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CARACTERÍSTICAS DOS TÍTULOS DE CRÉDITO, ENDOSSO, AVAL E PRINCÍPIOS DOS TÍTULOS DE CRÉDITO AULA 4 1.CARACTERÍSTICAS: 1.1 Disciplina pelo direito comercial/empresarial As regras que permeiam a disciplina dos títulos de crédito foram criadas para melhor atender aos direitos e interesses dos comerciantes. É certo que nos títulos de crédito haverá essencialmente, mas não exclusivamente, uma proteção ao credor. Em regra, quando houver um conflito entre o interesse de um credor de boa‐fé e um devedor de boa‐fé, a solução será dada a favor do credor. 1.2 Bem móvel O título de crédito é um bem móvel e como tal está sujeito aos princípios gerais que regem os bens móveis. Essa natureza móvel simplifica a circulação dos títulos de crédito, agilizando a transmissão das riquezas, o que é essencial para os títulos de crédito. 1.3 Natureza pro solvendo Em regra, o título de crédito tem origem em determinado negócio jurídico. Por exemplo: Antônio deve à Cláudio o valor de R$ 20.000,00 e essa quantia é paga por meio de cheque, a simples emissão desse título não faz com que a obrigação seja tida como adimplida, o que somente ocorre caso o cheque tenha fundos. A emissão do título não extingue a obrigação que lhe deu origem, de modo que as duas, a obrigação cambial e a originária, coexistem. Com a emissão do título, a perda ou destruição do título não impede que o credor ajuíze uma ação baseada no contrato. Assim, conforme jurisprudência do STJ, a sua aceitação é condicionada, não infringindo o código de defesa do consumidor. 1.4 Circulação A principal função dos títulos de crédito é a circulação, sendo simplificada e protegida pelo nosso ordenamento jurídico. Não se quer dizer, contudo, que os títulos de crédito sempre vão circular. Outros documentos também podem circular, mas nos títulos essa característica é mais importante. 1.5 Títulos de Apresentação Os títulos de crédito são títulos de apresentação, desse modo, sem a posse do título ou da legitimação judicial em casos de amortização, não é possível exercer o direito cambiário. Para o exercício do direito representado no título, seu titular deve demonstrar essa condição, apresentando o título ao devedor. 1.6 Obrigação Quesível Como o devedor não tem certeza de quem é o atual credor do título, nada mais lógico do que exigir que o credor o apresente para poder exigir o seu pagamento. Nos títulos de crédito, há uma obrigação a ser cumprida pelo devedor e recebida pelo credor. Em toda obrigação, uma das duas partes deve tomar a iniciativa para o cumprimento da obrigação. No caso dos títulos de crédito, essa iniciativa compete ao credor, logo, é ele que deve se dirigir ao devedor para exigir o pagamento, e não o contrário. 1.7 Título de Resgate Uma vez apresentado o título ao devedor, deve haver, a princípio, o pagamento. Ao realizar esse pagamento, o devedor deve ter o cuidado de exigir a entrega do título para evitar que o título volte a circular, e, chegando às mãos de um terceiro de boa‐fé, a obrigação lhe seja novamente exigida. Em razão disso, diz‐se que o título de crédito é um título de resgate. Os títulos de crédito não são títulos permanentes, cumprida a obrigação, esta fica extinta. 1.8 Executividade Não havendo o pagamento voluntário de determinada obrigação, compete ao credor recorrer ao Poder Judiciário para buscar o pagamento desse crédito. Os títulos de crédito são títulos executivos extrajudiciais (Exemplo: CPC – art. 784) e, por isso, eles não precisam de confirmação judicial. Quem tem um título de crédito pode requerer de imediato ajuizar um processo de execução. 1.9 Presunção de Certeza e Liquidez O art. 783 do CPC exige que a execução seja fundada em título líquido, certo e exigível. Assim, qualquer título só poderá ser executado se atender a esses três pressupostos. Os títulos de crédito possuem, a princípio, liquidez e certeza, uma vez que o documento é suficiente para atestar a existência do crédito e, em regra, seu valor ou os critérios para se chegar a seu valor estão definidos no título. Isso não impede, todavia, provas em sentido contrário que podem afastar a liquidez ou a certeza do título de crédito. 1.10 Formalismo Um documento só vale como título de crédito se obedecer aos requisitos legais previstos para tanto. A não observância dos requisitos não gera a nulidade do documento, mas apenas não se reconhece ao documento os efeitos de um título de crédito. A irregularidade da forma afeta os efeitos do documento como título de crédito. Eventual correção desses vícios de nada adianta, pois, uma vez promovidas as medidas para o exercício do direito de crédito com um título incompleto, fica afastada a condição de título de crédito que não poderá ser adquirida posteriormente. 1.11 Solidariedade Cambiária Várias pessoas podem assumir a responsabilidade pelo pagamento do título, ou seja, podem existir vários devedores em títulos de crédito. Esses vários possíveis devedores assumem obrigações, em regra, mediante a aposição de suas assinaturas no documento (saque, emissão, aceite, endosso e aval). Havendo vários obrigados e obedecidos todos os requisitos exigidos, o credor poderá exigir de um, de alguns ou de todos os obrigados o pagamento integral do título. Há nos títulos de crédito uma solidariedade entre os vários obrigados, de modo que o credor pode exigir de um, alguns ou de todos eles a obrigação constante do documento. Na solidariedade civil passiva, qualquer codevedor que paga a dívida terá direito de regresso contra os outros codevedores. Na solidariedade cambiária, nem todos os devedores terão direito de regresso. Nos títulos de crédito nem sempre nasce o direito de regresso em razão do pagamento da obrigação por um dos codevedores solidários. EXEMPLO: No direito civil: MÁRIO, CLÁUDIO E FELIPE são devedores solidários de um contrato que tem como credora a INÊS. INÊS cobra FELIPE, o qual, por sua vez, efetua o pagamento. Com isso, nasceu para ele o direito de regresso que pode ser exercido em face de MÁRIO e de CLÁUDIO. No direito cambiário: EXEMPLO 1. MÁRIO emitiu uma nota promissória (que recebeu o aval de FELIPE) para CLÁUDIO, que a endossou para INÊS. Considerando que temos três assinaturas (emissão, aval, e endosso), temos três devedores solidários desse título. Todavia, caso MÁRIO pague esse título, ele não poderá exercer o direito de regresso contra FELIPE, porquanto este só pode ser exercido contra os devedores anteriores. EXEMPLO 2. Se FELIPE pagar o título ele só poderá exercer o direito de regresso contra MÁRIO, uma vez que CLÁUDIO é um devedor posterior a ele. Assim sendo, o pagamento feito por FELIPE já extinguiu a obrigação de CLÁUDIO, nada mais podendo ser exigido dele, nem em ação de regresso. EXERCÍCIO: MARIA emitiu uma nota promissória (que foi avalizada por JONAS) para ANDRÉ. ANDRÉ endossou a nota promissória para DÉBORA que endossou para FERNANDO. 1. Quem é o emitente/Sacador? 2. Quem são os coobrigados? 3. Quem é o beneficiário? 4. Se ANDRÉ pagar ele pode ingressar com ação de regresso contra quem? 5. Se MARIA pagar ela pode ingressar com ação de regresso contra alguém? 6. E se JONAS pagar ele pode ingressar com ação de regresso contra alguém? 2. ENDOSSO Endosso é o ato cambiário decorrente de declaração unilateral de vontade e correspondendo a uma declaração cambiária eventual e sucessiva, manifestada no título de crédito, ainda que dele não conste a cláusula “à ordem”, pela qual o beneficiário ou terceiro adquirente (endossante) transfere os direitos dele decorrentes a outra pessoa (endossatário) O endosso é o meio cambiário próprio para operar a transferência dos direitos decorrentes dos títulos de crédito. Sendo a transmissão da letra de câmbio e da nota promissória regrada pelos arts. 11 a 20 do Decreto nº 57.663, de 1966. A Lei nº 7.357, de 1985, disciplina a transmissão do cheque nos arts. 17 a 28. A Lei nº 5.474, de 1968, não contémdisposições específicas sobre a transmissão da duplicata, aplicando-se, subsidiariamente, no que couber, as normas da legislação sobre letra de câmbio (LD, art. 25). Responsabilidade do endossante O endossante, salvo cláusula em contrário, garante tanto o aceite, quanto o pagamento da letra de câmbio, e, da mesma forma, é responsável pelo pagamento da nota promissória, do cheque e da duplicata. Trata-se de efeito que decorre da lei e do princípio geral do direito cambiário, pelo qual quem apõe a sua assinatura no título de crédito torna-se obrigado pelo pagamento como devedor solidário. O endosso permite a circulabilidade dos títulos, característica essencial dos títulos de crédito, permitindo sua negociabilidade. O endosso pode ser “em branco”, quando não identificado o endossatário, tornando-se título ao portador, ou “em preto”, quando o endossatário é identificado, tornando-se título nominativo. São efeitos do endosso: a) o endossante transfere a titularidade do crédito representado pelo título; b) o endossante continua codevedor do título, sendo que, na hipótese de inadimplemento do sacado, o endossante pode ser chamado pelo beneficiário a fim de adimplir o débito. Endosso-mandato (ou procuração ou impróprio) A caracterização está no art. 917 do Código Civil: “A cláusula constitutiva de mandato, lançada no endosso, confere ao endossatário o exercício dos direitos inerentes ao título, salvo restrição expressamente estatuída”. O endossatário não perde os direitos com a cláusula constitutiva de mandato, exceto se vier restrição expressamente convencionada. Endosso-caução (ou pignoratício) Acontece quando o título é dado como garantia, como em caso de penhor (por ser o título considerado um bem móvel, pode ser penhorado). Nessa hipótese, não se transfere a titularidade definitiva do crédito ao endossatário, salvo se não cumprir a obrigação garantida. Endosso sem garantia Cuida-se daquele que proíbe outros endossos após ele, o que desobriga o endossante quanto ao pagamento a outras pessoas caso haja transferências subsequentes. Endosso posterior ao vencimento (póstumo) É aquele realizado depois da data de vencimento do título, tendo os mesmos efeitos do endosso realizado anteriormente ao vencimento. Mas, se o endosso se der posteriormente ao “protesto por falta de pagamento”, ele produzirá apenas efeitos de uma cessão de crédito. 3. AVAL O aval se divide em algumas espécies: Aval total e parcial; em branco e em preto. Aval total ou completo é aquele que garante de modo integral o valor do título de crédito. O aval parcial é aquele que se restringe a garantir apenas uma parte do valor do título. ATENÇÃO: Vale destacar que o Código Civil, art. 897, parágrafo único, veda o aval parcial. Porém, isso afronta o art. 30 da Lei Uniforme, que prevê que o aval pode ser dado no todo ou em parte do valor do título. Em razão de a lei especial prevalecer sobre a lei geral, o aval parcial é possível. O aval em branco é aquele que não identifica o avalizado, e, nesse caso, conforme dispõe o art. 31 da LU, o sacador será considerado o avalizado. O aval em preto é aquele que identifica quem está sendo avalizado, podendo ser o sacador, o sacado ou um dos endossantes. 4. PRINCÍPIOS DOS TÍTULOS DE CRÉDITO Os princípios dos títulos de crédito são as normas basilares de toda a sua disciplina. Assim, é fundamental estudar os princípios da cartularidade ou incorporação, da literalidade, da autonomia, da abstração e da independência. 4.1 CARTURALIDADE No conceito de Vivante, diz‐se que “título de crédito é o documento necessário para o exercício do direito, literal e autônomo, nele mencionado”. O documento é imprescindível para o exercício do direito, o que traduz a ideia essencial do princípio da cartularidade. ATENÇÃO: O princípio da cartularidade encontra algumas variações em relação às duplicatas mercantis ou de prestação de serviços, nas quais alguns direitos podem ser exercidos sem a exibição do título. 4.2 LITERALIDADE O conceito de Vivante diz que o direito mencionado no título de crédito é literal, no sentido de que ele tem seu conteúdo e seus limites determinados nos precisos termos do título, vale dizer, “ele existe segundo o teor do documento”. No mesmo sentido, Gladston Mamede assevera que “na face do papel estão inscritos, nos limites disciplinados pela lei, todos os elementos indispensáveis à compreensão jurídica do problema.” O teor literal do título é relevante para definir a existência, o conteúdo e a modalidade do direito. ATENÇÃO: Tal princípio não se aplica integralmente à duplicata. Nesta, são admitidas a quitação em separado (Lei n. 5.474/68 – art. 9), a compensação de valores não previstos no título (Lei n. 5.474/68 – art. 10) e a assunção de obrigação fora do título, como o chamado aceite presumido. 4.3 AUTONOMIA Autônomo significa independente. Assim, quando um único título documentar mais de uma obrigação, elas serão consideradas independentes, sendo que uma possível invalidade de qualquer uma delas não irá acarretar prejuízos às demais obrigações. O princípio da autonomia facilita a circulação dos títulos de crédito, pois traz segurança jurídica a estes. As obrigações são autônomas umas das outras. O princípio da autonomia é constituído por dois subprincípios: abstração e inoponibilidade das exceções pessoais aos terceiros de boa-fé. 4.3.1 INOPONIBILIDADE DAS EXCEÇÕES PESSOAIS AOS TERCEIROS DE BOA‐FÉ O executado, em virtude de um título de crédito, não pode alegar em sua defesa (embargos) matéria estranha à sua relação direta com o exequente (credor), salvo prova de má-fé. 4.3.2 ABSTRAÇÃO Pelo princípio da abstração, o título de crédito quando circula se desvincula do negócio jurídico que lhe deu origem, isto é, questões relativas a esse negócio jurídico subjacente não têm o condão de afetar o cumprimento da obrigação do título de crédito. Quem recebe o título de crédito recebe um direito abstrato, isto é, um direito não dependente do negócio que deu origem ao título. 4.4 INDEPENDÊNCIA A independência, que significa que o título vale por si só, não precisando ser completado por outros documentos. Existe uma ligação direta desse princípio com a literalidade. Ao transferir um crédito, não é necessária a transferência de qualquer outro documento, uma vez que o título basta por si só. Ementa: RECURSO DE APELAÇÃO. HONORÁRIOS DE PROFISSIONAIS LIBERAIS. EMBARGOS À EXECUÇÃO. NOTA PROMISSÓRIA. CASO CONCRETO. HONORÁRIOS ORIGINADOS EM INSTRUMENTO DE CONFISSÃO DE DÍVIDA. ALEGAÇÃO DE NULIDADE DA CAUSA SUBJACENTE. DISCUSSÃO. POSSIBILIDADE. ÔNUS PROBATÓRIO DA EMBARGANTE. VÍCIO DE CONSENTIMENTO DEMONSTRADO. Na hipótese, discute-se a validade do negócio jurídico que deu causa à emissão da nota promissória em execução. Como se sabe, são aplicáveis aos títulos de crédito os princípios que regem o direito cambiário. Dessa forma, por corolário dos princípios da autonomia e da abstração, uma vez postos em circulação, os títulos se desvinculam do negócio jurídico que lhes deu causa. Malgrado, não havendo circulação dos títulos, é possível que se discuta a causa debendi que ensejou sua emissão, porquanto viável analisar o negócio jurídico subjacente entre seus partícipes. Na espécie, tendo a embargante alegado a nulidade da causa subjacente, cabia-lhe provar suas alegações, na forma do artigo 373, I do CPC, ônus do qual se desincumbiu a contento. Com efeito, no caso, os elementos probatórios colacionados, notadamente o documento de distrato, fazem prova suficiente sobre o vício de consentimento alegado pela devedora, mostrando-se forçoso que se reconheça a invalidade do título exequendo. RECURSO DE APELAÇÃO DESPROVIDO.(Apelação Cível, Nº 70083469833, Décima Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Leoberto Narciso Brancher, Julgado em: 21-10-2020) Bibliografia: MAMEDE, Gladston. Títulos de Crédito - Coleção Direito EmpresarialBrasileiro, 13ª ed. Grupo GEN, Rio de Janeiro, 2021. TOMAZETTE, Marlon. Curso de Direito empresarial. 2 Títulos de Crédito. 12ª ed. Saraiva, São Paulo, 2021.