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QUESTÃO AGRÁRIA Lei de Terra No Segundo Reinado, o Brasil tomou uma medida que seria determinante para a sua histórica concentração fundiária. Em 18 de setembro de 1850, o imperador dom Pedro Il assinou a Lei de Terras, por meio da qual o país oficialmente optou por ter a zona rural dividida em latifúndios, e não em pequenas propriedades. Lei de Terras, como ficou conhecida a lei no 601 de 18 de setembro de 1850, foi a primeira iniciativa no sentido de organizar a propriedade privada no Brasil. Até então, não havia nenhum documento que regulamentasse a posse de terras e com as modificações sociais e económicas pelas quais passava o pais, o governo se viu pressionado a organizar esta questão. A Lei de Terras foi aprovada no mesmo ano da lei Eusébio de Queirós, que previa o fim do tráfico negreiro e sinalizava a abolição da escravatura no Brasil. Grandes fazendeiros e políticos latifundiários se anteciparam a fim de impedir que negros pudessem também se tornar donos de terras. Chegavam ao país os primeiros trabalhadores imigrantes. Era a transição da mão de obra escrava para assalariada. Senão houvesse uma regulamentação e uma fiscalização do governo, de empregados, estes estrangeiros se tornariam proprietários, fazendo concorrência aos grandes latifúndios. Os latifundiários entenderam que a escravidão, mais cedo ou mais tarde, chegaria ao fim e que os seus cafezais corriam o risco de ficar sem mão de obra. A Lei de Terras eliminaria esse risco. Uma vez tornadas ilegais a invasão e a ocupação da zona rural, tanto os ex-escravos quanto os imigrantes pobres europeus ficariam impedidos de ter suas próprias terras, ainda que pequenas, e naturalmente se transformariam em trabalhadores abundantes e baratos para os latifúndios. Ficou estabelecido, a partir desta data, que só poderiam adquirir terras por compra e venda ou por doação do Estado. Não seria mais permitido obter terras por meio de posse, a chamada usucapião. Aqueles que já ocupavam algum lote receberam o título de proprietário. A única exigência era residir e produzir nesta localidade. Alguns dispositivos da Lei: "Art. 19 - Ficam proibidas as aquisições de terras devolutas terras do Estado) por outro título que não seja o de compra. Excetuam- se as terras situadas nos limites do Império com países estrangeiros em uma zona de 10 léguas, as quais poderão ser concedidas gratuitamente." "Art. 12 - Governo reservará das terras devolutas as que julgar necessárias para a colonização dos indígenas, para a fundação de povoações, abertura de estradas, e quaisquer outras servidões, e assento de estabelecimentos públicos; para a construção naval." "Art. 18 - Governo fica autorizado a mandar vir anualmente à custa do Tesouro certo número de colonos livres para serem empregados, pelo tempo que for marcado, em estabelecimentos agrícolas, ou nos trabalhos dirigidos pela Administração pública, ou na formação de colônias nos lugares em que estas mais convierem, tomando antecipadamente as medidas necessárias para que tais colonos achem emprego logo que desembarcarem." Na época do Império, embora o Brasil fosse agrário e dependesse da renda gerada pela exportação do café, a zona rural estava mergulhada no caos e na insegurança jurídica. Ao contrário de hoje, poucos eram os fazendeiros com o registro da propriedade. Eles eram os donos das chamadas sesmarias, terras doadas de papel passado pelo rei português, ainda nos idos da Colônia, com a exigência de que fossem cultivadas. Sendo extensas demais e tendo só um pedaço efetivamente explorado, as sesmarias viviam sob o constante risco de serem confiscadas. Em 1823, logo após a Independência, dom Pedro I proibiu a doação de novas sesmarias, mas não pôs no lugar nenhuma nova regra para a apropriação da zona rural. No vácuo legal, as pessoas começaram a invadir as terras públicas desocupadas. Nesse Brasil despovoado, ainda longe dos 10 milhões de habitantes (hoje são 210 milhões), havia terras livres de sobra. Assim, por meio da simples ocupação, surgiram humildes camponeses cultivando para a própria subsistência e também poderosos latifundiários plantando para a exportação. Na ausência do título oficial da propriedade, tanto pobres quanto ricos não passavam de posseiros e, como tais, também corriam o risco de terem a terra confiscada a qualquer momento. Enquanto os sesmeiros eram minoria, os posseiros eram maioria. Para completar o caos fundiário do Império, não existiam limites claros entre uma terra e outra. Os sesmeiros evitavam a demarcação porque os técnicos que mediam os terrenos eram escassos e careiros. Os posseiros, por sua vez, porque não tinham escritura. Em razão das divisas nebulosas, os conflitos entre vizinhos eram corriqueiros. Para tentar por alguma ordem no campo, o primeiro artigo da Lei de Terras dizia que não mais se toleraria a invasão de terras públicas. Quem desobedecesse a lei iria para a cadeia. A partir de então, elas seriam vendidas. No entanto, haveria uma anistia geral para quem vivia na corda bamba até aquele momento. Dessa forma, os fazendeiros que haviam descumprido a exigência de cultivar suas sesmarias seriam perdoados, e os posseiros que tinham se assenhorado de terras que não lhes pertenciam ganhariam a escritura. Seria algo parecido com o que hoje se chama de regularização fundiária, recorrente em terras públicas invadidas por particulares na Amazônia. Na prática, porém, a anistia de 1850 alcançaria apenas os grandes posseiros. Os pequenos acabariam sendo barrados. O grande obstáculo que a Lei de Terras impôs aos camponeses, afastando deles a anistia, foi a cobrança de taxas para a regularização da propriedade. Para os grandes posseiros, as taxas não pesavam no bolso. Para os pequenos, elas podiam ser proibitivas. Da mesma forma, os pequenos posseiros que fossem expulsos de seus antigos lotes, excluídos da anistia por não poderem pagar as taxas previstas na Lei de Terras, também reforçariam o contingente assalariado dos cafezais. O governo deveria fixar altos preços para as terras públicas colocadas à venda. A Lei de Terras serviu de base para que latifundiários recorressem ao governo e até aos tribunais para ampliar suas propriedades. No lado oposto, sem dispor de informação, dinheiro ou influência, muitos sitiantes perderam suas terras. A anistia foi prorrogada várias vezes, beneficiando posseiros que invadiram terras públicas depois de 1850. Após a derrubada da Monarquia e a imposição da República, a elite agrária continuou no comando do país e a concentração fundiária, embora guiada por novas regras, pouco mudou. O histórico predomínio do latifúndio levou ao surgimento dos trabalhadores rurais sem terra e tornou rotineira a violência no campo. Também não condenou a agricultura brasileira a um longo período de atraso técnico. A vastidão das propriedades permitiu que os fazendeiros mudassem suas plantações de lugar sempre que determinada terra se esgotava, avançando sobre novas fronteiras agrícolas e derrubando florestas. Caso os lotes fossem pequenos, eles teriam sido forçados a investir em novas tecnologias para aproveitá-los ao máximo. Promulgada por D. Pedro II, esta Lei contribuiu para preservar a péssima estrutura fundiária no país e privilegiar velhos fazendeiros. As maiores e melhores terras ficaram concentradas nas mãos dos antigos proprietários e passaram as outras gerações como herança de família. Resumo O que foi? A Lei de Terras, sancionada por D. Pedro Il em setembro de 1850, foi uma lei que determinou parâmetros e normas sobre a posse, manutenção, uso e comercialização de terras no período do Segundo Reinado. Objetivos da Lei de Terras Estabelecer a compra como única forma de obtenção de terras públicas. Desta forma, inviabilizou os sistemas de posse ou doação para transformar uma terra em propriedade privada. O governo imperial pretendia arrecadar maisimpostos e taxas com a criação da necessidade de registro e demarcação de terras. Esses recursos tinham como destino o financiamento da imigração estrangeira, voltada para a geração de mão-de-obra, principalmente, para as lavouras de café. Vale lembrar que o tráfico de escravos já era uma realidade que diminua cada vez mais a disponibilidade de mão-de-obra escrava. Dificultar a compra ou posse de terras por pessoas pobres, favorecendo o uso destas para fins de produção agrícola voltada para a exportação. Este objetivo foi alcançado pelo governo, pois esta lei provocou o aumento significativo nos preços das terras no Brasil. Favorecer os grandes proprietários rurais, que passavam a ser os únicos detentores dos meios de produção agrícola, principalmente a terra, no Brasil Tornar as terras um bem comercial (fonte de lucro), tirando delas o caráter de status social derivado da simples posse. Consequências principais Possibilitou a manutenção da concentração de terras no Brasil. A Lei de Terras regulamentou a propriedade privada, principalmente na área agricola do Brasil. Aumentou o poder oligárquico e suas ligações políticas com o governo imperial. Dificultou o acesso de pessoas de baixa renda às terras. Muitas perderam suas terras e sua fonte de subsistência. Restou a estas apenas o trabalho como empregadas nas grandes propriedades rurais, aumentando assim a disponibilidade de mão-de- obra. Aumentou os investimentos do governo imperial na política de estimulo à entrada de mão de-obra estrangeira, principalmente europeia, no Brasil. Favoreceu a expansão da economia cafeeira no Brasil, na medida em que a Lei de Terras favoreceu a elite agrária brasileira, principalmente da região Sudeste.