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FACULDADE DE LETRAS - UFRJ 
PORTUGUÊS III - LEV 201 - 2000/02 
PROFª Cláudia Cunha 
 
PROCESSOS FONOLÓGICOSPROCESSOS FONOLÓGICOSPROCESSOS FONOLÓGICOSPROCESSOS FONOLÓGICOS 
 
 
����Definição: Modificações sofridas pelos fonemas em sua emissão em decorrência da influência dos sons vizinhos. 
“Em qualquer momento, quando se combinam elementos para formar palavras ou frases, ocorre uma série de 
modificações, determinadas por fatores fonéticos, morfológicos e sintáticos” (Callou & Leite, p.42). Identificam-se os 
processos fonológicos também pelo termo metaplasmos (grego méta + plasmos, “mudança de forma”). Camara Jr. (cf. 
verbete) define um metaplasmo como indicador de “uma forma que não é normal, mas é admissível, e os que a 
empregam, ou a encontram, logo a associam à forma normal”. O conceito de metaplasmo é sincrônico: refere-se às 
formas e suas variantes. Dubois: “chama-se metaplasmo uma mudança fonética que consiste na alteração de uma palavra 
pela supressão, adição ou permuta de formas”. 
 
����Ampliação do conceito: O termo, porém, acabou sendo empregado também para denominar as “mudanças 
fonéticas”, situadas no eixo diacrônico. Sob essa perspectiva, consultem-se, entre outros, C. Jr. (Princípios de lingüística 
geral) e Crystal, no verbete “mudança de som”: “uma série regular de mudanças [fonéticas] constitui, na filologia 
comparada, uma lei. Os neogramáticos acreditavam na hipótese de estas leis não têm exceções; em outras palavras, em 
uma determinada época, todas as palavras contendo um som em um dado ambiente fonético mudariam da mesma forma 
- uma lei explicaria os casos em que isso não acontecesse”. 
Exemplos de exceções às leis: [pl], [kl] e [fl] passaram a [S] no galego-português (séc. VIII ao XII). Assim: 
pleno > che )o > cheio, plano > chão, clamare > chamar, flagare > cheirar. Mas, em certos vocábulos, apenas trocou-se 
o [l] pelo [R]: placere > prazer, clavu > cravo, flaceu > fraco. Em outros, mais eruditos, o grupo consonântico se 
conservou: pleno, clima, flauta, bloco. (cf. Teyssier, História da língua portuguesa, p.14-15). 
 
����Discussões em torno do conceito 
 
1. Sincronia x diacronia: Embora Camara Jr. afirme que há impropriedade no uso do termo metaplasmos para 
designar as mudanças fonéticas, pode-se notar que existem mais semelhanças que diferenças entre as óticas sincrônica e 
diacrônica. O autor afirma que, em relação às mudanças fonéticas, o que interessa não é o processo em si, mas as 
circunstâncias em que ele ocorre, e elas extrapolam a descrição que os metaplasmos oferecem (além das influências 
sintagmáticas, há as paradigmáticas, como a analogia). Pois a observação dos processos e das circunstâncias que os 
envolvem é produtiva e necessária tanto na diacronia quanto na sincronia, uma vez que evidenciam as tendências 
evolutivas (de variação e mudança) latentes no idioma. Um processo ocorrido na passagem do latim para o português 
pode estar se verificando hoje, no português atual, e talvez as causas estejam relacionadas entre si. Com este tipo de 
abordagem, poder-se-á falar então em “tendências evolutivas do português do Brasil”. Callou & Leite (p.43): “Os 
processos que produziram mudanças históricas são os mesmos que estamos testemunhando a cada momento”. 
 
2. Processos fonéticos x processos fonológicos: Maria Helena Mira Mateus et al. (p.537-8) fazem uma 
distinção entre os dois tipos. Para as autoras a fonologia pertence a um nível subjacente, constituído de segmentos 
abstratos e hipotéticos que, por meio de regras, que se aplicam sistematicamente a eles, gera os elementos fonéticos da 
língua. “O nível fonológico e o fonético da língua estão relacionados por regras que alteram os segmentos subjacentes, 
mas também podem suprimir ou inserir outros”. 
 Os processos fonológicos caracterizam-se então por serem sistemáticos. As regras de alteração, supressão e 
inserção que atuam sobre segmentos subjacentes são previsíveis; suas condições de aplicação são determináveis (é o que 
se dá com a neutralização). Suas causas podem ser morfológicas, fonéticas ou sintáticas. Os processos fonéticos são 
assistemáticos; são processos que atuam sobre o nível fonético segundo condições que não são exclusivas da 
componente fonológica. Freqüentemente eles são uma extensão de certas regras fonológicas e as causas que os 
determinam são quase exclusivamente fonéticas (como as de caráter articulatório - um som influenciando a articulação 
de outro - ou de caráter perceptivo - quando se estruturam novas sílabas ou se modifica a seqüência de modo a torná-la 
mais perceptível) e prosódicas (acento da palavra e da frase, velocidade de fala, etc). Tais processos não fazem parte dos 
padrões regulares da língua. 
 
���� Em geral, usa-se a denominação processos fonológicos para identificar tanto as modificações de 
caráter sistemático quanto as assistemáticas, desprezando-se as distinções supra-citadas. 
 
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����Tipologia: Os processos fonológicos podem acarretar: supressão, acréscimo, mudança de ordem e mudança da 
qualidade de um segmento, havendo, na maioria dos casos, termos específicos para identificar, em cada um deles, as 
particularidades encontradas. 
 
1. Supressão de segmentos 
 
1.1. No início do vocábulo (Aférese) 
 C.Jr.: “A tendência a perder-se a vigal inicial que constitui sílaba simples se justifica pela força expiratória que 
se dá à consoante que começa a sílaba seguinte. A perda do -o e a perda do -a ainda se justifica pela confusão com o 
artigo”. Na diacronia: inodiu- > enojo > nojo, inamorare > enamorar > namorar. Na sincronia: (a)marelo, (es)pera, 
(i)magina. Note-se que pode haver a perda da sílaba inicial seja ela formada por V ou por uma estrutura mais complexa 
(VC, no caso de espera). 
 
1.2. No meio do vocábulo (Síncope) 
 Perderam-se sistematicamente as postônicas dos proparoxítonos latinos (apicula > apicla > abelha, calidus > 
caldo, auricula > orelha). O processo continua atuando sobre os proparoxítonos restantes: se oculu evoluiu para olho, 
há o vocábulo óculos, hoje, sobre o qual a síncope incide. O mesmo em abóbora, xícara e fósforo. 
 Diacronicamente houve, no século XI, a queda do l intervocálico e, no século XII, a queda do n no mesmo 
contexto. Assim: salire > sair, populu > poboo > povo, corona > corõa > coroa, manu > mão. Não se vê o processo 
atuando hoje. Em compensação, há outras síncopes: contacto ~ contato − podendo haver ainda, contrariamente, o 
reforço: conta[ki]to. 
 Quando ocorre a síncope de toda uma sílaba medial, dá-se ao processo o nome de haplologia. Ela pode ser 
provocada pela existência no vocábulo ou no grupo de força de uma sílaba idêntica ou de conformação fonética 
semelhante: “den(tro) do contexto”, “do la(do) de lá”. 
 
1.3. No fim do vocábulo (Apócope) 
 Perderam-se, do latim para o português, as consoantes finais, excluindo-se sibilantes e líquidas, (amat > ama) e 
a vogal final e precedida de consoante líquida, sibilante ou nasal dental (amare > amar, metire > medir, salire > sair). 
Hoje assistimos à perda da vibrante e das sibilantes em fim de vocábulo − have(r), falamo(s), vamo(s). 
 Chama-se elisão ou sinalefa a perda da vogal final provocada pelo encontro com a vogal inicial do vocábulo 
seguinte. C. Jr. (cf verbete elisão) comenta: “Ao contrário do que sucede em Portugal, a língua portuguesa, no Brasil, 
não é propícia à elisão, fazendo ditongação quando as vogais são diversas. (...) É um hábito antigo indicar a elisão pelo 
apóstrofo, mas a atual ortografia procurou limitar esse emprego a ‘certas palavras compostas ligadas pela preposição 
de’. (...) Em sentido lato, usa-se o termo para qualquer supressão de fonema no vocábulo.” 
 
2. Inclusão de segmentos 
 
2.1. No início do vocábulo (Prótese) 
 Na diacronia, deu-se a inserção de /e/ diante de um /s/ inicial em grupo consonântico: stare > estar, scutu, 
escudo. Segundo C.Jr., “esse /s/ erao primeiro elemento de um grupo pré-vocálico, de tensão silábica crescente e 
separou-se da outra consoante para entrar numa nova sílaba inicial, em que figura como consoante pre-vocálica 
decrescente”. Há outros exemplos na história da língua: latim mora > port. amora. Temos hoje variantes como mostrar 
e amostrar. 
 
2.1. No meio do vocábulo (Epêntese) 
 Diacronicamente, houve a inserção de uma semivogal desfazendo os hiatos característicos do português arcaico 
e criando ditongos: vena > vea > veia, idea > idéia. Hoje também criam-se ditongos: bo[w]a, ri[y]o, se[y]s. Observa-se 
também a epêntese de forma sistemática no processo de derivação (café, cafe - z - inho) e, de forma assistemática, no 
interior de alguns grupos de força (‘picolé -r - é bom’, ‘café - r - amargo’). Chama-se anaptixe ou suarabácti o 
desenvolvimento de uma vogal dentro de um grupo consonântico em que o 2º elemento é consoante oclusiva ou 
constritiva labial seguida de líquida (febrariu > fevereiro, bratta > barata). 
 
3. Mudança de posição do segmento (Metátese) 
 
 É a mudança de ordem de um segmento na palavra, seja no interior da sílaba, seja além de seus limites 
(deslocamento no eixo sintagmático). Segundo C. Jr., é a “mudança fonética que consiste na transposição de um fonema 
dentro do vocábulo”. Os dois tipos de metátese relevantes na história da língua portuguesa continuam atuantes no 
idioma: a transposição da semivogal (latim capio > port. caibo; tábua ~ tauba) e a transposição da vibrante (latim 
fenestra > port. fresta, latim semper > port. sempre; pergunta ~ pregunta, procurar ~ percurar). A mudança de posição 
de um segmento leva à reestruturação silábica do vocábulo, na medida em que modifica o padrão anterior. 
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4. Mudança da qualidade do segmento 
 
4.1. Assimilação 
 
 
 “Tipo muito freqüente de modificação sofrida por um fonema vizinho, que se deve ao fato de as duas unidades 
em contato terem traços articulatórios em comum” (Dubois). É o que se verifica nas mudanças abaixo: 
 lacte > laite > leite: /i/ influencia a altura de /a/. 
 fame > fome: a consoante bilabial influencia o /a/ levando-o a tornar-se uma vogal arredondada (/o/). 
 salsicha ~ sal[S]icha: [s] torna-se idêntico a [S], assimilando todos os seus traços. 
 querendo ~ quereno: /n/ e /d/ têm o mesmo ponto de articulação e, neste caso, o primeiro fonema provoca a 
perda do segundo, ocorrendo uma assimilação total dos traços. 
 São também casos de assimilação: 
• A harmonização vocálica: influência da altura da vogal tônica sobre a altura da pretônica (p[e]rigo � 
p[i]rigo). 
• A metafonia: influência de /i/ e /u/ postônicos sobre a altura da vogal tônica (feci > fiz; totu > tudo). 
• A palatalização: a presença da semivogal [j] pode levar à modificação do ponto de articulação de algumas 
consoantes (veclu > *velju > velho; mui[t]o � mui[tS]o). 
• A nasalização: a presença de uma consoante nasal é capaz de estender o traço de nasalidade a fonemas 
vizinhos (mortadela ~ mortandela; identidade ~ indentidade). 
 
4.2. Dissimilação 
“Mudança fonética que tem como finalidade acentuar ou criar diferenças entre dois fonemas vizinhos mas não 
contíguos. Trata-se de um fenômeno de diferenciação à distância. Na maioria das vezes, o que se pretende é evitar uma 
repetição incômoda entre dois fonemas idênticos” (Dubois). É o que acontece em borboleta ~ barbuleta ~ brabuleta, 
por exemplo. A dissimilação pode acarretar: 
• Redução de ditongo: o processo atuou na história da língua (augustus > ougustus > agustus > agosto) e 
continua atuando hoje (Eugênio ~ Ogênio). 
• Despalatalização: mulher ~ muler. 
• Iotização: “mudança de uma vogal ou consoante para a vogal alta /i/ ou para a semivogal correspondente 
ou iode” (Câmara Jr.). São exemplos: mu[¥]er ~ mu[j]er; pa[¥]a ~ pa[j]a. 
 
4.3. Rotacismo 
 
 “Transformação da sibilante sonora [z] em [R] apical (...). Por extensão (...) designa a transformação do [R] a 
partir de outras consoantes, como [d] e [l]” (Câmara Jr.). Como exemplo do primeiro caso ([z] passando a [R]), tem-se a 
mudança de corpus para corporis – regular na declinação latina – levando hoje à existência de dois radicais (corpo e 
corporal). A mudança de outros fonemas para [R] verifica-se em malvado ~ marvado; mesmo ~ mermo. 
 
4.4. Analogia 
 
 “Tendência niveladora dos fenômenos lingüísticos”, segundo Celso Cunha e Wilton Cardoso (Estilística e 
gramática histórica). Aplica-se o termo a mudanças fonéticas desencadeadas pela comparação com a estrutura 
fonológica de outro(s) vocábulo(s) que, por sua vez, tenham afinidade sonora e/ou semântica com o vocábulo que 
influencia(m). Assim: 
stella > estrela, por analogia com astro; 
veruclu > ferrolho, por analogia com ferro; 
foresta > floresta, por analogia com flor. 
 
4.5. Assibilação 
Passagem de uma oclusiva para sibilante: centum > cem ([k] passa a [s]). Neste exemplo reside uma das origens 
da não-correspondência grafema/fonema quanto à sibilante e suas representações. A letra c representava, em latim, 
sempre o fonema /k/. Este fonema, em alguns contextos, evoluiu para /s/, mas a grafia anterior se manteve. A grafia de 
cem, como a de outras palavras de nossa língua, é etimológica. 
Outros exemplos de assibilação: inertia > inércia; patientia > paciência.