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1 Propostas de Leitura coleção HORA VIVA narrativas e poemas que abordam o cotidiano da criança e a convivência com os outros o ilustrador | LUIZ MAIA A gente nasce inteiro ou alguma coisa que não existe cresce depois, como se fosse regada? Quando doía alguma coisa, sempre sabia onde era? Quais dos porquês dos meus pais o senhor nunca respondeu? Essas são algumas das curiosas perguntas que o menino desta narrativa gostaria de fazer ao avô. Com ilustrações de Luiz Maia, este criativo texto de Fernando Bonassi apresenta uma porção de questões instigantes, e muitas vezes divertidas, que se referem às várias fases da nossa vida e revelam as nuances do relacionamento entre o neto e o avô. Atualmente moro em São Paulo, mas sou mineiro de Sabará, cidade barroca de Minas Gerais. Andei pelas montanhas, entrei em minas escuras escavadas pelos antigos escravos, acompanhei várias procis- sões na Semana Santa segurando vela, vi assombração correndo atrás do meu primo (tenho quase certeza). Iniciei minhas atividades artísticas em 1972, expondo meu trabalho na feira de artes da Praça da Liberdade, em Belo Horizonte. Em 1975, descobri o teatro. Dediquei-me a cenografias, figurinos e adereços. O trabalho de ator foi de grande valia para o exercício de interpretação de textos. Em 1991, recebi o Prêmio Jabuti pelas ilustrações do livro Poemas para brincar, de José Paulo Paes. Comecei a ilustrar 310 perguntas pensando em imagens que pudes- sem aproximar o leitor das curiosidades do menino. Escolhi fazer vários desenhos que dialogassem com as muitas perguntas que com- põem o texto de Fernando Bonassi. Mas fica sempre uma pulga atrás da orelha, aquela dúvida... o escritor | FERNANDO BONASSI Neto de italianos por todos os lados, nasci no bairro da Mooca, na cidade de São Paulo, em 1962. Nesse tempo, ainda era possível ser criado na rua e pela rua, se amigando, brigando e brincando com os malucos que havia. Foi pelas ruas e com a sua gente estranha, mudan- do de casa em casa pela zona leste, que vi a capital crescer e transbordar de viadutos, prédios e carros. Convivi pouco e um pouco mal com os meus avós, que morreram cedo e eram muito severos com a vida. Este livro é uma forma de recuperar uma amizade que não tivemos (os livros também servem para isso). Saí do bairro da Mooca para estudar Cinema na Universidade de São Paulo, para correr mundo e escrever livros, roteiros de cinema, seria- dos de televisão e peças de teatro. Tenho livros para crianças e adultos, embora não veja diferença entre esses leitores. Entre os filmes em que trabalhei como corroteirista estão Carandiru, dirigido pelo cineasta Hector Babenco, e Cazuza – o tempo não para, dirigido por Sandra Werneck. Na TV Cultura, tive a sorte de integrar a equipe das séries Mundo da Lua e Castelo Rá-Tim-Bum e, na TV Globo, a do seriado Força-Tarefa. 310 perguntas que eu nunca fiz ao meu avô Fernando Bonassi ilustrações Luiz Maia 20 00 .7 60 97 coleção HORA VIVA narrativas e poemas que abordam o cotidiano da criança e a convivência com os outros o ilustrador | LUIZ MAIA A gente nasce inteiro ou alguma coisa que não existe cresce depois, como se fosse regada? Quando doía alguma coisa, sempre sabia onde era? Quais dos porquês dos meus pais o senhor nunca respondeu? Essas são algumas das curiosas perguntas que o menino desta narrativa gostaria de fazer ao avô. Com ilustrações de Luiz Maia, este criativo texto de Fernando Bonassi apresenta uma porção de questões instigantes, e muitas vezes divertidas, que se referem às várias fases da nossa vida e revelam as nuances do relacionamento entre o neto e o avô. Atualmente moro em São Paulo, mas sou mineiro de Sabará, cidade barroca de Minas Gerais. Andei pelas montanhas, entrei em minas escuras escavadas pelos antigos escravos, acompanhei várias procis- sões na Semana Santa segurando vela, vi assombração correndo atrás do meu primo (tenho quase certeza). Iniciei minhas atividades artísticas em 1972, expondo meu trabalho na feira de artes da Praça da Liberdade, em Belo Horizonte. Em 1975, descobri o teatro. Dediquei-me a cenografias, figurinos e adereços. O trabalho de ator foi de grande valia para o exercício de interpretação de textos. Em 1991, recebi o Prêmio Jabuti pelas ilustrações do livro Poemas para brincar, de José Paulo Paes. Comecei a ilustrar 310 perguntas pensando em imagens que pudes- sem aproximar o leitor das curiosidades do menino. Escolhi fazer vários desenhos que dialogassem com as muitas perguntas que com- põem o texto de Fernando Bonassi. Mas fica sempre uma pulga atrás da orelha, aquela dúvida... o escritor | FERNANDO BONASSI Neto de italianos por todos os lados, nasci no bairro da Mooca, na cidade de São Paulo, em 1962. Nesse tempo, ainda era possível ser criado na rua e pela rua, se amigando, brigando e brincando com os malucos que havia. Foi pelas ruas e com a sua gente estranha, mudan- do de casa em casa pela zona leste, que vi a capital crescer e transbordar de viadutos, prédios e carros. Convivi pouco e um pouco mal com os meus avós, que morreram cedo e eram muito severos com a vida. Este livro é uma forma de recuperar uma amizade que não tivemos (os livros também servem para isso). Saí do bairro da Mooca para estudar Cinema na Universidade de São Paulo, para correr mundo e escrever livros, roteiros de cinema, seria- dos de televisão e peças de teatro. Tenho livros para crianças e adultos, embora não veja diferença entre esses leitores. Entre os filmes em que trabalhei como corroteirista estão Carandiru, dirigido pelo cineasta Hector Babenco, e Cazuza – o tempo não para, dirigido por Sandra Werneck. Na TV Cultura, tive a sorte de integrar a equipe das séries Mundo da Lua e Castelo Rá-Tim-Bum e, na TV Globo, a do seriado Força-Tarefa. 310 perguntas que eu nunca fiz ao meu avô Fernando Bonassi ilustrações Luiz Maia 20 00 .7 60 97 2 SINOPSE As perguntas insistentes que as crianças fazem são o objeto desse livro. Não aquelas que idealizamos, mas as que tratam das questões mais inusitadas, que realmente conduzem o fio de nossa existência, e que muitas vezes não encontramos nas histó- rias das nossas e de outras vidas. Coisas tão simples e tão profundas quanto “quando é que a gente vira gente grande?”. Perguntas que gostaríamos de ter feito para nossos pais, avós, ou aquele amigo mais velho. O AUTOR Fernando Bonassi nasceu no bairro da Mooca, em São Paulo, em 1962. Estudou Cinema na USP. Tem livros para crianças e adultos. Foi corroteirista nos filmes Carandiru, dirigido pelo cineasta Hector Babenco, e Cazuza – o tempo não para, dirigido por Sandra Werneck. Na TV Cultura, integrou a equipe das séries Mundo da Lua e Castelo Rá-Tim-Bum e, na TV Globo, a do seriado Força-Tarefa. O ILUSTRADOR Luiz Maia mora em São Paulo, mas é mineiro de Sabará (MG). Iniciou suas atividades artísticas em 1972, expondo trabalhos na feira de artes da Praça da Liberdade, em Belo Horizonte. Em 1975, descobriu o teatro. Dedicou-se a cenografias, figurinos e adereços. Em 1991, recebeu o Prêmio Jabuti pelas ilustrações do livro Poemas para brincar, de José Paulo Paes. QUE TAL UMA SEGUNDA CAPA? Perceba que a capa da proposta de leitura é diferente da capa original do livro. Você pode produzir uma atividade de recriação da capa do livro. Questione se a nova capa proposta neste projeto de leitura seria adequada. Gerente editorial: Júlio Röcker Neto Editora de literatura: Cristiane Mateus Estagiária: Julia Garcia Bianchini Projeto gráfico: Fabíola Castellar Diagramação: Studio Layout Revisão: Solange Cohen 3 TRABALHANDO COM A LEITURA ANTES DA LEITURA 1. Perguntar aos alunos o que os deixa mais curiosos. 2. A cada aula, trazer algum assunto que desperte a curiosidade das crianças: dinos- sauros, vida em outro planeta, animais do fundo do mar, lendas, etc. 3. Ao final de cada conversa, anotar as perguntas que surgem na turma. Por exemplo: Qual o maior dinossauro que já existiu? Existevida em Marte? Quem é mais peri- goso o tubarão ou a baleia? Existe mula sem cabeça? 4. O professor anota essas perguntas no quadro e pede aos os alunos que anotem em um caderno sob o título de: Minha fase dos porquês. 5. Em um momento oportuno, o professor pode levar a turma para a sala de infor- mática ou para a biblioteca e, reunindo os alunos em equipes, pedir a eles que pesquisem as respostas para algumas perguntas, previamente distribuídas a cada equipe. DURANTE A LEITURA 1. Explorar a capa do livro, o nome do autor e do ilustrador, quem são eles, do que eles gostam, enfim, informações que possam despertar o interesse das crianças, além de permitir que percebam as intenções deles em relação à literatura infantil. Escreva o título no quadro e possibilite o levantamento de hipóteses. 2. Leitura do livro individualmente. Combinar com os alunos a leitura do livro coletiva- mente. 3. O professor poderá fazer a leitura do livro para os alunos usando projetor, outros re- cursos, ou somente oralmente. Cada aluno deve acompanhar a leitura no seu livro. Explorar sempre as ilustrações, pois a linguagem não verbal dialoga com a verbal. Promover uma roda de conversa e oportunizar intervenções para a compreensão leitora, provocando discussões e reflexões sobre a leitura. 4 4. Página 5 – Como foi que seus pais se encontraram? Professor, comentar com os alunos o porquê de algumas frases estarem escritas com letras maiores. É impor- tante, nessa página, a discussão sobre a formação da família. A origem dos seus antepassados, etc. Na 6ª linha, aparece o pronome “senhor”. Perguntar a quem ele se refere. As crianças devem chegar ao avô. Isso é necessário para que as crianças percebam que a narração é em 1ª pessoa, uma conversa entre o menino e o avô. “Um descuido? Um susto?” Se for conveniente, abrir essa discussão, seria muito rico discutir o que seria nascer por um susto ou um descuido, ou então ser plane- jado. Mas o mais importante é que a cada criança que nasce, não importa de como forma ela veio, é sempre uma alegria. Pedir aos alunos que pesquisem, juntamente com seus parentes, histórias de como eles se conheceram e tragam essas histó- rias para contar em sala de aula. É um excelente motivo para envolver a família com o processo de letramento literário e ainda de promover a contação de histórias na casa do aluno e, depois, em sala de aula. 5. Página 8 – Qual foi o seu machucado mais importante, sua cicatriz mais impressio- nante e a dor mais dolorida? Professor, nesse momento, é possível promover um outro relato de memória e experiências, dessa vez com o tema machucados. Os alunos podem responder à pergunta falando sobre si. Também é possível aprovei- tar o momento para apresentar aos alunos cuidados para evitar acidentes. 6. Página 9 – O que significa “limpar a barra”? O que é “perder a cabeça”? 7. Página 11 – Professor, é necessário trabalhar o sentido de muitas expressões que aparecem no texto. É essencial trabalhar com a criança o sentido conotativo delas, pois, se as crianças não entenderem, isso prejudica a compreensão do texto. Pão que o diabo amassou Banho-maria Pão-duro Deu banana pra alguém 8. Página 12 – “Era num só ponto ou variava conforme o dia, ou as regras de gramáti- ca?” (BONASSI, 2010). Professor, é importante parar nessa pergunta para entender o que a criança entende por regra de gramática. “E o cansaço, quando é que parou? Era o maldito cigarro?” (BONASSI, 2010). Professor, destacar o uso do adjetivo “maldito”, usado para destacar os malefícios do cigarro. O que significa “ser posto de capacho”? Por que será que o avô deu ao menino um guarda-chuva quando ele tinha oito anos? Você já ganhou um guarda-chuva? 9. Página 13 – Professor, nessa página, aparecerá perguntas que permitem repensar aquilo que deu certo ou erradoem nossas vidas . Se achar conveniente, você pode trazer a música Epitáfio, dos Titãs, e apresentar às crianças. Vocês podem cantar e depois discutir o que há de comum entre a letra da música e o texto da história. 10. Página 14 – Você concorda que todo descobrimento é maravilhoso? 11. Página 15 – O que é “levar desaforo na cara”? Quando “levamos bronca”, ganha- mos alguma coisa com isso? O que deveríamos aprender com as broncas? 5 12. Página 16 – Qual é o valor que tem, na vida das pessoas, a expressão “sangue do meu sangue”? O que é “pôr a mão na massa”? 13. Página 18 – Você já teve um “por quê” que não foi respondido pelos seus pais? Qual foi? 14. Página 19 – O que é “se fazer de surdo”? Para você, como é a escola que ensina a estudar melhor? 15. Página 20 – É verdade que o mundo era preto e branco até que inventaram o filme colorido? Nessa mesma página, é possível notar a figura estilizada de Carlitos, per- sonagem imortalizado por Charles Chaplin. O professor pode aproveitar e oferecer a seus alunos a oportunidade de assistir a algum filme mudo de Chaplin. Pode ser O Garoto, filme cujo tema gira em torno da afeição de uma pessoa em situação de rua (Carlitos) por um garoto abandonado. Durante a exibição do filme, é importante que o professor faça pausas para explicar algumas cenas e tirar dúvidas a respeito do enredo. Explicar aos alunos que, na época em que foi produzido, o filme era preto e branco devido à falta de tecnologia, mas, hoje, o preto e branco acaba sendo um recurso utilizado por produtores e diretores para dar um ar “retrô” a uma cena ou sequência de imagens. É possível, também, fazer um trabalho com fotografia em preto e branco de jardins e paisagens. Esses trabalhos todos acabam por responder à pergunta inicial. 16. Página 22 – Para você, que sentido tem a expressão “o tempo não para”? Quem é você? Como você é? Escreva um pequeno texto que defina quem você é. Professor, nessa página, há uma boa oportunidade para uma produção de texto escrita. Orien- te uma produção textual para que as crianças façam uma análise delas mesmas, a fim de compartilhar com os colegas as impressões que têm de si. Enfim, aproveite os questionamentos para mostrar aos alunos que, mesmo sem as respostas, a sequência de perguntas do livro revela um pouco sobre a alma de avô e neto. Mas, também, são perguntas que representam a curiosidade de qualquer criança diante do mundo adulto; um mundo do qual fazem parte, porém, muitas vezes, parece que não faz sentido nenhum para o universo infantil. O livro representa também a coragem, a espontaneidade e a ingenuidade da criança que não tem vergonha de perguntar, mesmo correndo risco de ficar sem resposta. 6 DEPOIS DA LEITURA 1. Montar uma exposição biográfica com a história dos avôs de cada aluno. 2. Ouvir a música 8 anos, de Adriana Calcanhoto, e compará-la ao livro lido. A fase dos porquês deve passar ou é uma condição que nos leva ao conhecimento? 3. Cada aluno pode fazer uma pergunta anônima em um pedaço de papel e colocá-lo em uma caixa. Depois, o professor pode misturar tudo e passar a caixa para que cada aluno tire uma pergunta e a responda. 7 OBRAS INDICADAS PARA A COMPLEMENTAÇÃO DAS ATIVIDADES • MOREIRA, José Ricardo. A terra dos avôs. Curitiba: Maralto, 2008. Meio esquisito e cheio de ideias mirabolantes, Tito mora com os pais e o avô Norberto, de quem gosta muito e para quem vive pedindo emprestados alguns objetos antigos. Tudo vai bem até o dia em que o garoto chega em casa e não encontra o querido avô. Inconformado e descontente com as explicações dadas pelos adultos, Tito tenta descobrir o paradeiro dele, pondo à prova suas habilidades de caçador de mistérios. Ao mesmo tempo terna e bem-humorada, a narrativa insere o enigma no âmbito do cotidiano familiar, mostrando a convivência e a cumplicidade entre o avô e o menino e levando o leitor, de forma muito delicada, a refletir sobre o grande mistério que é a vida. • FILHO, Ricardo. Vovô é um cometa. Curitiba: Maralto, 2008. Laura é uma garota que está cursando o quarto ano e adora jogar futebol. Seu xodó é o trisavô Américo, de cento e dois anos, comquem ela costuma conversar quase todos os dias. Na escola, Laura fica sabendo da existência do cometa Halley. Para sua surpresa, o trisavô diz que se lembra da penúltima passagem do cometa, em 1910, quando ele era um garotinho de apenas cinco anos. Laura, por meio das histórias do trisavô, toma conhecimento de diversos aspectos históricos do mundo e de São Paulo do início do século XX, além de ser informada do alvoroço que a aproximação do cometa causou na ocasião: muitos pensaram que seria o fim do mundo. 8 Convidamos Marta Morais da Costa para escrever um texto abordando a metodologia utilizada nos projetos de leitura disponíveis para todos os livros de literatura do catálogo da PSD Educação. A PRESENÇA VITAL DA LITERATURA EM SALA DE AULA Meus primeiros anos de profissão foram um tempo de forte pressão. Juntamente com noções teóricas e alta taxa de entusiasmo, fui para a sala de aula disposta a fazer tudo diferente do que alguns de meus professo- res não conseguiram fazer. Eu via nos meus alunos uma dose de expectativa de boas aulas e de aprendizagem significativa. Na sala dos professores, recebia a ducha fria daqueles que já haviam sido derrotados e confessa- vam abertamente sua desilusão com a carreira. Até hoje me lembro de algumas frases pouco animadoras sobre o magistério: não as esqueci, mas também não as adotei. Resolvi abrir caminho contra as amarguras e em prol de meus alunos. E foi na leitura e na literatura que aprendi a lidar com a pressão, com a desilusão e com o entusias- mo. Por isso, hoje não hesito em propor aos colegas de magistério um caminho que lhes assegure o quanto vale a pena trazer para a profissão e, principalmente, para os alunos que nos rodeiam, textos que tratam das lutas hu- manas, das esperanças e dos conflitos que amadurecem personagens e leitores. É um pouco dessa experiência e dessa crença na leitura que orienta este texto que fala da vida, da experiência vital com a literatura. Vital para o professor, para os alunos e para a educação. A FORMAÇÃO DE LEITORES Nessa contribuição do tempo e dos escritos a respeito de leitura, aparecem algumas ideias geradoras que foram FORMAÇÃO DO LEITOR Por isso, hoje não hesito em propor aos colegas de magistério um caminho que lhes assegure o quanto vale a pena trazer para a profissão e, principalmente, para os alunos que nos rodeiam, textos que tratam das lutas humanas, das esperanças e dos conflitos que amadurecem personagens e leitores. 9 A leitura de obras desafiadoras incentiva e amadurece a reflexão e o pensamento crítico. sedimentando o trabalho em sala de aula, trazendo novas reflexões e práticas voltadas à formação de novos leito- res. Entre essas contribuições estão: • a leitura é um trabalho progressivo, atemporal e contínuo; • a alfabetização é o primeiro e indispensável estágio para o desenvolvimento e a maturação de um leitor; • os textos a serem lidos estão em vários suportes (li- vros, revistas, cartazes, folhetos, filmes, letras de can- ções, telas digitais e muitos outros); • a compreensão dos escritos pressupõe conhecimen- tos já adquiridos, somados a conhecimentos que se fazem no momento da leitura e permitem atribuir signi- ficados ao que se lê; • a interpretação dos textos requer amplitude de conhe- cimentos de muitas áreas, que vão além da língua em que o texto se apresenta, como a história pessoal e co- letiva, a cultura, a sociologia, a psicologia, a geografia, as artes e outras, que o próprio texto a ser interpretado propõe; • a literatura é um texto verbal que provoca o leitor para exercer as mais diferentes habilidades leitoras: sensibi- lidade à estética das palavras, exercício do imaginário, desejo de ficcionalização, crença e crítica de persona- gens-situações-ações-inter-relações, compreensão da alma humana, entre outras; • a leitura de obras desafiadoras incentiva e amadurece a reflexão e o pensamento crítico. Esses princípios salientados podem – e devem – orientar a formação de leitores para o ingresso mais legítimo e adequado na cultura escrita. Afinal, um dos objetivos da escola é ensinar a ler e a escrever. Na sociedade com- plexa atual, em que textos se multiplicam infinitamente, o processo de ler e escrever tem que passar por moder- nização e aproximação com a realidade cultural. Há algu- mas décadas, os alunos aprendiam a ler para dar conta de funções elementares: rótulos, linhas de ônibus, en- dereços, notícias de jornais impressos, manuais simples de utilização. Tinham dificuldades para ler bulas de remé- dios, contratos, artigos científicos, narrativas literárias em ordem não cronológica, instruções de uso de novas tecnologias. Esse descolamento da evolução da vida co- tidiana produziu reações negativas às funções da leitura. Não era raro as crianças abandonarem os estudos, car- regarem para a vida adulta um estado de analfabetismo funcional e a exclusão da cultura escrita mais desafiado- ra, mais refinada, mais civilizada. 10 As pesquisas que investigam histórias de leitores de- monstram, bem e com frequência, a qualidade extraor- dinária que a capacidade de ler e de refletir traz para a melhoria de vida das pessoas. Pessoas que viveram momentos de grande dificuldade, mas perseveraram na busca de formação pessoal – lastimavelmente, às vezes, em oposição à escola formal. Entre professores, é fre- quente encontrarmos pessoas que declaram o quanto foi difícil sua caminhada entre livros e aprendizagens. Temos, na atualidade, condições de evitar essas dificul- dades futuras de nossos alunos. A leitura por si só não tem o poder de alterar a sociedade, mas tem excelentes condições para transformar o modo como as pessoas entendem a realidade e compreendem as relações hu- manas. Se acreditarmos nesse poder da leitura, todo investimento pedagógico para construir e formar leito- res será recompensado. É com esse objetivo em men- te que as orientações e reflexões aqui apresentadas se desenvolvem. A CONSTRUÇÃO DA LEITURA E POSSÍVEIS ETAPAS A preparação visa apresentar de modo indireto, mas es- tabelecendo relações de assunto, estético ou formal, o texto literário a ser lido. É possível ler qualquer texto sem preparação formal, sem informações iniciais. No en- tanto, essa primeira abordagem vai enriquecer a leitura posterior, conferindo-lhe densidade e linhas mais segu- ras de compreensão. A literatura em geral pode ser lida, mesmo que não conheçamos o autor, o gênero textual, a língua em que o texto foi escrito (podemos ler em uma tradução) e o conteúdo. Os leitores em nível inicial de for- mação para a leitura precisam de orientação mais ampla e que os aproxime positivamente do texto. Por isso, os professores podem trazer para sua aula elementos, ma- teriais e informações relacionados com o texto a ser lido posteriormente, a fim de que os alunos possam apro- ximar-se de seu conteúdo com melhores condições de compreensão e análise. A preparação também abre a sensibilidade do imaginá- rio para apreender a poesia do texto, sua beleza como literatura, suas ideias e as imagens (visuais, emotivas, de leituras anteriores) que necessariamente tornarão o livro mais significativo, isto é, mais próximo à vivência dos estudantes. No entanto, para que possamos realizar um trabalho digno e eficaz, podemos aproveitar experiências que já demonstraram resultados positivos. A experiência docente de cada professor será sempre um elemento considerável para a aplicação de atividades que visam a essa formação. 11 A preparação não pode ser apenas um momento formal de informações biográficas ou históricas sobre o autor ou o livro. Ela é, antes de tudo, um tempo de averiguação prévia sobre as expectativas dos leitores, sobre seus co- nhecimentos prévios, sobre um modo de ver e entender o mundo e a realidade. O texto literário que virá a seguir poderá confirmar essas posições, ou alterá-las, nesse úl- timo caso, fazendo com quea maturidade leitora cresça. Alguns procedimentos podem auxiliar os mediadores a apresentar previamente o texto literário, objeto central do trabalho com a leitura. Por exemplo, escolher um dos temas propostos pela obra literária (a amizade, a solida- riedade, a compaixão, a paz, a diversidade cultural, etc.) e acrescentar fotos, filmes, recortes de jornal, um texto literário curto – como um poema, desenhos, historietas, piadas, canções, textos publicitários, folhetos. Ou, ainda, comparar os textos entre si e anotar as respostas. O diá- logo perguntas-respostas pode ser feito em formato de roda, em divisão em grupos, em formato de entrevistas, como no rádio ou na televisão. É possível também informar sobre o autor, sua obra total, narrar outros textos, fazer pesquisa na internet, construir uma biografia imaginária (como esse autor pode ter co- meçado a ler e a gostar de literatura, por exemplo). Lem- brar sempre que a relação autor-obra não é determinante em um texto literário: muitas vezes, o autor escreve com o imaginário, e não com a sua biografia. Muitas outras atividades podem ser realizadas nessa fase: os professores e mediadores conhecem melhor seus alunos e as experiências de sala de aula exitosas e sabem como apresentar os livros de literatura de forma mais eficiente. As orientações para a leitura efetiva do volume supõem a leitura em voz alta (fundamental para a fase iniciante e a fase medial da formação) ou a leitura silenciosa, que pode ser realizada por leitores com alguma autonomia, tanto de decodificação da língua escrita como de atribui- ção de sentidos ao texto. Recomenda-se que a leitura em voz alta seja feita de uma só vez, em especial para textos curtos. A atitude de interromper a leitura para co- mentários, observações sobre ilustração ou perguntas aos alunos quebra a unidade do texto, corta o possível envolvimento dos alunos com a narrativa ou o poema e prejudica a visão unitária e sequencial do texto. Essas ações podem ser efetivadas em uma segunda leitura em voz alta, quando os alunos já têm a visão total do livro e podem emitir relações mais pertinentes. A preparação também abre a sensibilidade do imaginário para apreender a poesia do texto, sua beleza como literatura, suas ideias e as imagens (visuais, emotivas, de leituras anteriores) que necessariamente tornarão o livro mais significativo, isto é, mais próximo à vivência dos estudantes. 12 A leitura em voz alta requer alguns cuidados para que atin- ja o objetivo previsto de apresentar de forma estimulante o texto literário. Nem sempre a formação profissional dos professores prepara adequadamente para essa atividade por supor que traduzir letras em sons está na natureza automática do processo de alfabetização e na prática diá- ria de nossas leituras de textos escritos. Sabemos todos que não é bem assim que funciona a leitura em voz alta de textos literários. A essência literária trabalha com a beleza das palavras e com as emoções. A voz humana tem condições de realçar essas qualidades. Porém, sem preparação adequada, sem a compreensão dos sentidos que queremos acentuar no texto que lemos, a leitura em voz alta poderá ser pouco eficaz e pouco atraente. Pode até mesmo criar o desencanto com a história ou o poe- ma. A recomendação é que os professores preparem a leitura, isto é, que façam com antecedência uma prévia da leitura oral, tal como se planeja uma aula. Algumas perguntas podem orientar essa preparação: Que aspec- tos quero enfatizar? Que partes da história ou do poema quero ressaltar? Como farei isso? (Somente a voz? O ges- to? O olhar? Mostrarei as imagens? Todo esse conjunto simultaneamente?) Que atitudes tomarei? (Lerei em pé? Em que posição na sala? E os alunos, como estarão? Dei- xarei a sala às claras ou à meia-luz?) Usarei diferentes vo- zes para os diferentes personagens? Não há previamente atitudes ou decisões corretas. Dependerá muito da quali- dade da intervenção do professor e das características da turma. O importante é que a leitura não pareça artificial, mas sim com uma conversa bem conduzida. Decididas essas pequenas questões, os professores pre- cisam cuidar de sua dicção, pronunciar com clareza, mas com naturalidade, as palavras. Lembrar que os ouvintes dependem de sua voz para conhecer a história ou o poe- ma. Eles poderão ser encantados pela leitura, compreen- der melhor as palavras pela condução da voz, descobrir nuances de personagens e ações que não perceberiam na leitura silenciosa e individual. Relatos de leitores dão conta com frequência de como, em sua infância, foi importante a leitura em voz alta. Pelo acalanto da voz, pela proximida- de afetiva, pela presença viva de um narrador. Creio que os professores precisam redescobrir essa técnica milenar. Convém lembrar que sociedades analfabetas cultivaram a literatura oral para sua perpetuação cultural, para seu pra- zer, para desenvolver o imaginário coletivo. Nas socieda- des letradas, trata-se de um recurso extraordinário para atrair leitores, para lhes mostrar as funções psíquicas, cul- turais, sociais e estéticas da literatura. A essência literária trabalha com a beleza das palavras e com as emoções. A voz humana tem condições de realçar essas qualidades. 13 Após a leitura, coletiva ou individual, é o momento da leitura compartilhada, em que, por meio de atividades di- versas e em especial pelo diálogo com os alunos, vão surgindo a compreensão e a interpretação. Convém lem- brar que a compreensão e a interpretação implicam a re- lação entre as palavras literárias e os sentidos que os leitores vão construindo pouco a pouco. Os alunos vão atribuir sentidos significativos ao que leram. Por signi- ficativos, entendemos a apropriação pessoal da leitura, trazendo o que foi compreendido para uma etapa de va- lores, apreendidos pelos alunos individualmente. Esse trajeto pode ser balizado por perguntas e respostas, por jogos e brincadeiras, por pesquisa, por textos criativos produzidos individualmente ou em grupo, por entrevis- tas, recortes, murais e tantos outros recursos pedagógi- cos. Indispensável e relevante é que os alunos tenham oportunidade de participar ativamente, expressando suas opiniões, relacionando, criticando e criando. A prática de fichas de leitura e de questionários caiu em desuso por- que limitava a respostas únicas um texto que é plurissig- nificativo. Essa recusa está alicerçada em recentes teo- rias sobre o modo como as pessoas interpretam: há um estímulo que nasce da palavra, mas que só encontra seu significado em áreas mentais de conhecimento prévio e, no caso da literatura, nas experiências com o imaginário e com a história de leituras de uma determinada pessoa. Por exemplo, uma narrativa ou um poema com a pala- vra “árvore” dá margem a diferentes imagens que têm a ver com a experiência pessoal do leitor (pode ser co- pada, seca, enorme, boa para subir, carregada de frutas, etc.). Mas tem também a ver com o modo como o leitor se relaciona com ela: uma criança da cidade ou que vive na área rural atribuirá às árvores valores diferentes. Tam- bém leituras anteriores interferem no modo como o leitor significa a palavra: pode lembrar uma ilustração de livro que viu e de que gostou, pode lembrar as árvores das virtudes, a árvore que dava dinheiro, as árvores de um desenho animado, a árvore em que se escondia a prince- sa do conto A moura torta e assim por diante. Toda essa riqueza pode – e deve – ser explorada pelos mediadores de leitura. E confirma a plurissignificação como elemento característico e definidor do texto literário. Na mesma linha de multiplicação, atividades que contri- buem para expandir a leitura para outras linguagens ar- tísticas podem surgir das oportunidades oferecidas aos leitores de recriarem, em outras linguagens, o que con- seguiram interpretar no texto lido. Assim, atividades que levem à produção de cenas teatrais, canções, desenhos, Os alunos vão atribuir sentidossignificativos ao que leram. Por significativos, entendemos a apropriação pessoal da leitura, trazendo o que foi compreendido para uma etapa de valores, apreendidos pelos alunos individualmente. 14 fotos, ilustrações, danças, esculturas, quadrinhos e ou- tras manifestações significam uma tradução em outras linguagens e mobilizam os leitores. Um dos resultados dessas atividades será, sem dúvida, a transformação do texto literário em algo presente e vivo na vida dos leitores. Provavelmente o objetivo mais dese- jado do trabalho com a literatura em sala de aula. Marta Morais da Costa é escritora, contadora de histórias e professora aposentada de literatura da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Entre os diversos livros e artigos de sua autoria, publicou Mapa do Mundo: crônicas sobre leitura; Sempreviva, a leitura; e Metodologia do ensino de literatura infantil, obra singular que enfrenta os principais problemas encontrados por professores das séries iniciais para a formação de leitores em literatura. 15 BIBLIOGRAFIA RECOMENDADA • ALLIENDE, Felipe; CONDEMARÍN, Mabel. A leitura: teoria, avaliação e desenvolvimento. 8. ed. rev. e atual. São Paulo: Artmed, 2005. É uma obra imprescindível para o tra- balho com a formação de leitores. Traz uma exposição minuciosa sobre a for- mação de significados, os processos de leitura, os modos de ler, as etapas de formação de leitores competentes. São muitos exemplos que podem auxiliar o professor no desenvolvimento de suas práticas pedagógicas. • ANDRUETTO, María Teresa. Por uma literatura sem adjetivos. São Paulo: Pulo do Gato, 2012. Artigos curtos sobre a definição de lite- ratura para crianças, sobre a importância de ler, sobre exclusão e inclusão na lei- tura, sobre o narrador na literatura. São reflexões atuais e apresentadas em uma linguagem poética e atraente. • COSSON, Rildo. Letramento literá- rio: teoria e prática. São Paulo: Con- texto, 2006. O livro trata das relações entre literatura e escola. Expõe dados teóricos e práticos sobre os conflitos vividos em sala de aula para a formação de leitores de literatura. Questiona e promove a reflexão sobre práticas usuais e sobre o ensino de lei- tura na escola. • MACHADO, Ana Maria. Silenciosa algazarra. São Paulo: Companhia das Letras, 2011. Uma coletânea de palestras da autora que abordam os mais diferentes aspectos da leitura da literatura. Há textos sobre o estágio de leitura no Brasil, sobre his- tórias de leitores, sobre a intertextuali- dade, sobre a formação de leitores e as bibliotecas. • YUNES, Eliana. Professor leitor. Curi- tiba: Hum Edições, 2016. (Coleção Mediações). O texto expõe práticas inovadoras com a leitura em sala de aula, apresenta for- mulações teóricas sobre essas práticas e considera o modo como os leitores cons- troem os sentidos e compartilham suas experiências com os colegas. • ZILBERMAN, Regina. A literatura in- fantil na escola. 11. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Global, 2003. A autora constrói sinteticamente a histó- ria da literatura infantil no Brasil, analisa obras, discute a importância de autores, em especial Monteiro Lobato. A trajetó- ria dos capítulos parte dos pioneiros e chega até a contemporaneidade.