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Fisiopatologia| Endocrinologia (P6) 1 Diabetes tipo 2 Definição Doença do pâncreas. Órgão cuja principal função é a produção de insulina (células beta) e glucagon (células alfa). A insulina, para atuar nas células do corpo, precisa abrir uma porta. Ela precisa recrutar os receptores GLUT. Quando a insulina não consegue abrir essa porta, o pâncreas aumenta a síntese de insulina como um mecanismo compensatório. No entanto, isso não resolve o problema. O indivíduo pode ter até hiperinsulinemia, mas nisso o pâncreas fica sobrecarregado e perde a sua capacidade de produzir a insulina quando o pâncreas não consegue produzir insulina de modo a superar a resistência insulínica, o indivíduo desenvolve o diabetes. Em resumo, o diabetes tipo 2 é provocado por uma combinação de resistência periférica à ação da insulina com a resposta compensatória inadequada de secreção de insulina pelas células beta pancreáticas (deficiência insulínica relativa). Aproximadamente 80- 90% dos pacientes apresentam diabetes do tipo 2. Insulina Produção: Os níveis sanguíneos da glicose regulam a secreção de insulina pelas células β do pâncreas. As concentrações da insulina aumentam à medida que os níveis sanguíneos da glicose sobem, e diminuem quando a glicemia declina. A glicose sanguínea entra na célula β por um transportador de glicose específico (GLUT-2). Em seguida, a glicose é fosforilada por uma enzima conhecida como glicoquinase e forma trifosfato de adenosina (ATP), que é necessário para fechar os canais de potássio e despolarizar a célula. Por sua vez, a despolarização resulta na abertura dos canais de cálcio e na secreção de insulina. Reconhecimento pelas células: A insulina se liga na subunidade alfa (receptor), que ativa a subunidade beta. Essa, por sua vez, ativa o IRS (substrato do receptor de insulina), o que leva a fosforilação dos substratos em tirosina, liberando proteínas cinase e promovendo o recrutamento do GLUT 4 (transportador de glicose). Esse GLUT 4 vai para a membrana celular para promover a entrada de glicose na célula. O GLUT 4 é a porta de entrada de glicose e a insulina é a chave que abre essa porta. Ele está presente nos músculos esqueléticos e tecidos adiposos. Resistência insulínica e alteração na fosforilação: No diabetes, ao em vez de ocorrer a fosforilação dos substratos em tirosina, ocorre em serina, dificultando o recrutamento do GLUT 4 – ele não é devidamente posicionado na membrana celular. E por que ocorre essa alteração na fosforilação? Isso ocorre por uma variedade de defeitos na via de sinalização da insulina e, poucos fatores desempenham um papel tão importante no desenvolvimento dessa resistência insulínica quanto à obesidade. Papel do excesso de ácidos graxos livres (FFA): O nível de triglicerídeos intracelulares frequentemente está acentuadamente aumentado no músculo e tecido adiposo nas pessoas obesas, presumivelmente porque o excesso de FFAs circulantes é depositado nesses órgãos. Tais triglicerídeos intracelulares e os produtos do metabolismo dos ácidos graxos são potentes Fisiopatologia| Endocrinologia (P6) 2 inibidores da sinalização insulínica e resultam em um estado de resistência insulínica adquirida. Papel da inflamação: A gordura visceral também é responsável pela produção de várias citocinas (ex: FNT; IL-1b) que podem promover essa alteração da fosforilação, gerando o diabetes. Patogenia O diabetes do tipo 2 é uma doença multifatorial complexa prototípica. Fatores ambientais, como estilo de vida sedentário e hábitos alimentares, inequivocamente desempenham um papel. Além disso, o componente genético também está, significativamente, envolvido na doença. Os dois defeitos metabólicos que caracterizam o diabetes do tipo 2 são: (1) A redução da capacidade dos tecidos periféricos de responderem à insulina (resistência insulínica) e (2) A disfunção das células beta, que se manifesta como secreção inadequada de insulina em face da resistência insulínica e da hiperglicemia. Resistência periférica à insulina Principalmente no músculo, fígado e tecido adiposo. TECIDO ADIPOSO Insulina promove lipogênese; ela é anabólica. A resistência promove: Aumenta da lipólise; Aumento dos ácidos graxos no plasma; Captação dos AGLs pelos órgãos: o Pâncreas: dificulta a secreção de insulina; o Fígado: a deposição e acúmulo pode gerar esteatose. MÚSCULOS Os músculos são responsáveis pela maior captação de glicose no corpo; se há resistência à insulina no músculo, não há captação de glicose, que consequentemente, ficará livre no sangue – favorece a hiperglicemia. FÍGADO A presença de insulina no fígado faz com que ele diminua a produção de glicose. Se há resistência à insulina, ela não consegue agir adequadamente – não faz com que o fígado pare de produzir glicose, sendo assim, ele continua produzindo glicose em grande quantidade e mandando para o sangue. Disfunção pancreática Se manifesta em ambas os tipos celulares endócrinos: Células Beta: redução na produção de insulina; Células alfa: aumento da produção de glucagon, o qual age no fígado aumentando a glicogênese. Obs.: alguns estudos postulam que esse seja o principal mecanismo de ação, de modo diminuir a produção desse hormônio poderia normalizar os níveis de glicose. E por que ocorre essa disfunção nas células beta? RESISTÊNCIA INSULÍNICA Fisiopatologia| Endocrinologia (P6) 3 Eventualmente, a compensação da célula beta se torna inadequada, havendo progressão para a hiperglicemia, que é acompanhada pela perda absoluta da massa das células beta. LIPOTOXICIDADE E GLICOTOXICIDADE Como dito anteriormente, o excesso de nutrientes como ácidos graxos livres e a glicose pode promover a secreção de citocinas pró-inflamatórias pelas células beta, o que leva ao recrutamento de células mononucleares (macrófagos e células T) para as ilhotas, resultando em mais produção local de citocinas. As consequências desse microambiente inflamatório anormal são a disfunção da célula beta e, em última análise, a morte da célula beta. DEPÓSITO BETA-AMILOIDE O polipeptídeo amiloide das ilhotas (PPAI), também conhecido como amilina, é secretado pelas células beta em conjunto com a insulina, e a sua agregação anormal resulta em amiloide. Tal peptídeo também contribui para a inflamação, sustentando o ataque as células betas. Defeitos incretínicos As incretinas são hormônios secretados pelas células endócrinas do epitélio do intestino delgado. Existem dois hormônios principais: o GLP-1 e o GIP. As refeições que contém carboidratos e lipídios são as que mais estimulam a secreção da GIP. As incretinas desempenham um papel importante na modulação da resposta das ilhotas de Langerhans e potencializam a secreção de insulina pelas células beta pancreáticas decorrente do aumento dos níveis de glicemia após ingestão de alimentos. Em pessoas saudáveis, 70% da secreção de insulina estimulada pela ingestão de glicose ocorre através da liberação das incretinas. A denominação “efeito incretina” se refere a um aumento da resposta de insulina à glicose, e este efeito encontra-se reduzido ou ausente em pacientes com DM2. O GLP-1 atua inibindo a secreção de glucagon, retarda o esvaziamento gástrico e funciona como um regulador da saciedade levando a uma diminuição da glicose circulante. Estudos in vivo não em humanos e estudos in vitro relatam ainda que ele promove a proliferação das células beta e reduz a apoptose. Os pacientes com DM2 possuem resposta insulinotrópica deficiente à administração exógena de GIP, no entanto possuem resposta preservada ao GLP-1 exógeno. Isso nos mostra que os diabéticos tipo 2 têm baixas concentrações de GLP-1 endógeno masrespondem ao GLP-1 exógeno secretando insulina. Esse tipo de confirmação sustenta o potencial tratamento com GLP1 em pacientes DM2. O defeito das incretinas no DM2 parece ser decorrente de duas causas: • Redução da secreção de GLP-1; • Efeitos insulinotrópico excessivamente deteriorados do GIP. O efeito prejudicado das incretinas leva à uma redução significativa da secreção de insulina estimulada pela ingestão de nutrientes, gerando uma hiperglicemia pós-prandial considerável. Alterações em órgãos nobres Alteração renal: A glicose, ao ser filtrada pelo glomérulo, vai para o túbulo renal. No túbulo contorcido proximal há um co-transportador de sódio e glicose – SGLT2 – responsável por reabsorver glicose e sódio. No diabetes, esse SGLT2 está hiperfuncionante, promovendo uma reabsorção aumentada de glicose e sódio no túbulo contorcido proximal. Devido a essa alta absorção de sódio, menos sódio chega na mácula densa, fazendo com ela dilate e leve a uma maior passagem de sangue de uma só vez Esse aumento de sangue pode levar a uma disfunção endotelial, o que justifica o aparecimento da nefropatia diabética. Alteração cerebral: As células cerebrais não precisam da insulina para captar a glicose, mas a resistência à insulina no cérebro, pode gerar aumento do apetite. Síntese dos mecanismos envolvidos no DM2 Octógono ominoso: 1. Resistência à insulina no fígado; Fisiopatologia| Endocrinologia (P6) 4 2. Resistência à insulina no tecido adiposo; 3. Resistência à insulina no músculo; 4. Redução da produção de insulina pelas células beta; 5. Aumento da secreção de glucagon pelas células alfa; 6. Redução do GLP-1 e resistência ao GIP; 7. Hiperfunção do SGLT2; 8. Resistência à insulina no cérebro. Quadro clínico Em geral, o diabetes tipo 2 tem início mais insidioso e comumente existia há anos antes de ser diagnosticado. Os sinais e sintomas detectados mais comumente nos pacientes com diabetes são: Poliúria; Polidipsia; Polifagia; Perda ponderal. Esses três sinais e sintomas estão diretamente relacionados com a hiperglicemia e a glicosúria do diabetes. A glicose é uma molécula pequena e osmoticamente ativa. Quando os níveis sanguíneos da glicose estão suficientemente elevados, a quantidade filtrada pelos glomérulos renais é maior que a quantidade que pode ser reabsorvida pelos túbulos renais. Isso causa glicosúria, que acarreta perdas volumosas de água na urina. A sede resulta da desidratação intracelular que ocorre à medida que os níveis sanguíneos da glicose aumentam e a água é atraída para fora das células. Em geral, polifagia e perda ponderal não é uma queixa dos pacientes com diabetes tipo 2, mas não significa que não possam ocorrer. Outros sinais e sintomas da hiperglicemia incluem: Borramento visual recidivante; Fadiga; Infecções cutâneas e por Candida; Acantose nigrans. Com o diabetes tipo 2, essas geralmente são as queixas que levam o indivíduo a buscar tratamento médico. O borramento visual desenvolve-se à medida que o cristalino e a retina ficam expostos aos líquidos hiperosmolares. O volume plasmático reduzido causa fraqueza e fadiga. As infecções cutâneas crônicas podem ocorrer e são mais comuns nos pacientes com diabetes tipo 2. Hiperglicemia e glicosúria predispõem à proliferação de fungos e leveduras.9 As infecções por Candida são queixas iniciais frequentes das mulheres diabéticas. Diagnóstico Na história natural do DM, alterações fisiopatológicas estão presentes antes que os valores glicêmicos atinjam níveis supranormais. A condição na qual os valores glicêmicos estão acima dos valores de referência, mas ainda abaixo dos valores diagnósticos de DM, denomina-se pré-diabetes. A resistência à insulina já está presente e, na ausência de medidas de combate aos fatores de risco modificáveis, ela evolui frequentemente para a doença clinicamente manifesta. As categorias de tolerância à glicose têm sido definidas com base nos seguintes exames: • Glicemia em jejum: deve ser coletada em sangue periférico após jejum calórico de no mínimo 8 horas; • Teste oral de tolerância a glicose (TOTG): previamente à ingestão de 75 g de glicose dissolvida em água, coleta-se uma amostra de sangue em jejum para determinação da glicemia; coleta-se outra, então, após 2 horas da sobrecarga oral. Importante reforçar que a dieta deve ser a habitual e sem restrição de Fisiopatologia| Endocrinologia (P6) 5 carboidratos pelo menos nos 3 dias anteriores à realização do teste. Permite avaliação da glicemia após sobrecarga, que pode ser a única alteração detectável no início do DM, refletindo a perda de primeira fase da secreção de insulina; • Hemoglobina glicada (HbA1c): oferece vantagens ao refletir níveis glicêmicos dos últimos 3 a 4 meses e ao sofrer menor variabilidade dia a dia e independer do estado de classificação e diagnóstico do diabetes mellitus para sua determinação. Vale reforçar que se trata de medida indireta da glicemia, que sofre interferência de algumas situações, como anemias, hemoglobinopatias e uremia, nas quais é preferível diagnosticar o estado de tolerância à glicose com base na dosagem glicêmica direta. Outros fatores, como idade e etnia, também podem interferir no resultado da HbA1c. A confirmação do diagnóstico de DM requer repetição dos exames alterados, idealmente o mesmo exame alterado em segunda amostra de sangue, na ausência de sintomas inequívocos de hiperglicemia. Tratamento farmacológico Características ideais de um medicamento para diabetes: Baixo risco de hipoglicemia; Perda ponderal; Proteção cardiovascular; Proteção renal; Potência; Baixo custo. Quais são esses fármacos? Metformina – é a primeira medicação de escolha; Glifage (nome comercial). Mecanismo de ação: Sensibilizador da insulina; Promove redução da resistência insulínica, sobretudo no fígado, reduzindo a produção hepática de glicose. Efeitos adversos (lembrar que são efeitos gastrointestinais): Diarreia; Náuseas e vômitos; Distensão abdominal; Acidose lática Má absorção de vitamina B12 Contraindicações: Pacientes com insuficiência renal; Pcts com doença crônica descompensada; Sepse, choque – são doenças que podem aumentar a acidose lática, por isso quase não usamos Metformina em pacientes internados. Indicações para descontinuação transitória: Antes de cirurgias; Exames com contrates; Admissão hospitalar por doença grave. Quando é necessário fazer associações, algumas literaturas recomendam uma ordem de prioridade dos fármacos – quais seriam melhor de combinar. Outras, porém, afirmam que qualquer um deles pode ser utilizado. Além disso, especialistas recomendam a associação com 3 fármacos já no início do tratamento, para tentar atuar no máximo de mecanismos fisiopatológicos possíveis e evitar inércia terapêutica. Sobre os outros fármacos: Fisiopatologia| Endocrinologia (P6) 6 Metas do tratamento: HbA1c: < 6,5/ < 7; Glicemia pré-prandial: < 100/ < 110/ < 130; Glicemia pós-prandial: < 140/ < 160/ < 180. Esses valores dependem do perfil do paciente, por exemplo, se o paciente tem risco de hipoglicemia, podemos “aceitar” níveis de glicemias menos rigorosos. Lembrando que quanto maior o controle da glicemia, menor risco de complicações microvasculares (retinopatia, nefropatia e neuropatia). Classe Mecanismos de ação Efeitos adversos Fármacos Agonistas do GLP-1 Atuam como a incretina GLP- 1 Náuseas; vômitos e diarreia Dulaglutida; Liraglutida. Inibidores da SGLT2 Bloqueiam o co- transportador, promovendo glicosúria e natriurese Infecção genital;Hipotensão; Poliúria; Amputação (Canagliflozina) Empaglifozina Dapaglifozina Canagliflozina. Inibidores da DPP4 Incretinas são degradadas pela DPP4; esses fármacos aumentam a meia-vida das incretinas, ao inibir essa enzima Praticamente nenhum – bom para usar em idosos. Porém não são tão efetivos como os outros. Linagliptina Vildagliptina Alogliptina etc Tiazolidinedionas (TZD) Sensibilizador de insulina – sobretudo no tec adiposo Retenção hídrica; Ganho de peso; Fraturas ósseas. Pioglitazona Sulfonilureias Estimulam a secreção de insulina Ganho de peso; Hipoglicemia. Glibenclamida Glimepirida Gliclazida (melhor).