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2019 Química Orgânica ii Profª. Clarice Fedosse Zornio Copyright © UNIASSELVI 2019 Elaboração: Profª. Clarice Fedosse Zornio Revisão, Diagramação e Produção: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. Impresso por: Z88q Zornio, Clarice Fedosse Química orgânica II. / Clarice Fedosse Zornio. – Indaial: UNIASSELVI, 2019. 218 p.; il. ISBN 978-85-515-0253-2 1.Química orgânica – Brasil. II. Centro Universitário Leonardo Da Vinci. CDD 547 III apresentaçãO Prezado acadêmico, no Livro de Química Orgânica I você foi apresentado ao mundo da química orgânica e pôde compreender um pouco do porquê da sua importância dentro da grande área da ciência que é a química. Agora, neste Livro de Química Orgânica II, é o momento de aprofundar ainda mais os seus conhecimentos. O estudo da química é, por si só, fundamental para que possamos compreender as leis da natureza, tendo a química orgânica um papel importante sobre isso, uma vez que ela estuda os compostos de carbono. Como você já sabe, a vida na Terra é baseada no carbono. Assim, estudar a química orgânica é ter uma maior compreensão da vida. Desse modo, na Unidade 1, iniciaremos os estudos acerca dos haletos de alquila, compostos caracterizados por possuírem ao menos uma ligação entre um átomo de carbono e um átomo de halogênio. Diferentemente dos hidrocarbonetos (estudados em Química Orgânica I), os haletos de alquila são compostos polares e, assim, apresentam uma reatividade química bastante dependente dessa polaridade, reagindo, portanto, por meio de reações de substituição ou de eliminação nucleofílica. Por isso, ainda na Unidade 1 estudaremos os fatores que regem tais reações químicas. Na Unidade 2, ampliaremos os estudos sobre os compostos aromáticos. Em Química Orgânica I estudamos a estrutura desses compostos, mas nada foi dito sobre a sua reatividade. Por isso, agora vamos estudar as especificidades observadas para os aromáticos em relação ao modo como eles reagem. Na Unidade 3, vamos estudar mais alguns grupos funcionais orgânicos, focando naqueles caracterizados por apresentarem um grupo carbonila. Desse modo, iremos estudar a estrutura, principais propriedades e algumas reações específicas observadas para as cetonas, os aldeídos, os ácidos carboxílicos (e seus derivados) e as amidas. Antes de iniciarmos os nossos estudos, gostaria de ressaltar que o estudo da química orgânica (assim como o de qualquer outra área) não deve ser realizado com o único intuito de conseguir notas para passar, você deve estudar para ampliar o seu conhecimento, e, com isso, ampliar a sua visão de mundo. Aprender é uma empreitada para desenvolvimento pessoal e isso, por si só, irá lhe trazer benefícios. Assim, vamos continuar nossos estudos em química orgânica. Clarice Fedosse Zornio IV Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há novidades em nosso material. Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura. O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo. Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente, apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador. Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto em questão. Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa continuar seus estudos com um material de qualidade. Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes – ENADE. Bons estudos! NOTA V VI VII UNIDADE 1 – HALETOS DE ALQUILA, REAÇÕES DE SUBSTITUIÇÃO E DE ELIMINAÇÃO E ÉTERES E EPÓXIDOS ................................................................. 1 TÓPICO 1 – HALETOS DE ALQUILA ................................................................................................ 3 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 3 2 ESTRUTURA E PROPRIEDADES DOS HALETOS DE ALQUILA ........................................... 4 3 REGRAS DE NOMENCLATURA DOS HALETOS DE ALQUILA ............................................ 9 4 SÍNTESE DOS HALETOS DE ALQUILA ........................................................................................ 12 4.1 HALOGENAÇÃO RADICALAR DE ALCANOS....................................................................... 14 4.2 REAÇÃO A PARTIR DE ÁLCOOIS .............................................................................................. 16 5 REAGENTES DE GRIGNARD .......................................................................................................... 18 6 CONSIDERAÇÕES SOBRE OXIDAÇÃO E REDUÇÃO EM QUÍMICA ORGÂNICA ......... 19 RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................ 24 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 25 TÓPICO 2 – REAÇÕES DE SUBSTITUIÇÃO NUCLEOFÍLICA E ELIMINAÇÕES ................. 27 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 27 2 REAÇÕES DE SUBSTITUIÇÃO NUCLEOFÍLICA........................................................................ 27 2.1 REAÇÕES DE SUBSTITUIÇÃO NUCLEOFÍLICA BIMOLECULAR (SN2) ............................ 30 2.1.1 Fatores que afetam as reações SN2 ........................................................................................ 32 2.2 REAÇÕES DE SUBSTITUIÇÃO NUCLEOFÍLICA UNIMOLECULAR (SN1)......................... 37 2.2.1 Fatores que afetam as reações SN1 ........................................................................................ 40 3 REAÇÕES DE ELIMINAÇÃO ............................................................................................................ 42 3.1 REAÇÕES DE ELIMINAÇÃO BIMOLECULAR (E2) ................................................................ 43 3.2 REAÇÕES DE ELIMINAÇÃO UNIMOLECULAR (E1) ............................................................ 44 4 CONSIDERAÇÕES SOBRE REAÇÕES DE COMPETIÇÃO ...................................................... 45 4.1 REAÇÕES DE COMPETIÇÃO SN2/E2 .......................................................................................... 46 4.2 REAÇÕES DE COMPETIÇÃO SN1/E1 .......................................................................................... 47 RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................................ 49 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 51 TÓPICO 3 – ÉTERES E EPÓXIDOS ..................................................................................................... 53 1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................................................53 2 ÉTERES ................................................................................................................................................... 54 2.1 ESTRUTURA E PROPRIEDADES DOS ÉTERES ........................................................................ 57 2.2 REGRAS DE NOMENCLATURA DOS ÉTERES ........................................................................ 60 2.3 SÍNTESE DE ÉTERES ...................................................................................................................... 63 2.4 REAÇÕES DE ÉTERES .................................................................................................................... 65 2.4.1 Clivagem de éteres catalisada por ácidos ............................................................................ 65 2.4.2 Rearranjo de Claisen ............................................................................................................... 68 3 EPÓXIDOS ............................................................................................................................................. 69 3.1 SÍNTESE DE EPÓXIDOS ................................................................................................................ 71 3.2 REAÇÕES DE EPÓXIDOS .............................................................................................................. 71 3.3 ÉTERES COROA .............................................................................................................................. 75 sumáriO VIII LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................77 RESUMO DO TÓPICO 3......................................................................................................................80 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................81 UNIDADE 2 – ÁLCOOIS E FENÓIS..................................................................................................83 TÓPICO 1 – ÁLCOOIS E FENÓIS .....................................................................................................85 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................85 2 ÁLCOOIS E FENÓIS ..........................................................................................................................86 2.1 ESTRUTURA E PROPRIEDADES DOS ÁLCOOIS E FENÓIS ...............................................88 2.2 REGRAS DE NOMENCLATURA DE ÁLCOOIS E FENÓIS ...................................................94 2.3 SÍNTESE DE ÁLCOOIS E FENÓIS..............................................................................................99 2.3.1 Síntese de álcoois ..................................................................................................................99 2.3.2 Síntese de fenóis ....................................................................................................................105 2.4 REAÇÕES DE ÁLCOOIS E FENÓIS ...........................................................................................107 2.4.1 Reações de álcoois.................................................................................................................107 2.4.2 Reações de fenóis ..................................................................................................................113 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................114 RESUMO DO TÓPICO 1......................................................................................................................115 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................116 TÓPICO 2 – REAÇÕES DE COMPOSTOS AROMÁTICOS .......................................................119 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................119 2 REAÇÃO DE SUBSTITUIÇÃO AROMÁTICA ELETROFÍLICA ............................................119 2.1 EFEITO DOS SUBSTITUINTES NAS REAÇÕES DE SUBSTITUIÇÃO ELETROFÍLICA AROMÁTICA ...................................................................................................126 2.1.1 Grupos ativadores ou desativadores dos anéis aromáticos............................................129 3 REAÇÕES DE OXIDAÇÃO E REDUÇÃO DE COMPOSTOS AROMÁTICOS ....................135 RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................................................137 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................138 TÓPICO 3 – AMINAS ...........................................................................................................................139 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................139 2 AMINAS ...............................................................................................................................................139 2.1 ESTRUTURA E PROPRIEDADES DE AMINAS .......................................................................141 2.2 REGRAS DE NOMENCLATURA PARA AMINAS ..................................................................142 2.3 SÍNTESE DE AMINAS ..................................................................................................................144 2.3.1 A partir de haletos de alquila ..............................................................................................144 2.3.2 Aminação redutiva de aldeídos e cetonas .........................................................................145 2.3.3 Rearranjo de Hofmann .........................................................................................................146 2.4 REAÇÕES DE AMINAS................................................................................................................147 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................148 RESUMO DO TÓPICO 3......................................................................................................................151 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................152 UNIDADE 3 – COMPOSTOS CARBONÍLICOS ............................................................................153 TÓPICO 1 – ALDEÍDOS E CETONAS ..............................................................................................155 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................155 2 COMPOSTOS CARBONÍLICOS ....................................................................................................155 3 ALDEÍDOS E CETONAS ..................................................................................................................158 IX 3.1 ESTRUTURA E PROPRIEDADES DE ALDEÍDOS E CETONAS ...........................................160 3.2 REGRAS DE NOMENCLATURA DE ALDEÍDOS E CETONAS ...........................................162 3.3 SÍNTESE DE ALDEÍDOS E CETONAS ......................................................................................165 3.3.1 SÍNTESE DE ALDEÍDOS .....................................................................................................165 3.3.2 Síntese de cetonas .................................................................................................................168 3.4 REAÇÕES DE ALDEÍDOS E CETONAS ....................................................................................169RESUMO DO TÓPICO 1......................................................................................................................174 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................175 TÓPICO 2 – ÁCIDOS CARBOXÍLICOS E DERIVADOS DE ÁCIDOS CARBOXÍLICOS ....177 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................177 2 ÁCIDOS CARBOXÍLICOS ...............................................................................................................177 2.1 ESTRUTURA E PROPRIEDADES DE ÁCIDOS CARBOXÍLICOS .........................................179 2.2 REGRAS DE NOMENCLATURA DE ÁCIDOS CARBOXÍLICOS .........................................181 2.3 SÍNTESE DE ÁCIDOS CARBOXÍLICOS ....................................................................................182 2.4 REAÇÕES DE ÁCIDOS CARBOXÍLICOS .................................................................................184 3 DERIVADOS DE ÁCIDOS CARBOXÍLICOS ..............................................................................185 3.1 HALETOS DE ÁCIDOS ................................................................................................................188 3.2 ANIDRIDROS ÁCIDOS ................................................................................................................191 3.3 ÉSTERES ..........................................................................................................................................194 3.4 AMIDAS ..........................................................................................................................................196 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................199 RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................................................203 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................205 TÓPICO 3 – REAÇÕES DE SUBSTITUIÇÃO ALFA À CARBONILA E REAÇÕES DE CONDENSAÇÃO CARBONÍLICA ......................................................................207 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................207 2 REAÇÕES DE SUBSTITUIÇÃO ALFA À CARBONILA ............................................................207 3 REAÇÕES DE CONDENSAÇÃO CARBONÍLICA .....................................................................213 RESUMO DO TÓPICO 3......................................................................................................................215 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................216 REFERÊNCIAS .......................................................................................................................................217 X 1 UNIDADE 1 HALETOS DE ALQUILA, REAÇÕES DE SUBSTITUIÇÃO E DE ELIMINAÇÃO E ÉTERES E EPÓXIDOS OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM PLANO DE ESTUDOS A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de: • entender os conceitos fundamentais que regem a química dos haletos de alquila; • saber como nomear corretamente os haletos de alquila; • saber os principais modos como os haletos de alquila são preparados; • entender como se processam as reações de substituição nucleofílica (SN2 e SN1) e de eliminação (E1 e E2) dos haletos de alquila; • compreender os fatores que influenciam as reações de substituição nucleofílica e de eliminação; • saber identificar se a reação química irá se processar por meio da substituição nucleofílica (SN2 ou SN1) ou de eliminação (E1 ou E2); • entender os conceitos fundamentais que regem a química dos éteres e epóxidos; • saber como nomear corretamente os éteres e epóxidos; • compreender as reações dos éteres e epóxidos. Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer da unidade você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado. TÓPICO 1 – HALETOS DE ALQUILA TÓPICO 2 – REAÇÕES DE SUBSTITUIÇÃO NUCLEOFÍLICA E ELIMINAÇÕES TÓPICO 3 – ÉTERES E EPÓXIDOS 2 3 TÓPICO 1 UNIDADE 1 HALETOS DE ALQUILA 1 INTRODUÇÃO Os haletos de alquila (também denominados haloalcanos) são caracterizados por apresentarem um halogênio (ou seja, um átomo de flúor, cloro, bromo ou iodo) ligado a um carbono com hibridização sp3. Como que se o halogênio estivesse substituindo um átomo de hidrogênio de um alcano. Sua fórmula genérica é R–X (lembre-se do que você estudou em Química Orgânica I, que geralmente utilizamos a letra R para fazer referência a uma cadeia carbônica qualquer e que a letra X corresponde a um átomo de halogênio qualquer). Já foram identificados na natureza diversos haletos de alquila, principalmente em processos de síntese de organismos marinhos, como algas, esponjas e corais, que os utilizam como sistema de defesa. Isso porque muitos das haletos de alquila são potencialmente tóxicos e apresentam gosto ruim. Por exemplo, a alga vermelha produz um haleto de alquila contendo átomos de cloro e de enxofre que, por ter um gosto extremamente desagradável, age como um sistema de defesa contra o ataque de predadores. No entanto, uma espécie de molusco, a lebre do mar, consegue se alimentar das algas vermelhas e, além disso, por meio dos seus processos metabólicos é capaz de converter esse composto halogenado em um outro, de estrutura semelhante, utilizando-o também como defesa (isso é essencial para a lebre do oceano, porque esse molusco não tem nenhum tipo de concha protetora). Vale dizer ainda que nas algas vermelhas é encontrado outro haleto de alquila, o Plocameno B, um composto que possui atividade inseticida. Além disso, também já foram isolados compostos com potencial para serem estudados pela indústria farmacêutica, como a epibatidina, um forte analgésico isolado da pele dos sapos equatorianos. Além disso, os haletos de alquila são bastante utilizados em síntese, tanto a nível industrial, quanto laboratorial, como solventes orgânicos ou reagentes. No entanto, como mencionado, os haletos de alquila tendem a ser tóxicos, o que fez com que alguns produtos utilizados anteriormente fossem proibidos, como é o caso dos clorofluorcarbonos (CFCs, dentre os mais comuns, o triclorofluormetano e o dicloro-difluormetano), antes utilizados como gás refrigerante e em sprays, mas hoje proibidos devido à associação com a degradação da camada de ozônio. Outro exemplo é o diclorodifeniltricloroetano (DDT), conhecido por ser o primeiro UNIDADE 1 | HALETOS DE ALQUILA, REAÇÕES DE SUBSTITUIÇÃO E DE ELIMINAÇÃO E ÉTERES E EPÓXIDOS 4 pesticida moderno, sendo largamente utilizado a partir da Segunda Guerra Mundial para o combate a mosquitos vetores de doenças, como malária e dengue. Porém, desde 2009 é proibido no Brasil, assim como em diversos outros países. O clorofórmio não é propriamente proibido, pois é muito utilizado como solvente, no entanto, é interessante saber que durante o século XIX ele era bastante utilizado como anestésico. Na figura a seguir são mostradas as estruturas desses compostos. FIGURA 1 – ESTRUTURA DE ALGUNS HALETOS DE ALQUILA FONTE: A autora 2 ESTRUTURA E PROPRIEDADES DOS HALETOS DE ALQUILA Como mencionado, os haletos de alquila são caracterizados por apresentarem ao menos uma ligação C–X, desse modo, diferentemente dos hidrocarbonetos, eles são moléculas polares. Isso acontece porque os halogênios são átomos eletronegativos, fazendo com que a ligação C–X seja polar, com a carga parcial positiva (δ+) concentrada no átomo de carbono, e a carga parcial negativa (δ-) sobre o halogênio. Pelo que estudamos em Química Orgânica I,a eletronegatividade é uma propriedade intrínseca de cada elemento químico, sendo definida como a tendência relativa de um átomo em atrair para si o par de elétrons compartilhados em uma TÓPICO 1 | HALETOS DE ALQUILA 5 ligação covalente. Além do mais, a eletronegatividade é uma propriedade periódica, tendendo a crescer da esquerda para a direita ao longo de um período devido ao aumento da carga nuclear, ou seja, um aumento da carga positiva do núcleo pode atrair mais efetivamente os elétrons negativos; e a decrescer de cima para baixo ao longo de um grupo como consequência do aumento do raio atômico, o que leva a um afastamento da camada de valência do núcleo, havendo menor interação entre o núcleo e esses elétrons. Na Figura 1 é mostrado um recorte da tabela periódica, no qual são destacados as eletronegatividades relativas e os raios atômicos dos átomos de carbono e dos halogênios. De fato, entre todos os elementos químicos, o átomo de flúor é o de maior eletronegatividade (pela escala arbitrária ele tem eletronegatividade igual a 4,0), seguido pelo átomo de cloro (eletronegatividade igual a 3,0) e pelo átomo de bromo (eletronegatividade igual a 2,8); já o átomo de iodo (eletronegatividade igual a 2,5) tem uma eletronegatividade semelhante a outros elementos, como o enxofre e o próprio carbono. Vale salientar que a tendência do aumento da eletronegatividade, à medida que subimos em uma família, relaciona-se intimamente com a tendência do raio atômico diminuir nesse mesmo sentido, uma vez que quanto menor o raio atômico, maior a força com que o núcleo atrai a eletrosfera e maior a eletronegatividade do elemento químico. Para entender isso é preciso que tenhamos em mente que o raio atômico característico de um elemento químico é consequência do seu número atômico (simbolizado por Z e que indica o número de prótons presente no núcleo desse elemento químico e, consequentemente, o seu número de elétrons). Assim, para a família do halogênio, temos que o átomo de flúor tem um número atômico Z=9, ou seja, ele possui nove elétrons na sua estratosfera distribuídos entre os orbitais atômicos das camadas de energia n igual a 1 e 2. Assim, à medida que descemos na família, o número de elétrons dos elementos químicos aumenta e, consequentemente, eles passam a ser acomodados em camadas de energia mais externas. Portanto, os elétrons do átomo de cloro (Z=17) ocupam as camadas de energia 1, 2 e 3, os de bromo (Z=35) as camadas 1, 2, 3 e 4 e os de iodo (Z=53) as camadas 1, 2, 3, 4 e 5. Assim, quanto maior o número da camada, mais energética ela é e mais distante do núcleo ela está, o que faz com que a força de atração entre o núcleo e os elétrons presentes nas camadas mais externas diminua consideravelmente. Assim, no átomo de flúor a atração entre o núcleo e os elétrons acomodados entre as camadas 1 e 2 é relativamente forte, fazendo com que seu raio atômico seja relativamente pequeno (você pode entender melhor isso pensando que essa forte atração entre núcleo e os elétrons age como que encolhendo o volume ocupado pela nuvem eletrônica e, como já estudado, o volume do átomo é definido pelo volume da nuvem eletrônica). Já para o cloro, que possui os seus elétrons acomodados nas camadas 1, 2 e 3, a atração entre o núcleo e os elétrons acaba sendo mais fraca (principalmente entre os elétrons acomodados na camada 3), o que leva a um raio atômico maior do que o de flúor. Assim, o átomo de bromo tem um raio atômico um pouco maior e a tendência se intensifica em direção ao átomo de iodo. UNIDADE 1 | HALETOS DE ALQUILA, REAÇÕES DE SUBSTITUIÇÃO E DE ELIMINAÇÃO E ÉTERES E EPÓXIDOS 6 FIGURA 2 – ELETRONEGATIVIDADE E RAIO ATÔMICO DOS HALOGÊNIOS N 3,0 Si 1,8 Ge 1,8 Sn 1,8 Pb P 2,1 As 2,0 Sb 1,9 Bi S 2,5 Se 2,4 Te 2,1 Pe O 3,5 C 2,5 17161514 F 4,0 Δ1 CI 3,0 Br 2,8 R ai o at ôm ic o El et ro ne ga tiv id ad e I 2,5 FONTE: A autora Para relembrar os conceitos referentes ao orbital molecular, à distribuição eletrônica dos elementos químicos e às camadas energéticas, releia o Tópico 1 da Unidade 1 do livro de Química Orgânica I. NOTA As consequências diretas da eletronegatividade e do tamanho do raio atômico dos halogênios nos haletos de alquila são em relação ao comprimento e força de ligação da ligação C–X. Assim, como observado na Tabela 1, quanto mais eletronegativo e menor o raio atômico do halogênio, menor o comprimento de ligação e maior a força de ligação. Se compararmos esses parâmetros para o fluormetano e o iodometano, podemos perceber que o simples fato de substituirmos o átomo de iodo pelo de flúor faz com que o comprimento da ligação seja bem menor e que a força de ligação quase dobre. TÓPICO 1 | HALETOS DE ALQUILA 7 TABELA 1 – COMPARAÇÃO DO COMPRIMENTO E FORÇA DE LIGAÇÃO DOS HALETOS DE ALQUILA MAIS SIMPLES Haleto de alquila Eletronegativida-de relativa do X Raio atômico do X Comprimento da ligação C–X Força da ligação C–X Fluormetano (CH3F) F = 4,0 F = 42 pm 139 pm 452 kJ/mol Clorometano (CH3Cl) Cl = 3,0 Cl = 79 pm 178 pm 351 kJ/mol Bromometano (CH3Br) Br = 2,8 Br = 94 pm 193 pm 293 kJ/mol Iodometano (CH3I) I = 2,5 I = 115 pm 214 pm 234 kJ/mol FONTE: McMurry (2012a, p. 314) Outro fator importante a se considerar é quanto à polaridade dessas moléculas. Devido à maior eletronegatividade do átomo de flúor, a ligação C–F é a mais polar, fazendo com que a densidade de elétrons sobre o flúor seja consideravelmente alta. Isso é comprovado pelo potencial eletroestático do fluormetano, que indica uma região de avermelhada bastante intenso sobre o átomo de flúor e uma região azulada sobre o átomo de carbono e as ligações C–H. Para o clorometano também observamos o mesmo perfil, apesar da região avermelhada aparecer com uma menor intensidade. Já para o bromometano percebemos que a região sobre o átomo de bromo se torna alaranjada, o que indica uma menor densidade eletrônica sobre esse átomo, em consequência da menor eletronegatividade do bromo. Para o iodometano vemos que a região em torno do átomo de iodo é amarelada, o que é indicativo de uma densidade eletrônica menor e mais distribuída entre a ligação C–I, o que de fato era esperado em decorrência da similaridade entre as eletronegatividades dos átomos de iodo e carbono. Assim, de acordo com essas informações, percebemos que a polaridade das ligações C–X tende a aumentar à medida que a eletronegatividade do X aumenta, crescendo no seguinte sentido: C–I < C–Br < C–Cl < C–F. UNIDADE 1 | HALETOS DE ALQUILA, REAÇÕES DE SUBSTITUIÇÃO E DE ELIMINAÇÃO E ÉTERES E EPÓXIDOS 8 FIGURA 3 – MAPAS DE POTENCIAL ELETROESTÁTICO PARA OS HALETOS DE ALQUILA MAIS SIMPLES FONTE: A autora Como estudamos na disciplina de Química Orgânica I, os mapas de potencial eletroestático são modelos que mostram o perfil da distribuição da densidade de carga na molécula. Seguindo o mesmo princípio dos símbolos δ- e δ+, as cores em um mapa de potencial eletroestático indicam a polaridade de uma molécula de acordo com a seguinte escala: vermelho (regiões mais ricas em elétrons) < laranja < amarelo < verde < azul (regiões mais pobres em elétrons). IMPORTANT E Os haletos de alquila tendem a possuir pontos de ebulição levemente mais elevados do que os alcanos homólogos, devido justamente à polaridade da ligação C–X, que permite que as moléculas interajam por forças dipolo- dipolo. Vale salientar que o ponto de ebulição dos haletos de alquila aumenta em decorrência do aumento da massa molar, seja pelo aumento do número de carbonos na cadeia ou pelo aumento da massa molar do próprio halogênio, assim, para uma série homóloga, o ponto de ebulição dos compostos aumenta na seguinte ordem: haleto de flúor < haleto de cloro < haleto de bromo < haleto de iodo. Repare na Tabela 2, que mostra os pontos de ebulição de alguns haletos de alquila, essa tendência. TÓPICO 1 | HALETOS DE ALQUILA 9 TABELA 2 – PONTOS DE EBULIÇÃO PARA ALGUNS HALETOS DE ALQUILA Haletode alquila X = F X = Cl X = Br X = I CH3X -78 °C -24 °C 4 °C 42 °C CH3CH2X -38 °C 12 °C 38 °C 72 °C CH3CH2CH2X -3 °C 47 °C 71 °C 102 °C CH3CH2CH2CH2X 32 °C 78 °C 102 °C 130 °C FONTE: Adaptado de McMurry (2012a, p.314) É importante saber também que, apesar dos haletos de alquila serem polares, eles são insolúveis em água, uma vez que não conseguem formar ligações de hidrogênio com as moléculas de água. No entanto, eles são solúveis na maioria dos solventes orgânicos. 3 REGRAS DE NOMENCLATURA DOS HALETOS DE ALQUILA Como mencionado, os haletos de alquila também são chamados de haloalcanos, eles podem ser vistos como alcanos substituídos, ou seja, ao menos um átomo de hidrogênio do alcano foi substituído por um átomo de halogênio, originando o haleto de alquila. Assim, a nomenclatura dos haletos de alquila é realizada do mesmo modo como vimos para os alcanos, apenas tratando o halogênio como um substituinte da cadeia carbônica principal. De tal modo, para relembrar, existem quatro etapas principais: • Etapa 1: identificar a cadeia principal: a cadeia principal é definida pela cadeia de carbono mais longa e que contém as ligações duplas ou triplas, se houver. Também é importante se atentar que, se na molécula for possível identificar duas cadeias diferentes, mas de mesmo comprimento, devemos determinar aquela com maior número de ramificações (ou seja, de substituintes) como a principal. FIGURA 4 – IDENTIFICAÇÃO DA CADEIA PRINCIPAL: CADEIA COM MAIOR NÚMERO DE RAMIFICAÇÕES Identificação da cadeia principal: cadeia com maior número de ramificações ERRADO: há apenas um substituinte CERTO: existem dois grupos substituintes 1 1 2 2 3 34 45 56 6 CH3CHCHCH2CH 2CH 3 CH3CHCHCH2CH 2CH 3 CH 2CH 3 CH 2CH 3 CH 3 CH 3 FONTE: A autora UNIDADE 1 | HALETOS DE ALQUILA, REAÇÕES DE SUBSTITUIÇÃO E DE ELIMINAÇÃO E ÉTERES E EPÓXIDOS 10 • Etapa 2: enumerar os átomos presentes na cadeia principal a) Para enumerar os átomos da cadeia principal, devemos começar pelo átomo de carbono presente na extremidade da cadeia que esteja mais próximo a uma ramifi cação, independentemente da natureza desse substituinte, ou seja, não importa se o substituinte é um grupo alquila ou um halogênio, devemos iniciar a numeração apenas considerando onde aparece o primeiro substituinte. FIGURA 5 – ENUMERAÇÃO DOS ÁTOMOS PRESENTES NA CADEIA PRINCIPAL Enumeração dos átomos da cadeia principal: iniciar pelo carbono que esteja mais próximo do primeiro substituinte Não há prioridade entre os grupos substituintes CERTO: o primeiro substituinte é encontrado no carbono 2 1 2 3 4 5 6 7 CH3CHCH2CHCHCH 2CH 3 CH 3 CH 3 Br ERRADO: desse modo o primeiro grupo substituinte só é encontrado no carbono 3 3456 CH 3 127 CH3CHCH2CHCHCH 2CH 3 CH 3 Br FONTE: A autora b) Caso existam ramifi cações presentes a uma mesma distância dos átomos da extremidade, devemos começar a enumerar pela extremidade mais próxima de uma segunda ramifi cação. • Etapa 3: identifi car e enumerar os substituintes a) Devemos identifi car os números dos carbonos da cadeia principal nos quais cada um dos substituintes está ligado, de modo que possamos localizar esse substituinte. b) Se houver dois substituintes ligados a um mesmo carbono da cadeia principal, esses substituintes serão identifi cados pelo mesmo número. Ambos os localizadores devem ser designados no nome da molécula. • Etapa 4: escrever o nome do composto em uma única palavra a) Devemos nomear o composto seguindo a ordem: localizador – prefi xo – cadeia principal – sufi xo. Lembre-se de que os localizadores são usados para indicar a localização dos substituintes, ou seja, os átomos de carbono ao qual um substituinte está ligado; e o prefi xo indica o nome do substituinte. Para separar TÓPICO 1 | HALETOS DE ALQUILA 11 FONTE: A autora diferentes localizadores, devemos utilizar vírgulas, e para separar os diferentes prefixos devemos usar hifens. É importante indicar pelos prefixos di-, tri-, tetra- etc. se houver mais de um substituinte igual na cadeia e deve-se sempre prezar pela ordem alfabética dos substituintes, colocando-os nessa ordem. A cadeia principal é nomeada de acordo com o número de átomos com que ela é formada e o sufixo indica o grupo funcional (no caso dos haletos de alquila, como eles são entendidos como alcanos substituídos, utiliza-se o sufixo -ano referente aos alcanos). FIGURA 6 – IDENTIFICAÇÃO E ENUMERAÇÃO DOS SUBSTITUINTES E ESCRITA DO NOME DO COMPOSTO b) Caso a cadeia principal possa ser numerada por ambas as extremidades, devemos começar a numerar os carbonos dessa cadeia pela extremidade mais próxima ao substituinte, seja ele um halogênio ou um grupo alquila, que tenha prioridade alfabética. UNIDADE 1 | HALETOS DE ALQUILA, REAÇÕES DE SUBSTITUIÇÃO E DE ELIMINAÇÃO E ÉTERES E EPÓXIDOS 12 FIGURA 7 – CASO ESPECIAL EM QUE HÁ PRIORIDADE ALFABÉTICA DOS SUBSTITUINTES Caso especial: só há prioridade entre os grupos substituinte quando a cadeia puder ser numerada a partir de ambas as extremidades; assim, prioriza-se a numeração da cadeia de acordo com a ordem alfabética dos substituintes CERTO: os carbonos da cadeia principal são identifi cados a partir da ordem alfabética do nome dos substituintes, assim o bromo tem prioridade sobre o metila 1234567 CH3CHCH2CH2CH 2CHCH 3 CH 3 Br ERRADO: desse modo não se observa a prioridade da ordem alfabética do grupo substituinte 5-Bromo-2-metilheptano 2- Bromo-6-metilheptano 5432 CH 3 761 Br CH3CHCH2CH2CH 2CHCH 3 FONTE: A autora 4 SÍNTESE DOS HALETOS DE ALQUILA Na verdade, se voltarmos ao livro da disciplina de Química Orgânica I, veremos que já estudamos a síntese dos haletos de alquila por meio da halidrifi cação (a reação entre um alceno ou um alcino com um ácido halogenado) ou da halogenação (reação entre um alceno ou um alcino com o Br2 ou o Cl2 para a formação de 1,2-dialetos ou tetrahaletos, respectivamente). Para relembrar, são mostrados nas fi guras a seguir os mecanismos de reação de halidrifi cação do propeno pelo ácido bromídrico e de halogenação do propino com o Cl2, respectivamente (lembre-se de que os alcinos reagem em etapas, já que possuem duas ligações π devido à ligação tripla C≡C). FIGURA 8 – MECANISMO DE REAÇÃO DE HALIDRIFICAÇÃO DO PROPENO COM O ÁCIDO CLORÍDRICO FONTE: A autora TÓPICO 1 | HALETOS DE ALQUILA 13 FONTE: A autora FIGURA 9 – MECANISMO DE REAÇÃO DE HALOGENAÇÃO DO PROPINO COM O CLORO Tanto a halidrificação quanto a halogenação de alcenos e alcinos ocorrem via mecanismo de adição, no qual os elétrons π da ligação dupla C=C ou tripla C≡C agem como nucleófilos e os átomos de halogênio agem como eletrófilos. No entanto, além dessas reações, os haletos de alquila podem ser preparados a partir de outras reações químicas envolvendo outros tipos de reagentes, como veremos a seguir. Volte às Unidades 2 e 3 do Livro de Química Orgânica I para relembrar com mais detalhes as reações dos alcenos e alcinos. UNI UNIDADE 1 | HALETOS DE ALQUILA, REAÇÕES DE SUBSTITUIÇÃO E DE ELIMINAÇÃO E ÉTERES E EPÓXIDOS 14 4.1 HALOGENAÇÃO RADICALAR DE ALCANOS Vimos no Livro de Química Orgânica I que os alcanos são compostos pouco reativos, devido, principalmente, ao seu caráter de composto saturado. No entanto, isso não significa que eles não reagem de jeito nenhum. De fato, os alcanos podem reagir com halogênios, como exemplificado na figura a seguir, que mostra a reação do metano com o Br2. FIGURA 10 – MECANISMO DE HALOGENAÇÃO DO METANO COM O ÁCIDO BROMÍDRICO FONTE: A autora TÓPICO 1 | HALETOS DE ALQUILA 15 FONTE: A autora A reação mostrada na figura ocorre via um mecanismo radicalar de substituição, uma vez que um dos hidrogênios do alcano é substituído por um átomo de halogênio. Vale lembrar que um mecanismo de reação radicalar ocorre em três etapas: a iniciação, a propagação e a terminação. Assim, a iniciação da reação entre o metano e o Br2 se dá com a quebra homolítica da ligação Br–Br, ou seja,há uma quebra simétrica na ligação, ficando um elétron da ligação para cada fragmento, geralmente devido à incidência de luz ultravioleta, gerando os dois radicais bromo (Br•). Esses radicais, por serem extremamente reativos, em uma primeira etapa de propagação, reagem prontamente com a molécula de metano, retirando um átomo de hidrogênio e formando uma molécula de ácido bromídrico, e criando um radical metila (CH3•). Como uma segunda etapa da propagação, esse radical metila reage com uma molécula de Br2, formando o bromometano e um novo radical bromo. Assim, esse radical bromo é utilizado em uma nova primeira etapa da iniciação, que gera um novo radical metila ao reagir com uma molécula de metano, levando à formação de uma nova molécula de bromometano e um radical bromo. Essa etapa é sucessiva e ocorre em um ciclo repetitivo até atingir a etapa de terminação. Como indicado na figura anterior, a terminação ocorre quando dois radicais se chocam para formar um produto estável, como a reação entre dois radicais metila para a formação do etano, a reação entre dois radicais bromo para a formação do Br2 e/ou a reação entre um radical metila e um radical bromo para a formação do ácido bromídrico. Desse modo, além do produto desejado – o bromometano –, outros subprodutos são obtidos. Na verdade, a halogenação radicalar de alcanos é uma reação muito difícil de controlar, assim, além da formação de um haleto de alquila monossubstituído (ou seja, apenas um átomo de hidrogênio é substituído por um halogênio), se houver Br2 suficiente, a reação pode ser processar substituindo os outros hidrogênios, gerando como produtos uma mistura contendo o bromometano, o dibromometano, o tribromometano e até mesmo o tetrabromometano. FIGURA 11 – CONTINUAÇÃO DA REAÇÃO DE HALOGENAÇÃO DE ALCANOS Desse modo, a halogenação de alcanos não é um método muito eficiente para a preparação de haletos de alquila. UNIDADE 1 | HALETOS DE ALQUILA, REAÇÕES DE SUBSTITUIÇÃO E DE ELIMINAÇÃO E ÉTERES E EPÓXIDOS 16 4.2 REAÇÃO A PARTIR DE ÁLCOOIS O modo mais utilizado para a preparação de haletos de alquila é a partir da reação com álcoois, na qual o grupo hidroxila é substituído por um átomo de halogênio. Veremos essas reações com mais detalhes no Tópico 2, mas no momento é interessante saber que os métodos mais usuais para a preparação de haletos de alquila envolvem a reação de álcoois terciários com o HCl, HBr ou HI. Isso ocorre porque os álcoois terciários são mais reativos que os álcoois secundários e muito mais que os primários. FIGURA 12 – REATIVIDADE RELATIVA DOS ÁLCOOIS FONTE: A autora Assim, um simples borbulhamento dos ácidos de haletos em um álcool terciário produz rapidamente o haleto de alquila e água. No entanto, os álcoois primários e secundários, por serem menos reativos, reagem muito lentamente e demandam temperaturas mais elevadas do que as utilizadas para as reações com os álcoois terciários. Além disso, esses compostos são mais sensíveis aos ácidos de haletos, que são consideravelmente fortes, podendo facilmente se degradar. Desse modo, as estratégias para a preparação de haletos de alquila a partir de álcoois primários e secundários utilizam o cloreto de tionila (SOCl2, gerando um cloreto de alquila) ou o tribrometo de fósforo (PBr3, gerando um brometo de alquila), que proporcionam condições reacionais mais brandas. EXEMPLO Como você prepararia haletos de alquila a partir dos seguintes álcoois (dê os nomes dos haletos formados): A) HO CH3CH3 B) HO CH3 a) O primeiro aspecto a se considerar é que, como mencionado, os haletos de alquila são formados a partir dos álcoois por um mecanismo de substituição, no qual o grupo hidroxila é substituído por um átomo de halogênio. Desse a) b) TÓPICO 1 | HALETOS DE ALQUILA 17 modo, analisando a molécula da alternativa A, já podemos prever o local que o halogênio irá ocupar (no lugar do grupo OH). O segundo passo é verificar se esse álcool é primário, secundário ou terciário. O modo de fazer isso é observar em que tipo de carbono o grupo hidroxila está ligado. Pela análise da molécula, percebemos que nesse caso o grupo hidroxila está ligado a um carbono terciário (uma vez que esse carbono está ligado a três outros átomos de carbono), o que torna, portanto, esse álcool terciário. Por fim, como mencionado, os álcoois terciários reagem facilmente com ácidos de haleto (HX) para a formação de haletos de alquila, assim, uma reação possível seria a seguinte: HO CH3CH3 + HCl Cl CH3CH3 + H2O Outra opção seria considerar a reação com o HBr ou o HI, o que originaria o brometo ou o iodeto de alquila, respectivamente. A questão pede ainda que nomeemos esse haleto de alquila. Assim, de acordo com as regras da IUPAC, verificamos que a cadeia carbônica é saturada e formada por seis carbonos (sendo denominada como “hexano”) e há três substituintes, dois grupos metila e um halogênio. Pelas regras, devemos iniciar a numeração dos carbonos da cadeia carbônica pela extremidade mais próxima da primeira ramificação, assim, um grupo metila e o halogênio estão ligados ao carbono de número 2, enquanto que o outro grupo metila está ligado ao carbono de número 4. Assim, temos que esse haleto de alquila é o 2-cloro-2,4- dimetilhexano (nos casos dos haletos obtidos a partir da reação com o HBr e o HI, seus nomes sistemáticos seriam 2-bromo-2,4-dimetilhexano e 2-iodo-2,4- dimetilhexano, respectivamente). b) Para a resolução da questão B, faremos do mesmo modo que a questão A. Primeiramente, identificamos que o halogênio, após a reação, vai ocupar o lugar da hidroxila. Além disso, podemos verificar que a hidroxila do álcool está ligada a um carbono primário (que está ligado a apenas um outro átomo de carbono), o que faz com que esse álcool seja primário. Assim, para os álcoois primários temos que eles reagem com o cloreto de tionila (SOCl2) ou com o tribrometo de fósforo (PBr3), gerando como produtos: HO CH3 + SOCl2 Cl CH3 + SO2 + HCl HO CH3 + PBrBr Br CH3 + H3PO3 UNIDADE 1 | HALETOS DE ALQUILA, REAÇÕES DE SUBSTITUIÇÃO E DE ELIMINAÇÃO E ÉTERES E EPÓXIDOS 18 De acordo com as regras de nomenclatura, podemos definir que a cadeia carbônica é denominada de “hexano” (pois tem seis carbonos), há dois substituintes (um halogênio e um grupo metila, sendo que se inicia a numeração da cadeia pela extremidade mais perto do primeiro substituinte, que, no caso, é o halogênio). Assim, o haleto de alquila obtido a partir da reação com o cloreto de tionila é denominado de 1-cloro-5-metilhexano, e o obtido a partir do tribrometo de fósforo é o 1-bromo-5-metilhexano. 5 REAGENTES DE GRIGNARD Um uso bastante interessante dos haletos de alquila é que eles são materiais de partida para a obtenção dos chamados reagentes de Grignard. A formação dos reagentes de Grignard se dá pela reação entre um haleto de alquila com o magnésio metálico (conduzida em solução de éter ou de tetrahidrofurano – THF), fazendo com que o átomo de magnésio seja inserido entre os átomos de carbono e de halogênio, gerando, assim, um composto de fórmula geral R-MgX. Existem diversas possibilidades de produção dos reagentes de Grignard, pois haletos de alquila com as mais diferentes cadeias carbônicas podem reagir para a formação desses compostos. Além disso, a reatividade dos haletos de alquila primários, secundários e terciários é semelhante, e os cloretos, brometos e iodetos de alquila também formam facilmente esses compostos (no entanto, os fluoretos de alquila não reagem bem com o magnésio). Na figura a seguir são mostrados alguns exemplos de reagentes de Grignard (e as respectivas reações que lhes dão origem). FIGURA 13 – EXEMPLOS DE REAGENTES DE GRIGNARD FONTE: A autora Os reagentes de Grignard agem como nucleófilos fortes em reações de substituição e são de suma importância para a química orgânica, pois por meio deles é possível produzir uma infinidade de compostos, das mais diferentes funções orgânicas. Assim, veremosno decorrer desse livro algumas reações envolvendo os reagentes de Grignard. TÓPICO 1 | HALETOS DE ALQUILA 19 Vale dizer que, justamente por apresentar uma ligação entre o carbono e um átomo metálico (o magnésio), os reagentes de Grignard são classificados como compostos organometálicos. Os reagentes de Grignard foram descobertos por François Auguste Victor Grignard (químico francês, 1871-1935) em 1900, tendo recebido o Prêmio Nobel de Química em 1912 por este trabalho. 6 CONSIDERAÇÕES SOBRE OXIDAÇÃO E REDUÇÃO EM QUÍMICA ORGÂNICA É interessante saber que os conceitos de oxidação e de redução diferem um pouco quando estamos tratando das químicas inorgânica e orgânica. Assim, em química inorgânica, na qual são tratados essencialmente os assuntos referentes a íons, uma oxidação é caracterizada pela perda de elétrons de um determinado átomo, enquanto que uma redução é o ganho de elétrons. Em química orgânica, de outro modo, tratamos basicamente de moléculas (uma vez que os compostos orgânicos são formados por ligações covalentes), então, quando falamos em reações de oxidação estamos nos referindo à perda da densidade eletrônica de um determinado átomo de carbono após uma reação química. Ao contrário, as reações de redução são aquelas em que existiu um aumento na densidade eletrônica sobre um átomo de carbono. O que caracteriza essa perda (oxidação) ou esse ganho (redução) de densidade eletrônica? Temos que pensar que quando estamos tratando de moléculas orgânicas e, portanto, ligações covalentes, devemos sempre analisar a diferença de eletronegatividade entre os átomos que estão formando essas ligações. Assim, podemos entender que ocorre uma oxidação, ou seja, uma diminuição da densidade eletrônica sobre o átomo de carbono, quando uma ligação formada entre o carbono e um átomo menos eletronegativo se quebra (como a quebra de uma ligação C–H), para formar uma nova ligação entre esse átomo de carbono e um átomo mais eletronegativo (como a formação de ligações C–O, C–N, C–X); isso porque, antes o carbono, por ser o átomo mais eletronegativo, atraía para si o par de elétrons da ligação, a partir do momento em que essa ligação C–H se quebra e forma uma ligação C–X, por exemplo, o halogênio passa a ser o elemento mais eletronegativo da ligação, atraindo para si os elétrons e diminuindo a densidade eletrônica sobre o átomo de carbono. Por outro lado, uma reação de redução ocorre quando uma ligação C–O, C–N ou C–X se quebra, formando uma ligação C–H (em outras palavras, uma ligação em que o carbono é o elemento menos eletronegativo se quebra, formando uma nova ligação em que ele é o elemento mais eletronegativo, o que leva a um aumento na sua densidade eletrônica). Na Figura 14 é mostrado um exemplo de uma reação de oxidação, que é a reação de halogenação do metano pelo Cl2. Perceba que uma ligação C–H do metano é quebrada para a formação de uma ligação C–Cl, o que faz com que o carbono, antes tendo uma carga parcial negativa, δ-, pois estava ligado ao átomo de hidrogênio menos eletronegativo, passa a ter uma carga parcial positiva δ+, UNIDADE 1 | HALETOS DE ALQUILA, REAÇÕES DE SUBSTITUIÇÃO E DE ELIMINAÇÃO E ÉTERES E EPÓXIDOS 20 quando se liga ao halogênio mais eletronegativo. Já na Figura 15 é mostrado um exemplo de uma reação de redução, que é a reação inversa da mostrada na Figura 14, ou seja, a reação do clorometano para a formação do metano. Agora, com a quebra da ligação C–X, o carbono passa de uma carga parcial positiva, δ+, para uma carga parcial negativa, δ-, devido à formação da ligação C–H. É interessante saber que a reação mostrada na Figura 15 é um exemplo de uma reação de produção de alcanos a partir de haletos de alquila. Esse tipo de reação se processa em duas etapas: a primeira é a formação do reagente de Grignard, pela reação do clorometano com o magnésio metálico em éter (por isso a indicação “1. Mg, éter” na Figura 15), e a segunda é a reação desse reagente de Grignard com um ácido fraco (indicação “2. Meio ácido”) para a formação do metano. FIGURA 14 – REAÇÃO DE OXIDAÇÃO DO METANO PARA A FORMAÇÃO DO CLOROMETANO FONTE: A autora FONTE: A autora FIGURA 15 – REAÇÃO DE REDUÇÃO DO CLOROMETANO PARA A FORMAÇÃO DO METANO Podemos ainda ter reações que não são nem de oxidação, nem de redução. Na figura a seguir temos a reação de halogenação do eteno com o Br2 para a formação do 1,2-dibromoetano. Analisando a equação química, percebemos que se trata claramente de uma reação de oxidação, uma vez que duas ligações C–H foram quebradas para a formação de duas novas ligações C–Br. Nessa mesma figura também temos um exemplo de hidrogenação do eteno, e vemos que essa reação é classificada como uma reação de redução porque duas novas ligações C–H foram formadas para a obtenção do etano. No entanto, para a reação de halidrificação do eteno com o ácido bromídrico vemos que o produto, o bromoetano, tem uma nova ligação C–H (que sozinha indicaria uma redução), mas também uma nova ligação C–Br (que sozinha indicaria uma oxidação). Assim, essa reação não é classificada nem como de oxidação, nem como de redução, pois é como a formação de uma ligação C–H e de uma ligação C–Br. TÓPICO 1 | HALETOS DE ALQUILA 21 FONTE: A autora FIGURA 16 – REAÇÃO DE HALOGENAÇÃO DO ETENO COM O Br 2 Reação de oxidação Reação de redução + + + C C C C C C H2 HBr Br2 Br Br Br H HH H H HH H H HH HH HH H H H H HH HH HH HH C = C C = C C = CNão é um reação de oxidação e nem de redução Eteno Eteno Eteno EtenoHidrogênio BromoetanoÁcido bromídrico Reação de halogenação: Reação de hidrogenação: Reação de halidrificação: Equação química: C2H4 + Br2 C2H4Br2 Equação química: C2H4 + H2 C2H6 Equação química: C2H4 + HBr C2H5Br 1,2-DibromoetanoBromo EXEMPLOS 1. Determine o nível de oxidação dos seguintes compostos: CH3CH CH2 CH3CHCH3 OH CH3CCH3 O CH3CH2CH3 Propeno 2-Propanol PropanonaPropano UNIDADE 1 | HALETOS DE ALQUILA, REAÇÕES DE SUBSTITUIÇÃO E DE ELIMINAÇÃO E ÉTERES E EPÓXIDOS 22 Para responder essa questão é importante saber que moléculas formadas pelo mesmo número de átomos de carbono podem ser comparadas em relação ao grau de oxidação (ou seja, quão menor é a densidade eletrônica dos átomos de carbono em relação a esses compostos). A forma de determinar o grau de oxidação de uma molécula é analisar o seu número de ligações C–H e de ligações C–O, C–N ou C–X, subtraindo 1 ponto para cada ligação C–H e somando 1 ponto para cada ligação C–O, C–N ou C–X. Assim, para o propano temos oito ligações C–H, o que nos dá um grau de oxidação de -8; para o propeno temos seis ligações C–H, resultando em um grau de oxidação de -6; para o 2-propanol temos sete ligações C–H, que contribuem com um valor de -7, mas temos também uma ligação C–O, que contribui com +1, assim, o grau de oxidação do 2-propanol é -6; para a propanona temos seis ligações C–H e uma ligação C=O (em casos em que temos ligações duplas, é como se considerássemos duas ligações, então uma ligação C=O seria como duas ligações C–O, o que contribui com um valor de +2 no grau de oxidação), resultando em um grau de oxidação de -4. Desse modo, temos que o grau de oxidação cresce na seguinte ordem: propeno < propano = 2-propanol < propanona. 2. Determine se a reação é de oxidação, redução ou nenhuma das duas: CH3CH2CHCH3 Br 1. Mg, éter 2. Meio ácido CH3CH2CH2CH3 A) CH3CH2CH2CH2OH CH3CH2CH2CH B) CrO3 O a) Analisando a reação, percebemos que há a quebra de uma ligação C–Br no reagente para a formação de uma nova ligação C–H no produto. Assim, podemos concluir que essa reação é uma reação de redução, pois o átomo de carbono da ligação C–Br do reagente, antes com uma densidade eletrônica mais baixa devido à ligação com um átomo mais eletronegativo, sofreu um aumento na sua densidade eletrônica no produto, devido à ligação com o átomo de hidrogênio menos eletronegativo. Outro modo de responder essa questãoé analisar o grau de oxidação do reagente e do produto (podemos fazer isso, pois ambos os compostos possuem quatro carbonos). Assim, o reagente apresenta nove ligações C–H, contribuindo com um valor de -9, assim como uma ligação C–Br, que contribui com um valor de +1, resultando em um grau de oxidação de -8. Já o produto a) b) TÓPICO 1 | HALETOS DE ALQUILA 23 contém dez ligações C–H, o que nos diz que seu grau de oxidação é -10. Assim, vemos que do reagente para o produto o grau de oxidação diminuiu (indo de -8 para -10), o que indica que houve uma reação de redução. b) Primeiramente, é interessante saber que essa reação indica que se formou um aldeído a partir de um álcool. Assim, para sabermos se se trata de uma reação de oxidação ou redução ou nenhuma das duas, devemos analisar e comparar os graus de oxidação do reagente e do produto. O álcool (reagente) possui nove ligações C–H, contribuindo com um valor de -9, e uma ligação C–O, o que contribui com um valor de +1; assim, o grau de oxidação do reagente é de -8. Já o aldeído (produto) possui oito ligações C–H, contribuindo com um valor de -8, e uma ligação C–O, o que contribui com um valor de +1; assim, o grau de oxidação do produto é de -7. Dessa forma, temos que o grau de oxidação aumentou (indo de -8 no reagente para -7 no produto), indicando que a reação de formação de um aldeído a partir de um álcool é uma reação de oxidação. 24 Neste tópico, você aprendeu que: • Os haletos de alquila são compostos que contêm um átomo de halogênio ligado a um carbono com hibridização sp3, sendo, portanto, moléculas polares. • Os haletos de alquila podem ser preparados por meio de reações de adição a alcenos e alcinos, como a halidrificação e halogenação. • Os haletos de alquila também podem ser preparados pela reação de halogenação radicalar de alcanos, no entanto, essa reação não é muito utilizada, pois produz uma mistura de haletos mono, di, tri e tetrassubstituídos. • O modo mais utilizado para a preparação de haletos de alquila é a partir da reação de álcoois com o HCl, HBr ou HI, na qual o grupo hidroxila é substituído por um átomo de halogênio. • Os haletos de alquila reagem com o magnésio metálico (utilizando éteres como solventes) para a formação dos Reagentes de Grignard, que são reagentes importantes para uma grande quantidade de reações em química orgânica. • Em química orgânica, uma reação de oxidação é aquela que leva a uma diminuição da densidade eletrônica sobre o átomo de carbono, que pode se dar pela formação de uma ligação entre o carbono e um átomo mais eletronegativo ou pela quebra de uma ligação entre o carbono e o hidrogênio. • Em química orgânica, uma reação de redução é aquela que leva a um aumento da densidade eletrônica sobre o átomo de carbono, que pode se dar pela formação de uma ligação entre o carbono e um hidrogênio ou pela quebra de uma ligação entre o carbono e um átomo mais eletronegativo. • Podemos identificar se a reação é de oxidação, redução ou nenhuma das duas e classificar moléculas de massa molar semelhante, de acordo com seus graus de oxidação. RESUMO DO TÓPICO 1 25 1 Indique o nome dos seguintes compostos, de acordo com as regras da IUPAC: 2 Represente as estruturas dos seguintes compostos: a) 1,1-dibromo-4-isopropilciclohexano b) 3-bromo-3-etilpentano c) 3-iodo-2,2,4,4-tetrametilpentano d) Clorobenzeno 3 A partir de quais reagentes seria possível obter os seguintes compostos? A) B) CH3CCH3 I CH3 CH3CHCH2CHCH3 Br CH3 4 Determine a ordem crescente em relação ao grau de oxidação para os seguintes grupos de compostos: FONTE: MCMURRY, John. Reações dos haletos de alquila: substituições nucleofílicas e eliminações, 2012. a) b) AUTOATIVIDADE O Br b) b) a) a) c) d) e) f) 26 27 TÓPICO 2 REAÇÕES DE SUBSTITUIÇÃO NUCLEOFÍLICA E ELIMINAÇÕES UNIDADE 1 1 INTRODUÇÃO Em Química Orgânica I estudamos a química dos hidrocarbonetos (alcanos, alcenos e alcinos). Vimos que as reações químicas dos compostos insaturados, ou seja, dos alcenos e dos alcinos, se processam, principalmente, por mecanismos de adição, enquanto que os compostos saturados (os alcanos) são pouco reativos. Além da falta de ligações duplas ou triplas, essa baixa reatividade dos alcanos ocorre porque essa classe de moléculas, por ser formada apenas por átomos de carbono e de hidrogênio, é apolar. De outro modo, os compostos pertencentes aos outros grupos funcionais orgânicos seguem outras tendências. Por exemplo, moléculas orgânicas que têm um átomo ou grupo de átomos eletronegativo ligado a um carbono com hibridização sp3 (em outras palavras, moléculas polares com ligações simples) não sofrem reações de adição, mas sim reações de substituição ou de eliminação. Por agora, vamos estudar essas reações de substituição nucleofílica e de eliminação com foco na química dos haletos de alquila. 2 REAÇÕES DE SUBSTITUIÇÃO NUCLEOFÍLICA Em 1896, Paul Walden (químico alemão, 1863-1957), estudando enantiômeros e suas reações, descobriu que o par de enantiômeros do ácido málico (ou seja, o (–)-ácido málico e o (+)-ácido málico) poderiam se interconverter um no outro por meio de reações de substituição. Por exemplo, quando o (–)-ácido málico era colocado para reagir com o pentacloreto de fósforo, o produto da reação era o (+)-ácido clorosuccínico, que, por sua vez, ao reagir com o óxido de prata I, originava o (+)-ácido málico. A série de reações que dá origem ao (+)-ácido málico a partir do (–)-ácido málico está descrita na figura a seguir (atente-se que Walden observou a mesma tendência partindo do (+)-ácido málico, ou seja, o produto final dessas reações era o (–)-ácido málico). UNIDADE 1 | HALETOS DE ALQUILA, REAÇÕES DE SUBSTITUIÇÃO E DE ELIMINAÇÃO E ÉTERES E EPÓXIDOS 28 FIGURA 17 – INTERCONVERSÃO DO (–)-ÁCIDO MÁLICO NO (+)-ÁCIDO MÁLICO + + (-) - ácido málico (+) - ácido clorosuccínico (+) - ácido málico(+) - ácido clorosuccínico OHCI CI Ag2O PCI5 HOCCH2CHCOH HOCCH2CHCOHHOCCH2CHCOH OH HOCCH2CHCOH O O O OO O O O FONTE: A autora Analisando a figura, observamos que para haver a interconversão entre o (–)-ácido málico e o (+)-ácido málico as etapas da reação envolviam a substituição de um nucleófilo por outro. Na primeira etapa (formação do (+)-ácido clorosuccínio) há a substituição da hidroxila, OH-, pelo cloreto, Cl-; enquanto que na segunda etapa (formação do (–)-ácido málico) há a substituição do cloreto pela hidroxila. Devido a essas características, reações como essa foram denominadas de reações de substituição nucleofílica. Lembre-se do que estudamos na disciplina de Química Orgânica I, um par de enantiômeros corresponde a um par de isômeros, que são imagens especulares um dos outros, não sendo, portanto, sobreponíveis. Além disso, a ocorrência dos enantiômeros está ligada à presença de ao menos um carbono assimétrico (ou seja, um átomo de carbono ligado a quatro grupos distintos) na molécula. Lembre-se também de que um nucleófilo é caracterizado por ser uma espécie rica em elétrons, enquanto que um eletrófilo é uma espécie pobre em elétrons. ATENCAO TÓPICO 2 | REAÇÕES DE SUBSTITUIÇÃO NUCLEOFÍLICA E ELIMINAÇÕES 29 FONTE: A autora De fato, a descoberta de Walden foi muito importante para os avanços do entendimento da química orgânica, principalmente no que se refere aos mecanismos de reação das moléculas, pois incitou os químicos a buscarem respostas que explicassem como os enantiômeros poderiam se interconverter um no outro. Assim, na década de 1920, Joseph Kenyon (químico inglês, 1885-1961) começou a investigar os mecanismos de interconversão entre os enantiômeros do 1-fenil-2-propanol – Kenyon resolveu estudar moléculas mais simples do que o ácido maleico para evitar complicações que dificultassem o entendimento do mecanismo de reação. Nos seus experimentos, Kenyon verificou que a reação entre o 1-fenil-2-propanol e o cloro-tosilato fazia também com que houvesse a inversão de configuração no carbonoassimétrico, o que possibilitava que partindo do (+)1-fenil-2-propanol, se chegaria ao (-)1-fenil-2-propanol, como esquematizado na figura a seguir. FIGURA 18 – INVERSÃO DA CONFIGURAÇÃO DO CARBONO ASSIMÉTRICO DO 1-FENIL-2-PROPANOL Além disso, Kenyon pôde constatar que para que houvesse a inversão de configuração do carbono assimétrico, a reação se processava em etapas que envolviam a substituição de nucleófilos. Tal descoberta foi de extrema importância para a química orgânica, pois a partir daí os estudos envolvendo os mecanismos de reação se intensificaram, já que se percebeu que muitos dos compostos orgânicos reagiam por meio de reações de substituição nucleofílica. De fato, moléculas orgânicas que têm ou um átomo ou um grupo de átomos eletronegativo ligado a um carbono com hibridização sp3 podem sofrer reações de substituição, nas quais essa fração mais eletronegativa é substituída por um outro átomo (ou grupo). Vale dizer que o grupo que foi substituído é chamado de grupo de saída (na figura a seguir o grupo substituído é identificado pela letra Y e o grupo substituinte, o nucleófilo, é identificado por Nu-). UNIDADE 1 | HALETOS DE ALQUILA, REAÇÕES DE SUBSTITUIÇÃO E DE ELIMINAÇÃO E ÉTERES E EPÓXIDOS 30 FIGURA 19 – ESQUEMA GENÉRICO PARA UMA REAÇÃO DE SUBSTITUIÇÃO NUCLEOFÍLICA FONTE: A autora FONTE: A autora A fim de estudar as reações de substituição nucleofílica, neste tópico vamos focar nas reações envolvendo os haletos de alquila, uma vez que os halogênios são considerados bons grupos de saída e reagem facilmente por mecanismos de substituição nucleofílica. Estudaremos as reações típicas dos outros grupos funcionais nos subtópicos dedicados a eles. 2.1 REAÇÕES DE SUBSTITUIÇÃO NUCLEOFÍLICA BIMOLECULAR (S N 2) Como os haletos de alquila possuem o átomo de hidrogênio eletronegativo, logo percebeu-se que os haletos primários e secundários reagiam seguindo uma cinética de reação de segunda ordem. Isso significa que a velocidade das reações de substituição nucleofílica dos haletos de alquila é dependente das concentrações de ambos os reagentes. Por exemplo, se analisarmos a reação entre o bromometano e o íon hidróxido para a formação do metanol e do brometo, veremos que (a uma dada temperatura) se dobrarmos a concentração do bromometano a velocidade da reação dobrará; e, do mesmo modo, se dobrarmos a concentração do OH- a velocidade também dobrará. Assim, uma reação de cinética de segunda ordem é proporcional à concentração de ambos os reagentes, podendo ser escrita como na figura a seguir (o símbolo α é usado para indicar relação de proporcionalidade). FIGURA 20 – RELAÇÃO DA VELOCIDADE DA REAÇÃO ENTRE O BROMOETANO E O ÍON HIDRÓXIDO TÓPICO 2 | REAÇÕES DE SUBSTITUIÇÃO NUCLEOFÍLICA E ELIMINAÇÕES 31 FONTE: A autora Repare que o bromo é o grupo de saída e o íon hidróxido o nucleófilo que o substitui para a formação dos produtos. Em química, geralmente, quando queremos indicar que estamos falando da concentração de um determinado composto, colocamos a fórmula desse composto entre colchetes. Assim, como identificado na figura anterior, [CH 3 Br] e [OH-] significa que estamos falando da concentração do bromometano e do íon hidróxido, respectivamente. NOTA De acordo com a determinação de que a reação entre o bromometano e o íon hidróxido apresentava cinética de segunda ordem, Edward Hughes (químico galês, 1906-1963) propôs que essa reação se processava via um mecanismo de substituição nucleofílica bimolecular (SN2). Tal mecanismo é chamado de bimolecular porque tanto o substrato (denominação dada para a molécula contendo o grupo de saída, no caso, o bromometano), quanto o nucleófilo participam da etapa mais lenta da cinética da reação, ou seja, da etapa em que se mede a velocidade da reação. Assim, uma reação que segue o mecanismo SN2 ocorre em uma única etapa, com o nucleófilo atacando o carbono ligado ao grupo de saída e liberando o grupo de saída, não havendo, portanto, a formação de um intermediário, mas apenas de um estado de transição. Na figura a seguir podemos observar o mecanismo de reação SN2 da formação do metanol por meio da reação entre o bromometano e o íon hidróxido. FIGURA 21 – MECANISMO DE REAÇÃO S N 2 PARA FORMAÇÃO DO METANOL UNIDADE 1 | HALETOS DE ALQUILA, REAÇÕES DE SUBSTITUIÇÃO E DE ELIMINAÇÃO E ÉTERES E EPÓXIDOS 32 Dissemos anteriormente que é típica de uma reação SN2 a formação de um estado de transição e não de um intermediário. O que isso quer dizer? Qual a diferença entre um intermediário e um estado de transição? Quando estudamos as reações de adição dos hidrocarbonetos, vimos que elas se processavam com a formação de um intermediário, os carbocátions, que são espécies químicas relativamente estáveis e que têm um certo tempo de vida durante o curso da reação, mas elas, por serem ainda menos estáveis que o produto, logo se convertem nos produtos (em outras palavras, um intermediário é espécie formada durante uma reação, mas que não é o produto final dessa reação). Já um estado de transição é o estado de mais alta energia de uma reação química, sendo caracterizado por apresentar uma configuração transitória em que uma reação está se quebrando e está se formando uma nova reação (como você pode observar na figura acima, tanto a ligação que está sendo quebrada, C–Br, quanto a que está sendo formada, C–O, são indicadas por uma seta tracejada). Um estado de transição não forma uma espécie relativamente estável como um intermediário e é indicado pelo símbolo ‡. Voltando ao mecanismo da reação mostrada na figura acima, podemos perceber que a reação se inicia com o ataque do nucleófilo (OH-) ao átomo de carbono ligado ao grupo de saída (Br) na direção oposta à ligação C–Br. Com isso há formação do estado intermediário, o qual é caracterizado pela formação parcial da nova ligação C–O e pelo rompimento parcial da ligação C–Br, levando, por fim, à formação do produto. Assim, o mecanismo de reação SN2 mostra o porquê da configuração da molécula ser invertida, que é devido ao ataque do nucleófilo na posição contrária à ligação do carbono com o grupo de saída (pode- se dizer que o ataque do nucleófilo ocorre dessa maneira, pois é como que se essa posição fosse a mais favorável, pois não há interferência do grupo de saída, uma vez que ele age como que bloqueando o ataque do nucleófilo). Além disso, vemos que ambos os reagentes participam do estado de transição, o que explica a cinética de segunda ordem. 2.1.1 Fatores que afetam as reações S N 2 Investigando diversas reações SN2, logo se percebeu que elas se processavam de modos diferentes, sendo, por exemplo, algumas mais rápidas que outras e umas com maior rendimento que outras. Desse modo, ficou claro que existem fatores que interferem no modo com que as reações ocorrem, sendo esses: a natureza do substrato, a natureza do grupo de saída, a natureza do nucleófilo e o tipo de solvente utilizado no meio reacional. Substrato Como o nucleófilo ataca o carbono na direção oposta à ligação com o halogênio, podemos inferir que a presença de grupos volumosos ligados a esse carbono torna o ataque mais difícil, fazendo com que a velocidade da reação seja menor. Portanto, o principal efeito do substrato é em relação ao seu tamanho, ou seja, ao seu efeito estérico. Os efeitos estéricos são os efeitos causados pelo volume TÓPICO 2 | REAÇÕES DE SUBSTITUIÇÃO NUCLEOFÍLICA E ELIMINAÇÕES 33 ocupado pelos diferentes grupos de uma molécula. Além do mais, quando o efeito estérico é tanto que leva à diminuição da reatividade de um composto, ele é denominado como impedimento estérico. Desse modo, se compararmos a reatividade relativa dos haletos de alquila, veremos que os haletos primários são mais relativos, seguidos pelos secundários e pelos terciários. Na realidade, o impedimento estérico ao ataque do nucleófilo nos haletos terciários é tanto que eles não reagem via um mecanismo SN2. Na figura a seguir são mostradas as reatividades relativasde haletos de bromo para a reação SN2. FIGURA 22 – REATIVIDADE RELATIVA DOS DIFERENTES HALETOS DE ALQUILA FONTE: Adaptado de McMurry (2012b, p. 346) Analisando a figura, vemos que os haletos de metila são substancialmente mais reativos nas reações SN2, devido, justamente, ao pequeno tamanho dos átomos de hidrogênio que não impedem a aproximação e o ataque do nucleófilo ao carbono. A presença de uma ou duas ramificações já é capaz de induzir uma diminuição na velocidade da reação, pois agora os grupos substituintes são maiores e mais volumosos, o que dificulta o ataque nucleofílico; no entanto, o nucleófilo ainda pode se aproximar e, assim, haletos primários e secundários também reagem via mecanismo SN2. Porém, os haletos terciários possuem grupos substituintes que impedem completamente o ataque do nucleófilo, não reagindo (como mencionado). Vale observar que a figura acima traz ainda uma nova informação. Na verdade, a reatividade dos substratos não depende apenas se o carbono a ser atacado é primário, secundário ou terciário, mas também do tamanho dos grupos substituintes. O carbono a ser atacado pelo nucleófilo no haleto de neopentila, por exemplo, é um carbono primário, no entanto, ele está ligado a um grupo isobutílico, bastante volumoso, o que aumenta o impedimento estérico e faz com que a reatividade desse composto seja bastante baixa. Assim, para determinar se a reação SN2 pode se processar é preciso analisar o impedimento estérico do carbono a ser atacado pelo nucleófilo. UNIDADE 1 | HALETOS DE ALQUILA, REAÇÕES DE SUBSTITUIÇÃO E DE ELIMINAÇÃO E ÉTERES E EPÓXIDOS 34 Nucleófilo Quando estudamos em Química Orgânica I os fundamentos que regem os mecanismos de reação, vimos que um nucleófilo é definido como um bom doador de elétrons, podendo ser um ânion, um átomo com ao menos um par de elétrons isolados, uma molécula com uma ligação dupla ou um átomo muito eletronegativo ligado a um outro átomo pouco eletronegativo, ou seja, espécies que possuem um par de elétrons disponíveis para o ataque sobre um eletrófilo. Assim, com base nisso, podemos perceber que existe uma grande quantidade de espécies químicas que podem agir como nucleófilo em uma reação SN2. Na tabela a seguir são mostrados alguns nucleófilos usados em reações SN2 juntamente com o bromometano. TABELA 3 – NUCLEÓFILOS USADOS EM REAÇÕES S N 2 COM O BROMOMETANO (Equação química genérica: Nu + CH3Br → CH3Nu + Br-) Nucleófilo Produto Nucleófilo Produto CH3S- Metanotiolato CH3SCH3 Dimetilsulfeto CH3O- Metóxido CH3OCH3 Éter dimetílico HS- Hidrossulfeto CH3SH Metanotiol OH- Hidróxido CH3OH Metanol N≡C- Cianeto CH3C≡N Acetonitrila Cl- Cloreto CH3Cl Clorometano N+=N+=N- Azida CH3N3 Azidometano CH3CO2- Acetato CH3CO2CH3 Acetato de metila I- Iodeto CH3I Iodometano H- Hidreto CH4 Metano FONTE: Adaptado de McMurry (2012b, p. 346) Todas as reações mostradas na tabela podem ocorrer, no entanto, algumas ocorrem mais facilmente, ou seja, com maior velocidade do que as outras. Isso está, portanto, relacionado à natureza do nucleófilo, o que indica que existem nucleófilos melhores do que outros. No entanto, a definição geral do que é um bom ou um mau nucleófilo não é tão simples, pois a nucleofilicidade dele, ou seja, a afinidade do nucleófilo pelo átomo de carbono que vai ser atacado, depende de outros fatores além da natureza do próprio nucleófilo, como a natureza do substrato, a concentração dos reagentes e o solvente utilizado em uma dada reação. Assim, para se determinar a reatividade relativa entre diferentes nucleófilos é preciso, por exemplo, definir alguns parâmetros (como o solvente e a concentração dos reagentes) e mudar apenas o tipo de nucleófilo de uma reação. Isso já foi feito para a reação do bromometano com diversos nucleófilos utilizando o metanol como solvente. TÓPICO 2 | REAÇÕES DE SUBSTITUIÇÃO NUCLEOFÍLICA E ELIMINAÇÕES 35 FIGURA 23 – REATIVIDADE RELATIVA DOS NUCLEÓFILOS PARA A REAÇÃO COM O BROMOMETANO CONDUZIDA EM METANOL FONTE: Adaptado de McMurry (2012b, p. 346) De acordo com a figura acima, o hidrossulfeto e o cianeto são os melhores nucleófilos para essa reação, enquanto que a água é considerada um mau nucleófilo. No entanto, esse padrão é específico da reação do bromometano com esses nucleófilos em meio de metanol e não deve ser expandido para toda e qualquer reação, mas algumas tendências são observadas: 1) basicamente, pode-se dizer que um aumento da basicidade do nucleófilo (ou seja, a facilidade com que uma substância compartilha seu par de elétrons livres com um próton), assim, o hidróxido geralmente é melhor nucleófilo que o acetato, que é melhor nucleófilo que a água; 2) outro aspecto é que, para uma mesma coluna da Tabela Periódica, a nucleofilicidade cresce de cima para baixo, assim, o hidrossulfeto é um melhor nucleófilo do que o hidróxido, e o iodeto é mais reativo que o brometo, que é, por sua vez, mais reativo que o cloreto; 3) os nucleófilos carregados negativamente são mais reativos que os neutros. Grupo de saída A influência do grupo de saída é entendida se voltarmos à Figura 20 (que trata do mecanismo SN2 da formação do metanol pela reação entre o bromometano e o hidróxido) e identificarmos que o grupo de saída (o bromo), devido à quebra da ligação com o carbono, sai da molécula com uma carga negativa (gerando o brometo). Assim, os melhores grupos de saída são justamente aqueles que conseguem estabilizar melhor essa carga negativa. Essa habilidade em estabilizar a carga negativa está intimamente relacionada com a basicidade do grupo de saída. Assim, quanto mais fraca for uma base, melhor grupo de saída ela é. Isso acontece porque as bases fracas são conhecidas por compartilhar fracamente seu par de elétrons com outros átomos. Desse modo, a ligação entre uma base fraca e o átomo de carbono do substrato não é tão forte e pode ser rompida mais facilmente que uma ligação entre o carbono e uma base forte, o que aumenta a velocidade da reação SN2. Na figura a seguir é mostrada a reatividade relativa dos principais grupos de saída. UNIDADE 1 | HALETOS DE ALQUILA, REAÇÕES DE SUBSTITUIÇÃO E DE ELIMINAÇÃO E ÉTERES E EPÓXIDOS 36 FIGURA 24 – REATIVIDADE RELATIVA DOS GRUPOS DE SAÍDA FONTE: Adaptado de McMurry (2012c, p. 349) De acordo com a figura, vemos que os íons hidróxido, amino, alcóxido e fluoreto possuem reatividade muito baixa, justamente por serem bases fortes, ou seja, que possuem uma tendência muito forte em compartilhar seus pares de elétrons isolados). Assim, esses íons são péssimos grupos de saída, não podendo ser deslocados por nucleófilos. Isso nos indica, ainda, que grupos funcionais como R–OH (álcoois), R–NH3 (aminas), R–O–R (éteres) e R–F não sofrem reação SN2. Com relação aos haletos, vemos que o iodeto é o melhor grupo de saída, seguido pelo brometo e depois pelo cloreto (o fluoreto, como dito, não é considerado um bom grupo de saída). Assim, percebemos que íons maiores, como é o caso do iodeto, são capazes de estabilizar melhor a carga negativa, o que lhe confere um caráter de base fraca e de um ótimo grupo de saída. Solvente A natureza do solvente deve ser considerada quando se analisa uma reação SN2, pois o solvente pode interagir com o nucleófilo, diminuindo sua capacidade de atacar o substrato, diminuindo, portanto, a velocidade da reação. Esse é o caso dos solventes próticos, ou seja, solventes que contêm em sua estrutura grupos –OH ou –NH, como os álcoois e as aminas. Tais solventes não são considerados bons solventes para as reações SN2, pois eles podem interagir fortemente com o nucleófilo por ligações de hidrogênio, solvatando-o e diminuindo sua liberdade para atacar o substrato, o que leva, consequentemente, a uma diminuição da velocidade da reação. Por outro lado, os solventes apróticos polares (solventes que têm caráter polar, mas não possuem grupos–OH ou –NH em sua estrutura) são considerados os melhores solventes para as reações SN2. Isso porque elestêm a capacidade de dissolver diversos tipos de sais (uma vez que são altamente polares), solvatando apenas os cátions desses sais e deixando os ânions (que agem como nucleófilos) mais livres para reagir com o substrato. Como exemplo de solventes polares apróticos podemos citar o dimetilssulfóxido (DMSO), a dimetilformamida (DMF) e o hexametilfosforamida (HMPA), cujas estruturas são mostradas a seguir. TÓPICO 2 | REAÇÕES DE SUBSTITUIÇÃO NUCLEOFÍLICA E ELIMINAÇÕES 37 FIGURA 25 – EXEMPLOS DE SOLVENTES POLARES APRÓTICOS FONTE: A autora Dessa forma, podemos concluir que as reações SN2 são favorecidas quando o substrato é pouco impedido (sendo um haleto de metila, ou um haleto primário ou secundário), quando se tem um nucleófilo negativamente carregado, um bom grupo de saída e que é conduzida em um solvente polar aprótico. Com base nisso, poderíamos inferir que não haveria problema em solubilizar um haleto de alquila terciário em água, por exemplo, pois ele não correria o risco de reagir (pois é um haleto bastante impedido e a água poderia ser considerada um mau nucleófilo, por ser neutra, além de um péssimo solvente, por ser prótica). No entanto, a reação entre haletos de alquila terciários com água é conhecida por produzir álcoois terciários com uma facilidade (ou velocidade) muito maior do que as reações entre haletos primários e o íon hidróxido para a formação de álcoois primários. Tais reações são ainda de substituição nucleofílica (pois estamos substituindo uma ligação C–Br nos reagentes por uma C–O nos produtos), mas elas não devem ocorrer via um mecanismo SN2. Na verdade, essas reações entre haletos mais impedidos são classificadas como reações de substituição nucleofílica unimolecular (SN1), cujas especificidades veremos a seguir. 2.2 REAÇÕES DE SUBSTITUIÇÃO NUCLEOFÍLICA UNIMOLECULAR (S N 1) As reações SN1, diferentemente das SN2, possuem uma cinética de primeira ordem, ou seja, a velocidade dessas reações é dependente de apenas um dos reagentes. Com as pesquisas em torno desse tipo de mecanismo de reação pôde-se definir que apenas a concentração do substrato é importante para as reações SN1 (e a concentração do nucleofílico não é levada em conta para definir a velocidade de reação). Como já sabemos, as reações químicas se processam em diferentes etapas (um mecanismo de reação nada mais é do que a descrição das etapas envolvidas em uma reação, dos reagentes à formação dos produtos). Além disso, cada uma UNIDADE 1 | HALETOS DE ALQUILA, REAÇÕES DE SUBSTITUIÇÃO E DE ELIMINAÇÃO E ÉTERES E EPÓXIDOS 38 dessas etapas acaba sendo conduzida em uma dada velocidade. No entanto, muitas dessas etapas ocorrem a velocidades muito rápidas, que são quase impossíveis de serem determinadas, por isso convencionou-se que a velocidade de uma reação química é determinada pela velocidade da etapa mais lenta dessa reação. Assim, como percebeu-se que nas reações SN1 a cinética da reação é proporcional apenas à concentração do substrato, pode-se inferir que a etapa mais lenta dessas reações é caracterizada por uma etapa lenta (determinante da velocidade) em que apenas o substrato participa, não havendo qualquer influência do nucleófilo. Desse modo, propõe-se que uma reação SN1 se inicie com a dissociação, ou seja, com a perda, espontânea do grupo de saída, formando um carbocátion intermediário (sendo essa a etapa mais lenta da reação como um todo). Apenas após a formação do carbocátion é que o nucleófilo se aproxima e ataca o carbono positivamente carregado desse carbocátion, conduzindo à formação dos produtos. Na figura a seguir é mostrado o mecanismo da reação entre o 2-bromo- 2-metilpropano (um haleto de alquila terciário) e a água para a formação do 2-metil-2-propanol. FIGURA 26 – MECANISMO DE REAÇÃO S N 1 PARA FORMAÇÃO DO 2-METIL-2-PROPANOL FONTE: A autora TÓPICO 2 | REAÇÕES DE SUBSTITUIÇÃO NUCLEOFÍLICA E ELIMINAÇÕES 39 FONTE: A autora Com base no mecanismo mostrado na figura, vemos que o bromo se dissocia do substrato (por ele ser um bom grupo de saída e também porque essa dissociação forma um intermediário estável). Essa etapa é a mais lenta da reação, e como podemos perceber, envolve apenas o substrato. Com a dissociação do bromo forma-se um carbocátion terciário, bastante estável, que é então atacado pela água, que age como nucleófilo devido aos pares de elétrons isolados do átomo de oxigênio, resultando em uma ligação C–OH2, na qual o oxigênio fica com uma carga positiva. Por fim, uma nova molécula de água ataca um átomo de hidrogênio da ligação C–OH2, o que faz com que uma ligação O–H se quebre (liberando um hidrônio, H3O+) e formando o 2-metil-2-propanol. Repare que para a reação SN1 há a formação de um intermediário verdadeiro e não de um estado de transição, como a reação SN2. Devido a isso, nas reações SN1 o produto não apresenta uma configuração prioritariamente inversa em relação ao reagente (como é o caso das reações SN2), sendo formada, na verdade, uma mistura de enantiômeros (na proporção 50:50, ou seja, é formada uma mistura em quantidades iguais dos dois enantiômeros de uma molécula quiral, chamada de mistura racêmica). Isso é observado porque o carbocátion, ao perder um dos seus grupos, torna-se uma espécie planar e aquiral (pois agora ele adquire um eixo de simetria). Assim, por ser planar, o nucleófilo pode atacar da mesma maneira ambos os lados do carbocátion, fazendo com que seja formado o par de enantiômeros do produto. FIGURA 27 – ESTEREOQUÍMICA DA REAÇÃO S N 1 UNIDADE 1 | HALETOS DE ALQUILA, REAÇÕES DE SUBSTITUIÇÃO E DE ELIMINAÇÃO E ÉTERES E EPÓXIDOS 40 No entanto, vale salientar que para muitas reações não se observa a obtenção do racemato, mas sim de um pequeno excesso do enantiômero com configuração inversa ao reagente. Uma hipótese para essa observação é a dos pares iônicos, que considera que uma fração do grupo de saída, mesmo dissociada, permanece por um tempo relativamente próximo ao carbocátion, impedindo o ataque do nucleófilo nesse lado, como esquematizado a seguir. FIGURA 28 – HIPÓTESE DO PAR IÔNICO NAS REAÇÕES S N 1 FONTE: Adaptado de McMurry (2012b, p. 355) 2.2.1 Fatores que afetam as reações S N 1 Vimos que nas reações SN2 são afetadas a natureza do substrato, a natureza do nucleófilo, a natureza do grupo de saída e o tipo de solvente utilizado na reação. Veremos agora se esses fatores também são importantes para as reações SN1. Substrato Como vimos, a cinética das reações SN1 é dependente apenas do substrato e a velocidade da reação é definida pela dissociação do substrato. Desse modo, podemos determinar que a natureza do substrato é de extrema importância nas reações SN1. Como o substrato se dissocia para formar um carbocátion, é de se esperar que substratos que gerem carbocátions mais estáveis são melhores substratos para as reações SN1, uma vez que eles podem gerar esses intermediários mais facilmente e, consequentemente, rapidamente. Como vimos em Química Orgânica I, os carbocátions mais estáveis são os terciários, seguidos pelos secundários, enquanto que os primários têm baixíssima estabilidade, quase não sendo formados. É importante ressaltar que existem outras espécies que podem TÓPICO 2 | REAÇÕES DE SUBSTITUIÇÃO NUCLEOFÍLICA E ELIMINAÇÕES 41 formar intermediários catiônicos estáveis, podendo, portanto, ser utilizadas como substratos para as reações SN1. Dentre essas espécies, temos os cátions alila e benzila, que são bastante estáveis devido aos efeitos de ressonância, que permitem uma boa estabilidade da carga positiva. Assim, podemos dizer que substratos que gerem carbocátions terciários ou secundários, cátions alila e cátions benzila são bons substratos para reações SN1. A ordem de estabilidade relativa desses cátions é mostrada na figura a seguir, observe que os cátions alila e benzila primários têm estabilidade similar ao carbocátion secundário (assim, cátions alila e benzila secundários têm estabilidade similar ao carbocátion terciário).FIGURA 29 – ESTABILIDADE RELATIVA DOS CÁTIONS INTERMEDIÁRIOS FONTE: A autora Quando estiver analisando se uma reação se processa por SN1, tenha em mente que quanto mais estável o intermediário, mais fácil e mais rápida será a reação SN1 (e que substratos que não geram intermediários estáveis, provavelmente, não irão reagir por um mecanismo SN1). Nucleófilo Como definimos, uma reação SN1 apresenta cinética de primeira ordem, sendo que apenas a concentração do substrato é importante no que se refere à velocidade da reação. Dessa forma, fica evidente que o nucleófilo não é um parâmetro essencial para as reações SN1. De fato, como o cátion intermediário possui um carbono positivo bastante eletrofílico, tanto os nucleófilos neutros quanto os negativamente carregados podem facilmente atacar o eletrófilo, levando à formação dos produtos por SN1. Grupo de saída Como a dissociação do substrato é uma etapa essencial para a formação do carbocátion, fica evidente que a natureza do grupo de saída desempenha um papel muito importante nas reações SN1. Do mesmo modo que estudamos para as reações SN2, bases fracas são melhores grupos de saída, pois são íons mais estáveis. Assim, a reatividade relativa dos grupos de saída é a mesma mostrada na Figura 23. UNIDADE 1 | HALETOS DE ALQUILA, REAÇÕES DE SUBSTITUIÇÃO E DE ELIMINAÇÃO E ÉTERES E EPÓXIDOS 42 Solvente A natureza do solvente é um parâmetro bastante importante para as reações SN1, no entanto, as razões para tal são bem distintas das razões do porque os solventes têm papel importante nas reações SN2. Nas reações SN1, solventes que possam estabilizar ainda mais o intermediário são considerados melhores. Assim, solventes polares próticos são ótimas opções para conduzir reações SN1, uma vez que eles podem interagir fortemente com os cátions intermediários, estabilizando- os. Vale dizer que quanto mais polar o solvente, melhor estabilizante ele é (por exemplo, a água é um melhor solvente para reações SN1 do que o etanol, pois ela é mais polar). Já os solventes apolares, como os hidrocarbonetos, não conseguem solvatar e estabilizar o intermediário, não sendo utilizados em reações SN1. Com base no que foi discutido, podemos dizer que as reações SN1 são facilitadas pelo uso de substratos que geram cátions intermediários estáveis. Além disso, a natureza do grupo de saída é importante porque é a facilidade com que o grupo de saída se dissocia do substrato que leva à formação do intermediário. Mais ainda, solventes polares próticos são boas opções para as reações SN1, pois eles são capazes de interagir e solvatar esse intermediário, aumentando a sua estabilidade e reatividade. No entanto, como o nucleófilo não participa da etapa mais lenta da velocidade, sua natureza não é determinante para as reações SN1. 3 REAÇÕES DE ELIMINAÇÃO Além das reações de substituição nucleofílica, os haletos de alquila podem sofrer reações de eliminação de um haleto ácido (HX, como o HCl, o HBr, ou o HI), formando alcenos. No entanto, as reações de eliminação são consideravelmente mais complicadas do que as reações de substituição nucleofílica. Por exemplo, muitas das reações de eliminação geram misturas de alcenos, como é o caso da reação entre o 2-bromobutano e o etóxido de sódio, que gera como produtos o 2-buteno (majoritário) e o 1-buteno (minoritário), e a reação entre o 2-bromo-2- metilbutano e o etóxido de sódio, originando o 2-metil-2-buteno (majoritário) e o 2-metil-1-buteno (minoritário). FIGURA 30 – EXEMPLOS DE REAÇÃO DE ELIMINAÇÃO DE ALCENOS FONTE: A autora TÓPICO 2 | REAÇÕES DE SUBSTITUIÇÃO NUCLEOFÍLICA E ELIMINAÇÕES 43 FONTE: A autora É possível prever qual será o produto majoritário de uma reação de eliminação por meio da regra de Zaitsev, postulada por Alexander Zaitsev (químico russo, 1841-1910), que dita que em uma reação de eliminação de um haleto ácido a partir de um haleto de alquila, o produto majoritário da reação vai ser o alceno mais substituído, ou seja, o alceno com maior número de substituintes em ambos os carbonos da ligação dupla C=C. De fato, é isso que vemos em ambas as reações mostradas na figura acima: na reação de eliminação do 2-bromobutano o produto majoritário (o 2-buteno) tem a ligação dupla C=C formada entre dois carbonos secundários, enquanto o produto minoritário (o 1-buteno) tem um carbono primário e um secundário formando a ligação dupla C=C; para a reação de eliminação do 2-bromo-2-metilbutano o produto majoritário (o 2-metil-2- buteno) na ligação dupla C=C temos um carbono terciário e um secundário, e no minoritário um carbono terciário e um primário. Vale ressaltar que a regra de Zaitsev pode ser uma boa base para prever o produto majoritário, no entanto, nem sempre ela está correta. Para entendermos melhor como as reações de eliminação acontecem, vamos estudar os dois mecanismos principais de reações de eliminação: a reação de eliminação bimolecular (E2) e a reação de eliminação unimolecular (E1). 3.1 REAÇÕES DE ELIMINAÇÃO BIMOLECULAR (E2) As reações E2 ocorrem nos casos em que um haleto de alquila é colocado para reagir com nucleófilos com alta basicidade, ou seja, com bases muito fortes, como os íons hidróxido e alcóxido. Na figura a seguir é mostrado o mecanismo de reação E2 para uma reação genérica entre um nucleófilo de base forte (indicado por Nu:) e um haleto de alquila. FIGURA 31 – MECANISMO GENÉRICO DE UMA REAÇÃO E2 UNIDADE 1 | HALETOS DE ALQUILA, REAÇÕES DE SUBSTITUIÇÃO E DE ELIMINAÇÃO E ÉTERES E EPÓXIDOS 44 Analisando a figura, percebemos algumas semelhanças entre a reação E2 e a reação SN2. Do mesmo modo que as reações SN2, as reações E2 ocorrem em uma única etapa, ou seja, já no momento em que o nucleófilo ataca o átomo de hidrogênio para abstraí-lo do haleto de alquila, a ligação dupla C=C começa a se formar, levando à quebra da ligação C–X (portanto não há a formação de um intermediário, apenas de um estado de transição). De uma forma mais detalhada, podemos dizer que em uma reação E2 de um haleto de alquila, o nucleófilo ataca e abstrai o hidrogênio de uma ligação C–H, fazendo com que os elétrons que esse hidrogênio compartilhava com o átomo de carbono vão em direção ao átomo de carbono ligado ao halogênio, formando uma ligação π para a formação da ligação dupla C=C e fazendo com que a ligação C–X se quebre, mas de modo com que o halogênio (justamente por ser mais eletronegativo) leve consigo o par de elétrons antes compartilhado com o carbono). Vale dizer que para uma série de haletos de alquila, ou seja, haletos de alquila que possuem os mesmos grupos substituinte alquila, mas diferem no átomo de halogênio, os iodetos de alquila são os mais reativos, seguidos pelos brometos, os cloretos e, por fim, os fluoretos, porque o iodeto é uma base mais fraca, sendo um melhor grupo de saída, como discutido. Além disso, as reações E2 envolvem a participação de ambos os reagentes (nucleófilo e haleto de alquila) para a formação do estado de transição, fazendo com que essa reação apresente uma cinética de segunda ordem. Um outro aspecto bastante importante das reações E2 é que elas ocorrem com uma geometria periplanar, ou seja, com uma geometria em que todos os átomos ou grupos do haleto de alquila que participam da reação (que são o átomo de hidrogênio, os dois átomos de carbono e o grupo de saída) estão posicionados no mesmo plano. Isso ocorre porque nessas reações de eliminação, nas quais há formação de uma ligação dupla C=C, é necessário que os orbitais σ das ligações C–H e C–X possam se sobrepor, uma vez que eles vão originar a ligação π da ligação dupla devido à quebra das ligações C–H e C–X, e essa sobreposição fica facilitada se eles estiverem no mesmo plano. 3.2 REAÇÕES DE ELIMINAÇÃO UNIMOLECULAR (E1) As reações E1, de forma similar às reações SN1, se iniciam pela dissociação do grupo de saída para a formação do carbocátion intermediário. No entanto, em uma segunda etapa, ao invés do nucleófilo atacar o carbonopositivo do carbocátion, como na reação SN1, ele ataca um átomo de hidrogênio ligado a um carbono adjacente ao carbono positivo. Isso faz com que os elétrons dessa ligação C–H desfeita vão em direção ao carbono positivo, formando a ligação π da ligação dupla C=C e o alceno como produto. Na figura a seguir é mostrado um mecanismo genérico para a reação E1. TÓPICO 2 | REAÇÕES DE SUBSTITUIÇÃO NUCLEOFÍLICA E ELIMINAÇÕES 45 FIGURA 32 – MECANISMO GENÉRICO DE UMA REAÇÃO E1 FONTE: A autora O mecanismo da reação E1 evidencia que essa reação ocorre em duas etapas e que a cinética dessa reação é de primeira ordem (uma vez que apenas o substrato tem influência sobre a velocidade de reação, pois ele é o único que participa da primeira etapa de dissociação, que é a etapa lenta, enquanto que a natureza do nucleófilo não é importante). Além disso, do mesmo modo que para as reações SN1, os haletos de alquila capazes de formar carbocátions mais estáveis são mais reativos para as reações E1. Um fator importante acerca das reações E1 é que elas não exigem uma geometria específica para acontecer, como é o caso das reações E2. Isso porque as reações E1 acontecem em duas etapas. 4 CONSIDERAÇÕES SOBRE REAÇÕES DE COMPETIÇÃO Vimos que os haletos de alquila podem reagir seguindo quatro mecanismos principais: SN2, SN1, E2 e E1. Assim, para definir quais os produtos de uma dada reação química é preciso analisar as naturezas do substrato e do nucleófilo e as condições reacionais para definir por qual mecanismo a reação vai se processar (e quais serão os produtos). O primeiro passo para isso é definir se os reagentes e as condições do meio reacional favorecem as reações SN2/E2 ou as reações SN1/E1. Isso porque os parâmetros que influenciam uma reação SN2 são os mesmos que influenciam uma reação E2, e do mesmo modo, os parâmetros que favorecem uma reação SN1 também favorecem uma reação E1. UNIDADE 1 | HALETOS DE ALQUILA, REAÇÕES DE SUBSTITUIÇÃO E DE ELIMINAÇÃO E ÉTERES E EPÓXIDOS 46 Para os haletos de alquila primários não há dúvidas. Como a formação de carbocátions primários é quase impossível, pois esses intermediários são muito instáveis, os haletos de alquila primário só reagem por mecanismos de reação SN2/E2. No entanto, para os haletos de alquila secundários ou terciários a situação fica um pouco mais complicada, uma vez que eles podem reagir tanto por reações SN2/E2, quanto por reações SN1/E1. Assim, se o nucleófilo for classificado como uma base forte e se o solvente for do tipo polar aprótico, temos que a reação vai ser favorável para as reações SN2/E2; por outro lado, se o nucleófilo for uma base fraca e o solvente for do tipo polar prótico, a reação vai ser favorável para as reações SN1/E1. Definindo então se os parâmetros favorecem as reações SN2/E2 ou SN1/ E1, o próximo passo é identificar se a reação vai se processar por substituição nucleofílica ou por eliminação. 4.1 REAÇÕES DE COMPETIÇÃO S N 2/E2 Em condições de reação SN2/E2 temos que um nucleófilo com caráter de base forte pode ou atacar o átomo de carbono na posição oposta à ligação C–X, formando o produto de substituição, ou pode abstrair o átomo de hidrogênio de uma ligação C–H adjacente ao carbono ligado ao halogênio, formando o produto de eliminação, como esquematizado a seguir. Desse modo, pode-se dizer que as duas reações, a SN2 e a E2, competem entre si. FIGURA 33 – REAÇÕES DE COMPETIÇÃO S N 2/E2 FONTE: A autora TÓPICO 2 | REAÇÕES DE SUBSTITUIÇÃO NUCLEOFÍLICA E ELIMINAÇÕES 47 FONTE: A autora TABELA 4 – REATIVIDADE REATIVA DOS HALETOS DE ALQUILA EM CONDIÇÕES DE REAÇÃO S N 2/E2 Reatividade relativa dos haletos de alquila Em reações SN2: haletos primários > haletos secundários > haletos terciários Em reações E2: haletos terciários > haletos secundários > haletos primários A tabela traz as reatividades relativas dos haletos de alquila em reações SN2/E2. Assim, de acordo com os dados da tabela, tem-se que os haletos de alquila primários vão reagir prioritariamente por reações SN2, pois eles são mais reativos para essas condições e menos reativos para as reações E2. No entanto, vale dizer que em casos em que o nucleófilo for muito volumoso, a reação dos haletos de alquila vai se processar via mecanismo E2, uma vez que o nucleófilo não vai conseguir se aproximar do substrato e atacar o carbono no lado oposto à ligação C –X devido ao impedimento estérico. Assim, nesses casos é mais fácil reagir abstraindo o hidrogênio e fazendo com que a reação se processe por eliminação. Em outras palavras, um nucleófilo volumoso favorece a eliminação em relação à substituição. No caso dos haletos de alquila secundários, tem-se que eles podem sofrer tanto reações de substituição quanto de eliminação. No entanto, quanto mais básico e volumoso o nucleófilo, maior será a porcentagem do produto de eliminação. Isso porque o nucleófilo com caráter de base forte tem maior tendência em se ligar ao hidrogênio, e quanto mais volumoso, mais estericamente impedido o ataque ao carbono para a formação do produto de substituição. Por fim, os haletos de alquila terciários, como indicado na Tabela 4, são os menos reativos para as reações SN2, mas os mais reativos para as reações E2. Assim, haletos de alquila terciários em condições de reações SN2/E2 formam prioritariamente os produtos de eliminação. 4.2 REAÇÕES DE COMPETIÇÃO S N 1/E1 Nas reações SN1/E1, o haleto de alquila acaba se dissociando para formar um carbocátion, podendo, então, se combinar com o nucleófilo para gerar o produto de substituição ou perder um próton gerando o produto de eliminação. Para decidir se a reação ocorre prioritariamente por SN1 ou E1, vamos observar a tabela a seguir, que mostra a reatividade relativa dos haletos de alquila em condições de reação SN1/E1. UNIDADE 1 | HALETOS DE ALQUILA, REAÇÕES DE SUBSTITUIÇÃO E DE ELIMINAÇÃO E ÉTERES E EPÓXIDOS 48 TABELA 5 – REATIVIDADE REATIVA DOS HALETOS DE ALQUILA EM CONDIÇÕES DE REAÇÃO S N 1/E1 Reatividade relativa dos haletos de alquila Em reações SN1: haletos terciários > haletos secundários Em reações E1: haletos terciários > haletos secundários FONTE: A autora Como indicado na tabela, os haletos de alquila têm a mesma ordem de reatividade para as duas reações (SN1 e E1). Isso porque ambas as reações apresentam a mesma etapa determinante da velocidade (que é a dissociação do haleto de alquila). Assim, os haletos de alquila secundários ou terciários que reagem sob condições de SN1/E1 vão gerar como produtos uma mistura tanto dos produtos de substituição, quanto dos de eliminação. 49 RESUMO DO TÓPICO 2 Neste tópico, você aprendeu que: • Os haletos de alquila são compostos que reagem por reações de substituição nucleofílica, as quais são caracterizadas pela substituição de um átomo de halogênio por um nucleófilo. • Um dos modos dos haletos de alquila sofrerem reações de substituição nucleofílica é pela reação de substituição nucleofílica bimolecular (SN2), caracterizada por ser uma reação de cinética de segunda ordem (ou seja, depende tanto da natureza do nucleófilo, quanto do grupo de saída). • Nas reações SN2 é preferível que o grupo de saída seja uma base fraca (que pode acomodar mais facilmente a carga negativa do íon) e que o nucleófilo tenha uma carga negativa, por ser mais reativo. • As reações SN2 também são influenciadas pela natureza do substrato, que deve ter o grupo de saída ligado, preferencialmente, a um carbono primário, e do solvente, que deve ser polar aprótico. • O outro tipo de reação de substituição nucleofílica característico dos haletos de alquila é a reação de substituição unimolecular (SN1), na qual a cinética é de primeira ordem e depende apenas da natureza do grupo de saída, que deve ser, preferencialmente, uma base fraca (isso significa que a natureza do nucleófilo não é importante para a determinação da velocidade da reação SN1). • As reações SN1 também são influenciadas pelo substrato e pelo solvente, mas demodo distinto das reações SN2; o substrato deve ter preferencialmente o grupo de saída ligado a um carbono terciário, ou secundário, ou a um cátion benzila ou alila; em relação aos solventes, os polares próticos são preferíveis. • Os haletos de alquila também podem sofrer reação de eliminação, formando alcenos. • A reação de eliminação bimolecular (E2) é caracterizada por ter uma base (nucleófilo) abstraindo o H+ ligado a um carbono ao mesmo tempo em que o grupo de saída deixa o haleto de alquila, formando uma ligação π e originando a ligação dupla C=C. • A reação E2 ocorre preferencialmente quando são usados nucleófilos de grande basicidade e quando o substrato é um haleto de alquila secundário ou terciário. 50 • A reação de eliminação unimolecular (E1) ocorre quando o grupo de saída se dissocia espontaneamente do haleto de alquila, originando um intermediário carbocátion, que só então perde o H+ devido ao ataque de um nucleófilo. • As reações de substituição nucleofílica e de eliminação de haletos de alquila competem entre si, por isso é necessário analisar as condições reacionais para determinar os produtos majoritários. 51 1 Determine os produtos da reação entre o 1-bromobutano e os seguintes nucleófilos: a) NaI b) H-C≡C-Li+ c) KOH 2 A reação SN2 vai se processar mais rapidamente: a) Se o nucleófilo for o (CH3)2N- ou o (CH3)2NH? b) Se o haleto de alquila for o 1-fluorbutano ou o 1-iodobutano? 3 Organize os substratos de uma reação SN1 do mais reativo para o menos reativo. AUTOATIVIDADE 52 53 TÓPICO 3 ÉTERES E EPÓXIDOS UNIDADE 1 1 INTRODUÇÃO Desde a disciplina de Química Orgânica I estamos estudando os grupos funcionais orgânicos, na qual iniciamos com os aspectos relativos à química dos hidrocarbonetos (alcanos, alcenos e alcinos) e dos compostos aromáticos. Já na disciplina de Química Orgânica II, estudamos os haletos de alquila e aprendemos sobre os mecanismos de substituição e eliminação eletrofílica, característicos de grupos orgânicos polares. Agora, vamos iniciar nossos estudos referentes a uma outra função orgânica: os éteres. Esses compostos são caracterizados por possuírem um átomo de oxigênio ligado aos carbonos da cadeia carbônica principal, fazendo, portanto, que essa cadeia seja classificada como heterogênea. Mais ainda, a presença desse átomo de oxigênio faz com que a própria cadeia tenha um caráter polar (uma vez que a eletronegatividade do oxigênio é bastante distinta da do carbono), além disso, os elétrons isolados do oxigênio influenciam bastante a química desse grupo funcional. Assim, a partir de agora, vamos estudar os principais aspectos relacionados à química dos éteres e dos epóxidos (que, como veremos, são éteres cíclicos com anéis de três membros, ou seja, formados por um átomo de oxigênio e dois átomos de carbono). Iniciaremos com alguns exemplos de éteres presentes na natureza e de importância comercial, passaremos para análise da sua estrutura e propriedades e aprenderemos suas regras de nomeação. Por fim, estudaremos a química dos éteres e epóxidos, identificando processos para síntese desses compostos e algumas das suas reações típicas. 54 UNIDADE 1 | HALETOS DE ALQUILA, REAÇÕES DE SUBSTITUIÇÃO E DE ELIMINAÇÃO E ÉTERES E EPÓXIDOS 2 ÉTERES Os éteres são caracterizados por possuírem dois grupos orgânicos ligados a um mesmo átomo de oxigênio, tendo, portanto, a fórmula geral R–O–R’ – nos casos em que os dois grupos orgânicos, R e R’, são iguais, o composto é designado como um éter simétrico, enquanto que nos casos em que esses dois grupos são diferentes, o composto é um éter assimétrico. Dentre os éteres, pode-se dizer que o mais conhecido é o éter dietílico, que era bastante utilizado como anestésico durante boa parte do século XIX, até mesmo em processos cirúrgicos. No entanto, hoje em dia o éter etílico não é mais utilizado para esse fim, devido à sua alta volatilidade e inflamabilidade (o que aumenta os riscos de explosões) e também porque ele é relativamente tóxico, podendo causar problemas respiratórios, por exemplo. Assim, sua maior aplicabilidade atualmente é como solvente, sendo utilizado em processos de extração de óleos, gorduras e essências, por exemplo, de compostos naturais. Outro exemplo de éter bastante utilizado como solvente, tanto em escala industrial como laboratorial, é o tetrahidrofurano (THF), utilizado em vernizes, como solubilizante de diversos polímeros (principalmente o poli (cloreto de vinila), PVC, e o poli (ácido lático), PLA) e para a preparação dos reagentes de Grignard, como vimos anteriormente. Os éteres são também bastante encontrados em fontes vegetais, como o anisol e o anetol, ambos éteres aromáticos obtidos da semente de anis, de sabor e odor adocicados e agradáveis. O anisol é um líquido incolor, bastante utilizado em perfumes e fragrâncias e como material de partida para a síntese de alguns tipos de fármacos. Já o anetol é utilizado para a preparação de drinques alcoólicos (pois tem uma capacidade adoçante quase que 13 vezes maior do que a da sacarose) e em produtos de higiene. O estragol (um isômero do anetol) é outro exemplo de éter aromático de ocorrência natural, extraído do manjericão. Existem ainda exemplos de outros compostos extraídos de fontes naturais que contêm a função éter, além de algumas outras, principalmente o fenol e o aldeído. O eugenol é um exemplo desses compostos, apresentando, além da função éter, a função fenol. O eugenol é extraído principalmente do cravo-da- índia e é bastante utilizado como antisséptico, anestésico e no tratamento de náuseas e indigestão. A vanilina apresenta as funções éter, fenol e aldeído, é extraída como um óleo da semente baunilha, sendo muito utilizada na indústria alimentícia como flavorizante. Na figura a seguir são mostradas as estruturas dos éteres discutidos aqui. TÓPICO 3 | ÉTERES E EPÓXIDOS 55 FIGURA 34 – EXEMPLOS DE ÉTERES FONTE: A autora A DERROTA DA DOR Em 1846, o éter começou a ser usado oficialmente em anestesia Neldson Marcolin A dor foi oficialmente vencida em 16 de outubro de 1846. Às 10 horas daquele dia, no Massachusetts General Hospital, em Boston, Estados Unidos, o dentista William Thomas Green Morton anestesiou com éter o impressor Gilbert Abbot, de 17 anos, para que o cirurgião John Collins Warren extraísse um tumor de seu pescoço. Com o sucesso do procedimento, o médico dirigiu- se à plateia de médicos, estudantes de medicina e a um repórter do Boston Daily Journal e declarou: “Senhores, isto não é uma fraude”. Fora a primeira demonstração pública do uso da anestesia, que só não foi fotografada porque o fotógrafo passou mal – em 1882, Robert Hinckley pintou o quadro que ilustra esta página reconstituindo o momento histórico. “Até a demonstração de Morton, havia uma compartimentalização das informações”, conta José Luiz Gomes The First Operation with Ether, Robert Hinckley (1892) 56 UNIDADE 1 | HALETOS DE ALQUILA, REAÇÕES DE SUBSTITUIÇÃO E DE ELIMINAÇÃO E ÉTERES E EPÓXIDOS do Amaral, professor titular de Anestesiologia, Dor e Medicina Intensiva da Universidade Federal de São Paulo. “Os árabes, por exemplo, tinham muita informação sobre substâncias anestésicas já por volta do século 10, mas os textos eram todos em árabe ou grego e só se tornaram mais conhecidos em torno do século 16”. A questão histórica de quem descobriu e usou a anestesia pela primeira vez esteve longe de ser encerrada em 1846. Antes dessa data, para fazer cirurgias sem dor, tentou-se tudo: acupuntura, hipnose, ação sedativa de algumas plantas e álcool. Apenas em 1773 o inglês Joseph Priestley descobriu o dióxido de nitrogênio (NO2), embora o também inglês Humphry Davy tenha sido o primeiro a descobrir suas propriedades anestésicas ao aspirar o gás e perceber que a sua então dor de dente desaparecia. O reverenciado físico e químico Michael Faraday foi quem notou que os vapores do éter tinham efeito semelhante ao gás hilariante. Em 1841 – cincoanos antes da apresentação pública de Morton e Warren –, um médico de Jefferson, Estados Unidos, Crawford Williamson Long, participava de sessões de inalação de éter com outros jovens, em noitadas conhecidas como ether parties ou ether frolics. Mais de uma vez, sob efeito da substância, ele se feriu sem sentir e teve a ideia de utilizar o éter em pequenas intervenções cirúrgicas. Utilizando éter, extirpou dois tumores da nuca de um amigo na presença de várias pessoas. No total, operou oito pacientes nas mesmas condições, mas autoridades de sua cidade o obrigaram a parar temendo que algum paciente morresse nas suas mãos. Long desistiu das cirurgias sob a ação do éter e seu trabalho pioneiro só se tornou conhecido anos depois da demonstração de 1846. Um ano após as experiências de Long, Horace Wells, dentista de Hartford, Estados Unidos, aspirou ele mesmo gás hilariante e pediu a um colega para extrair-lhe um dente, com sucesso. Ao tentar fazer duas demonstrações públicas com o gás, Wells fracassou – e, desanimado, abandonou suas experiências e a profissão. Nessa mesma época, o dentista Morton, conhecedor das experiências com NO2 e éter, começou a fazer suas próprias tentativas com animais, em si mesmo e com dois estudantes de Odontologia. Como conseguiu sucesso apenas parcial, decidiu consultar um conhecido professor de química na época, Charles Thomas Jackson, que o aconselhou a abandonar o NO2 e experimentar o éter sulfúrico puro. TÓPICO 3 | ÉTERES E EPÓXIDOS 57 Morton, que não havia citado seu trabalho com éter para Jackson, entendeu a razão de ter fracassado em algumas experiências e convenceu Warren a fazer a demonstração pública. Pouco depois criou um inalador para anestesia geral e pediu patente do produto usando o nome de letheon, do grego lethes (esquecimento), mas foi obrigado pelos médicos a revelar que usava éter. Daí para a frente houve uma grande disputa judicial entre Jackson e Morton pela primazia da descoberta. Nos anos seguintes, outros anestésicos surgiram, assim como vários métodos para induzir à anestesia, além da inalação. No Brasil, a primeira anestesia geral pelo éter foi praticada no Hospital Militar do Rio de Janeiro pelo médico Roberto Jorge Haddock Lobo, em 25 de maio de 1847, conforme informa Lycurgo Santos Filho, em sua História geral da medicina brasileira. FONTE: <http://revistapesquisa.fapesp.br/2004/09/01/a-derrota-da-dor/>. Acesso em: 21 ago. 2018. 2.1 ESTRUTURA E PROPRIEDADES DOS ÉTERES Como mencionado, os éteres possuem a fórmula geral R–O–R’. Assim, sabendo que o átomo de oxigênio possui dois pares de elétrons isolados, eles acabam criando um efeito de repulsão sobre os grupos substituintes R e R’, como que os empurrando para baixo, ou seja, fazendo com que a ligação R–O–R’ não seja linear, mas sim angular (com um ângulo típico de 112°). Assim, devido a essa angulação, e pelo átomo de oxigênio ser bastante eletronegativo, há a formação de um momento de dipolo sobre as moléculas de éter, fazendo com que a região sobre o átomo de oxigênio apresente uma alta densidade eletrônica, enquanto que essa densidade diminui sobre os substituintes R e R’. De fato, podemos fazer um paralelo entre a estrutura dos éteres com a estrutura da molécula de água, H–O–H, que também é angular e, consequentemente, polar. Na figura a seguir são mostradas as estruturas da água e dos éteres simétricos mais simples (o éter dimetílico, o éter dietílico e o éter dipropílico). Além disso, são mostradas as estruturas de bolas e varetas, para que possamos perceber que essas moléculas não são lineares e os mapas de potencial eletroestático, nos quais, de modo geral, percebemos uma região avermelhada sobre o átomo de oxigênio, ou seja, uma região rica em elétrons devido ao caráter do oxigênio, que tem dois pares de elétrons isolados e também por ser mais eletronegativo, e regiões mais azuladas e esverdeadas sobre os átomos de hidrogênio da água e sobre os grupos substituintes orgânicos R e R’ nos éteres. 58 UNIDADE 1 | HALETOS DE ALQUILA, REAÇÕES DE SUBSTITUIÇÃO E DE ELIMINAÇÃO E ÉTERES E EPÓXIDOS FIGURA 35 – ESTRUTURA DOS ÉTERES MAIS SIMPLES Observando a figura e verificando a diferença de densidade eletrônica sobre as moléculas, podemos dizer que os éteres têm um caráter polar. No entanto, como confirmado pelas temperaturas de ebulição desses compostos, podemos perceber que à medida que a cadeia carbônica dos grupos substituintes R e R’ aumenta, há uma diminuição no caráter polar dos éteres. Isso porque, se compararmos os éteres e os alcanos correspondentes (éteres e alcanos de massas molares similares), percebemos que a diferença entre seus pontos de ebulição diminui à medida que as cadeias carbônicas dos grupos substituintes R e R’ aumentam. Por exemplo, como descrito na tabela a seguir, o éter dimetílico apresenta um ponto de ebulição de -25 °C, um valor relativamente maior do que para o propano (o alcano corresponde ao éter metílico, formado por três átomos na cadeia principal), que apresenta um ponto de ebulição de -45 °C. Essa diferença indica que o éter metílico precisa de mais energia para passar do estado FONTE: A autora TÓPICO 3 | ÉTERES E EPÓXIDOS 59 FONTE: Bruice (2001, p. 81) líquido para o gasoso em relação ao alcano, devido às interações fortes de dipolo- dipolo entre as moléculas (lembre-se de que moléculas polares interagem entre si por interações de dipolo-dipolo), enquanto que o propano, por ser apolar, interage apenas por forças de dispersão (as moléculas apolares interagem entre si por forças de dispersão), relativamente mais fracas do que as dipolo-dipolo. No entanto, percebemos que a diferença entre os pontos de ebulição do éter dietílico e do pentano é quase nula. Isso ocorre porque o éter dietílico começa a ter uma cadeia carbônica maior, o que faz com que o efeito polar induzido pela diferença de eletronegatividade entre o oxigênio e os grupos R e R’ seja superado pelo aumento das forças de dispersão, que tendem a aumentar à medida que a cadeia carbônica aumenta devido a uma maior área de contato entre elas. De maneira geral, os éteres têm pontos de ebulição ligeiramente mais altos do que os alcanos correspondentes, uma vez que as moléculas de éteres interagem tanto por interações de caráter polar (dipolo-dipolo), quanto apolar (forças de dispersão), assim, essas forças se somam e para que o composto passe do estado líquido para o gasoso é preciso fornecer uma quantidade de energia suficiente para superar essas forças. Já para os alcanos, há apenas as forças de dispersão, o que diminui a energia necessária para que eles entrem em ebulição, diminuindo, consequentemente, seus pontos de ebulição em relação aos dos éteres. Podemos observar bem essa tendência com os valores comparativos dos pontos de ebulição de alcanos e éteres mostrados a seguir. TABELA 6 – COMPARATIVO ENTRE OS PONTOS DE EBULIÇÃO DOS ÉTERES E DE ALCANOS CORRESPONDENTES Éter Ponto de ebulição Alcano Ponto de ebulição CH3OCH3 -25 °C CH3CH2CH3 -45 °C CH3OCH2CH3 11 °C CH3CH2CH2CH3 -0,5 °C CH3CH2OCH2CH3 35 °C CH3CH2CH2CH2CH3 36 °C O 65 °C 49 °C OCH3 158 °C CH2CH3 136 °C Na tabela a seguir são mostrados alguns éteres e suas solubilidades em água. Repare que os éteres pequenos (de até três carbonos) são completamente solúveis em água. Essa solubilidade é consequência da interação por ligação de hidrogênio entre o átomo de oxigênio do éter e o hidrogênio da água – lembre-se de que uma ligação de hidrogênio é um tipo especial de interação dipolo-dipolo que ocorre entre um átomo de hidrogênio ligado a um outro átomo altamente 60 UNIDADE 1 | HALETOS DE ALQUILA, REAÇÕES DE SUBSTITUIÇÃO E DE ELIMINAÇÃO E ÉTERES E EPÓXIDOS eletronegativo (o oxigênio, o nitrogênio ou o flúor) e um par de elétrons livres de um outro átomo de oxigênio, ou de nitrogênio ou de flúor de outra molécula. No entanto, observamos ainda que à medida que a cadeia carbônica dos éteres aumenta, sua solubilidade em águadiminui. Como mostrado a seguir, os éteres de quatro e cinco carbonos apresentam solubilidade limitada em água, enquanto que os de seis ou mais carbonos passam a ser completamente insolúveis. Isso ocorre porque conforme a cadeia carbônica começa a aumentar, o caráter apolar dos éteres passa a dominar, assim, as moléculas de água não conseguem interagir com essas frações apolares, fazendo com que os éteres passem a ser cada vez menos solúveis. TABELA 7 – SOLUBILIDADE RELATIVA DE ÉTERES EM ÁGUA Número de carbonos Éter Solubilidade em água dois CH3OCH3 solúvel três CH3OCH2CH3 solúvel quatro CH3CH2OCH2CH3 ligeiramente solúvel(10g/100g H2O) cinco CH3CH2OCH2CH2CH3 pouco solúvel (1,0g/100g H2O) seis CH3CH2CH2OCH2CH2CH3 insolúvel FONTE: Bruice (2001, p. 81) 2.2 REGRAS DE NOMENCLATURA DOS ÉTERES A nomenclatura sistemática dos éteres segue as mesmas regras definidas para as outras moléculas orgânicas, já discutidas, mas com algumas especificidades. Assim, o nome de um éter pode ser definido seguindo as etapas a seguir: Etapa 1: identificar a cadeia principal Como dito, os éteres possuem a fórmula geral R–O–R’, assim, no momento em que formos nomear um éter, devemos definir qual dos grupos substituintes R ou R’ é maior, ou seja, qual é a cadeia principal. Definida a cadeia principal, a nomeamos do mesmo modo que os alcanos. Etapa 2: identificar o substituinte Definido entre os grupos R e R’ qual a cadeia principal, o outro será entendido como um substituinte, estando ligado ao átomo de oxigênio. Assim, devemos nomear o substituinte do mesmo modo como nomeamos um substituinte alquila, mudando o sufixo -ila pelo sufixo -oxi (vale salientar que o sufixo -oxi é usado em todos os casos em que temos um substituinte do tipo –OR, chamado de alcóxido). TÓPICO 3 | ÉTERES E EPÓXIDOS 61 FIGURA 36 – EXEMPLOS DE COMO NOMEAR ÉTERES DE ACORDO COM A NOMENCLATURA SISTEMÁTICA FONTE: A autora No entanto, existe ainda uma forma dita comum dos éteres, que de tão usual também é aceita pela IUPAC e serve para nomear éteres simples, ou seja, nos quais não há outro grupo funcional além do éter. De acordo com essa nomenclatura, deve-se nomear os dois substituintes R e R’ separadamente, do mesmo modo que um radical alquila, mudando-se o sufixo -ila pelo sufixo -ilíco. Assim, o nome do éter consiste nos nomes desses dois substituintes, colocados em ordem alfabética e precedidos pelo termo éter. FIGURA 37 – EXEMPLOS DE NOMES COMUNS DE ÉTERES FONTE: A autora EXEMPLO Determine os nomes dos seguintes éteres: A) CH3OCH2CH3 B) CH3CHCH2CH3 OCH3 C) OCH3 Br a) O primeiro passo é “separar” a molécula em duas, identificando os substituintes R e R’: CH3OCH2CH3 Substituinte RSubstituinte R' b) c)a) 62 UNIDADE 1 | HALETOS DE ALQUILA, REAÇÕES DE SUBSTITUIÇÃO E DE ELIMINAÇÃO E ÉTERES E EPÓXIDOS Vale dizer que a definição do substituinte R ou R’ é arbitrária. Nesse caso, definimos R como a cadeia principal e R’ como a do substituinte. Assim, a cadeia maior (R) é formada por dois carbonos, sendo denominada “etano”; enquanto que a cadeia dita substituinte é formada por apenas um carbono, sendo denominada como um “metoxi”. Assim, de acordo com as regras da IUPAC, esse éter é chamado de metoxietano. Por esse éter ser simples, podemos ainda definir ser nome comum. Assim, R é nomeado como “etílico” e R’ como “metílico” e o nome do composto é éter etílico e metílico (denominado também como éter etilmetílico). b) Separando a molécula em duas, temos: Substituinte R Substituinte R' CH3CHCH2CH3 OCH3 Assim, R é formado por quatro carbonos, sendo um butano, e R’, formado por um carbono, é denominado um metoxi. Como o grupo metoxi está ligado ao carbono de número dois da cadeia principal, temos que ele tem o localizador 2. Assim, o nome do composto é 2-metoxibutano. C) Nesse caso, temos um composto que além do grupo funcional éter, tem um grupo funcional de haleto de alquila (devido à ligação C–Br). Nesses casos (em moléculas multifuncionais), a cadeia carbônica menor ligada ao átomo de carbono é identificada como um substituinte alcóxido. Assim, “separamos” a cadeia em dois: OCH3 Br Substituinte R Substituinte R' Desse modo, para essa molécula temos que o benzeno é a cadeia principal (formada por seis carbonos), enquanto que a cadeia menor tem apenas um átomo, sendo identificada como o grupo alcóxido, sendo chamada de metoxi. O bromo é visto como um segundo substituinte do benzeno, assim, o nome do composto é 1-bromo-4-metoxibenzeno (ou para-bromo- metoxibenzeno). TÓPICO 3 | ÉTERES E EPÓXIDOS 63 2.3 SÍNTESE DE ÉTERES O método mais usual para a preparação de éteres é por meio da chamada síntese de éteres de Williamson, descoberta em 1850 por Alexander Williamson (químico inglês, 1824-1924), e que consiste na reação entre um haleto de alquila com um alcóxido. Os alcóxidos são caracterizados pela fórmula geral RO-, ou seja, consistem em uma cadeia carbônica ligada a um oxigênio carregado negativamente. Eles são obtidos por meio da reação de um álcool com uma base forte (tipicamente o hidróxido de sódio), a qual faz com que o átomo de hidrogênio da hidroxila do álcool seja removido pela reação com o OH- da base (formando uma molécula de água), tornando o átomo de oxigênio negativamente carregado, de acordo com a equação química mostrada a seguir. Vale dizer que o alcóxido é um ânion (uma vez que é negativamente carregado), assim, o cátion da base forte age de forma a estabilizá-lo. Assim, nos casos em que a base forte é o hidróxido de sódio, a fórmula geral pode ser escrita como RO-Na+, e o composto é chamado de alcóxido de sódio. FIGURA 38 – FORMAÇÃO DO ÍON ETÓXIDO A PARTIR DA REAÇÃO ENTRE O ETANOL E O HIDRÓXIDO DE SÓDIO FONTE: A autora FONTE: A autora A seguir é demonstrado o mecanismo de reação entre o íon etóxido (o alcóxido obtido a partir da reação entre o etanol e o hidróxido de sódio, como esquematizado na figura anterior) e o cloroetano para a formação do éter dietílico. FIGURA 39 – SÍNTESE DE WILLIAMSON PARA A FORMAÇÃO DO ÉTER DIETÍLICO Como mostrado, a síntese de éteres de Williamson é uma reação de substituição nucleofílica, seguindo um mecanismo SN2. Dessa forma, o uso do alcóxido é essencial, pois ele é um ótimo nucleófilo, enquanto que os halogênios são bons grupos de saída. Assim, o íon etóxido desloca o íon haleto (o cloro, no caso), formando o éter como produto. 64 UNIDADE 1 | HALETOS DE ALQUILA, REAÇÕES DE SUBSTITUIÇÃO E DE ELIMINAÇÃO E ÉTERES E EPÓXIDOS É importante salientar que a síntese de Williamson é melhor realizada com haletos de alquila primários, pois caso sejam utilizados haletos de alquila secundários ou terciários pode haver competição com a reação de eliminação E2 caso o íon etóxido seja mais impedido, ou seja, mais volumoso devido a ramificações. Assim, é preciso escolher bem os reagentes de partida para se obter corretamente o éter desejado. Por exemplo, se quisermos sintetizar éteres lineares, teremos necessariamente que escolher um haleto de alquila primário e um alcóxido também primário, o que faz com que a reação siga necessariamente um mecanismo SN2 e não traz nenhum problema de competição entre mecanismos de reação. Assim, no caso da síntese do éter butílico e propílico, poderíamos escolher tanto entre um haleto de propila primário (como o 1-bromo-propano) e o íon butóxido, quanto um haleto de butila primário (como o 1-bromo-butano) e o íon propóxido. FIGURA 40 – REAGENTES PARA A SÍNTESE DO ÉTER BUTÍLICO E PROPÍLICO FONTE: A autora No entanto, para a síntese de éteres ramificados deve-se tomar um cuidado maior, isso porque para o preparo dos compostos ramificados tem-se reagentes secundários ou terciários para que o produto também tenha esse caráter, o que faz com que haja reação de competição entre os mecanismos de reação SN2 e E2. Assim, ao se fazer uma síntese de éter de Williamson, o grupo alquila menos impedido (ou menos ramificado) deve vir do haleto de alquila (ou seja, o haletode alquila deve ser necessariamente um haleto primário), fazendo com que o grupo alquila mais impedido (ou mais ramificado) venha do alcóxido, garantindo que a reação se processe via SN2. Por exemplo, se quisermos sintetizar o éter terc-butílico e etílico, deveríamos utilizar necessariamente um haleto de alquila primário (como o bromoetano) para garantir que não haja competição com a reação E2, uma vez que o íon alcóxido seria o íon terc-butóxido, ramificado e estericamente impedido. Caso partíssemos de um alcóxido primário, o íon metóxido, teríamos que utilizar um haleto ramificado e, consequentemente, mais impedido (o 2-bromo-2-metilpropano, por exemplo), o que levaria, principalmente, à formação dos produtos de eliminação (o 2-metilpropeno e o etanol), obtendo-se quase nada do éter terc-butílico e etílico. Isso porque em reações em que pode haver competição SN2 e E2, se usarmos haletos de alquila terciários obteremos majoritariamente o produto de eliminação. TÓPICO 3 | ÉTERES E EPÓXIDOS 65 FONTE: A autora FIGURA 41 – PRODUTOS DAS REAÇÕES ENTRE REAGENTES PRIMÁRIOS E TERCIÁRIOS 2.4 REAÇÕES DE ÉTERES Tendo estudado o mecanismo e os aspectos principais referentes à síntese de éteres de Williamson, agora veremos algumas das reações típicas desses compostos, a saber: a clivagem ácida de éteres e o rearranjo de Claisen. 2.4.1 Clivagem de éteres catalisada por ácidos No início deste tópico dissemos que os éteres são bastante utilizados em processos industriais e laboratoriais como solventes. Isso porque esses compostos não reagem com a grande maioria dos reagentes utilizados em sínteses, o que os qualifica como bons solventes. De fato, os éteres são bastante inertes, reagindo, basicamente, apenas quando tratados com ácidos fortes (especialmente o HI e o HBr), sofrendo o que se chama de clivagem ácida de éteres (ou também de clivagem catalisada por ácidos), originando como produtos um haleto de alquila e um álcool. A clivagem ácida de éteres foi descrita pela primeira vez por Alexander Butlerov (químico russo, 1828-1886), que percebeu que o ácido 2-etoxipropanoico (um composto que contém os grupos funcionais ácido carboxílico e éter) reagia com o HI produzindo o iodometano e o ácido lático. Produtos esses que correspondem exatamente à quebra do ácido 2-etoxipropanoico no átomo de oxigênio que caracteriza o grupo éter, como pode ser observado a seguir. 66 UNIDADE 1 | HALETOS DE ALQUILA, REAÇÕES DE SUBSTITUIÇÃO E DE ELIMINAÇÃO E ÉTERES E EPÓXIDOS FIGURA 42 – CLIVAGEM ÁCIDA DO ÁCIDO 2-ETOXIPROPANOICO FONTE: A autora FONTE: A autora A clivagem ácida de éteres segue um mecanismo de substituição nucleofílica, que pode ser SN2 ou SN1, dependendo das características do éter. Assim, os éteres cujos grupos substituintes R ou R’ são primários ou secundários sofrem clivagem seguindo um mecanismo SN2. Como exemplificado na figura a seguir, que mostra a clivagem do éter etílico e isopropílico pelo HI. FIGURA 43 – CLIVAGEM ÁCIDA DO ÉTER ETÍLICO E ISOPROPÍLICO Como mostrado na figura, a clivagem se inicia com a abstração do íon H+ do HI pelo átomo de oxigênio do éter, fazendo com que seja formado um produto protonado (um produto ao qual está ligado um H+). Com isso, o iodeto ataca o éter protonado na região menos impedida, ou seja, menos ramificada, fazendo com que a ligação entre o grupo alquila menos impedido (no caso o grupo etila) e o átomo de oxigênio se quebre, formando um haleto de alquila e um álcool. Nesses casos, em que os grupos substituintes R e R’ do éter são um primário e o outro secundário, há sempre a formação de um haleto de alquila primário e de um álcool secundário. Nos casos em que ambos os substituintes R ou R’ são primários há a formação de um haleto de alquila primário e de um álcool primário; do mesmo modo, se ambos os substituintes R ou R’ são secundários, ambos os produtos serão secundários. TÓPICO 3 | ÉTERES E EPÓXIDOS 67 FONTE: A autora Já quando ao menos um dos grupos substituintes R ou R’ é terciário ou benzílico, a clivagem ácida se processa via um mecanismo SN1, pois tais compostos geram carbocátions terciários bastante estáveis. Esse é o caso da reação entre o éter tert-butílico e propílico com o HBr, mostrada a seguir, em que o haleto de alquila formado vem da fração do carbono terciário (mais impedido) e o álcool da fração do carbono primário (menos impedido). FIGURA 44 – CLIVAGEM ÁCIDA DO TERC-BUTÍLICO E PROPÍLICO EXEMPLO Preveja o produto da seguinte reação: O + HBr ? RESPOSTA O primeiro passo é identificar o caráter dos carbonos ligados ao oxigênio do grupo éter. Assim, vemos que o carbono à esquerda do átomo de oxigênio é um carbono terciário, pois está ligado a três outros carbonos, enquanto que o mais à direita é um carbono primário, pois está ligado a apenas um átomo de carbono, como mostrado a seguir: O Carbono terciário Carbono primário 68 UNIDADE 1 | HALETOS DE ALQUILA, REAÇÕES DE SUBSTITUIÇÃO E DE ELIMINAÇÃO E ÉTERES E EPÓXIDOS Desse modo, essa reação pode se processar via um mecanismo SN1, pois a quebra na ligação à direita do átomo de oxigênio vai levar à formação de um carbocátion terciário, bastante estável. Assim, quando temos um éter no qual um dos dois carbonos ligados ao átomo de oxigênio é terciário, temos que a reação irá formar um haleto de alquila terciário (proveniente da fração do carbono terciário, mais impedido) e um álcool primário (vindo da fração do carbono primário, menos impedido). O Br Quebra acontece aqui HO CH3+ Haleto de alquila terciário Álcool primário 2.4.2 Rearranjo de Claisen As reações de rearranjo são aquelas em que um único reagente origina um único produto pelo rearranjo de um átomo ou um grupo, ou seja, o reagente tem alguma das suas ligações reorganizada para formar um novo produto. Desse modo, o reagente (o composto antes de se rearranjar) e o produto (o composto rearranjado) são isômeros. O rearranjo de Claisen é uma reação característica apenas dos éteres contendo um grupo arila e um grupo alila, tendo, portanto, a seguinte fórmula geral: Ar–O– CH2CH=CH2–R (na qual o símbolo Ar indica o grupo arila e R um grupo alquila). É importante saber que um grupo arila (também chamado de substituinte arila) é um derivado de um anel aromático, como o fenil e o benzil; já um grupo alila é formado por um grupo vinila (–CH2=CH2), ligado a um grupo –CH2R, como o propenil. As estruturas do fenil, do benzil e do propenil são mostradas a seguir. FIGURA 45 – EXEMPLOS DE GRUPO ARILA E ALILA FONTE: A autora TÓPICO 3 | ÉTERES E EPÓXIDOS 69 FONTE: A autora O rearranjo de Claisen ocorre tipicamente quando um éter arila alilia é aquecido (por volta de 250 °C). Esse rearranjo ocorre devido à conformação do composto, que possibilita que a ligação dupla C=C do grupo alila se aproxime do anel benzênico (do grupo arila), fazendo com que haja uma transferência de elétrons e formando um estado de transição, no qual fecha-se um anel de seis membros devido às interações entre os elétrons do anel benzílico e da dupla ligação. Com isso, a ligação se quebra na região do átomo de oxigênio, fazendo com que esse anel do estado de transição se abra, formando um intermediário (o qual é caracterizado por apresentar uma ligação C=O). De modo a tornar o composto mais estável, há uma nova reorganização entre os átomos do intermediário, gerando o produto final, um alilfenol, ou seja, um fenol ligado a um grupo alila. A seguir tem-se um exemplo de uma reação de rearranjo de Claisen, na qual o alil fenil éter, ao ser aquecido, origina o ortoalilifenol. FIGURA 46 – REARRANJO DE CLAISEN Assim, é importante salientar que um rearranjo de Claisen parte de um éter arila alilia (reagente) e chega em um o alilifenol (produto). 3 EPÓXIDOS Os epóxidos são caracterizados por um anel formado por apenas três átomos: um de oxigênio e dois de carbono. De fato, os epóxidos são éteres cíclicos, mas por apresentarem alta reatividade, eles são consideradosuma classe especial dentro dos éteres. Isso porque mesmo os éteres cíclicos de cinco ou seis membros são pouco reativos, assim como os éteres alifáticos. Um indício disso é que o dioxano (anel de seis membros) e o THF (anel de cinco membros) são comumente utilizados como solventes devido, justamente, às suas baixas reatividades químicas. Os epóxidos, por sua vez, devido à alta tensão no anel de três membros, acabam reagindo muito mais facilmente do que os outros tipos de éteres. Como exemplos de epóxidos, podemos citar o 1,2-epoxietano e o 1,2-epoxipropano. Observando os mapas de potencial eletroestático para esses compostos, repare que, assim como os outros éteres, existe uma região rica em elétrons em torno do átomo de oxigênio. 70 UNIDADE 1 | HALETOS DE ALQUILA, REAÇÕES DE SUBSTITUIÇÃO E DE ELIMINAÇÃO E ÉTERES E EPÓXIDOS FIGURA 47 – ESTRUTURAS E MAPA DE POTENCIAL ELETROESTÁTICO PARA O 1,2-EPOXIETANO E O 1,2-EPOXIPROPANO FONTE: A autora É interessante saber que os epóxidos mais simples são geralmente denominados pelo seu nome comum, que é derivado do nome do alceno correspondente precedido do termo “óxido”. Assim, o 1,2-epoxietano é o epóxido correspondente do eteno (ou etileno), pois é formado também por dois átomos de carbono e pode ser obtido a partir do eteno com a adição de um oxigênio, sendo seu nome comum óxido de etileno. O mesmo vale para o 1,2-epoxipropano, comumente chamado de óxido de propileno. O modo sistemático de nomear os epóxidos é tratá-los como um alceno, identificando a cadeia principal como a cadeia carbônica mais longa e colocando o prefixo “epóxi” antes do que seria o nome do alceno. O átomo de oxigênio é visto, portanto, como um substituinte, e sua posição é indicada identificando os dois carbonos aos quais ele está ligado. Assim, o 1,2-epoxietano é denominado assim porque ele é formado por dois carbonos, sendo chamado de epoxietano, e o átomo de oxigênio está ligado aos dois átomos de carbono (posições 1 e 2). Veja na figura mais exemplos, para ficar mais claro. TÓPICO 3 | ÉTERES E EPÓXIDOS 71 FONTE: A autora FONTE: A autora FIGURA 48 – NOMENCLATURA DE EPÓXIDOS 3.1 SÍNTESE DE EPÓXIDOS Os epóxidos mais simples podem ser preparados por meio da reação (conduzida a altas temperaturas) entre um alceno e o gás oxigênio. Epóxidos mais complexos podem ser produzidos pela reação de um alceno com um peroxiácido, que são compostos de fórmula geral RCO3H que são capazes de transferir o seu átomo de oxigênio da hidroxila ao alceno, quebrando a ligação dupla e formando o anel de três membros típicos dos epóxidos. A seguir são mostrados exemplos dessas reações: a reação entre o etileno e o gás oxigênio para a formação do 1,2-epoxietano e a reação entre o ciclohepteno e o ácido meta-cloroperoxibenzoico para a produção do 1,2-epoxicicloheptano. FIGURA 49 – EXEMPLOS DE COMO OS EPÓXIDOS PODEM SER SINTETIZADOS 3.2 REAÇÕES DE EPÓXIDOS Os epóxidos também podem sofrer clivagem catalisada por ácidos, assim como os éteres. No entanto, devido à presença do anel de três membros, bastante reativo, a clivagem ácida dos epóxidos ocorre em condições reacionais mais brandas, assim, não é necessário usar ácidos muito fortes (como o HBr ou HI), uma vez que a reação se processa mesmo em meio ácido bastante diluído. Essas reações de clivagem ácida de epóxidos levam à quebra de uma das ligações entre 72 UNIDADE 1 | HALETOS DE ALQUILA, REAÇÕES DE SUBSTITUIÇÃO E DE ELIMINAÇÃO E ÉTERES E EPÓXIDOS o átomo de oxigênio e o carbono do anel, fazendo com que o elo se abra (assim, essa reação é considerada como uma reação de abertura do anel). Vale ressaltar que as reações de abertura de anel de epóxidos utilizando soluções ácidas diluídas levam à formação de 1,2-diols (compostos contendo dois grupos hidroxila ligados a átomos de carbono vicinais, ou seja, átomos de carbono ligados entre si), como é o caso da reação entre o 1,2-epoxietano que se processa em um meio ácido diluído para a formação do 1,2-etanodiol (comumente chamado de etileno glicol). FIGURA 50 – REAÇÃO DO 1,2-EPOXIETANO EM MEIO ÁCIDO PARA A FORMAÇÃO DO 1,2-ETANODIOL FONTE: A autora FONTE: A autora Observando a figura, podemos perceber que a abertura do anel do epóxido se processa pelo ataque do nucleófilo (de um par isolado do átomo de oxigênio) ao H+ (o eletrófilo proveniente do meio ácido diluído), formando uma ligação OH deficiente de elétrons, ou seja, positiva. Assim, em uma segunda etapa, um par de elétrons da água ataca um átomo de carbono adjacente à ligação positiva O–H, fazendo com que a ligação C–O se quebre (abrindo o anel), gerando uma nova ligação OH estável e uma ligação C–OH2+. Por fim, um hidrogênio é abstraído da ligação C–OH2+ pelo ataque nucleofílico do oxigênio da água, gerando uma segunda ligação OH estável e, consequentemente, o diol. Quando os epóxidos reagem com ácidos fortes, o HBr e o HI, formam uma haloidrina, que são compostos que contêm uma ligação C–OH e uma C–X ligadas a carbonos adjacentes. Um exemplo é a reação do 1,2-epoxietano com o HBr. FIGURA 51 – REAÇÃO DO 1,2-EPOXIETANO COM O HBR PARA FORMAÇÃO DO 2-BROMOETANOL TÓPICO 3 | ÉTERES E EPÓXIDOS 73 FONTE: A autora Na figura podemos observar que na primeira etapa da reação há um ataque nucleofílico do par de elétrons isolados do oxigênio ao H+ proveniente do HBr, formando uma ligação positiva O–H. Em seguida, o brometo ataca o carbono adjacente a essa ligação, fazendo com que o anel se abra, formando uma ligação C–OH e outra C–Br em carbonos adjacentes, originando como produto o 2-bromoetanol. O mecanismo das reações de clivagem ácida dos epóxidos é relativamente complicado, mas, basicamente, podemos dizer que os epóxidos primários e/ou secundários, assim como para os éteres, ocorre via um mecanismo semelhante ao SN2, enquanto que a de epóxidos que contêm um grupo terciário ocorre via um mecanismo semelhante ao SN1. Um aspecto importante dos epóxidos é que, diferentemente dos éteres, eles podem ser clivados também em meio básico, seguindo um mecanismo SN2. A seguir é mostrada a reação entre o 1,2-epoxipropano em meio catalisado por base (indicado pela presença do íon OH-). FIGURA 52 – REAÇÃO EM MEIO BÁSICO DO 1,2-EPOXIPROPANO PARA A FORMAÇÃO DO 1,1-PROPANODIOL Devido à tensão no anel de três membros, os epóxidos podem sofrer abertura do anel sem haver uma protonação prévia (o que é necessário para os éteres comuns, cuja reação de clivagem catalisada por ácidos se inicia, justamente, pelo ataque nucleofílico do oxigênio ao íon H+ formando o intermediário protonado). Assim, como observado na figura, o íon OH- ataca um átomo de carbono, o que inicia a quebra da ligação C –O para a abertura do anel e origina o intermediário com uma carga negativa sobre o átomo de carbono. Em seguida, o carbono negativo ataca um H+ presente no meio e forma o produto, um diol. Vale ressaltar que o ataque nucleofílico da base ocorre no carbono menos substituído (o primário no caso do 1,2-epoxipropano), pois ele está mais livre (menos impedido estericamente), o que é característico das reações SN2. 74 UNIDADE 1 | HALETOS DE ALQUILA, REAÇÕES DE SUBSTITUIÇÃO E DE ELIMINAÇÃO E ÉTERES E EPÓXIDOS RESINAS EPÓXI E ADESIVOS John McMurry Poucas pessoas leigas em química sabem exatamente o signifi cado de um epóxido, porém praticamente todas utilizam uma “cola epóxi” para reparos caseiros ou uma resina epóxi como cobertura protetora. Em todo o mundo, anualmente, se gasta um valor de aproximadamente 15 bilhões de dólares em resinas epóxi em um grande número de aplicações de adesivos e revestimentos, incluindo muitos usos na indústria aeroespacial. Grande parte do novo Boeing 787 Dreamliner, por exemplo, se mantém unido com adesivos de base epóxi. As resinas epóxi e os adesivos geralmente consistem em dois componentes que devem ser misturados pouco antes de serem aplicados no local. Um dos componentes é um “pré-polímero” líquido e o segundo um “agente de cura” quereage com esse pré-polímero causando sua solidifi cação. As resinas epóxi e os adesivos mais largamente utilizados são baseados em um pré-polímero feito do bisfenol A e da epicloroidrina. No tratamento com base em condições cuidadosamente controladas, o bisfenol A é convertido em seu ânion, que age como um nucleófi lo em uma reação SN2 com a epicloroidrina. Cada molécula de epicloroidrina pode reagir com duas moléculas de bisfenol A, uma vez por deslocamento SN2 do íon cloreto e uma vez pela abertura do anel do epóxido. Ao mesmo tempo, cada bisfenol A pode reagir com duas epicloroidrinas, levando a uma cadeia polimérica longa. Cada extremidade de uma cadeia de pré-polímero tem um grupo epóxi não reativo, e cada cadeia tem numerosos grupos de álcoois secundários separados regularmente ao longo de sua parte do meio. Quando o epóxido está para ser usado, um agente de cura básico como uma amina terciária, R3N, é adicionado fazendo com que as cadeias do pré-polímero se liguem umas às outras. Essa “união cruzada” das cadeias é simplesmente uma reação de abertura do anel do epóxido catalisada por base de um grupo –OH situado no meio de uma cadeia com um grupo epóxido da extremidade de outra cadeia. O resultado dessa união cruzada é a formação de um vasto entrelaçamento tridimensional que possui altíssima resistência à deformação e resistência química. TÓPICO 3 | ÉTERES E EPÓXIDOS 75 FONTE: MCMURRY, John. Capítulo 18: Éteres e epóxios; tióis e sulfetos. In: Química Orgânica. São Paulo: Cengage Learning, 2012, p. 653-654. 3.3 ÉTERES COROA Os éteres coroa são uma classe especial dentro do grupo funcional dos éteres. Eles foram descobertos na década de 1960 por Charles John Pedersen (químico sul-coreano/norueguês/americano, 1904-1989) e têm a especifi cidade de serem estruturas cíclicas que possuem várias junções éteres. A seguir são mostrados os éteres [12]-coroa-4, [15]-coroa-5 e [18]-coroa-8. FIGURA 53 – EXEMPLOS DE ÉTERES COROA FONTE: A autora É interessante saber que os éteres coroa são nomeados genericamente como [X]-coroa-Y, em que X se refere ao número total de átomos no anel e Y ao número de átomos de oxigênio. Assim, o éter [12]-coroa-4 é formado por 12 átomos no total, sendo quatro de oxigênio. éter[18]-coroa-6éter[15]-coroa-5éter[12]-coroa-4 O O O O O O O O OO O O OO O 76 UNIDADE 1 | HALETOS DE ALQUILA, REAÇÕES DE SUBSTITUIÇÃO E DE ELIMINAÇÃO E ÉTERES E EPÓXIDOS Um aspecto bastante importante dos éteres coroa é que eles podem solvatar íons metálicos, ou seja, manter o íon metálico no seu centro sem reagir com eles (devido, justamente, à estabilidade química típica dos éteres), o que tem se mostrado uma alternativa bastante válida para promover diferentes reações (isso porque essa solvatação do íon pelo éter coroa pode fazer com que esse íon, antes insolúvel em um meio reacional, passe a ser solúvel nessa condição de solvatado) – nesses sistemas é como que se o éter coroa agisse como um hospede/hospedeiro e o íon metálico como o hospedeiro. Vale dizer que os éteres coroa são específicos para cada tipo de íon, uma vez que íons de diferentes elementos químicos possuem diâmetros diferentes, assim como as cavidades dos diferentes éteres coroas são distintas. Por exemplo, o Li+ é um íon relativamente pequeno que se liga facilmente ao éter [12]-coroa-4, cuja cavidade é menor e acomoda bem esse íon. Por outro lado, o [15]-coroa-5 é usado para solvatar o Na+ e o [18]-coroa-8 o K+. TÓPICO 3 | ÉTERES E EPÓXIDOS 77 LEITURA COMPLEMENTAR QUAL É O PROPÓSITO DA CIÊNCIA? Luiz Davidovich Uma teoria com beleza matemática é mais provável de ser correta do que uma teoria feia que concorde com alguns dados experimentais (Paul Dirac, 1902-1984) No início do século 20, um grupo de jovens provoca uma revolução na ciência, ao formular uma teoria que se afasta radicalmente dos conceitos clássicos: a física quântica. Surge então uma nova visão da natureza: a luz comporta-se ora como ondas, ora como se fosse constituída de corpúsculos; átomos e elétrons poderiam também ter comportamento típico de ondas. O primeiro vislumbre aparece com os trabalhos de Max Planck, em 1900; e de Albert Einstein, em 1905. Os jovens responsáveis por essa reviravolta conceitual não tinham nenhuma ideia sobre possíveis aplicações dessa nova física: movia-os a curiosidade e a paixão pelo conhecimento. Cem anos depois dos trabalhos de Planck, um artigo publicado na revista "Scientific American" pelos físicos norte-americanos Max Tegmark e John Archibald Wheeler mostrava que, no ano 2000, cerca de 30% do Produto Interno Bruto (PIB) norte-americano era baseado em invenções tornadas possíveis pela física quântica, de semicondutores em chips de computadores a lasers em reprodutores de CDs e DVDs, aparelhos de ressonância magnética em hospitais, e muito mais. A história é rica em exemplos de descobertas em ciência básica, movidas pela curiosidade, que acabaram provocando grandes transformações no quotidiano da humanidade. Assim foi com a eletricidade, explorada em experimentos pelo grande físico britânico Michael Faraday. Foi ele quem descobriu, em 1831, que uma corrente elétrica era produzida em um fio de cobre, ao movê-lo em um campo magnético — descoberta que deu origem aos geradores de energia elétrica. Questionado pelo então Ministro das Finanças britânico, Sir William Gladstone, sobre a utilidade do efeito que acabara de descobrir, Faraday responde: "Há uma alta probabilidade, Sir, de que em breve o senhor poderá taxá-la”. Também no Brasil, a ciência teve um retorno fantástico: aumentou enormemente a eficiência da agricultura, tornou possível a extração de petróleo do pré-sal — hoje mais que 50% da produção brasileira —, permitiu o enfrentamento de epidemias emergentes, o enriquecimento de urânio para centrais nucleares e o aparecimento de diversas empresas de alta tecnologia com protagonismo internacional. Hoje em dia, a velocidade crescente do avanço científico e tecnológico diminui a distância entre descobertas de ciência básica e suas aplicações. Por isso mesmo, em 2012, em meio à crise global que afeta a taxa de crescimento de sua economia, a China aumenta em 26% os recursos para pesquisa básica. A União Europeia planeja alcançar, no ano 2020, 3% do PIB em pesquisa e UNIDADE 1 | HALETOS DE ALQUILA, REAÇÕES DE SUBSTITUIÇÃO E DE ELIMINAÇÃO E ÉTERES E EPÓXIDOS 78 desenvolvimento. Coreia do Sul e Israel já ultrapassam os 4% do PIB. Enquanto isso, o financiamento à pesquisa no Brasil está estagnado, em torno de 1% do PIB, o que ameaça as conquistas já alcançadas e mina o desenvolvimento econômico e social do país. A ciência não deve ser justificada apenas em função de suas possíveis aplicações. Se assim fosse, como entender o entusiasmo em torno do anúncio, em 2016, da detecção de ondas gravitacionais produzidas por uma colisão de buracos negros, ocorrida há mais de um bilhão de anos, motivo de manchetes de jornais em todo o mundo e do Prêmio Nobel de Física em 2017? Como entender a fascinação provocada pela descoberta de um novo elo na evolução da espécie humana? A curiosidade está inscrita no DNA humano. Trata-se de buscar respostas para questões fundamentais: quem somos, de onde viemos, qual o nosso lugar no Universo. A busca pelo desvelamento dos enigmas da natureza está intimamente ligada ao senso de beleza, que justifica a frase do grande físico Paul Dirac e é fundamental para o propósito humano. Einstein dizia que “A coisa mais bela que podemos experimentar é o misterioso. Essa é a fonte de toda verdadeira arte e toda a ciência. Aquele para quem essa emoção é estranha, aquele que não pode mais fazer uma pausa para refletir e ficar absorto em admiração, está praticamente morto: seus olhos estão fechados”. Einstein dizia também que “o eterno mistério do mundo é sua compreensibilidade”. Está aí talvez o grande enigma da ciência, aquele que une de forma indissolúvel o Universo com aqueles que o observam:através da ciência, o Universo é descrito por uma parte sua, a chamada “vida inteligente”, que obsessivamente procura entender os mistérios do mundo em que vive e as respostas para sua própria existência. Quem é Luiz Davidovich? Com graduação em Física pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (1968) e doutorado em Física pela Universidade de Rochester (1975), nos Estados Unidos, a ênfase de suas pesquisas está nos campos da óptica quântica e informação quântica, com foco nos temas: emaranhamento quântico, descoerência, dispositivos para computação quântica, reconstrução de estados quânticos, teoria do laser, metrologia quântica. Entre seus prêmios recebidos, destacam-se a Grã-Cruz da Ordem Nacional do Mérito Científico (2000) e o Prêmio TWAS de Física em 2001. Na Presidência da Academia Brasileira de Ciências (2016), deu início ao Projeto Ciência para o Brasil, com a finalidade de elaborar propostas para o fortalecimento de setores estratégicos para o desenvolvimento do país. Além de fazer parte da ABC, é membro da Academia TÓPICO 3 | ÉTERES E EPÓXIDOS 79 Mundial de Ciências (TWAS, na sigla em inglês) e da Academia Nacional de Ciências (NAS, na sigla em inglês) dos EUA. Sobre a ciência, Davidovich afirma: “É preciso defender o desenvolvimento científico e tecnológico, ingrediente fundamental do progresso no mundo contemporâneo”. Liderança brasileira no que diz respeito à luta pelo crescimento da ciência brasileira em prol da sociedade, Davidovich ressalta que países desenvolvidos, como EUA, Coreia do Sul e Suécia, reconhecem que, em tempos de crise, há a necessidade de aumentar os investimentos na área de pesquisa e desenvolvimento, e não o oposto, e que “o mais importante é manter a paixão e a curiosidade sempre vivas em suas carreiras", completa. FONTE: <https://blogs.oglobo.globo.com/ciencia-matematica/post/qual-o-proposito-da-ciencia. html>. Acesso em: 9 out. 2018. https://blogs.oglobo.globo.com/ciencia-matematica/post/qual-o-proposito-da-ciencia.html https://blogs.oglobo.globo.com/ciencia-matematica/post/qual-o-proposito-da-ciencia.html 80 RESUMO DO TÓPICO 3 Neste tópico, você aprendeu que: • Os éteres são compostos que possuem dois grupos orgânicos (R e R’) ligados a um mesmo átomo de oxigênio, tendo, portanto, a fórmula geral R–O–R’. • Os éteres são preparados principalmente por meio da síntese de Williamson, que ocorre por uma reação SN2 entre um íon alcóxido e um haleto de alquila primário. • Os éteres são considerados moléculas orgânicas relativamente estáveis, mas podem sofrer clivagem se tratados com ácidos fortes, como os com haletos ácidos (HBr, HCl e HI). • A clivagem ácida ocorre por um mecanismo SN2 se os grupos R e R’ do éter forem grupos alquila primários ou secundários; por outro lado, se um dos grupos R e R’ for um grupo alquila terciário, a reação se processa em condições SN1/E1. • Os éteres alílicos e fenílicos podem sofrer rearranjo de Claisen, originando um ortoalifenol. • Os epóxidos são uma classe especial dentro dos éteres, caracterizados por serem formados por anéis de três membros, dos quais o oxigênio faz parte. • Devido à tensão do anel, os epóxidos são moléculas bastante reativas e sofrem reação de abertura de anel tanto em meio ácido quanto básico. • Os éteres coroa são estruturas cíclicas que possuem várias junções éter. 81 AUTOATIVIDADE 1 Dê o nome de cada um dos compostos abaixo: O CHCH3H3CHC CH3 CH3A) B) O CH2CH2CH3 2 Qual a estrutura dos seguintes éteres: a) éter etílico e 1-etilpropílico b) Éter di(para-clorofenílico) 3 Preveja os produtos das seguintes reações: CH3CH2CH O CH3 CH2CH3 + HI ? A) + HBr ? B) O CH2CHCH3 CH3 b) b) c) d) a) a) 82 83 UNIDADE 2 ÁLCOOIS E FENÓIS OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM PLANO DE ESTUDOS A partir dos estudos desta unidade, você será capaz de: • entender os conceitos fundamentais que regem a química dos álcoois e fenóis; • saber como nomear corretamente os álcoois e fenóis; • saber as principais rotas de síntese e reações dos álcoois e fenóis; • entender os principais conceitos relacionados às reações aromáticas de substituição eletrofílica; • compreender o papel dos substituintes em compostos aromáticos monossubstituídos nas reações aromáticas de substituição eletrofílica; • entender os conceitos fundamentais que regem a química das aminas; • saber como nomear corretamente as aminas; • compreender as reações típicas das aminas. Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer da unidade você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado. TÓPICO 1 – ÁLCOOIS E FENÓIS TÓPICO 2 – REAÇÕES DE COMPOSTOS AROMÁTICOS TÓPICO 3 – AMINAS 84 85 TÓPICO 1 ÁLCOOIS E FENÓIS UNIDADE 2 1 INTRODUÇÃO Na disciplina de Química Orgânica I, começamos nossos estudos referentes aos grupos funcionais orgânicos, iniciando com a discussão dos hidrocarbonetos (alcanos, alcenos e alcinos), caracterizados por apresentarem apenas átomos de carbono e de hidrogênio em sua composição. Para tanto, estudamos as estruturas desses grupos funcionais, assim como a química atrelada a eles. Em seguida, já na Unidade 1 desse livro, iniciamos nossos estudos sobre os grupos funcionais formados por elementos químicos além do carbono e do hidrogênio ao estudarmos os haletos de alquila, compostos orgânicos caracterizados por apresentarem ao menos uma ligação química entre um carbono e um halogênio. Vimos que essa ligação carbono-halogênio é uma ligação polar (devido à diferença de eletronegatividade entre esses átomos), assim, diferentemente dos hidrocarbonetos, que reagem por mecanismos de adição, aprendemos que os haletos de alquila tendem a reagir por mecanismos de substituição eletrofílica ou eliminação. Em suma, na Unidade 1, discutimos as reações de substituição eletrofílica bimolecular (SN2) e unimolecular (SN1) para os haletos de alquila. No entanto, como moléculas orgânicas que contêm um átomo ou grupo mais eletronegativo que o carbono tendem a reagir por mecanismos de reação de substituição eletrofílica. Nesta Unidade 2, ampliaremos o entendimento sobre esses mecanismos de reação estudando-os pelo ponto de vista da química dos álcoois e fenóis. Além disso, aprenderemos sobre as regras de nomenclatura para esses compostos, assim como aspectos referentes a sua estrutura e propriedades. UNIDADE 2 | ÁLCOOIS E FENÓIS 86 2 ÁLCOOIS E FENÓIS Os álcoois são compostos orgânicos que possuem ao menos um grupo hidroxila ligado a um átomo de carbono com hibridização sp3, tendo como fórmula geral R–OH. Os fenóis são os compostos que apresentam essa hidroxila ligada a um carbono de um anel aromático especificamente, assim, sua fórmula geral pode ser definida como Ar–OH (aqui o símbolo Ar se refere a um grupo aromático, não confunda com o símbolo químico do argônio!). Dentre os álcoois de maior importância comercial estão justamente os dois mais simples: o metanol e o etanol. O metanol foi inicialmente obtido por meio da destilação da madeira, em um processo que data do século XVII, o que fez com que ele seja chamado também de álcool de madeira, porém hoje o metanol é produzido principalmente pela reação de redução do monóxido de carbono com o gás hidrogênio. Atualmente, o metanol é bastante utilizado como matéria- prima para a obtenção do formaldeído (um composto de grande importância para a produção de resinas fenólicas, por exemplo) e do ácido acético, assim como em solventes em tintas e vernizes. O etanol é o álcool mais utilizado, sendo, por isso, chamado comumente simplesmente de álcool. Ele é obtido essencialmente por meio da fermentação alcoólica da sacarose (um carboidrato, que contém grupos alcoólicos por si só, presente em uma infinidade de plantas, como a cana- de-açúcar, o milho e a cevada), sendo purificado por técnicas de destilação. O etanol é usado como combustível, como solvente para tintas e perfumes, como matéria-primapara a síntese do acetaldeído ou do éter e também como agente desinfetante e de higienização. O metanol é um composto cuja ingestão, mesmo de pequenas quantidades, pode levar à cegueira ou mesmo à morte. Ele por si só não é considerado tóxico para o ser humano, mas o aldeído fórmico e o ácido fórmico, produzidos a partir da metabolização do metanol pela enzima álcool-desidrogenase hepática, são extremante tóxicos e responsáveis pelos problemas causados ao organismo. Em 1999, 35 pessoas acabaram morrendo devido à ingestão de cachaça contaminada com metanol; de acordo com as análises feitas pelo Departamento de Polícia Técnica de Salvador/BA, essas cachaças continham até 24% de metanol, valor extremamente alto, que indica que esse produto estava contaminado, uma vez que a produção da cachaça é feita a partir da fermentação alcoólica da cana-de-açúcar, gerando o etanol como produto. UNI TÓPICO 1 | ÁLCOOIS E FENÓIS 87 O Programa Nacional do Álcool (Proálcool) foi um programa lançado pelo Governo Federal do Brasil na década de 1970 em resposta à crise do petróleo e tem como intuito fomentar a pesquisa no uso do etanol como fonte de combustível. Para saber mais, acesse o livro “Proálcool - Universidades e Empresas: 40 Anos de Ciência e Tecnologia para o Etanol Brasileiro”, editado por Luiz Augusto Barbosa Cortez, disponível em: <https:// openaccess.blucher.com.br/article-list/proalcool-universidades-e-empresas-40-anos-de- ciencia-e-tecnologia-para-o-etanol-brasileiro-310/list#articles>. Acesso em: 22 set. 2018. UNI Outros álcoois de importância são o glicerol, um triálcool (ou seja, um composto que contém três hidroxilas ligadas a carbonos com hibridização sp3) extraído de óleos e gorduras vegetais e animais e utilizado como umectante (retardando a cristalização) em cosméticos e doces, por exemplo; o sorbitol, também um poliálcool, extraído de diversas frutas, como a maçã e a ameixa, utilizado para a produção de dentifrícios e como agentes plastificantes de polímeros (para aumentar a flexibilidade), além de, por ter cerca de metade do poder adoçante da sacarose, ser usado em formulações de produtos “sem açúcar”. Como exemplos de fenóis podemos citar o mais simples deles, que é um benzeno substituído apenas por um grupo hidroxila, chamado de hidroxibenzeno ou, simplesmente, de fenol. Ele é obtido a partir da destilação do alcatrão da hulha (obtido a partir do carvão mineral, sendo constituído por uma mistura complexa de compostos aromáticos) e é usado como desinfetante e como matéria-prima para a produção de polímeros e de fármacos. Os cresóis (isômeros orto, meta e para de um fenol contendo um grupo metila como substituinte do anel aromático), chamados comumente de creolina, são encontrados na madeira, no tabaco, no alcatrão da hulha e no petróleo, sendo usados para desinfetante e inseticida, mas também como solvente. Na Figura 1 são mostradas as estruturas químicas dos álcoois e fenóis discutidos nesse texto. https://openaccess.blucher.com.br/article-list/proalcool-universidades-e-empresas-40-anos-de-ciencia-e-tecnologia-para-o-etanol-brasileiro-310/list#articles https://openaccess.blucher.com.br/article-list/proalcool-universidades-e-empresas-40-anos-de-ciencia-e-tecnologia-para-o-etanol-brasileiro-310/list#articles https://openaccess.blucher.com.br/article-list/proalcool-universidades-e-empresas-40-anos-de-ciencia-e-tecnologia-para-o-etanol-brasileiro-310/list#articles UNIDADE 2 | ÁLCOOIS E FENÓIS 88 FIGURA 1 – ESTRUTURA DE ALGUNS ÁLCOOIS E FENÓIS FONTE: A autora 2.1 ESTRUTURA E PROPRIEDADES DOS ÁLCOOIS E FENÓIS Como definido, os álcoois e fenóis são caracterizados por apresentarem uma hidroxila ligada a um átomo de carbono com hibridização sp3. Assim, podemos definir que os álcoois e fenóis são compostos polares, devido justamente à presença do átomo de oxigênio (mais eletronegativo que os átomos de carbono e de hidrogênio) nas suas estruturas. Como podemos observar na Figura 2, que traz os mapas de potencial eletroestático do etanol e do fenol, a região sobre o átomo de oxigênio é rica em elétrons (tendo uma carga parcial negativa e representada pela região avermelhada no mapa de potencial eletroestático), enquanto que a região sobre o átomo de hidrogênio da hidroxila é pobre em elétrons (carga parcial negativa, representada pela região azulada). TÓPICO 1 | ÁLCOOIS E FENÓIS 89 FONTE: A autora FIGURA 2 – ESTRUTURA E MAPAS DE POTENCIAL ELETROESTÁTICO PARA O ETANOL E O FENOL Além disso, devido aos grupos hidroxilas, que são caracterizados por terem um átomo de hidrogênio ligado ao átomo de oxigênio, que é muito eletronegativo, os álcoois e fenóis interagem entre si por ligações de hidrogênio, que são interações intermoleculares em que o átomo de hidrogênio com carga parcial positiva de uma molécula é atraído pelo par de elétrons do átomo de oxigênio presente em outra molécula. O esquema para a interação por ligação de hidrogênio entre as moléculas do etanol é mostrado na Figura 3 (as ligações tracejadas representam as ligações de hidrogênio). UNIDADE 2 | ÁLCOOIS E FENÓIS 90 FIGURA 3 – ESQUEMA PARA A FORMAÇÃO DE LIGAÇÕES DE HIDROGÊNIO ENTRE MOLÉCULAS DE ETANOL O OO O δ- δ- δ- δ-δ+ δ+ δ+ δ+ H H H H CH3 CH3 CH3 CH3 FONTE: A autora Como vimos anteriormente, esse tipo de interação intermolecular é bastante forte e, por isso, os álcoois e fenóis têm pontos de ebulição bastante altos. Podemos perceber isso comparando os pontos de ebulição de moléculas com diferentes grupos funcionais, mas com massa molar semelhante. Por exemplo, o propano tem ponto de ebulição a -42 °C, o éter dimetílico a -24 °C e o etanol a 78 °C. Essa diferença significativa é resultado, justamente, da força das interações intermoleculares entre cada um desses grupos de moléculas: os alcanos interagem por forças de dispersão, por serem moléculas de caráter apolar; já os éteres, por possuírem um átomo de oxigênio eletronegativo, são moléculas polares, tendo a capacidade de interagir por interações de dipolo-dipolo (mais fortes do que as de dispersão); por fim, os álcoois, por possuírem um átomo de hidrogênio ligado a um oxigênio, podem formar ligações de hidrogênio, que são consideravelmente mais fortes que os outros tipos de ligações intermoleculares. Na Tabela 1 são mostrados outros valores comparativos de pontos de ebulição de diferentes grupos de moléculas. TABELA 1 – COMPARATIVO ENTRE OS PONTOS DE EBULIÇÃO DOS ÁLCOOIS E ALCANOS CORRESPONDENTES Álcool Ponto de ebulição Alcano Ponto de ebulição CH3OH 65 °C CH3CH3 -89 °C CH3CH2OH 78 °C CH3CH2CH3 -45 °C CH3CH2CH2OH 97 °C CH3CH2CH2CH3 -0,5 °C CH3CH2CH2CH2OH 117 °C CH3CH2CH2CH2CH3 36 °C FONTE: Bruice (2001) Para relembrar os tipos de interações intermoleculares, volte à Unidade 1 do livro de Química Orgânica I. UNI TÓPICO 1 | ÁLCOOIS E FENÓIS 91 EXEMPLO Qual ou quais das moléculas a seguir podem formar ligação de hidrogênio entre si? a) CH3CH2CH2OH b) CH3CH2CH2Br c) CH3CH2CH2SH Resposta: Primeiramente, é preciso relembrar que, por definição, uma ligação de hidrogênio é formada quando um átomo de hidrogênio ligado a um átomo de oxigênio, nitrogênio ou flúor de uma molécula interage com o par de elétrons livres do oxigênio, do nitrogênio ou do flúor de outra molécula. Analisando as estruturas das moléculas da questão, vemos que: a) O 1-propanol tem uma hidroxila, podendo então interagir por ligação de hidrogênio, como esquematizado: b) o 1-bromopropano não apresenta hidrogênio algum ligado a um átomo de oxigênio, nitrogênio ou flúor, caráter bastante eletronegativo e com pares de elétrons isolados; dessa forma, essas moléculas não interagem entre si por ligação de hidrogênio. c) o 1-propanotiol também não forma ligações de hidrogênio, pois nessa molécula há átomos de hidrogênio ligados apenas a átomos de carbono ou enxofre, que são elementos com eletronegatividade relativamente próxima à do hidrogênio. Uma outra propriedade importante a se considerarsobre os álcoois e fenóis é a solubilidade em água desses compostos. Vimos que os álcoois, por possuírem um grupo hidroxila (de caráter polar), formam ligações de hidrogênio entre si. Do mesmo modo, eles podem formar ligações de hidrogênio com a água, como esquematizado na Figura 4, que mostra as interações intermoleculares entre o metanol e a água. No entanto, além do grupo hidroxila (que podemos dizer que é a fração polar ou hidrofílica das moléculas), os álcoois são também formados por um grupo alquila, de caráter apolar (por isso, podemos chamá-lo de fração apolar ou hidrofóbica) e que interagem por forças de dispersão (como vimos para as cadeias carbônicas dos alcanos) - veja na Figura 5 as frações hidrofóbica e hidrofílica para o 1-pentanol. Assim, à medida que a cadeia carbônica do grupo alquila aumenta, a solubilidade em água dos álcoois diminui. Isso acontece porque a cadeia carbônica passa a ser a maior fração da estrutura do álcool, aumentando, consequentemente, a fração hidrofóbica, que não interage com a água e limitando a solubilidade do álcool. UNIDADE 2 | ÁLCOOIS E FENÓIS 92 FIGURA 4 – ESQUEMA PARA A FORMAÇÃO DE LIGAÇÕES DE HIDROGÊNIO ENTRE MOLÉCULAS DE ETANOL E DE ÁGUA O O δ- δ- δ+δ+ δ+ δ+ H H HH CH3 Oδ- δ+ H FONTE: A autora FONTE: A autora FIGURA 5 – FRAÇÕES HIDROFÓBICA E HIDROFÍLICA PARA O 1-PENTANOL A Tabela 2 traz as solubilidades relativas de alguns álcoois em água. TABELA 2 – SOLUBILIDADE RELATIVA DE ÁLCOOIS EM ÁGUA Número de carbonos Álcool Solubilidade em águaNome Estrutura um Metanol CH3OH Solúvel dois Etanol CH3CH2OH Solúvel três Propanol CH3CH2CH2OH Solúvel quatro 1-Butanol CH3CH2CH2CH2OH Ligeiramente solúvel 8g/100g H2O quatro 2-Butanol Ligeiramente solúvel13g/100g H2O quatro terc-Butanol Solúvel Fração hidrofília Fração hidrofóbica TÓPICO 1 | ÁLCOOIS E FENÓIS 93 cinco 1-Pentanol CH3CH2CH2CH2CH2OH Pouco solúvel 2g/100g H2O seis 1-Hexanol CH3CH2CH2CH2CH2CH2OH Muito pouco solúvel 0,6g/100g H2O sete 1-Heptanol CH3CH2 CH2CH2CH2CH2CH2OH Muito pouco solúvel 0,2g/100g H2O seis Fenol OH Ligeiramente solúvel 8g/100g H2O FONTE: Martins, Lopes e Andrade (2013) Perceba que para os álcoois de estrutura linear, o metanol, o etanol e o propanol são completamente solúveis em água; já os álcoois formados por mais de três carbonos passam a ser gradativamente menos solúveis à medida que a cadeia carbônica aumenta (repare nos valores para o 1-butanol, 1-propanol, 1-hexanol e 1-heptanol). Outro aspecto importante é que ao comparar álcoois diferentes, cuja estrutura tem o mesmo número de carbonos, percebemos que os que contêm grupos alquila ramificados são mais solúveis em água do que os álcoois com grupos alquila lineares. Para exemplificar isso, na Tabela 2 tem-se os valores de solubilidade para o 1-butanol, 2-butanol e terc-butanol. O terc-butanol é um álcool terciário (ou seja, o grupo hidroxila está ligado a um átomo de carbono terciário), o que torna sua estrutura ramificada e bastante condensada, o que limita as interações intermoleculares por forças de dispersão ao diminuir a área de contato da fração hidrofóbica da molécula. Dessa forma, as ligações de hidrogênio entre os grupos hidroxila e a água superam as forças de dispersão, fazendo do terc-butanol um composto solúvel. Já para o 1-butanol e o 2-butanol, que têm estruturas mais lineares, a área de contato entre as frações hidrofóbicas é bem maior, fazendo com que as forças de dispersão sejam mais fortes e diminuindo a solubilidade desses compostos. Os fenóis também podem formar ligações de hidrogênio com a água, o que também lhes confere uma certa solubilidade em água. No entanto, essa solubilidade é bastante limitada, uma vez que o anel benzênico, por ser um hidrocarboneto, é apolar, não interagindo com a água. Na Tabela 2, vemos que o fenol é ligeiramente solúvel em água. Vale ressaltar que para os fenóis substituídos a solubilidade de isômeros orto, meta e para pode ser bastante diferente. Por exemplo, a solubilidade do orto- nitrofenol é de 0,2g/100g H2O, enquanto a do para-nitrofenol é de 1,7g/100g H2O. Essa diferença se deve à formação de uma ligação de hidrogênio intramolecular para o orto-nitrofenol (Figura 6), o que não é observado para o para-nitrofenol, o que acaba por dificultar a formação da ligação de hidrogênio entre o grupo hidroxila e a água para o isômero orto, diminuindo sua solubilidade em relação ao isômero para. UNIDADE 2 | ÁLCOOIS E FENÓIS 94 FIGURA 6 – ESTRUTURAS DO ORTO-NITROFENOL E DO PARA-NITROFENOL O O orto - nitrofenol para - nitrofenol HOO N+ N+ O- O- H FONTE: A autora Em química dizemos que uma molécula é hidrofóbica (do grego hydros, “água”, e phobo, “medo”) quando ela tem pouca ou nenhuma propensão a se dissolver na água, uma vez que ela não é capaz de formar nenhum tipo de interação intermolecular com as moléculas de água; já as moléculas hidrofílicas (hydros, “água”, e philia, “amizade”) são aquelas que têm grande propensão a se dissolverem em água, justamente porque têm grupos que podem interagir com as moléculas de água. UNI 2.2 REGRAS DE NOMENCLATURA DE ÁLCOOIS E FENÓIS A nomenclatura sistemática dos álcoois e fenóis segue as mesmas regras definidas para as outras moléculas orgânicas, com algumas especificidades, como veremos a seguir. É importante saber que o prefixo -ol é utilizado para identificar o grupo funcional dos álcoois. • Etapa 1: identificar a cadeia principal A cadeia principal é definida pela cadeia de carbono mais longa (ou seja, que contém maior número de átomos de carbono ligados entre si) que contenha o grupo hidroxila. Lembre-se de que nem sempre a cadeia principal está representada de forma linear e aparente, em alguns casos teremos que fazer “curvas” (figura a seguir). TÓPICO 1 | ÁLCOOIS E FENÓIS 95 FIGURA 7 – IDENTIFICAÇÃO DA CADEIA PRINCIPAL Identificação da cadeia principal: cadeia de átomos de carbono mais longa que contenha o grupo hidroxila -OH Cadeia de carbono mais longa contendo o grupo hidroxila: 8 átomos de carbono (nomeada como um octanol) (Álcool 1) ERRADO: a cadeia carbônica mais longa tem 8 carbonos, não 7. Cadeia de carbono mais curta: definida como um grupo substituinte CH3CHCH2CH2CHCH 2CH 3 CH3CHCH2CH2CHCH 2CH 3 CH 2CH 2CH 3 CH 2CH 2CH 3 OH OH Enumeração dos átomos da cadeia principal: iniciar pelo carbono que esteja mais próximo do primeiro grupo hidroxila - OH CERTO: o grupo hidroxila está ligado ao carbono 2 da cadeia principal (Álcool 1) ERRADO: desse modo o grupo hidroxila está ligado ao carbono 7 da cadeia principal CH3CHCH2CH2CHCH 2CH 3 CH3CHCH2CH2CHCH 2CH 3 CH 2CH 2CH 3 CH 2CH 2CH 3 OH 8 8 7 7 6 65 54 43 3 2 2 1 1 OH FONTE: A autora FONTE: A autora • Etapa 2: enumerar os átomos presentes na cadeia principal Para enumerar os átomos da cadeia principal, devemos começar pelo átomo de carbono presente na extremidade da cadeia que esteja mais próximo ao grupo hidroxila (figura a seguir). FIGURA 8 – ENUMERAÇÃO DOS ÁTOMOS DA CADEIA PRINCIPAL • Etapa 3: identificar e enumerar os substituintes Devemos identificar os números dos carbonos da cadeia principal nos quais cada um dos substituintes está ligado, de modo que possamos localizar esse substituinte (figura a seguir). UNIDADE 2 | ÁLCOOIS E FENÓIS 96 FIGURA 9 – IDENTIFICAÇÃO E ENUMERAÇÃO DOS SUBSTITUINTES Identificação e enumeração dos substituintes (ou ramificações): identificação dos carbonos da cadeia principal aos quais os substituintes estão ligados (Álcool 1) Substituinte: No carbono de número 5: - CH2CH3 (nomeado como etil, pois é um substituinte etila e está ligado ao carbono de número 5 da cadeia principal) CH3CHCH2CH2CHCH 2CH 3 CH 2CH 2CH 3 OH 876 54321 FONTE: A autora Note que o grupo hidroxila não é considerado como um substituinte, uma vez que esse grupo define o grupo funcional dos álcoois e fenóis. Lembre-se de que se houver dois substituintes ligadosa um mesmo carbono da cadeia principal, esses substituintes serão identificados pelo mesmo número, sendo que ambos os localizadores devem ser designados no nome da molécula. • Etapa 4: escrever o nome do composto em uma única palavra Devemos nomear o composto seguindo a ordem: localizador – prefixo – cadeia principal – sufixo. Lembrando que os localizadores são usados para indicar a localização dos substituintes e o prefixo indica o nome do substituinte (lembre-se de que para separar os diferentes localizadores, usamos vírgulas, e para separar os diferentes prefixos usamos hifens). Já sabemos que a cadeia principal é nomeada de acordo com o número de átomos com que ela é formada e o sufixo indica o grupo funcional (-ol para os álcoois). É importante lembrar que a posição do grupo hidroxila na molécula deve ser indicada (a fim de se diferenciar os isômeros); além disso, moléculas contendo dois e três grupos hidroxila são identificadas pelo sufixo -diol e -triol, respectivamente. As localizações dos grupos hidroxila aparecem antes do nome da cadeia principal (veja nos exemplos mostrados na figura a seguir). TÓPICO 1 | ÁLCOOIS E FENÓIS 97 FONTE: A autora FONTE: A autora FIGURA 10 – ESCRITA DO NOME DO COMPOSTO Escrita do nome do composto: Localizadores - Prefixo - Cadeia Principal - Sufixo (-ol) 5-etil-2-octanol Cadeia de carbono mais longa contendo o grupo hidroxila: 8 átomos de carbono → octanol Localização do grupo hidroxila: no carbono 2 → 2 - octanol Substituinte: - CH2CH3 (no carbono de número 5 ) → 5-etil 4,4-dimetil-2-pentanol Cadeia de carbono mais longa contendo o grupo hidroxila: 5 átomos de carbonos → pentanol Localização do grupo hidroxila: no carbono 2 → 2-pentanol Substituintes: 2 grupos -CH3 no carbono de número 4 → 4,4-dimetil 1,2,3-propanotriol (nome comum: glicerol) Cadeia de carbono mais longa contendo os grupos hidroxilas: 3 átomos de carbono → propanotriol (contém três grupos OH) Localização dos grupos hidroxilas: nos carbonos 1,2 e 3 → 1,2,3-propanotiol 1,2-etanodiol (nome comum: etilenoglicol) Cadeia de carbono mais longa contendo os grupos hidroxilas: 2 átomos de carbono → etanodiol (contém dois grupos OH) Localização dos grupos hidroxilas: nos carbonos 1 e 2 → 1,2-etanoldiol (Álcool 1) CH3CHCH2CH2CHCH 2CH 3 CH 2CH 2CH 3 OH 876 54321 CH3CCH2CHCH 3 CH 3 CH 3 OH 5 4 3 2 1 HO-CH2CCH3-OH OH 321HO-CH2CH2-OH 21 Os fenóis são nomeados seguindo as mesmas regras para a nomenclatura dos compostos aromáticos, como vimos no livro de Química Orgânica I. No entanto, no lugar do prefixo -benzeno, utiliza-se o prefixo -fenol. Na figura a seguir são mostrados alguns exemplos de fenóis e suas nomenclaturas. FIGURA 11 – EXEMPLOS DE FENÓIS E SUAS NOMENCLATURAS Meta-metilfenol (ou meta-cresol) 2,4-dinitrofenol H3C NO2 OH OH O2N UNIDADE 2 | ÁLCOOIS E FENÓIS 98 EXEMPLO Determine os nomes dos seguintes álcoois: CH3CHCH2CHCHCH3 OH OH CH3 A) B) CH2CH2CCH3 OH CH3 RESPOSTA a) O primeiro passo é identificar a cadeia principal. Para isso, temos que verificar qual é a cadeia carbônica mais extensa que contém o grupo funcional (que no caso é o álcool). Em seguida, devemos enumerar os carbonos dessa cadeia (fazemos isso de modo que os grupos hidroxila sejam localizados nos carbonos de menor numeração). Assim: CH3CHCH2CHCHCH3 OH OH CH3 21 43 5 6 Com base no que é mostrado na figura acima, podemos ver que a molécula é formada por uma cadeia principal com seis átomos de carbono, que existem duas hidroxilas ligadas aos carbonos de número 3 e 4. Com isso, podemos passar para o terceiro passo, que é identificar os substituintes e os carbonos em que eles estão ligados. Analisando a figura anterior, vemos que esse composto possui apenas um substituinte, um grupo metila, ligado ao carbono de número 5 da cadeia principal. Assim, para nomear o composto, juntamos as informações obtidas anteriormente e chegamos ao seu nome sistemático: 5-metil-2,4-hexanodiol. b) Talvez essa molécula, a uma primeira vista, gere uma certa dúvida se ela deve ser nomeada como um álcool ou como um fenol. Uma maneira bem simples de responder essa questão é analisar as definições de um álcool e de um fenol. Como vimos, um álcool é definido como um composto em que o grupo hidroxila está ligado a um carbono com hibridização sp3, enquanto que um fenol é um composto em que o grupo hidroxila está ligado a um carbono pertencente ao anel aromático (benzeno). Analisando a estrutura da molécula em questão, vemos que a hidroxila está, de fato, ligada a um carbono de uma cadeia linear e que forma apenas ligações simples, ou seja, a um carbono com hibridização sp3. Assim, esse composto é um álcool. b)a) TÓPICO 1 | ÁLCOOIS E FENÓIS 99 Para nomeá-lo devemos então identificar a cadeia principal, enumerar os carbonos dessa cadeia e identificar os carbonos aos quais estão ligados o grupo hidroxila e os grupos substituintes. Assim, temos: CH2CH2CCH3 OH CH3 34 12 Analisando a estrutura do álcool, vemos que a cadeia principal é formada por quatro carbonos, à qual o grupo hidroxila está ligado ao carbono de número 2 e existem dois substituintes, um grupo metila ligado ao carbono de número 2 e um grupo fenila ligado ao carbono de número 4. Desse modo, o nome do composto é: 2-metil-4-fenil-2-butanol. 2.3 SÍNTESE DE ÁLCOOIS E FENÓIS Veremos agora algumas das reações de síntese de álcoois e fenóis de maior importância, tanto em escala laboratorial quanto industrial. Como os álcoois e os fenóis, apesar de se caracterizarem por apresentarem um grupo hidroxila, sua química é relativamente distinta, uma vez que os álcoois são compostos cuja hidroxila está ligada a um carbono com hibridização sp3, enquanto que os fenóis têm essa hidroxila ligada a um carbono pertencente ao anel aromático. Desse modo, vamos iniciar os estudos relativos à síntese dos álcoois e depois passaremos à síntese dos fenóis. 2.3.1 Síntese de álcoois Os álcoois são compostos bastante importantes em química orgânica, porque eles podem ser preparados a partir de diferentes compostos; do mesmo modo, os álcoois podem ser utilizados como material de partida para a obtenção de diversos outros compostos. Uma visão geral da química dos álcoois é esquematizada na figura a seguir. FIGURA 12 – COMPOSTOS QUE PODEM SER OBTIDOS A PARTIR DE ÁLCOOIS ÉsteresÁcidos carboxílicosAldeídosCetonasÉteres Haleto de alquilaAlcenos Álcool R -X R -O -R' R -OH C = C RR R R R R' C O R H C O R OH C O R OR' C O FONTE: A autora UNIDADE 2 | ÁLCOOIS E FENÓIS 100 Veremos agora algumas das rotas sintéticas mais importantes para a obtenção de álcoois. • Hidratação de alcenos A hidratação de alcenos, como vimos, é a reação do alceno com a água e que ocorre via um mecanismo de adição. Essas reações, geralmente, são catalisadas por ácidos e ocorrem a temperaturas relativamente altas (cerca de 250 ºC). Na figura a seguir é mostrado o mecanismo de reação da hidratação do propeno, utilizando o ácido fosfórico como catalisador. FIGURA 13 – MECANISMO DE REAÇÃO DE HIDRATAÇÃO DO PROPENO COM A ÁGUA EM MEIO ÁCIDO - + + P P P P O O O O O O O O O O O H H H H + H H H H H H CHCH OH OH OH OH OH OH OH OH H C H C CH2 CH2 CH2 CH2H3C H3C H3C H2O δ-δ+ H3C Ácido fosfórico2-propanol Propeno Intermediários Ácido fosfórico DihidrogenofosfatoÁguaCarbocátion Equação química: C3H6 + H2O C3H7O H3PO4 Mecanismo de reação de hidratação:Seta curva: indica que os elétrons da ligação TT da dupla ligação atacam um H de H3PO4 Seta curva: indica que os elétrons livres do oxigênio da água atacam o C+ do carbocátion Formação de uma nova ligação C-OH2 Formação de uma nova ligação C-H Formação de uma nova ligação C-OH Seta curva: indica que os elétrons do íon dihidrigenofosfato atacam o H da ligação C-OH2 FONTE: A autora Observando o mecanismo de reação na figura anterior, vemos que a reação de hidratação inicia-se com o ataquedo par de elétrons da ligação π da ligação dupla C=C (nucleófilo) a um H+ (proveniente do ácido fosfórico). Esse ataque nucleófilo faz com que a ligação π se quebre, formando uma nova ligação σ C–H e gerando um intermediário carbocátion. Assim, o átomo de carbono positivo do carbocátion é atacado por um par de elétrons isolados do átomo de oxigênio da água, resultando em uma ligação C–OH2, na qual o oxigênio fica com uma carga positiva. Por fim, o íon dihidrogenofosfato ataca um átomo de hidrogênio TÓPICO 1 | ÁLCOOIS E FENÓIS 101 FONTE: A autora da ligação C–OH2, o que faz com que uma ligação O–H se quebre, regenerando o ácido fosfórico e formando o 2-propanol. Apesar da hidratação de alcenos ser uma possibilidade para a preparação de álcoois, ela é pouco utilizada industrialmente, uma vez que o rendimento dessas reações é muito baixo, tornando-as pouco viáveis economicamente. Assim, uma alternativa mais viável (usada em laboratórios e até mesmo na indústria) é pela hidratação de alcenos por oximercuriação. A oximercuriação é uma rota sintética que envolve a reação do alceno com acetato de mercúrio(II) [Hg(O2CCH3)2, que pode ser abreviado para Hg(OAc)2] em meio de tetrahidrofurano (THF). Na figura a seguir, tem-se o mecanismo de reação da oximercuriação do 1-buteno. FIGURA 14 – MECANISMO DE OXIMERCURIAÇÃO DO 1-BUTENO Mecanismo de reação química da reação de oximercuriação do 1 - buteno Íon mercurínioAcetato de mercúrio (II) 1-buteno A reação do organomercúrio com o boro hidreto de sódiol leva à substituição do Hg pelo H e a formação do álcool 2-butanol Mercúrio metálico Organomercúrio A quebra de uma ligação O-H leva à formação de um organomercúrio neutro Os elétrons do íon acetato atacam o H da ligação C-OH2 A água ataca o carbono mais substituído, quebrando a ligação desse carbono com o Hg Os elétrons da ligação dupla C=C atacam o Hg+2 Hg OAc OAcHg - HOAc NaBH4 Hgo+ + OHOH OAcHg -OAcO+ OH H H H - -OAcHg OAc OAc Analisando a figura anterior, vemos que a reação de oximercuriação do 1-buteno se inicia pelo ataque nucleofílico do par de elétrons da ligação π da ligação dupla C=C ao Hg+2 (proveniente do acetato de mercúrio (II)), quebrando a ligação π e formando uma nova ligação σ C–Hg. Essa ligação C–Hg leva à formação de um anel de três membros e a uma carga positiva sobre o mercúrio, originando um íon mercurínio. Assim, esse átomo de mercúrio positivo é atacado por um par de elétrons isolados do átomo de oxigênio da água, resultando em UNIDADE 2 | ÁLCOOIS E FENÓIS 102 uma ligação C–OH2 (na qual o oxigênio fica com uma carga positiva) e abrindo o anel. Em seguida, o íon acetato ataca um átomo de hidrogênio da ligação C–OH2, o que faz com que uma ligação O–H se quebre, deixando uma ligação O–H e originando um organomercúrio neutro. Por fim, a reação desse composto com o boro hidreto de sódio (NaBH4) faz com que o átomo de mercúrio seja substituído por um átomo de hidrogênio, formando o 2-butanol e o mercúrio metálico. Um fato importante sobre a reação de hidratação por oximercuriação é que o grupo OH se liga ao carbono mais substituído da ligação C=C do alceno, enquanto que o H se liga ao carbono menos substituído. EXEMPLO Que produto será formado pela oximercuriação do 2-metil-2-penteno? RESPOSTA Pelo mecanismo de reação, define-se que a reação de hidratação de alcenos por oximercuriação ocorre com o grupo OH se adicionando ao carbono mais substituído da ligação dupla do alceno e o H ao menos substituído. Desse modo, para definirmos o produto da reação, precisamos analisar a estrutura do 2-metil-2-penteno: Assim, definimos que a dupla ligação C=C é formada por um carbono terciário e um carbono secundário. Com base nisso, vemos que o grupo OH vai se adicionar ao carbono terciário (mais substituído), enquanto que o H vai se adicionar ao carbono secundário (menos substituído), o que nos leva a definir o produto como o 2-metil-2-pentanol. O esquema da reação é mostrado a seguir: H3C C C H H2 C CH3 CH3 2-metil-2-penteno 1. Hg(OAc)2, H2O 2. NaBH4 H3C C H C H2 C CH3 CH3HO H 2-metil-2-pentanol Carbono secundário Carbono terciário 5 CH3 3 H C C H 1 H3C 2 2C CH3 4 TÓPICO 1 | ÁLCOOIS E FENÓIS 103 • Redução de compostos carbonílicos A redução de compostos carbonílicos (ou seja, compostos cujo grupo funcional possui um grupo carbonila, C=O) é um dos métodos mais usuais para a preparação de álcoois, tanto em escala laboratorial, quanto industrial. Como podemos ver na figura a seguir, a redução das cetonas leva à formação de álcoois secundários, enquanto que a redução de aldeídos, ácidos carboxílicos e ésteres gera álcoois primários. FIGURA 15 – REDUÇÃO DE COMPOSTOS CARBONÍLICOS PARA A OBTENÇÃO DE ÁLCOOIS Ácool primário Ácool primário Ácool primário Ácool secundário Redução Redução Redução Redução Éster Ácido carboxílico Aldeído Cetona Carbono terciário Carbono secundário OH OH OH OH OR' OH H H H H H H H H R' R' R R R R RR R R C C C C O O O O 2 5 4 3 2 1 H C C H C C C C C CH3 CH3 H3C FONTE: A autora Redução em química orgânica significa um aumento na densidade eletrônica sobre um átomo de carbono após uma reação química; por outro lado, a oxidação significa uma perda da densidade eletrônica de um determinado átomo de carbono. UNI UNIDADE 2 | ÁLCOOIS E FENÓIS 104 A redução de cetonas e aldeídos é feita, geralmente, utilizando etanol como solvente e com o tratamento com boro hidreto de sódio, um agente redutor bastante utilizado devido à praticidade com que ele pode ser manipulado. Essas reações são rápidas e têm alto rendimento. A redução de ácidos carboxílicos e éteres necessita de um agente redutor mais forte que o boro hidreto de sódio, utilizando, portanto, o hidreto de alumínio e lítio (LiAlH4) em éter como solvente - vale ressaltar que o hidreto de alumínio e lítio também pode ser usado para as reações de redução de cetonas e aldeídos. EXEMPLO A partir de qual (ou quais) composto(s) carbonílico(s) os seguintes álcoois poderiam ser obtidos? OH CH3A) OH B) RESPOSTAS a) O primeiro passo é identificar se o álcool é primário, secundário ou terciário, uma vez que um álcool primário pode ser preparado pela redução de um aldeído, de um ácido carboxílico ou de um éster, um álcool secundário pode ser obtido pela redução de uma cetona, e um álcool terciário não pode ser obtido por reações de redução de compostos carbonílicos. Assim, analisando a estrutura desse álcool, vemos que se trata de um álcool secundário, podendo, portanto, ser preparado apenas pela redução de uma cetona. Assim, a reação para a produção desse álcool é a seguinte: O CH3 NaBH4 ou LiAlH4 OH CH3 Uma cetona b) Nesse caso, o álcool obtido é primário, o que significa que ele pode ser obtido pela redução de um aldeído, de um ácido carboxílico ou de um éster. Assim, as reações possíveis para a obtenção desse álcool são: NaBH4 ou LiAlH4 Um aldeído O OH b)a) TÓPICO 1 | ÁLCOOIS E FENÓIS 105 Um ácido carboxílico O C OH OH LiAlH4 Um éster O C OH OR LiAlH4 FONTE: Adaptado de McMurry (2012, p. 595) 2.3.2 Síntese de fenóis Atualmente, o fenol é preparado, principalmente, por meio da reação entre o isopropilbenzeno (conhecido comumente como cumeno) e o gás oxigênio. Essa reação se processa a temperaturas elevadas, formando o hidroperóxido de cumeno, que ao ser tratado em meio ácido, reage formando uma mistura de fenol e de propanona. O esquema dessa reação química está descrito na figura a seguir. FIGURA 16 – ESQUEMA DA REAÇÃO DO CUMENO PARA FORMAÇÃO DO FENOL E DA PROPANONA CH3 Meio ácido PropanonaFenolHidróxido de cumeno Cumeno + CH3CCH3 O2 OOH OHC C C H H3C H3C CH3 FONTE: A autora Na figura a seguir está descrito o mecanismo da segunda (e mais importante) parte dessa reação, ou seja, a reação entre o hidróxido de cumeno com um ácido para formar o fenol e a propanona. UNIDADE 2 | ÁLCOOISE FENÓIS 106 FIGURA 17 – MECANISMO DA REAÇÃO DO HIDRÓXIDO DE CUMENO PARA A FORMAÇÃO DO FENOL E DA PROPANONA Mecanismo de reação química da reação entre o hidróxido de cumeno para a formação do fenol e da propanona Rearranjo intramolecular do grupo fenila 1) Quebra dessa ligação... Rearranjo intramolecular: transferência do H+ de um átomo de oxigênio para o outro Íon axônioHemiacetal protonado Quebra da ligação OH (pela abstração do H+ pela água) e formação da ligação C=O FenolPropanona Carbocátion Quebra dessa ligação para formação dos produtos 2) ... para formação dessa ligaçãoÍon oxônioHidróxido de cumeno + + + + + - H3O + - H2O C C C C C C H H H H H H H H H H HH H O O O O O O O O OO O O O OH2 CH3 CH3CH3 CH3 CH3CH3 H3C H3C H3C H3C H3C H3C Ataque nucleofílico da água ao carbono positivo do carbocátion Perda de uma molécula de água Protonação do hidróxido de cumeno em meio ácido FONTE: A autora Como podemos observar, a reação se inicia pelo ataque de um par de elétrons isolados do oxigênio do grupo hidroperóxido, levando à sua protonação e formação do íon oxônio. Na sequência, o íon oxônio sofre um rearranjo intramolecular, no qual o grupo fenila migra do átomo de carbono para o átomo de oxigênio. Esse rearranjo leva à perda de uma molécula de água e, consequentemente, à formação de um intermediário carbocátion. Na sequência, o carbocátion sofre ataque nucleofílico de uma molécula de água, formando um novo íon oxônio. Esse íon oxônio sofre, então, um rearranjo intramolecular pela transferência de um H+ de um átomo de oxigênio para o outro, o que produz um hemiacetal protonado – um hemiacetal é um composto caracterizado por possuir um grupo –OR e um grupo –OH ligados a um mesmo átomo de carbono. Em seguida, há a abstração de um H+ pelo ataque nucleofílico de uma molécula de água, liberando um H3O+, formando uma ligação C=O e quebrando a ligação adjacente entre esse carbono e o outro átomo de oxigênio, levando, por fim, à formação do fenol e da propanona. TÓPICO 1 | ÁLCOOIS E FENÓIS 107 FONTE: A autora Para saber mais detalhes da produção industrial do fenol, leia o artigo intitulado Fenol, de Oliveira (2015). OLIVEIRA, Pedro Henrique Ramos. Fenol. Revista Virtual de Química, v. 7, n. 4, p. 1579-1593, 2015. Disponível em: <http://rvq.sbq.org.br/imagebank/pdf/v7n4a31.pdf>. Acesso em: 1 out. 2018. DICAS 2.4 REAÇÕES DE ÁLCOOIS E FENÓIS Tendo estudado algumas das rotas de síntese para o preparo de álcoois e fenóis, agora veremos algumas das reações típicas envolvendo essas duas classes de compostos. Do mesmo modo que fizemos anteriormente, iniciaremos estudando as reações dos álcoois e depois passaremos às reações dos fenóis. 2.4.1 Reações de álcoois De modo geral, pode-se dizer que reações das quais os álcoois participam como reagentes podem ocorrer ou na ligação C–O da estrutura do álcool, ou na ligação O–H, como esquematizado na figura a seguir. Os mais usuais envolvem as reações que ocorrem com a quebra das ligações C–O, veremos alguns exemplos a seguir. FIGURA 18 – POSSÍVEIS QUEBRAS DE LIGAÇÕES NAS REAÇÕES DE ÁLCOOIS Reações que ocorrem na ligação C-O Reações que ocorrem na ligação O-H H O C R''R R • Síntese de alcenos Os álcoois podem sofrer reações de desidratação (ou seja, reações em que o composto perde tipicamente uma molécula de água, sendo classificada como uma reação de eliminação), gerando como produto um alceno. Nesse tipo de http://rvq.sbq.org.br/imagebank/pdf/v7n4a31.pdf UNIDADE 2 | ÁLCOOIS E FENÓIS 108 reação, a ligação C–O é rompida, assim como uma ligação C–H vizinha, fazendo com que seja formada uma ligação π entre esses dois carbonos adjacentes, como podemos observar na figura a seguir. FIGURA 19 – ESQUEMA DAS REAÇÕES DE DESIDRATAÇÃO DE ÁLCOOIS Reação de desidratação de álcool + OHC CC C C C OH H H H H H H H H H H H H H H ÁguaPropenoPropanol Formação de uma ligação TT Quebra de uma ligação C-O e de uma C-H FONTE: A autora Um dos métodos mais usuais para as reações de desidratação é conduzi- las em meio ácido. Assim, nas reações de desidratação de álcoois catalisadas por ácidos, seguem um mecanismo de reação de eliminação unimolecular (E1). Veja na figura a seguir o mecanismo de reação de eliminação do propanol em meio ácido. FIGURA 20 – MECANISMO DE REAÇÃO DE DESIDRATAÇÃO DO PROPANOL PARA OBTENÇÃO DO PROPENO FONTE: A autora Como podemos ver na figura anterior, a reação de desidratação do propanol se inicia com o ataque nucleofílico do átomo de oxigênio ao H+ proveniente do meio ácido, levando à protonação desse oxigênio (e gerando uma carga positiva sobre ele). Em seguida, a ligação C –O é rompida, liberando uma molécula de água, e fazendo com que o átomo de carbono fique com uma carga positiva, originando, portanto, um carbocátion intermediário. Por fim, os elétrons isolados do oxigênio Equação química: C3H8O + H3O + C3H6 PropenoCarbocátionPropanol Quebra da ligaçãoQuebra da ligação Mecanismo de reação para obtenção do alceno: C C C O H H H H H H H H C C C O H H H H H H H + H H C C CH H H H H H H + C C CH H H H H H HH2O + C-HC-O H2O TÓPICO 1 | ÁLCOOIS E FENÓIS 109 de uma molécula de água atacam um átomo de hidrogênio de uma ligação C–H adjacente ao carbono positivo do carbocátion, quebrando-a e fazendo com que seja formada uma ligação π entre esses dois átomos de carbono, originando o propeno. É interessante notar que a reação de desidratação de álcoois ocorre mais facilmente para os álcoois terciários, seguidos dos álcoois secundário e dos primários (como podemos ver na figura a seguir). Isso porque o mecanismo E1 envolve a formação de um intermediário carbocátion, e, como estudamos anteriormente, os carbocátions terciários são mais estáveis. FIGURA 21 – REATIVIDADE RELATIVA DOS DIFERENTES TIPOS DE ÁLCOOIS Álcool terciárioÁlcool secundárioÁlcool primário CCC R R RRR R OHOHOH HH H Reatividade FONTE: A autora Para recordar os mecanismos de reação de eliminação E1, volte ao Tópico 2 da Unidade 1. Para recordar as estabilidades relativas dos carbocátions, volte à Unidade 3 do livro de Química Orgânica I. DICAS DICAS • Síntese de haletos de alquila Outro tipo de reação de álcoois que envolve a quebra da ligação C–O é a reação para a produção de haletos de alquila. UNIDADE 2 | ÁLCOOIS E FENÓIS 110 Os álcoois terciários reagem facilmente com ácidos fortes, como o ácido clorídrico e o ácido bromídrico, para formar haletos de cloro e de bromo, respectivamente. Essas reações, geralmente, são conduzidas a temperaturas bastante baixas (em torno de 0 ºC) e seguem um mecanismo de substituição nucleofílica unimolecular (SN1). Na figura a seguir, podemos observar o mecanismo de reação do 2-metil-2-propanol com o ácido clorídrico para a formação do 2-cloro-2-metilpropano. FIGURA 22 – MECANISMO DA REAÇÃO DO 2-METIL-2-PROPANOL COM O ÁCIDO CLORÍDRICO PARA A FORMAÇÃO DO 2-CLORO-2-METILPROPANO Equação química: C4H10O + HCI C4H9CI Mecanismo de reação para obtenção do haleto de alquila: 2-metil-2-propanol C C C O H H H CH3 H H H H HCI Carbocátion 2-cloro-2-metilpropano Quebra da ligação C-CI Quebra da ligação C C CH H H H H H + C C CH H H HCIH H C-O CT C C C O H H H H H H + H H CH3 CH3 CH3 FONTE: A autora Analisando a figura anterior, vemos que a reação para formação do 2-cloro-2-metilpropano inicia-se pelo ataque nucleofílico do átomo de oxigênio do 2-metil-2-propanol ao H+ proveniente do ácido clorídrico, levando à protonação desse oxigênio. Em seguida, a ligação C –O é rompida, liberando uma molécula de água, e originando um carbocátion como intermediário. O cloreto ataca então esse carbono positivo, formando a ligação C–Cl, originando o haleto de alquila. Os álcoois secundários e primários não reagem facilmente com ácidos do tipo HX, mas podem ser convertidos em haletos de alquila devido à reação com ocloreto de tionila (SOCl2), para a obtenção de um cloreto de alquila, ou com o tribrometo de fósforo (PBr3), para a obtenção de um brometo de alquila. Essas reações ocorrem por um mecanismo de substituição nucleofílica bimolecular (SN2), uma vez que a reação com cloreto de tionila ou com o tribrometo de fósforo faz com que o grupo hidroxila –OH (que é um grupo de saída muito fraco) se converta em um grupo –OSOCl ou –OPBr2, respectivamente, que são grupos de saída muito bons, possibilitando que a reação siga um mecanismo SN2. Na figura a seguir, são mostrados os mecanismos de reação da reação entre o propanol com o cloreto de tionila e com o tribrometo de fósforo. TÓPICO 1 | ÁLCOOIS E FENÓIS 111 FONTE: A autora FIGURA 23 – MECANISMOS DA REAÇÃO ENTRE O PROPANOL COM O CLORETO DE TIONILA E COM O TRIBROMETO DE FÓSFORO Mecanismo de reação para obtenção do haleto de alquila: Equação química: C3H8O + SOCI2 C3H7CI + SO2 + HCI Propanol 2-bromopropano Mecanismo de reação para obtenção do haleto de alquila: 2-cloropropanoPropanol Equação química: C3H8O + PBr3 C3H7Br + HOPBr2 - - HOPBr2P P Br Br Br BrBr Br HCISO2 S S CICI CI CICI CH3CH3CH3 CH3 CH3 CH3 C H C H C H C H C H C H H3C H3C H3C H3C H3C H3C O O O O O O H H + + + ++ Na figura anterior, podemos observar que inicialmente há a formação das ligações C–OSOCl e C–OPBr2 e que, com isso, os ânions cloreto ou brometo atacam o carbono pertencente a essas ligações, fazendo, nessa mesma etapa, com que os grupos –OSOCl ou –OPBr2 deixem prontamente o composto, e formando os haletos de alquila. Para recordar os mecanismos de reação de substituição unimolecular (S N 1) e bimolecular (S N 2), volte ao Tópico 2 da Unidade 1. UNI • Síntese de compostos carbonílicos Anteriormente, vimos que a redução de compostos carbonílicos levava à formação de álcoois; dessa forma, a reação contrária, isso é, a oxidação de álcoois é uma alternativa para a preparação de compostos carbonílicos. UNIDADE 2 | ÁLCOOIS E FENÓIS 112 Como podemos observar na figura a seguir, a oxidação de um álcool primário leva à formação de um aldeído ou de um ácido carboxílico, enquanto que a oxidação de um álcool secundário forma uma cetona. Já os álcoois terciários não são usados para a formação de compostos carbonílicos, uma vez que eles não sofrem oxidação facilmente. FIGURA 24 – PRODUTOS DA OXIDAÇÃO DE ÁLCOOIS FONTE: A autora A obtenção de um aldeído ou um ácido carboxílico a partir de um álcool primário é consequência da escolha do agente de oxidação. Por exemplo, se o agente de oxidação for o clocromato de piridínio (C5H6NCrO3Cl, abreviado como PCC) e se a reação for conduzida em meio de diclometano, o produto será um aldeído; mas se o agente oxidante for o trióxido de crômio (CrO3) e o meio reacional for uma solução aquosa ácida, o produto será um ácido carboxílico – vale salientar que nas reações de oxidação de álcoois primários para a obtenção de ácidos carboxílicos há a formação de um aldeído no meio reacional, como produto de uma primeira oxidação (ou seja, da perda de um átomo de hidrogênio), no entanto, rapidamente esse aldeído é oxidado (pela formação de uma nova ligação C–O), gerando o ácido carboxílico. Na oxidação de álcoois secundários para a obtenção de cetonas utiliza-se, geralmente, o dicromato de sódio (Na2Cr2O7) em ácido acético como solvente. As reações de oxidação de álcoois seguem um mecanismo de uma reação de eliminação bimolecular (E2), não importando se o álcool é primário ou secundário. Na figura a seguir, podemos observar como é o mecanismo de forma geral. Álcool secundário Cetona Ácido carboxílicoAldeído Oxidação Oxidação Álcool primário C C CC H R' R R RR OH OH O OOH HH H C R'R O ou TÓPICO 1 | ÁLCOOIS E FENÓIS 113 FONTE: A autora FONTE: A autora FIGURA 25 – MECANISMO DE OXIDAÇÃO DE ÁLCOOIS C R'R O + Grupo - Cr Grupo - Cr Grupo - Cr Álcool primário ou secundário Composto carbonílico Intermediário cromato C C C R R R Cr O O O H H H R' R' R' H H Base Base Como vemos na figura anterior, a reação de oxidação de álcoois se inicia pelo ataque nucleofílico do átomo de oxigênio da hidroxila do álcool ao átomo de cromo do agente oxidante, formando uma ligação O+–Cr e um intermediário cromato. Em seguida, uma base abstrai o átomo de hidrogênio da ligação O–H formando um composto cromato. Por fim uma base ataca um átomo de hidrogênio do carbono da ligação C –O, fazendo com que a ligação C–H se quebre, formando uma ligação C=O e fazendo com que o grupo da ligação com o cromo (o grupo de saída) deixe o composto, formando então o composto carbonílico. 2.4.2 Reações de fenóis Uma das reações características dos fenóis é para a produção de quinonas, compostos caracterizados por possuírem duas carbonilas (grupos C=O) ligados ao anel benzênico e que desempenham funções biológicas importantes. A reação de obtenção das quinonas é uma reação de oxidação típica, no entanto, a oxidação de fenóis segue um mecanismo de reação radicalar – de fato, é importante ressaltar que o mecanismo de oxidação de fenóis difere da dos álcoois, uma vez que os fenóis não possuem um átomo de hidrogênio ligado ao carbono da hidroxila. Na figura a seguir, podemos ver o esquema da reação do fenol com o nitrodissulfonato de potássio [(KSO3)2NO], conhecido comumente como sal de Frémy (dado em homenagem ao seu descobridor, Edmond Frémy, um químico francês, 1814-1894) para a obtenção da benzoquinona. FIGURA 26 – ESQUEMA DA REAÇÃO DO FENOL COM O SAL DE FRÉMY PARA A OBTENÇÃO DA BENZOQUINONA BenzoquinonaSal de FrémyFenol + N O- SO-3 -O3S O O [K+]2 OH UNIDADE 2 | ÁLCOOIS E FENÓIS 114 LEITURA COMPLEMENTAR As propriedades das quinonas são importantes no funcionamento dos organismos vivos, em que os compostos conhecidos como ubiquinonas agem como agentes oxidantes bioquímicos na medição dos processos de transferência de elétrons envolvidos na produção de energia. As ubiquinonas, também chamadas coenzimas-Q, são componentes das células de todos os organismos aeróbicos, desde a bactéria mais simples até os seres humanos. Possuem esse nome em virtude da sua ocorrência ubíqua, onipresente, na natureza. As ubiquinonas atuam dentro da mitocôndria das células para mediar o processo respiratório no qual os elétrons são transportados a partir de um agente redutor biológico, o NADH, para o oxigênio. Por meio de várias etapas complexas, o resultado fi nal é um ciclo em que o NADH é oxidado a NDA+, o O2 é reduzido em água e energia é liberada. A ubiquinona age apenas como intermediária e, portanto, não sofre alteração. FONTE: McMurry (2012) 115 RESUMO DO TÓPICO 1 Nesse tópico, você aprendeu que: • Os álcoois são compostos que possuem ao menos um grupo hidroxila ligado a um átomo de carbono com hibridização sp3, tendo como fórmula geral R–OH. • Os fenóis são compostos que apresentam o grupo hidroxila ligado a um carbono de um anel aromático, tendo como fórmula geral Ar–OH. • Devido à presença do grupo hidroxila, os álcoois e fenóis são compostos polares e podem formar ligações de hidrogênio. • Os álcoois e fenóis são nomeados de acordo com a nomenclatura sistemática (nomenclatura IUPAC), e existem regras e passos relativos a essa nomenclatura. • Os álcoois podem ser preparados por meio de reações de hidratação de alcenos por oximercuriação, caracterizada pela reação de um alceno com acetato de mercúrio (II) em meio de tetrahidrofurano. • A reação de hidratação por oximercuriação se processa de modo que o grupo OH se liga ao carbono mais substituído da ligação C=C do alceno, enquanto que o H se liga ao carbono menos substituído. • Os álcoois também podem ser preparados pelas reações de redução de compostos carbonílicos. • Nas reações de redução de compostos carbonílicos, a redução das cetonas leva à formação de álcoois secundários; e a redução de aldeídos, ácidos carboxílicos e ésteres leva à formação de álcoois primários. • O modomais utilizado para a preparação do fenol é pela reação do cumeno e gás oxigênio. • Os álcoois sofrem reação de desidratação para a produção de alcenos. • Os álcoois podem ser utilizados para o preparo de haletos de alquila e de compostos carbonílicos. 116 AUTOATIVIDADE 1 Dê os nomes dos seguintes álcoois ou fenóis e diga se se tratam de álcoois primários, secundários ou terciários: A) H3C CH3 OH OH B) H3C Cl OH C) D) OH CH2CH3 OH CH2CH3 E) F) H3C CH3 OH CH2CH3 H3C OH CH3 CH3 2 Qual é a estrutura dos seguintes álcoois e fenóis: a) 3,4-dimetilciclopentanol b) 6-bromo-4-etil-2-heptanol c) 2,2-dimetil-1-propanol d) 3-cloro-2-metilfenol 3 Considerando as reações para síntese de álcoois, preveja o produto obtido nas seguintes reações, identificando-as (tipos): A) B) 1. Hg(O2CCH3)2, H2O 2. NaBH4 ? H3PO4, H2O ? D) 1. LiAlH4 2. H3O+ ? C) O O OH 1. LiAlH4 2. H3O+ ? a) c) d) b) a) b) c) d) e) f) 117 4 Considerando as reações típicas dos álcoois, preveja o produto obtido nas seguintes reações, identificando-as (tipos): A) B) OH PBr3 OH H3O+ C) D) OH C5H6NCrO3Cl, CH2Cl2 OH CrO3, H3O+ a) b) d) c) 118 119 TÓPICO 2 REAÇÕES DE COMPOSTOS AROMÁTICOS UNIDADE 2 1 INTRODUÇÃO No livro de Química Orgânica I, estudamos os aspectos relacionados à estrutura e à nomenclatura dos compostos aromáticos. No entanto, não vimos nada relacionado à reatividade desses compostos, um assunto que é, na verdade, muito importante em química orgânica, pois muitas moléculas orgânicas apresentam grupos aromáticos e, portanto, sua química é bastante influenciada por eles. Dessa forma, a partir de agora, estudaremos os aspectos que regem a química dos compostos aromáticos. Como o anel aromático é caracterizado por ser extremamente estável e ter uma densidade eletrônicas bastante importante, é de se esperar que sua reatividade seja dependente desses fatores. Assim, para iniciar os estudos desse tópico, vamos entender como é o mecanismo típico das reações dos anéis aromáticos, para, assim, compreender quais produtos são formados. Estudaremos também as principais reações para a formação de compostos aromáticos substituídos, assim como os efeitos dos grupos substituintes sobre a reatividade e a posição do anel em que ocorrem as reações. 2 REAÇÃO DE SUBSTITUIÇÃO AROMÁTICA ELETROFÍLICA O benzeno, composto aromático mais simples (ou seja, que não contém nenhum grupo substituinte), pode ser utilizado para produzir diversos compostos aromáticos substituídos, por meio de reações de substituição aromática eletrofílica. As reações de substituição aromática eletrofílica são caracterizadas por terem um eletrófilo substituindo um átomo de hidrogênio do anel benzênico. Como vimos, o anel benzênico é um sistema cíclico conjugado de seis elétrons π. Desse modo, é um sistema de alta densidade eletrônica. Assim, nas reações de substituição aromática eletrofílica típicas, o anel aromático age como um doador de elétrons, ou seja, um nucleófilo, enquanto que o outro reagente age como um receptor de elétrons, um eletrófilo – vale dizer que as reações de substituição aromática eletrofílica são características de todos os tipos de compostos contendo anéis aromáticos, não apenas do benzeno. Veja na figura a seguir um mecanismo geral desse tipo de reação. UNIDADE 2 | ÁLCOOIS E FENÓIS 120 FIGURA 27 – MECANISMO GERAL PARA AS REAÇÕES DE SUBSTITUIÇÃO AROMÁTICA ELETROFÍLICA Benzen o substituído Intermediátio carbocátion Benzeno H - H++ EE E+ FONTE: A autora FONTE: A autora Como vemos na figura anterior, as reações de substituição aromática eletrofílica ocorrem em duas etapas: a primeira etapa consiste no ataque dos elétrons π de uma ligação dupla do anel aromático ao eletrófilo (designado como E+), gerando uma nova ligação no anel, assim como uma carga positiva no carbono adjacente à formação dessa nova ligação (vale ressaltar que nessa etapa o caráter aromático do composto é perdido); a segunda etapa é então a perda do íon de hidrogênio (H+) ligado ao carbono da nova ligação com o eletrófilo, regenerando a ligação dupla e, consequentemente, o anel aromático. As reações de substituição aromática eletrofílica podem ser classificadas de diversos modos dependendo dos reagentes, podendo ser (Figura 28): de halogenação (ou seja, substituição de um átomo de hidrogênio por um halogênio, –F, –Cl, –Br ou –I), de nitração (substituição por um grupo nitro, – NO2), de sulfonação (substituição por um grupo sulfônico, –SO3H), de alquilação (substituição por um grupo alquila, –R) ou de acilação (substituição por um grupo acila, –COR). FIGURA 28 – REAÇÕES TÍPICAS DOS ANÉIS AROMÁTICOS Anel aromático AcilaçãoAlquilaçãoSulfonaçãoNitraçãoHalogenação C R RSO3H O NO2X TÓPICO 2 | REAÇÕES DE COMPOSTOS AROMÁTICOS 121 Vamos ver algumas especificidades de cada uma delas agora. Volte ao livro de Química Orgânica I para relembrar os aspectos importantes dos compostos aromáticos. UNI • Halogenação aromática Primeiramente, é interessante dizer que os anéis aromáticos são menos reativos que os alcenos (compostos que podem ser comparados devido à presença das ligações duplas C=C). Essa menor reatividade pode ser explicada porque o intermediário das reações de substituição aromática eletrofílica é um composto não aromático, ou seja, a estabilidade típica dos aromáticos é perdida e para que esse intermediário seja formado, é preciso fornecer bastante energia ao sistema. Assim, diferentemente das reações de halogenação de alcenos, na halogenação aromática é necessário o uso de um catalisador, que age sobre o eletrófilo deixando-o mais reativo, mais eletrofílico (ou seja, com uma densidade de carga positiva mais pronunciada). De maneira geral, podemos dizer que as reações de fluoração de aromáticos não ocorrem, mas as reações de bromação, cloração e iodação ocorrem, desde que o meio reacional esteja correto. Por exemplo, na reação do gás de bromo (Br2) é necessário que seja introduzido na reação um catalisador como o brometo de ferro III (FeBr3). Esse catalisador forma com o Br2 a espécie [FeBr4-][Br+], ou seja, deixa um dos átomos de bromo com uma carga parcial positiva bastante pronunciada, tornando-o mais eletrofílico. Isso permite então o ataque dos elétrons π do anel aromático (nucleófilo) sobre esse bromo eletrofílico, formando uma nova ligação C–Br e um intermediário carbocátion (não aromático, como vimos anteriormente). A segunda etapa consiste, então, na perda do H+ pelo ataque da espécie [FeBr4-] e os elétrons dessa ligação C–H quebrada se movem regenerando o anel aromático e originando o produto de substituição, o bromobenzeno. Veja o mecanismo dessa reação na figura a seguir. UNIDADE 2 | ÁLCOOIS E FENÓIS 122 FIGURA 29 – MECANISMO PARA A HALOGENAÇÃO AROMÁTICA BromobenzenoIntermediátio carbocátion Benzeno H FeBr4- δ- δ- δ+ δ+ Fe Fe Fe + HBr + FeBr3 + + Br Br BrBr Br Br Br BrBr Br BrBr Br Br Br Br Br FONTE: A autora FONTE: A autora Um fato interessante é que nas reações de halogenação de alcenos, a segunda etapa é caracterizada pelo ataque do brometo (no caso) ao carbono positivo do carbocátion para a formação do um produto de adição. Já nos anéis aromáticos, como observamos na Figura 28, nessa segunda etapa, tem-se pela perda do H+, caracterizando a reação de substituição. Assim, evidenciamos que os aromáticos reagem por mecanismos de substituição e não de adição como os alcenos, pois o resultado de uma adição seria a formação de um anel não aromático, o que perderia a grande estabilidade típica dos anéis aromáticos (Figura 30). FIGURA 30 – COMPARAÇÃO ENTRE AS REAÇÕES DE SUBSTITUIÇÃO E DE ADIÇÃO EM COMPOSTOS AROMÁTICOS Br Br Br Reação de substituição permite a manutenção do caráter aromático Reação de adição levaria a um composto não-aromático, perdendo a estabilidade do composto NÃO OCORRE Adição Sub stit uiç ão + Br2 TÓPICO 2 | REAÇÕES DE COMPOSTOS AROMÁTICOS 123 FONTE:A autora A cloração de compostos aromáticos é feita facilmente pela reação com o gás cloro (Cl2) na presença de um catalisador, tipicamente o cloreto de ferro III (FeCl3), seguindo um mecanismo similar ao da bromação. Já a iodação necessita da adição de um agente oxidante (tipicamente o peróxido de hidrogênio ou o cloreto de cobre), que seja capaz de formar o iodeto (I-) no meio reacional, mais reativo para o ataque nucleofílico do anel aromático. • Nitração aromática A nitração de anéis aromáticos ocorre pela reação com o íon nitrônio (NO2+), formado a partir da protonação seguida da perda de água do ácido nítrico (HNO3) (geralmente, para isso, usa-se o ácido sulfúrico, H2SO4). O íon nitrônio, por ser um eletrófilo, é atacado pelos elétrons π do anel aromático, formando o carbocátion. Em seguida (do mesmo modo que vimos para a reação de bromação), há a perda do H+ e a formação do composto nitro-substituído. Na figura a seguir, podemos ver os mecanismos da reação de formação do íon nitrônio e da reação entre o benzeno e o íon nitrônio para a formação do nitrobenzeno. FIGURA 31 – MECANISMO PARA A NITRAÇÃO AROMÁTICA Intermediátio carbocátion NitrobenzenoBenzeno H + N+ N+ N+ H2O H2O H3O + O O O O O-O- O O H H H H + ++ + S O OO HO ++ + OO OO -O -O N + N N UNIDADE 2 | ÁLCOOIS E FENÓIS 124 • Sulfonação aromática A reação de sulfonação de anéis aromáticos se dá em meio de ácido sulfúrico fumegante (ou seja, uma solução de ácido sulfúrico com óxido sulfúrico, SO3). Na figura a seguir, observamos o mecanismo de reação da substituição aromática eletrofílica do benzeno com o íon HSO3+ (esse íon é formado pela reação entre o ácido sulfúrico e o óxido sulfúrico) para a obtenção do ácido benzenossulfônico. Esse mecanismo é semelhante aos mostrados anteriormente, ocorrendo em duas etapas. FIGURA 32 – MECANISMO PARA A SULFONAÇÃO AROMÁTICA Intermediátio carbocátion Ácido benzenossulfônico Benzeno + + + + H2O H3O + H H + ++ ++ S S S S S S S O O O HO HO HO HO HO HO O OO O OOO O OO-O -O-O -O FONTE: A autora • Alquilação aromática (reação de Friedel-Crafts) A reação de alquilação de compostos aromáticos, comumente conhecida por reação de Friedel-Crafts, em homenagem aos seus relatores, Charles Friedels (químico francês, 1832-1899) e James Crafts (químico americano, 1839-1917), ocorre pela reação de um anel aromático com um haleto de alquila. Tal reação se inicia pela formação de um carbocátion alquila a partir do haleto de alquila, devido à reação com um catalisador. Em seguida, inicia-se propriamente a reação de substituição aromática, com o ataque nucleofílico de uma ligação π do anel aromático ao carbono positivo do carbocátion alquila, fazendo com que seja formado um novo carbocátion, com o carbono positivo no anel. Assim como nas outras reações de substituição nucleofílica, há a perda do H+ e a regeneração do anel aromático, formando o composto alquil-substituído. Na figura a seguir, temos o mecanismo da reação entre o benzeno e 2-cloropropano para a obtenção do isopropilbenzeno (conhecido também como cumeno). Na figura a seguir, também, podemos ver que o 2-cloropropano reage com o cloreto de alumínio III (AlCl3) para formar o carbocátion devido à perda do átomo de cloro. TÓPICO 2 | REAÇÕES DE COMPOSTOS AROMÁTICOS 125 FONTE: A autora FONTE: A autora FIGURA 33 – MECANISMO PARA A ALQUILAÇÃO AROMÁTICA Intermediátio carbocátion Isopropilbenzeno + + + + + H3C H CI + AICI4- AICI4- AICI3 AICI3HCI H C H C H C CH3 CH CH H3C H3C H3C H3C CH3 CH3 CH3 CH3 Benzeno + • Acilação aromática A acilação de compostos aromáticos ocorre devido à reação com um cloreto de ácido (RCOCl) catalisada pelo cloreto de alumínio III (AlCl3). A reação de acilação ocorre de modo semelhante às reações de Friedel-Crafts, uma vez que é necessário que se forme, inicialmente, um cátion acila, que vai agir como um eletrófilo, devido à perda do cloro. Na figura a seguir, temos o mecanismo da reação entre o benzeno e o cloreto de acetila para a obtenção da acetofenona. FIGURA 34 – MECANISMO PARA A ACILAÇÃO AROMÁTICA H3C C O AICI3 AICI3 Benzeno Intermediátio carbocátion Acetofenona H AICI4- AICI4- CC C C H3C HCI CI H3C H3C H3C O O O O + + + + + + + UNIDADE 2 | ÁLCOOIS E FENÓIS 126 2.1 EFEITO DOS SUBSTITUINTES NAS REAÇÕES DE SUBSTITUIÇÃO ELETROFÍLICA AROMÁTICA As reações que estudamos anteriormente referiam-se a reações do benzeno, ou seja, de um composto aromático sem substituinte algum, o que faz com que as reações de substituição eletrofílica aromática se processem originando um único produto de substituição. No entanto, a situação se torna mais complexa quando o reagente é um composto aromático já substituído, uma vez que esse substituinte apresenta dois efeitos importantes sobre a reação de substituição eletrofílica aromática: a reatividade do composto e a orientação com que o segundo substituinte vai ser adicionado ao anel aromático monossubstituído. De fato, os compostos aromáticos monossubstituídos não possuem a mesma reatividade do benzeno, uma vez que a presença e a natureza do substituinte causam efeitos eletrônicos que podem fazer com que esse composto fique mais reativo (como é o caso da presença de um substituinte hidroxila, -OH, que torna o composto aromático mais de mil vezes mais reativo que o benzeno) ou menos reativo (caso do substituinte nitro, –NO2, que diminui em dez milhões de vezes a reatividade comparado ao benzeno). Como vimos quando estudamos os compostos aromáticos, os aromáticos dissubstituídos podem ter configuração orto, meta ou para. Desse modo, quando dizemos que o substituinte tem um efeito sob a orientação de entrada do segundo substituinte, estamos referindo-nos justamente à configuração orto, meta ou para adquirida pelo produto final (o aromático dissubstituído). De fato, em reações de substituição eletrofílica de compostos aromáticos monossubstituídos, observa-se que os produtos dissubstituídos orto, meta e para não são obtidos na mesma proporção, como resultado do efeito do substituinte que já está presente no anel aromático. Os efeitos sob a reatividade e a orientação da reação são complementares, sendo resultados de efeitos de ordem indutiva e de ressonância. No entanto, o que são exatamente esses efeitos? Os efeitos indutivos são relacionados à ligação σ, mais precisamente, à retirada ou doação de elétrons que acontece via ligação σ devido à diferença de eletronegatividade dos elementos químicos que participam dessa ligação. No que se refere especificamente aos anéis aromáticos, substituintes como halogênios (–F, –Cl, –Br ou –I, designados como –X), grupos carbonila (–C=O) e grupos nitro (–NO2), por exemplo, são grupos que, devido à alta eletronegatividade dos elementos químicos que os compõem, retiram por efeito indutivo elétrons do anel aromático via ligação σ. Por outro lado, os substituintes alquila (–R) doam elétrons por efeito indutivo para o anel aromático via ligação σ (Figura 35). TÓPICO 2 | REAÇÕES DE COMPOSTOS AROMÁTICOS 127 FIGURA 35 – EFEITO INDUTIVO DOS SUBSTITUINTES O- Grupo alquila Efeito indutivo Grupos que doam elétrons via ligação σ Grupos que retiram elétrons via ligação σ Grupo nitro Grupo carbonila Halogênios C N+ R RX O O FONTE: A autora Já os efeitos de ressonância são relacionados à retirada ou doação de elétrons entre o substituinte e o anel aromático por meio de uma ligação π. Isso ocorre devido a uma sobreposição entre os orbitais p do substituinte e do anel aromático. Grupos substituintes que possuem como estrutura geral –Y=Z, em que o átomo Y está ligado ao anel aromático e o átomo Z está ligado, por ligações múltiplas (dupla ou tripla), ao átomo Y, são conhecidos por serem grupos que retiram elétrons do anel aromático (ou seja, atraem para si os elétrons π do anel, deixando uma carga positiva sobre o anel). A explicação para esse fato é que os átomosZ podem atrair para si os elétrons π devido à sua alta eletronegatividade e a ressonância possibilitada pela presença da ligação múltipla. Assim, como exemplos de grupos que retiram elétrons por ressonância, pode-se citar os grupos carbonila (–C=O), nitro (–NO2) e ciano (–C≡N). Por outro lado, grupos que têm um átomo eletronegativo e ao menos um par de elétrons isolados ligados ao anel aromático são conhecidos por serem grupos doadores de elétrons (ou seja, os elétrons π do substituinte fluem em direção ao anel aromático, deixando com uma carga negativa). Exemplos de grupos substituintes que doam elétrons π ao anel aromático são os halogênios (–X) e os grupos hidroxila (–OH), alcoxilas (–OR) e amino (–NH2). O efeito de ressonância acontece devido à possibilidade de doação do par de elétrons isolados (pertencentes a orbitais p) dos átomos ligados ao anel aromático. Veja nas figuras a seguir como os efeitos de ressonância guiados por grupos retiradores ou doadores de elétrons criam uma carga positiva ou negativa, respectivamente, sobre os átomos de carbono presentes no anel aromático. UNIDADE 2 | ÁLCOOIS E FENÓIS 128 FIGURA 36 – EFEITO DE RESSONÂNCIA DOS SUBSTITUINTES RETIRADORES DE ELÉTRONS FONTE: McMurry (2012, p. 542) FIGURA 37 – EFEITO DE RESSONÂNCIA DOS SUBSTITUINTES DOADORES DE ELÉTRONS FONTE: McMurry (2012, p. 543) Repare na Figura 36 que os efeitos de ressonância gerados pelos grupos retiradores de elétrons induzem uma carga positiva sobre os átomos de carbono nas posições orto e para em relação ao substituinte, enquanto que os grupos doadores de elétrons (Figura 37), ao contrário, induzem uma carga negativa nas posições orto e para. TÓPICO 2 | REAÇÕES DE COMPOSTOS AROMÁTICOS 129 Vele ressaltar que muitas vezes os efeitos indutivos e de ressonância não agem no mesmo sentido. Por exemplo, os grupos hidroxila, alcoxila e amino e os halogênios, por terem um átomo eletronegativo ligado ao anel aromático, são classificados como grupos retiradores de elétrons por efeito indutivo; no entanto, como esses mesmos átomos – os átomos do substituinte ligados ao anel aromático – possuem um par de elétrons isolados, eles doam elétrons ao anel por efeito de ressonância. Nesses casos, o efeito mais pronunciado (o indutivo ou o de ressonância) prevalece, resultando numa maior ou menor reatividade do composto monossubstituído e na definição da posição (orto, meta ou para) em que o segundo substituinte será adicionado em uma reação de substituição aromática eletrofílica. Por outro lado, substituintes como nitro, carboxila e ciano são grupos retiradores de elétrons do anel aromático, tanto por efeito indutivo quanto por efeito de ressonância. É importante atentar-se a isso para entender o que são os grupos ativadores e desativadores e o que significa dizer que eles são dirigentes orto, meta ou para, que serão discutidos a seguir, uma vez que os substituintes são classificados em três grupos: 1) os ativadores dirigentes orto e para; 2) os desativadores dirigentes orto e para e 3) os desativadores dirigentes meta. 2.1.1 Grupos ativadores ou desativadores dos anéis aromáticos Vimos que as reações de substituição aromática eletrofílica acontecem por um mecanismo em que é formado um intermediário carbocátion. Desse modo, podemos dizer que grupos substituintes capazes de doar elétrons ao anel aromático podem estabilizar esse intermediário carbocátion (ou seja, facilitam a sua formação, uma vez que eles diminuem o efeito da carga positiva do carbocátion). Assim, tais grupos, devido a esse efeito de estabilização, são classificados como grupos ativadores de anéis aromáticos. Vimos anteriormente que os grupos substituintes podem retirar ou doar elétrons ao anel aromático por meio de dois efeitos, o efeito indutivo e o efeito de ressonância. Vimos que os grupos alquila podem doar elétrons ao anel aromático por efeito indutivo e que eles não possuem efeito de ressonância (uma vez que são ligações múltiplas no grupo), fatos que os classificam como grupos ativadores do anel aromático. Vimos também que os grupos que geram efeitos de doação (por efeito de ressonância) e de retirada de elétrons (por efeito indutivo) serão classificados como ativadores ou desativadores dos anéis aromáticos dependendo de qual efeito se sobressai. Para os grupos hidroxila, alcoxila e amino, o efeito de ressonância é mais pronunciado do que o indutivo, tornando tais grupos ativadores. De outro modo, os grupos desativadores dos anéis aromáticos são caracterizados por retirarem elétrons do anel, desestabilizando, portanto, o carbocátion intermediário. Os grupos nitro, carbonila e ciano possuem efeito de retirada de elétrons por efeitos indutivo e de ressonância, sendo classificados, UNIDADE 2 | ÁLCOOIS E FENÓIS 130 então, como grupos desativadores. Já os halogênios, apesar de doarem elétrons por efeito de ressonância, são classificados também como desativadores devido ao efeito pronunciado de retirada de elétrons por efeito indutivo. A figura a seguir mostra os mapas de potencial eletroestático para o tolueno, o fenol, o nitrobenzeno e o bromobenzeno. FIGURA 38 – MAPAS DE POTENCIAL ELETROESTÁTICO PARA O TOLUENO, O FENOL, O NITROBENZENO E O BROMOBENZENO FONTE: A autora Retiram elétrons por efeito indutivo Grupos –X TÓPICO 2 | REAÇÕES DE COMPOSTOS AROMÁTICOS 131 Como podemos ver na figura anterior, a região sobre o anel aromático para o tolueno (que possui um grupo substituinte metila) e para o fenol é bastante avermelhada (indicando uma região rica em elétrons), consequência dos efeitos de doação de elétrons ao anel aromático. Já para o nitrobenzeno, essa região torna-se bastante esverdeada (região mais pobre em elétrons), devido à soma dos efeitos indutivo e de ressonância de retirada de elétrons do anel em direção ao substituinte nitro. Para o bromobenzeno, a região sobre o anel aromático é alaranjada (região mais pobre em elétrons do que uma região avermelhada, mas mais rica em relação a uma região esverdeada), indicando que o bromo doa elétrons por efeito de ressonância, mas esse efeito não é bastante pronunciado, pois o bromo também pode retirar elétrons do anel devido ao efeito indutivo. Sabendo então o que define se um grupo será desativador ou ativador dos anéis aromáticos, analisaremos agora o efeito desses substituintes na posição em que um segundo substituinte irá se ligar em uma reação de substituição aromática eletrofílica. Assim, estudaremos os ativadores dirigentes orto e para, os desativadores dirigentes orto e para e os desativadores dirigentes meta. Quando dizemos que um substituinte é dirigente, queremos dizer que ele direciona o segundo substituinte a se ligar a uma determinada posição em relação ao primeiro substituinte. Ou seja, se o substituinte é classificado como um dirigente orto e para, significa que os produtos majoritários da reação com um segundo substituinte serão os compostos orto e para. UNI • Ativadores dirigentes orto e para De acordo com as classificações dos grupos substituintes, os grupos ativadores só podem ser ativadores dirigentes orto e para. Vamos compreender, então, porque isso acontece. Para isso, estudaremos o mecanismo de reação de substituição aromática eletrofílica da reação entre um grupo nitro e o tolueno (que possui já um substituinte metila no anel aromático). O esquema para essa reação é dado na figura a seguir. Retiram elétrons por efeito indutivo Grupos –X UNIDADE 2 | ÁLCOOIS E FENÓIS 132 FIGURA 39 – GRUPOS ATIVADORES DIRIGENTES ORTO E PARA FONTE: A autora Repare na figura anterior que quando o segundo substituinte, o –NO2, adiciona-se nas posições orto e para em relação ao grupo –CH3, é possível que o carbocátion intermediário adquira uma configuração de carbocátion terciário, mais estável que os secundários e primários, como já estudamos. No entanto, quando o grupo –NO2 adiciona-se na posição meta aos carbocátions estabilizados por ressonância, adquiremapenas configurações de carbocátion secundário (menos estável). Um esquema parecido ocorre quando se processa a reação de nitração para outros compostos aromáticos monossubstituídos com grupos ativadores do anel, como o fenol (que tem um substituinte hidroxila) ou o aminobenzeno (que tem um substituinte amino). Assim, devido à formação de um carbocátion terciário para as reações que ocorrem nas posições orto e para (o que não ocorre na posição meta), todos os grupos ativadores acabam sendo dirigentes orto e para. • Desativadores dirigentes orto e para Os halogênios, como vimos, são tidos como grupos desativadores do anel aromático devido à habilidade em retirar elétrons via efeito indutivo. No entanto, os halogênios também têm um efeito de ressonância que doa elétrons para o anel e é devido a esse efeito, embora bastante fraco, que possibilita que sejam formados carbocátions por ressonância em que a carga positiva não esteja sobre o anel aromático, mas sim sobre o halogênio, o que estabiliza o carbocátion. Veja na figura a seguir, que traz a reação de nitração do bromobenzeno, como isso acontece. TÓPICO 2 | REAÇÕES DE COMPOSTOS AROMÁTICOS 133 FIGURA 40 – GRUPOS DESATIVADORES DIRIGENTES ORTO E PARA FONTE: A autora FONTE: A autora • Desativadores dirigentes meta Os grupos desativadores dirigentes meta são aqueles que possuem os efeitos indutivo e de ressonância na mesma direção (ou seja, retiram elétrons do anel aromático), reforçando-se. Veja na figura a seguir os carbocátions intermediários formados na reação de nitração do nitrobenzeno. FIGURA 41 – GRUPOS DESATIVADORES DIRIGENTES META UNIDADE 2 | ÁLCOOIS E FENÓIS 134 Diferentemente do que ocorre nos casos dos grupos ativadores do anel aromático, para os desativadores, a criação de uma carga positiva diretamente sobre o carbono ligado aos grupos substituintes retiradores faz com que esses grupos consigam atrair com ainda mais força os elétrons do anel, consequentemente, desestabilizando. Como podemos ver na Figura 41, essa configuração (ou seja, a configuração em que o carbocátion tem a carga positiva diretamente sobre o carbono ligado ao grupo retirador) é observada quando as reações de substituição aromática eletrofílica ocorrem nas posições orto e para. Assim, como as posições orto e para geram intermediários carbocátions menos estáveis, as reações que envolvem grupos retiradores por efeitos indutivo e de ressonância fazem com que o produto majoritário da reação seja o composto meta. A figura a seguir traz um resumo da classificação dos grupos em ativadores dirigentes orto e para, os desativadores dirigentes orto e para e os desativadores dirigentes meta. FIGURA 42 – REATIVIDADE RELATIVA DE COMPOSTOS AROMÁTICOS MONOSSUBSTITUÍDOS FONTE: A autora EXEMPLO Preveja qual(is) o(s) produto(s) majoritário(s) da reação de sulfonação do fenol. RESPOSTA Como o fenol é um composto aromático monossubstituído (pois apresenta uma hidroxila), o primeiro passo para resolver essa questão é analisar se esse substituinte é dirigente orto e para ou dirigente meta. Como vimos, o grupo hidroxila é um grupo dirigente orto e para (veja Figura 42), devido ao efeito de doação de elétrons por ressonância (em razão do par de elétrons isolados do átomo de oxigênio). Assim, os produtos majoritários da reação de sulfonação do fenol serão os produtos orto e para substituídos, como esquematizado a seguir: OH OH + SO3 + H2SO4 OH SO3H HO3S + Ácido orto-fenolsulfônico Ácido para-fenolsulfônico Fenol TÓPICO 2 | REAÇÕES DE COMPOSTOS AROMÁTICOS 135 3 REAÇÕES DE OXIDAÇÃO E REDUÇÃO DE COMPOSTOS AROMÁTICOS Apesar da presença de ligações duplas C=C, o anel aromático, por ser bastante estável, acaba sendo inerte às reações de oxidação e redução. No entanto, compostos aromáticos substituídos podem sofrer reações desse caráter no substituinte. Por exemplo, compostos aromáticos substituídos com grupos alquila podem sofrer facilmente reação de oxidação se tratados com agentes oxidantes fortes, como o permanganato de potássio (KMnO4) e o dicromato de sódio (Na2Cr2O7). O anel aromático permanece intacto, enquanto que o grupo alquila é transformado em um grupo funcional de ácido carboxílico, gerando sempre como produto o ácido benzoico - não importa o tamanho da cadeia do grupo alquila, nas reações de oxidação de aromáticos alquilsubstituídos o grupo alquila sempre é clivado no carbono ligado ao anel aromático, gerando um grupo carboxílico (–COOH). EXEMPLO Qual produto é esperado para a reação dos compostos abaixo com o permanganato de potássio? CH2CH2CH3 H3C A) CH2CH2CH3O2NB) RESPOSTAS a) Analisando a estrutura do composto, vemos que ele se trata de um composto aromático para-dissubstituído. Além disso, podemos perceber que ambos os grupos substituintes são grupos alquila, um metila e um propila. Como dito anteriormente, nas reações de oxidação de compostos aromáticos, a região do anel aromático permanece intacta, enquanto que os grupos alquila sofrem clivagem oxidativa gerando grupos carboxílicos, não importando o tamanho da cadeia desse grupo alquila. Assim, o produto dessa reação é: C C O OH O HO a) b) UNIDADE 2 | ÁLCOOIS E FENÓIS 136 b) Nesse caso, temos um composto aromático meta-dissubstituído com um grupo alquila e um grupo nitro. Nas reações com o permanganato de potássio apenas o grupo alquila vai sofrer oxidação, gerando um grupo carboxílico. Dessa forma, a estrutura do produto é: CO2N O OH As reações de redução de compostos aromáticos não acontecem sob as mesmas condições para os alcenos, por exemplo. No entanto, é possível realizar a hidrogenação (redução) dos anéis aromáticos se o composto for colocado para reagir com gás hidrogênio, sob pressão muito elevada e utilizando-se um catalisador de platina. Nessas condições, os anéis aromáticos são convertidos, então, em um ciclohexano. EXEMPLO Qual composto é esperado pela reação entre o para-xileno e o gás hidrogênio sob altas pressões, utilizando-se um catalisador de platina? RESPOSTA Vimos que as reações de hidrogenação catalítica de compostos aromáticos se processam na região do anel aromático. Dessa forma, o esquema dessa reação, que mostra os regentes e o produto é: CH3 H3C CH3 H3C H2, Pt 137 RESUMO DO TÓPICO 2 Nesse tópico, você aprendeu que: • Os compostos aromáticos reagem, prioritariamente, por reações de substituição aromática eletrofílica, pois desse modo a estabilidade do anel aromático é mantida. • As reações de substituição aromática eletrofílica são caracterizadas por terem um eletrófilo substituindo um átomo de hidrogênio do anel aromático (o anel aromático age como um doador de elétrons, ou seja, um nucleófilo, enquanto que o outro reagente age como um receptor de elétrons, um eletrófilo). • No mecanismo de substituição aromática eletrofílica há a formação de um carbocátion intermediário. • As reações de substituição aromática eletrofílica podem ser classificadas como de halogenação, de nitração, de sulfonação, de alquilação ou de acilação. • Os substituintes afetam a reatividade e a posição de substituição nos compostos aromáticos monossubstituídos por meio de efeitos indutivos e de ressonância. • Os efeitos indutivos são relacionados à retirada ou doação de elétrons que acontece via ligação σ devido à diferença de eletronegatividade dos elementos químicos que participam dessa ligação. • Os efeitos de ressonância são relacionados à retirada ou doação de elétrons entre o substituinte e o anel aromático por meio de uma ligação π, devido a uma sobreposição entre os orbitais p do substituinte e do anel aromático. • Os grupos ativadores do anel aromático são aqueles que doam elétrons ao anel aromático, estabilizando o carbocátion intermediário. • Os grupos desativadores são aqueles que retiram elétrons ao anel aromático, desestabilizando o carbocátion intermediário. • Que os substituintes podem ser classificados em ativadores dirigentes orto e para,desativadores dirigentes orto e para e desativadores dirigentes meta. • Os anéis aromáticos dificilmente reagem em reações de oxidação, no entanto, os grupos alquila substituintes em compostos aromáticos podem sofrer oxidação para a formação de álcoois. • Sob condições bastante drásticas (altas pressões), os anéis aromáticos podem ser convertidos em ciclohexano em reações de redução. 138 AUTOATIVIDADE 1 Quais reagentes você utilizaria para preparar os seguintes compostos aromáticos monossubstituídos? (Identifique os tipos de reações): A) CH2CH2CH3 B) Cl C) NO2 D) SO3H 2 Classifique os seguintes substituintes em anéis aromáticos quanto: a) a ativação ou desativação de anéis aromáticos. b) em dirigentes orto e para ou dirigentes meta. Grupos substituintes: –F; –CN; –NO2; –OH; –I; –CO2H; –CH2CH3; –NH2. 3 Complete o quadro a fim de identificar o efeito dos substituintes nas reações de substituição aromática eletrofílica. a) b) c) d) Grupo substituinte Efeito sobre a reatividade Efeito na orientação Efeito indutivo Efeito de ressonância –R –OH –NH2 Halogênios NO2 –COOCH3 4 Preveja o(s) produto(s) majoritário(s) das seguintes reações: C + NO2+ N ? A) I + NO2+ ? B) b) a) 139 TÓPICO 3 AMINAS UNIDADE 2 1 INTRODUÇÃO Até agora, com exceção dos haletos de alquila (caracterizados por possuírem ao menos uma ligação entre um carbono e um halogêneo), estudamos, principalmente, os grupos funcionais formados por átomos de carbono e hidrogênio (como os hidrocarbonetos) ou por átomos de carbono e oxigênio (como os éteres, os epóxidos, os álcoois e fenóis). Porém, nos nossos estudos de Química Orgânica I, vimos que átomos de outros elementos químicos também são comumente encontrados em compostos orgânicos, dentre os quais podemos destacar o nitrogênio. Desse modo, estudaremos agora um grupo funcional caracterizado pela presença do elemento químico nitrogênio, as aminas. Como fizemos com os outros grupos funcionais, começaremos discutindo alguns exemplos de aminas presentes na natureza e de importância comercial, depois passaremos para a análise de suas estruturas e propriedades e aprenderemos suas regras de nomeação. Por fim, estudaremos a química das aminas, identificando processos para síntese desses compostos e algumas das suas reações típicas. 2 AMINAS As aminas são uma classe de compostos orgânicos que possuem um grupo nitrogenado derivado da amônia (NH3). Na verdade, podemos considerar que as aminas são o resultado da substituição de um ou mais hidrogênios da amônia por grupos orgânicos, podendo, desse modo, serem classificadas em três grupos: as aminas primárias, nas quais apenas um átomo de hidrogênio da amônia é substituído por um grupo orgânico (cuja fórmula geral é NH2R); as aminas secundárias, em que dois átomos de hidrogênio são substituídos por grupos orgânicos (NHR2); e as aminas terciárias, nas quais os três hidrogênios são substituídos por grupos orgânicos (NR3). Veja na figura a seguir as estruturas gerais das aminas primária, secundária e terciária. 140 UNIDADE 2 | ÁLCOOIS E FENÓIS FIGURA 43 – ESTRUTURAS DAS AMINAS PRIMÁRIAS, SECUNDÁRIAS E TERCIÁRIAS FONTE: A autora As aminas são amplamente encontradas na natureza. Por exemplo, a trimetilamina e a 1,5-pentanodiamina (comumente conhecida por cadaverina) são produzidas durante a decomposição de matéria orgânica de plantas e de animais (é tipicamente o cheiro dela que identificamos quando algum material entra em decomposição). Além disso, drogas como a cocaína, a nicotina e a morfina são pertencentes ao grupo das aminas. De fato, as aminas são muito importantes em diversos processos biológicos, sendo encontradas nas proteínas e em hormônios como a adrenalina e a noradrenalina. Na figura a seguir são mostradas as estruturas desses compostos. FIGURA 44 – ESTRUTURAS DE ALGUMAS AMINAS ENCONTRADAS NA NATUREZA FONTE: A autora TÓPICO 3 | AMINAS 141 FONTE: A autora 2.1 ESTRUTURA E PROPRIEDADES DE AMINAS O átomo de nitrogênio presente nas aminas tem uma hibridização sp3 (a mesma para o carbono que forma apenas ligações simples), sendo que três desses orbitais sp3 formam ligações com o hidrogênio ou com grupos orgânicos, e um deles é ocupado apenas pelo par de elétrons isolados do átomo de nitrogênio. Como consequência, as aminas possuem uma geometria tetraédrica, como esquematizada na figura a seguir. FIGURA 45 – ORBITAIS HIBRIDIZADOS SP3 DO NITROGÊNIO Para relembrar o conteúdo de hibridização, volte à Unidade 1 do livro de Química Orgânica I UNI Um fato interessante sobre as aminas é que as primárias e secundárias podem formar ligações de hidrogênio (uma vez que elas possuem o átomo de hidrogênio ligado ao átomo de nitrogênio eletronegativo), enquanto que as aminas terciárias não (já que todos os átomos de hidrogênio foram substituídos por grupos orgânicos). Com base nisso, podemos dizer que as aminas primárias, por possuírem dois átomos de hidrogênio, podem formar mais ligações de hidrogênio do que as aminas secundárias. Assim, se compararmos os pontos de ebulição de aminas primárias, secundárias e terciárias de massa molar e estrutura semelhantes, observaremos que as aminas primárias terão maior ponto de ebulição, seguidas das aminas secundárias, seguidas das aminas terciárias. 142 UNIDADE 2 | ÁLCOOIS E FENÓIS Do mesmo modo, podemos inferir que as aminas primárias e secundárias possuem pontos de ebulição maiores que os alcanos com massa molar correspondente – por exemplo, o ponto de ebulição do propano é de -42 ºC (massa molar igual a 44 g/mol), enquanto que o da etilamina, uma amina primária (de massa molar igual a 45 g/mol), é de 17 ºC. No entanto, o átomo de nitrogênio é menos eletronegativo que o de oxigênio, fazendo com que as ligações de hidrogênio entre moléculas de aminas sejam relativamente mais fracas que as ligações de hidrogênio entre moléculas de álcool. Assim, uma amina primária tem um ponto de ebulição um pouco mais baixo do que o de um álcool com massa molar similar – por exemplo, vimos que o ponto de ebulição da etilamina é de 17 ºC, enquanto que o do etanol (massa molar de 46 g/mol) é de 78 ºC. Com relação à solubilidade em água, podemos dizer que aminas primárias e secundárias de baixa massa molar (formadas por até cinco átomos de carbono) são bastante solúveis em água, pois podem interagir por ligações de hidrogênio com as moléculas de água. Já as aminas terciárias de baixa massa molar possuem solubilidade limitada, pois não podem formar essas ligações de hidrogênio. Assim como para os álcoois, à medida que a massa molar das aminas aumenta, sua solubilidade em água diminui. 2.2 REGRAS DE NOMENCLATURA PARA AMINAS O sistema de nomenclatura sistemático das aminas é similar aos sistemas vistos para os outros grupos funcionais, mas tem algumas especificidades. • Aminas primárias: nesse caso, usa-se o sufixo -amina no lugar da terminação -o para os alcanos. Identifica-se o carbono da cadeia carbônica ao qual o nitrogênio está ligado, colocando esse número antes do nome da cadeia principal; no caso de haver mais de um grupo amina, colocar os prefixos di e tri (figura a seguir). FIGURA 46 – NOMENCLATURA DE AMINAS PRIMÁRIAS FONTE: A autora • Aminas secundárias e terciárias: usa-se o sufixo -amina e identifica-se o maior grupo orgânico substituinte como pertencente à cadeia principal e os outros grupos orgânicos serão tratados como substituintes. Identifica-se o número do carbono ao qual o nitrogênio está ligado, e aos outros grupos ligados ao nitrogênio (tidos como substituintes) coloca-se a identificação N, para salientar que o grupo está ligado ao nitrogênio em vez de ao carbono (figura a seguir). TÓPICO 3 | AMINAS 143 FONTE: A autora FIGURA 47 – NOMENCLATURA DE AMINAS SECUNDÁRIAS E TERCIÁRIAS Aminas secundárias e terciárias: usa-se o sufixo-amina e identifica-se a cadeia carbônica maior dos substituintes como a principal ERRADO: desse modo o grupo orgânico menor éidentificado como a cadeia principal e o substituinte tem mais carbonos que esse grupo principal Cadeia carbônica maior ligada ao átomo de nitrogênio: 3 átomos de carbono e o nitrogênio está ligado ao carbono de número 1 → 1-propanamina substituintes (outros dois grupos orgânicos ligados ao nitrogênio) -CH2CH3(nomeado como N-etil) -CH3 (nomeado como N-metil) N-etil-3-hexanamina CERTO: a cadeia carbônica maior ligada ao grupo amino contém 6 carbonos e identifica-se que o grupo amino está ligado ao carbono de Número 3. O outro grupo orgânico (cadeia orgânica menor) é identificado como um substituinte (etila) e adiciona-se um N antes do seu nome para identificar que ele está ligado a um átomo de nitrogênio N-etil-N-mentil-1-propanamina CH3CH2CH2NCH 2CH 3 CH 3 OH 321 Amina terciária Amina secundária 5432 61 CH3CH2CHCH2CH 2CH 3 CH3CH2CHCH2CH 2CH 3 CH2CH2NH CH2CH2NH FONTE: A autora Vale dizer que para as aminas secundárias e terciárias simétricas (isso é, em que todos os grupos orgânicos ligados ao átomo de nitrogênio são idênticos), nomeia- se utilizando-se os prefixos di- (para as secundárias) ou tri- (para as terciárias). É importante salientar que o grupo funcional amino ( –NH2) não tem prioridade sobre outros grupos funcionais. Assim, se em uma molécula houver o grupo amino e outro grupo funcional, o grupo amino será considerado um substituinte (figura a seguir). FIGURA 48 – GRUPO AMINO COMO SUBSTITUINTE Ácido 2-aminobulanóico4-amino-2-butanona H2N NH2 OH O O 144 UNIDADE 2 | ÁLCOOIS E FENÓIS 2.3 SÍNTESE DE AMINAS As aminas podem ser preparadas por diversos métodos, vamos estudar alguns deles na sequência. 2.3.1 A partir de haletos de alquila Um dos métodos mais simples de se sintetizar aminas é pela reação da amônia ou de aminas (primárias, secundárias ou terciárias) com haletos de alquila, seguido do tratamento em meio básico (geralmente com o hidróxido de sódio). Devido à presença do par de elétrons isolado do átomo de nitrogênio, a amônia e as aminas são bons nucleófilos, fazendo com que essa reação se processe por um mecanismo de substituição nucleofílica bimolecular (SN2). Na figura a seguir são apresentados exemplos gerais dessas reações. Note que se a reação se processa entre um haleto de alquila e a amônia, temos a formação de uma amina primária; já se utiliza-se uma amina primária, o produto é uma amina secundária; se utiliza-se uma amina secundária, obtém-se uma amina terciária; e se utiliza-se uma amina terciária, obtém-se um sal de amônio quaternário. FIGURA 49 – REAÇÕES COM HALETOS DE ALQUILA FONTE: A autora TÓPICO 3 | AMINAS 145 FONTE: A autora Um íon quaternário de amônio são cátions de fórmula geral NR 4 +, sendo R qualquer radical alquila. Geralmente, são encontrados como sais quaternários de amônio, em que o cátion quaternário de amônio é estabilizado por um ânion (que são comumente ânions de halogênios). Os sais quaternários de amônio são bastante utilizados na composição de amaciantes, condicionadores e loções, pois, por serem tensoativos catônicos, eles neutralizam as cargas negativas deixadas por tensoativos aniônicos (que estão presentes em sabões em pó e xampus). É justamente por isso que utilizamos condicionadores e amaciantes após lavarmos os cabelos e as roupas, respectivamente. UNI 2.3.2 Aminação redutiva de aldeídos e cetonas A aminação redutiva de aldeídos e cetonas é uma reação que se processa entre um aldeído ou uma cetona com a amônia ou aminas (primárias ou secundárias) na presença de um agente redutor [geralmente, utiliza-se o boro hidreto de sódio, NaBH4, ou o triacetoxiborohidreto de sódio, NaBH(O2CCH3)3]. Na figura a seguir, há o mecanismo de reação da aminação redutiva de uma cetona com a amônia para produzir uma amina primária. FIGURA 50 – MECANISMO DE REAÇÃO DA AMINAÇÃO REDUTIVA DE UMA CETONA Como podemos observar na figura anterior, a reação se inicia pelo ataque nucleofílico do par de elétrons isolados da amônia ao carbono da ligação carbonílica da cetona (esse carbono fica propício ao ataque devido à quebra da ligação C=O iniciada pelo meio ácido, deixando-o com uma carga positiva), formando um intermediário com um grupo hidroxila e um grupo amino. Em seguida esse intermediário sofre um rearranjo intramolecular, fazendo com que ele perca uma molécula de água e haja a formação de uma ligação C=N. Por fim, devido à reação de redução com o boro hidreto de sódio, há a formação da amina primária. 146 UNIDADE 2 | ÁLCOOIS E FENÓIS Vale dizer que, assim como vimos para a reação com os haletos de alquila, as aminas primárias e secundárias podem reagir com cetonas ou aldeídos em uma reação de aminação redutiva gerando aminas secundárias e terciárias, respectivamente. 2.3.3 Rearranjo de Hofmann O rearranjo de Hofmann ocorre quando uma amida primária (um derivado de ácido carboxílico, que tem um grupo amino no lugar de uma hidroxila, de fórmula geral RCONH2) reage com gás bromo (Br2) em meio básico. O resultado da reação é uma perda de um átomo de carbono para a formação de uma amina primária. A figura a seguir mostra o mecanismo de uma reação típica entre uma amida primária para a formação da amina primária pelo rearranjo de Hofmann. FIGURA 51 – MECANISMO DO REARRANJO DE HOFMANN FONTE: A autora Como podemos observar na figura anterior, a reação para a formação de uma amina primária pelo rearranjo de Hofmann inicia-se pelo ataque nucleofílico do ânion hidroxila (presente devido ao meio básico) a um hidrogênio ligado ao grupo amino, fazendo com que o composto perca uma molécula de água e forme um ânion amida. O par de elétrons do átomo de nitrogênio do anino amida ataca, TÓPICO 3 | AMINAS 147 então, um átomo de bromo do Br2 levando à formação de uma bromoamida. Na sequência, há um ataque do íon hidroxila ao hidrogênio ligado ao nitrogênio, o que deixa uma carga positiva sobre o átomo de nitrogênio, levando à formação de um ânion com uma ligação N–Br. Esse ânion sofre um rearranjo intramolecular que faz com que o grupo R1, antes ligado ao carbono da carbonila, migre em direção ao átomo de nitrogênio ao mesmo tempo que a ligação N–Br é quebrada, fazendo com que seja formado um isocianato. Esse isocianato reage é atacado por ion hidroxila para a formação de uma ligação C–OH, enquanto que os elétrons da ligação dupla C=N atacam um hidrogênio proveniente da água, formando uma ligação N–H, e gerando um ácido carbâmico. Por fim, o ácido carbâmico perde espontaneamente uma molécula de dióxido de carbono, levando à formação da amina primária. 2.4 REAÇÕES DE AMINAS Uma das reações mais importantes para as aminas é justamente a reação com os haletos de alquila, como vimos anteriormente. Além de ser uma forma de produzir aminas primárias a partir da amônia, ou aminas secundárias e terciárias a partir de aminas primárias e secundárias, respectivamente, a reação com os haletos de alquila pode ser entendida como reações de alquilação de aminas, uma vez que elas levam à substituição do átomo de hidrogênio ligado ao nitrogênio por grupos alquila. As aminas também podem sofrer reações de eliminação para a formação de alcenos. Como o grupo amino é um mau grupo de saída, primeiro é preciso torná-lo um bom grupo de saída. Um modo de fazer isso é transformar o grupo amino em um sal quaternário de amônio pela reação com o iodometano (CH3I), que é um ótimo grupo de saída. Desse modo, a reação desse sal quaternário de amônio com uma base, tipicamente o óxido de prata (Ag2O), em meio aquoso, leva à reação de eliminação e à formação do alceno. Essa reação de eliminação é chamada de eliminação de Hofmann e ocorre seguindo um mecanismo de eliminação bimolecular (E2), em que um íon hidróxido (produzido pelo óxido de prata em meio aquoso) ataca um hidrogênio ligado a um átomo de carbono adjacente à ligação C–N ao mesmo tempo que essa ligação C–N é quebrada pela saída do grupo de saída. A figura a seguir mostra um mecanismo típico da reaçãode eliminação de Hofmann. FIGURA 52 – MECANISMO REAÇÃO DE ELIMINAÇÃO DE HOFMANN FONTE: A autora 148 UNIDADE 2 | ÁLCOOIS E FENÓIS LEITURA COMPLEMENTAR IDENTIFICAÇÃO PELO CHEIRO Nariz eletrônico reconhece espécies de diferentes madeiras e poderá ajudar no combate à extração ilegal Elton Alisson Pesquisadores do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (IQ- USP) construíram “narizes eletrônicos” capazes de identificar e classificar pelo odor diferentes tipos de madeira, de plásticos, além de detectar precocemente a contaminação de laranjas por fungos. Alguns dos dispositivos foram desenvolvidos por meio do projeto “Novos polímeros conjugados para células solares e narizes eletrônicos”. “A tecnologia é muito simples, barata e tem diversas aplicações”, diz Jonas Gruber, professor do IQ-USP e coordenador do projeto. Os “narizes” são formados por um conjunto de sensores de gases que mudam a condutividade elétrica de alguns dos materiais de que são feitos (entre eles, polímeros condutores, um tipo de plástico), na medida em que interagem com vapores de substâncias voláteis, como aminas, álcoois, cetonas e compostos aromáticos. A variação da condutividade elétrica do conjunto gera um sinal elétrico específico, que é convertido em sinal digital. Um software de computador lê o sinal e, em questão de segundos, identifica o tipo de substância volátil em contato com o dispositivo. “Dependendo da natureza do gás que entra em contato com o material polimérico dos sensores, a resposta do nariz eletrônico é diferente”, explica Gruber. Um feito em especial permitiu o desenvolvimento desses narizes. O pesquisador e seu grupo no IQ sintetizaram e caracterizaram novos polímeros condutores, derivados de duas classes específicas de polímeros – poli-p- fenilenovinilenos (PPV) e poli-p-xililenos (PPX) – para construir sensores. “Fomos os primeiros a empregar PPV em sensores de gases”, conta. “As vantagens são o baixo custo de produção e de consumo de energia e a facilidade de variar as características dos dispositivos mediante a introdução de mudanças estruturais nas cadeias poliméricas”. A técnica de construção de sensores adotada pelos pesquisadores consiste em depositar um filme de polímero condutor da ordem de centenas de nanômetros (bilionésima parte do metro) sobre uma placa do tamanho de um chip de celular, com dois eletrodos metálicos interdigitados (entrelaçados, mas sem contato entre si), de modo a formar um filme conectando ambos. Com a exposição a vapores de uma substância volátil, muda a resistência elétrica do filme. “Cada sensor custa R$ 1 e usamos, em média, entre quatro e sete sensores nos narizes eletrônicos”, diz. Um desses dispositivos foi desenvolvido para identificar e classificar diferentes tipos de madeira. A ideia é que ele possa ser utilizado em ações de fiscalização e combate à extração ilegal de madeira de espécies de árvores ameaçadas de extinção nas florestas tropicais brasileiras. Muitas vezes é difícil TÓPICO 3 | AMINAS 149 distinguir madeiras cuja exploração é proibida, como o mogno (Swietenia macrophylla), de outras semelhantes, como o cedro (Cedrela odorata), que pode ser explorada. Como as duas espécies são semelhantes, o mogno acaba sendo extraído e vendido como cedro, explica Gruber. “Ao olhar as árvores do mogno e do cedro é possível diferenciá-las. Mas, depois de cortadas, só se consegue distingui-las por meio de análises histológicas [dos tecidos vegetais] feitas em laboratório por um botânico”, diz. O nariz eletrônico facilita o trabalho de identificação desses e de outros tipos de madeira – como imbuia (Ocotea porosa) e canela-preta (Ocotea catharinensis). É preciso apenas raspar um pedaço do tronco para que ele libere compostos voláteis que são identificados em menos de um minuto pelo conjunto de sensores. “Como o cedro e o mogno são espécies diferentes e pertencem a gêneros distintos, o nariz eletrônico é capaz de identificá-los com 100% de acerto”, conta o pesquisador. “Já no caso da canela e da imbuia – madeiras de espécies diferentes, mas que pertencem a um mesmo gênero –, a dificuldade é um pouco maior. Mesmo assim, o índice de acerto é de 95%”. Cachaça envelhecida O nariz eletrônico para identificação de madeira acabou despertando o interesse de pesquisadores do Laboratório para o Desenvolvimento da Química da Aguardente (LDQA), do Instituto de Química de São Carlos da USP, para diferenciar cachaças envelhecidas em tonéis de carvalho ou em tonéis de madeiras menos nobres. Segundo Gruber, as cachaças de tonéis de carvalho têm sabor e odor mais apreciados pelos consumidores e, consequentemente, são vendidas a preços mais altos. Importada do Canadá, no entanto, a comercialização da madeira de carvalho é controlada. Com isso, cachaças envelhecidas em tonéis de madeira nacional, feitos de jatobá, jacarandá, jequitibá ou imbuia, podem estar sendo comercializadas no mercado brasileiro como se tivessem sido envelhecidas em carvalho, conta o pesquisador. “Há destilarias que declaram no rótulo que a cachaça foi envelhecida em jatobá e a vendem a um preço mais baixo do que a de carvalho”, diz Gruber. “Mas também podem existir no mercado cachaças envelhecidas em madeira nacional, com a declaração no rótulo de que foram em carvalho, com preço de até R$ 200 a garrafa”. A fim de evitar que o consumidor compre gato por lebre, os pesquisadores adaptaram o nariz eletrônico do IQ para a análise de amostras de cachaça. “O dispositivo consegue ‘cheirar’ uma cachaça e identificar em que tipo de madeira a bebida foi envelhecida”. Esse nariz eletrônico em especial foi desenvolvido durante o projeto de pós- doutorado “Distinção de extratos hidroalcoólicos de madeiras e acompanhamento dos estágios de envelhecimento empregando sensores de gases, cromatografia em fase gasosa (GC-MS) e análise multivariada”, realizado pelo pós-doutorando Alexandre Ataide da Silva. 150 UNIDADE 2 | ÁLCOOIS E FENÓIS Plásticos e fungos Os pesquisadores de São Paulo também desenvolveram um dispositivo para a identificação de plásticos para reciclagem. De acordo com Gruber, os diversos tipos de plástico, como PVC, polietileno e polipropileno não podem ser misturados ao serem destinados para reciclagem porque possuem resinas incompatíveis entre si. Uma das técnicas utilizadas para identificar e classificar plásticos, segundo o pesquisador, é a aplicação de análises espectroscópicas no infravermelho em amostras de plástico dissolvidas em solventes apropriados. A análise, contudo, precisa ser feita em laboratório por profissionais capacitados a operar um espectrômetro na região do infravermelho. Já o nariz eletrônico desenvolvido identifica o tipo de plástico pelos gases emanados na combustão do plástico. Os pesquisadores construíram uma pequena câmara na qual é colocada uma amostra da ordem de 300 miligramas do plástico para ser incinerada. O dispositivo “cheira” a fumaça emitida na queima e aponta o tipo de plástico pelos compostos voláteis gerados na combustão. “Enquanto o polietileno produz gás carbônico e água durante a combustão, uma poliamida como náilon, por exemplo, produz, além de gás carbônico e água, também óxidos de nitrogênio. O nariz eletrônico percebe essas diferenças”, explica Gruber. Os pesquisadores também desenvolveram um nariz eletrônico que detecta precocemente a contaminação de laranjas (após a colheita) pelo fungo Penicillium digitatum. Essa espécie, junto com a Elsinoe australis e a Guignardia citricarpa, causa grandes prejuízos econômicos aos países que são grandes produtores de citros, como o Brasil, diz Gruber. O nariz eletrônico consegue detectar, antes que seja visível, a contaminação de laranjas por esse fungo enquanto as frutas estão nos silos. “O dispositivo detecta a contaminação já no segundo dia e, em questão de segundos, identifica a infecção da laranja pelo fungo por meio dos metabólitos voláteis emitidos por ele”. De acordo com Gruber, alguns dos narizeseletrônicos desenvolvidos por seu grupo estão protegidos por patentes. A ideia é que empresas interessadas licenciem a tecnologia para produzi-los e comercializá-los. “Nosso objetivo é fazer narizes eletrônicos de baixo custo. Já existem dispositivos vendidos comercialmente que chegam a custar US$ 20 mil”, diz. Segundo o pesquisador, um dos motivos para o preço elevado é o fato de possuírem entre 20 e 30 sensores e não terem aplicações específicas. “Como desenvolvemos narizes eletrônicos para aplicações mais específicas, podemos reduzir o número de sensores em sua composição e, com isso, barateamos muito a produção”. FONTE: ALISSON, Elton. Identificação pelo cheiro: Nariz eletrônico reconhece espécies de diferentes madeiras e poderá ajudar no combate à extração ilegal. Revista FAPESP, edição 228, fev. 2015. Disponível em: <http://revistapesquisa.fapesp.br/2015/02/18/identificacao-pelo-cheiro/>. Acesso em: 28 ago. 2018. http://revistapesquisa.fapesp.br/2015/02/18/identificacao-pelo-cheiro/ 151 RESUMO DO TÓPICO 3 Nesse tópico, você aprendeu que: • As aminas são compostos orgânicos que possuem um grupo nitrogenado derivado da amônia, sendo classificadas em aminas primárias, secundárias ou terciárias. • As aminas primárias são aquelas nas quais apenas um átomo de hidrogênio da amônia é substituído por um grupo orgânico (fórmula geral NH2R). • As aminas secundárias são aquelas nas quais dois átomos de hidrogênio são substituídos por grupos orgânicos (fórmula geral NHR2). • As aminas terciárias são aquelas nas quais os três hidrogênios são substituídos por grupos orgânicos (fórmula geral NR3). • Nas aminas, o átomo de nitrogênio possui hibridização sp3 fazendo com que as aminas possuam uma geometria tetraédrica. • Devido à presença de um átomo de hidrogênio ligado a um átomo de nitrogênio, as aminas primárias e secundárias podem formar ligações de hidrogênio. • A amônia e as aminas podem reagir facilmente com haletos de alquila. • As aminas podem ser preparadas pela aminação redutiva de aldeídos e cetonas. • Uma amina primária pode ser obtida a partir da reação de uma amida com gás bromo por um mecanismo que envolve um rearranjo intramolecular, chamado de rearranjo de Hofmann. • As aminas podem sofrer reação de eliminação, formando alcenos como produto. 152 1 Dê os nomes das seguintes aminas e diga se tratam-se de aminas primárias, secundárias ou terciárias: A) B) N C) D) NH2 HNNH 2 Qual é a estrutura das seguintes aminas: a) 5-metil-1-hexanamina b) N,N-dimetil-3-pentanamina c) Ciclopentanamina d) 3-amino-1-propanol 3 Quais dos compostos a seguir podem formar ligações de hidrogênio entre si: A) B) C) D)OH N Cl N H 4 Preveja o produto das seguintes reações: A) B) NH2 Cl+ O NaBH4 H3C NH2+ ? ? AUTOATIVIDADE a) a) a) b) b) b) c) c) d) d) 153 UNIDADE 3 COMPOSTOS CARBONÍLICOS OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM PLANO DE ESTUDOS A partir dos estudos desta unidade, você será capaz de: • entender os conceitos fundamentais que regem a química dos aldeídos e das cetonas; • saber como nomear corretamente os aldeídos e as cetonas; • saber as principais rotas de síntese e reações dos aldeídos e das cetonas; • entender os conceitos fundamentais que regem a química dos ácidos carboxílicos e dos derivados de ácidos carboxílicos; • saber como nomear corretamente os ácidos carboxílicos e os derivados de ácidos carboxílicos; • saber as principais rotas de síntese e reações dos ácidos carboxílicos e dos derivados de ácidos carboxílicos; • compreender os principais conceitos relacionados às reações de substituição alfa à carbonila; • compreender os principais conceitos relacionados às reações de condensação carbonílica. Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer da unidade você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado. TÓPICO 1 – ALDEÍDOS E CETONAS TÓPICO 2 – ÁCIDOS CARBOXÍLICOS E DERIVADOS DE ÁCIDOS CARBOXÍLICOS TÓPICO 3 – REAÇÕES DE SUBSTITUIÇÃO ALFA À CARBONILA E REAÇÕES DE CONDENSAÇÃO CARBONÍLICA 154 155 TÓPICO 1 ALDEÍDOS E CETONAS UNIDADE 3 1 INTRODUÇÃO No decorrer das disciplinas de química orgânica, estudamos diversos aspectos relacionados a ela, como a importância do átomo de carbono, a hibridização de orbitais atômicos, a formação das ligações covalentes, as formas de interação intermolecular etc. Estudamos também alguns grupos funcionais orgânicos, como os hidrocarbonetos, os aromáticos, os haletos de alquila, os éteres, os álcoois e as aminas. A partir de agora vamos nos focar nos grupos funcionais orgânicos, caracterizados por possuírem um grupo carbonila (C=O). Nesse tópico veremos uma breve descrição relativa à química do grupo carbonílico e iniciaremos o estudo relativo aos grupos funcionais dos aldeídos e das cetonas. Estudaremos os aspectos relacionados às suas estruturas e propriedades, regras de nomenclatura e as principais formas para a síntese desses compostos, assim como algumas das reações químicas típicas dos aldeídos e cetonas. 2 COMPOSTOS CARBONÍLICOS Geralmente, em química orgânica os grupos funcionais que apresentam o grupo carbonila são tratados à parte, pois sua química é muito rica e muito variada, ou seja, mesmo apresentando o grupo carbonila em comum, os diferentes grupos funcionais carbonílicos apresentam reatividades próprias. Além disso, uma grande diversidade de moléculas essenciais aos processos metabólicos de animais e plantas são compostos carbonílicos, uma vez que a polaridade do grupo carbonila permite interação intermolecular com moléculas polares, assim como a presença do átomo de oxigênio com seus pares de elétrons livres permite a reação com moléculas como enzimas e receptores biológicos. Assim, de forma geral, pode-se dizer que a química dos processos biológicos é a química dos compostos carbonílicos. De fato, devido a essa atividade biológica bastante importante, os compostos carbonílicos são bastante explorados nos processos de síntese orgânica para a produção de fármacos e substratos agrícolas, por exemplo. UNIDADE 3 | COMPOSTOS CARBONÍLICOS 156 No grupo carbonila, o carbono (chamado de carbono carbonílico) possui hibridização sp2, formando três ligações σ, sendo uma necessariamente com o átomo de oxigênio e duas com outros dois grupos quaisquer (vale dizer que a natureza desses grupos é que define o grupo funcional ao qual o composto pertence). Como é típico da hibridização sp2, um dos orbitais p do carbono não se hibridiza, além de conter um elétron de valência do átomo de carbono. Desse modo, o carbono também forma uma ligação π com o átomo de oxigênio, resultando, portanto, na ligação dupla C=O. Lembre-se do que estudamos em Química Orgânica I, a ligação dupla C=C envolve o compartilhamento de quatro elétrons (dois pares) e que uma parte da ligação dupla C=C vem da sobreposição frontal de dois orbitais sp2 de dois átomos de carbono (formação de uma ligação σ), e a outra vem da superposição lateral dos orbitais p não hibridizados (formação de uma ligação π). UNI O oxigênio possui seis elétrons de valência, realizando duas ligações covalentes com o carbono (uma ligação σ e outra π), compartilhando, portanto, dois dos seus elétrons de valência para a formação do grupo carbonila. Assim, os outros quatro elétrons de valência do oxigênio se acomodam nos seus orbitais de modo a formarem dois pares de elétrons isolados. Observe o esquema na figura a seguir, que mostra a sobreposição dos orbitais atômicos do carbono e do oxigênio para a formação do grupo carbonila. FIGURA 1 – SOBREPOSIÇÃO DOS ORBITAIS SP2 E SUPERPOSIÇÃO DOS ORBITAIS P DOS ÁTOMOS DE CARBONO E OXIGÊNIO PARA A FORMAÇÃO DA LIGAÇÃO C=O FONTE: A autora TÓPICO 1 | ALDEÍDOS E CETONAS 157 FONTE: A autora A figura a seguir mostra os mapas de potencial eletrostático para o propanal e para propanona, exemplos de aldeído e cetona, respectivamente. Como é possível observar, a ligação C=O é polar, devido à alta eletronegatividadedo átomo de oxigênio, que gera uma densidade eletrônica elevada sobre o átomo de oxigênio (indicado pela região avermelhada, ou seja, rica em elétrons), fazendo, consequentemente, com que o átomo de carbono fique com uma densidade eletrônica baixa (região azulada, pobre em elétrons). FIGURA 2 – MAPAS DE POTENCIAL ELETROESTÁTICO PARA O PROPANAL E A PROPANONA Na tabela a seguir são mostrados alguns dos grupos funcionais contendo grupos carbonílicos mais importantes. Note que o grupo carbonila pode estar ligado a grupos alquila (R) e/ou a átomos como o hidrogênio (aldeídos e cetonas), oxigênio (ácidos carboxílicos, ésteres, carbonatos e anidridos), nitrogênio (amidas, imidas, carbamatos e ureias), enxofre (tioésteres) e halogênio (haletos ácidos). UNIDADE 3 | COMPOSTOS CARBONÍLICOS 158 TABELA 1 – GRUPOS FUNCIONAIS CONTENDO O GRUPO CARBONILA Grupo funcional Fórmula geral Grupo funcional Fórmula geral Aldeídos C O R H Amidas C O R N R' Cetonas C O R R' Imidas C O R N R'' O R' Ácidos carboxílicos C O R OH Carbamatos C O O N R'R Haletos ácidos C O R X Ureias C O N N R'R Ésteres C O R O R' Carbonatos C O O O R'R Tioésteres C O R S R' Anidridos C O R O R'' O FONTE: A autora Vamos começar então estudando os grupos funcionais dos aldeídos e cetonas. 3 ALDEÍDOS E CETONAS Tanto os aldeídos quanto as cetonas são funções orgânicas bastante encontradas em compostos extraídos da natureza. Como exemplo de compostos com a função aldeído, podemos citar o benzaldeído (extraído do óleo de amêndoas e usado como aromatizante, corante e em fármacos), o cinamaldeído (extraído da canela e usado como flavorizante e como fungicida) e a vanilina (extraída da semente da baunilha e usada como aromatizante em alimentos, bebidas e produtos farmacêuticos). Além disso, um aldeído bastante utilizado como solvente e como precursor de diversas substâncias químicas (como polímeros, medicamentos e explosivos) e produzido em escala industrial é o metanal (também chamado de formaldeído) – vale dizer que a solução aquosa de metanal (contendo entre 37% a 45% de metanal em volume) é chamada de formol, sendo usada para conservação de peças biológicas. Como exemplos de cetonas encontradas na natureza, podemos citar as cetoses, que são monossacarídeos caracterizados por um grupo cetona na sua estrutura, dentre os quais tem-se a frutose (conhecida como o açúcar das frutas e bastante utilizada para a obtenção de etanol, por meio de processos de fermentação TÓPICO 1 | ALDEÍDOS E CETONAS 159 biológica), a diidroxiacetona (um composto formado durante o metabolismo da glicose e usado na indústria na fabricação de bronzeadores, uma vez que a diidroxiacetona, ao reagir com aminoácidos presentes na queratina da pele, produz compostos de tonalidades que variam do amarelado ao amarronzado, dando o efeito bronzeado na pele) e a ribulose (composto que participa do processo de fixação de carbono em plantas pelo ciclo de Calvin, que ocorre durante a fase não luminosa da fotossíntese). Do mesmo modo que os aldeídos, as cetonas também são produzidas em escala industrial para serem usadas como solventes e como precursores de polímeros e fármacos, sendo as de maior importância a propanona (conhecida popularmente por acetona), a butanona (conhecida por metil-etil-cetona e denominada MEK, da sigla em inglês) e a ciclo-hexanona. Na Figura 3 são mostradas as estruturas dos aldeídos e das cetonas discutidos nesse texto. FIGURA 3 – EXEMPLOS DE ALDEÍDOS E CETONAS FONTE: A autora Para ampliar seus conhecimentos sobre as fontes de aldeídos e cetonas, leia os textos Carboidratos: Estrutura, Propriedades e Funções (Francisco-Junior, 2008), Origem, Produção e Composição da Cachaça (PINHEIRO; LEAL; ARAÚJO, 2003); Alcoolismo e Educação Química (LEAL; ARAÚJO; PINHEIRO, 2012) e Aldeídos e cetonas em perfumes (SOLOMONS; FRYHLE, 2011). UNI UNIDADE 3 | COMPOSTOS CARBONÍLICOS 160 3.1 ESTRUTURA E PROPRIEDADES DE ALDEÍDOS E CETONAS Vimos diversos exemplos de aldeídos e cetonas presentes no nosso cotidiano, mas será que está claro o que faz com que esses compostos sejam classificados em dois grupos funcionais diferentes? Bom, a resposta para isso é simples: ambos os aldeídos e as cetonas são caracterizados pela presença de um grupo carbonila (C=O) ligado a um carbono com hibridização sp2, porém nos aldeídos esse grupo carbonila está ligado a um outro átomo de carbono e a um átomo de hidrogênio, enquanto que, nas cetonas, ele está ligado a dois outros átomos de carbono. Observe a diferença na figura a seguir, que mostra as fórmulas gerais para os aldeídos e as cetonas. FIGURA 4 – ESTRUTURAS GERAIS DE ALDEÍDOS E CETONAS FONTE: A autora Já estudamos, quando analisamos os mapas de potencial eletrostático para o metanal e para propanona, que o grupo carbonila é um grupo polar (volte à Figura 2). Consequentemente, os aldeídos e as cetonas são compostos orgânicos caracterizados por apresentarem certa polaridade, centrada no grupo carbonila. Isso faz com que seus pontos de ebulição sejam mais altos do que os dos hidrocarbonetos correspondentes (ou seja, de massa molar parecida), pois os aldeídos e cetonas podem interagir entre si por interações de dipolo-dipolo. No entanto, tanto os aldeídos quanto as cetonas não interagem entre si por ligações de hidrogênio, uma vez que eles não possuem um átomo de hidrogênio ligado a um átomo mais eletronegativo (necessariamente, o flúor, o oxigênio ou o nitrogênio), fazendo com que seus pontos de ebulição sejam mais baixos do que os dos álcoois correspondentes (lembre-se da Unidade 1 que os álcoois podem formar ligações de hidrogênio entre suas moléculas em decorrência da presença do grupo hidroxila (–OH)). Veja na tabela a seguir alguns valores comparativos dos pontos de ebulição de aldeídos, cetonas, hidrocarbonetos e álcoois correspondentes. TÓPICO 1 | ALDEÍDOS E CETONAS 161 FONTE: A autora TABELA 2 – COMPARATIVO ENTRE OS PONTOS DE EBULIÇÃO ALDEÍDOS, CETONAS, HIDROCARBONETOS E ÁLCOOIS CORRESPONDENTES Composto Fórmula condensada Função orgânica Massa molar Ponto de ebulição Butano CH3CH2CH2CH3 Alcano 58 g/mol -0,5 °C Propanal CH3CH2CHO Aldeído 58 g/mol 49 °C Propanona CH3COCH3 Cetona 58 g/mol 56 °C 1-Propanol CH3CH2CH2OH Álcool 60 g/mol 97 °C Pentano CH3CH2CH2CH2CH3 Alcano 72 g/mol 36 °C Butanal CH3CH2CH2CHO Aldeído 72 g/mol 76 °C Butanona CH3COCH2CH3 Cetona 72 g/mol 80 °C 1-Butanol CH3CH2CH2CH2OH Álcool 74 g/mol 117 °C FONTE: A autora Como dito, as moléculas de aldeídos e cetonas não interagem entre si por ligação de hidrogênio, porém, elas podem interagir com as moléculas de água por esse tipo de interação intermolecular. Isso ocorre porque o grupo carbonila é polar, sendo o átomo de oxigênio bastante eletronegativo e que atrai para si os hidrogênios da água, que têm carga parcial positiva, como esquematizado na figura a seguir, que mostra as interações entre o metanal ou a propanona com as moléculas de água. Vale dizer que, do mesmo modo como discutido para os álcoois, o grupo carbonila pode ser entendido como uma fração hidrofílica. FIGURA 5 – ESQUEMA DA FORMAÇÃO DA LIGAÇÃO DE HIDROGÊNIO ENTRE ALDEÍDOS OU CETONAS E A ÁGUA Dessa forma, aldeídos e cetonas de baixa massa molar são extremamente solúveis em água. Como vimos para os álcoois, à medida que a massa molar dos aldeídos e das cetonas cresce, a solubilidade dos compostos diminui (veja as solubilidades relativas desses compostos na tabela a seguir). Isso ocorre em decorrência do aumento da cadeia carbônica, que tem caráter apolar e, portanto, é caracterizada por ser hidrofóbica. UNIDADE 3 | COMPOSTOS CARBONÍLICOS 162 TABELA 3 – SOLUBILIDADE RELATIVA DE ALDEÍDOS E CETONAS EM ÁGUA Função orgânica Número de carbonos Composto Fórmula estrutural Solubilidade em água Aldeído um Metanal C O HH extremamente solúvel Aldeído três Propanal C O CH2CH3H extremamente solúvel Aldeído cinco Pentanal C O CH2CH2CH2CH3H ligeiramente solúvelAldeído sete Benzaldeído H O ligeiramente solúvel Cetona três Propanona C O CH3H3C extremamente solúvel Cetona cinco 2-Pentanona C O CH2CH2CH3H3C solúvel Cetona oito Acetofenona CH3 O insolúvel FONTE: McMurry (2012, p. 679) 3.2 REGRAS DE NOMENCLATURA DE ALDEÍDOS E CETONAS As regras de nomenclatura dos aldeídos e das cetonas seguem as mesmas regras discutidas para os outros grupos funcionais. No entanto, é necessário atentar-se à cadeia carbônica principal, que será determinada como aquela de maior número de átomos de carbono e que contém o grupo carbonila. Para os aldeídos, ao invés de usarmos o sufixo -o, característico para os hidrocarbonetos, usaremos o sufixo -al. Além disso, nos casos em que o grupo carbonila esteja ligado a um composto cíclico (aromático ou não), utiliza-se o sufixo -carbaldeído. Veja na tabela a seguir exemplos de aldeídos, assim como seus respectivos nomes sistemáticos e usuais. TÓPICO 1 | ALDEÍDOS E CETONAS 163 TABELA 4 – ESTRUTURA E NOMENCLATURA PARA ALGUNS ALDEÍDOS Fórmula estrutural Nome sistemático Nome usual C O H H Metanal Formaldeído C O H CH3 Etanal Acetaldeído C O H C H2 H2 C C H2 CH3 Pentanal Valeraldeído O H Benzenocarbaldeído Benzaldeído FONTE: A autora FONTE: A autora Para a nomenclatura das cetonas, usa-se o sufixo -ona. Além disso, como o grupo carbonila nas cetonas não é terminal, começa-se numerando os carbonos da cadeia principal de modo com que o carbono da carbonila adquira a numeração mais baixa. Veja na tabela a seguir exemplos de cetonas, seguido de seus respectivos nomes sistemáticos (e usuais, caso houver). TABELA 5 – ESTRUTURA E NOMENCLATURA PARA ALGUMAS CETONAS Fórmula estrutural Nome sistemático Nome usual C O H3C CH3 Propanona Acetona 2-Pentanona – 3-Pentanona – O CH3 1-feniletanona Acetofenona UNIDADE 3 | COMPOSTOS CARBONÍLICOS 164 EXEMPLO Dê o nome sistemático para os seguintes compostos: CH3CHCH2CHCH CH2CH3 CH3 OA) CH3CHCH2CCH3 B) Cl O RESPOSTA a) O primeiro passo para nomear um composto é identificar seu grupo funcional. No caso, temos um grupo carbonila terminal (ou seja, ligado a um carbono da extremidade da cadeia carbônica), fazendo com que ele seja considerado um aldeído. Em seguida, precisamos identificar a cadeia principal, que é aquela que tem o maior número de carbonos e da qual faça parte o grupo carbonila, e enumerar os carbonos, fazendo com que o grupo carbonila adquira o menor valor possível. Assim: Dessa forma, a cadeia principal tem cinco carbonos e, por ser um aldeído, é nomeada como pentanal. Podemos notar que a cadeia carbônica mais longa contém seis carbonos, no entanto, essa cadeia não inclui o grupo carbonila, o que faz com que ela não seja considerada a principal: Agora identificamos os grupos substituintes e nomeamos o composto: CH3CHCH2CHCH CH2 CH3 CH3 O 3 245 1 a) b) ERRADO: desse modo o grupo carbonila não faz parte da cadeia carbônica principal CH3CHCH2CHCH CH2 CH3 CH3 O CH3CHCH2CHCH CH2 CH3 CH3 O 3 245 1 Substituintes: No carbono de número 2: - CH2CH3 (nomeado como 1-etil) No carbono de número 4: -CH3 (nomeado como 3-metil) TÓPICO 1 | ALDEÍDOS E CETONAS 165 Assim, esse composto é denominado de 1-etil-4-metilpentanal. b) Nesse caso identificamos que existem dois heteroátomos ligados à cadeia carbônica, um halogênio (o cloro) e um oxigênio (ligado por uma ligação dupla a um carbono, fazendo parte de um grupo carbonila). É importante dizer que os grupos carbonila têm preferência sobre outros grupos, assim esse composto é caraterizado por ser uma cetona (uma vez que o grupo carbonila não é terminal) e não como um haleto de alquila (em decorrência da ligação do carbono com o halogênio). Determinado então que é uma cetona, devemos identificar a cadeia principal e enumerar os carbonos, assim como identificar os substituintes: Assim, pela cadeia principal ser caraterizada por ter cinco carbonos e o grupo carbonila não ser terminal e estar no carbono de número 2, a nomeamos como 2-pentanona. Além disso, temos um substituinte cloro, ligado ao carbono de número 4, fazendo com que esse composto seja nomeado como 4-cloro-2-pentanona. CH3CHCH2CCH3 CI O 3 245 1 Substituintes: No carbono de número 4: -CI (nomeado como 4-cloro) 3.3 SÍNTESE DE ALDEÍDOS E CETONAS Os aldeídos e cetonas, apesar de serem caracterizados por apresentarem um grupo carbonila ligado a um carbono com hibridização sp2, possuem uma química ligeiramente distinta, visto que esse grupo carbonila pode estar ligado a um carbono terminal (nos aldeídos) ou a um carbono interno, não terminal (nas cetonas), o que implica em reatividades um pouco diferentes. Assim, veremos a seguir algumas das formas mais usuais para a síntese de cada um desses compostos. 3.3.1 SÍNTESE DE ALDEÍDOS Quando discutimos a química dos álcoois (na Unidade 2), já estudamos uma das formas mais usuais para a síntese de aldeídos, por meio da oxidação de álcoois primários. Lembre-se de que a oxidação de um álcool primário pode levar à formação ou de um aldeído ou de um ácido carboxílico, dependendo da escolha do agente de oxidação. Caso o agente de oxidação seja o trióxido de crômio (CrO3) e o meio reacional uma solução aquosa ácida, o produto será um ácido carboxílico, mas se o agente de oxidação for o clocromato de piridínio (C5H6NCrO3Cl, abreviado para PCC) e a reação for conduzida em meio de diclometano, o produto será um aldeído. Veja na figura a seguir alguns exemplos de reações químicas que seguem nessa linha. UNIDADE 3 | COMPOSTOS CARBONÍLICOS 166 FIGURA 6 – EXEMPLOS DE REAÇÕES PARA A SÍNTESE DE ALDEÍDOS FONTE: A autora Outra forma de sintetizar aldeídos é por meio da redução de derivados de ácidos carboxílicos, tais como cloretos de acila, ésteres e nitrilas. Vale dizer que a redução direta a partir de um ácido carboxílico não é uma alternativa viável, uma vez que esses compostos não são facilmente reduzidos, necessitando de agentes de oxidação muito fortes (como o hidreto de lítio, LiAlH4). Esses agentes de redução fazem então com que a redução de ácidos carboxílicos gere álcoois primários ao invés de aldeídos; por outro lado, seus derivados são mais facilmente reduzidos e não necessitam de agentes de oxidação tão fortes, permitindo a redução até os aldeídos. Os cloretos de acila (fórmula geral RCOCl) são reduzidos a aldeídos por meio da reação com o hidreto de tri-tert-butoxialumínio e lítio em meio de éter dietílico, e posterior adição de água (essa reação é conduzida a temperaturas bastante baixas, tipicamente -78 ºC). Veja na figura a seguir o mecanismo de reação entre o cloreto de etanoíla e o hidreto de tri-tert-butoxialumínio e lítio para a obtenção do etanal. FIGURA 7 – MECANISMO DE REAÇÃO DE REDUÇÃO DO CLORETO DE ETANOÍLA PARA A OBTENÇÃO DO ETANAL TÓPICO 1 | ALDEÍDOS E CETONAS 167 FONTE: A autora Como pode ser visto na figura anterior, a reação se inicia com o ataque nucleofílico do átomo de oxigênio da carbonila ao lítio do hidreto de tri-tert- butoxialumínio e lítio, gerando um intermediário positivo. Em seguida, devido à aproximação do íon de alumínio (proveniente do hidreto de tri-tert-butoxialumínio e lítio), há a transferência de um hidrogênio ao carbono da carbonila. De novo, um par de elétrons isolados do oxigênio ataca o átomo de alumínio, gerando uma nova ligação O–Al e fazendo com que a ligação O–Li seja quebrada. Então, há a formação de uma ligação dupla C=O (restaurando a carbonila), enquanto que a ligação C– Cl é quebrada, liberando o átomo de cloro. Por fim, com a adição da água, há a hidrólise desse composto (quebrando a ligação O–Al) e a produção do etanal. Os ésteres (fórmula geral RCO2R’), também derivados de ácidos carboxílicos, podem sofrer redução e formar aldeídos devido à utilização do hidreto de di-isobutilalumínio (comumente designado como AlH(i-Bu)2). Veja na figura a seguir o mecanismo de redução do etanoato de metila. FIGURA 8 – MECANISMO DE REAÇÃO DE REDUÇÃO DOETANOATO DE METILA PARA A OBTENÇÃO DO ETANAL FONTE: A autora UNIDADE 3 | COMPOSTOS CARBONÍLICOS 168 Observamos na figura anterior que a reação se inicia com o ataque nucleofílico do átomo de oxigênio da carbonila ao alumínio do AlH(i-Bu)2, gerando um intermediário positivo. Assim como para a redução do cloreto de acila, há a transferência do hidrogênio do grupo AlH(i-Bu)2 ao carbono da carbonila. Em seguida há a formação de uma ligação dupla C=O (restaurando a carbonila), enquanto que a ligação C–OCH3 é quebrada. Com a adição da água ao meio reacional ocorre a hidrólise e a produção do etanal. 3.3.2 Síntese de cetonas Assim como os aldeídos, as cetonas também podem ser obtidas a partir da oxidação de álcoois. No entanto é necessário utilizar álcoois secundários, o dicromato de sódio (Na2Cr2O7) como agente oxidante e em meio de ácido acético (como vimos na Unidade 2). Outro modo de se produzir cetonas é pela ozonólise (ou seja, a reação com o ozônio) de alcenos, nos quais ao menos um dos átomos de carbono da ligação dupla C=C for dissubstituído. Cloretos de acila reagindo com dimetilcuprato de lítio também são uma alternativa para a síntese de cetonas. Na figura a seguir são mostrados exemplos dessas reações. FIGURA 9 – EXEMPLOS DE REAÇÕES PARA A SÍNTESE DE CETONAS FONTE: A autora TÓPICO 1 | ALDEÍDOS E CETONAS 169 FONTE: A autora 3.4 REAÇÕES DE ALDEÍDOS E CETONAS Como vimos, o grupo carbonila é caracterizado por ter um carbono com carga parcial positiva e um oxigênio com carga parcial negativa (em decorrência da diferença de eletronegatividade entre eles, sendo o átomo de oxigênio mais eletronegativo). Assim, o carbono da carbonila é considerado como um eletrófilo, o que faz com que os aldeídos e cetonas sejam suscetíveis a reações de adição nucleofílica, que ocorrem, portanto, pelo ataque de um nucleófilo a esse carbono eletrofílico. Como já vimos no livro de Química Orgânica I, os nucleófilos são espécies caracterizadas por serem bons doadores de elétrons, tendo pares de elétrons isolados e podendo ser neutras ou carregadas eletricamente. Geralmente, nas reações de aldeídos e cetonas, os nucleófilos neutros são espécies que contêm um átomo de hidrogênio (sendo designados como Nu–H), como a molécula de água ( HOH) e de amônia ( NH3 ), álcoois ( ROH ) e aminas ( RNH2 ) – vale dizer que esse átomo de hidrogênio é comumente eliminado nas reações; como exemplos de nucleófilos carregados negativamente podemos citar o íon hidróxido ( HO ), o íon hidreto ( H ), o íon cianeto ( N C ), os carbânios ( R- ) e os íons alcóxidos ( RO ). Assim, dependendo da natureza do nucleófilo e das condições reacionais, as reações de adição nucleofílica a aldeídos e cetonas podem gerar dois produtos principais: um caracterizado por apresentar uma nova ligação C –OH e o outro por apresentar uma nova ligação C=Nu, como esquematizado na figura a seguir. FIGURA 10 – MECANISMOS DE REAÇÕES DE ADIÇÃO NUCLEOFÍLICA A ALDEÍDOS E CETONAS UNIDADE 3 | COMPOSTOS CARBONÍLICOS 170 Como descrito na figura anterior, as reações de adição nucleofílica a carbonila se iniciam pelo ataque de um dos pares de elétrons do nucleófilo ao carbono eletrofílico, gerando uma nova ligação C–Nu e fazendo com que os elétrons da ligação dupla C=O se movam em direção ao oxigênio, tornando-o negativamente carregado. No caso dos nucleófilos carregados negativamente, essa reação se processa com o ataque do elétron do oxigênio a um H+, formando uma ligação O–H. Já no caso dos nucleófilos neutros, primeiro forma-se uma ligação C–Nu–H e posteriormente, com o ataque do elétron do oxigênio a um H+, forma-se uma ligação O–H. Em seguida, o átomo de oxigênio antes pertencente à carbonila é eliminado (como um OH- ou H2O) e fazendo com que um par de elétrons dessa ligação se mova em direção à ligação do carbono e do nucleofílico, formando uma nova ligação dupla C=Nu. Veremos algumas dessas reações na sequência, mas antes é importante definir que os aldeídos são relativamente mais reativos que as cetonas devido a fatores estéricos e eletrônicos. Estericamente esse efeito pode ser entendido da seguinte forma: os aldeídos, por terem o grupo carbonila ligado a um carbono terminal, apresentam apenas um grupo volumoso ligado a eles (que é o restante da cadeia carbônica), deixando o carbono eletrofílico relativamente livre para um ataque nucleofílico; por outro lado, as cetonas, por terem o grupo carbonila ligado a um carbono interno, apresentam dois grupos alquílicos volumosos, tornando o carbono eletrofílico mais impedido e dificultando o ataque nucleofílico. Eletronicamente essa reatividade pode ser explicada pelo fato do carbono da carbonila dos aldeídos possuir uma carga parcial mais positiva do que a das cetonas. Isso porque os grupos alquílicos ligados ao carbono da carbonila doam elétrons a ele, tornando-o menos positivo (ou seja, diminuem o caráter da carga parcial positiva sobre esse carbono). Nas cetonas há dois grupos alquílicos ligados ao carbono da carbonila, fazendo com que esse efeito de doação de elétrons seja mais pronunciado, tornando o carbono da carbonila menos positivo; já nos aldeídos, esse efeito acaba sendo menor, pois há apenas um grupo alquílico, o que faz com que o carbono da carbonila seja mais positivo do que nas cetonas. Vejamos agora algumas reações de adição nucleofílica ao carbono da carboníla típicas de aldeídos e cetonas. • Formação de dióis: os dióis são formados a partir da reação de adição nucleofílica da água aos aldeídos ou às cetonas (desse modo, essa reação também é chamada de reação de hidratação), gerando duas novas ligações C– OH no carbono da carbonila. Essa reação é, geralmente, conduzida em meio ácido ou básico, uma vez que é uma reação lenta e a presença de um ácido ou uma base catalisa a reação. Para recordarmos, os catalisadores são espécies que adicionadas à reação permitem que ela se desenvolva mais rapidamente ao agir no mecanismo da TÓPICO 1 | ALDEÍDOS E CETONAS 171 reação (tornando os reagentes mais reativos), mas sem interferir na natureza do produto final e sendo regenerados ao fim da reação (ou seja, se adicionarmos uma espécie qualquer Y, que age como um catalisador, ela vai agir sobre os reagentes, mas no final da reação a espécie Y será recuperada tal qual ela foi adicionada). Para entender isso melhor, vamos observar, na figura a seguir, o mecanismo geral para a formação de dióis catalisados por ácidos. FIGURA 11 – MECANISMO GERAL PARA A FORMAÇÃO DE DIÓIS CATALISADOS POR ÁCIDO FONTE: A autora FONTE: A autora Como vemos na figura anterior, a reação catalisada por ácidos se inicia com o ataque nucleofílico de um par de elétrons do oxigênio da carbonila ao H+ proveniente da espécie ácida (H3O+). Esse ataque cria uma ligação C=OH+, que faz com que o carbono da carbonila se torne um eletrófilo melhor, pois os elétrons da ligação dupla se movem em direção ao grupo OH+ a fim de estabilizá-lo, deixando o carbono com uma carga positiva mais pronunciada e permitindo um ataque efetivo do nucleófilo (do par de elétrons isolados do oxigênio da molécula de água, nesse caso). Esse ataque cria uma nova ligação C–OH2+ e assim uma outra molécula de água ataca um hidrogênio dessa ligação, abstraindo-o e criando uma nova ligação C–OH e restaurando a espécie ácida. Agora, veja na figura a seguir como é o mecanismo dessa reação catalisada por bases. FIGURA 12 – MECANISMO GERAL PARA A FORMAÇÃO DE DIÓIS CATALISADOS POR BASE UNIDADE 3 | COMPOSTOS CARBONÍLICOS 172 Pela figura anterior, vemos que o mecanismo geral para a formação de dióis catalisados por bases se inicia com o ataque nucleofílico da espécie básica OH- (que é um ótimo nucleófilo, pois é negativamente carregada) sobre o carbono eletrofílico, ao mesmo tempo em que uma dupla de elétrons da ligação C=O se move em direção ao oxigênio, produzindo um intermediário alcóxido. Em seguida, em decorrência da carga negativa sobre o oxigênio, ele atacaum hidrogênio da água, abstraindo-o e criando uma ligação OH. Assim, forma-se o diól e a espécie básica é regenerada. Em conclusão, podemos dizer que a reação para formação de dióis é catalisada por ácidos, pois eles convertem o carbono da carbonila em um eletrófilo melhor (ao protonar o oxigênio, deixando-o com carga negativa), enquanto que essa mesma reação é catalisada por bases, pois elas são nucleófilos melhores. • Formação de álcoois: os aldeídos e cetonas reagem com os reagentes de Grignard (fórmula geral R-MgX) produzindo um álcool. Veja na figura a seguir como é o mecanismo geral dessa reação – vale dizer que os reagentes de Grignard são muito polarizados, assim, em solução podemos considerar que temos uma espécie R- (ou seja, um ânion de carbono, chamado de carbânion) e outra +MgX. FIGURA 13 – MECANISMO GERAL PARA A FORMAÇÃO DE ÁLCOOIS UTILIZANDO REAGENTES DE GRIGNARD FONTE: A autora Como podemos ver na figura anterior, o reagente de Grignard é utilizado para tornar o carbono da carbonila um melhor eletrófilo. Isso porque a reação se inicia com o ataque nucleofílico do oxigênio sobre o magnésio da espécie +MgX. Desse modo, o carbânion ataca o carbono eletrofílico, enquanto que um par de elétrons da ligação C=O se move em direção ao oxigênio a fim de estabilizá-lo (pois ele está positivamente carregado), formando um intermediário neutro. Por fim, com a adição de água, ocorre a hidrólise na ligação O –MgX, produzindo uma ligação C–OH e, consequentemente, o álcool. TÓPICO 1 | ALDEÍDOS E CETONAS 173 FONTE: A autora Para recordar sobre os regentes de Grignard, volte à Unidade 1 - Tópico 1. UNI • Formação de acetais: a reação entre aldeídos e cetonas com álcoois, utilizando- se um ácido como catalisador, produz os acetais [fórmula geral R2C(OR’)2]. Essa reação é bastante similar à reação de hidratação para a formação de dióis catalisados por ácidos, como pode ser visto no mecanismo descrito na figura a seguir. FIGURA 14 – MECANISMO GERAL PARA A FORMAÇÃO DE ACETAIS Como podemos ver na figura anterior, a reação se inicia com a protonação do oxigênio da carbonila, deixando o carbono mais eletrofílico. Na sequência, um par de elétrons do oxigênio de uma molécula de álcool ataca nucleofilicamente esse carbono eletrofílico, enquanto que os elétrons da ligação dupla C=O se movem em direção ao oxigênio para estabilizá-lo, originando uma ligação C– OH. Em seguida, há o ataque de uma molécula de água sobre o hidrogênio da ligação entre o carbono e o álcool, abstraindo-o e originando, consequentemente, um hemiacetal (com uma nova ligação C–OR). Como o meio é ácido, a reação continua com a protonação do grupo OH, formando uma ligação C–OH2+. Sendo o grupo OH2+ um bom grupo de saída, um par de elétrons do oxigênio da ligação do C–OR se move em direção à ligação, formando uma ligação dupla C=OR e liberando o grupo OH2+, formando um íon oxônio. Assim, uma segunda molécula de álcool ataca esse carbono eletrofílico, formando uma nova ligação, e a posterior abstração do hidrogênio dessa ligação faz com que o acetal seja produzido. 174 Nesse tópico você aprendeu que: • O carbono do grupo carbonila (C=O) possui hibridização sp2, formando três ligações σ, sendo uma necessariamente com o átomo de oxigênio e duas com outros dois grupos quaisquer. • O grupo carbonila é polar, devido à diferença de eletronegatividade entre os átomos de carbono e de oxigênio. • Os aldeídos são compostos que possuem um grupo carbonila terminal na cadeia carbônica. • As cetonas são compostos que possuem um grupo carbonila interno na cadeia carbônica. • Devido à presença do grupo carbonila, os aldeídos e as cetonas são compostos polares. • Os aldeídos e as cetonas são nomeados de acordo com a nomenclatura sistemática (nomenclatura IUPAC). • Os aldeídos podem ser preparados a partir de reações de oxidação de álcoois primários e da redução de derivados de ácidos carboxílicos. • As cetonas podem ser preparadas a partir de reações de oxidação de álcoois secundários e pela ozonólise de alcenos. • Os aldeídos e cetonas sofrem reação de adição nucleofílica ao carbono da carbonila. RESUMO DO TÓPICO 1 175 1 Identifique a quais grupos funcionais cada um dos compostos a seguir pertence: A) O NH2 B) O O C) D) O OH 2 Dê o nome dos seguintes compostos: A) O B) OO C) O D) O 3 Determine a estrutura dos seguintes compostos: a) 2,2,4,4-tetrametil-3-pentanona b) 3-Fenil-2-propenal c) 3,5-Dinitrobenzenocarbaldeído d) Ciclohexanona AUTOATIVIDADE a) b) d) a) b) c) d) c) 176 4 Determine quais os produtos das seguintes reações (aproveite e nomeie os reagentes e os produtos): A) H3C CH3 O + H2O meio ácido ? B) + H2O ? O meio básico C) H3C CH3 O 1. CH3MgBr 2.H2O ? D) + CH3OH O meio ácido ? a) b) c) d) 177 TÓPICO 2 ÁCIDOS CARBOXÍLICOS E DERIVADOS DE ÁCIDOS CARBOXÍLICOS UNIDADE 3 1 INTRODUÇÃO No decorrer das disciplinas de Química Orgânica estudamos diferentes grupos funcionais, sendo que nessa Unidade focamos na aprendizagem dos compostos carbonílicos, que são uma ampla classe de compostos orgânicos. De fato, os compostos carbonílicos são bastante presentes na natureza, participando de diversas reações químicas metabólicas essenciais para a manutenção da vida, sendo também de grande importância para a indústria, onde são utilizados como precursores para a produção de polímeros, de aditivos alimentícios, de agrotóxicos ou de fármacos de estrutura complexa, por exemplo. Na Unidade 1 estudamos os aldeídos e cetonas e agora vamos nos atentar à química dos ácidos carboxílicos e de alguns de seus derivados. Desse modo, vamos iniciar com o entendimento da estrutura e propriedades dos ácidos carboxílicos, passando para os modos com que eles são produzidos e algumas de suas reações químicas principais. Como os ácidos carboxílicos reagem gerando compostos denominados de derivados de ácidos carboxílicos, em seguida vamos estudar alguns desses compostos, como os haletos de ácidos, os anidridos ácidos, os ésteres e as amidas. Como fizemos para os outros grupos funcionais, vamos analisar suas estruturas, nomenclatura, síntese e reações principais. 2 ÁCIDOS CARBOXÍLICOS Existem diversos ácidos carboxílicos encontrados na natureza e um aspecto interessante é que muitos deles possuem nomes comuns que derivam das suas fontes. Por exemplo, o ácido metanoico também é chamado de ácido fórmico, nome derivado do latim formica (formiga), pois é encontrado em corpos de formigas; o ácido etanoico é conhecido pelo nome de ácido acético, uma vez que ele é o principal componente do vinagre (em latim vinagre é acetum); o ácido propanoico é denominado de ácido propiônico, derivado do grego pro (primeiro) e pion (graxo, gordura), em decorrência de algumas propriedades similares às dos ácidos graxos de maior cadeia; o ácido butanoico é chamado de ácido butírico, pois é o responsável pelo cheiro da manteiga rançosa (em latim manteiga é butyrum); o ácido pentanoico é chamado de ácido valérico, uma vez que é encontrado na valeriana, uma planta 178 UNIDADE 3 | COMPOSTOS CARBONÍLICOS perene, utilizada como erva medicinal e perfume; o ácido hexanoico é chamado de ácido caproico, pois é característico do odor de cabras (em latim cabra é caper); o ácido hexadecanoico é chamado de ácido palmítico, encontrado comumente no óleo de palma, mas também em uma infinidade de outras fontes, tais como derivados de leite e de carnes bovinas. Todos esses exemplos são de ácidos carboxílicos simples, que diferem entre si pelo tamanho da cadeia carbônica, mas é importante dizer que compostos de estrutura mais complexa também são encontrados na natureza, como o ácido cítrico, encontrado em frutas cítricas como a laranja e o limão, e o ácido cólico, encontrado na bile humana. Na figura a seguir são mostradas as estruturas dos ácidos carboxílicos citados. FIGURA 15 – ESTRUTURAS DE ÁCIDOS CARBOXÍLICOS FONTE: A autora Os ácidos graxossão ácidos carboxílicos que possuem grandes cadeias carbônicas, o que faz com que eles sejam insolúveis em água; assim, para ampliar seus conhecimentos sobre os ácidos carboxílicos (especificamente os ácidos graxos), recomendamos a leitura do artigo O que é uma Gordura Trans?, de Fábio Merçon (2010). DICAS TÓPICO 2 | ÁCIDOS CARBOXÍLICOS E DERIVADOS DE ÁCIDOS CARBOXÍLICOS 179 2.1 ESTRUTURA E PROPRIEDADES DE ÁCIDOS CARBOXÍLICOS Os ácidos carboxílicos são caracterizados por possuírem um grupo carboxila, que consiste em um carbono com hibridização sp2 ligado a um oxigênio por uma dupla ligação e a um grupo hidroxila por uma ligação simples; o grupo carboxila é usualmente abreviado como –CO2H ou –COOH (nesse livro, optaremos pela segunda opção). Desse modo, a fórmula geral dos ácidos carboxílicos pode ser escrita como RCO2H ou RCOOH. O grupo carboxila é um grupo polar, apresentando uma região bastante negativa sobre o átomo de oxigênio da ligação dupla C=O, enquanto que sobre o átomo de hidrogênio há uma região bastante deficiente de elétrons (como consequência da ligação O–H devido à alta eletronegatividade do oxigênio). Podemos observar essa tendência na figura a seguir, que traz o mapa de potencial eletroestático para o ácido etanoico (lembre, uma região avermelhada indica uma região rica em elétrons, enquanto que uma região azulada, uma região pobre em elétrons). FIGURA 16 – MAPA DE POTENCIAL ELETROESTÁTICO PARA O ÁCIDO METANOICO FONTE: A autora Como os ácidos carboxílicos apresentam um grupo hidroxila, eles podem fazer ligações de hidrogênio entre si. De fato, muitos dos ácidos carboxílicos existem em forma de dímeros (ou seja, associados dois a dois), sendo mantidos unidos devido às duas interações de hidrogênio, como é esquematizado na figura a seguir: uma entre o oxigênio da ligação dupla C=O de uma molécula de ácido carboxílico e o hidrogênio do grupo OH de outra molécula, e outra entre o grupo OH da primeira molécula de ácido carboxílico e o oxigênio da ligação C=O da segunda molécula. 180 UNIDADE 3 | COMPOSTOS CARBONÍLICOS FIGURA 17 – ESTRUTURA DE DÍMERO DOS ÁCIDOS CARBOXÍLICOS FONTE: A autora Assim, devido a essa possibilidade em formar ligações de hidrogênio entre suas moléculas (e os dímeros), os ácidos carboxílicos apresentam pontos de ebulição bastante elevados (sendo mais elevados do que os alcanos, álcoois, aldeídos e cetonas, por exemplo, de massas molares correspondentes). Além disso, os ácidos carboxílicos também podem formar ligações de hidrogênio com as moléculas de água, o que os torna bastante solúveis em água. Essa solubilidade em água para os ácidos carboxílicos segue as mesmas tendências que vimos anteriormente para os álcoois, os aldeídos e as cetonas: à medida que a cadeia carbônica dos ácidos carboxílicos aumenta, consequentemente, a fração hidrofóbica da molécula aumenta e a solubilidade do composto diminui. Na tabela a seguir são mostrados os pontos de ebulição e a solubilidade relativa para alguns ácidos carboxílicos. TABELA 6 – PONTOS DE EBULIÇÃO E SOLUBILIDADE RELATIVA PARA ALGUNS ÁCIDOS CARBOXÍLICOS Ácido carboxílico Ponto de ebulição Solubilidade em água ácido metanoico 100,5 ºC Extremamente solúvel ácido etanoico 118 ºC Extremamente solúvel ácido pentanoico 187 ºC Ligeiramente solúvel (5g/100g H2O) ácido decanoico 269 ºC Muito pouco solúvel (0,015g/100g H2O) ácido hexadecanoico 383 ºC Muito pouco solúvel (0,0003g/100g H2O) FONTE: Solomons e Fryhle (2011, p. 92) TÓPICO 2 | ÁCIDOS CARBOXÍLICOS E DERIVADOS DE ÁCIDOS CARBOXÍLICOS 181 2.2 REGRAS DE NOMENCLATURA DE ÁCIDOS CARBOXÍLICOS A nomenclatura dos ácidos carboxílicos é realizada seguindo-se as regras para os outros grupos funcionais, sendo utilizado o sufixo -oico no lugar do sufixo -o para os alcanos, além de preceder o nome com o termo “ácido”. Como o grupo carboxílico é necessariamente um grupo terminal (ou seja, presente na extremidade da cadeia carbônica), o carbono do grupo carboxílico é determinado como o carbono de número 1 e a cadeia carbônica principal é aquela mais extensa. Veja na figura a seguir a nomenclatura de alguns ácidos carboxílicos. FIGURA 18 – EXEMPLOS DE NOMENCLATURA PARA ÁCIDOS CARBOXÍLICOS LINEARES FONTE: A autora FONTE: A autora Uma característica importante é que a nomenclatura de ácidos carboxílicos cujo grupo carboxílico está ligado a cadeias cíclicas é feita utilizando o sufixo -carboxílico, precedido do termo ácido (determina-se que o grupo carboxila está ligado ao carbono de número 1). Veja exemplos na figura a seguir. FIGURA 19 – EXEMPLOS DE NOMENCLATURA PARA ÁCIDOS CARBOXÍLICOS CÍCLICOS 182 UNIDADE 3 | COMPOSTOS CARBONÍLICOS 2.3 SÍNTESE DE ÁCIDOS CARBOXÍLICOS Os ácidos carboxílicos podem ser preparados de diversas formas, veremos agora algumas das principais. Quando estudamos os compostos aromáticos na disciplina de Química Orgânica I, vimos que o anel benzênico é inerte às reações de oxidação. No entanto, se o composto aromático for substituído com uma cadeia alquílica, esta sim pode sofrer oxidação facilmente se o composto for tratado com agentes oxidantes fortes, tais como o permanganato de potássio (KMnO4) ou o dicromato de sódio (Na2Cr2O7), originando grupos carboxílicos. Assim, como pode ser observado na figura a seguir, que mostra algumas reações de oxidação de compostos aromáticos substituídos por grupos alquílicos, os grupos alquílicos de anéis aromáticos ao serem oxidados são clivados no carbono ligado ao anel aromático, geram um grupo carboxílico e, consequentemente, um ácido carboxílico. Repare que grupos carboxílicos em que o carbono ligado ao anel aromático é primário ou secundário sofrem reação de oxidação, enquanto que se ele é terciário a reação não ocorre. Além disso, compostos carbonílicos dissubstituídos também podem sofrer reação de oxidação, desde que um dos grupos substituintes seja alquílico. FIGURA 20 – EXEMPLOS DE REAÇÕES DE OXIDAÇÃO PARA A OBTENÇÃO DE ÁCIDOS CARBOXÍLICOS FONTE: A autora TÓPICO 2 | ÁCIDOS CARBOXÍLICOS E DERIVADOS DE ÁCIDOS CARBOXÍLICOS 183 Outro modo de sintetizar ácidos carboxílicos é por meio da clivagem oxidativa de alcenos com permanganato de potássio. Para tanto é necessário que o alceno possua um hidrogênio vinílico (ou seja, um átomo de hidrogênio que esteja diretamente ligado ao carbono da ligação dupla C=C). Repare na figura a seguir que a clivagem oxidativa de alcenos ocorre justamente na ligação C=C e, assim, origina dois ácidos carboxílicos. FIGURA 21 – EXEMPLOS DE CLIVAGEM OXIDATIVA DE ALCENOS PARA A OBTENÇÃO DE ÁCIDOS CARBOXÍLICOS FONTE: A autora A oxidação de álcoois primários e de aldeídos, geralmente, realizada com o uso do trióxido de cromo (CrO3), também leva à formação de ácidos carboxílicos. Vimos anteriormente, quando estudamos os álcoois, que os álcoois primários poderiam ser oxidados para a síntese de aldeídos de ácidos carboxílicos, sendo que o agente oxidante seria responsável por determinar se a reação levaria a um aldeído ou a um ácido carboxílico; como discutido, o uso do clorocromato de piridínio (PCC) em meio de diclorometano seria preferível para a síntese de aldeídos, enquanto que o uso do trióxido de cromo em meio ácido é preferível para a síntese de ácidos carboxílicos (vale dizer que nesse último caso há a formação de um aldeído intermediário, porém, como o meio é altamente oxidante, é impossível isolar esse aldeído). Na figura a seguir são mostrados exemplos dessas reações. FIGURA 22 – EXEMPLOS DE REAÇÕES DE OXIDAÇÃO DE ÁLCOOIS PRIMÁRIOS E ALDEÍDOS PARA A OBTENÇÃO DE ÁCIDOS CARBOXÍLICOS FONTE: A autora 184 UNIDADE 3 | COMPOSTOS CARBONÍLICOS As nitrilas (compostos de fórmula geral R–C≡N) podem ser hidrolisadas, em meio aquoso ácido ou básico fortes e temperaturas bastante elevadas (acima de 200 ºC), originando um ácido carboxílico e amônia (essa molécula de amônia é gerada uma vez que a reação envolve a formação de um intermediário amina, que perde o –NH2, gerandoem solução o NH3, que se protonado origina o NH4+). Veja na figura a seguir um exemplo dessa reação. FIGURA 23 – EXEMPLO DE REAÇÃO DE HIDRÓLISE DE NITRILAS PARA A OBTENÇÃO DE ÁCIDOS CARBOXÍLICOS FONTE: A autora 2.4 REAÇÕES DE ÁCIDOS CARBOXÍLICOS Os ácidos carboxílicos têm bastante importância em química orgânica, pois eles são material de partida para a síntese de uma série de outros compostos químicos. Não é possível descrever todas elas aqui, mas veremos algumas delas na sequência, assim como no Tópico 3. Primeiramente, é importante dizer que uma das reações mais importantes dos ácidos carboxílicos é para produzir os derivados de ácidos carboxílicos, que são compostos em que o grupo hidroxila do grupo carboxílico é substituído por outros grupos orgânicos. Assim, os derivados de ácidos carboxílicos são indicados pela fórmula geral R–COY. Veja na figura a seguir alguns exemplos de derivados de ácidos carboxílicos. FIGURA 24 – EXEMPLOS DE DERIVADOS DE ÁCIDOS CARBOXÍLICOS TÓPICO 2 | ÁCIDOS CARBOXÍLICOS E DERIVADOS DE ÁCIDOS CARBOXÍLICOS 185 FONTE: A autora A seguir vamos estudar a química desses derivados de ácidos carboxílicos, com foco nos haletos de ácidos, nos anidridos ácidos, nos ésteres e nas amidas. Dessa forma, vamos analisar suas estruturas, nomenclatura, síntese (que ocorre utilizando os ácidos carboxílicos como matéria-prima) e reações principais. 3 DERIVADOS DE ÁCIDOS CARBOXÍLICOS Antes de estudarmos as especificidades dos haletos de ácidos, dos anidridos ácidos, dos ésteres e das amidas, é importante saber que todos esses compostos têm uma característica em comum: sua química é baseada nas reações de substituição nucleofílica em grupo acila – para que você saiba, um grupo acila é um grupo derivado de um oxiácido, geralmente, de um ácido carboxílico, gerado pela eliminação de um grupo hidroxila, assim, um grupo acila tem como fórmula geral R –C=O-. A reação de substituição nucleofílica em grupos acila se inicia com o ataque de um nucleófilo ao carbono do grupo carbonílico, fazendo com que o outro grupo ligado a esse carbono seja eliminado como grupo de saída. O mecanismo dessa reação é mostrado na figura a seguir. 186 UNIDADE 3 | COMPOSTOS CARBONÍLICOS FIGURA 25 – MECANISMO GERAL DE REAÇÃO DE SUBSTITUIÇÃO NUCLEOFÍLICA EM GRUPO ACILA FONTE: A autora Como indicado na figura anterior, uma reação de substituição nucleofílica em grupo acila gera, portanto, a substituição do grupo –Y (que indica um grupo qualquer ligado ao carbono da carbonila) pelo nucleófilo (Nu). Vale dizer que o mecanismo de substituição nucleofílica em grupo acila se difere dos mecanismos de substituição nucleofílica bimolecular (SN2) e unimolecular (SN1), que estudamos na Unidade 1. Isso porque na substituição nucleofílica em grupo acila ocorre em duas etapas, enquanto que o mecanismo SN2 ocorre em uma única etapa e o SN1 envolve a formação de um carbocátion intermediário (volte à Unidade 1 para recordar como se dão os mecanismos SN2 e SN1). O mecanismo de substituição nucleofílica em grupo acila se inicia pelo ataque do nucleófilo ao carbono da carbonila, que age, como já vimos, como um eletrófilo (uma vez que ele é deficiente em elétrons, por estar ligado ao átomo de oxigênio bastante eletronegativo). Dessa forma, a reação dos derivados de ácido carboxílico é afetada pelo quão eletrófilo é esse carbono da carbonila: dependendo da natureza do grupo –Y, o carbono da carbonila pode ficar mais deficiente de elétrons (sendo mais reativos, pois são mais facilmente atacados pelo nucleófilo) ou menos deficiente de elétrons (sendo menos reativos). Na figura a seguir são mostrados os mapas de potencial eletroestático para os derivados de ácidos carboxílicos mais simples (isto é, aqueles em que os grupos alquílicos R são –CH3). TÓPICO 2 | ÁCIDOS CARBOXÍLICOS E DERIVADOS DE ÁCIDOS CARBOXÍLICOS 187 FONTE: A autora FIGURA 26 – MAPAS DE POTENCIAL ELETROESTÁTICO PARA DERIVADOS DE ÁCIDOS CARBOXÍLICOS Como já sabemos, os mapas de potencial eletroestático são modelos que mostram o perfil da distribuição da densidade de carga na molécula por meio de cores, com a seguinte simbologia: vermelho (regiões mais ricas em elétrons) < laranja < amarelo < verde < azul (regiões mais pobres em elétrons). Como vemos na figura anterior, o carbono da carbonila mais deficiente de elétrons é aquele do cloreto de etanoíla (um haleto de ácido), caracterizado por possuir uma região de um azul intenso. Tal característica é explicada porque os halogênios são grupos retiradores de elétrons, por serem bastante eletronegativos; assim, esse efeito de retirada de elétrons é combinado com o do átomo de oxigênio, deixando o carbono da carbonila dos haletos de ácido bastante deficiente em elétrons. Na sequência, temos que o acetato de metila (um éster) e o anidrido acético (um anidrido ácido), por possuírem átomos de oxigênio na cadeia carbônica principal e ligados ao carbono da carbonila, possuem uma região sobre o carbono da carbonila ainda azulada, mas menos do que para o cloreto de etanoíla. Esse caráter é devido ao efeito de doação de elétrons por ressonância do átomo de oxigênio da cadeia carbônica (uma vez que ele possui pares de elétrons isolados). Já para a etanoamida (uma amida), percebe-se que a região do carbono da carbonila é mais esverdeada, o que indica ser uma região menos pobre em elétrons do que uma região azulada. Isso ocorre porque o grupo –NH2 doa elétrons para o carbono da carbonila por efeito de ressonância de um modo mais efetivo que o átomo de oxigênio dos ésteres e anidridos de ácido, deixando, portanto, o carbono carbonílico menos positivo. 188 UNIDADE 3 | COMPOSTOS CARBONÍLICOS Para relembrar os efeitos dos grupos substituintes como doadores ou retiradores de elétrons, volte à seção 2.1 EFEITO DOS SUBSTITUINTES NAS REAÇÕES DE SUBSTITUIÇÃO ELETROFÍLICA AROMÁTICA, da Unidade 2. NOTA Desse modo, vemos que o carbono da carbonila é mais pobre em elétrons nos haletos de ácidos, seguidos dos ésteres, dos anidridos ácidos e das amidas (caso em que o carbono da carbonila é menos pobre em elétrons). Assim, as reatividades relativas crescem da seguinte forma (Figura 27): amida (menos reativa) < anidridos ácidos < ésteres < haletos de ácido (mais reativos). FIGURA 27 – REATIVIDADE RELATIVA DOS DERIVADOS DE ÁCIDO CARBOXÍLICO FONTE: A autora Um fato interessante acerca da reatividade relativa dos derivados de ácido carboxílico é que na natureza existem essencialmente apenas os ésteres e amidas, devido às suas menores reatividades, enquanto que os haletos de ácidos e os anidridos ácidos, por reagirem prontamente com a água, não são encontrados em organismos vivos. Sabendo disso, vamos agora estudar os aspectos químicos dos haletos de ácido, dos anidridos ácidos, dos ésteres e das aminas. 3.1 HALETOS DE ÁCIDOS Os haletos de ácidos (também chamados de haletos de acila) são derivados de ácido carboxílico caracterizados por possuírem um átomo de halogênio (essencialmente o cloro ou o bromo) no lugar do grupo hidroxila, tendo, portanto, a fórmula geral R –COX). Vejamos então como os haletos de ácidos são nomeados, suas formas de obtenção e suas reações principais. TÓPICO 2 | ÁCIDOS CARBOXÍLICOS E DERIVADOS DE ÁCIDOS CARBOXÍLICOS 189 FONTE: A autora • Nomenclatura de haletos de ácidos: os haletos de ácidos são nomeados seguindo as regras gerais de nomenclatura sistemática. Especificamente, usa- se o termo cloreto ou brometo (se o grupo –X for um cloro ou um bromo, respectivamente), seguido da preposição de e substituindo o prefixo -o da cadeia carbônica principal pelo prefixo -oíla. Veja exemplos da estrutura de haletos de ácidos seguidos de sua nomenclatura na figura a seguir – caso o halogênio seja o flúor ou o iodo, usa-se os termos fluoreto ou iodeto, respectivamente. FIGURA 28 – NOMENCLATURA PARA HALETOS DE ÁCIDOS • Síntese de haletos de ácidos: os haletos de ácidos são preparados essencialmente a partir de ácidos carboxílicos,por meio de reações de substituição nucleofílica em grupo acila. Como vimos, os ácidos carboxílicos são caracterizados por possuírem um grupo carboxílico, no qual há um grupo hidroxila ligado a um grupo carbonila. No entanto, esse grupo hidroxila não é um bom grupo de saída, e, como as reações de substituição nucleofílica em grupo acila se processam com a substituição de um nucleófilo, é necessário tornar a hidroxila um melhor grupo de saída. Assim, na síntese de cloretos de ácidos, isso é feito utilizando-se o cloreto de tionila (SOCl2), como descrito no mecanismo de reação na figura a seguir. 190 UNIDADE 3 | COMPOSTOS CARBONÍLICOS FIGURA 29 – MECANISMO DE SUBSTITUIÇÃO NUCLEOFÍLICA EM GRUPO ACILA PARA A OBTENÇÃO DE CLORETOS DE ÁCIDOS FONTE: A autora FONTE: A autora Como indicado na figura anterior, a síntese de cloretos de ácidos é possível quando se utiliza o cloreto de tionila como reagente, uma vez que ele substitui o grupo hidroxila por um grupo –SOCl (formando um clorosulfito), que é, por sua vez, um melhor grupo de saída. Isso permite, então, que na reação com o íon cloreto, que age como um nucleófilo, o grupo –SOCl deixe a molécula, formando um cloreto de ácido. • Reações de haletos de ácidos: como vimos, os haletos de ácidos são os derivados de ácidos carboxílicos mais reativos e, assim, são usados para o preparo de uma série de outros compostos. Por exemplo, os cloretos de ácidos reagem com a água para formarem ácidos carboxílicos. Essa reação é chamada de hidrólise e seu mecanismo é típico de substituição nucleofílica em grupo acila, como mostrado na figura a seguir, no qual é possível observar que a água age como nucleófilo, atacando o carbono eletrofílico do cloreto de ácido. FIGURA 30 – MECANISMO GERAL DE HIDRÓLISE DE HALETOS DE ÁCIDOS TÓPICO 2 | ÁCIDOS CARBOXÍLICOS E DERIVADOS DE ÁCIDOS CARBOXÍLICOS 191 FONTE: A autora Os haletos de ácido também podem reagir com álcoois a fim de originarem os ésteres, em uma reação chamada de alcoólise. Nas reações de alcoólise, é importante se atentar à natureza do álcool utilizado, uma vez que álcoois primários são mais reativos que os secundários, que são, por sua vez, mais reativos que os terciários. Essa ordem de reatividade vem do fato de que os álcoois primários são menos volumosos, sendo menos impedidos estericamente, podendo reagir mais facilmente. A aminólise é a reação que ocorre entre os cloretos de haletos de ácidos com a amônia ou as aminas (primárias ou secundárias) para a obtenção das amidas. Ambas as reações de alcoólise e de aminólise ocorrem com um mecanismo de substituição nucleofílica em grupo acila, semelhante à hidrólise; nesses casos, no entanto, são os álcoois e a amônia ou as aminas os nucleófilos, respectivamente. Na figura a seguir são mostrados exemplos de reações de alcoólise e de aminólise (para a aminólise, é importante ressaltar que são necessários dois equivalentes de amônia ou de amina para um equivalente de haleto de ácido, pois um equivalente vai reagir com o haleto de ácido para formar a amida, enquanto que o outro equivalente reage com o ácido clorídrico produzido pela perda do cloro do cloreto de ácido, por exemplo, originando um sal de cloreto de amônio). FIGURA 31 – EXEMPLOS DE ALCOÓLISE E AMINÓLISE DE HALETOS DE ÁCIDOS 3.2 ANIDRIDROS ÁCIDOS Os anidridos ácidos podem ser entendidos como os produtos da reação de desidratação entre duas moléculas de ácidos carboxílicos (que podem ser do mesmo tipo ou de ácidos carboxílicos distintos). Dessa forma, sua fórmula geral é R−CO−O−CO−R'. 192 UNIDADE 3 | COMPOSTOS CARBONÍLICOS Assim, veremos como os anidridos ácidos são nomeados, assim como eles são obtidos e suas reações. • Nomenclatura de anidridos ácidos: como determinado, as regras de nomenclatura geral para os anidridos ácidos seguem as mesmas regras para os outros compostos. As especificidades são que a sua nomenclatura depende dos ácidos carboxílicos que lhe deram origem. Caso os ácidos carboxílicos sejam da mesma natureza, o anidrido ácido terá uma estrutura simétrica e será nomeado utilizando-se o termo anidrido seguido do nome do ácido carboxílico do qual ele é derivado (sem o termo ácido). Caso os ácidos carboxílicos sejam de natureza diferente, eles serão caracterizados por serem anidridos assimétricos e sua nomenclatura se dá pelo uso do termo anidrido seguido dos nomes dos ácidos carboxílicos em ordem alfabética e separados por hífen. Veja, na figura a seguir, exemplos de estruturas e de nomenclatura de anidridos ácidos. FIGURA 32 – NOMENCLATURA DE ANIDRIDOS ÁCIDOS FONTE: A autora • Síntese de anidridos ácidos: apesar dos anidridos ácidos serem definidos como sendo o produto de desidratação entre duas moléculas de ácidos carboxílicos, eles são dificilmente preparados por meio dessas reações de desidratação, sendo apenas o anidrido metanoico produzido por esse modo (como se trata de uma reação de desidratação, a água também é obtida como produto). Dessa forma, o modo mais usual para o preparo dos anidridos ácidos (tanto os simétricos quanto os assimétricos) é pela reação entre cloreto de ácido e um ânion carboxilato. Essa reação se procede por um mecanismo de substituição nucleofílico em grupo acila, em que o cloro é o grupo de saída e o ânion carboxilato age como o nucleófilo. Veja, na figura a seguir, o mecanismo geral para essa reação. TÓPICO 2 | ÁCIDOS CARBOXÍLICOS E DERIVADOS DE ÁCIDOS CARBOXÍLICOS 193 FONTE: A autora FONTE: A autora FIGURA 33 – MECANISMO GERAL PARA A FORMAÇÃO DE ANIDRIDOS ÁCIDOS • Reações de anidridos ácidos: os anidridos ácidos reagem de modo similar aos haletos de ácido, formando, desse modo, os ácidos carboxílicos pelas reações de hidrólise, os ésteres pelas reações de alcoólise e as amidas pelas reações de aminólise. No entanto, duas considerações devem ser feitas: 1) como os anidridos ácidos são menos reativos, essas reações acabam sendo mais lentas do que as com os haletos de ácidos; 2) apenas uma das partes da molécula de anidrido acético se liga aos nucleófilos, a outra metade age como um grupo de saída, originando um íon acetato em solução, por exemplo. Veja exemplos na figura a seguir, que mostra uma reação de alcoólise para a formação do ácido 2-acetoxibenzoico (conhecido como ácido salicílico e usado para a produção da aspirina) e uma reação de aminólise para a obtenção do N-(4- hidroxifenil)etanamida (conhecido pelo nome comercial paracetamol, usado como analgésico). FIGURA 34 – EXEMPLOS DE ALCOÓLISE E AMINÓLISE DE ANIDRIDOS ÁCIDOS 194 UNIDADE 3 | COMPOSTOS CARBONÍLICOS 3.3 ÉSTERES Os ésteres são os derivados de ácido carboxílico em que o átomo de hidrogênio do grupo carboxila foi substituído por um grupo alquila, sendo, portanto, sua fórmula geral RCOOR’. Um fato interessante sobre os ésteres é que eles são amplamente encontrados na natureza. Uma das principais formas dos ésteres são os chamados ésteres essenciais, que são aquelas cadeias carbônicas relativamente pequenas (até oito carbonos) encontradas em frutas e flores, por exemplo, sendo um dos responsáveis por seus aromas característicos, como o etanoato de pentila (aroma de banana), o etanoato de butila (aroma e sabor de maçã), o butanoato de etila (aroma de abacaxi) e o metanoato de etila (aroma da groselha). Veremos agora as regras de nomenclatura e alguns aspectos sobre a química dos ésteres. • Nomenclatura de ésteres: a nomenclatura dos ésteres é realizada nomeando- se, inicialmente, cada uma das duas cadeias carbônicas ligadas ao átomo de oxigênio. A cadeia carbônica pertencente ao carbono da carbonila (ou seja, a cadeia identificada por R na fórmula geral dos ésteres) é nomeada de acordo com as regras usuais para a nomenclatura de compostos orgânicos, sendo, no lugar do sufixo -o, utilizado o sufixo -oato; já a cadeia carbônica ligada apenas ao átomo de oxigênio da cadeia principal (ou seja, grupo R’) é nomeada utilizando-se o sufixo -ila. Por fim, juntam-se esses dois termos,primeiro o referente ao grupo R e depois ao grupo R’, utilizando-se a proposição de, e tem-se o nome do composto. Veja exemplos na figura a seguir. FIGURA 35 – NOMENCLATURA DE ÉSTERES FONTE: A autora TÓPICO 2 | ÁCIDOS CARBOXÍLICOS E DERIVADOS DE ÁCIDOS CARBOXÍLICOS 195 FONTE: A autora • Síntese de ésteres: a rota sintética mais importante para os ésteres é a chamada reação de esterificação de Fischer (nome dado em homenagem ao seu desenvolvedor, Emil Fischer, químico alemão, 1852-1919). A reação de esterificação de Fischer consiste na substituição nucleofílica em grupo acila de um ácido carboxílico por um álcool, utilizando-se um ácido como catalisador. A figura a seguir traz o mecanismo dessa reação. FIGURA 36 – MECANISMO GERAL PARA A REAÇÃO DE ESTERIFICAÇÃO DE FISCHER Como podemos observar na figura anterior, a reação de esterificação de Fischer necessita de um ácido como catalisador para tornar o ácido carboxílico mais reativo, ao conduzir a protonação do oxigênio da carbonila (pelo ataque nucleofílico de um dos seus pares de elétrons ao H+ proveniente do ácido clorídrico). Essa protonação cria uma densidade positiva sobre o átomo de oxigênio, o que permite que um par de elétrons do oxigênio da molécula de álcool ataque nucleofilicamente o carbono eletrofílico do grupo carboxila, ao passo que um par de elétrons da ligação dupla C=O se mova em direção ao oxigênio positivo a fim de estabilizá-lo. Isso faz com que seja formada uma nova ligação C–OHR’ (ligação entre o carbono do ácido carboxílico e o álcool). Em uma próxima etapa, o hidrogênio da ligação C–OHR’ é transferido para o grupo hidroxila adjacente, criando uma ligação C–OH2+ e com o ataque de uma molécula de água ao hidrogênio da outra ligação C–OH, a dupla ligação C=O é restaurada e o grupo H2O é liberado como grupo de saída, originando o éster. • Reações de ésteres: os ésteres sofrem hidrólise a fim de produzir um ácido carboxílico e um álcool. As reações de hidrólise catalisadas por base são umas das mais importantes, tanto que recebem um nome próprio, saponificação, que tem origem no latim (sapo que significa sabão). Veja na figura a seguir o mecanismo geral da reação de saponificação. 196 UNIDADE 3 | COMPOSTOS CARBONÍLICOS FIGURA 37 – MECANISMO GERAL PARA A REAÇÃO DE SAPONIFICAÇÃO FONTE: A autora Como indicado na figura anterior, a reação de saponificação segue um mecanismo de substituição nucleofílica em grupo acila. Como ela é catalisada por base, a reação se inicia com o ataque nucleofílico do íon OH- ao carbono eletrofílico do éster, gerando uma nova ligação C–OH e movendo um par de elétrons para o oxigênio da carbonila. Em seguida, a ligação C=O é refeita e o grupo de saída –OR’ é eliminado, originando um ácido carboxílico e o íon alcóxido. Esse íon alcóxido abstrai então o hidrogênio do grupo hidroxila do ácido carboxílico, formando um íon carboxilato. Na sequência, se esse íon carboxilato for tratado com uma solução ácida, haverá protonação do seu oxigênio negativo e a formação do ácido carboxílico. Para saber mais sobre a reação de saponificação e a produção de sabões, recomendamos a leitura dos seguintes artigos: Xampus, de Barbosa e Silva (1995); Sabões e detergentes como tema organizador de aprendizagens no Ensino Médio, de Verani, Gonçalves e Nascimento (2000); Surfactantes sintéticos e biossurfactantes: vantagens e desvantagens, de Felipe e Dias (2017). DICAS 3.4 AMIDAS As amidas são os derivados de ácido carboxílico nas quais o grupo hidroxila foi substituído por um grupo derivado da amônia. Assim, do mesmo modo como vimos para as aminas, as amidas podem ser classificadas como primárias, secundárias ou terciárias. As amidas primárias são aquelas em que há apenas um grupo acila ligado ao átomo de nitrogênio (fórmula geral R–CONH2); as amidas secundárias possuem dois grupos acila ligados ao nitrogênio [fórmula geral (R-CO)2NH]; e as amidas terciárias possuem três grupos acila ligados ao nitrogênio [fórmula geral (R-CO)3N]. Como fizemos para os outros derivados de ácidos, vamos estudar a nomenclatura e a química das amidas. TÓPICO 2 | ÁCIDOS CARBOXÍLICOS E DERIVADOS DE ÁCIDOS CARBOXÍLICOS 197 FONTE: A autora • Nomenclatura de amidas: as amidas primárias são nomeadas identificando-se a cadeia carbônica e utilizando-se o sufixo -amida no lugar do sufixo -o. Já para as amidas secundárias e terciárias, é preciso nomear o grupo alquila ligado ao átomo de carbono (identificado como a cadeia principal), nomeando-a utilizando o sufixo -amida, enquanto que os outros grupos alquila ligados ao átomo de nitrogênio são considerados grupos substituintes (lembre-se de que quando os grupos substituintes são ligados ao átomo de nitrogênio, eles são identificados por N). Veja na figura a seguir exemplos de estruturas e nomenclatura para amida. FIGURA 38 – NOMENCLATURA DE AMIDAS • Síntese de amidas: o método mais usual para o preparo de amidas é pela reação entre a amônia ou as aminas (primárias ou secundárias) com os cloretos de ácidos (como vimos anteriormente, quando discutimos as reações típicas dos haletos de ácidos). Vale dizer que a reação entre o cloreto de ácido e a amônia origina uma amida primária; já a reação com uma amina primária leva à formação de uma amida secundária, e a reação com uma amina secundária leva à formação de uma amida terciária. • Reações de amidas: as amidas são os derivados de ácido menos reativos e, portanto, para que elas reajam, são necessárias condições reacionais mais drásticas (ou seja, envolvem temperaturas mais elevadas e o uso de catalisadores). Assim, as amidas são convertidas em ácidos carboxílicos e em aminas pelas reações de hidrólise, que podem ser catalisadas por ácidos ou por bases. Veja os mecanismos para cada uma dessas reações na figura a seguir. 198 UNIDADE 3 | COMPOSTOS CARBONÍLICOS FIGURA 39 – MECANISMOS GERAIS PARA A REAÇÃO DE HIDRÓLISE DE AMIDAS FONTE: A autora Como todas as reações que vimos anteriormente, tanto a reação de hidrólise de amidas catalisada por ácido, quanto a catalisada por base são reações de substituição nucleofílica em grupo acila. TÓPICO 2 | ÁCIDOS CARBOXÍLICOS E DERIVADOS DE ÁCIDOS CARBOXÍLICOS 199 LEITURA COMPLEMENTAR A CACHAÇA REVELADA Estudos aumentam o conhecimento sobre a aguardente e contribuem para a qualidade da bebida Marcos de Oliveira “O que você estuda? Cachaça. O quê? Ah, então você é cachaceiro”. Esse tipo de diálogo zombeteiro em resposta a uma pergunta comum nos meios científicos é recebido com certa complacência pelos pesquisadores do Laboratório para o Desenvolvimento da Química da Aguardente (LDQA), do Instituto de Química de São Carlos da Universidade de São Paulo (USP). Eles sabem da importância dos estudos que fazem para analisar a qualidade e tipificar as várias nuances dessa bebida genuinamente nacional, reconhecida no exterior, quase como o futebol ou a música brasileira, principalmente na famosa caipirinha. O país produz cerca de 2 bilhões de litros e as exportações atingem 11 milhões de litros, números que transformam a pinga na terceira bebida destilada mais consumida no mundo, atrás da coreana soju, feita de arroz, trigo e batata-doce, também conhecida como shochu no Japão, e da vodca. Criado há 12 anos pelo professor Douglas Wagner Franco, o laboratório procura esquadrinhar a cachaça quimicamente. O grupo colaborou para a comprovação química na diferenciação entre o rum e a cachaça nos Estados Unidos, em 2004. Teimosamente, as duas bebidas feitas de cana-de-açúcar, mas por processos e com aromas e gostos diferentes, eram consideradas a mesma coisa naquele país. A situação mudou com um trabalho apresentado no Journal of Agricultural and Food Chemistry, importante publicação da área de alimentos. A partir daí a cachaça pode ostentar no rótulo que é uma bebida tipicamente brasileira. Depois, os pesquisadores continuaram a trabalhar para conhecer melhor a composição orgânica e mineral dacachaça. Agora eles desenvolvem métodos e sistemas para tipificar e colaborar para a contínua melhora da bebida. Além de saber o que existe numa amostra de cachaça, conhecendo todos os fenômenos relacionados com a produção e o envelhecimento, os pesquisadores desenvolvem técnicas que indicam, por exemplo, se a bebida foi produzida em alambiques ou numa indústria, se a cana utilizada foi queimada ou não, porque, se queimada, o resultado pode indicar a presença de componentes prejudiciais à saúde do consumidor. “Também analisamos a quantidade mínima de componentes exigidos pela legislação e informamos aos fabricantes, ajudando principalmente o pequeno produtor que planta a cana, colhe, fermenta o caldo, destila e engarrafa”, diz o pós-doutorando Daniel Rodrigues Cardoso. Muitas associações e cooperativas de produtores buscam a qualidade a partir das análises do laboratório. 200 UNIDADE 3 | COMPOSTOS CARBONÍLICOS Componentes especiais “A legislação mudou muito para os produtores no Brasil, impondo limites de minerais e compostos químicos. Recentemente, Canadá e Alemanha passaram a exigir laudos sobre a presença de vários componentes, entre eles o carbamato de etila, uma substância cancerígena que também pode ser encontrada em alimentos, além de teores de metanol e de outros tipos de álcoois”, diz Franco. A presença de cobre, uma preocupação antiga, deixou de ser importante, embora ele contribua para a formação do carbamato. “Os níveis de cobre em nossa cachaça estão, geralmente, dentro dos parâmetros exigidos pela legislação”, diz Franco. Em 2005, numa análise de 108 amostras coletadas no Estado de São Paulo, o maior produtor nacional, 75% das cachaças estavam em conformidade com a legislação, com teores abaixo de 5 miligramas por litro. Em 2003, em análise semelhante, o índice atingiu 60%. Em relação ao carbamato, nesse mesmo ano, a análise mostrou que 51% das amostras estavam abaixo do limite estipulado pela legislação. Amostras coletadas em 2005 indicam que 70% possuem teores abaixo do limite. “Esses dados mostram uma crescente preocupação dos produtores em melhorar a qualidade da bebida”, diz Cardoso. Embora alguns componentes presentes na cachaça possam trazer preocupação, eles não podem ser eliminados no processo de produção. “O problema é que, se alguns componentes forem eliminados, a personalidade da bebida desaparece também”, diz Franco. Colaborar principalmente com a qualidade da bebida dos pequenos produtores é um trabalho extenso e a longo prazo. “Apesar de termos gerado um grande banco de dados, ainda estamos engatinhando na análise e são poucos os laboratórios no Brasil que fazem esse tipo de estudo”, diz Cardoso. Mesmo o Ministério da Agricultura, possuidor da função de fiscalizar as aguardentes nacionais, não tem infraestrutura para todas as análises que a legislação e os importadores exigem. “Nós fazemos as análises, mas não temos o poder de vetar e dizer “não venda”, apenas aconselhamos e fazemos sugestões para a regulamentação dos padrões de qualidade”, diz Franco. Variáveis da pinga Grande parte dos estudos realizados pelo grupo partiu das coletas de cachaça nos próprios produtores realizadas em 2005 no Estado de São Paulo, em que, das 108 amostras, apenas 27 eram de grandes produtores. “Analisamos 35 variáveis, como a presença de cobre, ferro, metanol, cetona, aldeído e ácido acético”. O objetivo foi estabelecer um perfil químico da aguardente e um banco de dados que ao serem transpostos para softwares específicos, chamado de quimiometria, resultam em gráficos que distinguem as amostras de pingas artesanais de alambiques, com destiladores de cobre, e as de coluna, presentes nas indústrias, com equipamentos de aço inox. Segundo o mestrando Roni Vicente Reche, no gráfico fica evidente que as aguardentes destiladas em coluna são mais semelhantes entre si em relação às de alambique, com menor variação em sua composição química. Elas se posicionam próximas umas das outras em relação TÓPICO 2 | ÁCIDOS CARBOXÍLICOS E DERIVADOS DE ÁCIDOS CARBOXÍLICOS 201 aos componentes e raramente ultrapassam os níveis exigidos pela legislação. A partir dessa análise, eles concluíram que o carbamato de etila e o benzaldeído são os compostos mais importantes no grupo das cachaças industriais. Nas aguardentes de alambique a variação nos compostos químicos é maior. Os mais importantes são o formaldeído, o 5-hidroxi-metil-furfural (5HMF), ácido acético e propionaldeído. O 5HMF é encontrado em baixas concentrações, mas, se estiver num nível alto, significa que pedacinhos da cana estavam presentes no processo de destilação. Com esses dados em mãos, os pesquisadores elaboraram um modelo para distinção entre cachaças de alambique e de coluna com 97% de acerto. Outros componentes, que estão sob o foco dos pesquisadores, ainda não são controlados pela legislação brasileira. São os hidrocarbonetos policíclicos aromáticos (HPAs), presentes principalmente quando a cana foi queimada antes da colheita. Trabalhos científicos já relataram a presença desses compostos no uísque, no rum e na grapa, por exemplo. Compostos de hidrocarbonetos como benzoapireno e antraceno possuem potencial cancerígeno até superior ao do carbamato de etila. Para identificar a presença desses compostos nas cachaças, os pesquisadores utilizaram as amostras coletadas e apresentaram um questionário aos produtores para saber se eles queimavam ou não a cana. Depois de examinar 136 amostras num processo de cromatografia, de análise molecular, os pesquisadores traçaram um perfil da cachaça oriunda da cana queimada e da não queimada. O trabalho mostrou que a bebida de cana queimada tinha teores médios de 21 microgramas por litro de HPAs, enquanto as não queimadas apresentavam teores dez vezes menores. Das 136 amostras, 28 foram produzidas com cana queimada e 108 não queimada. Como resultado desses estudos, os pesquisadores desenvolveram uma metodologia para diferenciar a cachaça produzida com os dois tipos. “A porcentagem de acerto é de 95%”, diz o pesquisador Carlos Alexandre Galinaro. Um dos estudos que ainda vai tomar muito tempo dos pesquisadores é a análise de madeiras brasileiras úteis na construção de barris para o envelhecimento da cachaça no lugar dos tradicionais produzidos com o carvalho, árvore originária do Hemisfério Norte. Ao ficar estocada por longos períodos para envelhecer – mais de um ano na legislação brasileira -, a bebida encorpa, ganha aroma, sabor e coloração mais atraente. As cachaças envelhecidas possuem tonalidades amareladas, enquanto as não envelhecidas são transparentes. A identificação de substâncias extraídas nesse processo levou ao desenvolvimento de um método analítico para quantificar e determinar os compostos químicos naturais de diferentes madeiras que são incorporados pela cachaça, sempre em comparação com o carvalho (Quercus, sp.), árvore usada largamente em todo o mundo para envelhecer bebidas alcoólicas como uísque, vinho e conhaque. Em razão do elevado custo, esses barris são utilizados por produtores brasileiros de aguardente, muitas vezes depois de descartados por produtores de uísque na Escócia, por exemplo. 202 UNIDADE 3 | COMPOSTOS CARBONÍLICOS Em São Carlos, de 15 a 20 espécies de madeira estão sendo comparadas com o carvalho. Munidos de um espectrômetro de massas de múltiplo estágio, capaz de verificar, por exemplo, a estrutura e o peso molecular de compostos químicos, os pesquisadores estão analisando substâncias chamadas de polifenóis extraídas da madeira pela bebida. “Polifenóis como a catequina são benéficos para a saúde”, diz Cardoso. Eles contribuem para inibir o processo de deposição de gordura nas artérias. Cardoso aponta como melhor opção, até agora, para a construção de barris, a árvore-amendoim (PTEROGYNE, sp.), originária da Mata Atlântica, que atinge de 10 a 15 metros de altura e chega a ter entre 40 e 60 centímetros de diâmetro. “Ela tem propriedades sensoriais (gosto, aroma,cor) semelhantes ao carvalho e possui atividade antioxidante superior”. Acredita-se que os compostos polifenólicos estão ligados aos mecanismos de defesa celular da madeira, e a presença deles depende da origem geográfica e de fatores climáticos. Para realizar os estudos, os pesquisadores requisitaram madeiras certificadas, fornecidas pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) e pelo Laboratório de Estruturas de Madeiras da Escola de Engenharia de São Carlos (EESC) da USP. O carvalho, que serve para comparação, foi fornecido pela Universidade de Strathclyde, da Escócia, com procedência tcheca, polonesa, francesa e escocesa. “Queremos identificar marcadores químicos para a espécie de madeira e para o tempo de envelhecimento”, diz Cardoso. Uma das madeiras analisadas pelo grupo, a canela-sassafrás (Ocotea pretiosa), mostrou-se problemática. “A madeira dessa árvore possui compostos cancerígenos como o safrol e apresentou características pró-oxidantes, acelerando o processo de aterosclerose”. Outras madeiras brasileiras que estão em estudo são a castanheira (Castanea, sp.), o ipê (Tabebuia chrysotricaha), o jatobá (Hymenaea courbaril) e o louro-canela (Aniba paruiflora). “O trabalho de tipificação que estamos finalizando vai ser importante daqui a alguns anos, com o refinamento e o objetivo de melhorar a qualidade da bebida”, diz Franco. “Isso acontecerá principalmente no âmbito das exportações, porque os importadores estão cada vez mais exigentes. Há dez anos, não se falava sobre o carbamato de etila”. Segundo Franco, apenas o professor Fernando Valadarez Novaes, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da USP, estudava e discutia o tema. “Hoje é necessário mostrar que a cachaça (até em testes realizados como contraprova no país importador) não possui essa substância em níveis superiores ao estabelecido pela legislação”. FONTE: OLIVEIRA, Marcos de. A cachaça revelada: Estudos aumentam o conhecimento sobre a aguardente e contribuem para a qualidade da bebida. Revista FAPESP, n. 128, 2006. Disponível em: <http://revistapesquisa.fapesp.br/2006/10/01/a-cachaca-revelada/>. Acesso em: 15 out. 2018. http://revistapesquisa.fapesp.br/2006/10/01/a-cachaca-revelada/ 203 Nesse tópico, você aprendeu que: • Os ácidos carboxílicos são caracterizados por possuírem um grupo carboxila, que consiste em um carbono com hibridização sp2 ligado a um oxigênio por uma dupla ligação e a um grupo hidroxila por uma ligação simples, tendo como fórmula geral RCOOH. • Os ácidos carboxílicos são compostos polares e que podem formar ligações de hidrogênio. • Os ácidos carboxílicos são nomeados de acordo com a nomenclatura sistemática (nomenclatura IUPAC). • Os ácidos carboxílicos podem ser preparados a partir de reações de oxidação de álcoois primários, pela clivagem oxidativa de alcenos e pela hidrólise de nitrilas. • Os ácidos carboxílicos aromáticos podem ser preparados pela reação de oxidação com agentes de oxidantes fortes. • Os ácidos carboxílicos reagem de modo a dar origem aos derivados de ácido carboxílico, que são compostos em que a hidroxila do grupo carboxílico é substituída por outros grupamentos. • Os derivados de ácidos carboxílicos reagem por mecanismos de reação de substituição nucleofílica em grupo acila. • Os haletos de ácidos são derivados de ácido carboxílico caracterizados por terem como fórmula geral R–COX (em que X é um átomo de halogênio). • Os haletos de ácidos podem ser preparados a partir de ácidos carboxílicos, por meio de reações de substituição nucleofílica em grupo acila. • Os haletos de ácidos sofrem hidrólise para originar ácidos carboxílicos, alcoólise para originar ésteres e aminólise para originar amidas. • Os anidridos ácidos são resultado da desidratação de ácido carboxílico, sendo caracterizados por terem como fórmula geral: R−CO−O−CO−R'. • Os anidridos ácidos são preparados essencialmente pela reação entre um cloreto de ácido e um íon carboxilato. RESUMO DO TÓPICO 2 204 • Os anidridos ácidos sofrem hidrólise, alcoólise e aminólise. • Os ésteres são derivados de ácido carboxílico em que o átomo de hidrogênio do grupo carboxila foi substituído por um grupo alquila, tendo como fórmula geral RCOOR’. • Os ésteres são preparados por meio da reação de esterificação de Fischer, que consiste na substituição nucleofílica em grupo acila de um ácido carboxílico por um álcool, utilizando-se um ácido como catalisador. • Os ésteres sofrem reação de saponificação, que são reações de hidrólises catalisadas por base a fim de produzir um ácido carboxílico e um álcool. • As amidas são os derivados de ácido carboxílico nas quais o grupo hidroxila foi substituído por um grupo derivado da amônia. • As amidas podem ser classificadas em primárias (nas quais há apenas um grupo acila ligado ao átomo de nitrogênio, cuja fórmula geral é R–CONH2), em secundárias [possuem dois grupos acila ligados ao nitrogênio, com fórmula geral (R-CO)2NH] ou terciárias [possuem três grupos acila ligados ao nitrogênio, fórmula geral (R-CO)3N]. • As amidas são preparadas pela reação entre a amônia ou as aminas (primárias ou secundárias) com os cloretos de ácidos, sendo que a reação entre um cloreto de ácido e a amônia origina uma amida primária, com uma amina primária leva à formação de uma amida secundária, e com uma amina secundária leva à formação de uma amida terciária. • As amidas podem ser convertidas em ácidos carboxílicos e em aminas pelas reações de hidrólise, que podem ser catalisadas por ácidos ou por bases. 205 AUTOATIVIDADE 1 Dê o nome dos seguintes compostos e identifique a que grupo funcional eles pertencem: OHO O OH A) Br OB) O NH2 C) O OOD) O OE) Cl O OH F) 2 Determine a estrutura dos seguintes compostos: a) 2,2-Dimetilhexanamida b) Benzoato de etila c) ácido 3,4-dimetilpentanóico d) Iodeto de 2-metilbutanoíla e) Anidrido octanoico f) e) d) c) b) a) 206 207 TÓPICO 3 REAÇÕES DE SUBSTITUIÇÃO ALFA À CARBONILA E REAÇÕES DE CONDENSAÇÃO CARBONÍLICA UNIDADE 3 1 INTRODUÇÃO Nos tópicos 1 e 2 estudamos mais alguns grupos funcionais orgânicos, vendo aspectos referentes à nomenclatura e às estruturas dos aldeídos, das cetonas, dos ácidos carboxílicos e dos derivados dos ácidos carboxílicos. Além do mais, estudamos a química associada a cada um desses grupos, procurando entender as especificidades de cada um deles. Desse modo, pudemos compreender que um dos modos principais de como aldeídos e as cetonas reagem envolve um mecanismo de adição nucleofílica. Isso porque o carbono da carbonila é considerado um eletrófilo, o que permite o ataque de um nucleófilo a esse carbono eletrofílico, originando uma nova ligação C –OH ou uma nova ligação C=Nu (dependendo da natureza do nucleófilo). Por outro lado, ácidos carboxílicos e os derivados de ácidos carboxílicos reagem tipicamente por reações de substituição nucleofílica em grupo acila, que são aquelas em que um nucleófilo ataca o carbono eletrofílico do composto, fazendo com que o outro grupo ligado a esse carbono seja eliminado como grupo de saída. No entanto, além das reações de adição nucleofílica e de substituição nucleofílica em grupo acila, os compostos carbonílicos podem ainda reagir por meio de mais dois mecanismos típicos: as reações de substituição alfa à carbonila e as reações de condensação carbonílica. Desse modo, vamos discutir agora as especificidades de cada uma delas. 2 REAÇÕES DE SUBSTITUIÇÃO ALFA À CARBONILA Antes de estudarmos as reações de substituição alfa à carbonila é importante definir o que significa o termo alfa nesse caso. Em química orgânica, os carbonos da cadeia carbônica (além da classificação em primários, secundários ou terciários) podem ser identificados de acordo com a sua posição em relação ao átomo de carbono ligado diretamente ao grupo funcional. Assim, um carbono alfa (α) é aquele adjacente ao grupo funcional (em outras palavras, é o carbono ligado na primeiraposição logo após o carbono que possui o grupo funcional). Por conseguinte, o segundo carbono é chamado de carbono beta (β), o terceiro de carbono gama (γ), o quarto de carbono delta (δ) e assim por diante (é importante dizer que os hidrogênios ligados a esses carbonos também podem ser identificados segundo essa classificação). Na figura a seguir são identificados esses carbonos para o ácido pentanoico. UNIDADE 3 | COMPOSTOS CARBONÍLICOS 208 FIGURA 40 – CLASSIFICAÇÃO DOS CARBONOS DO ÁCIDO PENTANOICO FONTE: A autora Voltando então às reações de substituição alfa à carbonila, podemos dizer que elas envolvem a substituição de um hidrogênio alfa por um eletrófilo (E), por meio de um intermediário que pode ser um enol ou um íon enolato – um enol é um grupo orgânico caracterizado por apresentar uma hidroxila ligada a um carbono com hibridação sp2, ou seja, um carbono ligado a outro carbono por uma ligação dupla C=C e um íon enolato é o íon formado pela desprotonação (perda do H+) do grupo hidroxila. Veja o esquema na figura a seguir. FIGURA 41 – ESQUEMA GERAL PARA AS REAÇÕES DE SUBSTITUIÇÃO ALFA À CARBONILA FONTE: A autora Os compostos carbonílicos que possuem um hidrogênio alfa podem se interconverter espontaneamente nos seus enóis correspondentes, por meio de um processo chamado de tautomerismo ceto-enólico. Assim, tais compostos carbonílicos e seus enóis correspondentes constituem um caso especial de isomerismo, em que eles são chamados de tautômeros. Apesar do tautomerismo ceto-enólico ser uma interconversão espontânea, a grande maioria dos compostos carbonílicos com hidrogênio alfa permanece na sua forma ceto (ou seja, a forma em que se observa o grupo carbonila, sendo TÓPICO 3 | REAÇÕES DE SUBSTITUIÇÃO ALFA À CARBONILA E REAÇÕES DE CONDENSAÇÃO CARBONÍLICA 209 determinada como o tautômero ceto) e apenas uma quantidade ínfima adquire a forma enólica (ou seja, a forma em que se tem a ligação dupla C=C, chamada de tautômero enol). Isso ocorre porque o tautômero ceto é muito mais estável do que o tautômero enol. No entanto, a adição de ácidos ou bases fortes ao meio leva, geralmente, ao aumento da quantidade do tautômero enol, sendo, portanto, uma alternativa viável para as reações de substituição alfa à carbonila. Na figura a seguir são mostrados os mecanismos de interconversão entre os tautômeros ceto e enol catalisados por ácido e por base. FIGURA 42 – MECANISMOS GERAIS DE TAUTOMERISMO CETO-ENÓLICO FONTE: A autora Como podemos ver na figura anterior, o tautomerismo ceto-enólico catalisado por ácido envolve a protonação do oxigênio da carbonila pelo ataque nucleofílico sobre o H+ do ácido. Isso faz com que seja gerado um intermediário que pode perder o hidrogênio alfa pelo ataque do A- do ácido, formando o tautômero enol. Já a reação catalisada por base envolve a remoção do hidrogênio alfa do tautômero ceto pelo ataque nucleofílico da base, fazendo com que o carbono alfa fique negativamente carregado. A fim de estabilizá-lo, um par de elétrons desse carbono alfa se move em direção à ligação com o carbono da carbonila, criando uma ligação dupla C=C ao mesmo tempo que um par de elétrons da ligação C=O se move em direção ao átomo de oxigênio, deixando-o negativo. Esse oxigênio nucleofílico ataca um H+ da água, formando uma ligação OH e, consequentemente, o tautômero enol. Vimos então que a quantidade do tautômero enol pode ser aumentada pela adição de um ácido ou de uma base forte ao meio. Mas qual é a importância disso? A resposta vem do fato de que o tautômero enol possui uma ligação dupla UNIDADE 3 | COMPOSTOS CARBONÍLICOS 210 C=C e, consequentemente, uma região bastante rica em elétrons. Além disso, devido à ressonância de doação de elétrons proveniente de um par de elétrons do átomo de oxigênio, o carbono alfa acaba ficando ainda mais rico em elétrons (veja esquema na figura a seguir), tornando-o um nucleófilo bastante efetivo nas reações com eletrófilos, permitindo, portanto, que ocorram reações de substituição alfa à carbonila. FIGURA 43 – RESSONÂNCIA PARA OS ENÓIS FONTE: A autora FONTE: A autora A halogenação alfa de aldeídos e cetonas é um exemplo bastante importante das reações de substituição alfa à carbonila. Como o próprio nome indica, tais reações são caracterizadas pela reação entre aldeídos ou cetonas com halogênios a fim de produzir compostos carbonílicos substituídos na posição alfa. Nesses casos, os halogênios agem como eletrófilos, sendo adicionados na forma de Cl2, Br2 ou I2. Como essas reações se desenvolvem por meio de um mecanismo de substituição alfa à carbonila, é necessário, portanto, gerar os tautômeros enóis correspondentes aos aldeídos ou cetonas. Por isso, a reação de halogenação alfa de aldeídos e cetonas é conduzida em meio ácido (utilizando-se o ácido correspondente ao gás do halogênio, por exemplo, se será feita uma bromação, utiliza-se o ácido bromídrico). Na Figura 44 é mostrado o mecanismo geral para essa reação. FIGURA 44 – MECANISMO GERAL PARA HALOGENAÇÃO ALFA DE ALDEÍDOS OU CETONAS TÓPICO 3 | REAÇÕES DE SUBSTITUIÇÃO ALFA À CARBONILA E REAÇÕES DE CONDENSAÇÃO CARBONÍLICA 211 FONTE: A autora Como indicado na Figura 44, a primeira etapa dessa reação é a formação do tautômero enol correspondente ao aldeído ou à cetona, que ocorre por meio da catalise ácida. Em seguida, um par de elétrons da dupla ligação C=C do enol ataca nucleofilicamente um bromo eletrofílico proveniente do Br2, quebrando a dupla ligação e formando uma nova ligação C–Br. Assim, por ressonância, o brometo ataca o hidrogênio da ligação OH, abstraindo o próton e restaurando a ligação C=O, originando o aldeído ou a cetona halogenado na posição alfa. Dissemos anteriormente que além dos enóis, os íons enolatos podem ser formados como intermediários em reações de substituição alfa à carbonila. De fato, os íons enolatos são mais importantes do que os enóis nas reações de substituição alfa à carbonila, pois eles são mais reativos, podendo ser facilmente obtidos a partir da grande maioria dos compostos carbonílicos por meio de uma reação com uma base forte, como indicado na figura a seguir. FIGURA 45 – MECANISMO DE FORMAÇÃO DO ÍON ENOLATO EM MEIO BÁSICO Analisando a figura anterior, podemos compreender que a maior reatividade dos íons enolatos vem do fato de que eles são íons, ou seja, possuem uma densidade eletrônica negativa bastante pronunciada, o que faz com que eles sejam melhores nucleófilos em relação aos enóis (que são espécies neutras). Outro fato interessante sobre os enolatos é que eles existem nas formas de híbridos de ressonância (com a carga negativa sobre o carbono alfa ou sobre o oxigênio), fazendo com que eles possam reagir com eletrófilos sobre o carbono, originando um composto carbonílico alfa substituído (foco dessa seção), ou sobre o oxigênio, formando um derivado de enol (Figura 46). UNIDADE 3 | COMPOSTOS CARBONÍLICOS 212 FIGURA 46 – PRODUTOS OBTIDOS A PARTIR DE ÍONS ENOLATOS FONTE: A autora Uma das reações mais importantes que envolvem os íons enolatos como intermediários de reações de substituição alfa à carbonila é a alquilação, que gera uma nova ligação C–C e, portanto, gera uma molécula com uma maior cadeia carbônica. As reações de alquilação ocorrem entre um composto carbonílico, que age como um nucleófilo por meio do íon enolato, e um haleto de alquila, que age como um eletrófilo, como esquematizado na figura a seguir. FIGURA 47 – MECANISMO DE REAÇÃO GERAL DE ALQUILAÇÃO DE COMPOSTOS CARBONÍLICOS FONTE: A autora TÓPICO 3 | REAÇÕES DE SUBSTITUIÇÃO ALFA À CARBONILA E REAÇÕES DE CONDENSAÇÃO CARBONÍLICA 213 FONTE: A autora 3 REAÇÕES DE CONDENSAÇÃO CARBONÍLICA As reações de condensação carbonílica são aquelas em que dois compostos carbonílicos reagem entre si, gerando uma nova ligação C–C. Outra característica importante é que nas reações de condensação carbonílica, um dos compostos carbonílicos age como um eletrófilo, enquanto que o outro age comoum nucleófilo, como esquematizado na figura a seguir. FIGURA 48 – MECANISMO GERAL DE CONDENSAÇÃO CARBONÍLICA Como vemos na figura anterior, o mecanismo geral de condensação carbonílica se inicia com a abstração de um hidrogênio alfa (ou seja, um hidrogênio ligado ao carbono alfa, que é o átomo de carbono ligado diretamente ao carbono da carbonila, como já estudamos) por uma base (usualmente, essa base é o grupo OH-), formando um íon enolato. Em seguida, o carbono negativo do íon enolato ataca nucleofilicamente o carbono eletrofílico da carbonila de um outro composto carbonila, originando um íon alcóxido intermediário. Depois, com a protonação desse intermediário, chega-se ao produto de condensação carbonílica neutro. Todos os compostos carbonílicos, tais como os ésteres, as amidas, as nitrilas, os anidridos acéticos, por exemplo, podem participar de reações de condensação carbonílica. No entanto, as reações de condensação de maior importância são as reações aldólicas, que são aquelas que ocorrem em aldeídos e cetonas que possuem um hidrogênio alfa, como esquematizado na figura a seguir (que mostra a reação aldólica para o etanal, o aldeído mais simples). UNIDADE 3 | COMPOSTOS CARBONÍLICOS 214 FIGURA 49 – MECANISMO DE CONDENSAÇÃO CARBONÍLICA PARA O ETANAL FONTE: A autora Como indicado na figura anterior, a reação aldólica se inicia com a formação do íon enolato, devido à presença de uma base forte no meio reacional, a partir de uma molécula de etanal. Na sequência, esse íon enolato ataca nucleofilicamente o carbono eletrofílico da carbonila de outra molécula de etanal, formando o íon alcóxido intermediário. Com a adição de água, há a protonação do íon alcóxido, originando um aldol (ou seja, um composto contendo uma carbonila e um grupo hidroxila, sendo também chamado de hidroxi cetona, no caso em que o grupo carbonila está ligado a um carbono interno, ou de hidroxi aldeído, no caso em que o grupo carbonila é terminal). 215 Nesse tópico, você aprendeu que: • Os carbonos da cadeia carbônica principal podem ser classificados de acordo com a sua posição em relação ao carbono ligado ao grupo funcional. • Os compostos carbonílicos interconvertem-se espontaneamente em enóis, em um processo chamado de tautomerismo ceto-enólico. • Os tautômeros enol podem ser formados em maior quantidade se for adicionado uma base ou um ácido forte no meio. • Os tautômeros enol possuem um carbono alfa bastante negativo, tornando-o um nucleófilo em reações orgânicas. • Os tautômeros enol podem reagir com eletrófilos, por meio de um mecanismo de reações de substituição alfa à carbonila. • As reações de condensação carbonílica são aqueles em que dois compostos carbonílicos reagem entre si formando um composto de maior cadeia carbônica e eliminando pequenas moléculas (tipicamente moléculas de água). • Nas reações de condensação carbonílica, os compostos carbonílicos agem tanto como um nucleófilo (por meio do íon enolato), quanto um eletrófilo (por meio do carbono eletrofílico da carbonila). RESUMO DO TÓPICO 3 216 AUTOATIVIDADE 1 Identifique a que grupo funcional pertence cada um dos compostos a seguir, assim como os seus respectivos carbonos e hidrogênios alfas. C CH3 O H A) C CH3 CH3 CH3C O OH B) CH3 C C H2 H3C OC) 2 Escreva o produto da seguinte reação de alquilação de substituição alfa à carbonila e aproveite para nomear os reagentes e o produto: H C C H2 CH3 O H3C H2 C Cl + ? c) b) a) 217 REFERÊNCIAS BARBOSA, A. B.; SILVA, R. R. Xampus. Química Nova na Escola, n. 2, 1995, pp. 3-6. Disponível em: <http://qnesc.sbq.org.br/online/qnesc02/quimsoc. pdf?agreq=saponifica%C3%A7%C3%A3o&agrep=qnesc>. Acesso em: 13 nov. 2018. BRUICE, P. Y. An introduction to organic compounds: Nomenclature, physical properties and representation of structure. In: BRUICE, P. Y. Organic Chemistry (pp. 63-108). New Jersey: Prentice Hall, 2001. FELIPE, L. D.; DIAS, S. D. Surfactantes sintéticos e biossurfactantes: vantagens e desvantagens. Química Nova na Escola, 39 (3), pp. 228-236, 2017. 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