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APG 14 – MEMÓRIA OBJETIVOS: 1) Revisar a morfofisiologia da formação e armazenamento da memória 2) Discutir as bases neurobiológicas da memória e os tipos de memória (segundo tempo de aquisição e estrutura cerebral envolvida). 3) Compreender as alterações patológicas da memória (qualitativas e quantitativas). MORFOFISIOLOGIA DA MEMÓRIA A memória é a capacidade de codificar, armazenar e evocar as experiências, impressões e fatos que ocorrem em nossas vidas. Tudo o que uma pessoa aprende em sua existência depende intimamente da memória. Todos os processos relacionados com a memória são altamente contextualizados, integrados em uma rede de múltiplas informações e contextos da vida. A capacidade específica de memorizar relaciona-se com vários fatores, entre eles o nível de consciência e atenção, o estado emocional e o interesse motivacional e, particularmente importante, os contextos, como lugar, momento, com que pessoas, em que tipo de atividade e em que fase da vida a codificação, o armazenamento e a evocação das informações ocorrem. A memória é armazenada por todo o córtex cerebral em vias conhecidas como traços da memória. Alguns componentes da memória são armazenados no córtex sensorial, onde são processados. Por exemplo, as imagens são armazenadas no córtex visual, e os sons no córtex auditiva. Aprender uma tarefa ou lembrar de uma pode envolver múltiplos circuitos encefálicos funcionando em paralelo, isso ajuda a fornecer um backup caso um dos circuitos for danificado. Dessa forma, se acredita que memórias específicas são generalizadas, permitindo a comparação de novas informações às informações previamente armazenadas. O Hipocampo é considerado uma importante estrutura no aprendizado e memória A memória tem múltiplos níveis de armazenamento, e o nosso banco de memórias está em constante mutação. Quanto um estímulo chega ao SNC, primeiro vai para a memória de curta duração, uma área de armazenamento limitado que pode reter somente cerca de 7 a 12 partes da informação por vez. As informações na memória de curta duração desaparecem, a não ser que um esforço seja feito, como a repetição. · BASES NEUROBIOLÓGICAS DA MEMÓRIA Parece haver bastante concordância entre os pesquisadores de que, para o fenômeno da memorização ou engramação mnéstica, ou seja, para a formação das unidades de memória, as estruturas límbicas temporomediais, principalmente relacionadas ao hipocampo, à amígdala e ao córtex entorrinal, são fundamentais. Elas atuam, em especial, na consolidação dos registros e na transferência das unidades de memória de curto e médio prazos (intermediária) para a de longo prazo (estocagem da memória remota). O substrato neural da memória de longo prazo (registros bem consolidados) repousa basicamente no córtex cerebral, ou seja, nas áreas de associação neocorticais, principalmente frontais e temporoparietoccipitais. A interrupção bilateral do circuito hipocampo-mamilo-tálamo-cíngulo pode determinar a incapacidade de fixação de novos elementos mnêmicos, produzindo, assim, a síndrome amnéstica, de maior ou menor intensidade. As estruturas mais importantes para a memória são, certamente, os hipocampos. · CIRCUITO DE PAPEZ: é uma rede interconectada dentro do cérebro que está associada a muitos processos emocionais. O circuito de Papez envolve o hipocampo, corpos mamilares, tálamo e giro do cíngulo. · O circuito Papez é um circuito modulador envolvido em várias funções, incluindo: · Medo · Ansiedade · Tristeza · Felicidade · Prazer sexual · Consiste numa série de estruturas límbicas conectadas num loop que modula os comportamentos acima mencionados: · Hipocampo → corpos mamilares → núcleo anterior do tálamo → giro do cíngulo → hipocampo · O circuito permite que as memórias sejam armazenadas com base na emoção produzida por um estímulo. A Memória de Trabalho é uma forma especial de memória de curta duração processada nos lobos pré-frontais. Essa região do córtex está envolvida em manter a sequência de registros da informação. Tempo o suficiente para ser utilizada em uma tarefa. A memória de trabalho nessa região é associada a memória de longa duração, de modo que a informação recém adquirida pode ser integrada à informação armazenada, influenciando-a. A Memória de Longa duração é uma área de armazenamento capaz de reter uma grande quantidade de informações. O processo da informação que converte uma memória de curta duração em uma memória de longa duração é chamada de Consolidação. A consolidação pode demorar um período de tempo variável, passando por muitos níveis intermediários para que a informação possa ser localizada e evocada. Esse processo envolve alterações na excitabilidade neuronal e nas conexões sinápticas dos circuitos envolvidos na aprendizagem. Em alguns casos, formam-se novas sinapses, em outros a eficácia da transmissão sináptica aumenta. Essas mudanças são evidências da plasticidade, e mostram que o cérebro não é feito de conexões fixas. A memória de longa duração é dividida em dois tipos, consolidados e armazenados em diferentes ias neurais. 1) Memória Reflexiva (Implícita) - Automática e não requer processos conscientes para ser formada ou evocada, envolve o corpo amigdaloide e o cerebelar. As informações armazenadas na memória reflexiva são adquiridas lentamente por meio da repetição. Atividade motora e hábitos estão inclusas nesta categoria. 2) Memória Declarativa (Explicita) - Requer atenção consciente para ser evocada. A sua criação geralmente depende do uso de habilidades cognitivas superiores como inferência, comparação e avaliação. As vias neuronais envolvidas estão nos lobos Temporais. Ele se trata do conhecimento sobre nós mesmos e sobre o mundo. As vezes as informações podem ser transferidas da memória declarativa para a não declarativa tipos de memória A memória é a capacidade de codificar, armazenar e evocar as experiências, impressões e fatos que ocorrem em nossas vidas. Tudo o que uma pessoa aprende em sua existência depende intimamente da memória. Além disso, como será abordado neste capítulo, todos os processos relacionados com a memória são altamente contextualizados, integrados em uma rede de múltiplas informações e contextos da vida. A capacidade específica de memorizar relaciona-se com vários fatores, entre eles o nível de consciência e atenção, o estado emocional e o interesse motivacional e, particularmente importante, os contextos, como lugar, momento, com que pessoas, em que tipo de atividade e em que fase da vida a codificação, o armazenamento e a evocação das informações ocorrem. De forma genérica, podem-se distinguir, para os seres humanos, os seguintes tipos de memória: 1.Memória psicológica (cognitiva ou neuropsicológica) - É uma atividade altamente diferenciada do sistema nervoso, que permite ao indivíduo codificar, conservar e evocar, a qualquer momento, os dados aprendidos da experiência. 2.Memória genética e epigenética - Esse tipo de memória abrange conteúdos de informações biológicas adquiridos ao longo da história filogenética da espécie e ao longo das vivências do indivíduo e de seus ancestrais, contidos no material biológico (DNA, RNA, cromossomos, mitocôndrias, mudanças epigenéticas) dos seres vivos. 3.Memória imunológica - Esse tipo de memória reúne informações registradas e potencialmente recuperáveis pelo sistema imune de um ser vivo. 4.Memória coletiva, social ou cultural - Envolve conhecimentos e práticas sociais e culturais (costumes, valores, práticas, linguagem, habilidades artísticas, conceitos e preconceitos, ideologias, estilos de vida, rituais, gesticulações, etc.) produzidos, acumulados e mantidos por um grupo social. Esse tipo de memória tem importância fundamental para as sociedades humanas. Sem ela, os grupos sociais perdem sua identidade básica, a possibilidade de perceber o sentido de suas existências, a gratidão e crítica em relação ao passado e a esperança e prudência em relação ao futuro. Estudos em psicologia cognitiva eneuropsicologia idenficaram dois aspectos importantes sobre a memória psicológica: 1º) a memória não é um processo unitário. Ela é composta de múltiplos elementos, que podem ser organizados e expostos de distintas formas e exigem redes e estruturas cerebrais diferentes. 2º) a memória não é um processo passivo e fidedigno de fixação de elementos e de evocação exata e realista do que foi arquivado. Nesse sentido, ela é muito mais um processo ativo, no qual vários elementos do indivíduo participam da codificação e da evocação, como elementos sensoriais, imaginativos, semânticos e afetivos. A memória é frequentemente reeditada, ou seja, as informações de eventos, cenas e acontecimentos do passado, que já foram armazenadas, podem ser reconfiguradas com acréscimos de elementos novos (vividos ou imaginados pelo próprio indivíduo ou instigados por estímulos externos, conscientes ou não). Assim, há um processo de recriação e reinterpretação no arquivo de longo prazo de nossas memórias. Elas frequentemente não são “o filme realista do que aconteceu”, mas “reedições criativas” de vários “diretores” que influem no conteúdo do arquivo de memórias. · FASES OU ELEMENTOS BÁSICOS DA MEMÓRIA Cabe, agora, apresentar a memória psicológica em suas três fases, ou elementos básicos: · Codificação: captar, adquirir e codificar informações. · Armazenamento: reter as informações de modo fidedigno. · Recuperação ou evocação: também denominada de lembranças ou recordações; é fase em que as informações são recuperadas para distintos fins. A codificação é o processo inicial da memorização. Ela depende muito da atenção. A evocação, a capacidade de acessar os dados fixados, seria a etapa final do processo de memória. Lembrança é a capacidade de acessar elementos no banco da memória de longo prazo. Reconhecimento é a capacidade de identificar uma informação apresentada ao sujeito com informações já disponíveis na memória de longo prazo. Esquecimento, por sua vez, é a denominação que se dá à impossibilidade de evocar e recordar. · MEMÓRIA SEGUNDO O TEMPO DE AQUISIÇÃO, ARMAZENAMENTO E EVOCAÇÃO Em relação ao processo temporal de aquisição, armazenamento e evocação de elementos mnêmicos, a neuropsicologia moderna divide a memória em quatro momentos temporais: 1.Memória sensorial e depósito sensorial (até 1 segundo). Aqui, percepção, atenção e memória se sobrepõem. As memórias sensoriais são ricas (muitos conteúdos), mas muitíssimo breves (os conteúdos se apagam rapidamente). Quando estímulos visuais (memória icônica) ou auditivos (memória ecoica) são expostos ao indivíduo, ele capta (não de modo consciente) um número relativamente grande de informações, mas pode guardá-las apenas por um período muito curto. 2.Memória imediata ou de curtíssimo prazo (de poucos segundos até 1 a 3 minutos). Esse tipo de memória se confunde conceitualmente também com a atenção e com a memória de trabalho (que será abordada adiante). Trata-se da capacidade de reter o material (palavras, números, imagens, etc.) imediatamente após ser percebido, como reter um número telefônico para logo em seguida discar. A memória imediata tem também capacidade limitada e depende da concentração, da fatigabilidade e de certo treino. As memórias imediata e de trabalho dependem sobretudo da integridade das áreas pré-frontais. 3.Memória recente ou de curto prazo (de poucos minutos até 3 a 6 horas). Refere-se à capacidade de reter a informação por curto período. Também é um tipo de memória de capacidade limitada. A memória recente depende de estruturas cerebrais das partes mediais dos lobos temporais, como a região CA1 do hipocampo, do córtex entorrinal, assim como do córtex parietal posterior. 4.Memória de longo prazo ou remota (de dias, meses até muitos anos). É a função relacionada à transferência de informações para depósitos de longo prazo, tendo capacidade quase ilimitada. Ela também se relaciona à evocação de informações e acontecimentos ocorridos no passado, geralmente após muito tempo do evento (pode durar por toda a vida). É um tipo de memória de capacidade bem mais ampla em termos de itens a serem guardados que a memória imediata e a recente. As informações a serem guardadas na memória de longo prazo são armazenadas de modo organizado, em sistemas que proporcionam uma estrutura organizacional. Assim, as informações são arquivadas e conservadas de acordo com seu significado, em redes semânticas nas quais conceitos semelhantes ou semanticamente relacionados são armazenados de maneira vinculada, próximos uns dos outros. Acredita-se que a memória remota se relacione tanto ao hipocampo, no processo de transferência de memórias recentes para memórias de longo prazo, como implicando também, para o armazenamento de longo, amplas e difusas áreas corticais de associação em todos os lobos cerebrais (mas principalmente nos frontais). · FATORES ASSOCIADOS AO PROCESSO DE MEMORIZAÇÃO (CODIFICAÇÃO E ARMAZENAMENTO) Atualmente, os estudos psicológicos e neurocientíficos sobre a memória psicológica indicam que o processo de memorização (codificação, armazenamento e futura evocação) de novos elementos da memória depende de: · Nível de consciência e estado geral do organismo: o indivíduo deve estar desperto, não muito cansado, calmo, em bom estado geral, para que a memorização ocorra da melhor maneira possível. · Atenção focal: diz respeito à capacidade de manutenção de atenção concentrada sobre o conteúdo novo a ser fixado. Informações novas entram na memória de longo prazo principalmente quando se presta bastante atenção durante o aprendizado. · Organização e distribuição temporal: diz respeito a distribuir, no processo de aprendizado de novas informações, as tentativas de aprendizado ao longo de um período de tempo mais longo e cadenciado; é melhor praticar “pouco e sempre” do que tentar memorizar e aprender tudo apressadamente, em um único dia (p. ex., no dia antes da prova). · Interesse e colorido emocional: relaciona-se às informações a serem fixadas, assim como ao empenho do indivíduo em aprender (vontade e afetividade). · Conhecimento anterior: elementos já conhecidos ajudam a adquirir elementos novos, principalmente quando se articulam os novos conhecimentos a informações, classificações e esquemas cognitivos já bem assentados, formando uma cadeia de elementos mnêmicos. · Capacidade de compreensão do significado da informação: buscar entender o significado da informação ou conhecimento que se está tentando aprender é de fundamental ajuda para a memorização. Se a informação não tem um significado particular (é algo aleatório), então é útil atribuir-lhe um significado arbitrário. · Estabelecimento de um contexto rico e elaborado: o contexto e as circunstâncias associadas à informação que se quer memorizar têm papel central na eficácia da memorização. · Codificação da informação nova em mais de uma via: para o armazenamento mais eficaz de uma informação nova, quanto maior for o número de canais sensoriais e dimensões cognitivas distintas, mais eficaz será a fixação. Por exemplo, se a informação for uma palavra, deve-se buscar associar uma imagem visual; se for visual, deve-se buscar associar uma palavra. Com isso, são criados mapas mentais, que colaboram para o armazenamento eficaz. · TIPOS ESPECÍFICOS DE MEMÓRIA Distinguem-se esses tipos de acordo com o caráter consciente ou não consciente do processamento do conteúdo mnêmico e com as áreas e estruturas cerebrais envolvidas: Tipos dependentes do caráter consciente ou não consciente do processo mnêmico (memória explícita/declarativa versus implícita/não declarativa). Segundo o caráter consciente ou não consciente do processo mnêmico, têm-se as memórias explícita e implícita. · A memória explícita (memória declarativa) - é relacionada ao conhecimento consciente, obtido geralmente com algum esforço. Esse tipo de memória é adquirido e evocado com plena intervenção da consciência (Izquierdo, 2002), incluindo as lembranças de fatos autobiográficos (memória autobiográfica). Um episódio como ter almoçadono último domingo com a avó pode ser lembrado com algum esforço e de forma consciente. A memória explícita pode ser de imagens visuais, palavras, conceitos ou eventos. · A memória implícita (memória sem consciência ou não declarativa) - é um tipo de memória que adquirimos e utilizamos sem que percebamos, sem consciência e, geralmente, sem esforço. É uma forma relativamente automática e espontânea. Ela pode incluir procedimentos, como muitas habilidades motoras (andar de bicicleta, saber bordar, saber escovar os dentes), assim como conhecimentos gerais ancorados em palavras, que adquirimos e utilizamos sem perceber, como aprender e falar a língua materna. A memória implícita está envolvida, ainda, com as chamadas sensações de familiaridade. Vemos uma pessoa no ônibus, sabemos que a conhecemos (sensação de familiaridade), mas não localizamos de onde e quem exatamente ela é. Geralmente a pessoa é conhecida de um contexto diferente do ônibus (p. ex., é um antigo funcionário da escola de ensino fundamental, que raramente pega condução). · O termo priming (a melhor tradução é aprimoramento de repetição) se refere a um tipo de memória implícita, importante no processo de recordação e execução de tarefas cognitivas. Estímulos que já foram expostos ao sujeito, de forma consciente ou não consciente, são mais bem processados do que aqueles que nunca lhe foram expostos. · Memórias, devaneios e viagem mental no tempo – O devaneio ocorre quando soltamos a mente e relaxadamente construímos histórias e eventos mentais, variando ou inventando cenas e episódios, em relação tanto ao nosso passado como ao nosso futuro. Viagem mental no tempo A capacidade de mentalmente reviver o passado e imaginar possíveis futuros (mental time travel). Trata-se de um processo essencialmente construtivo. Há ativação de várias áreas cerebrais, principalmente dos hipocampos e dos lobos frontais. · TIPOS DE MEMÓRIA CLASSIFICADOS SEGUNDO A ESTRUTURA CEREBRAL ENVOLVIDA São quatro os principais tipos de memória que correspondem a estruturas cerebrais diversas, que são afetados de forma diferente nas doenças e condições que diminuem ou destroem a memória (p. ex., demências). São, nesse sentido, as principais formas de memória de interesse à semiologia neurológica, psicopatológica e neuropsicológica. São elas: 1) Memória de trabalho - situa-se entre os processos e habilidades da atenção e os da memória imediata. São exemplos de memória de trabalho ouvir um número telefônico e retê-lo na mente para, em seguida, discá-lo, assim como, ao dirigir em uma cidade desconhecida, perguntar sobre um endereço, receber a informação e a sugestão do trajeto e, mentalmente, executar o itinerário de forma progressiva. As regiões corticais pré-frontais são importantes para a integridade da memória de trabalho. Nas tarefas verbais, há maior envolvimento das áreas pré-frontais esquerdas, assim como das áreas de Broca (frontal esquerda inferior) e de Wernicke (temporal esquerda superior). Quando o córtex temporal é lesado, há prejuízo da memória de trabalho visual (mas a memória de trabalho espacial é preservada); quando há lesão dos lobos parietais, ocorre o oposto. Pacientes com lesões nas áreas cerebrais associadas aos conhecimentos semânticos (sentido das palavras), como o córtex dos lobos temporais laterais e temporoparietais, têm prejuízos nos desempenhos da memória de trabalho verbal. De modo geral, todas as condições que afetam as regiões pré-frontais causam alteração da memória de trabalho. Elas ocorrem em distintas condições clínicas, mas sobretudo nas demências, como: 1.demência frontotemporal (DFT), sobretudo na variante frontal da DFT 2.demência de Alzheimer (sobretudo na variante frontal desta demência) 3.demências vasculares e demência com corpos de Lewy A memória de trabalho pode também estar comprometida na esclerose múltipla e no traumatismo craniano. Na demência de Alzheimer, o componente “sistema executivo” é o que mais está prejudicando na memória de trabalho. 2) Memória episódica - Trata-se de memória explícita, de médio e longo prazos, relacionada a eventos específicos da experiência pessoal do indivíduo, ocorridos em determinado contexto. Relatar o que foi feito no último fim de semana é um típico exemplo de memória episódica. Ela corresponde a eventos específicos e concretos, comumente autobiográficos, bem circunscritos em determinado momento e local. Refere-se, assim, à recordação consciente de fatos reais. Esse tipo de memória depende, em essência, de mecanismos relacionados às regiões da face medial dos lobos temporais, particularmente o hipocampo e os córtices entorrinal e perirrinal. Quando tais áreas se deterioram, por exemplo, com o avançar da demência de Alzheimer, o paciente perde totalmente a capacidade de fixar e lembrar eventos ocorridos há poucos minutos ou horas, inclusive situações marcantes e significativas para ele. Os pacientes com síndrome de Wernicke-Korsakoff têm déficits graves na memória episódica, uma condição relacionada a danos no diencéfalo, primariamente nos corpos mamilares, no trato mamilo-talâmico e no tálamo anterior. Respeitando a lei de Ribot, a memória remota de eventos antigos permanece mais tempo sem alterações. O hipocampo é um depósito transitório de memórias, uma estação de transferência de elementos recentemente registrados para um arquivo mais permanente de lembranças, localizado de modo difuso em amplas áreas do córtex dos distintos lobos cerebrais. A memória episódica interage constantemente com a memória semântica (de conhecimentos gerais e conceitos; ver adiante), contrastando ou se articulando com ela. 3) Memória semântica - Esse tipo de memória se refere ao aprendizado, à conservação e à utilização do arquivo geral de conceitos e conhecimentos do indivíduo (os chamados conhecimentos gerais sobre o mundo). Assim, conhecimentos como a cor do céu (azul) ou de um papagaio (verde), ou quantos dias há na semana (sete), são de caráter geral e se cristalizam por meio da linguagem, ou seja, também são de caráter semântico. Assim como a episódica, a memória semântica é frequentemente explícita (mas pode ser, eventualmente, implícita). Ela é, enfim, a representação de longo prazo dos conhecimentos que temos sobre o mundo, entre eles o significado das palavras, dos objetos e das ações. Na demência de Alzheimer, há alterações pronunciadas da memória semântica. Isso ocorre devido à deterioração das regiões mediais e ventrais dos lobos temporais e de regiões temporoparietais do hemisfério esquerdo. Na DFT, na variante que afeta mais os lobos temporais (variante semântica da DFT), ocorre significativa perda da memória semântica, o que leva a dificuldades nas tarefas de nomeação e compreensão de palavras isoladas, além de empobrecimento dos conhecimentos gerais (condição descrita por alguns autores como demência semântica). Na variante comportamental da DFT (que afeta mais os lobos frontais), a memória semântica pode estar menos comprometida. 4) Memória de procedimentos - Trata-se de um tipo de memória automática, não consciente. Exemplos desse tipo de memória são habilidades motoras e perceptuais mais ou menos complexas (andar de bicicleta, digitar no computador, tocar um instrumento musical, bordar, etc.), habilidades visuoespaciais (como a capacidade de aprender soluções de labirintos e quebra-cabeças) e habilidades automáticas relacionadas ao aprendizado de línguas (regras gramaticais incorporadas na fala automaticamente, decorar a conjugação de verbos de uma língua estrangeira, etc.). Aqui, a memorização ocorre de forma lenta, por meio de repetições e múltiplas tentativas. A localização da memória de procedimentos está relacionada com o sistema motor e/ou sensorial específico envolvido na tarefa. As principais áreas envolvidas são a área motora suplementar (lobos frontais), os núcleos da base (sobretudo o striatum) e o cerebelo. ALTERAÇÕES PATOLÓGICAS DA MEMÓRIA · ALTERAÇÕES QUANTITATIVAS · HIPERMNÉSIAS - Em alguns pacientes em mania ou hipomania, representações(elementos mnêmicos) afluem rapidamente, uma tempestade de informações ou imagens, ganhando em número, perdendo, porém, em clareza e precisão. A hipermnésia, nesses casos, traduz mais a aceleração geral do ritmo psíquico que uma alteração propriamente da memória Há outro tipo de hipermnésia, chamada hipermnésia para memória autobiográfica. Trata-se de um fenômeno raro, no qual o indivíduo tem uma memória autobiográfica quase perfeita (Parker et al., 2006). · AMNÉSIAS (OU HIPOMNÉSIAS) - Denomina-se amnésia, de forma genérica, a perda da memória, seja da capacidade de fixar, seja da capacidade de manter e evocar antigos conteúdos mnêmicos. Segundo a lei de Ribot (atualmente denominada temporally graded amnesia), no indivíduo que sofre uma lesão ou doença cerebral, sempre que esse processo patológico atinja seus mecanismos mnêmicos de codificação, armazenamento e recordação, a perda dos elementos da memória (esquecimento) segue algumas regularidades: 1.O sujeito perde as lembranças e seus conteúdos na ordem e no sentido inverso que os adquiriu. 2.Consequência do item anterior, ele perde primeiro elementos recentemente adquiridos e, depois, os mais antigos. 3.Perde primeiro elementos mais complexos e, depois, os mais simples. 4.Perde primeiro os elementos mais estranhos, menos habituais e, só posteriormente, os mais familiares. Em relação aos processos fisiopatológicos, as amnésias podem ser divididas em dois grandes grupos: psicogênicas ou dissociativas e orgânicas. A amnésia dissociativa - pode surgir em sequência a um episódio de trauma emocional e/ou relacionada a fuga dissociativa (quando o indivíduo foge de sua casa, em estado dissociativo). As amnésias orgânicas - a perda de memória é geralmente menos seletiva, em relação ao conteúdo emocional e/ou simbólico do material esquecido, do que na amnésia psicogênica. Em geral, perde-se primeiramente a capacidade de memorização de fatos e eventos recentes, e, em estados avançados da doença (geralmente demência), o indivíduo passa gradualmente a perder conteúdos mais antigos. · AMNÉSIA ANTERÓGRADA E RETRÓGRADA Na amnésia anterógrada - o indivíduo não consegue mais fixar elementos mnêmicos a partir do evento que lhe causou o dano cerebral. Por exemplo, ele não lembra o que ocorreu nas semanas (ou meses) seguintes a um trauma craniencefálico. A amnésia anterógrada é um distúrbio-chave e bastante frequente na maior parte dos distúrbios neurocognitivos, transtornos de base orgânica. Já na amnésia retrógrada (verificável na amnésia dissociativa), o indivíduo perde a memória para fatos ocorridos antes do início do transtorno (ou trauma). Sua ocorrência, sem amnésia anterógrada, é observada em quadros dissociativos (psicogênicos), como a amnésia dissociativa e a fuga dissociativa. De modo geral, é comum, após trauma craniencefálico, a ocorrência de amnésias retroanterógradas, ou seja, déficits de fixação para o que ocorreu dias, semanas ou meses antes e depois do evento patógeno. · ALTERAÇÕES QUALITATIVAS (PARAMNÉSIAS) As alterações qualitativas da memória envolvem sobretudo a deformação do processo de evocação de conteúdos mnêmicos previamente fixados. O indivíduo apresenta lembrança deformada que não corresponde à sensopercepção original. Os principais tipos de paramnésias são: · ILUSÕES MNÊMICAS - Nesse caso, há o acréscimo de elementos falsos a elementos da memória de fatos que realmente aconteceram. Por isso, a lembrança adquire caráter fictício. Muitos pacientes informam sobre seu passado indicando claramente deformações marcantes de lembranças reais: “Tive 20 filhos com minha mulher” (teve, de fato, 4 filhos com ela, mas não 20). As ilusões mnêmicas podem ocorrer na esquizofrenia, no transtorno delirante e, menos frequentemente, nos transtornos da personalidade (borderline, histriônica, esquizotípica, etc). · ALUCINAÇÕES MNÊMICAS - São criações imaginativas, dotadas de sensorialidade, marcadamente com a aparência de lembranças ou reminiscências que não correspondem a qualquer elemento mnêmico, a qualquer lembrança verdadeira. Podem surgir de modo repentino, sem corresponder a qualquer acontecimento. Ocorrem principalmente na esquizofrenia e em outras psicoses. As ilusões e as alucinações mnêmicas constituem, muitas vezes, o material básico para a formação e a elaboração de delírios (delírio imaginativo ou delírio mnêmico). · Confabulações (ou fabulações) Confabulações são produções de relatos, narrativas e ações que são involuntariamente incongruentes com a história passada do indivíduo, com sua situação presente e futura. São caracterizadas por três aspectos básicos: 1.Elas são memórias ou recordações falsas; a falsidade repousa ou no seu conteúdo, ou no seu contexto. 2.A pessoa que confabula não sabe da falsidade de suas recordações. 3.Confabulações são recordações plausíveis, ou seja, elas se parecem com o que poderia ter acontecido, mas que não aconteceu. As confabulações ocorrem principalmente na síndrome de Wernicke-Korsakoff, frequentemente secundária ao alcoolismo crônico associado a déficit de tiamina (vitamina B1). Elas também podem ocorrer em traumatismo craniencefálico, encefalites que implicam os lobos temporais (como a encefalite herpética), intoxicação por monóxido de carbono, aneurisma da artéria comunicante anterior e doença de Alzheimer. As alterações anatômicas relacionadas às confabulações compreendem lesões nos corpos mamilares, no núcleo dorsomedial do tálamo, assim como no córtex orbitofrontal. · CRIPTOMNÉSIAS - Trata-se de um falseamento da memória, em que as lembranças aparecem como fatos novos ao paciente, que não as reconhece como lembranças, vivendo-as como uma descoberta. Por exemplo, um indivíduo com demência (como do tipo Alzheimer) conta aos amigos uma história muito conhecida como se fosse inteiramente nova, mas que, há poucos minutos, foi relatada por outra pessoa do grupo. · ECMNÉSIA - Trata-se da recapitulação e da revivescência intensa, abreviada e panorâmica da existência, uma recordação condensada de muitos eventos passados, que ocorre em breve período. Na ecmnésia, o indivíduo tem a vivência perceptiva de visão de cenas passadas, como forma depresentificação do passado. Esse tipo de ecmnésia pode ocorrer em alguns pacientes com crises epilépticas. O fenômeno denominado visão panorâmica da vida, associado às chamadas experiências de quase-morte, é, de certa forma, um tipo de ecmnésia, que ocorre geralmente associado à iminência da morte por acidente (sobretudo afogamento, sufocamento ou intoxicação). Quando a ecmnésia ocorre associada à proximidade da morte, alguns indivíduos que sobreviveram relatam ter visto um túnel, uma luz forte e uma névoa luminosa, associados a essa visão de “filme condensado da própria vida”. · LEMBRANÇA OBSESSIVA - também denominada ideia fixa ou representação prevalente, manifesta-se como o surgimento espontâneo de imagens da memória ou conteúdos ideativos do passado que, uma vez instalados na consciência, não podem ser repelidos voluntariamente pelo indivíduo. A imagem da memória, embora reconhecida como indesejável, reaparece de forma constante e permanece, como um incômodo, na consciência do paciente. Manifesta-se em indivíduos com transtornos do espectro obsessivo-compulsivo. ALTERAÇÕES DO RECONHECIMENTO Dividem-se em dois grandes grupos: as diferentes formas de agnosias, de origem essencialmente cerebral, e as alterações de reconhecimento psicopatológicas, mais frequentemente associadas aos transtornos mentais, sem base orgânica definida. · AGNOSIAS - são fenômenos relativamente raros, definidos como déficits do reconhecimento de estímulos sensoriais de objetos e fenômenos, que não podem ser explicados por um déficit sensorial elementar, por distúrbios da linguagem e da atenção ou por perdas cognitivas globais. As agnosias são sempre de modalidades sensoriais específicas, nas quais o indivíduo perde a capacidade de reconhecimento (de objetos, faces, sons, etc.) por determinada via sensorial (visão, audição ou tato), mas pode reconhecer os objetospor outra via sensorial. As agnosias mais importantes são as visuais e as auditivas. Os principais tipos de agnosia são: · AGNOSIAS TÁTEIS · Astereognosia: incapaz de reconhecer a forma dos objetos em sua mão, estando de olhos fechados. · Agnosia tátil propriamente dita: o paciente identifica as formas elementares do objeto, mas há incapacidade de reconhecimento global de tal objeto. · AGNOSIAS VISUAIS Não reconhece mais pela visão, enxerga, pode descrevê-los, mas não sabe o que realmente são. · Prosopagnosia: Agnosia de reconhecimento das faces e incapacidade de reconhecer membros específicos de determinado grupo genérico de coisas, como uma marca de trânsito. · AGNOSIAS AUDITIVAS · Agnosia auditiva seletiva: incapacidade de reconhecer sons não linguísticos. · Agnosia verbal ou surdez verbal pura: o paciente pode falar, ler e escrever corretamente, mas não entende qualquer palavra falada, as reconhece como ruídos. · Cegueira verbal pura: paciente fala, escreve e entende palavras faladas, mas não pode ler de forma compreensível um texto (alexia agnóstica sem disgrafia). · OUTROS · Anosognosia: incapacidade de reconhecer um déficit ou doença que o acomete. · Anosodiaforia: incapacidade de reconhecer o estado afetivo que se encontra. · Simultanagnosia: incapacidade de reconhecer mais de um objeto do mesmo tempo. · Grafestesia: reconhecimento da escrita pelo tato. · Paramnésia duplicada: paciente consegue reconhecer o hospital onde se encontra, mas afirma erroneamente que está em casa. SEMIOTÉCNICA MEMÓRIA RECENTE · Há quanto tempo está nessa enfermaria? · Onde dormiu? · Quem sou eu e qual meu nome? · Que horas se levantou? MEMÓRIA REMOTA · Estado civil? · Com quantos anos se casou/divorciou? · Como se chama seu cônjuge? TESTES 1) Memória verbal 2) Memória visual 3) Teste por associação 4) Teste de memória lógica