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Sociologia 1º ano 3ºbimestre PLANO DE AULA Objetos de conhecimento: - O conceito de ideologia -As relações entre cultura e ideologia na compreensão dos padrões de consumo. -O poder dos meios de comunicação de massa na indução do consumo. Habilidade/detalhamento da habilidade: (EM13CHS103) Elaborar hipóteses, selecionar evidências e compor argumentos relativos a processos políticos, econômicos, sociais, ambientais, culturais e epistemológicos, com base na sistematização de dados e informações de natureza qualitativa e quantitativa (expressões artísticas, textos filosóficos e sociológicos, documentos históricos, gráficos, mapas,tabelas etc.). (EM13CHS303). Debater e avaliar o papel da indústria cultural e das culturas de massa no estímulo ao consumismo, seus impactos econômicos e socioambientais, com vistas a uma percepção crítica das necessidades criadas pelo consumo. Materiais didáticos/tecnólogicos e/ou recursos utilizados: Livro didático: Sociologia para Jovens do século XX1 Avaliação: Observação e resolução das atividades. Período: Quantidade de aulas: Unidade 1 - Sociedade e Conhecimento Sociológico88 “A matrix está em toda parte...”: ideologia e visões de mundo O que será que anda na cabeça de nossa gente? Nossa vida cotidiana é recheada de ideias, valores, concepções sobre determinados temas e fatos, e estes orientam nossas atitudes e comportamentos. Vejamos exemplos tirados das páginas de alguns jornais e revistas de grande circulação nacional, nos quais se publicam frases de e sobre pessoas famosas, e às quais retornaremos ao final deste capítulo: “Por que as pessoas entram na faculdade? Para arrumar um emprego. Eu já tenho um trabalho.” (Avril Lavigne, cantora pop canadense, explicando por que não quer fazer graduação, em entrevista ao jornal Folha de São Paulo em 12 de setembro de 2005). “Mussolini nunca mandou matar ninguém. Mandava as pessoas passar férias no exílio”. (Silvio Berlusconi, ex-primeiro-ministro da Itália, ao descrever o ditador fascista Benito Mussolini. Revista Época em 15 de setembro de 2003). “Só não vou te estuprar porque você não merece”. (Jair Bolsonaro, deputado federal, dirigindo-se a Maria do Rosário, também deputada federal, em 09 de dezembro de 2014). “Estão enviando gente que tem muitos problemas, estão nos enviando seus problemas, trazem drogas, são estupradores e suponho que alguns até podem ser boa gente, mas eu falo com agentes da fronteira e me contam a verdade”. (Donald Trump, multimilionário norte-americano, ao se referir ao México e ao povo mexicano no discurso em que anunciou sua candidatura à presidência dos EUA, em 16 de junho de 2015). “Precisamos de um ator jovem, na faixa dos 20/25 anos, muito bonito. A direção gostaria que ele fosse negro, então o ideal seria ter um ator negro e muito bonito, mas conscientes do grau de dificuldade, faremos teste também com os bons atores, lindos, que não sejam negros.” (Anúncio da agência +Add Casting, contratada pela Boutique Filmes para a série de ficção “3%”, da Netflix – Outubro de 2015). “[...] calorias que “deveriam” ser ingeridas para alcançar o corpo perfeito: 800, 1.000 calorias diariamente. [...] no gueto de Lodz, em 1941, em pleno nazismo, os judeus se alimentavam de rações que tinham de 500 a 1.200 calorias por dia”. (Ana Luísa Fernandes e Priscila Bellinio, em reportagem sobre a ditadura da estética da magreza, citando o livro O Mito da Beleza, de Naomi Wolf. Revista Superinteressante - 08 de julho de 2015). Capítulo 7 Capítulo 7 - “A matrix está em toda parte...”: ideologia e visões de mundo 89 Estas e outras centenas de frases, que podemos ler toda semana em diversos veículos de comunicação, vêm carregadas de ideias sobre a sociedade, a realidade do mundo e as relações sociais entre os indivíduos. O que eles dizem pode estar na própria frase ou por trás dela. Podem ser metáforas, expressar preconceitos, valores ou um conjunto de ideias sobre determinado assunto. O que vamos estudar aqui é justamente esse conjunto de ideias que chamamos de ideologia. Marilena Chauí assim define a ideologia: É um conjunto lógico, sistemático e coerente de representações (ideias e valores) e de normas ou regras (de conduta) que indicam e prescrevem aos membros da sociedade o que devem pensar e como devem pensar, o que devem valorizar e como devem valorizar, o que devem sentir e como devem sentir, o que devem fazer e como devem fazer. Ela é, portanto, um corpo explicativo, de representações e práticas (normas, regras e preceitos) de caráter prescritivo, normativo, regulador (...). (1980, p. 113) É claro que, além desta, encon tramos ao longo da história da Sociologia mais algumas definições de ideologia. O conceito de ideologia foi, literalmente, inventado por um filósofo francês chamado Destutt de Tracy, que escreveu, em 1801, o livro Elementos da Ideologia. É um tratado enorme que, hoje, quase ninguém mais lê. Segundo este filósofo, a ideologia seria o estudo científico das ideias e as ideias são o resultado da interação de um indivíduo com seu meio ambiente. Alguns anos depois, em 1812, Tracy e seus seguidores entraram em conflito com Napoleão, que os chamou de “ideólogos”, no sentido bem pejorativo da palavra, ou seja, como pessoas que fazem abstração da realidade e que vivem especulando sobre o mundo. Como Napoleão era a pessoa mais importante na França daquela época, este sentido da ideologia ficou bastante popular. Napoleão Bonaparte, no século XIX, se referiu a um grupo de filósofos franceses como “ideólogos”, ou seja, pessoas que viviam especulando sobre o mundo. Quadro: Napoleão atravessando os Alpes (c.1800) de Jacques Louis David. D al ci o/ C or re io p op ul ar C ol eç ão C hâ te au d e M al m ai so n, R ue il- M al m ai so n, F ra nç a Unidade 1 - Sociedade e Conhecimento Sociológico90 Em 1846, Karl Marx dá outro sentido para o termo ideologia. Para ele – e Friedrich Engels, com quem escreveu a respeito desse tema –, falar em ideologia significa se referir às “falsas representações” que os homens apresentam sobre o mundo que os cerca. Dizendo ainda de outra forma, Marx e Engels afirmaram que, diante da tentativa dos homens de explicar a realidade, é necessário considerar as formas de conhecimento ilusório que levam ao mascaramento dos conflitos sociais (cf. MARX; ENGELS, 1979). Segundo Marx e Engels, portanto, a ideologia adquire um sentido como instrumento de dominação de uma classe social sobre outra ou de um grupo social sobre outro. Ideologia seria também uma falsa consciência da realidade. Um dos seguidores das ideias de Marx, o revolucionário russo Vladimir Ilitch Uliânov, o Lênin, deu outro sentido para o termo ideologia. Segundo ele, ideologia era qualquer concepção da realidade social ou política, vinculada aos interesses das classes sociais, ou seja, cada classe social teria a sua própria ideologia (cf. LÊNIN, 2006). Assim, como podemos ver, ao longo do tempo, a palavra vai mudando de sentido. Nos anos de 1920, outro significado surge para o termo, segundo a reflexão do filósofo ita- liano Antonio Gramsci. Ele tinha uma concep- ção bastante interessante quando dizia que as ideologias “(...) organizam as massas huma- nas, formam o terreno sobre o qual os homens se movimentam, adquirem consciência de sua posição, lutam etc.” (GRAMSCI, 1989, p. 62-63). Para Gramsci, o conceito de ideologia sig- nifica também uma concepção de mundo mani- festando-se implicitamente na Arte, no Direito, na atividade econômica, em todas as manifes- o termo ideologia com a sua obra Ideologia e utopia, publicada em 1929. Le em ag e/O the r Im age s Segundo Antonio Gramsci (1891 – 1937), o conceito de ideologia significa também uma concepção de mundo. Al ex an dr e Be ck Mannheim, primeiro, fez uma distinção entre os termos ideologia e utopia. Ideologiaseria um conjunto de concepções, ideias e teorias que orientam os indivíduos para estabilizar, legitimar ou reproduzir a ordem das relações sociais dos homens. Ou seja, todas aquelas ideias, concepções ou teorias que têm um caráter de conservação da realidade social. Utopia seria o contrário, ou seja, ideias, concepções ou teorias que aspiram à construção de outra realidade social, que ainda não existe. Mas, Mannheim traz outra classificação para o termo ideologia: a ideologia total e a ideologia estrita. Ideologia total seria o conjunto de formas de pensar, estilos de pensamento, pontos de vista, que representam interesses de grupos ou classes. A ideologia estrita é a forma conservadora que a ideologia total pode se tornar (cf. MANNHEIM, 1976). tações da vida. E, de acordo com o pensador italiano, tal conceito tem por função con- servar a unidade de toda a sociedade e dos grupos. Por fim, o sociólogo ale- mão Karl Mannheim apre- sentou um novo sentido para Capítulo 7 - “A matrix está em toda parte...”: ideologia e visões de mundo 91 Vamos utilizar uma interpretação da filósofa brasileira, Marilena Chauí (1980), para explicar, em outras palavras, o conceito de ideologia e ver como ele pode ser um instrumento de imaginação sociológica. Através de algumas características da ideologia como fenômeno social e do estudo de exemplos concretos, podemos descrever sua importância para entendermos melhor, em nossa vida cotidiana, como a ideologia opera e funciona. No quadro a seguir, temos uma breve síntese da ideologia. Converse com seus colegas e com o(a) professor(a) e tente encontrar outros exemplos de acordo com as características da primeira coluna. IDEOLOGIA Característica O que faz Exemplo Prescrição de normas Orienta as ações humanas. Modela os interesses humanos. Diz o que se deve fazer, pensar ou expressar. A ideia de monogamia, nas sociedades ocidentais, faz com que homens e mulheres a considerem como a única forma possível de relação existente no mundo. Representação da realidade Dá sentido à realidade humana. Utiliza-se de símbolos e da criação mental. O conceito pátria ou o sentimento patriótico. Generalização do particular Trata o específico como exemplo de um fenômeno geral. Todos os alunos de uma turma são iguais. Inversão da realidade Esconde as reais causas de um fenômeno. O MST não luta pela reforma agrária, mas sim invade terras produtivas. Naturalização das ações humanas Torna normal e natural aquilo que é histórico e contingente. A desigualdade entre os homens e mulheres é normal. Por isso estas podem ser tratadas de forma inferiorizada. Reificação da realidade As coisas aparecem com vida própria, ou seja, coisas inertes ganham aspectos naturais, não construídas pelos homens. Os salários não expressam relações desiguais de trabalho. Na escola todos falam a mesma língua? No mundo da escola existem pensamentos e sentimentos que, sem percebermos, podem ser caracterizados como ideológicos. Eles podem ser expressos por professores, alunos, funcionários, responsáveis e por diretores ou mesmo podem ser trazidos de fora da escola por esses “atores”. Vejamos alguns pensamentos e frases recorrentes no cotidiano da escola: “A melhor prova de que Deus é homem é que se ele fosse mulher não faria a Terra, o Sol, o Universo... Ficaria apenas sentado dando palpites.” “A função do professor é ensinar, a do aluno é aprender, e só.” “Professor não pode falar de política em sala de aula.” “A escola dá oportunidades a todos os alunos de aprenderem as coisas da vida.” Unidade 1 - Sociedade e Conhecimento Sociológico92 Todas essas frases expressam pensamentos e ideias disseminadas não só na escola, mas em toda a sociedade. Essas frases, como vimos nas características da ideologia, prescrevem normas, representam a realidade e generalizam o particular, além de inverter a realidade, naturalizar e ocultar os fatos. Na frase, por exemplo, A melhor prova de que Deus é homem é que se ele fosse mulher não faria a Terra, o Sol, o Universo... Ficaria apenas sentado dando palpites – tenta-se naturalizar e generalizar uma determinada condição de inferioridade da mulher. Prescrever normas é elaborar, repetir e manter a ordem “normal” das coisas. Por isso, dizer que A função do professor é ensinar e a do aluno é aprender, e só, é ignorar que o docente, além de ensinar, pode sim fazer política, reivindicar melhores condições de trabalho. Da mesma forma, o estudante também tem o direito de lutar por melhores condições para o seu aprendizado na escola, ou seja, assim como o professor, ele também pode falar e fazer política. Isto pode significar, necessariamente, se organizar e lutar por melhorias na infra- estrutura do espaço escolar, que envolvem desde a exigência de que as carteiras não estejam quebradas, que o telhado não tenha goteiras e que seja oferecida uma refeição de qualidade, até salas de aula refrigeradas, bibliotecas com um bom acervo, computadores com acesso a internet, distribuição de livros didáticos, etc. Não fazer isso – como prescreve a frase citada – é, sim, legitimar, na escola, as condições de desigualdades presentes na sociedade como um todo. No último pensamento – A escola dá oportunidades a todos os alunos de aprenderem as coisas da vida –, tenta-se ocultar o fato de que a escola, com sua suposta aura democrática, de se apresentar como “igual para todos”, pode contribuir para reproduzir as desigualdades sociais presentes na sociedade. Como isso ocorre? Vejamos. Alunos com condições diversas de acesso à cultura, ao lazer, aos meios de comunicação têm tendência a obter mais informações e maior formação fora da escola e um desempenho melhor nas aulas. Por exemplo, se um aluno tem como recurso extraclasse apenas a televisão, enquanto outro tem a oportunidade de frequentar museus, bibliotecas, teatros, comprar mais revistas, viajar para diversos lugares etc., é natural que este último assimile mais os conteúdos das aulas de Português, Literatura, História, Geografia, Filosofia e Sociologia, do que o primeiro, que apenas vê a televisão. Neste sentido, quando a instituição escolar trata todos igualmente – ou melhor, quando usa um padrão de linguagem e ensino que está mais próximo daquele que tem maior acesso aos diversos bens culturais – ela acaba por reproduzir ainda mais o aprofundamento das desigualdades. Aula-debate – A escola dá oportunidades a todos os alunos de aprenderem sobre as coisas da vida? A reflexão apresentada no parágrafo anterior é uma das conclusões de um importante sociólogo que se dedicou, entre outros temas, a estudar a educação na sociedade capitalista. O francês Pierre Bourdieu (1930–2002) elaborou o conceito de capital cultural para explicar a desigualdade de desempenho entre os estudantes, de acordo com a sua classe social de origem. Em relação ao papel da escola no sentido da manutenção e aprofundamento das desigualdades, Bourdieu, em parceria com o pensador, Jean-Claude Passeron, escreveu em 1970 uma obra que se tornou referência R ic ar do C os ta Capítulo 7 - “A matrix está em toda parte...”: ideologia e visões de mundo 93 nos estudos da Sociologia sobre a educação, intitulada A reprodução: elementos para uma teoria do sistema de ensino (1975). Nela, Bourdieu e Passeron, ao analisar o sistema educacional francês, demonstraram sociologicamente o papel assumido pela escola no sentido de reproduzir ideologicamente as desigualdades sociais existentes, cumprindo com o seu papel conservador da ordem vigente. Mas, mesmo sem ter fugido do assunto, voltemos ao foco central da nossa exposição, o conceito de ideologia. Vocês devem concordar que a ideologia, assim estudada, pode ser tornar de fácil compreensão. Na verdade, porém, apesar dela estar presente no nosso cotidiano o tempo inteiro, não é percebida dessa forma como estamos apresentando pela grande maioria das pessoas.O que tentamos fazer aqui – uma reflexão sobre como os homens elaboram ideias sobre este mundo e sobre suas relações com outros homens – não é percebido com facilidade no senso comum. Por este motivo, vamos continuar este nosso esforço de reflexão para mostrar a importância do estudo da ideologia, mas agora recorrendo a um filme bastante interessante e que se tornou uma referência no gênero da ficção científica. A matrix nossa de cada dia Na virada do século, a trilogia inaugurada com o filme The Matrix fez muito sucesso entre os jovens. Vamos aproveitar a história do primeiro filme para explicar e exemplificar um pouco mais a questão da ideologia no nosso cotidiano. Num dos diálogos de Matrix, Morpheus questiona Neo: – Você já teve um sonho, Neo, em que você estava tão certo de que era real? E se você fosse incapaz de acordar desse sonho? Como saberia a diferença entre o mundo do sonho e o real? A série Matrix, repleta de superefeitos especiais, é uma magnífica aventura cibernética em que a Terra é totalmente dominada por máquinas dotadas de inteligência artificial, que passam a ter controle sobre a humanidade. Os homens e todo o mundo não passam de um software, um programa de computador, uma mera ilusão. Em outro diálogo entre Morpheus e Neo, este procura a verdade: Neo: – O que é Matrix? Morpheus: – Você quer saber o que é Matrix? Matrix está em toda parte [...] é o mundo que acredita ser real para que não se perceba a verdade. Neo: – Que verdade? Morpheus: – Que você é um escravo, Neo. Como todo mundo, você nasceu em cativeiro. Nasceu em uma prisão que não pode ver, cheirar ou tocar. Uma prisão para a sua mente. “Você já teve um sonho em que você estava tão certo de que era real?” (Cena do filme Matrix). W ar nn er B ro s. P ic tu re s/ A nd y an d L an a W ar ch ow sk i Unidade 1 - Sociedade e Conhecimento Sociológico94 Depois de estudar o conceito de ideologia, podemos afirmar que vivemos numa matrix? Será que vivemos numa ilusão, como diria Marx? Que tudo é um faz de conta? E que essa ilusão nos aparece como real? Além disso, será que existe alguém que controla a matrix e tem em mãos a programação de nossas vidas? Quando nascemos, recebemos ideias já pré-concebidas pelos nossos pais, pela escola, pelas instituições religiosas etc. É quase impossível contestar certas ideias ou conjunto de ideias. Se fizermos uma analogia de Matrix com a ideologia, veremos que há muitas semelhanças. Mas, vamos devagar! Muitas vezes, em nossa vida, achamos que os pobres são burros e ignorantes. Que as mulheres são menos inteligentes. Que os negros são inferiores e vieram de um continente atrasado chamado África. E que os jovens que estão cursando o Ensino Médio, certamente, vão conseguir um emprego fazendo um excelente curso técnico ou, dependendo da sua condição financeira, seguir diretamente para a faculdade. Ao final, se não encontrarmos ninguém que conteste essas ideias, esta remos crentes de que todas essas afirmações são verdades absolutas. Nós também temos nossa matrix: ela está aqui, como diz Morpheus, está em toda parte, é o mundo que acredita ser real para que não se perceba a verdade. Não existe uma grande realidade virtual, nem uma máquina que nos controla, mas ideias que nos fazem pensar que o mundo “é assim” e “sempre será assim”. Ou seja, se existem desempregados é porque “esses não são capazes”, se existe violência é porque certos “indivíduos são malvados”, se existem políticos corruptos, “todos são corruptos”, o mundo é feito de indivíduos de “sucesso” que devem dominar “os fracassados”... Enfim, não existe alternativa e é melhor se adaptar ao mundo do que tentar modificá-lo. Vamos avançar um pouco mais em nossa analogia. Diferentemente do filme, o que existe em nossa realidade são ideias ou ideologias que servem de justificação dos interesses de determinados grupos ou classes sociais. Mas o que significa isso? Por exemplo, certamente os que dis- seminam a ideia de que o mundo sempre foi assim e sempre será se beneficiam da exploração e de sua condição de superioridade na sociedade (banqueiros, donos de terras, empresários etc.). Não interessa a eles mudar o mundo e fazer com que todos estejam bem. Para que essa realidade não seja questionada – e, quem sabe, modificada, suas ideias precisam ser representadas como sendo as ideias de todos. “Matrix é o mundo que acredita ser real para que não se perceba a verdade.” Será que vivemos em um mundo de faz de conta? Outro exemplo: pensar que os negros e as mulheres são inferiores, certamente beneficia, respectivamente, indivíduos brancos do sexo masculino a terem vantagens materiais e espirituais sobre os primeiros, mesmo que esses também tenham como características serem homens negros ou mulheres brancas. Essas ideias, se não forem contestadas, como na cidade de Zion, um dos cenários do filme, certamente farão com que negros e mulheres se sintam inferiores, assumindo também atitudes racistas e machistas. Por outro lado, a ideologia da cidade de Zion pode ser considerada como aquilo que dizia Mannheim, ou seja, o povo que se libertou da Matrix possui formas de pensar e pontos de Je ffe rs on C op po la /F ol ha pr es s Capítulo 7 - “A matrix está em toda parte...”: ideologia e visões de mundo 95 vista diferentes da própria Matrix. Essas formas de pensar desse povo, retratado no filme, representavam seus interesses de liberdade e igualdade. A cidade de Zion e a ideologia de seus habitantes seriam, na visão de Mannheim, mas também na de Gramsci, uma visão de mundo em que os seres humanos se posicionam e lutam por um determinado ideal. A Sociologia, portanto, através do conceito de ideologia, pode contribuir para que desnaturalizemos nossas visões de mundo. Isto significa perceber que nem sempre nos damos conta de que aquilo que parece natural pode representar, na verdade, a posição de um determinado grupo ou classe social, com os seus interesses específicos. Faz-se necessário desvendar a câmara oculta, a matrix, identificar e refletir criticamente sobre os pensamentos e ideias que estão presentes no mundo à nossa volta, perceber que tipo de discurso se está fazendo e quem o está expressando, além de tentar perceber quais são seus reais interesses. Ou seja, pensar que nem tudo é óbvio, nem tudo pode ser “normal”, mas que a vida em sociedade requer um exercício sociológico para não sermos manipulados, dominados e submetidos às vontades dos outros, involuntariamente. Portanto, voltando às frases iniciais do ca- pítulo, que foram expressas por personalidades no Brasil, nos EUA e na Itália, perguntamos agora: nós podemos dizer que são frases ideo- lógicas? Quando uma cantora famosa limita a concepção de educação à obtenção de um em- prego, desqualificando a importância de se fa- zer um curso superior, ela não está, mesmo sem atentar para isso, “orientando” nesse sentido os que a admiram e a seguem? Ela não está “de- fendendo” uma determinada visão de mundo? Quando o primeiro-ministro italiano “minimi- za” os assassinatos cometidos sob a ordem de um chefe político do passado ele não promo- ve uma inversão da realidade – e, ao mesmo tempo, apresenta como “normal” atrocidades reconhecidas historicamente e cometidas por um regime político identificado com o perso- nagem citado? Que tipo de “(re)leitura sobre a história” ele tinha a intenção de fazer? Com que objetivo? Será que sua “reinterpretação” inten- cionava provocar nos cidadãos do país um po- sicionamento em relação a alguma situação po- lítica mais atual, de acordo com questões que se debatiam naquele momento? Pense nas outras frases que citamos como exemplo na abertura deste capítulo e reflita a respeito. Cartaz da passeata de professores do Rio de Janeiro (2012). V al te r F ilé Interdisciplinaridade A L íngua Portuguesa é muito difícil” – é uma fala recorrente. Uma refl exão inicial sefaz necessária: desde que nascemos, ouvimos, aprendemos a falar o português. Comunicamo-nos nesta língua. Experimentamos a língua em todo o seu potencial. Brincamos com ela sem medo algum. Somos “competentes” para manipulá-la. A escritora Clarice Lispector2 “adotou” a língua portuguesa como sua segunda língua. Ucraniana de nascença, fez a seguinte declaração de amor: “(...) amo a língua portuguesa. Ela é um verdadeiro desafi o para quem escreve. Sobretudo para quem escreve tirando das coisas e das pessoas a primeira capa de superfi cialismo. (...) Eu gosto de manejá-la.” Há que se perguntar, então, onde se origina a tal da difi culdade. O primeiro ponto que nos ocorre levantar é o da formalidade com que se reveste nosso ingresso no Ensino Fundamental. Tudo passa a ser muito “sério”. Perde-se, na maioria das vezes, o fundo mágico, encantador, lúdico da experimentação da língua. Não nos é mais permitido “roçar nossa língua na língua de Luiz de Camões”, como fazem todas as crianças quando começam a falar. A experimentação dá lugar ao erro, ao lápis vermelho, à censura. O caráter polissêmico da língua se perde no mundo de substantivos, adjetivos, pronomes, verbos e advérbios. A análise do discurso nos mostra que qualquer formação discursiva sempre irá evocar o outro sentido que não se evidenciou no nível do enunciado, ou seja, da concretude do texto. Portanto, para além do enunciado existe um “mundo” que precisa ser explorado, basta que ousemos penetrar no “reino surdo das palavras” (Carlos Drummond de Andrade), pois lá você encontrará o que espera ser escrito. E assim, podemos entender um pouco mais sobre a ideologia. Ou não? Acreditamos que se aprende a língua exercitando-a de maneira plena, isto implica falar e produzir textos como “escritores”. Tarefa que não pode ser episódica. Precisa fazer parte do nosso cotidiano. Língua é pátria, é identidade, é apropriação, é comunicação... é também ideologia, visão de mundo, como vimos neste capítulo. Por que não? Estudar a gramática pela gramática não nos faz competentes para manipular a língua, apropriando-nos dela como leitores e escritores, muito pelo contrário, nos faz temerosos quando temos que assumir o desafi o da escrita. Não estamos aqui desmerecendo a importância da Gramática Normativa, mas não podemos abrir mão da Gramática do Texto, da “Gramática da Vida”. O escritor Luiz Fernando Veríssimo3 em O gigolô das palavras, declara que “(...) a linguagem, qualquer linguagem, é um meio de comunicação e que deve ser julgada exclusivamente como tal. Respeitadas algumas regras básicas da Gramática, para evitar os vexames mais gritantes, as outras são dispensáveis. A sintaxe é uma questão de uso, não de princípios.” Ele fi naliza sua crônica, de forma bastante irônica: “A gramática precisa apanhar todo dia para saber quem é que manda.” (Idem) Assumindo a identidade de falantes da Língua Portuguesa, experimentem, como nos fala Drummond em Procura da Poesia, a tirar as palavras do estado de dicionário4. Façam-se escritores, procurando escrever em língua escrita. Leila Medeiros de Menezes é professora dos anos iniciais do Colégio de Aplicação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro –CAp-UERJ. Graduada em Letras – Português – Literaturas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ e Mestre em História Política pela UERJ. 1 Verso inicial da música Língua, composição de Caetano Veloso. 2 LISPECTOR, Clarice. Declaração de amor. In:______. A descoberta do mundo. São Paulo: Rocco, 1999, p. 100. 3 VERÍSSIMO, Luiz Fernando. O gigolô das palavras. In: ______. Mais comédias para ler na escola. Rio de Janeiro: Objetiva, 2010, p. 144. 4 ANDRADE, Carlos Drummond de. Procura da Poesia. In: ______ . A Rosa do Povo. Rio de Janeiro: Record, 2012, p. 12. Conversando com a Língua Portuguesa “Gosto de sentir minha língua roçar a língua de Luiz de Camões...”.1 Leila Medeiros de Menezes Unidade 1 - Sociedade e Conhecimento Sociológico96 Revendo o capítulo 1– Defi na o conceito de ideologia, comparando as defi nições apresentadas por Marx, Lênin, Gramsci e Mannheim. 2 – Como a ideologia se manifesta em sua escola? Dê exemplos. 3- Por que podemos afi rmar que existe uma “Matrix nossa de cada dia”? Dialogando com a turma 1 – Podemos afi rmar que o preceito constitucional que afi rma que “todos são iguais perante a lei” trata-se de uma afi rmação ideológica? Por quê? 2 – Debata com os seus colegas sobre a importância do estudo da ideologia, procurando perceber de que forma ela afeta a sua vida. Verifi cando o seu conhecimento 1 – (ENEM, 2009) Os regimes totalitários da primeira metade do século XX apoiaram-se fortemente na mobilização da juventude em torno da defesa de ideias grandiosas para o futuro da nação. Nesses projetos, os jovens deveriam entender que só havia uma pessoa digna de ser amada e obedecida, que era o líder. Tais movimentos sociais juvenis contribuíram para a implantação e a sustentação do nazismo, na Alemanha, e do fascismo, na Itália, Espanha e Portugal. A atuação desses movimentos juvenis caracterizava-se: (A) pelo sectarismo e pela forma violenta e radical com que enfrentavam os opositores ao regime. (B) pelas propostas de conscientização da população acerca dos seus direitos como cidadãos. (C) pela promoção de um modo de vida saudável, que mostrava os jovens como exemplos a seguir. (D) pelo diálogo, ao organizar debates que opunham jovens idealistas e velhas lideranças conservadoras. (E) pelos métodos políticos populistas e pela organização de comícios multitudinários. 2 – (ENEM, 2009) Na democracia estadunidense, os cidadãos são incluídos na sociedade pelo exercício pleno dos direitos políticos e também pela ideia geral de direito de propriedade. Compete ao governo garantir que esse direito não seja violado. Como consequência, mesmo aqueles que possuem uma pequena propriedade sentem-se cidadãos de pleno direito. Na tradição política dos EUA, uma forma de incluir socialmente os cidadãos é: (A) submeter o indivíduo à proteção do governo. (B) hierarquizar os indivíduos segundo suas posses. (C) estimular a formação de propriedades comunais. (D) vincular democracia e possibilidades econô- micas individuais. (E) defender a obrigação de que todos os indivíduos tenham propriedades. Pesquisando e refl etindo LIVROS CHAUÍ, Marilena. O que é ideologia. São Paulo: Brasiliense, 1980. Livro introdutório ao tema, apresentado com uma linguagem simples e envolvente para os jovens. MOORE, Michael. Stupid White Men: uma nação de idiotas. São Paulo: Francis, 2003. Michael Moore é um crítico impiedoso da visão de mundo e das políticas norte-americanas. Neste “livro-provocação”, ele revela a ignorância da maioria do povo norte-americano em relação ao mundo, apresentando-o como um povo “ao redor do seu umbigo”. FILMES A NOITE DOS DESESPERADOS (They Shoot Horses, Don’t They?, EUA, 1969). Direção: Sidney Pollack. Com Bruce Dern. Duração: 120 min. Urna visão crítica da sociedade e seus métodos de iludir o cidadão, através de uma maratona de danças, na época da Depressão Americana. Interatividade Capítulo 7 - “A matrix está em toda parte...”: ideologia e visões de mundo 97 FAHRENHEIT 451 (Fahrenheit 451, França/ Reino Unido, 1967). Direção: François Truffaut. Elenco: Oskar Werner, Julie Christie, Cyril Cusack. Duração: 112 min. Ficção científi ca inspirada pelo livro de mesmo nome, escrito pelo norte-americano Ray Bradbury e publicado pela primeira vez em 1953. A história se passa em um Estado totalitário do futuro em que qualquer crítica é proibida e, por este motivo, por representarem uma ameaça, os livros – qualquer impresso – são proibidos e banidos de circulação. Até que um bombeiro começa a questionar essa realidade, quando vê uma mulher preferir ser queimada em meio aos livros que escondia, ao invés de permanecer viva. INTERNET SUA PESQUISA – IDEOLOGIA: http://goo.gl/h4nIyT Alémde apresentar uma defi nição sobre o tema, o site oferece alguns links que remetem para outras páginas, com apresentações do que pode ser intitulado como “ideologias políticas”: o fascismo, o capitalismo, o comunismo e o anarquismo. Acesso: janeiro/2016. IDEOLOGIA: TERMO TEM VÁRIOS SIGNIFICADOS EM CIÊNCIAS SOCIAIS http://bit.ly/11DZJkO Página do portal UOL Educação – pesquisa escolar, que apresenta um texto sobre o signifi cado do conceito de ideologia nas Ciências Sociais. Acessando também o Youtube e digitando “ideologia”, você também encontrará vários vídeos para debater com seus colegas e com o professor sobre o tema estudado no capítulo. Fica a sugestão. Acesso: janeiro/2016. MÚSICAS IDEOLOGIA – Autores: Frejat e Cazuza. Intérpretes: Cazuza e Barão Vermelho São bem conhecidas a música e a frase “ideologia, eu quero uma para viver!”. Agora que estudamos essa matéria, seria interessante relermos a letra da música, procurando identifi car a visão de mundo de Cazuza com as distintas defi nições de ideologia. COTIDIANO – Autor e intérprete: Chico Buarque O exercício sugerido para a música anterior vale também para a letra deste clássico da MPB – Música Popular Brasileira. FILME DESTAQUE MATRIX (The Matrix) FICHA TÉCNICA: Direção: The Wachowski Brothers. Elenco: Keanu Reeves, Laurence Fishburne, Carrie-Anne Moss Duração: 136 min. (EUA, 1999) SINOPSE: Ficção científi ca rechea- da de efeitos visuais. Um analista de sistemas que vende programas clandestinos descobre que a realidade em que vive não passa de uma ilusão, de sofi sticada aparência virtual, produzida por computadores que contro- lam o planeta. O fi lme deu início a uma trilogia, complementada em 2003 com duas sequências, MATRIX RELOADED e MATRIX REVOLU- TIONS. W ar nn er B ro s. P ic tu re s/ A nd y an d L an a W ar ch ow sk i Unidade 1 - Sociedade e Conhecimento Sociológico98 Aprendendo com jogos Half-Life 2 (Valve Corporation, 2004) CADA CABEÇA, UMA SENTENÇA. SÓ QUE NÃO. 3. Explore o game Half Life 2 e analise as semelhanças entre as estratégias de dominação ideoló- gica dos Combine com a estraté- gias de dominação da ideologia hegemônica em nossa sociedade. 4. Assista o fi lme Eles Vivem (They Live, 1988), com um enredo semelhante, onde o protagonista é o único indivíduo ciente de uma dominação alienígena que controla as mentes das pessoas com mensagens escondidas. Você pode baixar gratuitamente o fi lme aqui: http://goo.gl/Z38Blv 5. Assista o fi lme Gattaca (Andrew Niccol, 1997). Trailer que você acessa em https://goo. A ideologia cria estratégias para que as pessoas sejam aprisionadas não apenas pela coerção, mas também pela sua própria vontade, fundada em crenças, em uma “ideologia-valor”, em representações com valor de verdade. Neste game, a raça humana foi escravizada por uma raça alienígena chamada Combine. Ela desenvolveu um sofi sticado sistema que utiliza tecnologia terrestre e controla mentalmente os humanos. Você é Gordon Freeman e lidera um grupo de rebeldes e com ajuda de outros alienígenas terá de libertar a raça humana do controle mental dos Combine. Não será fácil! Como jogar: 1. Baixe a versão demo do jogo (clicando em “trans- ferir demonstração”) em http://goo.gl/90UoMT 2. Mergulhe no game logo após ter lido o livro 1984 do escritor inglês George Orwell. Esse livro vai te surpreender! (faça uma pesquisa na biblioteca de sua escola para saber se há alguma cópia do livro ou busque na internet para saber como ter acesso a ele) gl/T6AJ7E que aborda as preocupações sobre as tecnologias reprodutivas que facilitam a eugenia, cuja trama se passa num futuro no qual os seres humanos são criados geneticamente em laboratórios e as pessoas concebidas biologicamente, consideradas “inválidas”. 6. Refl ita junto aos seus colegas sobre que tipo de sociedade o controle sobre o que pensamos e sobre o nosso corpo pode gerar. 7. Você também pode ler o livro, ver os fi lmes e jogar o game no mesmo período para realizar uma comparação entre esses produtos culturais. 8. Não seria legal ler o livro, assistir os fi lmes e discutir em sala a ideologia a partir de cenas do game? Pesquise outros livros e fi lmes com temática similar e prepare uma exposição de cinco minutos para a sua turma, na qual você indicará quais aspectos que você considera mais fortemente relacionados entre o jogo, o livro e os fi lmes (você deve narrar passagens, trechos, cenas e eventos relacionados). D iv ul ga çã o/ V al ve so ftw ar e Capítulo 7 - “A matrix está em toda parte...”: ideologia e visões de mundo 99 PLANO DE AULA Objetos de conhecimento: -As Teorias dos autores clássicos e contemporâneos das ciências sociais e suas análises da realidade social. Habilidade/detalhamento da habilidade: (EM13CHS103) Elaborar hipóteses, selecionar evidências e compor argumentos relativos a processos políticos, econômicos, sociais, ambientais, culturais e epistemológicos, com base na sistematização de dados e informações de natureza qualitativa e quantitativa (expressões artísticas, textos filosóficos e sociológicos, documentos históricos, gráficos, mapas,tabelas etc.). Materiais didáticos/tecnólogicos e/ou recursos utilizados: Material xerocopiado. Avaliação: Observação e resolução das atividades. Período: Quantidade de aulas: Pensadores clássicos da sociologia Karl Marx, Émile Durkheim e Max Weber são considerados os autores clássicos da sociologia por criarem as primeiras bases dessa ciência. Os pensadores clássicos da sociologia são o filósofo e economista alemão Karl Marx, o sociólogo francês Émile Durkheim e o sociólogo, teórico político alemão Max Weber. Apesar disso, não podemos deixar de mencionar a participação honrosa do filósofo francês Auguste Comte, considerado o “pai” da sociologia, por enunciar, pela primeira vez, a necessidade de uma ciência capaz de entender as bases da sociedade e criar propostas de intervenção para que ela possa desenvolver-se plenamente. Com distintas visões sobre o método sociológico e sobre o curso da sociedade, os autores do chamado tripé da sociologia (Marx, Durkheim e Weber) contribuíram imensamente com o desenvolvimento basilar dessa ciência. Marx, Weber e Durkheim são considerados os teóricos basilares da sociologia. Nascimento da sociologia: contexto histórico Antecedentes históricos Desde o século XIV, a Europa presenciava uma ascensão cada vez maior de uma nova classe social: a burguesia. A Reforma Protestante, ocorrida no século XV, e uma nova visão de mundo, menos dominada pela lógica católica medieval, permitiram o crescimento ainda maior dessa nova classe social. Os séculos XVI e XVII presenciaram diversas mudanças sociais, como as revoluções científicas e a Revolução Inglesa. No século XVIII, a independência das Treze Colônias, que resultou na fixação do antigo território inglês como os Estados Unidos da América, um país republicano democrático, e a Revolução Francesa deram os indícios práticos da falência do Antigo Regime (o absolutismo). O iluminismo francês — movimento filosófico e político representado por Montesquieu e Voltaire, por exemplo — também deu sinais de que o povo europeu não aceitava mais o absolutismo como um regime político legítimo. Na passagem do século XVIII para o XIX, a Europa viu-se diante de uma crise política e social: a França estava sob instabilidade e caos político deixados pela revolução, além do que a Revolução Industrial causou uma intensa mudança na configuração espacial da Europa, em especial da Inglaterra, que saiu à frente na industrialização. Houve um intenso e repentino êxodo rural em cidades agora industrializadas, o que causou caos social por conta da onda de miséria, do alastramento de doenças e da consequente violência crescente nos centros urbanos. Surgimento da sociologia Diante dessa situação, o filósofo francêsAuguste Comte colocou- se a falar sobre a necessidade de mudar-se radicalmente os rumos que a sociedade estava tomando. Para o filósofo, era necessário reestabelecer a ordem para que a França retomasse seu crescimento. Essa ordem somente poderia ser atingida por uma https://brasilescola.uol.com.br/sociologia/ https://brasilescola.uol.com.br/o-que-e/historia/o-que-e-burguesia.htm https://brasilescola.uol.com.br/historiag/revolucao-inglesa.htm https://brasilescola.uol.com.br/o-que-e/historia/o-que-e-absolutismo.htm https://brasilescola.uol.com.br/o-que-e/historia/o-que-e-iluminismo.htm https://brasilescola.uol.com.br/filosofia/voltaire-um-brilhante-polemista.htm https://brasilescola.uol.com.br/historiag/revolucao-industrial.htm https://brasilescola.uol.com.br/sociologia/auguste-comte.htm rígida organização da sociedade (tão rígida quanto requerem os padrões militares) e pela valorização do cientificismo. Auguste Comte é considerado o “pai” da sociologia. A ciência, para Comte, é a principal chave de crescimento intelectual e moral da sociedade. Para intervir de forma eficaz nesta, seria necessário entender como ela se estrutura, o que seria possível por meio de uma ciência que se colocasse a analisá-la. Primeiramente, o nome dessa ciência, na teoria de Comte, seria física social. Era necessário que ela tomasse um rigor metodológico para si assim como as ciências da natureza. Mais tarde, Comte nomeou a sua ciência de sociologia. Todo esse conjunto teórico do filósofo tornou-se uma espécie de movimento político e social que ficou conhecido como positivismo. Sucessores de Auguste Comte Apesar de ter enunciado pela primeira vez a necessidade de construir-se uma ciência que estudasse a sociedade, Comte não desenvolveu um método para que ela funcionasse, tampouco conseguiu galgar as abstrações filosóficas as quais ele dizia ter de superar em seus trabalhos. Quem identificou isso foi o sociólogo francês Émile Durkheim, considerado o primeiro especialista dessa área por ser o primeiro a desenvolver um método e ir a campo para compreender as estruturas sociais. Durkheim também introduziu a sociologia nos currículos acadêmicos de cursos superiores. Antes dele, Marx já despontava com seu método materialista histórico dialético de análise social. Apesar da validade do método para a compreensão das estruturas sociais e econômicas como um todo, ele não desenvolveu um trabalho de campo que permitisse a profunda compreensão de todos os aspectos da sociedade de maneira rigorosa e complexa, o que fez com que Durkheim tomasse o posto de primeiro sociólogo. Karl Marx desenvolveu o método sociológico e filosófico chamado materialismo histórico dialético. Por último na formação da tríade da sociologia clássica, temos o sociólogo, jurista e político alemão Max Weber. Weber propôs um método e um olhar sociológico bastante diferente do que foi proposto por Durkheim e por Marx. A sua importância histórica dá- se, justamente, pela visão inovadora que ele trouxe à sociologia. Para resumir o posicionamento dos autores clássicos, podemos dizer que Durkheim e Weber são conservadores, defensores do capitalismo, enquanto Marx é favorável a uma revolução para derrubar de vez esse sistema. Como os autores clássicos da sociologia definem as divisões sociais Cada autor clássico da sociologia entendia a sociedade com base em uma visão diferente e peculiar. Auguste Comte via-a como uma complexidade que deveria ser abordada pelo positivismo, tendo em mente sempre o progresso e o cientificismo. As classes sociais resultantes do capitalismo seriam menos desiguais com o progresso e o ordenamento geral da sociedade. Para Karl Marx, a sociedade tinha herdado do capitalismo a divisão em classes sociais, o que resultou numa profunda desigualdade social. Para ele existem duas classes sociais: burguesia e proletariado. A burguesia seria a classe detentora dos meios de produção (fábricas), enquanto o proletariado seria detentora apenas de sua força de trabalho, usurpada pela burguesia via trabalho assalariado. https://brasilescola.uol.com.br/sociologia/o-que-moral.htm https://brasilescola.uol.com.br/sociologia/sociedade-1.htm https://brasilescola.uol.com.br/sociologia/positivismo.htm https://brasilescola.uol.com.br/sociologia/positivismo.htm https://brasilescola.uol.com.br/sociologia/materialismo-historico.htm https://brasilescola.uol.com.br/sociologia/materialismo-historico.htm https://brasilescola.uol.com.br/sociologia/classe-social.htm https://brasilescola.uol.com.br/sociologia/desigualdade-social.htm Para Émile Durkheim, a sociedade é um todo organizado com base em suas funções. O método proposto por ele, o funcionalismo, visa entender as funções de cada indivíduo na sociedade a fim de compreendê-la como um todo. Émile Durkheim é considerado o primeiro sociólogo. Max Weber, por sua vez, visou compreender a sociedade como um todo complexo de várias ações sociais diferentes. Cada indivíduo agiria de uma forma diferente, e, para saber como essas ações ordenam-se, seria necessário estabelecer- se um parâmetro. Os parâmetros seriam os tipos ideais. Principais sociólogos clássicos e suas teorias Segue-se um resumo das teorias dos principais teóricos clássicos da sociologia: Karl Marx O materialismo histórico dialético de Marx compreende que a história da humanidade é baseada numa relação dialética entre classes sociais. No caso do capitalismo, a divisão dá-se entre burguesia e proletariado. A produção material, resultado do trabalho, é o principal elemento constitutivo da sociedade. Para Marx, a relação entre as duas classes é injusta, e é necessário, em sua visão, que haja uma revolução da classe proletária para dominar os meios de produção por meio do estabelecimento de uma ditadura do proletariado. Essa ditadura, de cunho socialista, tenderia a eliminar de vez a diferenciação de classes sociais, resultando no comunismo. Émile Durkheim A sociedade é um todo complexo ordenado por fatos e regido por funções que são os motes para entendê- la. Segundo Durkheim, além da compreensão das funções, deveria haver, por parte do sociólogo, uma compreensão dos fatos que regem as diferentes sociedades, pois eles são fixos. Nas suas palavras, tais fatos são externos ao indivíduo, coercitivos e generalizantes, o que faz com que sejam a única opção de entendimento concreto e científico da sociedade. Max Weber O sociólogo alemão Max Weber discordou de maneira veemente da teoria sociológica de Durkheim. Para aquele, não existem fatos sociais, mas ações sociais que são individuais. O papel do sociólogo é compreender o funcionamento da sociedade pelo entendimento das ações sociais individuais via método compreensivo. Max Weber desenvolveu o método compreensivo da sociologia. Para que não houvesse uma falta de rigor científico na análise, seria necessário compreender uma espécie de padrão esperado de comportamento social. A esses padrões, Weber chamou de tipos ideais, que são o padrão de entendimento social. PORFíRIO, Francisco. "Pensadores clássicos da sociologia"; Brasil Escola. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/sociologia/pensadores-classicos-sociologia.htm. Acesso em 11 de julho de 2022. https://brasilescola.uol.com.br/historiag/capitalismo.htm https://brasilescola.uol.com.br/sociologia/durkheim-fato-social.htm PLANO DE AULA Objetos de conhecimento: -As relações entre a sociedade de consumo dentro do modo de produção capitalista e impactos sociais e ambientais. Habilidade/detalhamento da habilidade: (EM13CHS303). Debater e avaliar o papel da indústria cultural e das culturas de massa no estímulo ao consumismo, seus impactos econômicos e socioambientais, com vistas a uma percepção crítica das necessidades criadas pelo consumo. Materiais didáticos/tecnólogicos e/ou recursos utilizados: Material xerocopiado. Avaliação: Observação e resolução das atividades. Período:Quantidade de aulas: Os problemas derivados do capitalismo A hierarquia do mundo capitalista. O capitalismo é um sistema político-econômico que teve início no final do século XVIII início do XIX, impulsionado pela Revolução Industrial ocorrida primeiramente na Inglaterra, França e Alemanha e posteriormente para diversos países do mundo. O capitalismo está vinculado ao comércio e ao consumo que produz o objetivo maior desse sistema, o lucro. O sistema capitalista tem uma grande capacidade de geração de riquezas, embora seja de forma desigual, pois apenas uma restrita parcela da população mundial detém a maioria das mesmas. Apesar das várias contribuições econômicas, tecnológicas, de conforto que o capitalismo proporcionou, esse também produz diversos aspectos negativos nas sociedades, desse modo os principais problemas provocados pelo sistema em questão são: • Divergência entre capital e trabalho: processo derivado da luta pelos interesses da classe proletária que constantemente busca melhorias em diversos aspectos como aumento salarial, diminuição da jornada de trabalho, melhores condições de trabalho entre outras reivindicações trabalhistas, do outro lado estão os detentores dos capitais e dos meios de produção que exploram a mão-de-obra com objetivo de adquirir uma lucratividade maior e assim acumular mais capitais. • Degradação ambiental: o sistema capitalista está ligado à produção em massa e o consumo na mesma proporção, com isso produz o lucro, para a obtenção de matéria-prima é preciso retirar da natureza diversos recursos. A exploração constante e desenfreada tem deixado um saldo de devastação profunda no meio-ambiente. Durante o último século o mundo passou por profundas evoluções e a natureza sempre foi usada nesse processo, porém sem planejamento a mesma já demonstra saturação e incapacidade de regenerar. Ultimamente a humanidade tem comprovado os reflexos, tais como aquecimento global, elevação dos oceanos, mudanças climáticas, escassez de água entre muitos outros. • Intensificação das desigualdades sociais: a busca incessante por lucros faz com que haja uma grande exploração do trabalho por parte dos donos dos meios de produção, isso ocorre com mais intensidade por causa da falta de emprego, como existe uma grande oferta de trabalhadores os salários conseqüentemente são baixos, além da modernização da produção que retira um número muito elevado de postos de trabalho. A exploração da força de trabalho aumenta cada vez mais a disparidade econômica existente, pois concentra as riquezas nas mãos de poucas pessoas. • A extinção dos valores humanos: o ponto máximo, o objetivo maior do capitalismo é o consumo e para isso uma série de artifícios é usada para que as pessoas aumentem gradativamente o seu consumo, muitas vezes sem necessidade, isso é fruto dos anúncios publicitários que influenciam as pessoas e essas até de forma inconsciente ingressam nesse processo articulado pelo sistema. É justamente nessa busca por adquirir bens materiais que os valores humanos são perdidos ou deixados de lado, pois o que as pessoas possuem torna-se mais importante do que o que elas realmente são, além disso, as relações humanas como amizade, solidariedade, companheirismo são ignoradas. FONTE: Publicado por Eduardo de Freitas https://mundoeducacao.uol.com.br/geografia/os-problemas-derivados-capitalismo.htm GABARITO “A matrix está em toda parte...”: ideologia e visões de mundo 1 – Defina o conceito de ideologia, comparando as definições apresentadas por Marx, Lênin, Gramsci e Mannheim Sintetizando a definição da filósofa Marilena Chauí (1980, p.113): É um conjunto lógico, sistemático e coerente de representações (ideias e valores) e de normas ou regras (de conduta) que indicam e prescrevem aos membros da sociedade o que devem pensar e como devem pensar, o que devem valorizar e como devem valorizar, o que devem sentir e como devem sentir, o que devem fazer e como devem fazer. Ela é, portanto, um corpo explicativo, de representações e práticas (normas, regras e preceitos) de caráter prescritivo, normativo, regulador (...) (1980, p. 113). Mas, para outros autores a ideologia é assim definida: Para Karl Marx, a ideologia adquire um sentido como instrumento de dominação de uma classe sobre outra ou de um grupo social sobre outro. Ideologia seria também uma falsa consciência da realidade. Mas, Lênin deu outro sentido ao termo: para ele, ideologia era qualquer concepção da realidade social ou política, vinculada aos interesses das classes sociais, ou seja, cada classe social teria a sua própria ideologia. Para Gramsci, o conceito de ideologia significa também uma concepção de mundo, manifestando-se implicitamente na arte, no direito, na atividade econômica, em todas as manifestações da vida. E, de acordo com o pensador italiano, tal conceito tem por função conservar a unidade de toda a sociedade e dos grupos. Por fim, o sociólogo alemão Karl Mannheim fez uma distinção entre os termos ideologia e utopia. Ideologia seria um conjunto de concepções, ideias e teorias que orientam os indivíduos para estabilizar, legitimar ou reproduzir a ordem das relações sociais dos homens. Ou seja, todas aquelas ideias, concepções ou teorias que têm um caráter de conservação da realidade social. Utopias seriam o contrário, ou seja, ideias, concepções ou teorias que aspiram a construção de outra realidade social, que ainda não existe. 2 – Como a ideologia se manifesta em sua escola? Dê exemplos. Quando se afirma, por exemplo, que “a escola dá oportunidades a todos os alunos de aprenderem as coisas da vida”, tenta-se ocultar que a escola, com sua suposta aura democrática de ser igual para todos, estimula ainda mais as desigualdades na sociedade. Ao utilizar um padrão de linguagem e ensino mais próximo dos estudantes com maior acesso aos diversos bens culturais, fica evidente que a instituição escolar incentiva ainda mais o aprofundamento das desigualdades existentes na sociedade. [O professor deve observar para a turma que esta resposta se refere ao papel da escola como instituição social, em geral, não se referindo a uma escola específica]. 3 – Por que podemos afirmar que existe uma “Matrix nossa de cada dia”? Apesar de sabermos que não vivemos em um mundo virtual, e que não há nenhuma grande máquina que nos controla, muitas vezes somos, sim, controlados por determinadas ideias que nos fazem pensar que o mundo “é assim” e que “sempre será assim”. Isso faz com que nos conformemos com o mundo que encontramos, para o qual não existiria qualquer alternativa de mudança, mas somente adaptação. Essa verdadeira “matrix”, que existe no nosso dia a dia, é a ideologia que serve de justificação para se manter tudo como está, em defesa das classes dominantes e em detrimento da maioria da população e de todos aqueles que sofrem algum tipo de discriminação na sociedade. VERIFICANDO O SEU CONHECIMENTO 1. A 2. D Nascimento da sociologia: contexto histórico Antecedentes históricos Surgimento da sociologia Sucessores de Auguste Comte Como os autores clássicos da sociologia definem as divisões sociais Principais sociólogos clássicos e suas teorias Karl Marx Émile Durkheim Max Weber