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41098 Textos de Antropologia Geral 21|22 
 Lúcio Sousa 
1 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Capa: Lúcio Sousa, foto de emissão RTP de 20 de maio de 2002 com a transmissão 
da cerimónia de passagem da autoridade da UNTAET para o Estado Timorense. Na 
foto: matas Paulo Mota e bei José Tilman, representantes do Distrito de Bobonaro. 
 
Nota: as fotos utilizadas são pessoais, exceto se indicada outra fonte. 
2 
 
 Indice geral 
 
 
Apresentação da UC e dos Textos 3 
Conteúdos temáticos 6 
Objetivos gerais por tema 7 
 
1.O campo e o método da antropologia 
 
8 
1.1 A antropologia e a compreensão do mundo contemporâneo 10 
1.2 A metodologia de investigação antropológica 41 
 
2.Teorias e práticas antropológicas 
 
60 
2.1 Teorias clássicas e debates contemporâneos 61 
2.2 Antropologia Aplicada: entre a academia e a prática 109 
 
3.Campos e objetos da antropologia social e cultural 
 
131 
3.1 Antropologia e parentesco 132 
3.3 Antropologia e poder 177 
 
Bibliografia 
 
197 
 
 
3 
 
Apresentação da unidade curricular 
 
A antropologia não é uma ciência das sociedades longínquas e 
exóticas, nem das pequenas comunidades ou das sociedades simples e 
fechadas. Interessa-se pelo Ser Humano (άνθρωπος - anthropos) como 
objeto de estudo (λόγος, logos), conhecimento, discurso. 
A disciplina institucionaliza-se como ciência no século XIX e 
acompanhou a expansão colonial, industrial, científica e tecnológica 
europeia, focalizando-se nas sociedades ditas “primitivas” ou 
“longínquas”, para, como numa situação de laboratório, compreender a 
organização “complexa” da sua própria sociedade. Após a 
descolonização, a Antropologia regressa aos países de onde partira mas 
permanece também nesses terrenos antropológicos afirmando, num e 
noutro lado, as relações e comparações entre as sociedades, e a sua 
pertinência e contemporaneidade. 
Nesta unidade curricular abordaremos de forma introdutória conceitos 
fundamentais da Antropologia Social e Cultural, os seus contextos, a sua 
dimensão integrativa e alguns dos seus domínios de estudo. Centrar-
nos-emos numa antropologia para a nossa época, antropologia nas 
sociedades contemporâneas sem deixarmos de explorar a sua dimensão 
histórica e os seus instrumentos metodológicos. 
 
Competências: 
 
No final desta unidade curricular o/a estudante deverá ser capaz de: 
§ analisar e interpretar a complexidade da diversidade cultural no 
mundo atual; 
§ contextualizar e constituir conhecimento teórico com base em 
dados etnográficos; 
§ reconhecer e compreender os processos de (re)produção e 
transformação social nas interações humanas. 
§ identificar e explicitar a dimensão aplicada da antropologia nas 
sociedades contemporâneas. 
4 
 
Apresentação dos Textos 
 
Os Textos1 da unidade curricular Antropologia Geral têm como 
objetivo trabalhar os conteúdos letivos do programa da unidade 
curricular Antropologia Geral. Considerando que os destinatários destes 
recursos são estudantes em regime de autoaprendizagem em ambiente 
colaborativo os seus objetivos prioritários são: 
 
a) facultar ao estudante um conjunto de elementos de 
aprendizagem, permitindo a análise e esquematização de 
conteúdos, conceitos e problemáticas selecionados; 
b) proporcionar elementos suplementares que permitam a 
exploração dos conteúdos letivos, valorizando deste modo a 
formação em curso. 
c) facultar elementos para trabalho colaborativo na sala de aula 
virtual. 
 
 
Organização dos Textos 
 
Os Textos estruturam-se da seguinte forma: 
1. Apresentação do programa da disciplina Antropologia Geral sendo 
expostos os pressupostos e objetivos gerais dos conteúdos 
temáticos. 
2. Quatro capítulos relativos aos Temas 1- 3 do programa com o 
propósito de: 
• Clarificar os objetivos de aprendizagem; 
• Proporcionar informação relativa a conceitos, noções e 
teorias; 
 
1 © Este é um trabalho em desenvolvimento pelo que as sugestões serão bem-vindas 
[lucio.sousa@uab.pt]. O uso deste recurso é limitado ao trabalho individual e colaborativo 
no âmbito estrito da unidade curricular 41098 Antropologia Geral e não pode ser objeto de 
divulgação/disponibilização exterior à plataforma moodle. 
 
5 
 
• Facultar elementos de exploração dos conteúdos 
trabalhados. 
3. Ao longo dos Textos são propostas leituras e atividades de 
pesquisa visando facultar ao estudante elementos de consolidação 
e desenvolvimento da aprendizagem. 
4. São efetuadas sugestões bibliográficas, de pesquisa online, de 
caráter complementar, em língua portuguesa, espanhola, inglesa 
e francesa. 
6 
 
Conteúdos temáticos 
 
 
 
1. O campo e o método da antropologia 
 
1.1. A antropologia e a compreensão do mundo contemporâneo 
 
1.2 A metodologia de investigação antropológica 
 
 
2. Teorias e práticas antropológicas 
 
2.1 Teorias clássicas e debates contemporâneos 
 
2.2 Antropologia Aplicada: entre a academia e a prática 
 
 
3. Campos e objetos da antropologia social e cultural 
 
3.1 Antropologia e parentesco 
 
3.2 Antropologia e poder 
 
7 
 
Objetivos gerais por tema 
 
No final do processo de aprendizagem de cada unidade o/a 
estudante deverá estar apto a compreender, analisar e explicar: 
 
Conteúdos Conceitos Objetivos gerais 
 
Tema 1: O 
campo e o 
método da 
antropologia 
 
• alteridade 
• etnologia 
• etnografia 
• cultura / 
sociedade 
• terreno 
• observação 
participante 
• compreender a natureza da 
antropologia no contexto das 
ciências sociais 
• entender as diferentes aceções do 
termo 
• analisar os vários campos de estudo 
• compreender a especificidade do 
processo de investigação em 
antropologia; 
• identificar os seus métodos e 
técnicas de investigação 
 
 
Tema 2: Teorias 
e práticas 
antropológicas 
 
• evolucionismo 
• difusionismo 
• funcionalismo 
• estruturalismo 
• pós-
modernismo 
• antropologia 
aplicada 
 
 
 
• analisar as principais teorias e 
escolas em antropologia; 
• reconhecer o papel de alguns 
antropólogos no desenvolvimento; 
• compreender a dimensão aplicada 
da antropologia; 
• analisar as funções e papeis 
desempenhados 
 
Tema 3: Campos 
e objetos da 
antropologia 
social e cultural 
 
 
• ciclo de vida 
• casamento e 
aliança 
• descendência 
e filiação 
• padrões de 
residência 
 
• poder 
• controlo social 
• organização 
política 
 
 
 
• analisar através do ciclo da vida as 
relações com o parentesco 
• compreender o papel do casamento 
e aliança 
• entender as formas de descendência 
e de filiação 
• analisar organização política na 
perspetiva antropológica; 
• compreender a relação entre 
organização social e política em 
determinados grupos; 
• analisar o papel do poder as 
diferentes formas de controlo social. 
 
 
 
8 
 
 
 Tema 1: O campo e o método da antropologia 
 
 
© LSousa, 2006. Conversar a brinca2r, trabalho de campo e 
parceiros locais. 
 
Pressupostos do tema 
O tema pretende proporcionar uma abordagem introdutória sobre a 
natureza e objetivos da antropologia, assim como os seus diferentes campos 
de trabalho. Existindo, como veremos, uma dimensão mais abrangente do 
conceito de Antropologia, esta consubstancia-se em áreas mais delimitadas 
que iremos identificar e explicar de forma sucinta. 
De seguida, analisam-se os métodos e técnicas de investigação, uns 
clássicos e outros mais contemporâneos, através dos quais a antropologia, 
teórica e aplicada, desenvolve o seu trabalho de investigação com o objetivo 
de obter os seus dados e proceder às respetivas análises. 
 
 
2 Sousa (2010): durante o meu trabalho de campo em Tapo, uma pequena aldeia da região 
de Bobonaro em Timor Leste, a expressão “conversar a brincar” era usada pelos meus 
interlocutores para se referirem a uma conversa sem compromisso,sem desvendar aspetos 
sensíveis do saber esotérico, sem revelar os segredos. Por vezes este era um caminho, um 
prelúdio para uma entrevista formal, outras vezes era só isso mesmo, conversar e conviver. 
9 
 
Objetivos gerais: 
No final deste tema deverá compreender e explicar: 
§ compreender a natureza da antropologia no contexto das 
ciências sociais 
§ entender as diferentes aceções do termo 
§ analisar os vários campos de estudo 
§ compreender a especificidade do processo de investigação em 
antropologia; 
§ identificar os seus métodos e técnicas de investigação 
 
10 
 
Tema 1.1 A antropologia e a compreensão do mundo 
contemporâneo 
 
Introdução 
O que é a antropologia, para que serve, e qual o seu lugar nas ciências 
sociais? Neste capítulo introdutório iremos examinar estas questões, 
procurando compreender o que é a antropologia, quem nela participa e está 
envolvido, e as suas especificidades e diversidades. 
Falar de antropologia no sentido geral implica compreender que o 
termo envolve um conjunto de interesses e de práticas variados, mas que 
se integram enquanto temas de estudo. Numa perspetiva ampla a 
antropologia desponta como o estudo da humanidade, das sociedades 
humanas e das suas culturas. Apresentado desta forma este é um tema 
vasto, demasiado abrangente, para poder ser abarcado por uma só pessoa. 
Vamos analisar essa dimensão examinando o texto de Mércio Pereira 
Gomes sobre a abrangência da antropologia: 
 
Antropologia é uma palavra iluminante que chama a atenção pelos 
dois substantivos que a compõem, ambos de origem grega: anthropos 
=homem; logos = estudo, e também “razão”, “lógica”. “Estudo do 
homem” ou “lógica do homem” são duas possíveis definições distintas, 
porém convergentes, daquilo que se entende por Antropologia. No 
primeiro caso, a Antropologia faz parte do campo das ciências – ciência 
humana – tal como a Sociologia ou a Economia; no segundo caso, ela 
está relacionada a temas que estão no campo da Filosofia, da Lógica, 
da Metafísica e da Hermenêutica, como se fora uma coadjuvante mais 
sensitiva. 
 
Apesar de sua etimologia, não foram os geniais gregos, criadores da 
filosofia, que inventaram a Antropologia. Eles se consideravam tão 
superiores aos povos e nações vizinhos, seus contemporâneos, a quem 
chamavam de “bárbaros”, que mal tinham olhos para os ver e os 
apreciar. Para surgir a Antropologia – cuja característica mais essencial 
é mirar o Outro como um possível igual a si mesmo – seria preciso um 
tempo de dúvidas e ao mesmo tempo de abertura ao reconhecimento 
11 
 
do valor próprio de outras culturas. Tal tempo só surgiria séculos 
depois, quando a Europa, em vias de perder sua velha identidade 
medieval, ainda incerta sobre o que viria a ser, duvidou de si mesma 
e pôde assim olhar e conceber outros povos, ao menos teoricamente, 
como variedades da humanidade, cada qual com seus próprios valores 
e significados. O pensar antropológico, o pensar sobre o aparente 
paradoxo de o homem ser um só, como ser-espécie da natureza, e ao 
mesmo tempo ser múltiplo em suas expressões coletivas, a cultura; o 
pensar sobre o diferente ser o mesmo; sobre as potencialidades reais 
e recônditas de cada cultura – é fruto desse momento criativo do 
Iluminismo. Assim, no seu primórdio iluminista, a Antropologia se situa 
no campo da Filosofia, da especulação sobre o homem e suas 
possibilidades de ser e de agir. É um método de conceber o homem 
em sua variedade cultural e reconhecer nessa variedade faces 
diferentes de um mesmo ser. Para falar em termos filosóficos, a 
Antropologia é um modo de pensar a variedade do homem, outras 
culturas, o Outro, num mesmo patamar em que se coloca a cultura de 
onde surge esse pensar, a cultura européia, isto é, o Mesmo. Podemos, 
brincando com as palavras, dizer que, para a Antropologia, o Mesmo e 
o Outro são o Mesmo; ou, o Outro e o Mesmo são o Outro. 
 
Para se obter esse pensar é preciso ter-se ou criar-se a capacidade 
de sair ou tomar distância de sua própria cultura, dos valores por ela 
cultivados, para daí penetrar e entender outras culturas pelos valores 
dessas outras culturas, não de sua própria. Tal método de pensar é 
condição sine qua non para existir o pensamento antropológico; mas é 
um ideal a ser alcançado, está em permanente construção, porquanto 
ele induz o homem a vivenciar uma ética difícil de ser realizada 
plenamente. Como, diante das evidências gritantes das diferenças e 
das desigualdades entre culturas, entre povos, podemos e devemos 
ver tais diferenças num plano de igualdade e respeito? Em suma, a 
Antropologia nasceu como um modo revolucionário e radical do homem 
pensar a si mesmo, que empurra o homem ao esforço de superar seus 
preconceitos, sua própria cultura, para poder entender e vivenciar a 
cultura do outro, ou seja, qualquer cultura. 
 
Portanto, a Antropologia nasceu dentro do campo da Filosofia, como 
se fosse uma Filosofia da cultura. Mais tarde, com a chegada 
retumbante da teoria da evolução, que integrava todos os seres vivos 
numa escalada de transformações ao longo do tempo, motivada por 
um processo de luta incessante pela sobrevivência, a Antropologia 
passou a ser pensada como uma ciência que iria contribuir para 
enquadrar o homem e suas culturas num plano contínuo, ou ao menos 
12 
 
paralelo ao plano biológico. Desde então, o pensar antropológico tem 
se desenvolvido tanto como ciência quanto como pensar filosófico; 
tanto como teoria quanto como especulação; tanto como explicação 
quanto como interpretação. Antropólogos, os praticantes da 
Antropologia, têm se pautado ora pelos cânones da ciência, adaptando-
os para a compreensão do ser humano e de suas culturas, ora pelas 
modalidades da filosofia, tentando retirar desta os conceitos mais 
gerais da essencialidade humana e, ao mesmo tempo, tentando injetar 
na filosofia os conceitos obtidos pela observação e pela prática nos 
trabalhos empíricos que dão sustentação ao pensar antropológico. 
Vejamos como essas duas perspectivas da Antropologia se 
desenvolvem, definem seu objeto e se complementam na concepção 
desse objeto. 
 
ANTROPOLOGIA COMO CIÊNCIA 
 
 Como “ciência do homem”, a Antropologia toma o homem, isto é, o 
ser humano, no sentido integral de homem e mulher, de coletividade, 
mas também de espécie da natureza e de ser da cultura e da razão, 
como um objeto de estudo. Isso quer dizer que o homem pode ser 
objetivado, esquadrinhado, medido, calculado, dimensionado no 
tempo e no espaço, tal qual outros objetos científicos, como o cosmo 
(cosmologia ou astronomia), a terra (geologia) e os seres vivos 
(biologia). Grande parte dos antropólogos, no Brasil e mundo afora, 
trabalha no entendimento de que são cientistas, definindo seu objeto 
de muitas maneiras, por muitos ângulos, sempre no empenho de 
contribuir para ampliar, renovar em alguns aspectos, consolidar em 
outros, o conhecimento sobre o homem. É nesse sentido que a 
Antropologia se coloca como uma ciência lado a lado com a Sociologia, 
a Politicologia, a Economia, a Psicologia e suas respectivas 
especialidades e subdisciplinas – todas agrupadas pelo termo “ciências 
humanas” ou “ciências sociais”. As ciências humanas têm o ser humano 
como seu objeto de estudo, mas cada qual o faz privilegiando ora um 
aspecto, ora uma parte, ora uma dimensão. 
[…] 
Num sentido muito ambicioso, a Antropologia é a ciência humana que 
presume abordar um pouco de tudo que cada outra ciência humana 
aprecia. Primeiramente, ela busca tratar da questão básica da natureza 
do homem, de sua condição fundamental de ser uma espécie biológica, 
localizada na ordem dos primatas, na subordem dos antropóides, na 
família hominóidea, no gênero dos hominídeos, como a espécie Homo 
sapiens. Em segundo lugar, essa ciência visa ao homem como ser de 
cultura, um modo de ser para além dos condicionamentos da natureza, 
13 
 
para o que se subentende uma inteligência capaz de encarar o mundo 
através de convenções simbólicas,as quais são sistematizadas e 
transmitidas de geração a geração não pelo instinto ou pela carga 
genética, mas pela linguagem, que é a quintessência da comunicação 
humana. Num sentido metafísico, cultura é uma espécie de “segunda 
natureza” do homem, uma mediação, uma qualidade de filtro ou lente 
que permite ao homem formar noções sobre si mesmo e sobre o 
mundo e, ao mesmo tempo, agir. Num sentido empírico, cultura é tudo 
que o homem faz parcialmente consciente e parcialmente inconsciente, 
além daquilo que sua natureza biológica o permite fazer. Fazer significa 
não somente produzir os meios de sua sobrevivência (Economia), mas 
também pensar (Filosofia), desejar (Psicologia) e relacionar-se uns 
com os outros (Sociologia e Política). Adicione-se a esses atributos a 
idéia de que o homem, embora pense e faça as coisas como ser 
individual, tem seu pensamento e seu comportamento condicionados 
por sua existência numa coletividade, a sociedade. Tal explicação pode 
parecer autoevidente, mas serve para identificar um dos temas mais 
importantes da sociologia, que é entender a relação do indivíduo com 
a sociedade. 
Dando conta dessa divisão de tarefas, entre entender o homem como 
ser da natureza e ser da cultura, a Antropologia como ciência se 
apresenta nos currículos das universidades mundo afora em quatro 
subdisciplinas: Antropologia Física ou Biológica; Arqueologia; 
Lingüística; e Antropologia Cultural ou Social. A questão da posição do 
homem na natureza, que compreende as temáticas de evolução, 
distribuição e adaptação pelos quatro cantos da Terra, as 
características e os potenciais biológicos são estudados no âmbito da 
Antropologia Biológica. A Arqueologia subsidia com dados essa 
questão, mas vai adiante ao auxiliar a Antropologia Cultural na 
formulação dos processos das transformações da cultura ao longo do 
tempo. Trataremos aqui também da Lingüística, como uma das 
subdisciplinas que subsidia o conhecimento do homem como ser da 
cultura. Entretanto, deixaremos para tratar da Antropologia Cultural 
por seu próprio mérito a partir do capítulo “Cultura e seus significados”, 
reconhecendo que é essa subdisciplina que representa o grande 
esforço do pensamento antropológico da atualidade. (Gomes. 2008, 
11- 16) 
 
 
14 
 
Como podemos ver a diversidade da antropologia, no seu sentido lato, 
encontra-se relacionada com a sua história e os interesses associados aos 
tempos em que se desenvolveu. Todavia, nesta unidade curricular, iremos 
debruçar-nos especificamente sobre a Antropologia social e cultural. 
 
1.1.1 O que é a antropologia hoje e quem participa nela? 
A especificidade do estudo antropológico e do seu objeto resulta do 
facto de este ser abordado através de classificações que resultam de um ato 
interpretativo. Ao contrário de outras ciências cujos objetos são tangíveis, 
a cultura e a sociedade são construções culturais, de fronteiras porosas, em 
constante reformulação no tempo e no espaço. Nos seus primórdios, e 
limitando-nos aqui ao século XIX, altura em que adquire um estatuto 
académico, a antropologia concentra-se sobretudo nos povos distantes, 
ditos “primitivos”, “espólios” de uma humanidade muito diferente da 
Ocidental, de onde eram originários os antropólogos. Eram também, na sua 
maioria, povos submetidos ao poder colonial e a antropologia foi um dos 
instrumentos das políticas científicas coloniais que visavam conhecer para 
dominar. 
Após a II Grande Guerra, com a independência da maioria dos países 
colonizados, a antropologia parece ter perdido o seu espaço de trabalho 
tradicional. Esta “crise” levou a que a antropologia se recentrasse nas 
sociedades de que era originária (até então um reduto da etnologia e do 
folclore), estudando quer a sua diversidade étnica quanto social, em 
contexto rural e, progressivamente, em contexto urbano, considerando as 
culturas e subculturas que lhe são específicas. 
O que tem a antropologia de especial? O que estuda ou o como o faz? 
A resposta dada por Tim Ingold é pertinente: “a antropologia não é o mero 
estudo das pessoas, mas o estudo com as pessoas “(Ingold in Barnard, 
2006, ix-xii). De facto, adquirimos o conhecimento do que investigamos da 
mesma forma que as pessoas que estudamos, participando no processo e 
vivência da sua experiência de vida. Aprendemos assim a aprender, tal como 
15 
 
se aprende e vive a cultura, enquanto processos dinâmicos. Este facto 
obriga-nos a reconhecer que não é possível dar a conhecer, de uma forma 
absoluta, tudo o que existe em antropologia através de um manual ou de 
uma unidade curricular. 
A antropologia não é um conjunto de dados que se limite a uma 
retransmissão de saber, a vivência é parte essencial do processo. Como 
refere Tim Ingold, a antropologia, será uma das poucas ciências em que 
este processo de criação de ciência se desenvolve de forma partilhada. De 
facto, sendo docente e estudante parte de uma sociedade ou cultura, ambos 
partilham similaridades e diferenças, podendo dar contributos para a 
interpretação. 
Então, porquê estudar a antropologia? Seguindo Barnard (2006, 3-4) 
poderemos dizer que esta nos permite: 
 
1. Adquirir uma compreensão da sociedade; 
2. Conhecer melhor as sociedades do terceiro mundo3, obtendo assim 
uma mais-valia em estudos relativos o desenvolvimento social; 
3. Aperfeiçoar competências de raciocínio e de debate; 
4. Como suplemento de outras áreas como a arqueologia, psicologia, 
sociologia, etc.; 
5. Algo completamente diferente! 
 
O estudo da antropologia permite-nos abordar a dimensão da 
alteridade*. O Outro foi, e é, ainda, dada a imaginação, e plasticidade da 
cultura*, a referência da antropologia. No cerne da antropologia está esta 
necessidade ou curiosidade em compreender o Outro, facto que não faz 
somente com que possamos adquirir dados sobre este, mas também refletir 
sobre o Nós. 
Esta dimensão reflexiva da antropologia, descurada por vezes, é 
essencial na possibilidade de um diálogo intercultural. Esta relação entre o 
 
3 O conceito de “terceiro mundo” não é consensual e tem uma história própria, dividindo a humanidade 
numa escala de desenvolvimento. Outros conceitos são “países subdesenvolvidos” e, ou, “países em vias 
de desenvolvimento”, que mantém uma difícil dicotomia “desenvolvidos” - subdesenvolvidos/em vias de 
desenvolvimento. 
16 
 
Outro e o Nós desenvolve-se numa dicotomia: diferença – semelhanças. O 
mundo é classificado de diferentes formas de acordo com diferentes 
culturas. 
A aprendizagem da língua e da cultura (enculturação*) é um processo 
comum a todas as culturas e sociedades. Todavia, as categorias dadas às 
diferentes práticas e conceções podem variar. Por exemplo as formas de 
cumprimento são variadas em diversas sociedades, mas todas manifestam 
uma forma de estabelecer uma relação. Às formas comuns de práticas 
culturais são designadas de universais de cultura, modos de pensar e de 
comportamento que são idênticos. 
Retomando a frase de Ingold, e tentando agora discernir quem participa 
no trabalho antropológico, somos tentados a dizer que a antropologia é o 
que os antropólogos/antropólogas fazem… trabalham no “campo”, 
comparam culturas/sociedades, procuram compreender as suas práticas de 
uma forma predominantemente indutiva, interpretativa, ao contrário da 
postura inicial dos evolucionistas do século XIX, eminentemente dedutiva, 
extrapolando da teoria e conformando os factos a esta. 
A antropologia tem também uma dimensão aplicada na qual os seus 
conhecimentos, teóricos e metodológicos, são empregues por antropólogos 
na resolução de questões práticas fora do contexto académico. 
Esta divisão entre pesquisa fundamental, predominantemente 
académica, face à pesquisa aplicada, predominantemente profissional, 
tende, cada vez mais, a esbater-se, como veremos quando estudarmos a 
antropologia aplicada. 
 
 
1.1.2 Antropologiageral e as suas especificidades 
A noção de antropologia geral abarca um conjunto de áreas que 
exigem um esclarecimento prévio. Como analisaremos no tema 2, em que 
iremos rever um pouco da história das teorias em antropologia, a 
emergência da antropologia como ciência ocorre em meados do século XIX 
17 
 
no contexto específico da sociedade europeia e norte-americana. Os 
primeiros antropólogos dedicavam-se um pouco a todos os temas 
trabalhados no âmbito da antropologia numa perspetiva denominada 
evolucionista. 
Todavia, a institucionalização da disciplina na academia vai promover 
os seus primeiros profissionais com experiência de terreno e com 
preocupações em compreender as sociedades contemporâneas e as suas 
interações, mais do que especular sobre a forma como estas se tinham 
desenvolvido. Inicia-se assim uma especialização que assume duas facetas: 
especializações regionais, ou de área, e as especializações teóricas. No 
primeiro caso temos antropólogos que se especializam numa determinada 
região do globo ou grupos específicos: ex.: África, Sudeste asiático, 
bosquímanos ou ciganos. No segundo caso, e conforme os ramos de estudo 
(que iremos analisar de seguida), a especialização dedica-se a um tema 
particular, ou a uma abordagem específica, por exemplo: etnicidade, 
relações de género, parentesco, antropologia económica, antropologia 
aplicada, etc. 
A antropologia, na sua dimensão mais geral, engloba um conjunto de 
campos de estudo que podem, ou não, ser desenvolvidos em comum de 
acordo com interesses temáticos e tradições nacionais. A abordagem de 
caráter integrado mais conhecida é a que prevalece nos EUA, onde a noção 
de antropologia, a nível de departamento académico, incorpora, em grande 
parte por influência de Franz Boas, quatro campos de estudo: a arqueologia, 
a linguística, a antropologia física e a antropologia cultural. A antropologia 
cultural é a denominação mais comum na América do Norte, embora se 
observe atualmente designações aglutinadoras, como antropologia 
sociocultural4, enquanto que a antropologia social, depurada da arqueologia, 
linguística e antropologia física, é a designação mais comum no Reino Unido. 
Todavia, apesar desta diversidade de campos de estudo há uma inter-
relação entre estas áreas, de caráter integrador e interdisciplinar, como 
podemos analisar no excerto de um texto de Custódio Gonçalves (1997): 
 
 
4 Exemplo: https://anthropology.columbia.edu/content/courses-fall-2021 
18 
 
Destes campos de investigação, parece-nos ser de destacar cinco 
áreas principais da antropologia estreitamente inter-relacionadas, 
para as quais o antropólogo deve estar sensibilizado, embora se 
especialize profissionalmente numa delas. 
 
A primeira destas áreas é a antropologia biológica, que estuda as 
variações dos caracteres biológicos do homem no espaço e no tempo, 
interrogando-se sobre as relações do património genético com o meio 
geográfico, ecológico, social e cultural e analisando as 
particularidades morfológicas e fisiológicas ligadas ao meio ambiente, 
assim como a evolução destas particularidades. A antropologia 
biológica interessa-se, sobretudo a partir da segunda metade deste 
século, pela genética das populações quanto à interacção constante 
da biologia e da cultura, do património genético e da cultura, do inato 
e do adquirido. Compete-lhe, mais especificamente, ter em 
consideração os factores culturais que influenciam o crescimento e a 
maturação do indivíduo, o que é que a cultura deve ao património 
genético e o que é que este património que se transforma deve à 
cultura. Esta antropologia biológica distingue-se da antropologia 
física, que consiste no estudo comparativo quer da morfologia 
externa, descritiva e métrica, quer da morfologia histológica e 
embriológica do homem. Distingue-se, igualmente, da antropologia 
fisiológica ou seroantropologia, que se dedica aos estudos 
comparativos de grupos sanguíneos. A antropologia física, assim 
compreendida, pertence, essencialmente, à área das ciências da 
natureza. Distingue-se, ainda, da antropogénese que se ocupa do 
estudo dos tipos raciais fósseis (paleontologia humana) e dos tipos 
raciais actuais (antropografia), retraçando os processos de formação 
do homem ou de hominização. A antropologia biológica parece, 
assim, assumir um papel de relevo nas relações entre investigações 
em ciências biológicas, ciências da natureza e ciências humanas. 
 
A segunda área é a da antropologia pré-histórica, que estuda o 
homem através dos vestígios materiais e de todos os traços da sua 
actividade passada. 0 seu projecto, ligado à arqueologia, visa 
reconstruir as sociedades desaparecidas, quer nas suas técnicas e 
organizações sociais, quer nas suas produções culturais e artísticas. 
Assim como o historiógrafo trabalha a partir do acesso directo aos 
textos, o antropólogo social beneficia de testemunhos vivos, também 
o antropólogo da pré-história e o arqueólogo efectuam um trabalho 
de campo, recolhendo pessoalmente os objectos no solo. 
 
19 
 
A terceira área é constituída pela antropologia linguística. A língua 
faz parte integrante do património cultural de uma sociedade. Ela 
permite compreender como os homens pensam o que vivem e o que 
experimentam, ou seja, as suas categorias psicoafectivas e psico-
cognitivas, o que constituí o campo específico da etnolinguística; 
como exprimem o universo e o social através do estudo da literatura 
escrita e da tradição oral; e enfim, como interpretam o seu saber e o 
seu agir, incluindo as técnicas modernas de comunicação de massa. 
A estas três áreas de investigação, consideradas, juntamente com a 
antropologia social e cultural, como vectores constitutivos do campo 
global da antropologia, há que acrescentar a dimensão da 
antropologia psicológica, não enquanto estudo do homem «moral» 
nas suas invariantes e variações transculturais e transhistóricas, que 
relevam quer de uma orientação genética e histórica, quer de uma 
perspectiva estática e descritiva, mais do domínio estrito da psicologia 
e da psicanálise, mas enquanto observação e estudo dos 
comportamentos conscientes e inconscientes dos seres humanos 
particulares, sem os quais não é possível a análise do homem na sua 
totalidade e diversidade. 
 
 Finalmente, a última área é constituída pelo domínio específico da 
antropologia social e cultural, designada, ao longo deste trabalho, 
pelo termo antropologia, sem outra precisão ou especificação. O seu 
objecto específico é a análise dos modos de produção e de circulação 
dos bens económicos, das técnicas materiais e culturais, da 
organização política, social e jurídica, dos sistemas de conhecimento, 
das representações simbólicas e religiosas, da língua, dos 
comportamentos e das criações artísticas de uma sociedade. A 
antropologia não consiste só em descrever um inventário destes 
domínios, mas em analisar e explicar as interrelações que os ligam, 
de modo a evidenciar a especificidade de uma sociedade. É, 
justamente, esta perspectiva de totalidade, numa abordagem 
integrativa e interdisciplinar, que a diferencia de outras perspectivas 
e abordagens sectoriais. 
 
Perspectiva integradora e interdisciplinar In Gonçalves, Custódio. 
1997. Questões de Antropologia Social e Cultural. Edições 
Afrontamento. pp. 17-19 
 
No contexto das ciências sociais a antropologia, e em particular a 
antropologia social e cultural, sobre a qual nos iremos debruçar, tem, 
evidentemente, afinidades com as várias outras disciplinas. Vamos de 
seguida listar algumas, seguindo Barnard (2006, 8-9): 
20 
 
 
1. Sociologia e antropologia social: ambas estão interessadas no 
estudo da sociedade. A principal diferença decorre do facto da 
antropologia social enfatizar as diferenças culturais, tendo assim 
subjacente uma visão mais comparativa e uma perspetiva 
intercultural. 
2. A antropologia social tem uma afinidade com a psicologia por 
partilhar,entre outros aspetos, um interesse no estudo da relação 
entre a cultura e a personalidade (veremos este aspeto mais à 
frente, quando falarmos do configuracionismo*). 
3. Com a ciência política a antropologia social comunga o interesse 
pelo estudo das relações de poder (objeto de estudo no tema 3.2). 
4. A relevância da economia nas sociedades estudadas pelos 
antropólogos levou ao desenvolvimento de uma área específica, a 
antropologia económica. 
5. A relação entre a geografia e a antropologia social assenta no 
interesse semelhante pelos padrões de fixação humana e os 
contatos culturais. Neste contexto, a ecologia cultural é por vezes 
considerada como uma parte da antropologia. 
6. Com a educação, essencialmente numa abordagem multicultural, 
e estudos comparativos de sistemas educacionais. 
7. Negligenciada por algumas escolas, como o funcionalismo* (que 
estudaremos no tema 2.1), a história adquiriu, cada vez mais um 
papel a antropologia, em particular a história oral. A diferença 
essencial reside no facto de a história ter uma abordagem 
eminentemente diacrónica enquanto a antropologia social tem 
sobretudo uma perspetiva sincrónica. 
8. A arte é igualmente relevante devido aos seus aspetos sociais5. 
 
 
 
5 Exemplo: Silva, Kelly e Sousa, Lúcio (2015) Art, agency and power effects in East Timor: provocations, 
Cadernos de Arte e Antropologia, Vol. 4, No 1 | 2015. URL: 
http://journals.openedition.org/cadernosaa/829 ; DOI: https://doi.org/10.4000/cadernosaa.829 . Também 
disponível em português: http://www.dan.unb.br/images/doc/Serie_Antropologia_449.pdf 
21 
 
1.1.3 Antropologia, etnologia e etnografia 
Antropologia | etnologia | etnografia: como refere Colleyn (2008) esta 
confusão de termos resulta das várias designações da disciplina que podem 
ser entendidas de várias formas: correspondem, como veremos, a 
diferentes etapas do processo de estudo ou são áreas estanques, com 
diferentes tradições nacionais. Um pouco de tudo isto... Nos finais do século 
XIX e inícios do século XX o estudo dos usos e costumes dos povos 
“primitivos” era efetuado pela etnografia. À etnologia correspondia a 
compilação desses dados etnográficos. Nesta altura o conceito de 
antropologia estava essencialmente associado às dimensões somáticas e 
biológicas do homem. Ainda hoje, o termo antropologia compreende nos 
EUA ao estudo da evolução biológica e cultural da humanidade. A designação 
antropologia cultural desenvolve-se como uma resenha comparativa dos 
elementos facultados pela etnologia. Por sua vez, na Inglaterra, o termo que 
ganhou proeminência foi o de antropologia social, uma vez que, como 
veremos, o seu estudo privilegiado é o dos factos sociais e instituições. 
Em França o termo etnologia predomina no sentido em que o 
atribuímos à antropologia social e cultural. O conceito antropologia, 
compreendida como o estudo dos seres humanos em todas as suas 
dimensões, foi introduzido por Claude Lévi-Strauss nos anos 50. 
Outra perspetiva da etnografia, etnologia e antropologia reside na sua 
interpretação como etapas da investigação antropológica. Como refere Lévi-
Strauss (1996) a etnografia corresponde à fase de investigação no terreno, 
a etnologia a uma primeira fase de comparação e síntese dos dados num 
âmbito regional e a antropologia, social ou cultural, a uma última fase de 
síntese global. 
 
 
1.1.4 Cultura e sociedade: conceitos chave 
 
O conceito de cultura e de sociedade são duas pedras de toque na 
teoria antropológica, entendidas como as duas fases de uma mesma moeda. 
O conceito de cultura disputa com o conceito de sociedade a primazia, sendo 
22 
 
por vezes considerados sinónimos, e noutras circunstâncias distintos. O 
exemplo da relação entre ambas dado por Lévi-Strauss é interessante: 
Num colóquio em Chicago no fim dos anos quarenta, Claude 
Lévi-Strauss intervindo na discussão sobre o assunto resumiu o 
problema de forma sugestiva: comparou a questão social e cultural a 
uma folha de papel químico. Ou seja, o verso da folha serve para 
escrever enquanto o reverso destina-se a reproduzir o que foi escrito 
no verso. Os dois lados são inseparáveis, se quisermos conservar a 
condição de papel químico. Segundo Lévi-Strauss, acontece o mesmo 
com o social e o cultural. São dimensões inseparáveis da actividade 
humana. (Santos, 2002, 55). 
 
 Todavia, o termo “cultura” apresenta outro dilema pois a sua 
utilização não é exclusiva da disciplina, sendo muito associado ao senso 
comum. Alguns autores, sobretudo de tradição funcionalista, não atribuíram 
qualquer valor ao conceito de cultura, tradicionalmente associado ao debate 
na escola francesa e americana, e valorizando sobretudo o conceito de 
sociedade. Radcliffe-Brown é um bom exemplo pois refutava qualquer valor 
ao termo, designando a cultura como uma “abstracção vaga” (Barnard e 
Spencer, 2004, 140). 
6Entender o conceito na sua aceção antropológica é assim 
fundamental. Recorre-se com frequência a metáforas para explicar o que é 
a cultura e a sua densidade. Uma das mais interessantes a este respeito é 
a da cultura como um iceberg! A ideia é a de que, tal como um iceberg, 
aquilo que vemos da cultura é somente a sua superfície, sendo por vezes 
difícil imaginar e conceber o que se oculta por abaixo da linha de água. 
 
 
6 Texto base usado neste tema: Sousa, Lúcio. 2009. Antropologia cultural. Caderno de Apoio. 
Lisboa: Universidade Aberta. ISBN: 978-972-674-551-8 
23 
 
 
Fonte: Indiana Department of Education, Language Minority and Migrant 
Programs, www.doe.state.in.us/lmmp 
A ideia de cultura antecede o surgimento da antropologia como ciência. 
No entanto as ideias preexistentes não deixaram de marcar a conceção na 
perspetiva antropológica. Os antecedentes históricos da cultura são 
analisados por Laraia: 
No final do século XVIII e no princípio do seguinte, o termo germânico 
Kultur era utilizado para simbolizar todos os aspectos espirituais de 
uma comunidade, enquanto a palavra francesa Civilization referia-se 
principalmente às realizações materiais de um povo. Ambos os termos 
foram sintetizados por Edward Tylor (1832-1917) no vocábulo inglês 
Culture, que "tomado em seu amplo sentido etnográfico é este todo 
complexo que inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, 
costumes ou qualquer outra capacidade ou hábitos adquiridos pelo 
homem como membro de uma sociedade" . Com esta definição Tylor 
abrangia em uma só palavra todas as possibilidades de realização 
humana, além de marcar fortemente o caráter de aprendizado da 
cultura em oposição à idéia de aquisição inata, transmitida por 
mecanismos biológicos. (Laraia, 1986, 25) 
Com uma forte oposição à visão do racismo e etnocentrismo 
evolucionista, a ideia de cultura em Boas assenta em três pontos 
24 
 
fundamentais: a cultura é uma alternativa explícita à noção de raça 
(características físicas) tanto na classificação como na explicação das 
diferenças humanas; a cultura tem origem em histórias contingentes 
resultantes de elementos originários de tempos e lugares diferentes; apesar 
desta origem histórica contingente os elementos da cultura são reunidos de 
acordo com o “génio de um povo”. (Barnard e Spencer, 2004, 138). 
Kroeber e Kluckhohn (1952) coligiram já nos anos cinquenta do século 
XX mais de uma centena de conceitos de cultura, o que manifesta a ausência 
de um consenso aparente. 
 
Mais de um século transcorrido desde a definição de Tylor, era de se 
esperar que existisse hoje um razoável acordo entre os antropólogos a 
respeito do conceito. Tal expectativa seria coerente com o otimismo de 
Kroeber que, em 1950, escreveu que "a maior realização da 
Antropologia na primeira metade do século XX foi a ampliação e a 
clarificação do conceito de cultura" ("Anthropology", in Scientific 
American, 183). Mas, na verdade, as centenas de definiçõesformuladas após Tylor serviram mais para estabelecer uma confusão 
do que ampliar os limites do conceito. Tanto é que, em 1973, Geertz 
escreveu que o tema mais importante da moderna teoria antropológica 
era o de "diminuir a amplitude do conceito e transformá-lo num 
instrumento mais especializado e mais poderoso teoricamente". Em 
outras palavras, o universo conceitual tinha atingido tal dimensão que 
somente com uma contração poderia ser novamente colocado dentro 
de uma perspectiva antropológica. 
(…) Kroeber acabou de romper todos os laços entre o cultural e o 
biológico, postulando a supremacia do primeiro em detrimento do 
segundo em seu artigo, hoje clássico, "O Superorgânico" (in American 
Anthropologist, vol.XIX, n° 2, 1917). Completava-se, então, um 
processo iniciado por Lineu, que consistiu inicialmente em derrubar o 
homem de seu pedestal sobrenatural e colocá-lo dentro da ordem da 
natureza. O segundo passo deste processo, iniciado por Tylor e 
completado por Kroeber, representou o afastamento crescente desses 
dois domínios, o cultural e o natural. (Laraia, 1986, 27-28) 
 
Hoje em dia esta distinção reencontra críticas acérrimas que defendem 
a necessidade de ver o Homem nesta dupla dimensão. Em Antropologia o 
conceito continua a ser frutífero, pelo menos nas polémicas, nomeadamente 
com o discurso pós-moderno. 
25 
 
Um aspeto que tem gerado muito debate é a análise do nascimento da 
cultura, o momento em que esta surge no universo humano. Roque Laraia 
sintetiza as principais posições, com destaque para Claude Lévi-Strauss e 
Leslie White: 
 
“Claude Lévi-Strauss (…) considera que a cultura surgiu no momento 
em que o homem convencionou a primeira regra, a primeira norma. 
Para Lévi-Strauss, esta seria a proibição do incesto, padrão de 
comportamento comum a todas as sociedades humanas. Todas elas 
proíbem a relação sexual de um homem com certas categorias de 
mulheres (entre nós, a mãe, a filha e a irmã).” 
“Leslie White (…) considera que a passagem do estado animal para o 
humano ocorreu quando o cérebro do homem foi capaz de gerar 
símbolos. ´Todo comportamento humano se origina no uso de 
símbolos. Foi o símbolo que transformou nossos ancestrais antropóides 
em homens e fê-los humanos. Todas as civilizações se espalharam e 
perpetuaram somente pelo uso de símbolos.... Toda cultura depende 
de símbolos. É o exercício da faculdade de simbolização que cria a 
cultura e o uso de símbolos que torna possível a sua perpetuação. Sem 
o símbolo não haveria cultura, e o homem seria apenas animal, não 
um ser humano.... O comportamento humano é o comportamento 
simbólico. Uma criança do gênero Homo torna-se humana somente 
quando é introduzida e participa da ordem de fenômenos 
superorgânicos que é a cultura. E a chave deste mundo, e o meio de 
participação nele, é o símbolo” 
Com efeito, temos de concordar que é impossível para um animal 
compreender os significados que os objetos recebem de cada cultura. 
Como, por exemplo, a cor preta significa luto entre nós e entre os 
chineses é o branco que exprime esse sentimento. Mesmo um símio 
não saberia fazer a distinção entre um pedaço de pano, sacudido ao 
vento, e uma bandeira desfraldada. Isto porque, como afirmou o 
próprio White, "todos os símbolos devem ter uma forma física, pois do 
contrário não podem penetrar em nossa experiência, mas o seu 
significado não pode ser percebido pelos sentidos". Ou seja, para 
perceber o significado de um símbolo é necessário conhecer a cultura 
que o criou. (Laraia, 1986, 56-57) 
 
O salto da natureza para a humanidade ou o ponto crítico da cultura é, 
no entanto, considerado como uma impossibilidade científica (Laraia, 1986): 
 
26 
 
(…) a aceitação de um ponto crítico, expressão esta utilizada por Alfred 
Kroeber ao conceber a eclosão da cultura como um acontecimento 
súbito, um salto quantitativo na filogenia dos primatas: em um dado 
momento um ramo dessa família sofreu uma alteração orgânica e 
tornou-se capaz de "exprimir-se, aprender, ensinar e de fazer 
generalizações a partir da infinita cadeia de sensações e objetivos 
isolados". 
Em essência, a explanação acima não é muito diferente da formulada 
por alguns pensadores católicos, preocupados com a conciliação entre 
a doutrina e a ciência, segundo a qual o homem adquiriu cultura no 
momento em que recebeu do Criador uma alma imortal. E esta 
somente foi atribuída ao primata no momento em que a Divindade 
considerou que o corpo do mesmo tinha evoluído organicamente o 
suficiente para tornar-se digno de uma alma e, conseqüentemente, de 
cultura. 
O ponto crítico, mais do que um evento maravilhoso, é hoje 
considerado uma impossibilidade científica: a natureza não age por 
saltos. O primata, como ironizou um antropólogo físico, não foi 
promovido da noite para o dia ao posto de homem. O conhecimento 
científico atual está convencido de que o salto da natureza para a 
cultura foi contínuo e incrivelmente lento. 
Clifford Geertz, antropólogo norte-americano, mostra em seu artigo "A 
transição para a humanidade" como a paleontologia humana 
demonstrou que o corpo humano formou-se aos poucos. O 
Australopiteco Africano (cujas datações recentes realizadas na 
Tanzânia atribuem-lhe uma antigüidade muito maior que 2 milhões de 
anos), embora dotado de um cérebro 1/3 menor que o nosso e uma 
estatura não superior a 1,20m, já manufaturava objetos e caçava 
pequenos animais. Devido à dimensão de seu cérebro parece, 
entretanto, improvável que possuísse uma linguagem, na moderna 
acepção da palavra. O Australopiteco parece ser, portanto, uma 
espécie de homem que evidentemente era capaz de adquirir alguns 
elementos da cultura — fabricação de instrumentos simples, caça 
esporádica, e talvez um sistema de comunicação mais avançado do 
que o dos macacos contemporâneos, embora mais atrasado do que a 
fala humana, porém incapaz de adquirir outros, o que lança certa 
dúvida sobre a teoria do ponto crítico. 
O fato de que o cérebro do Australopiteco media 1/3 do nosso leva 
Geertz a concluir que "logicamente a maior parte do crescimento 
cortical humano foi posterior e não anterior ao início da cultura". Assim, 
continua: "O fato de ser errónea a teoria do ponto crítico (pois o 
desenvolvimento cultural já se vinha processando bem antes de cessar 
o desenvolvimento orgânico) é de importância fundamental para o 
27 
 
nosso ponto de vista sobre a natureza do homem que se torna, assim, 
não apenas o produtor da cultura, mas também, num sentido 
especificamente biológico, o produto da cultura." 
A cultura desenvolveu-se, pois, simultaneamente com o próprio 
equipamento biológico e é, por isso mesmo, compreendida como uma 
das características da espécie, ao lado do bipedismo e de um adequado 
volume cerebral. (Laraia, 1986, 58-59) 
 
Laraia (1986, 2005) analisa em dois textos o que denomina as 
modernas teorias de cultura, no que se revela como um esforço de síntese 
do conceito. Seguindo de perto Roger Keesing o autor identifica duas 
grandes linhas epistemológicas: uma que privilegia a noção de cultura como 
sistema adaptativo e outra que a observa como idealista. 
 
 
 
As teorias que consideram a cultura como um sistema adaptativo foram 
iniciadas por neo-evolucionistas como Leslie White, e reformuladas por 
Sahlins, Harris, Carneiro, Rappaport, Vayda e outros que, apesar das 
discrepâncias que apresentam entre si, concordam em que: 
“1. (As) "Culturas são sistemas (de padrões de comportamento 
socialmente transmitidos) que servem para adaptar as comunidades 
humanas aos seus embasamentos biológicos. Esse modo de vida das 
comunidades inclui tecnologias e modos de organização econômica, 
padrões de estabelecimento, de agrupamento social e organização 
política, crenças e práticas religiosas, e assim por diante." 
28 
 
2. (A) “Mudança cultural é primariamente um processo de adaptação 
equivalente à seleção natural." ("O homem é um animal e, como todos 
animais, deve manter uma relação adaptativa com o meiocircundante 
para sobreviver. Embora ele consiga esta adaptação através da cultura, 
o processo ê dirigido pelas mesmas regras de seleção natural que 
governam a adaptação biológica." B. Meggers, 1977) 
3. "A tecnologia, a economia de subsistência e os elementos da 
organização social diretamente ligada à produção constituem o domínio 
mais adaptativo da cultura. É neste domínio que usualmente começam 
as mudanças adaptativas que depois se ramificam. Existem, 
entretanto, divergências sobre como opera este processo. Estas 
divergências podem ser notadas nas posições do materialismo cultural, 
desenvolvido por Marvin Harris, na dialética social dos marxistas, no 
evolucionismo cultural de Elman Service e entre os ecologistas 
culturais, como Steward." 
4. "Os componentes ideológicos dos sistemas culturais podem ter 
conseqüências adaptativas no controle da população, da subsistência, 
da manutenção do ecossistema etc." (Laraia, 1986, 60-61) 
 
Relativamente às teorias idealistas de cultura há a reter três diferentes 
abordagens. A primeira delas é a dos que consideram cultura como sistema 
cognitivo, produto dos chamados "novos etnógrafos": 
 
(…) Esta abordagem antropológica tem se distinguido pelo estudo dos 
sistemas de classificação de folk isto é, a análise dos modelos 
construídos pelos membros da comunidade a respeito de seu próprio 
universo. Assim, para W. Goodenough, cultura é um sistema de 
conhecimento: "consiste em tudo aquilo que alguém tem de conhecer 
ou acreditar para operar de maneira aceitável dentro de sua 
sociedade." Keesing comenta que se cultura for assim concebida ela 
fica situada epistemologicamente no mesmo domínio da linguagem, 
como um evento observável. Daí o fato de que a antropologia cognitiva 
(a praticada pelos "novos etnógrafos") tem se apropriado dos métodos 
lingüísticos, como por exemplo a análise componencial. (Laraia, 1986, 
62) 
 
A segunda abordagem é aquela que considera cultura como sistemas 
estruturais, perspetiva desenvolvida por Lévi-Strauss, 
 
(…) que define cultura como um sistema simbólico que é uma criação 
acumulativa da mente humana. O seu trabalho tem sido o de descobrir 
29 
 
na estruturação dos domínios culturais — mito, arte, parentesco e 
linguagem — os princípios da mente que geram essas elaborações 
culturais." (…) Lévi-Strauss, a seu modo, formula uma nova teoria da 
unidade psíquica da humanidade. Assim, os paralelismos culturais são 
por ele explicados pelo fato de que o pensamento humano está 
submetido a regras inconscientes, ou seja, um conjunto de princípios 
— tais como a lógica de contrastes binários, de relações e 
transformações — que controlam as manifestações empíricas de um 
dado grupo. (Laraia, 1986, 62-63) 
 
A última das três abordagens é a que considera cultura como sistema 
simbólico. Esta posição foi desenvolvida principalmente por dois 
antropólogos: Clifford Geertz e David Schneider. O primeiro 
 
(…) busca uma definição de homem baseada na definição de cultura. 
Para isto, refuta a idéia de uma forma ideal de homem, decorrente do 
iluminismo e da antropologia clássica, perto (na qual as demais eram 
distorções ou aproximações, e tenta resolver o paradoxo (…) de uma 
imensa variedade cultural que contrasta com a unidade da espécie 
humana. Para isto, a cultura deve ser considerada "não um complexo 
de comportamentos concretos mas um conjunto de mecanismos de 
controle, planos, receitas, regras, instruções (que os técnicos de 
computadores chamam programa) para governar o comportamento". 
Assim, para Geertz, todos os homens são geneticamente aptos para 
receber um programa, e este programa é o que chamamos de cultura. 
E esta formulação — que consideramos uma nova maneira de encarar a 
unidade da espécie — permitiu a Geertz afirmar que "um dos mais 
significativos fatos sobre nós pode ser finalmente a constatação de que 
todos nascemos com um equipamento para viver mil vidas, mas 
terminamos no fim tendo vivido uma só!" Em outras palavras, a criança 
está apta ao nascer a ser socializada em qualquer cultura existente. Esta 
amplitude de possibilidades, entretanto, será limitada pelo contexto real 
e específico onde de fato ela crescer. 
 
Voltando a Keesing, este nos mostra que Geertz considera a abordagem 
dos novos etnógrafos como um formalismo reducionista e espúrio, 
porque aceitar simplesmente os modelos conscientes de uma 
comunidade é admitir que os significados estão na cabeça das pessoas. 
E, para Geertz, os símbolos e significados são partilhados pelos atores 
(os membros do sistema cultural) entre eles, mas não dentro deles. São 
públicos e não privados. Cada um de nós sabe o que fazer em 
determinadas situações, mas nem todos sabem prever o que fariam 
30 
 
nessas situações. Estudar a cultura é portanto estudar um código de 
símbolos partilhados pelos membros dessa cultura. (Laraia, 1986, 63-
64) 
 
Como refere Laraia, Geertz considera que a antropologia procura 
interpretações, abandonando o otimismo de Goodenough “que pretende 
captar o código cultural em uma gramática ou a pretensão de Lévi-Strauss 
em descodificá-lo. A interpretação de um texto cultural será sempre uma 
tarefa difícil e vagarosa.” 
Nos anos 1970 o florescimento das ideias pós-estruturalistas (Derrida 
e Foucaut) contribuiu para aumentar ainda mais a suspeição relativamente 
a ideias hegemónicas de cultura como uma explicação universal e valorizar 
a noção de contexto e de compreensão. O pós-modernismo na antropologia, 
apesar das suas críticas iniciais, parece hoje ser cada vez mais um polo de 
discussão autocrítico do que um novo campo ou proposta alternativa. 
Apesar de toda a crítica desconstrutivista, a antropologia continua. 
Assim, não deixa de ter acuidade analisarmos, ainda que sucintamente, de 
forma mais atenta a forma como a cultura tem sido caraterizada e quais as 
suas componentes: 
 
Entre as funções da cultura, Haviland (2005) identifica: 
• Providenciar a produção e distribuição de bens e serviços que 
assegurem a subsistência 
• Providenciar a continuidade biológica através da reprodução dos seus 
membros. 
• Enculturar novos membros de modo a que estes possam tornar-se 
adultos capacitados. 
• Manter a ordem entre os membros, assim como entre estes e os 
estrangeiros, 
• Motivar os membros para sobreviver e envolvê-los nas atividades de 
subsistência 
• Manter a capacidade para a mudança e permanecer adaptativo sob 
condições de mudança 
 
Entre as caraterísticas (Haviland, 2007) ou essências (Marconi e 
Presotto, 1987) da cultura estes vários autores identificam as seguintes: 
 
• A cultura é partilhada 
31 
 
A cultura não pode existir sem sociedade, ela é aprendida 
socialmente. 
Não há sociedades humanas conhecidas que não possuam cultura. 
Nem tudo é uniforme dentro de uma cultura. 
 
• A cultura é aprendida, 
A cultura é aprendida através da aprendizagem social mais do que 
herdada biologicamente, nomeadamente, através da linguagem. 
O processo de transmissão de cultura de uma geração a outra 
designa-se enculturação. 
 
• A cultura baseia-se em símbolos 
A cultura é transmitida através de ideias, emoções e desejos 
expressos através da linguagem. 
Através da linguagem, os humanos transmitem cultura de uma 
geração a outra. 
A linguagem torna possível aprender através da experiência 
cumulativa partilhada. 
O pensamento simbólico é exclusivamente humano. A capacidade 
para criar símbolos é só humana. Um símbolo é aquilo que representa 
uma coisa, está em lugar de algo, e esta conexão pode ser 
simbolizada de maneira diferente segundo as culturas 
 
• A cultura é integrada 
Todos os aspetos da cultura funcionam como um todo integrado. 
A mudança numa parte de uma cultura usualmente afeta outras 
partes. 
Um grau de harmonia é necessário em qualquer cultura que funcione, 
mas não é exigível uma harmonia completa. 
Há uma seletividade na seleção, consciente e desejada ou 
inconsciente, de padrões, de valores, e a sua adoção numa 
determinada cultura.• A cultura é geral e específica 
A humanidade partilha a capacidade para a Cultura (tudo o criado 
pelos seres humanos), é este um carácter inclusivo; porém, as 
pessoas vivem em culturas particulares (modos de vida específicos e 
diferentes) com certa homogeneidade, uniformidade e harmonia 
internas, mas também com condicionantes ecológicos e socio-
históricos particulares. 
 
• A cultura é uma estratégia 
As pessoas podem manipular e interpretar a mesma regra de maneiras 
diferentes, utilizando criativamente (ou como forma de resistência) a sua 
cultura. 
Desde este ponto de vista podemos falar da cultura como produtora de 
mudança e conflito, mas também como “caixote de ferramentas” (“tool 
kit”) de valor estratégico para a ação social (Swidler, 1986). 
32 
 
Algo externo que condiciona as nossas vidas ou algo que como sujeitos 
(pessoas) criamos em coletividades – é um processo e um conjunto de 
estratégias. 
 
• A cultura é dinâmica e contínua 
Devido aos contactos e mudanças ocorridas 
Mas o seu crescimento não é uniforme 
 
É ainda possível classificar a cultura (Marconi e Presotto, 1987, 46-
47) analisando a sua existência sensível e ideal: 
 
 
 
A cultura material (ergologia) consiste nas “(…) coisas materiais, bens 
tangíveis, incluindo instrumentos, artefactos e outros objetos materiais, 
fruto da criação humana e resultante de determinada tecnologia.” 
A cultura imaterial (aspetos animológicos) refere-se aos “(…) 
elementos intangíveis da cultura, que não têm substância material. Entre 
eles encontram-se as crenças, conhecimentos, aptidões, hábitos, 
significados, normas, valores. (…) 
A cultura real “é aquela em que, concretamente, todos os membros 
de uma sociedade praticam ou pensam em suas atividades cotidianas (…)”. 
Ela “não pode ser percebida em sua totalidade, apenas parcialmente (…) ” 
sendo difícil para o estudo científico a sua identificação pois “(…) o real 
sempre é apresentado como as pessoas o conhecem ou pensam que seja”. 
Como referem Hoebel e Frost (2001, 27): “ 
 
Deve-se (…) ter em mente que o que nos ocupa na Antropologia é a 
construção de cultura e não a cultura real. A construção de cultura 
apresenta a cultura real com a precisão que a metodologia científica 
permite.” 
33 
 
 
A cultura ideal (normativa) “(…) consiste em um conjunto de 
comportamentos que, embora expressos verbalmente como bons, perfeitos, 
para o grupo, nem sempre são frequentemente praticados.” Hoebel e Frost 
(2001, 27) comentam o caso da violação das regras de exogamia entre os 
trobriandenses estudados por Maliwoski. Embora fossem objeto de normas 
que o vetassem e de haver um aparente horror público perante o facto a 
sua prática não era de todo desconhecida. 
Marconi e Presotto (1987, 47 -51) apresentam de forma sucinta os 
componentes que constituem a cultura: 
 
 
 
Conhecimentos: todas as culturas possuem conhecimentos que são 
transmitidos de geração em geração. Estes conhecimentos são, de um modo 
geral, eminentemente práticos. 
 
Crenças: a crença é a “aceitação como verdadeira de uma proposição 
comprovada ou não cientificamente. Consiste em uma atitude mental do 
indivíduo, que serve de base à ação voluntária. Embora intelectual, possui 
conotação emocional. Para Goodnegouh (1975), citado pelas autoras, há 
três tipos de crenças: 
34 
 
 
a)“(…) pessoais – as proposições aceitas por um indivíduo como 
certas, independentemente das crenças dos demais”. 
b)“Declaradas – as proposições que uma pessoa aparenta aceitar 
como verdadeiras, em seu comportamento público, e que as 
menciona apenas para defender ou justificar as suas ações perante 
os outros”. 
c)“Públicas – as proposições que os membros de um grupo 
concordam, aceitam e declaram como suas crenças comuns”. (1987, 
47-48) 
 
Valores: o termo é empregue para indicar objetos ou situações consideradas 
boas, desejáveis ou apropriadas. O valor expressa sentimentos e incentiva 
e orienta o comportamento humano. Há, segundo as autoras, dois 
elementos no valor: um emocional e outro ideacional. Os valores variam de 
acordo com a importância que lhes é atribuída pelos membros da sociedade 
pelo que a sua medição é difícil, mas a sua existência é passível de ser 
reconhecida. 
 
O significado específico adquirido em determinados contextos 
culturais por pessoas, coisas ou ideias, faz com que estes se constituam 
símbolos. Os significados podem ser: 
 
a) arbitrários – na (…) medida em que não têm relação obrigatória 
com as propriedades físicas dos fenômenos que os recebem. Fora do 
campo linguístico, a ligação entre símbolo e objecto caracteriza-se 
pela total ausência de afinidade intrínseca. 
 
b) partilhados – quando o símbolo tem o mesmo significado para 
diferentes culturas (geral) ou para determinada sociedade 
(particular). 
 
c) referenciais – quando os símbolos se referem a uma coisa 
específica.” (Marconi e Presotto, 1987, 50) 
 
Para analisar a cultura foram desenvolvidos, em particular pelos 
difusionistas*, os conceitos de traços, complexos e padrões culturais. 
Embora tenham sido de certa forma objeto de ostracismo por teorias 
posteriores, a verdade é que no contexto da globalização e mudança cultural 
35 
 
se têm cada vez mais utilizado, de novo, estes termos, explicados por 
Marconi e Presotto. 
 
Traços culturais – são considerados os elementos menores que 
permitem a descrição da cultura, ou a menor unidade ou componente 
significativo da cultura, que pode ser isolado no comportamento 
cultural. Os traços podem ser materiais, como objectos, ou não 
materiais, como atitudes, comunicação, habilidades. Nem sempre é 
fácil identificar os traços culturais e o principal objectivo não é listar 
mas compreender o seu significado e a maneira como os traços se 
integram numa cultura. (53) 
Complexos culturais – consistem no conjunto de traços ou num grupo 
de traços associados, formando um todo funcional; ou ainda um 
grupo de características culturais interligadas, encontrado numa área 
cultural. Cada cultura engloba um número variável de complexos 
culturais. Ex. O Carnaval com os diferentes traços interligados: carros 
alegóricos, música, dança, instrumentos musicais, desfile, 
organização, etc. (54) 
 
Padrões culturais – resultam do “agrupamento de complexos culturais 
de um interesse ou tema central (…) que se torna num 
comportamento generalizado, estandardizado e regularizado.” 
Nenhuma sociedade é totalmente homogénea, existem padrões de 
comportamento distintos como por exemplo no caso do género e 
idade. O comportamento dos indivíduos é influenciado pelos padrões 
culturais mas não é de todo determinante já que o individuo, 
enquanto actor social pode alterar em determinadas circunstâncias as 
práticas e consequentes padrões estabelecidos. (54-55) 
 
Configurações culturais – consistem na integração dos diferentes 
traços e complexos de uma cultura. Introduzido na antropologia por 
Ruth Benedict , a ideia de configuração cultural é uma qualidade 
especifica que tem a sua origem no interrelacionamento das partes 
que constituem uma cultura. Nesta aceção a cultura é vista como um 
todo. (55) 
 
Áreas culturais – são territórios geográficos onde as culturas se 
assemelham e os indivíduos compartilham os mesmos padrões de 
comportamento. (55-56) 
 
A subcultura é considerada como um meio peculiar de vida de um 
grupo menor dentro de uma sociedade maior. Apesar dos padrões da 
subcultura apresentarem algumas divergências em relação à cultura central 
ou a outra subcultura, mantêm-se coesos entre si. Embora não haja, em 
princípio, conotações valorativas, ocorrem situações em que tal acontece e 
36 
 
a própria prática de alguns as relacionarem com castas, grupos regionais, 
étnicos e classes sociais tende a passar uma imagem pejorativa. 
A diversidade cultural, a variabilidade das formas culturais, não 
esconde o facto de que existem traços comuns entre todas as culturas. A 
antropologia estuda tanto esta diversidadecomo esta identidade comum 
denominada universais de cultura7. Esta “tradição” antropológica de listar 
os temas é antiga, mas foi objeto de uma sistematização por Murdock 
(1945) que identificou 67 universais de cultura: Entre estes incluem-se: 
 
classificação por idade, desporto, adorno corporal, calendário, 
treinamento de limpeza, organização comunitária, culinária, trabalho 
cooperativo, cosmologia, namoro, dança, arte decorativa, 
adivinhação, divisão de trabalho, interpretação de sonhos, educação, 
escatologia, ética, etnobotânica, etiqueta, cura pela fé, festa familiar, 
fogueira, folclore, tabus alimentares, ritos fúnebres, jogos, gestos, 
dar presentes, governo, saudações, estilos de cabelo, hospitalidade, 
habitação, higiene, tabus de incesto, regras de herança, piadas, 
grupos de parentesco, nomenclatura de parentesco, linguagem, lei, 
superstições da sorte, magia, casamento, horário das refeições, 
medicina, obstetrícia, sanções penais, nomes pessoais, política 
populacional, cuidado pós-natal, uso de gravidez, direitos de 
propriedade, propiciação de seres sobrenaturais, costumes de 
puberdade, rituais religiosos, regras de residência, restrições sexuais, 
conceitos de alma, diferenciação de status, cirurgia, fabrico de 
ferramentas, comércio, visitas, controle do clima e tecelagem8. 
 
De uma forma mais sucinta podemos indicar: 
1. A unidade psíquica dos humanos. Considerando que todos os seres 
humanos têm a mesma capacidade para a cultura. 
2. A linguagem. 
3. A vivência em grupos sociais, como a família, e a partilha de 
alimentos. 
4. O tabu do incesto: regra que proíbe as relações sexuais e o 
casamento entre parentes próximos 9 
 
7 Ler: Focalizar o que é comum aos seres humanos, Entrevista a Christoph Antweiler. Disponível online: 
http://www.antropologi.info/blog/anthropology/pdf/Entrevista-Christoph-Antweiler.pdf 
8 age-grading, athletic sports, bodily adornment, calendar, cleanliness training, community organisation, cooking, co-operative labour, 
cosmology, courtship, dancing, decorative art, divination, division of labour, dream interpretation, education, eschatology, ethics, 
ethnobotany, etiquette, faith healing, family feasting, fire-making, folklore, food taboos, funeral rites, games, gestures, gift-giving, 
government, greetings, hair styles, hospitality, housing, hygiene, incest taboos, inheritance rules, joking, kin groups, kinship nomenclature, 
language, law, luck superstitions, magic, marriage, mealtimes, medicine, obstetrics, penal sanctions, personal names, population policy, 
postnatal care, pregnancy usages, property rights, propitiation of supernatural beings, puberty customs, religious ritual, residence rules, 
sexual restrictions, soul concepts, status differentiation, surgery, tool-making, trade, visiting, weather control and weaving. 
9 Há exceções ao tabu do incesto, como nos casos históricos conhecidos entre a realeza sagrada do 
Egipto, Hawai e Incas. No Bali também há prerrogativas no caso dos irmãos gémeos, menino e menina, 
considerados já “íntimos” no útero da mãe (Hoebel e Frost, 2001, 179) 
37 
 
5. O matrimónio, entendido como relação social estável e duradoura 
entre pessoas e grupos. 
6. A divisão sexual do trabalho. 
7. A família. 
8. O etnocentrismo cultural. 
 
É pertinente centrarmo-nos sobre o etnocentrismo, é uma visão do 
mundo e dos outros de acordo com a qual o cada grupo se vê como o centro 
de tudo e todos os outros se medem por referência a ele. Cada grupo 
fomenta o seu próprio orgulho e a sua vaidade, proclama a sua 
superioridade, exalta as suas próprias divindades e descreve com desprezo 
os outros. 
O Etnocentrismo é uma visão do mundo onde o nosso próprio grupo 
é tomado como centro de tudo e todos os outros são pensados e sentidos 
através dos nossos valores, os nossos modelos, as nossas definições do que 
é a existência. No plano intelectual, pode ser visto como a dificuldade de 
pensarmos a diferença; no plano afetivo, como sentimentos de estranheza, 
medo, hostilidade, etc. (Rocha, 1984, 7). 
O etnocentrismo pode manifestar-se em diferentes níveis: tribo, 
aldeia, região, nação/estado, minoria étnica, área cultural, classe ou 
indivíduo. O problema do etnocentrismo é a intolerância cultural face à 
diversidade e o fechar as portas à curiosidade pelo conhecimento, sendo 
uma atitude que pode resultar numa ideologia com práticas racistas. 
 
 
No etnocentrismo temos o cerne de uma relação entre dois elementos: 
o “nós” e o os “outros”. Todavia, este dualismo tem o seu reflexo, isto é, a 
simultaneidade de estes extremos comportarem o seu oposto. Todavia, o 
reconhecimento de que o “outro” é igualmente um “nós”, e que “Nós”, 
38 
 
somos, igualmente o “outro” é intencionalmente negligenciado por aquele(s) 
que detêm o poder (maioria ou minoria10) na relação. A relação considerada 
e valorizada é a deste “nós-motor”, que omite e esquece o outro, 
justificando assim a sua própria ação, como no caso das situações coloniais 
(Sousa, 1987). Quando esta postura adquire uma dimensão política estamos 
no domínio do que Iturra denomina como “etnocentrismo racionalizador”: 
“(...) visão ideológico-política geradora de representações redutoras que 
ainda povoam o imaginário social de muitas sociedades, grupos e 
indivíduos.” (1996, 13). No extremo esta visão assume-se como prática 
racista institucionalizada, na qual uma relação de poder e de desigualdade 
se consubstancia em políticas ativas de opressão. 
Só há pouco tempo é que começamos a ver, algo surpreendidos, a 
imagem que os “outros” faziam de “nós”11, um processo a que não é alheia 
descolonização e a democratização. 
O conceito considerado oposto ao etnocentrismo é o relativismo 
cultural, uma das ideias centrais da antropologia: 
 
O conceito de relatividade cultural afirma que os padrões do certo e do 
errado (valores) e dos usos e atividades (costumes) são relativos à 
cultura da qual fazem parte. Na sua forma extrema, esse conceito 
afirma que cada costume é valido em termos de sei próprio ambiente 
cultural. (Hoebel e Frost, 2001, 22) 
 
Todavia, e como no recorda Thomas Eriksen (2001), há uma tensão 
relativa ao uso desta premissa teórica que resulta do facto do seu uso como 
pressuposto metodológico que nos ajuda a compreender outras sociedades 
e, por outro lado, o seu emprego como princípio ético que, no seu extremo 
pode levar ao niilismo12 (Eriksen, 2001, 7). Quais são então os limites do 
relativismo cultural? Como estudar e compreender, por exemplo, regimes 
que praticaram ao genocídio com base em ideais racistas, como a Alemanha 
nazi? Numa perspetiva relativista extrema a defesa deste regime podia 
 
10 Uma minoria pode deter o poder, como no caso da África do Sul, governada até 1994 por 
uma minoria de brancos. 
11 Consultar, por exemplo Amin Maalouf e As cruzadas vistas pelos Árabes, Difel, 1990, ou Ana Barradas, 
Ministros da Noite – Livro Negro da Expansão Portuguesa, Antígona 1992 
12 Ver conceito em: https://www.infopedia.pt/$niilismo 
39 
 
argumentar não há uma moralidade superior, internacional ou universal, e 
que as regras éticas e morais de todas as culturas merecem igual respeito. 
Pode este ser o princípio para uma vivência aceitável entre os estados e 
nações do mundo? 
Talvez nenhum outro conceito antropológico seja tão pertinente para 
aferir as franjas entre o mero academismo e a prática/responsabilidade 
política e social de uma ciência. Os direitos humanos13 e os seus 
instrumentos são uma das maiores conquistas da humanidade constituindo 
eles próprios um ideal de cultura que é, infelizmente, pouco respeitado e 
praticado. Mas, esta questão coloca-se também no dia-a-dia do antropólogo 
em tradições e costumes como o infanticídio, a infibulação feminina e outras 
práticas rituais que envolvem punições físicas. Pode o antropólogo trabalhar 
sem condenartais práticas? 
A complexidade do conceito de cultura é enorme, mas, como expõe 
DuBois (1959, 9), o seu significado é profundamente humano: “é 
inconcebível um povo sem cultura, de forma similar a cultura sem o Homem 
não tem significado. Ambos estão em contante interação.” 
 
Vamos agora analisar o conceito de sociedade numa perspetiva 
antropológica, seguindo o texto do antropólogo brasileiro Viveiros de Castro 
(2002, 297-298)14. Para o autor o conceito de sociedade pode ser analisado 
em dois sentidos, o geral e o particular: 
 
Em sentido geral, a sociedade é uma condição universal da vida 
humana. Esta universalidade admite uma interpretação biológica 
(instintual) e outra simbólico-moral (institucional). Por um lado, a 
sociedade pode ser vista como um atributo básico, mas não exclusivo, 
da natureza humana: somos geneticamente predispostos à vida social; 
a ontogênese somática e comportamental dos humanos depende da 
interação com seus semelhantes; a filogênese de nossa espécie é 
paralela ao desenvolvimento da linguagem e do trabalho, capacidades 
sociais indispensáveis à satisfação das necessidades do organismo. Por 
outro lado, a sociedade pode ser vista como dimensão constitutiva e 
exclusiva da natureza humana (Ingold 1994), definindo-se por seu 
 
13 Consultar: https://dre.pt/declaracao-universal-dos-direitos-humanos 
14 Obra disponível aqui: https://archive.org/details/ViveirosDeCastroEduardoAInconstnciaDaAlbook4me.org 
40 
 
caráter normativo: o comportamento humano torna-se agência social 
ao se fundar menos em regulações instintivas selecionadas pela 
evolução que em regras de origem extra-somática historicamente 
sedimentadas. […] 
Em sentido particular, (uma) sociedade é uma designação aplicável 
a um grupo humano com algumas das seguintes propriedades: 
territorialidade; recrutamento principalmente por reprodução sexual de 
seus membros; organização institucional relativamente auto-suficiente 
e capaz de persistir para além do período de vida de um indivíduo; 
distintividade cultural. 
Aqui a noção pode ter como referentes principais o componente 
populacional, o componente institucional-relacional ou o componente 
cultural-ideacional do grupo (Firth 1951). No primeiro caso, o termo é 
usado como sinonimo de '(um) povo' visto como um tipo específico de 
humanidade. No segundo, em que é equivalente a 'sistema* ou 
'organização* social, ele destaca o quadro sociopolítico da coletividade: 
sua morfologia (composição, distribuição e relações dos subgrupos da 
sociedade enquanto grupo máximo), o corpo de normas jurais (noções 
de autoridade e cidadania, regulação do conflito, sistemas de status e 
papéis) e as configurações características das relações sociais (relações 
de poder, formas de cooperação, modos de intercâmbio). No terceiro 
caso — em que 'sociedade' é frequentemente substituída por 'cultura* 
— visam-se os conteúdos afetivos e cognitivos da vida do grupo: o 
conjunto de disposições e capacidades inculcadas em seus membros 
através de meios simbólicos variados, bem como os conceitos e práticas 
que conferem ordem, significação e valor à totalidade do existente. 
 
Assim, no sentido geral temos a noção de sociedade enquanto 
dimensão universalista e condição da vivência humana (mas não exclusiva 
aos humanos), e no sentido mais particular, as múltiplas “sociedades” em 
que nos enquadramos enquanto membros de grupos particulares, cujas 
distinções e particularidades culturais nos dão uma identidade particular. 
 
 
 
 
41 
 
Tema 1.2 A metodologia de investigação antropológica 
 
Iremos de seguida analisar os métodos de investigação em 
antropologia. A antropologia desenvolveu-se tendo nos métodos que 
instituiu um dos alicerces da sua legitimidade no contexto das ciências. 
Iremos analisar alguns desses métodos tradicionais e, de seguida, debruçar-
nos-emos sobre alguns dos que são empregues sobretudo no contexto da 
antropologia aplicada. 
A forma como a metodologia de investigação antropológica se 
desenvolveu está muito ligada à história do desenvolvimento da prática 
antropológica a ponto de esta ser um elemento identitário, como se pode 
observar nesta definição de Thomas Eriksen “ A antropologia é o estudo 
comparativo da vida cultural e social. O seu mais importante método é a 
observação participante, que consiste num trabalho de campo prolongado 
num determinado contexto social.” (2001, 4). Este caminho para o trabalho 
de campo, para o terreno, o “laboratório” por excelência da antropologia 
não foi imediato. No século XIX a pesquisa era feita a distância, usando 
informações obtidas através de terceiros. No início do século XX os 
antropólogos foram para o terreno e passaram a viver na proximidade das 
comunidades que estudavam. A partir de meados do século XX, com o 
processo de descolonização, a antropologia foca-se igualmente nas 
sociedades de origem dos antropólogos, quer em meio urbano, quer rural, 
assim como presta uma maior atenção ao contexto de mobilidade. 
Segundo Ervin (2000) 15 os principais métodos são a etnografia e a 
observação participante (na qual se evidenciam as entrevistas e a recolha 
de histórias de vida), os grupos focais e as técnicas de entrevista de grupo, 
estes são predominantemente qualitativos; e os indicadores sociais e os 
questionários, predominantemente quantitativos. Ainda que o paradigma 
qualitativo seja reconhecido como essencial para os estudos antropológicos, 
a dimensão quantitativa não pode ser descurada, dependendo do estudo em 
 
15 Texto base: Sousa, Lúcio. 2007. A prática da Antropologia - Caderno de apoio. Lisboa: 
Universidade Aberta. 
42 
 
causa e dos seus objetivos, o que leva à triangulação metodológica, com o 
emprego de ambas as abordagens. 
O trabalho de campo etnográfico é uma abordagem que inclui várias 
técnicas de recolha de informação através de diversas formas de 
observação. Esta “aventura etnológica, no dizer de Claude Rivière (2014:24) 
pressupõe que o “exílio cultural” (id.:24) a que o antropólogo se submete o 
“predispõe para a tolerância, a rejeição de preconceitos ligados ao seu meio, 
à sua classe, à sua formação e o liberta do etnocentrismo graças aos 
afastamento do sistema, que ajuda a comparar e a exercer a sua faculdade 
crítica” (Rivière, 2014: 24-25). A observação participante é um processo 
complexo cuja principal qualidade é o “mimetismo”, “fazer como os outros, 
para os levar a esquecer o mais possível a sua diferença, ao mesmo tempo 
que se tenta comunicar, graças à aquisição da de elementos da língua da 
terra e à expressão de calor humano.” (Rivière, 2014:25). O processo 
através do qual se materializa esta vivência é complexo e pessoal. Os vários 
sentidos são convocados e o recurso a gravadores, máquinas de filmar, 
máquina fotográfica, etc, ajudam a fixar certos momentos. As técnicas 
envolvem por isso o registo de conversações informais, entrevistas formais 
a informantes-chave, a elaboração de mapas da organização da população, 
dos recursos naturais, sensos, genealogias, e a aplicação de questionários. 
A aprendizagem da língua é um elemento essencial, sobretudo em situações 
de longa permanência no terreno. Os pressupostos desta abordagem foram 
instituídos sobretudo com a prática de Bronislaw Malinowski que 
analisaremos no próximo capítulo. 
O trabalho de investigação no terreno não é linear havendo um 
elevado grau de flexibilidade nesta abordagem que permite a inclusão de 
categorias locais de relevância que não tinham sido antevistas no plano de 
pesquisa inicial. Por outro lado, a imersão do antropólogo numa rede de 
relações sociais tem de ser gerida, quer no âmbito da validade da 
investigação quer da sua resistência emocional aos problemas que este tipo 
de trabalho envolve. Como referem Beaud e Weber: 
 
Você não sai de uma pesquisa sem ter mudado ou mesmoileso. Você 
pode sair dela transformado e verá, a seguir, coisas e pessoas de 
43 
 
outra maneira. É claro que isso assim será se você tiver levado a 
tarefa a sério e que não se tenha contentado com uma presença 
pontilhada, não constante no compor ou com entrevistas do tipo 
“relâmpago”. (Beaud e Weber, 2007, 15) 
 
O tempo passado no terreno pode variar de acordo com o objeto e os 
objetivos da investigação, mas, por norma, é considerado que um ano de 
terreno é essencial para acompanhar um ciclo anual de atividades sazonais. 
A estadia depende também do facto de o antropólogo já conhecer ou não o 
grupo ou comunidade em causa. Por outro lado, e sobretudo na prática 
antropológica contemporânea, muitas investigações são multisituadas, isto 
é, envolvem mais do que um terreno, como é o caso, por exemplo, de 
estudos de migrantes e comunidades transnacionais. 
O trabalho de campo envolve um número de etapas que convém reter 
(Ervin, 2000, 143 – 146). Embora elas não sejam lineares e a reflexibilidade 
seja é importante reter os problemas associados com cada uma das fases. 
O início do trabalho de campo é crucial, não só pelo processo de 
escolha do local de trabalho, como pela ansiedade que envolve (de parte a 
parte) a entrada num meio social novo. Há a necessidade de obter a 
permissão para ali estar (da comunidade, das entidades locais e 
nacionais)16, explicar a presença no terreno aos membros da comunidade e 
estar consciente de alguns fatores, a saber: a resposta pode ser relutante, 
ou inexistente; a existência de resistências e dificuldades; o delicado 
processo de ganhar, e gerir, a confiança por parte das pessoas da 
comunidade e conseguir familiaridade com o local. 
Nesta fase pode ocorrer um “choque cultural” dada a necessidade de 
reajustar comportamentos a novos hábitos e modos de agir (tanto na 
linguagem como na postura corporal, etc.). O stress pode surgir, sobretudo 
quando as resistências são maiores e não se vislumbra a confiança da parte 
das pessoas da comunidade para iniciar o trabalho. Ervin (2000, 144) 
 
16 Traube (1986) é um exemplo de como o terreno pode fazer inverter ou alterar os projetos 
iniciais. A autora partiu para Timor para trabalhar numa determinada zona e, durante a sua 
estadia acabou por, depois de passar ali algum tempo, deslocar-se para a área Mambae onde 
desenvolveu o seu estudo. Em Sousa (2008 e 2010) poderão também ter a perceção do 
acesso ao terreno e de como se desenvolvem expetativas mútuas em presença. 
44 
 
advoga que se deve elaborar um pequeno texto de uma página no máximo 
para expor os objetivos da presença do antropólogo e do estudo em curso. 
No fundo o autor reafirma os pressupostos éticos que devem imperar na 
relação com a comunidade e que já analisamos igualmente com Willigen 
(1986). 
Após o período de crise associado ao “choque cultural” e se esta fase 
for ultrapassada, com a criação de laços de confiança é possível envolver-
se no trabalho de recolha de dados, por norma mais “factuais” no início de 
forma a não ferir suscetibilidades. Este período é mais produtivo e a 
normalização da presença permite ganhar confiança e euforia por parte do 
investigador o que pode levar a situações de identificação com o sujeito de 
investigação e a registar impressões e factos enviesados. Alguns autores 
sugerem que o investigador deve retirar-se do campo durante um período 
a fim de analisar os dados obtidos e reavaliar o trabalho a realizar. 
As fases finais da estadia devem incluir a confirmação de certas 
hipóteses, o que no campo aplicado pode ser feito com base em inquéritos, 
de forma a confirmar ou invalidar observações realizadas. No campo da 
antropologia aplicada é usual que, após a retirada do terreno para a redação 
do relatório, o antropólogo regresse ao terreno para o discutir com a 
comunidade. 
 
Observação e registo 
 
A observação é um processo denso e extenuante. A par da capacidade 
de observação é necessária aptidão para descrever o que é observado. Este 
facto envolve a anotação atempada das observações e a sua organização 
por assuntos. A forma como se organizam os registos pode variar de 
investigador para investigador. As notas de campo e os diários são 
personalizados, mas há várias indicações de como organizá-las de acordo 
com os propósitos do trabalho. A observação ocorre nos mais ínfimos 
contactos sociais, de carácter interpessoal, e nos acontecimentos ou 
receções organizadas. Estas experiências dizem-nos algo sobre os seus 
participantes e os grupos envolvidos pela forma como interagem tendo 
45 
 
como princípio identificar quem está a fazer o quê, com quem, onde e 
quando. A observação participante permite dizer o que está a acontecer pelo 
facto de o registar presencialmente, pelo facto de o observador estar mais 
perto da realidade. Gerir toda esta vivência e informação pode ser 
extenuante. 
No entanto, até que ponto o investigador participa? Há vários graus 
de envolvimento com os sujeitos em estudo. A observação pode ser 
realizada sem que os sujeitos estejam ao corrente do facto. Um exemplo 
desta técnica são as investigações realizadas em jardins infantis na qual as 
crianças são observadas a interagir sem o investigador se envolver com 
elas. Uma situação imediata ocorre em contextos em que o investigador 
partilha espaços com os sujeitos de observação sem ser forçosamente 
reconhecido por estes. Por exemplo, em restaurantes ou bares. 
Outra forma de participar é através do desempenho de papéis 
auxiliares que permitem o convívio com os sujeitos.17 Esta questão depende 
do contexto. Nos campos mais tradicionais e nos que se situam no âmbito 
da ajuda ao desenvolvimento em contexto rural, o antropólogo pode 
encontrar muitas ocasiões para participar em acontecimentos sociais, 
privados ou públicos, desde trabalhos de campo, da casa, caça etc. Como 
refere Ervin (2000, 149) é impossível ensinar esta metodologia através de 
etapas precisas dada a necessidade de imersão direta com o terreno e os 
imponderáveis que se lhe associam. 
 
Entrevistas a informantes qualificados 
 
A entrevista a informantes qualificados é um dos princípios essenciais 
da pesquisa antropológica. A noção de informante qualificado é objeto de 
discussão. Por um lado, é relativamente consensual que ele deve ocupar um 
lugar ou desempenhar um papel que o torne socialmente significativo, mas 
 
17 Situação similar ocorreu durante a realização do trabalho de campo desenvolvido no mestrado do 
desempenho do papel de auxiliar de “assistente social” numa organização de apoio aos refugiados. 
Ocorrência descrita em Sousa (1999), ponto 1.2. Etapas da pesquisa. 
46 
 
o mesmo não se passa relativamente à sua capacidade de analisar a sua 
condição de vida analiticamente. 
Relativamente ao papel social desempenhado pelo entrevistado há 
que ter em conta que nem sempre o desempenho de um papel visível é 
sinónimo de experiência ou de saber. Muitas vezes o informante mais 
qualificado pode estar “oculto” pela sua condição social e não é 
imediatamente identificado, sendo que aqui o tempo e confiança é condição 
essencial perceber quem é quem18 e para obter empatia. Por exemplo, em 
Timor Leste, as autoridades oficiais “chefe de suco” que lidam com o Estado 
e o exterior tem de reportar às autoridades tradicionais que lidam com o 
sagrado e o interior. O acesso aos primeiros é, de uma forma geral, o mais 
fácil e o que se pratica na administração, mas o contacto com os segundos 
pode ser muito mais difícil (Ospina e Hohe, 2001). 
A capacidade de análise reflexiva por parte dos envolvidos, 
antropólogo e sujeitos, sobretudo da parte destes tem que ser ponderada. 
Ervin (2000, 149) refuta a perspetiva de que o informante deve ser não 
analítico. Na prática antropológica este tipo de informantes é altamente 
qualificado poispossuem um conhecimento sobre o tempo e uma reflexão 
ponderada. Contestar um informante que analise a sua própria condição de 
vida e que sobre ela tenha uma capacidade crítica é uma forma de 
subestimar o sujeito. 
 
A entrevista e as questões 
 
A entrevista deve ser em larga medida uma conversação com um 
sentido preponderante, a do informante em relação ao entrevistador. A 
gravação ou não da entrevista vai depender da autorização do 
 
18 Claudine Friedberg, antropóloga francesa, foi sujeita a esta “avaliação” em 1971, na altura no Timor 
Português. Tendo chegado à aldeia Bunak de Oeleu foi apresentada a um conjunto de homens, tendo-
lhe sido explicado quem eram e o que faziam. No momento em que se sentavam para comer foi-lhe 
pedido que distribuísse a carne com ossos pelos comensais (entre os Bunak o corpo animal remete para 
o “corpo social”, sendo cada parte do animal associada a uma determinada função e cargo político-
ritual). Ciente do teste a que estava submetida, procurou dar a carne com osso de acordo com o que 
sabia das suas investigações noutros territórios Bunak. A distribuição foi aprovada e a antropóloga tem 
a certeza que tal facto ajudou a desanuviar o momento e a comunicar com os seus interlocutores 
[comunicação pessoal]. 
47 
 
entrevistado19 e da disponibilidade do entrevistador em proceder 
posteriormente, se necessário, à sua transcrição (uma transcrição poderá 
levar, dependendo da língua e das condições de gravação, o dobro do tempo 
real da entrevista). A entrevista começa com comunicação da intenção e a 
preparação do entrevistado. É importante esclarecer os objetivos da mesma 
de uma forma clara e sucinta e estar pronto a responder a todas as questões 
que possam ser colocadas pelo entrevistado. 
A preparação da entrevista incluirá a elaboração de um guião de 
entrevista que contemplará os temas a serem desenvolvidos. Há que ter, no 
entanto, atenção que um longo guião pode ser desmoralizador para o 
entrevistado. A forma como se abre o diálogo deve ser centrada em 
questões sobre assuntos presentes e não controversos, questões mais 
genéricas, que permitam colocar o entrevistado à vontade e ajudar a 
encaminhar o entrevistador. Ervin (2000, 153) sugere com base em Patton 
(1980) tipos de questões que devem ser colocadas: 
 
1. questões de experiência (experience questions): sobre o que a pessoa 
fez ou faz; 
2. processo cognitivo e interpretativo (cognitive and interpretive 
process) – questões de opinião ou valores: 
3. questões emocionais (feeling questions): as respostas emocionais às 
experiências e sentimentos; 
4. questões de conhecimento (knowledge questions): para saber o que 
o informante sabe sobre determinados factos; 
5. questões sensoriais (sensory questions): o que é sentido ou 
percecionado; 
6. questões demográficas e de antecedentes (background / 
demographic questions): questões que enquadram o sujeito no grupo 
em estudo, como a idade, género, educação etc. 
 
 
19 Durante o meu trabalho de campo para a dissertação de mestrado sobre refugiados, alguns dos 
entrevistados não permitiram a gravação da entrevista (Sousa, 1999). 
48 
 
O mesmo autor, citado por Ervin (2000, 154) defende que as questões 
devem ser colocadas nos três tempos verbais, no presente, no passado e 
no futuro, de forma a apurar o sentido que os sujeitos pretendem dar à sua 
vida com a experiência adquirida. 
As últimas recomendações de Ervin (2000, 154) sobre a formulação 
das questões são: 
 
1. evitar questões dicotómicas que possam ser respondidas com sim ou 
não; 
2. ter a certeza de que as questões são abertas de forma a possibilitar 
que o entrevistado formule uma opinião sobre todos os potenciais 
pontos em estudo; 
3. evitar questões que combinem muitas ideias, provocando confusão 
sobre o que responder. 
 
Acabamos de descrever o que podemos designar de etapas e técnicas 
clássicas da investigação antropológica. A investigação etnográfica é, cada 
vez mais, empregue por outras ciências, como a sociologia. Todavia, 
também se observa que atualmente a antropologia, fundamental e aplicada, 
emprega um conjunto de técnicas nas suas investigações. Destas 
registamos: os grupos focais, os grupos nominais, e os Delphi Groups ou 
conferências. 
 
Grupos focais 
 
Segundo Ervin (2000, 156) os grupos focais consistem num grupo de 
pessoas, normalmente de seis a doze, com um estatuto de uma forma geral 
equivalente, com interesses, características e conhecimentos comuns. Na 
entrevista, gerida pelo entrevistador, cada participante deve ser capaz de 
expor as suas opiniões sobre um tema proposto e dentro de um tempo 
definido. Esta abordagem é uma ferramenta útil e adaptável que pode ser 
utilizada nas ciências sociais, aplicadas ou não. Em antropologia aplicada e 
em particular na centrada em pesquisa de comunidades, é vantajosa em 
49 
 
levantamentos de necessidades, avaliação de programas e levantamentos 
de impactos sociais. 
 
Grupos nominais 
 
Os grupos nominais são uma forma mais estruturada de grupos 
focais, com os mesmos princípios e com a mesma dimensão, mas com um 
controlo muito maior da interação dos participantes por parte do moderador 
com o objetivo de estabelecer prioridades e consenso. Os grupos nominais 
são úteis pois permitem ultrapassar algumas das dificuldades dos grupos 
focais, nomeadamente, a possibilidade de existirem rivalidades 
interpessoais. Por vezes pode ser útil combinar as duas abordagens. 
 
Delphi Groups ou conferências 
 
O grupo Delphi é um grupo nominal realizado através de correio (ou 
por meios informáticos). É anónimo, mas interativo. É composto por 
participantes, até um número de 30, reconhecidos pelos seus 
conhecimentos ou capacidade para comentar de forma pertinente o tema 
em investigação. É particularmente útil quando os participantes vivem 
afastados uns dos outros, mas apresenta a dificuldade de estes terem 
necessariamente a capacidade de expor de forma escrita as suas opiniões. 
 
Os métodos clássicos da antropologia são predominantemente 
qualitativos. Todavia, as metodologias de caráter quantitativo são 
igualmente pertinentes para o trabalho antropológico Ervin (2000, 171-
187), de que são exemplos os indicadores sociais e a aplicação de 
questionários. 
 
Indicadores sociais 
 
Os indicadores sociais são obtidos através da análise de estatísticas 
relevantes. Os indicadores são números agregados escolhidos para 
50 
 
representar tendências e assumidas como medidas da uma região ou país. 
Entre as áreas passíveis de serem analisadas através de indicadores estão 
a saúde e a habitação. Os dados demográficos são também valiosos para 
contextualizar as características da população e a sua distribuição num 
determinado território. A combinação de vários indicadores permite avaliar 
os indicadores socioeconómicos como o da pobreza. 
 
Questionários 
 
Os questionários têm vindo a ganhar uma maior aplicabilidade entre 
os antropólogos. No entanto, dada a sua complexidade e onerosidade é 
necessário ponderar a sua realização e verificar se a informação não pode 
ser obtida de outra forma. Assente a necessidade de realização do 
questionário há que concebê-lo tanto no plano logístico (avaliando os custos 
associados à sua aplicação) e no plano científico (concebendo a sua 
estrutura e validade). 
Um dos principais desafios da aplicação de um questionário é a 
seleção da amostra. Esta pode tomar duas formas: as amostras 
probabilísticas e as amostras não probabilísticas. As amostras probabilísticas 
aumentam a validade do questionário e permitem a sua generalização. 
Trata-se de amostras que pretendem assegurar que cada secção de uma 
determinada população esteja representada na amostra. Considerando o 
estudo em causa e os critérios de seleção estabelecidos é necessário que a 
populaçãopossa ser listada de modo a ser selecionada a amostra 
representativa. No caso de não existirem listas exaustivas a amostra será 
feita de forma aleatória dentro de determinados parâmetros que procuram 
assegurar a representatividade da população. São as denominadas as 
amostras não probabilísticas. Entre estas amostras incluem-se: 
 
1. casos típicos: seleção de casos que são melhor conhecidos e 
representativos; 
2. os casos mais similares e os menos similares: selecionando os que 
apresentam caraterísticas mais comuns ou menos 
51 
 
3. bola de neve: contatando novos participantes referenciados por 
outros; 
4. amostra por quota: selecionando pessoas ou unidades com base na 
sua proporção na população; 
5. casos críticos: selecionando casos que são chave e essenciais para a 
investigação. 
 
No contexto específico da antropologia aplicada há ainda um conjunto de 
técnicas de trabalho que iremos aqui listar de forma sucinta: as RAPs - Rapid 
Assessment Procedures, que podemos traduzir como procedimentos de 
levantamento rápido, que procuram conciliar a natureza naturalista da 
abordagem metodológica da antropologia com a necessidade de obter dados 
em contexto de urgência, e a Participatory Action Research, Pesquisa de 
Acção/intervenção participativa, que pretende envolver de forma mais 
direta os “sujeitos” de um processo de desenvolvimento na pesquisa e 
gestão do próprio projeto. 
 
“Rapid Assessment Procedures “ RAPs – Procedimentos de 
levantamento rápido 
 
A questão do tempo é uma das mais prementes com que os 
antropólogos aplicados têm de lidar. Nem sempre o tempo tradicional da 
pesquisa antropológica, de longa duração (exemplo de um ano), é 
compatível com as necessidades das entidades que comissionam trabalhos 
de antropologia aplicada. Neste contexto, alguns antropólogos tentaram 
desenvolver os parâmetros para uma pesquisa rápida. Esta tem-se 
desenvolvido prioritariamente em trabalhos ligados às questões de 
desenvolvimento nos países do “Terceiro Mundo”. 
Este tipo de pesquisa funciona melhor quando há um claro entendimento 
do problema central e o que se pretende é avaliar a sua contextualização 
local. Ervin (2000, 190) indica como exemplos os estudos da epidemia de 
HIV/SIDA na área da saúde (ver o artigo de Bond, 1999) ou as questões da 
seca na agricultura. Há uma perceção do problema geral, mas há que 
52 
 
equacionar a dimensão humana em contexto local e é esta a intervenção da 
antropologia aplicada. Por norma estes estudos desenvolvem-se em 
períodos de uma a seis semanas. 
Ervin (2000, 195) seguindo Harris et al. (1997) analisa os cuidados e 
critérios que devem estar presentes neste tipo de estudo: fiabilidade, 
utilidade, viabilidade e propriedade. 
 
1. fiabilidade (accuracy): a necessidade de manter uma descrição 
exaustiva do problema, do contexto, das circunstâncias locais e dos 
serviços e programas existentes; assegurar a validade das 
observações realizadas procurando que a realidade analisada seja 
compreendida quer por pesquisadores quer por pesquisados; 
procurar formas de evitar enviesamentos que possam impedir a 
generalização das descobertas à comunidade (procurando obter 
diferentes entrevistas de diferentes sujeitos); 
2. utilidade (utility): os resultados e recomendações devem ser úteis 
para todos os que tenham um interesse neles; 
3. viabilidade (feasibility): os RAPs devem ser apropriados, 
politicamente viáveis e fáceis de implementar num dado contexto 
para serem executados; 
4. propriedade (property): são os procedimentos éticos e justos para 
com os envolvidos? Podem os princípios éticos ser assegurados dado 
o tempo disponível? 
 
Dados os constrangimentos de aplicação dos RAPs Harris e tal. (1997) 
referido por Ervin (2000, 197) defende que esta abordagem tem mais 
hipóteses de sucesso quando envolve um trabalho de equipa 
multidisciplinar, envolvendo várias técnicas de recolha de dados e com 
alguns dos membros da equipa originários da cultura em causa. 
 
 
53 
 
Participatory Action Research20 - Pesquisa de Acção/intervenção 
participativa 
 
Cada vez mais o processo de pesquisa e a sua propriedade tem 
passado para as mãos de comunidades ou grupos de cidadãos que procuram 
influenciar a definição de políticas. Ainda assim, há um elevado número de 
pessoas que não dispõem do poder e capacidade organizacional para 
melhorar a sua situação e que se encontram excluídas ou marginalizadas do 
processo de definição dos seus próprios problemas. 
Muitos antropólogos têm desempenhado junto destes grupos ou 
comunidades um papel relevante, mas que é, simultaneamente, um desafio 
à sua prática tradicional pois os sujeitos de investigação são os próprios 
proprietários e gestores da investigação. Em antropologia a tradição de 
trabalho de parceria com os sujeitos teve início com Sol Tax nos anos 
quarenta que com os seus alunos iniciou um trabalho nos EUA com os índios 
Fox e Moquawkie. Neste trabalho eram definidos em conjunto os problemas 
que deviam ser abordados. Esta área relaciona-se também com a 
antropologia e advocacia. Da mesma forma, no Brasil, Paulo Freire procurou 
na educação de adultos consciencializar os camponeses para ultrapassarem 
a sua marginalidade e exploração (ver Carmo, 1999) 
 
Ervin (2000, 200) identifica as principais características desta 
abordagem com o princípio de que os seus proponentes acreditam que as 
pessoas mais afetadas por um determinado problema devem ser aquelas 
que mais têm a dizer sobre ele e têm legitimidade para agir sobre ele. Neste 
trabalho os participantes locais analisam a sua condição de vida e procuram 
meios para superar as suas dificuldades. Este processo vai muito para além 
da investigação e muitos dos princípios “científicos” podem não ser 
totalmente alcançados. 
 
 
20 Também referida como Action anthropology “o ramo da antropologia aplicada, ou da antropologia 
aliada à antropologia aplicada, que procura combater ameaças diretas a grupos populacionais. A 
Antropologia de ação procura assim usar o conhecimento antropológico com objetivos políticos tendo 
por base um comprometimento moral.” (Barnard e Spencer, 2002, 594) 
54 
 
Os principais pontos a salvaguardar na pesquisa participativa são, 
segundo Ervin (2000, 200): 
 
1. a comunidade define o problema, analisa-o e resolve-o; 
2. as pessoas são donas da informação, analisam os resultados e 
chegam a conclusões; 
3. só pode haver mudança nas suas vidas se todas se comprometerem 
a participar; 
4. é um procedimento que cria um grande reconhecimento das 
capacidades da comunidade; 
5. é um processo de investigação científica que representa a 
democratização da pesquisa; 
6. os investigadores exteriores à comunidade também experimentam 
grandes mudanças no seu papel; 
7. a ação participativa está normalmente relacionada com a advocacia. 
 
Segundo o mesmo autor os principais desafios que a pesquisa 
participativa coloca ao antropólogo são: 
 
1. a dependência/instabilidade que resulta da possibilidade de poder ser 
colocado de parte do projeto se a comunidade o entender; 
2. a necessidade de qualidades pessoais, sobretudo paciência, para 
aceder às diretrizes do grupo ou comunidade, que podem ser 
diferentes das estabelecidas pelo investigador; 
3. a dificuldade em definir o seu lugar no processo, ganhar confiança e 
aceitação, tentar ajudar sem ser muito assertivo; 
4. a principal opção metodológica é a discussão de grupo, incluindo 
grupos focais. (Ervin, 2000, 201) 
Concluída a esta apresentação como podemos condensar um conjunto 
de informação tão vasto e pessoal? Apresenta-se de seguida uma sumula 
de dez mandamentos da observação participante numa recensão de Lícia 
Valladares da obra de William Foote Whyte. 
55 
 
Os dez mandamentos da observação participante 
William Foote WHYTE. Sociedade de esquina: a estrutura social de umaárea urbana pobre e degradada. Tradução de Maria Lucia de Oliveira. 
Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2005. 390 páginas. 
 
Licia Valladares 
 
Enfim o leitor brasileiro tem acesso a Street corner society de William 
Foote Whyte, um clássico dos estudos urbanos, obrigatório em todo 
curso de métodos qualitativos e pesquisa social. Gilberto Velho, autor 
da apresentação e responsável pela coleção “Antropologia Social” da 
Jorge Zahar, tomou a iniciativa de fazer traduzir a edição de 1993, 
comemorativa dos cinqüenta anos da primeira publicação do livro. A 
primorosa tradução inclui anexos que o próprio autor foi acrescentando 
nas várias reedições do livro, referentes à prática do trabalho de campo, 
ao depoimento de um dos personagens e à sua lista de publicações. 
Além de um índice remissivo, peça rara entre as publicações brasileiras, 
mas de uso fundamental quando se quer realizar uma leitura 
compreensiva de uma obra. 
 
Originalmente publicado em 1943, o texto é não apenas atual pela 
temática que aborda – a juventude, a organização social das gangs e 
dos bairros pobres –, mas também um livro fundamental para aqueles 
que fazem trabalho de campo nas cidades, realizando o que os norte-
americanos denominam anthropology at home. É também de grande 
importância para os sociólogos urbanos que cada dia aderem mais aos 
métodos qualitativos e aos estudos de caso e se interessam pelo tema 
das redes sociais, da juventude, da política local e da territorialização da 
pobreza. O subtítulo – A estrutura social de uma área urbana pobre e 
degradada – chama a atenção para a importância atribuída pelo autor 
aos temas da estrutura e da mobilidade social, normalmente 
considerados temáticas próprias da sociologia. 
 
William Foote Whyte, filho de classe média alta norte-americana, 
pesquisou nos anos de 1930 uma área pobre e degradada da cidade de 
Boston, onde morava. Conhecido como um dos slums mais perigosos da 
cidade e sobre o qual circulavam várias idéias preconcebidas e 
estigmatizantes, o bairro italiano é pouco a pouco “desbravado” pelo 
aprendiz de pesquisador que apenas o conhecia por “ouvir dizer”. Ao 
mesmo tempo em que se insere na localidade e vai redefinindo os 
objetivos de sua pesquisa, dá tropeços no convívio com os moradores, 
aprendendo a pensar e a refletir sobre a natureza de suas relações com 
os informantes. Aos poucos vai sendo aceito, muda-se inclusive para 
56 
 
Cornerville, mas se dá conta de que é funda- mental poder contar com 
um intermediário para realizar sua observação. “Doc”, termo que define 
um informante-chave, simboliza esse mediador, que garante o bom 
acesso à localidade e/ou ao grupo social em estudo. Desempenha 
também o papel de conselheiro e “protetor”, defendendo o pesquisador 
contra as intempéries e os imponderáveis próprios ao trabalho de 
campo. Após três anos de convívio e familiaridade com os diferentes 
grupos informais e instituições que atuavam e estruturavam a área 
(clubes sociais, centro comunitário, organizações informais etc.), Foote 
Whyte deixou o bairro para dedicar-se à difícil tarefa de redigir sua obra. 
Saída difícil e dolorosa para o observador participante, mas facilitada 
pelo fato de o jovem pesquisador mudar-se para Chicago, onde se 
inscreve como aluno de doutorado na universidade onde Robert Park 
havia bem marcado sua passagem. 
 
Para além do interesse temático, este livro constitui um verdadeiro guia 
da observação participante em sociedades complexas. Minha opção será 
a de insistir na contribuição metodológica do autor, tendo em vista a 
verdadeira “moda” no Brasil de estudos de caso em “comunidades 
carentes” ou em territórios urbanos demarcados social e 
geograficamente. 
 
Dez “mandamentos” podem ser depreendi- dos da leitura do livro: 
 
1) A observação participante, implica, necessariamente, um processo 
longo. Muitas vezes o pesquisador passa inúmeros meses para 
“negociar” sua entrada na área. Uma fase exploratória é, assim, 
essencial para o desenrolar ulterior da pesquisa. O tempo é também um 
pré-requisito para os estudos que envolvem o comportamento e a ação 
de grupos: para se compreender a evolução do comportamento de 
pessoas e de grupos é necessário observá-los por um longo período e 
não num único momento (p. 320). 
 
2)O pesquisador não sabe de antemão onde está “aterrissando”, caindo 
geralmente de “páraquedas” no território a ser pesquisado. Não é 
espera- do pelo grupo, desconhecendo muitas vezes as teias de relações 
que marcam a hierarquia de poder e a estrutura social local. Equivoca-
se ao pressupor que dispõe do controle da situação. 
 
3)A observação participante supõe a interação pesquisador/pesquisado. 
As informações que obtém, as respostas que são dadas às suas 
indagações, dependerão, ao final das contas, do seu comportamento e 
das relações que desenvolve com o grupo estudado. Uma auto-análise 
57 
 
faz-se, portanto, necessária e convém ser inserida na própria história 
da pesquisa. A presença do pesquisa- dor tem que ser justificada (p. 
301) e sua transformação em “nativo” não se verificará, ou seja, por 
mais que se pense inserido, sobre ele paira sempre a “curiosidade” 
quando não a desconfiança. 
 
4)Por isso mesmo o pesquisador deve mostrar-se diferente do grupo 
pesquisado. Seu papel de pessoa de fora terá que ser afirmado e 
reafirmado. Não deve enganar os outros, nem a si próprio. “Aprendi que 
as pessoas não esperavam que eu fosse igual a elas. Na realidade 
estavam interessadas em mim e satisfeitas comigo porque viam que eu 
era diferente. Abandonei, portanto, meus esforços de imersão total” (p. 
304). 
 
5)Uma observação participante não se faz sem um “Doc”, intermediário 
que “abre as portas” e dissipa as dúvidas junto às pessoas da localidade. 
Com o tempo, de informante-chave, passa a colaborador da pesquisa: 
é com ele que o pesquisa- dor esclarece algumas das incertezas que 
permanecerão ao longo da investigação. Pode mesmo chegar a influir 
nas interpretações do pesquisa- dor, desempenhando, além de 
mediador, a função de “assistente informal”. 
 
6)O pesquisador quase sempre desconhece sua própria imagem junto 
ao grupo pesquisado. Seus passos durante o trabalho de campo são 
conhecidos e muitas vezes controlados por membros da população local. 
O pesquisador é um observador que está sendo todo o tempo 
observado. 
 
7)A observação participante implica saber ouvir, escutar, ver, fazer uso 
de todos os sentidos. É preciso aprender quando perguntar e quando 
não perguntar, assim como que perguntas fazer na hora certa (p. 303). 
As entrevistas formais são muitas vezes desnecessárias (p. 304), 
devendo a coleta de informações não se restringir a isso. Com o tempo 
os dados podem vir ao pesquisador sem que ele faça qualquer esforço 
para obtê-los. 
 
8)Desenvolver uma rotina de trabalho é fundamental. O pesquisador 
não deve recuar em face de um cotidiano que muitas vezes se mostra 
repetitivo e de dedicação intensa. Mediante notas e manutenção do 
diário de campo (field notes), o pesquisador se autodisciplina a observar 
e anotar sistematicamente. Sua presença constante contribui, por sua 
vez, para gerar confiança na população estudada. 
58 
 
9)O pesquisador aprende com os erros que comete durante o trabalho 
de campo e deve tirar proveito deles, na medida em que os passos em 
falso fazem parte do aprendizado da pesquisa. Deve, assim, refletir 
sobre o porquê de uma recusa, o porquê de um desacerto, o porquê de 
um silêncio. 
 
10)O pesquisador é, em geral, “cobrado”, sendo esperada uma 
“devolução” dos resultados do seu trabalho. “Para que serve esta 
pesquisa?” “Que benefícios ela trará para o grupo ou para mim?” Mas só 
uns poucos consultam e se servem do resultado final da observação. O 
que fica são as relações de amizade pessoal desenvolvidas ao longo do 
trabalho de campo. 
 
Outros “mandamentos metodológicos” poderiam ser inferidos. Gostaria 
apenas de insistir sobre dois pontos. Da leitura do livro, fica claro que a 
observação participante não é uma práticasimples mas repleta de 
dilemas teóricos e práticos que cabe ao pesquisador gerenciar. A 
experiência descrita e analisada pelo autor, numa linguagem que 
dispensa o jargão especializado, mostra que a observação participante 
exige, sim, uma cultura metodológica e teórica. Foote Whyte não vinha 
de uma formação em antropologia ou sociologia, mas havia estudado na 
tradicional e bem cotada Universidade de Harvard. Havia lido 
Malinowsky, Durkheim, Pareto, os Lynd (Middletown) e a literatura sobre 
communities. Teve contacto com Elton Mayo, que o orientou no 
aprendizado das técnicas de entrevista, e com o antropólogo Conrad 
Arensberg, com quem discutiu métodos de pesquisa de campo. Lloyd 
Warner, autor de Yankee city, veio a ser seu orientador na Universidade 
de Chicago. Para a revisão do manuscrito, contou com as sugestões de 
Everett Hugues. Como diz Gilberto Velho, na apresentação da edição 
brasileira, o livro “como produto final traz inevitavelmente as marcas de 
sua passagem e relações com alguns dos expoentes da Escola de 
Chicago dos anos 1940” (p. 12). 
 
Outro aspecto importante diz respeito à atualidade do livro e sua 
pertinência para entender áreas pobres e o mundo popular no Brasil de 
hoje. O diagnóstico oferecido pelo autor contra- põe-se à imagem 
produzida pelo senso comum, que considera as áreas pobres 
exclusivamente um problema: degradadas, homogêneas, desorganiza- 
das, caóticas e fora da lei, devendo necessariamente ser “ajudadas” uma 
vez que “abandonadas à sua própria sorte” nunca se desenvolverão. 
Vistas de dentro, e a partir do olhar arguto do cientista social, tem-se 
outra visão: tais localidades corresponderiam a áreas onde coexistem 
espaços e grupos locais diferenciados porém estruturados a partir de 
59 
 
redes de relações sociais. A desorganização social não é, portanto, a 
tônica geral – o que não significa negar a existência do conflito entre os 
grupos. Foote White não tem, dessa forma, nem uma visão 
“miserabilista” nem populista dos pobres. O autor insiste na importância 
da sociabilidade que ocorre no espaço público do mundo popular, na 
“sociedade da esquina” para usar seu próprio linguajar. Pois é na 
esquina, no espaço informal, que as decisões são tomadas, que os 
grupos se estruturam e que as relações sociais se constroem e se 
destroem. 
Que este livro sirva de “aviso” e inspiração a todos aqueles que queiram 
se lançar na aventura da observação participante. 
 
LICIA VALLADARES é professora de Sociologia da Universidade de Lille 
1 e membro do Laboratório Clerse/CNRS. No Brasil é pesquisadora 
associada do Iuperj. 
In Revista Brasileira de Ciências Sociais - VOL. 22 Nº. 63, pp.153-155. 
 
 
 
60 
 
 2.Teorias e práticas antropológicas 
 
 
©Malinowski nas ilhas Trobriand, London School of Economics 
 
Pressupostos do tema 
Este tema pretende proporcionar uma visão panorâmica dos percursos 
teóricos da Antropologia e discutir algumas das questões mais pertinentes 
no seu desenvolvimento. De seguida é analisada a antropologia aplicada, 
identificando o seu propósito e o papel dos antropólogos. 
 
Objetivos gerais: 
No final deste tema deverá compreender e explicar: 
§ o percurso histórico geral da antropologia social e cultural; 
§ a contribuição das várias escolas, as suas diferenças e 
sobreposições teóricas; 
§ a utilidade da antropologia aplicada; 
§ aplicação prática da antropologia e questões éticas 
 
 
61 
 
2.1 Teorias clássicas e debates contemporâneos 
 
As teorias e as escolas, tal como os micróbios e os 
glóbulos, devoram-se mutuamente e asseguram, 
pela sua luta, a continuidade da vida. 
Marcel Proust, Sodome et Gomorrhe (in Colleyn, 
2005: 53) 
 
 
A “pré-história” da Antropologia 
 
No seu estudo sobre a história da antropologia Mercier (1986) 
denomina o período anterior à institucionalização da antropologia no campo 
académico como a sua “pré-história”. Nesta fase as preocupações 
antropológicas com a descrição do Outro estão já presentes em obras 
clássicas de várias civilizações. E, tal como na atualidade, este saber não 
era despiciendo, servindo para a produção de discursos sobre as identidades 
em presença: nós e os outros. 
Na tradição ocidental os trabalhos de Heródoto, Platão, Aristóteles 
entre outros, demonstram a ambivalência etnocêntrica face à alteridade. 
Herdamos dos gregos essa designação do Outro não grego: os “bárbaros”. 
Por seu turno, os Romanos e, posteriormente a europa medieval, 
confrontam as fronteiras do seu mundo como locais de contato e absorção, 
porosidades marcadas pelo anseio e temor face ao outro, fenotipicamente 
diverso, religiosamente diferente, economicamente ambicionado (Marco 
Polo) que se pode conquistar ou que nos pode invadir. 
A expansão da Europa pela via marítima, os Descobrimentos, iniciam 
uma fase de maior proximidade e envolvimento entre todos os povos, mas, 
igualmente, a afirmação de um sistema global de domínio económico e 
político da Europa que implicou a globalização a uma escala mundial de 
relações e de subjugações entre os povos, de que o colonialismo e a 
escravatura são exemplos. Os novos continentes e as novas humanidades 
são novos limiares de discussão da universalidade ou não da espécie 
humana e do que a carateriza. Um episódio marcante desta relação foi a 
conferência de Valladolid em 1550-1551 onde se decidiu se os índios, eram 
62 
 
ou não homens. O debate opôs Frei Bartolomeu de las Casas, dominicano e 
defensor dos “índios”, contra Ginés de Sepulvéda. Nos seus argumentos os 
ameríndios eram tão homens quanto os da Europa e tinham direito à sua 
cultura e terras. Tendo vencido o debate, o facto não ilibou os ameríndios 
dos piores atos de violência21. 
O século das luzes e os seus autores do século XVII e o século XVIII 
vão marcar uma mudança alimentada pelas novidades de um mundo mais 
aberto. As ideias florescem e a sociedade europeia procura redescobrir as 
suas origens na história, mas também na comparação com o Outro. Para 
Barnard (2000, 18) as grandes questões antropológicas deste século eram: 
o que define a espécie humana; o que distingue os humanos dos animais e 
qual é a condição natural da humanidade. Muita do debate desenvolveu-se 
tendo por base três questões: as crianças selvagens, os “orang outang” e 
os “selvagens” (os habitantes indígenas de outros continentes). 
O tema das crianças selvagens adquire bastante notoriedade pública 
com alguns casos de crianças que, encontradas isoladas, não tinham vivido 
em comunidades humanas e mostraram diferentes reações ao convívio e 
aprendizagem humanos. Mais complexo, o caso do “orang outang” (do 
malaio pessoa da floresta), acalentou discussões intensas sobre a natureza 
gregária ou solitária do ser humano e a existência ou não de diferentes 
espécies e a sua relativa inferioridade. O conceito de “selvagens” era, nesta 
época, conotado com a noção de liberdade, de que os nativos americanos 
eram o principal modelo. A noção de “nobre selvagem” foi defendida por 
Rosseau, que fala de um homem natural, ou homem selvagem no seu 
Discurso sobre a origem da desigualdade (1755). 
A par desta discussão sobre a natureza humana o século XVIII 
também revela a presença de uma tradição de cariz sociológico com autores 
como Montesquieu22 que discorre na sua obra “De l'esprit des lois” a relação 
 
21 Para saber mais ver a Fouques, Bernanrd (1997), «O índio da América latina ou a parte maldita», In 
História Inumana – massacres e genocídios das origens aos nossos dias, sob a direção de Guy Richard. 
Lisboa, Instituto Piaget. Um bom romance para aprender mais sobre estas matérias é O Sonho do Celta 
de Mario Vargas Llosa. 
22 Charles de Secondat, conde de Montesquieu (1689-1755) é igualmente o autor das Cartas Persas 
(Lettres persanes), de 1721, uma obra que supostamente relata a correspondência em entre dois 
viajantes persas e os seus conterrâneos sobreas suas experiências de viagem, em particular na Europa. 
63 
 
das leis com a cultura e advoga a existência de um “espirito geral” que é a 
essência de uma dada cultura. Saint Simon e Auguste Comte, cujos 
contributos foram essenciais para o desenvolvimento da sociologia. 
Há várias formas de apresentar a progressão da história das teorias 
antropológicas. Tradicionalmente são referidas quatro grandes perspetivas 
teóricas clássicas, que marcaram de forma indelével a progressão da teoria 
em antropologia até aos anos 50-60 do século XX: o evolucionismo, o 
difusionismo, o funcionalismo e o estruturalismo. Nos Textos iremos 
seguir estas grandes abordagens teóricas promovendo em cada uma a 
análise da sua génese e preocupações teóricas. Fazendo depois uma 
abordagem mais sucinta das tendências e desenvolvimentos mais atuais. 
Esta progressão não é forçosamente sequencial. Há “saltos” e inovações, 
desafios epistemológicos e confrontações, de que as abordagens pós-
modernistas são as mais acutilantes. 
 
 
 
 
 
Uma obra em que o autor se coloca no papel do “outro” para analisar, e criticar, a sua sociedade. 
http://athena.unige.ch/athena/montesquieu/montesquieu_lettres_persanes.html 
64 
 
2.1.1 Evolucionismo 
 
O conceito de evolução precede a ciência antropológica23. Este é 
relativamente aceite desde o Iluminismo e os filósofos do séc. XVIII já o 
incorporam nas suas conjeturas sobre a origem e desenvolvimento da 
humanidade. Neste campo de debate em que emerge a antropologia 
digladiam-se duas perspetivas: o poligenismo e o monogenismo. O 
poligenismo defendia que a humanidade tinha várias origens e que as 
“raças” eram, na essência, diferentes espécies. Por seu turno, o 
monogenismo defendia que a humanidade tinha uma única origem. É este 
pressuposto que vai encorpar as ideias dos antropólogos evolucionistas24. 
Estas ideias vão ganhar forma tanto no campo académico, quanto social. 
Por exemplo, a defesa do monogenismo foi suportada pela “Aborigines 
Protection Society”, fundada em Londres em 1837, e a Ethnological Society 
of London, fundada em 1843. 
O evolucionismo na perspetiva antropológica compreende quatro 
grandes linhas de pensamento: o evolucionismo unilinear, o evolucionismo 
multilinear, o evolucionismo universal e o neodarwinismo. O evolucionismo 
unilinear carateriza o evolucionismo antropológico do século XIX, sendo os 
restantes desenvolvimentos posteriores, surgindo durante o século XX. 
Os autores que suportam o evolucionismo unilinear consideram que 
a cultura se desenvolve de uma forma uniforme e progressiva. Nesta 
aceção, todas as sociedades passariam por um conjunto de estádios de 
desenvolvimento cultural até atingirem a civilização, o mais elevado grau de 
cultura (sendo a sociedade Ocidental considerada a mais proeminente). Os 
principais temas trabalhados pelos autores evolucionistas foram a família e 
 
23 Como refere Barnard (2000, 27-28) a tradição medieval europeia advogava um fixismo dos seres vivos 
numa escala imutável determinado pela criação original. O universo era classificado como um princípio 
ordenado “ a grande cadeia do Ser”, tendo Deus no topo, seguido dos anjos e finalmente o homem, a 
este seguiam-se os macacos e os outros animais até aos vermes. 
Por seu turno, a teoria da evolução pressupunha a mudança e mutabilidade, no tempo e no espaço, da 
vida biológica. Na análise da transposição das ideias de evolução da biologia para o campo social é 
necessário relembrar que foi Herbet Spencer (1820-1903) e não Charles Darwin quem utiliza pela 
primeira vez a expressão “sobrevivência do mais apto”. 
24 Esta ideia continua a ser aquela que persiste na moderna antropologia, que defende que a 
humanidade é a mesma, tanto biologicamente como psicologicamente. 
65 
 
o contrato social e as questões de religião, no 
qual o totemismo* assumiu particular 
relevância. 
Do ponto de vista metodológico os 
estudos evolucionistas baseavam-se numa 
abordagem dedutiva e no método comparativo. 
A abordagem dedutiva resultava na aplicação de 
teorias gerais a casos particulares. As sociedades 
primitivas existentes eram consideradas “fósseis 
vivos” de estádios anteriores e defendia-se que 
o seu estudo permitiria facultar pistas para 
compreender a sociedade Ocidental dos finais do 
século XIX. Esta ideia baseava-se no 
pressuposto da unidade psíquica da 
humanidade: as sociedades simples e complexas 
eram comparáveis já que a mente humana se 
tinha desenvolvido da mesma forma. Embora 
esta noção fosse relativamente vaga não se pode 
deixar de creditar estes autores pelo facto de, como refere Mercier (1986, 
41), terem dado ênfase à ideia de unidade da “família humana”. 
Entre os autores que tentaram apresentar um esquema evolutivo 
destacam-se Henry James Maine (1822-1888), John Ferguson McLennan 
(1827-1881), Lewis Henry Morgan (1818-1881), Edward Burnett Tylor 
(1832 – 1917) e James Frazer (1854-1941). 
 
Procedemos à recensão breve de Maine, McLennan e Frazer. Maine 
analisou a evolução do Estado desde a organização baseada no parentesco 
até às estruturas complexas, defendendo que a família patriarcal era a 
forma original e universal da vida social. Por sua vez, McLennan, advogava 
a ideia de que o sistema de descendência matrilinear precedia o sistema de 
 
 
Lewis Henry Morgan 
1818-1881 
 
Nasceu nos EUA. Formado 
em Direito praticou 
advocacia. Como 
advogado defende os 
iroqueses, por quem se 
interessa e estuda a 
organização social. Em 
1847 foi formalmente 
adotado pela tribo 
Seneca. Os seus principais 
trabalhos são "Sistemas 
de consanguinidade e 
afinidade da família 
humana” (1869) e 
"Sociedade Antiga" 
(1871). 
 
 
	
66 
 
descendência patrilinear e James Frazer estudou a religião, postulando três 
etapas na evolução de todas as sociedades: magia, religião e ciência25. 
O americano Lewis Henry Morgan e o inglês Edward Burnett Tylor 
merecem um destaque particular pelo papel que desempenham na 
afirmação da antropologia. 
Os trabalhos mais importantes de Lewis Henry Morgan foram Systems 
of Consanguinity and Affinity (1871) e Ancient Society26 (1877). Em 
Systems of Consanguinity, um trabalho devotado às classificações do 
parentesco, Morgan aprofunda o campo de estudo comparativo dos sistemas 
de parentesco. Nele introduz o conceito de terminologias classificatórias e 
descritivas . No sistema classificatório um mesmo termo é empregue para 
designar um conjunto variado de parentes, enquanto no sistema descritivo 
um determinado termo é específico de uma relação. 
Em Ancient Society, o seu livro mais famoso, Morgan delineou a 
evolução da sociedade desde o seu princípio até à sua época (a sociedade 
Vitoriana, considerada o ponto mais alto da civilização). A proposta 
contemplava a divisão do desenvolvimento cultural da humanidade em três 
estádios: selvajaria, barbárie e civilização. Os primeiros dois estádios eram 
subdivididos em três fases: baixa, média e alta. A ênfase desta evolução era 
no papel desempenhado pela tecnologia e economia. A transição de um 
estádio para o outro significava progresso não só tecnológico, mas também 
moral. Nesta obra Morgan desenvolve igualmente, na sequência do seu 
trabalho anterior, os conceitos de parentesco, usando a terminologia 
classificatória e a descritiva. 
 
 
 
 
25 Frazer é famoso pela sua obra monumental The Golden Bough. O prefácio da obra de Malinowski é 
redigido por ele, embora a obra em si mesma seja uma reacção em parte às suas próprias teorias sobre 
a religião. Frazer é um dos mais afamados “armchair anthropologists”, “antropólogos de 
secretária/cadeirão”, sendo famoso o episódio em que, questionado se alguma vez tinha contactado 
com os “selvagens” sobre quem tanto sabia, afirmou: “Não, Deus me livre!”. 
26 O título completoda obra ilustra a perspetiva evolucionista do autor: “Ancient Society or Researches 
in the Lines of Human Progress from Savagery through Barbarism to Civilization”. Pode consultar aqui: 
http://classiques.uqac.ca/classiques/morgan_lewis_henry/ancient_society/ancient_society.html 
67 
 
Quadro 1: Esquema de Morgan 
Estádios Fases Desenvolvimentos 
Selvajaria 
Baixo 
Desde a infância da humanidade ex.: pré-
hominídeos 
Médio 
Desde a dieta do peixe e o uso do fogo ex.: 
Australianos 
Alto Desde a invenção do arco e da flecha ex.: Polinésios 
Barbárie 
Baixo Desde a invenção da cerâmica ex.: Iroqueses 
Médio 
Desde a domesticação dos animais e das plantas; 
utilização de tijolos adobe e plantas ex.: Zunis 
Alto 
Desde a fundição do ferro com o uso de ferramentas 
ex.: Gregos homéricos. 
Civilização 
Desde a invenção do alfabeto fonético com o uso da 
escrita, até aos nossos dias ex.: as culturas 
modernas 
 
Edward Tylor é conhecido principalmente pelo seu trabalho: Primitive 
Culture (1871)27, onde apresenta ideias essenciais que marcaram a teoria 
evolucionista. O autor, que se consagrou sobretudo ao estudo da religião, 
defendeu a ideia de que era possível reconstruir os estádios da evolução 
humana através da análise das “sobrevivências”28. Para Tylor, tudo o que 
existia na sociedade contemporânea que não tivesse uma função era uma 
“sobrevivência” de um período anterior. Assim, era possível estudar os 
períodos passados através destes vestígios. Um segundo aspeto da sua 
teoria, relacionado com a religião, propunha a origem desta no animismo, 
que terá evoluído para o politeísmo e finalmente o monoteísmo. 
 
27 A obra pode ser consultada em: https://archive.org/details/primitiveculture01tylouoft 
28 O capítulo IV é dedicado às ciências ocultas, para o autor consideradas como “sobrevivências”. 
Volvidos 150 anos e observadas as páginas de certos jornais, revistas, anúncios e programas televisivos 
o que diria o autor? 
68 
 
No entanto, uma das principais razões 
que tornam Tylor famoso é a sua definição de 
cultura: 
 
“Cultura ou Civilização, tomada no seu 
sentido etnográfico mais amplo é esse todo 
complexo que inclui conhecimentos, 
crenças, arte, moral, leis, costumes ou 
qualquer outra capacidade e hábitos 
adquiridos pelo homem enquanto membro 
de uma sociedade.” (Tylor, 1977(1871), 1) 
 
De facto, a noção de cultura deixa de 
estar associada exclusivamente com um saber 
meramente livresco, relacionado a privilégios 
de educação e classe. Entendida nesta forma 
o conceito revoluciona o status da época pois 
reconhece que toda a humanidade tem 
cultura. Embora ambos os autores reclamassem o princípio da unidade 
psíquica da humanidade não deixaram de marcar as suas posições por 
atitudes etnocentristas, a principal das quais decorria da estratificação que 
operaram na humanidade contemporânea, já que era a sua sociedade, a 
ocidental, que se encontrava no topo da escala evolutiva, fruto da evolução 
e progresso. Este facto permitiu justificar os processos coloniais em curso. 
 
 
2.1.2 Difusionismo 
 
A ideia de que as culturas transmitem elementos umas às outras já 
se encontra em autores evolucionistas, nomeadamente Tylor (por exemplo 
a sua noção de adesões – denominado pelos difusionistas como complexos 
culturais) e Morgan (cujas terminologias de parentesco dependiam das 
migrações e difusão). 
No entanto, desde os finais do séc. XIX alguns autores vão 
sistematizar e enfatizar o princípio da difusão como o elemento principal 
para aferir as semelhanças e diferenças entre culturas, por oposição ao 
 
 
Edward Tylor 
(1818-1917) 
 
É considerado o fundador da 
antropologia cultural. O seu 
trabalho mais importante é 
Primitive Culture (1871). 
Desenvolveu a teoria de uma 
relação evolutiva 
progressiva do primitivo às 
culturas modernas. A sua 
definição de cultura é 
recorrentemente usada como 
edificadora no campo 
antropológico. 
 
 
69 
 
princípio de invenção que caraterizava os autores evolucionistas. Para os 
difusionistas as invenções eram relativamente raras e o processo de difusão 
e “empréstimo” era o principal responsável pelo desenvolvimento cultural. 
Até certo ponto o difusionismo foi uma reação ao evolucionismo, mas não 
rejeitou totalmente as suas ideias. 
Embora também seja conhecido como historicismo, vamos reservar 
este termo para o difusionismo desenvolvido pela Escola Americana de Franz 
Boas (analisada mais à frente), examinando neste capítulo o chamado 
difusionismo inglês e o difusionismo alemão-austríaco. 
 
 O difusionismo inglês 
 
O difusionismo inglês apresenta duas facetas: por um lado os autores 
da escola heliocêntrica, hiperdifusionista ou “de Manchester”29 e, por outro 
lado, os autores como W. H. R. Rivers (1864-1922) da Universidade de 
Cambridge. No caso dos primeiros, a noção de criatividade humana era 
rejeitada, caraterizando-se por um dogmatismo baseado na especulação. 
Pelo contrário, Rivers é um autor muito mais respeitado pelos princípios de 
estudo que introduziu e pelo facto de ter sido um formador de muitos dos 
antropólogos ingleses da escola funcionalista. 
Os principais representantes da escola heliocêntrica30 foram Grafton 
E. Smith (1871-1937) e Willian J. Perry (1887-1949). Influenciado pelas 
 
29 Não confundir com a Escola de Manchester, designação relativa ao trabalho desenvolvido já no século 
XX com o antropólogo Max Glukman. 
30 Heliocêntrico: na aceção do que tem o Sol como centro ou origem., 
70 
 
descobertas arqueológicas que na altura se 
realizavam no Egipto, Smith atribui a esta 
antiga civilização a origem da cultura, dando 
como exemplo costumes egípcios como o 
culto do sol, a mumificação, as pirâmides, 
entre outros, que teriam sido levados por 
esse povo nas suas digressões pelo mundo, 
conceção que Perry desenvolve na sua obra 
The Children of the Sun (1923). Embora o 
princípio do método histórico defendido por 
estes autores seja aceitável, a extrapolação 
de conclusões não era demonstrável e esta 
escola não se tornou frutífera, 
nomeadamente após as descobertas 
arqueológicas noutras regiões 
demonstrarem que o Egipto não podia ser o 
centro exclusivo de origem da cultura31. 
 
William Halse Rivers (1864 -1922) 
ocupa um lugar à parte no difusionismo 
inglês e o seu trabalho vai ser mais profícuo no campo da antropologia. Em 
1898-1899 ele fez parte da expedição ao Estreito de Torres32, um 
empreendimento multidisciplinar (ele era médico) coordenada por Alfred 
Haddon da Universidade de Cambridge e onde participou igualmente C.G. 
Seligman. No decurso da estadia no terreno efetuou estudos de parentesco 
(dando origem ao método genealógico – processo de estudo e indexação 
das relações de parentesco e afinidade) e a aplicação de testes psicológicos 
entre os Papuas da Nova Guiné. 
 
31 No entanto, muitas das suas ideias continuaram a ter forte influência em exploradores como Thor 
Heyerdall, que nos anos oitenta procurou demonstrar a difusão de ideias navegando em réplicas de 
barcos Sumérios e Incas. Pode ler como exemplo “A Expedição do Tigris, - Círculo de Leitores. 
32 A Expedição ao Estreito de Torres, localizado entre a Austrália e a Nova Guiné, é considerada a 
primeira grande experiência de campo da antropologia inglesa, paradoxalmente realizada em grupo 
interdisciplinar, uma prática escassa na antropologia, que se associará desde Malinowski à ideia de um/a 
antropólogo/a no terreno.	
 
 
Willian H. Rivers 
1864 - 1922 
 
“The Todas”, 1906: investigador 
eclético, Rivers escreve em 1906 
um livro que, em vários aspetos, 
antecede o desenvolvimento da 
moderna antropologia social 
inglesa. Baseado em trabalho de 
terreno, a obra é, como refere 
Hart (s.d.), um exemplo pioneiro 
de etnografia intensiva onde 
aplica o seu métodogenealógico 
e desenvolve diagramas de 
parentesco. 
Para saber mais consulte a obra: 
https://archive.org/details/toda
s01rivegoog 
 
Fonte foto: 
http://en.wikipedia.org/wiki/W._H._R._Rive
rs 
71 
 
Como refere Langham (1981) estes três autores tiveram um papel 
fundamental na mudança da antropologia inglesa do domínio evolucionista, 
constituído o “elo” que antecedeu Malinowski e Radclife-Brown. Estes 
autores propunham o estudo das culturas concretas como totalidades 
integradas, relacionando a antropologia com a psicologia e psicanálise, 
tornando-se assim um dos precursores da Escola de cultura e personalidade 
(que analisaremos mais à frente). 
 
 
 O difusionismo Alemão-Austríaco 
 
A escola difusionista alemã é também denominada histórico-cultural, 
histórica ou geográfica e alemã – austríaca pelo facto de alguns dos seus 
representantes pertencerem à “Escola de Viena”. Ao contrário da escola 
heliocêntrica, esta escola defende uma visão pluralista da origem da cultura, 
assumindo a existência de vários locais de início da evolução. Os autores 
mais conhecidos desta escola são: Friedrich Ratzel (1844-1904), Leo 
Frobernius, Willi Foy (1873-1929), Fritz Grabner (1877-1934) e Pe. Wilhelm 
Schmidt (1868-1954). 
Ratzel é considerado o fundador da antropologia geográfica 
desenvolveu o método histórico-cultural. Para o autor o desenvolvimento da 
cultura efetuava-se através das migrações e das conquistas de povos mais 
fracos por povos mais fortes e culturalmente mais avançados. O seu 
exemplo mais famoso de similaridades entre culturas são os arcos de caça 
encontrados em África e na Nova-Guiné. 
As ideias de Ratzel, nomeadamente as noções incipientes de “áreas 
culturais” vão ser desenvolvidas por Frobernius que trabalha a ideia de 
“círculos culturais”, áreas culturais que se espalham pelo globo e que se 
sobrepõem a outras anteriores. Frobernius ficou conhecido pela sua 
preocupação com a educação e a alma de uma cultura (que está na base da 
sua configuração). Um exemplo concreto das ideias do autor, um africanista, 
é a divisão que faz entre a visão do mundo Etiópica e a visão hamítica. A 
primeira é carateriza da pelo cultivo, patriliniaridade, culto aos 
72 
 
antepassados, culto da terra, etc. A segunda é carateriza da pela criação de 
gado, caça, matrilinearidade, evitamento dos mortos. 
Para Grabner a cultura humana ter-se-ia desenvolvido algures na Ásia – 
Urkultur (centro de cultura) e daí se difundido através de migrações para 
o resto do mundo. Por sua vez, Schmidt defende que a cultura moderna é o 
resultado de uma série de esquemas originais que apresentam três fases: 
 
a) primitivas ou arcaicas – representadas pelos pigmeus, esquimós e 
aborígenes australianos; 
b) primeiras – com os coletores e nómadas pastoris; 
c) secundárias – com os agricultores. 
 
A principal contribuição do difusionismo alemão-austríaco foi o debate 
em torno da noção de círculos culturais: conjunto de traços associados a 
um sentido, podendo ser isolados e identificados na história cultural, na 
insistência da historicidade do método e dos contactos culturais. Como 
refere Barnard (2004, 54) apesar do difusionismo ter perdido grande parte 
da sua popularidade a sua essência continua uma das mais atuais do mundo 
contemporâneo. Na realidade, no campo da antropologia a especialização 
regional continua a ser uma marca no domínio etnográfico e as abordagens 
regionais e de área cultural continuam vigentes (não nos referindo aqui a 
Boas e os seus discípulos que se analisaram mais à frente). 
 
 
O particularismo histórico (historicismo) 
 
O particularismo histórico é também considerado um ramo do 
difusionismo, mas assume uma individualidade decorrente, sobretudo do 
seu principal mentor: Franz Boas (1858-1942). Todavia, outros autores se 
destacaram, como Clarck Wissler (1870-1947) e Alfred L. Kroeber (1876-
1960). 
Trata-se de uma reação ao evolucionismo baseado na crítica das 
suposições históricas especulativas. Os autores defendiam que o inquérito 
73 
 
histórico devia ser limitado a uma cultura particular (ou área cultural) e que 
a história dessa cultura devia ser reconstruída com base em factos tangíveis 
(incluindo aqui os linguísticos, arqueológicos e etnográficos – esta é uma 
abordagem holística, caraterística da perspetiva de Boas, que se refletia 
igualmente no trabalho de terreno, usualmente um empreendimento de 
equipa. Esta dimensão vai perdurar na academia americana onde os 
departamentos de antropologia compreendem as várias áreas associadas. 
O particularismo considerava a difusão como uma das formas de 
compor uma cultura, que se assumia como uma entidade menos rígida do 
que nas versões evolucionistas. Cada cultura é única, devendo ser 
compreendida na perspetiva do observador com base nos dados subjetivos: 
valores, normas e emoções. 
A vida social é comandada pelo hábito e costume (e não a razão e 
utilidade de Tylor). Uma vez que cada cultura é única há uma ênfase no 
relativismo, pelo que é impossível proceder a julgamentos de valores de 
outras culturas pois eles só podem ser compreendidos no contexto cultural 
em que ocorrem. Como tal não se pode fazer generalizações, pelo menos 
enquanto não houver mais dados. Para superar esta falha aposta no 
trabalho de campo para poder reunir elementos suficientes. Esta abordagem 
do terreno era sobretudo indutiva, já que as explicações surgiriam dos 
dados recolhidos. 
Boas procurou dotar a antropologia americana de uma base sólida, 
assente no trabalho de campo, tendo feito inúmeros trabalhos junto das 
comunidades nativas. Entre os seus estudos mais conhecidos está a análise 
74 
 
do potlash entre os Kwaktiul (uma cerimónia 
que envolvia uma competição pelos status na 
qual eram destruídos cerimoniosamente bens). 
É apontado a Boas o facto de ter 
promovido a culturologia, o argumento 
segundo o qual a cultura teria uma vida 
própria, desprovido de sentido a interação 
humana, bem como de evitar as generalizações 
teóricas. 
 A herança de Boas é, sobretudo, sentida 
nos EUA onde promoveu a antropologia nos 
seus vários domínios (foi um dos primeiros a 
defender a aprendizagem das línguas por parte 
dos antropólogos) e, em particular, na 
museologia. Foi ainda, o principal professor de 
gerações de antropólogos americanos. Acresce 
ainda que Boas, um autor hoje redescoberto, 
defendeu posições claras perante a sociedade, 
nomeadamente a denúncia do nazismo. 
Outros autores desta corrente foram Wissler 
e Kroeber. O primeiro formulou o conceito de padrão de cultura: a cultura 
distribui-se por padrões resultado do agrupamento de traços e complexos 
que formam uma organização maior, de configurações distintas. Destacou 
também o facto de a cultura ser um conjunto de reflexos condicionados que 
eram apreendidos pelo indivíduo desde a sua infância. Sistematizou ainda, 
na perspetiva histórica, a noção de área de idade associada a área cultural. 
Kroeber, o primeiro aluno de Boas doutorado em Antropologia, vai 
aprofundar a temática dos traços culturais de forma a definir uma área 
cultural. 
Um interessante exemplo de difusionismo é proposto pelo 
antropólogo Ralph Linton no seu livro “The Study of Man: An Introduction” 
de 1936, tomando como ponto de partida a experiência do cidadão comum. 
 
 
 
Franz Boas 
1858 – 1942 
 
Para saber mais sobre 
este antropólogo consulte 
o artigo de Margarida 
Moura: Franz Boas A 
Antropologia Cultural e o 
seu nascimento, disponível 
aqui: 
http://www.usp.br/revist
ausp/69/12-
margarida.pdf 
 
Em inglês, o artigo de 
Herbert Lewis “ The 
passion of Franz Boas”, 
de 2001: 
http://www.anthropology
.wisc.edu/pdfs/passion_o
f_franz_boas.pdf 
 
75 
 
O cidadão norte-americano desperta num leito construído segundo 
padrão originário do Oriente Próximo, mas modificado na Europa 
Setentrional, antes de ser transmitido à América. Sai debaixo de cobertasfeitas de algodão, cuja planta se tornou doméstica na Índia; ou de linho 
ou de lã de carneiro, um e outro domesticados no Oriente Próximo; ou de 
seda, cujo emprego foi descoberto na China. Todos esses materiais foram 
fiados e tecidos por processos inventados no Oriente Próximo. Ao levantar 
da cama faz uso dos “mocassins” que foram inventados pelos índios das 
florestas do Leste dos Estados Unidos e entra no quarto de banho cujos 
aparelhos são uma mistura de invenções européias e norte-americanas, 
umas e outras recentes. Tira o pijama, que é vestiário inventado na Índia 
e lava-se com sabão que foi inventado pelos antigos gauleses, faz a barba 
que é um rito masoquístico que parece provir dos sumerianos ou do 
antigo Egito. 
Voltando ao quarto, o cidadão toma as roupas que estão sobre uma 
cadeira do tipo europeu meridional e veste-se. As peças de seu vestuário 
têm a forma das vestes de pele originais dos nômades das estepes 
asiáticas; seus sapatos são feitos de peles curtidas por um processo 
inventado no antigo Egito e cortadas segundo um padrão proveniente das 
civilizações clássicas do Mediterrâneo; a tira de pano de cores vivas que 
amarra ao pescoço é sobrevivência dos xales usados aos ombros pelos 
croatas do séc. XVII. Antes de ir tomar o seu breakfast, ele olha ele olha 
a rua através da vidraça feita de vidro inventado no Egito; e, se estiver 
chovendo, calça galochas de borracha descoberta pelos índios da América 
Central e toma um guarda-chuva inventado no sudoeste da Ásia. Seu 
chapéu é feito de feltro, material inventado nas estepes asiáticas. 
De caminho para o breakfast, pára para comprar um jornal, 
pagando-o com moedas, invenção da Líbia antiga. No restaurante, toda 
uma série de elementos tomados de empréstimo o espera. O prato é feito 
de uma espécie de cerâmica inventada na China. A faca é de aço, liga 
feita pela primeira vez na Índia do Sul; o garfo é inventado na Itália 
medieval; a colher vem de um original romano. Começa o seu breakfast, 
com uma laranja vinda do Mediterrâneo Oriental, melão da Pérsia, ou 
talvez uma fatia de melancia africana. Toma café, planta abssínia, com 
nata e açúcar. A domesticação do gado bovino e a idéia de aproveitar o 
seu leite são originárias do Oriente Próximo, ao passo que o açúcar foi 
feito pela primeira vez na Índia. Depois das frutas e do café vêm waffles, 
os quais são bolinhos fabricados segundo uma técnica escandinava, 
empregando como matéria prima o trigo, que se tornou planta doméstica 
na Ásia Menor. Rega-se com xarope de maple inventado pelos índios das 
florestas do leste dos Estados Unidos. Como prato adicional talvez coma 
o ovo de alguma espécie de ave domesticada na Indochina ou delgadas 
76 
 
fatias de carne de um animal domesticado na Ásia Oriental, salgada e 
defumada por um processo desenvolvido no norte da Europa. 
Acabando de comer, nosso amigo se recosta para fumar, hábito 
implantado pelos índios americanos e que consome uma planta originária 
do Brasil; fuma cachimbo, que procede dos índios da Virgínia, ou cigarro, 
proveniente do México. Se for fumante valente, pode ser que fume 
mesmo um charuto, transmitido à América do Norte pelas Antilhas, por 
intermédio da Espanha. Enquanto fuma, lê notícias do dia, impressas em 
caracteres inventados pelos antigos semitas, em material inventado na 
China e por um processo inventado na Alemanha. Ao inteirar-se das 
narrativas dos problemas estrangeiros, se for bom cidadão conservador, 
agradecerá a uma divindade hebraica, numa língua indo-européia, o fato 
de ser cem por cento americano33. 
 
Podemos efetuar um exercício similar no momento presente, com base 
na nossa experiência de vida? 
 
 
 Configuracionismo: a relação entre cultura e a personalidade 
 
Esta escola de pensamento também ficou conhecida como 
culturalismo americano. Trata-se de uma orientação teórica que emerge 
da insatisfação de vários dos discípulos de Boas com o particularismo 
histórico. A sua caraterística principal reside no facto de, dando continuidade 
à abordagem holística de culturas particulares, destacar a integração e 
singularidade do todo tendo por base a relação psicológica da cultura com a 
personalidade dos membros dessa cultura. 
A este desenvolvimento não é alheia a influência das ideias da 
psicanálise e psicologia, nomeadamente Sigmund Freud (1856 – 1939) - 
que defende que certos processos psicológicos eram respostas inatas e 
universais. Freud era fascinado pela história e antropologia e entre as suas 
obras contam-se: Totem and Taboo – Some Points of Agreement Between 
the Mental Lives of Savages and Neurotics (1913). As suas ideias eram 
evolucionistas, nomeadamente a noção de que os adultos nas sociedades 
 
33 Citado em Laraia, Roque. 2003. Cultura: um conceito antropológico. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 
2003, p.106-108 
77 
 
primitivas eram iguais às crianças nas sociedades desenvolvidas. Todavia, 
foi a sua ênfase na relação entre as ideias culturais e símbolos – que 
refletem impulsos inconscientes – que teve grande recetividade entre os 
antropólogos. Malinowski foi um dos primeiros a refutar a universalidade de 
determinados processos, nomeadamente a ideia de que o complexo de 
Édipo era universal. Como ele procurou demonstrar, nas Trobrienders, de 
matriz matrilinear, a tensão existente era com o irmão da mãe, o tio 
materno, e não o pai, ou seja, a tensão existe com quem exerce a autoridade 
(o pai é nestas ilhas, matrilineares, o companheiro de brincadeiras, sendo a 
autoridade exercida pelo tio materno). 
Em antropologia esta corrente vai examinar como os seres humanos 
adquirem a cultura e como esta se relaciona com a personalidade individual. 
Entre os autores mais importantes desta corrente contam-se Ruth Benedict 
(1887-1948), Margaret Mead (1901-1978), Edward Sapir (1884-1939), 
Abram Kardiner (1891 – 1981) e Cora Du Bois (1903 – 1991). Há duas 
abordagens gerais desta escola (McGee e Warms, 2004, 217): a relação 
entre a cultura e a natureza humana e a relação entre a cultura e a 
personalidade individual. A primeira abordagem é representada pelo 
trabalho de Margaret Mead Sex and Temperament in Three Primitive 
Societies (1935), enquanto a segunda abordagem é característica da obra 
de Ruth Benedict. 
Ruth Benedict, na esteira relativista, considerava que não havia 
culturas superiores ou inferiores, mas apenas diferentes estilos de vida 
determinados culturalmente. A principal obra da 
autora é Padrões de Cultura (1934), na qual 
defende que cada cultura tem um padrão único, 
denominada configuração cultural, que 
determina as caraterísticas fundamentais da 
personalidade dos seus membros, processo que 
ocorre através da enculturação. Esta tese era 
exemplificada por três sociedades: os zuñi, os 
dobu e os kwakiutl. Para os descrever a autora 
utiliza a distinção elaborada por Friedrich Nietzsche, o filósofo e crítico 
Enculturação: processo 
de condicionamento 
consciente ou 
inconsciente pelo qual 
um indivíduo assimila, 
ao longo da sua via as 
tradições (normas de 
comportamento) do seu 
grupo e age em função 
delas. 
In Panoff e Perrin 
(1999, 63) 
78 
 
literário, para descrever a tragédia grega: apolíneo e dionisíaco (o primeiro 
assenta no equilíbrio, ordem e harmonia, enquanto o segundo é emoção, 
paixão e excesso). A estes princípios a autora acrescenta o paranóico. 
Assim, os zuñi eram identificados como apolíneos, a sua vida é ordenada, 
tudo é feito de forma precisa e não entram em transe. Ao contrário, os 
kwakiutl são dionisíacos, a violência e o transe são caraterísticos. 
Finalmente, os dobu são considerados paranóicos sendo as suas 
caraterísticas a hostilidade e a traição. O que a autora pretende demonstrar 
é que estas caraterísticas são consideradas como comportamentos normais 
em cada uma das culturas. 
Durante a 2ª Grande Guerra Mundial a Ruth 
Benedict escreve aquele que se torna o maisconhecido dos estudos de carácter nacional: O 
Crisântemo e a Espada (1946), um estudo sobre os 
japoneses, elaborado para o exército americano 
com o objetivo de conhecer o inimigo. Impedida de 
fazer trabalho de campo a autora recorre a 
bibliografia e aos japoneses aprisionados nos EUA 
para obter os seus dados. Numa abordagem neo-
freudiana, relacionando práticas infantis com tipos 
de personalidades adultas, a autora advoga que a 
preocupação com a obediência e a ordem advêm da 
forma como os japoneses são ensinados a lidar com 
os seus dejetos. Este não é o único estudo realizado 
no âmbito do carácter nacional, outra obra, menos 
conhecida é a de Gorer e Rickman The People of 
Great Russia: A Psychological Study (1949). Nela os 
autores advogam que o caráter nacional russo, 
supostamente o tipo de personalidade maníaco-
depressiva, se deve às práticas de enfaixar os bebés. Apesar da 
popularidade que a obra de Benedict alcançou os estudos de carácter 
nacional foram muito criticados e abandonados (embora as representações 
sociais sobre esta matéria persistam). 
Para saber mais 
sobre: 
 
 
 
Ruth Benedict 
1887-1948 
 
http://www.america
nethnography.com/
article.php?id=7#.U
xYZ4vl_tK0 
 
 
Margaret Mead 
1901-1978) 
http://www.youtube
.com/watch?v=2p1
13_9OQMw 
 
 
79 
 
 
Margaret Mead, aluna de Ruth Benedict, vai trabalhar o tema da 
influência da cultura na personalidade e no desenvolvimento social humano. 
As suas obras mais conhecidas são Coming of Age in Samoa (1928), 
Growing Up in New Guinea (1930) e Sex and Temperament in Three 
Primitive Societies (1935). Mead tentou separar os fatores biológicos e 
culturais que controlam o desenvolvimento e comportamento humano, 
procurando, de forma comparativa, analisar as práticas nos EUA. Em 
Coming of Age in Samoa, confrontou as ideias prevalecentes sobre os 
adolescentes, nomeadamente sobre a liberdade sexual que caraterizaria as 
relações entre jovens antes do casamento, sem stress emocional, pelo que 
não haveria rebeldia adolescente, resultando que esta não seria devido a 
fatores biológicos da puberdade. No entanto, como refere Barnard (2000, 
105) embora as suas ideias e generalizações, tenham sido objeto de críticas 
severas, a sua principal influência resultou na análise da própria cultura dos 
EUA e o seu trabalho marca o início da antropologia psicológica 
contemporânea. 
Outra abordagem resultou do trabalho de Abram Kardiner (1891-
1981), um psicanalista, em colaboração com os antropólogos Cora DuBois 
(1903-1991), Edward Sapir (1884-1939) e Ralph Linton (1893-1953). 
Kardiner, segundo Hoebel e Frost (2002, 68-69) procura estabelecer duas 
coisas: a identificação da estrutura básica da personalidade e o processo de 
formação como uma reação aos costumes de cuidar de crianças e, em 
segundo lugar o efeito posterior dos padrões básicos de personalidade em 
certas estruturas institucionais da sociedade. Kardiner propôs a ideia de 
estrutura de personalidade básica, um conjunto de traços fundamentais 
da personalidade partilhados pelos membros normais de uma sociedade. 
No seu trabalho conjunto com o antropólogo Ralph Linton – The 
Individual and his society [1939] defenderam a ideia de que ainda que a 
cultura e a personalidade fossem similarmente integradas, existiam relações 
causais entre ambas. Distinguiram assim entre as instituições primárias, a 
estrutura básica da personalidade e as instituições derivadas ou 
secundárias. As instituições primárias são as técnicas culturalmente 
80 
 
determinadas de cuidar das crianças e que criam atitudes básicas para com 
os pais e que perduram durante toda a vida do indivíduo. A estrutura básica 
da personalidade é o grupo de “constelações nucleares” de atitudes e 
comportamentos formados por padrões estandardizados numa determinada 
cultura. Para os autores, por meio dos mecanismos de projeção as 
constelações refletem-se no desenvolvimento de outras instituições, como 
a religião, o governo e a mitologia e ritual. 
De modo a ter em conta algumas das críticas à existência de uma 
estrutura de personalidade básica, comum a todos, Cora DuBois propôs o 
conceito de personalidade modal, o tipo de personalidade que era 
estatisticamente mais comum na sociedade. Assim, numa sociedade, haverá 
lugar à formação de um conjunto de caraterísticas básicas advindas das 
instituições primárias, mas também a existência de variação individual na 
forma como essas personalidades se expressam. O seu trabalho de campo 
foi junto dos alorenses, naturais da ilha de Alor, de que resultou o seu livro 
“The people of Alor”, de 194434. Horticultores de floresta tropical, os homens 
estão muitas vezes ausentes em viagens de trocas comerciais. Segundo o 
autor a criança alorense embora desejada é negligenciada, mas não é 
rejeitada. É meramente descurada pela mãe que trabalha no campo e por 
um pai muitas vezes ausente. Há pouco contacto físico com a criança que 
fica ao cuidado de outros membros da família e não há o alívio de tensões 
ou carícias, nem aquando da alimentação da criança. A criança é tímida e 
reservada, mas dada a enfurecimentos e insultos. Roubam e pilham com 
naturalidade e desafiam os pais abandonando a casa e indo viver com 
parentes. Segundo o autor não há solidariedade emocional na família, o 
desenvolvimento do ego e a consciência social do adulto são muito fracos. 
As relações dos homens com as mulheres são uma projeção das suas 
infâncias, assim como as instituições bélicas e religiosas: desorganizadas, 
irregulares e vingativas as primeiras, relutantes face às segundas - culto 
dos antepassados irascíveis e vingativos para com os seus descendentes a 
quem exigem comida. 
 
 
34 A obra pode ser consultada em: https://archive.org/details/peopleofalor031909mbp 
81 
 
A escola sociológica – uma intrusão para falar da irmã da 
antropologia 
 
 
No final do século XIX não havia uma distinção clara entre a 
antropologia e a sociologia. Deste modo alguns autores deste período são 
considerados como “pais” de ambas as disciplinas e as suas ideias 
fortificaram tanto uma como outra. Entre estes autores destacam-se Émile 
Durkheim (1858-1917), Marcel Mauss (1872-1950) e Max Weber (1864-
1920). 
 
Durkheim é um autor fundamental na 
formulação de conceitos básicos da sociologia e 
da antropologia (no caso da França ele é 
considerado o seu fundador). A sua abordagem 
do estudo da sociedade é precursora da 
abordagem funcionalista, analisando o contributo 
das instituições sociais e crenças para a coesão 
social (um aspeto determinante para Bronislaw 
Malinowski e A. R. Radcliffe-Brown). No entanto, 
muitas das suas ideias são também 
antecipadoras das preocupações de 
estruturalistas (Leinden e França), da etnociência 
e da antropologia cognitiva. 
Positivista, considerava que a sociedade 
humana segue leis, tais como as leis da natureza 
e da física, e que através do estudo empírico 
essas leis poderiam ser descobertas. Um dos 
seus principais interesses foi a solidariedade 
social: compreender o que mantinha coesas as 
sociedades. A sua conclusão foi que esta era o 
resultado de uma força advinda primariamente da participação em comum 
num sistema de crenças e valores, que moldava e controlava o 
comportamento individual, que denominou consciência coletiva. A partilha 
Para aprofundar as 
principais obras de 
Durkheim e Mauss 
consulte: 
 
 
 
Émile Durkheim 
1858-1917 
 
http://classiques.uqac.ca
/classiques/Durkheim_e
mile/durkheim.html 
 
 
 
Marcel Mauss 
1872-1950 
 
http://classiques.uqac.ca
/classiques/mauss_marc
el/mauss_marcel.html 
82 
 
da consciência coletiva, os seus valores e crenças (designadas 
representações coletivas), dava significado à vida. 
Para Durkheim a consciência coletiva era uma entidade psicológica, 
com uma existência superorgânica, pois embora estivesse presenteem cada 
membro da sociedade, ultrapassava a sua existência individual, e não podia 
ser explicada pelo seu comportamento pessoal. Assim, para estudar a vida 
em sociedade deviam-se estudar os factos sociais, as regras sociais e de 
comportamento que existem antes do individuo entrar na sociedade e que 
permanecem após a sua morte. 
Entre os seus principais trabalhos incluem-se A Divisão do trabalho 
social (1893) e As Formas Elementares da Vida Religiosa (1912)35. Na 
primeira obra desenvolve os conceitos de solidariedade mecânica, 
caraterística que considera própria das sociedades primitivas, e 
solidariedade orgânica, exclusiva das sociedades industriais. Para Durkheim, 
nas sociedades primitivas a consciência coletiva envolve totalmente o 
indivíduo, pelo que não há diferenciação interna entre este e a sociedade. O 
parentesco é o laço essencial entre as pessoas. Por seu turno, as sociedades 
industriais caraterizam-se pela separação parcial da consciência coletiva da 
consciência individual, ocorrendo uma especialização ocupacional. Os laços 
entre os membros destas sociedades são, sobretudo, económicos, 
ocupacionais e cooperativos. Durkheim acreditava que as sociedades 
evoluíam da solidariedade mecânica para a solidariedade orgânica, um 
processo que conduzia a uma maior diferenciação social e especialização, o 
que aumentaria a coesão social. Na sua obra As Formas Elementares da 
Vida Religiosa (1912) o autor desenvolve as suas ideias relativas à forma 
como as pessoas compreendem o mundo através de sistemas de 
classificação criados socialmente. Para Durkheim, a natureza destes 
sistemas de classificação era, essencialmente, dualística, como procurou 
demonstrar com a ideia de que há uma separação entre as esferas 
“sagradas” e profanas”36. 
 
35 Tradução portuguesa: Durkheim, Émile (2002) As Formas Elementares da Vida Religiosa: O Sistema 
Totémico na Austrália, Oeiras, Celta. 
36 A crítica de Mary Douglas 
83 
 
Na esteira de Durkheim, Marcel Mauss37, desenvolve uma obra que é, 
simultaneamente, sociológica e antropológica. O seu trabalho mais 
conhecido é o Ensaio sobre a Dádiva: Forma e Razão da Troca nas 
Sociedades Arcaicas 1925)38. Neste trabalho Mauss, utilizando um vasto 
conjunto de fontes antigas e contemporâneas (nomeadamente os trabalhos 
de Boas sobre os Kwakiutl e de Malinowski sobre os Trobriandeses), e 
desenvolve a ideia de que a troca de presentes nas sociedades primitivas é 
muitas vezes parte fundamental das obrigações políticas e sociais, refletindo 
ou expressando a estrutura social da sociedade em causa. A estes factos 
sociais, simultaneamente múltiplos de sentidos, designou factos sociais 
totais. Nunca tendo efetuado trabalho de terreno é, no entanto, o autor em 
1926 de um manual de etnografia.39 
 
A influência de Max Weber na antropologia da sua época é mais 
restrita quando comparada com as dos autores referidos. No entanto, a 
presença das suas ideias tem-se afirmado na atualidade. Ao contrário de 
Durkheim, Weber estava tão preocupado com a ação social dos indivíduos 
como os grupos sociais. Para ele, a última base da ação social reside no 
comportamento individual perante os outros. Este comportamento é 
passível de ser avaliado como sendo uma ação racional ou não. A sua 
perspetiva do papel do indivíduo na sociedade é demonstrada na sua obra 
The Sociology of Religion (1920) e no relevo dado ao carisma. 
Weber foi influenciado por Marx mas distanciava-se deste em aspetos 
essenciais. A classe social estava relacionada com a posse e controle dos 
meios de produção, mas, acreditava que as classes por si próprias não 
podiam agir como tal e que o estatuto e honra podiam cruzar as linhas de 
classe. De igual forma, Weber dá, ao contrário de Marx, uma maior ênfase 
ao papel desempenhado pela ação individual e a ideologia. Um dos principais 
trabalhos de Weber é The Protestant Ethic and the Spirit of Capitalism 
(1930). Nesta obra, Weber analisa o desenvolvimento do capitalismo, mas, 
 
37 Marcel Mauss é sobrinho de Durkheim e trabalhou com ele. 
38 Tradução portuguesa: Mauss, Marcel (2001) Ensaio Sobre a Dávida, Lisboa, Edições 70 
39 http://classiques.uqac.ca/classiques/mauss_marcel/manuel_ethnographie/manuel_ethnographie.html 
84 
 
ao invés de Marx, ele considerou as causas materiais como insuficientes 
para explicar o seu desenvolvimento. Assim, a par deste desenvolvimento 
material ele propõe como explicação o desenvolvimento paralelo do 
Calvinismo e da sua moral de responsabilização e autodisciplina, essenciais 
para assegurar a salvação pessoal e que em conjunto com as mudanças 
ocorridas nas relações de produção potenciaram o desenvolvimento da 
burguesia capitalista. 
Weber é um precursor do pós-modernismo. A sua noção de 
versthehen (compreensão) a identificação com o observado de modo a 
compreender melhor os seus motivos e o significado das suas ações é 
fundamental na antropologia simbólica, nomeadamente em Clifford Geertz 
e Renato Rosaldo. 
 
85 
 
2.1.4 Funcionalismo (estruturo-funcionalismo) 
 
Nos finais do século XIX a antropologia na Inglaterra desenvolve-se 
com a expedição ao Estreito de Torres40, liderada por Alfred Haddon (1855-
1940) e constituída por uma equipa pluridisciplinar que incluiu William 
Rivers (1864 – 1940) e Charles Seligman (1973 – 1940) entre outros. O seu 
objetivo principal consistiu em estudar as caraterísticas materiais, sociais, 
psicológicas e fisiológicas dos povos mais do que em determinar o curso da 
sua evolução social, preocupação característica dos evolucionistas. Esta 
viragem metodológica enfatiza a importância do trabalho de campo, a que 
se junta, por parte dos seus discípulos o enquadramento teórico decorrente 
da influência de Herbert Spencer e da sua analogia orgânica. Os 
funcionalistas tentavam descrever as instituições que existiam na 
sociedade, explicar a sua função social e demonstrar a sua contribuição para 
a estabilidade da sociedade. 
O funcionalismo em antropologia é associado a duas escolas de 
pensamento, tutelada cada uma por um autor de renome na antropologia: 
o funcionalismo psicológico de Bronislaw Malinowski (1884 – 1942) e o 
funcionalismo estrutural de Alfred R. Radcliffe-Brown (1881 – 1955). Para 
os funcionalistas psicológicos as instituições culturais funcionam de forma a 
responder às necessidades físicas e psicológicas básicas das pessoas em 
sociedade. Para os funcionalistas estruturais o propósito era compreender 
como as instituições mantinham o equilíbrio e coesão da sociedade 
(influência de Durkheim). A Escola de Manchester, associada com Max 
Glukman (1911 – 1975), descende da sua influência. 
O funcionalismo psicológico enfatizava o facto de as instituições 
culturais terem por função resolver as necessidades físicas e psicológicas 
das pessoas em sociedade. Por seu turno, o estruturo funcionalismo, 
influenciado por Durkheim, procura compreender como as instituições 
mantêm o equilíbrio e a coesão da sociedade. Enquanto a primeira escola 
atribui uma ênfase ao individuo, a segunda está mais interessada no estudo 
 
40 O Estreito de Torres localiza-se no sudeste asiático, entre a Austrália e a Nova Guiné. 
86 
 
das estruturas que são subjacentes a qualquer sociedade e em descobrir as 
leis sociais resultantes do estudo comparativo de várias sociedades. 
No plano teórico outra característica do funcionalismo era o seu 
limitado interesse pela história, ao contrário da antropologia Boasiana que 
se fazia nos EUA na altura. Para os antropólogos ingleses a reconstrução da 
história em sociedades sem tradição escrita era especulativa e o que 
interessava era analisar a sociedade como ela se apresentava no momento 
do estudo (caraterizando-se os seus trabalhos por uma “intemporalidade” 
dos dados).A tensão entre as duas escolas de pensamento era similar à tensão 
existente entre as duas figuras que as criaram. No entanto, lentamente, a 
versão estruturo funcionalista ganhou ascensão no plano teórico, fenómeno 
percetível pelo facto de muitos alunos de Malinowski terem aderido à escola 
de Radcliffe-Brown, insatisfeitos com a 
resposta teórica da abordagem. A 
preocupação com a coesão e equilíbrio 
vai ser a principal modelo desta escola 
e também uma das suas principais 
críticas. A manutenção da ordem social 
e a regular vida da sociedade estava de 
acordo com as preocupações das 
autoridades coloniais em que muitos 
destes antropólogos estiveram 
envolvidos, com a exceção de Max 
Glukman. 
Bronislaw Malinowski marcou 
decididamente a antropologia ao 
sustentar a estadia prolongada no 
terreno – observação participante - 
como uma das suas marcas distintivas, 
resultado na elaboração de uma 
monografia, de que a sua Argonauts of 
O circuito kula 
 
 
Malinowski (1966, 131) 
 
O kula é um sistema de troca “inter-
tribal” entre as comunidades de um 
conjunto de ilhas, constituindo um 
circuito fechado. Dois tipos de bens 
são trocados, movendo-se em 
direções opostas: na direção dos 
ponteiros do relógio as soulava, 
pulseiras de conchas vermelhas. No 
sentido oposto, as mwali, braceletes 
de conchas brancas. Esta troca era 
feita entre parceiros que estavam 
obrigados a retribuir, usualmente 
de forma diferida no tempo, os 
bens descritos. Este processo 
poderia levar anos até que os bens 
efetuassem o circuito completo. 
87 
 
the Western Pacific (1922)41 é o paradigma. A obra inicia-se com a definição 
do sujeito, método e objetivos, bem como a geografia da zona. Parte de 
seguida para a problemática da troca Kula sobre a qual vai analisar em 
detalhe todos os aspetos relacionados com a sua prática, tanto material 
como imaterial. A sua conclusão, mais do que teórica, é sobretudo um apelo 
à tolerância face a costumes estranhos42. 
Um dos contributos mais relevantes de Malinowski foi a sua análise 
das relações entre o pai e filho. De acordo com a teoria psicológica freudiana 
ela seria conflituosa. Mas, Malinowski demonstra que, numa sociedade 
matrilinear esta tensão existia entre o tio, irmão da mãe, e não em relação 
ao pai biológico, o que vai por em causa a 
universalidade da teoria freudiana. 
 No plano teórico as propostas de Malinowski, 
sistematizadas sobretudo na sua Teoria Científica da 
Cultura (1944), foram consideradas na altura 
limitadas, nomeadamente face ao seu principal 
“rival” académico, Radcliffe Brown. Nesta obra, em 
que analisa o papel instrumental da cultura na 
satisfação das necessidades humanas, a teoria das 
necessidades. Existem para o autor três tipos de 
necessidades: as básicas, as derivadas e as 
integrativas. O conjunto básico deriva de impulsos 
biológicos e psicológicos: metabolismo, reprodução, 
conforto corporal, segurança, movimento, 
crescimento e saúde. As necessidades derivadas são 
sobretudo associadas à natureza cultural do Homem: 
abastecimento, parentesco, abrigo, proteção, higiene 
e exercício. Por fim, as necessidades integrativas 
 
41 A obra pode ser consultada em: https://archive.org/details/argonautsofweste00mali 
42 A obra de Malinowski vai ser objeto de uma revisão. A própria faceta aberta e tolerante é posta em 
causa anos mais tarde quando o seu diário pessoal é publicado após a sua morte. A edição em Português 
está disponível em: Malinowski, Bronislaw (1997 [1967]) Um diário no sentido estrito do termo, Rio de 
Janeiro-São Paulo, Editora Record. 
Para saber mais: 
 
 
 
Bronislaw Malinowski 
(1884 – 1942) 
 
http://www.aaanet.or
g/committees/commiss
ions/centennial/histor
y/095malobit.pdf 
 
 
 
Alfred R. Radcliffe-
Brown (1881 – 1955) 
 
http://www.aaanet.or
g/committees/commiss
ions/centennial/histor
y/096rb.pdf 
88 
 
revelam a dimensão simbólica das relações existentes: a tradição, os 
valores, a religião, a linguagem e o conhecimento. 
Alfred Radcliffe-Brown disputou com Malinowski a primazia sobre 
a antropologia inglesa. E, em vida, a sua posição parece ter sido ascendente. 
Indutivista acreditava que a antropologia poderia descobrir, através da 
comparação, as “leis naturais da sociedade”. Empirista, opunha-se a 
especulações sobre as origens e defendia que os antropólogos deviam 
estudar aquilo que encontraram (não afasta a ideia de História destas 
sociedades, de tradição predominantemente oral, mas prefere mapear o que 
lhe é percetível). 
O primeiro trabalho de Radcliffe-Brown é sobre os habitantes das ilhas 
Andaman The Andaman Islanders (1922). Aqui surge a sua preocupação 
centrada na sociedade e não no indivíduo, exemplificada pelo estudo da 
função social dos rituais e não a sua função para o indivíduo particular. Para 
o autor a preocupação sincrónica era sinónimo de preocupação sociológica 
e esse era o seu propósito: analisar a forma como as instituições funcionam 
no sistema social e não como mudaram ao longo do tempo. Para demonstrar 
a relação entre função e estrutura dá o exemplo da concha: cada concha 
tem a sua estrutura, mas a estrutura de uma é similar à de outra, 
partilhando assim aquilo a que chama “forma estrutural”. Na sua perspetiva 
a estrutura social corresponde à observação concreta e a forma estrutural é 
a generalização a que o antropólogo chega após analisar as suas inferências. 
A comparação de formas estruturais entre sociedades permitirá alcançar leis 
gerais. 
Como refere Barnard (2004) há duas críticas fundamentais: a 
confusão entre termos e sobre o caminho para alcançar as generalizações. 
No primeiro caso o emprego de estrutura social para designar aquilo a que 
outros antropólogos, contemporâneos e posteriores, chamam dados do 
terreno, e denominar forma estrutural para aquilo que se denomina 
estrutura social. Relativamente às generalizações universais, esta não são 
possíveis de se alcançar a partir da soma das observações efetuadas, mas 
sim a partir de premissas lógicas – que vão ser a base da abordagem 
estruturalista de Lévi-Strauss. 
89 
 
Comparado com outros autores Radcliffe-Brown escreveu 
relativamente pouco, no entanto o seu percurso como professor foi vasto, 
ensinando na Austrália, na Africa do Sul, em Inglaterra, nos EUA, etc. Os 
seus temas de estudo prediletos centraram-se nas questões de parentesco, 
politica e religião, nomeadamente o totemismo. O seu maior contributo é a 
teoria da descendência43 (que entrará em polémica com a teoria da aliança 
defendida por Lévi-Strauss analisada mais à frente) segundo a qual os 
grupos de descendência patrilinear ou matrilinear formam a base de muitas 
sociedades, sobretudo em África (continente em que muitos seus dos 
discípulos vão realizar trabalho de campo com bolsas de estudo disputadas 
pelo tutor com Malinoswki, e que vão servir como base parta a promoção 
da ligação da antropologia com a administração colonial)44. 
O funcionalismo não se limitou à antropologia. Nos anos 50 dois 
sociólogos americanos desenvolveram análises no seu âmbito procurando 
superar as suas limitações: Robert Merton (1910-2003) e Talcon Parsons 
(1902-1980). Para Rivière (2014) Merton adopta um funcionalismo 
relativizado face a Malinowski, nomeadamente à sua ênfase na unidade 
funcional da sociedade, a noção de funcionalismo universal e o da 
necessidade. Para superar estas deficiências concebe três princípios 
fundamentais: 
 
1) conceito de equivalente ou de substituto funcional: um só elemento 
pode ter várias funções e uma única função pode ser realizada por 
elementos intercambiáveis. Cada necessidade apela para várias respostas 
(…) e cada resposta corresponde a várias necessidades; 2) conceito de 
dis-função [sic], que incomoda a adaptação ou o ajustamento ao sistema 
(…); 3) conceito de função latente não desejada pelos participantes, adistinguir da função manifesta ou intencional. Num rito de cura, por 
exemplo, a finalidade explícita não é alcançada, mas outros efeitos, tais 
como o conforto psicológico e a coesão social, procedem certamente das 
intenções subjacentes ao rito. (Rivière, 2014, 53) 
 
43 O texto fundamental desta teoria encontra-se na Introdução da obra: Radcliffe-Brown, A. R. e Forde, 
Daryll (1982 [1950] Sistemas Políticos Africanos de Parentesco e Casamento, Lisboa, Fundação Calouste 
Gulbenkian. 
44 As peripécias desta disputa entre os autores maiores da antropologia inglesa e a sua competição e 
interesse em implicar a antropologia na administração colonial inglesa são abordados na obra de Kuper 
(1993). 
90 
 
 
Parsons aproxima-se muito mais de Radcliffe-Brown, embora a sua 
perspetiva tenha sido mais usada por sociólogos que por antropólogos. 
Rivière evoca criticamente a sua “visão sistemática, conservadora e 
contestada”, resumindo os quatro imperativos (pré-requisitos funcionais) 
que as funções devem satisfazer em todo o sistema social: “1) manutenção 
dos modelos de controlo, que asseguram estabilidade cultural e reprodutiva 
dos valores; 2) integração interna das unidades constitutivas do sistema 
social; 3) realização dos fins coletivos; 4) adaptação às condições do 
ambiente.” (2000, 56). 
Apesar de o estruturo-funcionalismo ter perdido grande força após a II 
Grande Guerra, a sua influência contínua e como referem McGee e Warms 
“a maioria dos antropólogos é provavelmente mais funcionalista de que 
geralmente admite.” (2004, 156). Na verdade, a insistência nas relações 
que se observam no terreno continua a ser relevante. 
91 
 
2.1.5 Estruturalismo 
 
O estruturalismo, enquanto campo de teorização antropológico, é 
associado sobretudo a Claude Lévi-Strauss (1908 - 2009). No entanto, esta 
imagem, na perspetiva temporal não é correta. O estruturo-funcionalismo 
de Radcliffe-Brown, herdeiro da escola sociológica francesa e Durkheim em 
particular, é concomitante, embora a sua abordagem seja diferente. 
Todavia, também há outra abordagem estruturalista que antecede a obra 
do autor francês: o estruturalismo holandês45 também conhecido como a 
Escola de Leiden. A particularidade desta abordagem reside no facto de 
estes estudos comparativos se realizarem num denominado campo de 
estudo etnológico, com um conjunto de caraterísticas referidas como núcleo 
estrutural. O campo de estudo central desta escola são as Índias Ocidentais 
Holandesas, atualmente a Indonésia (incluindo a Ilha de Timor), e o núcleo 
cultural incluía o sistema de casamento. A principal obra desta escola, é 
Types of social structure in Eastern Indonesia, de Van Wouden, publicada 
em 1935, mas somente traduzida para inglês em 1968. Este facto explica a 
ignorância de Lévi-Strauss deste estudo que desenvolve ideias que o autor 
apresenta em 1949 na sua obra maior As estruturas do Parentesco. Não 
deixa de ser interessante este facto pois quer os autores da Escola de 
Leiden, quer Lévi-Strauss, tem como referência Émile Durkheim e Marcel 
Mauss. 
Barnard (2004, 120) define o estruturalismo como “as perspetivas 
teóricas que dão primazia ao padrão sobre a substância”. Para Lévi-Strauss, 
o importante não era estudar a forma com as pessoas categorizavam o seu 
mundo, mas os padrões de pensamento subjacentes que produziam essas 
categorias. Embora seja influenciado por Freud, ele não acredita que a 
estrutura psicológica determine a cultura. Para o autor os processos lógicos 
subjacentes que estruturam todo o pensamento humano operam em 
diferentes contextos culturais, assim, os fenómenos não são idênticos, mas 
são o produto de padrões universais de pensamento inconsciente. 
 
45 Entre as obras de referência consultadas somente Barnard (2004) faz alusão a este facto. 
92 
 
O principal campo de inspiração para Lévi-Strauss foi a linguística, 
nomeadamente Saussure e a escola de Praga da linguística estrutural, com 
Jakobson e Troubetzkoy. A linguística operou uma transformação que ele 
valorizou: deixou de se preocupar unicamente com as origens da língua e 
passou a preocupar-se com a forma como funcionava assente no contraste 
entre sons ou fonemas. A linguística advogava que todas as línguas eram 
compostas por fonemas, que por si só não têm significado. É somente 
quando são combinados em unidades maiores, morfemas, palavras, frases, 
etc., de acordo como certos padrões (regras de sintaxe e gramática) é que 
eles se tornam significativos: o discurso. A maioria dos falantes de uma 
língua, apesar de a falarem, não sabem identificar as regras que subjazem 
à elaboração do discurso. Assim, a um nível subconsciente todos devemos 
saber quais estas regras são, sendo o objetivo da linguística descobrir estes 
princípios inconscientes. 
Com base nas ideias da linguística, Lévi-
Strauss procurou desenvolver um meio de estudar 
os princípios inconscientes que estruturam, 
segundo ele, a cultura humana. Esta, como a 
linguagem, é composta por uma coleção arbitrária 
de símbolos (os fonemas da linguística) que não lhe 
interessam individualmente mas sim o padrão de 
elementos, a forma como os elementos culturais se 
relacionam (comunicam) para formar o sistema - 
um dos principais contributos da escola de Praga 
foi o contraste entre as oposições binárias dos 
fonemas, ideia que Lévi-Strauss vai aplicar no 
estudo da cultura, propondo que o padrão de 
pensamento humano também usa contrastes 
binários como branco e preto, dia e noite e quente e frio (um 
desenvolvimento da ideia de Durkheim sobre o sagrado-profano, ou de 
Para saber mais: 
 
 
 
Claude Lévi-Strauss 
1908 – 2009 
 
Uma entrevista sobre 
o antropólogo que 
odiava viajar… 
 
http://www.uc.pt/en/
cia/publica/AP_artig
os/AP24.25.01_Leme.
pdf 
93 
 
Hobert Hertz`s (1880-1915) sobre a oposição entre a mão esquerda e 
esquerda46). 
Um resumo das ideias de Lévi-Strauss, numa obra vasta e prolífica, 
de certeza que deixam de parte grande número de elementos.47 Os 
fundamentos das ideias de Lévi-Strauss articulam três áreas: uma exegese 
do empirismo, a valorização do estruturalismo como modelo e o primado do 
intelecto. A rejeição do empirismo funda-se na rejeição da possibilidade de 
conhecer através da observação de uma sociedade os “motivos universais”, 
pelo que rejeita a importância dos conceitos indígenas. Como refere 
Dubuisson, citado por Deliège (2001) o real é para o autor confuso e 
desordenado, competindo ao antropólogo colocar ordem intelectual nesta 
desordem aparente, desvendando as leis e regras imutáveis. É neste 
contexto que advoga que a análise pretende alcançar as estruturas 
inconscientes de cada instituição48, consideradas de forma genérica como o 
não-consciente, não-explicito. Então o que é a noção de estrutura? Para o 
autor: “a noção de estrutura social não se refere à realidade empírica, mas 
aos modelos construídos em conformidade com esta (…) As relação sociais 
são a matéria-prima empregada para a construção dos modelos que tornam 
manifesta a própria estrutura social.” (Lévi-Strauss, 1996 [1952], 315-316). 
Quais são então as caraterísticas que os modelos devem ter para “merecer 
o nome de estruturas”? O autor (1996 [1952], 316) indica que: 
 
Em primeiro lugar, uma estrutura oferece um caráter de 
sistema. Ela consiste em elementos tais que uma modificação qualquer 
de um deles acarreta uma modificação de todos os outros. 
Em segundo lugar, todo modelo pertence a um grupo de 
transformações, cada uma das quais corresponde a um modelo da 
mesma família, de modo que o conjunto destas transformações 
constitui um grupo de modelos. 
 
46 Considerado um dos mais brilhantes autores da época, o autor morreu, em combate, no decurso da 
1ª Grande Guerra. Para saber mais sobre o autor e a usa obra,compilada em “Sociologie religieuse et 
folclore” (1928), consulte: 
http://classiques.uqac.ca/classiques/hertz_robert/hertz_robert_photo/hertz_robert_photo.html 
47 Este resumo segue a síntese de Deliège (2001). No entanto, as citações recorrem às obras originais 
citadas quando disponíveis. 
48 A noção de inconsciente não é clara em Lévi-Strauss e foi objeto de crítica. 
94 
 
Em terceiro lugar, as propriedades indicadas acima permitem 
prever de que modo reagirá o modelo, em caso de modificação de um 
dos seus elementos. 
Enfim, o modelo deve ser construído de tal modo que seu 
funcionamento possa explicar todos os fatos observados. 
 
Como refere Deliège (2001, 46) esta afirmação é menos uma definição 
do que um conjunto de traços essenciais. Todavia, persiste alguma 
ambiguidade: por um lado pode-se igualmente dizer que “a estrutura é um 
modelo que oferece o carácter de sistema”, por outro lado, não é a 
modificação dos elementos, ou termos, que acarreta a modificação, mas sim 
a modificação de uma relação entre esses elementos (tema desenvolvido 
em Antropologia Estrutural dois). 
Finalmente, Lévi-Strauss, privilegia o primado do intelecto, do espírito, 
sobre o social, o que teve como corolário a sua busca da origem simbólica 
da sociedade. O sistema social é a concretização das capacidades do espírito 
humano, um aparelho intelectual que o leva a agir dessa forma (explicação 
que se aplica tanto às formas de casamento preferencial como ao mito, ao 
ritual, etc.). Uma propriedade fundamental do espírito humano é a 
dicotomização do pensamento em sistemas de oposição binária. O exemplo 
do cru e do cozido na sua análise da mitologia mostra como esta oposição 
expressa, para o autor, a diferença entre a natureza e a cultura. A análise 
estrutural de mitos vai levar o autor a elaboradas análises que deixam ainda 
hoje incrédulos alguns autores pelo facto a sua consistência depender mais 
da capacidade do analista do que de excluir outras possibilidades. 
A história é negligenciada, o estruturalismo não tem como objetivo a 
análise da mudança social. O estruturalismo analisa sistemas que assentam 
a suas proximidades em bases intemporais, o sistema é concebido como em 
equilíbrio, não se pode transformar e impõem-se aos homens. 
O primeiro grande trabalho de Lévi-Strauss foi no campo do 
parentesco: As Estruturas Elementares do Parentesco (1949)49. Neste 
estudo combinou a noção de oposição binária com o conceito de 
 
49http://classiques.uqac.ca/collection_methodologie/levi_strauss_claude/structuralisme_rapports_soc
iaux/structuralisme_rapports_sociaux_texte.html 
95 
 
reciprocidade na troca, herdado da obra de Mauss. A tese principal da obra 
reside no facto de as mulheres, nas sociedades primitivas, serem 
consideradas como um tipo de bem que pode ser trocado. A oposição binária 
essencial da espécie humana reside na distinção que opera entre os 
parentes e não parentes. Através do tabu do incesto o grupo está impedido 
de se casar com as suas próprias mulheres pelo que tem que estabelecer 
relações com outros grupos a fim de obter esposas. Esta troca recíproca é 
o sistema mais simples de aliança, termo que vai ter uma expansão com o 
estruturalismo. Apesar de pretender trabalhar o campo do parentesco nas 
sociedades complexas o autor nunca o chegou a fazer. 
A obra mais conhecida do grande público é os Tristes Trópicos (1954), 
um libelo da crítica da modernidade, reflexiva, alusiva da única experiência 
de contacto, fugas, que o autor teve com o “outro”. A critica do progresso e 
a defesa do bom selvagem na linha de Rosseau, que também não teve de 
ver o selvagem para compreender que a sua vida social depende do contrato 
e do consentimento. 
As obras subsequentes centraram-se sobretudo na análise das 
classificações simbólicas, como o totemismo, e os mitos, acreditando que o 
estudo da mitologia permitiria aceder aos padrões inconscientes. Na sua 
obra sobre os mitos Lévi-Strauss acaba por propor a hipótese de uma 
característica do pensamento humano residir na procura de um ponto 
intermediário entre as oposições binárias. Os elementos do mito, como os 
fonemas, só adquirem significado quando organizados de acordo com certas 
relações estruturais. São estas relações que ganham ênfase na análise. 
Neste contexto é de mencionar a polémica que envolveu o autor com Lévy-
Bruhl. Este autor defendia a tese de que o pensamento selvagem era pré-
lógico, não racional. Lévi-Strauss opôs-se a esta visão e defendeu a ideia de 
que a mentalidade das sociedades selvagens não era inferior, não racional. 
Para ele o pensamento selvagem era o fruto de uma herança intelectual e 
classificatório, em que a utilização de espécies animais para definir relações 
não são arcaísmos, mas sistemas complexos de pensamento lógicos. Neste 
sentido os seus estudos dos mitos procuram demonstrar esta complexidade. 
96 
 
O estruturalismo de Lévi-Strauss vai influenciar em França um conjunto 
de autores, mesmo que por reação, como é o caso do estruturalismo 
marxista (que falaremos mais à frente e cujo autor mais ilustrativo é Maurice 
Godelier) e Louis Dumont (que, todavia, nunca abandona as realidades 
empíricas, nomeadamente a Índia). No campo anglo-saxónico Rodney 
Needham em Oxford e Edmund Leach em Cambridge). Victor Turner e Mary 
Douglas. 
 
97 
 
2.1.6 Sinopse de “neo”abordagens e “pós”perspetivas: 
reinvenção, críticas e reações 
 
 
As quatro escolas identificadas foram estruturantes do pensamento 
antropológico. Todavia, novas escolas surgiram das quais daremos aqui uma 
sinopse. 
A redescoberta das ideias evolucionistas, agora matizadas por 
análises sustentadas, são observáveis nos denominados neo-evolucionistas. 
Nos anos 40 e 50 do século XX o evolucionismo ressurge e o método 
comparativo, como princípio de pesquisa, ganha novos adeptos. Este 
renascimento ocorre sobretudo nos E.U.A. com Julian Steward (1902-1972), 
Leslie White (1900-1975) e George Peter Murdock (1897-1985). Os dois 
primeiros desenvolveram uma abordagem técnico-ambiental à mudança 
cultural inspirada no pensamento de Karl Marx50. Steward elaborou uma 
abordagem ecológica enfatizando a forma como cada cultura se adapta às 
circunstâncias ambientais, ideia que ficou conhecida como evolucionismo 
multilinear. White, numa perspetiva mais unilinear, concebeu uma teoria 
geral da evolução da cultura baseada no controlo da energia. 
Ambos os autores tiveram como preocupação central a cultura 
material, ignorando aspetos da estrutura social, como o parentesco, que vai 
ser o objeto de estudo privilegiado por Murdock, também conhecido como o 
precursor dos estudos interculturais “cross-cultural studies”, com o recurso 
ao método comparativo em larga escala, exemplificado pela criação dos 
Human Relation Áreas Files (HRAF)51. 
 
50 Embora nenhum deles, nos EUA dos anos 40, década de 50, se pudesse referir diretamente a esta 
fonte de inspiração. De facto, a situação política decorrente da Guerra Fria, e o temor da perseguição 
de elementos conotados como comunistas, no contexto das medidas tomadas pelo Senador Joseph 
McCarthy, limitava esse reconhecimento. 
51 A comparação como método não cessou com evolucionistas e difusionistas. Sarana (1975) citado 
por Barnard (2004, 57) identifica três tipos de comparação em antropologia: ilustrativa, global e 
controlada (incluindo a comparação regional). A comparação ilustrativa envolve a escolha de exemplos 
etnográficos para explicar diferenças e similaridades (por exemplo comparar os Nuer e os Trobrianders, 
como exemplos de sociedades matrilineares), a comparação global implica comparações estatísticas de 
sociedades de todo o mundo, cujo melhor exemplo é o HRF de Murdock. Finalmente, a comparação 
controlada restringe o seu âmbito a áreas restritas e limita o número de variáveis em análise.Foi 
empregue por difusionistas, funcionalistas e neoevolucionistas como Julian Steward. Um outro exemplo 
desta abordagem é a que foi desenvolvida pela Escola de Leiden, na Holanda. 
 
98 
 
Outra abordagem “neo” que vai ganhar folgo é a neofuncionalista, 
também designada materialista. O neofuncionalismo tornou-se um dos 
campos mais frutuosos pelos estudos de Roy Rappaport (1926-1996) e de 
Marvin Harris (1927-2001), que reivindica, todavia, para si a denominação 
de materialismo cultural. Os neofuncionalistas consideravam que a: 
“organização social e a cultura são adaptações funcionais que permitem as 
populações explorar com sucesso o ambiente sem exceder a capacidade de 
sustentação dos seus recursos ecológicos” (Applebaum, citado em McGee e 
Warms, 2004, 285). 
Roy Rappaport representa uma tendência mais ecológica, pelo que o 
seu trabalho também é inserido na denominada ecologia cultural. O 
antropólogo defende que as leis da biologia ecológica podem aplicar-se ao 
estudo das populações humanas. Adaptando da cibernética a noção de 
retorno (feedback) para explicar a estabilidade cultural, o autor procurou 
demonstrar no seu estudo de 1967, Pigs for the Ancestors, como uma 
comunidade da Nova Guiné, estabelece através do ritual um mecanismo de 
retorno que regula as relações ecológicas entre os homens, os porcos, os 
alimentos disponíveis e a guerra. 
Marvin Harris é, sem dúvida, um dos autores mais profícuos da 
Antropologia. Um dos seus primeiros estudos de terreno foi em 
Moçambique, na altura colónia portuguesa52, e foi justamente essa 
experiência que o levou a valorizar a perspetiva materialista, 
nomeadamente o facto de o controlo sobre os sistemas de produção ser 
essencial para compreender a cultura. Nesta perspetiva, influenciada pela 
teoria marxista, o autor desenvolve um sistema de análise com três níveis: 
infraestrutura, estrutura e superestrutura. No entanto, a primazia é dada ao 
primeiro nível onde se articulam os modos de produção e de reprodução da 
sociedade. 
Harris escreveu muito (algumas das obras estão traduzidas em 
português), sendo dele uma das mais famosas e polémicas histórias da 
 
52 Marvin Harris seria expulso de Moçambique pelas autoridades portuguesas. Para saber mais sobre o 
autor e a sua visão critica pode consultar MACAGNO (1999), em: 
http://www.lusotopie.sciencespobordeaux.fr/macagno99.pdf 
99 
 
antropologia: The Rise of Anthropological Theory (1968), outras como Cows, 
Pigs , Wars and Witches (1974) e Cannibals and Kings: The Origins of 
Culture (1977). O materialismo cultural foi acusado por alguns autores 
modernistas de ser uma forma de positivismo, determinista, na qual o 
homem tem pouco a dizer sobre a sua sorte. No entanto, mesmo os seus 
mais fervorosos críticos nunca conseguiram desmontar totalmente a 
pertinência de estudos como “The cultural Ecology of Índia`s Sacred Cattle” 
(1966), na qual Harris defende que a sacralidade da vaca não resulta da 
determinação religiosa, mas da sua importância produtiva, material e 
ecológica, no contexto indiano. 
Outra “neo” corrente é o neomarxismo que é, na origem, 
eminentemente europeia, e sobretudo de ascendência francesa. Ao 
contrário dos colegas americanos, os autores franceses não tiveram no pós-
guerra as limitações de expressão políticas e académicas. Por esta razão 
enquanto os materialistas americanos enfatizavam os mecanismos de 
retorno e a adaptação estável ao ambiente, os autores franceses usaram de 
forma mais direta a contradição dialética das análises marxistas – criticando 
as abordagens materialistas americanas pelo facto de estas minimizarem o 
papel do conflito. Estes autores são também designados como dinamistas, 
por analisarem a dinâmica das sociedades. 
Nos anos sessenta os dois principais autores desta corrente foram 
Maurice Godelier (1925 –) e Claude Meillassoux (1925 - 2005). O trabalho 
de Godelier53 é definido como estruturalista marxista. Uma das suas obras 
mais relevantes data de 1982, e resulta do seu trabalho de campo 
continuado com os Baruya da Nova Guiné é: La production des Grands 
Hommes. Pouvoir et domination masculine chez les Baruya de Nouvelle 
Guinée. A perspetiva do autor, que incorpora a análise marxista no seu 
trabalho, é a de que, ao contrário da ideia defendida pela teoria clássica 
marxista e pelos neo-evolucionistas, a superestrutura é fundamental. 
Godelier, privilegiava as relações de produção (as relações sociais) sobre a 
 
53 Para saber um pouco mais sobre o autor e as suas ideias leia a entrevista feita por Bernardo Hollanda 
e Rodrigo Ribeiro para a revista Estudos Políticos, nº 2, 2011 (01), disponível em: 
http://revistaestudospoliticos.com/wp-content/uploads/2011/04/2p2-20.pdf 
100 
 
tecnologia e atividades individuais. De facto, para este autor os aspetos 
considerados como pertencendo à superestrutura, como a religião ou o 
parentesco) são elementos fundamentais para a infraestrutura de qualquer 
sociedade (desta forma pode se percecionar como estas ideias estão 
afastadas das noções de Marvin Harris). 
Claude Meillassoux (1925-2005) 54 foi outro autor essencial. Não 
perfilhava totalmente a admiração estruturalista de Godelier, era aliás crítico 
do estruturalismo pelo facto de este não analisar a questão da exploração e 
das causas materiais da transformação dos sistemas de parentesco. Um 
exemplo desta perspetiva é a ideia defendida pelo autor, em contraposição 
à noção meramente comunicacional de Lévi-Strauss, e simultaneamente 
diferente da inspiração marxista quanto aos termos, de que é o domínio 
sobre o controle de “reprodução” (as mulheres) e não o controle sobre os 
meios de produção, que é o mais importante numa sociedade. Para estes 
autores, a visão da sociedade era baseada na luta de diferentes grupos 
sociais pelo controlo dos meios de produção e poder. Nesse âmbito, ao 
contrário da maioria dos antropólogos da época, eram críticos dos efeitos 
do colonialismo e das transferências económicas internacionais. A este 
respeito Meillassoux defende que o capitalismo não destrói os modos de 
produção pré-capitalista, mas que os mantêm em articulação com o modo 
de produção capitalista, em seu proveito. 
 
Em meados dos anos setenta as ideias de Darwin são retomadas pela 
sociobiologia. Esta não é uma abordagem exclusivamente antropológica, 
mas, sobretudo, biológica. Trata-se de uma explicação do comportamento 
humano com base na teoria evolucionista de Darwin, razão porque também 
é denominada como neodarwinista. Segundo esta corrente, os diferentes 
sucessos reprodutivos moldam a evolução do comportamento de todos os 
organismos, incluindo o humano. Como todos os seres humanos são 
organismos biológicos estão sujeitos às mesmas leis da evolução. É esta 
componente genética do comportamento que leva a que os padrões de 
comportamentos que aumentam as possibilidades de adaptação do 
 
54 Para saber um pouco mais sobre o autor, consulte, em francês: http://lhomme.revues.org/1795 
101 
 
organismo ao seu ambiente sejam selecionados e reproduzidos nas 
gerações futuras. 
No entanto, os sociobiologistas estão longe dos evolucionistas 
culturais pois, ao contrário dos antecessores do século XIX, a sua 
preocupação não é com a evolução de padrões de cultura, mas sim com a 
transmissão dos mecanismos de comportamento humano na perspetiva 
darwinista e genética. Por outro lado, enquanto os evolucionistas clássicos 
defendiam que a progressão evolutiva tendia a desenvolver sociedades 
perfeitas, os sociobiologistas usam simplesmente a linguagem do sucesso 
reprodutivo. 
A sociobiologia é influenciada pelos estudos de comportamento 
animal que se difundiram nos anos 50 e 60 com investigadores, como 
Konrad Lorenz. O autor mais divulgado desta corrente é Edward O. Wilson(1929 -) com a publicação em 1975: Sociobiology: The New Syntesis e de 
Richard Dawkins (1941 - ) com The Selfish Gene de 1976. Nesta perspetiva 
o comportamento humano é controlado por genes particulares e a evolução 
ocorre quando o sucesso reprodutivo permite a transmissão de 
determinados genes à geração futura: a guerra, a seleção sexual, o 
desenvolvimento da organização política, a arte, rituais e mesmo a ética são 
a expressão desse desejo55. 
 
Pós-estruturalismo 
 
Como refere Barnard (2004) o pós-estruturalismo ocupa uma posição 
ambígua na antropologia. Por um lado, é uma crítica do estruturalismo, feita 
por estruturalistas (nem todos antropólogos), por outro apresenta um 
conjunto de propostas que visam explicitar a ação social, o papel do poder 
e a desconstrução do autor como um criador de discursos. Nesta aceção o 
pós-estruturalismo apresenta relação com as preocupações dos 
transacionalistas, marxistas e feministas e pós-modernistas (que alguns 
 
55 O que leva McGee e Warms (2000) a afirmarem criticamente que, nesta perspetiva, os humanos 
pouco mais são do que meros veículos utilizados pelos genes na sua reprodução. 
102 
 
autores só associam ao pós-modernismo56). Para Barnard “ (…) o pós-
estruturalismo é uma forma de pós-modernismo, tal como o estruturalismo 
é uma forma primária de “modernismo tardio” na antropologia” (2000, 139) 
. 
A principal caraterística do pós-estruturalismo é a relutância em 
aceitar a distinção entre sujeito e objeto – princípio implícito no pensamento 
estruturalista – defendido por Saussure. Entre os mais destacados pós-
estruturalistas encontram-se: Derrida, Althusser, Lacan e Foucault. Este 
último e Bordieu foram os que tiveram um papel mais ativo no campo da 
antropologia. 
Os filósofos hermenêuticos57 Jaques Derrida (1930 -2004 ) e Michel 
Foucault (1926 – 1984) desempenham o papel de mentores desta posição. 
Derrida é sobretudo reconhecido pela sua abordagem deconstrutivista. 
Defende que todas as culturas constroem mundos de significados estanques 
e que a descrição etnográfica distorce a visão nativa através da imposição 
das formas de conceptualização do mundo do observador, assim, o 
significado nunca pode ser traduzido. 
Foucault trabalhou a ideologia, nomeadamente no seu discurso de 
poder. Para o filósofo as relações sociais entre os povos são assinaladas pela 
dominação e subjugação. Os povos ou classes dominantes controlam as 
condições ideológicas em que a verdade e a realidade são definidas58 . 
Transposto para o campo da ciência o modernismo – crente da possibilidade 
de alcançar uma verdade objetiva – é considerado uma construção histórica 
produto da sociedade. 
Bordieu pretende, mais do que compreender os modelos (perspetiva 
estruturalista) compreender o desempenho (performance) pois para o autor 
a compreensão objetiva não alcança a essência da prática do ator social. 
Mais do uma visão estática da noção de estrutura assente nas regras o autor 
pretende enfatizar a teoria da prática. A estrutura deixa de ser 
 
56 É o caso de Warms e Mgee (2003) que na sua obra não dão grande destaque ao pós-estruturalismo. 
57 Hermenêutica – o estudo da interpretação do significado, perspetiva que não aceita a possibilidade 
de o observador poder obter um conhecimento neutral e objetivo do mundo. Heidegger (1889-1976) o 
conhecimento é condicionado pela cultura, contexto e história. 
58 Relembra a afirmação de que a história é feita pelos vencedores. 
103 
 
constrangedora, mas sobretudo facultativa, opcional, pelo menos para 
aqueles que a sabem aproveitar (o que vai levar ao autor a analisar a teoria 
do poder). 
Para distinguir a perspetiva pessoal o autor avança com a noção de 
habitus, uma espécie de estrutura da ação social incorporada culturalmente 
pelos agentes sociais. São formas de pensar, agir e sentir relativamente 
estáveis, resultantes do processo de socialização. Uma espécie de segunda 
natureza que influência os gostos e escolhas, sem que por vezes tenhamos 
a necessidade de pensar sobre estas. 
 
Antropologia e Género (Antropologia feminista) 
 
De particular importância no desenvolvimento da antropologia do 
género (ou feminista) Jacques Lacan (1901 – 1981), um psicanalista chama 
a atenção para a linguagem na definição da identidade e a complexidade da 
identidade sexual. Por sua vez, para Althusser, numa perspetiva marxista e 
estruturalista, o discurso e poder sustentam a reprodução através das 
gerações dos modos da produção (e o seu controlo)59. 
De certa forma a antropologia não escapou a esta problemática, 
dando primazia a um discurso e imagem predominantemente masculino, 
uma forma de “etno-androcentrismo” (Casares, 2008) que, não sendo 
exclusivo da antropologia, tem repercussões na forma como entendemos o 
mundo e a própria prática antropológica. O androcentrismo, no contexto da 
antropologia, emerge como uma postura etnocêntrica que se manifesta “na 
atitude que consiste em identificar o ponto de vista dos homens com o da 
sociedade no seu conjunto.” (Casares, 2008:20). Segundo esta mesma 
autora podem ser identificados três níveis de androcentrismo: a) o 
androcentrismo do antropólogo ou antropóloga; b) o androcentrismo dos/as 
informantes e c) o androcentrismo intrínseco à antropologia (ibidem, p.21). 
O androcentrismo do antropólogo/a advém da visão pessoal do/a 
investigador/a acerca da relação entre homens e mulheres. O 
 
59 Recensão da obra: https://periodicos.ufsc.br/index.php/ref/article/view/S0104-
026X2003000200028/9214 
104 
 
androcentrismo dos/as informantes pode, por sua vez, induzir o 
antropólogo/a nas perspetivas sobre as relações de género, especialmente 
nas sociedades em que as mulheres estão subordinadas aos homens, a 
denominada “visão viciada”, segundo Casares (2008:21). Por fim, o 
androcentrismo intrínseco à antropologia, que se relaciona com a 
“parcialidade própria da cultura ocidental”, que pode levar a que as relações 
assimétricas existentes nas sociedades estudadas sejam equiparadas às que 
subsistem nas sociedades de origem. 
Uma das facetas onde se observa esta postura na antropologia é no 
reconhecimento do papel das antropólogas, por norma omisso. Um dos 
exemplos paradigmáticos é o de Dina Lévi-Strauss, a primeira mulher de 
Claude Lévi-Strauss. Embora seja este autor que é citado de forma 
recorrente, e sem dúvida que o seu papel é relevante, o trabalho da sua 
mulher é praticamente desconhecido. No entanto, como refere Mariza 
Corrêa, o papel de Dina foi essencial no desenvolvimento da antropologia 
brasileira, nomeadamente através da sua obra Instruções práticas para 
pesquisas de antropologia física e cultural de 1936 (Corrêa, 2003). 
Nos anos setenta muitas antropólogas começaram a por em causa as 
perspetivas masculinas prevalecentes na disciplina (incluindo aquelas que 
as precederam). Na realidade o papel das mulheres era normalmente 
relegado para capítulos sobre o casamento, família e parentesco. Desde 
então desenvolveram-se os estudos sobre o papel do género e o género e 
sexualidade numa dimensão intercultural colocando em causa as assunções 
preexistentes. A antropologia feminista passou de uma antropologia da 
mulher para uma antropologia da representação da mulher. 
Nos anos setenta a antropologia feminista concentrava-se em 
documentar a vida e o papel das mulheres em sociedades em todo o mundo 
– postura assimétrica – isto é, a subordinação mundial da mulher – e 
procuravam explicar esta questão de várias perspetivas teóricas. Ao mesmo 
tempo a investigação de antropólogas físicas e arqueólogas começou a por 
em causa a visão do homem caçador como a base da evolução e 
enfatizaram, entre outras, o facto de a recoleção e a criação dos filhos exigir 
105 
 
uma comunicação complexa,cooperação e construção de ferramentas, a 
versão da mulher recolectora obrigou a rever a evolução. 
Nos anos oitenta a pesquisa começou a afastar-se da temática da 
assimetria entre géneros e passou a abordar outros temas, nomeadamente: 
a construção social do género, a explicação das diferenças do estatuto, papel 
e poder da mulher com base em abordagens materialistas e a especificidade 
da identidade da mulher. A primeira abordagem procurou analisar como a 
categoria de género é feita de forma relacional e imposta. A segunda 
abordagem privilegiou a explicação materialista, nomeadamente as relações 
de classe, de poder e mudanças de modos de produção para explicar a 
opressão das mulheres. Um dos estudos mais conhecidos é o de Leacock, 
que defende que em sociedades antes do contacto com o ocidente eram 
igualitárias e que a sujeição das mulheres se deve à imposição de formas 
de produção capitalistas. A terceira perspetiva procurou afastar-se da ideia 
de “mulher” no geral para analisar de que forma a raça, a classe e o género 
estruturam as instituições culturais. 
As teorias feministas colocaram as noções antropológicas em causa; 
levaram a disciplina a enfatizar a multivocalidade, dando uma variedade 
de pontos de vista à escrita etnográfica e enfatizando a experimentação com 
formas não convencionais de escrita antropológica, como a poesia e ficção, 
reclamando que todas as formas de saber são subjetivas, promovendo uma 
maior ênfase na auto-etnografia – autobiográfica. 
 
 
Pós-modernistas, crítica, reflexibilidade e reconstruções 
 
As ideias pós-modernistas emergem já em linhas de investigação 
antropológica como as de Evans-Pritchard, Geertz e Raymond Firth, que 
enfatizam a ação individual perante a estrutura social – ideia derivada da 
abordagem inicial de Malinowski. 
No entanto, o pós-modernismo é uma corrente de pensamento que 
não se confine ao campo antropológico, ele emerge do estudo da literatura 
e arte, e vem colocar em causa o princípio da objetividade e da ciência em 
106 
 
antropologia: de forma sucinta os pós-modernistas afirmam que a 
antropologia não é uma ciência social. Todavia, apesar desta postura, é 
importante ter presente que o pós-modernismo não veio desmembrar as 
outras correntes de pensamento no seio da antropologia, pelo contrário (ver 
Harris, 1999). 
Em antropologia as perspetivas hermenêuticas e desconstrutivista 
(herança de Derrida e Foucault) levaram alguns antropólogos a questionar 
a sua prática, nomeadamente sobre a forma como o trabalho de campo é 
efetuado (questões de legitimidade e validade das vozes em presença), as 
técnicas literárias para escrever as monografias e a validade das 
interpretações de um autor sobre outras análises. O pós-modernismo é uma 
crítica ao modernismo, a rejeição da possibilidade de grandes teorias e da 
ideia da completude da descrição etnográfica, enfatizando a reflexibilidade. 
De certa forma esta abordagem é o resultado do relativismo e do 
interpretativismo (o relativismo pode ser traçado a Boas, o interpretativismo 
aos autores do simbolismo antropológico e a Geertz, considerado por muitos 
como um dos primeiros pós-modernistas). Como refere Barnard (2004, 169) 
para os pós-modernistas não há a verdade, uma declaração (statement) 
que possa ser feito acerca da cultura. 
 
Aquele que é considerado um dos primeiros textos pós-modernistas 
é Writing Culture (Clifford e Marcus, 1986) e reúne os textos resultantes de 
uma conferência realizada em 1984. As ideias deste trabalho incluem: a 
antropologia desloca-se do campo (ou devia-se deslocar) da etnografia 
científica para o estudo dos próprios textos etnográficos (a sua 
desconstrução – no caso dos antigos – e a sua elaboração), a 
contextualização e reflexibilidade face à metanarrativa decadente (a ideia 
da grande teoria), a tensão relativa ao papel do antropólogo face às suas 
lealdades. A evolução recente, pelo menos de Marcus é o envio da 
antropologia para os estudos culturais. 
O trabalho de campo é considerado pelos pós-modernistas como um 
momento fulcral. O antropólogo não é um observador neutro, pelo que a 
situação do tempo e lugar da investigação tem de ser claramente 
107 
 
identificada. A escrita antropológica é também objeto de crítica, pois se a 
forma de recolha dos dados é subjetiva estes não podem ser analisados de 
forma objetiva. A própria validade da interpretação é questionada pelo facto 
de, no terreno, o antropólogo trabalhar com um conjunto limitado de 
informantes, colocando-se assim a questão de saber até que ponto as suas 
ideias são representativas de toda a sociedade. 
Outra crítica relaciona-se com a forma como o antropólogo redige o 
seu texto, qual narrador omnisciente, considerado uma forma de 
objetividade científica projetada no texto, mas que cria, no entanto, uma 
dificuldade de perceção relativamente aquilo que o antropólogo observou60. 
Desde os anos sessenta que alguns antropólogos tinham escrito textos sobre 
a sua experiência na primeira pessoa61. Entre as obras mais conhecidas está 
a de Paul Rabinow Reflections on Fieldwork in Marocco, de 197762. Outra 
crítica que surge na linha da perspetiva desconstrutivista é a que alude ao 
facto de o próprio texto etnográfico ser o resultado de múltiplas 
interpretações, às quais não está ausente a capacidade estilística63 Nesta 
abordagem à que desconstruir o texto pois como defende Crapanzano (cit 
Warms e Gee, 2000) os dados são mudos e os antropólogos constroem 
significados à medida que redigem os seus textos, pelo que há que analisar 
os enviusamentos que os elaboram. 
Uma das críticas mais fortes aos pós-modernistas prende-se com a 
interpretação que é feita pelos antropólogos. Pois se o texto é o resultado 
da interpretação e se esta for autoritária então a sua visão é única e tende 
a ocultar interpretações diferentes. Para os pós-modernistas a interpretação 
que vigora é o resultado das condições de poder e riqueza que imperam e 
 
60 Adaptando um pouco o exemplo de Warms e Gees, diríamos que uma coisa é alguém se deslocar a 
uma loja de comida rápida e dizer eu vi o meu informante comer uma piza e outra é dizer que as pessoas 
de Lisboa comem piza. 
61 Nos anos oitenta foi grande a surpresa sobre a forma como Malinowski se desvenda no seu diário no 
sentido estrito do termo, relativamente à forma como descreve os nativos na sua obra. 
62 Paradoxalmente, ainda que mundialmente conhecido por esta obra, muitos autores não referem o 
facto de que esta resulta de um processo posterior à elaboração da tese monográfica clássica que o 
autor defendeu dois anos antes: Symbolic Domination: Cultural Form and Historical Change in Marocco 
(University of Chicago Press, Chicago, 1975) 
63 Já Malinowski pretendia ser o Joseph Conrad da antropologia (Malinowski s.d.) . Joseph Conrad, 
também de origem polaca, escreveu em 1902 o romance Heart of Darkness (O Coração das Trevas). 
108 
 
que é necessário proceder à desconstrução deste discurso para que outras 
vozes, as das mulheres, minorias e dos pobres possam ser ouvidas. 
Nesta altura o que permanece da abordagem antropológica? Tudo, 
como referem Warms e Gee “o pós-modernismo não é a culminação lógica 
de toda a antropologia”, e na realidade, a maioria da antropologia que se 
fazia e se faz atualmente não é “pós-modernista” no sentido de ser 
meramente desconstrutivista de tudo o que foi feito (chegaria um ponto em 
que os antropólogos já não teriam mais nada a fazer, ou então, qual cadeia 
entrópica, passariam o resto do tempo a desconstruírem os seus/outros 
discursos…). 
Na sua faceta mais extrema o pós-modernismo levaria a antropologia 
a ser um campo menor da literatura pois se tudo é interpretação e ficção 
não se poderiam chegar a conclusões. Há, no entanto, outra forma de ver 
esta perspetiva, naquilo que tem de positivo e autorreflexivo, algo que se 
podevislumbrar desde Boas, na perspetiva interpretativista. Ela não 
substituiu as abordagens positivistas em antropologia. Mas, contribuiu para 
que os antropólogos estejam mais conscientes de aspetos como os estilos 
retóricos, questões de autoridade e de vozes. 
Uma das maiores controvérsias dos pós-modernistas com outros 
autores prende-se com o facto de no extremo o proselitismo 
desconstrutivista levar ao niilismo e assim, se todas as vozes devem ser 
ouvidas, como articular as vozes daqueles que são oprimidos com aqueles 
que oprimem, como defender os direitos humanos e ao mesmo tempo 
desconstruir a noção de humanidade? Não será o pós-modernismo o reflexo 
do modernismo, no melhor e no pior? Não criará as condições para legitimar 
o discurso daqueles que mais oprimem?64 
 
 
 
 
 
64 Como compreender que Heidegger fosse um apologista dos Nazis durante a II Grande Guerra. 
109 
 
2.2 Antropologia aplicada: entre a academia e a 
prática65 
 
 
 
 A antropologia, enquanto ciência, produz um conhecimento que 
muitos consideram somente académico. É um saber que, de uma forma 
geral, pretende compreender o Outro e traduzir essa realidade múltipla e 
diversa que constitui a Humanidade na sua dimensão social e cultural. 
Todavia, desde a sua constituição este mesmo saber foi aproveitado com 
propósitos e interesses práticos, quer por antropólogos quer por não 
antropólogos. 
Tradicionalmente, o campo privilegiado de atuação e saída profissional 
em antropologia foi o domínio académico. Todavia, com a formação 
crescente de um número cada vez maior de licenciados o acesso profissional 
à academia diminuiu e muitos antropólogos começaram a desenvolver as 
suas carreiras fora do quadro institucional académico. 
Esta transferência não é pacífica e o desafio epistemológico que coloca 
torna pertinente questionarmo-nos, como faz Pereiro (2005) se a 
antropologia é um saber aplicável? Deve a antropologia ser aplicada? É a 
antropologia aplicada diferente da antropologia? É uma disciplina ou 
subdisciplina com métodos e teorias diferentes? Ou o que mudam são só os 
agentes de aplicação? Se é diferente, o que o faz diferente? Acaso na história 
da antropologia, a produção de conhecimento antropológico não teve a sua 
aplicação? É a antropologia aplicada o mesmo que antropologia implicada? É 
a antropologia aplicada o “patinho feio” da antropologia? Torna-se necessário 
fazer da antropologia aplicada uma segregação da antropologia? Se a 
antropologia deve entender cada cultura nos seus próprios temos (sic), que 
justifica que um antropólogo de outra cultura diga aos membros dessa mesma 
cultura o que devem fazer? (2005, 3) 
Como refere o autor a desconfiança perante a tarefa da antropologia e 
a sua aplicação tem sido recorrente, nomeadamente pela possibilidade, 
aplicada ou implicada, de através dela se participar na dominação do 
“Outro”. Será então a antropologia aplicada um “patinho feio”, ou como 
 
65 Texto que tem por base Sousa (2008) revisto em Sousa (2014). 
110 
 
refere Campêlo (s.d.), o “parente pobre da antropologia geral”? Embora a 
relação entre a prática “académica” e a prática aplicada do conhecimento 
antropológico não seja recente tem uma crescente aplicabilidade e 
visibilidade social que analisaremos de seguida. 
A delimitação dos campos teóricos e aplicados faz parte já dos 
principais manuais académicos de referência. Por exemplo, Kottak (2007), 
reconhece na Antropologia estas duas dimensões: 1) antropologia teórica 
ou académica e 2) antropologia aplicada ou prática. O autor expõe num 
quadro comparativo o relacionamento dos quatro campos tradicionais da 
antropologia66 com as áreas usuais de aplicação (Quadro 2). 
Quadro 2 
 
A antropologia aplicada refere-se, para o autor, à utilização dos dados, 
perspetivas, teorias e métodos antropológicos para identificar, avaliar e 
resolver problemas sociais contemporâneos (2007: 16). Para Kottak, os 
campos de aplicação do conhecimento antropológico fora do domínio 
académico são variados: 
Os antropólogos (...) aplicam os seus conhecimentos para o estudo da 
dimensão humana de degradação ambiental (por exemplo, a desflorestação, 
a poluição) e as mudanças climáticas globais, examinando como a ambiente 
influência os seres humanos e como as atividades humanas afetam a biosfera 
e a própria terra. (…) Antropólogos físicos aplicados relacionam padrões de 
feridas na análise de erros de conceção de aeronaves e veículos. Etnógrafos 
têm influenciado a política social mostrando que existem fortes laços de 
 
66 Estes quatro campos da antropologia espelham, sobretudo, a herança da antropologia nos Estados 
Unidos da América, em que se inclui, usualmente, a arqueologia no departamento antropológico (na 
Europa a arqueologia está sobretudo associada à História). 
111 
 
parentesco nos bairros das cidades, cuja organização social era anteriormente 
considerada como "fragmentada" ou "patológica". Algumas sugestões para 
melhorias no sistema educacional vêm de estudos etnográficos em classes da 
escola e comunidades (…). Antropólogos linguísticos mostram a influência das 
diferenças de dialeto na aprendizagem em sala de aula. (Kottak, 2007: 16-
17). 
Esta descrição das múltiplas possibilidades do trabalho aplicado em 
antropologia continua, no entanto, a enfatizar a ligação com antropólogos 
académicos, sedeados em universidade, e que desdobram a sua atividade 
em parcerias com a sociedade civil. Todavia, a evolução recente é, 
sobretudo, para uma autonomização destes papéis sociais pois muitos 
antropólogos formados desempenham as suas funções exclusivamente fora 
do contexto universitário. Analisaremos, mais à frente, como evoluiu este 
processo. 
 
 
O conceito de Antropologia aplicada 
A introdução proposta com base em Kottak (2007) revela a dimensão 
“utilitária” da antropologia que é fundamental aprofundar. Para Willigen 
(1986: 7) a antropologia aplicada é a “antropologia colocada a funcionar…”. 
Isto é: “(…) uma rede de processos, baseada em pesquisa e métodos 
instrumentais que produzem mudança ou estabilidade em sistemas culturais 
específicos através do fornecimento de dados, de ação direta e / ou a 
formação de políticas.” (1986: 8). Por sua vez, Ervin considera que a 
antropologia aplicada não é uma: 
pesquisa passiva ou mera crítica social. É quase sempre encomendada por 
uma organização fora da academia. O objetivo pode ser o fornecimento de 
informação que enquadre o contexto social e cultural e as circunstâncias de 
populações particulares, mas normalmente os clientes esperam 
recomendações concretas para fins específicos. (2000:4) 
Outra noção associada é a de “antropologia prática” (practicing 
anthropology), usada comummente, reflete a dimensão exterior ao mundo 
académico. Segundo Ervin (2000) esta vertente desenvolveu-se sobretudo 
112 
 
a partir dos anos setenta do século XX para designar os antropólogos que 
trabalham fora da esfera universitária. Estes, mais do que empenhados em 
reflexões de carácter teórico, estão envolvidos na ação, administração e 
implementação de programas ou projetos, não só como funcionários 
públicos, mas como consultores ou assessores, quer em entidades públicas 
ou privadas, como empresas ou organizações não-governamentais. 
Apesar desta vocação prática e política, persiste uma ligação entre a 
antropologia académica e a aplicada consentindo o desenvolvimento de 
novas abordagens teóricas e procedimentos metodológicos. De facto, como 
refere Ervin (2000) é possível estabelecer uma relação de continuidade 
entre ambas. Um continuum no qual o eixo axiológico se transmuta com a 
presença do domínio das políticas, isto é medidas concretas para a ação 
pública (Quadro 3). 
 Quadro 3 
 
O acervo de dados obtidos pelos estudos teóricos e etnográficosé 
imenso e a reflexibilidade entre os polos deste contínuo alimentam 
continuamente a produção de novo saber, teórico e aplicado. Contudo, o 
reconhecimento desta dimensão política das medidas e ações dos 
antropólogos, académicos ou não, obriga a uma nova postura 
epistemológica e ética. 
Alguns antropólogos trabalharam, sobretudo a partir dos anos 
sessenta do século XX, temas eminentemente sociais estabelecendo uma 
ponte que viria a ser atravessada através do polo axiológico definido pela 
análise de políticas. Embora este trabalho tenha sido desenvolvido 
inicialmente em contexto académico, cada vez mais tem como origem o 
exterior da academia: solicitado por alguém, comunidade ou instituição, 
com o objetivo de obter elementos que sustentem tomadas de decisão 
113 
 
relativas a problemas sociais concretos e não para questões teóricas 
(postura que tende a esbater-se com a criação de pontes entre ambas, em 
congressos, associações e revistas como a Human Organization). 
Atualmente, observa-se que muitas universidades procuram 
estabelecer meios de providenciar esta relação com a sociedade, 
constituindo centros de pesquisa que visam desenvolver estudos 
relacionados com problemáticas específicas da sociedade. 
 
O desenvolvimento da antropologia aplicada 
 
Uma breve resenha das fases do desenvolvimento histórico da 
antropologia aplicada ajuda-nos a compreender a sua evolução, mas 
também os interesses aplicados. Seguiremos de perto nesta recensão Ervin 
(2000) e Baba e Hill (2006). 
Ervin (2000: 14-26) identifica cinco fases de desenvolvimento da 
antropologia aplicada que adotaremos nesta exposição: as origens no século 
XIX, o período entre as duas guerras mundiais, a Segunda Grande Guerra e 
o período imediato do pós-guerra, o período entre 1950-1970 – no qual 
domina uma antropologia aplicada académica e consultadoria para o 
desenvolvimento. Numa última fase emerge uma “nova antropologia 
aplicada” de política e prática dos anos setenta até ao presente. 
 
A Antropologia Aplicada no século XIX 
 
A dimensão aplicada da antropologia em questões sociais está 
presente no início da disciplina. A Ethnological Society of London (1843) e a 
Anthropological Society of London (1863), associações fundacionais da 
antropologia no século XIX, havia já a preocupação em promover a 
emancipação da sociedade da época de ideias preconcebidas, dominadas 
pelas questões de raça e de pobreza. A vertente mais académica da 
antropologia desenvolve-se com a Royal Anthropological Society of Great 
Britan and Ireland em 1883 e a nomeação no mesmo ano de Edward Tylor, 
114 
 
para a regência da disciplina em Oxford. A antropologia era considerada na 
época como uma disciplina fundamental na educação dos funcionários 
coloniais sobre os costumes nativos. Esta associação com o colonialismo vai 
ser objeto de crítica posterior. 
Enquanto no Reino Unido a preocupação era sobretudo com as 
colónias, nos Estados Unidos da América, o interesse dominante provinha 
da aplicabilidade do saber antropológico no conhecimento e resolução de 
problemas decorrentes da incorporação das comunidades nativas 
americanas, usualmente designadas “índios”, na agenda política da época. 
Desde cedo esta foi uma área de conflito entre os antropólogos e os 
políticos, cujos objetivos imediatos se contrapunham à necessidade de 
tempo e às visões dos antropólogos 67. 
Todavia, é nos Estados Unidos da América que desponta a figura de 
Franz Boas, o pai da antropologia norte americana, que desenvolve uma 
antropologia aplicada, procurando salvaguardar a riqueza das populações 
nativas americanas. Foi igualmente um dos primeiros a desenvolver a 
advocacia antropológica defendendo argumentos que negavam as teorias 
migratórias restritivas vigentes na época e que impediam a proveniência de 
populações de outros pontos da Europa que não as do Norte da Europa. 
 
A antropologia aplicada entre as duas Guerras Mundiais 
 
Este período corresponde à afirmação da antropologia na 
Universidade. Na Inglaterra desenvolveu-se o funcionalismo com Bronislaw 
Malinowski e Radcliffe-Brown, enquanto nos EUA se desenvolve a escola de 
aculturação, influenciada por Franz Boas. Ambas as escolas abordavam as 
sociedades na sua contemporaneidade e manifestam preocupações 
aplicadas. No caso inglês esta preocupação era vocacionada para as 
 
67 Para saber mais: Bieder, Robert. 1989. Science Encounters the Indian, 1820-1880: The Early Years of 
American Ethnology. University of Oklahoma Press. Acessível parcialmente: 
http://books.google.pt/books?id=ChvKnFayeB8C&pg=PA149&lpg=PA149&dq=Indian+policy+Henry+Sc
hoolcraft&source=bl&ots=UcXZgg8-jw&sig=GQOaz0aYmRszINX2n31OvuGZ238&hl=pt-
PT&sa=X&ei=JpWXUMK2D86Thgfb3IGYDg&redir_esc=y#v=onepage&q=Indian%20policy%20Henry%20
Schoolcraft&f=false 
115 
 
populações do império e, no caso americano, para com as suas populações 
nativas. 
Em 1929 Malinowski68 escreve o artigo Practical Anthropology, no 
qual defende a utilidade prática da antropologia na administração colonial, 
proporcionando dados sobre as populações nativas e ajudando assim as 
administrações na sua governação e no processo de mudança a que 
estavam a ser sujeitas. No entanto, advoga que as mudanças, políticas ou 
económicas, devem ser feitas de acordo com os princípios locais, contanto 
que estes não choquem com as leis britânicas. De igual forma defende que 
nos locais onde se encontrem poucos funcionários ingleses a administração 
local deve ser conferida às populações autóctones. Defende que os 
antropólogos devem estar envolvidos no trabalho com a administração e 
procura que os seus estudantes obtenham colocações nestas áreas (tal 
como Radcliffe-Brown irá procurar obter para os seus alunos). 
Nos Estados Unidos da América os antropólogos estiveram envolvidos 
no Bureau of Indian Affairs durante a política do New Deal que se segue à 
Grande Depressão de 1929. Muito deste trabalho foi relacionado com a 
problemática da posse das terras. Por seu turno, no Bureau of American 
Anthropology foi criada uma unidade específica, a: Applied Anthropology 
Unit. Todavia, esta participação foi marcada por conflitos entre as 
necessidades dos políticos e as posturas dos antropólogos, nem sempre 
concordantes. Segundo Julian Steward (1969) referido por Ervin (2000) as 
visões políticas eram paternalistas e românticas e estas ideias enformavam 
muitas das medidas políticas entrando em contradição com a realidade e 
diversidade local dos grupos afetados. 
A participação da antropologia durante este período foi objeto de 
crítica posterior sobre o seu papel quer nas políticas de governação colonial 
indireta dos ingleses quer nas políticas assimilacionistas americanas. A 
partir dos anos 30 também se procurou aplicar a antropologia aos negócios 
e indústria em estudos sobre a motivação e produtividade dos trabalhadores 
de que são exemplo os estudos de Lloyd Warner na Harvard Scholl of Human 
Relations. 
 
68http://pt.scribd.com/doc/87349764/PracticalAnthropology-Malinoswki 
116 
 
A antropologia aplicada durante a Segunda Grande Guerra e no pós-
guerra 
 
O esforço de guerra durante a Segunda Grande Guerra Mundial vai 
suscitar o envolvimento de múltiplas áreas científicas e, entre estas, a 
antropologia, no qual muitos antropólogos estiveram envolvidos, direta ou 
indiretamente. Nos Estados Unidos da América e na Inglaterra realizaram-
se estudos sobre o inimigo para que os militares pudessem saber com quem 
se estavam a confrontar. O mais conhecido destes estudos é o de Ruth 
Benedith sobre os japoneses: O Crisântemo e a Espada. Outros estudos 
versaram acerca das populações amigas onde um elevado número de 
soldados americanos estavam destacados, como no caso da Inglaterra, de 
forma a se elaborarem guias de contato. Finalmente registe-seos estudos 
sobre a gestão de campos de concentração de populações, como foi o caso 
dos americanos de origem japonesa nos EUA. 
Dada a extensão da guerra foram desenvolvidos estudos de áreas 
para conhecer os locais e as populações em teatros de guerra, como no caso 
da Ásia e do Pacifico. Estes dados vieram a ser utilizados durante a guerra, 
mas também após, nomeadamente na governação de áreas que ficaram 
sobre a dependência de uma das potências vencedoras. Em alguns casos o 
saber dos antropólogos em determinadas áreas foi crucial para o seu direto 
aproveitamento para o esforço de guerra. Um dos casos mais conhecidos 
será o de Edmund Leach, que desempenhou um papel ativo no teatro de 
guerra na Birmânia69 país sobre o qual viria a escrever o seu principal 
trabalho: Sistemas Políticos da Alta Birmânia. 
 
 
 
 
69 Para saber mais: Tambiah, Stanley. 2001. Edmund Leach: An Anthropological Life. Cambridge University Press. 
Disponível parcialmente: 
http://books.google.pt/books?id=WBfBkGvRmowC&pg=PA43&lpg=PA43&dq=edmund+leach+army+officer&sourc
e=bl&ots=Bzz-2ROkcJ&sig=ZExEhV5i19q_Fjc9BrT6csMaLiQ&hl=pt-
PT&sa=X&ei=B5qXUI25IMS4hAf7s4GQAw&redir_esc=y#v=onepage&q=edmund%20leach%20army%20officer&f=f
alse 
117 
 
A Antropologia Aplicada Académica e a consultoria para o 
desenvolvimento: 1950-1970 
 
Após a guerra dois factos contribuíram para uma primeira retração da 
antropologia aplicada e um reflorescimento da antropologia académica: a 
expansão do ensino universitário permitiu que um maior número de 
antropólogos obtivesse uma colocação académica, por outro lado, muitos 
cientistas sociais temeram a utilização do conhecimento científico gerado na 
sequência da utilização desse conhecimento na produção de bombas 
atómicas. 
No entanto, a antropologia aplicada não desapareceu, sendo 
desenvolvida a partir do contexto académico. Entre os temas de trabalho a 
questão dos índios americanos foi defendida por Sol Tax que viria a 
incrementar com os seus estudantes uma corrente denominada 
antropologia de ação (intervenção) (Willigen, 1986), em que as 
preocupações de investigação não se centravam tanto na questão 
académica, mas sim nas necessidades das populações com que se 
trabalhava, consideradas co investigadoras com os universitários. 
Um tema que se tornou recorrente neste período pós-colonial foi o do 
desenvolvimento relativo às populações nativas americanas bem como às 
populações dos novos países emergentes da descolonização em curso. Allan 
Holmberg (1958) desenvolve um projeto sustentado no método de 
“Pesquisa e Desenvolvimento”. Denominado Projecto Vicos, tinha como 
princípio a ideia de que é possível utilizar o conhecimento científico na 
valorização da dignidade humana. A comunidade de Vicos fica situada numa 
fazenda do Peru que foi comprada com fundos da Universidade de Cornell. 
Pretendia-se que o poder e conhecimento resultantes da investigação 
fossem usados para melhorar a vida dos seus participantes70. 
Muitos programas internacionais começaram neste período a ser 
apoiados por antropólogos sedeados em universidades. Entre os mais 
conhecidos citamos George Foster e Ward Goodenough. 
 
 
70 https://courses.cit.cornell.edu/vicosperu/vicos-site/cornellperu_page_1.htm 
118 
 
A emergência de uma “Nova Antropologia Aplicada”: dos anos 70 
até à atualidade 
 
Este período assenta na utilização da antropologia centrada na política 
e na prática. Embora se desenvolva a partir dos anos setenta as suas origens 
estão nas preocupações sociais dos anos sessenta, um período de lutas 
anticoloniais, novos nacionalismos a emergência dos novos Estados 
africanos, a Guerra Fria e as guerras nacionalistas como a do Vietname. 
Tornou-se claro ao longo deste período que os antropólogos não poderiam 
estudar as comunidades isoladas do contexto político e social em que se 
inserem, nem podiam os cientistas fazer o seu trabalho sem ter em conta 
as situações delicadas em que muitas dessas populações se encontravam. 
Durante este período muitos antropólogos foram contratados para 
trabalhar em organizações governamentais e não-governamentais 
internacionais e, de forma crescente, para grupos locais. Este facto ocorre 
ao mesmo tempo que siem da universidade um cada vez maior número de 
formandos com graus académicos de mestrado e doutoramento que não 
encontram nesta uma saída profissional. A advocacia tornou-se cada vez 
mais importante à medida que alguns antropólogos começaram a usar o seu 
conhecimento para sustentar e defender posições de populações e 
comunidades que se organizaram para obter direitos sobre terras, bens ou 
controlo de atividades económicas. Estas comunidades tanto podiam ser 
isoladas e remotas como urbanas, em que os problemas de racismo e 
pobreza se tornaram urgentes. 
O conhecimento antropológico passou a fazer parte de outras 
disciplinas que procuraram nele a abordagem que lhes faltava para se 
confrontarem com a prática e resolução dos problemas sociais. A 
importância desta área observa-se pelo desenvolvimento de programas de 
antropologia aplicada em instituições académicas ao longo dos anos setenta, 
ligando níveis académicos, como mestrados e doutoramentos, a estudos 
concretos de terreno e formando estes um trampolim para a 
empregabilidade dos antropólogos fora da universidade. Ao mesmo tempo, 
este campo desenvolve-se e criam-se publicações próprias da área 
119 
 
interligando praticantes, permitindo partilhar experiências, exemplo das 
Society for Applied Anthropology e a sua revista Human Organization ou 
Practicing Anthropology na Universidade da Florida. Na década de 80 a 
American Anthropological Association criou a unidade National Association 
for the Practice of Anthropology. 
 
 
Modelos de trabalho e funções desempenhadas em antropologia 
aplicada 
Feita uma recensão breve da evolução da antropologia aplicada 
iremos agora proceder a uma análise das suas potenciais aplicabilidades. A 
proposta de Chambers (1989, 17-18), que resume em quatro os seus 
diferentes estilos ou modelos de trabalho, é relevante neste contexto. Para 
o autor a antropologia aplicada poderá desenvolver: 
1. pesquisa básica: direcionada para problemas genéricos de mudança 
social e cultural, e de forma crescente para as temáticas que envolvem a 
transferência de conhecimentos (embora mais associada à pesquisa 
tradicional a sua produção é resposta direta a um pedido ou necessidade 
sentida e manifestada). 
2. pesquisa aplicada: que tem por objetivo a resolução de questões 
concretas, sendo sujeito por isso não só a critérios científicos como a 
validade e a fiabilidade, mas também a critérios de utilidade, como a 
relevância, o significado e a credibilidade; 
3. transferência de conhecimento: nesta área o objetivo não é a produção 
de novo conhecimento, mas a sua transmissão no ensino como professor ou 
formador ou no planeamento, avaliando determinados parâmetros de 
qualidade de projetos com base nos conhecimentos antropológicos; 
4. tomada de decisão: ocorre quando o antropólogo participa no processo 
de tomada de decisão relativa a determinada área do projeto, sendo mais 
recorrente a que envolve a determinação do tipo e qualidade de cuidados a 
120 
 
tomar para com clientes sobretudo em quadros sociais de diversidade 
cultural. (exemplo, uma enfermeira especializada em antropologia). 
 Estas quatro áreas envolvem, como podemos observar, os 
antropólogos em diversos momentos do processo de formulação de políticas 
de desenvolvimento e, em particular, desenvolvimento comunitário. 
Quais as funções desempenhadas pelos antropólogos fora do contexto 
académico? Estas são variadíssimas segundo Willigen (1986). O autor lista 
um conjunto de funções especializadas aplicadas desenvolvidas por 
antropólogos. Nestas funções a sua formação teórica emetodológica 
adquirida constitui uma mais-valia no desempenho de tarefas a que, 
usualmente, não se associam estes profissionais: 
•Politólogo – providência dados culturais para que os decisores 
políticos possam tomar decisões informadas; 
 
•Avaliador – efetua pesquisa para determinar se um programa teve 
sucesso; 
 
•Responsável por estudos de impacto – analisa os efeitos de um 
projeto, programa ou política numa comunidade local; 
 
•Responsável pelo levantamento de necessidades – efetua pesquisa 
para determinar se um projeto ou programa é necessário; 
 
•Programador – ajuda a conceber programas ou políticas; 
 
•Responsável pela análise dos resultados da pesquisa – interpreta 
resultados de pesquisa de modo a que decisores políticos, 
programadores e administradores possam tomar decisões tendo em 
conta questões culturais sensíveis; 
 
•Advogado – apoia ativamente um grupo ou comunidade; 
121 
 
•Formador – dá formação profissional em contextos interculturais 
sobre a cultura de uma comunidade ou sobre técnicas de 
investigação; 
 
•Mediador cultural – atua em ligação entre a entidade que fornece o 
programa e a comunidade local; 
 
•Testemunha qualificada – provê dados de pesquisa relevantes como 
parte de um processo judicial; 
 
•Promotor de campanhas públicas – promove educação pública sobre 
a temática usando os média e encontros públicos; 
 
•Administrador / gestor – não sendo comum, alguns antropólogos 
participam diretamente como responsáveis de programas assumindo 
funções diretivas; 
 
•Agente de mudança – usualmente desempenhado como parte de 
outras tarefas, esta função ocorre sobretudo no contexto de 
Antropologia de ação/intervenção ou Antropologia do 
desenvolvimento; 
 
•Terapeuta – é um papel raro, também designado como antropólogo 
clínico, envolve o conhecimento especializado de terapias específicas. 
 
Esta lista assenta sobretudo em antropólogos formados no âmbito da 
antropologia cultural ou social. Não são incluídas os formados em áreas 
como a antropologia biológica ou médica, ou áreas confluentes com outras 
ciências como a etnobotânica, cujo campo especializado constitui uma área 
de interesse teórico e prático em muitas atividades e projetos fora da 
académia. Todavia, muitas das vezes, a formação de base em antropologia 
é combinada com outras temáticas específicas, antropológicas ou não, como 
a formação em recursos humanos, de gestão, etc. 
122 
 
O potencial político da antropológica aplicada e o grande desafio 
ético 
Feita uma análise descritiva de modelos e funções cumpre questionar 
que desafios éticos suscitam o desempenho destas atividades. As questões 
éticas, e as suas implicações, são preocupações prementes pois colocam-se 
a montante e a jusante de qualquer prática antropológica, académica ou 
aplicada (Laraia, 1994). Todavia, se no quadro académico há um conjunto 
de normas relativamente estabelecidos sobre a conduta da pesquisa e a 
divulgação dos resultados, esta matéria é mais complexa em relação aos 
praticantes da antropologia fora do quadro académico. Segundo Doughty 
(2005) as considerações éticas preocupam profundamente os antropólogos 
pois as responsabilidades são acrescidas tendo presente a proximidade e 
intimidade como, no contexto da pesquisa, a informação obtida resulta de 
um relacionamento de confiança. 
Quais são então os princípios essenciais da ética antropológica? 
Podemos distinguir na antropologia a existência de princípios éticos que se 
cingem à atividade académica e os princípios éticos que se aplicam no 
contexto da antropologia aplicada? Estes últimos não são uma mera 
extensão daqueles e pode dizer-se que ambos se influenciaram tendo 
mesmo a prática antropológica aplicada motivado uma maior reflexibilidade 
no domínio académico. 
Segundo Ervin (2000, 30), há quatro princípios essenciais que têm 
que ser assegurados no desempenho de uma atividade antropológica 
aplicada são: 
1. o consentimento informado 
 
2. o modelo “clínico” de consentimento na informação 
 
3. a confidencialidade e direitos pessoais à privacidade 
 
4. s disseminação do conhecimento 
123 
 
O consentimento informado consiste no princípio de que se assume 
que a comunidade estudada/analisada deve estar consciente do trabalho em 
curso, os seus objetivos, quem o solicitou e porquê bem como os riscos e 
benefícios que dele poderão advir. Como afirma Ervin (2000, 30) “O trabalho 
antropológico não pode ser clandestino”. Este princípio é dos mais 
controversos tanto na antropologia académica como na aplicada. O princípio 
descarta imediatamente determinadas práticas de investigação recorrentes 
na antropologia académica e na sociologia como a pesquisa encoberta do 
investigador. É um aspeto crucial pois a resposta da comunidade pode ser 
determinante na prossecução do trabalho. 
Por modelo “clínico” de informação consentida considera-se que em 
algumas situações é exigido que determinados estudos se realizem tendo 
por base um contrato legal que vincule antropólogo e cliente face à 
comunidade em estudo, ou o individuo que providencia a informação. São 
estudos que se baseiam em indivíduos e que por isso seguem de perto os 
princípios de técnicas de investigação experimental ou clínica. O 
compromisso assenta em dois tipos de contrato: um explica os objetivos, 
métodos e plano, o que é esperado dos participantes bem como os riscos e 
benefícios que estes poderão correr; o segundo documento, muitas vezes 
elaborado como uma ficha, será preenchido pelo participante que reconhece 
ter conhecimento dos objetivos, riscos e benefícios da sua participação. 
A noção de confidencialidade e direitos pessoais à privacidade é 
fundamental. O antropólogo deve assegurar que os nomes verdadeiros dos 
participantes ou informantes não sejam usados nos relatórios ou publicações 
por esse facto permitir a identificação da comunidade ou grupo estudado. 
Esta prática não isenta que a comunidade/organização não seja reconhecida 
por terceiros, sobretudo se o caso obtiver muita exposição pública. Todavia, 
é essencial que, a ocorrer essa divulgação pública, a comunidade possa 
validar esse facto. 
A disseminação de conhecimentos é um processo essencial. Ao 
contrário do estudo académico o trabalho aplicado realizado pelo 
antropólogo destina-se a ser devolvido não aos seus pares mas às pessoas 
que serão as beneficiárias do seu estudo. Não deve haver secretismo sobre 
124 
 
os resultados da pesquisa e a comunidade deve ter acesso aos resultados 
do estudo. O próprio antropólogo poderá participar em 
apresentações/discussões públicas sobre o seu trabalho. 
Por sua vez, Willigen (1986, 44) enuncia a privacidade, o 
consentimento, a utilidade e a comunicação como princípios éticos 
fundamentais. Embora haja uma continuidade entre os princípios de ambos 
os autores a noção de utilidade empregue por este tem uma relevância 
semântica particular pois coloca a ênfase na questão: quem lucra com o 
trabalho? Este enunciado alerta para o facto de ser necessário tornar claro 
quem é que beneficia com o estudo. Como o autor alerta a informação pode 
ser usada para controlar pessoas, isto é: conhecimento é poder. Assim, é 
necessário identificar claramente quem é o cliente e quais são os seus 
representantes (a existência de subgrupos dentro da comunidade pode levar 
a uma utilização abusiva de informação) e o que estes pretendem fazer 
como estudo 
Um exemplo atual que ilustra bem este dilema envolve a polémica 
associada com a utilização de antropólogos pelo exército americano em 
vários cenários de guerra, como o Afeganistão71. Todavia, esta não é uma 
prática recente, basta para tal relembrar o trabalho já mencionado de Ruth 
Benedict “O Crisântemo e a Espada”, publicado originariamente em 1946, 
com a diferença que agora os antropólogos fazem parte direta das unidades 
de combate. 
A formação de associações profissionais de antropólogosvocacionadas para a antropologia aplicada manifesta o crescimento desta 
área de trabalho. Uma das preocupações de muitas destas organizações foi 
o estabelecimento de códigos éticos. Apresentam-se de seguida (Quadro 4) 
dois exemplos de códigos de duas das maiores entidades na área: a Nacional 
Association for the Practice of Anthropology (NAPA)72 e a Society for Applied 
Anthropology (SFAA)73, ambas sedeadas nos Estados Unidos da América: 
 
71 Ver: Globo.com: EUA recorrem a antropólogos para resolver conflitos no Afeganistão 05/10/07 
http://g1.globo.com/Noticias/Mundo/0,,MUL145075-5602,00-
EUA+RECORREM+A+ANTROPOLOGOS+PARA+RESOLVER+CONFLITOS+NO+AFEGANISTAO.html 
72 http://practicinganthropology.org/ 
73 http://www.sfaa.net/ 
125 
 
Quadro 4 
NAPA SFAA 
Respeitar os direitos humanos e o 
bem-estar dos grupos afetados por 
decisões, programas ou pesquisas 
nas quais os antropólogos tomam 
parte. 
Para com as pessoas que 
estudamos temos a obrigação de 
revelar os objetivos, métodos e 
patrocínio da pesquisa. 
 
A obrigação de informar atempada 
e perfeitamente os sujeitos de 
investigação dos objetivos, 
métodos e patrocínios das 
atividades. 
 
Para com as comunidades 
afetadas pelas nossas atividades 
devemos respeito pela sua 
dignidade, integridade e valor. 
 
Para com os empregadores há a 
obrigação de prover competência, 
eficiência, competências 
profissionais e técnicas, realizadas 
atempadamente e comunicadas de 
uma forma compreensível. 
 
Para com os colegas temos a 
responsabilidade de não 
empreender ações que possam 
impedir as suas atividades 
profissionais. 
 
Na relação com estudantes ou 
formandos manter uma atitude 
séria, justa, não discriminatória e 
não exploratória. 
 
Para com os nossos estudantes, 
estagiários ou formados, temos a 
obrigação de não discriminar o 
seu acesso aos nossos serviços. 
Para com os colegas, antropólogos 
e outros, há a responsabilidade de 
desenvolver o trabalho de forma a 
facilitar as suas atividades e não 
comprometer as suas 
possibilidades de trabalho. 
 
Para com os nossos 
empregadores e outros 
patrocinadores devemos 
apresentar de forma correta as 
nossas qualificações e 
desempenhar de forma 
competente, eficiente e 
atempadamente os trabalhos 
solicitados. 
 
Para com a disciplina há a 
responsabilidade de agir de forma 
a apresentar a disciplina ao público 
e a outros profissionais de uma 
perspetiva favorável. 
Para com a sociedade temos a 
obrigação de providenciar o 
benefício dos nossos 
conhecimentos e capacidades em 
interpretar sistemas 
socioculturais 
 
Podemos observar nas diferentes formulações os princípios 
enunciados pelos autores analisados. É interessante a ressalva relativa aos 
126 
 
direitos humanos e bem-estar formulada pela NAPA. Obrigações, 
compromissos e responsabilidade parecem ser os princípios essenciais em 
relação aos grupos sociais com quem se trabalha, os empregadores, colegas 
e a sociedade em geral. É evidente que se trata de um guião genérico de 
princípios. Cada caso concreto tem idiossincrasias próprias que requerem 
uma abordagem específica e a ênfase num ou noutro dos domínios 
enunciados. Por último, a postura do antropólogo pode afirmar-se pela 
simples recusa de desenvolver um trabalho. Para além de questões legais, 
estas atitudes resultam igualmente de resoluções morais. 
 
 
A Antropologia Aplicada: Brasil e Portugal – realidades diferentes 
 
A Antropologia Aplicada tem uma dimensão nacional considerando os 
problemas específicos que emergem em cada país. Iremos ilustrar estas 
diferenças com base em dois exemplos: o Brasil e Portugal. 
 
Moonen (1988) indica que a antropologia é uma disciplina nova no 
Brasil mas que desde cedo se notou a preocupação por parte de alguns 
autores com a ética profissional face às populações estudadas, 
nomeadamente as populações indígenas. Deve igualmente colocar-se ao 
serviço de grupos considerados marginais e minoritários (“negros, 
camponeses, trabalhadores rurais e urbanos, favelados, menores 
abandonados, delinquentes juvenis, mendigos, domésticas e outros grupos 
oprimidos ou marginalizados” 1988,59) 
Tradicionalmente, os índios são aqueles que mais captaram a atenção 
dos antropólogos embora o autor critique severamente a universidade por 
não preparar os antropólogos para lidar numa postura crítica com estes 
temas, mas somente a sua capacidade de analisá-los “cientificamente”. 
Já em 1977 Ribeiro e Davis, citado por Moonen (1988, 58) listavam 
as preocupações éticas e profissionais que os antropólogos deviam ter para 
com estes: 
 
127 
 
(1) denunciar frente à opinião pública cada atentado contra os 
grupos indígenas; 
(2) buscar formas de devolver aos índios e outras populações que 
estudamos aquela parte do conhecimento que deles 
alcançamos, que lhe possa ser útil em seus esforços para sair 
da situação dramática em que se encontram; 
(3) incluir na temática dos nossos estudos, com marca de 
prioridade, os problemas de sobrevivência, de libertação e de 
florescimento dos grupos indígenas; 
(4) montar uma campanha agressiva contra todas as tentativas de 
remoção ou relocação compulsória de povos indígenas de seus 
territórios e terras originais; 
(5) documentar publicamente o papel dos poderosos interesses 
econômicos, muitas vezes internacionais ou multinacionais, que 
são envolvidos directamente na expropriação maligna e ilegal 
da terra; 
(6) denunciar as várias ideologias disfarçadas de aculturação 
forçada, denominadas eufemisticamente “programas de 
integração nacional” “(Ribeiro e Davis in Moonen, 1988, 58) 
 
A estas o autor acrescenta: 
 
(7) “devolver aos índios o seu passado histórico, contado do ponto 
de vista indígena, de tal maneira que possa ser útil, 
principalmente para a recuperação dos seus territórios e a 
conquista da sua libertação; 
(8) orientar os índios quanto ao funcionamento da sociedade 
nacional, seus direitos e deveres, os perigos e as possibilidades 
que a mesma oferece; 
(9) assessorar os índios em projectos de “desenvolvimento 
comunitário” e outros elaborados por eles mesmos; 
(10) assessorar os índios sobre as possibilidade, estratégias e 
consequências de uma verdadeira “libertação indígena”, 
incluindo a assessoria e análise crítica dos movimentos 
indígenas locais, regionais e nacionais.” (Moonen, 1988, 58/59) 
 
A questão indígena coloca sérios desafios à Antropologia no Brasil, 
como refere Azanha (s.d.) 
 
Para a política indigenista oficial, o ponto de vista da Antropologia deve, 
sempre, ser “neutro”, não pode “incitar a ação” sob pena de repressão. 
128 
 
É o caso de nos perguntarmos o que teme o Estado, já que ele controla 
muito mais o nosso trabalho de antropólogos de que a ação dos 
garimpeiros, fazendeiros e salesianos. Teme – e sempre temeu – que o 
nosso envolvimento com as “razões subjetivas” dos índios possa 
acarretar ações que levem a contestações do seu poder. E foi isto o que, 
acreditamos, ocorreu e tem ocorrido de 1975 para cá: o “envolvimento” 
dos antropólogos com a luta dos índios. 
Hoje, o maior envolvimento de muitos antropólogos com as “razões 
subjetivas”, dos índios levou, pensamos, a uma mudança na qualidade 
da observação etnológica – que, ao invés de ter a “assimilação ou 
extinção” como seu horizonte, descobre que as sociedades indígenas 
guardam a capacidade de reagiram à situação de expropriação e 
dominação conforme seus próprios parâmetros (é a chamada 
“resistência”). E descobre porque esta observação se fez crítica em 
relação ao futuro destas sociedades e tornou-se atenta aos seus 
motivos. 
 
A Antropologia Aplicada em Portugal 
 
No artigo de Afonso (2006) é identificado o desenvolvimento da 
antropologia em Portugal em três estádios. O primeiro, a que denomina 
proto-antropologia, desde o século XIX até à segunda Guerra Mundial 
caracteriza-se pelo domínio da corrente Romântica. A partir dos anos 
quarentae sobretudo por influência de Jorge Dias, desenvolvem-se os 
estudos de comunidades e culturas, quer nacionais quer coloniais. A 
institucionalização lenta da antropologia só ocorre após a revolução de 
1974. É também neste período que a autora identifica a emergência de uma 
Antropologia Aplicada. 
Isto não quer dizer que a antropologia não tivesse anteriormente uma 
dimensão prática. Em Portugal a relação da antropologia e a sua 
aplicabilidade no domínio colonial ficou vincada com a relação da Escola 
Superior Colonial, criada em 1906 (posteriormente Instituto Superior de 
Estudos Ultramarinos, e atualmente Instituto de Ciências Sociais e Políticas). 
A existência da Escola não é um caso isolado, ela insere-se no quadro 
europeu da época em que surgiram várias escolas com o mesmo propósito. 
O Primeiro Congresso Nacional de Antropologia Colonial realizado nos 
anos quarenta estabeleceu e firmou propósitos claros de contribuir através 
dos seus estudos como base para: 
129 
 
 
(…) qualquer plano racional de organização e aproveitamento das 
colónias. Assim os assuntos de que vai ocupar-se o congresso 
revestem, além do seu grande interesse científico, uma alta 
importância nacional. (Moonen, 1988, 23) 
 
Neste âmbito desenvolveram-se várias missões às colónias no sentido 
de coletar dados tanto físicos como culturais sobre as suas populações (ver 
o artigo de Sholten indicado em Fonte de Estudo on-line). 
Jorge Dias desenvolveu também trabalho com a sua equipa em 
Moçambique junto dos Maconde, afastando-se do modelo antropobiológico. 
O seu trabalhado representou, segundo a autora, o reconhecimento político 
da importância da disciplina. No seu relatório o autor foi crítico de certas 
práticas racistas na colónia nunca deixando, no entanto, de ressalvar o 
aspeto civilizador que a presença portuguesa tinha. Segundo Afonso (2006, 
160) o criticismo aproxima Dias das estratégias de antropologia-advocacia. 
No período pós 1974 observou-se a institucionalização da antropologia 
em Portugal com vários cursos a surgirem em Portugal e a absorver um 
primeiro grupo de formandos nesta disciplina. Esta tendência em breve se 
esgotaria conjugada com a dificuldade em obter lugares na academia e no 
ensino secundário (onde a antropologia era ensinada como opção). Neste 
período inicial as antropologias académica e aplicada não se dissociam, mas 
com a crescente saída de licenciados em antropologia muitos antropólogos 
encontram-se, por necessidade ou escolha, a trabalhar em áreas novas. Os 
cursos começaram a incorporar disciplinas com uma dimensão mais prática 
e num caso particular, um curso foi criado na Universidade de Trás-os-
Montes: Antropologia Aplicada ao Desenvolvimento. A esta dimensão junta-
se a criação na Universidade Fernando Pessoa de um Centro de Antropologia 
Aplicada. Algumas universidades procuram ainda aumentar a 
empregabilidade dos seus licenciados através da realização de estágios 
(caso do ISCTE - Instituto Superior de Ciências do Trabalho e do Emprego). 
Afonso (2006, 164) reclama que ainda não se pode falar da 
Antropologia Aplicada em Portugal como um campo subdisciplinar 
autónomo. Há, no entanto, um conjunto de áreas onde é possível observar 
130 
 
a emergência de prática antropológica. Prática que ainda se encontra para 
muitos associada com uma imagem negativa da antropologia nas colónias e 
por outro lado é ofuscada pela presença e apelo de outras ciências sociais 
mais conhecidas como a sociologia. 
 
Entre as áreas onde se tem desenvolvido trabalho antropológico 
aplicado a autora menciona (2006, 166-169) a Antropologia do Trabalho, 
Estudos ambientais, Análise de Impacto Social, Migrações, Antropologia e 
Educação, Antropologia Médica, Minorias Étnicas, Estudos pós-coloniais, 
Antropologia Urbana, Antropologia do Turismo, etc. Entre os exemplos 
apontados a autora refere o trabalho de Paulo Granjo no âmbito da 
Antropologia do Trabalho realizado nos anos noventa e que procurou 
relacionar as questões das relações no trabalho e o de risco. No campo dos 
Estudos Ambientais de referir o trabalho realizado pelo CEAS – Centro de 
Estudos de Antropologia Social, ligado ao ISCTE, no âmbito do estudo 
desenvolvido na costa algarvia com o projeto “Gestão Social dos Recursos 
Naturais no Sotavento Algarvio”. 
Outro estudo que contou com a presença de antropólogos foi o Plano 
de Minimização de Impactes do Alqueva, vocacionado em particular para a 
povoação alentejana Aldeia da Luz que foi submersa pela barragem. No 
campo das migrações o estudo “Presentes e Desconhecidos: uma análise 
antropológica sobre mobilidade e mediação com populações migrantes no 
Concelho de Loures” realizado também pelo CEAS, envolvendo sociólogos e 
antropólogos, mostra o interesse de alguns municípios em lidar com as 
novas realidades multiculturais. Exemplo comentado também é o do 
trabalho desenvolvido pela autora em Setúbal no Bairro da Bela Vista com 
o título “Antropologia e Desenvolvimento local: um estudo piloto no bairro 
da Bela Vista”. 
 
 
 
 
 
 
131 
 
 
 3.Campos e objetos da antropologia social e cultural 
 
 
Tapo, Timor Leste: refeição final após a reconstrução da Casa 
Opa, junto à Casa aliada Bosokolo. As Casas sagradas são um 
bom exemplo da interação entre parentesco e poder. 2004. 
L.Sousa. 
 
 
Pressupostos do tema 
 
Os campos de investigação em antropologia social e cultural são 
variados. Neste capítulo iremos estudar dois dos temas tradicionais: a 
antropologia do parentesco e a antropologia política. 
 
 
Objetivos gerais 
 
No final deste tema deverá compreender e explicar: 
 
• a construção social do parentesco; 
• a diversidade de sistemas de parentesco existentes; 
• a relevância da antropologia política 
• a dimensão social do poder 
 
132 
 
3.1 Antropologia e parentesco 
 
 
©Tei (dança) durante o Il po`ho (buscar a água sagrada) envolvendo 
todos os responsáveis cerimoniais das 18 Casas sagradas, 2005. LSousa 
 
Pressupostos do tema 
 
O parentesco é um tema clássico dos estudos antropológicos. Emerge 
com os evolucionistas a questão da origem da família e das relações 
sociais dai decorrentes. Trata-se, apesar das significativas diferenças 
existentes, de um universal de cultura, pelo que o seu recenseamento e 
análise se tornou desde cedo um dos desafios principais da antropologia. 
 
 
 
Objetivos gerais 
 
No final deste tema deverá compreender e explicar: 
 
• a relativa base biológica na construção social do parentesco; 
• a diversidade dos sistemas de parentesco; 
• os determinantes sociais da aliança matrimonial; 
• as caraterísticas dos diferentes sistemas de filiação. 
 
133 
 
3.1.1 O parentesco no ciclo da vida 
 
Os estudos do parentesco foram considerados por muitos como a 
especificidade própria da antropologia, dotados de aspetos teóricos e jargão 
técnico, e constituindo o tema mais esotérico da disciplina. Todavia, os 
temas associados ao parentesco estão intimamente associados à vida 
pessoal de cada pessoa e à sua sociedade. Neste capítulo introdutório 
iremos ver alguns domínios relacionados com o parentesco ao longo do ciclo 
de vida. 
 
 
Antes de começar: guia de instruções para escrita 
antropológica 
 
A demonstração visual das relações de parentesco sempre foi um 
desafio para os antropólogos. Tratando-se de uma convenção este processo 
teve várias propostas. Repare, por exemplo, neste diagrama, reproduzido 
da obra de Morgan de 1870: Systems of consanguinity and affinity of the 
human family74. 
 
Figura 1: Diagrama de parentesco em Morgan 
 
Fonte: Morgan. 1871, 38 
 
74 Pode consultar um exemplar da obra aqui: https://archive.org/details/systemsofconsang00morgrich 
134 
 
Somente com a proposta de Rivers, e o seu método genealógico, se 
observa alguma sedimentação dos símbolos convencionados. Na sequênciada sua participação na expedição às Torres Straits, o autor desenvolve um 
método de recolha genealógico que vai constar da edição de 1912 da Notes 
and Queries on Anthropology75: 
 
 
 
Para poderem analisar os diagramas que vão ser apresentados listam-
se de seguida os principais símbolos, seguindo (Santos, 2002, 127-128; 
2006, 30-31) e Ghasarian (1999, 35-36). 
 
indivíduo de sexo indiferente76 
 
 
 indivíduo de sexo masculino indivíduo de sexo feminino 
 
 indivíduo falecido 
 
 
 + primogénito/irmão/filho mais 
velho 
 + primogénita/irmã/filha mais 
velha 
 
 
75 As Notes and Queries on Anthropology, editado pelo Royal Anthropological Institute of Great Britain 
and Ireland; British Association for the Advancement of Science, foram publicados pela primeira vez em 
1874. Serviam fundamentalmente administradores, missionários ou viajantes procederem à recolha de 
informações etnográficas de uma forma sistemática. A obra sofreu uma evolução e a edição de 1912 já 
era essencialmente vocacionada para antropólogos. Pode consultar o exemplar da 6ª edição aqui: 
https://ia700303.us.archive.org/2/items/NotesAndQueriesOnAnthropology.SixthEdition/NotesAndQu
eriesOnAnthropology.pdf 
76 Usado sobretudo em explicações hipotéticas ou exercícios em que é indiferente o género do 
termo/alter. 
135 
 
 + benjamim /irmão/filho 
mais novo 
 - benjamim /irmã/filha mais 
nova 
 
ou casamento 
 
 
 casamento polígamo 
 
 
 
segundo casamento de um homem 
 
 divórcio 
 
 filiação 
 
 germanidade (relação entre irmãos) 
 
 marido e mulher 
 com filho (procriação/descendência) 
 irmão e irmã 
As abreviações de parentesco são também um tema complexo em 
antropologia embora haja um maior consenso, pelo menos em língua 
inglesa. Foi a partir desta que foram efetuadas um sistema de abreviações 
que foi usado regularmente, quer pelos autores ingleses quer de outras 
A aparente complexidade destes esquemas tem alguma utilidade para além dos antropólogos 
que trabalham questões de parentesco? Um dos usos mais recorrentes destes esquemas, para 
além do interesse crescente que do seu uso nas “árvores” genealógicas, é na medicina. 
Designados por genogramas estes esquemas permitem analisar a história médica de uma 
família através das suas gerações. Veja um exemplo aqui: 
http://www.actamedicaportuguesa.com/revista/index.php/amp/article/viewFile/3676/2943 
136 
 
nacionalidades. Todavia, há tradições nacionais, como a francesa, que usam 
a sua. Em Portugal ocorre o mesmo. Santos (2002, 132-133; 2006, 37) 
procurou sistematizar uma proposta em língua portuguesa. 
Consanguíneos: 
Pai P 
Mãe M 
Filho Fo 
Filha Fa 
Irmão Io 
Irmã Iã 
Tio IoP/IoM (irmão do pai/da mãe) 
Tia IãP/M (irmã do pai/mãe) 
Sobrinho FoIo/FoIã (filho do irmão/da irmã) 
Sobrinha FaIo/FaIã (filha do irmão/da irmã) 
Primo FoIoP/FoIoM/FoIãP/FoIãM (Filho do irmão do pai/ 
/do irmão da mãe/da irmã do pai/da irmã da mãe 
Prima . FaIoP/FaIoM/FaIãP/FaIãM (filha do irmão do pai/do 
irmão a mãe/ etc. 
Primogénito Pgt 
Benjamim Bjm 
 
 
Afins: 
Marido Mdo 
Esposa/Mulher Esp/ Mer 
Cunhado IoMdo/IoMer/MdoIã/MdoIãMdo/MdoIãEsp (irmão do 
marido/irmão da mulher/marido da irmã/marido da 
irmã do marido/marido da irmã da esposa. 
Cunhada IãMdo/IãEsp/EspIoMdo/EspIoEsp (irmã do 
marido/irmã da esposa/esposa do irmão do 
marido/esposa do irmão da esposa. 
Ego: da palavra latina “eu”. Termo convencional pelo qual se designa o 
individuo escolhido como ponto de referência na notação e descrição de 
um sistema de parentesco. 
 
Alter: da palavra latina “outro”. Termo convencional pelo qual se designa 
o individuo escolhido como ponto de comparação de Ego. 
137 
 
Os primos paralelos definem-se pelo facto de serem indivíduos 
descendentes de irmãos do mesmo sexo. Por seu turno, os primos 
cruzados são descendentes de irmãos de sexo diferente. Os primos do 
lado paterno designam-se ainda “patrilaterais” enquanto do lado 
materno se designam matrilaterais (diagrama 1). 
 
Diagrama 1: Primos cruzados e primos paralelos 
 
 
 
 
 
primos cruzados primos paralelos Ego primos paralelos primos cruzados 
 
 patrilaterais matrilaterais 
 
Princípios gerais de classificação de parentesco: guia rápido 
As sociedades distinguem as relações de parentesco de formas 
diferentes. Há princípios que são essenciais reter: 
Geração: este princípio permite a Ego distinguir as gerações ascendentes 
das descendentes. 
Linear versus colateralidade: este princípio permite a Ego distinguir os 
parentes que estão na mesma linha (avô-pai-filho/avó-mãe-filha) dos 
parentes colaterais, i.e.: os que são descendentes de um antepassado 
comum com Ego mas que não são seus ascendentes ou descendentes 
diretos. Ex:. os irmãos e irmãs (germanos) e os primos são colaterais. 
Género: alguns termos diferenciam o género (tio/tia) mas há outros em 
que tal não é percetível (ex.: cousin em inglês). 
Idade relativa: em alguns sistemas de parentesco há um princípio 
diferenciador dos termos relativamente à idade, diferenciando os mais 
velhos dos mais novos, primogénitos e benjamins respetivamente. Ex. entre 
138 
 
os Bunak, de Timor-Leste, o irmão mais velho é denominado “ka`” e o mais 
novo “kau”. 
Consanguinidade versus afinidade: a distinção entre os parentes de Ego 
relacionados com Ego por “sangue” (consanguinidade – todavia, o “sangue” 
não é forçosamente o elemento equacionado em todas as situações, veja-
se o caso das adoções). O termo consanguinidade tem uma forte conotação 
europeísta). Os parentes por afinidade são adquiridos sobretudo por via do 
casamento. No entanto, há formas de aquisição diferentes: ex:. 
apadrinhamento. 
O sexo dos parentes pode ser um elemento diferenciador. Um exemplo que 
analisaremos de seguida é a diferenciação entre primos paralelos e primos 
cruzados que depende do sexo dos seus progenitores. 
Bifurcação: relativo ao lado da família, com base neste princípio os termos 
de parentesco distinguem os parentes do lado da mãe dos do lado do pai. 
Exemplo, caso do sistema iroquês, em que há uma diferenciação. 
 
 
O ciclo de vida: o(s) corpo(s) e a sociedade77 
 
Vamos de seguida proceder ao estudo do ciclo de vida, usando este 
conceito como um dispositivo para relacionar, analisar e interpretar as 
incidências que envolvem o ciclo biológico comum e as diferenças 
socioculturais que caracterizam a forma como cada sociedade interpreta e 
constrói esse processo. 
O ciclo de vida é marcado por quatro momentos essenciais: 
nascimento, maturidade, reprodução e morte (Hoebel e Frost, 2001,160). 
Esta perspetiva, eminentemente reprodutiva, por ser complementada por 
 
77 Na tradição dos estudos do Sudoeste Asiático, nomeadamente da Indonésia e Timor Leste, a gestão e 
manutenção destes momentos críticos da vida social tem a feliz designação de “fluxo de vida”, título da 
obra “The Flow of Life- Essays on Eastern Indonesia”, editada por James Fox, em 1980. 
139 
 
outra, mais vocacionada para o quadro temporal e correspondentes 
expetativas sociais: nascimento e infância, puberdade e adolescência, 
maturidade e casamento e velhice e morte (Titiev, 1985, 313). Estes são 
momentos de crise com respostas variadas por parte de diferentes culturas. 
 
Figura 2: ciclo da vida 
 
Fonte: adaptado de Titiev (1985) 
 
 
Nascimento e infância 
 
A montante do nascimento, o “ciclo vital” (Hoebel e Frost, 2001, 160-
174) inicia-secom a conceção. Este ato não é em todas as culturas veiculado 
ao ato sexual, nem em todas é reconhecido a ambos os progenitores um 
papel fundamental. De igual forma, o anúncio do estado de gravidez, não é 
um evento que se limite aos cônjuges, a comunicação do estado da mulher 
tem importância para ambas as famílias. 
Em algumas sociedades a conceção é considerada milagrosa, enquanto 
noutras ela é vista como a reencarnação do espírito de um antepassado, 
exemplo dos trobriandenses estudados por Malinowski, ou dos Baruya, 
estudados por Godelier (2003). Fortune refere em relação aos habitantes de 
Dobu: 
 
Em Dobu não se ignora o papel do elemento masculino na 
procriação. Crêem que o sémen é leite de coco que passou pelo 
corpo do homem até ser expelido no momento do orgasmo. Pensam 
que este leite de coco expelido fertiliza a mulher, fazendo com que 
dentro dela o sangue – que quando não está fertilizado sai todos os 
meses no fluxo menstrual – coagule e forme o feto. (Fortune, 1977, 
327-328) 
 
Nascimento 
e infância 
Puberdade e 
adolescência 
Maturidade 
e casamento 
Velhice 
e morte 
140 
 
A paragem do fluxo menstrual é determinante para o reconhecimento 
da gravidez, entre outros sinais fisiológicos (aumento dos seios, crescimento 
abdominal, enjoo, etc.). Este fato vai estabelecer para a mulher e o seu 
parceiro um conjunto de obrigações ou restrições, muitas vezes impostos 
por uma série de tabus pré-natais que procuram salvaguardar o processo 
de gestação (exemplo de proibições alimentares ou de contacto sexual). 
No entanto, entre os Baruya, estudados por Godelier (2003), a 
continuidade de contacto sexual do homem com a mulher é determinante 
para assegurar a força e saúde do ser em gestação pois considera-se que o 
sémen do homem é fundamental na formação do corpo do ser em 
gestação78. 
A conceção pode ainda ser tomada como uma reprodução das relações 
e categorias culturais da sociedade em causa relativamente à ideologia da 
procriação. Em algumas, como no caso dos Bunak79, a mulher é associada 
à terra mãe e o ato sexual é o encontro do frio (feminino) com o quente 
(masculino) à imagem da terra (feminina) que recebe as sementes e a 
fertilização das chuvas (masculinas) Friedberg (1980) 
 
 
Parto (descendência e filiação) 
 
O momento do parto é precedido de diferentes formas de preparação. 
Sendo um momento predominantemente feminino, em pequenas 
comunidades, as parteiras, as mães ou grupos de pares asseguram-no, por 
norma no domicílio. Este pode ser precedido de invocações específicas de 
carácter mágico ou religioso. Nos países ditos desenvolvidos existem cursos 
de preparação específicos, ocorrendo os partos em ambientes hospitalares 
 
78 Estas conceções devem ser vistas de uma forma mais holística pois esta ideologia ajuda a cimentar a 
luta que os homens Baruya têm para manter a hegemonia sobre as mulheres. Para compreender melhor 
esta questão consulte Godelier (2003). 
79 Os Bunak são um povo de língua não austronésia que habita a parte central da ilha de Timor. 
Encontram-se divididos entre o Estado de Timor-Leste e Timor Ocidental, Indonésia (para saber mais 
consultar Sousa, 2010). 
141 
 
havendo, no entanto, uma cada vez maior procura do parto em casa, facto 
que encontra oposição entre elementos da classe médica80. 
 
O recolhimento 
 
O período pós-parto é marcado por um período de recolhimento, ou 
reclusão. Durante este tempo a mulher e o recém-nascido são objeto das 
mais diversas atenções. Entre os Bunak do distrito de Bobonaro a reclusão 
da mulher é feita na “cozinha”, uma parte da casa ou anexo próprio, onde 
vai estar durante cerca de mês um tronco “oto po`” – fogo sagrado (que foi 
recolhido pelo pai da criança como preparativo para o parto) que vai 
“aquecer” a mulher e o recém-nascido, sujeitos a banhos de água quente 
para recuperar o corpo, no caso da mulher, e formar o do recém-nascido. 
 
 
Bunak -visita de parentes, ao centro o oto po` 
- tronco de madeira que arde continuamente, 
2005. LSousa. 
 
Em alguns casos após o parto a mulher retoma a suas atividades sendo 
o homem quem vai para a cama para recuperar do parto. Esta prática 
 
80 “Público - 24 Dez 03, Partos em Casa Estão a Aumentar em Portugal Por Catarina Gomes “(…) Depois 
de durante dois anos ter estabilizado na casa dos 500, no ano passado os partos domiciliários subiram 
para 751. Uma proposta do Sindicato dos Enfermeiros Portugueses lançou recentemente o debate: a 
forma de fazer face à falta de médicos nas maternidades e de combater "a medicalização" de um ato 
que é natural passa por incentivar esta prática. (…) Levar adiante a proposta seria "um desastre" e "um 
retrocesso de 50 anos", defende por sua vez o presidente da Sociedade Portuguesa de Obstetrícia e 
Ginecologia. (…)” 
142 
 
designa-se couvade, ou falsa- gravidez, e é praticada em algumas culturas 
da Ásia, América do Sul e mesmo na Europa até recentemente junto dos 
Bascos (Akoun, 1983). Esta prática consiste em o pai se deitar junto do 
recém-nascido para o “chocar” (couver), recebendo as felicitações e votos 
habitualmente destinados à mãe. 
Por este gesto simbólico, o pai participa socialmente no nascimento do 
filho. Semelhante rito parece ser atribuído sobretudo a certas sociedades 
matrilineares (…) O recurso a este costume permitiria assim que o marido 
recuperasse os seus direitos de paternidade sobre o filho da sua mulher. 
(Akoun, 1983, 132). Este é um período de intensa atividade social com a 
visita de familiares e aliados que vêm conhecer o novo membro da família 
pois este membro vem repor nas relações de aliança, numa perspetiva 
estruturalista, mais um elemento de troca social. Entre os Bunak durante 
esta fase inicia-se a procura o nome da criança (o nome “gentio”), que é 
revelado em sonhos entre os parentes uterinos da mãe. 
Por norma o parto é um momento fundamental para muitas 
sociedades, que consideram o nascimento como essencial para dar 
continuidade aos grupos sociais envolvidos, mas também, a um título 
pessoal, reconhecer o papel social da mãe e pai. As relações de parentesco 
estão fortemente associadas a uma componente biológica. Todavia, 
parentesco pode ser classificado em “real” e “fictício”. O parentesco “real” 
é usualmente derivado e uma relação biológica, mas este não é um facto 
universal. 
Um exemplo clássico é o de Malinowski em “A vida Sexual dos 
Selvagens”. Este autor refere que os trobrianders não acreditavam que o 
pai tivesse algo a ver com a conceção da criança. Para estes, a geração de 
uma criança estava associada a um espírito do clã da mulher. 
O parentesco fictício associa-se a relações no qual as pessoas se 
tratam por termos de parentesco, mas, de facto, não estão relacionadas. 
Neste contexto, a terminologia de parentesco assume-se com um elo de 
ligação e marcador de obrigações sancionadas socio religiosamente pelo 
grupos. O exemplo deste tipo de parentesco é o atributo de denominação 
de “irmãs” e “pai” entre movimentos religiosos ou outros. 
143 
 
Por descendência é usualmente reconhecido o conjunto de pessoas 
que têm origem em determinado individuo, Ego (e para quem este é o seu 
ascendente). Todavia, o termo filiação81, compreende uma dimensão mais 
social pois constitui a regra através da qual um determinado individuo 
adquire82 parentesco na sociedade em causa. Nesta aceção a filiação implica 
direitos e deveres por parte do novo membro. Uma definição de trabalho 
pode ser avançada: “Conjunto de direitos e obrigações que resultam da 
inclusão num determinado grupo pela transmissão de posições filiativas de 
uma geração a outra”. (Barry et al, 2000.725). 
Como refere Ghasarian (1999) “A filiação é o princípio que governa a 
transmissão do parentesco”, através do qual é atribuído o estatuto de 
pertença a um determinado grupo de filiação.Este princípio está relacionado 
com uma determinada ideologia de descendência que a sociedade em causa 
veicula como preceito, a que Gasahrian (1999, 50) denomina “ ideologia da 
procriação”83. 
De facto, é importante não associar filiação exclusivamente a relações 
de consanguinidade. Como refere Santos: “(…) a filiação define relações de 
consanguinidade reais ou fictícias que separam de outros grupos de 
consanguíneos diferentes e os torna possíveis aliados, segundo a seleção 
imposta pelo tabu do incesto.” (2002, 153). 
O exemplo mais concreto desta situação é a que advém da relação de 
adoção. O “pai” e a “mãe” são reconhecidos socialmente como detentores 
de um papel e estatuto perante o “filho” ou “filha”, embora não estejam a 
ele/a ligados por laços de consanguinidade. Esta diferenciação é relevante 
pois, como refere Santos (2002) procede à distinção essencial entre genitor 
 
81 Não analisaremos aqui a controvérsia de tradução existente entre a tradição inglesa, que usa o termo 
descendência no sentido em que, usualmente, se emprega, na tradição francesa o conceito de filiação. 
82 A filiação é, por norma, atribuída (sobretudo nos sistemas unilineares). Todavia, pode ocorrer 
situações em que a filiação é objeto de aquisição por escolha ou opção (sobretudo nos sistemas de 
filiação indiferenciados). 
83 Esta tensão não pode ser dissociada da ideologia dominante sobre o papel do homem e da mulher na 
sociedade em causa, assim como das relações de poder e de autoridade que lhes estão atribuídas. Este 
aspeto é sobretudo comentado no caso do sistema matrilinear, que não se pode confundir de forma 
direta com “matriarcado”. De facto, mesmo nas sociedades matrilineares o papel e o poder dos homens 
(enquanto irmãos das mulheres e tios dos filhos destas) são determinantes. 
144 
 
e pai/mãe social, realidades que nem sempre coincidem84. No entanto, esta 
distinção não implica o desconhecimento do papel biológico das partes 
envolvidas. O exemplo dado por Santos (2002) é o dos Nayar, do sul da 
Índia, que distinguem três papéis sociais: o papel de pai social, de genitor 
e detentor da autoridade. 
Qual é a relevância da filiação? A filiação é essencial porque ela 
determina, em cada sociedade, o conjunto de parentes com quem se pode 
ou não casar (seguindo as regras de incesto) e, por outro lado, define as 
condições particulares em que se limitam os direitos e obrigações 
decorrentes da herança e sucessão. Estes aspetos são essenciais na 
atribuição do papel e estatuto social de cada individuo na sociedade em 
causa. 
George Murdock (1967 [1949], 59) no seu estudo clássico 
comparativo de 250 sociedades indica os seguintes dados para a distribuição 
das regras de filiação: A filiação unilinear por via patrilinear é a mas comum, 
seguida da filiação bilateral (indiferenciada). A matrilinear registava-se em 
52 sociedades e finalmente, com menor representatividade a dual. 
Regra de 
filiação Número % 
Patrilineal 105 42% 
Matrilineal 52 21% 
Dual 18 7,2% 
Bilateral 75 30% 
Total 250 100 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
84 Relembramos que podem ocorrer duas situações possíveis aquando da reprodução biológica e a sua 
articulação com o reconhecimento social do mesmo. Assim, há o genitor (reconhecido como pai 
biológico) e a genetrix (reconhecida como mãe biológica) que podem ou não coincidir com o pater (pai 
reconhecido socialmente, incluindo o caso da adoção) e a mater (mãe reconhecida socialmente, 
nomeadamente em situação de adoção). 
Teoria da filiação: 
 
foi desenvolvida no contexto do estruturo-funcionalismo. Esta teoria privilegia as relações de filiação 
entre os grupos de filiação (e no seu seio), definidos como pessoas morais. Este modelo foi sobretudo 
aplicado no contexto de sociedades segmentárias. 
 
A esta teoria opôs-se a teoria da aliança, proposta estruturalista de Lévi-Strauss (1949), que privilegia a 
análise das redes de afinidade que se estabelecem entre os grupos, enfatizando este propósito como 
primordial nas relações de parentesco. 
	
145 
 
Existem três grandes tipos de organização do parentesco com base na 
filiação: 
1. As sociedades de sistema de filiação unilinear (patrilinear ou 
matrilinear); 
2. As sociedades de sistema de filiação bilinear (também denominada 
como dupla ou dual); 
3. As sociedades de sistema de filiação indiferenciada (bilateral ou 
cognática). 
 
Figura 3: tipos de filiação 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Filiação unilinear 
 
A filiação unilinear carateriza -se pelo facto de um individuo pertencer 
exclusivamente a um grupo de parentesco: ou o grupo de filiação do seu 
pai, à linha paterna (filiação patrilinear) ou ao grupo de filiação de sua mãe, 
à linha materna (filiação matrilinear). 
 
 
Filiação patrilinear (ou agnática85) 
 
Nestas sociedades a pertença ao grupo de parentesco obtém-se 
exclusivamente pelo pai e a sua associação é vinculada ao grupo paterno. 
 
85 De agnatos, “(…) indivíduos que descendem de um mesmo antepassado exclusivamente pelo lado 
dos homens.” (Panoff e Perrin, s.d., 14). 
Filiação 
unilinear bilinear indiferenciada 
patrilinear matrilinear 
146 
 
Entre os filhos o de sexo masculino será aquele que irá dar continuidade à 
linha paterna. As filhas não transmitem este laço pois os seus filhos irão 
pertencer à linha paterna dos seus futuros maridos. 
 
 
Diagrama 1: filiação patrilinear 
 
 
 
 
 
 
 
Observe agora com atenção o Diagrama 2. A filiação de Ego atravessa 
a linha 1 (bisavô paterno) – 7 (avô paterno) – 16 (pai). Ego partilha a filiação 
com os seus germanos, 24 (irmão) e 25 (irmã) mas como podem observar 
somente ele e o seu irmão podem transmitir a filiação patrilinear. A sua irmã 
não a transmite aos seus filhos pois estes receberão a filiação por via do seu 
marido (omisso neste quadro por efeitos de simplificação) 
 
Diagrama 2: exemplo de filiação patrilinear 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 44 43 42 41 40 39 38 
17 
36 35 34 33 32 31 30 29 
28 22 27 
37 
25 24 23 
21 20 19 18 
26 
16 15 14 13 
12 11 10 
4 2 1 3 5 6 
7 8 9 
147 
 
Como refere Santos (2002, 157) os muçulmanos são 
caracteristicamente patrilineares pelo que os filhos de um casal têm o 
estatuto de pertença ao grupo de parentes do pai. Sendo a que mais 
representatividade tem entre os princípios de descendência podemos 
encontrar vários exemplos etnográficos para além dos citados. 
Historicamente os princípios patrilineares eram os usados entre as “tribos” 
bíblicas de Israel e entre os Gregos e Romanos. 
Os Kemak, ou Ema, de Timor-Leste, são outro exemplo de filiação 
patrilinear, este último com base na patrilinhagem da Casa86 (Clamagirand, 
1980). Tal como no caso muçulmano emergem atualmente tensões relativas 
à pertença dos filhos em caso de divórcio87. Tradicionalmente estes são da 
Casa do marido, norma que é estabelecida pelo contrato de casamento 
tradicional, assinalado por um conjunto de prestações e contraprestações 
pecuniárias e de bens materiais e animais entre as famílias. O exemplo 
Kemak é igualmente relevante para analisar o papel da mulher neste 
sistema. De facto, a irmã de Ego no diagrama tem um estatuto de relevo 
sobretudo se permanecer solteira. O que ocorre em muitas das situações, 
como os exemplos em causa, é que através do casamento esta passa a 
pertencer ao grupo do marido. Nestas condições, por norma associadas a 
padrões de residência patrilocais, o poder da mulher no seu grupo de origem 
enfraquece. 
 
Filiação matrilinear (ou uterina) 
 
Neste sistema de filiação o parentesco é transmitido exclusivamente 
pelas mulheres, pelo que as filhas são essenciais na continuidade do grupo 
materno. Neste sistema os homens, ao contrário das suas irmãs, não 
transmitem a sua pertença aos filhos, que pertencerão ao grupo maternodas suas esposas. 
 
 
86 As sociedades de Casas foram mencionadas por Claude Lévi-Strauss, como referido por Santos (2002). 
Analisaremos melhor estas de seguida. 
87 Este é um aspeto que entra em confronto com a implementação de normas de Direito. A relação entre 
este e o denominado direito costumeiro é um polo de tensão e negociação na construção do Estado. 
148 
 
Diagrama 3: filiação matrilinear 
 
 
 
 
 
 
 
Observe com atenção a Diagrama 4. A filiação de Ego atravessa a 
linha 6 (bisavó materna) – 10 (avó materna) – 17 (mãe). Ego partilha a 
filiação com os seus germanos, 24 (irmão) e 25 (irmã) mas, como podem 
observar, nem ele (nem o seu irmão) transmite a filiação materna, o que 
sucede somente com a sua irmã. 
 
Diagrama 4: exemplo de filiação matrilinear 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Um exemplo clássico de sociedade matrilinear é o dos naturais das 
ilhas Trobrianders, estudadas por Bronislaw Malinowski (1966). O sistema 
matrilinear ocorre igualmente entre os Bunak de Timor-Leste (Sousa, 2010). 
Nesta sociedade os filhos e filhas pertencem à Casa da mãe. Os bens 
44 43 42 41 40 39 38 
17 
36 35 34 33 32 31 30 29 
28 22 27 
37 
25 24 23 
21 20 19 18 
26 
16 15 14 13 
12 11 10 
4 2 1 3 5 6 
7 8 
9 
149 
 
imóveis, como a terra são passados pela via 
feminina, que recebe também cargos rituais que 
competem somente à mulher. Por seu lado, os 
filhos irão receber os cargos e funções dos seus 
tios, os irmãos da mãe. 
O caso dos Bunak é interessante pelo facto 
de demonstrar a possibilidade de coexistência 
dos dois sistemas de filiação numa mesma 
sociedade, ainda que em tempos diferidos, e de 
como a persistência dessa memória é essencial 
para a continuidade do grupo. A sociedade 
Bunak está organizada em “Casas”, entidade 
simultaneamente física (existente como tal na 
povoação em causa) e sociológica, já que 
pressupõe que todos os seus membros descendem de um casal originário 
que fundou a Casa. 
O casamento comummente realizado é denominado ton terel que 
significa “em comum”. Neste casamento o princípio de filiação consagrado 
é o matrilinear. Os filhos pertencem sempre à Casa da mãe. Os casos de 
divórcio são resolvidos de forma expedita com a saída do marido de casa. 
Todavia, subsiste na memória coletiva local, passada pelos lal gomo, os 
“senhores da palavra” de cada Casa, a noção do casamento sul sulik “lança 
e sabre”, correspondente a um casamento efetuado há gerações, por norma 
cimentando aliança com Casas de povoações vizinhas, pelo qual a mulher é 
incorporada na Casa do marido, perdendo a sua filiação de origem, passando 
a constituir nesta um dil, uma matrilinhagem específica, a que os seus filhos 
e descendentes irão pertencer. 
Nos casos de divórcio os filhos do casal são pertença da casa da mãe 
e é nesta que vão assumir os seus deveres. Todavia continuam a reconhecer 
e a participar nas tarefas da Casa do pai (por exemplo aquando da 
construção de casas novas ou na reconstrução da casa sagrada). 
 
 
Matrilinearidade e 
matriarcado. 
 
Não confundir 
matrilinearidade / 
matrilinhagem com 
matriarcado. A noção de 
matriarcado refere-se a um 
sistema jurídico- político 
assente no exercício do 
poder na sociedade por 
parte das mulheres. 
 
Este termo é também, por 
vezes, confundido com 
matrifocalidade, conceito 
centrado no papel da 
mulher na casa. 
150 
 
9 
Filiação bilinear (ou dupla filiação) 
 
A filiação bilinear, ou dupla filiação, combina as duas filiações 
unilineares, reconhecendo ambos os lados (paterno e materno) mas com 
propósitos distintos. 
 
Diagrama 5: exemplo de filiação bilinear 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Exemplos deste sistema são, como refere Santos (2002, 159), os 
yakö da Nigéria, que (…) herdam os bens fundiários do pai e prestam culto 
aos ancestrais paternos enquanto recebem os bens móveis e dinheiro da 
parte da mãe (do tio uterino concretamente). Nos ashanti do Gana, o pai 
transmite o espírito (o "ntoro") enquanto o sangue (o "abusua") é 
transmitido pela mãe. 
 
Filiação indiferenciada (bilateral ou cognática) 
 
A filiação indiferenciada, denominada ainda bilateral ou cognática 
corresponde à modalidade que vigora na maioria das sociedades ocidentais. 
44 43 42 41 40 39 38 
17 
36 35 34 33 32 31 30 29 
28 22 27 
37 
25 24 23 
21 20 19 18 
26 
16 15 14 13 
12 11 10 
4 2 1 3 5 6 
7 8 
151 
 
No entanto está longe de ser exclusiva destas sociedades, sendo um tipo de 
filiação bastante comum em toda a humanidade. 
Nas sociedades de filiação indiferenciada, ego pertence 
indiferenciadamente à linhagem do seu pai e da sua mãe e desde logo às 
quatro linhagens ascendentes da linha reta (9-10 e 11-12). Por norma, os 
direitos, deveres e obrigações são os mesmos em relação a ambas as linhas 
de descendência. 
 
 
Diagrama 6: exemplo de filiação indiferenciada 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Filiação paralela 
 
Na filiação paralela o reconhecimento social é efetuado pelas linhas 
sexuais. Os filhos pertencem à linha do pai e as filhas pertencem à linha da 
mãe (ver Heritier, 2002). 
 
 
46 45 44 43 42 41
9 
40 
19 
38 37 36 35 34 33 32 31
29 
30 24 29 
39 
27 26 25 
23 22 21 20 
28 
18 17 16 15 
14 13 12 
5 2 1 3 7 8 
9 10 11 
4 6 
152 
 
Diagrama 7: exemplo de filiação paralela 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
No diagrama podemos observar que Ego “ 24” está associado ao seu 
pai (16), avó (7) e bisavó (1). Por seu turno, a sua irmã, “25”, filia-se na 
linha da sua mãe (17), avó (10) e bisavó (6). 
 
 
 
O nome – identidade pessoal e reconhecimento social 
 
Na sociedade portuguesa a escolha do nome é feita pelos 
progenitores ou familiares próximos que podem dar a sua opinião. Do ponto 
de vista jurídico a criança torna-se membro da sociedade com o registo na 
conservatória. No entanto, tradicionalmente, a principal forma de imposição 
e reconhecimento social e salvaguarda espiritual efetua-se com o batizado 
(salvaguarda cada vez mais protelada uma vez que parece que o tempo 
entre o nascimento e o batizado é cada vez maior). O isolamento físico a 
que a mulher é sujeita bem como o seu filho é quebrado com a apresentação 
da criança aos elementos naturais e à comunidade, momento em que para 
24 
17 
 
18 
7 
42 41 40 39 48 37 
35 34 33 32 30 29 
28 22 27 
36 
25 23 
21 20 19 
26 
16 15 14 13 
12 11 10 
4 2 
31 
1 3 5 6 
8 
9 
153 
 
algumas sociedades a criança se torna efetivamente membro da “casa” e 
da “comunidade”. 
Entre os Bunak um pequeno ritual é feito uma semana após o 
nascimento da criança denominado aru po` – cabelo sagrado. Consiste no 
corte do cabelo e unhas da criança que serão levados pelo pai (ou avô) e 
depositados na base de uma árvore determinada como “fria”, caso do 
coqueiro ou de uma bananeira. Neste ritual, a criança é trazida pela primeira 
vez para fora do local abrigado e quente que é a cozinha. Embora possa 
variar de família para família há o hábito de colocar nas mãos da criança 
objetos que sejam determinantes para o seu futuro (no caso ilustrado pela 
foto foram colocados um caderno e uma caneta). 
 
 
Foto: Bunak – aru po` - o pai corta o 
cabelo do recém-nascido sob o olhar da 
mulher e da mãe da mulher (que tem a 
criança ao colo) 
 
As cerimónias para dar o nome são momentos cruciais da vida social. 
Hoebel e Frost (2001, 164) ilustram este momento entre os índios omahas 
com invocação feita pelo sacerdote oito dias após o nascimento e do qual 
apresentamos o excerto inicial: 
 
 
“Ó Vós, Sol, Lua, estrelas, todos vós 
que vos moveis no céu, 
suplico que me ouçais! 
Uma vida nova chegou para o meio 
de vós, 
154 
 
Imploro-vos que o consintais! 
Tornai o seu caminho plano para que 
ela possa alcançar o cume da 
primeira colina! 
Ó Vós, ventos, Nuvens, Chuva, 
Névoa, vós todosque vos moveis no 
ar, suplico que me ouçais! 
Uma vida nova chegou para o meio 
de vós, 
Imploro-vos que o consintais! 
Tornai o seu caminho plano para que 
ela possa alcançar o cume da 
segunda colina! (…) 
 
Como referem os autores este ritual não assegurava só por si à criança 
o estatuto de membro real da tribo, transição que só se operava 
posteriormente quando esta caminhasse. 
 
 
Infância e puberdade 
 
Na adolescência ou puberdade ocorrem alterações essenciais no 
desenvolvimento biológico do indivíduo, sobretudo na maturação da 
capacidade sexual e a assunção da corresponde alteração de estado social. 
Este período é marcado por ritos de puberdade e transição de status. No 
caso das raparigas este momento é assinalado de forma clara pelo 
aparecimento da menstruação, cujo significado simbólico é variado. Às 
mudanças biológicas registadas no corpo acrescem as inscrições culturais 
realizadas com o objetivo de marcar essa mudança. O corpo torna-se um 
espaço simbólico onde é exercida uma violência simbólica e física (alguns 
rituais de iniciação são considerados hoje como ilegais). O status social é 
culturalmente atribuído por cada cultura e no caso deste período de 
transição é sobretudo relevante para os rapazes. A transição social é 
marcada pela realização de ritos que marcam de forma simbólica a mudança 
de status, sobretudo nas sociedades que utilizam o status de idade. 
Os momentos de reclusão marcados pelos rituais permitem a incisão 
do prepúcio ou a realização de escarificações, cicatrização e a linhagem ou 
155 
 
extração de dentes ou outras formas de marcar no corpo essa mudança, de 
a tornar socialmente visível e para o individuo a interiorizar. Estes 
momentos são também autênticas escolas formais de aprendizagem das 
normas e valores da tribo. Como Godelier refere em relação aos baruya as 
cerimónias dos jovens homens são muito mais exigentes do que as das 
raparigas. 
Os ritos de puberdade são momentos de incorporação na sociedade 
com uma forte componente psicológica de interiorização de novos papéis 
sociais bem como a aceitação de status atribuídos e a possibilidade de obter 
outros com o novo estatuto. Pode ser, neste sentido, um fator de 
independência social. Citando Cohen, Hoebel e Frost (2001) classificam dois 
tipos de sociedades: 
 
1. as que treinam para a independência social, isto é, aquelas cujo 
fulcro e identificação se encontram na família nuclear, e 
2. aquelas nas quais as crianças são educadas para a independência 
sociológica, isto é, o fulcro e o apoio do indivíduo estão em grupos 
de parentesco mais amplos, como linhagens ou clãs. (2001, 169) 
 
 
Maturidade 
 
O período associado com a maturidade é marcado, sobretudo, pelo 
casamento e o desempenho das funções de trabalho e reprodução que cada 
sociedade valoriza. O casamento é por isso, numa perspetiva materialista, 
a criação de uma nova unidade de produção, assente nas tarefas 
complementares entre homem e mulher. Na perspetiva estruturalista é o 
momento fundamental de alicerce da aliança, na aceção definida por Lévi-
Strauss. Paradoxalmente, estas visões não estão muito distantes de 
conceções locais sobre o que é/deve ser um casamento. 
Para Titiev (1985, 314) este período de vida apresenta um conjunto 
de problemas a resolver, nomeadamente a virgindade da noiva (quando tal 
é exigido), a necessidade dos recém-casados de se adaptarem um ao outro 
e aos respetivos parentes por afinidade, a relutância em admitir um 
156 
 
estranho na intimidade de um grupo de parentesco consanguíneo, o receio 
de que o casal possa não ter filhos e a preocupação em criar 
convenientemente os filhos. Acresce a necessidade de os recém-casados 
solucionarem a questão da sua residência comum. 
No entanto, como refere o autor mencionado, há um problema que 
não tem uma solução universalmente aceite ou perfeita: a estabilidade dos 
casamentos. Este facto pode variar entre sociedades com tipos de filiação 
matrilinear ou patrilinear, sendo aparentemente, mais complicados nestas 
últimas devido ao pagamento do “preço-da-noiva” que são difíceis de 
restituir em caso de rutura. Entre as sociedades matrilineares parece ser 
mais fácil a rutura (o caso dos bunak). As causas da rutura são tanto 
pessoais quanto sociais, podendo haver pressões várias que se exercem 
decorrentes das expetativas. A título individual um dos principais problemas 
é a infertilidade, tanto da mulher quanto do homem. Em certas sociedades 
a idade etária não é similar à idade social. O casamento e, sobretudo, o 
nascimento do primeiro filho, é determinante para o reconhecimento pessoal 
da maturidade e a possibilidade de o homem poder desempenhar 
determinados papéis. 
 
O conceito de família e aliança 
 
A maturidade é um conceito relativo. A maior parte das sociedades 
considera que esta está associada a um determinado momento etário (na 
nossa é aos 18 anos). Noutros casos, é o casamento que marca esta etapa, 
a constituição de uma família. Noutras ainda, mesmo que casado, é o 
primeiro filho que marca a maturidade de ambos os progenitores, mas 
sobretudo dos homens. 
 O conceito de família é um dos mais empregues em antropologia no 
contexto dos estudos de parentesco. No entanto é um termo controverso, 
onde se manifesta a noção de alteridade face à diversidade de situações 
existentes e passíveis de serem definidas como “família”. As tipologias 
existentes sobre “famílias” são disso um exemplo e poderemos encontrar 
157 
 
várias conforme os autores e entre diferentes áreas das ciências sociais e 
humanas (psicologia, política social) e outras (como a medicina). 
As origens teóricas e os debates sobre o conceito de família são 
recorrentes desde a fundação da antropologia como ciência no século XIX, 
registando-se de uma forma interessante um alinhamento entre diferentes 
perspetivas teóricas sobre a evolução monogâmica da família e o seu papel 
reprodutivo (biológico e económico e cultural, enquanto núcleo de 
enculturação/socialização (Barnard e Spencer, 2004), sobretudo nas 
sociedades ocidentais onde este desenvolvimento se associa à emergência 
do capitalismo industrial e às transformações operadas nos modos de 
produção e na organização socioeconómica (Batalha, 2005). O debate sobre 
o conceito de família é motivado por fortes cargas emotivas e ideológicas 
resultantes das perceções que sobre este tema têm confissões religiosas e 
defensores de direitos humanos. 
Considera-se que Morgan foi o iniciador destes estudos em 
antropologia com a sua obra Sistemas de consanguinidade e de afinidade 
na família humana (1871). O autor instaura como condição do 
reconhecimento de família a existência de relações de consanguinidade 
entre os membros em presença. A existência exclusiva desta “comunidade 
de sangue”, suportada por uma narrativa que valoriza estes laços foi 
contestada fortemente. Um dos principais autores a propor uma visão mais 
cultural e social do parentesco, e da família, foi David Schneider, que advoga 
que a família é uma unidade cultural particular que compreende diversos 
tipos de parentes, e se estrutura em diversas formas, não exclusivamente 
consanguíneas. Uma das suas obras centrais foi American Kinship a Cultural 
Account, de 1968. 
Todavia, será pertinente registar que, relativamente às funções da 
família persiste, apesar dos anos e polémicas, o referencial estabelecido por 
Murdock em 1949 (citado em Bernardi, 1988, 288). Segundo o autor as 
funções da família são quatro: sexual, económica, reprodutiva e educativa. 
A função sexual deriva do facto de através do casamento serem instituídas 
as relações sexuais consentidas e socialmente aceite. Por outro lado, a 
família é uma unidade económica no sentido em que desempenha uma 
158 
 
comunidade de interesses. É ainda no seio da família que são expectáveis a 
gestão da reprodução. Por fim, a função educativa resulta do factode a 
família ser, em primeira instância, a instituição responsável pela educação 
dos seus descendentes, através do processo de enculturação/socialização 
primária. 
 
 
A família nuclear 
 
A família nuclear (também designada como 
restrita/elementar/conjugal) é considerada a “menor unidade social ligada 
por laços biológicos de consanguinidade e sociais, de afinidade e adoção” 
(Melo, 2001, 327). A família nuclear opõe-se à família extensa, que reúne 
várias famílias nucleares (a família nuclear ou composta pode ser 
monogâmica ou poligâmica). A sua constituição básica inclui os cônjuges e 
os seus filhos, não casados (Diagrama 8). Este facto levanta uma questão 
essencial: os cônjuges sem filhos são uma família? Ghasarian (1999) refere 
que nos EUA esta díade (conjunto de dois elementos), não é considerada 
família88. 
Os funcionalistas consideraram desde cedo a “(…) família nuclear com 
um dado fundamental e universal.” (Gasharian, 1999, 39). Todavia, como 
refere o autor indicado, não há um consenso sobre a matéria pois em 
algumas sociedades não é dado relevo a este núcleo (que pode nem existir). 
Um bom exemplo disso é a proposta de Meyer Fortes (citado por Barnard e 
Spencer, 2004) e de Robin Fox89 (1986) que sustentam que a unidade 
essencial da família é a díade composta pela mãe e as filhas/filhos 
(Diagrama 10). 
 
 
88 De facto, se analisarmos o Direito da família em Portugal este também apresenta o mesmo 
pressuposto uma vez que distingue “casal”, formado pelo casamento, de família – associada à noção de 
descendência e a sua regulação. 
89 Para saber mais sobre Robin Fox consultar: http://robin-fox.com/home.htm 
159 
 
 
 
A noção de família nuclear, que em Direito é também definida como 
família natural, está associada à teoria da filiação, segundo a qual o principal 
objetivo da família é justamente promover a procriação e salvaguardar a o 
processo de regulamentação da filiação. Todavia, Lévi-Strauss, apresentou 
uma proposta diferente, introduzindo no que denominou “átomo do 
parentesco” (Diagrama 9) um 5º elemento: o irmão da esposa. Desta forma 
ele procurou demonstrar a importância e relevância da aliança na 
constituição das famílias e dos grupos de parentesco. 
As sociedades ocidentais, nomeadamente a europeia, têm também uma 
prevalência deste tipo de família, carateriza da pela habitação em comum 
deste grupo restrito. Nestas sociedades a tendência é a “decomposição” 
progressiva da família, associada a cada novo casamento dos filhos, 
persistindo a díade como elemento base (todavia, como refere Ghasarian 
(1999). Esta situação demonstra a relevância dada na continuidade 
assegurada pela descendência. 
 
 
1. Família de orientação e família de 
procriação 
 
Dois conceitos operativos que descrevem a evolução progressiva do 
ciclo de vida da família são os de famílias de orientação e famílias de 
procriação (Diagrama 11). Quando os descendentes já constituíram as 
suas próprias famílias há uma dupla pertença. Por um lado, na qualidade de 
filhos e germanos subsiste uma relação com a família onde ego nasceu (a 
família de orientação), por outro, enquanto cônjuge e pai/mãe, ego cria uma 
nova família (família de procriação). 
Exemplo: para além das sociedades 
ocidentais já referidas as famílias 
nucleares têm nos esquimós, ou inuit, um 
dos exemplos etnográficos mais 
pertinentes. 
160 
 
Diagrama 11: famílias de orientação e família de procriação 
 
 
Se considerarmos a composição das famílias quanto à presença ou 
ausência de um dos elementos descritos poderemos descrever como 
monoparentais aquelas em que o grupo residencial é composto somente 
por um dos pais e os seus filhos. Este conceito é usualmente matricentrado 
(focalizado na mãe/mater90) e tem um papel de destaque nos debates atuais 
sobre as mães solteiras, nomeadamente as mais jovens. 
 
2. Famílias poligâmicas 
 
Se considerarmos como critérios de análise o número de nubentes 
poderemos distinguir entre as famílias monogâmicas e as famílias 
poligâmicas. No primeiro caso só existe a possibilidade legal de constituir 
família com uma única pessoa. Na outra vertente do espectro temos as 
famílias poligâmicas (ou compostas). Estas ocorrem em situações em que o 
grupo residencial é formado por mais do que uma família nuclear, centradas 
na figura de um elemento que se encontra casado com mais do que uma 
pessoa. 
 
90 É importante ressalvar o facto de que, como veremos na filiação, podem ocorrer duas situações 
possíveis aquando da reprodução biológica e a sua articulação com o reconhecimento social do mesmo. 
Assim, há o genitor (reconhecido como pai biológico) e a genetrix (reconhecida como mãe biológica) 
que podem ou não coincidir com o pater (pai reconhecido socialmente, incluindo o caso da adoção) e a 
mater (mãe reconhecida socialmente, nomeadamente em situação de adoção). 
161 
 
Conforme a organização social da sociedade poderemos ter uma 
prevalência de famílias poliginicas, situação em que um homem tem mais 
do que uma esposa (Diagrama 12), ou poliândricas (casos, mais raros, em 
que uma mulher tem mais do que um marido). 
 
 
Diagrama 12: famílias poligínicas 
 
 
3. A família extensa 
 
Outra faceta de abordar família consiste em analisar a forma como se 
congregam no grupo residencial grupos de gerações (princípio vertical) por 
oposição a um princípio mais horizontal de associação. No primeiro caso 
temos a família extensa (Diagrama 13) que apresenta este princípio vertical 
e no qual um grupo de consanguíneos, aliados e descendentes, registando 
um mínimo de 3 gerações, vivem em comum. Usualmente esta noção de 
família extensa é, por alguns autores, associado igualmente à existência de 
um único filho/a, casado/a, habitando com a esposa/esposo e respetivos 
filhos na companhia dos seus pais. 
 
 
 
 
 
Exemplo: os Baganda (Uganda) e Tanala ( Madagascar). O caso das famílias poliândricas tem no 
Nepal e Tibete alguns exemplos. Explore a web para saber mais, indique os resultados dessa 
investigação no Fórum. 
	
162 
 
Diagrama 13: família extensa 
 
 
 
4. A família indivisa ou alargada 
 
Por outro lado, a família indivisa ou alargada (Diagrama 14) é 
constituída por um grupo residencial que reagrupa várias famílias nucleares 
da mesma geração ou de gerações diferentes, apresentando uma dimensão 
mais horizontal, ou lateral, do que a família extensa. 
 
Diagrama 14. Família indivisa ou alargada 
 
 
 
Outro conceito associado a este é o de família recomposta: grupo 
residencial que se reestrutura em função do ajuntamento na mesma família 
163 
 
de elementos sobrevivos de situações de viuvez, ou de processos de 
divórcio, e a respetiva prole. 
 
Diagrama 15. Família recomposta 
 
 
 
Na Diagrama 15 podemos observar que Ego masculino está 
divorciado, tendo-se casado com Ego feminino (viúva), vivendo os filhos de 
ambos em conjunto. 
 
 
 
A residência matrimonial (quem casa quer casa… ditado popular 
português) 
 
A residência matrimonial, a casa ou lar, para além da sua dimensão 
física, espacial, e arquitetónica, representa um núcleo central de 
sociabilidade e de estruturação das relações sociais resultantes da 
constituição de um determinado grupo familiar. A sua relevância social, 
económica, religiosa (ritual) e mesmo política, é fundamental em todas as 
sociedades. Existem diferentes regras que estipulam o local onde um casal 
de recém-casados deve habitar, definindo quem deve mudar e para onde. 
Exemplo: Um exemplo etnográfico da família extensa pode ser encontrado entre os Kalinga 
(Filipinas) (Marconi e Presotto, 1987). Pesquise na web e apresente os resultados da sua 
investigação no Fórum. 
164 
 
Estas opções diferem de sociedade para sociedade, mas também podem ser 
objeto de mudança na mesma sociedade, ao longo do tempocom a 
alteração de condições socioeconómicas91. 
Santos (2002, 162-164) identifica uma tipologia com nove modelos de 
residência matrimonial: 1) a residência patrilocal; a residência virilocal; a 
residência matrilocal; a residência uxorilocal; a residência bilocal (ou 
ambilocal) ; a residência alternada; a residência duolocal (ou natolocal); a 
residência avuncolocal e a residência neolocal. Vamos resumir estas 
cruzando com dados de Panoff e Perrin (1979) e exemplos etnográficos de 
Ghasarian (1999). 
A regra neolocal (do grego neós, novo) consiste no casal constituir uma 
casa independente do local onde habitam os correspondentes progenitores. 
É característica dos Inuit, organizados em famílias nucleares, mas das 
sociedades ocidentais, em que a mobilidade, por motivos de estudo ou 
trabalho, é elevada. 
Há um conjunto de regras que se carateriza m pelo facto de somente 
um dos cônjuges ter que se deslocar. É a chamada regra unilocal de 
residência, característica da residência patrilocal, matrilocal, virilocal e 
uxorilocal. 
A residência patrilocal (do latim patri, pai) resulta da regra que impõe 
aos dois cônjuges a residência na casa pai do marido. Ou, de outra forma, 
a regra que leva a noiva a ter que que abandonar a casa dos seus 
progenitores e ir viver na casa do pai do seu noivo, futuro marido. O padrão 
patrilocal não é forçosamente coincidente com o sistema de filiação 
patrilinear, mas é o mais característico. Exemplos etnográficos deste padrão 
podem ser encontrados nas zonas rurais da Turquia e entre os Igbo, os 
Haussa, os Matis e os Peul. 
A residência matrilocal (do latim matri, mãe) pressupõe a regra que 
obriga os dois cônjuges a residir junto da mãe da esposa. Assim, aquando 
do casamento a esposa permanece na residência da sua mãe enquanto o 
 
91 Têm sido recorrentes as notícias que dão conta de que muitos casais jovens que tinham sua própria 
casa, de cariz neolocal, o usual na sociedade portuguesa, regressaram a casa de um dos progenitores 
devido às dificuldades económicas 
165 
 
marido tem que abandonar a residência dos seus progenitores. Exemplo 
desta prática encontra-se entre os Hopi e os Iroqueses. 
As regras viriolocal e uxorilocal são variantes das precedentes e alguns 
autores (Schwimmer, 2003) não as distinguem. A regra virilocal (latim vir, 
viri: homem, marido) especifica que aquando do casamento a esposa tem 
que ir viver nas terras ou proximidade do pai do marido. Exemplo da prática 
desta regra são os Wolof e os Tâmules da Ilha da Reunião, estudados por 
Ghasarian. 
Por seu lado, a regra oposta, a uxorilocal (latim uxor, -oris, mulher, 
esposa), define que aquando do casamento, o marido tem que ir morar nas 
terras ou proximidade da mãe da sua esposa. O exemplo dos Hopi pode de 
novo ser dado uma vez que ilustra a dinâmica assocada a estas regras. 
Embora o padrão inicial possa ser, como referido, matrilocal, as tensões 
decorrentes de residir na casa materna com um elevado número de 
parentes, leva a que o casal construa uma casa nas terras da mãe da 
esposa, passando ao regime uxorilocal. 
A residência bilocal (ou ambilocal) é baseada na regra que concede aos 
recém-casados a hipótese de optarem por estabelecer a sua residência quer 
junto dos progenitores da esposa ou do marido. O critério de escolha deriva 
da conjugação estratégica de interesses pessoais de ambos os elementos 
do casal. O exemplo dos Iban de Borneu é ilustrativo desta prática. 
A residência alternada pressupõe que, de acordo com intervalos de 
tempo convencionados, a domiciliação do casal e filhos se faça entre a 
residência uxorilocal e a residência virilocal. Um exemplo deste tipo de 
prática são os habitantes da ilha de Dobu. 
A residência duolocal (ou natolocal) consiste em que cada um dos 
cônjuges resida separadamente, com a sua família. Esta separação pode ser 
sazonal, ocasional ou permanente. Ghasarian (1999, 135) dá o exemplo dos 
Hopi, onde entre os quais o jovem marido pode permanecer várias semanas 
na casa da sua mãe enquanto a sua esposa fica em casa dos seus próprios 
pais. Entre os Haussa, aquando do batismo, a mãe vai com o filho para casa 
dos pais por um período de seis meses. Entre os Tuaregues o casal habita 
durante um período pós casamento neste regime durante um ano, com o 
166 
 
marido a visitar ocasionalmente a sua esposa, após o que se estabelecem 
patrilocalmente. 
 
Foto: Hopi, Dança da Borboleta © Kyle Knox, 
Fonte: http://nmai.si.edu/exhibitions/circleofdance/hopi.html 
 
Na residência avunculocal (do latim avunculus – timo materno) o 
casal vai viver em casa do irmão da mãe do marido. Nas ilhas Trobriand, 
com um regime de filiação matrilinear, o casal reside durante algum tempo 
em casa dos pais do esposo, após o que os cônjuges vão viver em casa do 
timor materno do marido. Entre os tuaregues, aquando do falecimento do 
pai, a residência passa a ser avunculocal. 
 
 
 
 
 
 
 
Residência amitalocal (do latim amita – irmã do pai): trata-se do inverso 
da residência avunculocal, e de acordo com a qual os cônjuges vão viver 
em casa da irmã do pai da mulher). Trata-se de um princípio puramente 
teórico, sem registo etnográfico. 
167 
 
Morte (rituais, herança e sucessão) 
 
Como descrevem Hoebel e Frost (2001, 172) a morte é 
universalmente considerada como um acontecimento socialmente 
significativo, sendo assinalada com um ritual e confirmado pela sociedade. 
É o “rito de passagem final”. Se tal facto não deixa de ser verdade para a 
existência corporal e individual de cada um de nós, para a sociedade a morte 
pode ser o início de um novo ciclo de obrigações sociais no quadro das 
relações de aliança e parentesco, envolvendo os vivos e os mortos. 
Os autores citados referem que os ritos mortuários têm cinco 
funções básicas: 
 
1. A participação nas cerimónias mortuárias, pela dramatização 
habitual da fé na imortalidade prepara os vivos para a morte que 
os espera. (…) 
2. Os ritos funerários servem basicamente para garantir a separação 
da alma do seu corpo, para guiar o defunto com segurança e 
devidamente, através da suprema transição. 
3. Os ritos servem para readaptar a comunidade depois da perda de 
um membro e para regularizar os distúrbios emocionais 
resultantes do rompimento dos hábitos afetivos em relação ao 
morto. 
4. Onde os rituais mortuários incluem banquetes e doações de bens, 
realizam uma redistribuição de riqueza e status. 
5. Finalmente, os ritos emprestam cor, riqueza e profundidade à 
vida, por meio do drama da sua realização. (Hoebel e Frost, 2001, 
174) 
 
 
168 
 
 
 
Fotos: Bunak: 1. velar o corpo e 2. 
receber o “bem”, o fresco: familiares 
passam por debaixo do caixão do falecido. 
2005. LSousa. 
 
Se as funções são individuais ou sociais, a morte é um dos campos 
mais fascinantes da antropologia, quer pelas conjeturas que são feitas 
relativamente ao que acontecerá ao morto, mas sobretudo pela forma 
como as diferentes sociedades continuam a interagir com estes, quer no 
domínio físico (o corpo como objeto), quer “espiritual” – o corpo, o ser 
como “alma” e social – pelos efeitos da sua ausência e das relações que 
perduram e renovam as interações sociais (relembramos por exemplo o 
luto), como por exemplo, as cerimónias fúnebres, a gestão das heranças 
ou o ressarcimento de compensações no caso de o falecido ter deixado 
“obrigações” por cumprir como o preço-da-noiva. 
 
A definição da herança e a sucessão são aspetos sociais 
fundamentais. Dependendo do estatuto e posição social da pessoa, assim 
que esta ocorre são despoletados os meios de redistribuir pelos 
sobrevivos os bens e cargos que o falecido tinha na sociedade. 
169 
 
Conforme refere Ghasarian (1999) a 
filiação estipula por norma a sucessão e a 
herança. Impõem-se a distinção entre 
herança e sucessão na perspetiva 
antropológica. A herança dizrespeito aos 
bens - móveis e imóveis – e encargos que um 
indivíduo deixa após a sua morte e que serão 
objeto de partilha/assunção, de acordo com 
as regras em vigor na sua sociedade. No caso da sucessão o que está 
em causa não é a eventual partilha de bens materiais, mas o legado de 
estatuto - relativamente a direitos, deveres e obrigações, posição social 
(autoridade política) e funções cerimoniais. Os direitos inerentes à 
sucessão e herança diferem usualmente de acordo com o sexo ou idade 
(a regra de primogenitura). Entre os Hopi a sucessão relativa à 
transmissão dos estatutos e posições nos campos político e religioso 
passa do tio-avô materno (o tio da mãe), chefe e sacerdote do clã 
materno, para o seu sobrinho-neto (filho da sobrinha) 
 
Diagrama 16: exemplo Hopi: herança e sucessão (Ghasarian, 1999, 81) 
 
 
 
 
 
 
 
Entre os Bunak de Timor-Leste (Sousa, 2010) a sucessão de 
cargos é efetuada por via matrilinear. O chefe de uma casa designa-se 
“matas” (que significa igualmente “velho”). Este chefe está casado com 
uma mulher que é, forçosamente de outra Casa. Sendo a regra de filiação 
matrilinear os seus filhos nunca poderão suceder como chefe da Casa. 
Assim, aquando do seu falecimento é entre um homem da sua casa que 
terá que ser encontrado o seu sucessor. 
 sucessão 
herança 
Primogenitura: 
regra que define 
uma prioridade, na 
herança ou 
sucessão, ao mais 
velho dos germanos 
(decrescendo o 
estatuto entre estes 
de acordo com a 
ordem de 
nascimento) 
170 
 
Para finalizar: os principais tipos terminológicos 
 
A terminologia é um importante instrumento de análise dos sistemas 
de parentesco. Todavia, atualmente, e ao contrário do que se pensava (ex. 
Morgan) não há um paralelismo absoluto entre os termos empregues e os 
sistemas de comportamentos. Todavia, reconhece-se que há 
correspondências entre a terminologia e as práticas sociais. Como refere 
Gasharian (1999, 171) a terminologia é uma linguagem, etiqueta, que 
classifica os parentes em categorias e subcategorias. A criança que os 
aprende adquire supostamente um determinado comportamento apropriado 
para com aquele que designa. De igual forma, os termos de parentesco 
podem conter indicações culturalmente associadas relativas aos parceiros 
com que, numa determinada sociedade, se pode ou não casar (ou definir 
campos de interdição das relações sexuais devido ao incesto). 
 
Os principais tipos de terminologias de parentesco foram 
sistematizados por Murdock (1949). Os seus nomes refletem a sociedade ou 
área geográfica a que se associam. Os seis tipos principais são: 
• terminologia esquimó; 
• terminologia iroquesa; 
• terminologia hawaiana; 
• terminologia crow; 
• terminologia omaha; 
• terminologia sudanesa 
 
A terminologia de tipo esquimó é por norma associada ao regime 
de filiação indiferenciado. Neste os primos cruzados, patrilaterais ou 
matrilaterais, são designados pelo mesmo termo empregue para com os 
primos paralelos. Todavia, os irmãos são distintos. De igual forma se pode 
observar que há uma equiparação entre os parentes por aliança com os 
parentes consanguíneos, revelando desta forma o papel central da família 
conjugal. 
 
171 
 
Diagrama 17: terminologia tipo esquimó 
 
 tia tio pai mãe tia tio 
 
 
 
 
primos irmão Ego irmã primos 
 
 
A terminologia iroquesa associa-se sobretudo com os regimes de 
filiação matrilinear, nos quais as irmãs e primas paralelas de Ego são 
denominadas pelo mesmo termo, mas distinguidas das respetivas primas 
cruzadas bilaterais. 
 
Diagrama 18:terminologia tipo iroquesa 
 
 
tia pai pai mãe mãe tio 
 
 
 primos irmãos irmão Ego irmã irmãos primos 
 
 
A terminologia hawaiana carateriza grande parte da área malaio-
polinésia. Neste sistema de parentesco é dado revelo à distinção entre as 
gerações, pelo que também é designado de “sistema geracional”. É 
usualmente associada a sociedades com um sistema de filiação 
indiferenciado e usualmente organizado em famílias extensas. Os parentes, 
em linha direta ou colaterais, são classificados por geração e um único termo 
designa os elementos desse sexo, nessa geração. 
 
 
172 
 
Diagrama 19: terminologia tipo hawaiana 
 
 mãe pai pai mãe mãe pai 
 
 
 
 irmãos irmão Ego irmã irmãos 
 
 
 filhos/as 
 
 
As terminologias Crow e Omaha ignoram as gerações para certos 
parentes, sendo estas definidas “verticalmente”. Entre os Crow o sistema 
de filiação é matrilinear, mas o padrão de residência é patrilocal. Os primos 
paralelos são designados pelos mesmos termos que os germanos, mas os 
primos cruzados são diferenciados. Os primos cruzados matrilaterais 
“descem”, sendo tratados por filhos pois não desempenham um papel 
relevante na continuidade da linhagem, já que não a transmitirão. Por seu 
turno, os primos cruzados patrilaterais “sobem” uma vez que a irmã do pai 
é, depois da mãe, considerada a pessoa mais importante do lado paterno 
dado que é ela que transmite a linhagem. 
 
 
 
 
 
 
 
173 
 
Diagrama 20: terminologia tipo crow 
 
A terminologia dos Omaha é o “espelho” dos Crow, com o seu 
sistema de filiação patrilinear e o padrão de residência matrilocal. 
 
Diagrama 21: terminologia tipo omaha 
 
 
174 
 
K 
C 
L P 
A terminologia sudanesa é a mais descritivas das listadas. 
Carateriza-se por um sistema de filiação patrilinear na qual as irmãs, 
primas paralelas e cruzadas são todas designadas por termos diferentes 
(como pode ser observado no diagrama, em que cada parente tem, para 
ego, uma denominação diferente exemplificada pela letra – que não se 
repete). 
 
Diagrama 22: terminologia tipo sudanesa 
 
 
 
 
 
 
 
A EGO B D E F G H I J 
M N O 
175 
 
 
A linhagem, a linhada e o clã 
 
 
O clã, do Gaélico clann, é um “grupo formado por uma ou por várias 
linhagens. Pode ser localizado ou não, exógamo ou não. Por norma os 
membros do clã são incapazes de estabelecer a ligação genealógica ao 
antepassado original, que pode ter uma dimensão simbólica (totemismo). 
Todavia este sentimento de pertença e uma solidariedade ativa entre os 
seus membros carateriza o grupo. 
A linhagem é um grupo constituído por indivíduos que se reclamam de 
um mesmo antepassado comum, do qual descendem por filiação unilinear. 
Ao contrário dos membros do clã, a linhagem consegue estabelecer a 
relação genealógica com o antepassado fundador. 
 
Como refere Santos (2002, 160) a linhada “representa um segmento 
de linhagem de indivíduos primogénitos e benjamins, independentemente 
da regra de filiação e da linha, reta ou colateral.” 
 
 
A parentela 
 
A parentela designa mais uma “categoria” de que um grupo. Congrega 
os parentes, consanguíneos ou não, que, conseguem estabelecer um lado 
de parentesco com Ego. Todavia, este pressuposto pode ser diferente em 
diversas sociedades, privilegiando umas a via agnática, outras indiferentes 
na maior parte das sociedades (parentela bilateral). 
 
 O elemento central deste conceito reside no facto de, por oposição à 
linhagem e clã, que se definem pela ligação, real ou hipotética, a um 
antepassado comum, e sua existência não depende do individuo singular 
que lhe pertença, a parentela se constitui em torno de Ego, sendo por isso 
um agrupamento egocêntrico e circunstancial, dependendo de um 
176 
 
determinado evento do ciclo de vida ou circunstância social. Cada individuo 
tem assim a sua parentela, que pode partilhar com outros (caso dos irmãos) 
masnunca totalmente. Todavia, Ego está limitado nas suas escolhas pela 
dinâmica parental que o antecedeu. A sua potencial parentela resulta da que 
foi estabelecida pelos seus antepassados e familiares. 
Qual é então a sua utilidade? Entre algumas sociedades estes 
potenciais parentes podem ser um recurso mais vasto do que a mera 
linhagem, constituindo assim uma possibilidade de agregação social. Um 
exemplo da sua utilidade pode ser visto em situações de conflito ou de 
processos políticos de arregimentação de afiliados. Ghasarian (1999) dá 
alguns exemplos do uso da parentela. Robin Fox refere que nas ilhas Tory, 
no Noroeste da irlanda, a constituição das equipas para os barcos de pesca 
assenta na parentela, baseada na filiação e aliança. Um exemplo clássico é 
o que Evans-Pritchard entre os nuer, que tinham a obrigação de reparar, 
por pagamento ou guerra, o assassínio de um membro da comunidade, 
processo similar ao que se passava na Córsega com a vendetta. 
 Uma forma de parentesco relacionado com a parentela é a instituição 
de relações de parentesco que não são forçosamente biológicas e 
genealógicas. Ghasarian (1999, 162) explica de que forma este parentesco 
fictício” ou “pseudoparentesco” é apropriado pelo parentesco espiritual, 
instituído pelas relações de apadrinhamento, concretizadas no momento do 
batismo. Este ato ritual cria dois sistemas de relações de parentesco: o 
apadrinhamento e o de compadrio, que trazem para o seio familiar 
potenciais amigos, ou detentores de reconhecimento social (em muitas 
comunidades rurais portuguesas dos anos 40 era comum o apadrinhamento 
por parte da figura politica/económica mais importante da aldeia). 
 
 
 
177 
 
3.2 Antropologia e poder 
 
 
20 de maio de 2002, Bobonaro: autoridades tradicionais e 
modernas em parada. LSousa. 
 
Pressupostos do tema 
 
O campo de estudo da antropologia política é uma especialização 
da antropologia. Como refere Santos (2002, 172) a pertinência desta 
área de estudo é reconhecida, embora se tenha dividido teoricamente 
entre os que, como Radcliffe-Brown (1981 [1940]), tinham como ponto 
de referência as “sociedades mais simples” e aqueles que, como 
Balandier (2007 [1967]), procuraram demonstrar que a antropologia 
política é uma ciência que procura “as propriedades comuns a todas as 
organizações reconhecidas na sua diversidade histórica e geográfica”. 
Esta última perspetiva vingou sendo claro que o fenómeno pode e deve 
ser estudado em todas as sociedades. 
 
Objetivos gerais 
 
No final deste tema deverá compreender e explicar: 
• os objetivos da antropologia política; 
• a diversidade dos tipos de organização política; 
• a perspetiva de alguns antropólogos acerca do assunto; 
• a relação entre organização social e política em determinados 
grupos; 
• a noção de Nação e de Estado; 
• as diferentes formas de Estado; 
• as diferentes formas de controlo social. 
178 
 
3.2.1 A organização política das sociedades: 
política e poder 
 
A luta pelo poder é o tema central da vida política. No entanto, a 
própria noção de poder é ambígua pois se, por um lado ele é aceite como 
garante da ordem e segurança, por outro lado é contestada já que sustenta 
desigualdades. A noção de política implica poder, mas este não se limita à 
ação política pois o poder pode ser familiar, económico ou religioso. O poder 
político reporta-se ao processo e à tomada de decisões (e sua execução) de 
forma coerciva ou não em relação a todo um grupo. 
A ciência política (Pilon-Le, 1979) aborda a noção de poder através 
de três perspetivas: 
 
• substancialista - o poder é uma possessão que consiste em 
benefícios passível de ser dissipado; 
 
• institucionalista – o poder designa os governantes, os detentores 
do poder, os poderes públicos. Nesta perspetiva a usufruto de 
poder é sinónimo de direito de sanção (positiva ou negativa), 
capacidade de coerção legítima perante aqueles que não o detêm; 
 
• interaccionista – o poder é a capacidade individual ou coletiva de 
mobilizar recursos humanos para fazer face a uma decisão ou 
posição oposta. 
 
Por sua vez, Claessen (1979, 7) define o poder, enquanto conceito 
geral, como a capacidade para impor aos outros a vontade própria, 
incluindo no seu campo de aplicação uma variedade de conceitos que na 
prática não são fáceis de distinguir, sendo problemático dizer onde 
começam e terminam as suas fronteiras: 
 
• a coerção: a capacidade de fazer-se obedecer por meio da força. 
 
• a ameaça: a capacidade de fazer-se obedecer ameaçando com o 
uso da força. 
 
179 
 
• a manipulação: a capacidade de fazer-se obedecer ao não 
proporcionar uma orientação suficiente sobre a situação em 
questão (ou, adicionando ao autor, informação deturpada). 
 
• a influência: a capacidade de fazer-se obedecer recorrendo a 
valores que para o indivíduo têm uma importância positiva. 
 
• a autoridade: a faculdade de fazer-se obedecer ao aceitar como 
justificado o desejo do mandante. 
 
Para se poder efetivar, o poder é objeto de legitimação. Existem três 
formas de sancionar esta legitimidade. No entanto, elas não são exclusivas, 
podendo ser empregues de forma concomitante. Weber (2005, [1922]) 
trabalhou este tema identificando três tipos: 
 
Poder legal – “ em virtude de estatuto. O tipo mais puro é o poder 
burocrático. A ideia fundamental é que, através de um estatuto 
arbitrário formalmente correcto, se podia criar qualquer direito e 
alterar [opcionalmente o existente].” (2005 [1922], 2) 
 
Poder tradicional - “em virtude da fé na santidade dos 
ordenamentos e dos poderes senhoriais desde sempre presentes. O 
tipo mais puro é a dominação patriarcal. A associação de poder é a 
agremiação, o tipo de quem manda é o “senhor”, o corpo 
administrativo são “servidores”, os que obedecem são os 
“súbditos”.” (2005 [1922], 4) 
 
Poder carismático - “mediante a dedicação afectiva à pessoa do 
senhor e aos seus dons gratuitos (carisma), em especial: 
capacidades mágicas, revelações ou heroísmo, poder do espírito e 
do discurso.” (2005 [1922], 9) 
 
Algumas das principais caraterísticas do poder incluem o facto de este 
se exercer num quadro territorial (contíguo ou disperso), ser 
institucionalizado, assente numa constituição (escrita ou oral) que se 
estabelece como força autónoma e fonte de legitimidade. As suas funções 
são a manutenção da ordem e a presença de uma administração. 
 
As diferentes formas de poder: 
 
180 
 
• centralizado ou descentralizado: a forma como se exerce e se 
reconhece a autoridade central: por todos os grupos ou somente 
em grupos distintos 
 
• grau de especialização para uma função específica: o poder 
central pode não corresponder a um poder total igualmente 
distribuído no território, podendo ser objeto de divisão ritual e 
religiosa. Ocorrem situações em que o poder central detém uma 
proeminência espiritual sobre todos os grupos embora em cada 
região o poder executivo não lhe seja reconhecido. 
 
• Concentração ou dispersão de poder: o poder executivo, 
legislativo e jurídico pode ou não se concentrar na pessoa do 
chefe, podendo haver corpos específicos – como conselhos de 
anciãos – que assumem componentes específicas. 
 
• necessidade de fazer reconhecer a palavra do chefe: em 
certas sociedades há a figura do emissário ou representante, 
investido da função de comunicar a palavra do chefe. 
 
• recrutamento dos governantes: os cargos podem ser eletivos 
ou hereditários. Embora aparentemente estes se excluam pode 
ocorrer uma combinação entre ambos os processos. Assim, o 
chefe pode ser designado pelo seu predecessor, por um conselho 
ou por cooptação. Caso seja eleito há que ter em atenção à forma 
como se procede a essa eleição. Finalmente pode ser objeto de 
devolução: hereditário por primogenitura ou por germanidade (ou 
competição). 
181 
 
3.2.2 Perspetivas teóricas sobre a organização 
política 
 
Várias perspetivas, ou abordagensteóricas, sobre a organização 
política podem ser recenseadas. Seguindo Pilon-Le (1979), que vamos 
sintetizar, podemos reconhecer na história da antropologia 5 abordagens: 
genética (associada ao evolucionismo); funcionalista; estruturalista; 
dinamista e marxista. 
 
- a abordagem genética tem as suas origens no evolucionismo. 
Questiona a problemática da origem (mágica, religiosa) da 
autoridade e a passagem das sociedades construídas na base do 
parentesco para as organizações políticas propriamente ditas, 
constituídas com base na ocupação comum de um território. Os 
evolucionistas interrogam-se sobre a origem do Estado e os 
estádios evolutivos que o precedem. Tendo como exemplo 
paradigmático a Europa o evolucionismo unilinear tem implícito o 
pressuposto teórico de que as sociedades não europeias 
representavam estádios anteriores de desenvolvimento da 
humanidade. 
Maine (1861) elabora uma tipologia identificando as sociedades 
sem Estado e as sociedades com Estado. No primeiro tipo de 
sociedade as relações sociais eram regidas pelo princípio de 
parentesco sendo o estatuto transmitido hereditariamente e a 
política não existia como tal. A passagem às sociedades com Estado 
operava-se através do contrato que, com base no consentimento 
ou associação voluntária, ligava grupos humanos a um território. 
Morgan (1877), na esteira de Maine, estabelece uma sequência de 
estados evolutivos: selvajaria, barbárie e civilização que se opõem 
com base numa dicotomia assente na contraposição entre 
sociedades com base nas relações de parentesco versus Estado. 
Uma vez mais, os primeiros estão destituídos de ação política, 
reservada somente às sociedades com Estado. 
182 
 
 
- a abordagem funcionalista faz da organização política um 
aspeto da organização total da sociedade. Através da diferenciação 
dos papéis sociais, entre pessoas e entre grupos de pessoas, são 
criados um certo número de papéis exclusivos (chefes, reis, juízes, 
administradores, etc.) aos quais se atribuem direitos e privilégios 
(estatuto político). 
 
O trabalho de Fortes e Evans-Pritchard (1981 [1940]) 
Sistemas Políticos Africanos marca profundamente a revolução da 
perspetiva sobre as sociedades tradicionalmente estudadas pelos 
antropólogos. Os autores classificam os sistemas políticos africanos 
em três tipos: aqueles dotados de uma autoridade central, as 
sociedades linhagísticas na qual a linhagem e organização política 
se entrecruzam e as sociedades de dimensão muito reduzida e na 
qual a organização política de confunde com o parentesco. 
Para os autores o cerne da política nestas sociedades é 
passível de ser observado a partir das funções que lhe são 
atribuídas. Nestas sociedades duas funções, uma interna e outra 
externa, possibilitam definir a política: fundar e manter a ordem 
social gerindo a cooperação interna, garantir a segurança 
salvaguardando a defesa da unidade política. Nesta perspetiva a 
política decorre, numa visão abrangente, da regulação e controlo 
da ordem social num determinado território. A perspetiva 
funcionalista contribuiu para fazer reconhecer a existência da 
política para lá do Estado. No entanto, a sua análise sincrónica 
limitou muito a sua capacidade explicativa. 
 
- a abordagem estruturalista tem nos modelos estruturais o seu 
principal contributo para a análise antropológica. Sendo as análises 
dos princípios estruturais tal como são descobertos no domínio do 
parentesco e da análise do simbólico. As estruturas políticas são 
sistemas abstratos, “tipos ideais” tal como reportados pelos 
183 
 
próprios ou reconstruídos pelo antropólogo. O que se pretende é 
analisar o “modelo ideal” e não a realidade concreta em toda a sua 
diversidade. Para os estruturalistas a compreensão de um sistema 
social opera-se através da descoberta das regras subjacentes aos 
princípios operantes – a um nível superficial – na sociedade. 
Um exemplo é o trabalho de Leach (1973)92 sobre os Katchin da 
Birmânia. Na sua análise do sistema político Katchin o autor detecta 
uma contradição estrutural nesta sociedade - que embora surja 
como coerente, estável e equilibrada - os dados etnográficos 
revelam uma instabilidade inerente ao sistema político real. Para 
explicar esta contradição o autor elabora dois tipos de sistemas 
políticos ideais, o tipo “gumlao” de sociedade igualitária e o de tipo 
“gumsa” de carácter feudal, que se interligam e sucedem no tempo. 
No campo do parentesco a troca restrita ou generalizada preconiza 
modelos políticos distintos, sendo o segundo caraterístico das 
sociedades hierarquizadas do sudeste asiático, tal como a dos 
Katchin. Mas, a melhor contribuição dos estruturalistas no campo 
da antropologia política prende-se com a análise simbólica do 
poder, do ritual e dos mitos – áreas determinantes no campo 
político, por exemplo, como fonte de legitimação. As limitações 
desta abordagem resultam da sua ênfase sincrónica, negligenciado 
a perspetiva histórica, bem como a redução dos sistemas a uma 
conceção ideal, subtraindo-se ao estudo das estruturas tal como 
existem. 
 
- a abordagem dinamista mostra a profunda ligação existente 
entre história liberta dos preconceitos evolucionistas e uma análise 
política em profundidade. Balandier, um dos principais proponentes 
desta abordagem, põe em realce a força da mudança contida nas 
sociedades rotuladas de “sem história”. Balandier define a política 
pelos seus dinamismos, assentes no conflito e competição entre 
grupos e indivíduos, sendo o conflito inerente à estrutura da 
 
92Disponível em língua portuguesa: Leach, Edward (1995) Sistemas Políticos da Alta Birmânia, edusp 
184 
 
sociedade. Para o autor antropologia política consiste em estudar 
as transformações dos sistemas políticos elucidando o seu processo 
de formação histórica. 
 
Na esteira dinamista, Gluckman e Boahnnan, herdeiros da tradição 
da antropologia jurídica, chegam às mesmas conclusões quando 
produzem uma “antropologia dos conflitos” onde os aspetos de 
transformação-readaptação dos sistemas políticos ocupam um 
lugar fundamental. Gluckman analisa os rituais de rebelião, 
mostrando como as formas de contestação institucionalizada em 
Estados africanos são uma condição da sua própria legitimação. 
 
 - A abordagem marxista compreende o trabalho de Engels no 
final do século XIX e os autores neomarxistas dos anos 60` do 
século XX. Engels, que parte da hipótese de que as primeiras 
sociedades humanas possuem uma organização social igualitária 
constituída por parentes consanguíneos e exógamos, pretende 
averiguar quais as transformações que possibilitaram a emergência 
do Estado. 
 
Para o autor a dissolução do modelo anterior decorre do 
desenvolvimento da divisão social do trabalho sob a impulsão das 
forças produtivas, que deu origem a uma sociedade de classes. A 
luta de classes coloca a necessidade do Estado, que em última 
instância corresponde à organização da classe que possui o poder 
para se proteger da classe que deste está destituída. O estado 
define-se com quatro critérios: o território, a presença de um 
aparelho repressivo, de um aparelho administrativo e da recetação 
de impostos. 
 
A partir nos anos 60 do século XX um conjunto de autores, 
Meillassoux, Terray, Rey, Suret-canale, etc, começou a utilizar a 
perspetiva marxista nos seus trabalhos. Foi um período marcado 
185 
 
por uma nova reflexão sobre o marxismo após o desaparecimento 
de Estaline e pela independência de ex-colónias, lutas de libertação, 
emergindo o conceito de terceiro mundo e as novas políticas de 
exploração económica. 
 
Nesta perspetiva existe um sistema mundial capitalista que se 
funda na divisão internacional do trabalho entre países capitalistas 
avançados e os países da periferia. Neste sistema hierarquizado 
existem uma ou duas nações que assumem um poderhegemónico 
– imperialista - e impõem a sua dominação aos países da periferia, 
cujas economias são destes dependentes. Assim, para analisar a 
condição neocolonial (sobretudo em contexto africano onde se 
desenvolveram a maioria destes estudos) havia a necessidade de 
estudar o modo de produção e a estrutura económica tradicional de 
modo a medir a penetração do capitalismo e as transformações 
operadas. Esta abordagem opera assim em duas dimensões, uma 
local procurando explicar a estruturas sociais tradicionais em 
termos materialistas (desigualdades, exploração, modos de 
produção); e por outro lado outra que procura situar as formações 
sociais no conjunto social mais vasto constituinte do sistema 
mundial e interpretado em termos de imperialismo. 
 
Uma boa resenha das principais abordagens teóricas é feita por Lewellen 
(2008) que sintetiza as principais teorias em dois grandes grupos: o 
estruturo–funcionalismo e o enfoque processual: 
 
93 Disponível em língua portuguesa, indicado na Bibliografia final. 
94 Disponível em língua portuguesa: Evans-Pritchard, E (1999) Os Nuer, Editora Perspetiva 
Três perspetivas teóricas em antropologia política (traduzido de Lewellen, 2008, 116) 
 Enfoque processual 
 
 
Estruturo- funcionalismo 
 
Teoria processual 
 
Teoria da ação 
Objetivos 
 
Demonstrar como as instituições 
concretas servem para manter o 
equilíbrio da sociedade 
 
Definir os processos que 
intervêm nas lutas 
políticas e na obtenção 
dos objetivos públicos 
 
Descrever estratégias 
individuais para obter e 
manter-se no poder 
Unidade de 
análise 
 
A sociedade, a tribo, o grupo 
social, etc, tratado como um 
conjunto ideal; este grupo foi 
considerado, por razões analíticas, 
como um sistema fechado na 
medida em que se minimizava o 
meio mais amplo 
 
 
O “âmbito político”, uma 
conceção flexível e 
relativa que faz 
referência a toda a área 
onde possa ter lugar a 
interação política, pode 
incluir uma parte da 
sociedade ou transcender 
as fronteiras étnicas ou 
sociais 
 
A “arena” política, uma área 
em que os protagonistas 
individuais ou pequenos 
grupos lutam pelo poder 
político; as arenas políticas 
podem estar constituídas 
todas ou em parte por 
fações, relações patrão-
cliente, partidos, elites e 
outros grupos para-políticos 
informais 
Perspetiva 
analítica do 
tempo 
 
Sincrónica; a sociedade era vista 
como se estivesse fora do tempo, 
num presente ideal 
 
 
Diacrónica, ou 
“temporal”; a análise 
pode centrar-se na 
história real ou em 
processos históricos de 
mudança ao longo da 
história 
 
Diacrónica; mas centra-se 
nas ações dos indivíduos 
dentro dos limites da 
duração do trabalho de 
campo do antropólogo. 
Atitude 
face à 
mudança 
 
Em algumas obras o interesse pela 
mudança primava pela ausência; a 
sociedade era manejada de uma 
forma meramente estrutural; 
noutras obras a mudança era 
colocada em relevo (considerada 
como ajustamentos adaptativos 
das partes), mas o todo era visto 
em contínuo equilíbrio 
 
Conflito, tensão e 
mudança constituíam a 
condição normal da 
sociedade 
 
A mudança dentro da arena 
política é praticamente 
constante, ainda que possa 
existir uma relativa 
estabilidade do sistema 
como tal 
Conceitos - 
chave 
 
Estrutura, função, equilíbrio, 
integração 
 
 
Processo, competência, 
conflito, poder, 
legitimidade, apoio 
 
Estratégia, manipulação, 
tomada de decisões, papéis, 
objetivos, jogos, regras 
Exemplos 
 
African Political Systems, Fortes e 
Evans-Pritchard93 
The Nuer94, Evans-Pritchard 
 
 
Political Systems of 
Higland Burma, Leach 
Political 
Anthropology, 
Swartz, Turner e 
Tuden 
 
Schism and continuity in an 
African society, Turner 
Luigbara Religion, 
Middleton 
«Political Anthropology: 
manipulative 
Strategies» Vincent, in 
annual Review of 
Anthropology, 1978 
3.2.3 Sistemas de organização política 
 
A classificação dos sistemas políticos implica sempre uma redução da 
realidade, que por vezes é mais complexa do que as tipologias permitem 
desenhar. No entanto, a sua utilidade, quer descritiva quer explicativa, 
permite uma aproximação e interpretação desses sistemas. Entre as 
tipologias funcionalistas (analisadas no manual adotado) os critérios de 
construção estipularam: a presença ou ausência de Estado centralizado, o 
grau de centralização do aparelho de Estado e a especialização das funções 
políticas. 
 
Southall (Pilon-Le, 1979, 25) define uma tipologia tripla: as sociedades 
segmentárias, os Estados segmentários e as sociedades com Estado 
centralizadas. Por seu lado, Beattie desenvolve apresenta uma proposta com 
seis subtipos: 
Tipologia de Beattie 
 
I. Sociedades descentralizadas: funções políticas assumidas por: 
 
1. os mais velhos (caçadores-recolectores) 
2. os conselhos locais 
3. as classes de idade 
4. as linhagens 
 
II. Sociedades centralizadas: Estado fundado com base em 
1. linhagens 
2. um sistema de dependência pessoal 
 
Fonte: Pilon-Le (1979, 25) 
 
Nos anos sessenta desenvolveram-se nos EUA correntes de 
pensamento denominadas neo-evolucionistas ou materialistas culturais 
(Sahlins, Service, Fried, Stewart e Whyte). Os seus pressupostos teóricos 
defendem que a evolução das sociedades humanas tem por modelo a 
evolução dos organismos vivos, procedendo do simples para o complexo por 
diferenciação funcional; a evolução das sociedades baseia-se na mudança 
técnica e tecno-ecológica. 
 
 
188 
 
Service (1962) é o autor de uma das mais recorrentes tipologias que 
analisa as caraterísticas de cada uma destas organizações com base em seis 
parâmetros: estabelecimento, estratégia de subsistência, economia, 
estrutura social, descendência e sistema político. 
 
Tipologia de bandos, tribos, chefaturas e estados (traduzido de Service, 
1962) 
 Bandos Tribos Chefaturas Estados 
População 
 
25-50 
 
100 a 1000 1000 100.000 
Estabelecimento 
Mobilidade, baixa 
densidade de 
população 
 
semi-
permanente 
Mais do que 
uma 
comunidade 
permanente 
Muitas 
comunidades 
permanentes 
Estratégias de 
subsistência 
Recolha de 
alimentos 
Horticultura, 
pastorícia 
Agricultura 
não 
mecanizada 
Agricultura 
intensiva, 
comércio 
Economia 
 
reciprocidade 
generalizada 
reciprocidade, 
alguma 
redistribuição 
redistribuição mercado 
Estrutura social 
Igualitária 
Sem uma 
estrutura 
político-legal 
institucionalizada 
Diferenças de 
estatuto 
incipiente, 
mas não 
rígidas ou 
permanentes 
Linhagens 
ordenadas 
Classes 
claramente 
definidas; 
altamente 
estratificadas 
Descendência Cognática Linhagem Linhagem Cognática linhagem 
Sistema Político 
 
Não centralizado; 
decisão por 
consenso; poder por 
influência; líderes 
informais e 
temporários 
Não 
centralizado; 
alguns 
responsáveis a 
tempo parcial 
como o “big-
men” ou 
classes de 
idade; poder 
por perícia, 
conhecimento; 
“estatuto 
alcançado” 
Centralizado 
mas com 
autoridade 
geral; 
baseado no 
nascimento 
com 
legitimidade 
divina; 
“estatuto 
atribuído” 
Autoridade 
centralizada, 
com 
responsáveis 
formais e 
múltiplos 
corpos 
governativos, 
poder 
baseado na 
lei 
Exemplos 
 
Dobe Ju/hoansi 
(!Kung). Inuit 
Socieda des de 
big-man na 
Melanésia; 
Yanomamo da 
Venezuela e 
Brasil 
 
Trobrianders 
da Papua 
Nova Guiné; 
Polinésia, 
incluindo o 
Hawaii 
A maioria dos 
países, 
incluindo os 
Estados 
Unidos e os 
camponeses 
Fonte: Service (1962) 
 
 
189 
 
O bando dispõe de um governo mínimo. Trata-se de grupos de pequena 
dimensão que se deslocam num território de dimensões variáveis de acordo 
com as estações do ano. Vivendo da caça e recoleção o bando não dispõe de 
reservas acumuláveis95, os seus membros não possuem estratificação social 
pois não têm nada a redistribuir. Os bens obtidos são por norma partilhados 
entre todos os membros do grupo. 
 
O bando pode compreender várias famílias nucleares e o parentescoé 
tendencialmente cognático. São caraterizados por um igualitarismo entre os 
seus membros. A existência de um chefe é contextual pois a sua ação é 
temporária e a sua atuação política resulta do conhecimento e capacidade de 
liderar o grupo, sobretudo nas deambulações em 
busca de caça e recoleção. A sua função é 
sobretudo a de um guia e pacificador dos conflitos 
internos. A sua principal vantagem é a 
possibilidade de, em contrapartida poder possuir 
várias mulheres. O seu poder provém do grupo e 
não do parentesco, embora a tentativa de tornar a 
sua função hereditária, legando-a a um filho, possa desenvolver a emergência 
de um poder difuso. 
 
As denominadas tribos96, designação que está em desuso, são carateriza 
das como sociedades com um poder difuso ou anárquico. A subsistência é 
assegurada pela agricultura extensiva, a pastorícia e a horticultura. A 
liderança é assegurada pelos representantes de grandes famílias e o 
parentesco assenta num sistema linear. 
 
A terra é possuída de forma coletiva pelos grupos de parentesco. A 
integração na sociedade é feita através das classes de idade e o papel do 
chefe é limitado pela existência de um conselho de anciãos que reúne os 
 
95 Este facto não invalida que haja formas de guardar bens, como água, em pequenas quantidades. 
96 Este conceito tem sido alvo de inúmeras críticas pela sua incapacidade de descrever a realidade. Sahlins, 
referido por Pilon-Le, 1979) usa o termo no contexto de “tribos” e chefaturas” mostrando assim que o 
conceito abarca uma multiplicidade de situações. O seu emprego pode assim conduzir a uma falsa 
interpretação da realidade (Pilon-Le, 1979, 28) 
Exemplos destes vários tipos de 
organização política podem 
ser consultados em: 
http://anthro.palomar.edu/po
litical/default.htm 
 
190 
 
representantes de todos os grupos familiares existentes. Esta limitação de 
poder estende-se ao seio da família onde a liderança é, por norma, atribuída 
ao mais velho. Por norma as decisões deverão ser obtidas por consenso entre 
todas as partes envolvidas. 
 
No entanto, há uma hierarquia resultante da ocupação e constituição 
original dos grupos que ocupam o território. Esta pode-se basear na força 
dos primeiros ocupantes ou na dos migrantes posteriores (que ocuparam 
pela força o papel executivo). Todavia, na maioria dos casos aos primeiros 
a chegar ao território são atribuídos os poderes mágico-religiosos associados 
à condição de “senhores da terra”, sendo responsáveis por dirimir conflitos 
que envolvam derramamento de sangue (vinganças). O sistema não possui 
uma estabilidade entre as partes que o compõem, que no entanto, se aliam 
em torno do parentesco para resolver ameaças comuns. 
 
Figura 4: Sistemas segmentários e a importância da 
profundidade genealógica no controlo do território: exemplo dos 
Tiv (Nigéria) estudados por P. Bohannan e citados em Colleyn 
(2005, 161) 
 
 
 
 
191 
 
 
As chefaturas caraterizam-se pela existência de um chefe ou líder que 
regula os assuntos coletivos e cuja legitimidade resulta de um conjunto de 
fatores entre os quais se poderá incluir o parentesco, mas não como elemento 
exclusivo. Por norma o termo aplica-se a comunidades cuja base territorial 
apresenta uma dimensão regional e não meramente local. 
 
Esta dimensão territorial é importante pois liga todos os elementos do 
grupo associados pela existência de uma convicção de ordem sobrenatural 
na sua relação com esse território. O poder do chefe ou líder é determinado 
pela força, nomeadamente a capacidade de exigir tributo que pode ou não 
ser redistribuído pelos elementos da comunidade. A autoridade resulta de 
uma combinação de elementos como o parentesco, o prestígio, o sagrado e 
uma capacidade limitada de exercer a coerção. Nestas sociedades opera-se 
uma distinção entre o aparelho político e as hierarquias sociais. 
O chefe, representante da unidade do grupo, é associado à continuação 
da harmonia com o cosmos, o que lhe confere uma dimensão sagrada 
(legitimada pela descendência e ligação aos antepassados fundadores). É um 
regulador do conflito e dispõe de vantagens económicas (prestação de bens 
e serviços), sociais (casamento com mais do que uma mulher), morais, etc. 
A transmissão de poder opera por norma através das regras de parentesco 
(filho no caso de sistemas patrilineares, sobrinhos no caso dos matrilineares). 
Nos sistemas de chefaturas pode ocorrer um poder paralelo ou dual resultante 
da existência de chefes da terra que possuem um papel religioso e económico. 
As caraterísticas principais do Estado são: um governo centralizado e de 
segmentação piramidal, a existência de um território, a presença de um corpo 
administrativo e de instituições especializadas e o monopólio do emprego da 
força. 
Um dos temas que suscita mais debate é a origem do Estado. Embora 
atualmente haja um relativo consenso de que várias formas de Estado 
surgiram em diferentes contextos sociais Barnard (2006, 63-64) lista 
quatro grandes teorias que procuraram explicar como o Estado se formou: 
 
1. Teoria hidráulica: o Estado emerge devido à invenção e divulgação 
de sistemas de irrigação que implicaram o controlo do trabalho de 
 
192 
 
um grande número de pessoas. Tese defendida por Karl Wittfogel 
em Oriental Despostism: A comparative Study of Total Power 
(1957). (exemplo do Império Chinês). 
 
2. Teoria coerciva: defendida por Robert Carneiro (1970), a tese 
argumenta que o Estado desponta devido à guerra que ocorre em 
locais com escassa terra arável. O conflito entre povoações de 
pequena dimensão alcança um ponto em que aqueles que vencem 
os oponentes assumem o controlo sobre estes (ex.: Incas). 
 
3. Teoria de classes: esta teoria tem origem nos trabalhos de Marx e 
Engels, nomeadamente o trabalho deste último: The Origin if the 
Family, Private Property and the State (1884). Esta tese defende 
que a origem do Estado deriva do antagonismo entre classes 
sociais. Nesta aceção o Estado é um “mito” perpetuado pela classe 
dirigente para preservar a ordem e o poder. 
 
4. Teoria do contrato social: as origens desta teoria remontam a 
Hobes, Locke e Rosseau nos séculos XVII e XVIII. De acordo com 
esta tese algures na história da humanidade, os povos primitivos 
decidiram prescindir da liberdade de forma a obterem a ordem 
social – e esta tornou-se o Estado. 
 
 
 
193 
 
3.2.4 O processo político e o controlo social 
 
Todo o sistema político funciona com constrangimentos e interdições. 
Trata-se de um instrumento de poder que permite ao chefe ou ao Estado 
legitimar o uso da violência. 
Segundo Marconi e Presotto (1987, 158) as funções do processo 
político consistem em: 
 
a) definir as normas comportamentais de conduta aceitável; 
b) atribuir força e autoridade; 
c) decidir disputas; 
d) redefinir as normas de conduta; 
e) organizar os trabalhos públicos grupais (caçadas tribais, 
construções, consertos, hortas, etc.); 
f) ocupar-se do mundo sobrenatural através do controle religioso 
(rituais e cerimoniais); 
g) organizar a economia (manter mercados e desenvolver o 
comércio); 
h) responsabilizar-se pela defesa do território e promover a guerra 
contra o inimigo. 
 
Segundo as mesmas autoras (1987, 159), os atributos específicos que 
permitem a fácil identificação do processo político são: 
 
a) “público e não privado – sua ação atinge toda a sociedade, 
amplamente considerada, tendo poder de decisão nas ocorrências 
de âmbito público, não sendo, portanto, um assunto nem individual, 
nem familiar. 
 
b) orientado para uma finalidade – tem por objetivo satisfazer os 
interesses públicos em detrimento dos interesses individuais ou 
grupais. Preocupa-se com os meios e os fins para atingir os seus 
propósitos, ou seja, compete à política a tomada de decisões 
pertinentes, de definições das normas sociais e dos valores dacultura. 
 
194 
 
 
c) atribui e centraliza o poder – as pessoas que tomam decisões e 
exercem o poder na esfera pública estão investidas de autoridade 
política, presente mesmo nos grupos mais primitivos. É a 
autoridade que obriga ao cumprimento das normas estabelecidas; 
para tanto, lança mão de sanções e de coerções.” 
 
O controlo social concretiza-se de várias formas, nomeadamente através 
das normas sociais. Todavia, no contexto do controlo social e organizações 
políticas, a principal forma de efetivação é a lei. Segundo Hoebel e Frost 
(2001, 303) a lei distingue-se das normas sociais gerais por três 
caraterísticas: 
 
1. O uso legítimo da privação económica ou da coerção física. 
2. A designação da autoridade oficial. 
3. O elemento de regularidade (consistência). 
 
A ameaça da lei nem sempre é impedimento suficiente para evitar a sua 
infração. Neste contexto a lei tem um efeito de impedimento psicológico, 
como orientação do comportamento para finalidades sociais. Todavia, em 
última instância, a lei age através de sanções como a confiscação de 
propriedade ou de privação física direta. 
A coerção não é exclusiva do poder estatal (a máfia, os yakuza, e 
outras associações criminosas também a exercem) mas, a diferença essencial 
que distingue a coerção legal das demais é a aceitação geral da sua aplicação 
de modo legítimo por uma parte específica da sociedade dotada de meios 
para a efetuar. 
A regularidade remete para o que a lei compartilha, na sua natureza, 
com as normas sociais. A regularidade deve permitir a previsão, embora não 
seja imutável pois as leis podem ser objeto de alterações. No entanto, a 
regularidade faculta à lei o seu atributo de certeza. 
 
Com base no comentado podemos definir a lei como: 
 
 
195 
 
(…) norma social da qual se pode predizer com razoável probabilidade 
que a sua violação além dos limites da margem permissível evocará 
uma resposta processual formal, iniciada opor um individuo ou por 
um grupo que possua o direito-privilégio, socialmente reconhecido, 
de determinar culpa ou de impor sanções económicas ou físicas ao 
transgressor. (Hoebel e Frost, 2001, 305) 
 
A lei pode ser distinguida em lei substantiva e lei adjetiva e entre lei 
orgânica e lei tirânica. A lei substantiva identifica as normas que devem ser 
sancionadas por ação legal enquanto a lei adjetiva ou processual designa a 
pessoa, ou as pessoas, que podem de direito aplicar o castigo relativo à 
violação de uma lei substantiva. 
A capacidade de coerção que a lei aufere representa um perigo uma 
vez que pode incorrer em subjugação de uma maioria por uma minoria que 
se apropria do poder e do exercício da lei. Assim, quando a atribuição da lei 
não é reconhecida socialmente, mas imposta pela força, estamos perante um 
sistema de lei tirânico. Pelo contrário, a lei orgânica remete para um sistema 
legal em que há um reconhecimento e aprovação social das leis vigentes. 
A lei desempenha, segundo Hoebel e Frost (2001, 306-307) quatro 
funções essenciais para manutenção das sociedades: substantivas, adjetivas, 
mediadoras e readaptativas: 
 
1. substantivas - a definição de relações obrigatórias entre os 
membros de uma sociedade com a finalidade de afirmar que 
atividades são permitidas e que atividades não o são e para 
manter pelo menos uma integração mínima entre as atividades 
dos indivíduos e as dos grupos dentro da sociedade. (…) 
 
2. adjetivas – a atribuição da autoridade e a designação da pessoa 
que tem o direito-privilégio, reconhecido socialmente, de iniciar 
e levar a efeito ações corretivas legítimas que levem a sanções 
económicas ou físicas quando são violadas as normas 
substantivas, de modo que a força seja controlada e dirigida 
para fins sociais. 
 
 
3. mediadoras – a decisão de casos de distúrbios, quando 
acontecem; acabar com as desordens sociais (reivindicações 
descabidas, brigas e lutas, mortes e ferimentos) de modo que 
 
196 
 
as pessoas possam desempenhar as suas funções na vida 
cotidiana com uma certeza razoável e com segurança. 
 
4. readaptativas - a redefinição contínua das relações entre os 
indivíduos e os grupos quanto às condições de mudança de vida, 
para manter a adaptabilidade e flexibilidade tanto na resposta 
da lei substantiva, quanto da lei processual aos valores instáveis 
e às novas tecnologias. 
 
As funções indicadas podem ser aplicadas com maior ou menor habilidade, 
podendo o sistema legal assegurar a aplicação da lei de forma suave e 
eficiente ou de forma rígida e brutal – caso da imposição da ordem pela tirania 
e sem a menor justiça: 
 
• Privação de liberdade; 
• Penas físicas, sanções corporais, 
• Pena de morte 
• Exílio (imposto ou não) 
 
A detenção por parte do Estado da prerrogativa da violência é uma 
imposição e ao mesmo tempo um impedimento a outros grupos de a exercer 
(ex: justiça popular). O Estado não pode, no entanto, impedir outros grupos 
de, no plano moral, sujeitarem os seus membros a penas (ex. a sanção do 
Inferno por parte da Igreja). O Estado, dependendo do regime, garante a 
liberdade de expressão, mas controla a forma como a informação é 
divulgada: exemplo da censura ou da espionagem. No entanto, há outras 
formas de controlo da informação como o controlo por parte do Estado de 
meios de comunicação. 
 
 
197 
 
Bibliografia 
 
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Lúcio Sousa, setembro 2021.

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