Prévia do material em texto
CHORUME GERADO EM ATERROS SANITÁRIOS: INTERFERÊNCIAS NA SAÚDE AMBIENTAL Nair Conde de Almeida – Bióloga; Doutoranda em Ciências Biológicas – Microbiologia Aplicada, Depto. de Bioquímica e Microbiologia – IB-UNESP, Rio Claro -SP Profa. Dra. Dejanira de Franceschi de Angelis, Profa. Adjunta em Microbiologia, voluntária no Depto. de Bioquímica e Microbiologia – IB-UNESP, Rio Claro -SP Os resíduos sólidos sempre foram produzidos de maneira sistemática. No passado, quando o homem ainda possuía hábitos nômades, estes resíduos eram dispersos na natureza. A medida que a espécie humana passou a organizar-se em aldeias, vilas e cidades estes resíduos tiveram que ser acumulado em determinados locais. Com o crescimento populacional e uma política de consumo excessiva, onde a população é impelida a renovar sempre tudo que possui e a cada renovação sempre há descarte, a geração de resíduos vem aumentando progressivamente. Segundo o IBGE, a produção per capita de lixo no Brasil varia de 0,3 a 1,1 kg/dia e a população brasileira gera cerca de 230 mil toneladas de lixo diariamente (CEPAM, 2011). Sendo assim, em média cada habitante produz cerca de 700g de lixo por dia, estes valores mudam de acordo com o nível de desenvolvimento do país, quanto mais rico mais descarte e maior o impacto. Se este valor for extrapolado, por exemplo, para uma cidade de 200 000 habitantes, serão produzidos cerca de 140 toneladas/dia, resultando em 4200ton/mês. Além do aumento, há ainda a questão da complexidade dos materiais usados na composição destes resíduos. O homem extrai da natureza elementos e os transforma, devolvendo-os numa forma muito mais complexa, dificultando a sua biodegradação. Os organismos decompositores são capazes de processar os compostos naturais de maneira muito eficiente, porém eles não possuem um complexo enzimático adaptado aos compostos sintéticos ou modificados pelo homem. Isso tudo, aliado a falta de reciclagem eficiente, onde se poderia retirar dos resíduos, materiais possíveis de serem reutilizados e reciclados, deixando de poluir e evitando o impacto de novas extrações de materiais da natureza. Cerca de 50% de todo material descartado como lixo poderia ser recuperado como matéria-prima, e ser reutilizado na fabricação de um novo produto (Silva et al., 2012). Todos estes fatores tornam o acúmulo do lixo um grande problema a ser resolvido. Até pouco tempo, todo lixo produzido era simplesmente acumulado em um local determinado, sem nenhum cuidado ou preocupação ambiental, formando os lixões. Desta forma ficavam expostos a visitação de animais como aves, ratos, baratas, formigas, etc., atraídos pela grande oferta de alimento disponível. Estes ao saírem destes lixões, carregavam em seus corpos inúmeros agentes causadores de doenças, funcionado como vetores ao entrarem em contato com pessoas, animais domésticos e vegetais de consumo humano, dispersando estas doenças no ambiente. Além disso, a decomposição de muitos dos resíduos produz vários tipos de gazes tóxicos como o gás sulfídrico, amônia e o metano que é um dos responsáveis mais agressivos pelo efeito estufa. Durante esta degradação há também a formação de chorume, um líquido escuro de forte odor e com alto potencial tóxico e poluidor. Nos lixões o chorume é produzido continuamente e vai infiltrando-se no solo, podendo atingir os lençóis freáticos e contaminar as águas subterrâneas. Aliado a ação das chuvas, ele pode ser carreado superficialmente contaminando solo e águas superficiais. Em vista dos inúmeros problemas acarretados pelo acúmulo indevido de resíduos sólidos, os órgãos estaduais de proteção e controle ambiental passaram a exigir das prefeituras adequações dos sistemas de destinação final dos resíduos. O Ministério Público também vem atuando de maneira fundamental na melhoria dos serviços e na redução das agressões ao ambiente decorrentes dos serviços de saneamento básico, utilizando-se do Termo de Ajuste de Conduta, onde são estabelecidas obrigações a serem assumidas pelo município e os respectivos prazos para sua implementação e adequação dos sistemas por eles operados (IBGE, 2002). Desta forma os lixões deveriam ser transformados em aterros sanitários. Dados do relatório IPEA (2012), mostraram que de 2000 a 2008 a quantidade de aterros sanitários passou de 810 para 1540, os aterros controlados de 1074 para 1254, vazadouros a céu aberto (lixões) de 3763 para 2810, unidade de compostagem de 157 para 211, unidade de triagem para reciclagem de 248 para 643, unidade de tratamento para incineração 176 para 134. Os aterros são construídos da seguinte maneira; primeiramente é aberta uma vala que não pode estar a menos de 2m de distância do lençol freático, o solo é compactado e recoberto com manta impermeabilizadora, sobre ela são colocadas canaletas e uma camada de brita para esgotamento e posterior tratamento do chorume e sobre esta são alternadas camadas de lixo prensado e terra até preenchimento total da vala. Também são instalados tubos para captação e dispersão de gases. O aterro depois de totalmente preenchido ainda precisa ser monitorado, pois a produção de gases e chorume continua por cerca de 20 anos. Este local pode ser transformado num parque ou reserva ambiental, sem a possibilidade de haver edificações, pois o terreno torna-se bastante instável, devido a degradação do lixo, sofrendo acomodações por longo período de tempo. Ao ser coletado no aterro o chorume deve ser tratado. Para tanto, precisa ser primeiramente caracterizado. O chorume é formado pela degradação de matéria orgânica e inorgânica, por ação de microrganismos e fatores físico-químicos ambientais. Os tipos, quantidades e taxas de produção de contaminantes no chorume produzido por um aterro sanitário são influenciados por vários fatores, composição do lixo, densidade, pré-tratamento (reciclagem), sequência de disposição, profundidade, umidade, temperatura e tempo. A qualidade do chorume varia de acordo com os componentes do lixo, pode-se classificar os resíduos sólidos de acordo com sua composição em 4 grupos: Grupo A: são os restos de alimentos e resíduos de jardinagem, materiais facilmente biodegradáveis pelos decompositores. Grupo B: é também composta de matéria orgânica, porém mais recalcitrantes. Inclui papéis, plásticos biodegradáveis, madeira, etc. O chorume resultante da decomposição destes resíduos (A e B) carrega elevada carga orgânica e compostos nitrogenados que, se lançados em corpos de água, irão produzir grande proliferação de microrganismo, acarretando diminuição do oxigênio disponível, morte de peixes e outros organismos aquáticos. Grupo C: inclui compostos metálicos principalmente ferro, manganês e zinco. Esses e outros metais aparecem no lixiviado e permanecem por muitos anos por causa da baixa taxa de reação à degradação. Grupo D: são componentes inorgânicos não metálicos como os vidros, os óleos e os sais. Os metais alcalinos terrosos (cálcio, magnésio, sódio e potássio) e os ânions mais comuns (cloretos, sulfatos, fosfatos, boratos e carbonatos) surgem principalmente desse tipo de resíduo. A condutividade alta em torno de 18000µS/cm demonstra que há uma concentração elevada de sais neste percolado. A tabela 1, registra alguns elementos encontrados no chorume, as doenças relacionadas e suas possíveis fontes de dispersão. Tabela 1. Fontes e doenças relacionadas aos elementos Mercúrio (Hg), Manganês (Mn), Níquel (Ni), Cádmio (Cd), Chumbo (Pb), Arsênio (As) e Boro (B). Doenças relacionadas* Fontes** Hg Perda da visão, debilidade das funções cerebrais, coma Pilhas comuns e alcalinas, lâmpadas fluorescentes Mn Distúrbios neurológicos, como Mal de Parkinson Ni Doenças respiratórias, alergias Baterias recarregáveis (celular, telefone sem fio, automóveis) Cd Dores abdominais, distúrbios na visão, paralisia nas mãos Pb Inflamaçãonos pulmões, problemas no fígado e nos rins, saturnismo As Úlceras, inflamação nasal, câncer de pulmão Embalagens de tintas, vernizes, solventes orgânicos B O excesso de boro pode provocar náuseas, vômitos, diarreia, dermatose e letargia. Boro sequestra a vitamina B2 Vidro, aditivos para fibra de vidro, cerâmicas, fertilizantes *Fonte: Miguel Jr. (2016), Amaral Neto (2016); **Fonte: IPT, 2000; A idade do aterro também influencia a qualidade do chorume. Em um aterro jovem, o pH é ácido e as concentrações de DQO (demanda química de oxigênio), DBO (demanda bioquímica de oxigênio) e COT (carbono orgânico total) são muito altas, é a chamada fase ácida. Depois de 1 a 4 anos, durante fase metanogênica, as concentrações de DQO, DBO e COT diminuem e a concentração de nitrogênio amoniacal aumenta sucessivamente, até chegar a valores em torno de 4.000 mg/L (De Souza, 2015). Enfim, o chorume é uma grande sopa de resíduos originados a partir da biodegradação feita por microrganismo e da degradação por fatores ambientais como ação da água, da temperatura, etc. Os danos ambientais provocados pelo chorume são significativos, podendo vir a contaminar corpos d´água superficiais, solo e lençol freático. Dessa forma, o tratamento desses percolados assume grande importância ambiental. Pesquisas recentes têm mostrado vários meios de tratamento para estes líquidos provenientes de aterros sanitários. Para o tratamento adequado, é fundamental que se conheça qualitativa e quantitativamente as características desse percolado que apresenta grande variabilidade em sua composição e volume gerado, elevada demanda química de oxigênio, compostos orgânicos e substâncias tóxicas. Na maioria das cidades brasileiras, o chorume produzido é encaminhado para o poço de acumulação de onde, nos seis primeiros meses de operação é recirculado sobre a massa de lixo aterrada. Depois desses seis meses, quando a vazão e os parâmetros já são adequados para tratamento, o chorume acumulado será encaminhado para Estações de Tratamento de Efluentes (ETEs), onde é submetido à degradação microbiológica. Após isso, o chorume é lançado, juntamente com o esgoto tratado em águas superficiais (Nascimento Filho, 2001; Freitas, 2016). Devido a sua natureza complexa, não há como prever se este tratamento é efetivo. A identificação dos compostos poluidores presentes nos diversos tipos de chorume é fundamental para estabelecimento da eficiência do seu tratamento e descarte final. A implantação de estações de tratamento de chorume, em aterros sanitários, é vista como um avanço no sentido de buscar soluções referentes à disposição final desse resíduo, determinando assim melhorias nas condições ambientais. Em vista dos inúmeros problemas induzidos pela disposição de resíduos sólidos e as dificuldades enfrentadas para seus tratamentos, vale lembrar que uma reciclagem bem qualificada, além de diminuir significativamente o volume nos aterros, ainda retiraria do meio do lixo materiais sintéticos de difícil biodegradação tornando o tratamento do chorume mais simples e menos dispendioso. Sem a adição destes materiais, o lixo orgânico poderia ser direcionado para composteiras sendo transformado em adubo. Além disso, a reciclagem evita que a matéria-prima destes produtos seja retirada novamente dos ambientes naturais, diminuindo assim, o impacto ambiental acarretado por essas extrações. De acordo com a política nacional de resíduos sólidos, criada pela Lei Federal 12305/02/2010 (Brasil, 2010) o grande passo para a solução do problema do lixo está em: Reduzir o consumo: um consumo consciente sem excessos; Reutilizar: grande parte do que descartamos ainda poderia ser reutilizado, reformado ou recuperado; Reciclar: o que não é possível ser reutilizado, enviado para reciclagem. Esta consciência dos três Rs, pode e deve ser estimulada na população como um todo e principalmente nas escolas, na formação de cidadãos esclarecidos e comprometidos com a saúde do ambiente. Referências: AMARAL NETO, R.F. Efeito dos metais pesados na saúde humana. Disponível em: http://www.robertofrancodoamaral.com.br/blog/envelhecimento/efeitos-dos-metais- pesados-na-saude-humana Acesso em agosto/2016 BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Lei 12.305, de 02 de agosto de 2010. Institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos; altera a lei nº 9605, de 12 de fevereiro de 1998; e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 3 ago. 2010. CEPAM. Lixo: o desafio do futuro. Disponível em: http://www.ce pam.sp.gov.br/ index.php?option=com_conte nt&task =view&id=220&Itemid=21 Acesso em fevereiro/2012 DE SOUSA, Márcia Cristina et al. Processos de tratamento do chorume e reaproveitamento: Uma revisão. Blucher Chemistry Proceedings, v. 3, n. 1, p. 655- 664, 2015. FREITAS, Cristina Moreira. Levantamento da disposição final de resíduos sólidos urbanos em 32 municípios do Estado de Goiás/Survey of the disposal of municipal solid waste in thirty-two counties of the State of Goiás. Revista de Biologia Neotropical, v. 12, n. 2, p. 120-124, 2016. http://www.robertofrancodoamaral.com.br/blog/envelhecimento/efeitos-dos-metais-pesados-na-saude-humana http://www.robertofrancodoamaral.com.br/blog/envelhecimento/efeitos-dos-metais-pesados-na-saude-humana IBGE- Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - Pesquisa Nacional sobre Saneamento Básico PNSB - 2000 Avaliação dos resultados pelo consultor J. H. Penido Monteiro 20p. 2002. IPEA- Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada Diagnóstico dos resíduos sólidos urbanos – Relatório de pesquisa. Brasília, 2012. IPT. Instituto de Pesquisa Tecnológica do Estado de São Paulo. Lixo Municipal: Manual de Gerenciamento Integrado. São Paulo. IPT/CEMPRA. 2000. MIGUEL Jr, A. Boro - papel nas doenças. Medicina Geriátrica. Disponível em http://www.medicinageriatrica.com.br/tag/boro/ Acesso em agosto/2016 DO NASCIMENTO FILHO, Irajá; VON MÜHLEN, Carin; CARAMÃO, Elina Bastos. Estudo de compostos orgânicos em lixiviado de aterros sanitários por EFS E CG/EM. Quim. Nova, v. 24, n. 4, p. 554-556, 2001. SILVA, Pedro Celso Soares et al. Estudo da viabilidade econômica do destino final do lixo urbano de marechal Cândido Rondon, pr. Varia Scientia Agrárias, v. 2, n. 2, p. 119–33, 2012 http://www.medicinageriatrica.com.br/tag/boro/