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1 DIREITOS HUMANOS – CAIO PAIVA CURSO CEI - AULA 03 – 05.05.2021 EVOLUÇÃO HISTÓRICA, ARQUITETURA NORMATIVA E ESTRUTURA DA ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU) 1. Evolução histórica do sistema global de proteção dos direitos humanos Com o fim da Segunda Guerra Mundial, a comunidade internacional sentiu a necessidade de criar um sistema de proteção internacional dos direitos humanos, dotado de instrumentos e mecanismos para processar e eventualmente declarar a responsabilidade internacional dos Estados. O sistema global – também conhecido por sistema universal ou sistema onusiano – começa com a adoção, em junho de 1945, em São Francisco (EUA), da Carta das Nações Unidas, que constitui a organização internacional chamada de Organização das Nações Unidas, a ONU. Embora a expressão “direitos humanos” apareça seis vezes na Carta das Nações Unidas, não se encontra na Carta uma definição nem tampouco um catálogo de direitos humanos, mas apenas que o respeito e a promoção desses direitos seriam prioridade da ONU e dever dos Estados- Membros. Conforme registram Buergenthal, Grossman e Nikken, durante a Conferência de São Francisco foram apresentadas diversas propostas para incorporar à Carta da ONU um capítulo reconhecendo os direitos essenciais do ser humano, não tendo estas, porém, sido acolhidas pela Assembleia-Geral das Nações Unidas (AGNU). Ainda que a Carta da ONU não tenha estabelecido um catálogo de direitos humanos, foi ela que iniciou o processo de internacionalização dos 2 direitos humanos, projetando a mensagem de que a violação desses direitos não mais constituiria um assunto exclusivo da jurisdição doméstica dos Estados. Nesse sentido, conforme ressalta Hans-Joachim Heintze: “A inclusão da obrigação de se respeitarem os direitos humanos na Carta da ONU foi um marco histórico no Direito Internacional Público, pois pela primeira vez os Estados comprometiam-se perante outros Estados a adotar um comportamento determinado ante os não sujeitos do direito internacional, ou seja, seus habitantes desprovidos de direitos”. A próxima etapa da evolução histórica do sistema global consistiu na sua codificação geral, tarefa que foi incumbida à Comissão de Direitos Humanos (CDH), órgão subsidiário do Conselho Econômico e Social (ECOSOC, na sua sigla em inglês), criado nos termos do art. 68 da Carta das Nações Unidas. Assim, a CDH recebeu a incumbência de elaborar uma Carta Internacional de Direitos Humanos, que consistiria, segundo o plano original, num único documento de direitos humanos, com natureza de tratado – logo, vinculante –, abrangendo tanto o catálogo de direitos humanos quanto os mecanismos de proteção. O processo de construção da Carta Internacional de Direitos Humanos não seguiu o plano original da CDH, e isso porque logo no início dos trabalhos da Comissão surgiram discussões muito polêmicas como, por exemplo: A Carta teria ou não força vinculante? Qual deveria ser a natureza dos direitos protegidos? 3 Quais seriam os mecanismos adequados para assegurar a proteção desses direitos? Por isso, a CDH resolveu primeiro elaborar um projeto de declaração, sem força vinculante, que estabeleceria apenas um catálogo de direitos humanos – preenchendo, assim, a lacuna da Carta das Nações Unidas –, e, posteriormente, apresentaria um projeto de tratado de direitos humanos, este com força vinculante, desenvolvendo em mais detalhes o conteúdo da declaração, assim como estabelecendo mecanismos internacionais de proteção. Em 1947, a CDH submeteu à AGNU o projeto de Declaração Universal dos Direitos Humanos, tendo este sido aprovado no ano seguinte, em 10.12.1948. Após a aprovação da DUDH, a CDH deu seguimento à elaboração da Carta Internacional de Direitos Humanos, não conseguindo, porém, aprovar um tratado internacional único para legalizar ou juridicizar os direitos humanos proclamados na DUDH, e isso principalmente porque os blocos socialista e capitalista não chegaram a um consenso sobre a aplicação dos direitos econômicos, sociais e culturais, isto é, se desfrutariam de aplicabilidade imediata ou se a sua aplicação seria progressiva (os países socialistas defenderam a adoção de um tratado único). Diante desse impasse, a AGNU pediu ao ECOSOC que orientasse a CDH a elaborar dois Pactos, um contendo os direitos civis e políticos, e o outro contendo os direitos econômicos, sociais e culturais. O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (PIDCP) e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC) foram aprovados pela AGNU no mesmo dia, em 16.12.1966, tendo entrado em vigor também no mesmo ano, em 1976, após o depósito do 35º instrumento de ratificação. A principal diferença entre os Pactos de 1966 consiste justamente naquilo que ensejou a adoção de dois documentos distintos, prevista nos respectivos artigos 2o. Enquanto o PIDCP assegura a aplicação imediata dos direitos civis e políticos, o PIDESC prevê a aplicação progressiva dos direitos econômicos, sociais e culturais. 4 Finalmente, a última etapa da Carta Internacional de Direitos Humanos foi concluída com a criação dos mecanismos de proteção dos direitos humanos: em 1966, com o Protocolo Facultativo ao PIDCP, e em 2008, com o Protocolo Facultativo ao PIDESC, atribuindo aos respectivos Comitês competências de monitoramento dos direitos humanos. Assim, pode-se dizer que a Carta Internacional dos Direitos Humanos compõe-se da Declaração Universal dos Direitos Humanos, dos Pactos de 1966 e seus respectivos protocolos facultativos. A evolução histórica do sistema global de proteção dos direitos humanos não se esgota na elaboração da Carta Internacional de Direitos Humanos, tendo prosseguido com a adoção de diversos tratados temáticos, documentos soft law e outros mecanismos – convencionais e extraconvencionais – de proteção dos direitos humanos (tema das próximas aulas). 2. Arquitetura normativa Carta Internacional de Direitos Humanos: Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), PIDCP (1966), Protocolo Facultativo ao PIDCP (1966), Segundo Protocolo Facultativo ao PIDCP (1989), PIDESC (1966) e Protocolo Facultativo ao PIDESC (2008). Tratados temáticos ou específicos: Racial, Mulher, Tortura, Criança, Refugiados, Pessoas com Deficiência etc. Documentos soft law: Declarações, Princípios Básicos, Regras Mínimas, Diretrizes etc. 3. Estrutura da ONU A ONU foi criada pela Conferência de São Francisco, em 1945, quando foi adotada a Carta das Nações Unidas. O Brasil ratificou a Carta e a incorporou no direito interno por meio do Decreto no 19.841/1945. Os propósitos da ONU foram previstos no art. 1o da Carta, sendo eles os seguintes: 5 1. Manter a paz e a segurança internacionais e, para esse fim: tomar, coletivamente, medidas efetivas para evitar ameaças à paz e reprimir os atos de agressão ou outra qualquer ruptura da paz e chegar, por meios pacíficos e de conformidade com os princípios da justiça e do direito internacional, a um ajuste ou solução das controvérsias ou situações que possam levar a uma perturbação da paz; 2. Desenvolver relações amistosas entre as nações, baseadas no respeito ao princípio de igualdade de direitos e de autodeterminação dos povos, e tomar outras medidas apropriadas ao fortalecimento da paz universal; 3. Conseguir uma cooperação internacional para resolver os problemas internacionais de caráter econômico, social, cultural ou humanitário, e para promover e estimular o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião; e 4. Ser um centro destinado a harmonizar a ação das nações para a consecução desses objetivos comuns. Para a realização desses propósitos, o art. 2º da Carta estabelece os princípios que devem nortearas atividades da ONU e de seus membros: 1. A Organização é baseada no princípio da igualdade de todos os seus Membros. 2. Todos os Membros, a fim de asseguraram para todos em geral os direitos e vantagens resultantes de sua qualidade de Membros, deverão cumprir de boa fé as obrigações por eles assumidas de acordo com a presente Carta. 3. Todos os Membros deverão resolver suas controvérsias internacionais por meios pacíficos, de modo que não sejam ameaçadas a paz, a segurança e a justiça internacionais. 4. Todos os membros deverão evitar em suas relações internacionais a ameaça ou o uso da força contra a integridade territorial ou a 6 dependência política de qualquer Estado, ou qualquer outra ação incompatível com os Propósitos das Nações Unidas. 5. Todos os membros darão às Nações toda assistência em qualquer ação a que elas recorrerem de acordo com a presente Carta e se absterão de dar auxílio a qual Estado contra o qual as Nações Unidas agirem de modo preventivo ou coercitivo. 6. A Organização fará com que os Estados que não são Membros das Nações Unidas ajam de acordo com esses Princípios em tudo quanto for necessário à manutenção da paz e da segurança internacionais. 7. Nenhum dispositivo da presente Carta autorizará as Nações Unidas a intervirem em assuntos que dependam essencialmente da jurisdição de qualquer Estado ou obrigará os Membros a submeterem tais assuntos a uma solução, nos termos da presente Carta; este princípio, porém, não prejudicará a aplicação das medidas coercitivas constantes do Capítulo VII [a serem adotadas pelo Conselho de Segurança em casos de ameaças à paz, de ruptura da paz e de atos agressão]. São Membros da ONU os Estados que tenham assinado e ratificado a Carta de São Francisco (art.3º). A admissão como Membro das Nações Unidas é efetuada por decisão da Assembleia Geral, mediante recomendação do Conselho de Segurança (art. 4.2). Os artigos 5o e 6o da Carta preveem tanto a possibilidade da suspensão quanto de expulsão de um Estado-Membro das Nações Unidas, sempre mediante recomendação do Conselho de Segurança, nos casos, respectivamente, de ação preventiva ou coercitiva do CS e de violação persistente dos princípios contidos na Carta. A Carta das Nações Unidas estabelece como sendo os órgãos principais da ONU (art. 7.1): a Assembleia Geral, o Conselho de Segurança, o Conselho Econômico e Social, o Conselho de Tutela (não está mais em funcionamento), a Corte Internacional de Justiça e o Secretariado. Além desses órgãos principais, outros de natureza subsidiária podem ser criados de acordo com a Carta (art. 7.2), sendo exemplos importantes no 7 âmbito da matéria de direitos humanos o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) e o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA). Vejamos abaixo um organograma sobre o Sistema das Nações Unidas e seus órgãos principais e subsidiários (documento extraído do site da ONU Brasil):