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INTRODUÇÃO 
AOS ESTUDOS 
HISTÓRICOS
Caroline Silveira Bauer 
Nova esquerda inglesa
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:
  Analisar as características da história social inglesa.
  Identificar a relação entre a nova esquerda inglesa e a teoria marxista.
  Relacionar as contribuições de Edward Palmer Thompson para 
a historiografia.
Introdução
Não foi somente a historiografia francesa que passou por modificações 
importantes ao longo da segunda metade do século XX. A escrita da 
história na Inglaterra também foi interpelada pelos acontecimentos so-
ciais e políticos, reinventando as suas práticas. Parte dessas inovações é 
oriunda de um grupo de historiadores que ficou conhecido como “nova 
esquerda inglesa”, por realizar trabalhos inspirados na história social com 
uma vertente marxista.
Neste capítulo, você vai conhecer melhor a historiografia inglesa, prin-
cipalmente a corrente conhecida como “história social inglesa”, analisando 
suas principais características. Você também vai verificar qual é a relação 
entre esses historiadores e a teoria marxista. Por fim, você vai conhecer 
o pensamento de Edward Palmer Thompson e a sua contribuição para 
a história da historiografia.
A história social inglesa
O campo historiográfi co denominado “história social inglesa” surgiu em torno 
dos anos 1960, congregando historiadores e outros profi ssionais que utilizavam 
a obra de Karl Marx para a compreensão da realidade, distanciando-se das 
perspectivas dogmáticas que caracterizavam o marxismo vulgar. De acordo 
com Hobsbawm (1998), o marxismo vulgar é:
  uma interpretação determinística da sociedade, em que o fator econô-
mico é explicativo das demais realidades sociais;
  um modelo que divide a sociedade em infraestrutura (economia) e 
superestrutura (ideias);
  uma ideia de classe construída a priori por definições majoritariamente 
econômicas;
  a existência de leis históricas e certas “etapas” de desenvolvimento da 
sociedade, que rumaria, indefectivelmente, para o comunismo.
A renovação da perspectiva marxista de escrita da história se deveu a dois 
fatores. Primeiramente, no campo historiográfico, o contato com as produções 
realizadas pelos historiadores vinculados à revista dos Annales e os demais 
debates internos possibilitaram o questionamento do materialismo histórico 
como uma “teoria da história”, como reivindicava uma historiografia marxista 
ortodoxa, orientada pelo stalinismo. Isso permitiu que conceitos como os de 
alienação, ideologia e luta de classes, bem como a relação entre infraestrutura 
e superestrutura, fossem ressignificados, principalmente pela interlocução 
com a empiria.
Paralelamente às críticas desenvolvidas no campo historiográfico, a re-
novação também ocorreu pelo rompimento de diversos intelectuais com o 
Partido Comunista da Grã-Bretanha, por sua leitura da sociedade ancorada 
em um marxismo determinista e economicista. Dessa forma, os estudos sobre 
a formação das classes e a luta entre elas, as estratégias de poder, as políticas 
de dominação, as resistências e as disputas entre culturas, tradições e valores 
são temas que decorrem do investimento conceitual, metodológico e teórico 
dos autores, bem como de seu engajamento nos debates políticos e sociais de 
seu tempo.
Fizeram parte dessa corrente de autores como Christopher Hill, Edward 
Thompson, Eric Hobsbawm, Raymond Williams e outros. Como características 
comuns de seus trabalhos, você pode considerar as listadas a seguir.
  Rechaço do marxismo dogmático ou ortodoxo, principalmente a de-
terminação da superestrutura (a cultura, a ideologia, a consciência 
social) pela infraestrutura. Em outras palavras, distanciamento de uma 
interpretação economicista e determinista do marxismo.
  Atenção especial às noções de classe e luta de classe, repensadas a 
partir das críticas às vertentes dogmáticas ou ortodoxas, valorizando 
a importância da cultura e da experiência dos sujeitos enquanto per-
tencentes a uma classe social.
Nova esquerda inglesa2
  Ampliação das noções de luta de classe e relações sociais de produção 
para além de componentes econômicos, incluindo aspectos culturais, 
ideológicos, políticos e sociais.
  Reflexões sobre a inter-relação entre as estruturas e a ação dos sujeitos 
nas mudanças e transformações históricas.
  Escrita de uma história comprometida com uma visão dos sujeitos, ou, 
como ficou conhecida na história da historiografia, com uma “história 
vista de baixo”.
Agora que você já conhece as características comuns às obras desses autores, 
que tal conhecer um pouco mais sobre a obra e a produção de cada um deles?
Christopher Hill (1912–2003) se filiou ao Partido Comunista da Grã-
-Bretanha durante a sua juventude, permanecendo vinculado até o ano de 1956, 
quando houve uma desfiliação coletiva em função da crítica ao stalinismo e às 
ações desenvolvidas pela União Soviética. Sua obra se concentrou na história 
da Inglaterra no século XVII, principalmente na Revolução Inglesa. Entre 
seus livros traduzidos para o português, destacam-se A Revolução Inglesa de 
1640, O mundo de ponta-cabeça: ideias radicais durante a Revolução Inglesa 
de 1640, O eleito de Deus: Oliver Cromwell e a Revolução Inglesa e Origens 
intelectuais da Revolução Inglesa.
Edward Thompson (1924–1993) lutou durante a Segunda Guerra Mundial, 
depois se filiou ao Partido Comunista, que deixou em 1956. Foi professor em 
diferentes universidades na Inglaterra e nos Estados Unidos. Sua obra foi 
dedicada às experiências e às percepções dos trabalhadores. Suas principais 
obras traduzidas para o português são: A formação da classe operária inglesa, 
Senhores e caçadores, A miséria da teoria, Costumes em comum e A economia 
moral revisitada.
Eric Hobsbawm (1917–2012), assim como os seus colegas citados anterior-
mente, lutou na Segunda Guerra Mundial e se filiou ao Partido Comunista, mas 
manteve sua filiação até a dissolução da União Soviética. Hobsbawm dedicou-se 
à história contemporânea e à história dos trabalhadores, tendo inúmeros títulos 
publicados, destacando-se a coleção sobre história contemporânea (A Era das 
Revoluções, A Era do Capital, A Era dos Impérios e A Era dos Extremos – o 
breve século XX), Da revolução industrial inglesa ao imperialismo, Mundos 
do trabalho e Revolucionários e Bandidos.
Raymond Williams (1921–1988) também lutou na Segunda Guerra Mundial 
e se filiou ao Partido Comunista. Seus trabalhos giraram em torno de temas que 
envolviam a cultura, a literatura e a política, desde uma perspectiva marxista 
3Nova esquerda inglesa
de análise. Seu único livro traduzido para o português é Cultura e sociedade, 
uma referência para os chamados “estudos culturais”.
De acordo com Kaye (1984 apud BEZERRA, 1995, p. 121), esses historia-
dores constroem uma tradição historiográfica e uma tradição teórica:
Enquanto tradição teórica comum, coloca-se a problemática de um afastamento 
do determinismo econômico e de uma prática construtiva do materialismo 
histórico. Enquanto tradição historiográfica, acentuaram-se algumas caracte-
rísticas básicas: estudo das origens, desenvolvimento e expansão do capitalismo 
do ponto de vista social; preocupação em desenvolver o marxismo como teoria 
para a determinação de classes, recolocando-se a luta de classes como sendo de 
importância capital no processo histórico; a história focalizada de baixo para 
cima; elaboração da teoria a partir da prática histórica; contribuição à cultura 
política britânica para uma consciência histórica socialista e democrática.
Como você pode notar, os historiadores da história social inglesa se de-
dicaram a uma pluralidade de abordagens, enfoques e temas. Porém, todos 
eles se preocuparam em formular contribuições conceituais a partir de uma 
perspectiva marxista, elaborando narrativas históricas em que a esfera eco-
nômica não seria determinante para a compreensão da cultura, da política 
e da sociedade, tal como apregoava uma leituraortodoxa da obra de Marx. 
Esse grupo organizava debates historiográficos e também realizava trabalhos 
comunitários. Ele ficaria conhecido como “nova esquerda inglesa” e seus 
trabalhos foram difundidos pelo mundo por meio da revista New Left Review.
A nova esquerda inglesa e a teoria marxista
Como você já sabe, a nova esquerda inglesa procurou se desvencilhar do dog-
matismo e da ortodoxia que permeavam o pensamento marxista em meados do 
século XX. Para tanto, sugeria um retorno às obras de Karl Marx e Friedrich 
Engels, em detrimento dos comentadores de seus textos e da instrumentali-
zação de suas teorias por diferentes partidos socialistas e comunistas a fi m 
de orientar a práxis.
Nova esquerda inglesa4
Que tal aprender mais sobre o pensamento do filósofo alemão Karl Marx? Acesse o link 
a seguir para assistir a uma entrevista de Antônio Carlos Mazzeo, doutor em história 
econômica e professor da Universidade de São Paulo (USP).
https://goo.gl/GKEhC4
Após a morte de Engels, em 1895, o pensamento de Marx foi alvo de detur-
pações e simplificações feitas por seus comentaristas e por dirigentes político-
-partidários. A leitura realizada das obras de Marx acabou por transformar o 
marxismo em um corpus teórico fechado e definitivo. Nessa “teoria”, o âmbito 
econômico, em detrimento de outros aspectos considerados nas obras de Marx, 
teria uma primazia nas análises das sociedades. Diversas correntes internas contes-
taram as deturpações e simplificações a que o pensamento de Marx foi submetido. 
Contudo, Stalin, ao assumir a direção do Partido Comunista na União Soviética, 
acabou por eclipsar as críticas e consolidar uma leitura deturpada e dogmática, 
cujas principais características eram: a utilização estrita de análises de Marx 
como uma “teoria” para a leitura dos processos históricos; e uma falsificação de 
determinados fatos históricos com finalidades políticas. Foi contra esse contexto 
intelectual dentro do marxismo que a nova esquerda inglesa se posicionou.
A história social inglesa teve a formação do capitalismo e a análise das 
classes sociais como temáticas de predileção. Para desenvolver essas análises, 
foram necessários dois caminhos de atuação: recuperar algumas análises 
de Marx, como o Contribuição à Crítica da Economia Política; e enfrentar 
o determinismo econômico da historiografia marxista. Nesse sentido, os 
historiadores dessa corrente precisaram romper com uma visão ortodoxa 
entre infraestrutura (estrutura econômica) e superestrutura (ideologia). Eles 
se dedicaram a abordagens que recuperam experiências, ações e lutas das 
classes populares, daí a preocupação com as práticas culturais e as tradições.
Nos debates internos existentes na esquerda inglesa, mais especificamente no 
Partido Comunista da Grã-Bretanha, havia uma oposição entre duas correntes 
historiográficas: de um lado, os marxistas estruturalistas e ortodoxos; de outro, 
aqueles que apresentavam uma versão crítica dessa leitura da sociedade. Esse 
conflito ocorria, por exemplo, em relação à compreensão do que seria classe social:
5Nova esquerda inglesa
Thompson dirigiu severas críticas à corrente estruturalista marxista e em par-
ticular a Perry Anderson e Ton Nairn, propagadores das teorias althusserianas 
na Inglaterra. O cerne do debate apoiava-se nas noções de classe e luta de clas-
ses. Os dois primeiros historiadores advogavam classe social como elemento 
componente indissociável das categorias de infraestrutura e superestrutura. Em 
outras palavras, concebiam a formação da classe social e de sua consciência como 
derivação do processo da base produtiva. Por seu turno, Thompson manifestava 
claramente suas objeções e oposições a essa visão marcadamente estrutural e 
estática sobre classe social. De acordo com suas indagações, o conceito de classe 
social não podia ser apreendido como um simples produto do desenvolvimento 
estrutural das forças produtivas. Todavia, procurou demonstrar que o termo 
“classe social” é dinâmico e guarda em seu interior diferentes interpretações e 
significados (MELO JR., 2013, documento on-line ).
Uma das principais diferenças em relação à linha que propôs uma revisão 
do marxismo ortodoxo foi a utilização da teoria para a leitura da sociedade. 
Enquanto os ortodoxos buscavam na realidade exemplos que comprovassem 
a teoria, os marxistas mais “arejados” procuravam pensar a teoria como parte 
do processo de formulação da pesquisa, em uma interação com a empiria. Isso 
evitaria o engessamento das análises e o emprego de conceitos hermeticamente 
estabelecidos pelas obras de Marx.
Leia o artigo de Freitas (1994) “Thompson e a tradição marxista”, disponível no link 
a seguir.
https://goo.gl/mogq5A
Thompson explicitou boa parte de suas críticas à historiografia ortodoxa 
marxista britânica, principalmente a Louis Althusser, na obra A miséria da teoria:
O discurso histórico disciplinado da prova consiste num diálogo entre conceito 
e evidência, um diálogo conduzido por hipóteses sucessivas, de um lado, e a 
pesquisa empírica, do outro. O interrogador é a lógica histórica; o conteúdo 
da interrogação é uma hipótese (por exemplo, quanto à maneira pela qual os 
diferentes fenômenos agiram uns sobre os outros); o interrogado é a evidência, 
com suas propriedades determinadas. Mencionar essa lógica não é, de certo, 
proclamar que ela esteja sempre evidente na prática de todo historiador, ou na 
prática de qualquer historiador durante todo o tempo (THOMPSON, 1981, p. 49).
Nova esquerda inglesa6
A forma como esses historiadores passaram a considerar a dimensão do 
trabalho, inserindo em suas análises as noções de cultura e experiência, per-
mitiu um deslocamento para outros interesses, como as vivências das pessoas 
comuns e suas reações a tais vivências. De acordo com Castro (1997), essa 
mudança de perspectiva implicou um reordenamento metodológico muito 
importante em relação ao tratamento dado às fontes:
Que fontes utilizar para dar voz às pessoas comuns? A prática e o debate 
metodológico em relação ao uso da técnica de história oral neste campo têm 
sido intensos nos últimos vinte anos, mapeando seus avanços e limitações. 
Um intenso intercâmbio com a antropologia permitiu transformar mitos, 
rituais e imagens em fontes históricas. O uso antropológico de fontes ligadas 
à repressão, como os processos da inquisição, inquéritos policiais e processos 
judiciais, tem se mostrado extremamente fértil. O contínuo questionamento 
em relação a até que ponto as fontes oriundas da repressão nos podem revelar 
algo sobre a experiência daqueles que interrogam, para além da lógica dos 
interrogadores, tem produzido análises progressivamente menos ingênuas e 
mais criativas (CASTRO, 1997, p. 51).
O marxismo proposto pela nova esquerda inglesa, principalmente por 
Thompson, chamou a atenção para o diálogo necessário entre teoria e empiria, 
numa relação dialética. A seguir, você vai conhecer outras contribuições do 
historiador inglês para a historiografia.
As contribuições de Thompson para 
a historiografia
Edward Thompson foi um historiador inglês, membro durante um longo 
período do grupo da New Left Review, que congregava investigadores com-
prometidos com uma visão crítica e renovada do marxismo. Ele também 
militou politicamente em diferentes movimentos pacifi stas, engajando-se em 
lutas do seu tempo. Segundo o próprio Thompson, suas experiências pessoais 
foram muito importantes para conceitos-chave de sua obra, como o de luta 
popular coletiva: “[...] durante a Segunda Grande Guerra foi ofi cial do exército 
britânico, lutando na Itália e na França. Após a guerra, passa algum tempo da 
Iugoslávia e na Bulgária, como voluntário na reconstrução de estradas e de 
outras obras [...]” (BEZERRA, 1995, p. 119).
Entre seus inúmeros artigos e livros publicados, destacam-se William 
Morris, de romântico a revolucionário, um estudo biográfico (1955), A for-
7Nova esquerda inglesa
mação da classe trabalhadora inglesa (1790–1830) (1963), A miséria da 
teoria (1978)e Tradição, revolta e consciência de classe (1979). Anderson 
(1985, apud BEZERRA, 1995, p. 119), crítico interlocutor de Thompson, 
afirmou que “[...] todos estes textos [de Thompson] foram, a seu modo, tanto 
uma intervenção militante no presente como uma recuperação profissional 
do passado [...]”. Nesse sentido, torna-se impossível desvencilhar a militância 
da prática profissional, o que em nada desabona as sugestões metodológicas 
e teóricas de escrita de história propostas por Thompson.
Sua obra exerceu e ainda exerce forte influência no campo historiográfico, 
sendo difícil sintetizar todas as suas contribuições que perpassam as discus-
sões sobre a ideia de agência e experiência, sobre os conceitos de classe e de 
consciência de classe e sobre as ideias de cultura e tradições. Por isso, muitas 
vezes, há referências à sua preocupação com “a história que vem de baixo” 
— uma história social de todos aqueles que fizeram a história, mas não a 
escreveram, entre os quais camponeses, trabalhadores urbanos, gente comum.
Em A formação da classe operária inglesa, um livro publicado em três 
volumes, Thompson critica as interpretações realizadas a partir de um viés 
determinista e economicista do marxismo, que, para o autor, não são adequadas 
para descrever o surgimento da classe operária na Inglaterra. O desenvolvimento 
da consciência de classe não teria sido oriundo unicamente da exploração do 
trabalho durante a Revolução Industrial, mas devido a uma série de outros fatores 
vinculados à cultura e às experiências anteriores ao trabalho nas indústrias. Veja:
A formação da classe operária inglesa buscou em seus três volumes destacar 
a autoformação e a organização do operariado inglês no século XVIII. Pensar 
a classe operária inglesa no ato de sua formação levou o ainda quase desco-
nhecido professor de cursos básicos de educação popular para o centro do 
debate acadêmico, tornando o livro uma das principais referências dos anos 
de 1960, 1970 e 1980 (MELO JR., 2013, documento on-line).
Posteriormente, Thompson se afastou dessas noções, especialmente da 
concepção de que a classe operária somente se forma totalmente, tornando-
-se então uma “classe para si” (e não apenas “em si”), quando atinge plena 
consciência de sua exploração no processo capitalista de produção. Ele passou 
a questionar o sistema com perspectivas revolucionárias e socialistas. Thomp-
son considera que é no processo de luta que se forja a identidade social das 
classes populares, e não pela difusão dogmática de qualquer doutrina. Assim, 
a “classe operária” pode perfeitamente adquirir uma dimensão própria de sua 
identidade social oposta à ordem burguesa, sem que tal identidade assuma 
necessariamente um caráter revolucionário.
Nova esquerda inglesa8
Na introdução do primeiro volume de A formação da classe operária in-
glesa, Thompson apresenta sua definição de classe social e pontua as diferenças 
em relação a Marx e Engels, ressaltando o papel da experiência:
Não vejo a classe como estrutura, nem mesmo como uma categoria, mas 
como algo que ocorre efetivamente e cuja ocorrência pode ser demonstrada 
nas relações humanas [...] a noção de classe traz consigo a noção de relação 
histórica [...]. A classe acontece quando alguns homens, como resultado de ex-
periências comuns (herdadas ou partilhadas), sentem e articulam a identidade 
de seus interesses entre si, e contra outros homens cujos interesses diferem (e 
geralmente se opõem) dos seus (THOMPSON, 1987, p. 9-10).
Em outro texto, Thompson amplia essa definição:
Classe é uma formação social e cultural (frequentemente adquirindo ex-
pressão institucional) que não pode ser definida abstrata ou isoladamente, 
mas apenas em termos de relação com outras classes; e, em última análise, 
a definição só pode ser feita através do tempo, isto é, ação, reação, mudança 
e conflito. Quando falamos de uma classe, estamos pensando em um corpo 
de pessoas, definido sem grande precisão, compartilhando a mesma catego-
ria de interesses, experiências sociais, tradição e sistemas de valores, que 
tem disposição para se comportar como classe, para definir a si próprio em 
suas ações e em sua consciência em relação a outros grupos de pessoas, em 
termos classistas. Mas classe, mesmo, não é uma coisa, é um acontecimento 
(THOMPSON, 1998a, p. 102).
É nesse sentido que Thompson se lançou ao estudo das resistências das 
classes subalternas, procurando valorizar atitudes e comportamentos que, 
aparentemente insignificantes ou imediatistas, eram no fundo reveladores 
de uma identidade social em construção. A classe não estava pronta a priori, 
ela se fazia.
Outra grande contribuição de Thompson em seus trabalhos sobre a historici-
dade das experiências sociais foi o estudo do tempo como produto das relações 
sociais. Em um de seus escritos, intitulado Tempo, disciplina e trabalho, o autor 
analisa como o tempo do trabalho, do ócio e do lazer foram modificados com 
o desenvolvimento do capitalismo, exigindo formas inéditas de organização 
da vida em função das novas rotinas produtivas. Veja:
O pequeno instrumento que regulava os novos ritmos da vida industrial era 
ao mesmo tempo uma das mais urgentes dentre as novas necessidades que o 
capitalismo industrial exigia para impulsionar o seu avanço. Um relógio não 
9Nova esquerda inglesa
era apenas útil; conferia prestígio ao seu dono, e um homem podia se dispor a 
fazer economia para comprar um. [...] Sempre que um grupo de trabalhadores 
entrava numa fase de melhoria do padrão de vida, a aquisição de relógios era 
uma das primeiras mudanças notadas pelos observadores. [...] Por meio de 
tudo isso — pela divisão de trabalho, supervisão do trabalho, multas, sinos 
e relógios, incentivos em dinheiro, pregações e ensino, supressão das feiras 
e dos esportes — formaram-se novos hábitos de trabalho e impôs-se uma 
nova disciplina de tempo. A mudança levou às vezes várias gerações para se 
concretizar [...] sendo possível duvidar até que ponto foi plenamente realizada: 
ritmos de trabalho irregulares foram perpetuados (e até institucionalizados) 
no século atual, especialmente em Londres e nos grandes portos. [...]
As evidências são abundantes e nos lembram, pelo método do contraste, até 
que ponto nos habituamos a diferentes disciplinas. Sociedades industriais 
maduras de todos os tipos são marcadas pela administração do tempo e por 
uma clara demarcação entre o “trabalho” e a “vida”. Mas, depois de levarmos 
tão longe o exame do problema, podemos nos permitir, à maneira do século 
XVIII, um pouco de moralização sobre nós mesmos. O ponto em discussão 
não é o do “padrão de vida”. Se os teóricos do crescimento querem de nós essa 
afirmação, podemos aceitar que a cultura popular mais antiga era sob muitos 
aspectos ociosa, intelectualmente vazia, desprovida de espírito e, na verdade, 
terrivelmente pobre. Sem a disciplina do tempo, não teríamos as energias persis-
tentes do homem industrial; e adotando as formas do metodismo, do stalinismo 
ou do nacionalismo, essa disciplina chegará ao mundo em desenvolvimento 
(THOMPSON, 1998b, p.).
A grande contribuição de Thompson com essa obra foi chamar a atenção 
para a historicidade da experiência social do tempo, refletindo sobre a forma 
de “controle” e organização do tempo, que é voltado para a lógica do trabalho. 
Além disso, ele permitiu uma revitalização das análises históricas de cunho 
marxista, compreendendo as manifestações culturais como um espaço social 
de conflito, resistência e disputa, o que criou uma alternativa consistente para 
a abordagem funcionalista da cultura.
O impacto de Thompson na historiografia brasileira
O historiador britânico Edward Thompson possui uma infl uência muito grande 
na historiografi a brasileira, impacto que antecede a tradução de suas obras 
para o português. Ainda na década de 1970, os estudos sobre o movimento 
operário republicano foram novamente impulsionados pelas ideias de Thomp-
son. Posteriormente, nos anos 1980, foi a historiografi a da escravidãoe do 
pós-abolição que se benefi ciou de suas refl exões, que geraram uma série de 
discussões sobre a história social do trabalho.
Nova esquerda inglesa10
De acordo com Cord (2014, p. 126):
Desde meados dos anos 1980, a obra de E. P. Thompson conquistou significa-
tiva ressonância na historiografia brasileira. Nos debates sobre o centenário da 
abolição do trabalho escravo, em 1988, jovens e então promissores historiadores 
publicaram importantes textos baseados em substancial pesquisa empírica. Eles 
relativizaram alguns pressupostos defendidos pela Escola Sociológica Paulista, 
que, desde os anos 1960, afirmavam a anomia do escravo e a incapacidade do 
negro de se integrar à sociedade de classes. Por meio de novas fontes, como, 
por exemplo, processos criminais e cíveis, aqueles profissionais perceberam 
que os cativos tinham expectativas próprias, sendo que todas elas estavam 
solidamente ancoradas em suas experiências e visões de mundo. Marcada por 
costumes comuns e noções de direito vindas de baixo, essa economia moral fazia 
dos africanos escravizados senhores de suas vidas, sujeitos de suas histórias.
Independentemente das críticas ao uso da perspectiva de Thompson para a 
compreensão do movimento operário e da história da escravidão e do pós-abolição, 
os historiadores parecem unânimes ao afirmar que as obras do autor britânico 
modificaram significativamente a forma como se deveriam olhar as fontes e o 
modo como os sujeitos históricos se referiam a si mesmos e liam o seu entorno.
Conforme avalia Cord (2014, p. 141):
O legado historiográfico de E. P. Thompson é fundamental para valorizarmos 
as experiências dos trabalhadores do passado. A história vista de baixo legitima 
as expectativas dos sujeitos que viveram em outras épocas, permitindo que os 
deixemos falar por meio das fontes disponíveis. Aprendemos a compreendê-
-los considerando seus valores, sem julgá-los aprioristicamente como típicos 
ou atípicos, de acordo com nossos dogmas teóricos. Entretanto, não menos 
importantes foram as vivências do marxista inglês enquanto docente envol-
vido com as classes subalternas. Com os de baixo, ele exercitou uma boa 
interlocução por meio de democráticos processos político-pedagógicos — o 
que permitiu que trocasse conhecimentos com os trabalhadores de seu tempo.
Essa mudança de perspectiva revela uma assimilação da ideia de Thompson 
de não enquadrar os achados nas fontes primárias em conceitos ou modelos 
apriorísticos. Ele buscava estabelecer uma relação dialética entre as fontes 
primárias e os referenciais conceituais e teóricos. Por exemplo: em vez de 
enquadrar determinados setores do movimento operário brasileiro como 
“classe”, era necessário compreender a classe como um processo moldado 
pelas percepções que homens e mulheres tinham de sua realidade.
Em resumo, para Löwy (1997), foi a renovação do marxismo ao longo do 
século XX, para a qual as contribuições de Thompson são inestimáveis, que 
11Nova esquerda inglesa
permitiu conferir inteligibilidade aos fenômenos inéditos que atravessaram o 
século, tais como “[...] o imperialismo e o fascismo, o stalinismo e a sociedade 
do espetáculo, as revoluções sociais nos países periféricos e as novas formas 
de capitalismo [...]” (LÖWY, 1997, p. 21–22).
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13Nova esquerda inglesa

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