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PENSAMENTO SOCIAL E POLÍTICO LATINO-AMERICANO AULA 1 Prof. Everson Araujo Nauroski A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 2 CONVERSA INICIAL Ao longo desta aula teremos a oportunidade de refletir sobre a trajetória da América Latina (AL), passando pela conquista violenta e colonização forçada até as consequências da colonização e seu legado de sofrimento e extermínio dos povos nativos. Veremos também que os processos de independência política na AL não foram suficientes para garantir a soberania dos países insurgentes, pois mesmo na atualidade os povos dessas nações sofrem pela ingerência de potências estrangeiras em seus processos políticos e econômicos. Entre tentativas de controle e resistência, talvez um dos maiores escândalos humanitários seja o bloqueio econômico imposto pelos EUA a Cuba, que se arrasta por mais de 60 anos e cujos efeitos deletérios chocam o mundo civilizado. TEMA 1 – CONQUISTA DA AMÉRICA ESPANHOLA Eles trouxeram a Bíblia numa mão e a espada na outra. A Espanha sempre se orgulhou de ser um país católico e fiel ao papa. Uma mistura de zelo e fundamentalismo corou o empreendimento da conquista das várias regiões da América Latina. Sobre a justificativa de espalhar a fé cristã, milhares de indígenas foram massacrados. Após mais de um século de domínio espanhol, estima-se que mais de setenta milhões de ameríndios tenham sido assassinados. Mais eficientes que espadas foram as doenças trazidas pelos conquistadores, principalmente a varíola e o sarampo, contra as quais os indígenas não tinham defesa natural. Segundo Todorov (1991), somente na região do México em torno de 24 milhões de nativos foram dizimados. A barbárie e carnificina também foram descritas pelo Frei Bartolomeu de Las Casas (2001, p. 31) ao registrar a fúria dos conquistadores sedentos por ouro e sangue. Com seus cavalos e armas praticaram crueldades hediondas contra um povo sem condições de se defender à altura. Os espanhóis, relata Las Casas (2001), entravam nas vilas, burgos e aldeias, não poupando nem as crianças e os homens velhos, nem as mulheres grávidas e parturientes e lhes abriam o ventre e as faziam em pedaços como se estivessem golpeando cordeiros fechados em seu redil. Faziam apostas sobre quem, de um só golpe de espada, fenderia e abriria um homem pela metade, ou quem, mais habilmente e mais destramente, de um só golpe lhe cortaria a cabeça, ou ainda sobre quem abriria as entranhas A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 3 de um homem de um só golpe. Arrancavam os filhos dos seios da mãe e lhes esfregavam a cabeça contra os rochedos [...] faziam certas forcas longas e baixas, de modo que os pés tocavam quase a terra, um para cada treze, em honra e reverência de Nosso Senhor e de seus doze Apóstolos (como diziam) e deitando-lhes fogo, queimavam vivos todos os que ali estavam presos. Outros, a quem quiseram deixar vivos, cortaram-lhes as duas mãos e assim os deixavam. Figura 1 – Representação da Batalha de Otumba Crédito: Juan Aunion/Shutterstock. Na batalha de Otumba, os espanhóis uniram forças com os tlaxcalano, um povo inimigo dos astecas, e apesar de estarem em menor número, tinham a vantagem de ter cavalaria e canhões. A condição absolutamente desigual de luta e armas impôs uma terrível derrota aos astecas, com milhares de mortos entre os nativos. Mesmo que seja no plano imaginativo, pensar sobre as cenas descritas acima nos causa horror e indignação De fato, ao longo da história, a ambivalência das crenças religiosas tem sido responsável por gestos de admirável fraternidade, mas também de violências indescritíveis. Como podemos compreender o que aconteceu durante o período de colonização com o extermínio sistemático dos povos indígenas das Américas? Parte da resposta podemos encontrar na sequência de nossos estudos. A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 4 TEMA 2 – INTERESSES E FRAGMENTAÇÕES COLONIAIS: PROCESSO DE COLONIZAÇÃO Em vinte anos, desde o desembarque de Colombo, a população dessa ilha densamente habitada havia sido quase varrida pela guerra, pelas doenças, pelos maus tratos e pelo trauma resultante dos esforços dos invasores para obrigá-la a aceitar modos de vida e comportamento totalmente desvinculados de sua experiência anterior. (Elliot, 1998, p. 153) O ano de 1492 é o marco temporal de contato dos europeus com o novo mundo. Foi nesse ano que Cristóvão Colombo estabeleceu a primeira colônia permanente na ilha de Hispaniola, uma das maiores ilhas das Antilhas, localizada a sudoeste de Cuba. Estava o iniciado o processo que em pouco tempo iria se espalhar por diversas outras regiões em colônias no Caribe, na região da atual Flórida e Peru. A busca do velho mundo (Europa) por novas terras e riqueza faria com que os povos originários da América Latina, América Central e Caribe experimentassem um longo período de conflitos, escravidão e trabalhos forçados, uma condição de absoluta violência que levaria ao extermínio de milhões de ameríndios. Nas palavras de Eduardo Galeano (2010), Três anos depois do descobrimento, Cristóvão Colombo, pessoalmente, comandou uma campanha militar contra os indígenas da Dominicana. Um punhado de cavaleiros, 200 infantes e uns quantos cães especialmente adestrados para o ataque dizimaram os índios. Mais de 500, enviados para a Espanha, foram vendidos como escravos em Sevilha e morreram miseravelmente. No entanto, alguns teólogos protestaram, e a escravização dos índios foi formalmente proibida no século XVI. Na verdade, não foi proibida, foi abençoada: antes de cada ação militar, os capitães da conquista deviam ler para os índios, na presença de um tabelião, um extenso e retórico Requerimento que os exortava à conversão à santa fé católica: “Se não o fizerdes, ou se o fizerdes maliciosamente, com dilação, certifico-vos que, com a ajuda de Deus, agirei poderosamente contra vós e vos farei guerra da maneira que puder em todos os lugares, submetendo-vos ao jugo e à obediência da Igreja e de Sua Majestade, e tomarei vossas mulheres e vossos filhos e vos farei escravos e como tais sereis vendidos, dispondo de vós como Sua Majestade ordenar, e tomarei vossos bens e farei contra vós todos os males e danos que puder”. O choque cultural e a visão eurocêntrica contribuíram imensamente para agravar a situação dos nativos. Tidos como povos bárbaros, este eram subjugados e submetidos a conversão forçada. O resultado desse processo levou à hispanização de grande parte das Américas com a imposição violenta da língua, da religião e de vários elementos da cultura hispânica aos nativos. A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 5 Figura 2 – Representação do encontro entre Hernán Cortez e Montezuma, líder dos astecas Crédito: Javi Az/Shutterstock. Frente à tentativa de aculturação, os indígenas resistiram, mas a disparidade de armas os fez vítimas fáceis de matar. Os espanhóis estavam acostumados à guerra, dispunham de canhões, espadas e cavalos. Além da superioridade em armas, os espanhóis foram ardilosos em explorar grupos rivais e fazer alianças com adversários, aumentando o número de seus combatentes. Os incas, que eram fortes e organizados e cobravam tributos de outros povos mais fracos, tinham outros grupos e tribos como seus inimigos. Embora existissem rivalidade e conflitos entre eles, não fazia parte de sua cultura o extermínio sistemático de seus adversários. Essa animosidade contra os incas foi explorada pelos espanhóis que organizaram e lideraram grupos de indígenas para lutar e derrotar os incas. A mesma tática foi utilizada para derrotar os astecas no México. O resultado econômico da colonização das Américas favoreceu grandemente o desenvolvimento da economiaeuropeia, uma situação bem descrita por Eduardo Galeano (2010, p. 8): a história do subdesenvolvimento da América Latina integra, como já foi dito, a história do desenvolvimento do capitalismo mundial. Nossa A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 6 derrota esteve sempre implícita na vitória dos outros. Nossa riqueza sempre gerou nossa pobreza por nutrir a prosperidade alheia: os impérios e seus beleguins nativos. Na alquimia colonial e neocolonial o ouro se transfigura em sucata, os alimentos em veneno. Durante muito tempo, antes que irrompessem os primeiros levantes por independência entre os povos conquistados, o velho mundo sugou tudo que pôde de suas riquezas, relegando a esses povos, mesmo após os processos de independência uma trajetória amarga de sofrimento, miséria e subdesenvolvimento. TEMA 3 – INSURGÊNCIAS E INDEPEDÊNCIA NA AMÉRICA LATINA O que comumente se chamou de independência na América Latina tornou-se uma nova forma de subserviência às velhas potências. A partir do século XVIII, a conjuntura sócio-política da Europa passa por grandes transformações: expansão industrial e capitalista, proliferação das ideias iluministas, fortalecimento do liberalismo, crise do poder eclesial e o declínio das monarquias absolutistas forneceram elementos conjunturais que contribuíram na independência nas colônias do Novo Mundo. O poderio da Espanha já não era o mesmo. Afetada pelos impactos das guerras napoleônicas, enfraqueceu seu poder político tendo seu controle sobre as colônias desarticulado. Após séculos de presença e domínios violento dos estrangeiros, os ventos da liberdade começaram a soprar. Levantes de revolta e luta por independência se espalham por toda a AL. Além das questões externas, fatores internos também contribuíram com a independência em várias regiões. Ao que podemos destacar: • Revolta dos indígenas e mestiços contra as condições de vida precária e trabalho forçado; • Cobranças abusivas de tributos por parte das metrópoles; • Tratamento desigual em relação aos nascidos nas colônias, chamados de crioulos; • A elite e as lideranças crioulas de figuras como Simón Bolivar e José de San Martin, incentivaram a revolta e organizaram a luta contra o domínio espanhol. Outra figura emblemática nas diversas iniciativas revolucionárias foi o argentino Bernardo Monteagudo. De formação clássica, atuou como advogado, A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 7 escritor e jornalista. Ficou mundialmente conhecido por fazer circular ideias iluministas em toda a AL. Seu panfleto, intitulado Diálogos entre Atahualpa e Fernando VII nos Campos Elíseos, escrito em 1809, representava, segundo Prado (2003, p. 20), uma literatura popular amplamente divulgada naquela época com o objetivo de espalhar as ideias iluministas e contribuindo com seus argumentos para justificar a ação daqueles que começavam a lutar pela independência das colônias na América. Estes textos 'subversivos' produzidos pelos criollos nasceram do encontro entre as leituras vindas da Europa e a reflexão original pensada a partir da situação colonial. As ideias de libertação fortaleceram as críticas às concepções eurocêntricas de mundo que ainda tentavam se manter e justificar a colonização. O avanço da cultura moderna marcada pela consolidação do capitalismo como modelo de sociedade também representou um importante fator de aceleramento dos processos de independência. Era necessário expandir e criar novos mercados. Podemos observar que o percurso cronológico dos principais fatos relacionados à colonização na AL e à sua independência reforça o argumento que a independência poderia ser muito favorável à economia das velhas potências. Vejamos: 1697 – Finda a primeira guerra colonial entre a França e a Inglaterra. 1726 – É fundada a cidade de Montevidéu. 1744 – França e Inglaterra travam a segunda guerra colonial. 1759 – Invasão do Canadá pelos ingleses. 1763 – França perde o domínio do Canadá. 1776 – Os Estados Unidos se declaram nação independente. 1780 – Tupac-Amuru lidera a revolta inca contra o domínio espanhol. 1789 – George Washington é o chefe de estado dos Estados Unidos da América. 1799 – Morte de George Washington. 1803 – O território do atual estado de Louisiana é comprado dos franceses pelos americanos. 1806 – Buenos Aires é atacada pelos ingleses. 1807 – Tomada de Montevidéu pelos ingleses, e novo ataque a Buenos Aires. A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 8 1810 – Paraguai declara-se independente. Bolívar lidera revolta na Venezuela e é derrotado. Hidalgo lidera a primeira tentativa de emancipação mexicana. 1812 – Bolívar é novamente derrotado. 1814 – Revolução vitoriosa na Venezuela, com Bolívar assumindo poderes ditatoriais – Revolução vitoriosa no Uruguai. 1815 – Morelos lidera a segunda tentativa de emancipação do México. 1816 – Mina lidera a terceira tentativa de emancipação do México. 1818 – Libertação do Chile pelo General argentino San Martin. 1820 – O general espanhol Iturbide passa para o lado dos revoltosos mexicanos. 1821 – O Peru alcança sua independência. O regente português D. João VI conquista a Banda Oriental (Uruguai) e a anexa ao Brasil. 1822 – Iturbide lidera a revolta vitoriosa e torna-se Imperador, sob o nome de Agostinho I. Bolívar liberta o Equador. 1823 – Abdicação de Agostinho I. Doutrina Monroe nos Estados Unidos. Separação das Províncias Unidas da América Central do México. 1824 – Vitória do General Sucre na Batalha de Ayacucho, acarretando na libertação definitiva do Peru. Iturbide, após viagem à Itália, volta ao México, onde é preso e fuzilado. 1825 – Independência do Alto Peru (Bolívia). Revolta da Banda Oriental, que tende a separar-se do Império Brasileiro. 1828 – Uruguai alcança sua independência. 1830 – Expulsão e morte de Bolívar. 1833 – Ilhas Malvinas (Falklands) ocupadas pela Inglaterra. 1834 – Argentina sob a ditadura de Rosas. 1839 – Desmembramento das Províncias da América Central em cinco repúblicas: Costa Rica, Guatemala, Honduras, São Salvador e Nicarágua. 1845 – Guerra pela posse dos territórios do Texas (Estados Unidos e México). 1848 – Por meio do Tratado de Guadalupe, os Estados Unidos anexam aos seus domínios os territórios do Texas, Califórnia, Arizona e Novo México, pagando uma irrisória indenização. 1851 – Brasil e Urquiza em aliança. 1852 – Ditadura de Rosas chega ao seu fim. A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 9 1861 – Guerra de Secessão nos Estados Unidos tem início. 1863 – O general francês Forey entra vitorioso na capital mexicana. 1864 – Maximiliano torna-se Imperador do México. Intervenção brasileira no Uruguai. Início da Guerra do Paraguai. 1865 – Finda a Guerra de Secessão nos Estados Unidos. Vitória do Norte. O Presidente Lincoln é assassinado. 1867 – Retirada das tropas francesas do México realizada por Napoleão III, sob as exigências dos Estados Unidos. Fuzilamento do Imperador Maximiliano, que carecia de recursos militares. Benito Juárez sobe novamente ao poder. A Rússia vende o território do Alaska aos Estados Unidos. Autonomia do Canadá em relação à Inglaterra. 1870 – A Guerra do Paraguai termina, com a vitória dos aliados (Argentina, Brasil e Uruguai). 1876 – Por causa da salitreira de Antofagasta, Chile declara guerra ao Peru e à Bolívia. 1883 – Chile sai vitorioso da guerra contra Bolívia e Peru. A Bolívia, assim, perde a faixa litorânea do Pacífico. 1885 – Inaugura-se a estrada de ferro transcontinental canadense de Halifax a Vancouver. 1888 – Presidência do México é de Porfírio Díaz. 1895 – Revolução separatistas em Cuba. 1898 – Havaí passa para os domínios dos Estados Unidos: ocupação americana em Porto Rico, Cuba, Filipinas, Guam e Marianas. 1903 – Revolta panamenhafomentada pelos Estados Unidos, que intencionava controlar o Canal de Panamá. Criação da República do Panamá (Cronologia..., [S.d.]) TEMA 4 – PROCESSO DE CONSTITUIÇÃO DOS PAÍSES LATINO- AMERICANOS Como dito anteriormente, os processos de independência da AL e o fim da escravidão, tornaram-se imperativos para a nova ordem mundial baseada na economia de mercado. A expansão da manufatura industrial demandava cada vez mais novos mercados. Contudo, as diversas iniciativas de independência que aconteceram na AL tiveram forte influência dos ingleses e EUA no sentido A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 10 de tentar controlar os processos políticos de modo a garantir que os novos governos fossem alinhados aos seus interesses. Além da influência política estrangeira, o processo de formação dos países latino-americanos se deu em meio a uma grande instabilidade política e poucas mudanças estruturais na forma da organização econômica, marcada por uma economia agrária, com grandes latifúndios e mão de obra servil. Historicamente a AL representa um vasto território com uma enorme diversidade étnica. Há um pluralismo de culturas e tradições formados por mestiços, caboclos, negros, índios, livres e remanescentes de escravos, com potencial para produzir diversas formas de antagonismos e obstáculos a unificação. Entre as tentativas de organizar governos nacionais, predominou o modelo republicano, mas havia defensores da monarquia, como no caso do Brasil. Um projeto ambicioso que esteve muito presente nesse período histórico de unificação e surgimento dos países da AL foi o bolivarianismo, também conhecido como pan-americanismo, um projeto de unir e fortalecer os diversos países da AL em confederações, objetivando com isso fortalecer alianças comerciais e militares para fazer frente a ameaça espanhola de reocupação das antigas colônias e poder negociar com outras potencias com mais força e influência. Simon Bolivar, considerado uma figura central na libertação das colônias espanholas, defendeu durante muitos anos esse projeto. Em sua época foram concretizadas algumas iniciativas nessa direção como a criação Confederação da Grã-Colômbia criada em 1819 que reuniu Venezuela, Colômbia. Outras iniciativas parecidas surgiram e terminaram com brevidade (Nauroski; Rodrigues, 2018) A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 11 Figura 3 – Mapa da América Latina Crédito: Vectorfair.com/Shutterstock. Havia temores internos de que a unificação das Américas numa confederação ou confederações de países, pudesse se tornar uma força muito poderosa. Algo que poderia inviabilizar interesses das oligarquias locais e também limitar a influência das potencias estradeiras. Em 1823, viu-se o fim das Províncias Unidas da América Central, que reunia Guatemala, Honduras, El Salvador, Nicarágua e Costa Rica, que acabaram se separando do México. O fracasso das diversas tentativas de união dos países das Américas tem relação com o posicionamento dos EUA e a doutrina Monroe do então presidente norte-americano James Monroe que governou entre 1817 a 1825. A ideia da América para os americanos defendia a independência e se opunha contra a A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 12 presença ou influência europeia nas Américas. Contudo essa doutrina contribuiu para minar as iniciativas de unificação. Não interessa aos EUA ver surgir uma nova potência política e bélica, que não fossem eles próprios. TEMA 5 – CONFLITOS INTERNACIONAIS NO CONTINENTE AMERICANO Em geral, os conflitos armados na América Latina tiveram como motivação principal disputas pontuais relacionadas a questões econômicas e territoriais. O processo histórico de independência deixou marcas profundas de insatisfação entre os diferentes povos e seus líderes. A seguir, podemos ver uma linha do tempo dos principais conflitos na AL entre 1830-2000: Figura 4 – Quadro dos conflitos na AL Guerras Países envolvidos no conflito Ano Guerra Espanha-México México, Espanha 1829 Guerra Grande Argentina, Brasil, Uruguai, França, Grã- Bretanha 1836-51 Confederação Peru- boliviana Bolívia, Chile, Peru 1836-9 Guerra dos Pastéis México, França 1838 Guerra Peru-boliviana Peru, Bolívia 1841 Guerra México-Estados Unidos México, Estados Unidos 1846-8 Reocupação de São Domingos Espanha, República Dominicana 1861-5 Intervenção do México França, Grã-Bretanha, Espanha 1861 Guerra Franco- mexicana México, França 1862-7 Equador-Colômbia Equador, Colômbia 1863 Guerra Peru-Espanha Espanha. Peru 1864-6 Guerra da Tríplice Aliança Argentina, Brasil, Uruguai, Paraguai 1864-70 Invasão Espanhola Bolívia, Chile, Peru, Espanha 1865-6 Guerra do Pacífico Bolívia, Chile, Peru 1879-83 Centro-americana Guatemala, El Salvador 1885 Independência de Cuba Cuba, Espanha, Estados Unidos 1895-8 Guerra do Acre Bolívia, Brasil 1899-1904 Centro-americana Guatemala, Honduras, El Salvador, Nicarágua 1906-7 Guerra do Chaco Bolívia, Paraguai 1932-5 Letícia Peru, Colômbia 1932-3 A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 13 Disputa de fronteiras Peru, Equador 1932-1995 Guerra do Futebol El Salvador, Honduras 1969 Guerra das Malvinas Argentina, Inglaterra 1982 Fonte: Centeno, citado por Mitre, 2010, p. 5-6. Exceto pela Guerra da Tríplice Aliança contra o Paraguai, com consequências devastadoras reduzindo a população adulta em menos da metade, os demais conflitos listados foram bem menores, com alcance limitado em termos de mobilização, gastos e número de mortos. Em geral, os conflitos indicados tiveram como front regiões mais afastadas em seus países e menos populosas. As motivações não foram de fundo ideológico, mas por interesses pontuais em disputas comerciais e territórios fronteiriços. Em termos comparativos, os povos das Américas podem ser considerados bem menos belicosos que os europeus onde mais de 60% dos conflitos entre nações eclodiram em guerra, contra 5% na AL (Nauroski, 2017). Um caso sui generis que merece nossa atenção é a situação de Cuba, que sofre de um bloqueio econômico imposto pelos EUA há mais de 60 anos. Cuba se livrou do domínio espanhol em 1898, mas foi tratada como se fosse o quintal dos EUA durante os governos que antecederam a revolução. A influência norte-americana fez com o pequeno país fosse subserviente por décadas, até que em 1959 um levante revolucionário liderado por Fidel Castro conseguiu derrubar o ditador Fulgêncio Batista. Alguns fatores são importantes para compreendermos a deterioração das relações entre Cuba e EUA: • Implantação do socialismo; • Aproximação com a antiga União Soviética; • Nacionalização de empresas estrangeiras; • Execução de opositores ao novo regime; • Realização da profunda reforma agrária que, além de distribuir terras à população campesina, proibiu estrangeiros de comprar terras na Ilha; • Em 1960, o presidente Eisenhower declarou um embargo unilateral às exportações e logo em seguida houve rompimento de relações diplomáticas entre os dois países; • O embrago estreitou ainda mais o governo de Castro com a União Soviética; A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 14 • Nos anos seguintes, houve tentativas por parte da CIA de promover golpes ou assassinar Fidel Castro; • Mais recentemente o governo de Donald Trump impôs mais de 240 medidas restritivas tornando o bloqueio ainda mais duro e cruel contra o governo e contra o povo cubano; • As medidas restritivas impedem que outros países estabeleçam relações comerciais com Cuba, temendo retaliações do EUA; • A situação de bloqueio cria escassez generalizada no país, afetando o abastecimento de alimentos, matérias-primas para remédios e produção industrial em geralafetando estruturalmente a capacidade produtiva e de exportação do país; • Toda uma gama de carência e de uma vida sacrificiosa em função do bloqueio tem gerado descontentamentos na população, principalmente entre os mais jovens, que não viveram a revolução. Essa situação tem sido explorada por opositores e adversários estrangeiros que querem desestabilizar o regime cubano. NA PRÁTICA Com base nos estudos realizados, faça uma pesquisa sobre a situação mais recente de Cuba e das posições do governo Biden dos EUA. Após a pesquisa e leitura, construa uma reflexão se posicionando sobre o bloqueio dos EUA a Cuba, que já dura 60 anos. FINALIZANDO Em nossos estudos, foi possível construir uma reflexão sobre os seguintes temas: • A conquista da América espanhola significou violência, pobreza e morte para os nativos e riqueza para os conquistadores; • A colonização das Américas estabeleceu uma profunda desigualdade histórica em relação à participação dos povos latino-americanos na economia mundial; • Os processos de independência política na AL não foram suficientes para garantir a soberania dos países insurgentes que até a atualidade sofrem A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 15 ingerência de nações estrangeiras em seus processos políticos e econômicos; • Os conflitos armados na América Latina tiveram como motivação principal disputas pontuais relacionadas a questões econômicas e territoriais. No mais, fica a certeza de que conhecer melhor a nossa história é fundamental para entendermos nossa trajetória e a razão de o continente latino- americano ainda se encontrar mergulhado em crises e em profundas desigualdades. A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 16 REFERÊNCIAS CRONOLOGIA. Unicamp, S.d. Disponível em: <https://www.unicamp.br/iel/memoria/Ensaios/Sapateiro/crono.htm>. Acesso em: 4 out. 2021. ELLIOT, J. H. A conquista Espanhola e a Colonização da América. In: BETHEL, L. (org). América Latina Colonial. São Paulo: Edusp, 1998. v. I e II. GALEANO, E. As veias abertas da América Latina. São Paulo: L&PM, 2010 LAS CASAS, F. B. de. O Paraíso destruído – A sangrenta história da Conquista da América. Porto Alegre: L&PM Pocket/Descobertas, 2001. MITRE, A. Ligações perigosas: Estado e guerra na América Latina. Plataforma Democrática, Working Paper n. 7, jul., 2010. Disponível em: <http://www.plataformademocratica.org/Arquivos/Ligacoes%20Perigosas.pdf> – Acesso em: 4 out. 2021 NAUROSKI, E. A. Teorias sociológicas e problemas sociais contemporâneos. Curitiba: InterSaberes, 2017. NAUROSKI, E. A.; RODRIGUES, M. E. Pensamento social na América Latina. Curitiba: InterSaberes, 2018. PRADO, M. L. C. Esperança radical e desencanto conservador na Independência da América Espanhola. História, São Paulo, v. 22, n. 2, p. 15-34, 2003. TODOROV, T. A conquista da América – a questão do outro. Tradução de Beatriz Perrone Moisés. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1991. A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 2 2 CONVERSA INICIAL Conhecer a história dos povos das américas, mesmo que de maneira introdutória, contribui para compreendermos nossa própria identidade enquanto povo. As lutas travadas e as conquistas de independência, assim como os elementos culturais que integram a pluralidade desse continente tornam um desafio pesquisar e analisar as marcas deixadas em nossa história. Ao longo desta aula, veremos que América Latina (AL) ainda precisará percorrer um longo caminho para conquistar, de fato, sua soberania e independência. Tendo em vista as sucessivas interferências de interesses estrangeiros, do passado e do presente, a assinalar uma dificuldade crônica das potências econômicas em lidar com o princípio da autodeterminação dos povos, principalmente quando essa autodeterminação contraria seus interesses. TEMA 1 – REVOLUÇÕES NA AMÉRICA LATINA Os processos revolucionários na AL tiveram figuras de destaque nas lideranças de levantes e de setores da política, economia e força militar. Essas figuras ficaram conhecidas como caudilhos. Sua liderança e força regional advém do legado de descendentes dos criollos das antigas colônias espanholas. Nas lutas por independência, formaram suas próprias milicias compostas por índios, negros e mestiços. O poder acumulado e as alianças políticas articuladas tornaram esses indivíduos capazes de grandes feitos, a exemplo de Simón Bolívar, o libertador, um verdadeiro representante do caudilhismo, cuja influência ecoa ainda hoje no continente americano. Figura 1 – Simón Bolívar Crédito: Prachaya Roekdeethaweesab/Shutterstock. A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 3 3 Simón José Antonio de la Santísima Trinidad Bolívar (1783-1830), ou Simón Bolívar, como ficou conhecido, era de uma rica família de fazendeiros que possuíam muitos escravos, mas que o próprio Bolívar os teria libertos e integrados ao seu exército na Venezuela. Militar de formação espanhola, estudou na Europa e mesmo sendo da aristocracia, seu ideal de libertação e emancipação das américas recebeu grande apoio popular. A revolução mexicana foi considerada um grande movimento político e social do século XX, cujo estopim foi o acúmulo de insatisfações dos pobres e o descontentamento da burguesia com a ditadura de Porfirio Díaz, que durou 30 anos. Apesar de o México ter alcançado considerável desenvolvimento econômico, durante a ditadura a desigualdade social se aprofundou e a corrupção tornou-se escandalosa. Entre as figuras históricas que fizeram acontecer a revolução no México se encontram Ignácio Madero González, opositor à ditadura, que ganhou apoio popular com sua promessa de realizar uma profunda reforma agrária e fez alianças com os revolucionários Emiliano Zapata e Pancho Villa. Em 1910, Madero é eleito e pouco depois trai as promessas de campanha, levando ao rompimento com os generais Zapata e Villa, que seguem com o ideal revolucionário de entregar 1/3 das terras aos camponeses, pois a terra devia a pertencer a quem nela trabalha e vive. Em 1914, Villa e Zapata tomam o poder e ajudam a eleger um novo presidente, Venustiano Carranza Garza, que em 1917 lidera a promulgação de uma nova Constituição no México. Por fim, por articulações da burguesia mexicana e interesses estadunidenses, Zapata e Villa são mortos, e o controle do país volta às mãos da aristocracia. Em 1970, é eleito no Chile o socialista Salvador Allende. Uma situação preocupante para os EUA, que não queria ver as ideias socialistas se espalhando pela América Latina e ver se repetir o que havia ocorrido em Cuba. Assim, com a ajuda dos norte-americanos, o general Augusto Pinochet deu golpe de Estado e assumiu o governo do país em 11 de setembro de 1973. Como resultado dos confrontos, Allende foi morto e o Chile viveu uma das ditaduras mais violentas e sangrentas do continente. Somente em 1987, a pressão popular pela redemocratização Pinochet deixou o governo, e Patricio Aylwin foi eleito novo presidente. A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 4 4 TEMA 2 – GOVERNO E PODER MILITAR NA AMÉRICA LATINA É longa a história das interferências dos EUA na América Latina, patrocinando golpes antidemocráticos em diversos países. Após a Segunda Guerra Mundial, o governo e a elite norte-americana temiam a presença e a influência soviética nas Américas, e uma possível repetição do que havia ocorrido em Cuba e no Chile. Em 1954, um golpe de Estado era dado na Guatemala, um pequeno país da América Central. Segundo os registros históricos, o golpe teve apoio e ação direta da Central de Inteligência Americana (CIA) com o objetivo de derrubar o presidente eleito Jacobo Arbenz, classificado pelos EUA como umgoverno comunista ao realizar diversas reformas sociais e apropriação nacional de grandes extensões de terra de propriedade de empresas americanas usadas na reforma agrária em todo o país. A intervenção norte-americana resultou em décadas de instabilidade política, com sucessivos governos militares e a morte de mais 200 mil cidadãos. A democracia só retornaria em 1993, mas com um governo alinhado aos interesses de Washington. Em síntese, podemos listar cronologicamente alguns casos de governos autoritários nas Américas que tiveram apoio dos EUA: • Argentina (1962): militares depuseram o presidente Arturo Frondizi e vários outros golpes ocorreram até a eleição de Juan Domingo Perón, que assumiu o poder 1946. • Peru (1962): o líder popular Belaunde Terry é deposto por uma junta militar que coloca no poder Juan Velasco Alvarado, que, numa atitude estranha às expectativas dos EUA, acaba nacionalizando uma grande empresa multinacional de petróleo e faz a primeira reforma agrária do país. • Bolívia (1982): considerado um dos países com maior número de golpes ao longo do século XX. A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 5 5 Figura 2 – Ditadura no Brasil Crédito: Kan Sangtong/Shutterstock. No Brasil, está historicamente documentada a interferência dos EUA no governo de João Goulart, que mostrava uma gestão de cunho social e popular. A oposição conservadora recebeu apoio financeiro e logístico para desgastar o governo de Goulart, e em 1964 os militares brasileiros, aproveitando o clima de anticomunismo contra do governo eleito, dão um golpe e tomam o poder. O chamado golpe civil-militar que ocorreu no Brasil teve como base políticos conservadores ligados à União Democrática Nacional (UDN), representantes do governo dos EUA que atuavam diretamente no país e ainda setores ultraconservadores ligados à Igreja Católica, da imprensa golpista e do empresariado que ansiava por maior controle dos trabalhadores. Por suas dimensões continentais e posição estratégica na região, era preciso conter o avanço das pautas progressistas no Brasil e dessa forma barrar o avanço de políticas socialistas no continente latino-americano. A partir da década de 1960, diversas ditadoras inauguram os anos de chumbo nas Américas com governos autoritários e violentos, responsáveis por crimes de tortura e assassinato, muitos até hoje não esclarecidos. TEMA 3 – INTERFERÊNCIA ESTADUNIDENSE NO BRASIL O tamanho e a posição estratégica do Brasil na AL fizeram com que sua trajetória, a partir do processo de independência, recebesse especial atenção do A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 6 6 governo dos EUA em seus objetivos de consolidar sua influência na região. Numa primeira fase, a ação se deu pela implementação da doutrina Monroe, com a ideia da América para os americanos, o que na prática representava um conjunto de medidas comerciais e limitação da presença e influência europeia na região. A partir do governo de Theodore Roosevelt, além das medidas de comércio, houve iniciativas de intervenção militar no continente. Uma lógica que foi sendo substituída por uma política de boa vizinhança com o fortalecimento das relações exteriores, a ampliação de mercados e a construção de bases militares em diversos países da América Latina. Será no contexto da Guerra Fria, com a disputa geopolítica entre EUA e União Soviética, que os norte-americanos se viram compelidos a defender o capitalismo contra o avanço do socialismo nas Américas. Contando com o apoio das aristocracias nacionais, os EUA fomentaram diversos golpes e intervenções militares, patrocinando governos violentos, autoritários e antiprogressistas. No Brasil, o golpe militar de 1964 pôde contar com apoio financeiro e logístico do governo americano. A presença e a influência norte-americana se fizeram sentir também pela aproximação e dominação ideológico-cultural. A indústria cultural americana adentrou a vida social dos brasileiros, sobretudo por meio dos programas de TV e produção cinematográfica profundamente ideológica a favor de ideias, valores e crenças da cultura norte-americana. Figura 3 – Consumismo Crédito: Rawpixel.com/Shutterstock. A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 7 7 Não tardou para que os EUA firmassem posição como principais parceiros econômicos do Brasil. A presença da cultura americana foi bem além da TV e do cinema. Progressivamente, o modelo e o estilo de vida dos americanos alcançou o ideal de vida dos brasileiros, afetando drasticamente o padrão de consumo nas terras tupiniquins. Se a colonização em seus primórdios se deu pela presença dos europeus, portugueses, franceses, ingleses e holandeses, a colonização tardia ocorreu e ainda ocorre no plano cultural, com a assimilação de vários elementos da cultura e do modo de vida dos americanos. Nos últimos anos, vimos uma transformação substancial na relação do Brasil com os EUA. Para além da imitação nos padrões de moda e consumo, vem ocorrendo uma verdadeira subserviência aos interesses americanos. Diversos políticos e lideranças têm assumido publicamente posições humilhantes e comprometedoras da soberania nacional. Entre elas: • bater continência a bandeira norte-americana; • incentivar a venda de empresas estatais para corporações estadunidenses; • favorecer a compra de grandes extensões de áreas do território nacional; • facilitar a construção de bases militares em nossas fronteiras; • aceitar que ONGs com sedes nos EUA que estejam atuando no Brasil não permitam a fiscalização de suas atividades pelas autoridades brasileiras; • ceder o controle da Amazônia; • atuar como rivais em relação a países vizinhos não alinhados aos EUA, entre eles, Bolívia, Argentina e Venezuela; • favorecer a economia norte-americana em detrimento dos interesses nacionais, como a questão do refino de combustíveis. São diversas as condutas que poderiam ser enumeradas, muitas delas denunciadas por juristas e lideranças não entreguistas como crimes de lesa- pátria. Tragicamente, na história recente de nosso país, a síndrome de vira-lata nunca esteve tão forte, a ponto de ser o sonho de muitos ver o Brasil se tornar de vez uma extensão do quintal dos EUA. A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 8 8 TEMA 4 – PROCESSO DE REDEMOCRATIZAÇÃO E ASCENSÃO DA ESQUERDA NA AMÉRICA DO SUL Após os processos de independência da América Latina, houve sucessivas ações de interferências dos EUA em diversos países cujo ideário político e ideológico não estivesse alinhado aos interesses estadunidenses. A orientação geral do que deveria ser feito no plano político e econômico ficou materializado em um documento que ficou conhecido como Consenso de Washington, conforme Negrão (1989) citado por Nauroski (2014, p. 101-102). Em 1989, os governos de Reagan, nos EUA, e de Thatcher, na Inglaterra, tornaram-se a expressão máxima das proposições neoliberais. Algo que tomou forma na reunião que aconteceu em Washington, convocados pelo Institute for International Economics, entidade de caráter privado, diversos economistas latino-americanos de perfil liberal, funcionários do Fundo Monetário Internacional (FMI), Banco Mundial e Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e do governo norte-americano. O tema do encontro, Latin Americ Adjustment: Howe Much has Happened?, visava avaliar as reformas econômicas em curso no âmbito da América Latina. John Willianson, economista inglês e diretor do instituto promotor do encontro, foi quem alinhavou os dez pontos tidos como consensuais entre os participantes. E quem cunhou a expressão "Consenso de Washington", através da qual ficaram conhecidas as conclusões daquele encontro. As regras ou preceitos estabelecidosforam: 1. Disciplina fiscal, através da qual o Estado deve limitar seus gastos à arrecadação, eliminando o déficit público; 2. Focalização dos gastos públicos em educação, saúde e infraestrutura; 3. Reforma tributária que amplie a base sobre a qual incide a carga tributária, com maior peso nos impostos indiretos e menor progressividade nos impostos diretos Liberalização financeira, com o fim de restrições que impeçam instituições financeiras internacionais de atuar em igualdade com as nacionais e o afastamento do Estado do setor; 4. Taxa de câmbio competitiva; 5. Liberalização do comércio exterior, com redução de alíquotas de importação e estímulos à exportação, visando a impulsionar a globalização da economia; 6. Eliminação de restrições ao capital externo, permitindo investimento direto estrangeiro; 7. Privatização, com a venda de empresas estatais; 8. Desregulação, com redução da legislação de controle do processo econômico e das relações trabalhistas; 9. Propriedade intelectual Após um período de mais de duas décadas de ajustes neoliberais na AL, seguindo as medidas acima citadas, contribuíram para o acirramento da desigualdade social, aumento da pobreza e desemprego. Esses fatores combinados formaram uma conjuntura favorável a surgimento e fortalecimento de lideranças populares e progressistas, principalmente nos seguintes países: A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 9 9 Hugo Chávez (Venezuela), Lula da Silva (Brasil), Evo Morales (Bolívia), Néstor Kirchner (Argentina), Michelle Bachelet (Chile), Fernando Lugo (Paraguai), Ollanta Humala (Peru), Tabaré Vázquez (Uruguai) e Rafael Correa (Equador). Com diferenças entre esses líderes, entre os mais moderados e os mais radicais, o fio condutor comum foi a defesa da soberania e independência na condução de suas políticas nacionais, além dos temas comuns de combate à desigualdade, à inclusão social e à ampliação de direitos aos segmentos mais vulneráveis da sociedade. Figura 4 – Mercosul Crédito: Estudio Maia/Shutterstock. Além das políticas sociais internas, em face dos desafios da globalização e das relações assimétricas no plano geopolítico, muitos desses países buscaram se organizar em blocos econômicos, com o fim de unir forças e interesses, além de poder fazer frente à Europa e aos EUA. O resultado dessas movimentações fizeram surgir iniciativas como a Aliança Bolivariana para as Américas (Alba), com diversos acordos de cooperação entre Venezuela, Bolívia e Equador. São membros: Antígua e Barbuda, Bolívia, Cuba, Dominica, Equador, Nicarágua, São Vicente e Granadinas. Outra grande iniciativa foi o Mercosul (Mercado Comum do Sul), criado em 1991, com a participação inicial do Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai, e posteriormente com a participação de outros países. As tentativas de fortalecer os países integrantes das Américas dependeram dos governos à frente dos países participantes, enquanto os governos vigentes tiveram perfil progressistas essas iniciativas avançaram e se fortaleceram. A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 10 10 TEMA 5 – DO PAPEL DA CEPAL AOS PROCESSOS DE INTEGRAÇÃO NA AMÉRICA LATINA Esse tópico será tratado a partir da contribuição dos autores Nauroski e Rodrigues (2018, p. 59-61). A Cepal integra a Organização das Nações Unidas (ONU), constituindo uma de suas comissões para assuntos econômicos. Teve o contexto de sua criação marcado pelo desenvolvimento da economia dos países capitalistas. Passados mais de um século, é somente em 1948, três anos após o fim da Segunda Guerra Mundial, que surge uma organização para pensar a realidade latino-americana frente às mudanças na economia mundial. Assim surgiu a Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (Cepal), formada por um conjunto de 44 países da AL e Caribe. Também fazem parte da Cepal o Japão, a França, o Canadá, a Espanha, os Estados Unidos, entre outros. Figura 5 – Presença da Cepal na AL Crédito: AlafStudio/Shutterstock. Embora não com a mesma velocidade e intensidade, as economias dos países latino-americanos experimentavam o avanço de sua industrialização e assistiam suas economias crescerem a uma taxa anual de quase 6%. Frente a esse movimento de expansão industrial e econômica, faltava um embasamento teórico que ajudasse a dar suporte técnico e ideológico, ideias que ajudassem A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 11 11 no direcionamento das jovens nações frente ao mundo capitalista da Europa e dos EUA. Durante mais de meio século, a Cepal atuou como a principal referência na produção de conhecimento e análises sobre a condição econômica na América Latina e no Caribe. A intervenção da Cepal no debate econômico mundial contribuiu para que fossem pensadas políticas de desenvolvimento direcionadas à realidade heterogênea da AL. Ao longo de sua existência, o pensamento cepalino foi modificando-se e incorporando outros elementos analíticos, de modo a responder aos desafios conjunturais das mudanças na econômica capitalista. Havia teorizações que estabeleciam um processo ascendente por fases e etapas de desenvolvimento, o que de certa forma servia para hierarquizar o desenvolvimento econômico mundial, em países amadurecidos e países ainda em fase de amadurecimento. A Cepal, com seus autores e teóricos, irá se posicionar contrariamente a essa concepção, defendendo a necessidade de se pensar o desenvolvimento da AL a partir de suas próprias realidades e potências, e não numa perspectiva de dependência dos países industrializados. A contraposição ao alinhamento subserviente da América Latina ao capitalismo dos países desenvolvidos partiu de uma análise histórico-estrutural e da teoria do subdesenvolvimento periférico. Nesse sentido, a Cepal elaborou toda uma análise sobre a especificidade da realidade socioeconômica dos países subdesenvolvidos, propondo um conjunto de políticas visando à superação do atraso pela via da industrialização. Sua denúncia da assimetria existente nas relações econômicas internacionais, apoiada na tendência secular à deterioração dos termos de troca, e suas propostas de caráter reformista encontrariam a resistência de setores conservadores das elites latino-americanas e de alguns membros da comunidade internacional. (Nery, 2004, p. 21) O pensamento cepalino nessa fase contribuiu para uma percepção crítica em relação ao atraso econômico da América Latina e do Caribe, mostrando os fatores internos e externos, que atuavam como obstáculos ao desenvolvimento da região. Entre eles, estava o conservadorismo das elites, ainda presas à mentalidade colonial e a uma relação desigual com países mais desenvolvidos, mais interessados em conseguir recursos, do que estabelecer parceria econômica em bases de mútuas vantagens. A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 12 12 NA PRÁTICA Libertador é um filme de drama venezuelano de 2013, dirigido e escrito por Alberto Arvelo. Foi selecionado como representante da Venezuela à edição do Oscar 2015. O filme conta a história de Simón Bolívar (1783-1830) e seu papel nos processos de independência da América Latina. Com base nos estudos e leituras realizadas na disciplina, após assistir ao filme, elabore uma breve reflexão (uma página), indicando qual era o projeto de Bolívar e as razões de seu sucesso ou de seu fracasso. Link de acesso: <https://youtu.be/Tg7Vq1jlEtI>. Acesso em: 22 set. 2021. FINALIZANDO Ao final desse percurso, merecem destaque os seguintes aspectos: • O processo de colonização deixou marcas profundas na cultura e no desenvolvimento dos diversos países das américas. • Os processos de independência com seus levantes revolucionários trouxeram uma nova fase histórico, social e econômico. • A interferêncianorte-americana na AL afetou a soberania de diversos países. Governos foram desestabilizados e golpes foram incentivados e apoiados, fazendo subir ao poder diversos ditadores. • Também foi possível compreender o papel importante desempenhado pela Cepal na construção de uma percepção crítica em relação ao atraso econômico da América Latina e do Caribe, mostrando os fatores internos e externos, que atuavam como obstáculos ao desenvolvimento da região. A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 13 13 REFERÊNCIAS GASPARI, E. A ditadura escancarada. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2014. NAUROSKI, E. A. Trabalho docente e subjetividade: a condição dos professores temporários (PSS) no Paraná. Tese (Doutorado em Sociologia) – Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2014 NAUROSKI, E. A.; RODRIGUES, M. E. Pensamento social na América Latina. Curitiba: InterSaberes, 2018. NERY, T. A economia do desenvolvimento na América Latina: o pensamento da Cepal nos anos 1950 e 1990. 127 f. Dissertação (Mestrado em Relações Internacionais) – Pontifícia Universidade Católica, Rio de Janeiro, 2004. A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com PENSAMENTO SOCIAL E POLÍTICO LATINO-AMERICANO AULA 3 Prof. Everson Araujo Nauroski A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 2 CONVERSA INICIAL Nesta aula, teremos contato com reflexões que nos ajudarão a entender alguns fatores que afetaram o desenvolvimento econômico da América Latina. Veremos contribuições de pesquisadores que explicam diferentes modelos de análise na relação entre Estado, sociedade e economia. Teremos a oportunidade de compreender noções importantes como subdesenvolvimento, desenvolvimento, comércio exterior e substituição das importações. TEMA 1 – A ECONOMIA LATINO-AMERICANA APÓS A INDEPENDÊNCIA Na divisão internacional do trabalho os países da AL se mantiveram por longo tempo atrelados a uma função de produtores e exportadores de matérias-primas e alimentos para os centros industriais dos quais procediam as importações de bens manufaturados para o abastecimento dos mercados internos da região (Poletto, 2000, p. 10). O fim do período colonial e os processos de independência na América Latina fizeram surgir novas oportunidades de comércio fora do domínio da Espanha e Portugal, mas não sem a influência e a interferência de outras potências estrangeiras como Inglaterra e EUA. O fim da intermediação possibilitou o avanço e certo progresso no desenvolvimento econômico, contudo, a instabilidade política da região criou diversos obstáculos em pleno desenvolvimento nas américas. Sobre as ruínas do mundo colonial surgiram estados elitistas e excludentes, muitos deles alinhados aos interesses estrangeiros da região. Os arranjos sociopolíticos construídos no período pós-colonial pouco favoreceram para a maior participação do povo em geral. O controle dos campos e uma economia predominantemente rural restringiam o acesso à propriedade e concentrava a riqueza nas mãos das novas elites. Foi somente a partir da metade do século XIX que ocorreram fortes ondas migratórias de trabalhadores e avanços na estrutura de produção com maior industrialização e aumento do trabalho manufaturado, uma melhora que pouco afetou as condições de trabalho e a remuneração da classe trabalhadora. Apesar desses avanços, a característica dessa economia é de exportação de bens primários com pouco valor agregado. Isso significa exportar produtos não industrializados, sendo os mais comuns café, açúcar, algodão, ouro e prata. No movimento de retorno, produtos derivados eram importados como produtos manufaturados, em um ciclo de comércio muito mais favorável aos países A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 3 industrializados, que compravam mais barato a matéria-prima e vendiam muito mais caro os seus produtos, formando uma cadeia diversificada de produtos (Nauroski; Rodrigues, 2018). Figura 1 – Economia primária Créditos: T Photography/Shutterstock. Outro fator limitador do desenvolvimento industrial na AL e no Brasil foram as dificuldades internas para viabilizar investimentos na expansão da indústria nacional. Com a pouca oferta de capitais e empréstimos, boa parte dos recursos vinha da exportação, especialmente do mercado inglês, considerado o principal comprador das exportações. Desde seu início, o desenvolvimento da maioria dos países latino-americanos leva a marca da dependência em relação às economias centrais, uma situação de submissão e subalternidade ainda presente em muitos países da AL. O contexto descrito indica a persistência de uma conjuntura explicativa das razões de o processo de industrialização ser tardio na América Latina, uma relação que pode ser descrita entre: desenvolvimento e subdesenvolvimento constitui uma realidade histórica e estrutural que colocava a América Latina numa condição desigual frente ao resto do mundo capitalista. Não se tratava de escassez de recursos, mas de capacidade produtiva e potencial do A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 4 mercado interno. O subdesenvolvimento gerava um ciclo vicioso de dependência, retração e pobreza (Nauroski; Rodrigues, 2018, p. 45). Essa dinâmica de dependência e subalternidade constitui a base da economia colonial e se manteve com poucas alterações após os processos de independência. A continuidade dessa lógica é explicada pelos efeitos que provoca – favorecer as elites nacionais em sua riqueza e privilégios e limitar o fortalecimento da classe trabalhadora. O legado escravocrata na América Latina impossibilitou a criação de uma cultura industrial e a criação de um consistente mercado interno de consumo, semelhante ao que ocorreu na Inglaterra e EUA. Seria necessária uma nova relação política e social com a classe trabalhadora, possibilitando maiores ganhos salarias, organização sindical e participação política. Esses fatores combinados ajudariam a formar e a ampliar não só o mercado interno, mas poderiam fortalecer a própria soberania nacional. No entanto, o risco de ter uma classe trabalhadora empoleirada não interessava nem às elites nacionais nem às estrangeiras. TEMA 2 – ECONOMIA E O MODELO DE SUBSTITUIÇÃO DE IMPORTAÇÕES As economias periféricas obtiveram progresso técnico apenas em seus setores agroexportadores, e observam grande divergência nos outros setores produtivos de sua economia [...]. Assim, durante a evolução de longo prazo do sistema econômico mundial há uma tendência a aumentar as disparidades entre esses extremos (Bocchi; Gargiulo, 2005, p. 3). Novos ventos sopram sobre as Américas e tem início uma mudança na visão econômica do continente com o modelo que ficou conhecido como substituição das importações. Entre os fatores que contribuíram para essa mudança importante, estão as consequências geopolíticas da Segunda Grande Guerra e a crise na economia provocada pela quebra da bolsa dos EUA em 1929 e a necessidade crescente de depender menos do mercado estrangeiro. No campo político, ganha força ideias de soberania e maior independência na divisão internacional do trabalho da AL frente às potências estrangeiras. De certa forma, houve o resgate de ideias que motivaram a independência, só que agora, voltadas à proteção do Estado nacional, à necessidade de ampliar a industrialização e proteger a economia interna com tentativas protecionistas, que se fizeram necessárias na história do desenvolvimento econômico da América Latina (Nauroski; Rodrigues, 2018). A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 5 Na prática, o modelo de substituição das importações tentou aumentar a produção da indústria interna, dinamizando-ae diversificando-a de modo a criar e atender as demandas do mercado interno. Esse movimento é acompanhado da diminuição progressiva de importações, o que se faz com medidas restritivas, entre elas, o aumento de taxas de importação e controle cambiário no sentido de valorizar e fortalecer a moeda nacional. Figura 2 – Exportação/importação Créditos: Travel mania/Shutterstock. Essas medidas foram muito defendidas pela Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal). Com o avanço da globalização industrial era necessário aos países em desenvolvimento ou do terceiro mundo, expressão utilizada na época, reposicionar-se na balança comercial mundial. Ao substituir as importações por maiores investimentos na indústria nacional e nos mercados internos esses países conseguiriam aumentar seus capitais de maneira a alcançar maior desenvolvimento econômico. Essa mudança possibilitou o crescimento econômico e algumas melhorias na sociedade. Como o aumento da produção e do consumo, o Estado também aumentou sua arrecadação. Surgiram políticas que favoreceram a ampliação das políticas de Estados para investimentos em infraestrutura e melhorias em outras áreas, como saúde pública, saneamento, oferta de educação, inclusive para atender às demandas da indústria crescente. No Brasil, um dos erros desse processo foi a abertura econômica à presença de grandes empresas estrangeiras, sem que houvesse tempo para A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 6 fortalecer a capacidade produtiva e competitiva das empresas nacionais. Em face das pressões do próprio movimento da globalização econômica, a presença de grandes multinacionais alijou diversos ramos da indústria, sendo um deles o automotivo. No caso brasileiro, embora tenha ocorrido notório desenvolvimento econômico, a estrutura social desigual pouco se alterou. A herança escravocrata fortemente arraigada à cultura de trabalho contribuiu para um processo histórico de concentração de riqueza. Surge uma burguesia nacional ostentosa, mas a massa de trabalhadores e do povo pobre, em geral, não conseguiu galgar os degraus de mobilidade social ascendente, melhorando seus níveis de salário, direitos e melhor qualidade de vida. O modelo de sociedade nos parâmetros de países como Inglaterra, França e EUA permanece inalcançável. O desenvolvimento econômico da América Latina experimentou movimentos de oscilação. A pressão das economias dos países centrais do capitalismo acabou por impor o retorno ao modelo das importações, por ser um modelo mais vantajoso para suas economias. No processo de tentar ampliar e diversificar seu parque industrial, muitos países, e com o Brasil não foi diferente, acabaram por contrair volumosa dívida externa. Organismos como o Fundo Monetário Internacional (FMI), fundado em 1944, tiveram atuação estratégica na imposição de medidas para disciplinar e controlar o desenvolvimento desses países, resultando na perda relativa de soberania e pagamento de altas taxas de juros, além dependência econômica (Nauroski; Rodrigues, 2018). TEMA 3 – A CONTRIBUIÇÃO DE CELSO FURTADO O Brasil enriqueceu, desenvolveu-se, mas mantém sua subordinação aos grandes centros, às decisões negociadas fora do país. (Celso Furtado, [S.d.]) O percurso histórico-econômico de análise e compreensão da América Latina foi e ainda é objeto de inúmeros estudos. Dentre diversos autores de reconhecida contribuição trazemos a figura de Celso Monteiro Furtado (1920- 2004). Economista com sólida formação histórica, Furtado contribuiu ativamente com as pesquisas e as produções no pensamento Cepalino. Segundo o autor, a compreensão da histórica econômica latino-americana pode ser explicada pela dinâmica centro-periferia, sendo o centro os países com avançada industrialização e a preferia os países subdesenvolvidos ou em A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 7 desenvolvimento. Essa lógica explica a relação predominante de dependência e a necessidade de superá-la com a implantação do nacional- desenvolvimentismo, modelo defendido por Furtado. Medidas econômicas nessa direção foram adotadas no Brasil a partir da década de 1950, período de grande expansão da indústria nacional e melhorias no poder aquisitivo da classe trabalhadora. Apesar dos avanços identificados, é preciso ter em mente que o sistema capitalista para sobreviver tende a reproduzir suas relações em diferentes níveis de crescimento. Enquanto expande suas fronteiras e proporciona riqueza aos que controlam os meios de produção, ele não acontece com a massa de trabalhadores que só têm a força produtiva para oferecer. O subdesenvolvimento tem sido a marca desse sistema na periferia do mundo, naqueles países nos quais a participação na economia global tem sido oferecer mão de obra e matéria-prima. Figura 3 – Capitalismo e sociedade Créditos: nuvolanevicata/Shutterstock. No processo histórico, o subdesenvolvimento se tornou o resultado da expansão da Revolução Industrial no século XVIII. O capitalismo projeta na sociedade um reflexo de si mesmo, criando contradições, diferenças, tensões e conflitos. Para Furtado, as economias subdesenvolvidas se caracterizam por essa deformação estrutural, num dualismo entre o “arcaico” e o “moderno”, tendo como consequência desequilíbrios sociais, políticos e econômicos, além da dependência externa. Embora estas economias fossem capazes de se industrializar (como o Brasil, por exemplo), elas estavam sujeitas a A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 8 seguirem trajetórias distintas das dos países desenvolvidos, o processo não seria automático. Inclusive, o autor salienta que a industrialização nestes locais quando não bem direcionada e planejada gera disparidades microrregionais – como as diferenças entre os centros urbanos e o interior. O aumento de produtividade e a assimilação de novas técnicas elevam o nível de vida médio da população, mas por si só não conduzem à homogeneização social. Na teoria de Furtado, o desenvolvimento estaria atrelado ao incremento da eficácia do sistema social de produção, a da satisfação de necessidades elementares da população e a da consecução de objetivos a que almejam grupos dominantes de uma sociedade e que competem na utilização de recursos escassos. A terceira dimensão é, certamente, a mais ambígua, pois aquilo a que aspira um grupo social pode parecer para outros simples desperdício de recursos. Daí que essa terceira dimensão somente chegue a ser percebida como tal se incluída num discurso ideológico (Furtado, 2000, citado por Nauroski; Rodrigues, 2018, p. 59-60). Para Furtado, o capitalismo moderno não teria se desenvolvido sem a ajuda do Estado liberal. Ao considerar as profundas desigualdades da América Latina, Furtado assinala que o desenvolvimento econômico precisa ser traduzido em desenvolvimento social. O Estado precisa ser capaz de induzir o crescimento e desenvolvimento econômico, mas também estabelecer limites e normas ao capitalismo. O mercado livre, sem o Estado para mediar sua relação com a sociedade, tende a centrar-se sobre sua própria lógica de acumulação. O crescimento econômico precisa trazer benefícios não somente aos capitalistas, mas ao conjunto da sociedade, principalmente aos trabalhadores, sem os quais não é possível a extração da mais-valia e a obtenção do lucro (Nauroski; RodrigUES, 2018). TEMA 4 – A CONTRIBUIÇÃO DE FRANCISCO DE OLIVEIRA Os Estados Unidos, a meu ver, desempenham ativamente o papel de centro cíclico principal, não só no continente, mas em todo o mundo; e os países latino-americanos estão na periferia do sistema econômico [...] (Prebisch citado por Rodríguez,1981, p. 34-35). Intelectual, professor e militante político, Francisco Maria Cavalcanti de Oliveira, ou Chico deOliveira, como era mais conhecido, nasceu em 1933, na cidade de Recife e morreu em 2019, com 85 anos, em São Paulo. Ao analisar o desenvolvimento industrial brasileiro, Oliveira identifica a década de 1930 como um marco histórico de transformação econômica. Seus estudos sobre a história econômica brasileira e latino-americana o levaram a posicionar-se de maneira crítica em relação à tese da Cepal, a qual já apresentamos anteriormente, de que a saída do subdesenvolvimento da maioria dos países da AL só seria A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 9 alcançada com a mudança para a substituição das importações e o consequente investimento na indústria nacional e mercado interno. Na concepção de Oliveira, em função da crise de 1929 que levou a uma recessão global, os países subdesenvolvidos tiveram ainda mais dificuldades de investimento e acumulação de capital. Situação agravada ainda mais pelos efeitos da Segunda Guerra Mundial, que abalaram os mercados mundiais, fazendo com que os países mais afetados pela guerra buscassem medidas de proteção de suas economias, restringindo a importação e buscando retomar a indústria e o mercado interno. O resultado foi uma maior diminuição do comércio exterior e controle alfandegário, com a imposição de limitações e taxações para a entrada de produto estrangeiros. Oliveira busca analisar essa conjuntura histórica e seus desdobramentos propondo uma chave analítica denominada de razão dualista. O Brasil, por conta de sua trajetória colonial e escravocrata de longa duração, adentrou no capitalismo de maneira tardia e com características muito diferenciadas em relação ao capitalismo europeu e norte-americano, o que já explicamos ao falar das dificuldades de estabelecer uma classe trabalhadora com massa salarial em condições de alavancar o mercado interno. No Brasil, o consumo sempre teve um caráter elitista e restritivo. A ideia analítica da razão dualista proposta por Oliveira assinala que no Brasil persiste uma dinâmica complexa e perversa entre o atrasado e o moderno. Apesar da crescente industrialização e modernização da produção, com novas máquinas, novos processos, incremento e aceleração produtiva, por um lado, e por outro, o mundo do trabalho sendo mantido em condição deficitária e atrasada, com condições precárias de labor e baixos salários, conjuntura desfavorável ao surgimento de uma sociedade de consumo ampla e generalizada. Essa contradição entre o moderno e o atrasado favorece a exploração e a geração de pobreza na ponta, e acumulação na outra. A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 10 Figura 4 – Pobreza extrema Créditos: Tinnakorn jorruang/Shutterstock. A situação de desigualdade crônica cria obstáculos ao caminho do desenvolvimento. Não existe capitalismo moderno sem consumo massificado, e não existe consumo massificado sem poder de compra do mundo do trabalho. Eis a contradição ainda presente no desenvolvimento econômico brasileiro. As elites se valem do mundo político para influenciar na criação de leis vantajosas ao capital e prejudicial aos trabalhadores com o aumento da precarização das condições de trabalho, retirada de direitos e estagnação de ganhos salariais. Para Oliveira (2003, p. 49-50), nas relações concretas, o que existe, de fato, é uma importante massa urbana, força de trabalho industrial e de serviços, e se é importante manter baixo o custo de reprodução dessa força de trabalho a fim de não ameaçar a inversão, tornasse inevitável e necessário produzir bens internos que fazem parte do custo da reprodução da força de trabalho; o custo de oportunidade entre gastar divisas para manter a força de trabalho e produzir internamente favorece sempre a segunda alternativa e não a primeira. No Brasil, também foi assim: começou-se a produzir internamente em primeiro lugar os bens de consumo não duráveis destinados, primordialmente, ao consumo das chamadas classes populares (possibilidade respaldada, além de tudo, pelo elenco de recursos naturais do país) e não o inverso, como comumente se pensa. Em síntese, para Oliveira, na prática, o consumo interno das camadas mais populares não foi suficiente, ficou restrito a uma gama de produtos não duráveis, de baixo custo sem que esse mercado pudesse de fato alavancar o desenvolvimento da economia interna. No Brasil, parece nunca ter existido por parte das elites, leia-se, burguesia nacional, algum tipo de senso cívico e patriótico capaz de fazer com que os ricos tivessem, de fato, uma preocupação A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 11 com o melhoramento do povo e da sociedade em geral. A acumulação sempre esteve associada ao aumento dos mecanismos de exploração, obstaculizando sempre que possível a distribuição de renda via salário. TEMA 5 – A CONTRIBUIÇÃO DE MARIA DA CONCEIÇÃO TAVARES “Pode-se crescer indefinidamente, sem que sejam criadas condições de distribuição da riqueza produzida”. De nacionalidade portuguesa, Maria da Conceição Tavares, doravante representada pela sigla MCT, estudou em Lisboa e no período mais intenso da ditadura salazarista teve que fugir para o Brasil, no qual fez carreira intelectual, como docente e escritora. Sua formação política e econômica a aproximaram dos movimentos sociais e da militância política. A trajetória de MCT e seu legado como pesquisadora a colocaram como uma das mais respeitadas estudiosas do desenvolvimento econômico da América Latina. No período em que esteve na Cepal, sua análise procurou evidenciar o quanto as relações assimétricas de poder entre os países centrais e periféricos do capitalismo impactava no desenvolvimento desses últimos, principalmente nas limitações internas ligadas à trajetória histórica de cada país, mas sobretudo nas relações com a economia externa e na divisão internacional do trabalho, em que, no jogo geopolítico da economia global predominam os interesses e a influência dos países mais fortes. Esses fatores contribuíram para explicar que o processo de desenvolvimento econômico mundial segue ritmos e trajetórias diferenciadas, onde alguns países têm mais vantagens que outros, não somente por fatores internos, como industrialização e mercado, mas também por questões ideológicas em relação a estabelecer uma divisão internacional entre o centro e a periferia do mundo capitalista. Para MCT, a posição estratégica que foi ocupada por Inglaterra, Japão e EUA contribuiu com a estruturação de uma dinâmica de poder muito mais favorável às economias centrais, mantendo uma relação de imposição e dependência no sistema periférico do capitalismo. MCT também chegou a sinalizar uma tendência mundial de aumento de concentração de capitais, aumento da economia especulativa e financeira e progressiva retração da economia produtiva. A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 12 Outro grande tema que ocupou seus estudos foi o processo de formação de oligopólios envolvendo empresas estrangeiras e enfraquecimento de empresas nacionais, ou seja, para MCT, a lógica de competição desigual que acontece no plano comércio exterior acaba refletindo nos mercados nacionais. O processo de globalização e abertura da economia impositiva que ocorreu na maioria dos países da América Latina tendeu a favorecer as empresas estrangeiras em detrimento das empresas nacionais. No Brasil, isso pode ser observado em segmentos como automotivo, mineração e tecnologia. Figura 5 – Poder bélico norte-americano Créditos: Yeongsik Im/Shutterstock. Outro tópico que recebeu muita atenção dessa autora foi pensar a relação entre economia e política. Sua atenção se voltou ao peso e influência dos EUA, que ela a chamou de nação do dinheiro e da guerra. Primeiro, pelo peso que o PIB americano temnas relações comerciais mundiais, imposição do dólar como moeda de troca hegemônica, e ainda por representarem um parceiro comercial estratégico importante, que ninguém quer perder, a ponto de o mundo ocidental aceitar mesmo sob protestos, o bloqueio econômico imposto à Cuba que já dura mais de 60 anos. Seria melhor deixar os cubanos à própria sorte que perder parcerias com os EUA, ou pior: ser objeto de suas retaliações. Além da questão econômica, o fato de os EUA ainda serem a maior potência bélica mundial os A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 13 coloca como fiéis da balança na maioria das relações internacionais, algo que na atualidade tem sido mitigado, haja vista o redesenho de um mundo multipolar com o crescimento de poder e influência mundial da Rússia e China. NA PRÁTICA Com base nos estudos realizados, pesquise sobre a Área de Livre Comércio das Américas (Alca). Após sua pesquisa, posicione-se trazendo argumentos sobre a criação da Alca, indicando suas vantagens e desvantagens para o desenvolvimento econômico do Brasil. Sugerimos que você assista ao debate disponibilizado a seguir: • ALCA - DEBATE - PARTE 1 - ÁREA DE LIVRE COMÉRCIO DAS AMÉRICAS. ARMANDO. Disponível em: <https://youtu.be/m9YA0K4OIrw^>. Acesso em: 14 out. 2021. • LCA - DEBATE - PARTE 2 - ÁREA DE LIVRE COMÉRCIO DAS AMÉRICAS. ARMANDO. Disponível em: <https://youtu.be/Zq- AZQq9Eg8/>. Acesso em: 14 out. 2021. FINALIZANDO Em nossos estudos, foi possível construir uma reflexão sobre os seguintes temas: • Após os processos de independência na América Latina, teve fim o domínio direto de Espanha e Portugal, porém, surgem outras influências estrangeiras no continente; • Predominou um modelo econômico de exportação primária, baixa industrialização e dependência das exportações externas, • Com a mudança no modelo econômico, ocorreu uma progressiva substituição das importações com efeitos positivos na industrialização e criação de mercado interno, mesmo que ainda incipiente; • A contribuição de Celso Furtado busca explicar a continuidade do subdesenvolvimento na AL com base na relação centro-periferia explicando o peso e a influência dos países centrais do capitalismo; • Para Francisco de Oliveira, no Brasil persiste uma dinâmica complexa e perversa entre a modernidade do aumento da industrialização e atraso em relação à valorização do mundo do trabalho; A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 14 • Segundo Maria da Conceição Tavares, o processo de globalização e abertura da economia impositiva que ocorreu na maioria dos países da América Latina tendeu a favorecer as empresas estrangeiras em detrimento das empresas nacionais. A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 15 REFERÊNCIAS BOCCHI, J. I; GARGIULO, F. F. Desenvolvimentismo e a CEPAL: da industrialização por substituição de importações à transformação produtiva com equidade. Disponível em: <http://www.pucsp.br/iniciacaocientifica/21encontro/artigos-premiados- 20ed/FELIPE_FREITAS_GARGIULO.pdf>. Acesso em: 2 maio 2021. NAUROSKI, E. A.; RODRIGUES, M. E. Pensamento social na América Latina. Curitiba: InterSaberes, 2018. OLIVEIRA, F. M. C. Crítica à razão dualista. O Ornitorrinco. São Paulo: Boitempo Editorial, 2003, p. 49. POLETTO, D. Walmor. A Cepal e a América Latina. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2000. RODRÍGUEZ, O. Teoria do subdesenvolvimento da Cepal. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1981. A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com CONVERSA INICIAL A noção de desenvolvimento vai além do aspecto econômico, envolvendo outras dimensões da vida social e uma compreensão interdisciplinar do ser humano. O estudo dessa temática tem recebido a contribuição das ciências sociais e de diversas outras instituições de pesquisa, como o Cepal, que, ao longo de várias décadas, realiza estudos e debates para pensar o desenvolvimento no contexto histórico e econômico da América Latina. Além desses assuntos, ao longo dessa aula, estudaremos também a teoria da dependência e as hipóteses da conexão entre a expansão capitalista nas economias centrais e o subdesenvolvimento na periferia do capitalismo. Por fim, veremos que as questões que envolvem o desenvolvimento econômico e social perpassam diferentes modelos e perspectivas, entre elas a liberal, a social-democracia e a neoliberal. TEMA 1 – DESENVOLVIMENTO UMA CATEGORIA PLURAL Quando falamos em desenvolvimento, é comum associar essa palavra ao campo econômico, principalmente nos estudos socioeconômicos, relacionando esse termo a questões industriais, comerciais e diversos processos relacionados ao crescimento econômico. Vale ressaltar que a categoria de desenvolvimento possui relação direta com as questões culturais, sociais, psicológicas e educacionais, evidenciando o caráter multidimensional desse tema. Neste tópico, iremos abordar alguns aspectos do desenvolvimento para além das questões econômicas, trazendo a contribuição da sociologia, da filosofia e da história, num esforço de oferecer aos leitores uma reflexão de viés interdisciplinar, dada a complexidade do tema em relação à configuração das sociedades contemporâneas face ao acelerado processo de globalização, que: [...] evidencia as desigualdades que retratam as deficiências do ordenamento social, das concepções de justiça e as disparidades entre o progresso econômico, a opulência e a pobreza. De outra parte, oferece as condições para a maior e melhor integração entre os povos, culturas e a consequente expressão e respeito das diferenças. (Boff, 2012, p. 108) No contexto de uma globalização cada vez mais competitiva envolver a América Latina, torna-se necessário relacionar as questões do desenvolvimento com assuntos nem sempre fáceis de serem tratados, por sua natureza polêmica A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 3 e controversa, como ética e sociabilidade, desigualdade social, assimetria de poder entre os países, conflitos de classes, concentração de renda e miséria, corrupção e guerras. Podemos nos indagar sobre como muitos países da América Latina poderão atingir um nível satisfatório de desenvolvimento, considerando as profundas contradições da vida social no plano nacional e internacional. Um país bem desenvolvido tende a manifestar altos índices de desenvolvimento humano e boas condições de infraestrutura, oferta de esgoto e água tratada a toda população, acesso a diretos sociais como saúde e educação de qualidade, garantia de assistência a doentes idosos, atenção ao especial as crianças, gestantes e estudantes. No plano econômico, nos países mais desenvolvidos, o desenvolvimento se traduz em proteção ao mundo do trabalho, espaço e valorização da atuação dos sindicatos, salários mais dignos e, consequentemente, uma economia mais dinâmica e menos desigual. Em diversos países, essa noção ampliada de desenvolvimento pode ser constatada, principalmente nos países onde predomina um modelo de social- democracia em que o Estado é forte e atuante, garantindo boas condições de vida e bem-estar à sua população. Para citar alguns exemplos, temos a Dinamarca, Noruega, Islândia, Portugal e Alemanha, além de vários outros. Em comum entre essas nações, existe menos desigualdade e maior equidade fiscal e tributária conforme a proporção de ganhos e renda, um sistema altamente funcional em decorrência da escolarização e formação cultural da maioria dos cidadãos e sua participação mais efetiva na vida social e política. Cidadãos mais conscientes e participativos à própria classe política refletem o perfil dos eleitores. Da combinação desses fatores, decorrem índices mínimos de corrupção, com maior controle e transparência nas açõesdo poder público. Nesses países, existe um conjunto de características que se diferencia bastante do que conhecemos da realidade política brasileira, na qual a elite econômica e a classe política em geral têm seus próprios interesses, não fazendo parte de suas prioridades o bem-estar da população. Face ao exposto até aqui, fica evidente que tratar do tema do desenvolvimento envolve ampliar e tocar a fundo em certas questões, algumas já aventadas anteriormente, bem como pensar e propor em maneiras de A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 4 enfrentá-las, seja no campo das lutas sociais, seja no campo político e legislativo com a aprovação de leis em defesa do interesse público. Figura 1 – Amartya Sen Crédito: Dinodia Photos / Alamy / Fotoarena. Um dos autores de reconhecida contribuição sobre esse tema, o pensador indiano Amatya Sen (2000), busca articular, de maneira interdisciplinar, o desenvolvimento econômico, o bem-estar social e os direitos humanos. Para Sen, o crescimento econômico precisa ser visto com um meio em benefício da sustentabilidade geral, da ampliação das liberdades humanas, de maneira a garantir uma vida melhor para os seres humanos sem descuidar da base ecológica que dá sustentação à vida no planeta. Na abordagem de Sen (2000), está a contraposição da visão especista e antropocêntrica, fonte causadora da maioria dos problemas ambientais na atualidade. É preciso recolocar a questão do desenvolvimento no plano ético e social, subordinando a economia e o mercado ao bem-estar das pessoas e do planeta. A metodologia da chamada ‘economia positiva’ não apenas se esquivou da análise econômica normativa como também teve o efeito de deixar de lado uma variedade de considerações éticas complexas que afetam o comportamento humano real e que, do ponto de vista dos economistas que estudam esse comportamento, são primordialmente fatos e não juízos normativos. Examinando as proporções das ênfases A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 5 nas publicações da economia moderna, é difícil não notar a aversão às análises normativas profundas e o descaso pela influência das considerações éticas sobre a caracterização do comportamento humano real. (Sen, 2000, p. 27) Não é difícil entender esse descompasso existente entre crescimento ecônomo e desenvolvimento social e humano. Ora, a economia em geral é o reflexo do mundo corporativo, de grandes empresas nacionais e multinacionais, empresas controladas por tecnocratas na operatividade do lucro como meta principal. O que mais importa é o retorno aos acionistas que a satisfação geral da sociedade. TEMA 2 – CONTRIBUIÇÕES ATUAIS DO PENSAMENTO CEPALINO A partir da década de 2000, o foco dos estudos e discussões da Cepal passaram trazer novos elementos, buscando pensar a relação entre produção, desenvolvimento e equidade. Os estudos da Cepal identificaram um acentuado crescimento econômico em relação a exportação de commodities, isto é, de produtos da economia primária como culturas agrícolas e minérios, conseguindo, além da obtenção de ganhos crescentes, ampliação do polo industrial e tecnológico. Mesmo diante desse crescimento econômico, a riqueza gerada permaneceu restrita aos segmentos elitizados, mantendo quase inalterada a situação de extrema desigualdade. Aos poucos, o enfoque da Cepal passou incorporar outros elementos que não os de ordem econômica, como a atuação do Estado e outras forças sociais na construção de uma maior equidade na distribuição dos recursos e riquezas produzidas na América Latina. As abordagens analíticas mais contemporâneas da Cepal, como as trazidas pelo documento de 2010 intitulado “A hora da igualdade, entre rechas por fechar e caminhos por abrir”, estabelecem uma série de fatores presentes em sociedades menos desiguais, sendo a democracia e as liberdades civis os mais impactantes na construção de uma sociedade mais justa e igualitária. A mudança de enfoque da instituição inaugura uma nova fase de pressupostos e posicionamentos, tendo, na noção de igualdade de direitos e na promoção de bem-estar, elementos culturais e de sociabilidade que promovem: maior sentido de pertencimento à sociedade e, com isso, maior coesão social [...]. Em segundo lugar, uma sociedade mais integrada é condição para uma sociedade mais produtiva e com maior convergência produtiva. [...] Em terceiro lugar, maior igualdade no A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 6 âmbito dos direitos sociais permite maior igualdade em termos de voz e visibilidade políticas. Dito de outro modo, uma maior integração ao trabalho digno, à educação de qualidade, à informação e ao conhecimento e às redes de proteção e interação sociais permite melhorar a capacidade dos cidadãos para participação em instituições políticas e sindicais, no diálogo público, no voto informado, no uso do conhecimento para fazer valer seus direitos no acesso a associações civis e no intercâmbio cultural. [...] Em quarto lugar, a experiência de crises anteriores na América Latina e no Caribe mostra que seu impacto na pobreza, no bem-estar e na inclusão social geralmente é mais profundo e duradouro que aquele encontrado na dinâmica da economia. (Cepal, 2010, p. 40-41) O posicionamento da Cepal eleva o tom contra os mecanismos estruturais que atuam de modo a reproduzir a desigualdade social e econômica, tornando o crescimento econômico um fator de desenvolvimento restritivo e elitista. A dinâmica sistêmica do capitalismo, sem freios e limites, tende a promover a exclusão de uma grande massa de pessoas. O tecido social acaba se esgarçando, comprometendo a coesão e a funcionalidade da vida social. No limite, associados à situação de pobreza e exclusão proliferam altas taxas de delinquência e criminalidade, o que fornece a justificativa para que governos pouco democráticos se tornem ainda mais punitivos. Em muitos países da América Latina, o poder econômico se apropria das estruturas do Estado para promover seus interesses. Seja por meio de financiamento de campanhas eleitorais ou atuação de lobbies, o poder do dinheiro tem condicionado as ações dos governos de plantão. Figura 2 – Pirâmide social Crédito: Aha-Soft/Shutterstock. A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 7 Os argumentos da Cepal avançam para incorporar, além da equidade, condições estruturais para a promoção da igualdade como um amplo projeto político e social, visando, com isso, não apenas corrigir lacunas em termos de oportunidades, mas também: [...] contar com um claro compromisso do Estado para redistribuir os frutos do desenvolvimento, buscar um maior equilíbrio na distribuição dos fatores de produção e no aproveitamento dos ganhos de produtividade por esses fatores, definir um marco normativo explícito de direitos sociais que leve ao estabelecimento de pactos fiscais em torno da prestação de serviços universais e estar mais aberto a pensar não apenas em pisos e mínimos, mas também em tetos e máximos. (Cepal, 2012, p. 14) Trata-se de uma mudança de paradigma na abordagem cepalina ao postular que o aumento da produção e o incremento tecnológico não serão suficientes para transpor a contradição entre a existência de centros tecnológicos altamente produtivos e de áreas inteiras, nacionais e transnacionais, de setores de economia primária subdesenvolvidas. Esse cenário ilustra a condição de muitos países da América Latina, onde, de maneira perversa, coexistem desenvolvimento e subdesenvolvimento, centros urbanos ricos e periferias pobres com vida social precária. A ideia do crescimento econômico guiado pelo princípio da igualdade promove uma perspectiva integrada de desenvolvimento em diferentes áreas – social, cultural, ambiental e política. Um desenvolvimento voltadoao bem-estar humano acolhe e dialoga com diversas pautas da sociedade, como as questões identitárias. TEMA 3 – A PERSPECTIVA DA TEORIA DA DEPENDÊNCIA A partir da década de 1960, mudanças substanciais ocorreram em toda a América Latina, principalmente pelo impulso da ampliação da industrialização e maior presença do capitalismo nas economias e na sociedade. Uma nova cultura de consumo e sociabilidade vai sendo criada. Os processos de substituição das importações, o crescimento econômico da região e um aumento substancial no mercado interno fez com que novas teorias e abordagens da economia surgissem. Devido aos impactos da crise econômica de 1929 e da recessão trazida pela Segunda Guerra Mundial, o que se viu foi uma nova onda de globalização ganhar força no mundo ocidental. A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 8 Como líderes do mundo capitalista nas américas, os EUA despontam, expandido sua influência política e econômica, em uma agenda de ações estratégicas que ficou conhecida como acordo ou sistema Breton Woods. Entre as medidas a serem implementadas, foi construída uma forma de gerenciamento econômico internacional com a cooperação monetária entre as nações capitalistas mais desenvolvidas. Foi nesse contexto de expansão do capitalismo mundial e influência assimétrica por parte das nações mais industrializadas que surge a teoria da dependência. Para Theotônio dos Santos (1996): Se a teoria do desenvolvimento e do subdesenvolvimento eram o resultado da superação do domínio colonial e do aparecimento de burguesias locais desejosas de encontrar o seu caminho de participação na expansão do capitalismo mundial; a teoria da dependência, surgida na segunda metade da década de 1960, representou um esforço crítico para compreender a limitações de um desenvolvimento iniciado num período histórico em que a economia mundial estava já constituída sob a hegemonia de enormes grupos econômicos e poderosas forças imperialistas, mesmo quando uma parte delas entrava em crise e abria oportunidade para o processo de descolonização. A teoria da dependência nos ajuda a compreender a lógica operativa do capitalismo central em relação aos países de economias periféricas. Os países com maior poder político e econômico não têm interesse que os países em desenvolvimento consigam atingir níveis avançados de industrialização e soberania econômica. A própria inserção do Brasil na economia mundial se deu de maneira tardia e dependente. A burguesia nacional brasileira, herdeira do ranço escravocrata, nunca apostou no desenvolvimento nacional do país. De acordo com Nauroski e Rodrigues (2018, p. 69), “o resultado dessa dinâmica, segundo o autor, é que o capitalismo quase sempre se constrói numa dialética cruel, pois, enquanto produz o desenvolvimento em uma região, gera exploração e pobreza em outra, estando ambas relacionadas pela lógica de ganhar e perder.” Em resumo, na ótica da teoria da dependência, existe uma conexão necessária entre a expansão capitalista nas economias centrais e o subdesenvolvimento na periferia do capitalismo. No processo de expansão do capitalismo, processa-se uma dialética perversa entre desenvolvimento e subdesenvolvimento. Esse processo tende a ser explicado e justificado como sendo uma etapa necessária à evolução do desenvolvimento econômico A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 9 naqueles países cuja inserção na modernidade econômica-industrial se deu ou está se dando tardiamente. Essa dialética externa, reproduzida na esfera macroeconômica e no plano geopolítico, também pode ser observada no plano interno das nações da periferia do capitalismo, algo perceptível na realidade brasileira, em que a dependência se coloca no plano social, com a dependência de grande parte da sociedade marginalizada das políticas de assistência. Acontece também, no plano ideológico, com o que, de maneira recorrente, tem sido caracterizada como Complexo de Vira-lata, o que significa o desprezo pelo povo, pela pátria, pelos elementos da vida nacional, e verdadeira idolatria daquilo que advém da cultura estrangeira, especialmente da cultura norte- americana. Entretanto, a dependência estaria incompleta sem considerarmos a posição quase insignificante da maioria dos países latino-americanos no plano geopolítico mundial, uma condição que tentou ser mitigada com iniciativas como as do Mercosul e a boicotada tentativa de formar uma coalisão entre países de economia emergentes como Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Essa iniciativa tinha como um de seus objetivos unir força e recursos de maneira contrabalançar o jogo econômico e político com os EUA e a União Europeia. A teoria da dependência não é uma construção monolítica, mas possui correntes divergentes, as quais poderiam, ainda que com alguma injustiça, serem da seguinte forma caracterizadas por Dos Santos (2000): No seu conjunto, o debate científico latino-americano revela sua integração numa forte perspectiva transdisciplinar. Não foi sem razão que a América Latina (que já revelara ao mundo um autor marxista tão original como Mariátegui, nos anos 20) produziu, nas décadas de 30, 40 e 50, pensadores sociais tão originais como Gilberto Freire (que praticava uma sociologia de forte conteúdo antropológico, ecológico, psicanalítico e histórico que encantou grande parte do pensamento europeu), como Josué de Castro (que aliava uma excelente formação nas ciências da vida, na medicina, na ecologia e na geografia humana com um enfoque econômico, sociológico e antropológico extremamente moderno – inspirador de grande parte do debate mundial não só sobre a fome e sua geopolítica, mas sobre o subdesenvolvimento como fenômeno planetário e da relação entre ecologia e desenvolvimento), como Caio Prado Júnior (cujo marxismo – às vezes estreito metodologicamente – não o impediu de desenvolver uma obra histórica de grande profundidade sobre as raízes da sociedade colonial e sobre o caráter da revolução brasileira), como Guerreiro Ramos (cujas raízes existencialistas o permitiram pensar de maneira pioneira o nascimento do movimento negro contemporâneo além de iluminar o conteúdo civilizatório da luta do Terceiro Mundo), como Raul Prebisch (cuja visão econômica transcendia o economicismo tradicional e revelava fortes implicações sociais e políticas – iluminadas pelos brilhantes “insights” do sociólogo hispano- latinoamericano Medina Echevarría); como um Sergio Bagú (que A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 10 descobre o caráter capitalista do projeto colonial ibérico, através de uma metodologia de análise marxista modernizada pelos avanços recentes das ciências históricas e sociais), como Florestan Fernandes (cujo esforço metodológico de integrar o funcionalismo de origem durkheimniano, o tipo-ideal weberiano e a dialética materialista marxista talvez não tenha tido os resultados esperados, mas impulsionou um projeto filosófico-metodológico que vai se desdobrar na evolução do pensamento latinoamericano como contribuição específica às Ciências Sociais Contemporâneas); ou como um Gino Germani (que logrou sistematizar o enfoque metodológico das ciências sociais norte-americanas com o seu liberalismo exacerbado na criação de um modelo de análise do desenvolvimento como processo de modernização). A pluralidade de posições em relação à perspectiva da dependência indica a potencialidade do debate na compreensão da posição da América Latina na economia internacional. Em resumo, fica evidenciado, numa contextualização histórica, desde a transição da economia colonial para a capitalista, que os processos de independência tiveram a marca da influência estrangeira e da imposição de relações assimétricas, fazendo com que a economia latino- americana ficasse refém da expansãocapitalista dos países desenvolvidos de modo a atender as demandas da Europa e dos EUA. Mesmo após a mudança com a substituição das importações, o que implicou no aumento das taxas de industrialização e crescimento do mercado interno, a tendência de acumulação não só não possibilitou a superação da desigualdade, mas acabou por aumentar a exclusão social. O desenvolvimento dependente acontece tanto no plano externo quanto interno, formando-se uma dinâmica perversa de concentração e exclusão. Com a intensificação da globalização e a tendência a financeirização do e internacionalização do capital, a situação do desenvolvimento dependente da América Latina se tornou ainda mais problemática. A partir da década de 1990, com o avanço das políticas e os ajustes neoliberais, as economias nacionais da América Latina continuaram distantes do moderno capitalismo nos moldes europeus e norte-americano. A máxima concentração de riquezas, o desemprego, o aumento da pobreza e da miséria, o retraimento da presença e a atuação do Estado e a negação sistemática da universalização de direitos sociais ao conjunto da população explicita o paradoxo do capitalismo dependente. A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 11 TEMA 4 – DEPENDÊNCIA E DESENVOLVIMENTO Desde os anos 1990, o legado das reformas neoliberais na América Latina tem sido marcado pelas contradições, pela desigualdade crescente, pelo crescimento econômico sem distribuição de renda e pelas crises cíclicas na economia. Em relação ao posicionamento da Cepal, faltou uma crítica mais contundente ao ideal de que seria possível o desenvolvimento da América Latina, mesmo a partir das reformas neoliberais e da continuidade da lógica de dependência. A posição da Cepal sequer acenou uma ruptura com capitalismo ou uma necessária revolução social. Apesar dessa contradição, seus documentos mais recentes defendem uma reorientação das economias latino-americanas que em muito se aproximam da social-democracia e da construção efetiva de um Estado de bem-estar social, semelhante ao que se tem em muitos países europeus. O capitalismo latino-americano deveria se modernizar rumo à uma maior autonomia e independência de sua indústria e fomento de seu mercado interno, o que demandaria maior atuação do Estado, como agente indutor do crescimento e construção e promotor de políticas públicas de proteção e inserção social das massas de excluídos. A construção de um projeto de desenvolvimento para América Latina e Caribe com perfil de maior soberania poderia alavancar transformações na vida social com a progressiva diminuição dos contrates existentes. Para citar um dado da Cepal, quase 7% de todo o PIB latino-americano é sonegado na forma de impostos e tributos que poderiam ser utilizados no combate à desigualdade. Por isso, não se pode separar a discussão econômica da discussão política, sendo mais apropriado falar em economia política. Segundo uma perspectiva compartilhada pela Secretária Executiva da Cepal “Alicia Bárcena”: a economia política de sociedades altamente desiguais e a cultura do privilégio são obstáculos para avançar a um desenvolvimento com igualdade. A região herdou os vestígios coloniais de uma cultura do privilégio que naturaliza as hierarquias sociais e as enormes assimetrias de acesso aos frutos do progresso, a deliberação política e os ativos produtivos. Devemos consolidar uma cultura de igualdade de direitos que está na direção diametralmente oposta à cultura do privilégio. (Cepal, s/p. 2018) Superar a cultura e as estruturas de dependência, tanto no plano externo quanto interno, requer um esforço conjunto da sociedade civil organizada, mas, A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 12 sobretudo, de ações de Estado como agente indutor de políticas no campo social, político e cultural. Para Nauroski e Rodrigues (2018, p. 45-47): Na perspectiva da CEPAL, a dinâmica interna das economias da América Latina, por serem heterogêneas e ainda dependentes das economias centrais, não conseguem romper com essa condição de dependência, a ponto de alavancar um processo de desenvolvimento contínuo. A dificuldade de fortalecer o processo industrial nos países com aumento de produção industrial de produtos com maior valor agregado afeta seus mercados e não gera uma massa de trabalhadores com maior poder de compra. Essa dificuldade estrutural coloca as economias desses países na direção de seguir somente como exportadores de produtos primários. O argumento cepalino coloca que, além de ações de Estado na direção de fomentar políticas de desenvolvimento, seria necessária uma reorientação dos investimentos do capital externo, de modo a ajudar na capacidade de investimento industrial das empresas nacionais. Trata-se, porém, de algo que não acontecia, pois as empresas estrangeiras ao transnacionalizar suas atividades e indo se instalar nos países da América Latina, exigiam uma contrapartida na forma de isenções e investimentos em infraestrutura. Isso a curto e médio prazo fragilizava ainda mais a capacidade de investimentos na indústria nacional. A pouca poupança interna e uma cultura política “frouxa” em termos cívicos e nacionalistas forneciam ainda mais obstáculos para um projeto continental e nacional de independência econômica frente às potencias econômicas mundiais. Construir um processo de industrialização constante e progressivo permanecia como desafio, num sistema a partir do qual a periferia pudesse romper com a dependência. Tornava-se cada vez mais premente produzir bens com valor agregado, ampliar o mercado interno, elevar salários e consolidar seu mercado interno. Essa dinâmica, inclusive ajudaria a proteger as economias da AL frente às crises cíclicas do capitalismo, ao depender menos da exportação de produtos primários em vista do crescimento de seus mercados internos. TEMA 5 – O DESENVOLVIMENTO E O ESTADO DE BEM-ESTAR SOCIAL O mundo não é governado do alto de forma que o interesse particular e o social sempre coincidam (Kynes, 1984, p. 120). Numa definição simplificada, Estado de Bem-Estar Social se traduz num modelo político e social, no qual o Estado assume o protagonismo do desenvolvimento social e econômico. Mesmo no contexto de uma economia de mercado, o Estado atua disciplinando as relações econômicas e protegendo o mundo do trabalho, um modelo que tomou forma a partir da década de 1930 numa tentativa de evitar crises mais profundas do capitalismo e o surgimento de novas guerras. A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 13 Até o século XIX, predominou a doutrina liberal na qual o Estado existe para garantir os direitos fundamentais de liberdade, integridade e propriedade, dando maior liberdade ao mercado e suas dinâmicas próprias de funcionamento. Com a expansão industrial e o aumento da competição entre os países capitalistas, cresceram as disputas por recursos e mercados. As crescentes tensões culminaram na Primeira Guerra Mundial. Além da guerra, culminaram também na recessão econômica global provocada pela quebra da bolsa de Nova York em 1929, fenômeno que é explicado em parte pelo desequilíbrio entre oferta e procura, pois, com superprodução industrial, o mercado ficou saturado. Essa conjuntura resultou em dois posicionamentos: os que compreendiam que a crise decorreu da falta de intervenção do Estado na economia, e os que defendiam justamente o contrário. Figura 3 – Representação do pacto do Estado de Bem-Estar Social Crédito: TURBODESIGN/Shutterstock Outro fator importante a ser considerado foi o crescimento da influência comunista no mundo. Havia uma preocupação, por parte dos países capitalistas, A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 14 com o descontentamento da classe trabalhadoracom os baixos salários e as condições precárias de trabalho, que poderia aproximá-los da ideologia comunista. Assim, seria necessário a construção de um pacto entre capital, trabalho e sindicatos, um acordo garantido pelo Estado e capaz de promover as melhorias necessárias para a classe trabalhadora. O Estado de Bem-Estar Social foi a materialização desse pacto. Como protagonista, caberia ao Estado apoiar os sindicatos, intervir na economia e defender o bem-estar geral da sociedade na forma da oferta de serviços de qualidade em áreas sensíveis como saúde, previdência e educação. Esse modelo também ficou conhecido como social-democracia, um arranjo que ampliou as pautas populares, passando a incorporar uma série de conceitos inovadores no campo social, como cidadania e direitos sociais e humanos. A partir da década de 1980, esse modelo seria duramente criticado sob a justificativa da impossibilidade de o Estado manter o financiamento dos direitos sociais. Os primeiros países a abandoarem esse modelo foi os EUA, na era de Ronald Regan, e o Reio Unido, sob a liderança de Margareth Thatcher. As causas de fundo das críticas ao Estado de Bem-Estar Social estão relacionadas ao fim da União Soviética e da ameaça comunista entre os trabalhadores, à diminuição do setor produtivo, financeirização da economia, desregulamentação do mercado, menor proteção e direitos aos trabalhadores e mudança na legislação de modo a possibilitar maior concentração de renda entre os mais ricos. NA PRÁTICA Com base nos estudos realizados, desenvolva uma pesquisa sobre Estado de Bem-Estar Social. Após finalizar a pesquisa, desenvolva uma reflexão, argumentando sobre as vantagens e desvantagens desse modelo. FINALIZANDO Em resumo, entre os assuntos estudados, é importante destacar: • A compreensão do desenvolvimento no contexto histórico da América Latina; A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 15 • A contribuição da Cepal para pensar o desenvolvimento, a igualdade e a desigualdade na dinâmica assimétrica das relações entre os países centrais do capitalismo e a América Latina; • A contribuição da teoria da dependência para explicar que o desenvolvimento dependente acontece tanto no plano externo quanto interno, como já apresentado anteriormente, criando uma dinâmica perversa de concentração e exclusão; • Por fim, algumas das características do Estado de Bem-Estar Social e os benefícios desse modelo. A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com REFERÊNCIAS BOFF, L. Sustentabilidade: o que é – o que não é. Petrópolis: Vozes, 2012. CEPAL. Comissão Econômica para a América Latina e Caribe. A hora da igualdade: brechas por fechar, caminhos por abrir. Santiago: CEPAL, 2010. DOS SANTOS, T. A Teoria da Dependência – Balanço e Perspectivas. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000. _____. O desenvolvimento latino-americano: passado, presente e futuro (uma homenagem a André Gunder Frank). In: CHEW, S.; DENEMARK, R. (Orgs.). The underdevelopment of development: essays in honor of André Gunder Frank. Nova Déli: Sage, 1996. KEYNES, J. M. O Fim do Laissez-Faire, In: _____. John Maynard Keynes: Economia. Organização de Tamás Szmrecsny. 2. ed. São Paulo: Ática, 1984. NAUROSKI, E. A.; RODRIGUES, M. E. Pensamento social na América Latina. Curitiba: Intersaberes, 2018. SEN, A. A ideia de justiça. Tradução de Denise Bottmann e Ricardo Doninelli Mendes. São Paulo: Companhia das Letras, 2011. A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 2 CONVERSA INICIAL A história da América Latina bem poderia ser definida como uma história de sangue, morte e destruição. Uma história marcada pela negação e reificação do outro: do ameríndio, do negro e do povo trabalhador. O legado da colonização formou uma elite cobiçosa, para quem o Estado sempre foi visto como sua propriedade e instrumento de ampliação e defesa de seus privilégios. Essa temática histórica é analisada por dois eixos teóricos: a abordagem crítico- progressista e a visão liberal. Teremos a oportunidade de conhecer e ponderar sobre essas duas visões e alguns de seus autores, bem como os argumentos e explicações em relação à trajetória histórica da América Latina, em boa medida marcada por períodos de exploração e dependência. TEMA 1 – CONTRIBUIÇÃO DE JOSÉ CARLOS MARIÁTEGUI PARA O PENSAMENTO SOCIAL NA AMÉRICA LATINA Os direitos do homem são muitos, e raro o direito de gozar deles (Carlos Drummond de Andrade, 2007) Poderíamos complementar Drummond, dizendo que depende de a qual classe de pessoas ele se refere, pois está evidente que ter e gozar direitos leva a marca do lugar social que se ocupa. A questão dos direitos e do reconhecimento sempre integrou o conjunto de demandas da intelectualidade crítica, em relação ao desenvolvimento da América Latina. Feita essa consideração inicial, é preciso ter em mente que o pensamento social e político da América Latina teve dificuldades de ter reconhecida a sua contribuição na interlocução com a tradição do pensamento social europeu. Não porque não tivesse capacidade, mas por conta da visão eurocêntrica, ainda muito presente na cultura intelectual ocidental. Na construção do que ficou conhecido como diálogo norte-sul com iniciativas de estudos e pesquisas em colaboração entre intelectuais e instituições das Américas e da Europa, a figura de José Carlos Mariátegui teve posição de destaque. Espírito inquieto, Mariátegui nasceu em 14 de junho de 1894 na pequena cidade de Moquegua, ao sul da conhecida Lima. Sua adolescência foi marcada pelo contato e apreço que tinha pelas populações indígenas e campesinas. Sua trajetória intelectual foi marcada pelo autodidatismo e criatividade literária. É considerado um dos primeiros e mais A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 3 influentes pensadores do marxismo na América Latina no século XX. Foi filósofo e sociólogo, jornalista, militante dos direitos humanos. Segundo Michael Löwy, trata-se de um autor de pensamento universal, no mesmo patamar de Antônio Gramsci e Walter Benjamin. Sua obra mais conhecida, Sete ensaios de interpretação da realidade peruana, trata do desenvolvimento socioeconômico do Peru baseado numa abordagem histórico-dialética. Além da relevância intelectual de suas obras, Mariátegui fez parte da APRA – programa de ação revolucionária que se estendeu por outros países. Entre suas bandeiras, lutava contra o imperialismo, e tinha como objetivo a construção da unidade política da América Latina. Fiel aos pressupostos do marxismo, acreditava que a desigualdade só seria superada pela estatização de riquezas e meios de produção bem como de ações revolucionárias integradas nos continentes. Não basta ser anti-imperialista; é preciso reconhecer e defender o valor e a riqueza das culturas ancestrais, evidenciar que mesmo antes da modernidade europeia já existiam sociedades complexas, culturas avançadas em termos de organização social e valores éticos. A modernidade eurocêntrica, ao desconsiderar esses aspectos, só conseguiu produzir atraso e barbárie na AL. O legado colonizador representou efeitos retardatários e deprimentes na vida dos povos originários Povos como o quíchua e o asteca retrocederam, sob o regime colonial, à condição de dispersas tribos agrícolas. O que, nas comunidades indígenas do Peru, subsiste de elementos de civilização é, principalmente, o que sobrevive da antiga organização autóctone. No campo feudalizado, a civilização branca não criou focos da vida urbana, nem significou sempre sequer industrialização e mecanização; no latifúndio serrano, com exceção de certas estâncias de gado, o domínio do branco não apresenta, nem mesmo tecnologicamente, progresso algum em face da cultura aborígene. (Mariátegui,1929, p. 25) Para Mariátegui (1929), a superação da herança colonial, bem como a construção da soberania na América Latina, vai além do resgate de utopias ufanistas em tono da figura do índio e de um suposto estado de vida idealizado, antes do colonizador, nem tampouco a negação ou rechaço do avanço tecnológico alcançado pela modernidade. Trata-se muito mais de reconhecer os valores das culturas dos povos originários e construir um caminho diferenciado em relação a poder se colocar no contexto da modernidade com um projeto socialista real e viável. O conflito não estaria no plano racial ou étnico, mas no A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 4 modelo de civilização a ser construído e na necessidade de rompimento com a lógica de dominação capitalista. Figura 1 – Mariátegui Crédito: JOSÉ MALANCA/CC-PD. O pensamento heterodoxo de Mariátegui no campo marxista foi denominado de romantismo revolucionário, que foi uma concepção intelectual instigadora, na medida em que buscou resgatar elementos da cultura originária que pudessem confluir com uma moderna utopia revolucionária, uma síntese entre indigenismo e socialismo. O arcabouço de seu pensamento busca construir uma metodologia revolucionária, muito mais que um programa com conteúdo já estabelecido nos moldes do marxismo ortodoxo de viés europeu. Segundo Löwy, leitor de Mariátegui, sua concepção moderna de socialismo se aplica em especial nos países de estrutura agrária, deve se enraizar nas tradições vernáculas, na memória coletiva camponesa e popular, nas sobrevivências sociais e culturais da vida comunitária pré-capitalista, nas práticas de ajuda A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 5 mútua, solidariedade e propriedade coletiva da Gemeinschaft [comunidade] rural (Löwy, 1999). Trata-se muito mais de reconstruir e reinventar a utopia socialista na aproximação entre os saberes e práticas dos povos originários com as formulações metodológicas de um socialismo científico, uma construção com potencial de se contrapor à barbárie do modelo capitalista de sociabilidade. Nessa perspectiva, não existe uma receita universal, mas o desafio para as novas gerações de articular o ancestral e o moderno, o arcaico e o científico, num socialismo indo-americano. TEMA 2 – CONTRIBUIÇÃO DE VICTOR RAÚL HAYA DE LA TORRE PARA O PENSAMENTO SOCIAL NA AMÉRICA LATINA A oligarquia ou minoria, da classe ou dos grupos nacionais que relacionaram os seus interesses aos interesses estrangeiros e acima de tudo são dominantes até aos nossos dias e controlam o estado. (Víctor Raúl Haya de la Torre) Entre as figuras que representam a importância e a originalidade do pensamento social latino-americano, Víctor Raúl Haya de la Torre (1895-1979) ocupa posição de relevância. Considerado intelectual de profundidade, sua trajetória envolveu a militância política e liderança em projetos de defesa do Peru e da AL. Além da produção intelectual de impacto, também ajudou a construir um dos maiores partidos políticos do Peru. Desde o início de sua vida política no movimento estudantil, Haya de la Torre é reconhecido como um dos mais importantes idealizadores políticos para a América Latina. Como intelectual, buscou repensar marxismo com base na realidade da AL, tendo clareza de que nas Américas, diferente do que ocorreu na Inglaterra, faltava ainda chegar ao estágio de consciência de classe, condição para desenvolver uma revolução socialista, um fator associado ao desenvolvimento do proletariado no processo de trabalho industrial. Sua atuação política o coloca como figura de um estadista, ao defender que na AL as nações deveriam ser fortes, soberanas e claramente anti-imperialistas. A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 6 Figura 2 – Víctor Raúl Haya de la Torre Créditos: Peruvian Art/Shutterstock. Haya de la Torre foi próximo de Mariátegui, de quem compartilhou projetos e ideias sobre a questão indígena e a defesa da identidade étnica e histórica do Peru. Desenvolveu um projeto que visava desvincular os valores das elites ligadas ao capital externo. No entanto, divergia de Mariátegui em relação a superestimar o papel revolucionário do indígena. Para Torre, seria muito difícil alcançar um senso de coletividade e unidade de luta revolucionária entre as comunidades indígenas. Isso devido aos próprios elementos culturais formadores das identidades indígenas, muito distantes e diferentes do padrão cultural médio do trabalhador da indústria europeia. Para Torre (citado por Ramírez, 2006), o marxismo na AL necessitava de mediações e aproximações com a realidade singular do continente. Sua idealização política doutrinária resgata elementos do bolivarianismo, no sentido de uma unificação das Américas, um ideal comum de uma associação latino- americana revolucionária, de atuação nacional e internacional. Atento ao contexto de globalização crescente, Torre defendia que, se vivemos dentro de um sistema económico internacional e a economia desempenha um papel decisivo na vida política dos povos, seria absurdo pensar que o Peru, que tem uma economia em parte dependente desse organismo económico internacional, pudesse viver isolado contra todos os preceitos científicos e contra todas as correntes de relação que são a garantia de progresso. (Ramírez, 2006, p. 11) A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 7 Um projeto socialista, para ser eficaz na AL, precisa atuar de maneira orgânica e integrada, atuando tanto em nível nacional quanto internacional. Nisso Torre comunga da premissa básica de Marx de que, se o capitalismo é um sistema global, da mesma forma a construção do socialismo precisa ser global. Tema recorrente em seus escritos e análises, a questão do imperialismo foi vista por Torre como questão estratégica a ser compreendida. A dinâmica do imperialismo era resultante do máximo desenvolvimento do capitalismo industrial e comercial. Foi um fator que, no contexto histórico da AL, serviu para reforçar a lógica de dependência e subserviência do continente em relação às economias centrais do capitalismo, tornando difícil subverter essa lógica pela parte periférica do capitalismo, como é o caso da AL. Em face das contradições sociais econômicas provocadas pelo imperialismo capitalista, seria necessário que na AL fosse organizada a infraestrutura para o crescimento industrial, mas baseada numa lógica de desenvolvimento social. Ou seja, seria preciso que na AL e no Peru fossem implantadas as bases políticas e econômicas para um socialismo desenvolvimentista em que as riquezas produzidas fossem de fato distribuídas. Somente um projeto revolucionário poderia romper com o pacto de dependência entre elites nacionais que controlam o Estado e os interesses estrangeiros, tão nocivos ao ideal de igualdade e justiça para o povo peruano e latino-americano. A idealização política defendida por Torre se aproxima da construção hegemônica proposta por Antônio Gramsci, colocando como programa do partido político revolucionário os pontos comuns das demandas da classe camponesa, do proletariado e dos anseios da classe média. Para se viabilizar como governo com força e legitimidade, todos os segmentos excluídos e descontentes com as classes dominantes tinham que se identificar com o programa socialista de governo. Uma verdadeira democracia social precisa implementar o que o autor chamou de luta pela “peruanização do Estado e pela integração económica das maiorias nacionais que constituem a força vital da nação e que são também as que democraticamente, pelo seu número e qualidade, têm direito a intervir na direção dos destinos nacionais” (Ramírez, 2006, p. 19). Trata-se de um programa político, social e econômico em queo Estado seja a representação do conjunto da sociedade com força para implementar medidas efetivas de geração de riqueza, igualdade e justiça. A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 8 TEMA 3 – A CONTRIBUIÇÃO FERNANDO HENRIQUE CARDOSO E ENZO FALETO PARA PENSAR A AMÉRICA LATINA Baseando-se no pensamento de Max Weber (1864-1920), o sociólogo Fernando Henrique Cardoso e Enzo Faletto (1979) se posicionaram sobre a teoria da dependência, buscando articular elementos das duas vertentes. Numa síntese original, consideraram os conceitos de Marx, mas sobretudo da análise interpretativa multicausal de Weber, para elaborar uma proposta integrada que responderia melhor aos desafios de pensar a realidade econômica em função da dinâmica de dependência em relação aos países centrais do capitalismo global. Dessa forma, segundo esses autores, somente os fatores econômicos não são suficientes para explicar a sociedade, sendo necessário considerar também as dimensões axiológicas, composições ideológicas e aspectos culturais que mobilizam o processo “político bem como as tensões entre grupos de interesses sociais e políticos antagônicos como determinantes do desfecho econômico, como o ‘filtro pelo qual passarão os influxos meramente econômicos”’ (Cardoso; Faletto, 1979, p. 22). Figura 3 – Fernando Henrique Cardoso Crédito: JFDiorio/Shutterstock. Para Cardoso e Falleto (1979), era necessário romper a visão ortodoxa do marxismo e chamar a atenção para a busca de uma saída ao A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 9 subdesenvolvimento com uma visão de dentro do capitalismo e do liberalismo econômico. Essa saída da relação de dependência passaria necessariamente pelo fortalecimento da industrialização e pela atuação da classe empresarial na defesa dos interesses nacionais. No entendimento de Cardoso (1970), a economia moderna articulada globalmente favorece relações multilaterais de interdependência econômica entre as nações. Esses autores acreditam ser mais realista falar numa simultaneidade entre desenvolvimento e dependência. Nessa dinâmica do capitalismo global, os beneficiários desse ‘desenvolvimento dependente’ [...] passam a ser as empresas estatais, as corporações multinacionais e as empresas locais associadas a ambos. Estes agentes sociais constituem o que chamo de tripé do desenvolvimento dependente-associado. De que modo pode-se pensar que se mantém e se ampliam os liames da dependência quando existe, ao mesmo tempo, um processo interno de capitalização? (Cardoso, 1970, p. 36) Cardoso e Faletto (1979) acreditavam que o caminho de superação do subdesenvolvimento estava relacionado a reformas de ordem institucional pela via da democracia liberal, não sendo possível em tempos modernos imaginar uma transformação pela via da violência revolucionária. O Brasil, assim como a América Latina, poderiam trilhar um caminho dentro do capitalismo e atingir sua soberania em relação à dependência externa. Superar a dependência estrutural em relação aos investimentos externos e às relações econômicas centrais envolveria também a valorização de uma cultura econômica nacional e uma certa consciência cívica e patriótica por parte das elites nacionais, o que nos parece um projeto quase irrealizável. TEMA 4 – JUAN BAUTISTA ALBERDI: O PENSAMENTO ECONÔMICO DE UM LIBERAL LATINO-AMERICANO NO SÉCULO A figura de Juan Bautista Alberdi se destacou por sua atuação como jurista, escritor, jornalista e economista e como um pensador preocupado com seu país, Argentina, ainda num processo de construção de sua nacionalidade e independência em relação à influência externa, considerando as dinâmicas de expansão de capitalismo na América Latina. A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 10 Figura 4 – Juan Bautista Alberdi Crédito: Prachaya Roekdeethaweesab/Shutterstock. Sua trajetória intelectual procurou explicar seu país com base em uma perspectiva pela ótica liberal, considerando as peculiaridades de seu país em termos de estrutura e cultura. O contexto de sua obra e militância foi influenciado por uma época em que a Argentina estava fragmentada: ex-colônias espanholas buscavam, depois da independência, algum projeto político e econômico que significasse o progresso material ou pelo menos alguma estabilidade institucional em meio ao vazio deixado pelo fim da exploração colonial. No novo contexto, surgiram várias disputas em torno de questões como a divisão do poder político, a inclusão social e regional, o federalismo fiscal, as disputas por terra etc. Em algumas regiões, como no caso do Vice-Reinado do Rio da Prata, a criação do conceito de nacionalidade ainda tinha um longo caminho a percorrer. Nesse momento, Alberdi percebeu a situação e suas implicações econômicas e procurou construir um projeto de nação Em seu esforço intelectual, articulou, de forma lógica, conceitos econômicos, em parte lidos dos economistas clássicos, como a importância dos fatores produtivos, particularmente o trabalho, a importância do capital como forma de melhor aproveitamento da mão de obra, o direito de propriedade, a estabilidade institucional, o federalismo fiscal e a inclusão social na construção de um projeto nacional. Também percebeu a existência de uma condição de atraso na região e procurou explicar tal condição por um método de interpretação baseado na história. Considerou a situação de crise como um processo dinâmico causado por erros de conduta das políticas econômicas decididas em Buenos Aires. Foi um pensador autêntico ao buscar entender as causas para as crises econômicas sob uma perspectiva sul-americana. Enfim, desenvolveu um conjunto de ideias cujo registro pode ajudar na compreensão da nossa formação A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 11 econômica e política, além do nosso atraso frente ao centro do capitalismo. (Braga, 2014, p. 7) Alberdi tinha clara a necessidade de defender um amplo processo de inclusão social e regional como forma de fortalecer políticas nacionais de industrialização, crescimento e exportação. Acreditava que o foco regional fortaleceria o federalismo e o equilíbrio do poder entre as regiões. Para esse autor, a América Latina, especialmente seu país, não deveria se contentar em participar de maneira desigual na divisão internacional do trabalho, o que trazia contornos progressistas para sua visão liberal. Para Alberdi (citado por Braga, 2014), a contribuição de Adam Smith, economista inglês do século XVIII, é mais que atual para explicar a riqueza e a dinâmica econômica, sendo fundamental considerar o trabalho produtivo como fonte de criação de renda e riqueza, sem desconsiderar outros fatores convergentes, como a terra e o capital. Esses seriam fatores impulsionadores da economia em sua base real. Havendo expansão da economia e aumento do trabalho, tanto maior será a riqueza de uma nação. Mesmo com a expansão da indústria e as medidas de importação de mão de obra estrangeira para atender às demandas crescentes, seria possível, pela ótica liberal, garantir a acumulação de capital, sem a qual a economia ficaria estagnada e não se dissolveria Concordando com Smith, Alberdi (citado por Braga, 2014) entende que o capital nacional está na riqueza, mas também na poupança nacional como fator de investimento. Para que um país pudesse crescer e se desenvolver dentro do capitalismo, são necessários os fatores de produção, a eficiência no trabalho, além da estabilidade política e institucional. A economia capitalista depende da estabilidade econômica e do respeito básicos às regras do jogo econômico. A previsibilidade das relações comerciais, do respeito aos contratos, bem como da liberdade dos mercados são elementos sem os quaisnão se pode falar em desenvolvimento social e econômico. Para Alberdi, o novo sentido da emancipação seria o desenvolvimento econômico. Para tanto, considerava que a América Latina deveria elaborar leis de forma a estimular o comércio, a imigração, os investimentos, enfim, a implantação de atividades econômicas de forma que o dinamismo decorrente das forças de mercado atuasse e que a sociedade pudesse desfrutar do progresso material decorrente (Braga, 2014, p. 9). A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 12 Em resumo, para Alberdi, alguns princípios eram fundamentais para uma economia liberal florescer: • Estabilidade social; • Propriedade privada; • Liberdade de mercado; • Austeridade do Estado em seus gastos. TEMA 5 – PERSPECTIVA CRÍTICA EM RELAÇÃO À TEORIA DA DEPENDÊNCIA Após um longo período de defesa do modelo de substituição de importações e implantação do desenvolvimentismo na AL, instala-se uma crise teórica em relação ao potencial e limites dessas ideias. Mesmo após a inserção da AL na expansão industrial e de ter alcançado real ampliação de seu mercado interno, muitos autores, como Rui Mauro Marine e Theotônio Santos Marine, enxergaram um processo de estagnação crônica no desenvolvimento latino- americano. Em síntese, esses e outros autores convergem em alguns pontos comuns: • A dependência da América Latina se dá no plano estrutural em relação ao capitalismo avançado da Europa e EUA; • Internamente a dependência manifesta-se no setor comercial, financeiro e tecnológico; • Evidencia-se a dinâmica perversa do capitalismo dependente, com a superexploração da força de trabalho; • Estagnação tecnológica; • Continuidade da exportação de commodities e importação de bens com valor agregado; • Imposição de relações assimétricas do imperialismo com os países em desenvolvimento nas Américas. Além desses aspectos, Marini (2000, p. 135) explica que na economia exportadora latino-americana, existe um capitalismo às avessas, pois a “circulação se separa da produção e se efetua basicamente no âmbito do mercado externo, o consumo individual do trabalhador não interfere na realização do produto, ainda que determine a taxa de mais-valia”. Dessa forma, os ganhos não advêm da generalização do consumo e aumento da produção, A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 13 mas da superexploração dos trabalhadores, o que faz com que, no modelo dependente do capitalismo que vigora na AL, a força produtiva do trabalho (os trabalhadores) não seja inserida na dinâmica de consumo interno. O foco da produção, ainda pouco industrializada, é destinada ao mercado externo. Para Nauroski e Rodrigues (2018, p. 130-131), O capitalismo no Brasil se manifestou tardiamente e se colocava de modo funcional em relação às forças produtivas internacionais do capitalismo central. O centro não sobreviveria em sua prosperidade sem a contribuição da periferia. As economias dependentes podem ser caracterizadas por: a. possuírem uma ordem capitalista interna, mas dinamizada a partir de fora e, portanto, subordinada a um crescimento econômico, político e sociocultural controlado pelas nações hegemônicas sempre associadas aos interesses dominantes internos. Assim, através da decisão política sobre o caráter da modernização, esses interesses associados filtram as imposições do mercado mundial e organizam a sociedade, copiando/transferindo instituições típicas das nações hegemônicas; e b. uma inserção muito específica no mercado mundial que lhe dá uma autonomia apenas relativa. São economias montadas para serem fontes de excedente para as nações hegemônicas, mas, ao mesmo tempo, dependentes das aplicações desse mesmo excedente para se reproduzirem. A dinâmica da dependência se estabelece de modo funcional, interna e externamente pelos interesses e forças que ganham na funcionalidade dessa lógica setorial. Vemos o favorecimento de alguns ao mesmo tempo em que ocorre a penalização de outros, no caso a massa de trabalhadores e do povo cujo trabalho, embora produza a riqueza o mantém pobre. A herança e as causas da dependência remontam aos processos de conquista e colonização. Um modelo de exploração centralizadora cuja lógica não permitia o florescimento do desenvolvimento material independente, fazendo surgir uma cultura distante dos ideais iluministas da democracia liberal. O Brasil, assim como muito dos países da AL, se formou numa estrutura de classe rígida, com fronteiras bem delimitadas, tornando o processo de mobilidade social um projeto quase inacessível a massa de pobres e trabalhadores. A economia nacional dependente, se concentrou na produção latifundiária, na mão de obra escrava e na divisão estrutural entre pobres e ricos, entre proprietários e despossuídos. Ideais de nacionalismo, povo, civismo e patriotismo não fizeram parte da formação da cultura social e econômica no Brasil e na AL, a não ser muitas vezes de forma demagógica e classista, quando ocorreram os processos de independência política. A fase atual da dependência dos países da AL leva a marca da globalização e da abertura forçada das economias com a vinda de grandes empresas transnacionais. Trata-se de uma presença motivada por diversos fatores, como isenção fiscal, investimento prévio em infraestrutura, flexibilização de leis trabalhistas e apoio de lideranças políticas com interesse em obter retorno eleitoral e outros, não muito transparentes. A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 14 NA PRÁTICA Saiba mais Tendo como referência os estudos realizados na disciplina, assista à seguinte conferência: THEOTÔNIO dos Santos – Origem e desenvolvimento da Teoria da Dependência. Lela UFSC, 25 abr. 2014. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=DjlEYXRxWBs>. Acesso em: 18 nov. 2021. Após assistir o conteúdo, elabore uma breve reflexão explicando o que é a teoria da dependência. FINALIZANDO Considerando o lugar de fala de nossa condição de um povo historicamente invadido, conquistado e explorado, faz todo sentido buscar autores que dedicaram a vida para pensar e problematizar essa história de sangue e lágrimas. Por isso o perfil crítico e social dos autores que trouxemos para nos ajudar em nossa reflexão. Assim, devemos destacar os seguintes pontos: • A tradição teórica do marxismo pensado com base na realidade latino- americana possui grande potencial explicativo sobre a trajetória das Américas; • A contribuição de Mariátegui, para quem a modernidade eurocêntrica produziu um legado de espoliação e pobreza na AL e que somente poderia ser superado pela ação revolucionária; • A perspectiva cíclica de Víctor Raúl Haya de la Torre, para quem a lógica da colonização se mantém por meio do pacto entre elites nacionais e internacionais para exaurir os recursos naturais e manter a dominação da população; • Vimos também que a temática da dependência foi analisada por dois eixos teóricos: a abordagem crítico-progressista e a visão liberal. • Por fim, pudemos compreender algumas das premissas da teoria da dependência ao explicar que a dependência é externa, mas também interna, fazendo com que a ampliação do capital decorra não da A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 15 generalização do consumo, mas da superexploração da classe trabalhadora. A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 16 REFERÊNCIAS ANDRADE, C. D. de. O avesso das coisas: aforismos. Rio de Janeiro: Record, 2007. BORDA, O. F. Por la práxis: el problema de cómo investigar la realidad para transformarla. Bogotá: Federación para el Análisis de la Realidad Colombiana (Fundarco), 1978. BRAGA, M. B. Juan Bautista Alberdi: o pensamento econômico de um liberallatino-americano no século XIX. Economia e Sociedade, v. 23, n. 1, abr. 2014. Disponível em: <https://www.scielo.br/j/ecos/a/pSnrQqkpLc6BzQwgLXCKbgq/?lang=pt>. Acesso em: 18 nov. 2021 BRINGEL, B. Pensamento crítico latino-americano e pesquisa militante em Orlando Fals Borda: práxis, subversão e libertação. Direito & Práxis, Rio de Janeiro, v. 07, n. 13, p. 389-413, 2006. CARDOSO, F. H. “Teorias da dependência” ou análises concretas de situações de dependência? São Paulo: Cebrap, 1970. (Estudos I). CARDOSO, F. H.; FALETTO, E. Dependency and Development in Latin America. Trad. 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Facultad de Filosofía y Letras, Universidad de Guadalajara, 1985. A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 2 CONVERSA INICIAL Ao longo desta aula, iremos refletir sobre a América Latina e seus processos de integração, assinalando seus respectivos avanços e limitações. Trataremos, também, de questões envolvendo os valores democráticos e os direitos humanos, indicando os marcos legais e históricos das políticas de proteção a esses direitos. Veremos, ainda, que a questão indígena e os direitos dos povos originários encontram-se, atualmente, gravemente ameaçados na região. Por fim, teremos a oportunidade de pensar as contradições da modernização econômica na América Latina e no Brasil, bem como os problemas ocasionados por seus modelos não sustentáveis de desenvolvimento. TEMA 1 – INTEGRAÇÃO NA AMÉRICA LATINA A década de 2000 e as iniciativas políticas desse período indicam ações importantes na esfera da integração entre países da América Latina. O recorte delimitado diz respeito às medidas de plano econômico, inclusive considerando o impacto político e econômico da atuação ou ausência dos EUA nas Américas. A partir do início da década de 2000, a atenção dos EUA volta-se mais ao Oriente Médio, deixando maior espaço para que muitos países da região pudessem se movimentar na busca de maior independência e formalização de aproximações e parcerias com países como China e Índia. O aumento das exportações para esses países e a geração de balaços comerciais positivos com o mercado exterior fizeram com que fosse possível se implementar diferentes medidas de integração nos campos econômicos, cultural, educacional, de saúde e defesa. Uma aproximação mais efetiva, entre países da América Latina, se deu, principalmente, entre governos de orientação progressista, de centro-esquerda, com entendimento alinhado sobre os limites da visão neoliberal e suas consequências negativas. Em comum, muitos países envolvidos na integração das Américas compartilhavam, no período citado, da premissa de que o Estado precisa atuar como agente indutor de desenvolvimento e melhoramento das condições de vida da sociedade como um todo. De acordo com Barros (2018, p. 8), A crítica ao neoliberalismo trouxe duas tendências que definiram os rumos dos processos de integração dos anos 2000. O primeiro deles é concernente ao papel do Estado na economia. Mesmo que tenha sido de adoção parcial ou gradual, o período em que o neoliberalismo se A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 3 instaurou trouxe fortes consequências em muitos Estados latino- americanos, como aumento do desemprego, manutenção do desequilíbrio das contas públicas e sucateamento dos serviços públicos [...]. Aliado a essa questão, a ineficiência administrativa resultou em crescente tensões entre cidadãos e governantes, no qual as concessões a empresas privadas não atendiam às demandas e pouco o Estado podia fazer, como se pode exemplificar pela privatização das plantações de milho no México ou da água na Bolívia Desse modo, a intervenção estatal significaria a volta do poder público para sanar os desequilíbrios gerados pelo mercado, uma readequação dos serviços públicos frente à crescente desigualdade na região [...]. O que ocorreu foi uma reorientação da agenda política e social nos países cujos governos tinham uma visão mais à esquerda e progressista, como nos casos do Brasil, durante os governos do Partido dos Trabalhadores (PT), e da Venezuela de Chaves. Os dados e resultados das políticas adotadas nesses países indicam ter havido nesses períodos um maior crescimento econômico e desenvolvimento social, o que se traduziu em baixos índices de desemprego, ganhos salariais, ampliação do acesso a bens de consumo, à saúde e à educação. Além desses aspectos, o Estado, naqueles países, ajudou a financiar muitas empresas privadas, de modo a aumentar sua capacidade produtiva e competitiva, inclusive na disputa por mercados internacionais. No caso brasileiro, havia um claro projeto de alcançar a liderança regional e uma maior projeção internacional na Europa e na Ásia, anseios que, pelo menos em parte, foram compartilhados pelas elites nacionais, ao reconhecerem que as medidas de integração regional e projeção internacional do Brasil geraram então inúmeras oportunidades de investimentos e novos negócios. A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 4 Figura 1 – União de Nações Sul-Americanas (Unasul) Crédito: WindVector/Shutterstock. Raciocínio semelhante, em outros países, explica o surgimento de algumas iniciativas ousadas de integração, como a fundação da União de Nações Sul-Americanas (Unasul), em 2010. A organização, que já passou por crises e conflitos de gestão e liderança, manteve o foco original de somar forças na busca pelo desenvolvimento regional, inclusive com a criação de instrumentos de financiamento de infraestrutura e proteção econômica contra crises originadas na Europa e nos EUA. O posicionamento e surgimento da Unasul foi um importante instrumento de ação política durante o governo Lula e no início do período Dilma, onde se buscou a afirmação do país como protagonista da região no cenário internacional e fortalecendo o seu papel de emergente. Com o seu início vinculado à resolução de conflitos entre Venezuela e Colômbia, a Unasul acoplou e ampliou vários organismos regionais de consulta e cooperação em diversas áreas, bem como conformou o primeiro bloco político a unir todas os Estados sul- americanos. Com uma função que vai desde a mediação de conflitos a investimentos em infraestrutura, tendo seus principais gabinetes o Conselho de Defesa Sul-Americano (CDS) e o Cosiplan (antigo projeto A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 5 da Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul- Americana – IIRSA – acoplado ao organismo), dando autonomia de ação aos membros e mantendo afastado os Estados Unidos de suas decisões. (Barros, 2018, p. 23) Outra importante iniciativa de integração, o Mercado Comum do Sul – Mercosul foi criado em 1991 com a intenção de se construir um bloco econômico voltado ao desenvolvimento econômico e social, por meio da ampliação dosmercados e da livre circulação de bens e serviços na região. Além do crescimento econômico, visava também fortalecer políticas conjuntas em áreas sensíveis aos países-membros do bloco, como melhorar os serviços públicos em setores como cultura, saúde, educação e segurança. Uma nova configuração geopolítica era, então, desenhada, principalmente em função do crescimento da economia e da influência política da China e da Rússia. Essa mudança fez com que os EUA se reaproximassem da América Latina, de modo a garantir a continuidade de sua influência na região. Essa reaproximação tem sido apontada como a principal causa para o enfraquecimento de governos de esquerda. Identifica-se a atuação, nesse sentido, dos EUA como feita de modo indireto, pelo financiamento de diversas organizações e grupos de direita e extrema direita e pelo apoio a líderes políticos contrários a uma integração latino-americana pelo viés ideológico de esquerda oponente, por definição, dos interesses do governo e das empresas norte- americanas de que a região mantenha diante desses interesses uma relação de submissão e dependência. TEMA 2 – DEMOCRACIA E DIREITOS HUMANOS NA AMÉRICA LATINA Um grande marco temporal para fortalecer o ideal democrático e a dignidade humana foi o surgimento da Organização das Nações Unidas (ONU), criada oficialmente em 1945, com um conjunto de aspirações e esperanças de que os horrores da Segunda Guerra jamais pudessem acontecer novamente. Ao que se pode ler no preâmbulo de seu documento fundador: Nós, os povos das Nações Unidas, resolvidos a preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra ,que por duas vezes, no espaço da nossa vida, trouxe sofrimentos indizíveis à humanidade, e a reafirmar a fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor do ser humano, na igualdade de direito dos homens e das mulheres4 , assim como das nações grandes e pequenas, e a estabelecer condições sob as quais a justiça e o respeito às obrigações decorrentes de tratados e de outras fontes do direito internacional possam ser A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 6 mantidos, e a promover o progresso social e melhores condições de vida dentro de uma liberdade ampla. (ONU, 1945) Para a consecução desses fins, os países-membros da ONU devem [...] praticar a tolerância e viver em paz, uns com os outros, como bons vizinhos, e unir as nossas forças para manter a paz e a segurança internacionais, e a garantir, pela aceitação de princípios e a instituição dos métodos, que a força armada não será usada a não ser no interesse comum, a empregar um mecanismo internacional para promover o progresso econômico e social de todos os povos. (ONU, 1945) A ONU irá estabelecer seu aparato institucional sobre os princípios da liberdade e da dignidade humana, substrato primeiro para se garantir a defesa e a promoção da autodeterminação dos povos, de sua organização política soberana sobre os demais Estados e nações. Integram a estrutura funcional de atuação da ONU a Assembleia Geral, seu órgão máximo de deliberação; o Conselho de Segurança, que trata de assuntos e conflitos militares; o Tribunal Internacional de Justiça; o Conselho Econômico e Social; o Conselho de Direitos Humanos; e subdivisões especializadas como a Agência Internacional de Energia Atômica, a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), além de seu braço econômico-financeiro, o Banco Mundial, e sanitário, a prestigiada Organização Mundial da Saúde (OMS), além de secretarias especializadas como a Secretaria dos Direitos Humanos. Outra base sobre a qual se sustenta a legislação em defesa dos direitos humanos, seja no âmbito nacional, seja no internacional, é a Declaração Universal dos Direitos Humanos, promulgada pela ONU em 1948, em que textualmente podemos ler que: Artigo 1 Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade. Artigo 2 1. Todo ser humano tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição. 2. Não será também feita nenhuma distinção fundada na condição política, jurídica ou internacional do país ou território a que pertença uma pessoa, quer se trate de um território independente, sob tutela, sem governo próprio, quer sujeito a qualquer outra limitação de soberania. Artigo 3 Todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal. Artigo 4 A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 7 Ninguém será mantido em escravidão ou servidão; a escravidão e o tráfico de escravos serão proibidos em todas as suas formas. Artigo 5 Ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante. (ONU, 1948) O conjunto dos 30 artigos do documento representa o esforço consciente de estender a toda a humanidade seus direitos e garantias mais fundamentais. A magnitude da iniciativa, que foi subscrita pelo conjunto dos países-membros da ONU, não foi suficiente para impedir que diversos crimes fossem cometidos por parte de governos autoritários no Brasil e no mundo – dentre os mais abjetos, o crime de tortura. Como já estudado, os processos de independência das Américas foram sabotados por influência estrangeira, sobretudo dos EUA, que não tinham interesse em ver crescer um projeto de integração e unificação das Américas. Como resultado dessa interferência, em diversos momentos históricos subiram ao poder, na região, ditadores sanguinários. Também não se pode isentar a própria ONU de, em muitas situações, ter restringido suas ações a moções de protesto, diante de crimes praticados ou ascensão de regimes ditatoriais. O fato de quase metade de seu orçamento de custeio vir dos EUA e de sua sede se localizar em Nova York ajuda a entender muita coisa. Apesar das omissões e críticas que podem ser feitas à ONU, sua existência e atuação são, seguramente, muito importantes na afirmação e defesa da democracia e dos direitos humanos. Em relação ao Brasil, fica evidente o reflexo dessa influência sobretudo na Constituição de 1988 (inspirada também pela Constituição norte-americana), o que se faz notar em diversos dispositivos ao longo do texto constitucional, como nos seguintes: Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui- se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; [...] Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. [...] Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios: II - prevalência dos direitos humanos; III - autodeterminação dos povos; A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 8 VI - defesa da paz; VII - solução pacífica dos conflitos; VIII - repúdio ao terrorismo e ao racismo; IX - cooperação entre os povos para o progresso da humanidade; X - concessão de asilo político. Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentesno País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade [...] (Brasil, 1988). Mas a questão da democracia e dos direitos humanos não se restringe ao tratamento legal. A garantia dos valores democráticos e a preservação dos direitos humanos demandam a atuação conjunta do Estado e da sociedade civil organizada, nacional e internacionalmente. É preciso uma atuação permanente em relação a isso, por meio de campanhas, ações e projetos cujos fundamento e estratégias reflitam em essência os ideais democráticos. O Brasil possui uma trajetória de reconhecida atuação em relação aos direitos humanos, materializada em ações, projetos e leis. 1. O Brasil foi um dos poucos países que criou um Programa Nacional de Direitos Humanos, o PNDH em 1996, com objetivos, metas, propostas que foram reavaliados e atualizados em 2002; 2. O ministério das Relações Exteriores do governo Fernando Henrique Cardoso, Celso Lafer incentivou o Congresso a aprovar e ratificar vários tratados internacionais de Direitos Humanos, criando novas responsabilidades públicas no plano global, regional e nacional. 3. Para promover o direito à memória e à verdade foram criadas a Comissão de Mortos e Desparecidos Políticos, a Comissão de Anistia e a Comissão Nacional da Verdade, ainda que tardiamente. 4. O Conselho Nacional de Educação introduziu o ensino e a formação em Direitos Humanos na Educação Básica e Superior como conteúdo obrigatório nas Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos Humanos; 5. Como prevê o Manual das Nações Unidas, o ensino dos direitos humanos foi incorporado na formação das polícias militar e civil, guardas municipais e agentes penitenciários com a criação de Matrizes Orientadoras da Formação. Com os governos de Luís Inácio Lula da Silva e Dilma Vânia Rousseff as ações de políticas públicas no campo dos direitos humanos tiveram continuidade e fortalecimento: 1. A Secretaria dos Direitos Humanos assumiu o status de Ministério; 2. Foi criada a SECADI, Secretaria de Alfabetização, Diversidade e Inclusão no Ministério da Educação. 3. Foi criado o Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos que elaborou o Plano Nacional de Educação em Direitos Humano (2003), que promoveu entre outras coisas, a EDH como tema transversal e obrigatório em todos os níveis de ensino desde o ensino fundamental ao superior, medidas que foram sancionadas pelo Conselho Nacional de Educação, em 2012. 6. Foram fortalecidos os Conselhos de Direitos Humanos em vários níveis e áreas; 7. O Brasil se situou internacionalmente em total apoio à ONU e aos organismos internacionais numa visão multipolar e de respeito e promoção dos direitos humanos. 9. Os Conselhos de Direitos e Políticas Públicas promoveram Conferências Nacionais em Direitos Humanos pautando ações para agenda pública. A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 9 10. No campo da Educação Superior, as universidades a partir dos anos 90 inseriram os direitos humanos no Plano Nacional de Extensão; articularam a inserção dos direitos humanos no ensino de graduação e pós-graduação, construindo uma Rede de Nacional Formação em Direitos Humanos, além da criação de Núcleos, Comissões e Observatórios em direitos humanos, violência contra a mulher, educação em direitos humanos (Barros, 2018, p. 39). Com efeito, o campo educacional se mostra o mais estratégico a ser atendido. É preciso semear, nas novas gerações, a disposição de espírito para o reconhecimento da liberdade e da dignidade de si e do outro, na sua singular diversidade. Trata-se essa de uma ação permanente, dentro e fora das instituições de ensino. TEMA 3 – A QUESTÃO INDÍGENA E O RECONHECIMENTO POLÍTICO Por muito tempo, predominou na cultura social brasileira a velha concepção de que o indígena e seu mundo são sinônimos de algo atrasado e primitivo, uma concepção tributária da teoria do evolucionismo social. Essa perspectiva produziu a colonização como um processo de assimilação cultural, cabendo aos indígenas aceitar e se integrar à sociedade dos homens brancos. O processo de realização da Constituinte, em 1988, conferiu novos olhares e perspectivas sobre o universo indígena, bem como a necessidade de reconhecimento de sua dignidade e diversidade. Os povos originários passam, assim, principalmente com a promulgação da Constituição de 1988, a gozar, enfim, de mais direitos. Capítulo VIII VIII - DOS ÍNDIOS (ARTS. 231 E 232) Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá- las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens. • Decreto nº 1141, 19.5.1994, que dispõe sobre as ações de proteção ambiental, saúde e apoio às atividades produtivas para as comunidades indígenas. • Lei nº 6001, de 19.12.1973, que dispõe sobre o Estatuto do Índio. • Decreto nº 564, de 8.6.1992, que aprova o Estatuto da Fundação Nacional do Índio (Funai) e dá outras providências. • Decreto nº 3156, de 27.8.1999, que dispõe sobre as condições para a prestação de assistência à saúde dos povos indígenas, no âmbito do Sistema Único de Saúde, pelo Ministério da Saúde, Art. 232. Os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses, intervindo o Ministério Público em todos os atos do processo. (ALERJ, [S.d.], com base em Brasil, 1988) A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 10 Do conjunto da legislação vigente, bem como das lutas e mobilizações, tem-se que o indígena se assumiu como sujeito de direito, levando sua luta e suas pautas ao âmbito jurídico, litigando contra aqueles que atentem contra seus direitos, suas terras e seu modo de vida, o que significa lutar contra muitos inimigos, alguns bem poderosos, como madeireiras, mineradoras, empresas multinacionais e o próprio Estado, quando descumpre seu dever constitucional. Figura 2 – Indígenas Pataxós Crédito: Joa Souza/Shutterstock. Atualmente, a versão mais recente da luta dos indígenas brasileiros é contra o chamado Marco Temporal, ao qual se opôs, recentemente, com diversos argumentos, em carta aberta, um grupo de juristas, intelectuais e personalidades públicas: Carta aberta aos ministros do Supremo Tribunal Federal – STF Assunto: Recurso Extraordinário (RE) nº. 1.017.365 Excelentíssimos Ministros do Supremo Tribunal Federal [...] Os indígenas foram tratados pela lei brasileira como indivíduos relativamente incapazes até a Constituição de 1988. É verdade que esse tratamento poderia se justificar como uma proteção do Estado- guardião contra práticas enganosas e fraudulentas a sujeitos sem a plena compreensão dos parâmetros sociais da sociedade dominante. Entretanto, a história de expulsão, transferência forçada e tomada de suas terras pelo Estado ou por particulares sob aquiescência ou A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 11 conivência do Estado evidenciam os efeitos deletérios de uma tutela estatal desviada de sua finalidade protetiva. Segundo o último Censo do IBGE (2010), 42,3% dos indígenas brasileiros vivem fora de terras indígenas [...]. Foi sobretudo com as políticas de expansão para o Oeste iniciadas sob Getúlio Vargas e aprofundadas na Ditadura Militar, com grandes obras de infraestrutura e abertura de frentes agropecuárias, que os indígenas sentiram com mais vigor e violência o significado do avanço da “civilização” sobre suas terras e seus recursos. [...] Considerados incapazes e tutelados, o Estado Brasileiro jamais negociou ou lhes deu possibilidade concreta de se opor às remoções. Ao contrário dos povos nativos norte-americanos com quem a Coroa Britânica e depois o governo dos EUA firmaram tratados e contra quem, desde os primórdiosda Suprema Corte dos EUA, os nativos litigam, no Brasil só muito recentemente os tribunais concederam aos povos indígenas o direito de serem ouvidos quando o assunto é direito à terra. [...] No entanto, a perda dos territórios jamais foi esquecida ou aceita pelos indígenas. A conquista a duras penas dos direitos elencados nos artigos 231 e 232 da Constituição foi a oportunidade para as comunidades indígenas finalmente reivindicarem junto ao Estado o reconhecimento e a demarcação das terras de onde haviam sido, há não muito tempo, expulsos e desapropriados. Como consequência, a partir dos anos 90 do século XX, inicia-se no Brasil um amplo processo de demarcação de terras. Conforme a Funai, há 435 terras indígenas definitivamente regularizadas no país, sendo que mais de 98% da área demarcada está na Amazônia. [...] Por conta desses fatos, é que esta Corte encontra-se nestes dias diante do principal caso indígena de sua história: o RE No 1.017.365/SC, ao qual, acertadamente, reconheceu repercussão geral. Este processo trata justamente da espoliação de terras de comunidades indígenas que, em 1988, não estavam na posse diante do esbulho de não-índios e da impossibilidade de resistir. O tratamento que a Justiça Brasileira tem dispensado às comunidades indígenas, aplicando a chamada “tese do marco temporal” para anular demarcações de terras, é sem dúvida um dos exemplos mais cristalinos de injustiça que se pode oferecer a alunos de um curso de teoria da justiça. Não há ângulo sob o qual se olhe e se encontre alguma sombra de justiça e legalidade. Este Supremo Tribunal tem em suas mãos a oportunidade de corrigir esse erro histórico e, finalmente, garantir a justiça que a Constituição determinou que se fizesse aos povos originários. (Melo et al., 2021) Precisamos ter em mente que a presença dos povos indígenas nas matas significa a preservação da floresta e da sua biodiversidade. Em geral, nos grupos indígenas mais preservados, que são a maioria dos povos indígenas, predominam formas ancestrais de sociabilidade e de relação com a natureza que tornam efetivos os ideais de vida sustentável, o que na sociedade do homem branco soa muito mais como mera retórica. TEMA 4 – MODERNIZAÇÃO E DESENVOLVIMENTO No Brasil, a expressão modernização conservadora é “[...] assim chamada porque, diferentemente da reforma agrária, tem por objetivo o crescimento da A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 12 produção agropecuária mediante a renovação tecnológica, sem que seja tocada ou grandemente alterada a estrutura agrária” (Guimarães, 1977, p. 3). Em face de todo o exposto até aqui, o presente tópico busca refletir sobre o fenômeno da modernização e seus reflexos no desenvolvimento da América Latina. Para tanto, trazemos a contribuição de Nauroski e Rodrigues (2018, p. 85-87): Na América Latina, a noção de modernização se constituiu como adoção de padrões semelhantes aos dos países avançados, em termos tecnológicos, de consumo, de comportamento, nas instituições e ideias. Até a década de 1950, o eurocentrismo dominava os debates econômicos e políticos sobre a modernização da América Latina. Porém, as iniciativas modernizantes na região ocorreram apenas parcialmente, por uma série de fatores apontados pelos teóricos cepalinos e da dependência, como vimos anteriormente, dentre os quais: • os países latino-americanos eram fundamentalmente de estrutura agrária, com fraca industrialização; • a burguesia local nunca teve intenção de revolucionar as estruturas sociais, políticas e econômicas vigentes, tal como ocorreu na Europa; • os movimentos de independência não romperam com o padrão colonialista imposto na região; • tal padrão resultou em profundas desigualdades sociais e em economias periféricas e dependentes; • novamente, não houve interesse por parte das elites locais em diminuir as desigualdades e conquistar a soberania política e econômica. Desta forma, o processo modernizador da América Latina foi apenas parcial porque consistiu em adotar formas de governo republicanas, mas com fraca participação popular, e importar ou, por vezes, produzir produtos industrializados para serem consumidos por poucos estratos da população. No caso do Brasil, a própria mecanização do campo não resultou em uma completa modernização agrária, pois manteve intacto o latifúndio e a política de exportação de matérias-primas. A constatação destes fenômenos vistos como entraves à modernização vai resultar em novos debates a partir dos anos 1950, conforme já analisados nos capítulos anteriores. A percepção de que a maioria das economias latino-americanas são subdesenvolvidas e dependentes, e que sem um projeto de transformação política e econômica nunca irão superar essa condição, fez com que emergissem novas teorias sobre a modernização. TEMA 5 – ORDENAMENTO TERRITORIAL E SOCIEDADE Se desejamos preservar essa herança que recebemos ou se deixaremos que ela se degrade a ponto de atingir nossa própria vida, nossa própria casa. Ao chegar a uma situação dessas o ser humano percebe a degradação da qualidade de vida e percebe a importância de ter uma relação boa com a natureza, não agressiva e não destruidora com o meio ambiente. (Boff, [S.d.]) Desde que a humanidade inventou a agricultura, ou seja, o cultivo intencional de alimentos, as sociedades passaram por grandes mudanças. A principal delas foi a vida sedentária e a fixação de assentamentos próximos a rios e lagos. Não demorou para que as sociedades coletoras fossem A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 13 desaparecendo e houvesse um aumento exponencial do número de seres humanos em diversas regiões do planeta. Quanto mais gente, mais bocas para alimentar e maior a necessidade de expandir o cultivo agrícola. Tem início, assim, um processo de crescimento democrático e de expansão das cidades que continua até os dias de hoje. O avanço da presença humana em novas áreas tem causado diversos problemas de ordem ambiental. A partir de meados do século XIX tem-se intensificado o fluxo de imigração na direção das cidades, provocando um acelerado crescimento do consumo de energia. As cidades já respondem por 75% do consumo mundial de energia e por 80% das emissões de gases causadores do efeito estufa. (Carvalho; Rovere, 2013, p. 189) Em todo o mundo, e especialmente no Brasil, tem ocorrido um crescimento desordenado das cidades, provocando o aumento de diversas demandas nas áreas de habitação, mobilidade, energia, alimentos, infraestrutura etc. A crescente intervenção humana causa vários prejuízos, principalmente em áreas de preservação, que deveriam ser permanentes, mas que sofrem pressão por sua ocupação diante de novos territórios que avançam sobre os limites dessas áreas. É notório que a inércia do Poder Público e a interferência de interesses privados e eleitorais têm feito com que a legislação de proteção ambiental seja flexibilizada e descumprida. Isso fica mais evidente com as inúmeras denúncias e estudos que apontam a diminuição dos recursos naturais, o crescente desmatamento, a diminuição diária da mancha verde na Amazônia, a generalização do uso de agrotóxicos, principalmente por parte do cultivo das monoculturas, a expansão da agropecuária e o uso indevido dos lençóis freáticos, além da contaminação do solo e dos rios. Tratam-se esses de problemas interconectados, que ameaçam seriamente a capacidade da natureza de sustentar a vida. Não podemos deixar ao acaso e atribuir à mera eventualidade as inversões climáticas e outras manifestações naturais, como a desertificação paulatina ou as estiagens prolongadas, cada vez mais, frequentes na Região Oeste dos três Estados da Região Sul. Inundações, avanço das dunas ou do mar sobre edificações, deslizamentos de terra, poluição hídrica ou do solo poderão ser evitados ou mitigados com planejamentourbano. Em se tratando da natureza, presenciamos que não há recompensa nem punições, somente consequências. Até o cético mais empedernido quanto ao destino de nosso planeta deve render-se à necessidade de preservá- lo. Deve entender que é imperioso buscar-se um desenvolvimento sustentável da atividade humana. Conciliar o crescimento das cidades e econômico com a proteção dos recursos naturais. Que é impreterível a necessidade de aperfeiçoar-se a educação ambiental nas escolas. A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 14 Que o sistema capitalista deve curvar-se à iminente exigência de rever conceitos consumeristas (Santa Catarina, 2015, p. 16) O que está em jogo é a velha lógica de exploração ilimitada da natureza. Para Boff (2015), se os Estados e governos não tomarem medidas drásticas para corrigir o rumo do desenvolvimento predatório ainda em voga, em pouco tempo será difícil reverter os efeitos deletérios disso para todos os habitantes da Terra. A contaminação do solo e das águas, o desmatamento sistemático, a desertificação e o aquecimento global estão afetando os processos vitais da natureza para sustentar a biodiversidade e os diferentes biomas existentes no planeta. A legislação de proteção ao meio ambiente brasileira é considerada uma das mais completas e avançadas do mundo e visa principalmente proteger o meio ambiente e promover o desenvolvimento sustentável. A própria Constituição Federal buscou tutelar esse direito e garantir que a legislação que lhe fosse complementar contemplasse os diversos aspectos dessa questão. Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. § 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao poder público: I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas; II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético; III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção; IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade; V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente; VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente; VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade. § 2º Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei. § 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados. A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 15 § 4º A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais. § 5º São indisponíveis as terras devolutas ou arrecadadas pelos Estados, por ações discriminatórias, necessárias à proteção dos ecossistemas naturais. § 6º As usinas que operem com reator nuclear deverão ter sua localização definida em lei federal, sem o que não poderão ser instaladas. § 7º Para fins do disposto na parte final do inciso VII do § 1º deste artigo, não se consideram cruéis as práticas desportivas que utilizem animais, desde que sejam manifestações culturais, conforme o § 1º do art. 215 desta Constituição Federal, registradas como bem de natureza imaterial integrante do patrimônio cultural brasileiro, devendo ser regulamentadas por lei específica que assegure o bem-estar dos animais envolvidos. (Brasil, 1988) Além do diploma constitucional, existe um conjunto amplo de leis e instrumentos de proteção ao meio ambiente. Vejamos: • Novo Código Florestal Brasileiro – Lei n. 12.651/2012 (Brasil, 2012b); • Lei de Crimes Ambientais – Lei n. 9.605/1998 (Brasil, 1998); • Política Nacional do Meio Ambiente – Lei n. 6.938/1981 (Brasil, 1981b); • Lei da Fauna – Lei n. 5.197/1967 (Brasil, 1967); • Política Nacional de Recursos Hídricos – Lei n. 9.433/1997 (Brasil, 1997); • Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza – Lei n. 9.985/2000 (Brasil, 2000); • Área de Proteção Ambiental – Lei n. 6.902/1981 (Brasil, 1981a); • Política agrícola – Lei n. 8.171/1991 (Brasil, 1991). O ordenamento jurídico brasileiro possui, assim, uma legislação bem elaborada, porém, em relação às leis ambientais, existem lacunas em sua aplicação, possibilitando a má-fé e os abusos. O próprio Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) dispõe de um vasto conjunto de dados que atestam o aumento da prática de crimes ambientais contra a fauna e a flora, que causam sério risco de extinção de várias espécies, uma situação que vem se agravando com a ampliação das fronteiras de cultivo (que provoca a perda de habitats), a caça esportiva ou para subsistência, feita de maneira irregular, ou ainda a prática de tráfico de animais silvestres. A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 16 NA PRÁTICA Face a todo o exposto, tendo em mente os conteúdos trabalhados, realize uma pesquisa sobre as vantagens da agroecologia. Após a realização da pesquisa, explique o que é a agroecologia e, se possível, indique áreas e locais onde essa prática é utilizada em pequena, média ou larga escala. Sugestão de fonte: assista ao vídeo Agroecologia, agrofloresta e Panc: Valdely Kinupp (2020), disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=1H4ySHAJyB4&ab_channel=MatonoPrato >. FINALIZANDO Em nossos estudos, foi possível construir uma reflexão sobre os seguintes temas: • Os processos de integração das Américas Latina, do Sul e Caribe avançaram com a criação de iniciativas como a Unasul e o Mercosul, mas ainda falta muito para se alcançar uma verdadeira soberania na região. • A partir dos governos de esquerda e progressistas na região, a questão da democracia e dos direitos humanos foi se objetivando em projetos, ações e políticas públicas, que recrudesceram com a nova ofensiva de imposição da influência e dos interesses estadunidenses nas Américas. • A questão indígena, no Brasil, principalmente, que vinha avançando em relação ao reconhecimento de direitos, cidadania e território, pode passar por terrível revés se aprovado o chamado Marco Temporal. • O processo de modernização na América Latina, sobretudo no Brasil, leva a marca da contradição entre a geração e a concentração de riqueza, por um lado, e aumento da pobreza e da desigualdade, por outro. • Por fim, as questões da proteção ambiental e da ocupação dos territórios no campo e na cidade precisam de conscientização da sociedade, atuação dura do Estado para punir infratores e busca de alternativas sustentáveis de desenvolvimento.A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 17 REFERÊNCIAS AGROECOLOGIA, agrofloresta e Panc: Valdely Kinupp. Mato no Prato, 1 nov. 2020. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=1H4ySHAJyB4&ab_channel=MatonoPrat>. Acesso em: 22 nov. 2021. ALERJ – Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. Constituição Federal: Capítulo VIII. VIII – DOS ÍNDIOS (ARTS. 231 E 232). [S.d.]. Disponível em: <http://alerjln1.alerj.rj.gov.br/constfed.nsf/16adba33b2e5149e032568f60071600 f/93b6718ed334dc14032565620070ecfc?OpenDocument#TOPO>. Acesso em: 22 nov. 2021. BARROS, R. T. L. Percalços da integração latino-americana: análise comparada dos regionalismos das décadas de 1960, 1990 e 2000. Revista Conjuntura Global, v. 7, n. 1, p. 19-35, 2018. Disponível em: <https://revistas.ufpr.br/conjgloblal/article/download/56939/35438>. Acesso em: 18 nov. 2021. BOFF, L. “A escola deve se articular com a natureza diretamente”, diz Leonardo Boff. DHnet, [S.d.]. Entrevista coletiva. Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/direitos/cartadaterra/escola_articular_lboff.htm>. Acesso em: 22 nov. 2021. _____. Sustentabilidade: o que é, o que não é. 4. ed. 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