Prévia do material em texto
ISSN 2176-1396 LEITURA E EAD: DIFERENTES SUPORTES, DIFERENTES MODOS DE LER Deisily de Quadros1 - UNINTER Flávia Brito Dias2 - PUCPR Eixo – Educação, Tecnologia e Comunicação Agência Financiadora: não contou com financiamento Resumo Os modos de ler vêm se transformando no decorrer da história nas diferentes sociedades. Isso porque há mudanças no contexto, nas necessidades do ser humano, nos objetivos da leitura, nos suportes, na sociedade. O fato é que, ainda que haja profundas transformações nos suportes de leitura e nos modos de ler, o ser humano sempre leu algo e, para tanto, necessitou de determinadas habilidades leitoras. Isso porque a leitura é uma necessidade. Frente ao universo digital, encontra-se a realidade do estudante do ensino a distância. E enquanto espaço de formação de leitores inserido na sociedade, a EAD também apresenta desafios nos modos de ler. O estudante dessa modalidade precisa ler textos, ícones, hipertextos, hiperlinks e demais itens que compõem o ambiente virtual de aprendizagem disponíveis no computador, tablet, celular, e estes são os suportes de leitura. Cabe destacar que os leitores dessa modalidade de ensino, também necessitam de habilidades leitoras para ser leitores eficientes. Frente a essa reflexão, o presente artigo tem como objetivo tecer olhares sobre o contexto atual da leitura e o modo de ler do estudante da modalidade ensino a distância, visto que, este tem acesso a um ambiente virtual de aprendizagem. O estudante da EaD tem, enquanto leitor, o desafio de ler em um suporte digital, que proporciona a navegação por hipertextos, hiperlinks e hipermídias, bem como uma experiência de leitura que traz o entrelace entre a palavra, a imagem e o som. Esse aluno, para ter acesso pleno à leitura em suporte virtual, deverá desenvolver certas habilidades leitoras, conforme afirmam teóricos como Manguel, Santaella, Murray, Coscarelli e Marcuschi. E é sobre o contexto da educação a distância, a relação entre leitura e os estudantes de EaD e habilidades leitoras que versará o presente artigo. Palavras-chave: Leitura. Educação a distância. Habilidades leitoras. 1 Doutora em Estudos Literários pela UFPR. Professora do Centro Universitário Internacional UNINTER. E- mail: deisily@uol.com.br. 2 Mestre em Educação pela PUCPR. Professora da FAEL. E-mail: flabdias.7@hotmail.com 15283 Introdução No decorrer do tempo, a humanidade deparou-se com muitas maneiras de ler. O homem sempre leu algo. Mesmo antes do surgimento do livro (seja em pedra, rolo ou códice), o homem já lia paisagens, estrelas e plantas. Mas como chegamos das estrelas ao computador e à peripécia de imaginar um holodeck, apresentado no filme Jornada nas estrelas: a nova geração, que “consiste num cubo negro e vazio (...) sobre o qual um computador pode projetar elaboradas simulações, combinando holografia com ‘campos de força’ magnéticos e conversão de energia em matéria?” (MURRAY, 2003, p. 30). A forma de leitura não mudou repentinamente, veio caminhando com a necessidade do ser humano. Enveredou-se pelo sendeiro do mundo contemporâneo, moderno, cosmopolita e fragmentado. O livro, a revista e o jornal dividem agora o espaço da leitura com a televisão, rádio, games, outdoors, cinema, teatro, placas de sinalização, computador, enfim, com uma infinidade de suportes que exigem diferentes modos de ler. Sob tal perspectiva, Santaella (2008, p. 24) considera que o “texto, imagem e som já não são o que costumavam ser”. A autora considera que as linguagens passaram a ser “líquidas” e que no contexto atual, apresentam-se instáveis e permeiam por tantos espaços e numa velocidade considerável que “competem com a luz” (grifos da autora) (2009, p. 25). A presença da linguagem simbólica se manifesta fortemente no contexto atual, por meio das imagens virtuais e publicitárias. Assim, a leitura, no final do século XX, ganhou as características da era digital. Passou a refletir não mais a sociedade calma e centrada de outrora, mas o mundo dinâmico e veloz que conhecemos tão bem. E como qualquer outra grande mudança no cenário humano, os novos modos de ler também provocam discussões, assombros e aclamações. Segundo Murray, o novo desperta o medo, a desconfiança. O surgimento da televisão, do rádio e da tela de cinema, por exemplo, provocou o receio de que os laços com o mundo real fossem rompidos. Isso porque “todas as artes de representação podem ser consideradas perigosamente ilusórias”. (MURRAY, 2003, p. 33). Esse receio pelo novo, pela ruptura de algo já conhecido, voltou a assombrar a humanidade com a era digital. O que era tido como ficção em filmes ou desenhos, como “Os Jetsons3” (grifos das autoras), tornou-se realidade. Já podemos conversar com uma pessoa 3Série de desenho animada produzida pela Hanna-Barbera, exibida originalmente entre 1962 e 1963. 15284 pelo telefone olhando para ela em aparatos bem menores do que os apresentados na casa da família Jetson. Hoje, é possível guardar informações não mais em um amontoado de papéis, mas em compactos pendrives ou ainda na chamada nuvem. As pesquisas não são mais realizadas em enciclopédias, tem-se as informações ao alcance de um clic, sem sair de casa. Consegue-se saber o que se passa no mundo em tempo real. Quer saber sobre um filme? Uma peça de teatro? Um novo CD? Um livro? Basta acessar o mundo dos internautas. O contato com as novas tecnologias é uma constante na vida da maioria dos sujeitos inseridos neste contexto e, por meio delas, acessam diversas informações, comunicam-se virtualmente com seus amigos, que também são virtuais e estabelecem suas relações diversas. Múltiplas linguagens, múltiplas leituras. Assim é o mundo atual. Talvez, ainda estejamos desenvolvendo um novo modo de ler, o que é necessário para dar conta das múltiplas linguagens e dos múltiplos suportes a que temos acesso nesta era digital. A era digital e as múltiplas linguagens estão presentes também na educação a distância. O aluno dessa modalidade de ensino necessita de determinadas habilidades leitoras para ser um leitor eficaz: precisa ler textos, ícones, hipertextos, hiperlinks e demais itens que compõem o ambiente virtual de aprendizagem disponível no computador, tablet, celular, que são os suportes de leitura. Diante desse contexto cabe analizar quais são as características dos textos pertencentes à cibercultura e que novas habilidades e competências de leitura esse contexto hipertextual e de novos gêneros virtuais exige do aluno da EaD. Frente a estes questionamentos, o presente artigo tem como objetivo tecer olhares sobre o contexto atual da leitura e o modo de ler do estudante da modalidade ensino a distância, visto que, este tem acesso a um ambiente virtual de aprendizagem. Assim, nesse artigo pretende-se analisar o contexto dos leitores, desafíos e habilidades necessárias para a compreensão dos recursos didáticos disponíveis nos ambientes virtuais da modalidade EaD. Desenvolvimento O contexto da Educação a Distância No início do século XX, a educação a distância apresentou características de ampliação e tornou-se a modalidade que possibilitou acesso a diversos níveis de ensino. Sobre a Educação a Distância, por um viés histórico, Mugnol (2009, p. 337) explica que “os avanços 15285 tecnológicos tornaram mais visíveis as possibilidades de desenvolvimento da EaD, favorecendo, ainda no final do século XIX”. O autor complementa acrescentando que em meados do século XX, “[...]a multiplicação de iniciativas em muitos países da Europa, África e América. Países como Suécia, Inglaterra, França, bem como, Canadá e EUA e mais recentemente o Brasil, são considerados grandes propulsores da metodologia da educação a distância” (MUGNOL, 2009, p. 337).A EaD, segundo Taylor (2001), está hoje na sua quinta geração: é marcada pelo uso e conjugação de diversas mídias. Passamos já por diversos modelos de EaD: por correspondência, multimídia, teleaprendizagem e flexível. Atualmente, este formato de educação, ainda que se utilize das mais variadas mídias como apoio educacional, não descartou o uso de materiais e recursos didáticos. Ao contrário, transformou esses recursos, adaptando-os às exigências da EaD. Frente a exposição de Castells (1999) o contexto em que a EaD está inserido atualmente é descrito pelo autor como uma sociedade globalizada e com foco central na informação e conhecimento. Sob este olhar, o autor alerta que "devemos localizar este processo de transformação tecnológica revolucionária no contexto social em que ele ocorre e pelo qual está sendo moldado" (CASTELLS, 1999, 24). Moore e Kearsley (2007, p. 2), ao explicar o conceito de EaD, destacam que o processo de aprendizagem planejado acontece num ambiente diferenciado de ensino, nesse sentido requer “técnicas especiais de criação do curso e de instrução, comunicação por meio de várias tecnologias e disposições organizacionais e administrativas especiais”. Como um processo de aprendizagem que já passou por duas gerações - os cursos por correspondência e os telecursos -, em sua terceira geração, a educação à distância está totalmente integrada à tecnologia e os alunos utilizam os mais diversos recursos de meio de comunicação por meio de computadores conectados à internet. Na atualidade, o ensino a distância é a modalidade de ensino que mais cresce no Brasil, impulsionado por programas de governo que visam facilitar o acesso de alunos ao ensino superior. Segundo o Censo (2015), a EaD está presente em todo o país, nas capitais e nas regiões interioranas, com instituições de todas as regiões e estados do país (observa -se uma concentração de 42% de instituições com sede no Sudeste, com destaque para São Paulo, com 22%) (ABED, 2015, p. 7). 15286 Na EaD temos um contexto de diferenciação entre a cultura do papel e a cultura da tela, ou cibercultura. Desta forma, é preciso ir além do denominado letramento: como este aluno precisa decodificar e compreender textos que trazem características diferentes dos que estão impressos em papel e que estão inseridos em outros suportes. Frente aos novos suportes de leitura, é preciso pensar em letramento digital, como ressalta Magda Soares (2002, p. 143). Dessa forma, a EaD exige um estudante autônomo, que transite pelo meio digital para apropriar-se dos conteúdos disponíveis: vídeos, textos, imagens, ícones, rádio, chat, músicas. Cabe destacar dados significativos de pesquisas como Retratos de Leitura no Brasil (2011, 2016) do Instituto Pró-Livro apontam que 44% da população brasileira declarou-se não leitora. A pesquisa ainda aponta frente aos diferentes suportes de leituras que os estudantes têm acesso, além dos livros, na questão relacionada ao uso da internet, que entre os leitores, 81% são usuários das tecnologias. E dentre estes 88% são usuários são estudantes (INSTITUTO PRÓ-LIVRO, 2016). Desse modo, cabe o questionamento: que habilidades de leitura um aluno da EaD precisa ter, considerando a interação entre o ato de ler e o uso das tecnologias? Segundo Vinicius Soares Pinto (2013), explorar um celular, games, computador ou tablet não faz do usuário um expert em tecnologia. O autor ressalta que [...] a percepção de que é um grande equívoco afirmar que a geração de agora tem muita habilidade com tecnologia veio a partir da observação das dificuldades apresentadas por jovens ao lidarem com tarefas simples em um simples computador, como gravar um CD, copiar um arquivo de uma pasta para a outra, anexar uma imagem no e-mail e formatar um texto, por exemplo (PINTO4, 2013, s/p). Esse estudante atual tem sim afinidade com as tecnologias atuais, pois “cada geração tem mais intimidade com aquilo que lhe é contemporâneo”, segundo Pinto (2013, s/p). No entanto, a EaD precisa mediar o acesso do aluno ao conhecimento por meio das tecnologias, modificando as estratégias metodológicas a fim de utilizar a tecnologia como parceira nas situações de ensino-aprendizagem. 4 PINTO, Vinícius Soares. São apenas gerações diferentes. Gazeta do Povo, Curitiba, 26 jun. 2013, Educação e Mídia, s/p. Disponível em: <. http://www.gazetadopovo.com.br/blogs/educacao-e-midia/sao-apenas-geracoes- diferentes/ >. Acesso em: 02 jun. 2017. 15287 Em relação ao processo ensino-aprendizagem, Mugnol (2009, p. 340) alerta sobre a necessidade das experiências que envolvem o processo de interação com conhecimento frente “[...] a criação de meios pelos quais elas poderão acontecer efetivamente”. O autor ainda destaca que no contexto da educação à distância, existem alguns protagonismos a serem considerados e estes envolvem, além do comprometimento e responsabilidade do aluno, a orientação e mediação docente e que envolvem“[...]o uso de metodologias e meios de transmissão das informações, o respeito às diferenças individuais com a utilização de métodos capazes de respeitar o ritmo da aprendizagem de cada estudante” (MUGNOL, 2009, p. 340). Nesta perspectiva, ao tecer relações sobre o processo didático-pedagógico de articulação de atividades, Mugnol (2009, p. 341) explica que “a educação a distância se desenvolve através da articulação de atividades pedagógicas capazes de desenvolver os aspectos afetivo, psicomotor e cognitivo dos estudantes”. É notório afirmar que a educação se inovou com o passar dos anos e o ensino à distância se fortaleceu. O grande salto da EaD se deve aos avanços da tecnologia, pois essa modalidade utiliza diversas ferramentas (materiais) tecnológicas para interagir com o aluno. No processo-ensino aprendizagem: o material didático Sob o olhar de Mugnol (2009, p. 340) “a existência de materiais didáticos de qualidade para a educação a distância, a mediação tecnológica dos meios de comunicação e informação, são atributos que se colaboram para o bom desempenho do papel do professor”. O autor ainda destaca que “aos alunos são atribuídas maiores responsabilidade sobre a própria formação, traduzida esta, em maturidade intelectual para estudos individuais e disciplina para o cumprimento das tarefas propostas pelos professores” (MUGNOL, 2009, p.340). Segundo Possari (2009), ao produzir um material didático para a EaD é preciso verificar vários cenários como o Projeto Político Pedagógico (PPP), a estrutura do curso (semestre, módulo), qual recurso eletrônico poderá utilizar (CD, DVD, etc.), como são os contatos entre professor/tutor/aluno e qual linguagem utilizará nessa produção. De acordo com os dados apresentado no Censo EaD, (ABED, 2015, p. 57) “as instituições apresentaram tendência a produzir seus conteúdos textuais de forma autônoma”. Ainda acrescentam que “[...] para todos os tipos de cursos, mais de 50% das instituições produziram seus próprios materiais. A terceirização de determinada etapa da produção foi 15288 utilizada por 44% das instituições que ofertaram cursos regulamentados totalmente a distância”. Ao se tratar das diferentes linguagens, é importante salientar que os meios de comunicação ou mídias são suportes tecnológicos que mediam essa modalidade de ensino e algumas linguagens estão presentes nessas mídias como, por exemplo, a linguagem verbal, sonora, visual, audiovisual e digital (CORTELAZZO, 2013, p. 125). O professor que atua nessa modalidade deve considerar a autoaprendizagem do aluno. Para isso, deverá utilizar recursos que servirão de apoio numa perspectiva de relacionar sempre a teoria e a prática e, ao mesmo tempo, estes deverão ficar à disposição do aluno para que ele possa ser incitado a interessar-se pelos conteúdos e informações ali disponibilizadas sendo proativono processo ensino e aprendizagem. Os canais de comunicação utilizados na maioria das instituições EaD oferecem ao aluno ambientes que propiciam um ensino-aprendizagem colaborativo. Uma dessas mídias é o Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA), o qual se torna o principal recurso. Segundo Tanzi Neto (apud ROJO, 2013, p. 142) cabe destacar que os ambientes virtuais de aprendizagem “tiveram seu início na educação por meio das fichas de autoavaliação [...] ou com base no ensino programado, advindos dos estudos por correspondência”. Com essa ferramenta de grande interesse econômico, o processo se torna mais dinâmico, pois os conteúdos educacionais são reutilizáveis, oferecendo um ensino- aprendizagem mais atrativo para o aluno. Normalmente, esse ambiente virtual de aprendizagem é composto por textos teóricos sobre os temas abordados na disciplina, slides da aula, livro da disciplina, vídeo aula gravada, rádio web, avaliações, tutoria para tirar dúvidas com os tutores, fórum para discutir determinado assunto, chat para discutir ao vivo sobre um tema e avisos com relação a variadas situações. Desta forma, diferentes tipos de ambientes virtuais são apresentados aos alunos, que precisam de habilidades de leitura específicas para compreendê-los. Segundo Moran (2007, p. 258), a forma de conquistar o aluno para que permaneça centrado na “Moodlesfera” de seu curso é através do uso integrado dos recursos que o professor dispõe: a modelagem do ambiente, sua mediação pedagógica constante e um planejamento de atividades que serão desenvolvidas dentro e fora dos ambientes. Essa estratégica representa a metodologia de uso do ambiente virtual. 15289 Segundo Tanzi Neto (apud ROJO, 2013, p. 145), o design do AVA “contribui para o acesso às ferramentas e informações disponibilizadas no ambiente, sendo bastante intuitiva a navegabilidade”. Dessa forma, como aponta Santaella (2001), o ambiente virtual permite que diferentes tipos de usuários utilizem essa ferramenta: o navegador, usuário pouco letrado digitalmente, o internauta detetive, aquele que é orientado pela inferência intuitiva, e o internauta previdente, já bastante familiarizado com esse ambiente híbrido e tecnológico. Assim, o AVA “contribui para o letramento digital dos usuários em fase inicial na web”. Nesse contexto, percebe-se que o aluno de EaD, ao utilizar o AVA e participar dos recursos que lhe são disponibilizados, depara-se com um ensino-aprendizagem que atende as características específicas dessa modalidade de ensino, devendo, portanto, lançar mão de habilidades de leitura necessárias para a compreensão destes materiais didáticos. E quais seriam essas habilidades? A leitura, portanto, demanda um processamento individual, mas também social, na medida em que abrange mais do que a capacidade de decifrar o código escrito. São as capacidades relativas à compreensão e à produção de sentidos que habilitarão ao estudante a participar de forma ativa das práticas sociais do ambiente a que pertence. Magda Soares (2003) afirma que ler pressupõe fazer previsões sobre o texto e construir significados aliando o conhecimento prévio com a nova informação trazida pelo texto. Estratégia de previsão: leitura de pistas (título, gênero, suporte, data de publicação, autor) na tentativa de antecipar o que está por vir no texto. Neste sentido, algumas estratégias podem ser usadas pelo estudante a fim de desenvolver habilidades significativas para a leitura: Estratégia de inferência: deduzir o que não está explícito no texto. Estratégia de verificação: momento em que o leitor checa, com o avançar da leitura, a veracidade de suas antecipações e inferências. A organização das atividades desenvolvidas de forma não presencial deve complementar e promover a melhoria de qualidade do processo de ensino-aprendizagem em EaD, de forma diferenciada de recursos utilizados em cursos presenciais. Assim, acreditamos ser imprescindível que o aluno desenvolva as habilidades de leitura específicas para realizar as leituras necessárias, bem como os materiais didáticos disponíveis considerem as especificidades do leitor da EaD. 15290 Neste universo, o papel da leitura A leitura cumpre uma importante função social e cultural e é determinante nos processos de pensamento. É de fundamental importância que o indivíduo entenda que a aprendizagem da leitura é um meio de ampliar as possibilidades de comunicação e um ato de compreensão do que se vê, do que se sente e da leitura que se faz do mundo. Sob o olhar de Orlandi (2001, p. 9) “a leitura, portanto, não é uma questão de tudo ou nada, é uma questão de natureza, de condições, de modos de relação, de trabalho, de produção de sentidos em uma palavra de historicidade”. Mas, o que é ler? Ler é construir significados e pressupõe o envolvimento de processos múltiplos sendo, para Jouve, “uma atividade de várias facetas” (JOUVE, 2002, p. 17). Ou seja, o ato de ler, no qual o leitor é sujeito ativo, ativa as mais variadas faculdades como a identificação e memorização dos signos, a compreensão do que está escrito, a identificação afetiva com o texto, o confronto com outras leituras, dentre outras. Nesse sentido, ler é mais que decodificar o que está escrito: é compreender, refletir, estabelecer relações. O texto, assim, “pode apenas programar a leitura: é o leitor que deve concretizá-lo” (JOUVE, 2002, p. 74). E fará isso trazendo sua bagagem de leitura, acionando seus conhecimentos prévios, que serão responsáveis pela formulação de hipóteses – certeiras ou equivocadas – e atribuição de sentidos ao texto lido. Assim, para Leffa (1996, p. 14), [...] o que o leitor processa da página escrita é o mínimo necessário para confirmar ou rejeitar hipóteses. Os olhos não veem o que realmente está escrito na página, mas apenas determinadas informações pedidas pelo cérebro. A compreensão não começa pelo que está na frente dos olhos, mas pelo que está atrás deles. Sob esta óptica, o leitor interage ativamente com o texto, trazendo suas experiências de leitura. O ato de ler requer, portanto, a interação central entre a estrutura da obra e seu receptor (ISER, 1996) e não é atividade passiva, requerendo habilidades e estratégias de leitura. Ao ler, o indivíduo cria e recria a cada palavra o que permite que o texto adquira sentido, existência, valor para si. “Porque, ao ler um texto, o leitor faz dele parte de sua consciência e a ideia do autor passa a ser elemento de transformação, de ampliação de referências para o leitor” [...]. (GIROTTO; LIMA; CHAVES, 2012, p. 103). E pensando nestas habilidades e estratégias, questionamos: tais habilidades são as mesmas para todos os tipos e gêneros textuais? São as mesmas para todos os suportes: livros, 15291 computador, celular? São as mesmas para os alunos de cursos presenciais e para alunos da educação à distância? É neste sentido que precisamos considerar o aluno da EaD um leitor contemporâneo, que usa com frequência ferramentas veiculadas por software de multimídia e pela internet (SENNA, 2001). É preciso pensar, portanto, no leitor e nos recursos didáticos no âmbito das tecnologias modernas e midiáticas. Qual é o leitor que temos nas plataformas utilizadas na modalidade de ensino a distância? A educação à distância é uma modalidade que se difere do ensino presencial, apresentando especificidades. Desta forma, o aluno da EaD também apresenta características e necessidades próprias. A partir dessas premissas, quais são as habilidades leitoras necessárias para que o aluno da EaD acesse os materiais didáticos desta modalidade de ensino? Em consonância a estes questionamentos, Pietri (2009, p. 28) enfatiza que [...] a leitura do texto eletrônico se caracteriza pela possibilidade da não linearidade e pela fragmentariedade, ou seja, pelas possibilidades que o texto eletrônico oferece para o leitor de, comum simples clique em um determinado lugar da página que está sendo observada na tela do computador, ou do próprio texto que está sendo lido na tela, acessar uma outra página, um outro texto, sem que a leitura do primeiro texto tivesse sido realizada na íntegra. Considerando as mudanças sociais e culturais advindas da era digital, que é uma forte característica da EaD, Santaella (2001) apresenta-nos três categorias de leitor: o primeiro, denominado por ela de contemplativo, caracteriza-se por ser o leitor de livros; o segundo, movente, é o leitor do jornal, da revista, do folhetim que lê na rua, no ônibus, no metrô; o terceiro, o leitor do nosso tempo, da sociedade da informação, a autora denomina imersivo, pois se caracteriza por seus profundos mergulhos no mar dos hipertextos e hipermídias presentes nas páginas da Web. Sobre o leitor imersivo, que seria o aluno da modalidade EaD, Santaella (2001, p. 35) considera: [...] é um leitor revolucionariamente novo (...) O internauta está num estado permanente de prontidão perceptiva e sua atividade mental deve estar em prefeita sintonia com as partes motora e cognitiva. A linguagem do mundo digital só existe quando o usuário atua e interfere na mensagem. Esses diferentes tipos de leitores conceituados por Santaella (2001) mostram que cada novo gênero exige um novo tipo de leitor, com habilidades diferentes. Portanto, um gênero 15292 não invalida outro. O trabalho com vários gêneros textuais é de fundamental importância no contexto, pois permitirão a formação de leitores capazes de estabelecer diversas relações com a realidade, bem como formar leitores competentes. Diante do contexto atual, Kleiman e Morais (2002, p. 90) ressaltam que “as sociedades altamente tecnologizadas precisam de indivíduos que possam continuar o processo de aprendizagem independentemente, e, para isso, o cidadão precisa ler”. Por esse contexto é de fundamental importância que se compreenda a leitura como uma experiência, um diálogo, que oportunize meios de formar leitores, de ampliar suas possibilidades de comunicação e reconheça que o ato de ler possibilita maior autonomia, e a possibilidade de ação em qualquer contexto da sociedade e da transformação (FREIRE, 1989). Considerações Finais A leitura cumpre uma importante função social e cultural em diferentes contextos, sejam eles reais ou virtuais. E nesse sentido, Bourdieu (2011) em seu debate com Roger Chartier aponta que a leitura segue as mesmas regras que qualquer outra prática cultural, com o seguinte ponto divergente: “ela é mais diretamente ensinada pelo sistema escolar, isto é, de que o nível de instrução vai ser mais poderoso no sistema de fatores explicativos, sendo a origem social o segundo fator. No caso a leitura, hoje, o peso do nível de instrução é mais forte” (BOURDIEU, CHARTIER, 2011, p. 237). Certamente, a leitura é estabelecida a partir do próprio contexto pessoal. E faz-se necessário valorizá-lo para que possa ir além dele, ou seja, conectar-se a outros contextos. Britto (2011) tece em suas palavras a reflexão sobre a construção do conhecimento, a sua relação estabelecida entre a leitura, a informação, não desconsiderando o caráter político que está embebido dessas relações e outras condições necessárias para o manejo e assimilação destas informações. É neste sentido que quando temos no computador “um novo meio para contar histórias” (MURRAY, 2003, p. 27), isso não quer dizer que a máquina veio substituir os livros ou a figura da avó contando histórias. O computador, enquanto um suporte diferente do livro, exige um novo tipo de leitor que, ao acessá-lo, não pretenda ouvir a voz familiar da avó, ver os seus trejeitos ou ser alvo do seu carinho. Afinal, o “tátil” ainda não está presente no computador. 15293 Com esclarece Tanzi Neto (apud ROJO, 2013, p. 146), o mesmo ocorre com o leitor da EaD: é um leitor diferente do leitor do ensino presencial: é um leitor que “emerge dos novos espaços incorpóreos da virtualidade”. Ao refletirmos sobre a formação do sujeito leitor no contexto da educação a distância na contemporaneidade, é possível perceber frente às características da era dos acessos, desafios e dificuldades frente a fragmentação das informações, dos textos, caracterizando uma fragilidade frente a formação de repertório de leitura. Algo é certo: novos suportes e novos modos de ler estarão sempre surgindo com o caminhar da humanidade. É o que a história revela. É o que a história que ainda será construída confirmará. REFERÊNCIAS ABED – Associação Brasileira de Educação a Distância. Relatório Analítico da Aprendizagem a Distância no Brasil 2015, CENSO EAD.BR - 2015/2016. Disponível em: http://abed.org.br/arquivos/Censo_EAD_2015_POR.pdf. Acesso em: 30 mai. 2017. BOURDIEU, Pierre; CHARTIER, Roger. A Leitura: uma prática cultural. Debate entre Pierre Bourdieu e Roger Chartier. In: CHARTIER, Roger. Práticas de Leitura. São Paulo: Estação Liberdade, 2011. BRITTO, Luiz Percival Leme. Leitura e Política. In: EVANGELISTA, Aracy Alves Martins; BRANDÃO, Heliana Maria Brina; MACHADO, Maria Zélia Versiani. (Orgs.) A escolarização da leitura literária: o jogo do livro infantil e juvenil. Belo Horizonte: Autêntica, 2011. p. 77-91. CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra, 1999. CORTELAZZO, Iolanda Bueno de Camargo. Prática Pedagógica, aprendizagem e avaliação em educação a distância. Curitiba: InterSaberes, 2003. FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam São Paulo: Autores Associados: Cortez, 1989. GIROTTO, C. G. G. S.; LIMA, Elieuza Aparecida de; CHAVES, Marta. Eventos de letramento literário na infância: o que as caixas contam…. In: SOUZA, Renata Junqueira de; LIMA, Elieuza Aparecida de (Org.). Leitura e cidadania: ações colaborativas e processos formativos. Campinas: Mercado de Letras, 2012, v. 01, p. 22-42. INTITUTO PRÓ-LIVRO. Fomento à leitura e acesso ao livro. Retratos de leitura no Brasil. 2011. Disponível em:<http://prolivro.org.br/home/index.php/atuacao/25- projetos/pesquisas/3900-pesquisa-retratos-da-leitura-no-brasil-48. >Acesso em: 02 mar. 2017 15294 INTITUTO PRÓ-LIVRO. Fomento à leitura e acesso ao livro. Retratos de leitura no Brasil. 2016. Disponível em:<http://prolivro.org.br/home/index.php/atuacao/25- projetos/pesquisas/3900-pesquisa-retratos-da-leitura-no-brasil-48. >Acesso em: 02 mar. 2017 ISER, Wolfgang. O ato da leitura: uma teoria do efeito estético. São Paulo: Editora 34, 1996. JOUVE, Vincent. A leitura. São Paulo: Editora da UNESP, 2002. KLEIMAN, A.; MORAIS, S. E. Leitura e interdisciplinaridade tecendo redes nos projetos da escola. Campinas: mercado das Letras, 2002. LEFFA, Vilson. Aspectos da leitura: uma perspectiva psicolinguística. Porto Alegre: Sagra Luzzato, 1996. MORAN, J. M. A educação que desejamos: novos desafios e como chegar lá. Campinas: Papirus, 2007. MOORE, M,; KEARSLEY, G. Educação a distância: uma visão integrada. São Paulo: Thomson Learning, 2007. MUGNOL, Marcio. A educação a distância no Brasil: conceitos e fundamentos. In: Rev. Diálogo Educ., Curitiba, v. 9, n. 27, p. 335-349, maio/ago. 2009. MURRAY, J. H. Hamlet no holodeck: o futuro da narrativa no ciber espaço. São Paulo: Itaú Cultural, 2003. ORLANDI, E. P. Discurso e leitura. Campinas, SP: Ed. da Universidade de Campinas, 2001. PIETRI, E. Práticas de leitura e elementos para a atuação docente. Rio de Janeiro: Ediouro, 2009. SANTAELLA, L. Navegando entre Platão e salsichas. Em matéria publicada na Revista da Fapesp, 2001. SANTAELLA, Lucia. Linguagens Líquidas na era da Modernidade. São Paulo: Paulus, 2008. SENNA, Luiz A. O perfil do leitor contemporâneo. In: I Seminário Internacional de Educação, Cianorte, Paraná, setembro de 2001. Anais... Cianorte: Universidade Estadual de Maringá, 2001. Disponível em: www.senna.pro.br/biblioteca/perfilleitor_new.pdf.Acesso em: 06 fev. 2016.. SOARES, Magda. Novas práticas de leitura e escrita: letramento na cibercultura. Educação e Sociedade, Campinas, v. 23, n. 81, p. 143-160, dez. 2002. Disponível em: <www.cedes..unicamp.br. >Acesso em: 02 fev. 2016. 15295 PINTO, Vinicius Soares. Disponível em: http://www.gazetadopovo.com.br/blogs/educacao-e- midia/sao-apenas-geracoes-diferentes/. Acesso em: 06 fev. 2016. POSSARI, Lúcia Helena Vendrúsculo. Material Didático para EaD: processo e produção. Cuiabá, EdUFMT, 2009. TANZI NETO, Adolfo et. al. Multiletramentos em ambientes educacionais. In. ROJO, Roxane (Org.). Escol@ conectada: os multiletramentos e as TICS. São Paulo: Parábola, 2013. p. 135-158. TAYLOR, James. Fifth generation distance education. 20th ICDE World Conference On Open Learning and Distance Education. 2001. Disponível em: Acesso em: 02 jun. 2017.