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Acidente por veneno de sapos Os sapos (ordem Anura, família Bufonidae, gênero Rhinella) apresentam praticamente distribuição geográfica mundial, com predileção pelas áreas de climas tropical e temperado úmido. Cada região é caracterizada por algumas espécies deste anfíbio, assim, encontram-se, no território brasileiro as seguintes espécies: Rhinella marina (Bufo marinus), R. crucifer (B. crucifer) , R. icterica (B. ictericus) , R. granular (B. granulosus) , R. ocellata (B. ocellatus) , R. rubescens (B. rufus) e R. scheneidere (B. schneidere [paracnemis]) Os sapos são considerados animais venenosos, por terem, na superfície da sua pele, glândulas que produzem veneno com toxicidade elevada, apesar de não apresentarem aparelho de inoculação do veneno. As glândulas parotoides localizam-se, bilateralmente, na região pós-orbital, e são compostas por tipo granular especializado em produção e armazenamento do veneno que tem aspecto leitoso, usado para sua defesa Além dessas glândulas estão presentes, por toda a superfície corporal dos sapos, as glândulas mucosas, que produzem secreção menos viscosa. A função dessas secreções é a ação antipredatória ou de defesa, pois esses animais são desprovidos de espinhos, garras ou dentes afiados para essa finalidade, embora os sapos tenham outros meios de defesa, como andar, saltar e bufar Os cães podem intoxicar-se abocanhando ou ingerindo o sapo, que libera o veneno na mucosa oral do predador. O veneno pode penetrar pelas mucosas do trato gastrintestinal (TGI) superior, ou através de ferimentos na pele. Sinais clínicos Os efeitos clínicos do veneno de sapo aparecem quase imediatamente após o acidente. Estes podem restringir-se à irritação local ou provocar sinais sistêmicos que podem evoluir para a morte do animal em até 15 min após o aparecimento dos sintomas. Os efeitos do veneno de sapo são, principalmente, de natureza cardiotóxica, assemelhando-se à intoxicação digitálica. Os sinais e sintomas clínicos principais são salivação excessiva seguida de prostração, arritmia cardíaca, edema pulmonar, convulsões e morte. Outros sinais neurológicos incluem midríase não responsiva à luz, nistagmo e opistótono. A ocorrência de vômito e sialorreia auxilia na eliminação de parte do veneno, reduzindo, assim, os efeitos tóxicos no animal acidentado. Sinais e sintomas clínicos da intoxicação podem ser divididos em três grupos de acordo com a gravidade dos sintomas: * Envenenamento leve: irritação da mucosa oral e sialorreia * Envenenamento moderado: irritação da mucosa oral, sialorreia, vômitos, depressão, fraqueza, ataxia com andar em círculos, anormalidades do ritmo cardíaco, evacuação e micção. * Envenenamento grave: apresenta, irritação da mucosa oral, sialorreia, vômitos, diarreia, dor abdominal, depressão, fraqueza, decúbito esternal, pupilas não responsivas à luz, convulsões, anormalidades do ritmo cardíaco, sinais de edema pulmonar, cianose e pode evoluir ao óbito. Podem ocorrer outros sintomas clínicos, menos comuns em alguns casos, como excitação, arqueamento do dorso, incontinência fecal, perturbações visuais, paralisia muscular progressiva, cegueira, vocalização aparentemente de dor. Diagnostico O diagnóstico é feito por meio de anamnese, na qual pode haver relato de contato entre o paciente e um sapo ou relato de sapos nos locais frequentados pelo animal. Deve-se considerar que, pelos hábitos noturnos do sapo, os acidentes são mais comuns durante a noite. Os sinais e sintomas clínicos do acidente por sapo, apesar de não serem patognomônicos, auxiliam na elucidação do caso, pois o animal apresenta evolução clínica muito aguda com sialorreia profusa e, em muitos casos, convulsões. O ECG é o meio mais eficaz de avaliar e diferenciar as arritmias, e auxilia na necessidade ou não da reaplicação do antiarrítmico. Achados de necropsia À necropsia, o achado de partes de sapo no interior do TGI é considerado confirmação do envenenamento, no entanto, outras alterações, mesmo inespecíficas, podem estar presentes, como, processo inflamatório do TGI, processos hemorrágicos decorrentes da ação irritativa do veneno do sapo, e congestão, edema e hemorragia pulmonar, devido à insuficiência cardíaca provocada pelas ações do veneno. Tratamento A intoxicação por veneno de sapo constitui uma emergência vital, assim, o tratamento deve ser iniciado imediatamente. A realização de fluidoterapia, cuidados sintomáticos, monitoramentos cardiovascular, respiratório e neurológico e, em alguns casos, o uso de analgésicos ou até de anestésicos é crucial para salvar o animal intoxicado Assim, em primeiro lugar, a boca ou a mucosa afetada do animal acidentado com veneno de sapo deve ser lavada com água em abundância. O uso de atropina deve ser evitado, pois esta prática suprime a sialorreia, que é uma via importante na eliminação de parte do veneno. A terapêutica com propranolol (bloqueador adrenérgico não seletivo), 0,5 mg/kg IV, com repetição a cada 20 min (3 a 4 vezes), se necessário, é indicada, com o intuito de controlar as arritmias cardíacas O cloridrato de verapamil na dose de 8 mg/kg IV, 2 a 3 vezes, a cada 20 min, é altamente indicado para controlar a taquicardia ventricular multiforme e as arritmias cardíacas. Diazepam (0,5 mg/kg) IV deve ser usado para controlar convulsões e também para facilitar a intubação orotraqueal do animal, em casos graves de intoxicação por veneno de sapo Além disso, oxitetraciclina, cloranfenicol, analgésicos, espasmolíticos, multivitaminas, bicarbonato de sódio para a lavagem da cavidade oral, difenil hidantoína, fenoxibenzamina, antagonista alfa- adrenérgico e acepromazina também são relatados para auxiliar no tratamento da toxicose por veneno de sapo. Prognostico O prognóstico na intoxicação por veneno de sapo baseia-se em vários fatores. Depende do quadro clínico, isto é, graus leve, moderado ou grave, espécie de sapo, potência do veneno, quantidade de veneno absorvida, porte do animal acidentado, suscetibilidade individual deste animal e fatores genéticos. De modo geral, a mortalidade é considerada baixa em cães intoxicados por veneno de sapo, embora existam relatos de 100% de mortalidade em animais não tratados. Acidentes com aranhas O araneísmo é definido como intoxicações causadas por aranhas. As aranhas dos gêneros Phoneutria, Loxosceles e Latrodectus, podem causar acidentes no ser humano, e às vezes, com consequências graves, principalmente em crianças. o entanto, as aranhas de interesse em medicina veterinária limitam-se aos gêneros Loxosceles (aranha-marrom) e Phoneutria (aranha-armadeira), mesmo assim, casos de acidentes por esses aracnídeos são raros em medicina veterinária e a ocorrência do acidente aracnídico, na maioria, é em cães, e raríssima em gatos. Em grandes animais, por estes apresentarem a pele grossa, as aranhas não têm capacidade em perfurá-la com o seu ferrão, e o acidente é praticamente ausente nestes animais Aranhas Loxosceles spp As aranhas Loxosceles (L.) spp. são conhecidas como aranha-marrom. São aranhas muito pequenas (1 cm), mas têm pernas longas (3 cm), não têm comportamento agressivo, mas como se refugiam em roupas e armários, têm causado muitos acidentes em humanos. Encontram- se em grande quantidade nas regiões Sul e Sudeste do Brasil Sinais clínicos Os componentes do veneno da aranha Loxosceles sp. causam alterações clínicas cutâneo-viscerais tais como hemólise, anemia, icterícia e hemoglobinúria (24 a 48 h após o acidente), petéquias, equimoses, CID e ação proteolítica de grande importânciatoxicológica. Entre os componentes ativos do veneno, esfingomielinase D e hialuronidase são as que participam de maneira decisiva na instalação da lesão dermonecrótica; a primeira age sobre a membrana celular, provocando as reações orgânicas responsáveis à dermonecrose, e a segunda facilita a difusão desta necrose no sentido gravitacional, a partir do ponto de picada. O animal acidentado apresenta, entre os principais sintomas, edema discreto no início, dor moderada no local da picada e, com o passar do tempo, surgimento do halo de necrose, o qual se inicia com eritema, prurido, hemorragia bolhosa focal, áreas de isquemia e finalmente, necrose. Esta necrose, na maioria dos casos, limita-se ao local da picada, mas em casos muito graves, pode se estender, formando grandes áreas necróticas. A cicatrização da lesão é extremamente difícil, podendo levar algumas semanas a meses para isso, devido à ulceração profunda provocada no local da picada. O acidente loxoscélico pode causar, como complicações, infecções secundárias no local da picada, perdas teciduais, cicatrizes exuberantes e IRA. A IRA tem causa multifatorial, como diminuição da perfusão renal, hemoglobinúria e CID, e pode apresentar-se na forma oligúrica ou não. A urina exibe coloração escurecida, quase preta, devido à hemoglobinúria pela ação hemolítica do veneno Diagnostico Não há dados laboratoriais patognomônicos no loxoscelismo, isto dependerá da forma clínica apresentada de intoxicação nos animais, ou seja, sistêmica ou cutânea. Na forma sistêmica, é preciso pesquisar dados relativos à hemólise, como anemia, hiperbilirrubinemia, hemoglobinemia sérica, hemoglobinúria, trombocitopenia, diminuição do tempo de protrombina e aumento dos produtos de degradação da fibrina. Pode-se observar também leucocitose. Nos casos em que o animal apresenta comprometimento renal, pode-se detectar o aumento nos níveis séricos de ureia e creatinina, e também do potássio Tratamento A terapêutica específica seria o uso do soro antiloxoscélico na fase precoce do acidente, mas não há disponibilidade desse soro em medicina veterinária, assim o tratamento é baseado no uso de corticosteroides, tanto local quanto sistêmico. No caso de uso sistêmico do corticosteroide, este tem a finalidade de proteger a membrana dos eritrócitos, para inibir a hemólise, e também para diminuir a viscosidade sanguínea. Além disso, recomenda-se a aplicação de compressas frias, antisséptico para curativos locais, antibiótico sistêmico e transfusões sanguíneas, em caso de hemólise muito intensa com quadro de anemia extrema. Se ocorrer hemólise, recomenda-se a alcalinização da urina com o uso de bicarbonato de sódio (2 a 4 mEq/kg) e também a hidratação (solução de ringer com lactato), para que não haja precipitação da hemoglobina intratubular, prevenindo assim a evolução para necrose tubular aguda em decorrência de hemoglobinúria. Quanto à lesão cutânea no local da picada, há necessidade de realizar a assepsia muito cuidadosa (necrose local), compressas frias, anti-inflamatório local e analgésico, se houver a indicação. Na maioria das vezes, a lesão se limita ao local da picada, mas há casos em que a lesão se estende, sendo necessários maiores cuidados, pois a cicatrização é muito demorada e difícil. Aranhas Phoneutria sp. Phoneutria nigriventer e outras espécies deste gênero são conhecidas como aranhas- armadeiras, por assumirem a posição de ataque (arma o bote) para se defender, quando se sentem ameaçadas, e são também conhecidas como aranhas-das-bananas por se encontrarem, com frequência, nas bananeiras Estas aranhas podem causar acidentes no animal, por serem bastante agressivas, aliado ao comportamento curioso dos cães, principalmente filhotes. Dificilmente há relato de acidentes por Phoneutria em gatos As aranhas Phoneutria vivem normalmente escondidas nas bananeiras (fazem jus ao nome popular que têm), palmeiras, bromélias, sob troncos e também dentro das casas, escondidas nos sapatos, atrás de móveis, ou seja, têm preferência por locais úmidos e escuros. Composição do veneno O veneno da aranha Phoneutria tem efeito neurotóxico e os animais acidentados apresentam dor local de intensidade variável e de instalação imediata, edema, eritema e parestesia nos pontos da inoculação. Sinais cínicos Os acidentes causados pela aranha- armadeira nos animais correspondem a uma das mais importantes modalidades de araneísmo, tanto no número de casos quanto na forma emergencial dos sintomas clínicos. Dificilmente o caso evolui para grandes complicações ou morte dos animais. Podem ter, de acordo com a dose inoculada, efeito cardiotóxico com efeitos inotrópicos e cronotrópicos negativos, e o animal pode apresentar dilatação e arritmias cardíacas. Além disso, o acidentado pode apresentar edema agudo pulmonar, hipotensão, bradicardia, que indicam a gravidade do caso. Muitas vezes, o animal pode ter êmese e sudorese generalizada nas espécies que a apresentam; estes são sintomas clínicos precoces da intoxicação. O acidente, dependendo das manifestações clínicas, pode ser classificado em três categorias, leve, moderado e grave. Em medicina veterinária, os acidentes leves são mais frequentes. Alterações laboratoriais Não há dados patognomônicos em relação aos dados laboratoriais no acidente por Phoneutria. Em filhotes ou naqueles com quadro muito grave, podem ocorrer hiperglicemia, leucocitose com neutrofilia e acidose metabólica. Tratamento Deve-se realizar a infiltração local ou troncular de lidocaína ou bupivacaína, sem vasoconstritor, no local da picada, 2 a 4 mℓ, uso de anti-inflamatório e compressas mornas, e no caso da reação dolorosa muito intensa, uso de analgésicos potentes, como opioides, é recomendado. No tratamento específico para um caso grave, isto é, havendo sintomas clínicos sistêmicos com dor local muito intensa, que não responde à infiltração com lidocaína, seria recomendado o uso de antiveneno específico, mas em medicina veterinária, não está disponível o soro antiaracnídico ou antiescorpiônico.