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SUS e PSF Para enFermagem SUS e PSF Para enFermagem Práticas para o Cuidado em Saúde Coletiva Nébia Maria Almeida de Figueiredo Teresa Tonini (organizadoras) Copyright © 2008 Yendis Editora Ltda. Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem a autorização escrita da Editora. Editor: Maxwell M. Fernandes Coordenação editorial: Anna Yue e Juliana Simionato Projeto gráfico e editoração eletrônica: Francisco Lavorini Preparação de texto: Renata Siqueira Campos Capa: Foca Imagem de capa: iStockphoto Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) SUS e PSF para enfermagem : práticas para o cuidado em saúde coletiva / organi- zadoras Nébia Maria Almeida de Figueiredo, Teresa Tonini. – São Caetano do Sul, SP : Yendis Editora, 2007. Vários colaboradores. Bibliografia ISBN 978-85-7728-019-3 1. Cuidados de enfermagem 2. Enfermagem - Práticas 3. Enfermagem em saúde pública 4. Programa de Saúde da Família (Brasil) 5. Saúde pública 6. Sistema Único de Saúde (Brasil) I. Figueiredo, Nébia Maria Almeida de. II. Tonini, Teresa. CDD-610.734 07-6744 NLM-WY 108 Índices para catálogo sistemático: 1. Cuidados de enfermagem em saúde coletiva : Ciências médicas 610.734 As informações são de responsabilidade dos autores. A Editora não se responsabiliza por eventuais danos causados pelo mau uso das informações contidas neste livro. 1a reimpressão da 1a edição – 2008 Impresso no Brasil Printed in Brazil Yendis Editora Ltda. Av. Guido Aliberti, 3069 – São Caetano do Sul – SP Tel./Fax: (11) 4224-9400 yendis@yendis.com.br www.yendis.com.br V Organizadoras Nébia Maria Almeida de Figueiredo Enfermeira. Doutora em Enfermagem pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Livre-docente em Administração de Enferma- gem pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO) . Professora Titular de Fundamentos de Enfermagem da Escola de En- fermagem Alfredo Pinto da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (EEAP-UNIRIO). Pesquisadora do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Coordenadora do Programa de Pós-graduação em Enfermagem da UNIRIO gestão 1998-2000. Membro do Grupo de Pesquisa Cuidado de Enfermagem – UNIRIO-CNPq. Teresa Tonini Enfermeira. Professora Adjunta do Departamento de Enfermagem Fundamental da Escola de Enfermagem Alfredo Pinto da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (EEAP-UNIRIO). Doutora em Saúde Coletiva pelo Instituto de Medicina Social (UERJ). Mestre em Enfermagem pela Escola de Enfermagem Anna Nery da Universidade Federal do Rio de Janeiro (EEAN-UFRJ). Especialista em Administra- ção dos Serviços de Saúde. Área de atuação/produção: Fundamentos de Enfermagem e Saúde Coletiva; Administração do Cuidado de Enferma- gem; Gestão em Saúde. VII Colaboradores Alessandra Medeiros Ana Maria Domingos Doutora em Enfermagem. Professora Adjunta do Departamento de En- fermagem de Saúde Pública da Escola de Enfermagem Anna Nery da Universidade Federal do Rio de Janeiro (EEAN/UFRJ). Membro da Diretoria do Núcleo de Pesquisa em Enfermagem e Saúde Coletiva. Anderson de Moraes Silveira Graduando do curso de Enfermagem pela Faculdade de Ciências da Saúde de Juiz de Fora (Unipac). Voluntário no projeto de pesquisa do convênio Unipac-Funadesp. Carlos Roberto Lyra da Silva Doutorando em Enfermagem pela Escola de Enfermagem Anna Nery da Universidade Federal do Rio de Janeiro (EEAN/UFRJ). Mestre em Enfermagem pela Escola de Enfermagem Alfredo Pinto da Universida- de Federal do Estado do Rio de Janeiro (EEAP/UNIRIO). Professor Assistente da EEAP/UNIRIO. Áreas de atuação/pesquisa: Fundamen- tos de Enfermagem e Cuidados de Enfermagem. Daniel A. Machado VIII SUS e PSF PARA enFeRMAgeM Dirce Laplaca Viana Mestre em Ciências da Saúde pelo Departamento de Enfermagem Pediátrica da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp-EPM). Especialista em Pediatria pelo Instituto da Criança do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Uni- versidade de São Paulo (HC-FMUSP) e em Administração Hospitalar pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP). Especialista em Administração em Serviços de Saúde pela Faculdade de Saúde Pública da USP. Docente no curso de especialização em Enfer- magem Hospitalar à Criança e ao Adolescente e no curso de especiali- zação em Enfermagem em Cuidados Intensivos e Emergência à Criança e ao Adolescente no Instituto da Criança do HC-FMUSP. Enfermeira do Serviço de Educação Continuada do Instituto da Criança do HC- FMUSP. enirtes Caetano Prates Melo Professora Assistente do Departamento de Enfermagem em Saúde Pú- blica da Escola de Enfermagem Alfredo Pinto da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (EEAP/UNIRIO). Doutora em Saúde Pública pela Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP). Mestre em Saú- de Pública. Enfermeira Sanitarista. Área de atuação/produção: Saúde Pública/Coletiva. eva Maria Costa Mestre em Enfermagem pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Professora Adjunta do Departamento de Enferma- gem Fundamental da UNIRIO. Áreas de atuação: Enfermagem Funda- mental, Ética e Registro. Ilsimar de Fátima Rosa Graduanda do curso de Enfermagem pela Faculdade de Ciências da Saúde de Juiz de Fora (Unipac). Voluntário no projeto de pesquisa do convênio Unipac-Funadesp. CoLAboRADoReS IX Iraci dos Santos Doutora em Enfermagem pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Livre-docente/professora titular em Pesquisa de Enfermagem pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Área de atua- ção/produção: Administração de Enfermagem e Pesquisa Sociopoética. Joséte Luzia Leite Enfermeira Aposentada pelo Hospital dos Servidores do Estado (HSE). Ex-chefe do CTI e da Unidade de Cirurgia Cardiovascular. Douto- ra em Enfermagem pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Professora Emérita da UNIRIO. Membro da Di- retoria do Núcleo de Pesquisa Edu cação, Gerência e Exercício Pro- fissional da Enfermagem (NUPEGEPEn) da Escola de Enfermagem Anna Nery da Universidade Federal do Rio de Janeiro (EEAN/UFRJ). Membro do Núcleo de Pesquisa da História da Enfermagem Brasileira (NUPHEBRAS) da EEAN/UFRJ. Membro do Grupo de Estudos de Pesquisa e Comunicação (GEPECOPEn) da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto (EERP/USP). Repre sen tante da Área de Enfermagem no CNPq gestão 1998-2001. Membro do Sigma Theta Thau Interna- cional. Pesquisadora 1A do CNPq. Leandro Dias gonçalves Ruffoni Graduando do curso de Enfermagem pela Faculdade de Ciências da Saúde de Juiz de Fora (Unipac). Voluntário no projeto de pesquisa do convênio Unipac-Funadesp. Marbara Prada Maria Cristina Soares Figueiredo Trezza Doutora em Enfermagem pela Escola de Enfermagem Anna Nery da Universidade Federal do Rio de Janeiro (EEAN/UFRJ). Membro do NUPEGEPEN. Professora Adjunta IV do Departamento de Enferma- gem da UFAL. Pesquisadora líder do Diretório do Grupo de Pesquisa versão 4.0 PROCUIDADO. X SUS e PSF PARA enFeRMAgeM Maria de Fátima de Souza Graduanda do curso de Enfermagem pela Faculdade de Ciências da Saúde de Juiz de Fora (Unipac). Voluntário no projeto de pesquisa do convênio Unipac-Funadesp. Marléa Chagas Moreira Doutora em Enfermagem. Professora Adjunta do Departamento de Me- todologia da Enfermagem da Escola de Enfermagem Anna Nery da Universidade Federal do Rio de Janeiro (EEAN/UFRJ). Membro do Núcleo de Pesquisa Edu cação, Gerência e Exercício Profissional da En- fermagem (NUPEGEPEn). Priscila de Castro Handem Mestranda da Escola de Enfermagem Alfredo Pinto (EEAP/UNIRIO) . Especialista em Enfermagem Hospitalar. Enfermeira pela EEAP- UNIRIO . Enfermeira Auxiliardo Hospital Central do Exército. Regina Maria dos Santos Doutora em Enfermagem pela Escola de Enfermagem Anna Nery da Universidade Federal do Rio de Janeiro (EEAN/UFRJ). Membro do Nuphebras. Professora Adjunta IV do Departamento de Enfermagem da UFAL. Pesquisadora do Grupo de Pesquisa versão 4.0 PROCUI- DADO. Renan Tavares Docteur en Etudes Théâtrales – Université de Paris III Sorbonne Nou- velle. Mestre e Doutor em Comunicação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Professor da Escola de Enfermagem Alfredo Pinto da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (EEAP/ UNIRIO). CoLAboRADoReS XI Rilse Mara Herondino Graduanda do curso de Enfermagem pela Faculdade de Ciências da Saúde de Juiz de Fora (Unipac). Voluntário no projeto de pesquisa do convênio Unipac-Funadesp. Rita de Cássia oliveira Duarte Graduanda do curso de Enfermagem pela Faculdade de Ciências da Saúde de Juiz de Fora (Unipac). Voluntário no projeto de pesquisa do convênio Unipac-Funadesp. Roberto Carlos Lyra da Silva Doutor em Enfermagem pela Escola de Enfermagem Anna Nery da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (EEAN/UFRJ). Mestre em Enfermagem pela Faculdade de Enfermagem da Univer- sidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Professor Assistente da Disciplina de Semiologia nos cursos de graduação e pós-graduação lato sensu do Departamento de Enfermagem Fundamental da Escola de En- fermagem Alfredo Pinto da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (EEAP/UNIRIO). Ronilson gonçalves Rocha Mestre em Enfermagem pela Escola de Enfermagem Alfredo Pinto da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (EEAP/UNIRIO). Enfermeiro do Hospital Copa D’Dor, no Rio de Janeiro. Wellington Amorin Professor Assistente da Escola de Enfermagem Alfredo Pinto (EEAP/ UNIRIO), Departamento de Enfermagem em Saúde Pública. Doutor em Enfermagem pela Escola de Enfermagem Anna Nery da Univer- sidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (EEAN/UFRJ). Área de atuação/produção: Saúde Pública e História da Enfermagem. XII SUS e PSF PARA enFeRMAgeM Wiliam César Alves Machado Doutor em Enfermagem pela Escola de Enfermagem Anna Nery da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (EEAN/UFRJ). Pro- fessor Titular da Faculdade de Ciências da Saúde de Juiz de Fora – Uni- pac. Pesquisador da Funadesp. Willena braga D’Aparecida Graduando do curso de Enfermagem pela Faculdade de Ciências da Saúde de Juiz de Fora (Unipac). Voluntário no projeto de pesquisa do convênio Unipac-Funadesp. XIII Dirce Laplaca Viana Mestre em Ciências da Saúde pelo Departamento de Enfermagem Pediátrica da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp-EPM). Especialista em Pediatria pelo Instituto da Criança do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Uni- versidade de São Paulo (HC-FMUSP) e em Administração Hospitalar pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP). Especialista em Administração em Serviços de Saúde pela Faculdade de Saúde Pública da USP. Docente no curso de especialização em Enfer- magem Hospitalar à Criança e ao Adolescente e no curso de especiali- zação em Enfermagem em Cuidados Intensivos e Emergência à Criança e ao Adolescente no Instituto da Criança do HC-FMUSP. Enfermeira do Serviço de Educação Continuada do Instituto da Criança do HC- FMUSP. Revisora técnica XV Sumário Apresentação . . . . . . . . . . . . . . . xxi Parte 1 – A Enfermagem e o SUS Capítulo 1 Entre a filosofia e as políticas públicas: o que saber sobre o SUS . . . . . . . . . . . . . 3 Atenção . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9 Uma reflexão necessária . . . . . . . . . . . . . . 12 evolução histórica do SUS . . . . . . . . . . . . . 15 Criação do SUS . . . . . . . . . . . . . . . . . 24 Comissões intergestores . . . . . . . . . . . . . . 29 Modelos de gestão . . . . . . . . . . . . . . . . 30 gestores . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37 Definição de atribuições pela Lei orgânica da Saúde . . . . 46 Responsabilidades e atribuições de estados e municípios definidas na noAS/SUS 01/2002 . . . . . . . . . . . 52 XVI SUS e PSF PARA enFeRMAgeM Conferência nacional de Saúde. . . . . . . . . . . . 60 Considerações finais . . . . . . . . . . . . . . . . 61 Referências bibliográficas . . . . . . . . . . . . . . 64 Capítulo 2 A linguagem/cultura da saúde e da doença . . . . . 65 Importante . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67 o que são riscos . . . . . . . . . . . . . . . . . 76 o que saber? . . . . . . . . . . . . . . . . . . 79 Referências bibliográficas . . . . . . . . . . . . . . 83 Capítulo 3 Re(ar)riscando saberes para cuidar em saúde coletiva 85 o que isso quer dizer. . . . . . . . . . . . . . . . 98 Referências bibliográficas . . . . . . . . . . . . . . 101 Capítulo 4 A prática coletiva em saúde – produzindo saberes e criando práticas . . . . . . . . . . . . . . 103 o que é preciso saber . . . . . . . . . . . . . . . 105 base 2 – administração participativa para gerência de qualidade. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 108 Referências bibliográficas . . . . . . . . . . . . . . 124 SUMáRIo XVII Parte 2 – A Enfermagem e o PSF Capítulo 5 A família – saberes e reflexões práticas de cuidar . . 127 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 127 Doença. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 131 Como a humanidade da humanidade é considerada . . . . 139 Como está a saúde da família e da filha que cuida? . . . . 142 Sobre a proposta de cuidar da família . . . . . . . . . 143 o que sabemos . . . . . . . . . . . . . . . . . . 145 o que queremos dizer . . . . . . . . . . . . . . . 145 observação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 146 Por que falamos de mudança. . . . . . . . . . . . . 151 Importante saber . . . . . . . . . . . . . . . . . 153 Referências bibliográficas . . . . . . . . . . . . . . 153 Capítulo 6 Programa de Saúde da Família (PSF): a família como sujeito de intervenção . . . . . . . . . . 157 o que pensar . . . . . . . . . . . . . . . . . . 159 Qualidade de vida . . . . . . . . . . . . . . . . . 169 Atribuições . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 172 Princípios básicos do PSF. . . . . . . . . . . . . . 174 educação em saúde na prática de cuidar no PSF . . . . . 179 A pesquisa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 182 XVIII SUS e PSF PARA enFeRMAgeM objetivação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 185 Quantitativo versus qualitativo . . . . . . . . . . . . 186 Referências bibliográficas . . . . . . . . . . . . . . 187 Capítulo 7 Exercitando a prática coletiva em enfermagem: ensinando estudantes a adequar conhecimentos e práticas . . . . . . . . . . . . . . . . . 189 Considerações preliminares . . . . . . . . . . . . . 189 Primeira parte . . . . . . . . . . . . . . . . . . 190Segunda parte . . . . . . . . . . . . . . . . . . 206 Referências bibliográficas . . . . . . . . . . . . . . 227 Capítulo 8 Cuidados para as pessoas com desvio de saúde na família . . . . . . . . . . . . . . . . 229 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 229 Relembrando . . . . . . . . . . . . . . . . . . 230 o que é preciso incluir nesse conhecimento sobre cuidado . . 233 Cuidando da família . . . . . . . . . . . . . . . . 237 Cuidando do idoso . . . . . . . . . . . . . . . . 247 Saúde mental . . . . . . . . . . . . . . . . . . 248 Referências bibliográficas . . . . . . . . . . . . . . 249 SUMáRIo XIX Capítulo 9 Cuidados para a família da pessoa idosa . . . . . 251 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 251 A vida em família na velhice . . . . . . . . . . . . . 253 Ajudando a família a cuidar do idoso. . . . . . . . . . 255 Ajudando a família a lidar com a finitude . . . . . . . . 262 Considerações e recomendações . . . . . . . . . . . 265 Referências bibliográficas . . . . . . . . . . . . . . 268 Capítulo 10 A experiência de descobrir-se com câncer . . . . . 271 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 271 Informações importantes . . . . . . . . . . . . . . 272 XXI Esta obra, ao mesmo tempo em que tenta ampliar a ma- neira de pensar sobre problemas antigos e o surgimento de novos, pretende também abordar a dinâmica da vida indivi- dual e coletiva. Ou seja, pensar sobre os sujeitos sociais, que contribuem para a organização, a desorganização e a reorga- nização da vida das instituições, das esferas política e econô- mica e de seu ambiente, movidos por uma grande carga de emoção e desejos, além de todas as necessidades individuais e grupais. Apresentação XXII SUS e PSF PARA enFeRMAgeM Ousamos nos arriscar quando refletimos sobre temas que envolvem o Sistema Único de Saúde (SUS) e o Programa de Saúde Familiar (PSF), sempre a partir de nossas práticas de cuidar, de ensinar a cuidar e de pesquisar em enfermagem. Tentamos estimular os jovens (alunos de graduação e de nível médio) e os enfermeiros a pensar que a saúde não está separada do que se precisa saber sobre o corpo (indivi- dual e coletivo) das instituições que regulam nossas práticas e exercem poder como formas de expressão, que oprimem, prendem, isolam, excluem e dominam. Preocupamos-nos com os corpos controlados que po- dem e são passíveis de ação e reação; também nos inquieta a bioestética e a subjetividade dos corpos, fatores que impri- mem, ao ambiente onde interagimos, dramas, traumas, jogos e lutas, desencadeando desvios/riscos em saúde. Esse é o sentido que se quer dar ou incluir no entendi- mento de uma saúde coletiva que se preocupa com a doen- ça, os riscos e os custos. Esse aspecto também é importante, mas precisa de novas costuras, da busca de novas dobras no discurso e nas práticas que estão na grande “teia da vida”. Buscamos novas linhas de fuga para pensar na saúde co- letiva a partir do olhar de enfermeiros, olhar que deve consi- derar o passado ao vislumbrar o futuro, quando se pensa em sistema e saúde da família. As organizadoras 157 Capítulo 6 Programa de Saúde da Família (PSF): a família como sujeito de intervenção nébia Maria Almeida de Figueiredo Iraci dos Santos Priscila de Castro Handem Renan Tavares Wiliam César Alves Machado A prática do médico de família não é tão antiga quanto se pensa, e é dessa prática que surge a primeira idéia inspi- radora do PSF. Em sua idéia original, que data da década de 1970, a chamada medicina familiar fazia parte do currículo da medicina, e tinha, segundo Fontenele Junior (2003), um único objetivo: “necessidade de humanizar a medicina”, que tinha como apoio os esforços realizados pela OMS, pela Fio- cruz e pelo Inamps. Queria-se combater o culto do “espe- cialismo” e, em termos estratégicos, o estímulo a programas de formação de médicos generalistas e de família. 158 A enFeRMAgeM e o PSF Em 1979, a Assembléia Mundial de Saúde definiu o con- ceito de atenção primária à saúde e dentro dele destacou a questão da família: [...] é parte integral do Sistema de Saúde do país, do qual é função central, sendo o enfoque principal do desenvolvi- mento social e econômico. É o primeiro nível de contato dos indivíduos (assistência primária), da família e da comu- nidade com o sistema nacional de saúde, levando a atenção à saúde o mais próximo possível do local onde as pessoas vivem e trabalham, constituindo o primeiro elemento de um processo de atenção continuado à saúde (Starfield, 2002). A família, nessa proposta, é o objeto de atenção que está na porta de entrada do sistema interpretado por Starfield como o primeiro contato e implica acessibilidade e uso de serviços de acordo com a necessidade e a demanda. Isso requer um profissional capacitado para detectar, ava- liar e encaminhar os desvios de saúde identificados. Depen- dendo da área geográfica, se em uma região afastada ou em grandes centros urbanos, esse atendimento é feito por médi- cos ou enfermeiros, por auxiliares ou técnicos de enferma- gem e até, se for o caso, por agentes de saúde. Usar os serviços ofertados pelo sistema de saúde é ofertar o acesso a ele, e sua lógica está pautada na estrutura do servi- ço e no processo que é a utilização desse serviço. O Programa de Saúde da Família (PSF) foi criado em 1994 e tem como base para a promoção de saúde da família: a integralidade, a territorialização e a continuidade das ações em saúde. PRogRAMA SAúDe DA FAMíLIA (PSF) 159 No entanto, é fundamental dizer que muitas tentativas foram realizadas antes da implantação do PSF em 1994, como Mendes mostra: • Medicina Geral e Comunitária (1983 em Porto Alegre, RS); • Ação Programática em Saúde (década de 1970 em São Paulo, SP); • Médico de Família (1992 em Niterói, RJ); • Defesa da Vida (final da década de 1980 em Campinas, SP). Segundo o autor, o projeto que mais se aproxima do PSF é o programa de médicos de família da Fundação Municipal de Saúde, em Niterói (RJ) e o Serviço de Saúde Comunitá- ria do Grupo Hospitalar Conceição, em Porto Alegre (RS). O qUE PENSAR Apesar dessas várias tentativas de implantação de pro- gramas com diferentes nomeações, o PSF não é um progra- ma implantado com sucesso, pois sabemos que o número de profissionais é infinitamente pequeno para dar conta de tantas questões que envolvem cuidados com a família. Na atualidade, o número de agentes de saúde em uma equipe é de 4 a 6 pessoas. A proporção é de um agente para cada 575 pessoas acompanhadas (dados de MS/DAB/SPS). É preciso questionar como o programa está funcionan- do, como é o discurso de qualidade de assistência, e se os 160 A enFeRMAgeM e o PSF programas com apenas agentes de saúde (os quais realmente estão na porta das famílias) estão dando conta de atender às necessidades da comunidade, pois é preciso considerar: • a formação; • a qualificação; • o conhecimento; • a identificação de sinais e sintomas; • a capacidade de intervenção; • a avaliação e a decisão de acompanhamento para melho- rar a qualidade de vida e, ainda, de pensar que ações são direcionadas para identificar e tratar o ambiente; preocu- pação com as interações dentro da dinâmica familiar. Isso significa que quem está cuidando da família deve desenvolver um olhar especial para a família e para o am- biente. Isto é, de posse dos conhecimentos,das experiências vividas e conhecendo a família de quem vai cuidar, é possí- vel enxergá-la de modo diferente do que se olha para outra família, às vezes com as mesmas condições socioeconômicas, que mora no mesmo bairro, mas que reage de maneira dife- rente ao mesmo problema de saúde. Ambiente Em primeiro lugar, é preciso saber o que é o ambiente do sujeito ou da comunidade, considerando alguns aspectos específicos. aspectos geográficos – área onde a comunidade está; se no centro ou na periferia; e de como a população pode ter acesso a serviços de saúde de maior complexidade. PRogRAMA SAúDe DA FAMíLIA (PSF) 161 De carro ou a pé, na maioria das vezes o profissional de saúde não se dá conta de muitos detalhes, como subidas íngremes; desnivelamento do chão, que, na maioria das ve- zes, provoca acidentes (torções), principalmente em mulhe- res com sapatos de salto alto e idosos; esquinas escuras, sem passarelas e sem iluminação adequada; valas a céu aberto, acondicionamento do lixo coletivo; fios soltos da ilumina- ção urbana; crianças que soltam pipas nos tetos das casas; animais soltos nas ruas e estradas. Esse olhar para o ambiente onde a comunidade vive e transita torna-se um indicador de encaminhamento para a resolução, pelo Estado, de proble- mas que são de sua responsabilidade. O profissional passa a ser vigilante da saúde ambiental. É importante lembrar que, à medida que vamos nos aventurando Brasil adentro, as condições vão ficando mais graves e os problemas se ampliam. A cada dia, temos o en- tendimento de que orientar para a manutenção da saúde do ambiente, da família e das comunidades é uma tarefa difícil, porque não depende só de quem orienta. Depende, princi- palmente, das pessoas que recebem orientação e que, muitas vezes, rejeitam a sugestão dada e podem entender que: • o profissional não vive no ambiente nem conhece o pro- blema, portanto não pode orientá-los; • se os governantes, que prometeram resoluções para os problemas ambientais ou de oferta de serviços de saúde, não cumpriram com suas promessas, não será o profis- sional de saúde que irá cumpri-las; • se temos emprego e eles não, não compreenderemos o que é não ter recursos para se alimentar, comprar roupas e pagar contas. 162 A enFeRMAgeM e o PSF Tudo isso está atrelado à falta de acesso à educação, ao exercício de cidadania, à distribuição de renda, à posse da terra, ao direito de ter um trabalho etc. Essas afirmativas, embora pareçam um discurso que se repete, ainda são reais porque as pessoas e a comunidade se apresentam cada dia pior em suas condições físico-mentais. É só acompanhar os noticiários para saber da real situação do povo. No entanto, os profissionais de saúde não são os respon- sáveis por isso, nem solucionarão os problemas da comuni- dade, mas eles podem contribuir com seu conhecimento e sua prática para ajudar a comunidade a despertar e a buscar soluções com eles. Às vezes, a população está tão acostumada com a situa- ção que não se dá conta de que ela pode melhorar ou piorar e que eles também podem ser os vigilantes de sua própria saúde e de sua própria segurança. Por exemplo, deve-se saber de onde a água vem, se é tratada e para que serve: higiene do corpo e da casa; limpeza e preparo de alimentos; lavagem de roupas etc. Também é importante saber onde o lixo é colocado, se é tampado e se é separado, principalmente no caso de mate- riais cortantes, que podem provocar acidentes. Decodificando os riscos Físicos Envolvem acidentes como queimaduras, choques (to- madas/fios desencapados); quedas por chão encerado em excesso ou irregular (deve-se utilizar pouca cera em pisos PRogRAMA SAúDe DA FAMíLIA (PSF) 163 domésticos, principalmente se houver idosos em casa); e agressões físicas (violência intra e extrafamiliar) etc. Químicos São soluções que podem ser nocivas à pele encontradas em cosméticos e produtos de limpeza, por exemplo. Antes de utilizar qualquer produto químico, é impor- tante ler sua composição e os cuidados a tomar. Alguns pro- dutos são inflamáveis, como álcool, querosene etc., os quais podem causar acidentes graves. Microbiológicos Existem microrganismos no ar, no chão, nos tapetes, em materiais contaminados, em gases, em esparadrapos retirados de curativos etc. É bom estar atento à saúde do ambiente; por isso, limpe os pés na entrada da casa e, se tiver carpete ou tapete, o cuidado deve ser redobrado; vassouras e panos de limpeza devem ser lavados continuamente com detergentes e bactericidas. Buchas e panos de limpeza devem ser trocados com freqüência – to- dos são lugares ideais para proliferação de bactérias. Sempre se deve lavar as mãos, principalmente quando se vai ao banheiro. Aeração Uma casa ventilada facilita a circulação de ar dentro dela, fica agradável, proporciona conforto e ventilação nos locais úmidos, evitando o crescimento de microrganismos, princi- palmente fungos. 164 A enFeRMAgeM e o PSF Iluminação Deve-se saber quando usar luz fraca ou forte, pois isso tem conseqüência no trabalho e nos estudos. A boa iluminação em ruas, estradas, becos, e vielas pode representar mais segurança para a comunidade. Sonorização Está presente em casa e na rua. O barulho em excesso causa irritação e desconforto em crianças e idosos. Na atualidade, pesquisadores já se preocupam com o som em excesso, que causa surdez e, principalmente, com os fones de ouvido, que provocam perda de audição e da capacidade de comunicação. Alimentos É preciso verificar como os alimentos são tratados, co- zidos, higienizados e guardados. Onde a família se alimenta, de que se alimenta; se leva alimento para o trabalho, onde guarda, se esquenta ou não; se come com a mão ou com talheres. Além desses riscos, o profissional deve se preocupar se a comunidade tem: • transporte: como se locomovem para ir ao posto de saú- de, ao hospital, à escola, se é de carro próprio, de ônibus, a pé; quantos transportes são disponíveis para a comuni- dade, se estão em condições de uso, por onde circulam; PRogRAMA SAúDe DA FAMíLIA (PSF) 165 • existência de escolas para crianças e adultos, onde se lo- calizam, quais são suas condições – luz, ventilação, higie- ne, água, móveis, segurança; • existência de delegacias para intervenção policial em caso de desordens e violências; • modos de comunicação – rádio, televisão, jornal; modos de se comunicar na comunidade, linguagem, gestos; • serviços de saúde, existência de instituições públicas, pri- vadas, distância, acesso, facilidades e dificuldades da po- pulação em ser atendida; outras práticas alternativas ou acessíveis, como parteiras e benzedeiras; • instituições para o exercício da fé e da ajuda nas lideran- ças locais; • associação de moradores: o que faz e como ajuda a co- munidade. Microlhar para a família Temos dito que cuidar da comunidade e da família como microespaço é “cair dentro dela”, e isso só é possível se estivermos atentos a ela, conversando e mostrando-nos para ela. Mesmo sabendo que essa não é uma tarefa fácil, a construção de uma convivência, que é a de ter autorização para transitar dentro da família, necessita de uma estratégia de aproximação que pode iniciar-se no posto de saúde ou no hospital, quando um membro da família adoece, e depois deve ser acompanhado em casa. É necessário criar vínculo, mas isso só acontece se houver: • encontros; 166 A enFeRMAgeM e o PSF • conversas; • negociação para saber o que ambas as partes querem; • exposição do corpo e das idéias da comunidade e dos profissionais. Ao visitar o local onde a família mora, os profissionais devem estar atentos para captar o que faz parte do ambiente físico e emocional da família: higiene; ventilação adequada; iluminação;verificar se existe água parada nas plantas ou no chão; se os moradores ouvem música baixa ou alta; se existe cuidado com o lixo; se existem insetos; odores desagradáveis; se a água é tratada (filtros) ou fervida para o preparo dos ali- mentos; como os utensílios são higienizados e se existe pro- teção para a higienização das mãos quando as pessoas lavam os banheiros e se limpam; como cuidam das roupas íntimas e de roupas em geral; a que tipo de programas de TV assistem; se possuem outro tipo de lazer; localização da casa quanto à segurança; se o ponto do ônibus é perto ou distante etc. O profissional vira “caçador” de riscos para a saúde no ambiente. Enquanto conversa ou faz algum procedimento, é fundamental captar, principalmente nos ambientes de en- contros, se a casa está em boas condições estruturais, depen- dendo da situação do cliente e de quem cuida dele. Se o cliente for uma pessoa com necessidades especiais, é importante saber se ele tem condições de se locomover, como cadeira de rodas, além de saber em que tipo de cama ele dorme e se a altura da cama facilita sua passagem para ela. Em relação ao ambiente emocional, deve-se verificar: como as pessoas se comunicam – se falam alto ou baixo, ou se gritam uns com os outros; se existe confiança e afeto PRogRAMA SAúDe DA FAMíLIA (PSF) 167 entre os membros, o que pode ser captado nos gestos, nos olhares, no toque, na escuta; se decidem o que fazer juntos e como resolvem os problemas; como é a relação com os jo- vens, as crianças e os idosos; se existe respeito, camaradagem e solidariedade na família; como seus membros dividem as tarefas e os gastos. Para captar tudo isso, exige-se presença e aguçamento de todos os sentidos, pois é nas entrelinhas da comunicação verbal e não-verbal que é possível identificar riscos para a saúde da família. Além disso, deve-se acompanhar aqueles que já têm desvios de saúde e que já se tratam, como hi- pertensos, cardíacos e diabéticos, e pertencem a uma família aparentemente saudável. Como levar a saúde mais perto da família, se falamos o tempo todo em doença? E o que é um programa que se baseia em saúde, em situações de bem-estar e não apenas em situações de risco? O PSF centra-se nas mesmas falas que estão descritas na política do SUS: • prevenção; • promoção; • recuperação de saúde de forma geral e contínua. Como é o atendimento à família Pode ser na unidade básica ou no domicílio. Como fala- mos anteriormente, são territórios de ações diferenciadas e que demandam movimentos de mão dupla: os profissionais ficam na unidade e atendem às famílias ou elementos dela que os procuram ou saem de seu espaço e vão para a co- 168 A enFeRMAgeM e o PSF FIgURA 6.1 – Co-ReSPonSAbILIDADe PARA IDenTIFICAção e ATenDIMenTo DoS PRobLeMAS. Posto espaço fechado Poder dos profissionais Comunidade espaço aberto Poder da família munidade e, assim, realmente acabam atendendo à família, já que a ação é dentro do domicílio. O PSF sugere que isso seja freqüente e contínuo, para que possam ser construídos o vínculo, a confiança e a acei- tação das orientações. É importante perceber a dimensão do PSF e que, na ex- periência de atender a comunidade, as ações específicas são atravessadas por ações diversas. Um exemplo disso é que, ao visitar uma família e iden- tificar que dela fazem parte um idoso, uma gestante, uma criança com raquitismo, um alcoólatra, um adolescente e alguém que trabalha com carvão, um profissional ou vários profissionais responsáveis por atender essa família precisam mapeá-la para diagnosticar, intervir e acompanhar cada uma delas de “perto”, e, ao fazer isso, reportam-se ao: Programa de Saúde do Adulto; Programa de Saúde do Trabalhador; Programa de Saúde da Criança; Programa de Saúde da Mu- lher; Programa de Saúde do Idoso. Isso implica reorganizar a prática de cuidar da família sob diversas abordagens para atender partes do todo que com- põem a família. PRogRAMA SAúDe DA FAMíLIA (PSF) 169 qUAliDADE DE viDA Fomos superexpostos a esse tema na década de 1980, embora o termo “qualidade de vida” seja muito mais anti- go. A primeira questão que incita os que utilizam é saber o que ele significa para cada pessoa e para cada comuni- dade. A qualidade nos remete imediatamente ao que não pode ter defeito, mas o que é não ter defeito? O que é perfeito para uns pode ser defeituoso para outros; duas famílias po- dem entender ou ter uma representação diferente do que é qualidade de vida. Portanto, saber e sentir o que é qualidade também inclui o subjetivo. Dessa forma, o profissional de saúde pode dizer que uma família tem qualidade de vida, mas isso pode ter um outro significado para a família. É mais fácil identificar a qualidade em algo mais concreto, como um produto. É comum a afirmação “temos de oferecer um cuidado de qualidade”. Será que isso seria o mesmo que ofertar, por exemplo, um sapato de qualidade? Conseguimos identificar imediatamente quando ele é macio, leve, conforta os pés, é feito com um material que proporciona aeração, não ma- chuca é a prova d’água, se seu salto (se tiver) não se descola ou quebra, ausência de prego na palmilha etc. Se trouxermos essa reflexão para a vida de hoje (sécu- lo XXI), a qualidade de vida seria: ter conforto; segurança; tranqüilidade no trabalho e em casa; tempo e local para la- zer ou comprar o que se deseja; estar doente e saber que o SUS vai atendê-lo “com qualidade na hora em que a pessoa 170 A enFeRMAgeM e o PSF precisa”, não a deixando durante horas nas filas; estar feliz ou satisfeito com sua vida e suas condições de saúde; ser res- peitado e valorizado; ter sua vida ajustada ao que se deseja; facilidade para eliminar problemas sem muito sofrimento; satisfação com o que tem etc. As possibilidades de um atendimento de qualidade me- rece considerações pessoais e particulares do sujeito e da família. Para saber o que é qualidade de vida, os profissionais devem abrir mão de “pacotes” que lhes são impostos sobre o tema e fazer o diagnóstico individual de cada família, se- guindo um roteiro que pode ser: • escutar a voz das famílias e se sintonizar com ela, elimi- nando o preconceito que já adquiriu sobre qualidade; • lembrar que vão trabalhar com o conceito de qualidade da família; • detectar qual é a motivação da família para pensar a vida sob o prisma da qualidade; • descobrir as lideranças na família e partir do que elas entendem sobre qualidade; • descobrir se existem medos dentro da família e conside- rar que a subjetividade também faz parte do discurso de qualidade de vida. Falar de qualidade é pensar em um conjunto de atribu- tos. Isto é, ela pode se opor a outra, admite contrários (por exemplo, sapato preto e sapato branco), variando de grau (o preto do sapato pode se tornar menos preto), ou pode ser comparada com outra (o preto desse sapato é mais escuro que o daquele). PRogRAMA SAúDe DA FAMíLIA (PSF) 171 O conceito de qualidade é amplo e possui muitas aber- turas para o entendimento, porque os seres humanos são dominados pelas expectativas, pelas necessidades, pelos dese- jos e pulsões, pela subjetividade de cada um e pode ser atra- vessado por limites místicos ou arquetípicos quando dizem “qualidade é amor”, “qualidade é Deus”. Qualidade é um termo que está na linguagem da saúde e os profissionais vão absorvendo-o, mesmo sem, muitas vezes, parar para saber o que dizem e o que fazem com relação à qualidade. Duas palavras da política do SUS são fundamentais para uma prática de qualidade: focalizar e universalizar o atendi- mento, sem levar em consideração que o potencial humano que faz isso, ao chegar na família, pode encontrar situações de diversos programas, tendo, porém, de fazer tudo ao mes- mo tempo. Aomesmo tempo em que o profissional chega em uma casa para atender um diabético descompensado, ele pode identificar uma criança com febre e uma gestante que não está sendo acompanhada. E quando alguém da família ado- ece e precisa ser internado, muitas vezes eles ajudam a fa- mília a enfrentar o problema, levando em conta as seguintes preocupações: quem sustenta a casa; quem pode bancar as despesas, se o doente é o chefe da família; como ajudar a reorganizar a dinâmica familiar. Uma atenção é sugerida pelo SUS, a exigência que a par- ticipação dos profissionais de saúde aconteça no local de sua ação na comunidade ou na família, e não na multiplicação de criação de novas cidades, novos serviços, novos postos; a família é o objeto primeiro de ações e serviços do sistema e do local de assistência, denominado atenção básica. 172 A enFeRMAgeM e o PSF Por isso, essa ação deve estar vinculada a: • Atenção à rede de serviços. • Atenção integral aos indivíduos e suas famílias. • Quando cuidar, eles devem assegurar o sistema de refe- rência e contra-referência para a clínica e para os servi- ços de maior complexidade. • Idéia de que a família está em um território de abran- gência e que, para isso, ela precisa ser cadastrada, mapeada e cartografada para que a equipe seja definida em termos de quantidade e qualidade, já que é estabelecida que a comunidade tenha, no máximo, 4.500 pessoas. • A família/comunidade tem direito a ser atendida por uma equipe multiprofissional composta de, no mínimo, um médico, uma enfermeira, um auxiliar de enferma- gem e de quatro a seis agentes de saúde. Porém, outros profissionais devem compor essa equipe, considerada de apoio por alguns dos mentores do PSF, como dentista, assistente social, psicólogo e nutricionista. Se devemos pensar em ambiente, precisamos também de biólogos, engenheiros ambientais etc. ATRibUiçõES É preciso considerar que a formação e atuação do mé- dico e do enfermeiro é bastante diferenciada, em termos de tempo e de conteúdo em relação à formação dos agentes co- munitários de saúde, não porque estes sejam menos impor- PRogRAMA SAúDe DA FAMíLIA (PSF) 173 tantes, e sim porque é mais difícil intervir individualmente que no coletivo. Com base nessa afirmativa, destaca-se que os problemas nesse tipo de atenção são macrodiferenciados, o que exige prática no trato com o outro; capacidade e pers- picácia para identificar os riscos; segurança para intervir na resolução de problemas identificados; promover orientações in locus sobre riscos identificados. Assim, as atribuições do enfermeiro são: • conhecer a área onde se localiza a família, fazer ou ter em seu plano de ação um diagnóstico sobre o ambiente e o perfil da comunidade; • treinar recursos de enfermagem para atender às necessi- dades de prevenção de doenças e restauração da saúde; • supervisionar o trabalho da equipe de enfermagem e de alguns outros, quando for o caso, na atenção à comuni- dade e à sua família; • cuidar de problemas específicos da família, quando soli- citado. Paralelamente a isso, é preciso se envolver com: as formas de organização da comunidade; o modo de se trabalhar em conjunto; o modo como os profissionais devem ter acesso às famílias; o modo de agendar reuniões, atividades e visitas; uso de recursos; o modo de trabalhar para supervisão, avalia- ção e proposta de revisão dos trabalhos, a fim de ajudar em formulação de políticas. 174 A enFeRMAgeM e o PSF PRiNCíPiOS báSiCOS DO PSF Definir como esse programa vai acontecer não depende só do que está estabelecido na legislação, mas de entender como as práticas anteriores serão substituídas, o que exige um novo processo de trabalho, centrado na vigilância à saúde, que é feita a partir de um cronograma a ser cumprido pelo médico (no consultório ou na própria comunidade), enfer- meiro (no consultório ou na comunidade), auxiliar ou agen- te de saúde (fazem as visitas com tarefas predeterminadas). O PSF deve estar em consonância com o SUS, por in- termédio do: • Município: como aquele que decide optar pelo PSF, orientando o modelo de atenção básica. • Estado: via Secretaria de Saúde, que recebe a proposta de programação do PSF, aprecia e aprova na Comissão de Intergestores. Ao viabilizar a proposta, o estado se responsabiliza pelo apoio técnico e financiamento – o que se chama de adesão. • Vigilância epidemiológica: opera na raiz da história natural das doenças que articulam com integrantes da cadeia da enfermidade: ser humano (hospedeiro); agente etiológico; meio ambiente. Por isso, é importante o constante monitoramento de saúde dos grupos sociais e de tudo que envolve o processo de adoecer. Os profissionais de saúde não devem ficar esperando si- nais ou alarmes de adoecimento, devendo funcionar como PRogRAMA SAúDe DA FAMíLIA (PSF) 175 “sentinelas” para detectar precocemente desvios de saúde ou fenômenos que levam ao adoecimento. Todos, inclusive o sujeito individual, devem entender o processo saúde–doen- ça, que caminha paralelamente às questões biológicas. Os profissionais, principalmente os que estão na comu- nidade em contato direto com a família, como é o caso da enfermagem, precisam ampliar a lógica racional, revisar o discurso de clínica, decodificando não só as questões biopsí- quicas, mas resgatar, pensar e refletir sobre os valores da vida, as condições sociais e as formas como as pessoas enfrentam os problemas. O discurso atual é de acolher os clientes, fazendo o que se sugere a seguir: • dar uma atenção cuidadosa e respeitosa, que deve ser considerada no encontro com o outro; • ouvir atentamente, decodificando signos, tanto na lin- guagem quanto nos movimentos da comunidade; • deixar claro, durante o encontro, que está comprometido com a manutenção da saúde ou cura da doença; • demonstrar interesse pelo problema do outro, pelo seu trabalho, pela sua comunidade; • ter consciência de que os trabalhadores da saúde – os que cuidam – e os usuários – os que são cuidados –, são sujeitos de uma preocupação, um mesmo desejo e uma mesma necessidade: ter saúde; • saber que todos estão andando na vida e que, nessa an- dança, surgem desvios, dificuldades, paradas, morte; • fortalecer, junto ao cliente ou à família, sua ideologia, sua fé, mesmo que a sua seja outra. 176 A enFeRMAgeM e o PSF A visita domiciliar é uma ação que necessita de instru- mentos de registro para informação, avaliação e pesquisa de como o indivíduo e/ou a família se encontra, como são suas relações e, no caso de já estar com desvios de saúde, como está a evolução destes e que fatores estão interferindo quan- do não há melhora. A visita deve ser programada e autorizada pela família (não é de bom tom chegar na casa dos outros sem avisar) e assim, quando chegar na casa, espera-se que o profissional converse, observe, identifique dificuldades e facilidades da família, confira as orientações feitas na unidade ou em vi- sita anterior para saber se eles as compreenderam e se estão seguindo-as corretamente e faça diagnóstico e intervenção in locus ou encaminhe o problema para o profissional ade- quado. Não se deve esquecer de que, no momento em que se encontra com a família, o enfermeiro pode captar dificulda- des financeiras e sociais e riscos de doenças e de morte, de- vendo tomar providências para que essas pessoas possam ter acesso, se for o caso, a outros serviços. No caso de os recursos financeiros serem suficientes para alimentos e medicamen- tos, não se pode esquecer que é preciso saber lidar com as diferenças culturais e educacionais, com os valores, os ritos e mitos e suas interferências ou não na saúde. Além disso, é importante ter a consciência de que o profissional também tem limites e possibilidadesque envolvem sua cultura, sua religião, suas crenças e seus saberes e práticas, os quais podem ser diferentes dos da família e de que estar na família pode ser uma invasão de privacidade. PRogRAMA SAúDe DA FAMíLIA (PSF) 177 Perfil epidemiológico O enfermeiro não pode desconsiderar a epidemiologia no PSF, entendida por Fonseca e Bertolozzi (1997) como “a ciência que ocorre (se abate) sobre o povo”. Suas ações es- tão voltadas ao controle da saúde do coletivo e não somente do corpo individual. É a vigília das condições de saúde das populações e das pessoas em particular. Os autores citados dizem, ainda, que epidemiologia é a explicação dos problemas de saúde–doença em sua dimen- são social; observando a realidade das diversas sociedades em diversos momentos históricos, mostram que a forma como os diferentes grupos ou classes sociais trabalham influenciará o desgaste ou o fortalecimento dos mesmos grupos ou clas- ses. “As diferentes formas de integração do trabalho corres- pondem às formas distintas de viver, de consumir.” Quanto aos perfis epidemiológicos, segundo Breihl (1991), “é o resultado da conjunção entre os perfis de re- produção social (determinantes do processo saúde–doença) e os perfis de fortalecimento e desgaste (resultados do processo saúde–doença) dos grupos sociais, os quais devem ser mo- nitorados como atividade nuclear no controle de saúde do coletivo”. Esse perfil é dividido em três planos: individual, grupos sociais e sociedade. A seguir, é apresentada uma tabela que especifica como o perfil epidemiológico é entendido. Um exemplo para a abordagem do perfil epidemiológico na atuação e na pers- pectiva do PSF pode ser apresentado pelo que segue: 178 A enFeRMAgeM e o PSF TAbeLA 6.1 – PeRFIL ePIDeMIoLógICo Perfil do processo saúde–doença Saúde Enfermidade/morte/ morbidade Plano individual Processos fisiológicos/ genéticos/psíquicos favoráveis Processos fisiológicos/ genéticos/psíquicos de desgaste Plano grupal/ famílias Cotidiano favorável e humanizante Práticas saudáveis Potencial de integração/ associativismo Potencial de aprendizagem Potencial de identidade Assimetria de poder Cultura emancipadora Cotidiano desgastante: isolamento, conflito, necessidades de sobrevivência Potencial de alienação Potencial de dominação Simetria de poder Cultura alienante Plano estrutural/ geral Políticas econômicas e sociais que visam à redistribuição, à eqüidade e à solidariedade Políticas econômicas e sociais que levam à dominação, à iniqüidade e à privação Fonte: Ministério da Saúde – Manual de enfermagem. É importante saber que quem participa do PSF deve estar ciente do conceito de família; o cuidado é voltado para a experiência da família; se alguém adoecer na famí- lia, toda ela é influenciada; o relacionamento entre seus membros pode influenciar mais um membro que outros; é necessário estimular o crescimento da família, consideran- do o contexto cultural em que ela vive – grupo familiar, comunidade. PRogRAMA SAúDe DA FAMíLIA (PSF) 179 EDUCAçãO EM SAúDE NA PRáTiCA DE CUiDAR NO PSF É fundamental pensar que a prática do cuidar envolve e fundamenta a comunicação dialógica, e não visa mais mudar comportamentos, prescrever tratamentos, controle, modificar as pessoas, pensar só na doença. É preciso que o enfermeiro, ao ser o desencadeador de ações educativas, esteja disposto a dividir, trocar, ensinar e aprender com a família. Para ser assim, o trabalho deve ser contínuo e intenso, porque é necessário: formar grupos, unindo famílias inte- ressadas em discutir saúde; escolher temas comuns e de in- teresse dos grupos (família), dos quais profissionais serão os coordenadores; criar espaços para discussões, informações, reflexões e debates. Não se deve acreditar mais que educação é estímulo– resposta, queixa–conduta, problema–intervenção de modo vertical, mas que é uma ação horizontal. A família não pode e nem deve ficar de lado, como vítima e com sentimento de culpa pelo problema que apresenta. Educar é interagir em um determinado espaço (a fa- mília), para que se descubra como resolver problemas e/ou como encaminhá-los a outras instâncias. Não deve existir coerção, ordem, mas orientações com argumentações, com base teórica e prática; caso contrário, os profissionais de saú- de criam barreiras intransponíveis. Os enfermeiros devem agir como educadores e os fami- liares como co-educadores, pensando em problemas comuns como: medos, preconceitos, dúvidas, insegurança, impotên- cia, resistência e desesperança. Tudo isso depende do desen- 180 A enFeRMAgeM e o PSF volvimento de habilidades sensíveis, de sintonias corporais para saber: • olhar/vendo; • ouvir/escutando; • tocar/sentindo; • falar/comunicando; • perguntar/ouvir (profissional); • respostas/atenção (família); • observar/olhando. Tudo isso visa saber captar mensagens, sinais, signos, ges- tos, jeitos, aparência, expressões do corpo. No campo bioló- gico, é possível sentir a temperatura, a cor da pele, o ritmo da respiração; na comunicação, entende-se o que estamos falando e se entendemos o que a família fala; se a pergunta ou resposta é clara ou confusa, se traz alguma preocupação não expressada claramente nas relações, é possível identificar se existe ou não confiança, se existe afeto ou não, como se tratam, como se cumprimentam. O vínculo só é criado se houver condições, quando: • mostra-se interesse pelos problemas/experiências deles; • presta-se atenção ao que falam; • não os atropelam com excessos de perguntas; • necessita-se conferir constantemente o que se ouve e se decodifica para não ficar nenhuma dúvida; • não se tem medo de dizer que não sabe de algo, que vai se informar melhor para responder; • há disposição a elogiar o desempenho, as suas estratégias PRogRAMA SAúDe DA FAMíLIA (PSF) 181 de resolução de problemas, mesmo que elas não sejam as que são orientadas; • precisa-se fazer acordos, parcerias para trabalhar os pro- blemas juntos, sabendo quais são as dificuldades deles e as nossas e ouvir suas propostas de intervenção. Ao decidir sobre o acordo, ele deve ser escrito e assinado pelos interessados e tornar-se um instrumento legal, a fim de evitar problemas futuros para os envolvidos. Estratégias para educação Conforme mencionado anteriormente, a investigação é exercitada com muita freqüência, sobretudo quando se en- sina, pesquisa e quando se está em constante busca por uma outra pedagogia de liberdade, que se desenvolve por meio de: a) jogos dramáticos para falar de imagem - ações, práticas e saberes de espaço (individual, social e político); b) dramatizações – representação de temas, problemas para reflexão, diagnóstico e intervenção; c) sociopoética – abordagem por intermédio de espaços sociomíticos para identificação e localização de situações que interessam; d) auxílio de materiais como argila, o que possibilita práti- cas para identificação de problemas ou não no cotidiano de viver; e) criação de bonecos (corpo do cuidado) para desenvolvi- mento de habilidades ligadas aos sentidos; 182 A enFeRMAgeM e o PSF f) cineclube – apresentação de filmes (políticos, sobre or- ganização ou sobre cuidados e desvios de saúde) para discussão, reflexão e tomada de providências; g) dinâmicas de grupo em diversas modalidades, que po- dem ser criadas pelos profissionais e pela comunidade. A opção por essas estratégias (que podem ser chamadas de sociopoética) podem ser usadas em qualquer programa, para tratar de qualquer problema para qualquer grupo, o que é confirmado por Santos et al. como uma prática em ciência na dependência de um grupo, de uma paixão, de uma opção e de resultados obtidos para fortalecer as afirmativas de que: • o corpoé o lugar da expressão–criação, do sentido, da escuta-mítica, da cognição, da produção de imagens e representação; • o corpo é instituído e instituinte no processo de viver, de trabalhar e de pesquisar (manda e obedece, age e reage etc.). A PESqUiSA Na atualidade, a enfermagem não pode mais cuidar, seja em que espaço for, sem pesquisar sobre seu processo de tra- balho, sobre os trabalhadores de enfermagem e sobre o cui- dado prestado – individual ou coletivo. A pesquisa qualitativa com a abordagem da sociopoética tem sido a opção da maioria dos autores deste livro, porque os estudos e a produção de conhecimento de enfermagem PRogRAMA SAúDe DA FAMíLIA (PSF) 183 centram-se no ser humano, individual ou coletivo. Daí a busca de novas abordagens que dêem conta da subjetividade, do imaginário, das emoções que envolvem a pessoa e sua família. As pesquisas podem ser de dois tipos: quantitativas ou qualitativas, e agora a área das ciências sociais e alguns setores da enfermagem vêm associando os dois métodos, optando- se por abordagens diversas. Em nossas pesquisas em saúde coletiva, fizemos as se- guintes descobertas quando optamos pela sociopoética: 1. Descobrimos que a sociopoética é uma abordagem que não comporta pesquisadores rígidos, engessados, racio- nais, não apaixonados, insensíveis, não desejantes, não sensuais, não sonhadores. É utilizando a sociopoética que é possível errar, acertar e se emocionar, ou seja, ter alegria, tristeza, angústia e medo, apesar de não ser fácil chegar a essas conclusões. 2. Optando pela pesquisa sociopoética, poderíamos passar ilesos por alguns obstáculos aparentes, que tentamos con- tornar teoricamente, conforme lembra Laville e Dione (1999), sobre: • empirismo – a observação, as vivências e as experiên- cias sem demonstração, mas com a interpretação do próprio sujeito que vive o fenômeno, na sociopoética, se dá no coletivo; esse fato lhes confere o reconheci- mento dos achados da produção de dados; • teoria – quanto aos resultados e sua aceitabilidade, as provas, as coisas medidas e explicadas, as quais têm relevância para o que é considerado ciência; encon- tram-se na sociopoética sob um outro enfoque, além 184 A enFeRMAgeM e o PSF da exatidão das ciências exatas, que seria o da com- preensão do elemento humano nas demais ciências. A teoria comporta a objetividade e a subjetividade – em pesquisa, esses termos sugerem que, na objetividade, o pesquisador deve provocar situações que sem sua in- tervenção não aconteceriam. Considera-se objetivo o que preserva o objeto, o que permite revelar sua natu- reza sem que ela tenha sua integridade afetada. Isso é mais definido em função do pesquisador, de sua inte- ração e de sua relação ativa com o objeto. Na subjetivi- dade, o papel do pesquisador é tão reconhecido como sua subjetividade, a qual se espera que seja racional, controlada e desvendada, e definindo-se, desse modo, a esperada objetividade. Isso envolve intersubjetividade, ou seja, os saberes produzidos somente serão conside- rados se outros lhe reconhecerem a validade, mesmo sabendo-se que o pesquisador não pode ser perfeita e completamente objetivo. Entende-se que, na sociopoética, a subjetividade tem o mesmo peso da objetividade e retira do pesquisador a obri- gatoriedade de ser somente objetivo, quando os saberes pro- duzidos são reconhecidos primeiro no grupo pesquisador que os valida como um produto que transforma uma deter- minada realidade. Os autores da sociopoética dizem, ainda, que o ato de compreender está em todas as questões envolvendo as ciên- cias humanas e sempre ligado aos problemas surgidos no campo social. Não é objetivo de uma pesquisa fundamental porque não importa para aqueles que tentam compreender, PRogRAMA SAúDe DA FAMíLIA (PSF) 185 em um determinado fenômeno, se a solução do problema é falta de conhecimento. O que se tenta conhecer na verdade é a natureza do objeto de estudo, sua complexidade e o fato de ser livre e atuante. As multicausas entendidas como pro- blemas/fenômenos sociais são fenômenos humanos e, na so- ciopoética, elas são transformadas em uma poesia crítica para contextualizar, compreender e conhecer os fatos humanos. É nesse sentido que Gauthier e Santos (1996) afirmam que a sociopoética transforma poeticamente para conhecer. ObjETivAçãO Diversos trabalhos exigem interpretação sem a obrigato- riedade de um procedimento experimental que demonstre a reprodutibilidade do fenômeno. Com freqüência, é a mente do pesquisador que, a seu modo e por diversas razões, efetua as escolhas e as interpretações evocadas anteriormente. Esse modo e essas razões dizem respeito ao objeto de objetiva- ção. Espera-se do pesquisador uma tomada de decisão metó- dica e consciente desses fatores com vistas à racionalização; espera-se, também, que os resultados da pesquisa sejam di- vulgados a fim de a viabilidade dos achados científicos ser avaliada por outros. Esse é o princípio da objetivação, que fundamenta a regra da prova e define a objetividade que, em última análise, repousa sobre a objetivação da subjetividade. 186 A enFeRMAgeM e o PSF qUANTiTATivO vERSUS qUAliTATivO Na área de enfermagem, esses dois métodos ou aborda- gens são alvo de críticas e muitos debates, principalmente quando usamos os dois ao mesmo tempo. Enquanto um pes- quisador aprecia os números e, assim, busca a medida exata dos fenômenos humanos e do que os explica, indo ao en- contro da objetividade e da validade dos saberes construídos; o outro se dá conta do real humano quando tenta conhecer as motivações, as representações, as emoções dificilmente quantificáveis e, então, deixa-se de falar do real e pára-se na tentativa de escutá-lo. Sendo assim, pensar em fenômenos objetivamente medíveis parece impossível quando os pensa- mos como coisas incontroláveis envolvendo subjetividades. Uma estratégia para produzir dados Temos usado o jogo dramático – a relevância pode ser de diversas ordens, mas a principal é criar formas diferen- ciadas de pensar e refletir a partir da observação de imagens indutoras de jogos dramáticos para captar neles o que o cor- po é capaz de ver além da imagem apresentada, que “apa- rentemente” não tem nada a ver com a enfermagem. Talvez seja apenas um estilo de criar palavras novas para problemas velhos, mas importa acreditar que há um diferencial na ma- neira de ensinar, de pensar e de fazer, que diz respeito a um tratamento especial para com os nossos colegas do ensino de graduação e pós-graduação. Quando investigamos a co- letividade, porque cada um tem seu modo próprio de dizer, PRogRAMA SAúDe DA FAMíLIA (PSF) 187 todos são capazes de sentir, de transformar uma imagem em outra, de ensinar e de aprender simultaneamente. Trabalhar a imagem como indutora do jogo dramático serve para que todos exercitem um “quebrar o gelo” natu- ral, muito comum quando um grupo senta-se para pensar e discutir, para desinibir jogadores e observadores e, assim, “ar- rombar” a porta do silêncio, falar do que parece impossível e chegar no absoluto e no irreal, se for possível. Isto é signifi- cativo para docentes e estudantes quando se trata de insistir no exercício de ampliação do pensamento, no exercício da imaginação para não representar o visível, mas para se tornar visível como sujeito e como profissional. O jogo dramático, ainda não entendido claramente por muitos, mas aceito por nós, autores docentes de enferma- gem e de teatro, como uma pedagogia provocadora não só para pensar, mas também para liberar a expressão do corpo como modo de ampliar seu movimento, amolecer e criar movimentos físico-espirituais para pensar e fazer enferma- gem, para descobrir implicações para ousar ir além (Tavares, 2003). Todas estas estratégias são espaços para produção de da-dos, de saberes e práticas de cuidar em enfermagem na co- letividade. REFERêNCiAS bibliOgRáFiCAS BREIHL, J. Epidemiologia: economia, política e saúde. São Paulo: Unesp/Hucitec, 1991. FONSECA, R. M. S; BERTOLOZZI, M. R. A. Epidemio- 188 A enFeRMAgeM e o PSF logia social e a assistência à saúde da população. Classificação das práticas de enfermagem em saúde coletiva e o uso da epide- miologia social. Brasília:, 1997. (Série Didática. Enfermagem no SUS). FONTENELE JUNIOR, K. Programa de Saúde da Família – PSF – Comentado. Goiânia: ABDR, 2003. GAUTHIER, J.; SANTOS, I. A sociopoética: fundamentos teóricos, técnicas diferenciadas de pesquisa, vivência. Rio de Janeiro: UERJ/DEPEXT/NAPE, 1996. STARFIELD, B. Atenção primária: equilíbrio entre necessida- des de saúde, serviços e tecnologia. Brasília: Unesco/Minis- tério da Saúde, 2002. TAVARES, R. et al. 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