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CENTRO UNIVERSITÁRIO FAVENI METODOLOGIA E PRÁTICA DO ENSINO DA FILOSOFIA GUARULHOS - SP 2 SUMÁRIO 1 O ESTUDO DA FILOSOFIA .................................................................................... 3 1.1 A Filosofia ............................................................................................................. 4 1.2 O que é Filosofia ................................................................................................... 6 1.3 Surgimento ............................................................................................................ 7 1.4 A Filosofia para alguns filósofos ........................................................................... 9 2 NASCIMENTO DA FILOSOFIA ............................................................................. 10 3 HISTÓRIA DA FILOSOFIA.................................................................................... 16 3.1 A Filosofia Antiga ................................................................................................ 22 3.2 As principais características da Filosofia ............................................................ 23 3.3 A importância de ensinar Filosofia ...................................................................... 25 4 FILOSOFIA DA CIÊNCIA ...................................................................................... 26 4.1 Questões de estudo da Filosofia ......................................................................... 29 5 FILOSOFIA NO BRASIL ....................................................................................... 31 5.1 História da Filosofia no Brasil .............................................................................. 33 6 O ENSINO DA FILOSOFIA ................................................................................... 34 6.1 Não se ensina filosofia, mas a filosofar ............................................................... 38 6.2 Histórico da Filosofia como disciplina no Brasil .................................................. 41 6.3 Rumos do Ensino da Filosofia ............................................................................ 48 7 EDUCAÇÃO AMBIENTAL..................................................................................... 52 7.1 O que é educação ambiental .............................................................................. 53 7.2 Ensino da Filosofia e educação ambiental .......................................................... 54 8 A FILOSOFIA COMO INSTRUMENTALIZAÇÃO REFLEXIVA NA FORMAÇÃO DO EDUCANDO .............................................................................................................. 59 8.1 A importância da filosofia na formação do educador .......................................... 61 8.2 A Educação a partir da experiência .................................................................... 62 8.3 A Educação que conduz à reflexão .................................................................... 64 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 67 3 1 O ESTUDO DA FILOSOFIA "A Filosofia contribui para o estudo da Ética e Moral, demanda social negligenciada na formação do cidadão brasileiro" - Arthur Meucci. Para muitos, perda de tempo, pois exige maturidade intelectual que a maioria dos alunos não tem. Mas há defensores fervorosos de sua inclusão no currículo, caso do filósofo e psicanalista Arthur Meucci. "É a única disciplina da grade escolar que faz a ponte entre o português, a sociologia, a história e a matemática, além de contribuir para o estudo da Ética e Moral, demanda social negligenciada na formação do cidadão brasileiro", destaca. Filosofia é uma palavra grega que significa “amor à sabedoria” e consiste no estudo de problemas fundamentais relacionados à existência, ao conhecimento, à verdade, aos valores morais e estéticos, à mente e à linguagem. Filósofo é um indivíduo que busca o conhecimento de si mesmo, sem uma visão pragmática, movido pela curiosidade e sobre os fundamentos da realidade. Além do desenvolvimento da filosofia como uma disciplina, a filosofia é intrínseca à condição humana, não é um conhecimento, mas uma atitude natural do homem em relação ao universo e seu próprio ser. Fonte: filosofiacienciaevida.com.br 4 A filosofia foca questões da existência humana, mas diferentemente da religião, não é baseada na revelação divina ou na fé, e sim na razão. Desta forma, a filosofia pode ser definida como a análise racional do significado da existência humana, individual e coletivamente, com base na compreensão do ser. Apesar de ter algumas semelhanças com a ciência, muitas das perguntas da filosofia não podem ser respondidas pelo empirismo experimental. A filosofia pode ser dividida em vários ramos. A “filosofia do ser”, por exemplo, inclui a metafísica, ontologia e cosmologia, entre outras disciplinas. A filosofia do conhecimento inclui a lógica e a epistemologia, enquanto filosofia do trabalho está relacionada a questões da ética. Diversos filósofos deixaram seu nome gravado na história mundial, com suas teorias que são debatidas, aceitas e condenadas até os dias de hoje. Alguns desses filósofos são Aristóteles, Pitágoras, Platão, Sócrates, Descartes, Locke, Kant, Freud, Habermas e muitos outros. Cada um desses filósofos fez suas teorias baseadas nas diversas disciplinas da filosofia, lógica, metafísica, ética, filosofia política, estética e outras. De acordo com Platão, um filósofo tenta chegar ao conhecimento das ideias, do verdadeiro conhecimento caracterizado como episteme, que se opõe à doxa, que é baseado somente na aparência. Segundo Aristóteles, o conhecimento pode ser divido em três categorias, de acordo com a conduta do ser humano: conhecimento teórico (matemática, metafísica, psicologia), conhecimento prático (política e ética) e conhecimento poético (poética e economia). Nos dias de hoje a palavra "filosofia" é muitas vezes usada para descrever um conjunto de ideias ou atitudes, como por exemplo: "filosofia de vida", "filosofia política", "filosofia da educação", "filosofia do reggae" e etc.1. 1.1 A Filosofia A filosofia não é um conjunto de conhecimentos prontos, um sistema acabado, fechado em si mesmo. A filosofia é uma maneira de pensar e é também uma postura diante do mundo. Antes de mais nada, ela é uma forma de observar a realidade que 1 Texto extraído de: www.significados.com.br 5 procura pensar os acontecimentos além da sua aparência imediata. Ela pode se voltar para qualquer objeto: pode pensar sobre a ciência, seus valores e seus métodos; pode pensar sobre a religião, a arte; o seu cotidiano, o próprio homem em sua cultura e imagem. A filosofia em síntese não é tão somente uma interpretação do já vivido, daquilo que você possa estar objetivando, mais também a interpretação das aspirações e desejos do que ainda está por vir e do que está para chegar. Para iniciar o exercício de filosofa, a primeira coisa a fazer é admitir que vivemos e vivenciamos valores e que é preciso saber quais são eles. Filosofia é inventariar os valores que explicam e orientam nossa vida e a vida da sociedade, e que dimensionam as finalidades da prática humana. O segundo momento é o momento da crítica que é um modo de penetrar dentro desses valores, descobrindo -lhe a sua existência. A filosofia e educação estão vinculadas no tempo e no espaço. A pedagogia inclui mais elementos do que o pressuposto filosófico da educação, tais como os processos socioculturais, a concepção psicológica do educando e a forma do processo educacional. Para que possamos compreender ainda mais essa filosofiae como ela é parte de uma educação inteiramente possuída pela realidade e construção cultural, segundo o filósofo e educador Demerval Saviani, a reflexão filosófica deve possuir as seguintes características: 6 1.2 O que é Filosofia A pergunta pelo que é a Filosofia é, em si, uma investigação filosófica cujas tentativas de resposta ocorrem desde Pitágoras, que cunhou o termo. O que é isto: a Filosofia? Se essa pergunta continua a ser feita é porque é um desafio a tentativa de respondê-la. Não há uma definição simples que consiga resolver a questão, pela própria extensão do conteúdo produzido que se convencionou chamar de “filosofia” e pelas diferentes respostas que os filósofos deram a ela no decorrer da história, muitas vezes refutando as interpretações de outros. Ou seja, a própria questão “O que é Filosofia” é aquilo que chamamos de “problema filosófico”: problemas que só podem ser resolvidos por meio da investigação racional, pois não podem ser constatados por meio de uma experimentação, como faz a Matemática, através de cálculos, ou de análise de documentos, como faz a História, por exemplo. Vamos tomar a palavra “Justiça” como exemplo, pelo método histórico, nós podemos fazer uma investigação de quando essa noção aparece, em qual contexto, quais foram seus antecedentes, qual o sentido essa palavra teve em determinada época. Se dois sócios querem dividir os lucros da empresa de forma justa, ou seja, dividindo igualmente o lucro e os custos, a Matemática pode nos ajudar a partir de 7 cálculos. No entanto, se tentarmos responder “O que é a justiça?” ou: “Faz parte da condição humana a noção de justiça?”, o único recurso que teremos será a nossa razão, a nossa capacidade de pensar. Desde a invenção da palavra “filosofia”, por Pitágoras, temos diversos problemas filosóficos e diversas respostas a cada um deles. Para os pré- socráticos: a physis; para a Filosofia Antiga: a atividade política, técnicas e ética do homem; para a Filosofia Medieval, o conflito entre fé e razão, os Universais, a existência de Deus, a conciliação entre Presciência divina e Livre-arbítrio; para a Filosofia Moderna, o empirismo e o racionalismo, para a Filosofia Contemporânea,diversos problemas a respeito da existência, da linguagem, da arte, da ciência, entre outros. Temos também uma diversidade de formas literárias da filosofia: Parmênides escreveu em forma de poema; Platão escreveu diálogos; Epicuro escreveu cartas; Tomás de Aquinodesenvolveu o método “questio disputatio” em suas aulas que foram transcritas por seus alunos;Nietzsche escreveu em forma de aforismos. Por esses exemplos, que não esgotam a pluralidade da escrita e da atividade filosófica, podemos compreender que as formas de se fazer filosofia vão muito além dos tratados e das dissertações. A compreensão que temos por vezes da Filosofia como uma atividade reservada a gênios e que, portanto, não precisa se preocupar em se fazer entendida aos demais humanos é baseada em uma compreensão da atividade do pensamento sendo superior à atividade da linguagem, como se elas estivessem dissociadas. Ora, não podemos ainda, por mais desenvolvidas que estejam as nossas tecnologias, expressar o pensamento sem linguagem e nem exercitar a linguagem sem que ela seja, antes, elaborada pelo pensamento. 1.3 Surgimento A Filosofia, como conhecemos hoje, ou seja, no sentido de um conhecimento racional e sistemático, foi uma atividade que, segundo se defende na história da filosofia, iniciou na Grécia Antiga formada por um conjunto de cidades-Estado (pólis) independentes. Isso significa que a sociedade grega reunia características 8 favoráveis a essa forma de expressão pautada por uma investigação racional. Essas características eram: poesia, religião e condições sociopolíticas. A partir do século VII a.C., os homens e as mulheres não se satisfazem mais com uma explicação mítica da realidade. O pensamento mítico explica a realidade a partir de uma realidade exterior, de ordem sobrenatural, que governa a natureza. O mito não necessita de explicação racional e, por isso, está associado à aceitação dos indivíduos e não há espaço para questionamentos ou críticas. É em Mileto, situado na Jônia (atual Turquia), no século VI a.C. que nasce Tales que, para a Aristóteles é o iniciador do pensamento filosófico que se distingue do mito. No entanto, o pensamento mítico, embora sem a função de explicar a realidade, ainda ecoa em obras filosóficas, como as de Platão, dos neoplatônicos e dos pitagóricos. A autoria da palavra “filosofia” foi atribuída pela tradição a Pitágoras. As duas principais fontes sobre isso são Cícero e Diógenes Laércio. Vejamos o que escreve Cícero: “O doutíssimo discípulo de Platão, Heráclides Pontico, narra que levaram a Fliunte alguém que discorreu douta e extensamente com Leonte, príncipe dos fliúncios. Como seu engenho e eloquência tivessem sido apreciados por Leonte, este lhe perguntou que arte professasse, ao que ele respondeu que não conhecia nenhuma arte especial, mas que era filósofo. Admirado Leonte diante da novidade daquele termo, perguntou que tipo de pessoas eram os filósofos e o que os distinguia dos outros homens. (...) [Pitágoras respondeu] Outrossim, os homens (…) comparam-se com os que vão da cidade a uma festa popular: alguns vão em busca de glória enquanto outros de ganho, restando, todavia, alguns poucos que desconsiderando completamente as outras atividades, investigam com afinco a natureza das coisas: estes se dizem investigadores da sabedoria - quer dizer filósofos - e como é bem mais nobre ser espectador desinteressado, também na vida a investigação e o conhecimento da natureza das coisas estão acima de qualquer outra atividade”. Percebe-se que por meio desse fragmento de Cícero que: 9 1) A fonte na qual ele se baseia para escrever sobre Pitágoras é Heráclides Pontico, discípulo de Platão, mas que era também influenciado pelos pitagóricos. No entanto, não se sabe da veracidade a respeito dessa informação, como nota Ferrater Mora que também observa que não é possível saber se “filósofo” para Pitágoras significa o mesmo que significaria para Platão ou Aristóteles. 2) Pitágoras em vez de se denominar como “sábio”, prefere se denominar “filósofo”, ou seja, aquele que tem amor pela sabedoria. Também percebemos que aparece nome “filósofo” e não “Filosofia” que, como atividade, tem origem posterior. Como se pode ver no fragmento, não havia na época uma “arte especial”. 1.4 A Filosofia para alguns filósofos Aristóteles (384 a.C. - 322 a.C.): “A admiração sempre foi, antes como agora, a causa pela qual os homens começaram a filosofar: a princípio, surpreendiam-se com as dificuldades mais comuns; depois, avançando passo a passo, tentavam explicar fenômenos maiores, como, por exemplo, as fases da lua, o curso do sol e dos astros e, finalmente, a formação do universo. Procurar uma explicação e admirar-se é reconhecer-se ignorante." Epicuro (341 a . C. - 270 a . C.): "Nunca se protele o filosofar quando se é jovem, nem o canse fazê-lo quando se é velho, pois que ninguém é jamais pouco maduro nem demasiado maduro para conquistar a saúde da alma. E quem diz que a hora de filosofar ainda não chegou ou já passou assemelha-se ao que diz que ainda não chegou ou já passou a hora de ser feliz." Edmund Husserl (1859-1938): "O que pretendo sob o título de filosofia, como fim e campo de minhas elaborações, sei-o naturalmente. E contudo não o sei... Qual o pensador para quem, na sua vida de filósofo, a filosofia deixou de ser um enigma?" Friedrich Nietzsche (1844-1900): “Um filósofo: é um homem que experimenta, vê, ouve, suspeita, espera e sonha constantemente coisas extraordinárias; que é atingido pelos próprios pensamentos como se eles viessem de fora, de cima e de baixo, como por uma espéciede acontecimentos e de faíscas de que só ele pode ser alvo; que é talvez, ele próprio, uma trovoada prenhe de relâmpagos novos; um homem 10 fatal, em torno do qual sempre tomba e rola e rebenta e se passam coisas inquietantes”. (Para além do bem e do mal, p. 207) Kant (1724-1804): “Não se ensina filosofia, ensina-se a filosofar”. Ludwig Wittgenstein (1889-1951): "Qual o seu objetivo em filosofia? - Mostrar à mosca a saída do vidro." Maurice Merleau-Ponty (1908-1961): "A verdadeira filosofia é reaprender a ver o mundo." Gilles Deleuze (1925-1996) e Félix Guattari (1930-1993): "A filosofia é a arte de formar, de inventar, de fabricar conceitos... O filósofo é o amigo do conceito, ele é conceito em potência... Criar conceitos sempre novos é o objeto da filosofia." Karl Jaspers (1883-1969): “As perguntas em filosofia são mais essenciais que as respostas e cada resposta transforma-se numa nova pergunta” (Introdução ao pensamento filosófico, p. 140). García Morente (1886-1942): “Para abordar a filosofia, para entrar no território da filosofia, é absolutamente indispensável uma primeira disposição de ânimo. É absolutamente indispensável que o aspirante a filósofo sinta a necessidade de levar seu estudo com uma disposição infantil. (…) Aquele para quem tudo resulta muito natural, para quem tudo resulta muito fácil de entender, para quem tudo resulta muito óbvio, nunca poderá ser filósofo”. (Fundamentos de filosofia, p. 33-34). Fonte: clinicasaobento.com 2 NASCIMENTO DA FILOSOFIA 11 Os historiadores da Filosofia situam o seu nascimento no final do século VII e início do século VI antes de Cristo, nas colônias gregas da Ásia Menor, na cidade de Mileto. E aquele a quem primeiro atribuiu-se esse título foi Tales de Mileto. Em seu nascimento a filosofia caracteriza-se como uma cosmologia. A palavra cosmologia é composta de duas outras: cosmos, que significa mundo ordenado e organizado, e logia, que vem da palavra logos, que significa pensamento racional, discurso racional, conhecimento. Assim, a Filosofia nasce como conhecimento racional da ordem do mundo ou da Natureza, de onde: cosmologia. Ainda dentro deste contexto podemos dizer que a Filosofia nasceu realizando uma transformação gradual sobre os mitos gregos, embora alguns autores defendam uma ruptura radical com os mitos. [...] o advento da filosofia, na Grécia, marca o declínio do pensamento mítico e o começo de um saber de tipo racional [...] homens como Tales, Anaximandro, Anaxímenes inauguram um novo modelo de reflexão concernente à natureza [...] da origem do mundo, de sua composição, de sua ordem, dos fenômenos metereológicos, propõem explicações livres de toda a imaginária dramática das teogonias e cosmogonias antigas (VERNANT, 2006, p. 109). O que é um mito? Um mito é uma narrativa sobre a origem de algo, como a origem dos deuses, dos astros, da Terra, dos homens, da água, do bem e do mal etc. e se opõe ao logos que é um tipo de raciocínio que “[...] procura convencer, acarretando no ouvinte a necessidade de julgar” (BRANDÃO, 1986, p. 13). A palavra mito vem do grego, mythos, e deriva de dois verbos: do verbo mytheyo (contar, narrar, falar alguma coisa para outros) e do verbo mytheo (conversar, contar, anunciar, nomear, designar). Para os gregos, mito é um discurso diferente do logos pois é pronunciado ou proferido para ouvintes que recebem como verdadeira a narrativa, porque confiam naquele que narra: “Acredita- se nele ou não, à vontade, por um ato de fé, se o mesmo parece "belo" ou verossímil, ou simplesmente porque se deseja dar-lhe crédito” (BRANDÃO, 1986, p. 14). As narrativas míticas gregas nos foram relatadas sobretudo por Homero e Hesíodo, o primeiro, segundo a tradição, é autor de a Ilíada e a Odisséia, enquanto que o segundo é autor de Teogonia e Os trabalhos e os dias. Quem narra o mito? O poeta-rapsodo. Quem é ele? Por que tem autoridade? Acredita-se que o poeta é um escolhido dos deuses, que lhes mostram os acontecimentos passados e permitem que ele veja a origem de todos os seres e de 12 todas as coisas para que possa transmiti-la aos ouvintes. Sua palavra - o mito - é sagrada porque vem de uma revelação divina. O mito é, pois, incontestável e inquestionável. Como exemplo dessas narrativas temos o titã Prometeu, que roubou uma centelha de fogo e a trouxe de presente para os humanos. Prometeu foi castigado (amarrado num rochedo para que as aves de rapina, eternamente, devorassem seu fígado) e os homens também. Qual foi o castigo dos homens? Os deuses fizeram uma mulher encantadora, Pandora, a quem foi entregue uma caixa que conteria coisas maravilhosas, mas nunca deveria ser aberta. Pandora foi enviada aos humanos e, cheia de curiosidade e querendo dar a eles as maravilhas, abriu a caixa. Dela saíram todas as desgraças, doenças, pestes, guerras e, sobretudo, a morte. Explica-se, assim, a origem dos males no mundo. Já foi há muito tempo observado que o antecedente da cosmologia filosófica é constituído pelas teogonias e cosmogonias mítico-poéticas, das quais é muito rica a literatura grega, e cujo protótipo paradigmático é a Teogonia de Hesíodo, a qual, explorando o patrimônio da precedente tradição mitológica, traça uma imponente síntese de todo o material, reelaborando-o e sistematizando-o organicamente. A Teogonia de Hesíodo narra o nascimento de todos os deuses; e, dado que alguns deuses coincidem com partes do universo e com fenômenos do cosmo, além de teogonia ela se torna também cosmogonia, ou seja, explicação da gênese do universo e dos fenômenos cósmicos. Hesíodo imagina ter tido, aos pés do Hélicon, na Beócia, uma visão das Musas, e ter recebido delas a revelação da verdade. Em primeiro lugar, diz ele, gerou-se o Caos, em seguida gerou-se Gaia (a Terra), em cujo seio amplo estão todas as coisas, e das profundidades da Terra gerou-se o Tártaro escuro, e, por fim, Eros (o Amor) que, depois, deu origem a todas as outras coisas. Do Caos nasceram Erebo e Noite, dos quais se geraram o Eter (o Céu superior) e Emera (o Dia). E da Terra sozinha se geraram Urano (o Céu estrelado), assim como o mar e os montes; depois, juntando- se com o Céu, a Terra gerou Oceano e os rios (cf. REALE, G. História da Filosofia, vol. I.) O mito narra, assim, a origem das coisas por meio de lutas, alianças e relações entre forças sobrenaturais que governam o mundo e o destino dos homens. Como os mitos sobre a origem do mundo são genealogias, diz-se que são cosmogonias e teogonias. 13 Considera-se, portanto, que a Filosofia, percebendo as contradições e limitações dos mitos, foi reformulando e racionalizando as narrativas míticas, transformando-as numa outra coisa, numa explicação inteiramente nova e diferente. O pensamento filosófico em seu nascimento tinha como traços principais: Tendência à racionalidade: a razão é o critério de explicação da realidade; A Natureza: que opera obedecendo leis e princípios racionais e, portanto, pode ser conhecida pelo nosso pensamento e pela nossa razão; O Cosmo: entendido como ordem, é uma ordem racional; é a racionalidade deste mundo que o torna compreensível ao entendimento humano; daí, Cosmologia. A Filosofia: entendida como aspiração ao conhecimento racional, lógico e sistemático da realidade natural e humana, da origem e causas do mundo e de suas transformações, da origem e causas das ações humanas e do próprio pensamento, é um fato tipicamente grego. Evidentemente, isso não quer dizer, de modo algum, que outros povos, tão antigos quanto os gregos, como os chineses, os hindus, os japoneses, os árabes, os persas, os hebreus, os africanos ou os índios da América não possuam sabedoria, pois possuíam e possuem. Também não quer dizer que todos esses povos não tivessem desenvolvido o pensamento e formas de conhecimento da Natureza e dos seres humanos, poisdesenvolveram e desenvolvem. Quando se diz que a Filosofia é um fato grego, o que se quer dizer é que ela possui certas características, apresenta certas formas de pensar e de exprimir o pensamento, estabelece certas concepções sobre o que sejam a realidade, o pensamento, a ação, as técnicas, que são completamente diferentes das características desenvolvidas por outros povos e outras culturas. Em outras palavras, Filosofia é um modo de pensar e exprimir o pensamento que surgiu especificamente com os gregos e que, por razões históricas e políticas, tornou-se, depois, o modo de pensar e de se exprimir predominante da chamada cultura europeia ocidental da qual, em decorrência da colonização portuguesa do Brasil, nós também participamos. Através da Filosofia, os gregos instituíram para o Ocidente europeu as bases e os princípios fundamentais do que chamamos razão, racionalidade, ciência, ética, política, técnica, arte. Portanto, a Filosofia surge quando alguns pensadores gregos, admirados e espantados com a realidade, insatisfeitos com as explicações que a tradição lhes dera, 14 começaram a fazer perguntas e buscar respostas para elas, demonstrando que o mundo e os seres humanos, os acontecimentos e as coisas da Natureza, os acontecimentos e as ações humanas podem ser conhecidos pela razão humana, e que a própria razão é capaz de conhecer-se a si mesma. A filosofia, enfim: [...] vai encontrar-se, pois, ao nascer, numa posição ambígua: em seus métodos, em sua inspiração, aparentar-se-á ao mesmo tempo às iniciações dos mistérios e às controvérsias da ágora; flutuará entre o espírito de segredo próprio das seitas e a publicidade do debate contraditório que caracterizava a atividade política [...] O filósofo não deixará de oscilar entre duas atitudes, de hesitar entre duas tentações contrárias. Ora afirmará ser o único qualificado para dirigir o Estado, e, tomando orgulhosamente a posição do rei-divino, pretenderá, em nome desse ‘saber’ que o eleva acima dos homens, reformar toda a vida social e ordenar soberanamente a cidade. Ora ele se retirará do mundo para recolher-se numa sabedoria puramente privada; agrupando em torno de si alguns discípulos, desejará com eles instaurar, na cidade, uma cidade diferente, à margem da primeira e, renunciando à vida pública, buscará sua salvação no conhecimento e na contemplação” (VERNANT, 2006, p. 64) Mas a cosmologia não é a única característica principal da filosofia grega. Se num primeiro momento a filosofia surge como compreensão racional do cosmos, não é menos exato dizer que com a emergência da polis grega (as cidades-Estado), a filosofia irá mudar a sua ênfase de pesquisa, no sentido de que a problemática agora será o próprio homem, enquanto ser individual, ético e cidadão da polis. Nesse momento, diz Jean Pierre Vernant, a Grécia está centralizada na ágora, espaço comum, espaço público, onde são debatidos os problemas de interesse geral. “Esse quadro urbano define efetivamente um espaço mental; descobre um novo horizonte espiritual. Desde que se centraliza na praça pública, a cidade já é, no sentido pleno do termo, uma polis” (2006, p. 51) E mais adiante: O aparecimento da polis constitui, na história do pensamento grego, um acontecimento decisivo. Certamente, no plano intelectual como no domínio das instituições, só no fim alcançará todas as suas consequências; a polis conhecerá etapas múltiplas e formas variadas. Entretanto, desde seu advento, que se pode situar entre os séculos VIII e VII, marca um começo, uma verdadeira invenção; por ela, a vida social e as relações entre os homens tomam uma forma nova, cuja originalidade será plenamente sentida pelos gregos (id., ibidem, p. 53). Nesse novo contexto, Sócrates e os Sofistas inauguram um novo momento na filosofia grega. O pensamento de Sócrates é um marco na constituição da tradição filosófica ocidental. E pode-se dizer que inaugura a filosofia clássica dando maior https://www.sabedoriapolitica.com.br/filosofia-politica/filosofia-antiga/socrates/ https://www.sabedoriapolitica.com.br/filosofia-politica/filosofia-antiga/socrates/ 15 ênfase a problemática ético-política e existencial, ao invés de uma maior preocupação centrada sobre a realidade natural, tal como encontramos nos filósofos pré-socráticos do período cosmológico. Essa mesma denominação, “pré-socráticos”, já reflete a importância da filosofia de Sócrates como um divisor de águas. Neste período da filosofia grega (séc. V e IV a.C.), o interesse dos filósofos gira não tanto em torno da natureza, como nos pré-socráticos, mas em torno do homem e do espírito; da cosmologia passa-se para a antropologia, a política e a moral. Daí ser dado a esse segundo período do pensamento grego também o nome de antropológico, pela importância e o lugar central destinado ao homem e ao espírito no sistema do mundo, até então limitado à natureza exterior. Por outro lado, os Sofistas, contemporâneos de Sócrates, embora com visões diferentes, compartilham o interesse pela problemática ético-política, pela questão do homem enquanto cidadão da polis, que passa a se organizar politicamente no sistema que conhecemos como democracia. Os Sofistas surgem no contexto da democracia grega e do apogeu das cidades- estados, onde as deliberações serão tomadas em reunião de cidadãos: as assembleias. Tais decisões devem ser tomadas por consenso, o que significa explicar, justificar, discutir, convencer, persuadir, além disso, o uso da linguagem, o modo de falar, do discurso, deve ser racional. Na medida em que a palavra passa a ser livre, ela se torna instrumento através do qual os indivíduos podem defender seus interesses, seus direitos e suas propostas. “O filósofo é alguém que usa a palavra. Então, o indivíduo que não se interessa pela palavra, que a utiliza de um modo apenas pragmático, do tipo ‘me passe o sal’, que se pode fazer com ele?” (CHÂTELET, 1994, p. 29). Surge a arte do discurso, a retórica e a oratória, e os Sofistas são, precisamente, os mestres de retórica e oratória. “O que implica o sistema da polis é primeiramente uma extraordinária preeminência da palavra sobre todos os outros instrumentos de poder. Torna-se o instrumento político por excelência, a chave de toda autoridade no Estado, o meio de comento e de domínio sobre outrem” (VERNANT, 2006, p. 53). E mais adiante: “Doravante, a discussão, a argumentação, a polêmica tornam-se as regras do jogo intelectual, assim como do jogo político” (id., ibidem, p. 56). Na democracia ateniense, a função pública dos oradores torna-se fundamental e a palavra um instrumento utilizado não mais apenas por pensadores, mas também por políticos. É necessário preparar os indivíduos para a vida pública, torná-los capacitados para a virtude (aretê) política e para tal, é preciso adestrá-los na https://www.sabedoriapolitica.com.br/filosofia-politica/filosofia-antiga/socrates/ https://www.sabedoriapolitica.com.br/filosofia-politica/filosofia-antiga/socrates/ 16 arte da persuasão através da palavra. “Na democracia, a palavra vai impor-se, e quem dominar a palavra dominará a cidade” (CHÂTELET, 1994, p. 16). Nesse período o pensamento filosófico terá como traços principais: As práticas humanas, a moral, a política, dependem da vontade livre e da escolha racional segundo valores estabelecidos pelos próprios seres humanos e não por imposição divina ou sobrenatural; A ideia de lei como expressão da vontade humana ordenada pela razão; “A lei da polis [...] já não se impõe pela força de um prestígio pessoal ou religioso; devem mostrar sua retidão por processos de ordem dialética [do diálogo, em sentido amplo]” (VERNANT, 2006, p. 56), e, mesmo que ainda concebida como sagrada, a lei se torna uma ordem racional, sujeita à discussão e modificável por decreto O discurso político – a vida política grega –, ao valorizar o pensamentoracional, cria condições para valorizar o discurso filosófico, enquanto arte retórica, oratória e objeto de debate público – um combate de argumentos cuja arena é a ágora, praça pública, lugar de reunião entre os cidadãos. 3 HISTÓRIA DA FILOSOFIA Sob vários aspectos pode a história da filosofia suscitar interesse. Quem quiser descortinar o ponto central, deve buscá-lo no nexo essencial que liga os tempos aparentemente passados com o grau atualmente alcançado pela filosofia. Tal nexo não é um fato exterior suscetível de ser descurado na história desta ciência; exprime, pelo contrário, o caráter íntimo da filosofia; e as vicissitudes desta história, perpetuando-se nos seus efeitos, como qualquer outro acontecimento, são produtivas de maneira que lhes é peculiar: outra coisa não pretendemos senão ilustrar isto mesmo o mais claramente que nos seja possível. A história da filosofia representa a série dos espíritos nobres, a galeria dos heróis da razão pensante, os quais, graças a essa razão, lograram penetrar na essência das coisas, da natureza e do espírito, na essência de Deus, conquistando assim com o próprio trabalho o mais precioso tesouro: o do conhecimento racional. Na história política, o indivíduo, na singularidade da sua índole, do seu gênio, das suas paixões, da energia ou da fraqueza de caráter, em suma, em tudo o que caracteriza a sua individualidade, é o sujeito das ações e dos acontecimentos. 17 Na história da filosofia, estas ações e acontecimentos, ao que parece, não têm o cunho da personalidade nem do caráter individual; deste modo, as obras são tanto mais insignes quanto menos a responsabilidade e o mérito recaem no indivíduo singular, quanto mais este pensamento liberto de peculiaridade individual é, ele próprio, o sujeito criador. Primeiramente, estes atos do pensamento, enquanto pertencentes à história, surgem como fatos do passado e para além da nossa existência real. Na realidade, porém, tudo o que somos, somo-lo por obra da história; ou, para falar com maior exatidão, do mesmo modo que na história do pensamento o passado é apenas uma parte, assim no presente, o que possuímos de modo permanente está inseparavelmente ligado com o fato da nossa existência histórica. O patrimônio da razão autoconsciente que nos pertence não surgiu sem preparação, nem cresceu só do solo atual, mas é característica de tal patrimônio o ser herança e, mais propriamente, resultado do trabalho de todas as gerações precedentes do gênero humano. Como as artes da vida externa, o complexo de meios, de habilidades, de insti- tuições e de hábitos no convívio social e na vida política são o resultado da meditação e da invenção, das privações, ou de acidentes da sorte, da necessidade e da perícia, do querer e do poder da história na sua evolução até o presente atual. Se alguma coisa somos no domínio da ciência e da filosofia, devemo-lo à tradição, a qual, através do que é caduco, e por isso mesmo passado, forma, segundo a expressão de Herder, uma corrente sagrada que conserva e transmite tudo quanto o mundo produziu antes de nós. Mas esta tradição não é apenas uma ama que conserva fielmente o patrimônio recebido para o manter e transmitir invariável aos vindouros, como o curso da natureza que, através de infinitas variações e atividades de formas e funções, sempre se conserva fiel às suas leis originais sem progredir; não é estátua de pedra, mas é viva, e continuamente se vai enriquecendo com novas contribuições, à maneira de rio que engrossa o caudal à medida que se afasta da nascente. O conteúdo desta tradição é formado por tudo quanto o mundo espiritual produziu, e o espírito universal nunca permanece estacionário. Ora, é do espírito universal que nos devemos ocupar aqui. É possível que em determinada nação se dê uma pausa na cultura, na arte, na ciência, nas capacidades intelectuaisem geral. Pareceter sido o que sucedeu com os chineses que, vai para dois mil anos, teriam 18 estacionado no atual grau de desenvolvimento. Mas o espírito do mundo não pode cair neste repouso indiferente, como se deduz do simples conceito essencial do espírito, pois que o seu viver é o seu agir. Ora, a ação pressupõe uma matéria preexistente sobre a qual se exerça, não só a fim de a aumentar com o acréscimo de novos materiais, senão principalmente para a elevar e transformar. Deste modo, aquilo que todas as gerações produziram como ciência, como patrimônio espiritual, constitui uma herança acumulada pelo trabalho de todos os homens que nos precederam, um templo onde todas as gerações humanas, gratas e alegres, depuse- ram o que as ajudou a viver e o que elas conseguiram extrair da profundidade da natureza e do espírito. A recepção desta herança equivale ao exercício da posse dela. Ela forma a alma das sucessivas gerações, a sua substância espiritual e como que um hábito transmitido, os seus princípios, prejuízos e riquezas; e, ao mesmo tempo, tal herança degradou-se ao ponto de servir de matéria para ser transformada e elaborada pelo espírito. Desta maneira se vai modificando o patrimônio herdado, e simultaneamente se enriquece e conserva o material elaborado. É esta, precisamente, a posição e a função da nossa idade, como aliás de todas as idades: compreender a ciência existente, modelar por ela a nossa inteligência, e desse modo desenvolvê-la, elevá-la a um grau superior; no ato de a convertermos em propriedade nossa e individual, juntamos-lhe algo de que até então carecera. Desta característica da produção espiritual, que supõe um mundo espiritual preexistente e o transforma no ato de se apossar dele, segue-se que a nossa filosofia só pode existir enquanto ligada à precedente, da qual é necessário produto; e o curso da história mostra, não o devir de coisas a nós estranhas, mas sim o nosso devir, o devir do nosso saber. Da natureza da relação que expusemos dependem as ideias e os problemas que podemos propor, relativos ao âmbito da história da filosofia. Compreender devidamente esta relação permite alcançar como pelo estudo da história desta ciência somos iniciados no conhecimento da própria ciência. As indicações que demos acerca do processo de tratar esta história são tomadas de tal relação, e a elucidação delas constitui uma das finalidades desta Introdução. Nesta altura, intervém o conceito do fim da filosofia, que deveria ser estabelecido como fundamento. Mas, visto não podermos fazer aqui uma exposição científica deste conceito, em vez de provar e 19 fazer compreender a natureza do devir da filosofia, contentamo-nos com dar dele uma ideia preliminar. Este devir não é simplesmente um movimento passivo como imaginamos que seja o nascer do sol e da lua, movimento que se efetua sem contrariedade no espaço e no tempo. O que devemos representar ao espírito é a atividade do pensamento livre; devemos representar a história do mundo no pensamento, o processo do seu nascimento e produção. Segundo uma antiga opinião, a faculdade de pensar é o que separa os homens dos brutos. Aceitamo-la como verdadeira. O que o homem possui de mais nobre do que o animal, possui-o graças ao pensamento: tudo quanto é humano, de qualquer forma que se manifeste, é-o na medida em que o pensamento age ou agiu. Mas sendo o pensamento o essencial, o substancial, o efeitual, dirige-se a objetos muito variados; pelo que importa considerar como mais perfeito o pensamento voltado sobre si mesmo, ou seja, sobre o objeto mais nobre que pode buscar e encontrar. A história que nos propomos fazer é a história do pensamento que a si próprio se encontra; e por meio do pensamento acontece que ele se encontra na medida em que se produz; por isso só existe e é real na medida em que se encontra. As manifestações deste processo são as filosofias, e as séries das descobertas, de que o pensamento se vale para se descobrir, constituem o trabalhode dois mil e quinhentos anos. Se o pensamento, enquanto essencialmente pensamento, é em si e por si estante e eterno, e se o vero está contido só no pensamento — como é que este mundo intelectual consegue ter uma história? Na história apresenta-se o que é mutável, o que mergulha na noite do passado, o que já não existe; pelo contrário, o pensamento vero e necessário — e, aqui, só deste nos ocuparemos — não é suscetível de mudança. A questão, que surge aqui, é uma das primeiras sobre que deve incidir a nossa atenção. Em segundo lugar, apresentam-se à mente, além da filosofia, muitos outros objetos de importância, os quais, sejam embora produto do pensamento, ficam excluídos da nossa investigação, tais como a religião, a história política, as constituições dos Estados, as artes e as ciências. Ocorre perguntar: como distinguir estes produtos daqueles que formam o objeto do nosso estudo? Mais. Que relação medeia entre eles e a história? Sobre estas duas questões precisamos dizer alguma coisa, o bastante para elucidar a maneira como entendemos tratar a história da filosofia. 20 Além disso, em terceiro lugar, é oportuno, antes de baixar aos pormenores, abarcar num relance o conjunto, sob risco de deixar o todo pelos pormenores, a floresta pelas árvores, a filosofia pelas filosofias. O espírito exige a posse de uma representação geral do escopo e da finalidade do conjunto para saber a que deva consagrar-se. Do mesmo modo que se abarca num relance uma paisagem que se vai estreitando à medida que demoramos o olhar em cada uma das partes que a constituem, assim também o espírito deseja compreender a relação entre as filosofias particulares e a filosofia geral, porque o valor das partes singulares deriva principalmente da relação entre elas e o todo. Isto obtém-se, acima de tudo, por meio da filosofia e da história da filosofia. A necessidade desta visão de conjunto pode, com rigor, parecer menor para a história do que para uma ciência própria e verdadeira. De fato, à primeira vista, a história parece ser uma sucessão de fenômenos contingentes, isolados, e que só do tempo recebem o nexo que os prende. Todavia, já na história política não nos contentamos com esta maneira de ver: compreendemos, ou pelo menos pressentimos, uma conexão necessária que marca, a cada um dos fatos, a sua posição especial e a relação com uma finalidade, e com isso lhes marca também um significado. Tudo, na história, tem significado só pela sua relação com algum fato geral e em virtude da sua ligação com ele; descobrir este fato geral chama-se compreender o seu significado. Restam ainda os seguintes pontos que me proponho esclarecer nesta Introdu- ção. Primeiramente, a que se destina a história da filosofia? Qual o seu significado, o seu conceito, o seu escopo? Da resposta a estas perguntas se deduzirá o modo de tratar o assunto. Resultará daí, como particularidade mais interessante, a relação entre a história da filosofia e a própria ciência da filosofia; ver-se-á que a história da filosofia não se limita a expor os fatos externos, os acontecimentos acidentais que formam o seu conteúdo, mas procura demonstrar como este mesmo conteúdo, embora pareça desenvolver-se historicamente, na realidade pertence à ciência da filosofia: a história da filosofia é, também ela, científica, e converte-se, pelo que lhe é essencial, em ciência da filosofia. Em segundo lugar, precisamos fixar com maior exatidão o conceito da filosofia, a fim de determinar, sobre a base de tal conceito, tudo quanto do infinito material e dos múltiplos aspectos oferecidos pela cultura espiritual dos povos se deva excluir da história da filosofia. A religião e as ideias nela e acerca dela expressas, especialmente 21 sob forma de mitologia, apresentam-se, pelo seu conteúdo, tão aparentadas com a filosofia, que os confins de uma e de outra se confundem. Outro tanto se pode afirmar das demais ciências: as ideias de cada uma delas sobre o Estado, sobre os deveres e sobre as leis, são tão parentes da filosofia pela forma, como a religião o é pela substância. Poder-se-ia supor que se deveriam tomar em consideração todas estas ideias na história da filosofia. Que coisa há que se não tenha chamado filosofia e filosofar? Por um lado, convirá considerar atentamente a íntima ligação da filosofia com as disciplinas afins, religião, arte, com as demais ciências, como também com a história política. Por outro lado, depois de bem delimitado o campo da filosofia, mediante a determinação do que é a filosofia e do que lhe pertence, teremos obtido um princípio para a sua história muito distinto dos inícios de ideias religiosas e de conjecturas mais ou menos ricas em ideias. Do conceito do âmbito e da finalidade, como resulta destes primeiros pontos de vista, importará passar à consideração de um terceiro ponto, isto é, ao exame geral e à divisão do curso da história da filosofia em momentos necessários. Esta divisão permitirá mostrar essa história como um todo orgânico em via de progresso, como um nexo racional. Só deste modo alcançará a dignidade de ciência. Não me demorarei noutras reflexões sobre a utilidade da história da filosofia e dos vários modos de a tratar: a utilidade é por si evidente. Por último, para me não afastar do costume tradicional, tratarei também das fontes da história da filosofia. Fonte: resumoescolar.com.br 22 3.1 A Filosofia Antiga A Grécia (Hélade) nada mais foi do que um conjunto de cidades-Estados (Pólis) que se desenvolveram na Península Balcânica no sul da Europa. Por ser seu relevo montanhoso, permitiu que grupos de pessoas (Demos) fossem formados isoladamente no interior do qual cada Pólis desenvolveu sua autonomia. Constituída de uma porção de terras continental e outra de várias ilhas, bem como também em virtude da pouca fertilidade dos seus solos, a Grécia teve de desenvolver o comércio como principal atividade econômica. Assim, e aproveitando- se do seu litoral bastante recortado e com portos naturais, desenvolveu também a navegação para expandir os negócios, bem como mais tarde sua influência política nas chamadas colônias. A sociedade grega era organizada segundo o modelo tradicional aristocrático, baseado nos mitos(narrativas fabulosas sobre a origem e ordem do universo), em que a filiação à terra natal (proprietários) determinava o poder (rei). Esse modo de estruturar a sociedade e pensar o mundo é comumente classificado como período Homérico (devido a Homero, poeta que narra o surgimento da Grécia a partir da guerra de Troia). Mas com o tempo, algumas contradições foram sendo percebidas e exigiram novas explicações. Surge, então, a Filosofia. Eis os principais fatores que contribuíram para o seu aparecimento: As viagens marítimas, pois o impulso expansionista obrigou os comerciantes a enfrentarem as lendas e daí constatarem a fantasia do discurso mítico, proporcionando a desmitificação do mundo (como exemplo, os monstros que os poetas contavam existir em determinados lugares onde, visitados pelos navegadores, nada ali encontravam); A construção do calendário que permitiu a medição do tempo segundo as estações do ano e da alternância entre dia e noite. Isso favoreceu a capacidade dos gregos de abstrair o tempo naturalmente e não como potência divina; O uso da moeda para as trocas comerciais que antes eram realizadas entre produtos. Isso também favoreceu o pensamento abstrato, já que o valor agregado aos produtos dependia de uma certa análise sobre a valoração; 23 A invenção do alfabeto e o uso da palavra é também um acontecimento peculiar. Numa sociedade acostumada à oralidade dos poetas, aos poucos cai em desuso o recurso às imagens para representar o real e surge, como substituto, a escrita alfabética/fonética, propiciando, como os itens acima, um maior poder de abstração. A palavra nãomais é usada como nos rituais esotéricos (fechados para os iniciados nos mistérios sagrados e que desvendavam os oráculos dos deuses), nem pelos poetas inspirados pelos deuses, mas na praça pública (Ágora), no confronto cotidiano entre os cidadãos; O crescimento urbano é também registrado em virtude de todo esse movimento, assim como o fomento das técnicas artesanais e o comércio interno, as artes e outros serviços, características típicas das cidades; A criação da Política que faz uso da palavra para as deliberações do povo (Demo) em cada Pólis (por isso, Democracia ou o governo do povo), bem como exige que sejam publicadas as leis para o conhecimento de todos, para que reflitam, critiquem e a modifiquem segundo os seus interesses. As discussões em assembleias (que era onde o povo se reunia para votar) estimulava o pensamento crítico-reflexivo, a expressão da vontade coletiva e evidencia a capacidade do homem em se reconhecer capaz de vislumbrar a ordem e a organização do mundo a partir da sua própria racionalidade e não mais nas palavras mágico-religiosas baseadas na autoridade dos poeta inspirados. Com isso, foi possível, a partir da investigação sistemática, das contradições, da exigência de rigor lógico, surgir a Filosofia. 3.2 As principais características da Filosofia A reflexão filosófica surge no século VI a. C., na Grécia, em contraposição à narrativa mítica. Um novo conceito de verdade sobre a realidade substitui, assim, o modelo baseado na tradição oral dos poetas, autoridades portadoras da vontade dos deuses. A Filosofia surge como espanto diante da possibilidade de estranhar o mundo e concebê-lo de forma racional. Esse espanto impulsiona a busca da compreensão do ser enquanto algo natural e capaz de ser apreendido pelo Lógos (razão, discurso, 24 palavra) humano. Após esse primeiro passo, a Filosofia também nos aparece como admiração, isto é, a contemplação da verdade de modo absoluto e universal, válida para todos, independente de raça, nação, cultura, mito, etc. Assim, a Filosofia liberta o homem da insegurança e do temor proporcionados pelo Mito de que o destino dos homens era um joguete dos deuses. Fone: image.slidesharecdn.com Para conhecer essa verdade, os filósofos se esforçaram para conhecer as causas e os princípios (arqué) de toda a realidade, descobrindo na multiplicidade de coisas e opiniões um princípio único. Vejamos quais são as principais características deste processo de compreensão: Tendência racional, em que somente a Razão é o critério de explicação sobre o mundo, segundo seus próprios princípios; Submissão dos problemas à análise, à crítica, à discussão, à demonstração, procurando oferecer respostas seguras e definitivas; O pensamento é a fonte do conhecimento e deve apresentar as regras de seu funcionamento para justificar suas bases lógicas (por exemplo: os princípios de Identidade, da Não Contradição e do Terceiro Excluído); Não aceitar as noções pré-concebidas, as opiniões já pré-estabelecidas, os pré-conceitos imediatos, mas investigar o real com o rigor exigido pelo pensamento e suas leis, não sendo passivo, mas sim ativo no processo do conhecer; 25 Descobrir, a partir da análise das semelhanças e dessemelhanças entre as coisas, o princípio que promove a generalização, isto é, o que permite agrupar os vários casos particulares em uma classe geral de objetos. 3.3 A importância de ensinar Filosofia A Filosofia em especial, leva o aluno à oportunidade de desenvolver um pensamento independente e crítico, ou seja, permite a ele experimentar um pensar individual. Sabe-se que cada disciplina apresenta suas próprias características, bem como auxilia a desenvolver habilidades específicas do pensamento que é abordado. No caso da Filosofia, essa permite e dá oportunidade de realizar o pensamento de maneira bastante pessoal. O Ensino Médio é geralmente considerado pelos educadores como uma fase de consolidação do aluno jovem, de sua personalidade e seus desejos, a Filosofia apresenta um papel importante e fundamental no sentido de colaboração. A Filosofia é bastante questionada enquanto disciplina, é necessário que os educadores se conscientizem de que o ensino não deve ser considerado como uma disciplina a mais a ser ensinada. O ideal é que o professor que tem a responsabilidade de aplicar tal disciplina tenha em mente o quanto é necessário fazer com que seus alunos não fiquem dependentes de livros didáticos, não desmerecendo, mas no sentido de não tender para os tão famosos “decorebas” de ideias e autores. Aos educadores que se preocupam com a melhor forma de aplicar a Filosofia, não existe receita pronta. Recomenda-se a priorização de práticas que favoreça a formação de jovens capazes de desenvolver seu próprio pensamento e crítica, formando cidadãos capacitados para enfrentar as diversas situações que poderão surgir em suas vidas. A Filosofia é fundamental na vida de todo ser humano, visto que proporciona a prática de análise, reflexão e crítica em benefício do encontro do conhecimento do mundo e do homem. 2Em abril de 2018, o MEC entregou a nova versão da Base Nacional Curricular (BNCC) ao Conselho Nacional de Educação (CNE). A base funciona como uma 2 Extraído de https://www.gazetadopovo.com.br/ https://www.gazetadopovo.com.br/ 26 “referência nacional comum e obrigatória para a elaboração dos currículos e propostas pedagógicas” das escolas. Na nova BNCC, apenas Matemática e Língua Portuguesa permanecem como disciplinas obrigatórias nos três anos de ensino médio. Filosofia, Sociologia, História e Geografia terão os conteúdos aplicados diretamente em Ciências Humanas, não separadamente como antes. 4 FILOSOFIA DA CIÊNCIA Filosofia da ciência é a área da filosofia que pergunta sobre a ciência, de quais ideias parte, qual método usa, sobre qual fundamento e acerca de suas implicações. Apesar destes problemas gerais, muitos filósofos escreveram sobre algumas ciências particulares, como a física e a biologia. Não apenas se utiliza a filosofia para pensar sobre a ciência, como se utiliza resultados científicos para pensar a filosofia. Não existe determinada ciência que faça parte dos estudos da filosofia da ciência. As ciências naturais (ex.: biologia, química e física), formais (ex.: matemática, lógica e teoria dos sistemas), sociais (ex.: sociologia, antropologia e economia) e aplicadas (agronomia, arquitetura e engenharia) já foram objetos de estudos filosóficos. Historicamente, já na Grécia Antiga se pensava sobre a ciência. Aristóteles (384 a.C.-322 a.C.), por exemplo, escreveu sobre a origem da vida, afirmando a possibilidade de existir vida a partir de algo inanimado. A teoria da abiogênese (geração espontânea) que ele defendia perdurou por diversos séculos. Além da origem da vida, Aristóteles também se preocupou em elaborar um meio de estudar as espécies, sendo ele o primeiro a propor uma divisão do reino animal em categorias. No decorrer da história, a figura mais importante para a filosofia da ciência é Francis Bacon (1561-1626), filósofo inglês responsável pela base da ciência moderna, o método indutivo. A indução, método de a partir de fatos particulares chegar a conclusões universais, já existia, mas é Bacon o responsável por seu aprimoramento e divulgação. Após Bacon, muito se pensou e escreveu sobre a ciência, especialmente devido aos avanços e descobertas dos séculos seguintes. René Descartes desenvolveu seu método, houve as contribuições e discussões de Galileu Galilei, 27 Isaac Newton, Gottfried Leibniz e outros. Deste aumento considerável de pensadores que detiveram tempo acerca do campo da filosofia da ciência pode-se escolher alguns para comentar suas importantes ideias. Entre eles, David Hume e Karl Popper. DavidHume (1711-1776), filósofo escocês, criticou fortemente as bases da ciência e da filosofia. A partir do pensamento de John Locke (1632-1704), Hume levou o empirismo, isto é, a ideia de que todo o nosso conhecimento tem origem na experiência (nos cinco sentidos), até as últimas consequências. Para ele, se nosso conhecimento ocorre após a experiência significa que não podemos deduzir eventos futuros. Significa dizer que não há nada no mundo que garanta que as leis que regem o universo hoje serão as mesmas amanhã. Por mais que o homem observe há milênios o sol aparecer todos os dias, nada garante o seu aparecimento amanhã, e por isso a ciência não pode tomar suas conclusões como verdades absolutas. No século XX, o filósofo austríaco, Karl Popper (1902-1994) criticou a forma de fazer ciência a partir da indução, o método defendido por Bacon. Para Popper, o método indutivo não garante a validade de suas conclusões. Afirmou isso, pois não é possível ter acesso a todos os fatos particulares para ser possível chegar a conclusões. Um cientista pode observar cisnes durante 20 anos e perceber que todos os cisnes observados são brancos, mas ele não pode concluir que “todos” os cisnes são brancos. Se ele concluir isto, bastará a existência de apenas um cisne negro para invalidar sua tese. Com isto, Popper defenderá que o papel da ciência é falsear as suas conclusões a partir do método dedutivo, partindo de conclusões universais para a verificação particular. O papel da ciência é verificar se suas conclusões são verdadeiras, tentando falseá-las com a experimentação. Aproximando questões de metafísica, epistemologia e ontologia, quando estas tratam da relação entre ciência e verdade, a filosofia da ciência é o ramo da filosofia que trata das questões relativas a confiabilidade, previsibilidade e métodos da ciência. Questões acerca da ciência sempre estiveram presentes em filosofia, por muito tempo não houve distinção entre questões da filosofia e da ciência. No entanto, uma área da filosofia dedicada exclusivamente a compreensão das ciências só veio a surgir na metade do século XX, particularmente sob influência do positivismo lógico, que buscava desenvolver critérios para garantir o significado de afirmações filosóficas, mas também pela obra de Thomas Kuhn, A Estrutura das Revoluções Científicas, de 28 1962, na qual o autor procurou apresentar uma nova visão de como se dá o progresso científico. Atualmente, existem ramos dentro da filosofia da ciência para todas as ciências existentes, desde a filosofia da física, que irá analisar, entre outros tópicos, questões relativas a natureza do espaço-tempo, até a filosofia da psicologia e ciência cognitiva. A filosofia da ciência, como área ampla, neste contexto, analisará ainda questões relativas a possibilidade de se reduzir uma ciência a outra (reducionismo), a validade do raciocínio científico e mesmo questões próximas a ética, como a morte na filosofia da medicina. Os principais tópicos de investigação para a filosofia da ciência são três: 1. O que se qualifica como ciência? 2. Qual o propósito da ciência? 3. A confiabilidade das teorias científicas. O primeiro tópico, que trata do que se qualifica como ciência, é conhecido como "problema da demarcação". De acordo com Karl Popper, a qualidade fundamental da ciência é a falseabilidade. Sabemos que estamos diante de uma pseudo-ciência quando esta não comporta mecanismos para mostrar que suas teses podem ser falsas. Ainda segundo Popper, esta seria a questão primordial da filosofia da ciência. Embora muitos filósofos concordem com Popper, um consenso ainda não foi estabelecido, chegando alguns filósofos a afirmar que devemos usar o padrão Potter Stewart, segundo o qual "eu sei o que é quando vejo". Quanto ao propósito da ciência, existem duas correntes mais proeminentes, realistas e instrumentalistas. Realistas irão defender que o mundo descrito pelas ciências é o mundo real, que o objetivo último da ciência é a verdade, e defenderão que entidades inobserváveis possuem o mesmo status ontológico que as entidades observáveis. Nesta corrente encontramos nomes como Ernan McMullin e Richard Boyd. Instrumentalistas, por outro lado, defenderão que as teorias científicas são ferramentas para identificar relações entre meio e finalidade úteis e confiáveis na experiência, mas sem afirmar a revelação de entidades para além da experiência. Entre os instrumentalistas os principais nomes são Karl Popper e John Dewey. https://www.infoescola.com/filosofia/reducionismo/ 29 Quanto à questão da confiabilidade das teorias científicas, trata-se de investigar como e por qual razão devemos confiar em uma teoria científica. Entre as possíveis respostas encontramos a tese do poder de predição de fenômenos, segundo a qual uma teoria é confiável quando ela é eficaz em prever fenômenos que se dispõe a prever. Outra abordagem, intimamente ligada a primeira, é a de que a teoria confiável oferece uma boa explicação para os eventos que ocorrem com regularidade, ou que já ocorreram. O critério pelo qual se poderia dizer que uma teoria explicou bem um evento, assim como o que significa dizer que uma teoria tem poder explicatório, ainda permanece sob discussão. Entre as questões importantes para a filosofia da ciência encontramos ainda, o reducionismo, que trata não apenas da possibilidade de se reduzir uma ciência a outra, mas também da possibilidade de reduzir todos os campos de estudo a explicações científicas; e a neutralidade política e social da ciência. 4.1 Questões de estudo da Filosofia Apesar do seu nome simples, o campo é complexo e continua a ser uma área de investigação atual. Filósofos da ciência estudam ativamente questões como: O que é uma lei da natureza? Há alguma em ciências não-físicas, como a biologia e a psicologia? Que tipo de dados pode ser usado para distinguir entre as verdadeiras causas e regularidades acidentais? Quanta evidência e que tipos de evidência precisamos ter antes de aceitar hipóteses? Por que é que os cientistas continuam a confiar em modelos e teorias que sabem ser pelo menos parcialmente incorretos (como a física de Newton)? Embora possam parecer elementares, estas questões são na realidade muito difíceis de responder de forma satisfatória. As opiniões variam muito dentro do campo (e, ocasionalmente, vão contra as opiniões dos próprios cientistas — que usam o seu tempo mais a fazer ciência do que a analisá-la abstratamente). Apesar dessa diversidade de opinião, os filósofos da ciência em grande parte concordam num ponto: não há uma maneira única e simples de definir a ciência! http://saberciencia.tecnico.ulisboa.pt/glossario/glossario-lei.php http://saberciencia.tecnico.ulisboa.pt/glossario/glossario-dados.php http://saberciencia.tecnico.ulisboa.pt/glossario/glossario-evidencia.php http://saberciencia.tecnico.ulisboa.pt/glossario/glossario-hipotese.php http://saberciencia.tecnico.ulisboa.pt/glossario/glossario-modelo.php http://saberciencia.tecnico.ulisboa.pt/glossario/glossario-teoria.php 30 Fonte: saberciencia.tecnico.ulisboa.pt Embora o campo seja altamente especializado, algumas ideias chave generalizaram-se. Aqui temos uma explicação curta de apenas alguns conceitos associados à filosofia da ciência, que você pode (ou não) já ter ouvido. Epistemologia — ramo da filosofia que lida com o que é o conhecimento, como aceitamos algumas coisas como verdadeiras, e como podemos justificar essa aceitação. Empiricismo — conjunto de abordagens filosóficas para a construção do conhecimento que enfatizam a importância da evidência observável provinda do mundo natural. Indução — método de raciocínio em que uma generalização é defendida como verdadeira com base em exemplos individuais que parecem estar conformes à generalização. Por exemplo, depois de observarque as árvores, bactérias, anémonas do mar, moscas, e os seres humanos possuem células, pode-se inferir por indução que todos os organismos possuem células. Dedução — método de raciocínio em que a conclusão é alcançada logicamente a partir de dadas premissas. Por exemplo, se conhecemos as posições relativas atuais da lua, do sol e da Terra, e se sabemos exatamente como se movem uns em relação aos outros, podemos deduzira data e o local do próximo eclipse solar. Parcimónia/ navalha de Occam — ideia de que, sendo todas as outras condições iguais, devemos preferir uma explicação mais simples a uma mais complexa. http://saberciencia.tecnico.ulisboa.pt/glossario/glossario-aceitar.php http://saberciencia.tecnico.ulisboa.pt/glossario/glossario-observar.php http://saberciencia.tecnico.ulisboa.pt/glossario/glossario-mundo-natural.php http://saberciencia.tecnico.ulisboa.pt/glossario/glossario-inferencia.php http://saberciencia.tecnico.ulisboa.pt/glossario/glossario-deduzir.php 31 Problema da demarcação — o problema de distinguir com segurança a ciência da não-ciência. Filósofos modernos da ciência concordam em termos gerais que não existe um critério único e simples que possa ser usado para demarcar as fronteiras da ciência. Falsificação — o ponto de vista, associado com o filósofo Karl Popper, que a evidência só pode ser usada para descartar ideias, e não para as apoiar. Popper propôs que as ideias científicas só podem ser testadas através de falsificação, nunca através da procura de evidência corroborante. Mudanças de paradigma e revoluções científicas — uma visão da ciência, associada com o filósofo Thomas Kuhn, que sugere que a história da ciência pode ser dividida em períodos de ciência normal (quando os cientistas incrementam, elaboram e trabalham com uma teoria científica central, geralmente aceite) e breves períodos de ciência revolucionária. Kuhn afirmou que durante os períodos de ciência revolucionária, anomalias refutando a teoria aceite acumularam-se a tal ponto que a teoria anterior é rejeitada e uma nova é construída para tomar o seu lugar, numa assim chamada "mudança de paradigma". 5 FILOSOFIA NO BRASIL Após um primeiro contato com o universo filosófico é inevitável perguntar se existe ou existiu algum filósofo brasileiro. Fala-se muito dos pensadores gregos antigos, do eixo europeu Alemanha-França-Inglaterra e, recentemente, de pensadores da América do Norte, mas há a visão de que nada novo e original é produzido por aqui. É certo que a história da filosofia não está finalizada. A todo instante, novas ideias surgem e no Brasil não poderia ser diferente. A existência de intelectuais no Brasil não é algo recente. Dentre as diversas mentes brasileiras é possível destacar alguns nomes. Mário Ferreira dos Santos (1907-1968), paulista, tem uma grande obra publicada em mais de cem volumes. Em seu pensamento, formado pela pluralidade de influências, destaca-se o que chamou de Filosofia Concreta, em um livro com o mesmo nome. Para ele, é preciso superar a abstração filosófica que resultou da fragmentação do conhecimento. Após a análise dos diversos pedaços do http://saberciencia.tecnico.ulisboa.pt/glossario/glossario-teste.php http://saberciencia.tecnico.ulisboa.pt/glossario/glossario-falsificar.php 32 conhecimento, como matemática, ética, política, economia, ciência, metafísica, existência, etc. era preciso reunir este conhecimento num conjunto. Assim, é preciso através do método dialético concreto observar os objetos de perto e depois se afastar para chegar a uma ideia do todo concreto. Miguel Reale (1910-2006), paulista, inovou o pensamento acerca da Filosofia do Direito com a Teoria tridimensional do direito. Após séculos de discussões no campo do Direito, com argumentos retóricos e pouca profundidade na discussão, a obra de Reale delimita a discussão e apresenta uma nova forma de pensar. Para ele, é preciso pensar o direito a partir de três dimensões: a do fato, a do valor e a da norma. Com isso, o fato visa pensar a partir do aspecto histórico e social, o valor se relaciona com o que se pretende defender e a norma é o que faz a relação entre fato e valor. Para construir um plano organizacional, precisa-se de estar em sintonia com o seguinte diagrama da equipe transdisciplinar: Henrique Cláudio de Lima Vaz (1921- 2002), padre mineiro, pensou sobre questões humanistas. Influenciado por Tomás de Aquino (1225-1274) e Hegel (1770-1831), Lima Vaz pensa a antropologia moderna como uma síntese da visão cosmocêntrica grega e teocêntrica medieval, isto é, deixa- se de pensar a partir da ideia de que o universo (kósmos) é o centro, como também Deus (theos) deixa de ser o centro, para um novo momento de colocar o homem (anthropos) no centro, pensar o mundo a partir do homem. Gerd Bornheim (1929-2002), gaúcho, foi um dos que ajudaram na introdução e disseminação da filosofia de Martin Heidegger (1889-1976) no Brasil. Escreveu sobre diversos temas e entre eles acerca do que é filosofar, defendendo que filosofar é algo que pertence ao interior do sujeito e não a estar presente em determinado meio ou cultura. Sobre uma “filosofia à brasileira”, era crítico com relação à ideia de uma filosofia nacional. No livro A filosofia contemporânea no Brasil (1997), de Antônio Joaquim Severino, outros nomes recebem destaque como: Fernando de Arruda Campos (1930-atual), José Arthur Giannotti (1930-atual), Rubem Alves (1933-atual), Sérgio Paulo Rouanet (1934-atual) e Hilton Ferreira Japiassu (1934-atual). Outros nomes da filosofia brasileira podem ser lembrados, como: Marilena Chauí (1941-atual), Roberto Romano, Olavo de Carvalho (1947-atual) e Paulo Ghiraldelli Jr. (1957-atual). 33 A filosofia conheceu certa popularização no Brasil, pois canais de televisão veicularam programas de filosofia, como o quadro Ser ou Não Ser, com Viviane Mosé, no Fantástico, da Rede Globo. O canal GNT manteve a filósofa Márcia Tiburi (1970- atual) por cinco anos em seu programa Saia Justa. 5.1 História da Filosofia no Brasil A Filosofia no Brasil não é um assunto muito falado fora dos círculos acadêmicos (e muitas vezes nem dentro). Quando se fala em Filosofia se lembra de Sócrates, Kant, Nietzsche e Sartre, mas nunca de nenhum filósofo brasileiro. Não creio que isso se dê por conta de algum preconceito ou por que filósofos Brasileiros não possuem trabalhos relevantes. Acho, sim, que o que acontece é que a Filosofia sempre foi predominantemente europeia e, salvo exemplo dos EUA, raros foram os países do Ocidente que tiveram Filósofos que ficaram para a posteridade. Isso não significa que os filósofos brasileiros ou a história da Filosofia no Brasil seja desprezada; o que acontece é que, quando se fala de Filosofia, existem inúmeros Filósofos, e é preciso estabelecer prioridades, ou seria impossível ensinar e aprender Filosofia. Eu não posso me considerar um nacionalista; acho que reconhecimento deve ser dado a quem merece, sem distinção geográfica. Não fico perdendo tempo para analisar se um pensador é francês, alemão, americano, português ou brasileiro, se não para efeitos didáticos. Mas acredito que escrever, ainda que um pouco, sobre a trajetória da Filosofia no país é um bom serviço para aqueles que se interessam por Filosofia, por História ou simplesmente são curiosos a respeito do Brasil. Então achei que seria uma boa ideia discorrer um pouco sobre isso, até por que estudar Filosofia é sempre, de certa forma estudar história: E estudar a história da Filosofia no Brasil abre caminho para muitas percepções que nos permitem entender os rumos que país tomou, da época do descobrimento até os dias de hoje (e até por que não se fala tanto em Filosofia no Brasil). Antes de mais nada, eu preciso deixar bem claro que não sou profundo conhecedor da história da Filosofia no Brasil e de seus pensadores, eminha pesquisa sobre o assunto foi relativamente superficial. No entanto, creio que para efeitos de conhecimento geral, o que estará nesta matéria poderá servir pelo menos para despertar o interesse ou saciar a curiosidade. 34 6 O ENSINO DA FILOSOFIA34 O primeiro questionamento feito pelos estudantes quando se deparam com a novidade da disciplina de filosofia ao ingressarem no ensino médio brasileiro é “para que serve a filosofia? ” Essa pergunta não é exclusividade dos estudantes, mas de qualquer pessoa que se disponha a fazer esse caminho. Os Parâmetros Curriculares Nacionais procuram oferecer uma resposta para a pergunta acerca da importância da filosofia no Ensino Médio ao afirmar que: Há com certeza, uma contribuição decisiva da Filosofia para o alcance dessas finalidades: ela nasceu com a declarada intenção de buscar o Verdadeiro, o Belo, o Bom. A despeito de uma transformação histórica no âmbito de sua competência explicativa – em parte devida a sua enorme fertilidade em gerar novos saberes – o pensamento filosófico resiste precisamente porque não abandona seu motivo originário (MEC, 1999 p.45) Disso se desprende a fertilidade da filosofia, que podemos verificar especificamente ao observarmos as suas principais características de acordo com Aspis e Gallo (2009): O caráter dialógico – ou seja, a capacidade de provocar o diálogo com as mais diversas áreas do conhecimento e mesmo com a realidade que nos cerca. O desenvolvimento de uma crítica radical - ou seja, uma leitura crítica dos elementos que estejam por trás da realidade, a busca por meio de uma crítica racional e radical dos elementos que compõem a realidade mesma. E a característica exclusiva da filosofia – que é o pensamento conceitual, aquilo mesmo que justifica a presença da filosofia na escola, que é a estruturação do pensamento a partir da produção racional de conceitos da própria realidade. Desses elementos, a única característica que é exclusividade da filosofia é o pensamento conceitual à medida que podemos encontrar nas ciências e mesmo nas outras disciplinas escolares a presença da necessidade de diálogo entre as ciências e com a realidade para a produção de conhecimento, já o elemento do pensamento 3 Extraído do artigo http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/intuitio/article/download/13709/10438 4 Extraído do artigo https://acervodigital.ufpr.br/bitstream/handle/1884/50865/R%20-%20E%20- %20JOSE%20FRANCISCO%20WOEHL.pdf?sequence=1&isAllowed=y http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/intuitio/article/download/13709/10438 https://acervodigital.ufpr.br/bitstream/handle/1884/50865/R%20-%20E%20-%20JOSE%20FRANCISCO%20WOEHL.pdf?sequence=1&isAllowed=y https://acervodigital.ufpr.br/bitstream/handle/1884/50865/R%20-%20E%20-%20JOSE%20FRANCISCO%20WOEHL.pdf?sequence=1&isAllowed=y 35 crítico pode e deve ser desenvolvido não só pela filosofia no ambiente escolar, mas por todas as disciplinas, seja na leitura de textos de literatura e ciências, seja por meio do elemento de contextualização do processo de produção destes textos, objetivando o desenvolvimento do educando como ser humano e para que seja capaz de continuar aprendendo de forma autônoma e se adaptando com flexibilidade as novas condições de trabalho e de vida em sociedade. Porém a característica essencial da filosofia é a produção conceitual que gira em torno da releitura dos conceitos da tradição para atualização de acordo com a própria realidade que vivenciamos em nosso tempo e pela produção mesma de novos conceitos de forma autônoma, este sim, que sem a filosofia, o estudante não terá acesso por meio de outra disciplina escolar. Fonte: sfdkrecords.es As habilidades que devem ser desenvolvidas no ensino de filosofia estão divididas em três blocos de competências, estes que por sua vez se subdividem em diversas habilidades especificas: 1. Representação e comunicação: Ler textos filosóficos de modo significativo; ler, de modo filosófico, textos de diferentes estruturas e registros; elaborar por escrito o que foi apropriado de modo reflexivo; debater, tomando uma posição, defendendo- a argumentativamente e mudando de posição face a argumentos mais consistentes. 2. Investigação e Compreensão: Articular conhecimentos filosóficos e diferentes conteúdos e modos discursivos nas Ciências Naturais e Humanas, nas Artes e em outras produções culturais. 36 3. Contextualização Sociocultural: Contextualizar conhecimentos filosóficos, tanto no plano de sua origem específica, quanto em outros planos: o pessoal- biográfico; o entorno sociopolítico, histórico e cultural; o horizonte da sociedade científico-tecnológica. Diante da primeira das competências, ao observarmos cuidadosamente as habilidades a ela referidas, temos a atitude de leitura de textos de origem filosófica ou não com uma atitude filosófica, subtenda-se ai como atitude filosófica, aquela atitude que não se contenta em apenas realizar uma leitura descomprometida dos textos, mas uma leitura que passe por uma reflexão crítica dos próprios conteúdos expressos nos textos, nesse sentido é importante ressaltar que não se pode falar em habilidade de desenvolvimento da leitura com textos “simplificados” e curtos, embora no contexto atual grande parte de nossos estudantes sejam atingidos pela “síndrome do twitter”, mas passar por um conjunto de conteúdos e textos que sejam capazes de desafiar os estudantes a desenvolverem as respectivas habilidades. Se tivermos um indivíduo que tem dificuldade de alcançar os textos filosófico com sua linguagem um tanto quanto distante da realidade de muitos de nossos estudantes, teremos obviamente um indivíduo que não construirá uma argumentação ampla própria apoiando-se de forma clara em textos da tradição filosófica. O que temos é na verdade um fio novelo de problemas que se desenrolam um após outro, pois alguém que lê pouco, argumenta menos e escreve menos, portanto o que se aponta como caminho para o ensino de filosofia na competência de representação e comunicação é a necessidade de uma passagem desafiadora pela história da filosofia, e mais que isso por autores que possibilitem, muito mais que repetição de suas teorias, reflexões que procurem responder aos problemas da atualidade exatamente como observamos no princípio deste trabalho, pois devemos nos apoiar nos ombros dos mestres para olhar mais longe o horizonte. A investigação na competência surge como o elemento chave, e cabe destacar que não podemos falar de modo algum em investigação sem falarmos em curiosidade humana, curiosidade filosófica essa que pode ser pensada sob diversos ângulos. Schujman (2007.p.14) observa que muitos professores defendem posturas diversas quanto ao ensino de filosofia: Para alguns docentes, na escola secundaria a filosofia tem que se pôr a serviço dos alunos, relacionando-a com seus interesses, vivencias e 37 necessidades [...] deve se aproveitar do fato de que a filosofia tem suficiente flexibilidade para adaptar-se aos mais variados temas[...] os mais consequentes afirmam que o programa não pode ser prévio ao encontro com cada grupo de estudantes, senão que deva surgir de um revelamento de seus interesses e problemáticas. Para esse grupo de professores a filosofia não é pensada como uma disciplina necessariamente, mas apenas como uma forma de construção de conhecimentos que parte do pressuposto de que não há a necessidade de um planejamento prévio para seu ensino, mas partir exclusivamente das necessidades dos estudantes, aproveitando-se para tanto de todas as possibilidades que somente a filosofia oferece para a escola, à medida que não há um grupo exclusivo de conhecimentos considerados imprescindíveis para seu ensino-aprendizagem. Contudo há também grupos que defendem o ensino defilosofia como disciplina e levantam críticas a postura anteriormente apresentada à medida que esta corre o risco de depreciar os conteúdos filosóficos e ser pautada por uma excessiva superficialidade. Para estes: “não se trata, na escola secundaria de formar futuros filósofos. Porem isso não é razão para se inventar uma filosofia para adolescentes. Seria impensável que essa mesma discussão se desse em outras áreas como história e matemática. ” (SCHUJMAN, 2007.p.14), ou seja, embora a escola média não vise a formação de futuros filósofos ou pesquisadores em filosofia, isso não quer dizer que por isso os adolescentes não podem ter acesso aos textos filosóficos de forma direta. Aqueles que defendem a filosofia como disciplina tendem a levantar um questionamento: Será que esse respeito pelos interesses, as necessidades e vivencias dos jovens não se esconde na verdade uma subestimação de suas reais capacidades? Será que um adolescente do século XXI não teria condições de compreender um texto filosófico que é desafiado a ler, enquanto muitos deles têm condições não só de jogar diversos jogos eletrônicos com altos níveis de dificuldades, como até mesmo produzi-los. Acreditamos na possibilidade de que o desafio seja um caminho possível para se trabalhar com textos no ensino-aprendizagem de filosofia. Esses desafios que se mostram na realidade do estudante servem para contribuir que o estudante se adapte as situações novas que possam surgir relacionando os conhecimentos adquiridos na escola com suas vivencias cotidianas, para tanto relacionando os conhecimentos de diversas áreas do conhecimento. No que concerne a contextualização sócio cultural nos parece que não é difícil entender que a modalidade de ensino de filosofia que se aponta seja o ensino 38 enciclopédico da filosofia, enfocando além das teorias filosóficas, sua contextualização política, econômica, histórico e cultural. Contudo requer-se cuidado ao pensarmos acerca dessa competência, a medida que conhecer o contexto social, cultural, político e econômico em que uma teoria filosófica foi produzida não implica em conhecê-la somente de forma descomprometida, mas para não incorrer em erros quanto a utilização na reflexão de situações problemas da atualidade 6.1 Não se ensina filosofia, mas a filosofar A afirmativa de Kant “Não se ensina Filosofia, mas a filosofar”, enseja uma série de questionamentos acerca do ensino de filosofia. A assertiva coloca uma questão importante, ou seja, se não se ensina filosofia, mas a filosofar, como se ensina a filosofar? Nesse sentido, há um ponto de partida importante que, por analogia, pode conduzir o raciocínio a partir da ideia de que em educação só se aprende “fazendo”. O ato de aprender está vinculado ao ato de fazer, ou seja, de inserir os conteúdos teóricos nas práticas em torno do objeto que se deseja conhecer. O raciocínio pode ser transportado analogicamente para o ensino de filosofia para concluir, pelo menos provisoriamente, de que se ensina a filosofia “filosofando”, daí poder-se inferir, por extensão de raciocínio, que “não se ensina a filosofia, mas a filosofar”. O problema que se apresenta, a princípio, é o fato de que a filosofia não se define por um objeto e método próprios como na ciência. A ideia de que a filosofia abarca conhecimentos difusos e que também se ressente de um método próprio faz que alguns pensem que o filosofar não é seguro. A ideia difusa do conhecimento filosófico faz surgir um outro questionamento: em que consiste, então, essa ação que o filosofar aponta? O que deve caracterizar o filosofar? A ação que o filosofar aponta é a exigência de um método na forma de um exercício, além de uma atitude que deve ser filosófica LUCKESI (1992). A atitude filosófica requer o afastamento de diversos preconceitos, entre eles, aquele que leva as pessoas a pensarem que o filosofar é inútil, difícil e complicado, como se fosse tarefa para gente ultra-especializada. No entanto, a atitude filosófica requer uma postura diferenciada, mesmo diante da constatação do alto grau de saber de alguns filósofos, deve-se entender que o filosofar não está fechado somente aos filósofos consagrados ou com formação acadêmica relevante. 39 Fonte: cidadaocultura.com.br A filosofia não se restringe ao campo limitado da ciência, embora possa ser uma reflexão sobre a ciência. A filosofia é um corpo de entendimentos que compreende e dá significado ao mundo e à existência. Nesse sentido, importa saber como é que se constitui a filosofia, como é que se constrói esse corpo de entendimentos, que se pode assumir criticamente como aquele que se quer para o direcionamento da própria experiência e das questões fundamentais que envolver o ser, os valores, a realidade e as práticas. O exercício do filosofar proposto por LUCKESI (1992), no capítulo denominado “o exercício do filosofar”, demanda a execução de três passos didaticamente sequenciais, num processo dialético. O primeiro passo do filosofar é inventariar valores que explicam e orientam a própria vida e a vida da sociedade, e que dimensionam as finalidades da prática humana. Deve-se, portanto, perguntar quais são os valores que dão sentido e orientam à vida familiar; se se está analisando a família, quais valores compreendem e orientam a vida econômica, se se estiver questionando a economia; quais valores compreendem e orientam a educação, se se estiver questionando a educação, ou seja, se esta for o objeto de estudos e assim por diante. O objetivo de questionamentos dessa natureza é levar o sujeito a tomar consciência das ações, do lugar para onde se está e da direção que toma a vida. Direção que nasce tanto da consciência popular como da sedimentação do 40 pensamento filosófico e político que se formulou e se divulgou na sociedade com o passar do tempo. O segundo passo do filosofar é o momento da crítica. Depois de realizado o inventário de valores é preciso submetê-los à crítica, questioná-los por todos os ângulos possíveis para verificar se são significativos, e se compõem o sentido que se quer dar à existência. O terceiro passo do filosofar é o momento da construção crítica de valores que sejam significativos para compreender e orientar as vidas individuais e dentro da sociedade como guia da ação na direção mais correta. Destarte, LUCKESI (1992), sintetiza três passos do filosofar: (i) inventariar os valores vigentes; (ii) criticá-los; (iii) reconstrui-los. É um processo dialético que vai de uma determinada posição para a sua superação teórico-prática. Na medida em que se está inventariando os valores vigentes, está-se, ao mesmo tempo, criticando-os e reconstruindo-os. Os momentos descritos como passos do filosofar são apropriados para uma exposição didática, contudo esses momentos não são seccionados, pois um nasce dentro do outro. O exercício do filosofar exige, pois, inventariar conceitos e valores; estudar e criticar valores; estudar e reconstruir conceitos e valores, e para que isso ocorra, é preciso olhar não só o dia-a-dia, mas ler e estudar o que disseram os outros pensadores, os outros filósofos. Eles poderão auxiliar para que se atinja níveis superiores de entendimento, enfim, outras categorias de compreensão. O exercício do filosofar pode ser o fio condutor para que se aprenda filosofia, sem, contudo, que a filosofia seja propriamente ensinada. A sua apreensão deverá decorrer mais de uma relação que tenha no aluno o ponto de partida dos questionamentos infinitos que a filosofia proporciona, mediado pelo professor, auxiliado pelos pensadores, suas ideias, enfim pelas principais correntes de pensamento de um passado distante no tempo, mas próximo na história. Eles têm uma contribuição a oferecer. É o auxílio no trabalho de construir o entendimento filosófico do mundo e da ação. A consciência do professor determinaque, precipuamente, sua tarefa é ensinar filosofia, essa é a meta, no entanto, didaticamente, a filosofia deverá ser utilizada como meio no exercício do filosofar, para, então, de forma oblíqua e indireta o 41 professor realize os fins do seu labor: ensinar filosofia, por mais paradoxal que seja essa assertiva em face da expressão kantiana, sob análise. A frase de Kant “Não se ensina filosofia, mas a filosofar” inserida nos processos de aprendizagem revela uma verdade da filosofia como corpo de entendimentos, mas se distancia de uma verdade absoluta nos confins da terminalidade genérica, que exige apreensão de conteúdos expressos nas ideias filosóficas e nas principais correntes de pensamento, e permita ao aluno, ao final, dizer que aprendeu filosofia 6.2 Histórico da Filosofia como disciplina no Brasil O ensino de Filosofia no Brasil teve início quando aqui chegaram os primeiros padres da Companhia de Jesus no século XVI (1553), conhecidos como padres jesuítas. Estes religiosos chegaram com a missão de catequizar os índios convertendo-os à fé católica e também com a responsabilidade da educação dos moradores da colônia. Um relato do Pe. José de Anchieta mostra o trabalho realizado por esses missionários: […] mas, embora o nosso principal cuidado fosse ensinar e inculcar a eles os rudimentos da fé, também lhes ensinavam as letras; pois eram de tal modo aficionados a aprender a doutrina, que na mesma ocasião eram levados a aprender a doutrina da salvação; davam conta daquilo que pertencia à fé, instruídos segundo algumas fórmulas de interrogações (catecismo), alguns até sem elas... (LUKÁCS apud SCHMITZ,1994, p.48). Os jesuítas tinham na educação um interesse especial como forma de arrebanhar mais fiéis a seu credo. Isso tem a ver com o contexto renascentista da Europa do século XV que motivou por parte da Igreja católica um movimento de contrarreforma em que a expansão da fé católica era uma das prioridades. Assim, a filosofia foi usada para propagar a fé católica. Procurar o proveito das almas, na vida e na doutrina cristã, propagar a fé, pela pública pregação e ministério da palavra de Deus, pelos exercícios espirituais e obras de caridade, e, nomeadamente, ensinar aos meninos e rudes as verdades do cristianismo, e consolar espiritualmente os fiéis no tribunal da confissão; e trate de ter sempre diante dos olhos primeiro a Deus, depois o modo deste seu instituto A partir daí, “a cultura filosófica passa a ser mero comentário teológico, fundado principalmente na renovação da escolástica aristotélica” (CARTOLANO, 1985, p.20). 42 O militar espanhol Inácio de Loyola fundou em 1534 a Companhia de Jesus. Ela passa a controlar a Universidade de Coimbra, de Lisboa e Évora. Um os principais divulgadores do saber em Portugal. A visão de mundo então difundida baseava-se nos preceitos católicos. Isso chegou até o Brasil e marcou o início da educação. O ensino consolidou-se livresco, formal, baseado nas humanidades clássicas e desenraizado do mundo concreto. A filosofia fazia parte do curso de artes, oferecido pelos jesuítas aos estudantes que concluíram o primeiro nível de letras humanas. Era um curso não destinados à toda população, mas sim à elite do Brasil colonial. Dessa maneira, percebemos o caráter excludente que a educação trazia em seu bojo. Filosofia era para os destinados ao controle da colônia, apesar de ser pautada na escolástica com forte controle do que estudar. A burocracia desse aparelho ideológico era constituída pelo clero secular e pelos religiosos de diversas ordens, destacando-se dentre estas, pelo seu número, organização e relevância, a Companhia de Jesus. Sua atividade educacional principal era a catequese dos índios, enquanto que os padres seculares dedicavam-se quase que exclusivamente, aos serviços religiosos nos latifúndios, como capelães residentes, e nos centros urbanos como párocos. Na retaguarda da atividade missionária, os jesuítas mantinham, nos centros urbanos mais importantes da faixa litorânea, colégios para ensino das primeiras letras, para o ensino secundário e superior. Eles se destinavam a cumprir tripla função: de um lado, formar padres para a atividade missionária; de outro, formar quadros para o aparelho repressivo (oficiais de justiça, da fazenda e da administração); de outro, ainda, ilustrar as classes dominantes no local, fossem os filhos dos proprietários de terra e de minas, fossem os filhos dos mercadores metropolitanos aqui residentes (CUNHA, 1980, p.23). Assim com a fundação de colégios destinados aos filhos dos senhores e à catequização dos filhos dos pobres, escravos e dos índios, distingue-se o que ensinar a cada grupo, garantindo desta maneira uma visão de mundo da classe dominante. Os 12 primeiros colégios tanto em Portugal quanto no Brasil eram subsidiados pelo estado, uma vez que desempenhavam um bom papel na perpetuação do status quo. Os jesuítas estiveram à frente do ensino no Brasil por aproximadamente 210 anos. Para eles, a filosofia deveria estar na base da formação do homem. Devemos considerar que a filosofia em questão é tida como serva da teologia e desvinculada da realidade do educando. Com a ascensão política de Sebastião de Carvalho e Melo, o Marquês de Pombal (primeiro ministro de Portugal de 1750-1777), realizaram-se diversas reformas em Portugal que por consequência atingiram também as colônias. Uma das 43 consequências para o Brasil foi a expulsão dos jesuítas por motivos políticos, deixando o processo educativo dentro da colônia órfão. Foi a destruição do único sistema de ensino existente no país. Uma justificativa para a expulsão era que o ensino deveria preparar o cidadão para servir ao estado civil e não à igreja. Assim, ele tira o comando da educação das mãos dos jesuítas e passa para as mãos do Estado. Demorou muito na colônia para que o governo conseguisse estruturar a educação depois da expulsão dos jesuítas. Foi por meio do Alvará Régio de 28 de junho de 1759 que Marquês de Pombal criava as aulas régias (ou avulsas) de Latim, Grego, Filosofia e Retórica as quais deveriam suprir as disciplinas antes oferecidas nos extintos colégios jesuítas. Estas aulas eram fragmentadas, ministradas por professores leigos e mal preparados. Colégios de outras ordens religiosas continuaram a atuar no Brasil, baseados na pedagogia jesuítica. As reformas propostas na educação não atravessaram o oceano. O Brasil não é contemplado com as novas propostas que objetivavam a modernização do ensino pela introdução da filosofia moderna e das ciências da natureza, com a finalidade de acompanhar os progressos do século. Restam no Brasil, na educação, as aulas régias para a formação mínima dos que iriam ser educados na Europa (Zotti, 2004, p. 32) Mesmo com as reformas acontecendo em Portugal e a expulsão dos jesuítas no Brasil, isso não se configurou em um avanço, mas um retrocesso. As ideias iluministas ditadas pelo movimento encabeçado principalmente pela França não se configuram em uma realidade brasileira. Com a vinda da corte portuguesa para o Brasil motivada pela invasão francesa de Portugal, houve mudanças também na questão educativa. Foi transferido para o Brasil a Biblioteca Real e aberta a todo público. Em uma região onde os livros eram escassos, essa medida com certeza trouxe benefícios aos que desejavam o saber, mas sem condições de acesso a livros. A abertura dos portos para outras nações e o desejo de melhorar culturalmente o Brasil fizeram com que muitos intelectuais aqui chegassem. A ideia era formar uma classe para administrar a colônia e para isso foram criados novos colégios nos quais a filosofia servia para a formação profissional. Havia a preocupação por parte da Corte portuguesa, agora instalada no Brasil, de trazer mais conforto à elite. Assim em 1834 foram criadas e estruturadas algumas escolasde ensino superior, como a de formação de oficiais do exército e da marinha, cursos 44 de medicina, agronomia, economia política, desenho técnico e outras. O secundário passa a ser preparatório para o ingresso nesses cursos. Os cursos que inauguram o ensino superior no Brasil: Academia Real da Marinha (1808) e Academia Real Militar (1810). Inaugurando os cursos médicos, foram criados em 1808, o curso de cirurgia na Bahia e o curso de anatomia e cirurgia no Rio de Janeiro. Atendendo à necessidade de formação de técnicos em economia, agricultura e indústria fundaram-se, na Bahia, os cursos de economia em 1808, agricultura em 1812, química em 1817, e o de desenho técnico em 1818, no Rio de Janeiro, o laboratório de química em 1812 e o curso de agricultura em 1814 (AZEVEDO, 1976, p.71). A intenção era formar uma elite que garantisse a segurança e a governabilidade da colônia, agora elevada à condição de Reino Unido de Algarves. Essas escolas se restringiam a região próxima ao Rio de Janeiro. Em 1838, a filosofia passa a ser obrigatória mas continua a ser retórica e enciclopédica, desvinculada da realidade. O restante do país continuava no abandono educacional. Mesmo a maioria da população da capital continuava sem acesso a uma escola de qualidade. Com a influência das correntes francesas na educação brasileira, passamos a ter de forma mais presente o pensamento positivista que mais tarde irá influenciar as atitudes tomadas pelas elites dirigentes. Com a Republica, a influência de intelectuais europeus e o surgimento de pensadores brasileiros, o ensino de filosofia começa a aparecer nas salas de aula, mesmo que não obrigatório a todos os cursos. Em 1891, foi decretada a gratuidade do ensino primário e essa deveria ser dentro dos moldes de liberdade e laicidade. Benjamin Constant, quando Ministro da Instrução Pública, pregava que o ensino deveria tornar-se formador e não apenas preparador de alunos para os cursos superiores. “Mas o que ocorreu verdadeiramente, em vez de uma reforma, em toda a extensão do termo, foi apenas um acréscimo de disciplinas científicas às tradicionais, propiciando assim, um ensino mais enciclopédico” (MAZAI; RIBAS, 2001, p.7). Em 1908, fundava-se a Faculdade Livre de Filosofia e Letras pelos monges beneditinos a qual possuía uma orientação neotomista. A reforma educacional de 1915, com o decreto nº 11.530, transformou a filosofia em uma disciplina facultativa. Em 1931, outra reforma determinava “a formação do homem para todos os setores da vida, isto é, uma formação integral que lhe possibilitasse tomar decisões claras e seguras em qualquer situação de sua existência” (MAZAI; RIBAS, 2001, p. 9). No ano de 1942, mais uma reforma dividiu o ensino secundário em ginásio que compreendia 45 quatro anos, colegial de três anos. Esse por sua vez subdividia-se em científico e clássico. A filosofia era disciplina obrigatória em um ano do cientifico e dois do clássico, distribuída em uma 15 carga horária de quatro aulas semanais. “A filosofia era disciplina comum aos cursos clássico e científico e deveria ser ensinada de acordo com um mesmo programa para ambos os cursos, apenas com maior amplitude no curso clássico” (CARTOLANO, 1985, p.59). Com o tempo, várias portarias foram reduzindo o número de horas-aula e de séries da filosofia, chegando a ser ministrada apenas para o último ano. Promulgada a primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional em 1961, a filosofia é reduzida a um caráter de disciplina complementar e incorporada mediante indicação de cada Conselho Estadual de Educação, perdendo assim sua obrigatoriedade. Fonte: apusm.com.br Foi com certeza um golpe muito duro contra o ensino de filosofia e contra a educação em geral. A educação passou a ser uma questão de segurança nacional. Uma estratégia ideológica, valendo como instrumento de defesa das classes hegemônicas no poder, contra os inimigos internos. Os professores de filosofia das universidades acabam por sofrer perseguições. Segundo Pegoraro, Quando um professor enveredar para a análise das causas próximas, dos problemas que nos circundam; quando se interroga sobre a justiça, a eticidade do regime, o absurdo, a miséria, da doença e da fome produzidos pelos sistemas; quando um professor tratar destas causas próximas, cai na desgraça oficial e na mira dos chefes de departamentos. (PEGORARO, 1979, p.13) 46 A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) n. 5692/1972 substituiu a filosofia por disciplinas doutrinárias como a Educação Moral e Cívica (EMC) e a Organização Social e Política do Brasil (OSPB). O conjunto de medidas adotadas para a educação brasileira acabaram por levar a ensino à uma crise de identidade devido aos muitos métodos importados. Não conseguimos dar uma boa formação profissional aos alunos, nem prepará-los adequadamente para o ingresso na universidade. A educação continuou separada da realidade. Com isso percebe-se que a intenção desse governo militar no tocante à política educacional era ser um mecanismo social para assegurar a dominação necessária para a continuidade de uma política de subordinação. Não havia o interesse de oportunizar aos estudantes uma educação emancipatória que os apontasse caminhos da criticidade em relação à realidade na qual estavam inseridos. A filosofia, como não atendia aos objetivos tecnicistas e burocráticos da nova concepção de ensino, deveria ser expurgada, bem como a Psicologia e a Sociologia. Uma disciplina cumpriria melhor esses desígnios – a Educação Moral e Cívica –, regulamentada em decreto-lei de 1969. Em 1971, a lei 5692 constitui-se no golpe derradeiro contra o ensino de Filosofia no 2º grau, não apenas por torná-la disciplina da parte diversificada dos currículos, voltada ao atendimento de peculiaridades regionais, pois ela já tinha caráter semelhante a partir da lei 4024/61, mas pela direção imprimida à escolarização de 1º e 2º graus. A introdução do ensino profissionalizante e a ênfase dada às disciplinas da parte de formação especial reduzem drasticamente o espaço da Filosofia. Ela permanece, então, por longos anos, pelo menos até o início da década de 80, presente em alguns redutos de defesa da educação humanística (COSTA, 1992, p. 52-53). Essa aridez do ensino brasileiro em relação a formação mais humana só começará a ser superada – e ainda não o foi totalmente – a partir da redemocratização. Neste momento que teremos um movimento mais forte para que a filosofia e sociologia voltem a fazer parte do cotidiano do aluno. Em 1982, no último governo militar, representado por João Batista de Oliveira Figueiredo, pela lei educacional n. 7044/1982 a expressão “qualificação para o trabalho” foi substituída por “preparação para o trabalho”. O fracasso do modelo educacional estabelecido no regime militar começa a forçar mudanças que irão mais tarde trazer novas medidas das quais a filosofia ressurgirá como disciplina nas escolas de ensino médio. A lei 7044/82 do General Figueiredo, que revogou o ensino profissionalizante obrigatório do 2º grau, foi o reconhecimento público da falência da política educacional da ditadura e a demonstração de que as atitudes e planos 47 tecnocráticos haviam de fato colocado o governo numa situação de distanciamento para com a maior parte da sociedade, até mesmo as classes dominantes (CHIRALDELLI, 1991, p. 185). No mesmo ano, temos o parecer n. 342/1982 do Conselho Federal de Educação, sugerindo que a filosofia poderá fazer parte do quadro de disciplinas que compõe o currículo do Ensino Médio. Com a entrada de um governo civil em 1985, aumentou-se o debate em torno da obrigatoriedade da filosofia, pela carência na formação dos alunos principalmente no tocante à percepção da realidade, como comenta Ávila (1986, p. 48). Quando a partir de 1971, com a saída progressiva da filosofiado currículo das escolas, houve um empobrecimento da formação cultural da juventude, diminuindo a sua capacidade de ver os problemas de uma forma mais ampla o que se tornou uma das maiores limitações de nosso sistema educacional. Em 1996, com a LDB6 n. 9394/1996, a situação se mantém. O artigo 36, parágrafo 1º, recomenda o “domínio dos conhecimentos de Filosofia e de Sociologia necessários ao exercício da cidadania”. Foi um avanço em relação ao período ditatorial vivido pelo Brasil, mas não suficiente para colocar a filosofia como disciplina. Com as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (Resolução CEB / CNE n. 3/1998), aprovadas pelo Conselho Nacional de Educação em 1998, e os PCNEM (de 1999), apenas recomendam que a disciplina de Filosofia complemente os Temas Transversais dos PCNs7. A Filosofia é recomendada, nos PCNs, como conteúdo e não como uma disciplina. Assim, todas as disciplinas deveriam trabalhar dentro de seus conteúdos a filosofia. Esse tipo de medida não é garantia de que ela - a filosofia - fosse trabalhada. Também não sendo professores licenciados em filosofia, a abordagem filosófica acreditamos nós, sairia prejudicada em sua qualidade. Essa situação só foi de fato alterada quando, em 2008, a lei n. 11.684/2008 revê o artigo 36 da LDB e estabelece a obrigatoriedade da inserção da filosofia e da sociologia nos currículos do Ensino Médio. O projeto após três anos tramitando foi aprovado pela Câmara e pelo Senado Federal, sendo vetado pelo então Presidente Fernando Henrique Cardoso sob alegação de que o Brasil não possuía mão de obra qualificada suficiente para a demanda que as disciplinas exigiriam e os estados e municípios não conseguiriam arcar com o incremento orçamentário que estas duas disciplinas trariam. Com certeza argumentos falaciosos uma vez que existem muitos cursos de licenciatura em filosofia espalhados pelo pais e depois a demanda 48 despertaria o interesse na busca pelo curso. Sobre o orçamento, não haveria um aumento de carga, mas uma adequação, o que traria um insignificante gasto a mais. Em 2018, o MEC entregou a nova versão da Base Nacional Curricular (BNCC). Filosofia passa a ter conteúdos aplicados diretamente em Ciências Humanas. 6.3 Rumos do Ensino da Filosofia Temos novos questionamentos sobre seu processo de ensino. Precisamos saber o que ensinar e como ensinar aos alunos. Somos sabedores da sua importância como disciplina para a formação de uma sociedade mais crítica, que saiba se posicionar diante das circunstâncias e situações problemas frequentes em nosso Brasil. A filosofia é essencial para a permanência e sucesso das democracias. Se tratando de um instrumento de reflexão, liberta-nos das amarras da ignorância, permitindo-nos sair da “caverna”. Esta tomada de consciência, impulsiona a uma participação política mais efetiva na qual as pessoas sentem-se autoras da história, levando a um reconhecimento de direitos e deveres. Gramsci (1989), aponta que a escola possui poder para formar ou deformar a sociedade, na medida em que ela é a promotora de uma interação ampliada com os homens. Precisamos urgente de pessoas com olhar filosófico. Segundo Arroyo (1991), na escola é que deve prevalecer o princípio da educação, uma vez que é na escola que as pessoas vão em busca do saber. Para que isso aconteça precisamos de professores dispostos e capacitados a fazer esse trabalho a fim de formar uma classe de pessoas capazes desse olhar. Aqui vale chamar a atenção das instituições de cursos de licenciatura em filosofia para que promovam a discussão em torno do ensino de filosofia. Uma formação filosófica propicia ao indivíduo condições de uma participação política mais efetiva, dando-lhe oportunidade de pensar, ampliando a visão e o pensamento. A sala de aula em si já é um desafio filosófico no que se refere ao professor, suas práticas pedagógicas e os conteúdos trabalhados. A atividade pedagógica da filosofia deve ser antes de tudo uma atividade Filosófica. A Filosofia possui uma especificidade que só ela tem. É um exercício de pensamento que se articula em torno de problemas que não se resolvem de forma direta, imediata e definitiva. A própria Filosofia se torna um problema filosófico e é alvo da análise e reflexão. Cabe à filosofia 49 a capacidade de análise e reconstrução racional e crítica. Para isso ela necessita recorrer a sua história. Segundo Kant (1992, p.174), os alunos devem aprender a pensar por si só, ou seja, filosofar. Primeiro, deve ser um homem de entendimento, depois um homem de razão e por último um homem de instrução. Ele argumenta que seguindo esse método, mesmo que o aluno não consiga chegar ao final de seus estudos, terá se tornado mais inteligente e que será proveitoso em sua vida. A instrução pela instrução gera uma ilusão de sabedoria. As instituições educativas geralmente estão centradas na instrução, o que gera formandos com pouca sabedoria e consequentemente menos autônomos em seus pensamentos. Estão baseados na passividade de quem aprende, no repasse e introjeção de informações e só depois mais maduros estão “prontos” para filosofar, ou seja, refletir sobre o que aprendera. Isto não traz resultados positivos pois a filosofia é investigativa. Segundo Freire: A educação que se impõe aos que verdadeiramente se comprometem com a libertação não pode fundar-se numa compreensão dos homens como seres “vazios” a quem o mundo “encha” de conteúdos; não pode basear-se numa consciência especializada, mecanicistamente compartimentada, mas nos homens como “corpos conscientes” e na consciência como consciência intencionada ao mundo. Não pode ser a do depósito de conteúdos, mas a da problematização dos homens em suas relações com o mundo (FREIRE, 1983, p.38). A vinculação do estudo da filosofia ao conhecimento da história da filosofia, segundo Hegel (2004, p.327), parte da realidade que tudo o que somos é fruto da história. O que possuímos de modo permanente está inseparavelmente ligado com o fato da nossa existência histórica. O saber é acumulado no decorrer da história, cada geração a seu tempo dá a sua contribuição. O mundo espiritual preexistente, produto de outros homens, nossos ancestrais, será sempre a base da qual partiremos e desenvolveremos nossa filosofia, futuro produto. Ser fruto da história não significa de modo algum uma visão determinista. Por meio do pensar filosófico temos condições de interferir (o quê?) Na história e fazer novos conhecimentos conforme a realidade que estamos inseridos. Cada momento histórico traz seus questionamentos e cria caminhos para resolvê-los. Conforme Perine: Aprender filosofia dessa maneira é entrar numa tradição viva, não de pensamentos confiados a livros guardados em bibliotecas, mas de homens e 50 mulheres que escolheram e escolhem compreender a realidade e a si mesmos num discurso que responda às exigências de racionalidade e universalidade. […] transformará os seres humanos que, pela compreensão da realidade, poderão mudar o curso da história. Afinal de contas, a realidade compreendida não será mais a mesma de antes da compreensão (PERINE, 2013, p.153) A essência do homem está nas condições concretas que fazem parte do seu momento histórico, porém deve aprender a refletir e conhecer a realidade para encontrar sua identidade e assim ser autônomo. Por isso, é necessário desenvolver nos educandos as habilidades e competências necessárias para esta tarefa. Desse modo, o ensino de filosofia estará cumprindo seu papel. Conhecer o humano é antes de mais nada, situá-lo no universo e, não separá- lo dele. Nesse sentido, o que ensinar, deve estar ligado ao contexto onde o mesmo deve ser desmistificado rompendo os entraves de seu fundamento e trazendo a experiência intelectual. Desse modo, a filosofia pode ser trabalhada a partir de seus próprios fundamentos,uma vez que, traz em sua gênese a necessidade de trabalhar o momento vivido pelos homens, porque a sua finalidade frente ao homem e ao mundo perpassa os séculos (MORIN, 2001, p.47). A forma como trabalhar as aulas de filosofia hoje se mostra um desafio. A grande pergunta é como ensinar de maneira significativa Filosofia para os jovens brasileiros de nosso dia. É fazer que os alunos encontrem sentido no conteúdo filosófico a eles proposto, pois dessa construção depende o sucesso da aprendizagem. Um ensino enciclopédico demais pode trazer o desinteresse dos alunos. Conforme Maria E. R. de Souza: Após o retorno formal da disciplina de Filosofia ao Ensino Médio, estamos forçosamente transitando por um momento que nos obriga a rever concepções didáticas, metodologias, conteúdos, recursos pedagógicos, formas de avaliação, entre outras questões que envolvem o ensino e a aprendizagem. Talvez a diretriz mais importante neste momento seja aquela que discute o lugar da História da Filosofia no ensino. Compreendendo que o ensino da Filosofia não pode resumir-se às extensas interpretações e exegeses a que, costumeiramente, tem se reduzido. Impõe-se, é claro, entender o lugar da História da Filosofia na construção do pensamento, mas é preciso entender também que a Filosofia é um exercício de questionamentos, de indagação de dúvidas acerca da realidade. (SOUZA, 2014, p.10-11). Outra tendência do ensino de filosofia é tornar a sala de aula em um fórum de debates sobre problemas polêmicos ou que fazem parte do cotidiano dos alunos. Em entrevista, Celso Favaretto dá sua opinião sobre o assunto: 51 […] Se ela veio para o nível médio é porque tem – como as outras disciplinas – que contribuir especificamente, e não apenas com discussões, com debates, com discussões acaloradas de problemas emergentes da vida social, da vida política, problemas como as drogas, a violência, a sexualidade etc. Esses problemas são todos interessantes e podem ser discutidos inclusive em aulas de filosofia, desde que trabalhados a partir da construção de referências, de sistemas de referências, de modo que a discussão seja aquela que exercite um sistema de referência contra outro sistema de referência. (CARVALHO, 2013, p.25). Existe um grande desafio para a disciplina de Filosofia enfrentar. Primeiro, o de não se tornar enciclopédico (conteudistas demais) e nem tematizar demais com a realidade alicerçando-se em demasia na tradição filosófica. O desafio se agrava quando temos professores de outras áreas de formação ministrando aulas de filosofia para preencher carga horária ou porque não existe profissional qualificado na escola. Outro agravante é o excesso de horas trabalhadas devido aos baixos salários recebidos pela categoria, o que traz dificuldades para esses profissionais encontrarem tempo para o seu estudo e preparo das aulas. Cabe ao professor de filosofia promover uma reflexão filosófica que afirme a liberdade eticamente exercida. Não cabe a ele tornar-se baluarte da defesa de sistemas ideológicos e políticos, querendo com isso enquadrar o aluno nas suas ideias ou impor sua concepção de vida, pois não se deve ensinar filosofia ou filosofias mas sim ensinar a filosofar por meio da reflexão, análise e outras competências que são próprias da disciplina. Segundo Sílvio Gallo: Aula de filosofia deve funcionar como uma oficina de conceitos, um local onde os conceitos historicamente criados são experimentados, testados, desmontados, remontados, sempre frente aos nossos problemas vividos. E também um local onde se arrisque a criação de novos conceitos, por mais circunscritos e limitados que eles possam ser. (GALLO, 2003, p.4) Assim, as aulas de filosofia têm a incumbência de produzir conceitos que permitam às pessoas viverem com sabedoria, ampliando e fortalecendo o exercício das liberdades públicas e privadas. Só desta maneira a filosofia estará cumprindo com seu papel de construir uma sociedade composta por cidadãos críticos e comprometidos com o bem-estar social. 52 Fonte: revistabula.com 7 EDUCAÇÃO AMBIENTAL5 A Educação Ambiental vem com uma missão de conciliar o ser humano ao ambiente onde vive. As constantes transformações que passa o planeta têm afetado significativamente o meio físico, biológico, político e social. O que traz um comprometimento no ambiente e na qualidade de vida, colocando em risco o futuro da humanidade neste planeta. A respeito da parcela de culpa do homem nessas mudanças negativas, os especialistas no assunto divergem no tocante aos efeitos, se são causados por ação antrópica ou ciclo natural que, independente da ação humana, irá acontecer. Segundo Leff (2002, p.59), a crise ambiental se explica a partir de uma diversidade de perspectivas ideológicas. Por um lado, ela é percebida como resultado da pressão exercida pelo crescimento da população sobre os limitados recursos do planeta, por outro, é interpretada como o efeito da acumulação de capital e da maximização da taxa de lucro em curto prazo. De qualquer modo, é a maneira que o ser humano criou seu modo de vida que está interferindo na sua relação com o meio físico e com seu semelhante. 5 Extraído do artigo https://acervodigital.ufpr.br/bitstream/handle/1884/50865/R%20-%20E%20- %20JOSE%20FRANCISCO%20WOEHL.pdf?sequence=1&isAllowed=y https://acervodigital.ufpr.br/bitstream/handle/1884/50865/R%20-%20E%20-%20JOSE%20FRANCISCO%20WOEHL.pdf?sequence=1&isAllowed=y https://acervodigital.ufpr.br/bitstream/handle/1884/50865/R%20-%20E%20-%20JOSE%20FRANCISCO%20WOEHL.pdf?sequence=1&isAllowed=y 53 Em toda sua história o ser humano causa um impacto sobre o meio biofísico. Por meio do trabalho, ele se apropria de recursos que a natureza dá para transformá- los em bens de consumo, satisfazendo assim as suas necessidades. Nessa dinâmica ele transforma o meio, mas também sofre alterações. Surge assim a necessidade de educar o ser humano para a convivência com o meio a fim de minimizar os impactos. A educação ambiental vem exatamente mostrar que o ser humano é também capaz de gerar mudanças significativas ao trilhar caminhos que levam a um mundo socialmente mais justo e ecologicamente mais sustentável. Nesse sentido, a Educação Ambiental tem sido abordada como forma de questionar os padrões antigos e atuais de comportamento dos seres humanos em relação as formas de utilização dos recursos naturais e as relações sociais que permeiam toda a humanidade. Conforme Leff (2003, p. 19), “a crise ecológica atual, pela primeira vez não é uma mudança natural; é transformação da natureza induzida pela concepção metafísica, filosófica, ética, científica e tecnológica do mundo”. A lógica do lucro alimenta o sistema capitalista e gera pobreza de milhões de pessoas enquanto uma minoria usufrui de toda riqueza gerada. Essa relação se torna uma forma de exploração tanto do meio físico quanto do ser humano. 7.1 O que é educação ambiental São vários os conceitos para definir a Educação Ambiental. Segundo a Política Nacional de Educação Ambiental - Lei nº 9795/1999, Art 1º: Entendem-se por educação ambiental os processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade (BRASIL, 1999). O artigo 2º coloca que a educação ambiental é essencial e deverá ser permanente, atingindo todos os níveis e modalidades da educação formal ou não. Esse conceito está muito ligado ao conceito de sustentabilidade porque prevê a conservação do meio ambiente. Acreditamos que a educação ambiental deve promover as mudanças necessárias em vista de novas formas de se construir a sociedade e não apenas conservar. Carvalhoressalta: 54 Cabe reconhecer que gerar comportamentos individuais ordeiros, preocupados com a limpeza de uma área ou com a economia de recursos ambientais como a água ou a energia elétrica, pode ser socialmente desejável e útil, mas não significa necessariamente que tais comportamentos sejam integrados na formação de uma atitude ecológica e cidadã (CARVALHO, 2006, p. 181). Segundo as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Ambiental, Art. 2°, A Educação Ambiental é uma dimensão da educação, é atividade intencional da prática social, que deve imprimir ao desenvolvimento individual um caráter social em sua relação com a natureza e com os outros seres humanos, visando potencializar essa atividade humana com a finalidade de torná-la plena de prática social e de ética ambiental. (BRASIL/MEC, 2012, p.2) A educação ambiental nas escolas contribui para a formação de cidadãos conscientes, aptos para decidirem e atuarem na realidade socioambiental de um modo comprometido com a vida, com o bem-estar de cada um e da sociedade. As escolas precisam estar preparadas para trabalhar esse tema. Além de conceitos e informações ela precisa trabalhar com atitudes, com formação de valores. Com certeza, trabalhar educação ambiental é um grande desafio a qualquer escola. Fonte: eliteled.com.br 7.2 Ensino da Filosofia e educação ambiental 55 A sociedade na qual estamos inseridos tem por base o antropocentrismo, corrente de pensamento que faz do homem o centro do universo, que intensifica-se na filosofia clássica e no pensamento judaico-cristão, fundamento da cultura ocidental. A Bíblia, formadora da maioria das religiões ocidentais, no livro do Gênesis, capítulo 1, versículos 26 a 29 e capítulo 9, versículos 1 a 3, se lê que o criador dá ao homem e á mulher o direito de dominar os peixes do mar, as aves do céu, os animais domésticos, todas as feras e todos os répteis que rastejam sobre a terra e entrega também todas as ervas e as árvores que estão sobre a terra. Somado a essa matriz conceitual, na modernidade, linhas do pensamento filosófico passaram a empenhar- se para justificar o domínio do homem sobre a natureza. O conhecimento científico, por meio da razão, apresentou-se como saber apto a justificar a apropriação desenfreada da natureza. Descartes, Kant, Galileu Galilei, Newton e muitos outros buscaram maneiras da razão, pelas observação e experimentação, alcançar o conhecimento para submeter e dominar a natureza. Segundo Singer: As atitudes ocidentais ante a natureza são uma mistura daquelas defendidas pelos hebreus, como encontraremos nos primeiros livros da Bíblia, e pela filosofia da Grécia antiga, principalmente a de Aristóteles. Ao contrário de outras tradições da Antiguidade, como, por exemplo, a da Índia, as tradições hebraicas e gregas fizeram do homem o centro do universo moral: na verdade, não apenas o centro, mas, quase sempre, a totalidade das características moralmente significativas deste mundo (SINGER, 2012, p.178). Esta apropriação dos recursos naturais intensificou-se com o processo industrial que provocou em um ritmo acelerado o crescimento das cidades e da população, aumentando assim a utilização dos recursos naturais não-renováveis e a quantidade de resíduos descartados. Isso trouxe grandes mudanças nas sociedades e no modo de vida. Foram criados novos estilos de vida, novos valores, e modificam- se também as formas de perceber a natureza. Junto com estas mudanças surgem também inúmeros problemas ambientais, deflagrando assim uma crise de tal proporção que ameaçava a própria sobrevivência do homem, como já tratamos anteriormente neste trabalho. Dessa maneira a filosofia enquanto disciplina do currículo do ensino médio não pode se furtar a discutir tais problemas. Iluminado por pensadores que se propuseram a discutir essa complicada relação do homem com a natureza, é possível por meio das aulas de filosofia formar 56 conceitos que ajudem a construir uma sociedade melhor, composta por pessoas conscientes da responsabilidade em relação ao meio circundante. Assim, a A aula de filosofia deve funcionar como uma oficina de conceitos, um local onde os conceitos historicamente criados são experimentados, testados, desmontados, remontados, sempre frente aos nossos problemas vividos. E também um local onde se arrisque a criação de novos conceitos, por mais circunscritos e limitados que eles possam ser (GALLO, 2003, p.4). Para trabalhar a crise ambiental com os alunos, é bom refletir que esta relação dissociada do homem com meio nem sempre foi assim. Basta verificar que na própria Grécia Antiga, época dos filósofos naturalistas, acreditava-se na dinâmica das coisas, na evolução das espécies e na origem animal do homem. Segundo as concepções da Escola de Mileto, a vida é uma contínua transformação, uma luta entre contrários e sujeita às vicissitudes do tempo e do espaço. Tal corrente de pensamento, surgida cinco séculos 34 antes da era cristã e bastante elevada do ponto de vista espiritual, inseria o ambiente em uma perspectiva cósmica. Sobre essa perspectiva da visão mais espiritual do cosmo, temos vários filósofos atuais que podem ajudar-nos a refletir como Arne Naess, fundador da chamada ecologia profunda que concebe o ser humano como parte do seu entorno. Propõe mudanças culturais, políticas, sociais e econômicas, a fim de se conseguir uma convivência harmônica entre o ser humano e as demais formas de vida. A ecologia profunda parte da visão de que a natureza tem um valor intrínseco a ela mesma. Ela vem em oposição a ecologia rasa que possui uma visão convencional segundo a qual o meio ambiente deve ser preservado apenas por causa da sua importância para o ser humano. Após discutir e definir as concepções de antropocentrismo e holismo, é possível conduzir os alunos à reflexão sobre a sociedade de consumo, levando em conta que a produção e consumo desenfreados de produtos ditos da “moda” ferem a natureza de duas formas diferentes. Seja pelo uso dos recursos naturais que são empregados para produzi-los, seja pela quantidade de resíduos sólidos que estes produtos geram no ambiente ao serem descartados ou ainda porque não se enquadram mais à moda, uma outra tendência diferente já está povoando o imaginário do consumidor. Assim, “uma ética ambiental rejeita os ideais de uma sociedade materialista na qual o sucesso é medido pelo número de bens de consumo que alguém é capaz de acumular” (SINGER, 2012, p. 302). 57 Uma boa maneira de trabalhar este tema dentro da filosofia é através da Odisseia de Homero, que trata da ilha de Ogigia, local onde Ulisses ficou sete anos preso pela ninfa Calipso que lhe prometera juventude e prazeres eternos se ele ficasse com ela. É uma proposta de reflexão da sociedade de consumo e suas promessas, pois, assim como a ilha causa esquecimento e alienação, “a memória, o tempo e a lembrança são liquidados pela própria sociedade burguesa em seu desenvolvimento, como se fossem uma espécie de resto irracional (…) ” (ADORNO, 1995, p.33). Vivemos no reino do esquecimento, buscando prazeres contínuos e ininterruptos. Estamos sempre rodeados por infinitas possibilidades de satisfação, sempre à procura de novos prazeres e objetos que nos satisfaçam. A filosofia enquanto disciplina pode contribuir imensamente com a reflexão ambiental tornando-se uma referência para as outras disciplinas do currículo do ensino médio. Conforme Morin (1999, p. 63), “é preciso que compreendam tanto a condição humana no mundo como a condição do mundo humano, que, ao longo da história moderna tornou-se condição da era planetária. ” Isso significa que é preciso parar e refletir acerca das ações ou das maneiras como vivemos e como elas deixam registros no meio ambiente. Desde sua origem, o homem apropria-se da natureza a fim de transformá-la e adaptá-laàs suas necessidades. Essas transformações, que caracterizam o mundo, obrigam o homem a uma constante avaliação de suas relações com o meio ambiente. A filosofia necessita colaborar com essas reflexões, pois, no que se refere à questão ambiental, nota-se a dificuldade do aluno em perceber a relação que ele estabelece com o meio ambiente. Isso se dá pelo fato de que, muitas vezes, o meio ambiente é trabalhado puramente em seus aspectos naturais, ficando sob a responsabilidade dos professores de Biologia e Geografia, ou resumidas a datas comemorativas como, por exemplo, o dia da água, o dia do meio ambiente, o dia da árvore, entre outros. A realidade nos mostra que na educação formal, muitas vezes, a proposta curricular está mais voltada para conteúdos específicos, os quais são trabalhados dissociados da realidade, dificultando a compreensão por parte dos educandos como também o trabalho dos professores. Educação Ambiental visa o desenvolvimento da consciência crítica, motivando os educandos para a mudança de valores, posturas e atitudes, seu trabalho deve ser contínuo e relacionado com os conteúdos de sala de aula. 58 Em decorrência das práticas fragmentadas da educação ambiental, o educando se sente observador de sua realidade e não um ser atuante e transformador desta. O aluno precisa enxergar sentido no que está realizando e o professor tem que ser o mediador no processo de ensino-aprendizagem. Somente dessa forma pode-se fazer com que seja percebida a verdadeira relação que deve ser estabelecida com a natureza, caso contrário ela vai continuar a ser vista como uma mercadoria à disposição, para ser utilizada indiscriminadamente. Cabe ao educador estimular o aluno a refletir sobre a realidade na qual vive, levando-o à compreensão de que é um ser ativo no contexto social e histórico, proporcionando a construção de um cidadão consciente de suas ações. Como diz Paulo Freire (1996, p.30): “Por que não estabelecer uma ‘intimidade’ entre os saberes curriculares fundamentais aos alunos e a experiência social que eles têm como indivíduo? ” É necessário partir dessa questão, se pretendemos formar cidadãos críticos, responsáveis, solidários e preparados para lutar pelos seus direitos, estabelecendo uma relação de valorização e respeito pela natureza. A mudança da visão sobre os recursos ambientais como algo finito tem relação com a ideia de que estamos ligados com todos os indivíduos do mundo, de que as ações praticadas em um dado contexto podem interferir em outros muito distantes, de que a poluição ou devastação ambiental de dado continente ameaça a vida de todo planeta. A filosofia como ciência contribui no pensar e pode iluminar nosso agir em busca de um meio ambiente mais sadio. Fonte: plantaoenfoco.com.br/ 59 8 A FILOSOFIA COMO INSTRUMENTALIZAÇÃO REFLEXIVA NA FORMAÇÃO DO EDUCANDO Para Dewey, o aluno é o ator principal no cenário do processo educativo. Para explicitar isso, ele lança mão da metáfora do barco, onde o professor é um guia, o que direciona. É o timoneiro do barco. A energia propulsora, no entanto, deriva dos alunos. A partir da experiência trazida por cada um, o professor dirigirá seus empreendimentos em direção à formação de hábitos reflexivos. “O professor exercerá o papel difícil de alguém que oferece a mão ao aluno, mostra-lhe o mundo ao redor e ao mesmo tempo deixa que ele caminhe sozinho e busque a construção de seu próprio ser” (LINS, 2015, p. 33). E ainda, de acordo com Lins (2015), a responsabilidade pela ação educativa é do professor, muito embora o aluno seja sempre seu agente principal. As condições para o professor exercer a função de líder intelectual de um grupo social são essenciais: a primeira delas refere-se à preparação intelectual acerca do assunto a ser abordado, pois o professor deve ter conhecimento abundante, chegando a transbordar, de forma a extrapolar as informações livrescas, textuais, de apostila, ou qualquer outro instrumento; em segundo lugar, deve estar preparado para o inesperado, para questionamentos, de modo que possa tirar proveito de indagações inesperadas, além de estar sempre motivado por um entusiasmo autêntico pelo conteúdo, de forma a contagiar os alunos. Para tanto, os docentes busquem a formação contínua, “porque a prática docente, (...) me coloca a possibilidade que devo estimular de perguntas várias, preciso me preparar ao máximo para, de outro, continuar sem mentir aos alunos, de outro, não ter de afirmar seguidamente que não sei” (FREIRE, 2007, p. 97). Para inculcar nos discentes a necessidade da reflexão frente ao que lhes for apresentado, o professor, primeiramente o professor precisa ser sujeito reflexivo e buscar frequentemente atualizar seus conhecimentos, daí a importância da formação continuada. A formação permanente, aponta para o modelo de docente como investigador na prática, como ser reflexivo, que constantemente tem que tomar decisões, em contraposição ao modelo em que o professor/a é visto como mero executor/a das ideias de outros, dos especialistas, isto é, como técnico que implementa um produto já criado pelos agentes externos. (REINA, 2012/2013, p. 192). 60 O interesse autêntico pela atividade mental própria, pessoal, um amor pelo conhecimento são características essenciais do professor, pois, sendo ranzinza, aborrecido, rotineiro, indiferente à experiência de outrem, fará com que qualquer conteúdo a ser trabalhado se torne insuportável. De acordo com Alarcão (2009), a ideia de professor reflexivo é baseada em sua consciência de que cada ser humano é capaz de pensar e refletir, e essa reflexão é o que caracteriza o ser humano como criativo e inovador, e não simplesmente como mero reprodutor de ideias e práticas que lhe são alheias. Portanto, é papel do professor fazer com que os discentes sejam incentivados e tenham entusiasmo em sempre buscar, ir além, aprofundar o conhecimento que vai sendo adquirido. É evidente que o domínio do conteúdo possibilita ao professor transmitir segurança, o que não significa que ele deve portar-se como único detentor do conhecimento e da verdade, submetendo os alunos à sua subjetividade sem dar importância ao conhecimento trazidos por eles. É importante que o professor estimule os discentes à pesquisa, pois só assim eles poderão fazer a passagem do conhecimento superficial para o conhecimento mais profundo e complexo. A investigação e o método são essenciais para o exercício do magistério. Nesse sentido os professores deverão ser os primeiros a pesquisar e atualizar seus conhecimentos para dar suporte aos alunos. Por outro lado, Dewey destaca que o processo educativo correlacione os conteúdos à prática e à experiência como forma de incentivo à reflexão. Fonte: www.geledes.org.br 61 8.1 A importância da filosofia na formação do educador6 O ato de ensinar exige que o educador acredite na mudança, devendo escolher metodologias que proporcionem ao educando o interesse e a curiosidade pelo conhecimento, formando os educandos para atuar e intervir ativamente na realidade. O ponto de partida para refletir sobre o processo de ensino-aprendizagem no contexto educacional inclui a ideia de inacabamento do ser que toma consciência dos seus atos e assimila a capacidade de aprender, não apenas para se adaptar à realidade, mas com o anseio de reconstruí-la. A ação pedagógica tem se acentuado no senso comum ideológico dominante, que se expressa na prática educacional, seja por uma não compreensão filosófica do mundo, seja pela não compreensão de uma teoria filosófica do conhecimento norteadora da prática educativa. O que se deve elucidar é que se deve estar atento ao “como fazer” e “o que fazer na sala de aula”; para isso, há necessidade de definição de pressupostos filosóficos, haja vista que a prática educacional jamais é neutra, e quesempre estamos servindo determinados grupos e classes, motivo pelo qual há que se tomar partido: ou trabalhamos para atender os interesses e necessidades das classes dominantes ou lutamos em defesa das classes oprimidas. Assim, pode-se considerar que a filosofia impede o dogmatismo na ação pedagógica, por isso deve propor um modelo de educação que vise à formação política do educador, a compreensão da existência do homem como um ser capaz de pensar e de agir para melhorar sua própria realidade, as suas condições materiais de existência. Considerando que a educação é norteada por conceitos, valores e finalidades, cabe então refletir sobre o real sentido e valor que a educação tem na e para a sociedade. Para que possamos compreender a educação e seu direcionamento filosófico é muito importante considerarmos as três tendências filosóficas e políticas que se constituíram ao longo da prática educacional, na visão de Luckesi (1994). Para o autor: “esses três grupos de entendimento do sentido da educação na sociedade podem ser expressos, respectivamente, pelos conceitos seguintes: educação como redenção; educação como reprodução; e educação como meio de transformação da sociedade” (p.37). A compreensão dessas perspectivas da educação pode 6 Extraído do artigo http://www.editorarealize.com.br/revistas/fiped/trabalhos/c215b446bcdf956d848a8419c1b5a920.pdf http://www.editorarealize.com.br/revistas/fiped/trabalhos/c215b446bcdf956d848a8419c1b5a920.pdf 62 proporcionar uma prática pedagógica com nível significativo de consciência, possibilitando ao educador atuar visando uma construção mais política e filosófica do seu papel social. Tais tendências filosóficas se apresentam pela explicação do sentido da educação na e para a sociedade. A primeira é conhecida como a “tendência redentora” e concebe a educação como instancia quase que exterior à sociedade e dotada de poderes quase que absolutos. Fonte: www.cnbsp.org.br 8.2 A Educação a partir da experiência Um dos pontos centrais da teoria da educação de John Dewey é o referencial prático, pois o conhecimento deve estar ligado à realidade do sujeito. “É inconcebível pensar vida, experiência e aprendizagem separadas, uma vez que se vive, experimenta e aprende simultaneamente” (LEITE, 2010, p. 25). O conhecimento só tem sentido, se tiver utilidade, ou seja, se estiver a serviço da existência humana. Ao estudar temas muito distantes de sua experiência, os alunos não despertam a curiosidade ativa, nem superam a capacidade de compreensão, mas, por outro lado, passam a lidar com temas escolares uma escala de valores e realidades distante da das questões práticas e que lhes interessam de verdade. No que concerne à experiência, de acordo com Souza (2012), a filosofia deweyana foi elaborada com o intuito de possibilitar interligar o pensamento reflexivo e os eventos da experiência cotidiana. 63 O método empírico exige que a filosofia submeta seus procedimentos à experiência primária, ou seja, aquelas relacionadas às emoções e às primeiras impressões, enfim, aos sentidos. A verificação das conclusões se dá mediante investigação. Enquanto as hipóteses não são testadas de forma prática, constituem apenas opinião, especulação. Segundo Dewey, a única forma de obtenção de conhecimento é através da ação, da prática. De acordo com Lorieri (2000), a gênese do processo de conhecer é a ação, na ação e para a ação. Este ponto de partida deve proporcionar uma experiência reflexiva que, para Fávero (2009) consiste em um esforço intencional (pensar) para estabelecer relações entre o que se faz e as consequências resultantes da ação, de modo que haja correlação entre elas. De acordo com Dewey (1998), a experiência se dá pela combinação de dois elementos, um ativo e outro passivo combinados respectivamente. Pelo lado ativo, a experiência é um ensaiar porque proporciona um sentido que se manifesta no termo “experimento”. No lado passivo é sofrer ou padecer, ou seja, através do agir, o objeto em relação ao qual se age exerce uma ação sobre o agente. Quando se experimenta alguma coisa, atua sobre ela, mas, posteriormente, se sofre ou padece as consequências. Desta forma, a junção destas duas fases da experiência mede a fecundidade ou o valor dela. A mera atividade não constitui uma experiência, pois é dispersiva, afasta-se do centro de atenção. A experiência como ensaio supõe uma mudança, que pode ser sem sentido, a menos que esteja conscientemente interligada com a onda de retorno das consequências que fluem dela. O conhecimento é sempre “ressignificação”, ou seja, reinterpretação, reorganização, cujo ponto de partida são as informações adquiridas preteritamente com acréscimo de dados provenientes de novas descobertas, através da investigação, transformando os saberes. O conhecimento não é algo estático, está sempre em movimento, não é algo pronto e acabado, está sempre fluindo. A busca incessante pelo aprimoramento e atualização de informações é o que movimenta o mundo. A educação deve motivar essa constante busca pelo saber. Partindo do pressuposto que o conhecimento está em constante transformação, o objetivo da educação consiste em fazer com que os discentes cultivem o gosto pela investigação e pela pesquisa. Nisto consiste o processo 64 emancipatório do raciocínio autônomo na busca de soluções para os problemas e superação das dúvidas. 8.3 A Educação que conduz à reflexão7 A educação objetiva o crescimento e a condução do discente ao pensar reflexivo. Porque assim ele estará preparado para encarar as dúvidas e questionamentos de forma consciente, pois, segundo Dewey (2007), o pensamento capacita para se guiar as atividades com previsibilidade, servindo para realizar planejamento de acordo com objetivos ou fins que se tem em vista. Ela capacita para atuar de forma deliberada e intencional, para vislumbrar objetivos futuros e alcançar o domínio de realidades ainda ausentes. O pensamento reflexivo proporciona o prolongamento do estado de dúvida, ou seja, a educação leva a mais conhecimento, objetiva à continuidade. O aprendizado faz com que o sujeito aja com autonomia, seja protagonista através de sua própria construção de saberes. De acordo com Ali (2015) nós não nascemos sabendo a prática de aprender. O aprendizado ocorre quando se permite que o indivíduo seja capaz de aprender, quando se oportuniza diferentes maneiras de usar uma mesma experiência, pois isso o leva a realizar diversas associações e combinações de ideias, de acordo com as circunstâncias a que lhe são apresentadas. E segundo Dorigon (2008) a resolução de situações problemáticas pode resultar na transformação do investigador, do meio e de ambos. A ênfase principal é a transformação. Dewey, em seu livro Como pensamos, apresenta algumas possibilidades do pensamento ser conduzido de forma errônea. Para tanto, se baseia no filósofo John Locke, que argumenta que é possível educar o pensamento, para que se extraia dele as melhores possibilidades. É preciso estar atento ao comportamento que conduz às formas errôneas de pensamento. Alguns fatores contribuem para se pensar de forma errônea, como por exemplo, os indivíduos que raramente raciocinam, pois quase sempre seguem o pensamento de outros, como os pais, os sacerdotes, ou outro modelo que julguem ser digno de 7 Extraído do artigo http://periodico.abavaresco.com.br/index.php/opiniaofilosofica/article/download/637/582/#targetText=Resu mo%3A%20A%20presente%20pesquisa%20tem,tornar%20o%20objetivo%20da%20educa%C3%A7%C3%A3o. http://periodico.abavaresco.com.br/index.php/opiniaofilosofica/article/download/637/582/#targetText=Resumo%3A%20A%20presente%20pesquisa%20tem,tornar%20o%20objetivo%20da%20educa%C3%A7%C3%A3o http://periodico.abavaresco.com.br/index.php/opiniaofilosofica/article/download/637/582/#targetText=Resumo%3A%20A%20presente%20pesquisa%20tem,tornar%20o%20objetivo%20da%20educa%C3%A7%C3%A3o65 confiança, assim não tem que pensar por si mesmos. Depois, existem os que colocam a paixão no lugar da razão e deixam que ela governe suas ações e argumentos, não utilizam razão própria nem escutam opiniões que são diferentes de seus interesses. Por fim, existem os que estão dispostos a seguir a razão, porém lhe falta uma visão ampla do assunto, possuem apenas um ponto de vista, pois buscam conhecer e até se aprofundam em um só aspecto da questão. Na mesma obra Dewey expõe as ideias do filósofo Francis Bacon (1561-1626), que consiste nos ídolos ou fantasmas e atrapalham a construção do pensamento: a tribo refere-se aos métodos errôneos cujas raízes se encontram na natureza humana, o intelecto humano pode deturpar ou deformar as coisas pois é proveniente dos sentidos e falível; o mercado são os que provém da troca de conhecimento e do uso da linguagem, que podem levar a erros de interpretação e transmissão; a caverna são os que tem causas estritamente individuais, pois cada um possui uma visão diversa, e às vezes deformada por uma visão unilateral; o teatro trata-se dos que se originam da moda ou opinião geral de uma época. De acordo com Souza (2009), Dewey afirma a necessidade de se educar o pensamento como forma de superar a superficialidade rudimentar e promover a transição para pensamento reflexivo, mais aprofundado e elaborado. Porém, o desenvolvimento da prática reflexiva, só pode acontecer a partir da necessidade de solução de algum problema, que pode surgir através da experiência. A educação deve mostrar as possibilidades de engano do pensamento, que, para Costa (2013), esse engano pode ser causado pelo impulso, impaciência, soberba e escolha das coisas que levam em conta apenas o interesse próprio. A educação deve ensinar a pensar bem, mostrando a importância do pensamento, do questionamento e da reflexão, que deve mover cada um de nós. Entendemos que a Filosofia pode ser útil para estimular o aluno a pensar os problemas da contemporaneidade, recorrendo a leituras de pensadores que já o fizeram em tempos passados, tentando sugerir saídas para problemas semelhantes aos de hoje. Diferentemente de outras disciplinas, cujo valor para a formação dos sujeitos é inquestionável e que, portanto, estiveram sempre presentes no currículo da Educação Básica, o valor da disciplina de Filosofia foi muitas vezes questionado, o que a fez oscilar como componente curricular desse nível de ensino. A presença da Filosofia na 66 escola só era defendida pelos órgãos oficiais quando considerada capaz de contribuir de alguma forma com as exigências de formação que se gestava no interior do modo de produção econômico. A Filosofia tem que ganhar vida, instigar os alunos a reflexão a partir de temas e problemas que façam parte do seu cotidiano. A inserção da filosofia como disciplina no ensino médio compreende a necessidade da formação crítica e autônoma do cidadão no final da educação básica, pois esse saber fornece condições para o pensar e o agir através da ação reflexiva, respondendo e indagando as sociedades contemporâneas. A filosofia é importante para o desenvolvimento de uma sociedade melhor onde predomine o diálogo, a discussão filosófica, numa reflexão sobre comportamentos morais e éticos com parâmetros em nossas ações e vivências sem autoritarismos e com liberdade e autonomia. O ensino de filosofia é fundamental para a consolidação da democracia, para a discussão de temas pertinentes e para o desenvolvimento do pensamento social e político da nossa sociedade. Ela se faz necessária para a ampliação da consciência ecológica, melhorando a relação entre o ser humano e os seres não humanos a fim de construir uma atitude de respeito por eles. Embora sejam muitos os “modismos ecológicos” que acabam por não se tornar em práxis efetivas em busca de resultados reais, o trabalho da filosofia se torna essencial para iluminar essas armadilhas da sociedade. Sendo assim, a filosofia é de vital importância para a educação em todos os seus níveis de ensino. Ela obedece a um esforço no sentido de questionar e debater os problemas referentes à existência humana, isto é, desenvolver um espírito crítico, suscitando a liberdade para o exercício da democracia. 67 Fonte: pensaraeducacaoblog.wordpress.com REFERÊNCIAS MENDSES, A. A. P. Didática e Metodologia do Ensino de Filosofia no Ensino Médio. Ctba: InterSaberes, 2017 (no prelo). (BV) TRIGO, L. G. G. Pensamento Filosófico: um enfoque educacional. Curitiba: InterSaberes, 2013. VASCONCELOS, J. A. Fundamentos Filosóficos da Educação. Curitiba: InterSaberes, 2012.