmente, é possível identificar presencialmente situações que os manuais apontam como consequências das MCs. Ainda assim, essa percepção é mascarada pelas incertezas mencionadas, que permanecem rondando a conexão entre o que é causa e o que de fato é impacto relacionado ao problema. Nesse sentido, o conhecimento que se tem sobre a temática parece ser de extrema relevância, e por isso, o tópico a seguir discorre sobre estudos que se focam especificamente sobre o conhecimento relativo às MCS. 2.1.2. O conhecimento sobre mudanças climáticas Diversos autores ressaltam o papel do conhecimento na emergência de comportamentos de mitigação, e também identificam a sua ausência e confusão conceitual quando as pessoas se deparam com o tema (Aksüt et al, 2016; Andrade et al., 2014; Bord, Fisher, & O´Connor, 1998; Cabecinhas et al., 2006; Dunlap, 1998; Oppenheimer & Todorov, 2006; Sundblad, Biel, & Gärling, 2009). As MCs costumam ser identificadas como um problema relacionado ao acúmulo de lixo. As suas causas, suas particularidades e interconexões com outros problemas ambientais são confusas, e até desconhecidas (Barros, 2011; Cabecinhas et al., 2006; Dunlap, 1998). Com relação aos seus impactos, os que costumam ser mais conhecidos são o aumento da temperatura da Terra e o derretimento das geleiras (Barros, 2011; Cabecinhas et al., 2006; 51 Dunlap, 1998; Sundblad et al., 2009). As consequências em relação à saúde humana são pouco apontadas (Barros, 2011; Sundblad et al., 2009), o que sugere que a sociedade tem prestado menos atenção a esses aspectos. Os estudos indicam que há uma desconexão entre as perguntas e respostas dos especialistas e o público em geral, contribuindo para um conhecimento impreciso e para incertezas (Oppenheimer & Todorov, 2006). Indicam ainda que os interesses políticos e econômicos devem ser considerados, pois fornecem suporte e financiamento a que perguntas devem ser e serão feitas na esfera científica. O estabelecimento dessa conexão entre especialistas e público de forma eficaz é, então, primordial para solucionar a questão, pois qualquer medida implementada, seja por estudiosos, seja pelo governo, ou mesmo por cidadãos comuns, requer o engajamento de toda sociedade. Gifford (2011) aponta as características das MCs como barreiras à ação de mitigação, e menciona o efeito de letargia ou dormência ambiental (environmental numbness; p. 292), referindo-se ao fato de que as pessoas não se dão conta de muitos aspectos ambientais que estão em volta de si mesmas, principalmente quando se trata de um problema que não causa imediata, direta e visível dificuldade. Nesse sentido, a ignorância é outra forte barreira à ação (Gifford, 2011; Urbina-Soria & Fernández, 2006; Uzzel, 2000). Todavia, não se trata de aumentar o conhecimento sobre dados científicos de maneira acrítica, ou buscar tornar a população em geral especialistas sobre o assunto (Corner, 2012; Pahl, Sheppard, Boomsma & Groves, 2014), pois o excesso desse tipo de conhecimento pode aumentar o ceticismo. Por outro lado, não se trata de negar fatos, o nível dos oceanos está aumentando, os padrões pluviais estão mudando, as temperaturas se elevando (IPCC, 2014a). Assim, os apontamentos fornecidos pela literatura são os de que o conhecimento mais claro sobreMCs, apesar de ser necessário, não é suficiente para desencadear ações que as combata (Clayton et al., 2015; Corner, 2012; Sommer, 1979). 52 É, portanto, um erro assumir que somente dar informação seria suficiente para afetar as decisões e comportamentos das pessoas em relação às MCs. Outros elementos, tais como a consideração de um futuro sustentável, o sistema de crenças das pessoas, suas visões morais, sentimentos sobre estes problemas, sentimentos de conectividade com a natureza, por exemplo, também se fazem necessários (Clayton et al., 2015; Corner, 2012). Desse modo, a educação sócioambiental pode proporcionar mudanças permanentes para participação das pessoas em relação à proteção ambiental, e professores capacitados e treinados sobre MCs podem melhorar a qualidade da informação prestada, no entanto, ressaltam-se os benefícios de ir além do fornecimento de informação, por meio de uma educação “outdoor”, para além das salas de aula, e que engloba conhecimento, habilidades, atitudes, motivações, e comprometimento para o cuidado com meio (Aksüt et al., 2016). 2.1.3. Crenças, ideias e fantasias sobre o problema Crenças e ideias existentes sobre diversos assuntos também podem se constituir em poderosas barreiras para a adesão a comportamentos pró-ecológicos. Muitos sistemas de crenças são tão extensos que influenciam aspectos diversos da vida do indivíduo; dentre esses sistemas de crenças, estão, por exemplo, as visões de mundo, visões sobre política e religiosidade (Gifford, 2011). Uma visão de mundo centrada no imediatismo e individualismo pode levar à ideia de liberdade para devastar e utilizar sem controle os recursos da natureza, o que é contraditório com a prática de ações de mitigação. Corner (2012), concordando com essas afirmações, menciona que pessoas com crenças mais individualistas, que não apreciam intervenções políticas na economia, e que apreciam ordem social hierarquizada, foram os mais céticos em relação às MCs. Tendência semelhante foi obtida em outras investigações (Barros, 2011; Corner, 2012; Price et al, 2014). Bolsen, Druckman e Cook (2015), por exemplo, encontraram que as pessoas com visões mais 53 individualistas apoiam menos possíveis ações de combate ao aquecimento global, enquanto pessoas com visões mais igualitárias tendem a apoiar mais essas ações (Bolsen et al., 2015). Outros estudos também se interessaram em entender as crenças que as pessoas possuem a respeito das MCs, tanto do público leigo (Bolsen et al., 2015; Joireman & Liu, 2014; O`Connor, Bord, & Fisher, 1999; Price, Walker & Boschetti, 2014) quanto de especialistas e jornalistas (Sundblad, Biel, & Gärling, 2009). E ainda, de cientistas que trabalhavam com questões energéticas e de conselheiros e assistentes políticos, nos Estados Unidos (Bolsen et al., 2015). Nesse último estudo, os cientistas foram os que mais acreditaram na existência do aquecimento global e em sua ocorrência devido a causas antropogênicas, seguidos pelo grupo dos conselheiros políticos. Já o público leigo, uma amostra representativa de cidadãos americanos, foi o que menos acreditou que o problema está ocorrendo, e, por causas antropogênicas (Bolsen et al., 2015). A discussão sobre diferenças nessas crenças de acordo com o gênero é pouco levantada. Ainda assim, Joireman e Liu (2014) apontaram que as mulheres, dentre o público não- imediatista em seu estudo, acreditam mais na ocorrência do aquecimento global e estão mais dispostas a se engajar em ações de combate do que os homens não-imediatistas. Tais crenças e o desconhecimento do problema convergem em ideias e noções fantasiosas, desconectadas de evidências científicas, que dificultam a adoção de medidas de mitigação (Gifford, 2011). A negação da existência das MCs é uma reação cognitiva que representa tal convergência. Além dela, pensamentos desejosos com soluções simplistas ou irrealistas, como a crença na solução rápida e tecnológica, ou fatalismo, ou postura hedonista, são exemplos de fantasias sobre MCs, que podem levar à inação (Clayton et al., 2015; Gifford, 2011; Uzzell, 2000). Convém destacar que as dimensões humanas elencadas nesta tese refletem a compilação de estudos e ideias acerca de como as pessoas encaram as MCs. Todavia, elas não correspondem 54 a elementos separados, que ocorrem um por vez. Essas dimensões representam uma dinâmica inter-relacional de aspectos que agem e interagem contribuindo para a forma pela qual as pessoas se posicionam diante do problema. Aspectos cognitivos, afetivos e comportamentais, por exemplo, interagem em um jogo de forças influenciando o convívio das pessoas no e com o mundo social. Essas dimensões se intercalam, são interdependentes, de maneira que uma pessoa pode responder às MCs a partir de aspectos psicológicos correspondentes a todas essas, por exemplo, vendo o avanço do nível do mar em sua cidade ou sentindo aumento da temperatura fora de época, pensando sobre o que isso representa, e decidindo como agir a partir disso. Atualmente, três grandes áreas de investigação sobre aspectos psicológicos e MCs podem ser citadas, e expressam essa inter-relação de suas dimensões humanas; são elas: a) comunicação e percepção das MCs; b) comportamentos de mitigação e de intensificação do problema e seus preditores; e c) comportamentos de adaptação, sentimentos, e bem-estar frente aos seus impactos (Clayton et al., 2015). Diante dessas possibilidades investigativas, as futuras pesquisas podem se pautar em uma ou mais dessas esferas, mas sem deixar de refletir a respeito de diferenças entre escalas espaciais (local-global) e temporais (hoje-futuro). Os estudos devem, portanto, indagar também como vieses na percepção dessas escalas podem afetar respostas ao problema. Nessa direção, Clayton et al. (2015) propõem um modelo esquemático que busca abranger as dimensões humanas das MCs. Esses autores mencionam que as percepções, os comportamentos e sentimentos das pessoas sobre as mudanças climáticas são formados com base em contribuições sociais, midiáticas, culturais e educacionais. E, por um lado, por ser global, o problema é apreendido por experiências de segunda mão; por outro lado, ele possui implicações locais, desdobrando-se em comportamentos locais – por meio de experiências de primeira mão (Clayton et al., 2015), sendo, por isso, relevante refletir a respeito das escalas 55 espacial e temporal que circundam as MCs. 2.1.4. Mudanças climáticas: uma questão de escala? Venho mencionando ao longo dessas páginas que as mudanças climáticas correspondem a um problema de fronteiras de espaço e de tempo muito difíceis de visualizar. Por isso, elas forçam a existência de considerações sobre a relação local-global, e como as pessoas se situam nessa relação, já que se está falando de um problema do globo que afeta as localidades e é causado nelas. Todavia, é importante frisar que, nesta seção, as discussões apresentadas não possuem o intuito de resumir a complexidade do problema somente a uma questão de escala; a ideia central dessas discussões é a de que as escalas espacial e temporal podem desempenhar um papel no posicionamento diante das MCs. Nesse contexto, tornam-se pertinentes as seguintes indagações centrais a esta tese: Como as MCs são entendidas? Existe alguma tradução delas para a localidade dos indivíduos? A interação entre o local e o global parece ser crucial ao entendimento das percepções públicas e atitudes em relação aos problemas ambientais globais e aos comportamentos subsequentes (Uzzell, 2000). Algumas investigações têm buscado se apropriar desse debate. Um estudo realizado em nosso próprio grupo de pesquisa (Pinheiro, Sousa, & Góes, 2007), e em parceria com outros países (Gifford et al, 2009), apontou para a tendência de que as pessoas avaliam de forma mais positiva os problemas ambientais de suas localidades, e deforma mais negativa os mesmos problemas quando se trata do mundo, evidenciando uma negação dos problemas no âmbito local. No caso das MCs, essa negação refere-se a uma avaliação cognitiva de não existência do problema e de seus impactos para as localidades (Doherty & Clayton, 2011). Essa avaliação dificulta comportamentos em prol do meio ambiente em ambos os níveis espaciais. Pois, 56 quando se trata da localidade, a situação é avaliada como boa e não é preciso fazer nada; quando se trata do globo, a ideia é de que está ruim, mas uma ação individual é pequena demais para resolver alguma coisa (Gifford et al., 2009). Gifford et al. (2009) e Gifford (2011) apontam, nesse sentido, para o viés do otimismo, referindo-se à crença de que eventos indesejáveis são menos prováveis de acontecer à própria pessoa, e mais prováveis de acontecer aos demais, tendência conhecida pelos psicólogos que analisam estratégias de prevenção da AIDS e problemas similares. Clayton et al. (2015) retomam esse viés cognitivo em relação às MCs, destacando que o problema pode ser negado ou rejeitado caso as pessoas sintam seus estilos de vida ameaçados por novas propostas governamentais. Assim, investigações sobre MCs que levem em conta as escalas espaciais, local-global, têm sido fortemente sugeridas, como algo que pode contribuir para a maneira como as mudanças climáticas são percebidas (Clayton et al., 2015; Feitelson, 1991; Scannel & Gifford, 2013; Uzzell, 2000). Apesar dessas recomendações, o viés do otimismo (Gifford et al, 2009; O’Neill, 2008; Pinheiro et al, 2007) é pouco escrutinado para além de sua identificação. É importante ressaltar ainda que os estudos psicológicos das MCs devem levar em conta a escala temporal (hoje-futuro). Por meio dela, as pessoas percebem e dão significado ao mundo que as rodeia. Além disso, não se pode entender o espaço e o lugar sem levar em consideração a história das pessoas e suas capacidades de se projetar para o futuro (Moser & Uzzel, 2004). Sobretudo quando se fala em MCs e em suas características temporais. Assim, a emissão de comportamentos de mitigação pode estar relacionada à uma orientação de futuro. Nesse sentido, vários estudos já identificaram e mencionaram associações entre a perspectiva de futuro e condutas pró-ecológicas (Corral-Verdugo, 2010; Held, 2001; Joireman, 2005; Pinheiro, 2002b), resultado encontrado também em minha dissertação de mestrado em relação à adoção de práticas de cuidado ambiental (Barros, 2011). Entretanto, associações entre 57 as escalas temporais e a percepção sobre as MCs ainda carecem de investigação. As MCs envolvem, portanto, escalas que escapam ao agora e às redondezas das pessoas. Entendê-las pode ser um caminho promissor para entender a visão que se tem do problema e, assim, aprimorar formas de comunicá-lo. Nessa direção, a próxima seção destina-se à discussão a respeito do que se tem produzido sobre a comunicação das mudanças climáticas. 2.2. Comunicação das MCs A comunicação sobre o assunto também é extremamente relevante, pois é um caminho para realização de um link entre consequências locais, que podem ser diretamente experienciadas, e a percepção da ocorrência das MCs (Heft & Chawla, 2005). Principalmente, porque as reações comportamentais diante do problema não virão única e exclusivamente das sensações físicas que teremos dele (IPCC, 2014a), tornando a mediação comunicativa necessária (Pawlik, 1991). Assim, é preciso que sejam ensinadas formas eficazes de leitura dos sinais desse problema global (Heft & Chawla, 2005), tornando-o concreto nos níveis locais. As mensagens a serem transmitidas neste processo comunicativo devem ser, então, confiáveis, atrativas, relevantes, claras, coerentes, e a audiência a quem se destinam precisa ser motivada a agir (Clayton et al, 2015). 2.2.1. Aspectos sociais e midiáticos Não é possível considerar apenas uma dimensão psicológica isolada como determinante de uma ação, esta ocorre por uma combinação de fatores diversos e imersos em contextos sociais (Corral-Verdugo, 2001). As conexões isoladas de valores e atitudes com o comportamento raramente são fortes, pois este também depende de outros aspectos, como 58 infraestrutura, incentivo, a dificuldade do comportamento, habilidades individuais, conhecimento, contexto cultural, político e econômico mais amplo (Corral-Verdugo, 2001; 2010). A cultura ocidental contemporânea vive direcionada ao imediato, deixando de lado questões de longo prazo, como são as consequências das MCs. Esse imediatismo soma-se ao individualismo, e à intensa desconexão com a natureza, dificultando sentimentos de coletividade, e de preocupação com as gerações futuras. Sentimentos esses que a literatura aponta como importantes para a aceitação e implementação de medidas de combate ao aquecimento global, e de promoção de um estilo de vida mais sustentável (Held, 2001). Diante disso, se pode supor que pessoas que pensem de forma mais coletiva, mais conectada com a natureza, e menos imediatista irão considerar mais, de alguma forma, as MCs. Nesse sentido, um aspecto social relevante se refere aos pares. As pessoas constantemente comparam suas ações com as de outras pessoas, e assim, as normas sociais, ou modelos, acabam sendo muito relevantes para a propagação da pró-ambientalidade (Clayton et al., 2015; Gifford, 2011). A ação do comportamento individual pode não “parecer”, aos olhos de quem age, ter efeito sobre as mudanças climáticas. Essa sensação, de pouco controle sobre as consequências de seus próprios comportamentos, corresponde a mais uma barreira para emergência de medidas de mitigação (Gifford, 2011), por isso, a coesão do grupo pode motivar a adoção de ações. Nessa lógica, se uma comunidade adere a modificações no estilo de vida para algo mais sustentável, há a chance de mais pessoas também aderirem, seguindo o exemplo dos demais. Tal adesão é facilitada se houver um contexto social que dê suporte a essa mudança, que possibilite a troca de informações e conhecimento sobre como aderir a tal estilo (Clayton et al., 2015). Assim, perceber inequidades no trato com o ambiente em sua comunidade pode se 59 constituir em uma barreira à ação, com ideias tais como: “já que os outros não se engajam, porque eu tenho que continuar me engajando?” (Gifford, 2011). O papel da mídia ganha centralidade nessa dimensão. É por meio dela que muitas das experiências das mudanças climáticas ocorrem, e a forma como as informações são transmitidas contribui para as respostas que serão dadas. E a quem, ou ao que, servem esses discursos? Por exemplo, a mídia intenciona muitas vezes apelar para um público em particular, e não a outros; ou busca sensacionalizar uma história, ou apresentar um debate com opiniões contrárias em detrimento a achados científicos, entre outras intenções diversas. Isso pode gerar entendimentos confusos, além de bloquear a possibilidade de pensar estilos de vida diferenciados, e sustentáveis, em relação ao estilo de vida que está posto, insustentável (Doherty & Clayton, 2011). Por outro lado, a mídia pode promover organização e enfrentamento diante de desastres; pode mobilizar e chamar a atenção para estratégias de conscientização e engajamento. A mídia pode desempenhar um papel essencial diante do aquecimento global, seja coibindo ações, seja estimulando-as com base em uma comunicação eficiente e adequada (Heft & Chawla, 2005). Mas, será esse o interesse dos meios de comunicação tradicionais? Se esses meios servirem aos interesses econômicos neoliberais, de extração descontrolada de recursos e produção e eliminação de resíduos, como o CO², então não. Porque esse interesse é necessariamente contrário à noção de sustentabilidade. Diante disso, o papel de mídias alternativas ganha destaque. Existe, por exemplo, uma iniciativa de coletivos de jovens de todoo Brasil que consiste na produção de uma revista, feita por adolescentes e jovens, e dirigida a adolescentes e jovens, discutindo diversas questões de cunho social, político, econômico e ambiental. Esta revista se chama Viração, e um recente número (Julho/2015) destinou-se à discussão de sustentabilidade, crise hídrica e MCs, e pode ser acessado por meio do link https://issuu.com/viracao/docs/edicao_109. 60 2.2.2. Percepção de risco Outro aspecto a ser considerado pela comunicação das MCs é a percepção de risco. Esse conceito se refere a como os leigos (não especialistas) pensam sobre o risco, e refere-se à avaliação subjetiva feita para o grau de ameaça potencial de um determinado evento ou atividade (Lima, 2005). Não se trata, nesse caso, do risco objetivo, aquele avaliado, mensurado e previsto por especialistas. Fornecer conhecimento pode embasar o entendimento do risco objetivo, porém, a avaliação subjetiva pode diminuir ou aumentar a percepção deste (considerando-o de maior ou menor periculosidade). E essa percepção embasa decisões, tomadas de atitudes e comportamentos pró-ambientais, de adaptação e de prevenção (Lima, 2005). O IPCC (2014a) atualmente possui a estratégia de investigar, conhecer e divulgar os riscos objetivos do problema, mas como as pessoas irão lidar subjetivamente com essas informações pode variar, o que influencia em como o processo comunicacional deve ocorrer. Diante disso, entender se as pessoas concebem as MCs como de alto ou baixo risco para suas localidades ou para o planeta pode ajudar a entender os mecanismos comportamentais e estratégias de enfretamento do problema. O'Connor, Bord e Fisher (1999) e Sundblad, Biel e Gärling (2007) corroboram essas ideias, afirmando que há influência dessa percepção de risco na disposição das pessoas para aceitarem e implementarem comportamentos pró-ambientais em relação às MCs. Mais recentemente, van der Linden (2015) chegou a resultados semelhantes, identificando que as mulheres e pessoas com orientação política mais liberal enxergam as MCs como de grande risco. Variáveis como o grau de educação e nível de renda não se mostraram relevantes; no entanto, o conhecimento de suas causas, impactos e possíveis respostas ao problema no que diz respeito à esfera social, mas não pessoal, se associaram à percepção de risco (van der Linden, 61 2015). Seria isso uma negação do problema para esferas mais próximas a si mesmos? O’Neill (2008), ao abordar ícones representativos das MCs, esteve interessada em entender o quanto as pessoas as percebiam como graves para si mesmas, para sua comunidade local, seu país e outros países, e para plantas e animais (também de suas comunidades, de seu país e de outros países). Em geral, os resultados identificaram que as pessoas percebem que o risco é maior para plantas e animais, do que para os humanos. E que esses riscos para os humanos eram maiores quando se tratava de seu país e dos demais países, mas não para si mesmas ou para sua comunidade local. Com relação a quando as MCs se tornariam perigosas, os participantes avaliaram que só serão perigosas para humanos dentro de 25 anos, já sendo perigosas para plantas e animais atualmente (O’Neill, 2008). Chama a atenção esse resultado porque se retorna à relevância da escala. É um paradoxo a percepção de que para os outros, ou para o globo, a situação é ruim, mas para si próprio e para o local não é, já que global e local são dimensões do mesmo planeta Terra, e sendo assim, os riscos objetivos para as localidades das pessoas são reais, conforme relatórios científicos (IPCC, 2014a; PBMC, 2014a; 2014b; 2014c). Diante desses resultados, se reforça mais uma vez a necessidade de estudos sobre MCs que levem em conta às escalas local-global, e hoje-futuro (Uzzell, 2000). 2.2.3. Aspectos afetivos A literatura de psicologia ambiental traz discussões sobre impactos das MCs também a partir de uma ótica afetiva. Esse problema, ao causar várias mudanças nos ambientes locais, podem afetar emocionalmente as pessoas nessas localidades, alterando suas relações com o ambiente (Doherty & Clayton, 2011). Por exemplo, causando estresse e sensação de instabilidade nas pessoas que moram em locais atingidos por essas mudanças, e que tiveram suas paisagens negativamente modificadas. 62 Os impactos do problema, tais como enchentes e ondas de calor, podem produzir experiências traumáticas, como perda de entes queridos, disfunções econômicas locais, eventos e catástrofes abruptas, gerando ansiedade, depressão, estresse pós-traumático, entre outras consequências emocionais. Isso prejudica o bem-estar dos indivíduos, e precisa ser levado em conta por políticas públicas e instituições, para que estejam preparadas para lidar com essas circunstâncias, por meio de serviços de atendimento à população, e fortalecimento comunitário de redes sociais de apoio (Clayton et al., 2015). Estudos revelaram que impactos emocionais auto-reportados sobre o assunto são comuns (Doherty & Clayton, 2011). As pessoas estão interessadas a respeito, e algumas reportam sentimentos de repulsa pela situação, outras de esperança, desamparo, tristeza, culpa ou raiva diante das MCs (Maibach, Roser-Renouf, & Leiserowitz, 2009). Outra emoção mencionada é a apatia frente ao problema, descrita como uma resposta emocional associada a habituação perante tantos problemas sociais e ambientais divulgados (Doherty & Clayton, 2011). Essa resposta é bastante desfavorável à mitigação e à adaptação, porque impede que os indivíduos aprendam sobre a ameaça e criem reações informadas, tornando-se vulneráveis. Alguns estudos têm buscado entender também como vínculos afetivos com os lugares podem favorecer, ou não, a comunicação das MCs e ações de mitigação (Devine-Wright, 2013; Scannel & Gifford, 2013). Nessa direção, o conceito de apego ao lugar (place attachment) tem sido associado com o engajamento diante das MCs (Clayton et al., 2015; Devine-Wright, Price, & Leviston, 2015; Gifford, 2011). Assim, as pessoas mais apegadas e enraizadas com os lugares se importariam mais com as questões ambientais, e as pessoas com maior mobilidade geográfica cuidariam menos dos seus atuais ambientes. Todavia, as evidências sobre essa afirmação são ambíguas. O apego ao lugar às vezes, mas não sempre, é associado com comportamento pró- ambiental (Gifford, 2011), outras variáveis precisam ser consideradas, tais como as diversas formas de mobilidade (Gustafson, 2009), e até se as pessoas se identificam como cidadãos do 63 mundo (Running, 2013). Em estudo recente, se identificou que pessoas com maior apego ao planeta, do que em relação ao país, foram os que mais acreditavam nas causas antropogênicas das MCs, e na necessidade de ações de enfrentamento. No entanto, a ambiguidade permaneceu nesse estudo relatado, porque o apego ao lugar “local” também pareceu exercer alguma influência (Devine- Wright et al., 2015). Os sentimentos de repulsa a ações de mitigação também são relevantes para a comunicação das MCs. Estudos sobre o fenômeno chamado NIMBY (not in my backyard) vêm encontrando que os indivíduos e comunidades têm feito oposição ao desenvolvimento de parques eólicos em suas localidades, talvez porque muitas instalações desconsideram o processo comunicativo com seus membros (Clayton et al., 2015). Assim, os laços estabelecidos entre comunidade e seus ambientes são complexos e necessitam de mais investigações. De um modo geral, pesquisas têm mostrado que as tecnologias percebidas como as que mantém qualidades distintas do lugar, recebem suporte por parte dos indivíduos com forte vínculo afetivo, enquanto tecnologias percebidas como ameaça a essas qualidades locais, ainda que pró-ecológicas, são rechaçadas. Portanto, tecnologias como as fontes renováveis de energia são avaliadas não somente com base em avaliações objetivas, tais como custo-benefício,mas também em termos subjetivos de apreciação afetiva e de acordo com a percepção de coesão com os elementos ambientais locais, naturais e sociais (Clayton et al., 2015). E, por fim, como já ressaltado, a mídia tem um forte papel na comunicação do problema, e dos sentimentos que ela possa despertar. Assim, corriqueiramente se apela para o medo como estratégia informacional. No entanto, o sentimento de medo não tem se associado ao suporte no combate às MCs, e, além de ser ineficaz, pode ser paralisador (O´Neill, 2008; Smith & Leiserowitz, 2014). Nesse cenário, os aspectos sociais, midiáticos, afetivos precisam ser 64 discutidos, com fins ao aprimoramento das estratégias de comunicação, visando promover o engajamento para mitigação das MCs e adesão a estilos de vida mais sustentáveis. Neste sentido, os próximos capítulos tecem considerações a respeito de sustentabilidade e psicologia, enfatizando aspectos teóricos que relacionam esses conceitos com as mudanças climáticas globais, e os desdobramentos dessas questões aos adolescentes. Elucubrações teóricas embasadas pelo olhar ecológico serão feitas de forma diluída ao longo de todo o texto, e serão melhor detalhadas no capítulo referente à proposta do estudo. 65 3. Sustentabilidade e Psicologia O paradigma da sustentabilidade busca superar uma visão simples e estática da conservação da natureza, acrescentando ao interesse pela preservação de aspectos físicos e biológicos do presente, uma visão mais ampla, dinâmica e interdependente no que concerne às relações entre necessidades humanas, sociais, e uso dos recursos naturais e de conservação (Corral-Verdugo et al, 2009). Em uma perspectiva ecológica ampla/integral (full ecology), que fundamenta essa noção, os aspectos culturais e humanos correspondem a um sistema social-ecológico, que tem grande impacto no ecossistema visto como todo, psicologicamente, culturalmente, socialmente, economicamente e historicamente (Bonnes & Bonaiuto, 2002). Assim, nessa perspectiva, o papel dado ao ser humano é estratégico e ativo, responsável por garantir a qualidade de vida e manutenção dos recursos para gerações atuais e futuras (Bonnes & Bonaiuto, 2002; Corral- Verdugo, 2010; Corral-Verdugo et al, 2009). A noção de sustentabilidade diz respeito, nesse sentido, ao meio ambiente físico e ao meio social dos indivíduos. O ambiente, consequentemente, consiste em componentes biofísicos e sociais, diante de processos dinâmicos de interdependência. Para essa perspectiva ecológica ampla, cada uso dos recursos ambientais assume dimensões sociais; por um lado, por ser dotado de simbolismo e mediado pela percepção humana e, por outro, porque a atividade de cada indivíduo influencia a possibilidade do uso por outras formas de vida, ou a indivíduos da mesma espécie, igualmente dependentes dos mesmos recursos (Bonnes & Bonaiuto, 2002; Corral-Verdugo, 2010; Corral- Verdugo et al, 2009). 66 A sustentabilidade se refere, então, à oportunidade para longa continuidade da vida em qualquer sistema complexo, o que inclui sistemas humanos, e seus aspectos sociais e psicológicos (Werner, 1999). Por isso, há a necessidade de estudos que levem à compreensão desses elementos, com vistas à promoção de condutas pró-ecológicas e estilos de vida sustentáveis. 3.1. De um compromisso pró-ecológico a um estilo de vida sustentável Werner (1999) discute, por meio de uma revisão de literatura, aspectos psicológicos no que concerne às temáticas ambientais e de sustentabilidade, tais como possíveis valores, atitudes e comportamentos que são importantes para que a sociedade alcance tal ideal. E, assim como Oskamp (2000), assume que este não será alcançado até que os humanos aceitem mais suas responsabilidades pelas consequências que seus comportamentos de exploração e consumo promovem. Nesse sentido, a psicologia ambiental, principalmente a partir de meados de 1970, tem se interessado pelo entendimento de aspectos humanos diante de problemáticas ambientais, que foram sendo intensificadas desde essa época. Essa área recebeu posterior rótulo de Psicologia para a sustentabilidade (Pol, 2007). Assim, a pró-ambientalidade das pessoas, e seus compromissos pró-ecológicos, passaram a ser fenômenos de interesse. Esse compromisso se refere ao conjunto de crenças, atitudes, normas e valores que têm como objeto de atenção o meio ambiente e aspectos de sua conservação (Corraliza, 2001). Compromisso pró-ecológico (CPE) é então utilizado para se referir às predisposições das pessoas a se relacionarem responsavelmente com o meio ambiente (Diniz, 2015; Diniz & Pinheiro, 2014; Gurgel & Pinheiro, 2011; Pinheiro & Diniz, 2013). Todavia, o conceito de CPE passa a ser ampliado ao considerarmos à noção de MCs e 67 de sustentabilidade. O CPE por si só pode se referir às crenças e visões de uma pessoa sobre a importância de preservar espécies ou controlar o lixo que se produz, por exemplo, desdobrando- se no comportamento de proteção. Com a sustentabilidade em cena, esse interesse inclui considerar o “tempo”, por meio das futuras gerações, e inclui a conectividade e interdependência com a natureza; conexão que hoje é assombrosamente perdida, diante da automatização atual da sociedade (Heft & Chawla, 2005). Nesse sentido, autores como Corral- Verdugo et al. (2009) utilizam o conceito de orientação pró-sustentável para considerar a pró- ambientalidade, o compromisso e interesse pró-ecológicos que levam em conta elementos relativos a esse cenário. Posteriormente, Corral-Verdugo (2010) descreve as dimensões psicológicas da sustentabilidade, que são, justamente, os aspectos psicológicos atrelados a essa orientação, e que se concretiza em condutas sustentáveis, entendidas como pré-requisitos para ocorrência, e como elementos para composição de estilos de vida mais sustentáveis. Estes aspectos psicológicos são classificados por Corral-Verdugo (2010) em três grupos: comportamentos, variáveis disposicionais e repercussões psicológicas da sustentabilidade. Dentre os comportamentos associados ao estilo de vida sustentável (EVS) estão: o comportamento pró-ecológico – que são as ações destinadas à proteção e ao cuidado com o meio, com fins de preservação e conservação (Kaiser, 1998; Corral-Verdugo, 2010; Pinheiro & Diniz, 2013) e o comportamento pró-social – entendido como solidariedade e cooperação entre as pessoas (Corral-Verdugo et al, 2009). Dentre as variáveis disposicionais, podem ser citadas as visões de mundo de interdependência, conhecimento e habilidades para comportamentos pró-sustentáveis, as emoções ambientais, a conectividade com a natureza, e orientação de futuro (Corral-Verdugo et al, 2009; Corral-Verdugo, 2010; Schultz, 2002; Werner, 1999). Já as repercussões psicológicas citadas, ocasionadas pela adoção de condutas sustentáveis, são: a felicidade, bem- 68 estar, satisfação, e a restauração psicológica (Brown & Kasser, 2005; Corral-Verdugo et al, 2009; O´Brien, 2008). Esse contexto se complexifica ainda mais ao se tratar de MCs. Como esse problema humano-ambiental é global, com cadeias interdependentes de atuação, e que se faz presente atualmente, mas com projeções concretas de intensificação no futuro, ele se atrela, se associa, diretamente à necessidade de promover sustentabilidade; cujos princípios se pautam justamente pela orientação de futuro, pela interdependência entre ecossistemas, e por ações pró-ecológicas e pró-sociais em nível local e global. Por isso, é pertinente pressupor que a adoção e existência de determinados elementos da orientação, e da conduta sustentável, sejam associados a uma maior consideração das mudanças climáticas. Nesse sentido, alguns indicadores específicos de EVS devem ser delimitados, ao relacioná-los ao tema das MCs, face às peculiaridades deste problema. As demais seções do capítulo discorrem sobre essesindicadores delimitados, necessários para o surgimento e desenvolvimento de tais estilos de vida. Destaco aqui, que me refiro ao desenvolvimento potencial de EVS, e não a estilos de vida em suas formas estáveis, ou mais estruturadas, finalizadas; afinal, se está tratando de adolescentes, em formação intensa, e diante de constantes aprendizados e mudanças, conforme será explicitado no capítulo seguinte. Dito isso, este estudo se interessa também pela investigação de indicadores da orientação pró-sustentável que compõem os EVS, verificando possíveis associações entre esses indicadores e o posicionamento dos adolescentes sobre MCs. Em síntese, os indicadores psicológicos de EVS (Corral-Verdugo et al.,2009; Corral-Verdugo, 2010) que serão abordadas por esta pesquisa são: a orientação temporal de futuro; a adoção de condutas de cuidado com o meio; e os sentimentos de conectividade com a natureza. O aprofundamento desses conceitos, e os motivos que levaram às suas delimitações, são mais bem explicitados nas próximas seções. 69 3.2. A orientação de futuro As consequências das mudanças climáticas só irão ocorrer, de maneira mais evidenciada, em um futuro que pode ser alcançado e vivido pelos adolescentes de hoje em dia, por isso, entender como o adolescente compreende informações sobre essas condições futuras se torna relevante. Para além disso, a adoção de estilos de vida sustentáveis parece se vincular ou pressupõe um mínimo de consideração com essa dimensão temporal (Corral-Verdugo et al., 2009); afinal, a sustentabilidade envolve solidariedade intra-geracional, e também inter-geracional (Pinheiro, 2006; Pinheiro & Corral-Verdugo, 2010; Pol, 2002); envolve uma consideração e vínculo com as gerações que estão por vir, uma espécie de apego ao futuro (Pinheiro, 2002a). Assim, a orientação de futuro – que constitui variável disposicional ou atitudinal interna ao indivíduo – pode ser associada aos comportamentos de proteção ecológica quando relacionados à sustentabilidade (Pinheiro, 2002b; Pinheiro & Corral-Verdugo, 2010). Diante disso, torna-se interessante investigar se os adolescentes, participantes da pesquisa, se orientam para o futuro, e se essa orientação irá se associar às suas percepções sobre MCs, conforme pressuposto. Para esse fim, faço uso do constructo chamado de Perspectiva Temporal, ou TP para time perspective, proposto por Zimbardo e Boyd (1999), mas que já vinha sendo discutido na Psicologia por meio de outros autores, como Lewin (1970/1948). Kurt Lewin (1970/1948) ressaltou inicialmente essa dimensão temporal nas relações das pessoas com seus contextos, considerando a existência de um “futuro psicológico”, ou seja, um quadro que as pessoas fazem de seu futuro – podendo este futuro ser visto como mais róseo ou mais obscuro, incluindo as expectativas que os indivíduos possuem dele. Esse futuro psicológico faz parte, então, da noção de perspectiva temporal. Com base neste conceito, “o espaço de vida de um indivíduo, longe de se limitar ao que ele considera a situação presente, 70 inclui o futuro, o presente e também o passado” (Lewin, 1970/1948, p. 120), na medida em que se integram aos seus espaços vitais, em determinado momento. Portanto, as ações e emoções das pessoas são influenciadas por suas perspectivas do tempo (Zimbardo & Boyd, 1999). A TP vem sendo, desde então, um objeto central de interesse por parte de estudos que visam compreender o tempo nas experiências humanas em seus diversos contextos, e refere-se às representações internas/ psicológicas que possuímos sobre o tempo, pelas quais as pessoas se orientam, experienciam suas vivências e norteiam suas ações (Zimbardo & Boyd, 1999). Esse conceito embasa a pressuposição de que essas perspectivas temporais podem se associar à adoção ou não de comportamentos específicos, como os atrelados aos estilos de vida sustentáveis, por exemplo. Zimbardo e Boyd (1999) distinguiram empiricamente cinco fatores usados para descrever a perspectiva temporal individual. Esses autores apresentaram um inventário para tal: o Zimbardo Time Perspective Inventory – Inventário Zimbardo de Perspectiva Temporal (ZTPI). Esses fatores foram: passado negativo, dimensão relacionada a uma visão negativa e aversiva do passado; passado positivo, que reflete uma visão sentimental e calorosa em relação ao passado; presente hedonístico, dimensão relacionada a pessoas orientadas pelo momento, impulsividade e prazer momentâneo; presente fatalista, revelando uma visão fatalista do presente e, por fim, a dimensão de futuro, relacionada a uma orientação geral de futuro, considerando metas e planejamentos. A perspectiva temporal (Zimbardo & Boyd, 1999) é algo que vai sendo desenvolvido ao longo dos anos; as crianças, por exemplo, vivem imersas no tempo psicológico do presente, com metas de curto prazo a serem cumpridas, como uma ida à casa da avó no fim de semana (Nurmi, 2005). Vivem também em um embaçado jogo entre fantasias e desejos, sem ter claro suas expectativas e o que fazer para alcançá-las. Com o amadurecimento, esses campos vão 71 sendo diferenciados, e o espaço de vida do indivíduo já reconhece diversos campos de realidade e diversos campos de desejo e expectativas (Lewin, 1970/1948). Assim, o adolescente começa a ter noção de globalidade, ideologias e projeções futuras realistas, e é a perspectiva temporal realista e de longo alcance que se vincula a iniciativas e a planejamento organizado, o contrário disso vincula-se a uma inatividade e enquistamento (Lewin, 1970/1948). Duas características que não condizem com a necessidade de mudança, de ações, e de imagens de mundo, em direção à conduta sustentável em indivíduos e grupos (Olson, 1995). Nurmi (2005), todavia, ressalta que todos consideram o futuro, afinal, estamos sempre elaborando novas metas a serem alcançadas e criando projeções. A questão é que futuro é esse, e quão distante, longo, ele é. Esse autor discorre sobre a orientação de futuro, propondo que a cada fase de vida são postos aos indivíduos requisitos sociais a serem alcançados, e que organizam a elaboração de metas e projeções futuras. Nesse sentido, as instituições educacionais podem desempenhar um papel extremamente relevante no treino da orientação de futuro. Ela poderia ser contextualizada considerando aspectos morais, éticos e ambientais, e não apenas considerando questões de carreira e emprego (ou apenas de preparação para vestibulares e para o Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM). Orientar-se para o futuro parece ser algo positivo, e essa perspectiva parece ser necessária ao pensar em questões ambientais e em sustentabilidade (Corral-Verdugo, 2010; Joireman, 2005; Nurmi, 2005). Afinal, como Held (2001) evidencia, considerar o futuro significa também respeitar a diversidade temporal (Geissler, 2002), o tempo do outro, como por exemplo, o tempo de recuperação e resiliência dos ecossistemas planetários. O estudo da TP tem sido feito em vários cenários. Desde o envolvimento em acidentes por parte de motoristas de ônibus de acordo com a perspectiva temporal (Oliveira & Pinheiro, 2007), ou o engajamento em comportamentos saudáveis diante dessa perspectiva pela qual as 72 pessoas se orientam (Crockett, Weinman, Hankins, & Marteau, 2009). Ou ainda, e principalmente, em consonância com as direções desta tese, na relação da TP com a adoção de comportamentos sustentáveis (Pinheiro & Corral-Verdugo, 2010). Existem outros estudos e outros instrumentos para mensurar essas perspectivas. Strathman, Gleicher, Boninger e Edwards (1994) apresentaram um instrumento de mensuração da noção de consideração de futuro, chamado de Escala de Consideração de Consequências Futuras (CCF), com o intuito de investigar o grau com que as pessoas consideram as consequências futuras de suas ações presentes. E, no cenário da pró-ambientalidade, a CCF tem sido positivamenterelacionada com o engajamento em condutas sustentáveis (Corral-Verdugo & Pinheiro, 2006), incluindo a escolha mais frequente pela utilização do transporte público, por exemplo (Joireman, Van Lange, & Van Vugt, 2004). Recentemente, críticas foram postas a esses instrumentos, por serem voltados à população adulta, desconsiderando populações mais jovens (Janeiro, 2012); por isso, um novo instrumento foi proposto com o intuito de medir a TP em adolescentes, tendo sido realizados estudos de validação do mesmo, em português, tanto em Portugal quanto no cenário brasileiro (Bardagi, Texeira, Lassance, & Janeiro, 2015; Janeiro, 2012). Esse instrumento – denominado de Inventário de Perspectiva Temporal (IPT) – é utilizado por este estudo e é melhor detalhado na seção destinada ao método. 3.3. Conectividade com a natureza Nós, humanos, somos seres vivos. Respiramos, reproduzimos, nos alimentamos. Soa até demasiado óbvio escrever tais palavras. Porém, facilmente nos esquecemos disso. Esquecemos que somos parte da natureza, nascemos nela, somos formados por ela, e vivenciamos suas regras (Schultz, 2002). Costumamos passar toda uma vida tentando escapar da natureza, 73 artificializando-a, mecanizando-a, buscando um certo padrão, um estilo de vida que nos desconecta, e que nos obriga a esquecer, e a não observar a interdependência de nossos ecossistemas. Também é óbvio que com a separação da natureza vieram a proteção da espécie, segurança, e um aumento no conforto (Schultz, 2002). No entanto, o excesso tecnológico e o estilo de vida ocidental contemporâneo fazem com que essa separação pareça, contraditoriamente, “natural”. Naturalizamos o fato de passarmos muito mais tempo em ambientes construídos, sem contato com a natureza, como em casa, escritórios, carros e lojas. Se há contato, ele passa desapercebido. Schultz (2002) aponta, nessa direção, que um americano gasta em média, de suas 168 horas semanais, apenas 40 horas de tempo livre para si mesmo, e este tempo, é dividido entre diversos interesses, como fazer compras, ver televisão, restando menos ainda para atividades ao ar livre, como jardinagem ou caminhadas. Esse estilo de vida desconectado leva a um desconhecimento da natureza, de seus processos, de nosso funcionamento interdependente, sendo contrário ao paradigma da sustentabilidade (Schultz, 2002; Heft & Chawla, 2005). A conectividade com a natureza pode ser pensada em termos psicológicos. Nesse sentido, esse conceito se refere ao grau em que uma pessoa acredita que é, ou se sente como parte do mundo natural, é o grau em que um indivíduo inclui a natureza no senso de si mesmo, reflete a sensação de pertencimento, familiaridade e uma experiência afetiva individual de conexão com esta (Olivos, Aragonés, & Amérigo, 2011; Schultz, 2002). Desde os anos 2000, novos esforços têm sido retomados para abordar a relação da pessoa com a natureza em si, movendo-se também na direção de uma abordagem mais afetiva dessa relação. É nesse contexto que o sentimento de estar conectado com a natureza ganha destaque, tanto para ecólogos, quanto para psicólogos dentro de uma visão ecológica (Mayer & Frantz, 2004). 74 Assim, considerando que a noção de sustentabilidade envolve a interpendência entre seres vivos e recursos naturais, a literatura sugere que essa só será alcançada diante de sociedades, culturas e indivíduos que se sintam em conexão com o mundo natural. Pesquisas sugerem que essa conectividade é, então, associada ao interesse pelo bem-estar de plantas e animais, ao importar-se com a natureza, e à adoção de comportamentos protetivos (Mayer & Frantz, 2004; Schultz, 2002). Outros achados indicam que o contato com a natureza, desde a infância, contribui para o engajamento em comportamentos pró-ecológicos ao longo da vida, e ainda tornam as crianças mais dispostas a se engajar em outras atividades que preservem este contato, além de predizer ações de cuidado (Cheng & Monroe, 2012; Collado, Corraliza, Staats, & Ruiz, 2015). Vale salientar que o contato com a natureza pode ter funcionalidades distintas, ou seja, este pode ocorrer devido ao trabalho, ou a lazer, e por parte de quem mora em áreas rurais ou urbanas. Nesse sentido, os estudos vêm apontando que, ainda que áreas rurais proporcionem maior contato com a natureza, não necessariamente moradores dessas áreas se engajarão mais em comportamentos de proteção ecológica. Como apontado por Collado et al. (2015), ao identificarem associações mais fortes entre conectividade com a natureza e comportamentos pró-ecológicos em crianças de áreas urbanas. Os autores chamam atenção, portanto, para a qualidade desse contato com a natureza, principalmente nos cenários em que as pessoas já estão habituadas a ele, o que poderia se associar à apatia, ou quando o utilizam como forma de trabalho, o que poderia se associar a sentimentos negativos. Desse modo, alternativas para educação sócio-ambiental devem ser pensadas para estimular o cuidado com a natureza em situações como essas (Collado et al, 2015), por meio do estímulo a uma conectividade que é relativa ao sentimento de pertencimento apontado pela literatura (Olivos et al., 2011). 75 É preciso ter em mente, ainda, que comportamentos de proteção podem surgir com intenções egoístas, vendo apenas a necessidade de recursos para manutenção da qualidade de vida humana, e não havendo conectividade com a natureza. Mas nesse caso, estes comportamentos costumam surgir diante de benefícios específicos, como economizar energia para gastar menos dinheiro, e assim, dificilmente levariam à sustentabilidade (Schultz, 2002), já que com a remoção de benefícios o comportamento pode ser extinto, ou substituído por soluções pontuais e artificiais. Diante desse cenário, esta tese se questiona como os adolescentes estão pensando sobre essas questões. No contexto brasileiro, há um clima relativamente favorável a atividades em ambientes naturais, e paisagens litorâneas convidativas. Por outro lado, também temos um excesso tecnológico que chega até aos jovens de forma bastante intensa: videogames, iphones, tablets, televisores, internet, netflix, e tantas outras ferramentas que prendem a atenção em um mundo virtualizado e artificializado. Sendo assim, explorar a conectividade dos adolescentes com a natureza no cenário do nordeste do Brasil é algo inovador, mas não menos relevante, afinal, essa região sofre grandes impactos ambientais, que afetarão mais intensamente a vida dos adolescentes. Esta investigação também é inovadora por pensar a conectividade com a natureza diante das MCs. Seriam suas peculiaridades globais e abstratas melhor consideradas por pessoas que se sentem conectadas com a natureza? Nesse sentido, outro ponto a ser destacado refere-se à familiaridade de uma situação e o quanto ela é conhecida pelo adolescente. Essa familiaridade pode influenciar grandemente na sofisticação do seu conhecimento sobre a situação, ou, por exemplo, sobre o meio ambiente de suas localidades (Heft & Chawla, 2005; Papalia, Olds, & Feldman 2006). É possível pressupor, então, que a conexão com a natureza que esses adolescentes apresentem pode se associar às 76 considerações desses adolescentes a respeito das mudanças no clima, e com a tradução deste problema do âmbito global para o local. De todo modo, esse pressuposto é algo que demanda reflexão crítica, pela ausência de estudos que busquem associações entre estes dois conceitos. Mas é, justamente por isso, que a investigação, não só da orientação de futuro, mas também de outros conceitos de ordem afetiva, tais como a conectividade com a natureza, é incentivada por estudos que tratam de MCs (Clayton et al., 2015; Wray-Lake, Flanagan & Osgood, 2010). Para isso, faço uso do instrumento denominado de Escala de Conectividade com a Natureza (Mayer & Frantz, 2004), que é melhor detalhado nocapítulo referente ao método. 3.4. Práticas de cuidado com o meio ambiente Em 2007, Pinheiro e Pinheiro utilizaram o termo cuidado ambiental para designar essa relação com o meio, “em acepção bastante semelhante a de proteger” (p. 25), argumentando que é uma expressão partilhada por outras áreas interessadas no tema, como a educação ambiental. Os autores também argumentam que o termo “cuidado” é uma expressão bastante usada no dia-a-dia pelo senso comum, sendo bem compreendida pelas pessoas, de um modo geral. Assim, a expressão “cuidado ambiental” significa não um comportamento específico em si, mas denomina um conjunto de práticas cujo propósito é a proteção do meio ambiente. Os estilos de vida sustentáveis envolvem, portanto, práticas de cuidado com o meio. A ação em si pode ser pontual, localizada, corretiva e de curto prazo. Se for assim, pode resultar em proteção ambiental, mas não é em si mesma pró-sustentável. A conduta sustentável é preventiva, proativa, conservacionista, e leva em conta todos os seres vivos, humanos e não humanos. Ela pode ser definida como um conjunto de ações efetivas e deliberadas, que tem como finalidade o cuidado com recursos naturais, e socioculturais, necessários para garantir o 77 bem-estar presente e futuro da humanidade (Corral-Verdugo & Pinheiro, 2004; Corral-Verdugo 2010). Assim, é coerente pressupor que essas condutas podem se associar ao sentimento de conectividade com a natureza, e com a perspectiva de futuro, sendo estas dimensões componentes da orientação pró-sustentável (Corral-Verdugo et al., 2009; Corral-Verdugo, 2010). Seja a ação orientada para fins de sustentabilidade, ou de proteção imediata, o EVS se associa com a disposição para se comportar em prol do meio ambiente. Por isso, é interessante investigar se há ou não, por parte dos adolescentes, ações de cuidado ambiental. Os estudos que tem sido feito com adolescentes têm revelado que a maioria dos participantes se considera como não cuidadores do meio ambiente (Cavalcanti & Pinheiro, 2014; Barros, 2011; Sousa & Pinheiro, 2008), esta tese intenciona investigar se essa tendência se mantém, e, se as práticas relatadas consideram as MCs ou não. 78 4. Adolescência, sustentabilidade e mudanças climáticas Os estudos interessados pelas interações pessoa-ambiente que lidem com comportamentos, crenças, atitudes e emoções pró-ecológicas são expressivamente numerosos hoje em dia, e se referem a diferentes contextos e com distintos participantes. No entanto, estudos com populações mais específicas como crianças e adolescentes em relação à pró- ambientalidade ainda são poucos, e menor ainda é o número de estudos que se centram no tema das MCs (Wray-Lake, Flanagan, & Osgood, 2010). Apesar do aumento de atenção a esse público nos últimos anos, muitas investigações ainda são feitas focando-se em estudantes universitários, ou em moradores adultos de bairros ou cidades (Corral-Verdugo, 2001). Nessa direção, Günther e Cunha (2004) se questionam onde estão os jovens na psicologia ambiental, e chamam a atenção para o fato de o ambiente, e seus elementos, estarem intrinsecamente ligados ao desenvolvimento desses jovens (Bronfenbrenner, 2011). Essas autoras compilaram o “lugar” dos jovens em algumas obras da psicologia ambiental. Seus resultados revelaram a existência de discussões sobre: o uso do espaço pelos adolescentes; vizinhança; ambiente escolar; influências ambientais no desenvolvimento, tais como efeitos sonoros/barulho e variações térmicas/calor; comportamento sócio-espacial de crianças e adolescentes e planejamento urbano adequado para atender suas demandas. Dos mais de 40 trabalhos citados por Günther e Cunha (2004), apenas 3 tinham como tema mais diretamente a pró-ambientalidade e adolescência, e nenhum era relativo às mudanças climáticas globais. Os estudos relativos a esse tema, e que se direcionem à população adolescente se tornam duplamente relevantes, não só por contribuir para tornar essa área de estudo um campo mais fértil e amplo em termos teóricos, mas também pelo fato de que estudar o adolescente no 79 contexto do meio ambiente é de extrema relevância social, na medida em que se tem o intuito de possibilitar ações de cuidado ambiental a uma geração que irá, futuramente, assumir postos de liderança e de reprodução do conhecimento, e ainda, que irá viver mais intensamente as consequências globais e locais das mudanças climáticas (Barros, 2011; Ojala, 2013). É também nessa fase da vida que muitas escolas costumam debater esse assunto em sala de aula; e entender como os adolescentes percebem o problema auxilia no aprimoramento dos programas de ensino-aprendizagem relativos às MCs (Ojala, 2015). Além disso, os adolescentes estão tendo a formação e consolidação de seus valores e visões de mundo, correspondendo a um período em que os indivíduos podem estar mais abertos a influências sociais (Wray-Lake et al., 2010), o que torna relevante projetos que fortaleçam conscientização sobre aspectos pró-ecológicos. Tais projetos também podem ser pensados para infância, pois a experiência direta com a natureza e a discussão de temáticas ambientais têm sido associadas à adoção de comportamentos e estilos de vida pró-ecológicos (Heft & Chawla, 2005). Nesse contexto, este capítulo se destina ao esclarecimento do que esta tese entende por adolescência, e o que se tem produzido a respeito da pró-ambientalidade de adolescentes, no cenário da sustentabilidade e das MCs. 4.1. A Adolescência Discutir o significado da adolescência não é simples, pois o conceito de adolescer não tem margens bem delimitadas nem definições claras. A adolescência, na sociedade ocidental contemporânea, refere-se a um período de transição no desenvolvimento entre a infância e a idade adulta que envolve grandes mudanças físicas, cognitivas e psicossociais (Papalia et al., 2006). Entretanto, esse período de transição não possui limites exatos de início e término. Para alguns autores (Clark & Uzzell, 2005; Papalia et al., 2006), a adolescência dura em torno de 10 anos, iniciando-se por volta dos 11, 12 anos, e terminando por volta dos 19, 20. E, 80 em geral, se considera que o início da adolescência ocorre concomitantemente ao início da puberdade – sendo esta definida como o processo que conduz à maturidade sexual (Cole & Cole, 2003) – e seu fim se dá com a entrada no mundo adulto, representada pela maturação física ou pelo aprendizado vocacional. Esse término da adolescência também é questionando e discutido. Existem vários marcos e definições que correspondem à entrada na vida adulta. Existem definições psicológicas, como criação dos próprios sistemas de valores e de relacionamentos, independência em relação aos pais e descoberta de uma identidade própria; existem definições sociológicas como casamento, independência financeira; e existem as definições legais, como a “maioridade” (Papalia et al., 2006). Todavia, não se deveria discutir marcos iniciais e finais da adolescência sem frisar que essa fase, assim como a “invenção da infância”, representa um ideal social, cultural, que divide e organiza os indivíduos de acordo com aquilo que lhes foi reservado pela estrutura social vigente (Calligaris, 2000). Nessa mesma direção, Nurmi (2005) ressalta que cada fase, ou estágio de vida, possui requisitos sociais a serem cumpridos pelo indivíduo e que são específicos para etapa em que se encontra. Diante desse quadro de distinções conceituais, e para os propósitos deste trabalho, recorro a definições legais, às leis brasileiras, para tomar como base o período considerado como adolescência por este estudo. Nesse sentido, recorro ao Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei Federal nº 8.069/1990), que considera adolescentes as pessoas que possuem entre doze e dezoito anos de idade (art. 2º); sendo esta, portanto, a perspectivaconceitual adotada. Vale ressaltar, que se basear nessa definição política, significa fornecer uma delimitação prática ao período da adolescência, superando a problemática conceitual que reside na delimitação do início e término desta. Logo, isso não implica em prejuízos conceituais ou metodológicos, tendo em vista que essa faixa etária, definida pelo Estatuto (12 a 18 anos de 81 idade), ou corresponde exatamente ou está dentro das faixas etárias designadas por autores já citados da área de desenvolvimento humano, que demarcam a adolescência entre os onze e vinte anos de idade (Clark & Uzzell, 2005). É indispensável, ao abordar o posicionamento dos adolescentes diante das mudanças climáticas globais, que se discuta possíveis formas de o adolescente pensar e agir. Na adolescência, ocorrem mudanças cognitivas, ocorrem transformações no pensamento, sendo os adolescentes, capazes de fazer julgamentos morais sofisticados, além de poderem se projetar e planejar um futuro de maneira mais realista (Nurmi, 2005; Papalia et al., 2006; Wray-Lake et al., 2010), tornando interessante saber o que os adolescentes pensam a respeito das MCs, e se eles consideram, ou não, as consequências do problema, que ocorrerão de forma mais intensa apenas futuramente. De acordo com a teoria de Piaget (1972), a adolescência também compreende o estágio das operações formais, correspondendo ao período de aquisição de certas habilidades, como a capacidade de pensar em termos do que poderia ser, e não apenas do que é. Os adolescentes já são capazes de refletir sobre possibilidades, gerar e testar hipóteses, considerar diversas causas distintas para um problema. Essas capacidades cognitivas fazem com que suas percepções sobre a realidade se tornem mais complexas. O adolescente compreende sentimentos e os fornece não só a figuras concretas, como pais e amigos, mas também a entidades abstratas, como aos conceitos de liberdade, exploração, violação (Papalia et al., 2006). Sendo assim, porque não supor e estimular afetos também pelo planeta e por temáticas relativas à proteção ecológica? Esses são temas que são, sim, foco de interesse de adolescentes (Nurmi, 2005). Os autores que compilam teorias sobre desenvolvimento humano em seus manuais, apontam para o consenso (Bee & Boyd, 2011; Cole & Cole, 2003; Papalia, et al., 2006;) de que o pensamento dos adolescentes já possui capacidade de ser hipotético, dedutivo, sistemático e metacognitivo (refletir sobre os próprios pensamentos). Esses adolescentes também podem 82 planejar e se projetar no futuro, fazendo uso de suas capacidades cognitivas para pensarem sobre política, religião, moralidade e (porque não?) meio ambiente (Cole & Cole, 2003). Pensar a respeito desses temas também pode se atrelar ao desenvolvimento da capacidade de tecer julgamentos morais. Teorias como a de Lawrence Kohlberg (Cole & Cole, 2003; Levine, Kohlberg, & Hewer, 1985), por exemplo, afirmam que na adolescência já se pode adquirir formas de moralidade, pós-convencionais, em que o raciocínio moral é mais complexo, não no sentido somente de obedecer a leis postas por outrem – o que seria um estilo de moralidade heterônomo (Bataglia, Morais, & Lepre, 2010) – mas também ir além das convenções, considerando diversas possibilidades. É uma moralidade autônoma (Bataglia et al, 2010), que reconhece ou julga de acordo com a relatividade das situações, em termos de imparcialidade e justiça, mesmo que destoem do que é convencionalmente estabelecido. É possível pressupor que se os adolescentes acham que é correto cuidar do meio ambiente, pode haver a possibilidade de adoção de comportamentos condizentes. Todavia, não necessariamente o discurso do jovem irá condizer com suas ações. Isso nem sempre acontece, por exemplo, pela existência da chamada hipocrisia aparente, característica do pensamento do adolescente descrita por David Elkind (1978). O adolescente pode achar correto ter práticas de cuidado ambiental, porém, não necessariamente tê-las. Essa hipocrisia é no sentido de que, muitas vezes, eles não reconhecem a diferença entre expressar um ideal e fazer os sacrifícios necessários para viver de acordo com esse ideal, ou nem ter independência para isso (Ojala, 2015). Mesmo assim, promover um ideal de compromisso e respeito com o meio ambiente é, sem dúvida, um primeiro passo à ação a ser estimulada. Estar atento a esses aspectos, como, por exemplo, ao raciocínio moral, é no sentido de estar atento também a questões como a da chamada “desejabilidade social”, discutida por Kaiser, Oerke e Bogner (2007); que a apontam como uma possível explicação para os resultados encontrados por seu estudo, ao investigar atitudes ambientais com adolescentes por meio de 83 auto-relato. Essa desejabilidade corresponde ao fato de que os adolescentes podem relatar possuir ações de cuidado simplesmente porque consideram como o correto a ser dito, ou acham que é o que a sociedade espera como moralmente aceitável, dando respostas que concluem serem as esperadas por quem lhes pergunta, porém não necessariamente condizentes com suas práticas. Discutir sobre isso permite a identificação de possíveis vieses no processo de pesquisa, evitando confundir o que os adolescentes consideram realmente sobre as MCs com o que eles acham que deve ser dito, ou respondido, a partir de uma perspectiva social do que é bom, certo, desejado. Essa questão corresponde a uma problemática até comum em estudos de meio ambiente, já que “cuidar do entorno e da natureza” ganhou uma conotação social de “bom mocismo”, de ação correta. O contexto, as relações sociais que se desenvolvem nos lugares, e estes lugares em si, possuem contribuição na forma com que o adolescente se desenvolverá, e desenvolverá seu interesse por temas relativos à sustentabilidade (Heft & Chawla, 2005). 4.2. Adolescentes, ambiente e estilos de vida sustentáveis As pessoas vão, ao longo do desenvolvimento, evoluindo seus julgamentos morais, não como uma variável isolada, mas a partir também do contato e da experiência com diversidade de pessoas e de lugares; essas experiências e novos contatos com o meio tornam possível o desenvolvimento de novos aprendizados e habilidades, inclusive de competências ambientais (Heft & Chawla, 2005). Os adolescentes também aumentam sua rede social, e interagem com uma esfera maior do meio que os rodeia (Gontijo-Salum, 2010), ampliando a diversidade de microssistemas e de mesossistemas de que esses indivíduos passam a fazer parte (Bronfenbrenner, 2011). 84 O modelo bioecológico de Bronfenbrenner (2011) mostra a relevância da inter-relação de diversos níveis ecológicos que nos envolvem. São sistemas entrelaçados, que podem ser, por exemplo, visualizados um dentro do outro, como uma coleção de bonecas russas. A parte mais próxima ao indivíduo, onde este se localiza, é chamado de microssistema. É onde o adolescente está em atividade em um determinado momento de sua vida. Já o mesossistema é o conjunto de microssistemas, são as inter-relações de vários ambientes nos quais o adolescente está inserido. O exossistema corresponde aos ambientes nos quais a pessoa em desenvolvimento não está inserida diretamente, mas que traz influência, como por exemplo, o local de trabalho de seus pais. O macrossistema é o nível que engloba todos os outros, esse nível envolve a cultura, as macroinstituições, governo e políticas públicas. Bronfenbrenner também incluiu o tempo em seu modelo, constituindo o cronossistema, que influencia as mudanças ao longo do ciclo de vida. Esse olhar trazido por Bronfenbrenner (2011; 1994) contribui para análise do interesse pró-ecológico e sustentável do adolescente, e da forma que passa a entender problemas ambientais globais, porque se refere ao desenvolvimento como uma unidade entre processo- pessoa-contexto-tempo, em que tais processos passam a ser analisadosnão só na pessoa, mas na pessoa em complexa interação com vários níveis contextuais e temporais, que colaboram ou dificultam o desenvolvimento de aspectos da vida dos adolescentes. Nesse sentido, os microssistemas em que os adolescentes se inserem – tais como a escola, as atividades que ocorrem nela, a forma como o conteúdo ambiental é trabalhado em sala de aula, as relações que estabelecem com a natureza e com os outros pares – contribuem, nessa ótica, para o tipo da percepção de temáticas ambientais, e para as condutas que serão tomadas diante delas. Assim, o microssistema não se trata apenas de um ambiente físico, mas também é: 85 um padrão de atividades, papeis e relações interpessoais experienciados pela pessoa em um dado lugar, onde se estabelecem relações face a face com características físicas, sociais e simbólicas que convidam, permitem ou inibem seu engajamento, sustentando atividades progressivamente mais complexas em um contexto imediato (Bronfenbrenner, 1994, p. 1645). Os adolescentes pensam a respeito do ambiente que os circunda. As pesquisas existentes sobre isso geralmente se focam nos settings favoritos deles, e se dividem naquelas interessadas nas memórias dos adultos a respeito dessa época – o que acarreta vieses já que podem ser idealizadas – e naquelas que se pautam nos ambientes preferidos atuais dos adolescentes. Os ambientes chave, ou seja, apontados como preferidos pelos adolescentes frequentemente são: o lar, a vizinhança e facilidades desportivas próximas, ambientes naturais verdes e centros comerciais (Clark & Uzzell, 2005). Nesse cenário, a narrativa, o contar sua história, é um aspecto importante. Isso porque, a narrativa do adolescente a respeito de sua experiência ambiental costuma ser diferente da interpretada pelos adultos, e por isso deve ser ouvida (Matthews & Tucker, 2005). Por exemplo, em um estudo sobre a percepção de adolescentes a respeito do ambiente rural em que vivem, no Reino Unido, os adultos conceberam o “campo” de modo romantizado, com mais segurança, espaço para explorar e ter contato com a natureza, enquanto os adolescentes relataram a dificuldade em achar espaços públicos, extremo protecionismo dos adultos em relação às suas propriedades privadas, e discurso restritivo de seus pais a respeito de por onde andar e horários (Matthews & Tucker, 2005). O que contradiz a visão idílica a respeito de ambientes rurais que, muitas vezes, os adultos possuem. Logo, espaços vistos como possibilitadores de maior liberdade para crianças e jovens, estão, na realidade do estudo, se constituindo em ambientes pobres de estímulos, restritivos e inibitórios (Matthews & Tucker, 2005). Obviamente, essa realidade pode não ser generalizável, e o contexto do interior no Nordeste brasileiro apresenta suas peculiaridades. O ponto central aqui, é que esse exemplo ressalta a importância de entender 86 a visão do adolescente, basear ações em suas narrativas e microssistemas, e não basear intervenções em educação ambiental somente em elementos que os adultos consideram relevantes. Para teorias sobre o desenvolvimento humano de base contextual e ecológica, prestar atenção nessa reciprocidade entre ambientes e indivíduos é extremamente relevante, porque propõem que os adolescentes são ativos em seu desenvolvimento, podendo orientá-lo e reorientá-lo, mudando os seus contextos, o ambiente em si, selecionando, por exemplo, ambientes que deem suporte às suas necessidades ou modificando os já conhecidos para esse fim (Clark & Uzzell, 2005). Isso é a base para a aprendizagem de novas habilidades, é o conhecimento que surge a partir da ação no ambiente e da percepção desse ambiente (Gibson, 1979; Heft & Chawla, 2005). Por essa ótica, por exemplo, interagir somente em locais como shoppings – recorrente nas preferências dos adolescentes – dificilmente promoverá o conhecimento e o desenvolvimento de habilidades pró-sustentáveis (Gibson, 1979; Heft & Chawla, 2005). Assim, nessa perspectiva, o ambiente não é neutro e livre de valores subjetivos, ou apenas um pano de fundo da atividade humana, e é sim dotado de percepções e funcionalidades, que dão suporte ao desenvolvimento (Clark & Uzzell, 2005), o que é coerente com a teoria das affordances de Gibson (1979), discutida em maior profundidade no capítulo seguinte. Alguns autores apontam para evidências de que adolescentes costumam ser socialmente engajados em questões ambientais, ou ao menos se dispõem a ações pró-sociais e ambientais, (Nurmi, 2005; Renaud-Dubé, Taylor, Lekes, Koestner e Guay, 2010; Wray Lake et al., 2010). Eles se mostram, devido às transformações qualitativas no pensamento, capazes de pensar em ideologias e questionar as ideologias vigentes; tornando importante discutir com eles questões ambientais, estimulando a passagem do discurso para ações reais. 87 Nessa direção, existem alguns estudos que se destinaram a entender aspectos relativos à pró-ambientalidade de jovens, e as predisposições que compõem um interesse e compromisso pró-ecológico (Renaud-Dubé et al., 2010). Biaggio, Vargas, Monteiro Souza e Tesche (1999), por exemplo, realizaram um estudo com adolescentes que se propunha a promover atitudes ambientais por meio de debates de dilemas com conteúdo ecológico. Para esses autores, a discussão dessas temáticas não se baseia apenas em informação ou doutrinamento (Biaggio et al., 1999), vai além disso, inclui aspectos éticos e afetivos sobre meio ambiente e preservação, equivalendo à necessidade de fortalecimento de uma educação ética, no sentido de instância crítica e propositiva sobre o dever das relações humanas, em vista de nossa plena realização como seres humanos (Guareschi, 1998). Um estudo realizado com adolescentes norte-americanos revelou que a consideração com o meio ambiente por parte deles aumentou nos anos noventa, porém eles enxergam como maior responsável os governos, e não necessariamente se incluem como responsáveis por problemas ambientais (Wray-Lake et al., 2010). Mesmo assim, há indícios de que os adolescentes têm muito a contribuir em relação aos cuidados com o meio ambiente, e devem ser levados mais em consideração por pesquisas da área. Com relação à orientação de futuro, é importante frisar que algumas das principais preocupações do adolescente da sociedade ocidental contemporânea, correspondem à carreira e ao emprego (Nurmi, 2005). E, ainda que haja a disposição para considerarem questões ambientais, um desafio para a adoção de estilos de vida sustentáveis é a consolidação do imediatismo, exigida pela sociedade no âmbito macrossistêmico. Em outras palavras, pensar no futuro todos pensam, de algum modo (Nurmi, 2005). No entanto, a consideração apenas de um futuro próximo – curto em termos de extensão temporal – que leva em conta somente ganhos imediatos (acúmulo de bens materiais, por exemplo) pode dificultar a existência de uma orientação de futuro mais ampla, que considere o meio ambiente 88 e a solidariedade inter-geracional, um dos pilares dos ideais sustentáveis (Corral-Verdugo, 2010; Pol, 2002). Os adolescentes nos dias de hoje estão imersos na cultura do consumo, desenvolvendo e considerando mais os valores materiais (Wray-Lake et al., 2010), o que é uma forte barreira à mitigação (Gifford, 2011). Os adolescentes encontram-se preocupados, então, com aspectos impostos, oriundos de seus contextos, com os requisitos que devem atender (Nurmi, 2005); assim, se as questões ambientais não forem tratadas com eles, explicitadas, conhecidas, trazidas aos seus contextos, fica difícil tornar o meio ambiente objeto de atenção, de modo a desenvolver um compromisso pró-ecológico e uma orientação pró-sustentabilidade. Esses ideais precisam, enfim, ser incorporados ao dia-a-dia desses adolescentes, e a escola pode ser um caminho promissor para isso (Biaggio et al., 1999). 4.3.O adolescente diante das mudanças climáticas globais As características das MCs dificultam a ação individual e coesão grupal para mitigação, conforme já discutido no capítulo 01. As incertezas, inseguranças, ignorância, são consideradas dragões da inação (Gifford, 2011), possuindo efeitos paralisadores diante do planejamento a longo prazo (Lewin, 1970/1948). A propagação mais certa dos potenciais riscos, a diminuição de incertezas, e uma perspectiva temporal de futuro realista, que envolva solidariedade inter- geracional e elaboração de objetivos sustentáveis, são necessárias. Também já mencionei a forte desconexão das pessoas em relação aos seus econichos, proveniente da intensa industrialização da vida contemporânea (Held, 2001; Whitelegg, 1993). As sazonalidades de cada região estão sendo maquiadas pela mecanização da sociedade, tornando difícil a leitura dos sinais das MCs. Não se observa por exemplo, se os períodos de seca típicos da região estão sendo mais duradouros, se os padrões de chuva estão mudando, se 89 os pássaros não estão migrando no período correto, ou se a erosão costeira devido ao avanço do nível do mar está se tornando constante (Heft & Chawla, 2005). E, caso haja essa observação, ainda há a dificuldade em relacioná-las às causas das MCs (IPCC, 2014a). Devido a esses aspectos, não é possível esperar que os adolescentes, imersos em todas as suas demandas sociais, aprendam a respeito desses problemas globais, e os enfrentem, com base somente na experiência direta. Ela é necessária, mas não é suficiente exatamente por causa dessas complexas características que envolvem as MCs, e as tornam abstratas e de lenta percepção. O desafio é, então, interceptar os processos produtores desses problemas cedo o suficiente para que seus impactos não se tornem tão avançados a ponto de se tornarem irreversíveis (Kümmerer, 1996). Já que a experiência de primeira mão é improvável ou até impossível, é importante que sejam ensinados os sinais desses problemas (Heft & Chawla, 2005). Perceber as MCs – ainda que seja uma experiência de segunda mão – ocorre a partir das experiências proporcionadas, por exemplo, por professores em sala de aula, ou por sua representação na mídia, livros, jornais. Todavia, esse ensinamento não pode ser apenas indireto ou teórico, ele é relevante e complementa, mas não substitui a experiência direta do mundo, do ambiente, por meio da vivência do adolescente em sua localidade. Esse estudo refere-se a adolescentes residentes no estado do Rio Grande do Norte, com preocupações pontuais exigidas pelo contexto social em que se encontram, o que não impede que tais discussões sejam traçadas almejando o estímulo às orientações e condutas sustentáveis. É necessário que haja a tradução de suas percepções subjetivas para a ação local. Nesse sentido, é possível proporcionar, em diferentes medidas, a experiência direta dos sinais dessas mudanças. Ainda que não tenhamos na realidade norte-rio-grandense a observação de geleiras derretendo, por exemplo, podemos ver outros indícios, como a perda da faixa litorânea e a diminuição e mudança no padrão de chuvas (PBMC, 2014). 90 Essa realidade das mudanças climáticas globais pode ser, então, um intrigante desafio até para adolescentes que já praticam ações de cuidado ambiental e que são compromissados com a proteção ecológica. Daí a relevância de trazer essas questões distantes, globais, para a discussão em settings locais, como as escolas. Até porque, as MCs são um problema apenas ilusoriamente abstrato. Elas possuem causas e impactos concretos, reais (IPCC, 2014a). Um grande desafio posto é responder aos questionamentos sobre como enfrentar algo que não se conhece, não se pega, não se vê. A psicologia pode fornecer diretrizes para caminhar na construção dessa resposta, por meio de um somatório de aspectos, tais como a promoção do conhecimento objetivo, a promoção de experiência direta dos sinais das MCs e pela compreensão do posicionamento sobre o problema (Clayton et al., 2015). Esforços, ainda que poucos, têm sido feitos para investigar esses aspectos. Apesar dessas dificuldades, os estudos mostram que os adolescentes parecem se preocupar com o problema e apoiar ações governamentais de redução da emissão de gases do efeito estufa, ainda que não possuam um claro conhecimento a respeito do problema, e de seus impactos (Wray-Lake et al., 2010). Em um artigo de revisão teórica sobre o que os adolescentes pensam e como se engajam diante das MCs, Corner, Roberts, Chiari et al. (2015) apontam para a mesma direção, ao mencionar que os adolescentes se preocupam com o problema, e que o interesse é maior por parte deles do que por parte de adultos, apesar de existirem outras prioridades em que os jovens pensam. Assim como os adultos, os adolescentes avaliam que as MCs ocorrem em locais distantes dos seus, apesar de admitirem a ocorrência de seus impactos. E, apesar de se esperar que eles saibam mais sobre o assunto, afinal o currículo escolar atual aborda essa questão, os resultados que os estudos encontram são ambíguos, sugerindo incertezas, confusões e falta de clareza e precisão sobre suas causas (Corner et al., 2015). 91 Fisher (2016) investigou a trajetória de vida de jovens ativistas, com idades entre 17 e 28 anos, engajados no combate às mudanças climáticas. Dentre seus resultados, Fisher (2016) identificou que as motivações para o ativismo se atrelavam tanto ao interesse pela natureza, como também ao interesse pela justiça social; e, por isso, ressaltar que as mudanças climáticas são um problema que afetam tanto sistemas humanos quanto não-humanos, pode ser um caminho rumo à desconstrução de barreiras para o engajamento. Além disso, os ativistas relataram que buscaram seus respectivos grupos por considerar que seriam acolhidos, por suas afinidades políticas e ideais. Diante disso, o autor sugere que projetos de educação ambiental possam proporcionar aprendizado de base comum, por meio do qual os jovens possam compartilhar suas experiências, e reconhecer afinidades e similaridades dessas experiências. Fischer (2016) discorre ainda a respeito das escalas espacial e temporal. Seus dados sugerem que não se trata apenas de localizar o problema, tornando-o imediato, ou apenas mencionar seu aspecto global. O ativismo veio, para esses jovens, a partir de uma leitura mais dinâmica dessas escalas, reconhecendo a interdependência do problema, suas relações e implicações em ambos os níveis espaciais (local-global). Essa abordagem dinâmica parece permitir que as pessoas conectem mais suas realidades com a realidade da mudança no clima, permitindo, assim, que o jovem possa se engajar em qualquer escopo de ações com que se sinta mais confortável, seja uma atuação localizada, ou mais global (Fischer, 2016). É relevante também mencionar o estudo de Ojala (2013). Essa investigação buscou explorar como um grupo de adolescentes suecos enfrentam as mudanças no clima (coping), e como três estratégias de enfrentamento utilizadas se relacionam com medidas de bem-estar subjetivo e com o comportamento pró-ecológico. O conceito de coping utilizado pela autora refere-se às tentativas de lidar com diversos tipos de ameaças psicológicas e estressores, e as três estratégias de enfrentamento definidas pelo estudo foram: focada no problema (em que se busca conhecimento sobre o problema para então agir); focada nas emoções (em que se age 92 com base nas emoções negativas que o problema evoca, como negação de sua ocorrência por causa de medo e ansiedade) e focada no significado (em que há uma re-avaliação do problema, ressignificando-o, buscando por benefícios diante da situação, envolvendo emoções positivas). Os resultados revelaram que o enfrentamento focado nas emoções de negação do problema foi negativamente correlacionado com o comportamento pró-ecológico, sendo estepositivamente correlacionado com o enfrentamento focado no problema e focado no significado. Apesar do enfrentamento focado no problema se relacionar com o comportamento pró-ambiental, ele também se relacionou com medidas de estresse e preocupação. A autora levanta a hipótese de que esse fato pode estar associado com a falta de percepção de controle dos adolescentes sobre suas próprias vidas, que dependem dos pais/responsáveis e de seus recursos para tomar algumas decisões, causando estresse quando sabem do problema, mas não possuem independência para fazer algo a respeito. Já o enfretamento focado no significado se correlacionou com satisfação, otimismo, bem-estar, e com comportamentos em prol do meio ambiente, sugerindo, mais uma vez, a necessidade de olhar para outros fatores além do conhecimento. É preciso trabalhar na ressignificação das MCs, na conexão delas com suas vidas, ainda que as emoções negativas não deixem de coexistir (Ojala, 2013). Vale salientar que a autora já explora a noção de enfrentamento das MCs apontando-as como ameaça psicológica, e sua investigação não fornece margem para compreensão aprofundada do que os adolescentes consideram sobre o problema, ainda que não o vejam como ameaça (Ojala, 2013). Mais recentemente, em 2015, outra investigação da mesma autora, também centrada em adolescentes tentou ampliar essa discussão, buscando entender que fatores estão relacionados com o ceticismo dos jovens sobre o assunto (Ojala, 2015). Os resultados encontrados indicam que a melhor comunicação e educação sobre as mudanças climáticas podem combater o ceticismo, e que os adolescentes com valores ecológicos foram menos céticos, e os hedonistas foram mais céticos (Ojala, 2015). Isso fornece subsídio para o 93 pressuposto trazido por esta tese, em que se espera uma associação entre indicadores do estilo de vida sustentável e um posicionamento em que haja maior consideração pelo problema. Essas ideias embasaram e configuraram, portanto, a proposta desse estudo apresentada a seguir. 94 5. A Proposta do Estudo Com a exposição feita até o momento, é possível resumir que: como as pessoas se posicionam diante das mudanças climáticas, que fatores podem implicar em adesão a comportamentos de mitigação, e como os impactos dessas mudanças afetam o bem-estar humano, são aspectos que precisam ser compreendidos, para que possamos responder efetivamente como sociedade às ameaças representadas pelas MCs (Clayton et al., 2015). Clayton et al. (2015) afirmam, nesse sentido, que “fatores que influenciam decisões e comportamentos ao nível individual, têm recebido significativamente menos atenção” (p. 640). Tais fatores são relevantes e indissociáveis do contexto social e institucional mais amplo, como exemplificado nas palavras dos mesmos autores: “o comportamento individual é importante, e no final das contas, leva à mudança social via adoção de tecnologias e suporte para políticas públicas” (p. 640). Outro elemento que tem sido incessantemente sugerido como algo que futuros estudos devem investigar são as considerações das pessoas sobre as escalas espacial, local-global, e temporal, hoje-futuro (Devine-Wright, 2013; Devine-Wright et al, 2015; Feitelson, 1991; Gifford et al., 2009; Uzzell, 2000). Futuras investigações devem, nesse sentido, se debruçar mais profundamente nesses elementos focando no que as pessoas compreendem sobre mudanças climáticas, a fim de desenvolver intervenções educacionais efetivas, e pautadas na real percepção do público adolescente. É a partir dessas recomendações que a proposta desta tese nasce, tomando como base, ainda, o olhar ecológico levado à psicologia ambiental. 95 5.1. O olhar ecológico Mencionei anteriormente que a sustentabilidade envolve a noção de interdependência. É nesse contexto que Heft e Chawla (2005) argumentam que a psicologia ecológica pode contribuir como lente analítica aos estudos interessados em elementos psicológicos diante da sustentabilidade. Dentre outros aspectos, o enfoque ecológico também adota o olhar interdependente entre seres vivos, humanos e não-humanos, e o mundo físico que os rodeia. E assim, os pressupostos teóricos que embasam a psicologia ecológica são compatíveis com os princípios requisitados pela sustentabilidade (Heft & Chawla, 2005). Essa seção aborda como esses pressupostos são, então, apropriados para investigação de aspectos da orientação sustentável e posicionamentos diante das MCs, entendendo, portanto, a terminologia de “psicologia ecológica” como esse olhar ecológico levado à Psicologia Ambiental (Heft, 2013; Winkel et al., 2009). Esse enfoque, ou orientação ecológica, entende que a mente humana e aspectos do mundo físico não são dois domínios separados, mediados por uma representação mental desse mundo; são sim, um domínio relacional, cuja relação é direta (Heft & Chawla, 2005). Esse olhar pressupõe a existência de um mundo real fora da cabeça das pessoas, que age, reage e interage com elas, como uma unidade pessoa-ambiente. Esse pressuposto é primordial para se promover estilos de vida sustentáveis; a sustentabilidade requer uma base comum de percepção e conhecimento dos indivíduos sobre suas dimensões, tais como equidade, solidariedade intergeracional, comportamentos pró-ecológicos e pró-sociais (Corral-Verdugo, 2010). O entendimento comum dessas condições contribui para uma participação comunitária, coletiva, rumo a fins sustentáveis (Chawla, 2008; Heft & Chawla, 2005). 96 A noção de reciprocidade e visão de unidade pessoa-ambiente (PA) é, então, um dos principais pressupostos desse olhar. Tal visão não é tão recente, no sentido de que sua discussão inicial e mais sistemática na psicologia data de meados de século XX; oriundos principalmente dos trabalhos de Kurt Lewin (Heft, 2013; Pinheiro, 2007). A partir de Lewin, outros nomes foram importantes para ampliação e sistematização do olhar ecológico na psicologia. Entre esses estão os trabalhos de Roger Barker (1968), Urie Bronfenbrenner (1974) e James Gibson (1979). Apesar de alguns consideráveis anos terem se passado desde a metade do século XX, essa visão relacional é recente se comparada com a caminhada da própria psicologia; e é ainda hoje um olhar diferenciado em relação à epistemologia tradicional adotada pela ciência psicológica, baseada primordialmente, em um dualismo que separa o mundo mental do mundo físico (Heft, 2013; Heft & Chawla, 2005). Nesse sentido, Harold Proshansky, em 1976, ainda que não tenha utilizado o termo “ecologia”, escreveu em seu artigo intitulado “Psicologia e o mundo real”, direções ecológicas de uma psicologia ambiental. Esta se diferencia de campos tradicionais da psicologia, por considerar a natureza, o design, a organização, o uso e o significado dado ao ambiente como elementos relevantes para o comportamento e experiência humana, de modo que essa experiência não pode ser olhada de forma desconectada do ambiente em que ocorre. Assim, ao discutir a forma como os adolescentes compreendem as MCs é preciso levar em conta o contexto em que se inserem. Ainda no que diz respeito à reciprocidade animal-ambiente, os trabalhos de James Gibson (1979) compreendem os ambientes humanos como econichos. Um econicho em particular é um conjunto de características e elementos que completam o modo de vida de cada espécie. As propriedades desse nicho estabelecem possibilidades de ação e limitações (Heft, 2013); sendo assim, é possível desdobrar essa consideração e afirmar que também 97 proporcionam possibilidades e limitações para ações de proteção ecológica, para participação e competência ambiental (Heft & Chawla, 2005). Nesse olhar, perceber e agir são elementos básicos e interligados do processo de conhecer (Gibson, 1979). É por meio da ação e percepção que os indivíduos simultaneamente descobrem propriedades do ambiente,e possibilidades para emergência de seu próprio engajamento diante de questões ambientais. O que implica que não é somente o conhecimento que promove a ação, mas a ação também promove o conhecimento. E ainda, o ato de perceber é propiciado e especificado pelo estímulo informacional presente no ambiente, disponível no entorno; noções que Gibson (1979) expõe também em sua conceituação sobre affordances. Isso não significa que todos irão perceber os mesmos elementos, nem do mesmo modo, porém, esse olhar permite aprendizado de uma percepção de base comum, e ação de base comum (Chawla, 2008; Heft & Chawla, 2005). Investigar o posicionamento a respeito de problemas ambientais, mesmo sendo eles de ordem global como são as mudanças climáticas, a partir de uma perspectiva ecológica, significa entender o que as pessoas compreendem/concebem sobre esses problemas, e mais, significa considerar tal posicionamento, sem deixar de lado aspectos de seus econichos. Tal esforço tem como pano de fundo, a intenção de proporcionar experiências ambientais que fomentem participação pró-sustentável de base comum, em relação ao enfrentamento de tais problemas. Por estar lidando com características complexas das MCs, é importante ressaltar que alguns autores mencionam as principais críticas destinadas ao olhar ecológico (Heft 2013; Heft & Chawla, 2005); ou seja, de que ele privilegiaria aspectos materiais do ambiente, enquanto negligenciaria aspectos subjetivos e sociais. Faço minhas as palavras dos autores ao responderem a tais observações: “Essa crítica é, contudo, sem base” (Heft & Chawla, 2005, p. 204). O enfoque ecológico propõe a reciprocidade pessoa-ambiente. Aspectos culturais, conhecimentos, percepções, sentimentos, e significados atribuídos aos aspectos ambientais são 98 também considerados (Chawla, 2008), o que se torna extremamente relevante para pensar problemas humano-ambientais, incluindo os globais, que não podem ser acessados diretamente pelo contato pessoal, “material”, pela experiência direta em primeira mão, mas podem ser ensinados, representados (Heft & Chawla, 2005). Nesse mesmo sentido, para entender a orientação e condutas sustentáveis de adolescentes, a compreensão de como os econichos, ou settings locais, podem proporcionar ferramentas para a aprendizagem dessas práticas se torna relevante. Heft e Chawla (2005) mencionam quatro qualidades do ambiente que promovem tal participação ambiental; são, a propósito, apresentadas como condições que dão suporte ao desenvolvimento dessa unidade interesse-ação, e são tratados na subseção seguinte. 5.1.1. A orientação pró-sustentabilidade na perspectiva ecológica Essas quatro qualidades/condições são (1) a existência de affordances, (2) o acesso e a mobilidade para se engajar nelas, (3) a existência de guias, pessoas experientes, que forneçam suporte à aprendizagem, à percepção e ação ambientalmente responsável e (4) as propriedades dos settings, dos lugares em questão. Apresento na sequência o detalhamento desses pontos. A primeira das condições é a existência de affordances que promovam descobertas, e relacionamentos pessoa-ambiente pró-ecologicamente responsáveis. A noção de affordance, oriunda da teoria de Gibson (1979) é, a propósito, outro pressuposto – ou característica – do olhar ecológico em psicologia ambiental (Heft, 2013; Winkel et al., 2009). Por affordance, se entende um conceito relacional, que se refere simultaneamente ao indivíduo e às propriedades do ambiente. São as percepções diferentes atribuídas aos aspectos ambientais e que surgem de sua imediata experiência (Gibson, 1979; Heft, 2013; Pinheiro, 2007). Não são representações puramente mentais tomadas como realidade, são percepções construídas a partir do que as propriedades ambientais exteriores ao indivíduo possibilitam. O 99 exemplo, dado por Heft e Chawla (2005), sobre os galhos de árvores coletados por crianças com a finalidade de construir um abrigo, auxilia a ilustrar essa questão. Os galhos de árvores possuem funções para o meio ambiente e natureza, possuem tamanhos diferenciados, e os que se permitem serem levados pelas crianças (devido ao seu tamanho e peso), são vistos por elas como paredes, porta, teto e piso; posteriormente a essa exploração (percepção), a performance (ação) de construir um abrigo será realizada, e tais galhos se concretizarão em paredes, porta, teto e piso. O ponto central aqui, é que affordances que promovam o comportamento ecologicamente responsável precisam ser estimuladas. Para o olhar ecológico, o engajamento é motivado pela informação contingente e imediata produzida por sua ação (Chawla, 2008). Nesse sentido, o contato com a natureza é apontado como sendo ideal para produção dessas affordances, porque os ambientes naturais podem ser mais maleáveis para crianças e adolescentes, podendo proporcionar experiências as mais diversas. O contato com um rio, por exemplo, pode proporcionar desde banhos refrescantes, brincadeiras divertidas, até água potável para consumo humano e habitat de diversas espécies; e assim, pode e deve ser protegido. Affordance é, portanto, uma unidade pessoa-ambiente, nem é totalmente subjetiva, nem é totalmente objetiva (Pinheiro, 2007). Todavia, são necessários o acesso e mobilidade para se engajar nessas affordances, sendo essa a segunda condição para o desenvolvimento de um comportamento pró-ecológico (Heft & Chawla, 2005). O intenso tráfego e intensa urbanização, a criminalidade, as longas distâncias podem se configurar como barreiras para a livre movimentação de adolescentes, dificultando variadas affordances. Estudos sobre o volume do tráfego em ruas de diferentes comunidades de São Francisco (EUA), por exemplo, mostraram que ruas com intenso trânsito possuem pouca interação social, ao passo que ruas com trânsito mais leve possuem três vezes mais laços sociais locais (Whitelegg, 1993). Consequentemente, é possível imaginar maior 100 liberdade e mobilidade dos adolescentes em regiões como essas, de baixo volume de tráfego; essas áreas permitem mais exploração e ação por parte das pessoas, logo favorecem o surgimento de affordances. Existem críticas também à teoria de Gibson (1979) sobre as affordances, mencionando que ela se basearia na percepção de aspectos físicos, ignorando aspectos sociais. Contudo, Gibson (1979) reconhecia a importância de aspectos sociais e culturais e dos significados compartilhados dados às questões ambientais, e deu ênfase, nessa direção, ao entendimento de que as affordances eram provenientes da presença de outras pessoas, ensinadas pelas interações sociais. Assim, aprendemos sobre as affordances e a forma como percebemos temas relativos ao meio ambiente por meio de outras pessoas, que passam a ter um papel na construção dessas percepções (Clark & Uzzell, 2005). Portanto, para além do estabelecimento de affordances, do acesso a estas, a terceira condição apontada por Heft e Chawla (2005), é a existência de guias, de pessoas experientes, de exemplos e estruturas sociais (Heft, 2013), que forneçam suporte à aprendizagem, à percepção e ação ambientalmente responsável. A incomparável capacidade de funcionar simbolicamente que os humanos possuem é, também, oriunda das relações sociais e ambientais que os cercam; elas fornecem oportunidade para os aspectos simbólicos serem construídos e descobertos. O papel do “outro”, dos laços sociais e do contexto socioeconômico mais amplo, são de extrema relevância para a transmissão de complexas habilidades e significados simbólicos entre as gerações. E, de modo mais geral, a continuidade ou mudança histórico- cultural também se pauta nessas possibilidades intersubjetivas (Heft, 2013). Além disso, há uma distinção entre a participação (ecologicamente responsável) formal e informal das crianças (Chawla, 2008; Heft & Chawla, 2005); reflexão que eu amplio aos adolescentes.A participação formal é a que ocorre nos settings formalizados, como escolas, projetos de organizações, algo previamente elaborado e com o programa a ser executado. E há, 101 também, a participação informal, aquela espontânea, feita no dia-a-dia do jovem, por sua iniciativa, e por sua exploração e movimentação nos locais em que vive (casa, bairro, etc.). Ambas são importantes de acordo com o olhar ecológico, e, portanto, merecem atenção por investigações que se dediquem a entender como é a orientação pró-sustentável e a consideração das MCs, porque tais conceitos podem ser influenciados por esses settings (Heft & Chawla, 2005). Heft e Chawla (2005) olham para essas questões a partir da noção de “campo de promoção da ação”, em que as possibilidades para estabelecer uma ação são uma convergência de: habilidades já aprendidas, ferramentas do setting, da experiência nele, e a presença de atores que auxiliam na percepção e aprendizado das ações. Os mais experientes podem direcionar a atenção dos menos experientes para aspectos do ambiente, e mesmo com visões, gostos, preferências subjetivas distintas, possibilitar um aprendizado rumo à sustentabilidade de base comum. É usual prestarmos atenção no engajamento individual da criança, ou do adolescente. Esse engajamento é constituído por lugares que por vezes esquecemos, ou, consideramos apenas como um pano de fundo esmaecido. Entretanto, para compreender e avaliar a ação desse adolescente em sua comunidade local é necessário olhar para esses contextos sociais e seus lugares. Essa é, então, a quarta condição para a participação pró-ecologicamente responsável mencionada pelos autores (Heft & Chawla, 2005). O conceito de behavior setting é uma rica forma de análise dessa unidade comportamento-lugar, e uma contribuição teórica desse olhar ecológico. Behavior setting resume em sua definição a ideia de reciprocidade e integração pessoa- ambiente mencionada; o conceito se refere a um sistema, uma estrutura, ou unidade eco- comportamental, limitada em termos de espaço e de tempo, sendo autorregulado, ordenado, formado por componentes humanos e não-humanos substituíveis, que interagem para executar 102 o programa do setting. Logo, é nesse sistema que os indivíduos se engajam em atividades e nas affordances que dão suporte a essas atividades (Barker, 1968; Heft, 2013; Heft e Chawla; 2005; Pinheiro, 2007; Pinheiro, 2011). O que é central para pensar o estilo de vida sustentável dos adolescentes é que essas unidades eco-comportamentais criam oportunidades para os indivíduos participarem da vida social na comunidade (Heft & Chawla, 2005). Por exemplo, uma “aula de ciências do 9º ano B do Ensino Fundamental, que ocorre toda segunda-feira das 7:30 às 9:00, na escola da comunidade” representa um behavior setting que pode ter, como programa, uma sequência de atividades que possibilitem affordances pró-ecológicas, e que motive, movimente a participação no cuidado ambiental, a partir de seus componentes humanos, em interação com os não-humanos. 5.1.2. O tempo na experiência ambiental Pelas contribuições do olhar ecológico para a psicologia ambiental, fica muito clara a forte ênfase dada à dimensão temporal, seja na definição de cronossistema de Bronfenbrenner (2011), seja na definição de behavior setting, seja pela continuidade e duração de atividades compondo affordances, ou ainda, pela consideração pelas gerações futuras na definição de desenvolvimento sustentável (Pinheiro, 2007; 2012). Nesse cenário da sustentabilidade, Whitelegg (1993), em seu texto “Time Pollution”, enfatiza o tempo como outra dimensão central a essa. Cidades e economias sustentáveis não podem se basear em princípios de intensa velocidade e intenso consumo, seja de bens ou de espaço. Tais princípios afastam as pessoas dos espaços, diluem comunidades e vida social, distorcem sistemas de valores, priorizando a mobilidade tecnológica e artificial em detrimento da acessibilidade social, desconectando as pessoas de seus econichos naturais, mecanizando- os. Assim, essa realidade se torna uma barreira à promoção de affordances pró-sustentáveis. 103 Por isso, eu acrescentaria às palavras de Heft e Chawla (2005), a diversidade temporal, oriunda dos ecossistemas naturais, como condição para a participação pró-sustentável, além das quatro discutidas anteriormente. A consideração do tempo na experiência ambiental seria, então, outro pressuposto do olhar ecológico em psicologia ambiental (Heft, 2013; Pinheiro, 2007; Winkel, Saegert & Evans, 2009). Os contextos físicos e sociais não ocorrem embalados em um vácuo atemporal. A experiência social e individual ocorre imbuída de tempo, no tempo. Essa dimensão é ainda pouco explorada pela psicologia (Winkel et al., 2009), mas corresponde a inúmeras e ricas possibilidades investigativas. O tempo pode e precisa ser considerado, por exemplo, em relação à duração de eventos, em relação ao uso que é feito dele (Michelson, 2005), ao conceito de perspectiva temporal (Zimbardo & Boyd, 1999), ou ainda, em relação às mudanças e transformações, ao desenvolvimento de ações e implicações do passado e de considerações do futuro, enfim, à historicidade (Heft, 2013; Pinheiro, 2007; 2012; Winkel et al., 2009). Os aspectos temporais são também imensamente relevantes para discussão sobre como as MCs são percebidas. O tempo é envolvido, seja na ordem cronológica dos acontecimentos relevantes para mitigação e engajamento do jovem, seja na consideração de futuro exigida para se pensar nas MCs, um problema sem as ditas fronteiras de espaço e de tempo. Nesse sentido, por mais que existam focos diferentes, os trabalhos de Roger Barker (1968), Urie Bronfenbrenner (2011), e James Gibson (1979) – posteriores às influências iniciadas com os trabalhos de Kurt Lewin (1965) – possuem bases comuns, compondo o escopo de um olhar ecológico (Pinheiro, 2007). Em síntese, esse olhar trazido à psicologia tem como características e pressupostos a reciprocidade, uma abordagem holística e integrada para a relação pessoa-ambiente, a consideração do tempo nessa relação, pautando-se, como dito, na noção de interdependência entre os ecossistemas humanos e não humanos. E ainda, considera os contextos físicos e sociais como influências para mudanças e continuidades individuais e 104 coletivas, não negligenciando aspectos subjetivos, considerando os simbolismos, e percepções atribuídos aos fenômenos e entornos, como sendo algo construído a partir da relação no e com o mundo real (Chawla, 2008; Heft & Chawla, 2005; Heft, 2013; Sarriera, 1998). 5.2. Declaração de objetivos O objetivo geral deste trabalho se divide em três partes: (a) compreender como os adolescentes se posicionam diante das MCs, o que inclui saber o que conhecem a respeito, como as percebem e se ou como as sentem; (b) investigar indicadores de estilos de vida sustentáveis que os adolescentes podem adotar e (c) investigar possíveis associações que existam entre esses indicadores e o posicionamento sobre MCs. Com base no objetivo geral relatado, os primeiros objetivos específicos a serem pontuados são: (A) investigar se os adolescentes percebem implicações locais das mudanças climáticas globais; (B) compreender a avaliação dos adolescentes sobre a gravidade das mudanças climáticas globais, segundo as escalas: espacial (local-global) e temporal (hoje-futuro); O estudo visa também investigar possíveis associações entre o posicionamento diante das MCs e os estilos de vida sustentáveis, por meio da análise dos indicadores que o formam, por isso os demais objetivos específicos são: (C) Investigar se os adolescentes possuem sentimentos de conectividade com a natureza, e como essa conectividade se associa com o posicionamento diante das MCs; (D) Investigar a perspectiva temporal de futuro dos adolescentes, e a associação desta com oposicionamento sobre MCs; (E) Investigar se os adolescentes praticam, ou não, ações de cuidado ambiental, e a associação desta adoção com o referido posicionamento. 105 6. Método O enfoque ecológico propõe uma forma de abarcar o fenômeno que não separe o indivíduo do seu entorno, que considere elementos desse entorno, ainda que trazidos pelos participantes, tais como localizações geográficas, atividades propostas e desenvolvidas nos lugares, e os atores envolvidos, percepções, significados atribuídos (Heft, 2013; Matthews & Tucker, 2005; Proshansky, 1976). O desafio para isso é a construção de um aparato metodológico que dê conta dessa totalidade. Por essa razão, as estratégias multimetodológicas, quantitativas e qualitativas, são recomendadas (Winkel et al., 2009); diminuindo vieses oriundos, por exemplo, da desejabilidade social (algo extremamente comum nos discursos sobre meio ambiente), e ampliando o entendimento do fenômeno (Creswell, 2010). Esta tese, portanto, se inspira no uso de uma abordagem multimetodológica (Günther, Elali & Pinheiro, 2008; Sommer & Sommer, 1997), ou pluralismo metodológico (Stern et al., 1992), sugeridos para estudos interessados nas relações pessoa-ambiente (Proshansky, 1976; Winkel et al., 2009). Diante disso, a coleta de dados deste estudo foi realizada em duas etapas, e contou com uma fase auxiliar e exploratória, um momento intermediário, que as mediou. Assim, a primeira etapa correspondeu à aplicação de um questionário. A segunda correspondeu à realização de rodas de conversa com algumas turmas participantes da etapa 01. E, a fase mediadora referiu- se a entrevistas com professores relacionados às escolas participantes, com vistas, por um lado, à exploração mais aprofundada sobre o posicionamento do adolescente obtido a partir da primeira etapa, bem como de seu contexto escolar diante das MCs, e, por outro, à contribuição 106 dos professores para estruturação e organização da segunda etapa do estudo. O detalhamento desses procedimentos é feito nas seções seguintes. Essa estratégia multimetodológica baseia-se no que Creswell (2010) denomina de convergência e conexão, em que “uma combinação da pesquisa quantitativa e qualitativa está conectada entre uma análise de dados da primeira fase da pesquisa e a coleta de dados da segunda fase da pesquisa” (p. 244), convergindo para o fornecimento de uma análise interpretativa dos resultados. É importante ressaltar que se trata de uma pesquisa exploratória, cujo tema, apesar da crescente atenção dada por estudos internacionais, ainda é inovador, por, dentre outros aspectos, ser pioneiro no cenário brasileiro, e ainda por buscar o olhar de adolescentes sobre o tema, a partir de suas localidades e à luz de indicadores de uma orientação pró-sustentável. Assim, a primeira etapa se justifica pela importância de se conhecer o que os adolescentes, em geral, compreendem sobre MCs. O momento que denomino de mediador, representado pelas entrevistas com os professores, se tornou necessário a partir dos dados analisados da primeira etapa, ao identificar a necessidade de maior compreensão do contexto em que o adolescente se encontra. E, a continuidade do estudo, com a segunda etapa tornou-se necessária para investigar as visões dos adolescentes em profundidade, contribuindo para um entendimento mais completo sobre dados e aspectos trazidos anteriormente. Esse estudo, portanto, possui passos que não se tornam incoerentes entre seus aspectos, mas se complementam, a partir de uma lente ecológica (Winkel, et al., 2009). É importante mencionar ainda que o projeto de pesquisa referente a esse estudo foi aprovado pelo comitê de ética da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, por meio do parecer nº 1.576.861 e, por conseguinte, obedeceu aos critérios éticos exigidos para pesquisas com adolescentes. 107 6.1. Primeira etapa do estudo 6.1.1. Participantes Tomaram parte nesta etapa, 484 adolescentes, estudantes do 9º ano do Ensino Fundamental, e 1ª e 2ª séries do Ensino Médio, selecionados em escolas públicas e privadas, tanto da capital do Estado do Rio Grande do Norte (RN), quanto de duas cidades do interior do RN, São Miguel do Gostoso e Arez. Houve a realização de estudo-piloto visando a testagem de adequação do instrumento. Para isso, selecionei uma escola privada ao acaso, que disponibilizou uma turma do 8º e do 9º ano do ensino fundamental, bem como uma turma de 1ª e uma de 2ª série do ensino médio. Houve ainda, a participação de outra escola privada, que disponibilizou a participação de uma turma de 9º ano, e de uma escola pública do interior, que disponibilizou uma turma do 1º ano do ensino médio (situada no município de João Câmara). Por essas aplicações, evidenciou-se que os alunos do 8º ano, talvez pela pouca idade (média de 12 anos), demonstraram muitas dificuldades com o instrumento utilizado (a ser detalhado na seção seguinte), o que não ocorreu com as demais turmas, que responderam bem ao questionário. Por causa da não confiabilidade das respostas dos alunos do oitavo ano, essa série foi excluída da participação no estudo. E ainda, durante a primeira etapa, as 3ª séries do ensino médio não foram consideradas, porque algumas escolas não aceitaram a modificação do calendário escolar para que pudessem participar, devido à proximidade do ENEM. Nesse sentido, os estudos-piloto se tornam extremamente relevantes, pois atentam para a necessidade de se considerar, no momento da elaboração de um questionário, os binômios população-alvo/amostra e conceito/item, além de verificar se o instrumento é mesmo adequado à amostra pretendida (Günther, 2003); aspectos, estes, que buscam garantir que o instrumento e seus itens sejam de fato bem compreendidos pela população-alvo e, dessa maneira, possa atingir seus objetivos. 108 No que diz respeito às escolas e cidades participantes – a fim de obter certa padronização do ambiente de aplicação e minimizar variáveis intervenientes – estabeleci que a coleta de dados ocorreria em escolas centrais às referidas cidades, recebendo alunos de todas as zonas das mesmas. O convite a essas instituições específicas ocorreu com base no critério principal de estarem envolvidas com ações e projetos de educação ambiental. No entanto, reconheço limitações provenientes do estabelecimento de uma amostra de conveniência, pois a seleção final das instituições se deu a partir do aceite das mesmas em participar da pesquisa. O detalhamento das escolas e séries por cidades pode ser visto na Tabela 1, e o quantitativo exato de participantes, por série e escola, na Tabela 2. Tabela 1 Escolas e séries participantes, por cidade e tipo de instituição Particular Pública Natal Centro Educacional Maristella (1ª e 2ª séries); Complexo Educacional Henrique Castriciano (2ª série); Instituto Reis Magos (1ª, 2ª séries e 9º ano) Escola Estadual Walfredo Gurgel (1ª e 2ª séries) São Miguel do Gostoso - Escola Estadual Olímpia Teixeira (1ª e 2ª séries) Escola Municipal Ana Ribeiro (9º ano) Arez - Escola Estadual Jacumaúma (1ª e 2ª séries) Escola Municipal João Guió (9º ano) 109 Tabela 2 Quantitativo de participantes por escolas e séries Escolas Séries 9º ano 1ª série 2ª série Total Escola Estadual Walfredo Gurgel - 35 18 53 Centro Educacional Maristella - 31 36 67 C.E. Henrique Castriaciano - - 26 26 Instituto Reis Magos 61 56 43 160 Escola Estadual Olímpia Teixeira - 32 12 44 Escola Municipal Ana Ribeiro 36 - - 36 Escola Estadual Jacumaúma - 32 27 59 Escola Municipal João Guió 39 - - 39 Total de alunos participantes 136 186 162 484 Em Natal, participaram da pesquisa uma escola pública e três escolas privadas, contemplando as séries selecionadas. As escolas estavam envolvidas com projetos, principalmente, sobre descarteadequado do lixo e plantação de horta comunitária. Em São Miguel do Gostoso, uma pequena cidade situada no litoral do RN em uma área conhecida como Costa Branca, participaram da pesquisa duas escolas públicas. A cidade possui projetos de proteção às tartarugas marinhas, e de coleta seletiva sendo executados por uma organização não-governamental (ONG), envolvendo também a participação das escolas. Em Arez também participaram duas escolas públicas. A cidade, que possui zona rural e ribeirinha, com presença de várias lagoas e manguezal, fica situada no litoral sul do RN, e tem a lagoa de Guaraíras como importante recinto ecológico e econômico. Os projetos desenvolvidos na cidade e nas escolas foram principalmente fruto de ações de um funcionário, que, na época da coleta de dados deste estudo, trabalhava na Secretaria Municipal de Agricultura e Meio Ambiente, e envolviam a coleta seletiva e a preservação de manguezais. 110 Importa destacar que Natal é a maior cidade do Estado do RN em termos populacionais, com uma população estimada de 877.640 habitantes, caracterizada como zona urbana, cujas principais atividades econômicas giram em torno do setor terciário, com comércio e prestação de serviços, e do secundário, com a presença de indústrias de grande porte, conforme Instituto brasileiro de geografia e estatística (IBGE). Contexto, esse, que é diferente das outras duas cidades em que se inserem as escolas participantes. Ainda com base em dados do IBGE, São Miguel do Gostoso possui uma população estimada de 9.531 habitantes, e tem o turismo como uma de suas principais atividades econômicas, sendo a convivência entre nativos e turistas, tanto estrangeiros como de outras partes do país, uma realidade contextual rotineira. Além disso, a cidade possui zona rural, e a agropecuária também é uma das atividades econômicas da região, junto à atividade pesqueira, sendo elas comuns às famílias dos adolescentes participantes. Já Arez, com uma população estimada de 14.192 habitantes, também possui atividade econômica marcada pela agropecuária e pela pesca, principalmente de mariscos. Além disso, a cidade abriga uma grande indústria de queima da cana de açúcar e produção de seus derivados. Essa breve contextualização contribui para o entendimento de que os cenários ecológicos dos adolescentes participantes são diferentes, e, embora esta tese não intencione comparar suas respostas de modo quantitativo, é preciso reconhecer que o posicionamento sobre MCs desses adolescentes pode conter aspectos qualitativos diferenciados. Assim, o interesse pelas escolas situadas no interior tomou como base também a existência de estudos internacionais, que trazem apontamentos sobre percepções ambientais diferenciadas dos jovens das grandes cidades, como capitais, e dos jovens de zonas ditas rurais (Clark & Uzzell, 2005; Matthews & Tucker, 2005). Uma diferença ainda pouco explorada no contexto do Nordeste brasileiro. 111 É relevante mencionar que o conhecimento sobre os projetos de educação ambiental realizados, e a concordância em participação na pesquisa foram obtidos mediante reunião com responsáveis pela referida ONG de São Miguel do Gostoso, pela Secretaria Municipal de Agricultura e Meio Ambiente de Arez, e com a direção das escolas participantes, tanto no caso das escolas de Natal como no interior. O questionário proposto também foi avaliado pelos diretores, coordenadores e professores das escolas, para que pudessem contribuir com adequações caso verificassem ser necessárias; o que foi relevante tanto para garantir que o instrumento seria bem compreendido pelos participantes, quanto para garantir um cuidado com aspectos éticos, sendo apropriado ao público a quem se destinava. Desse modo, o formato final do questionário foi também aprovado por eles. Dos 484 participantes, 251 eram do sexo feminino (52%), e 233 do sexo masculino (48%). A média geral de idade foi de 15,5 anos (DP = 1,345). A idade mínima foi de 13 anos, a idade máxima foi de 25 anos, e a mediana correspondeu a 15. A Tabela 3 ressalta, portanto, a média de idade dos participantes de acordo com o gênero. Tabela 3 Média de idade dos participantes e descrição de acordo com o gênero Gênero Média de idade (DP) Total de Participantes (N) Feminino 15,42 (1,17) 251 Masculino 15,59 (1,51) 233 Total 15,5 (1,34) 484 112 6.1.2. Composição do questionário O questionário foi criado especificamente para este estudo, com base em instrumentos já trabalhados por nosso grupo de pesquisa Inter-Ações Pessoa-Ambiente. O mesmo foi dividido em duas partes. A primeira parte (ou primeiro caderno: expressão utilizada somente neste texto, e não na situação de aplicação, para evitar ambiguidades) continha, inicialmente, perguntas referentes aos dados sócio-demográficos. Depois, questionava-se, de forma aberta, a respeito da adoção ou não de práticas de cuidado ambiental. E, finalmente, questionou-se a respeito das MCs (ver Apêndice A); o questionário também tomou como base outras investigações que utilizaram esse mesmo instrumento como forma de coleta de dados sobre posicionamentos diante da temática (Cabecinhas et al., 2006; Ojala, 2015; O’Neill, 2008). Inicialmente, indaguei sobre as MCs por meio de duas questões abertas; estratégia também utilizada em outros estudos (Barros, 2011; Dunlap, 1998). Alguns motivos contribuíram para o uso das questões abertas. Um desses motivos é o fato de que pouco se tem construído a respeito na literatura da ciência psicológica, sendo a relação das MCs e adolescência um tema recente de exploração. E, em situações de pesquisas dessa natureza, exploratória, em que não se conhece a abrangência de variabilidade de respostas, as perguntas abertas são recomendadas (Günther, 2008). Além disso, permitem também que os respondentes possam seguir, em suas respostas, a direção que preferirem, evidenciando variedade de percepções e raciocínios sobre o tema. A primeira questão aberta foi baseada em uma anterior, utilizada em minha dissertação de mestrado, mas que indagava a respeito do termo aquecimento global. Adaptada, a mesma recebeu um formato específico, dentre vários outros testados no estudo-piloto, por ter recebido respostas mais completas, e por ter gerado menos dúvidas entre os participantes. O caráter “imaginativo” da questão, que pede que o jovem se imagine explicando a temática para um 113 colega, se mostrou adequado para se lidar com a população adolescente, que reagiu mais positiva e amigavelmente a esse formato do que quando simplesmente se pedia para explicar diretamente o que são mudanças climáticas globais. A segunda questão aberta foi criada especificamente para esta investigação, e é oriunda da necessidade de explorar, de forma mais direta – pois, de forma espontânea, em estudos anteriores, isso foi pouco mencionado (Barros & Pinheiro, 2013) – se existe, e como é a tradução que os adolescentes fazem desse problema global para as suas localidades. Além dessas questões, o questionário trouxe duas outras, fechadas. Uma correspondeu à avaliação do sentimento de gravidade do problema de acordo com as escalas espaciais, local e global, e variava de “não é grave”, “não é muito grave”, “é grave” até “muito grave”. O participante pôde escolher dentre essas opções para as escalas relativas à “minha cidade”, “Brasil” e “Mundo”. A outra questão fechada foi relativa ao “tempo em que as MCs se tornarão graves”, variando em uma escala temporal que ia desde “agora”, “em 25 anos”, “em 50 anos” até “nunca”. Os respondentes também escolheram entre essa gradação para a mesma escala espacial da questão anterior (cidade, país e mundo). A importância dessas questões é embasada por outros estudos que se debruçam sobre o tema, principalmente diante do viés do otimismo constantemente identificado (Clayton et al., 2015, Giffordet al., 2009; Uzzell, 2000). O formato delas teve como inspiração as questões usadas pelo estudo de O´Neill (2008), que visava a compreender ícones representativos das MCs de acordo com a percepção dos participantes. O segundo caderno (ver Apêndice B) continha instrumentos psicológicos que vêm sendo utilizados atualmente, e que intencionam mensurar os constructos psicológicos que indicam elementos presentes em um estilo de vida sustentável. Esses constructos são a perspectiva temporal de futuro dos adolescentes e os sentimentos de conexão com a natureza. 114 (a) O Inventário de Perspectiva Temporal – IPT A perspectiva temporal pode ser entendida como um estilo cognitivo específico de abordagem das tarefas, uma lente interpretativa, com impacto na motivação, no pensamento e no comportamento humano (Janeiro, 2012; Zimbardo & Boyd, 1999). A perspectiva temporal de futuro tem recebido bastante atenção nos estudos, sendo entendida como uma tendência geral para pensar e valorizar o futuro (Janeiro, 2012). É uma antecipação e avaliação de eventos futuros, sendo então, por definição, essencial para pensar em sustentabilidade e MCs. Nesse contexto, foi criado mais recentemente o Inventário de Perspectiva Temporal (Janeiro, 2012) para avaliação da perspectiva temporal global, construído a partir de instrumentos de referência, tais como o Inventário Zimbardo de Perspectiva Temporal (Zimbardo & Boyd, 1999). O IPT foi pensado para, e validado, com populações de ensino básico e secundário em Portugal; correspondentes ao ensino fundamental e médio na realidade brasileira. Posteriormente, o IPT teve sua validação com essa mesma faixa etária no Brasil (Bardagi, Texeira, Lassance & Janeiro, 2015). O inventário tem como base a discussão sobre a estrutura da perspectiva temporal de futuro, com itens que contemplam conceitos de extensão no futuro, clareza, densidade, continuidade e otimismo (Janeiro, 2012), bem como a noção de independência estrutural das três zonas de orientação temporal – passado, presente e futuro (Zimbardo & Boyd, 1999). Diante disso, a versão final portuguesa do instrumento e apresentada por sua idealizadora, Isabel Nunes Janeiro (2012), contempla 32 itens referentes a quatro fatores, que são “três relacionados com as zonas de orientação temporal e um com uma visão negativa ou ansiosa do futuro” (p. 123), dispostos em escala Likert de sete pontos. A validação do IPT original apresentou, conforme Janeiro (2012), índices de consistência interna satisfatórios (α = 0,86 para perspectiva de futuro; α = 0,75 para orientação 115 para o presente; α = 0,70 para visão negativa do futuro), com exceção da perspectiva de passado, com índice de α = 0,51. A versão brasileira teve seus itens construídos a partir da versão original, mas obteve ajustes, com adaptação gráfica e semântica sempre que necessário (Bardagi et al., 2015). Nela, foram retirados cinco itens que obtiveram cargas fatoriais abaixo de 0,40; já a consistência interna obtida seguiu a mesma tendência da versão original, variando de satisfatória a muito boa, com exceção da escala de perspectiva de passado. Por isso, os autores recomendam cautela no que se refere aos dados relativos à orientação de passado, destacando ainda, que essa inconsistência pode se dever ao baixo número de itens para avalição dessa orientação (Bardagi et al., 2015), e sugerem que novas pesquisas sejam realizadas em outros contextos culturais e em diferentes partes do Brasil. Nesse sentido, essa tese adotará a versão brasileira em questão, composta por 4 fatores, e 27 itens. Os itens componentes do fator relativo à orientação de futuro são: 1, 2, 5, 6, 8, 11, 12, 16, 21, 24, 26, 27; os itens que compõem a orientação de presente são: 3, 10, 14, 17, 18, 23, 25; a orientação de passado é composta pelos itens: 9, 15, 19; e o fator referente à perspectiva ansiosa de futuro é composto por: 4, 7, 13, 20, 22. Os itens podem ser visualizados na íntegra no segundo caderno do questionário, que se encontra no Apêndice B. O instrumento foi também utilizado em escala Likert, variando de 01 a 07 pontos. O valor de 1, para o respondente, equivale a bastante inaplicável e 7 equivale a bastante aplicável. (b) A Escala de Conectividade com a Natureza – ECN A ECN foi construída para mensurar a experiência afetiva individual de conectividade com o mundo natural, sendo essa o grau em que as pessoas se sentem iguais aos demais membros da natureza, e se sentem pertencentes a ela (Mayer & Frantz, 2004). A escala é 116 composta de 14 itens, é unidimensional e apresentou consistência interna de α = 0,84, em sua versão original. A ECN também é apresentada em escala Likert, variando de 1 a 7 pontos. Em sua versão adaptada para o espanhol, a escala também obteve consistência interna satisfatória, apresentando-se também como unidimensional, mas, nessa versão, os autores sugerem que se retire o item número 12, pois seu conteúdo pode não ser realmente discriminativo de presença ou ausência de conectividade (Olivos et al., 2011). Para eles, o item “Quando penso no meu lugar na Terra, me considero como um membro superior de uma hierarquia que existe na natureza”, pode ser pensado tanto por pessoas conectadas, que acreditam estar em uma posição superior da cadeia alimentar, como pode estar de acordo com pessoas que se consideram superiores, sendo, por isso, desconectados dos demais seres e do mundo natural. Diante desse contexto, e por lidar com novos cenários, considerando adolescentes no interior do Estado do Rio Grande do Norte, essa tese opta por uma versão traduzida para o português, decorrente da validação semântica desse instrumento para nossa realidade cultural, realizada por nosso grupo de pesquisa. Os itens que compõem a escala podem ser vistos em detalhe no apêndice B. 6.1.3. Procedimentos A coleta de dados correspondeu à aplicação dos dois cadernos do questionário, em um horário de aula disponibilizado pela escola, com duração de cinquenta minutos. O primeiro caderno foi apresentado com as instruções de resposta, que foram lidas em voz alta para toda a turma. Foi solicitado que, com o término do seu preenchimento, o respondente erguesse a mão indicando a finalização, para que fosse recolhido o primeiro caderno, e entregue o segundo. Assim, foi feita uma anotação identificadora do mesmo participante nas duas partes do questionário, de modo a possibilitar a inserção de suas respostas no banco de dados do estudo. 117 O momento de apresentação durou por volta de dez minutos, e o preenchimento do questionário, referente aos dois cadernos, durou por volta de trinta e cinco minutos por turma. É importante ressaltar que, além dos requisitos éticos exigidos pelo comitê de ética, foram ressaltados mais uma vez a confidencialidade das respostas, além do esclarecimento de que não havia respostas certas ou erradas, e que o objetivo era apenas que eles mencionassem o que pensavam sobre o que era questionado. 6.1.4. Análise de dados A análise dos dados da primeira etapa foi feita a partir de várias ferramentas distintas e realizada de acordo com a natureza do instrumento, como detalhado a seguir. As respostas das questões abertas foram submetidas à análise de conteúdo temática, conforme Bardin (1977), Bauer (2002), e Sommer e Sommer (1997). Para isso, foram realizadas leitura e releitura do material para embasar a formulação de categorias de acordo com o conteúdo exposto pelos participantes. Essa formulação também obteve base no referencial teórico utilizado (Cabecinhas et al., 2006; Clayton et al., 2015; Dunlap, 1998; Sundblad, Biel, & Gärling, 2009; Uzzel, 2000), e se inspirou no sistema de categorização utilizado em minha dissertação de mestrado, decorrente de uma análise de juízes, e que obteve índice de fidedignidade de 0,93, a partir da concordância entre os juízes e pesquisador(Barros, 2011; Bauer, 2002). Por meio dessas bases, o sistema de categorização desta etapa foi finalizado, possuindo o intuito de abarcar o significado geral de cada categoria nas respostas dos participantes. Assim, cada trecho referia-se a uma única categoria, não havendo sobreposição, porém as categorias não eram excludentes, ou seja, um respondente poderia fornecer uma, duas ou mais categorias em suas respostas. A análise de conteúdo, técnica para descrição sistemática do conteúdo de determinado material escrito ou falado (Sommer & Sommer, 1997), permite a aplicação simultânea de 118 técnicas qualitativas e quantitativas, pois a partir desse processo qualitativo de categorização podem-se estabelecer as categorias representativas dos tópicos abordados que podem ser mensuradas, e relacionadas com outras variáveis (Bauer, 2002) e, por isso, torna-se pertinente em um estudo de estratégias multimetodológicas. As respostas categorizadas da primeira etapa do estudo foram inseridas em banco de dados no programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), junto com as respostas de dados sócio-demográficos, de prática de cuidado ambiental, e das respostas aos demais instrumentos anteriormente citados. A análise dessa primeira etapa envolveu estatística descritiva, uni e multivariada, incluindo correlação e análise fatorial exploratória (Tabachnick & Fidell, 1996). Para verificar as possíveis relações entre os diversos tipos de indicadores e variáveis empregadas no estudo, foram utilizados ainda: Prova de Qui-quadrado, Prova U de Mann Whitney, coeficientes Pearson de correlação, e regressão logística. 6.2. Fase mediadora: entrevistas exploratórias com professores O intuito maior desse momento entre etapas – considerando o olhar ecológico e multimetodológico que inspira e caracteriza esta tese – foi buscar o auxílio de professores, que trabalham nas escolas participantes, para elucidar e complementar aspectos do posicionamento do adolescente, esclarecendo o contexto social e escolar em que os mesmos se inserem, além de contribuir para construção da segunda etapa, ao proporcionar direcionamentos e necessidades de aprofundamento a respeito do posicionamento diante das MCs. 6.2.1. Procedimentos e roteiro semiestruturado da entrevista com os professores Gaskell (2002) define que a entrevista qualitativa, semiestruturada, permite uma compreensão mais detalhada de crenças, atitudes, valores, motivações, conhecimentos, em 119 contextos específicos. O autor ressalta ainda que, para realizá-la, o pesquisador pode já ter definido um referencial conceitual que guiará sua investigação, identificando conceitos centrais a serem questionados e os atores que tomarão parte nesta. Nesse sentido, as entrevistas realizadas com os profissionais tiveram como inspiração as condições necessárias para o engajamento e competência pró-ecológicos – conforme o olhar ecológico propõe – ao ressaltar a existência de guias, de pessoas experientes (Heft & Chawla, 2005), que forneçam suporte à aprendizagem, à percepção e ação ambientalmente responsável, propiciando contato com, e construção de, affordances para embasar tal engajamento. O convite aos professores pautou-se também em uma seleção de conveniência, tendo sido feito com base principalmente na disponibilidade, cronograma e abertura das escolas que participaram da primeira etapa, e que se dispuseram a dar continuidade. Por isso, foram entrevistados: diretores e professores das escolas públicas de São Miguel do Gostoso, da escola pública de Natal, bem como de uma das escolas particulares da cidade, e um professor do município de Arez. Assim, como primeiro passo, foram convidados para entrevista os diretores das escolas, pois poderiam contextualizar a realidade escolar, incluindo como a escola discutia aspectos de pró-ambientalidade com seus estudantes. Além disso, poderiam fornecer indicação de outros professores, com base nos seguintes critérios: ter maior interesse pró-ecológico; ou ter estado/ estar à frente de projetos de educação ambiental; ou ainda, lecionar a disciplina de geografia, que costuma abordar o tema das MCs na grade curricular. Posteriormente, o convite foi feito a esses outros professores, e as entrevistas foram realizadas nas escolas, mediante horário agendado. Duas situações diferentes ocorreram em relação a esse procedimento. Na escola particular da cidade de Natal, a direção optou por marcar uma reunião com todos os professores, durante a semana de planejamento pedagógico da escola, e os que tiveram interesse em 120 participar da entrevista me procuraram. E, no município de Arez, a entrevista foi feita com o então funcionário da Secretaria Municipal de Agricultura e de Meio Ambiente responsável direto por várias ações de educação ambiental com os estudantes. Essa fase, portanto, contou com a participação de 11 professores no total, e, conforme afirma Gaskell (2002), “o objetivo da pesquisa qualitativa é apresentar uma amostra do espectro de pontos de vista” (p. 70), e não uma grande quantidade percentual de pessoas. Os professores são apresentados por nomes fictícios, e, separadamente, são mencionadas apenas suas áreas de formação, a fim de evitar suas identificações. Em síntese, auxiliaram nesse momento, três diretores: Edna, Patrícia e Neto; e oito professores: Cristiane, Simone, Daniel, Helder, Luciana, Éric, Ane e Renata. As áreas de formação, sem ordem particular, são: pedagogia, biologia, geografia, sociologia, física, letras e gestão ambiental. Importa destacar que foram realizados dois estudos-piloto para construção do roteiro norteador, afinal, é recomendável gastar tempo de preparo em sua construção, buscando uma linguagem simples e que garanta adequação de suas questões ao público-alvo (Gaskell, 2002). O primeiro estudo-piloto foi feito com membros de nosso grupo de pesquisa, em que alunos de graduação em psicologia interpretaram o papel dos professores a serem entrevistados. Esse primeiro piloto ajudou a estruturar as perguntas, inicialmente criadas com base no referencial teórico adotado e nos resultados da etapa 01. O segundo estudo-piloto foi feito com um professor em condições semelhantes às condições dos respondentes dessa etapa, vinculado à rede particular e à pública (Estadual) de ensino, e que ministra aulas para o ensino fundamental e médio, tanto em Natal, como no interior, no município de Extremoz. Essa entrevista-piloto permitiu o refinamento do roteiro utilizado na pesquisa, cujas questões foram organizadas em três blocos guias, e que são detalhadas no Apêndice C desta tese. Em resumo, o primeiro bloco foi destinado ao entendimento do contexto e da relação do professor com os estudantes: questionava sobre qual disciplina lecionava, e se havia projetos 121 de cuidado ambiental ou sobre MCs nas escolas. O segundo bloco visava entender como os professores abordam o tema com os adolescentes: questionava como o comunicariam e quais dificuldades que enxergam para essa comunicação. E o terceiro bloco explorou a visão que os professores tinham sobre as respostas dadas pelos adolescentes no questionário: funcionou como uma breve e informal devolutiva, em que prestei algumas informações aos professores sobre as respostas dos adolescentes, e, então, era questionado o que pensavam a respeito. Isso permitiu a existência de comentários dos professores sobre tais dados, esclarecendo-os, complementando-os ou levantando novas indagações possíveis pelo olhar de outros atores do ambiente escolar. Assim, convém destacar que, durante a entrevista, mostrei um modelo do questionário (não-respondido) aos professores, de modo que eles poderiam ver o que e como havia sido perguntado aos alunos, e podiam comentar se assim desejassem. Por fim, questionei sobre a possibilidade/interesse de uma devolutiva em sala de aula, para os alunosparticipantes sobre suas principais respostas, a fim de aprofundá-las, oportunizando um espaço de reflexão sobre o tema, e que seria criado com base na visão desses professores. Desse modo, não foram apenas os dados da etapa 01 que motivaram a realização das rodas de conversa. A contribuição dos professores – entendidos aqui não como participantes do estudo, mas sim como atores relevantes na construção do posicionamento do adolescente – foi fundamental para a organização da etapa 02, pois forneceu abertura por parte das escolas e, principalmente, direcionamento sobre quais pontos seriam de maior relevância para aprofundamento com os adolescentes. 6.3. Segunda etapa do estudo: as rodas de conversa com os adolescentes Esta etapa do estudo se baseou na necessidade de aprofundar a descrição do que esses jovens entendem a respeito de mudanças climáticas. As rodas de conversa representam um 122 acesso mais dinâmico à informação, para além da escrita do questionário, e ocorreram com parte dos adolescentes que participaram da primeira etapa. 6.3.1. Procedimentos para rodas de conversa: devolutivas e aprofundamento do posicionamento sobre mudanças climáticas Alguns aspectos contribuíram para a proposição dessa etapa: a necessidade de esclarecer elementos recorrentes nas respostas aos questionários; a existência do interesse por parte dos alunos em um retorno sobre seus dados – alguns perguntaram se eu iria retornar e quando; e o desejo dos professores em ter uma devolutiva aos alunos, como uma espécie de intervenção. As entrevistas dos professores, portanto, auxiliaram na construção dos tópicos debatidos nas rodas de conversa, e tal auxílio é discutido em detalhes nas explanações dos resultados (ver capítulos 09 e 10). Nesse momento, mantive um recorte de participação das escolas, com base na abertura, disponibilidade para continuação com o estudo. Com isso, busquei preservar a participação de, ao menos, uma escola de cada seleção da etapa 01, ou seja, participaram da etapa 02: uma escola privada e uma escola pública da capital, e uma escola pública do interior (na cidade de São Miguel do Gostoso). Esse esforço se deu no sentido de aprofundar a visão de jovens que fossem oriundos de contextos sociais e ambientais diversos. E assim, todas as turmas que participaram da primeira etapa do estudo nessas escolas, também participaram da segunda, totalizando 9 rodas de conversa – 2 turmas na escola pública de Natal, 5 turmas na escola privada e 2 turmas na escola pública do interior. Todavia, um número pequeno de alunos presentes nas rodas de conversa não estiveram presentes no dia da aplicação do questionário. Isso não trouxe prejuízo à sistematização do estudo porque o intuito das rodas de conversa era permitir o debate, a troca entre diferentes, assim, um aluno que não tivesse participado da etapa 01 poderia contribuir para esse debate 123 com um ponto de vista diferente. Além disso, foram considerados aspectos éticos de não exclusão de adolescentes de suas próprias turmas, para uma atividade na escola, de caráter coletivo. Portanto, mais do que a rigidez e controle da população participante nesse momento 02, o interesse residiu em estimular a fala desses jovens, criar um espaço de diálogo sobre o tema MCs, e entender de forma mais profunda ideias, inquietações, superando o limite imposto pela linguagem escrita do questionário. Nesse sentido, Gaskell (2002) menciona a expressão “imaginação social científica” (p. 70) como uma necessidade de o pesquisador delinear seus processos, e foi essa uma inspiração para esse momento. As rodas de conversa, então, se apresentam como um escopo metodológico adequado e útil, tomando como base as ideias desse autor ao definir o conceito de entrevista grupal. Para ele, tais entrevistas podem ser entendidas como um grupo focal, apontando-as como debate aberto e acessível a todos, afirmando que em uma sessão grupal, as pessoas podem ser criativas, o pesquisador/moderador pode explorar metáforas e imagens. Na situação grupal, a partilha e contraste de experiências constrói um quadro de interesses e preocupações comuns que, em parte, experienciadas por todos, são raramente articuladas por um único indivíduo (Gaskell, 2002, p. 77). Esta definição embasa a escolha da entrevista grupal como técnica para coleta de dados pertinente à devolutiva/intervenção solicitada pelos professores, porque além de proporcionar o aprofundamento sobre ideias comuns e divergentes entre os membros de uma sala de aula, também propicia a construção de sentidos e entendimentos sobre o assunto entre os alunos, estando entrevistados e entrevistador envolvidos na produção de conhecimentos. E ainda, essas estratégias, ao serem combinadas com outros métodos, podem melhorar a qualidade da interpretação de dados anteriores (Gaskell, 2002), ideia que corrobora sua utilização nesse estudo. No entanto, Gaskell (2002) define um grupo focal tradicional como tendo de 6 a 8 participantes, e geralmente composto por pessoas desconhecidas. Os momentos grupais 124 realizados nesta pesquisa divergem desse formato, porque consideram e respeitam a demanda feita pela escola, que era a da participação de suas turmas completas. Outras dificuldades estruturais também impediram uma seleção ou divisão de grupos, como a falta de horários, profissionais e salas para além do horário regular de aula. Melo e Cruz (2014) também usaram em seu estudo as rodas de conversa, como uma ferramenta que permite que os participantes expressem suas impressões, conceitos, opiniões e concepções sobre o tema proposto, e entendem o termo roda de conversa como possuindo uma atmosfera de maior informalidade e descontração, sendo, por isso, ideal ao ambiente escolar e a faixa etária dos alunos. Descontração que eu busquei atingir como elemento necessário ao estabelecimento de um rapport com os participantes, adolescentes que já se conheciam e convivem há algum tempo uns com os outros. Ainda assim, parece não existir um consenso na utilização do termo, e alguns autores o utilizam como sinônimo de grupo focal (Martinho & Talamoni, 2007), porém, outros autores reconhecem um caráter pedagógico das rodas, tendo como precursor o trabalho de Paulo Freire e o chamado círculo da cultura (Freire, 1987). Nesse sentido, o termo se refere a encontros com produção e ressignificação dos conhecimentos e sentidos, e se baseia na horizontalização das relações de poder (Sampaio, Santos, Agostini, & Salvador, 2014). As rodas são mais que coletar informação, e mais que uma mera disposição das carteiras de uma sala de aula, são espaços que possibilitam a construção de novas formas de enxergar assuntos diversos, em um movimento contínuo de perceber, de refletir, de agir e de modificar (Sampaio et al., 2014). Nos sentidos apontados reside minha opção pelo termo roda de conversa, sintetizando um ambiente descontraído, no qual os adolescentes poderiam trocar opiniões, objetivando maior entendimento do que percebem sobre MCs e a reflexão sobre essas ideias. Com base nos resultados da primeira etapa, e das contribuições dos professores (ver capítulo 9), e com base 125 em imagens para se referir a esses resultados, montei uma apresentação disparadora para nortear o debate, conforme disposta no apêndice D. A cada slide/imagem passada, eu os questionava sobre o que achavam, e aguardava as respostas de quem quisesse falar, mediando o debate quando necessário. Só então, eu fornecia as respostas mais mencionadas no questionário (por meio de novas imagens), e novamente questionava a respeito do que pensavam sobre o assunto. Questões sobre causas das MCs, consequências locais, soluções e engajamento local foram feitas a partir das imagens representativas de respostas da etapa 01. Também foram feitas questões sobre o viés do otimismo, a partir de uma tabela que compilavaos dados obtidos na primeira etapa ressaltando o viés identificado. E por fim, questionei sobre o sentimento de conectividade com a natureza. Para isso, foram utilizados os círculos de Schultz (2002), em uma versão adaptada com apenas três pares de círculos (ver apêndice D), em que um círculo representava “você mesmo” e o outro a “natureza”, e suas proximidades representavam o sentimento de conectividade. A partir disso, eu contabilizei quantos adolescentes optaram por qual dos três círculos (representando ausência de conectividade, parcial conectividade ou total conectividade), e questionei o motivo, como enxergavam essa conectividade ao optar por um dos três. 6.4. Análise dos dados das entrevistas e das rodas de conversa Existem aspectos que diferenciam tipos de análises temáticas, ainda que compartilhem semelhanças, e que dependam do objetivo do pesquisador. Nesse sentido, Braun e Clarke (2006) definem a análise temática como um método flexível para identificação, análise e descrição de temas, a partir dos dados coletados, coerente com as definições mais tradicionais desse tipo de análise (Bardin, 1977; Bauer, 2002). 126 Dito isso, o objetivo da análise temática das entrevistas dos professores e das falas oriundas das rodas de conversa não foi somente a extração de categorias com base em um referencial teórico determinado, mas possui uma base interpretativa (Braun & Clarke, 2006), pela qual é possível extrair temas recorrentes nas falas, ou eixos temáticos, que auxiliam na interpretação das questões de pesquisa. Ao buscar a visão dos profissionais sobre o posicionamento dos adolescentes diante das MCs, bem como o aprofundamento desse posicionamento, por meio de suas próprias falas, busquei compreender eixos temáticos existentes, e que auxiliassem na interpretação dos dados identificados na etapa 01. Por isso, essa análise temática de conteúdo de base interpretativa (Braun & Clarke, 2006) foi complementar à análise temática de conteúdo clássica realizada na etapa 01 (Bauer, 2002), sendo coerente com uma visão multimetodológica que permeia este estudo. É uma ferramenta adequada para entender os dados de forma integrada, um dos principais desafios da triangulação metodológica. Isso é possível porque a análise temática depende do que o pesquisador almeja. Na primeira etapa, o objetivo era prover uma descrição temática rica de todos os aspectos das respostas dos respondentes, por isso, houve o estabelecimento de categorias que fornecessem um senso de temas predominantes. O objetivo da segunda etapa foi de aprofundamento a respeito dos dados coletados, assim, tal abordagem interpretativa é pertinente por “fornecer um olhar mais detalhado e enfatizado sobre um determinado tema, ou grupo de temas, dentro dos dados” (Braun & Clarke, 2006, p.11). Braun e Clarke (2006) afirmam que, normalmente, os temas são identificados dentro dos significados explícitos dos dados, com foco em uma abordagem semântica, porém, também é possível envolver uma progressão dessa descrição, em direção à interpretação, em que se busca entendimento dos padrões e implicações mais amplas, muitas vezes em relação com a literatura da área. 127 Assim, a transcrição das entrevistas foi feita na íntegra, a fim de serem lidas e relidas por meio de arquivo de texto, e a transcrição das rodas de conversa foi parcial, de trechos de interesse, a partir de repetidas escutas dos áudios gravados. A parcialidade nessa transcrição ocorreu por causa da natureza das rodas de conversa, em que, por vezes, várias vozes se sobressaem ao mesmo tempo, dificultando detalhamento na transcrição. Desse modo, a análise temática de conteúdo com base interpretativa não visa a identificar temas que dependam de medidas quantificáveis, mas sim de captar eixos importantes em relação às questões de pesquisa em geral (Braun & Clarke, 2006), e isso é feito também com a familiarização dos dados (transcrição, leituras e releituras), em busca de eixos temáticos, de suas definição e nomeação, e de concordâncias e discordâncias em relação a outros dados da pesquisa e com dados da literatura, indo além do que o dado superficialmente sugere ou descreve. 128 7. O posicionamento dos adolescentes sobre mudanças climáticas Os próximos capítulos se destinam à apresentação dos resultados e subsequente discussão dos mesmos. Tal apresentação corresponde, inicialmente, a esse capítulo 7, que aborda o posicionamento dos adolescentes diante das MCs a partir da primeira etapa do estudo. Na sequência, o capítulo 8 aborda os indicadores de estilos de vida sustentável (EVS) investigados, quais sejam: práticas de cuidado ambiental (8.1), perspectiva temporal de futuro (8.2) e conectividade com a natureza (8.3), bem como uma análise desse estilo de vida por meio das associações entre esses indicadores, e suas possíveis associações com o posicionamento sobre MCs. Os capítulos 9 e 10 apresentam e discutem o aprofundamento dado ao posicionamento e aos indicadores de EVS, por meio da visão dos professores sobre isso, esclarecendo aspectos ecológicos dos jovens, e, por meio das rodas de conversas realizadas, respectivamente. 7.1. Categorizações do posicionamento diante das MCs Dos 484 estudantes participantes, 42 não responderam ao item referente à explicação sobre MCs no questionário; portanto, para as análises que se seguem 442 alunos tiveram suas respostas categorizadas segundo a análise de conteúdo temática realizada (ver Apêndice E). A resposta de cada participante poderia conter uma ou mais categorias, porém cada categoria referia-se exclusivamente e um trecho específico nas respostas, não se sobrepondo em relação aos seus significados. 129 A Tabela 4 evidencia a frequência absoluta de ocorrência de cada categoria e as correspondentes porcentagens: em relação ao total de categorias mencionadas e ao total dos 442 participantes. Tabela 4 Frequência absoluta e percentual de ocorrência das categorias encontradas Categorias Frequência de ocorrência Absoluta Percentual total de Categorias (N = 770) Participantes (N = 442) Causa 333 43% 75% Consequência 194 25% 44% Atribuição de responsabilidade 116 15% 26% Mensagens de conservação 40 5,5% 9% Menção a temporalidade 28 4% 6,3% Não sabe 26 3% 6% Outras 16 2% 3,6% Meios de informação 9 1,5% 2% Solução 8 1% 1,8% A maior parte dos respondentes (333 dos 442, ou 75%) apontou causas do problema, definindo MCs por meio delas. Um número menor mencionou as consequências dessas mudanças (194 estudantes; 44%). A maior presença de causas nas respostas do que de consequências foi relatada por outros autores, sendo uma tendência também encontrada em minha dissertação de mestrado (Barros, 2011), ao questionar sobre aquecimento global. Nesse sentido, Sundblad, Biel e Gärling (2009) discutem as possibilidades para isso, e ressaltam que as causas das MCs são muito mais divulgadas, e são representadas pela narrativa midiática mais facilmente do que as consequências, atuais ou futuras, o que facilita o aprendizado de tais causas. Já os impactos costumam ser divulgados por meio de números, probabilidade e estatística, o que torna difícil sua tradução para a realidade das pessoas, principalmente quando se trata de situações que ocorrerão em um futuro incerto (Sundblad, et 130 al., 2009), e ainda, que podem não ser tão facilmente vistas nas localidades dos participantes em questão. Por isso, decidi questionar de forma direta na tese, em outra questão, se os adolescentes enxergam consequências locais das MCs – para suas cidades. 70% deles mencionaram que sim, que enxergam tais impactos (339 respostas). O fenômeno da desejabilidade social (e.g., Kaiser et al., 2007) pode ter influenciado nesse número expressivo de respostas afirmativas, ou seja, mais da metade dos respondentes.Esse fenômeno pode estar atrelado à expectativa dos adolescentes do que seria “correto”, “bonito”, ou até “esperado” dizer sobre o meio ambiente. Convém destacar que, para minimizar tal efeito, só eram aceitas como respostas afirmativas quando havia a descrição dos impactos locais que visualizavam (ver apêndice A). Outro aspecto que chama a atenção nos resultados é o menor número de indicação de possíveis soluções do problema (8 de 442, ou menos de 2%). Ao considerar o caráter aberto e espontâneo da questão, percebe-se que as soluções foram pouco lembradas, o que pode sugerir certo desconhecimento sobre elas. Um número maior de adolescentes mencionou responsáveis pelas MCs (116 respostas), apesar disso, ainda representa uma porcentagem pequena de indicações (15% – tomando como referência a metade de participantes). Além disso, todas as indicações de responsabilidade se relacionaram à culpabilidade, referindo-se ao responsável como o culpado pelas MCs. Os resultados evidenciaram ainda as “mensagens de conservação” (40 indicações em 442, ou 9%). Elas se referiam a uma necessidade de cuidado generalizado com a natureza, mas que não se dirigiam à problemática das MCs. Essa indicação também pode ser interpretada à luz da desejabilidade social, já que elas envolviam recados como “amigo, precisamos cuidar da natureza”. Por fim, 26 alunos mencionaram não saber muito bem o que são as MCs; outros 16 forneceram explicações vagas ou incompletas, e 9 indicaram os meios pelos quais obtiveram informações sobre o assunto (no caso, tais meios foram a própria escola e a mídia/jornal 131 televisivo). O detalhamento dessas categorias, com exemplos de respostas, também pode ser encontrado no Apêndice E. Os adolescentes indicaram tipos de causas, de consequências, etc. Essas indicações foram chamadas de subcategorias e são mais bem explanadas nas seções seguintes. Para isso, não sigo a ordem de frequências obtida (como na Tabela 4), mas sim a ordem do encadeamento lógico apresentado pelo Apêndice E: tipos de causa (7.1.1); tipos de consequência (7.1.2); tipos de soluções (7.1.3); responsáveis (7.1.4); e menção à temporalidade (7.1.5), finalizando o capítulo com as associações entre essas visões e a idade do participante e o tipo de escola (7.1.6). É importante frisar que as subcategorias foram estabelecidas de maneira a contemplar o discurso explícito do respondente, e visavam a apreender o significado geral da subcategoria. Também não houve sobreposição do significado de uma subcategoria e de outra. A formulação delas se baseou nos critérios decorrentes da análise de conteúdo realizada, no discurso dos respondentes e em outros estudos que também abordaram a temática das MCs (Barros & Pinheiro, 2013; Cabecinhas, Lázaro, & Carvalho, 2006; Dunlap, 1998; Sundblad et al., 2009). Apresento, ainda, trechos das respostas dos adolescentes que se referem às categorias e subcategorias. Os nomes adotados para identificar cada trecho de resposta são fictícios e escolhidos ao acaso, e são expostos apenas para referenciar o gênero do autor da resposta. O Apêndice E apresenta, também, a título de ilustração, respostas completas dos participantes. 7.1.1. Categoria Causa A Tabela 5 apresenta as subcategorias estabelecidas relativas aos tipos de causa, suas frequências e porcentagens, com base no total de menções. 132 Tabela 5 Frequência absoluta e percentual de ocorrência das subcategorias de causas Subcategorias Frequência absoluta % (N = 509) Poluição em geral e Acúmulo de lixo 116 23% Poluição do ar e Emissão de gases 107 21% Aquecimento global 91 18% Queimadas e desmatamentos 67 13% Rótulo “alteração climática” 63 12% Destruição da camada de ozônio 39 8% Efeito Estufa 26 5% A ressalva feita acima a respeito da não sobreposição de subcategorias pode ser exemplificada por estas relativas à causa. A causa sendo o efeito estufa poderia pressupor nas respostas a indicação da “emissão de gases”, por exemplo, e vice-versa. Todavia, como dito, objetivava-se a apreensão do significado geral da subcategoria, de modo que trechos de respostas relativos à poluição do ar como causa não necessariamente se referiam ao efeito estufa, e se ele fosse mencionado seria considerado um trecho específico, ou seja, outra subcategoria. Por meio dessa lógica, evidencia-se que poucos adolescentes associam MCs ao efeito estufa, ou não conhecem o termo, ao contrário da poluição do ar e emissão de gases, tipo de causa bem mais mencionado. Esse achado é interessante, uma vez que os manuais especializados (ver capítulo 1) indicam que a resposta que pode ser considerada mais completa e que se refere à causa direta das MCs seria a que considerasse o fenômeno do efeito estufa, pela emissão de gases poluentes. Sendo assim, há aparente maior conhecimento sobre o problema – em relação aos dados da literatura – porém, ainda desvinculado do nome “efeito estufa”. Além disso, muitos adolescentes apontaram mais de uma causa para as MCs, contrariando achados de Dunlap (1998) em que os participantes, embora pudessem indicar duas 133 causas, indicaram em sua maioria apenas uma. Seria essa diferença indício de um maior conhecimento, ou reconhecimento da complexidade do problema nos dias atuais? Dunlap (1998), Cabecinhas et al. (2006) e Barros e Pinheiro (2013) afirmaram que as causas reais do problema são pouco conhecidas pela população em geral, e há muita confusão conceitual sobre elas. Ainda que a investigação atual tenha identificado maior clareza no apontamento de causas, as MCs continuam confusas no olhar do adolescente. Isso porque, assim como os estudos anteriores, essa investigação identificou na etapa 01 certa confusão entre MCs e a poluição pelo acúmulo de lixo (tendo sido a subcategoria mais indicada). Os adolescentes mencionaram que a causa – direta – do problema é esse acúmulo. A poluição também foi elemento mencionado ao questionar sobre mudanças climáticas a agricultores familiares no Seridó do Rio Grande do Norte (Andrade et al., 2014). Os adolescentes também afirmaram que o fenômeno é causado pelo desmatamento e por queimadas, mas sem necessariamente explicar as relações destes outros problemas ambientais com as MCs, para além de sua indicação. Alguns também disseram que a causa é a destruição da camada de ozônio. Mais recentemente, Aksüt et al. (2016) corroboraram a existência de confusão conceitual entre a dinâmica de emissão de GEE com a degradação da camada de ozônio, a chuva ácida e a poluição em geral. Além disso, os resultados evidenciaram um reconhecimento do termo “aquecimento global” como sinônimo das MCs (18% das menções). Houve também respostas que indicaram que esse fenômeno era causado, ou se tratava de “alterações do clima”. Essa expressão, por sua vez, é sinônimo do nome, do rótulo indagado, “mudança climática” (12%). Esse dado também sugere influência da desejabilidade social, pois os adolescentes buscaram responder algo sobre o problema ainda que não soubessem muito o que dizer; eles buscaram informar o que achavam, ou, informar o que era parecido, sugerido, pelo nome do fenômeno indagado. Em resumo, evidencia-se um conhecimento maior sobre as causas do tema em relação 134 ao que a literatura afirma – essa interpretação tem como base as associações que os adolescentes fizeram das MCs com a emissão de gases, e diversidade de apontamentos feitos em relação ao problema. Tal conhecimento mais amplo pode se pautar no aumento do debate sobre o assunto, até em provas como o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), a exemplo da prova de 2016 (ver Anexo A). Apesar disso, interações entre vários elementos da dinâmica da mudança no clima permaneçam ainda desconhecidas pelo público em geral (Weber & Stern, 2011). A Tabela 6 contém trechos de respostas referentes às subcategorias mencionadas, possibilitandomelhor visualização das respostas dos adolescentes e seu entendimento sobre as causas do problema. Tabela 6 Trechos de respostas referentes às causas, de acordo com as subcategorias Subcategorias de Causas Trechos de respostas Poluição do ar/ Emissão dos Gases “As mudanças climáticas globais ocorrem por causa da poluição de nossos ares, como o monóxido de carbono” (Luís, 14 anos) Poluição em geral (sem especificação)/ Acúmulo de lixos “Que as mudanças climáticas acontecem muito por causa de muitas vezes jogarem o lixo no meio da rua” (Aline, 15 anos) Aquecimento Global “Mudanças climáticas globais e aquecimento global é a mesma coisa” (Lucas, 15 anos) Queimadas e Desmatamento “Explicaria que o desmatamento prejudica muito o meio ambiente e gera as mudanças climáticas globais” (Carol, 18 anos) Rótulo “alteração climática” “É a mudança climática por exemplo, quando o sol está muito quente (...) e quando chove alaga tudo” (Pedro, 17 anos) Destruição da Camada de Ozônio “As mudanças climáticas globais se devem a partir dos buracos na camada de ozônio, que é a camada que impede os raios solares passarem” (Antônio, 14 anos) Efeito Estufa (menção clara ao nome deste fenômeno) “O efeito estufa se dá pelo aumento de gás carbono na atmosfera, muitas industrias proporciona mais fumaça, assim como carros que também contribuem para esse mal” (Lara, 14 anos) 7.1.2. Categoria Consequência As próximas subcategorias apresentadas referem-se às consequências do problema. Tanto as obtidas a partir da análise de conteúdo da questão sobre a explicação das MCs – denominadas de gerais por não especificarem localidades, sendo em sua maioria globais – 135 quanto as locais, oriundas da questão sobre os impactos locais percebidos (ver questionário no Apêndice A). A Tabela 7 apresenta: os tipos de consequências gerais mencionadas; as frequências de ocorrência desses tipos nas 194 respostas que mencionaram consequências; e a porcentagem de acordo com o total de menções. Tabela 7 Frequência absoluta e percentual de ocorrência das subcategorias de consequências gerais das MCs Subcategorias gerais Frequência absoluta % (N = 302) Aumento de temperatura 111 37% Derretimento de geleiras 49 16% Prejuízo aos ecossistemas 34 11% Provoca alteração no clima 30 10% Prejuízo à saúde humana 19 6,3% Mudanças oceânicas 18 6% Prejuízo à camada de ozônio 18 6% Desastres 17 5,7% Mudanças nos padrões de chuvas e secas 6 2% É interessante ressaltar que a consequência mais lembrada pelos participantes foi o aumento da temperatura (37%), referindo-se à temperatura global do planeta, sem especificar local. Além disso, o derretimento de geleiras foi a segunda consequência mais mencionada, sugerindo uma tendência de lembrar de aspectos globais na questão aberta. Essa tendência, porém, na ordem inversa, foi também encontrada em minha dissertação, em 2011. Nesse sentido, Cabecinhas et al. (2006) afirmaram, diferentemente desse estudo e do de Sundblad et al. (2009), que os participantes em sua pesquisa se focaram mais nos efeitos do que nas causas das mudanças climáticas. Mesmo assim, ambos os estudos mostraram que as consequências mais conhecidas são relacionadas ao clima e ao derretimento das geleiras, corroborando os resultados encontrados nesta tese. 136 As consequências em relação à saúde humana foram menos apontadas pelos adolescentes (10% de indicações), e quando mencionadas ou se tratava da propagação de doenças sem especificar quais, ou se relacionaram à incidência de câncer de pele. A ausência de considerações sobre saúde humana foi evidenciada por Sundblad et al. (2009), sugerindo que a sociedade tem prestado menos atenção a esses impactos. Esse parece ser um grave problema, tendo em vista que a ignorância em relação aos malefícios das MCs pode levar à inação, dificultando a percepção do problema e embaçando a dimensão comportamental diante dele (Gifford, 2011; Urbina-Soria & Fernández, 2006; Uzzel, 2000). Nesse sentido, os desastres, como enchentes e deslizamentos vinculados à irregularidade de chuvas, por exemplo, também foram menos mencionados (5,7%). O que sugere que não há uma ligação, pelo menos nessas respostas dos adolescentes, entre a ocorrência de eventos extremos e as MCs. Essa associação é feita em graus distintos de probabilidades pelo IPCC (2014) e não em forma de certeza, dificultando muitas vezes que tais eventos sejam comunicados como associados à necessidade de proteção ambiental e mitigação das MCs. E ainda, tais impactos podem afetar os seres humanos em suas esferas afetivas (Clayton et al., 2015), o que também não foi mencionado. O prejuízo à camada de ozônio também foi mencionado como consequência. Da mesma forma, foi mencionada a alteração no clima – outra menção ao rótulo, ao nome “mudança climática”. É interessante frisar que quando os adolescentes indicaram tal alteração no clima como um tipo de causa das MCs, o fizeram referindo-se à naturalidade do fenômeno ou irregularidade, comparando dias/épocas frias ou dias/épocas mais quentes. Quando mencionaram essa alteração como impactos das MCs, o fizeram mencionando que esse fenômeno traz prejuízos ao clima, de modo genérico e sem especificações. A Tabela 8 apresenta alguns trechos referentes à categoria consequência (as gerais), e em negrito estão algumas das principais subcategorias encontradas, respectivamente, nestes trechos. 137 Tabela 8 Trechos de respostas referentes às consequências gerais, de acordo com as subcategorias Tipos de consequências Trechos de respostas Aumento de temperatura “Ele causa o aumento das temperaturas” (Beatriz, 14 anos) Derretimento de geleiras “O derretimento das geleiras, o aumento das temperaturas são consequências que estão muito evidentes” (Arthur, 17 anos) Prejuízo aos ecossistemas “Prejudica primeiramente os animais da caatinga” (Luana, 16 anos) Provoca alteração no clima “(...) prejudicando o clima.” (Cláudio, 14 anos). Prejuízo à saúde humana “Conforme o tempo passa sentimos o calor aumentar, índices de câncer de pele aumentando” (João, 15 anos) Mudanças oceânicas “(...) causando derretimento das geleiras, secas prolongadas, aumento do nível do mar” (Ana, 16 anos). Prejuízo à camada de ozônio “(...) que prejudica a camada de ozônio onde a incidência de raios aumenta”. (Lívia, 16 anos) Desastres “ ocasionando o derretimento de geleiras e o aumento do nível do mar, provocando enchentes nas cidades” (José, 16 anos) Mudanças nos padrões de chuvas e secas “...que provoca diminuição das chuvas” (Anderson, 16 anos) Com relação às consequências locais, dos 484 adolescentes participantes, 339 mencionaram percebê-las, e, ao descrever quais eram, mencionaram as seguintes categorias expressas na Tabela 9 (frequência absoluta e porcentual em relação ao número de menções): Tabela 9 Frequência absoluta e percentual de ocorrência das consequências LOCAIS das MCs Consequências locais Frequência absoluta % (N = 533) Aumento de temperatura local 220 41% Outros problemas ambientais locais 115 22% Alteração climática local 63 12% Mudança no padrão local de chuvas e secas 44 8% Prejuízos ao ecossistema local 27 5% Prejuízo à saúde 16 3% Desastres locais 15 2,8% Mudanças oceânicas 13 2,2% Recados de conservação 10 2% Outras 10 2% 138 Ao pedir diretamente consequências locais foi possível assumir que há uma tradução, sim, dessa problemática global para as localidades, ainda que refletindo a confusão conceitual detalhada por autores citados. No entanto, a visualização dessa tradução é extremamente relevante para que o problema possa ser considerado pelos jovens em suas condições de existência, ainda que não haja refinamento teórico sobre o mesmo. Afinal, como Corner (2012) aponta, simplesmentedistribuir conhecimento não é a chave para o engajamento em mitigação, tal conhecimento pode até ser necessário, mas não será suficiente; e se for distribuído de forma acrítica e descontextualizada de suas vivências, pode gerar desinteresse, paralisação ou até negação do fenômeno. Nesse sentido, as consequências gerais e locais foram semelhantes. Todavia, com essa questão, os adolescentes assumiram diretamente que percebem algumas consequências locais em suas cidades. O aumento de temperatura local foi citado pela maior parte dos adolescentes, referindo-se não a uma variação objetiva de graus, mas a uma ideia de aumento de calor sentido, ou “quentura”, termo bastante utilizado no nordeste do Brasil. Essa realidade também foi identificada em investigação anterior, com moradores da Reserva Extrativista do Rio Jutaí, no sudoeste Amazonense (Higuchi & Calegare, 2016). No contexto norteriograndense, os agricultores familiares também fizeram menção ao “clima esquentando” (Andrade et al., 2014). Os adolescentes indicaram ainda, a irregularidade e mudança nos padrões de chuvas e secas da região, além de prejuízos aos ecossistemas, incluindo fauna e flora. Esses formam um conjunto de fenômenos apontados por manuais científicos como impactos que já ocorrem no nordeste brasileiro (PBMC, 2014b). Chama a atenção, entretanto, que mudanças oceânicas tenham sido menos mencionadas (2,2%), considerando que a maior parte dos adolescentes é residente de zonas costeiras. Por outro lado, sugerem indagações: o contínuo índice de respostas que apenas repete que enxergam problemas climáticos, sem detalhá-los (12%); e o índice de menção a outros 139 problemas ambientais (22%). Tais problemas foram tidos como “causa” das MCs na questão aberta sobre o assunto, e também foram trazidos como impacto local, tais como o acúmulo de lixo, queimadas e desmatamentos. Isso ressalta, novamente, a existência da desejabilidade social, e que pode ser alimentada pelo menor domínio do assunto. Como já mencionei, não se trata de dar aulas sobre MCs de forma acrítica, mas sim, com base no olhar ecológico, de ensinar sinais dessas mudanças, a partir até mesmo do contato com a prática e com a natureza local (Corner, 2012; Heft & Chawla, 2005). Os dados sugerem que partir para tais ensinamentos parece ser um caminho promissor para aprimorar a tradução local das MCs. Sobre esses aspectos de seus econichos, é interessante relatar que, apesar de poucos, alguns adolescentes os trouxeram de forma espontânea ao relatar causas e consequências das MCs. Um deles, de 15 anos e residente do município de Arez, mencionou o papel da Usina Estivas instalada na cidade (responsável pelo plantio e queima da cana-de-açúcar). Em sua fala o adolescente disse que “a Usina Estivas, desmatando matas para plantar cana de açúcar” contribuía para MCs. Na questão diretiva sobre impactos locais essa menção foi mais presente, e Alice (15 anos) disse: “A Usina Estivas por exemplo, com a queima do açúcar, libera fumaça que gera poluição”. Prejuízo à saúde humana também esteve presente na descrição dos impactos da localidade, e se referiram não tanto ao câncer de pele, mas também à presença do mosquito aedes aegypti, transmissor de dengue, zyca e chikungunya, doenças bastante presentes nas três cidades participantes, o que é exemplificado pela fala de Maria (15 anos), residente em São Miguel de Gostoso, quando ela menciona que percebe “doenças, porque chove, e aí transmite o mosquito da dengue”. Classificadas como “outras”, ocorreram ainda duas menções ao prejuízo econômico, que afeta a produção de agricultores, seis menções às mudanças na estética das cidades e duas outras menções ao derretimento das geleiras (o que pode denotar uma falta de atenção ao que a questão pedia, pois era sobre impactos locais no Rio Grande do Norte). 140 7.1.3. Categoria Solução Possíveis soluções para o problema foram menos mencionadas nessa etapa 01, apenas 8 adolescentes as mencionaram. A Tabela 10 apresenta os tipos de soluções indicadas pelos respondentes, frequência, e porcentagem com base no número total de subcategorias mencionadas. Tabela 10 Frequência absoluta e percentual de ocorrência das subcategorias de solução das MCs Subcategorias Frequência absoluta % (N = 8) Diminuição da poluição 6 75% Usar fontes renováveis de energia 1 12,5% Diminuir o uso de combustíveis fósseis 1 12,5% Apesar da menor quantidade de indicações, é interessante manter a discussão dessa categoria, pois reflete o quão ausente estão tais ações na percepção dos adolescentes em questão, ao menos espontaneamente. A questão era aberta, referia-se a uma explicação geral. Isto pode ter contribuído para que os jovens não fossem muito além de causas e consequências em suas respostas. Isso motivou que indagações a esse respeito fossem feitas aos professores, e também durante a etapa 02. Assim, tendo em vista esse dado, projetos de educação ambiental podem enfocar essa esfera para que ela possa ser mais internalizada pelos adolescentes, e para além disso, possa ser praticada. A Tabela 11 traz os trechos de respostas que mencionaram solução, na etapa 01, à guisa de exemplo. 141 Tabela 11 Trechos de respostas referentes às soluções, de acordo com as subcategorias Tipos de solução Trechos de respostas Diminuição da poluição “Todos tem que se conscientizar e tentar evitar que o nível de poluição aumente”. (Jaíro, 16 anos) Usar fontes renováveis de energia “e não fazer nada para ajudar o meio ambiente, somente energia renovável, mas que também depende da natureza”. (Breno, 15 anos) Diminuir o uso de combustíveis fósseis “...vide que hoje se é possível a não utilização do petróleo, caso sua utilização fosse abrandada ou extinta a terra como um todo poderia ‘renascer’”. (Álvaro, 16 anos) 7.1.4. Categoria Atribuição de responsabilidade Dos 442, 116 alunos mencionaram responsáveis pela ocorrência das MCs, assumindo diretamente esta como culpa. Alguns deles mencionaram mais de um responsável, conforme apresentado pela Tabela 12. Tabela 12 Frequência absoluta e percentual de ocorrência das subcategorias de atribuição de responsabilidade pelas MCs Subcategorias Frequência absoluta % (N = 120) Ação humana 93 78% Nossa 16 13% Sistema político e econômico 6 5% Natureza 5 4% Nossa e Ação humana foram separadas em duas subcategorias, apesar de serem responsabilidades antrópicas. Isso porque a ação humana representa certa isenção de responsabilidade própria do respondente, ao contrário da responsabilidade como sendo nossa (por meio da qual o participante se inclui como responsável). Kaiser e Shimoda (1999) apontam que a percepção da própria responsabilidade moral (ou de sentimentos de culpa) pode ser considerada um preditor de comportamentos pró- 142 ambientais, o que poderia ser encarado como algo positivo a partir de uma perspectiva de sustentabilidade. Todavia, houve a culpabilização de outrem. Isso pôde ser percebido pela indicação de responsabilidade à ação humana (78% das indicações), que representa uma entidade abstrata, e que não explica ao certo quem e como pode fazer algo a respeito para amenizar a situação. Além disso, os adolescentes apontaram mais responsáveis do que apontaram possíveis soluções. Nessa direção, Cabecinhas et al. (2006) afirmam que percepções de responsabilidade por ações de mitigação têm sido encontradas em estudos referentes às MCs, e indicam que as pessoas estão dispostas a fazer algum sacrifício para implementar tais ações; porém, essas autoras afirmam ainda que as pessoas parecem não apoiar políticas que interfiram significativamente com suas vidas diárias, e no conforto destas. Nesse sentido, houve pouca menção aos sistemas político e econômico como responsáveis, evidenciando maior noção de culpabilidade individualizada,centrada em si próprio, como no caso do tipo de responsabilidade nossa. Esse resultado pode estar atrelado ao desconhecimento de soluções como regulamentação e legislação, por parte de governos, e redução da emissão de GEEs, que se atrelam a uma noção mais conceitual e globalizada do problema, envolvendo noções de políticas públicas, e não somente ação individual. Importa destacar que alguns adolescentes mencionaram que as MCs possuem um caráter natural, oriundo dos ciclos naturais da Terra, sendo, portanto, categorizado como de ordem da natureza. Esse caráter “natural” apareceu tanto nesses trechos que indicaram responsável, quanto nos trechos que relatavam às causas e definições do fenômeno como sendo alterações do “tempo”, como em dias frios e dias quentes, chuvosos ou secos, e com a mudança das estações do ano. A Tabela 13 apresenta trechos que exemplificam as atribuições de responsabilidade. 143 Tabela 13 Trechos de respostas referentes às atribuições de responsabilidade, de acordo com as Subcategorias Tipos de responsável Trechos de respostas Ação humana “Causado principalmente pela ação do homem”.(Letícia, 16 anos) Nossa “São reações ocasionadas por nós”. (Caio, 17 anos) Sistema político e econômico “O sistema econômico em que vivemos influencia radicalmente a obtenção de lucro não importando a maneira de obtê-lo, isso influencia”. (Paulo, 16 anos) Natureza “causadas por efeitos geográficos”.(Thales, 15 anos) Whitmarsh (2009) apontou que o termo MCs costuma ser mais associado a causas naturais do que o termo aquecimento global, que é mais associado a causas antropogênicas. E, de fato, o termo MCs trouxe mais essa caracterização do que estudos anteriores, que optaram pelo termo aquecimento global (Barros & Pinheiro, 2013). Andrade et al. (2014) também indicaram respostas distintas quando questionaram sobre os dois termos aos agricultores familiares. Ao perguntar se já tinham ouvido falar em mudanças climáticas, obtiveram respostas associadas ao desmatamento, poluição, ao clima “esquentando”; essas respostas também foram associadas ao termo “aquecimento global”, mas a ele foram associados ainda, o derretimento das geleiras, o efeito estufa, e a camada de ozônio. Sendo, portanto, resultados semelhantes aos identificados na etapa 01 desta tese. 7.1.5. Categoria Menção à temporalidade Alguns adolescentes mencionaram preocupação com seus futuros e o futuro do planeta, também relataram a continuidade das MCs e de seus impactos ao longo dos anos, com o aumento de gravidade. Por ter havido essas duas características, futuro e continuidade, estipulei duas subcategorias que abrangiam tais trechos de respostas. Assim, a Tabela 14 ressalta estas diferenciações, e a Tabela 15 apresenta trechos equivalentes. 144 Tabela 14 Frequência absoluta e percentual de ocorrência das subcategorias de menção à temporalidade Subcategorias Frequência absoluta % (N = 28) Preocupação com o futuro 13 46% Continuidade e agravamento das MCs 15 54% O menor número de indicações espontâneas sobre preocupação com o futuro (seja próprio ou do Planeta) e do reconhecimento de sua gravidade ao longo do tempo ressalta a importância de se trabalhar com os adolescentes a orientação de futuro, como explicitado anteriormente (ver capítulo 3), principalmente quando se fala em MCs, cujas consequências só ocorrerão mais claramente em um futuro de proximidade ainda incerta. Talvez a consideração dessa situação futura seja prejudicada por causa do caráter de incerteza dos efeitos das MCs, associado às atuais preocupações dos adolescentes e requisitos sociais que exigem atenção do jovem (Nurmi, 2005). Ou, talvez, tal consideração não seja entendida e nem conceituada claramente pelo jovem. Ideia que tem como base o termo miopia, conforme proposto por Held (2001): enxerga-se o presente e o que está perto com mais clareza e consideração, do que se enxerga o futuro e o que está longe. Tabela 15 Trechos de respostas referentes às menções de temporalidade, de acordo com as Subcategorias Tipos de menções temporais Trechos de respostas Preocupação com o futuro “As mudanças climáticas globais afetam diretamente o futuro do planeta”. (Ivana, 16 anos) Continuidade e agravamento das MCs “As mudanças climáticas globais são muito faladas pelas pessoas porque ao passar do tempo vai piorando”. (Jonas, 17) 145 7.1.6. Tipo de escola, gênero e idade influindo no posicionamento Antes de começar a discorrer sobre possíveis associações, é importante mencionar que se reconhece uma limitação de tal proposta, pois, com a coleta, verificou-se uma participação muito distinta entre os grupos em termos numéricos. As escolas públicas, tanto em Natal como no interior, estavam passando por um processo de evasão, o que levou a uma situação de muito mais participantes das escolas particulares e residentes em Natal, do que do interior. Portanto, associações encontradas com relação a esses aspectos sugerem uma indicação a ser mais bem investigada em estudos futuros. Dito isso, primeiramente, com relação ao posicionamento sobre MCs e o tipo de escola frequentada pelos adolescentes (particular ou pública), foi possível constatar associação significativa entre o tipo de escola e a indicação de causas das MCs (χ² =13,743; gl = 1; p ≤ 0,005), no sentido de que alunos de escolas particulares mencionaram mais causas do que os alunos de escola pública, conforme evidenciado na Tabela 16. Tabela 16 Frequência absoluta (f) e frequência esperada (fe) das associações entre indicação da categoria causa e o tipo de escola E ainda, em tendência semelhante, foram encontradas associações significativas entre tipo de escola e indicação de consequências gerais (χ² =12,483; gl = 1; p ≤ 0,005), conforme Tabela 17, e também com a categoria de percepção de consequências locais (χ² =26,262; gl = Tipo de Escola Mencionou Causas Sim Não f (fe) f(fe) Total Pública 128 (144,7) 64 (47,3) 192 Particular 205 (188,3) 45 (61,7) 250 Total 333 109 442 146 1; p ≤ 0,005). Neste último caso, 60% (203 alunos) dos 339 participantes que perceberam tais consequências foram da escola privada. Tabela 17 Frequência absoluta (f) e frequência esperada (fe) das associações entre indicação da categoria consequência geral e o tipo de escola Com a mesma tendência, a atribuição de responsável se associou ao tipo de escola (χ² = 14,385; gl = 1; p ≤ 0,005), conforme Tabela 18. Tabela 18 Frequência absoluta (f) e frequência esperada (fe) das associações entre indicação da categoria atribuição de responsabilidade e o tipo de escola As categorias menção à temporalidade e solução não se associaram significativamente ao tipo de escola. No entanto, a categoria mensagens de conservação se associou em tendência oposta às anteriores (χ² =4,909; gl = 1; p = 0,027), por meio da qual os adolescentes das escolas Tipo de Escola Mencionou Consequências Gerais Sim Não f (fe) f(fe) Total Pública 66 (84,3) 126 (107,7) 192 Particular 128 (109,7) 122 (140,3) 250 Total 194 248 442 Tipo de Escola Mencionou responsável Sim Não f (fe) f(fe) Total Pública 33 (50,4) 159 (141,6) 192 Particular 83 (65,6) 167 (184,4) 250 Total 116 326 442 147 públicas mencionaram mais tais recados do que os alunos de escolas particulares, conforme exposto na Tabela 19. Tabela 19 Frequênciaabsoluta (f) e frequência esperada (fe) das associações entre indicação da categoria mensagens de conservação e o tipo de escola Essas mesmas tendências foram observadas no estudo anterior realizado apenas em Natal (Barros & Pinheiro, 2013). Os estudantes de escolas particulares mencionaram mais causas, consequências e atribuição de responsável do que os estudantes das escolas públicas, que por sua vez, forneceram mais mensagens de conservação. Ao considerar que as mensagens de conservação eram recados que não se relacionavam ao tema, e que houve menor detalhamento de categorias em suas respostas, é possível presumir que parece haver um conhecimento menos aprofundado por parte dos alunos das escolas públicas. Corroborando essa sentença, esse estudo encontrou associação significativa (χ² =26,852; gl = 1; p ≤ 0,005) também entre o tipo de escola e os adolescentes que disseram não saber sobre MCs, de modo que 92% dos alunos que mencionaram que não sabem como falar sobre o assunto eram das escolas públicas, e 8% das escolas particulares. Assim, conforme já apontado por Barros e Pinheiro (2013), alguns autores ressaltam que é preciso discutir as diferenças institucionais para implementação de educação ambiental. Essas diferenças variam desde as concepções de educação ambiental, às metodologias e práticas de ensino utilizadas pelos Tipo de Escola Mencionou mensagens de conservação Sim Não f (fe) f(fe) Total Pública 24 (17,4) 168 (174,6) 192 Particular 16 (22,4) 234 (227,4) 250 Total 40 402 442 148 professores, a formação inicial e continuada destes, até a própria organização e funcionamento de cada tipo de escola (Fracalanza, 2004). Esses indicativos também fortaleceram a necessidade de continuação da presente investigação, por meio das etapas 02 e 03, aprofundando o entendimento sobre o problema e sobre o contexto escolar em que os adolescentes se inserem. Com relação ao gênero, não foram encontradas associações significativas com o posicionamento sobre MCs. Com relação à idade, a maior parte das categorias não se associou significativamente, por meio da prova U de Mann-Whitney. O que era, de certa forma, esperado, considerando que há uma variação muito pequena entre as idades. Todavia, a categoria menção à temporalidade obteve associação significativa com idade (U =3576,0; z = -3,489; p ≤ 0,005). Ao comparar as médias de idade, os alunos que mais indicaram tais menções possuíam uma média de idade de 16,14 anos (com desvio padrão de 1,04), e os que não indicaram tais menções possuíam uma média de 15,44 anos (com desvio padrão de 1,33). Considerando que a variação é bem pequena, e que esta idade coincide com as séries escolares, uma possível interpretação para isso é que os mais velhos podem considerar mais o futuro ou a gravidade do problema ao longo dos anos, por já terem visto a temática em sala de aula. 7.2. Avaliando a gravidade das MCs nas escalas espacial e temporal Além dos dados expostos acima, os respondentes também puderam expressar o quanto sentem que é grave a ameaça das MCs, para suas cidades, para o país, para o mundo, e em quanto tempo será grave, se já não o for. A inspiração para esta investigação foi gerada a partir do viés do otimismo que vem sendo identificado pela literatura, de forma constante, atribuindo uma relevância para análise das escalas espacial e temporal na compreensão das MCs e em sua percepção de risco (Gifford et al., 2009, O´Neill, 2008; Uzzell, 2000). Sobre a dimensão 149 espacial, os participantes avaliaram a gravidade das MCs de acordo com a Tabela 20, que foi graficamente expressa na Figura 1, permitindo uma melhor visualização dos dados. Tabela 20 Frequência absoluta de indicações de gravidade das MCs de acordo com as escalas espaciais: cidade, país e mundo Cidade Brasil Mundo Total Não é grave 47 (10%) 8 (2%) 5 (1%) 60 Não muito grave 219 (46%) 63 (13%) 14 (3%) 296 Grave 163 (35%) 267 (57%) 89 (19%) 519 Muito grave 43 (9%) 132 (28%) 368 (77%) 543 Total 472 (100%) 470 (100%) 476 (100%) - Figura 1. Expressão gráfica do viés do otimismo constatado na escala espacial. Os níveis de avaliação não é grave e não muito grave possuem um decréscimo visível à medida que a escala espacial se amplia, tendo sido mais indicados para a cidade (266 indicações, ao realizar a soma entre os dois níveis), em comparação com as mesmas indicações 47 8 5 219 63 14 163 267 89 43 132 368 0 50 100 150 200 250 300 350 400 Cidade Brasil Mundo Não é grave Não muito grave Grave Muito grave Linear (Muito grave) 150 para o Brasil e Mundo, que somados totalizam 90 indicações. Os respondentes claramente atribuíram menos gravidade às manifestações das MCs na escala local. Apesar de haver um reconhecimento generalizado de que o problema é grave (ver coluna de totais na Tabela 20), uma tendência oposta à anterior pôde ser identificada ao considerar os níveis grave e muito grave. Ao somar os dois, 206 adolescentes os indicaram para cidade, enquanto que para o mundo estas indicações somam 457 – mais que o dobro. Além disso, a linha acrescentada ao gráfico mostra o claro aumento de frequência do nível muito grave, de cidade para o mundo. Diante disso, o viés do otimismo espacial foi mais uma vez identificado, como tem sido por outros estudos. Nesse caso, o problema das MCs é reconhecido como existindo para todas as dimensões espaciais, porém para o país, e mais ainda para o mundo, ele é avaliado como mais grave. Por meio desse viés, evidencia-se uma negação dos problemas no âmbito local, já que a avaliação dele tende a ser mais positiva (Gifford et al., 2009; O´Neill, 2008; Pinheiro, Sousa, & Góes, 2007). É semelhante ao conceito de hipermetropia ambiental (Uzzell, 2000), segundo o qual há uma visão embaçada das situações indesejáveis próximas a nós, quando elas estão perto não as enxergamos com clareza. Essa visão pode prejudicar a adoção de ações de mitigação e de proteção ecológica em geral, pois, quando se trata da localidade, a situação é avaliada como boa e não é preciso fazer nada. E quando se trata do global, a situação é avaliada como ruim, mas as pessoas não enxergam possíveis ações locais efetivas para as mudanças globais (Gifford et al., 2009). Ao considerar que o otimismo espacial é pouco discutido com os participantes para além de sua identificação, e que é um paradoxo a percepção de que para o globo a situação é ruim, enquanto para o local não é, já que um está inserido no outro, as rodas de conversa (etapa 03) questionaram os jovens sobre isso, buscando entender suas possíveis explicações para o fato. Com relação a quando as MCs se tornarão uma ameaça, os participantes poderiam avaliar 151 em 4 níveis, agora, daqui a 25 anos, daqui a 50 anos ou nunca, gradação inspirada no estudo de O´Neill (2008). Os resultados estão dispostos na Tabela 21, e representados graficamente na Figura 2. Tabela 21 Frequência absoluta de indicações de quando são ou serão graves as MCs de acordo com as escalas espaciais: cidade, país e mundo Cidade Brasil Mundo Total Agora 155 (33%) 205 (44%) 255 (54%) 615 Em 25 anos 209 (44%) 178 (38%) 100 (21%) 487 Em 50 anos 80 (17%) 73 (15%) 100 (21%) 253 Nunca 26 (6%) 12 (3%) 19 (4%) 57 Total 470 (100%) 468 (100%) 474 (100%) - Figura 2. Expressão gráfica do viés do otimismo constatado – temporalidade. Com relação às temporalidades, os números mais expressivos de indicações foram em torno dos níveis agora e em 25 anos. Achado similar foi encontrado no estudo de O´Neill (2008), quando os participantes avaliaram que as MCs só se tornariam perigosas para humanos dentro de 25 anos, mas que já eram perigosas para plantase animais. 155 205 255 209 178 100 80 73 100 26 12 19 0 50 100 150 200 250 300 Cidade Brasil Mundo Agora em 25 anos em 50 anos Nunca Linear (Agora) Linear (em 25 anos) 152 Diferentemente, este estudo constatou que uma grande parcela de adolescentes já considera o problema como ocorrendo agora, correspondendo a uma ameaça imediata, mas em uma tendência crescente de acordo com as distâncias espaciais, ou seja, com 155 indicações para cidade, 205 para o Brasil e 255 para o mundo. Com relação ao futuro próximo, a tendência permanece, mas no sentido oposto; 209 participantes avaliaram que as MCs se constituirão em ameaça em 25 anos para cidade, 178 para o Brasil, e 100 para o mundo. Neste caso, novamente o viés do otimismo espacial se evidencia, pois o maior número de respondentes declara que a ameaça está ocorrendo agora para o nível global. Porém, há uma combinação com um efeito da escala temporal, já que a gravidade das MCs para o nível da cidade é percebido por um número maior de participantes apenas no futuro, ainda que próximo (25 anos). Nesse sentido, a indicação de ocorrências das MCs em 50 anos foi menos expressiva, e ainda menos expressiva foi a escolha pela opção nunca, sugerindo que os adolescentes não negam a ocorrência das MCs e, em geral, se posicionam entendendo-as como um problema ambiental, que traz impactos e ameaças para a natureza, e para suas vidas, conforme retratado pelas respostas da etapa 01, uma visão que foi endossada pelas rodas de conversa. 7.3. Compondo um posicionamento de base afetiva As investigações sobre as percepções de risco e gravidade têm se voltado bastante para o entendimento de como vieses cognitivos podem afetar essa percepção; o esforço investigativo feito por esta tese ao buscar compreender as explicações dadas ao viés do otimismo constatado segue nessa direção. No entanto, aspectos afetivos também são relevantes e vem despertando a atenção de vários autores (Doherty & Clayton, 2011; Maibach et al., 2009; Smith & Leiserowitz, 2012; 2014). Smith e Leiserowitz (2012) afirmam que o papel do “afeto”, ou da qualidade de avaliar 153 como “bom” ou “ruim” pode se associar ao entendimento dos riscos, ao considerar que o afeto “ajuda a guiar as percepções de risco e de benefícios” (p. 1022). Motivados por essa abordagem de base afetiva, vários estudos têm buscado avaliar sentimentos atribuídos às MCs, por meio de associação de palavras e do uso de imagens. Em um desses estudos, Leiserowitz (2006) avaliou uma gradação afetiva de associações positivas (o problema como algo bom) e negativas (como algo ruim), para além do conteúdo das respostas dos participantes. E identificou que o termo “aquecimento global” possui conotações negativas para as pessoas, assim como o termo “mudanças climáticas”, que foi investigado posteriormente (Smith & Leiserowitz, 2012). Inspirada por essas ideias, busquei lançar um novo olhar exploratório para as respostas à questão aberta do questionário, que pedia ao respondente uma explicação sobre MCs. Com esse novo olhar, independente da análise de conteúdo temática realizada anteriormente, busquei expressões consideradas afetivas por esses autores, e condizentes com essa avaliação de “bom” ou de “ruim”, denominada de posicionamento holístico afetivo, ou afeto holístico (Leiserowitz, 2006; Smith & Leiserowitz, 2012). Reconheço limitações dessa abordagem por não se tratar de uma questão direta visando a aspectos afetivos, porém, a identificação de possíveis expressões de base afetiva ganha relevância por ser uma questão aberta, e o respondente poderia expressá- las se achasse relevante e como bem quisesse. Assim, diante da estratégia multimetodológica que embasa esse estudo, tal olhar exploratório se torna complementar às estratégias já traçadas. Neste estudo não foram identificadas expressões claras de qualidade boa ou ruim das MCs (afinal não se questionava dessa forma aos participantes), todavia, os adolescentes apresentaram conotações de cunho mais pessimista (negativas) e fatalistas diante das MCs, ou de cunho mais otimista (positivas) e proativas diante do problema. Ao questionar se aquecimento global seria uma coisa ruim ou boa, Smith e Leiserowitz (2012) apresentaram uma gradação que variava de -3 (muito ruim) a +3 (muito boa). Com base nisso e nas respostas fornecidas pelos participantes, os aspectos afetivos identificados neste estudo foram 154 categorizados variando de -2 (posicionamento totalmente pessimista) a +2 (posicionamento totalmente proativo/otimista). As expressões categorizadas como totalmente pessimistas/fatalistas (-2) envolviam o sentimento de periculosidade das mudanças climáticas, também mencionavam um cenário fatalista diante do problema. Nesse sentido, Ana (14 anos) menciona: “O mundo está se acabando com tantas coisas horríveis”. Outro exemplo pode ser visto na fala de Luís (15 anos), quando escreve: “O mundo tá sendo destruído pelo homem, o que está acabando (notável) pela má utilização do homem, desflorestamento, e com a grande emissão de CO2, na atmosfera, acabando com a camada de ozônio”. O pessimismo/fatalismo parcial (-1) foi encontrando em respostas que tendiam a descrever mais sobre MCs, porém ainda apontando um sentimento de periculosidade, sem associação com uma postura resolutiva. A resposta de Carlos ilustra isso ao definir o problema e atestar ao final de sua resposta sua preocupação: Olhe mudanças climáticas são causadas pelo efeito estufa. As queimadas o desmatamento causa isso. Um grande problema é com as geleiras que derretem. O mar com água salgada é cheio com água potável pelo derretimento dessas geleiras. E acabam não sendo mais potável pela salina. É por isso que é muito preocupante essa questão pois falta água no mundo. A ausência de posicionamento afetivo nas respostas foi representada pelo zero, e esperava-se um número alto, afinal, a questão referia-se à uma explicação conceitual de MCs. A resposta de Igor (16 anos) exemplifica ao mencionar que “iria falar que isso ocorre principalmente por causa da poluição, desmatamento, carro ou ônibus. Com isso a temperatura aumenta, causando o derretimento de geleiras”. E a de Amanda (15 anos): “As mudanças climáticas são causadas por danos na camada de ozônio por excesso de CO2”. O posicionamento otimista/proativo parcialmente identificado referia-se a uma visão mais otimista da situação futura e possíveis caminhos para eventuais soluções (ainda que não claramente apontadas). Gustavo (14 anos) menciona, nesse sentido: “É por causa do meio de poluição, acúmulo de poluição, não acumular lixo na rua, nos lagos ajuda”. Já o posicionamento 155 totalmente otimista/proativo envolvia esses aspectos e também envolvia um senso de auto- implicação, como evidenciado na resposta de Hélio (15 anos): As mudanças climáticas globais é como metade das pessoas conhecem como o aquecimento global, causado por um fenômeno chamado de efeito estufa, que é causado pelos homens, por exemplo, as usinas nucleares, as fabricas de carvão, os carros, etc., esses terremotos, tsunami, furacões, etc., são causadas por ele, e tudo isso nós podemos evitar, temos que começar desde hoje, por isso que eu tento cuidar o máximo possível do meio ambiente, e não só eu, como toda sociedade. Em termos quantitativos, a Tabela 22 apresenta as frequências e percentuais do posicionamento de base afetiva identificado. Tabela 22 Frequência absoluta e percentual de ocorrência do posicionamento de base afetiva Posicionamento de base afetiva Absoluta Participantes (N = 442) Totalmente pessimista/fatalista (negativo) 47 11% Parcialmente pessimista/fatalista (negativo) 170 39% Ausência de posicionamento de base afetiva 192 43% Posicionamento parcialmente mais proativo/ otimista (positivo) 18 4% Posicionamento totalmente proativo/ otimista (positivo)15 3% Total 442 100% Assim como apontado pela literatura, os adolescentes se posicionaram de forma mais negativa diante das MCs, e coerentemente com os dados sobre o viés do otimismo destacados anteriormente, os adolescentes reconhecem que essa temática envolve riscos, pelas apreciações pessimistas e fatalistas mencionadas (Doherty & Clayton, 2011; Maibach et al., 2009; Smith & Leiserowitz, 2012; 2014). Portanto, a forma que a comunicação sobre MCs está sendo feita à população em geral é uma questão que continua ganhando destaque diante de resultados como esses, principalmente, ao considerar os constantes alertas da literatura, sobre o fato de que a comunicação fatalista pode gerar muito mais a apatia do que motivar engajamento em ações de mitigação (Clayton et al., 2015; Corner, 2012; O’ Neill & Nicholson-Cole, 2009). 156 8. Indicadores de estilos de vida sustentáveis e o posicionamento sobre mudanças climáticas O presente capítulo apresenta e discute os resultados referentes aos indicadores de estilos de vida sustentáveis, começando pelas práticas de cuidado ambiental, seguindo com a orientação de futuro, a conectividade com a natureza, e possíveis associações entre indicadores e o posicionamento diante das MCs. 8.1. Práticas de cuidado ambiental As práticas de cuidado ambiental investigadas referem-se às atividades realizadas pelas pessoas que se destinam à proteção do meio ambiente (Pinheiro & Pinheiro, 2007). Questionou- se se o participante praticava (ou já havia praticado antes) alguma atividade de cuidado ambiental. Em caso afirmativo, solicitava-se uma descrição sumária dessa prática. No momento, considerando objetivos explicitados, esta tese não se deterá nessas descrições das variedades de cuidado ambiental praticado; elas foram requisitadas como mecanismo para maior controle da veracidade nas respostas. As respostas afirmativas que não foram acompanhadas de tal descrição sumária foram consideradas como negativas. Nessa investigação, foi constatado que 73% (353/484) dos adolescentes afirmaram praticar ações de cuidado ambiental, enquanto apenas 27% (131/484) afirmaram não as praticar. Esse dado corresponde a uma tendência oposta ao que vinha sendo encontrado por estudos voltados para adolescentes, feitos anteriormente por nosso grupo de pesquisa (Barros, 2011; Sousa & Pinheiro, 2008), nos quais o número de não-cuidadores era maior que o de cuidadores. 157 Porém, esse resultado corresponde a uma tendência já encontrada por estudos feitos com adultos, em que há maior porcentagem de pessoas que se declaram cuidadoras (Pinheiro & Pinheiro, 2007; Diniz & Pinheiro, 2014). As associações entre as práticas de cuidado ambiental e variáveis sócio-demográficas investigadas, quais sejam, gênero, tipo de escola (pública ou privada), local de moradia (interior ou capital), e idade não foram significativas. A ausência de associação é interessante principalmente em relação ao tipo de escola e local de moradia, pois a literatura aponta que residentes das zonas urbanas, em comparação com zonas rurais, foram mais cuidadores, mesma tendência observada para alunos de escolas particulares (Barros, 2011; Collado et al., 2015). Outras questões podem ser levantadas nesse sentido. Uma delas se refere à desejabilidade social e sua influência na resposta quase generalizada dos participantes, afinal, hoje em dia “cuidar do meio ambiente” é um valor positivo, uma postura revestida de “bom mocismo” e do que é socialmente esperado que se faça. Com relação ao posicionamento sobre MCs categorizado na primeira etapa, o estudo revelou associações significativas entre a prática do cuidado ambiental e a menção de consequências gerais (χ² = 5,384; gl = 1; p = 0,020), e também com a percepção de consequências locais (χ² = 17,544; gl = 1; p ≤ 0,005), conforme exposto nas Tabelas 23 e 24, respectivamente. Outros aspectos do posicionamento não se mostraram significativos em associação com a prática de cuidado ambiental. Chama a atenção na Tabela 23 a evidência de que os cuidadores mencionaram mais as consequências gerais do que o que seria esperado, em comparação com os não-cuidadores. Dito de outra maneira, a maior parte das menções de consequências gerais foi feita, significativamente, pelos cuidadores. 158 Tabela 23 Frequência absoluta (f) e frequência esperada (fe) das associações entre indicação da categoria consequência geral e o cuidado ambiental Do mesmo modo, como mostra a Tabela 24, os participantes que perceberam mais as consequências locais foram em sua maioria, significativamente, os cuidadores. No entanto, causas e atribuição de responsabilidade, duas categorias que também se associaram ao tipo de escola, não se associaram com a adoção de práticas de cuidado ambiental. Esse dado reforça à ideia de que o conhecimento é importante para o engajamento pró-ambiental, mas não é decisivo. A indicação de consequências, principalmente dos impactos locais, muito mais do que expressar um conhecimento preciso, expressam sinais do que esses adolescentes estão vendo, e assim, torna-se mais alcançável para o engajamento no combate a tais impactos percebidos. Isso representa um caminho promissor para educação ambiental e corrobora o olhar ecológico levado à psicologia, ao mencionar que é necessário ensinar os sinais locais das mudanças ambientais globais (Heft & Chawla, 2005). Mencionou Consequências Gerais Cuidado Ambiental Sim Não f (fe) f(fe) Total Sim 157 (146,6) 37 (47,4) 194 Não 177 (187,4) 71 (60,6) 248 Total 334 108 442 159 Tabela 24 Frequência absoluta (f) e frequência esperada (fe) das associações entre a percepção da categoria consequência local e o cuidado ambiental 8.2. Inventário de perspectiva temporal A análise da fatorabilidade dos dados indicou adequação de banco de dados para realização da análise fatorial (KMO = 0,869; Teste de Esfericidade de Bartlett: x² = 3926,617; gl = 351; p ≤ 0,001). Inicialmente, foi realizada uma análise fatorial exploratória considerando os valores próprios (eigenvalues) maiores que um. Esta gerou uma solução de seis fatores, que, apesar de um bom índice de variância explicada (54,512%), não condizia com as bases teóricas. O gráfico de sedimentação (scree plot) dessa extração forneceu base para que fossem solicitados apenas quatro fatores, que foram destacáveis em relação aos demais, conforme Figura 3. Este número é condizente com a perspectiva teórica adotada (Bardagi et al., 2015; Janeiro, 2012), que propõe a existência desses quatro componentes do instrumento. E assim foi feita a extração seguinte. Percebeu Consequências Locais Cuidado Ambiental Sim Não f (fe) f(fe) Total Sim 266 (247,2) 73(91,8) 339 Não 87 (105,8) 58 (39,2) 145 Total 353 131 484 160 Figura 3. Gráfico de Sedimentação da primeira extração fatorial realizada, a partir dos 27 itens do Inventário de Perspectiva Temporal. A nova extração atingiu uma variância explicada de 46,681%. Interessavam-nos cargas fatoriais acima de 0,30. Nesse sentido, alguns itens foram excluídos da análise por terem carregado acima desse valor em mais de um fator. Os itens 18 (“Não gosto de me imaginar num futuro distante”) e 25 (“Mantenho o meu futuro em aberto e sem compromissos”), eram itens que avaliavam, segundo perspectiva teórica, o fator de orientação ao presente, ou imediatismo. Todavia, carregaram acima de 0,30 no fator denominado de visão ansiosa de futuro (VAF), com cargas de 0,32 e 0,39 respectivamente. O item 20, “Tenhoapenas uma vaga ideia do que irei fazer no futuro”, componente do fator VAF, carregou com carga fatorial de 0,43 no fator de imediatismo. Nesse sentido, esses itens podem exprimir problemas de compreensão devido à sua escrita, as 3 sentenças parecem andar juntas ao negar o futuro de certa maneira. Afinal, ter “uma vaga ideia de futuras ações” – frase do item 20, e representativa de visão ansiosa do futuro no instrumento – pode se assemelhar, na compreensão dos participantes, a “manter o futuro aberto 161 e sem muitos compromissos”, conforme o item 25. E ainda, tal abertura pode carregar em si certa dose de ansiedade. Assim, devido a essa mescla dos itens de dois fatores diferentes, optei por retirá-los da análise. A extração parcial é apresentada no Apêndice F e a solução fatorial final se encontra na Tabela 25, contemplando denominação dos fatores, itens, respectivas cargas fatoriais e comunalidades (h²), além da informação sobre número de itens por fator, valores próprios (eigenvalues), percentuais de variância explicada e coeficientes Alfa de Cronbach. A solução fatorial final para o IPT correspondeu a 24 itens, que mantiveram a fatorabilidade como adequada (KMO = 0,857; Teste de esfericidade de Bartlett: χ2 = 3411,557; gl = 276; p ≤ 0,001), e variância explicada de 48,429%. Tabela 25 Estrutura fatorial do Inventário de Perspectiva Temporal (Bardagi et al., 2015), com itens, cargas fatoriais, comunalidades (h²), número de itens, valores próprios, percentuais de variância e coeficientes Alfa de Cronbach. Fatores Itens Conteúdo 1 2 3 4 h² 26 Tenho o meu futuro bem definido. 0,749 -0,048 0,125 -0,142 0,599 16 Tenho projetos para o que quero fazer a longo prazo. 0,733 -0,139 -0,025 0,079 0,564 21 Tenho muitos projetos para o futuro. 0,729 -0,216 -0,043 0,010 0,580 27 Sigo com entusiasmo para o futuro. 0,704 -0,012 -0,171 0,051 0,528 08 Tenho planos definidos para os próximos anos. 0,703 -0,148 0,002 -0,041 0,518 12 Gosto de pensar no futuro e nas coisas que poderei vir a fazer. 0,696 -0,157 0,021 0,165 0,537 11 Quando faço planos para o futuro tenho a certeza de que vou alcançá-los. 0,687 0,152 -0,012 -0,065 0,500 24 Imagino o futuro como uma época em que irei fazer muitas coisas. 0,612 0,006 -0,133 0,121 0,407 02 Sei muito bem quem sou e para onde vou na vida. 0,590 0,262 -0,035 -0,093 0,426 05 Gosto de estabelecer objetivos a médio e longo prazo. 0,568 -0,155 -0,041 0,102 0,359 01 Caminho de forma ordenada para os objetivos que estabeleci há muito tempo 0,558 -0,017 -0,095 -0,026 0,321 162 06 Penso que tudo está ligado e aquilo que faço hoje será importante para o meu futuro. 0,335 0,135 -0,227 0,245 0,242 23 Penso que a vida deve ser vivida um dia de cada vez. 0,090 0,693 -0,065 0,212 0,538 03 Gosto mais de viver o dia a dia do que fazer planos para o futuro. -0,165 0,682 0,058 -0,054 0,499 10 Prefiro pensar no presente porque o futuro é imprevisível. -0,030 0,676 0,191 0,074 0,499 17 Quando se pensa muito no futuro não se aproveita bem o presente. -0,062 0,628 0,137 0,185 0,451 14 Geralmente só decido na hora, não costumo planejar com antecedência. -0,148 0,590 0,278 0,089 0,455 07 Penso no futuro como sendo um buraco vazio e escuro. -0,191 0,001 0,788 0,082 0,664 22 Sinto que o futuro é um grande vazio que vai me puxando. -0,118 0,183 0,752 0,026 0,613 04 Penso que a vida não tem um padrão nem tem sentido. -0,058 0,181 0,642 0,026 0,449 13 Caminho para o futuro um pouco à deriva, não por opção mas porque não consigo parar. 0,170 0,145 0,504 0,232 0,358 15 Gosto de recordar o meu passado e de como era a vida antes. 0,002 0,126 0,127 0,778 0,637 09 Penso frequentemente nas coisas boas que me aconteceram no passado. 0,146 0,155 0,029 0,707 0,546 19 Gostaria de voltar a ser criança quando tudo era mais fácil. -0,074 0,061 0,104 0,559 0,332 Valores próprios 5,46 3,18 1,61 1,37 - Percentual de Variância 22,751 13,257 6,707 5,714 - Percentual de Variância Acumulada 22,751 36,008 42,715 48,429 - Alfa de Cronbach 0,874 0,724 0,674 0,566 - Fator 1: Orientação ao Futuro; Fator 2: Orientação imediatista; Fator 3: Visão ansiosa de futuro; Fator 4: Orientação ao passado. Esse instrumento foi escolhido para ser utilizado com a população do presente estudo por ter sido criado em língua portuguesa, e especificamente para trabalhar com adolescentes. Além disso, apesar de ser um instrumento originalmente português (Janeiro, 2012), foi validado e utilizado com jovens no cenário brasileiro (Bardagi et al., 2015). Nesse estudo o instrumento foi bem compreendido pelos participantes, tendo mantido sua estrutura fatorial com bons e aceitáveis índices de confiabilidade de seus fatores, com exceção do fator de passado, o que 163 pode estar relacionado ao seu pequeno número de itens. Além disso, o interesse maior residia na investigação da perspectiva temporal de futuro (PTF), e esse instrumento a considerou baseando-se em itens que contavam com conceitos de extensão no futuro, clareza, densidade, continuidade e otimismo (Janeiro, 2012), possuindo uma abordagem mais ampla dessa perspectiva. Ainda assim, não foram encontradas associações significativas entre os fatores do IPT e a adoção de práticas de cuidado ambiental auto-relatadas, por meio da prova U de Mann- Whitney. E isso chama a atenção, considerando que a literatura afirma que a adoção de estilos de vida sustentáveis pressupõe um mínimo de consideração com essa dimensão temporal (Corral-Verdugo et al., 2009). Ainda assim, a falta de associação pode dever-se à adoção de condutas de proteção/cuidado ambiental sem ter uma motivação relacionada com sustentabilidade, e nesse sentido, essa prática pode ter outras motivações, até mais imediatas, como, por exemplo, a redução de gastos na conta de luz, ao economizá-la; não necessariamente pensando no futuro associado a essa ação. Outra possível interpretação para essa ausência reside na natureza do instrumento, e em seus itens. A escala de PTF traz itens com redações que enfocam tarefas, atividades e planejamento do futuro, o que pode não ter relação com os interesses pró-ecológicos, não diferenciando cuidadores de não-cuidadores. Ou seja, tais interesses podem continuar existindo independentemente do grau de clareza sobre em que tarefas futuras os jovens venham a se engajar. Itens como “Tenho o meu futuro bem definido”, “Tenho projetos para o que quero fazer a longo prazo”, “Tenho planos definidos para os próximos anos” e “Quando faço planos para o futuro tenho a certeza de que vou alcançá-los”, por exemplo, podem se associar muito mais à realidade contextual do jovem norte-riograndense, que envolve o ENEM, e decisões profissionais. Além disso, autores ressaltam que vivemos com base em um imediatismo, oriundo da 164 aceleração do ritmo atual de vida a que estamos submetidos (Geissler, 2002; Ladner, 2009; Southerton, 2003). Isso colaboraria para um “encurtamento” das projeções e metas para um futuro mais próximo, com consequências futuras que são mais imediatas; o que fornece sentido a esses resultados ao evidenciarem também a boa consistência do fator de orientação imediatista, ainda que esse não tenha se associado com a prática de cuidado ambiental. Os adolescentes estão iniciando suas habilidades de projeção e organização de futuro (Papalia et al., 2006), e suas preocupações são dirigidas a uma curta distância de tempo, correspondem às metas com consequências de curto ou médio prazo (Nurmi, 2005), tais como os estudos, ou até mesmo com o salário no fim do mês, no caso de adolescentes trabalhadores. Os resultados dessa pesquisa podem ser reflexo, então, desse caráter de imediatismo do desenvolvimento social do jovem. Nesse sentido, como destacado por Nurmi (2005), todos consideram o futuro. A questãoque se levanta aqui é quais os aspectos qualitativos desse futuro, pensado pelos adolescentes, e quão extenso ou imediato esse é. Por isso, apesar da ausência de associação da PTF com o cuidado ambiental, esse resultado é extremamente relevante para que se questione que tipo de futuro está associado ao cuidado ambiental, e como discuti-lo no cenário escolar, estimulando a consideração por tal perspectiva em projetos de educação ambiental. Afinal, os adolescentes começam também, além de cumprir tais exigências e requisitos sociais de curto/médio prazo, a se preocupar com temáticas abstratas, como política e meio ambiente (Nurmi, 2005). Com relação ao posicionamento sobre MCs identificado na etapa 01, os resultados não encontraram associações significativas entre ele e os fatores do IPT, nem com a percepção de consequências locais. Todavia, chamou atenção o fato de que, pela prova U de Mann-Whitney, houve associação significativa entre o fator de visão ansiosa de futuro e os adolescentes que mencionaram não saber sobre MCs (U = 4039,000; z = -2,167; p = 0,03), conforme exposto na Tabela 26. 165 Tabela 26 Médias (M), desvios-padrão (DP) e mediana (Md) do fator de visão ansiosa de futuro para a variável Não sei Fator Afirmou não saber sobre MCs Sim (n = 26) Não (n = 416) M (DP) Md M (DP) Md Visão ansiosa de Futuro 2,43* (1,16) 2,29 1,93* (0,96) 1,74 Esse foi um resultado interessante, e que não havia sido previsto, mas que parece corroborar os dados da literatura, na medida em que a visão ansiosa de futuro representa uma visão negativa em relação a essa dimensão temporal, com itens representativos de angústia e ansiedade (Janeiro, 2012), e esses sentimentos são também associados à desconsideração das MCs. Nesse sentido, Clayton et al. (2015) afirmam que sentimentos negativos, ansiedades e preocupações podem culminar muito mais em apatia, do que interesse pelo assunto. Desse modo, ratifica-se o fato de que estratégias comunicacionais que apelem para o medo, por exemplo, poderão não produzir o engajamento desejado (O’ Neill & Nicholson-Cole, 2009). Além disso, houve um outro indicativo interessante que importa destacar, apesar de apenas ter se aproximado da significância. Foi identificada uma possível associação entre o fator orientação imediatista e a categoria mensagens de conservação (U = 6608,00; z = -1,859; p = 0,063). No caso, os alunos que forneceram tais recados possuíam uma média maior no fator de imediatismo (3,05, com desvio padrão de 0,914 e mediana: 2,80) do que os que não forneceram (2,76, com desvio padrão de 0,915 e mediana: 3,19). Essas mensagens de conservação representam um discurso da desejabilidade social, de superficialidade. O recado sobre ser necessário cuidar da natureza, sem se vincular com as MCs, e sem dizer quem cuidaria, nem como, pode estar atrelado justamente a essa lógica imediatista, descompromissada de ações concretas, sem representar um conhecimento sobre o assunto, e que apenas responde como acha esperado e correto o que é perguntado no determinado 166 momento. Evidentemente que essas considerações não são postas como verdades a serem generalizáveis, mas são feitas com o intuito de reforçar a necessidade de projetos na escola que trabalhem ações concretas, que saiam do discurso ensaiado, e que se atrelem ao futuro, ou seja, que tais ações possam ser vistas pelos alunos em continuidade ao longo do tempo. 8.3. Escala de conectividade com a natureza A análise da fatorabilidade dos dados também indicou adequação do banco de dados para realização da análise fatorial (KMO = 0,821; Teste de Esfericidade de Bartlett: x² = 1005,497; gl = 91; p ≤ 0,001). A primeira análise fatorial exploratória realizada considerou os valores próprios (eigenvalues) maiores que um. Essa gerou uma solução de quatro fatores, que, apesar de um bom índice de variância explicada (50,149%), também não condizia com as bases teóricas. Posteriormente, realizamos uma extração que obedecia à perspectiva teórica adotada, sugerindo a unidimensionalidade da escala (Mayer & Frantz, 2004). O gráfico de sedimentação corrobora esse número, pois, indica a existência de um fator proeminente em relação aos demais (Figura 4). 167 Figura 4. Gráfico de Sedimentação da primeira extração fatorial realizada, a partir dos 14 itens da Escala de Conectividade com a Natureza. Ao realizar essa extração, a variância explicada foi reduzida para 24,936%, e os itens 04, 12 e 14, que são revertidos durante a análise, não obtiveram cargas fatoriais acima de 0,30 e, por isso, foram excluídos. Suas redações expressavam uma não-conectividade com a natureza (04: “Frequentemente me sinto desconectado da natureza”; 12: “Quando penso no meu lugar na Terra, me considero como um membro superior de uma hierarquia que existe na natureza”; e 14: “Meu bem-estar pessoal não depende do bem-estar do mundo natural”). A extração seguinte a essa exclusão, manteve a fatorabilidade dos dados, e a variância explicada aumentou para 30,625%. A Tabela 27 contempla a denominação do fator, itens, respectivas cargas fatoriais e comunalidades (h²), valor próprio, percentuais de variância explicada e coeficiente Alfa de Cronbach. O histórico de eliminações de itens se encontra no apêndice G. 168 Tabela 27 Estrutura fatorial da Escala de Conectividade com a Natureza (Mayer & Frantz, 2004), com itens, cargas fatoriais, comunalidades (h²), número de itens, valor próprio, percentuais de variância e coeficientes Alfa de Cronbach Itens Conteúdo Fator 1 h² 11 Assim como uma árvore pode ser parte de uma floresta, eu me sinto parte de um mundo natural mais amplo. 0,704 0,496 09 Com frequência eu me sinto parte da teia da vida. 0,645 0,416 01 É comum eu me sentir em conexão com o mundo natural que me rodeia. 0,643 0,413 07 Eu sinto como se eu pertencesse ao planeta Terra da mesma forma que ele me pertence. 0,635 0,404 05 Eu me imagino fazendo parte de um grande ciclo da vida. 0,579 0,336 02 Eu considero o mundo natural como uma comunidade à qual eu pertenço. 0,555 0,308 06 É frequente eu me sentir aparentado com animais e plantas. 0,522 0,273 03 Reconheço e valorizo a inteligência de outros seres vivos. 0,512 0,262 10 Eu acho que todos os habitantes da Terra, humanos e não-humanos, compartilham a mesma “energia de vida”. 0,439 0,193 08 Tenho uma profunda compreensão de como minhas ações afetam o mundo natural. 0,378 0,143 13 Eu não me sinto mais importante que a grama no chão, ou que os pássaros nas árvores. 0,355 0,126 Valores próprios 3,369 - Percentual de Variância 30,625 - Percentual de Variância Acumulada 30,625 - Alfa de Cronbach 0,759 - Fator 1: Conectividade com a Natureza O escore fatorial de conectividade com a natureza se associou significativamente com a adoção de práticas de cuidado ambiental (U de Mann Whitney = 17100,500; z = -4,404; p ≤ 0,005), conforme Tabela 28. 169 Tabela 28 Médias (M), desvios-padrão (DP) e mediana (Md) do fator de conectividade com a natureza para a variável prática de cuidado ambiental Fator Tem/teve cuidado c/ ambiente? Sim (n = 353) Não (n=131) M (DP) Md M (DP) Md Conectividade com a natureza 2,51* (0,56) 2,54 2,25* (0,58) 2,23 Esse resultado concorda com a literatura, na medida em que essa sugere que o sentimento de conectividade com a natureza se associa a elementos pró-ecológicos (Collado et al., 2015; Mayer & Frantz, 2004; Schultz, 2002). O que ressalta a importância de estimular com as crianças e adolescentes o contato com a mesma; afinal, esse contato desde cedo na infância contribui para existência de um cuidado ambiental na vida adulta (Collado et al., 2015).Esse é um enorme desafio para familiares e educadores, considerando fenômenos da atualidade que aumentam a artificialização das vivências e desconexão com o mundo que nos cerca, seja por causa do sentimento de insegurança pública, que impede que crianças se engajem em atividades extra-muros, ou pelo excesso de tecnologia que encantam os olhos dos pequenos e prendem atenção dos adolescentes. As áreas rurais vêm sendo identificadas – ainda – como provedoras de maior contato com a natureza (Collado et al., 2015). E de fato, este estudo identificou associações significativas entre a conectividade e os adolescentes residentes no interior (U = 21798,500; z = -3,663; p = p ≤ 0,005), conforme Tabela 29. 170 Tabela 29 Médias (M), desvios-padrão (DP) e mediana (Md) do fator de conectividade com a natureza para a variável local de moradia Fator Local de moradia Interior (n = 178) Capital - Natal (n = 306) M (DP) Md M (DP) Md Conectividade com a natureza 2,57* (0,51) 2,59 * 2,36 (0,59) 2,40 Todavia, os autores chamam a atenção também para a qualidade desse contato, pois ele pode acontecer por diversos motivos e de diversas formas; pode ser uma relação utilitarista de lazer, ou de necessidade pelo trabalho, ou de hábito, por ser residente de áreas cercadas por espaços naturais. Esse é um risco que envolve as cidades participantes, principalmente no interior, afinal, o hábito pode se associar à apatia. Ao considerar que esse estudo não encontrou associação entre o cuidado ambiental e o local de moradia (esse foi declarado em proporções semelhantes tanto por moradores do interior como na cidade), destaca-se tal ressalva para projetos de educação ambiental, estimulando uma conectividade com a natureza que tenha um sentido de pertencimento apontado pela literatura (Olivos et al., 2011), e vinculada a uma perspectiva de futuro, como dimensão psicológica da sustentabilidade (Corral-Verdugo, 2011). Com uma análise da correlação entre os escores fatoriais da conectividade com a natureza e da orientação de futuro da IPT, foi possível observar dados que corroboram a discussão do parágrafo anterior, uma vez que as duas variáveis se correlacionaram expressiva e significativamente em r = 0,37. O escore ponderado de conectividade com natureza gerou uma média de 2,44 (DP = 0,58), com limites mínimo de 0,84 e máximo de 3,80, que são valores que podem ser considerados baixos para a escala utilizada. Há um cenário natural que estimularia a conectividade com a natureza nos adolescentes, com praias, parques e sítios, por exemplo; mas, como dito anteriormente, também temos videogames, iphones, internet e netflix, além de um 171 cotidiano marcado pelo imediatismo e pressa nas famílias, oriundos de uma lógica neoliberal (Ladner, 2009; Southerton, 2003). Esses dados, portanto, embasaram a necessidade de questionar sobre o sentimento de conectividade com a natureza também nas rodas de conversa realizadas. Para além disso, a escola pode assumir um papel importantíssimo diante desse cenário, afinal, como afirma Caetano (2014), essa instituição, como detentora de conhecimentos sobre desenvolvimento pedagógico e humano, tem por obrigação o papel de aproximar os pais e responsáveis da discussão crítica sobre fenômenos sociais e sobre aprendizagem e, porque não, sobre a relação com o meio ambiente – superando aquela dicotomia entre escola, que ensinaria conhecimentos científicos, e família, que educaria com base em seus princípios. A escola é um espaço privilegiado para dar o primeiro passo nessa aproximação, não precisando aguardar que seja uma iniciativa apenas da família (Caetano, 2014), já que, nela, existem profissionais que podem fazer o papel de guias experientes para surgimento de competências ambientais (Heft & Chawla, 2005), não só nos alunos, mas também nos seus familiares e responsáveis. Com relação ao posicionamento sobre MCs da etapa 01, esse estudo encontrou associação significativa entre a conectividade com a natureza e a atribuição de responsável (U =16249,500; z = -2,250; p ≤ 0,05) e a percepção de consequências locais (U = 21498,00; z = - 2,184; p ≤ 0,05), conforme Tabelas 30 e 31. Tabela 30 Médias (M), desvios-padrão (DP) e mediana (Md) do fator de conectividade com a natureza para a variável de atribuição de responsáveis Fator Atribuição de responsável Sim (n = 116) Não (n =326) M (DP) Md M (DP) Md Conectividade com a natureza 2,57* (0,57) 2,60 * 2,36 (0,58) 2,45 172 Tabela 31 Médias (M), desvios-padrão (DP) e mediana (Md) do fator de conectividade com a natureza para a variável de percepção de consequências locais Fator Percepção de consequências locais Sim (n = 339 ) Não (n = 145 ) M (DP) Md M (DP) Md Conectividade com a natureza 2,47* (0,59) 2,53 2,37* (0,53) 2,34 É interessante notar que a média de conectividade foi maior por parte daqueles que atribuíram responsabilidade pelas MCs, mas não houve associação de outras categorias como causa, consequências gerais ou solução. Seria a discussão de responsabilidades um caminho promissor para ampliar a visualização das MCs no âmbito local? Como já mencionado, a percepção de responsabilidade tem sido apontada como um preditor de comportamentos pró- ambientais (Kaiser & Shimoda, 1999), e tem aparecido nos estudos de forma espontânea (Barros & Pinheiro, 2013). Assim, tal resultado reforça que essa atribuição seja debatida pela educação ambiental, porém, de modo que possa ser modificada para além da culpabilização, em direção ao engajamento em ações de mitigação. Em relação à associação da CN com a percepção de consequências locais, é possível afirmar que há uma concordância com a literatura. A conectividade com a natureza pressupõe a vivência, a experiência no e em contato com os cenários locais, sendo assim, faz sentido que a observação de impactos nesses locais tenha sido feita por pessoas com maior média de conectividade. Tais achados caminham na direção do fortalecimento dos pressupostos teóricos adotados por essa tese, ao entender que a consideração das MCs pode ser maior e mais bem feita pelas pessoas à luz de indicadores de estilos de vida sustentáveis. Isso porque, além da conectividade com a natureza ter se associado, por um lado, com a percepção dos impactos 173 locais e, por outro, com as práticas de cuidado ambiental, a percepção dos impactos locais também se associou com as práticas de cuidado. Com base nesses achados, também realizei análises de regressão logística com vistas à investigação de associações integradas entre os indicadores utilizados (variáveis preditoras) e o posicionamento sobre mudanças climáticas (variáveis critério). Algumas relações significativas foram obtidas, porém com um R² muito baixo – por isso optei por não me deter na análise de tais resultados. Isso pode ter ocorrido devido a vieses metodológicos do próprio estudo, e não porque não haja relações quantificáveis entre posicionamento sobre MCs e indicadores de EVS. Esses vieses se referem à natureza exploratória do estudo, que optou por utilizar questões abertas sobre MCs, obtendo dados qualitativos a serem explorados em associação com dados quantitativos oriundos das escalas. Nesse sentido, as associações obtidas pela regressão condizem com os achados descritos acima, e, apesar de sua limitação, sugerem caminhos para novas investigações que busquem – a partir desse primeiro esforço exploratório – aprofundar-se nessas interações, de modo diretamente quantitativo, se for esse o caminho escolhido para análise dessas relações. Importante lembrar também que indicadores de EVS como os utilizados aqui têm sido cotejados com variáveis indicadoras de predisposições e comportamentos pró-ecológicos de outros níveis, que nãoos relativos às MCs. 174 9. A contribuição de professores: um olhar sobre o posicionamento e contexto ecológico do adolescente Este capítulo destina-se à apresentação e discussão das informações obtidas a partir das falas de professores registradas em entrevistas realizadas, como fase mediadora entre as etapas deste estudo. Essas informações auxiliaram na compreensão mais aprofundada dos dados obtidos na primeira etapa, na medida em que as entrevistas incluíram a visão desses profissionais sobre o questionário empregado com os alunos, escalas e conceitos envolvidos, além de suas condições de existência, no que se refere ao seu contexto ecológico. Ao mesmo tempo, as informações obtidas nas entrevistas cumpriram a função de orientar o planejamento e execução das rodas de conversa com os alunos na etapa seguinte do estudo. A entrevista com os professores se fundamentou no olhar ecológico utilizado nessa tese, entendendo que esses professores representam alguns dos atores presentes na vida do adolescente, que podem exercer o papel de guias experientes para o estímulo à competência e participação pró-ambiental do jovem, por meio do estabelecimento de estratégias, tais como de comunicação, de criação de affordances pró-ecológicas em seus contextos, e na organização do setting escolar para dar acesso a tais affordances. As próximas seções apresentam e discutem as falas desses profissionais por meio da análise de conteúdo de base interpretativa (Braun & Clarke, 2006). A análise de dados se norteou inicialmente com base em quatro aspectos direcionadores, estabelecidos a priori. O primeiro referia-se às ideias dos professores sobre o jovem em relação às MCs: o que incluía como abordar o problema com eles, os desafios, as dúvidas e as incertezas mencionadas. O segundo referiu-se ao entendimento do contexto do adolescente na visão desse professor. Esses 175 dois aspectos direcionadores geraram eixos temáticos presentes nas falas dos professores, que são apresentados nas seções 9.1 e 9.2, respectivamente. Os outros dois aspectos norteadores da análise foram de ordem mais instrumental, um com objetivo de compreender como os professores enxergaram o questionário aplicado aos adolescentes e suas opiniões sobre ele, e o outro com intuito de identificar contribuições para estruturar as rodas de conversa, elencando tópicos interessantes para serem aprofundados com os adolescentes e opiniões mais diretas dos professores sobre como estruturá-las. Esses dois aspectos e seus eixos temáticos são apresentados e discutidos nas seções 9.3 e 9.4, respectivamente. Ao considerar a análise de conteúdo de base interpretativa, importa mencionar que os eixos temáticos se justapõem, somam-se, complementam-se. Por exemplo: as contribuições para as rodas não foram pensadas apenas a partir desse último aspecto. Porém, ele teve um caráter organizador da estrutura a ser levada para as rodas de conversa, e que se encontra no Apêndice D. Outras situações de complementaridade serão expostas ao longo da discussão das falas. Com o objetivo de tornar mais clara essa divisão entre eixos temáticos, apresento a Tabela 32 que os resume, para, em seguida, fazer a discussão mais detalhada dos mesmos. 176 Tabela 32 Aspectos norteadores para análise das entrevistas e eixos temáticos extraídos a partir de cada aspecto 9.1. Ideias dos professores sobre a relação: adolescente e MCs 9.2. Contexto de inserção do adolescente 9.3. Opinião dos professores sobre o questionário aplicado ao adolescente 9.4. Contribuições diretas sobre estratégias e tópicos de discussão para rodas de conversa Eixos temáticos: Eixos temáticos: Eixos temáticos: Eixos temáticos: 9.1.1. Visão de MCs como mais um problema ambiental 9.2.1. MCs como conteúdo programático 9.3.1. Preocupação com o desconhecimento sobre o problema (falta de informação e de leitura 9.4.1. Predominância do tema lixo (como causa) 9.1.2. Estratégias e ferramentas para abordar o tema 9.2.2. Projetos esporádicos sobre temas do meio ambiente 9.3.2. Sentimento de surpresa ao saber do viés do otimismo 9.4.2. Consequências e soluções - globais e locais 9.1.3. Contato com a prática 9.2.3. Inexistência de projetos sobre MCs 9.3.3. Questionário compreendido como prova pelo aluno 9.4.3 Sentimento de satisfação e interesse ao ser implicado, (papel ativo do jovem) 9.1.4. Interdisciplinaridade 9.2.4. Dificuldades institucionais 9.3.4. Não compreensão da diferença entre “clima” e “tempo” 9.4.4. Viés do otimismo na interpretação dos adolescentes 9.1.5. Desafios para abordar/comunicar sobre o tema 9.2.5. Contato com a realidade e com a natureza 9.4.5. Como o adolescente se vê conectado 9.1.6. Visão positiva sobre o jovem 9.2.6. Presença de guias: pessoas experientes 9.2.7. Continuidade e interdependência 9.1. Ideias dos professores sobre a relação: adolescente e MCs Com relação às ideias dos professores no que diz respeito aos adolescentes face às MCs, foram identificados seis eixos temáticos: 9.1.1. Visão de MCs como mais um problema ambiental; 9.1.2. Estratégias e ferramentas para abordar o tema; 9.1.3. Contato com a prática; 9.1.4. Interdisciplinaridade; 9.1.5. Desafios para abordar/comunicar sobre o tema; 9.1.6. Visão positiva sobre o jovem. Nas páginas que se seguem apresento detalhadamente as falas dos professores por meio de nomes fictícios. 177 9.1.1. Visão de MCs como mais um problema ambiental A complexidade das MCs, sua abstração e difícil percepção, vem sendo destacada por diversos autores (Clayton et al., 2015; Gifford, 2011; Pawlik, 1991; Uzzel, 2000). Todavia, os professores entrevistados, apesar de reconhecerem especificidades das MCs, não as enxergam como algo que signifique outra coisa senão mais um tipo de problema ambiental, no sentido de que esse assunto pode ser comunicado e ensinado com vistas à sua mitigação, do mesmo modo como qualquer outro problema. A diretora Edna, nesse sentido, menciona: “Pode.... MCs pode ser discutido como outro problema ambiental, por meio de exemplos, para eles enxergarem o que está acontecendo agora, e do que poderá acontecer no futuro. Porque é uma questão que você vai trabalhar globalizado né?” Outros professores são mais claros em assumir as diferenças do problema. É o caso de Éric, quando diz que MCs não podem ser trabalhadas com alunos do mesmo modo. Ele afirma: Não, tem que ser diferente. Eu acredito que tem que ser totalmente diferente. Veja o regime das chuvas: estamos no outono, mas as chuvas estão maiores do que no inverno, tá tudo desorganizado. Então eu não posso tratar a questão do meu lixo, da coleta seletiva de lixo, que tá passando ou não está passando no meu bairro, ou como é que está com essas e outras questões ambientais, claro que a gente tem que ter uma visão ampla em todas e tratar de todas, mas tem que ser separado também. Ainda assim, Éric concorda com a visão de que MCs é também um tipo de problema ambiental, mas que tem que ser comunicado separadamente informando suas especificidades. Os professores sempre exemplificavam, em suas respostas, situações a partir de problemas ambientais concretos e locais. Mesmos nos casos em que a pergunta da entrevista era diretamente sobre MCs, eles começavam falando sobre isso e terminavam exemplificando com aspectos voltados a falta de água, consumo e, principalmente, lixo. Assim, Edna menciona: “...é, diz, assim, ah eu vou jogar lixo aqui porque tem gente para varrer... eles ainda não têm essa consciência”; a diretora Patrícia exemplifica: “Eu tenho 178 na família pessoa formada em geografia, que joga papel no chão, e eu sempre digo, porque você está fazendo isso?”A fala do lixo também esteve presente no relato da professora Cristiane, de geografia, que disse: “O lixo é a cultura de tudo né? Eu digo que o lixo é um dos principais problemas ambientais, porque é aquele que a gente acha que não afeta em nada, é aquele que ninguém dá muita importância e passa a ser o mais grave”. Parece haver uma dificuldade de estabelecer relações entre aspectos globais e locais para além da visualização do lixo. Ainda que alguns professores conheçam mais aspectos teóricos das MCs, esses achados concordam com a literatura quando essa aponta que as interações entre vários elementos da dinâmica da mudança no clima permaneçam mais desconhecidas pelo público em geral (Weber & Stern, 2011). No entanto, isso também pode estar relacionado à descrença de que a ação individual pode mudar algo em relação às MCs (Gifford et al., 2009; Gifford, 2011; Urbina-Soria & Fernández, 2006), e assim seria mais fácil se ater a aspectos mais concretos do cotidiano, como o lixo. Apesar das dificuldades inerentes às MCs, e com a compreensão de que ela é mais um problema ambiental, os professores também forneceram estratégias e ferramentas que visualizam como mais adequadas para comunicar sobre o tema com os alunos. É disso que trata o eixo temático seguinte. 9.1.2. Estratégias e ferramentas para abordar o tema Os professores mencionaram que para comunicar sobre MCs, em sala de aula, é necessário o uso de ferramentas visuais, como vídeos, imagens, slides, e de debates por meio da proposição e resolução de problemas. Além de recursos que impactem, sensibilizem, como acontecimentos reportados em notícias midiáticas ou ainda por meio de palestrantes, que não sejam os próprios professores afim de diversificar o cotidiano da sala de aula e promover interesse sobre o assunto. A professora Renata afirma sobre isso: 179 Dentro de sala de aula, no caso seria trazer essa vivência através de vídeos, a vivência de uma pessoa... um depoimento ou então trazer um engenheiro desses da usina eólica, para ele falar porque uma coisa é o professor falando ali todo dia e tal e eles estão cansados... mas trazer alguém de fora para falar mudou o rosto, mudou atenção, mudou interesse. O professor Daniel afirma: “você mostra e explica como funciona (...), então acho que trazer, por exemplo, um tipo de planta que esteja sendo afetada diretamente pela mudança climática global, e aí tá tendo problemas, e afirmar os problemas da região, eu acho que isso pode gerar sentido”. Percebe-se diretamente nessa fala que, mesmo dentro de sala de aula, estratégias de trazer concretamente o que há nas condições reais de vida podem favorecer à visualização do problema, e dar sentido ao que isso significa para os jovens, para além de ficar passando conteúdo expositivamente. Outra fala para exemplificar essas estratégias é a da professora Simone, quando afirma que comunicaria sobre MCs “através de problemas né? às vezes mostrando situação de pessoas doentes, né? Levantamento de doenças que são acarretadas pela poluição (...) doenças de pele por exemplo, para chamar atenção do impacto, da consequência, para trazer a causa, né?”. Sobre trazer problemas para a sala de aula em busca de propor soluções, o professor Éric menciona: “identifique em sua cidade um problema! Qual seria a solução? Você estaria disposto junto ao poder público fazer isso?”. Ao considerar o olhar ecológico, as falas desses professores podem ser entendidas como norteadoras para criação/estabelecimento de um behavior setting, cujo programa iria se referir à uma aula sobre mudanças climáticas – levando em conta o espaço físico da sala de aula e os atores envolvidos, seus componentes humanos e não-humanos (Barker, 1968). Nesse sentido, uma aula sobre isso não pode conter apenas componentes não-humanos tradicionais como carteiras, quadro e livro didático. É preciso ir além, envolver elementos atuais e que acompanhem o interesse tecnológico que o adolescente possui hoje em dia. Daí o apontamento do uso de slides, vídeos, imagens e reportagens, como ferramentas necessárias. Além disso, o 180 componente humano diversificado também é necessário, além do professor e dos alunos, indicam como ideal nesse setting a participação de pessoas de fora, que falem sobre suas vivências associadas ao problema global em questão. A fala da professora Simone também ressalta a importância de abordar temas do meio ambiente com os adolescentes a partir da própria sala de aula, como um relevante microssistema em que o adolescente atua. Nesse sentido, ela afirma “procurei fazer atividades dentro da sala de aula, porque muitas vezes eles consideram meio ambiente espaços muito grandes, macro, né? Muitas vezes eles não entendem que o espaço mesmo micro, o local em que eles se encontram é meio ambiente (...) então assim, eu ainda estou nesse passo de formiguinha com o micro com esse cuidado dentro do espaço menor que é a sala de aula”. Apesar das falas auxiliarem na estruturação de um behavior setting que favoreça à comunicação e consideração das MCs, os professores foram unânimes ao mencionar a necessidade de prática para abordar o tema. Dito de outra maneira, é necessário criar affordances, nos próprios espaços formais de participação escolar que extrapolem as paredes da sala de aula, e até mesmo o horário da aula. O professor Éric ilustra essa questão quando menciona: “praticando, praticando, a escola tem que pegar o aluno e praticar.”. Assim, a importância da prática, para além da sala de aula, foi outro eixo temático discutido a seguir. 9.1.3. Contato com a prática Para ensinar sobre mudanças climáticas globais com vistas à um engajamento pró- ecológico é necessário praticar. Para eles, é dessa forma que o adolescente pode ver onde se inserir, dando sentindo à sua aprendizagem. Isso se trata de criar e propor momentos de descobertas e de novas relações pessoa-ambiente, em que haja o engajamento em novas affordances. Esse conceito, detalhado na proposta do estudo (ver capítulo 5), refere-se a 181 percepções diferentes atribuídas aos aspectos ambientais e que surgem de sua imediata experiência (Gibson, 1979; Heft, 2013; Pinheiro, 2007). Nessa direção, exponho aqui algumas falas de professores que ilustram o destaque dado à necessidade da prática. O professor Daniel ao falar do projeto de criação de horta comunitária na escola afirma: “Você tirar o aluno da sala para ver com ele as coisas ao redor da escola mesmo, e realizar a atividade... a experiência que eu tô tendo até agora é de uma ótima aceitação nesse tipo de prática, comigo não existiu até agora mau aluno”. A professora Cristiane diz: Tem que praticar, e eu tenho que ter a minha prática também (...) adianta dizer para você que não é para desperdiçar água e todo dia eu lavo minha casa? Eu tô ensinando, mas não estou fazendo. Eu acho que não combina muito faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço. Faça o que eu digo porque eu já fiz e deu certo. O interessante dessa fala em destaque é que além de reforçar a necessidade da prática por parte dos alunos, Cristiane chama a atenção para o professor também mudar seu estilo de vida no que diz respeito à sua relação com o meio ambiente, porque não adiantaria ensinar aspectos teóricos que não se desdobram em um fazer associado. E para ela, para tratar de mudanças climáticas globais por meio da prática, seria necessário se desvincular do conteúdo programático para realizar momentos de discussão específicos sobre isso. Nessa direção, Cristiane afirma: “parar mesmo o conteúdo, e desenvolver um trabalho voltado para isso, (...), até fazer um projeto extra aula”, porque para ela “não dá para trabalhar só com a parte verbal, você tem que praticar”. Esses professores se referem a um contato com a prática que pode ser proporcionado formalmente dentro da própria escola. E por isso,esse eixo se difere (porém se complementa) com outro que será detalhado adiante, que é sobre o contato com a realidade/natureza. A diferença principal, apesar da prática poder ser proporcionada pela escola fora da escola, é que o contato com a realidade/natureza vai além dos muros da instituição, podendo ocorrer de 182 maneira informal (sem a participação e sistematização por parte da escola). Ainda assim, os professores deixam claro que essa prática no âmbito escolar é um primeiro passo para que o adolescente estenda tais práticas também para outros microssistemas que frequenta diretamente, como em seu nicho familiar. Assim, a professora Patrícia afirma: “Por exemplo esses projetos que a gente realizou (...) e muitos outros sobre o meio ambiente, eles internalizaram, porque eles estudaram, pesquisaram, e eles conseguiram passar isso para outras pessoas, os pais chegavam e diziam, meu filho, ah, ele já se preocupa”. Ainda sobre práticas no ambiente escolar, o professor Neto ressalta um projeto que ele realizou com esse intuito. O professor afirma: Aí teve todo um trabalho teórico inicial e depois tivemos várias aulas práticas, com esses alunos, né? A gente levou para conhecer o ambiente na escola porque foi uma coisa diferente, né? Porque eu saí da sala de aula, porque na sala de aula, o hábito, você falando é uma coisa, e você mostrando todo processo para o aluno, as dificuldades, o que acontece, dentro daquele espaço, no caso o nosso ambiente de trabalho foi principalmente a cozinha escolar, onde se gasta bastante água, ali a gente conseguiu identificar a grande quantidade de água que está sendo jogada fora, e que poderia ser reutilizada. E Cristiane afirma, por fim, que essas práticas poderiam ser postas a partir do conteúdo programático de cada professor. Ela menciona: “...e assim cada professor tem o seu conteúdo e dependendo do conteúdo desenvolve uma atividade voltada para aquilo, (...) aí já fica e por isso que eles têm essa prática maior”. A partir dessa implicação de todos professores, Cristiane começa a falar de outro eixo temático, trazido também por outros professores, a interdisciplinaridade. 9.1.4. Interdisciplinaridade A interdisciplinaridade foi apontada na fala dos professores como elemento indispensável para comunicar de modo eficiente sobre mudanças climáticas globais, no sentido de aumentar a consideração desse problema por parte dos adolescentes. Sobre isso Cristiane 183 menciona: “...para a gente desenvolver um trabalho desse tipo teria que ser um trabalho extra curricular, interdisciplinar poderia ser através de um projeto”. A professora Ane afirma: Eu sou muito a favor de trabalhar de forma interativa interdisciplinar, como a questão de ciências naturais. Eu acho que de repente Física, Química Biologia, já com Ciências Humanas poderiam trabalhar isso de forma interdisciplinar. De repente poderia se fazer um pequeno estudo histórico de como as mudanças climáticas afetam a sociedade, tem afetado ao longo dos anos, e por que elas estão mudando, essas coisas todas poderiam se fazer um projeto e em cima daí. Algumas falas mencionaram ideias para viabilizar essa interdisciplinaridade. A professora Ane mencionou que isso pode ser possível por meio da execução de mesas redondas em sala de aula. Ela afirma: Eu dei a ideia dessa mesa redonda sobre meio ambiente e sustentabilidade, para tentar tornar interessante para eles. Aí como seria essa mesa: o professor de história falaria dessas mudanças climáticas, enfim do que ele acha relevante falar nesse tema desde a revolução industrial, a visão deles sobre isso, a professora de Geografia, de Biologia, traria esses professores de outras disciplinas, aí no final, eu diria: ─ você pode pegar o argumento do professor de Geografia, de Biologia e formar o seu próprio. Todavia, ao mesmo tempo em que mencionaram a interdisciplinaridade como necessária, também apontaram que é um grande desafio implementá-la. Sobre isso, a professora Patrícia menciona que um dos problemas de se trabalhar o tema de forma interdisciplinar é seu caráter transversal no currículo acadêmico. Ela afirma: Eu acho que tem que ter um projeto escrito, e fazê-lo acontecer, sistematicamente porque fica naquela, né? Ah eu estou trabalhando meio ambiente, e eu estou trabalhando meio ambiente (...) precisa sistematizar isso, sinceramente falando, entra como temas transversais, aí fica aquela coisa mais livre, acaba não sendo de ninguém, eu acho que tinha que ter uma obrigatoriedade. Essa ideia se complementa com outros desafios apontados pelos professores, o que é detalhado no eixo seguinte. 184 9.1.5. Desafios para abordar/comunicar sobre o tema Ao considerar a impossibilidade perceptiva das MCs por meio de fatores sensoriais, a abordagem do problema é da ordem da comunicação social (Pawlik, 1991). No entanto, os estudos indicam que o conhecimento impreciso desse problema também é favorecido pelas incertezas que rodeiam o tema, havendo uma desconexão entre as perguntas e respostas dos especialistas e o público em geral (Oppenheimer & Todorov, 2006). Isso também foi mencionado pelos professores como um desafio para comunicar sobre MCs aos adolescentes. Nessa direção, a professora Renata afirma: Eu acho que a maior dificuldade para o professor é lidar com o bombardeio de informação, porque a gente tem muitas vertentes, de pessoas que acreditam que essa mudança na temperatura é natural, é uma variação da era glacial e tem que acontecer. (...) então o professor fazer, como é que eu posso dizer, uma análise um filtro de todas as informações que eles recebem tendo que ser imparcial (...) então esse é o principal desafio que eu percebo, é a gama de informações que eles têm, que a gente tem que filtrar e como lidar com isso. A ideia da professora Simone é complementar a essa, e pode ser ilustrada por sua fala: Hoje eu particularmente vejo o jovem e a criança muito suscetíveis a muitas informações, e muitas delas inúteis, e sem conexão. Sem sistematização, e aí eles se perdem nesse mundo de informações achando que sabem de tudo, mas na verdade não sabe aplicar aquela informação. A preocupação com as incertezas, o excesso informacional com aspectos contraditórios, também foram apontados pelos professores Luciana e Helder. Para esses professores, essa realidade não prejudica apenas à comunicação do problema, vai além, esse tipo de comunicação quebrada, confusa e divergente contribui também para inação dos jovens. É o que a literatura sobre dimensões humanas das MCs vem destacando. O processo comunicativo pode ser uma grande barreira ao engajamento (Clayton et al., 2015; Gifford, 2011). Nesse sentido, a professora Luciana menciona: Organizar isso (as informações) e para passar (...) E aí, é isso mesmo? isso existe mesmo? isso é de verdade? Será que realmente é ruim? que o homem tá querendo detonar então... e assusta entendeu? Outra questão que deixa a gente bem confusa é a 185 divergência de cientista para cientista, porque um diz que o homem influencia muito nas mudanças climáticas, existem outros que dizem que não, por exemplo eu já vi reportagem dizendo que não tá acontecendo esse derretimento de geleiras não é tão significativo quanto dizem, e você fica... como é que eu passo isso para o aluno? O que é que eu vou dizer? Você mesmo fica confuso sem saber o que assimila com seriedade para poder passar, entendeu? A mídia pode, portanto, funcionar como uma grande barreira à consideração das MCs (Gifford, 2011), o que é possível identificar nessa fala acima. Por outro lado, ela também pode contribuir para uma comunicação mais eficaz (Clayton et al., 2015). A literatura da área aponta a mídia como tendo um papel central nesse processo comunicativo. Afinal ela possui uma função mediadora entre os acontecimentos das várias partes domundo e às pessoas em suas específicas localidades (Doherty & Clayton, 2011). A professora Ane, nessa direção, destaca que a mídia também poderia estimular a mitigação das MCs, mas que raramente o faz. Sobre isso Ane reflete: Eu acho que tem até ver com a mídia também, a mídia sensacionaliza tudo, e às vezes têm umas coisas importantes, desde as consequências dessas mudanças climáticas que estão acontecendo aí que não são propagados, e como não é colocado de uma maneira interessante... Então pronto vai virando essa bola de neve, então certos temas para eu trabalhar eu tenho que dizer para eles: ─ Olha! Pode vir a cair no Enem! Ser interessante para o aluno é outro desafio mencionado por alguns professores. A professora Ane avalia que esse tema não é interessante para o adolescente, e nem sempre cai em avaliações como o ENEM. Essa ausência avaliativa faz com que seja mais difícil chamar a atenção do aluno para as MCs. Segundo ela: “...quando a gente fala de certos temas, acaba despertando mais interesse do que o meio ambiente. Aí realmente fica difícil. Para falar do assunto não é um desafio, mas para estimular ação, talvez seja”. A visão da professora Simone concorda com esse desinteresse. Ela menciona: Assim... É um universo muito grande para pouca maturidade, e aí ele não sabe filtrar, entender aquilo que pode ser absorvido, e aí vai informações que são importantes e que vai junto com as que não são importantes. Eu vejo nos meus alunos que o interesse maior deles é funk.... música.... dança. Os interesses deles estão voltados para isso, no namoro, na sexualidade, que é muito forte. 186 Nurmi (2005), assim como outros autores, destaca que há interesses característicos a esse ciclo/etapa da vida humana a partir de influências também macrossistêmicas, como as culturais (Calligaris, 2000). A preocupação com o emprego, com as relações interpessoais ganham destaque na adolescência. Todavia, nessa fase da vida, as pessoas já são capazes de compreender sentimentos, fornecendo-os não só a figuras concretas, como pais e amigos, mas também a entidades abstratas, como a conceitos de liberdade, por exemplo (Papalia et al., 2006). Sendo assim, porque não estimular afetos também pelo planeta e por temáticas relativas à proteção ecológica? Outros estudos vêm demonstrando que há sim espaço para o interesse juvenil em relação às temáticas de sustentabilidade (Nurmi, 2005; Wray-Lake et al., 2010). E, de acordo com essa visão, a falta de interesse não foi consenso entre os professores, e alguns apontaram uma visão mais positiva e proativa do jovem, que será apresentada no eixo seguinte. 9.1.6. Visão positiva sobre o jovem Para o professor Éric “tem uma hora que a juventude não pode mais ser figurante. Ela precisa ser protagonista.”. Essa capacidade de proatividade e o engajamento do adolescente em ações de mitigação são vistos por esses professores como aspectos possíveis e alcançáveis. Desde que os contextos, em que se inserem os adolescentes, facilitem, promovam e estimulem esse engajamento. Ele ainda acrescenta que nas escolas de sua cidade não há grêmio estudantil, nem líder de sala e diz que isso “é medo dos jovens crescerem e mudar o sistema”, e que há “essa falta de confiança e de credibilidade na juventude”. O professor Daniel avalia que não há dificuldades em abordar MCs com os adolescentes, se isso for feito de maneira a conectá-los com atividades práticas, e de seu dia-a-dia, em que se estimule o seu papel ativo, de modo que eles enxerguem um sentido para o que podem fazer. Nesse sentido, o professor afirma: Eu acho que nenhuma (dificuldade), pelo contrário, eu acho que eles têm aceitação e 187 eles preferiam que eu tratasse disso do que sociologia com certeza. É porque eles ficam... quem foi Marx... Ele fala sobre isso, Durkheim falou sobre isso..., isso é muito chato... Eu não suporto essas aulas... Eles gostariam se tivesse mais próximo a eles, do momento e principalmente, se eles tivessem a sensação que podem interferir. O professor Helder, ao relatar sobre um projeto desenvolvido por ele, também destaca o papel ativo do jovem. Ele afirma: “os jovens participantes estudavam, tinham conteúdo, tinha lá informação, mas também iam participar ativamente porque, por exemplo: tinham momentos que estudavam sobre controle social, mas também iam nos conselhos entrevistar conselheiro, participar de reuniões...” O engajamento e participação do adolescente também podem ser facilitados quando o jovem toma conhecimento sobre seu papel ativo, e em que esferas ele pode atuar. Assim, o professor Helder afirma: “E qual a conexão disso, como isso tem a ver comigo? Essa compreensão precisa ser organizada e trabalhada”. O professor entende que a abordagem das MCs de forma conteudista, sem participação juvenil, sem contato com a prática já mencionada, e de forma descolada de suas realidades contribuirá muito mais para inação. Ele afirma: “de repente a gente traz a discussão na sala de aula, e traz essas causas das mudanças climáticas, aí são coisas que eu e meu aluno, a gente não pode fazer nada, mas há coisas que a gente pode fazer, que a gente pode contribuir...”. A fala da professora Luciana complementa essa visão quando ela afirma: E os meninos levam isso em consideração, eles escutam, você mostra imagens. eles assimilam. O que eu tenho a ver com isso? O que é que eu vou fazer? Eu acho assim: a gente percebe que os jovens eles necessitam dessa abertura, para que eles possam se sentir capazes e que possam ajudar a contribuir, e quando eles não veem essa possibilidade, eles ficam apáticos. Em eixo anterior, mencionei que o excesso de informações divergentes foi apontado como uma dificuldade para discutir o assunto das MCs. No entanto, o professor Helder discorda dessa dificuldade, ao mencionar que isso não é tão relevante se pensarmos em promover a 188 participação proativa dos adolescentes. Para Helder, o professor sozinho não vai resolver esse dilema informativo, mas, ao invés de ficar no embate das vertentes científicas, ele pode promover uma discussão com os alunos com base em uma lógica preventiva. A seguinte fala de Helder ilustra essa ideia: Aí não seria, de repente uma das questões para nossas discussões (o excesso de informações contrárias), talvez seja mais importante discutir com os jovem, o aluno, quem estiver no meio dessa discussão, prevenir que isso aconteça do que a gravidade em que ela está (...) então muitas vezes a gente acaba discutindo os problemas e mais angustiando o estudante do que motivando. E, por fim, o professor Helder destaca os aspectos afetivos dos alunos. Uns vão gostar mais de um assunto sobre meio ambiente, outros vão gostar mais de outro. Essa ideia segue ao encontro do conceito de compromisso pró-ecológico (Gurgel & Pinheiro, 2011), ao destacar que o interesse pró-ecológico pode se desdobrar em diversos focos e práticas possíveis. Conforme exemplos citados por esse professor, uma pessoa pode se interessar mais pela prática da reciclagem, outra pela proteção dos oceanos, outra pela proteção da tartaruga marinha, outros podem se interessar mais em comunicar sobre o meio ambiente, por meio de fotografia e produção de jornais locais, e assim por diante. O professor Helder, nesse sentido, afirma: “também não dá para querer que o aluno veja tudo que eu acho que ele deve ver, tem aluno que vai mais gostar de um assunto, outro de outra coisa, tem alunos que não vão gostar do conteúdo”. Assim, ao comunicar sobre MCs é interessante relacioná-la com as condições de existência desses adolescentes, e despertar seu interesse para mitigar o problema por meio de ações distintas, pelas quais possam se vincular afetivamente. Os eixos temáticos até o momento abordaram como os professores enxergam o adolescente diante da temática das MCs, porém, ao relatar tais visões, os professoresmencionaram temas relativos ao contexto do adolescente, principalmente o escolar, compondo o próximo aspecto norteador da análise. 189 9.2. Contexto de inserção do adolescente Os eixos relativos a esse aspecto versam sobre como o contexto escolar “é” em relação à abordagem das MCs, e como o contexto escolar deveria “ser”, na opinião dos professores. Nesse sentido os eixos identificados foram: 9.2.1. MCs como conteúdo programático; 9.2.2. Projetos esporádicos sobre temas do meio ambiente; 9.2.3. Inexistência de projetos sobre MCs; 9.2.4. Dificuldades institucionais; 9.2.5. Contato com a realidade e com a natureza; 9.2.6. Presença de guias: pessoas experientes; 9.2.7. Continuidade e interdependência. 9.2.1. MCs como conteúdo programático Os professores revelaram que esse assunto faz parte da grade curricular das escolas, geralmente na disciplina de Geografia, tanto no Ensino Fundamental quanto no Ensino Médio. Algumas falas dos professores que ilustram essa informação são: “Sim, a gente tem isso na grade de Geografia, e tem também a professora de Biologia que trabalha” (Professor Neto); “Costuma ser visto no ensino médio né (...), em Geografia e Biologia também” (Professora Edna); “Logo no início do ano (do 9º ano do Fundamental) tem um capítulo do livro que trabalha globalização (...) e aí fala das mudanças climáticas também” (Professora Cristiane). 9.2.2. Projetos esporádicos sobre temas do meio ambiente Os professores mencionaram que as escolas realizam sim projetos de educação ambiental. Em seus relatos foi possível identificar dois pontos principais sobre esses projetos: os temas são de ordem mais concreta, sendo os principais água e lixo; e o caráter esporádico de suas ocorrências, sendo uma vez ao ano, e com pausas, ou seja, não ocorrem todos os anos. 190 Tal realidade foi constatada por meio de falas como: “Bom... ultimamente, fica muito a cargo do professor de Geografia, que, em sala mesmo, trabalha esses temas, mas a gente já teve projetos, deixa eu ver como é o nome... a gente fazia internamente pesquisa sobre a questão do meio ambiente, principalmente na questão da reciclagem” (Professora Patrícia). “Todo ano, quase, se trabalha essa questão ambiental” (Professora Edna). “Sim, ano passado como professor em sala de aula, eu consegui desenvolver uma temática que cabe muito bem na questão ambiental, e foi a respeito da água” (Professor Neto). 9.2.3. Inexistência de projetos sobre MCs As escolas, até então, nunca haviam realizado um projeto de educação ambiental que fosse voltado para o assunto. A professora Cristiane, ao mencionar que não trabalhou com projetos sobre MCs, afirmou: “Diretamente não, a gente fala em sala de aula, sobre o aquecimento global, no nono ano.” A professora Patrícia do mesmo modo disse: “Não, em projeto não. Mas em sala de aula, em Ciências e Geografia, mas assim, focado em um projeto só sobre isso não, a gente não fez ainda.”. 9.2.4. Dificuldades institucionais Diante dessas informações, os professores relataram existir dificuldades institucionais para abordar o tema. A primeira dificuldade refere-se à implementação da interdisciplinaridade mencionada. A fala da professora Patrícia, em eixo anterior, critica o caráter transversal que possui o tema do meio ambiente nos currículos das escolas. Porque o que deveria ser abordado por todos acaba se diluindo, de forma que ninguém se ocupa de se aprofundar no assunto. A crítica não está na admissão da transversalidade em si, mas em como isso se sistematiza nas escolas. 191 A professora Edna possui a mesma crítica quando menciona: “se passou muito tempo sem falar sobre essa questão ambiental, por que antes vinha como um tema transversal. Mas hoje a gente já está colocando dentro das disciplinas”. A professora Cristiane afirma: “às vezes se for fazer um projeto interdisciplinar tem que vir goela abaixo, naquele momento em que a direção determina, porque às vezes todo mundo traz as ideias no começo, mas depois vai diminuindo interesse”. A falta de interesse dos professores em fazer algo a mais, além do fornecimento de conteúdo, como projetos que proporcionem atividades práticas, também é mencionado por outros professores. Éric, Neto e Ane também mencionaram essa realidade. A fala a seguir, do professor Neto, exemplifica essa queixa: A escola é um espaço onde o professor pode estar criando projetos e buscando parcerias, e esses projetos podem até mesmo ser divulgados dentro da comunidade. É complicado mas... Olha, para eu levar um projeto desses, preciso primeiro ter espaços para divulgar, parcerias e isso requer tempo das pessoas. É muito desafiador tem que quebrar paradigmas dentro desse processo. Você tem que dar algo a mais de você para que isso aconteça. Preciso estudar para além daquilo que você vem fazendo, entendeu? E para que você saia daquilo em que você é confortável e enfrentar o desafio do novo, você encontra alguns obstáculos, entendeu? Da instituição, mas você tem que querer o novo e tem que se doar. Outras dificuldades apontadas são as estruturas e regras rígidas que devem ser cumpridas pela instituição escolar. Cronograma a ser cumprido, conteúdo programático a ser ministrado em dia, modelos de atividades pré-estabelecidos, e material didático pré- estabelecido – muitas vezes de realidades importadas do sul e sudeste do país. Nesse sentido, o professor Helder menciona que “na escola tem uma questão de muito não pode, e nas atividades da ONG a gente cria um espaço onde pelo menos quase tudo pode, aquilo de ultrapassar muro ir lá e fazer, o jovem tem oportunidade de encarar o desafio”. Para ele, a escola deveria “mesmo que não possa estar em todos os momentos, mesmo que seja pontual, mas ela também ultrapassar esse muro e ir lá fora para as atividades práticas”. Oportunizar o contato com uma diversidade de affordances deveria, portanto, fazer parte da 192 realidade formal do ensino, enxergando nisso um caminho para desenvolvimento de habilidades e competências pró-ecológicas (Heft & Chawla, 2005). A visão de Luciana complementa esse olhar e acrescenta dificuldades de recursos financeiros nas escolas públicas, quando ela menciona: “E assim, na escola quase tudo não pode, e quando pode, eu falo a questão do Estado, vem os projetos, mas aí por exemplo o ano passado a gente realizou as atividades que a gente teve condições com o que a escola ofereceu, porque o financiamento até hoje não chegou ainda.” Com relação ao material didático esses mesmos professores pontuam: E o professor muitas vezes condicionado ao livro didático, o que é uma coisa muito comum, o livro didático tem que servir de subsídio, mas não necessariamente está lá na distância do livro, mas ele pode ser uma forma de conhecer o que está lá fora, o que falta muitas vezes é a produção local, então assim, acaba, eu, como professor, conhecendo o que o livro didático está me mostrando e eu não conhecendo meu próprio local, porque tem professor que se surpreende quando vê uma tartaruga nascer” (Professor Helder). A professora Luciana afirma: “E os livros vêm muito do sul do sudeste, e aí quando chega, a escola entrega o livro didático para a gente e diz assim: traga mais para nossa realidade, porque quando a gente leva muito para o livro o aluno muitas vezes fica sem entender...”. Como as MCs não podem ser acessadas diretamente, seu ensino é feito a partir da construção de representações. O problema é que as representações trazidas pelos livros abordam realidades que não são as dos jovens. As MCs podem sim ser ensinadas por meio de representações segundo o olhar ecológico, mas é necessário que essas representações levem em conta sinais locais que também possam ser diretamente experienciados (Heft & Chawla, 2005). Assim, as falas desses professores ilustram não apenas amarras atuais existentes nos cenáriosescolares, mas também ilustram à necessidade de o jovem pensar e se apropriar de saberes de suas realidades locais. E é disso que se trata o eixo temático seguinte, que inclui discussões sobre como os professores acham que o cenário escolar diante das MCs deveria ser, ou o que deveria promover. 193 9.2.5. Contato com a realidade e com a natureza Além do contato com atividades práticas, que poderiam acontecer dentro da própria escola, os professores foram unânimes ao mencionar que, para abordar MCs com os adolescentes, é necessário vincular o tema à realidade local de suas vivências, e isso pode ser feito de modo teórico em sala, trazendo casos que acontecem em suas próprias cidades, ou, principalmente, por meio do contato direto com diferentes cenários, inclusive com a natureza, ou seja, com ambientes naturais. Essas ideias são coerentes com o que a literatura sobre o olhar ecológico em psicologia ambiental sugere, ao considerar que o contato com a natureza é apontado como sendo ideal para produção dessas affordances, porque os ambientes naturais podem ser mais maleáveis para crianças e adolescentes, podendo proporcionar experiências as mais diversas (Heft & Chawla, 2005; Winkel et al., 2009). Retomo que as affordances não são representações puramente mentais tomadas como realidade, são percepções construídas a partir do que as propriedades ambientais exteriores ao indivíduo possibilitam (Gibson, 1979; Pinheiro, 2007). O contato com um rio proporciona banhos refrescantes, brincadeiras, água para consumo humano, e é habitat de diversas espécies. Essas ideias ficam muito evidentes em falas do professor Éric, como exemplificado a seguir. Inicialmente, o professor faz uma crítica em relação às aulas de campo que as escolas proporcionam. Para ele: É que aqui eu sempre achei muito parado. Nós temos a APA Bomfim-Guaraíras, nós temos toda uma diversidade de espécies, de plantas, de tudo, uma cultura riquíssima, e que tem a ver com o meio ambiente. Só que os alunos saíam daqui para ir para outras cidades, eles aprendiam a preservar uma árvore que tinha lá em outra cidade e deixava de querer preservar o mangue que é dele, aqui da cidade que alimenta as famílias tudo isso. Ao buscar esse maior contato com a realidade local, esse professor organizou durante um ano, o que chamou de Tour Ambiental. Uma trilha pela mata e mangue locais, recurso que 194 para ele também pode ser explorado para ensinar os sinais locais das mudanças climáticas (Heft & Chawla, 2005). Nesse sentido, sua fala destaca: e eu ia explicando, olha aqui a mata, e essa diversidade, eles já iam conhecendo parte da mata, já vinham as perguntas, já vinham as histórias que os avós contavam em casa. Olha aqui é a lagoa que a minha vó lavava roupa, e aí eu dizia: ─justamente. E pode perguntar a sua avó, essa lagoa era maior e hoje ela está desse tamanho. A gente passava pela região de Mata Atlântica pela Lagoa de água doce, uma das únicas que têm aqui, tá acabando a Aranum, e aí terminava na lagoa de Guaraíras, que é a maior, e eu tenho assim como uma das mais importantes, porque ela sustenta a cidade. A noção de affordance está implicada claramente quando ele menciona os usos dados às lagoas de sua cidade. Quais relações podem ser estabelecidas pela comunidade com a lagoa em questão? Ao invés de ser um local desconhecido ou estranho para os adolescentes, o que Éric sugere é que eles possam conhecê-la, entender os usos que podem ser dados a ela, como ela auxilia no sustento financeiro da cidade, como seus avós a utilizavam, e como eles podem se relacionar com essa natureza para além do lazer. Em sua fala, implica-se que a construção de novas affordances possibilita o interesse, o cuidar, o que é coerente com o que a literatura afirma (Heft & Chawla, 2005). Nesse sentido ele acrescenta que é necessário “entrar em contato direto com a natureza. Sem medo de se melar. Ah! Esse negócio de terra, de inseto, não, nada disso. Sem medo!”. O professor Éric estende essas mesmas considerações, quando menciona diretamente as MCs, e a necessidade de ensinar seus aspectos locais, além da participação ativa do jovem, identificada em eixo anterior. O que pode ser ilustrado por sua fala: Vamos para a teoria, mas vamos para a prática, mudanças ambientais, mudanças climáticas, tudo isso é isso, pode usar vídeo, o que é que estamos fazendo para combater? E onde é que a nossa cidade tem dedo nisso? E ele está contribuindo para essas mudanças? Eu acho que é isso, inserir o aluno e fazer com que ele seja parte presente no desenvolvimento dos projetos, não só deixar o aluno, qual é a sua opinião? Minha opinião é essa e pronto, morreu e acabou o assunto. Não, não é isso, é inserir ele mesmo, de verdade, no contexto. 195 As falas da professora Luciana também podem ilustrar a relevância da conexão com a realidade local. Ela afirma: “Eu acredito que essa informação local do ambiente local, da cultura local, essas informações locais chegarem às escolas. Eu acho que vai ter um efeito positivo e mais saudável para todos”. Ela afirma ainda que se trata de “ensinar as conexões locais, porque se não fica muito distante, e o jovem acaba se desinteressando”. O professor Helder também reforça essa relevância do contato com a realidade local, quando diz: Muitas vezes o professor com dificuldade de entrar na discussão de mudanças climáticas de forma mais definida, acaba se detendo nas causas da internet. Então a coisa que precisa mudar é, no meu entendimento, o que provoca a mudança climática, como eu estou nesse contexto e o que é que pode ser feito, porque de repente eu começo a apresentar a mudança climática, a abordar o que a causa, e muitas vezes é aquilo que o jovem não pode fazer nada, você conhecer e conversar sobre aquilo, e aquilo acaba mais angustiando tornando-se sem sentido, do que o despertar da responsabilidade, da motivação de participar para contribuir também. Esse contato com a realidade local é algo que vem sendo mencionado como de extrema relevância pelo campo da educação há anos, inspirado por exemplo, pelo trabalho de Paulo Freire (1987). E o que os professores trazem é que o mesmo deve acontecer quando o tema central for problemas ambientais globais, como as MCs. Freire (1987) afirma que o conteúdo programático da educação deve se constituir a partir das visões de mundo dos discentes, impregnadas de seus anseios, dúvidas, esperanças ou desesperanças imbricadas em temas significativos, assim não se pode deixar de lado a situação concreta, existencial, presente das pessoas. Segundo Freire (1987), a educação autêntica não ocorre de “A” para “B”, mas de “A” com “B”, mediatizados pelo mundo, em que vivem às pessoas. Os educadores, muitas vezes movidos por boas intenções, podem acabar propagando a concepção de educação “bancária”, entregando conhecimento ou impondo aos adolescentes, no caso, um modelo do que devem ser ou pensar contido no programa educacional, cujo conteúdo os próprios professores organizam sem a consideração dessas condições de existência (Freire, 196 1987). O professor Helder também menciona que enxerga essa concepção bancária, e afirma que esse modelo deveria ser substituído pela integração da teoria, pesquisa e da prática, ressaltando o papel do professor para esse processo. Assim, o papel do professor é destacado pelas entrevistas, em geral, como um importante ator na execução das propostas que os entrevistados apontam. E por isso, essas ideias referem-se ao próximo eixo temático discutido. 9.2.6. Presença de guias: pessoas experientes A presença de guias, ou pessoas experientes que proporcionem o contato do adolescente com problemáticas ambientais é outra condição necessária para o desenvolvimento da competência e participação ambiental pró-ecológica (Heft & Chawla, 2005). Os professores diretaou indiretamente ressaltaram a importância desses atores existirem na vivência ecológica dos adolescentes. Essa importância é refletida na fala de Éric: “Eu era o guia, era o secretário, era o coordenador, era o que fazia tudo, e eu ia explicando olha aqui a mata...” O papel do outro e a mediação também é algo relevante para a aprendizagem e que vem sendo ressaltado por diversos autores, principalmente com base nas obras de Vygotski (1991). O contato com o outro e com o ambiente fornece oportunidade para os aspectos simbólicos serem construídos e descobertos. Os laços sociais e todo contexto socioeconômico mais amplo são de extrema relevância para a transmissão de complexas habilidades e significados simbólicos entre as gerações (Heft, 2013). Assim, o conhecimento de base comum que a sustentabilidade requer pode ser facilitado pela transmissão intergeracional (Heft & Chawla, 2005). Os professores entrevistados ressaltaram esses aspectos. Éric mencionou ainda a importância do professor para o despertar do interesse do jovem: “Eu ficava muito feliz quando 197 o professor fazia: olha o conteúdo tal e falava e isso relacionado ao meio ambiente. E quando ele só dava pistas e o nosso grupo ia descobrir, era muito legal aquilo”. A professora Cristiane também destacou: “E para o aluno diretamente é mais difícil despertar interesse, precisaria dos pais, dos professores, da escola, de alguém que trabalhasse isso com eles (...) e que tivesse como ajudá-lo para ele chegar nisso”. Ela amplia a possibilidade desses guias experientes e vai além da escola. A família também pode tomar parte nesse processo. O professor Helder pontua: “e que essa comunicação também haja com a família, para a família também entender o que é que os filhos estão fazendo”. Nessa mesma direção, o professor Neto afirma: “esse processo de sensibilizar não vai depender somente da escola, tem todo contexto familiar, como é que pode a escola falando uma coisa e a família outra?” O professor Neto ainda menciona que “além disso, influencia muito a questão econômica da sociedade, porque se eu trato em sala de aula para que ele não toque fogo na mata, e quando chega em casa vê o pai tocando fogo... e muitas vezes o pai não tem dinheiro para fazer de outra forma”. Assim, os cenários político-econômicos devem ser levados em conta ao ensinar sobre os sinais das MCs. Como já mencionei, importa que sejam debatidas as condições de existência do próprio jovem, e ainda, como os professores Éric, Edna e Helder mencionam que é necessária a participação juvenil na cobrança também de políticas públicas que forneçam suporte a essas ações. Por fim, o professor Helder sugere, nesse sentido, que os atores envolvidos devam criar espaços de participação e afirma que, além da existência de ONGs, “a escola precisa entender que ela pode criar esse espaço”, e diante disso, a primeira ação ao pensar em discutir mitigação das MCs é: “a escola mudar a forma de fazer educação ambiental”. Para a maioria dos professores essa mudança envolve a continuidade e a interdependência. Eixo discutido a seguir. 198 9.2.7. Continuidade e interdependência A continuidade se refere à necessidade de manter as ações e projetos que abordam a proteção ecológica ao longo do tempo, não sendo pontual e esporádica. E a interdependência se refere à importância de ensinar aos alunos as conexões entre os fenômenos da natureza e como isso envolve suas próprias vidas. Sobre o caráter contínuo, a professora Patrícia afirma que é necessário que haja um trabalho de educação ambiental com “escola, aluno e família, para que tenha essa continuidade”. A professora Edna menciona que “precisaria de mais ações (...) começa um projeto, no final do ano o projeto termina. Não tem uma continuidade”. A fala a seguir do professor Éric auxilia a ilustrar ambos os conceitos, de continuidade e interdependência: Meio ambiente? Quando é para falar de meio ambiente? Só 5 de junho? Não, meio ambiente não é só 5 de junho não. Lá em casa a roupa que eu visto, eu não quero ela só 5 de junho não, porque a minha roupa vem da terra né? (...) A batata que eu planto no meu sítio e a banana que eu planto no meu sítio não vai dar só em 5 de junho não. Ela dá o ano todinho, e é terra, é cuidado com o solo, cuidado com a água, cuidado com tudo isso. Ainda que o professor Éric não tenha usado a palavra interdependência em suas falas, suas ideias expressam esse princípio, que é uma das dimensões de um estilo de vida sustentável (Corral-Verdugo, 2010), e que devem ser pensadas pelas escolas. Isso pode ser exemplificado quando Éric afirma: Porque estamos numa teia né? (...) estamos aqui hoje, se me tirarem a lagoa de Guaraíras, eu ainda sou formado, mas se tirarem do pescador? Ele vai fazer o quê? Ele vai pescar o quê? Vai pescar na agricultura? Não vai, não tem peixe na roça. Então, é uma conexão, que nós temos que entender e estar preocupados com isso. As escolas têm que estar antenadas a isso. O professor Helder ressalta também a necessidade de entendimento de aspectos interdependentes como forma de elucidar para o aluno possíveis vias de atuação. O jovem 199 poderia atuar diante das MCs em vários cenários locais distintos, de acordo com seu interesse. O professor afirma: Não é proteger a tartaruga marinha que vai salvar o mundo, tartaruga marinha é uma forma que um grupo encontrou de contribuir para aquele animal não ser extinto, e nesse processo foi se entendendo aos poucos como ela também se relaciona. Antigamente se comprava a tela, e aí era colocar tela em todos os ninhos na área de raposa, depois começou se entender... pera aí... a gente tá interferindo muito, a gente tá super protegendo uma espécie, e a raposa-do-campo que não está em risco, mas é classificada em situação de vulnerabilidade, a gente tá tirando o alimento na área que ela come. Aí passou a deixar um ninho com tela e outro sem tela. Então esse é um exemplo de como trabalhando com tartaruga marinha foi possível se observar outras coisas (...) tartaruga marinha é um componente de todo um conjunto de questões a serem discutidas. O professor Helder repete que a chave para enxergar conexões das MCs envolve também uma mudança na forma como a educação ambiental é feita. Nesse sentido, a educação ambiental também é responsável por ensinar tais interconexões, é, portanto, para ser entendida como uma educação socioambiental e transformadora (Jacobi, 2003). Helder afirma: “...quando os meninos vão apresentar seminários aí vem com cartaz de preserve, cidade limpa, não jogue lixo no chão, ao invés de levantar assim: ─ Olha São Miguel do Gostoso tem uma reserva legal de 70 hectares”. Para ele é importante que o aluno reconheça várias situações e possa “entender que se a vegetação nativa for retirada, o vento vai arrastar dunas frontais, e vai facilitar que o mar avance também, e, então, a gente precisa que a vegetação esteja lá”. Diante do que vem sendo discutido, é possível sintetizar que os professores mencionaram, praticamente de forma unânime, a necessidade de contato com a prática, e de contato com a natureza como formas de viabilizar a maior consideração das MCs pelos alunos. Além disso, as falas até o momento auxiliam a pensar como proporcionar uma comunicação sobre MCs – nos contextos formais de participação – que promova engajamento pró-ecológico e de mitigação. As próximas seções apresentam ainda ideias dos professores que auxiliaram a elencar eixos temáticos de ordem mais instrumental, em um sentido retroativo – em que os professores 200 falaram sobre pontos despertados pelo questionário aplicado, e em um sentido projetivo – na medida em que me auxiliou a organizar, em um roteiro sistematizado, os tópicos a serem discutidos nas rodas de conversa (Apêndice D). 9.3. Opinião dos professores sobre o questionário aplicado aoadolescente Com relação às impressões dos professores despertadas pelo questionário, foi possível identificar quatro eixos temáticos: 9.3.1. Preocupação com o desconhecimento sobre o problema; 9.3.2. Sentimento de surpresa ao saber do viés do otimismo; 9.3.3. Questionário compreendido como prova pelo aluno; 9.3.4. Não compreensão da diferença entre “clima” e “tempo”. 9.3.1. Preocupação com o desconhecimento sobre o problema Os professores demonstraram preocupação sobre o que os adolescentes estão sabendo a respeito de problemas ambientais em geral e mudanças climáticas, também relataram que as respostas que foram fornecidas, provavelmente, refletem esses desconhecimentos. Essa impressão está de acordo com o que a literatura vem apontando, de que há um conhecimento confuso sobre MCs (Aksüt et al, 2016; Bord, Fisher, & O´Connor, 1998; Cabecinhas et al., 2006; Dunlap, 1998; Oppenheimer & Todorov, 2006; Sundblad, Biel, & Gärling, 2009). Alguns professores ainda mencionaram que o desconhecimento está atrelado à falta de informação e à falta de leitura sobre o tema, valorizando facetas teóricas, apesar de terem destacado a necessidade de contato com a prática. A professora Ane mencionou: “Não, mas assim, eu fiquei preocupada. Nossa! Eles não estão sabendo nada...”, e continua: “Primeiramente, tem que partir da questão da informação porque tendo informação gera conhecimento, fica muito prejudicada as respostas à sua pesquisa, a questão da leitura...”. 201 Mesmo aqueles professores que mencionaram haver um excesso informativo, e falta de acordo entre perspectivas científicas, concordam que essa incerteza leva, na verdade, à desinformação, ao não acesso a esses aspectos teóricos. É nesse sentido que a professora Simone afirma: Muitas vezes eu começo pelo conceitual, para depois chegar às consequências, né? As problemáticas no meio ambiente para indivíduo e sociedade (...), a gente faz atividades através de textos, slides, imagens, peço também que eles tragam pesquisas (...), então é basicamente assim que procuro trabalhar. Mesmo tendo mencionado outros elementos relevantes para o estímulo a um interesse pró-ecológico e de mitigação, os professores continuam assumindo como central o elemento puramente informativo. A educação outdoor, para além da sala de aula (Aksüt et al., 2016), apesar de ter sido bastante mencionada pelos professores, continua como um ideal, constituindo-se em uma realidade apenas esporádica. 9.3.2. Sentimento de surpresa ao saber do viés do otimismo Como já afirmei em capítulos anteriores, as mudanças climáticas não correspondem a um problema ambiental concreto diretamente visualizado, tocado ou sentido. Por isso, o papel que as escalas espaciais e temporais podem desempenhar em sua consideração vem sendo questionado por diversos autores (Clayton et al., 2015; Gifford et al., 2009; Uzzell, 2000). Nesse sentido, a literatura vem se debruçando sobre o conceito de distância psicológica. Tal conceito se refere à distância em que objetos e eventos são percebidos como existindo ou ocorrendo. Esse constructo tem sido entendido por meio de quatro dimensões: espacial (perto e longe), temporal (próximo e futuro distante), social (aspectos similares e diferentes) e incertezas (provável ou improvável). Assim, é possível supor que para as sociedades ocidentais contemporâneas – que tem contribuído de forma mais intensa historicamente, e que são menos vulneráveis aos impactos das MCs – as mudanças climáticas sejam percebidas como distantes 202 nessas quatro dimensões (Schuldt, Rickard & Yang, 2018; van der Linden, Maibach, & Leiserowitz, 2015; Weber, 2006;). A distância psicológica vem sendo apontada como uma grande barreira ao engajamento em ações de mitigação (Gifford, 2011; Scannel & Gifford, 2013; Schuldt et al., 2018). Nesse sentido, o viés do otimismo já explanado, e constatado na primeira etapa desse estudo, pode ser encarado como uma forma pela qual essa distância psicológica se evidencia. E assim, ao negar que o problema está próximo a mim, não há muito o que fazer que esteja ao meu alcance. Nessa direção, os autores se questionam se a redução da distância psicológica poderia se associar a um maior engajamento diante das MCs. De maneira sintetizada, a literatura aponta que investigações que ilustraram situações locais aos seus participantes (por meio de vídeos por exemplo) obtiveram maior disposição deles para se engajar em ações de mitigação, do mesmo modo, populações que vivenciaram inundações costeiras também se encontram mais dispostas a engajar-se (Scannel & Gifford, 2013; Schuldt et al., 2018). Esses dados fornecem suporte à visão ecológica discutida, reforçando a necessidade de se ensinar sinais locais dos problemas ambientais globais (Heft & Chawla, 2005). Nessa direção, os professores participantes demonstraram surpresa quando mencionei os dados encontrados do viés do otimismo. A professora Cristiane mencionou: “É como se fosse outro local, né? O mundo é uma coisa, Natal é outra, e não é, eles não percebem isso”. E acrescenta que “quando você aprende a cuidar do seu lugar, é que você vai aprender a cuidar de um todo”. A professora Luciana mencionou: “Como se o local não estivesse inserindo no mundo, né?” Simone, rindo, mencionou: “O quê? Eu vou torcer o pescoço deles...”; Daniel afirmou: “Olhe, interessante você me perguntar sobre isso...”, Ane mencionou: “Hãm? E o local não faz parte do mundo? Então incoerência da falta de informação...” A temporalidade também está expressa no reconhecimento e surpresa a respeito da distância psicológica. A professora Simone afirma que “o que é mais imediato para eles, eles 203 enxergam como problema ambiental”. Ela acrescenta que “é preciso abordar o assunto a partir de problemáticas que nós estamos sentido, furacões, tsunamis, ilhas que estão desaparecendo, as mudanças que já se sentem, secas prolongadas, chuva fora de época, então assim, trazendo informação que aproxima deles”. Em síntese, há um reconhecimento, por parte dos professores entrevistados, sobre a necessidade de reduzir essa distância psicológica, ainda que esse termo não tenha sido utilizado por eles. Isso se demonstra em vários eixos da entrevista, quando citaram a necessidade de contato com a prática, com a natureza, além de utilizar recursos mais visíveis em sala de aula, e que tratem da realidade local, por meio de imagens, vídeos, reportagens, por exemplo. A fala do professor Éric também é bastante ilustrativa desses aspectos. Para ele, o viés do otimismo ocorre porque “eles acham que a mudança climática vai afetar a vida dele se der uma chuva torrencial na cidade e alagar tudo (...), isso nunca aconteceu aqui, então eu acho que é por isso”. O professor também menciona a dimensão temporal referindo-se a aspectos de futuro e interdependência. Éric se questiona: “o jovem criou isso, ah! vamos cuidar do meio ambiente. Mas será que ele aprendeu a cuidar? Que parte da vida dele, da qualidade de vida dele, futura, vai depender daquilo que ele tá fazendo hoje?”. Éric afirma que considerar o futuro está totalmente ligado ao cuidado com a natureza, e consequentemente com o engajamento diante das MCs. Ele afirma: “Eu sou muito preocupado com o futuro, é politicamente, é socialmente, se eu planto hoje um pé de fruta, eu tô preocupado já daqui a dois anos, como é que ele vai tá (...), o jovem tem que ter essa preocupação”. A forma como perguntei permitiu aos professores pensarem sobre a informação dada. Será que responderiam da mesma maneira se tivessem eles mesmos respondido ao questionário? Essa inquietação, juntamente com a interpretação que forneceram para o viés, fomentaram a opção de levar esse dado para ser discutido durante as rodas de conversa com os 204 adolescentes, a fim de entender como eles iriam compreender o viés identificado em suas própriasrespostas. 9.3.3. Questionário compreendido como prova pelo aluno Segundo o professor Daniel, a ausência de respostas que constatei, sobre solução por exemplo, não ocorreu porque o aluno não sabe – não necessariamente –, e sim, porque o questionário que apliquei se assemelhava muito ao modelo de uma prova didática, por meio da qual o aluno responde o “básico” que acha que atende às necessidades da questão. Ele afirmou: “Os alunos não têm problema em dar solução para nada não, eu acho que isso é mais um modelo escolar mesmo, eles são colocados na maioria das vezes para responder questões”. Para Daniel, se trata “de um modelo avaliativo que vê se você absorveu o conteúdo, então você não associa isso com situações diárias” e continua “se não perguntar não vem a resposta, ele acha que é só aquilo ali que tem que responder. Então como você não está propondo, mas se você propuser...”. Éric também mencionou aspectos escolares como dificultadores para retenção da informação. Para ele: Há falta de informação, sem sombra de dúvidas, falta de informação. Geografia não fala de mudanças climáticas, fala que desabou o morro, mas não diz o que isso tem a ver com as mudanças climáticas, os altos níveis de chuva, e é isso, eles só querem passar o básico e querem se ver livre do aluno, e o aluno vai sair de uma escola dessa tapado né? Ambientalmente falando tapado. Essas considerações, somando-se às dificuldades institucionais mencionadas nos eixos anteriores, embasaram a necessidade de discutir aspectos teóricos das MCs de forma mais interativa com os adolescentes, desvinculando-se um pouco de uma das mais tradicionais metodologias avaliativas do contexto escolar, a prova escrita. Esse embasamento também foi obtido a partir do eixo discutido a seguir. 205 9.3.4. Não compreensão da diferença entre “clima” e “tempo” Apenas uma das professoras mencionou essa temática em sua fala. Todavia, ela parece essencial para que, na língua portuguesa, o conceito de “mudança climática” seja melhor entendido, reduzindo parte da confusão conceitual que rodeia o assunto. Isso porque, para essa professora, enquanto clima e tempo forem utilizados como sinônimos, teremos, necessariamente, uma barreira para o entendimento do que significam mudanças climáticas globais. Assim, é possível interpretar o grande número de respostas ao questionário mencionando que MCs eram “alteração do clima”, ao se referir à ideia de que “um dia está frio, no outro dia está quente”. Nas palavras da professora Cristiane: É porque ele associa clima a tempo, clima não é a mesma coisa que tempo. Não é. Está associado, mas não é a mesma coisa. No sexto ano eles trabalham essa diferença, mas nem todo mundo pega. Até nós, no nosso dia-a-dia falamos disso “ah o clima está diferente hoje”, e quando eu falo, aí eu percebo: “Eita o tempo!” e aí às vezes, quando eu falo na sala e os meninos falam eu corrijo, mas eu não vou ficar corrigindo as pessoas. A todo momento a gente escuta de professores e é tudo normal pelo hábito, como se fosse um sinônimo. O enraizamento cultural no uso desses termos como sinônimos é, então, uma barreira da língua portuguesa para comunicação sobre mudanças climáticas globais, considerando que os adolescentes a estão entendendo como uma alteração de tempo, momentânea e habitual. 9.4. Contribuições diretas sobre estratégias e tópicos de discussão para rodas de conversa Apresento a seguir os eixos que organizaram, de forma mais direta, os tópicos para discussão das rodas de conversa. Nesse aspecto, os eixos extraídos das falas foram: 9.4.1. Predominância do tema lixo (como causa); 9.4.2. Consequências e soluções - globais e locais; 9.4.3 Sentimento de satisfação e interesse ao ser implicado; 9.4.4. Viés do otimismo na interpretação dos adolescentes; 9.4.5. Como o adolescente se vê conectado. 206 9.4.1. Predominância do tema lixo (como causa) O primeiro tópico discutido nas rodas de conversa foram: quais seriam, na visão dos adolescentes, as causas das mudanças climáticas. A necessidade dessa abordagem surgiu, dentre as já mencionadas, pela predominância do tema lixo, que já havia sido identificada na fala dos adolescentes, mas que foi novamente identificada na fala dos professores. É até esperado que temas como água, considerado um insumo básico para nossa sobrevivência (e facilmente quantificável, inclusive pela conta de água ao final do mês), e o lixo, que é um produto visível como um output de nossos hábitos, sejam dois temas do espectro ambiental mais trabalhados (e, de fato, foram os dois temas mais mencionados ao relatarem ações de proteção ecológica que realizam), e isso é esperado justamente pela concretude que possuem, contendo ainda um poder de ação facilmente visualizado no dia a dia das pessoas. Uma questão necessária de ser debatida pela educação socioambiental, no entanto, é que se ater somente a esses aspectos concretos não auxilia na comunicação de problemas globais e suas redes de conexão locais, que vão além desses temas (água e lixo). Assim, seria o lixo continuamente repetido porque é algo que realmente os adolescentes relacionam às MCs, e nesse sentido, como relacionam? Ou seria um sinônimo de MCs para eles? Ou ainda, seria um tema continuamente repetido porque é algo recorrentemente ensinado nas escolas? Foram inquietações oriundas das entrevistas que me fizeram levar esse tema, por meio da explanação das causas, para as rodas de conversa. 9.4.2. Consequências e soluções - globais e locais Inspirada pelas falas dos professores sobre dificuldades e limitações das metodologias escolares, busquei explorar mais profundamente as possíveis consequências das MCs e potenciais soluções. 207 Novamente, utilizei imagens para evidenciar as principais consequências mencionadas na etapa 01, questionando o que achavam sobre isso, e se veriam outras consequências para suas cidades além das mencionadas. Para as soluções procedi do mesmo modo, inspirada também pela ideia dos professores de que os jovens possuem satisfação em serem implicados, serem ativos, nas atividades propostas. 9.4.3 Sentimento de satisfação e interesse ao ser implicado Os professores mencionaram que o jovem possui interesse em participar de ações, o que concorda com a visão de autores que investigaram a relação de jovens com o meio ambiente (Wray-Lake et al., 2010). Os adolescentes estão dispostos a se engajar em ações pró-ecológicas. No entanto, eles precisam se sentir implicados nesse processo, desde as fases de construção de um projeto de educação ambiental até sua execução. A fala do professor Helder ilustra, nesse sentido: “Eu acho que essa compreensão de que o problema existe, mas que eu possa contribuir de alguma forma, existir espaço de participação (...), que o jovem possa contribuir”. Essa satisfação complementa a noção discutida no eixo sobre a visão positiva que os professores possuem do adolescente, pela qual entendem como necessário colocá-lo, como a professora Simone menciona, em uma posição de “agente transformador”. Por isso, as rodas de conversa tiveram o intuito de questionar não apenas quais soluções possíveis enxergam para mitigar MCs, mas também discutir essa autoimplicação, questionando em quais ações eles se veem se engajando, que comportamentos eles praticam de fato, ou avaliam como sendo possível praticar, com objetivos pró-ecológicos e de mitigação das MCs. 9.4.4. Viés do otimismo na interpretação dos adolescentes A interpretação e o sentimento de surpresa dados ao viés do otimismo pelos professores, bem como a constante identificação desse fenômeno pela literatura (Gifford et al., 2009; 208 O’Neill, 2008; Pinheiro et al, 2007), contribuíram para o interesse em compreender como os próprios adolescentes enxergam, interpretam ou explicam o fenômeno identificado a partir de suas próprias