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Essere nel Mondo Rua Borges de Medeiros, 76 Cep: 96810-034 - Santa Cruz do Sul Fones: (51) 3711.3958 e 9994. 7269 www.esserenelmondo.com.br Todos os direitos são reservados. Nenhuma parte deste livro poderá ser reproduzida ou copiada por qualquer meio impresso ou eletrônico ou que venha a ser criado, sem o prévio e expresso consentimento da Editora. A utilização de parte dos textos publicados deverá cumprir com as regras de referências bibliográficas editadas pela ABNT. As ideias, conceitos e/ou comentários expressos na presente obra são de responsabilidade exclusiva do(s) autor(es), não cabendo qualquer responsabilidade à Editora. D631 Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem [recurso eletrônico] / organizadores: Fabiana Marion Spengler, Theobaldo Spengler Neto – Santa Cruz do Sul: Essere nel Mondo, 2015. 177 p. Texto eletrônico. Modo de acesso: World Wide Web. 1. Mediação. 2. Conciliação (Processo civil). 3. Negociação. 4. Jurisdição. 5. Arbitragem e sentença. 6. Resolução de disputa (Direito). I. Spengler, Fabiana Marion. II. Spengler Neto, Theobaldo. CDD-Dir: 341.4625 Prefixo Editorial: 67722 Número ISBN: 978-85-67722-23-8 Bibliotecária responsável: Fabiana Lorenzon Prates - CRB 10/1406 Revisão ortográfica: Carmen Rohr Capa: Gabriel Gassen Diagramação: Marcel Ali e Helena Schuck Catalogação: Fabiana Lorenzon Prates CONSELHO EDITORIAL COMITÊ EDITORIAL Prof. Dr. Alexandre Morais da Rosa – Direito – UFSC e UNIVALI/Brasil Prof. Dr. Alvaro Sanchez Bravo – Direito – Universidad de Sevilla/Espanha Profª. Drª. Angela Condello – Direito - Roma Tre/Itália Prof. Dr. Carlos M. Carcova – Direito – UBA/Argentina Prof. Dr. Demétrio de Azeredo Soster – Ciências da Comunicação – UNISC/Brasil Prof. Dr. Doglas César Lucas – Direito – UNIJUI/Brasil Prof. Dr. Eduardo Devés – Direito e Filosofia – USACH/Chile Prof. Dr. Eligio Resta – Direito – Roma Tre/Itália Profª. Drª. Gabriela Maia Rebouças – Direito – UNIT/SE/Brasil Prof. Dr. Gilmar Antonio Bedin – Direito – UNIJUI/Brasil Prof. Dr. Giuseppe Ricotta – Sociologia – SAPIENZA Università di Roma/Itália Prof. Dr. Gustavo Raposo Pereira Feitosa – Direito – UNIFOR/UFC/Brasil Prof. Dr. Humberto Dalla Bernardina de Pinho – Direito – UERJ/UNESA/Brasil Prof. Dr. Ingo Wolfgang Sarlet – Direito – PUCRS/Brasil Prof.ª Drª. Jane Lúcia Berwanger – Direito – UNISC/Brasil Prof. Dr. João Pedro Schmidt – Ciência Política – UNISC/Brasil Prof. Dr. Jose Luis Bolzan de Morais – Direito – UNISINOS/Brasil Profª. Drª. Kathrin Lerrer Rosenfield – Filosofia, Literatura e Artes – UFRGS/Brasil Profª. Drª. Katia Ballacchino – Antropologia Cultural – Università del Molise/Itália Profª. Drª. Lilia Maia de Morais Sales – Direito – UNIFOR/Brasil Prof. Dr. Luís Manuel Teles de Menezes Leitão – Direito – Universidade de Lisboa/Portugal Prof. Dr. Luiz Rodrigues Wambier – Direito – UNIPAR/Brasil Profª. Drª. 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Theobaldo Spengler Neto – Direito – UNISC/Brasil SUMÁRIO PREFÁCIO......................................................................................................................... 6 A CONCILIAÇÃO COMO ALTERNATIVA À JURISDIÇÃO ESTATAL NA BUSCA POR UMA JUSTIÇA EFETIVA E CÉLERE................................................................... 9 Caroline Pessano Husek Silva, Fabiana Marion Spengler & Ismael Saenger Durante O FÓRUM MÚLTIPLAS PORTAS E OS POSSÍVEIS CAMINHOS PARA SOLUCIONAR OS CONFLITOS................................................................................................................ 27 Helena Pacheco Wrasse & Guilherme Dornelles A TRANSDISCIPLINARIDADE NA MEDIAÇÃO COMO FORMA DE SOLUÇÃO DOS CONFLITOS FAMILIARES............................................................................................ 46 Francisco Ribeiro Lopes & Lilian Thais Konzen MEDIAÇÃO ENQUANTO NOVA POSSIBILIDADE FRENTE À PRISÃO DO DEVEDOR DE ALIMENTOS.......................................................................................... 62 Marieli Trevisan & Theobaldo Splengler Neto A COMPOSIÇÃO DE CONFLITOS NO ÂMBITO TRIBUTÁRIO COMO FORMA DE POLÍTICA PÚBLICA DE INCLUSÃO SOCIAL.......................................................... 78 Charlise P. Colet Gimenez & Roberta Marcantônio MEDIAÇÃO DE CONFLITOS NA ESFERA DO PODER PÚBLICO: UMA EQUAÇÃO (IM)POSSÍVEL?................................................................................................................ 95 Josiane Caleffi Estivalet MEDIAÇÃO SOCIOAMBIENTAL: APONTAMENTOS PARA UM FUTURO POSSÍVEL.......................................................................................................................... 112 Cássio Alberto Arend, Dianifer Moraes dos Santos & Luana Elisa Funck A MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA COMO POLÍTICA PÚBLICA TRANSFORMADORA DA SOCIEDADE............................................................................................................... 131 Rodrigo Nunes Kops, Evelyn Caroline Jora & Ana Paula Zitzke A MEDIAÇÃO COMO PROPOSTA DE PACIFICAÇÃO DOS CONFLITOS ESCOLARES..................................................................................................................... 149 Daiana Queli Knod & Vanessa Gomes Ferreira 6 Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem PREFÁCIO Desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, há vinte e seis anos – recém- -completados −, vimos presenciando, em nosso país, um verdadeiro “boom” contencioso, com o vertiginoso aumento do volume de litígios submetidos ao Poder Judiciário. A redemocratiza- ção, aliada a nossa tradição de “civil law”, marcada pela cultura de judicialização dos confli- tos, foi o fermento para o significativo crescimento do número de ações judiciais nas últimas décadas. No entanto, até aqui, a ciência processual pátria não havia conseguido apresentar res- postas eficazes para conciliar seus compromissos com a garantia do acesso à justiça, de um lado, – que exige solucionar todos os litígios que eclodirem em nossa sociedade, independen- temente de suas proporções numéricas −, e a duração razoável e a efetividade, de outro lado. A sociedade brasileira, durante essas duas décadas e meia, recrudesceu as suas exigên- cias por Justiça, passando a ansiar que a ciência processual cumpra com os seus compromissos, a fim de que os litígios sejam solucionados, a um só tempo, com celeridade e efetividade. Portanto, foi-nos confiado equacionar a delicada situação em que o número de litígios se agiganta e, ao mesmo tempo, a sociedade nos cobra que a sua solução seja rápida e efetiva. Nesse contexto, emergem os meios alternativos de solução dos conflitos. O Poder Judiciário encontra-se assoberbado, não logrando pôr fim ao grande volume de processos judiciais. O Conselho Nacional de Justiça acabou de divulgar que, atualmente, tramitam no Brasil 78 milhões de processos, sendo que, até 2020, estima-se que 114 milhões de ações estarão aguardando julgamento em nosso país. Por mais que sejam estabelecidas metas a serem cumpridas pelos órgãos jurisdicionais e estes se esforcem vigorosamente em seu cumpri- mento, reconhece-se, hoje, a impossibilidadede se prestar a jurisdição de forma justa, efetiva e em tempo razoável a toda essa gama de litígios. A busca por meios adequados de solucionar controvérsias que dispensem a intervenção do Estado-Juiz passou a contar com o apoio do próprio Poder Judiciário, que encampou campa- nhas e mutirões de Conciliação e, mais recentemente, vem fomentando a Mediação. Embora o movimento em prol dos meios alternativos de solução de conflitos tenha se robustecido em virtude do clamor por soluções mais rápidas e que desonerassem o Judiciário brasileiro, a sua importância vai muito além. Em muitos casos, a solução adjudicativa (prestação jurisdicional estatal) não se mostra o meio mais adequado, seja porque impõe às partes uma decisão que não foi por elas direta- mente cunhada, seja porque exaspera as posições antagônicas, ao fixar as figuras de vencedor e vencido, dentre outros fatores. Não se trata, pois, apenas de recorrer aos meios alternativos de solução de conflitos 7Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem como forma de contornar o assoberbamento do Poder Judiciário brasileiro. Tais mecanismos, em verdade, têm o valioso potencial de, se bem aplicados, oferecer respostas céleres, efetivas e que contam com a participação direta dos interessados, contribuindo para a preservação das relações entre eles. Trata-se, portanto, de meios de solução de conflitos que logram equilibrar a difícil e atávica tensão entre celeridade e efetividade/justiça. Passados vinte e seis anos, e com a nossa democracia mais amadurecida, a sociedade brasileira tem condições de se valer de mecanismos de solução de conflitos que pressuponham o protagonismo dos próprios interessados, como é o caso da conciliação e da mediação, suplan- tando o modelo tradicional de solução adjudicativa estatal. A disseminação, em nossa cultura, da utilização dos meios alternativos de solução dos conflitos, especialmente da conciliação e da mediação, passa, necessariamente, pela produção acadêmica nacional. Iniciativas como a da presente obra, em que pesquisadores brasileiros se empenham em trazer à baila questões atuais sobre os meios alternativos de solução de conflitos, são de capital importância para mostrar aos profissionais do Direito toda a gama de possibilidades de utiliza- ção de tais mecanismos e traçar veredas seguras pelas quais se possa caminhar daqui em diante. Somente a partir da multiplicação de experiências frutuosas com a conciliação e a me- diação que o jurisdicionado brasileiro logrará se desapegar de nossa tradição beligerante e tor- nar-se um entusiasta das soluções consensuais. A presente obra coletiva, coordenada pelos Professores Fabiana Marion Spengler e Theobaldo Spengler Neto, reúne trabalhos que analisam questões extremamente atuais e das mais variadas temáticas relacionadas à mediação e à conciliação. Oferecem estudos, com fun- damentação teórica consistente e coerente, a questões desafiadoras como a aplicação de solu- ções consensuais a controvérsias tributárias, a utilização da mediação em litígios que envolvam o Poder Público, em conflitos escolares e questões socioambientais, e, inclusive, como uma alternativa à prisão do devedor de alimentos. Trata-se de uma obra de grande relevo teórico e prático, que trata, corajosamente, de temas de grande repercussão e que podem ampliar significativamente o espectro de aplicação da conciliação e da mediação em nosso país. Merece todos os aplausos a iniciativa dos Professores Fabiana Marion Spengler e Theo- baldo Spengler Neto, muito bem executada por todos os seus colaboradores, por ter o grande mérito de procurar trazer respostas embasadas aos novos e variados desafios surgidos com a aplicação da conciliação e da mediação no Brasil. Trata-se de um projeto que congrega gra- duandos, Mestres e Doutores, sendo resultado dos estudos e debates realizados durante os tra- balhos do grupo de pesquisa “Políticas Públicas no tratamento dos conflitos”, da Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC. Iniciativas como esta são as responsáveis por traçar caminhos seguros que todos nós 8 Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem possamos trilhar rumo à desejável valorização dos meios alternativos de solução de conflitos em nosso país e à inauguração de uma nova cultura pacifista e de consenso entre nós. Parabenizo os coordenadores do projeto, Professores Fabiana Marion Spengler e Theo- baldo Spengler Neto, e os autores Caroline Pessano Husek Silva, Ismael Saenger Durante, Helena Pacheco Wrasse, Guilherme Dornelles, Francisco Ribeiro Lopes, Lilian Thais Konzen, Marieli Trevisan, Charlise P. Colet Gimenez, Roberta Marcantônio, Josiane Caleffi Estivalet, Cássio Alberto Arend, Dianifer Moraes dos Santos, Luana Elisa Funck, Rodrigo Nunes Kops, Evelyn Caroline Jora, Ana Paula Zitzke, Daiana Queli Knod e Vanessa Gomes Ferreira, pelo belo trabalho realizado, ao tempo em que recomendo vivamente a sua leitura. Rio de Janeiro, 12 de novembro de 2014. Flávia Pereira Hill Mestre e Doutora em Direito Processual pela UERJ. Professora Adjunta de Direito Processual Civil da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ. Redatora-Chefe da Revista Ele- trônica de Direito Processual – REDP. Tabeliã. 9Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem A CONCILIAÇÃO COMO ALTERNATIVA À JURISDIÇÃO ESTATAL NA BUSCA POR UMA JUSTIÇA EFETIVA E CÉLERE1 Caroline Pessano Husek Silva Estudante de Direito na Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC, RS, Brasil. Atualmente no oitavo semestre. Bolsista FAPERGS vinculada ao projeto de pesquisa intitulado “Acesso à justiça, jurisdição (in)eficaz e media- ção: a delimitação e a busca de outras estratégias na resolução de conflitos”, integrante do Grupo de Pesquisa: “Políticas Públicas no Tratamento de Conflitos”, vinculado ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq, coordenado pela Professo ra Pós-Doutora Fabiana Marion Spengler e vice-liderado pelo Professor Mestre Theobaldo Spengler Neto. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/4618305809219082. Endereço eletrônico: carolinehusek@hotmail.com. Fabiana Marion Spengler Pós-doutora em Direito, Doutora em Direito pelo programa de Pós-Graduação stricto sensu da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS – RS, mestre em Desenvolvimento Regional, com concentração na área Polí- tico Institucional da Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC – RS, Brasil, docente dos cursos de Graduação e Pós-Graduação lato e stricto sensu da última instituição, Líder do Grupo de pesquisa “Políticas Públicas no Trata- mento dos Conflitos” certificado ao CNPQ, advogada. Endereço eletrônico: fabiana@unisc.br. Ismael Saenger Durante Estudante de Direito na Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC, RS, Brasil. Atualmente no sexto semestre. Bolsista CNPq vinculada ao projeto de pesquisa intitulado “Acesso à justiça, jurisdição (in)eficaz e mediação: a delimitação e a busca de outras estratégias na resolução de conflitos”, integrante do Grupo de Pesquisa: “Políticas Públicas no Tratamento de Conflitos”, vinculado ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tec- nológico – CNPq, coordenado pela Professo ra Pós-Doutora Fabiana Marion Spengler e vice-liderado pelo Pro- fessor Mestre Theobaldo Spengler Neto. Currículo Lattes: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv. do?id=K4619338A6. Endereço eletrônico: ismaeldurante@hotmail.com INTRODUÇÃO Dentre os três poderes, o judiciário2 é o que vem sendo o maior alvo de preocupação em meio a teóricos e juristas. Por muito tempo se confiou aos tribunais e aos juízes todas as mazelas que emergiram da sociedade, passada e contemporânea. 1 O presente texto foi produzido mediante pesquisa junto ao projeto: “Acesso à justiça, jurisdição (in)eficaz e mediação: a delimitação e a busca de outras estratégias na resolução de conflitos”,financiado pelos recursos do Edital FAPERGS nº 02/2011 – Programa Pesquisador Gaúcho (PqG), edição 2011 e pelos recursos do Edital CNPq/CAPES nº 07/2011, processo nº 400969/2011-4. 2 O que se preconiza atualmente é que o Estado não é o único – e, algumas vezes, sequer o mais adequado – ente vocacionado para esta função, que pode muito bem ser exercida por particulares, algumas vezes com resultados mais proveitosos do que aqueles obtidos no âmbito judiciário”. (ARRUDA ALVIM NETO, 2011, p. 197). 10 Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem Afinal, o Poder Judiciário foi concebido para tal função, tendo em vista que a Consti- tuição Federal de 1988 estabelece preceitos fundamentais de acesso à justiça e de a mesma ser célere e efetiva para dirimir os problemas a ele direcionados. Entretanto, evidente está que o Judiciário encontra-se sobrecarregado e, deste modo, caminha a passos lentos para dissolução dos litígios que lhe são submetidos diariamente, isto decorre do grande aumento do número de conflitos que se apresentam atualmente, oriundos de uma cultura na qual não há espaço para o diálogo entre os litigantes. Assim, os métodos alternativos à jurisdição, tais como a conciliação, fazem-se neces- sários para auxiliar o Poder Judiciário nesta árdua tarefa de solucionar as lides, tendo em vista que objetivam atingir uma solução pacífica e voluntária do litígio que proporcione um acordo equitativo para as partes envolvidas. Logo, estes métodos são dotados de grande celeridade, dinamicidade e evitam que mais demandas cheguem à jurisdição estatal. Mas é interessante lembrar que cabe ao jurisdicionado, a sociedade, fazer uma mudança de conceitos que acarretem em uma mudança social generalizada. É preciso que o cidadão veja em si a capacidade e a maturidade de resolver seus conflitos com base no diálogo e de um enten- dimento mútuo entre as partes. É preciso entender que o Juiz não é um super-herói onipresente, pelo contrário. O entendimento deve partir da consciência de que seu problema apenas será mais um entre milhares e a celeridade, que não existiria no sistema atual, pode ser alcançada por outros meios. Deste modo, abordar-se-á neste trabalho a conciliação como método eficaz para dirimir os mais variados tipos de litígios. Assim, o presente artigo possui como escopo primordial con- ceituar conciliação e apresentar esta alternativa como meio adequado para diminuir a demanda do Poder Judiciário. Além disso, objetiva apresentar números, referentes à Semana Nacional da Conciliação realizada no Brasil, que confirmem a eficácia da conciliação como método alterna- tivo à jurisdição estatal. Para que se alcance uma apropriada compreensão acerca do assunto será exposto um texto de forma breve para que se atinja este objetivo. Assim, inicialmente, a crise atual da jurisdição estatal no Brasil será abordada para que se comprovem os motivos pelos quais é necessária a utilização da conciliação como meio propício no tratamento dos conflitos. Logo em seguida, será oferecido um breve conceito acerca do método aqui trabalhado. Por fim, a conciliação será apresentada, através dos Números da Semana Nacional da Conciliação, como instrumento apropriado para solucionar os mais diversos tipos de divergências. Para tornar plausível a elaboração do presente artigo utilizou-se o método estrutura- lista, o qual partiu da análise de um fenômeno concreto: a conciliação, elevando-se para um nível abstrato de discussão acerca dos elementos constitutivos e aplicáveis ao objeto em tela, retornando ao final, novamente, para o mundo concreto e a aplicabilidade da conciliação como 11Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem forma de solucionar os conflitos. A técnica de pesquisa empregada foi a bibliográfica, tendo em vista que para a elaboração deste trabalho foram utilizados artigos, sites e livros dos quais foram abstraídos conceitos e definições imprescindíveis. 1 CRISE DA JURISDIÇÃO ESTATAL Infelizmente, nos últimos anos, instaurou-se uma cultura alarmante na comunidade bra- sileira sobre a necessidade de que todos os problemas que surgem no convívio social devem ser discutidos em uma sala de audiência. O cidadão esqueceu sua própria autonomia, entregando-a a um sistema que não consegue lidar de imediato com miudezas. Evidente que o inciso XXXV do art. 5º da Constituição Federal prevê o chamado princípio da inafastabilidade do Poder Judi- ciário. A questão a ser levantada é justamente o quão ineficaz tal princípio se encontra quando o mesmo vem sofrendo certo abuso daqueles que visa proteger. Quando se vai mais a fundo e se busca um início para o problema, talvez o mesmo se encontre justamente no surgimento e consagração de novos princípios e normas de direitos e garantias que definiram limites em uma esfera mais particular. Essas garantias nascem do dese- jo da população recém-saída de um sistema de governo, que se utilizava da Constituição para satisfazer suas próprias necessidades. O cidadão precisava se sentir amparado pela lei e pelo Estado novamente, mas isso, infelizmente, tornou-se um comodismo. Cabem aqui algumas considerações de Lucas: a consagração de novos direitos e de novos atores fez com que o conflito social se transmutasse da zona política para a seara judicial, campo legítimo para responder as demandas sociais que, agora em diante, também passam a ser questões jurídicas. Instala-se assim uma realidade paradoxal, caracterizada, ao mesmo tempo, pela con- sagração formal de direitos sociais, provocadora de uma explosão de litigiosidade e pela incapacidade da estrutura judiciária em responder a essa mesma explosão, que por problemas de natureza organizacional, quer por problemas advindos da crise teó- rica do modelo liberal de Jurisdição (2005, p. 174). O legislador transformou problemas da vida cotidiana em problemas jurídicos, mas cabe à própria sociedade transmutar essa “deficiência”. Só porque tal garantia (trata-se aqui de ga- rantias normativas que invadem a esfera privada) é encoberta pela lei, necessariamente precisa- -se fazer uso da mesma para resolver um provável surgimento de litígio? 1.1. Uma Justiça Mecânica E se o conflito surgir (e vai) será que pode ser sanado em um órgão cuja mecanicidade impera em contraponto da razão e emoção que são intrínsecos ao problema social que emergiu? 12 Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem Continua Lucas: [...] do mesmo modo, o judiciário foi estruturado para operar por meio de uma lógica racional-legal que nega a complexidade, que valoriza exageradamente as formalida- des e os procedimentos decisórios de tempo diferido e que mascara a substancialidade dos conflitos sociais e econômicos pela adoção de fórmulas e conceitos reducionistas afinados com uma cultura de conservação do projeto liberal – individualista (2005, p. 178). O sistema atual de jurisdição torna-a fria e cada vez mais distante do jurisdicionado que pretendia ver seus problemas (e novamente, problemas de cunho mais emocional e afetivo) se- rem tratados de forma diferente. O Poder Judiciário e seus representantes existem para validar e interpretar uma norma já existente. Uma norma que nasce de um rito automatizado, sendo assim, como sua aplicação poderia se sobressair de forma diferente? Vale ressaltar mais uma observação de Lucas (2005, p. 179) “o Poder Judiciário molda- do pelo Estado moderno estabelece um conjunto de procedimentos decisórios de base racional- -formal que negam a política e os conteúdos valorativos das demandas sociais”. Ou seja, para o judiciário pouco importa (em razão de sua quantidade massiva de casos) as razões de y ter um desentendimento com x. Ambos farão parte de mais uma das milhares de equações engavetadas nos cartórios judiciais. 1.2 Os problemas da Jurisdição Segundo uma pesquisa realizada pelo Conselho Nacional de Justiça em 2009,em seu relatório Justiça em Números, há cerca de 8.193 processos por magistrado, é como se cada um deles, para dar conta da demanda, tivesse que analisar 40 processos por dia. Este celebríssimo sistema estatal de justiça é lento e ineficaz para lidar com a quantidade massiva de casos e mais casos que se arquivam em seus gabinetes. Esses casos que surgem aos montes, devido ao fenômeno já mencionado, chocam-se contra a grande muralha burocrática criada pela justiça, e lá se estagnam. Esmiuçando um pouco mais o problema que se vem enfrentando, Spengler (2012, p. 20) delimita a crise do judiciário brasileiro em dois momentos: uma crise de identidade e uma quanto à eficácia. Como o problema de identidade, o judiciário (não só este, mas o Estado como um todo) vem notando que seu espaço, como o grande mediador de conflitos, está sendo reduzido por ou- tros centros3 de poder que se mostram mais aptos a resolver problemas da sociedade moderna. Continua ainda Spengler: 3 Surgimentos de ONGs, parcerias econômicas, movimentos sindicais e demais associações trabalhistas conseguem tratar o litígio (que tem como protagonistas estes mesmos centros e seus associados) de uma forma mais direta e com uma visão muito mais aguçada acerca dos reais interesses de ambos os lados. 13Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem não se pode perder de vista, também, que o aparato judicial para tratar os conflitos atuais serve-se de instrumentos e códigos muitas vezes ultrapassados, ainda que for- malmente em vigor, com acanhado alcance e eficácia reduzida. Tal eficácia e alcance muitas vezes atingem somente os conflitos interindividuais, não extrapolando o do- mínio privado das partes, encontrando dificuldades quando instado a tratar de direitos coletivos ou difusos (2012, p.20). Já na crise de eficiência, o judiciário se vê incapacitado de lidar de forma legítima e razoável com a complexa malha de litígios que emanam da sociedade contemporânea. É uma regra de oferta e demanda (por parte da jurisdição) cada vez mais desbalanceada e frágil. Dito isso, exis- te ainda, entre os cidadãos mais marginalizados, uma total descrença da justiça uma vez que estes desconhecem por completo seus símbolos, ritos e sua linguagem complexa, ora, isso sem falar da demora de um processo que se estende por anos, desnorteando ainda mais o cidadão leigo quanto aos seus reais direitos. Desdobrando-se ainda dentro da crise de eficácia, Spengler leciona mais alguns proble- mas. Primeiramente, quanto à estrutura, “traduzida pelas dificuldades quanto à infraestrutura de instalações, de pessoal, de equipamentos e de custos.” (SPENGLER, 2012, p. 21). Um segundo momento é a chamada crise objetiva; já vista anteriormente, este segmento trata da linguagem extremamente formal usada no rito do processo, o grande problema a ser apontado é que muitas vezes a jurisdição atual põe o rito acima da resolução eficaz do próprio problema. Segue-se então com a crise subjetiva ou tecnológica que encara os problemas dos ope- radores de direito tradicionais, com seus pensamentos já engessados e a dificuldade de se adap- tarem ao dinamismo social presente. Pode-se olhar para a origem desse problema desde as grades curriculares das universidades com um modelo de aprendizado “mecânico e acrítico” desenvolvendo uma cultura focada apenas na leitura de manuais4. O conflito é uma engrenagem importante da máquina judiciária, ao analisar e ao tentar buscar uma resolução para ele é que o direito se locomove, evoluindo e expandido seus con- ceitos e ideias, claro que sempre acompanhando o contexto histórico/social da sociedade que lançará tais conflitos. Já se podem sentir algumas mudanças. O próprio direito moderno que anseia uma cele- ridade processual definitiva buscou e já encontrou formas de resolver litígios que por vezes não cabem na estrutura judiciária de imediato, neste cenário, encontra-se a conciliação, analisada a seguir, como exemplo de via célere e alternativa à jurisdição estatal. 2 CONCILIAÇÃO Conforme o artigo 5ª, XXXV, da Constituição Federal de 1988 “a lei não excluirá da 4 Faculdades de Direito, em boa hora, estão incluindo em seus currículos disciplinas sobre os meios alternativos de solução de conflitos, o que significa o início da mudança da maneira de se fazer justiça e se resgatar a paz social. Não há como o profissional do Direito ser agente de mudança nesse sentido, se teve uma formação baseada única e exclusivamente na cultura do litígio. E o advogado que solucionar conflitos que cheguem ao seu conhecimento através do acordo, além de estar dando solução mais rápida, pacífica e menos onerosa, estará sendo beneficiado, pois receberá seus honorários com mais rapidez e menos trabalho. (SILVA, 2008, p. 29). 14 Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” (BRASIL, 1988) assim, todos os cidadãos podem acionar o Poder Judiciário para reivindicar os direitos quando estes forem le- sados ou simplesmente ameaçados. Entretanto, como já mencionado, a jurisdição estatal encontra-se sobrecarregada, em decorrência do grande número de demandas que lhe são submetidas cotidianamente, desta for- ma, não consegue resolver de maneira célere e eficaz as pretensões dos cidadãos, fazendo surgir no seio da sociedade um grande sentimento de injustiça. Neste cenário surge a conciliação como um método mais apropriado para aqueles que desejam que seus litígios sejam solucionados com maior rapidez e baixo custo operacional, por exemplo. Pode-se, em síntese, afirmar que a conciliação é um meio através do qual um terceiro apresenta sugestões e opiniões relativas ao conflito, cabendo às partes aceitarem-nas ou não (SPENGLER; OLIVEIRA, 2013). Segundo Calmon (2008, p. 142): entende-se como conciliação a atividade desenvol vida para incentivar, facilitar e au- xiliar a essas mesmas partes a se autocomporem, adotando, porém, metodo logia que permite a apresentação por parte do concilia dor, preferindo-se, ainda, utilizar este vocábulo exclusi vamente quando está atividade é praticada diretamen te pelo juiz ou por pessoa que faça parte da estrutura judiciária especificamente destinada a este fim. Assim, a conciliação apresenta-se como método alternativo à jurisdição estatal e seu principal escopo é a realização de um acordo, buscando, desta forma, que não haja a continua- ção do litígio. Vale destacar que a conciliação pode ser utilizada em quase todos os casos: pensão alimentícia, divórcio, desapropria- ção, inventário, partilha, guarda de menores, acidentes de trânsito, dívidas em bancos e financeiras e problemas de condomínio, entre vários outros. (2014, www.cnj.jus.br). Entretanto, não existe possibilidade de utilizar a conciliação para os casos envolvendo crimes contra a vida (homicídios, por exemplo). E também nas situações previstas na Lei Maria da Penha. (Ex.: denúncia de agressões entre marido e mulher). (2014, www. cnj.jus.br). Percebe-se assim que a conciliação pode ser utilizada para se atingir um acordo para os mais variados tipos de conflitos, entretanto, este método é utilizado, geralmente, no tratamento de litígios em que “as partes não possuam uma relação contínua, deste modo, existe a possibili- dade de pôr um fim ao litígio ou até mesmo ao processo judicial de forma mais rápida e direta” (SPENGLER; SILVA, 2013, p. 135). Segundo Silva, 15Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem a conciliação é, também, uma forma de resolução de controvérsias na relação de inte- resses, administrada por um conciliador, a quem compete aproximá-las, controlar as negociações, aparar as arestas, sugerir e formular propostas, apontar vantagens e des- vantagens, objetivando sempre a composição do conflito pelas partes. (2008, p. 26). Pode-se notar que, na conciliação, existe a presença de um terceiro intermediário,de- signado como conciliador, a tarefa deste é de suma importância e a ele cabe intervir de forma ativa na solução do litígio, podendo, desta forma, apresentar os pontos positivos e negativos do possível acordo. Importante destacar que compete ao conciliador objetivar sempre que as partes alcancem uma solução que coloque um fim real ao seu imbróglio. Assim, percebe-se que neste método não cabe jamais qualquer imposição, ou seja, cabe aos conciliadores a tarefa de tão somente realizar sugestões e/ou propor algum acordo que en- cerre o litígio, entretanto, como já mencionado, são as partes que possuem o poder de aceitar ou não a possível solução dos seus conflitos. Vale destacar que a conciliação apresenta-se como um método alternativo capaz de so- lucionar tanto demandas jurídicas quanto extrajudiciais. Assim, quando já existe um processo, basta que um dos envolvidos no litígio demonstre a vontade de conciliar, isto é, a intenção de realizar um acordo. Em seguida, será marcada uma audiência e nesta as partes terão a oportu- nidade, juntamente com o conciliador, de alcançarem uma convenção que satisfaça a todos os envolvidos. (2014, www.cnj.jus.br). Entretanto, cabe também a chamada conciliação pré-processual que ocorre nos casos em que o conflito ainda não foi judicializado. Desta maneira, podem as partes atingir um resultado que coloque um fim real ao conflito em questão. (2014, www.cnj.jus.br). Através da conciliação, busca-se que a sociedade adquira uma cultura em que os cida- dãos entendam que o diálogo entre os litigantes é a melhor opção para que se chegue a uma solução satisfatória para todos os envolvidos, tendo em vista que além dos diversos aspectos positivos aqui demostrados, ocasiona também uma grande satisfação para as partes. Logo, pode-se perceber que a conciliação encaixa-se no papel de auxiliar do Poder Judiciário, fazendo com que os mais diversos tipos de conflitos, que poderiam demorar anos para serem solucionados pela via tradicional, sejam positivamente solucionados. Assim, sem dúvida, a conciliação está a cada dia se solidificando como método alternativo eficaz, rápido e satisfatório para solucionar litígios das mais diversas searas5. 5 A Conciliação resolve tudo em um único ato, sem necessidade de produção de provas. Também é barata porque as partes evitam gastos com documentos e deslocamentos aos fóruns. E é eficaz, porque as próprias partes chegam à solução dos seus conflitos, sem a imposição de um terceiro (juiz). É, ainda, pacífica, por se tratar de um ato espontâneo, voluntário e de comum acordo entre as partes. Disponível em: http://www.cnj.jus.br/programas-de-a- a-z/acesso-a-justica/conciliacao. Acesso em: 04 jul. 2014. 16 Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem 2.1 Principais diferenças entre a conciliação e mediação Como já mencionado, o Judiciário encontra-se sobrecarregado, não conseguindo satis- fazer as pretensões dos cidadãos de maneira eficaz. Logo, a mediação e a conciliação, vistas como métodos alternativos, se fazem cada vez mais necessárias como trajeto alternativo ao Poder Judiciário. Estes meios devem servir para auxiliar a Jurisdição Estatal para que haja um adequado andamento das soluções dos conflitos. Entretanto, é indispensável diferenciar estes métodos alternativos6 para que se possa aplicá-los corretamente, sempre tendo em vista que estes se assemelham por se tratarem de meios em que as partes devem voluntariamente chegar a um acordo que venha a atender as necessidades de todos os litigantes. Tanto a mediação quanto a conciliação buscam a realização de um acordo de vontades, entretanto, diferenciam-se no caminho trilhado, para que seja alcançado este escopo. A mediação é um meio de solucionar conflitos, neste método existe a figura de um ter- ceiro, denominado mediador, o qual não está envolvido no litígio. A tarefa deste é tão somente facilitar o diálogo entre os litigantes e que assim estes possam estabelecer a melhor dissolução para seus problemas. Conforme o Conselho Nacional de Justiça: a Mediação pode ser mais demorada e até não terminar em acordo, como sempre acontece na Conciliação. Mas, mesmo assim, as partes têm considerado a Mediação bastante positiva, pois, ao final dos debates, os envolvidos estão mais conscientes e fortalecidos. (2014, www.cnj.jus.br). Assim, percebe-se que o principal objetivo da mediação não é chegar a um acordo, mas sim restabelecer o diálogo entre as partes e satisfazer os interesses e necessidades daqueles que estão envolvidos no conflito. Logo, a mediação, geralmente, pode ser mais demorada, se comparada à conciliação, e até mesmo não terminar em acordo. Entretanto, mesmo que não se chegue a uma convenção final, as partes saíram ganhando de algum modo. Na mediação, os litigantes devem chegar a uma avença sem que haja a interferência do mediador7, assim estes devem chegar a um acordo voluntariamente e sozinhos. Percebe-se assim que a função deste terceiro é, como já visto, reestabelecer o diálogo entre as partes, não devendo, portanto, conduzir algum acordo, julgar ou aconselhar as partes, pois, deste modo, a mediação seria confundida com a conciliação. 6 A conciliação é conhecida e utilizada em todo o País e, a partir da “Semana da Concilia ção”, ganhou novo impulso e mais adeptos. Diferencia-se, pois, a mediação da conciliação pelo fato de que na segunda o tratamento dos conflitos é superficial, encontrando-se um resultado, muitas vezes parcialmente satisfatório. Já na primeira, existindo acordo, este apresenta total satisfação dos media dos. (SPENGLER, 2014, p. 42). 7 Neste sentido, conforme Spengler, “isso se dá porque a mediação é uma arte na qual o mediador não pode se preocupar em intervir no conflito, oferecendo às partes liberdade para tratá-lo” (2014, p. 54). 17Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem Observa-se assim que a tarefa do mediador é de suma importância, pois a ele cabe a difícil missão de manter o equilíbrio entre as partes, detentoras da capacidade decisória. Tendo em vista as semelhanças existentes entre a mediação e a conciliação, estes dois institutos são frequentemente confundidos. Assim, é fundamental a diferenciação destes con- ceitos. Expõe Spengler que a diferença fundamental entre conciliação e mediação reside no conteúdo de cada institu to. Na conciliação, o objetivo é o acordo, ou seja, as partes, mesmo adversárias, devem chegar a um acordo para evitar o processo judicial ou para nele pôr um pon- to final, se por ventura ele já existe. Na conciliação, o conciliador sugere, interfere, aconselha, e na mediação, o mediador facilita a comunica ção sem induzir as partes ao acordo. Na conciliação, resolve-se o conflito exposto pelas partes sem analisá-lo com profundidade. (2014, p. 104). Em síntese, pode-se afirmar que “na conciliação, o conciliador sugere, interfere, acon- selha, e na mediação, o mediador facilita a comunicação sem induzir as partes ao acordo” (SPENGLER, 2010, p. 36). Logo, pode-se compreender que o terceiro envolvido na concilia- ção, denominado conciliador, poderá intervir de forma ativa no acordo, diferentemente do que acontece na mediação. Desta forma, na conciliação também existe a figura de um terceiro, contudo, este poderá apresentar os pontos positivos e negativos da possível avença, tendo sempre como objetivo a solução do conflito. Conforme Cahali, a conciliação é mais adequada à solução de conflitos objetivos, nos quais as partes não tiveram convivência ou vín- culo pessoal anterior, cujo encerramento se pretende. O conflito é circunstancial, sem perspectiva de gerar ou restabelecer uma relação continuada envolvendo as partes. Exemplos usuais de situações em que a conciliação é recomendada são: acidentes de trânsito e responsabilidade civil em geral; divergências comerciais entre consumido e fornecedor do produto, entre clientes e prestadora de serviços, etc. (2011,p. 37). Importante destacar que a mediação possui como escopo principal reconstituir o diálo- go entre os litigantes, sem esquecer que existe entre estes uma relação anterior ao embate que precisa ser mantida e conservada. Por outro lado, na conciliação, via de regra, não há qualquer relacionamento próximo e contínuo, podendo, assim, buscar um fim imediato à divergência8. 8 Longe de pretender apresentar distinções definitivas entre formas autocompositivas de solução de conflitos, é importante trazer algumas reflexões distintivas entre conciliação e mediação, a partir dos vínculos e relações entre as partes. A conciliação, em um dos prismas do processo civil brasileiro, é opção mais adequada para resolver si- tuações circunstanciais, como uma indenização por acidente de veículo, em que as pessoas não se conhecem (o único vínculo é o objeto do incidente), e, solucionada a controvérsia, lavra-se o acordo entre as partes, que não mais vão manter qualquer outro relacionamento; já a mediação afigura-se recomendável para as situações de múltiplos vínculos, sejam eles familiares, de amizade, de vizinhança, decorrentes de relações comerciais, trabalhistas, entre outros. Como a mediação procura preservar as relações, o processo mediacional bem como conduzido permite a 18 Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem Vale ressaltar que os acordos alcançados através da conciliação ou da mediação possuem validade jurídica. Assim, caso uma das partes não venha a cumprir o que foi convencionado através da utilização destes métodos, a parte prejudicada poderá recorrer à Jurisdição Estatal. Logo, é fácil perceber a eficácia da conciliação, assim, o Estado, através do Conselho Nacional de Justiça, lançou a campanha denominada “Semana Nacional da Conciliação” para que este método seja amplamente difundido na cultura jurídica brasileira e se possa pôr em prática a sua real celeridade. 3 EFICÁCIA DA UTILIZAÇÃO DA CONCILIAÇÃO ATRAVÉS DE RESULTADOS PRÁTICOS OBTIDOS NA SEMANA NACIONAL DA CONCILIAÇÃO NOS ÚLTIMOS TRÊS ANOS Em decorrência da atual deficiência em que se encontra o Poder Judiciário, consequên- cia do acúmulo de demandas, cada vez mais a sociedade clama por meios de dirimir os conflitos de maneira mais célere e eficaz. Assim, o Concelho Nacional de Justiça (CNJ) criou a “Semana da Conciliação”. Essa iniciativa acontece anualmente como resultado das ações do CNJ e dos tribunais que visam com este instituto incrementar a cultura do diálogo no país. (2014, www.cnj.jus.br). Conforme o CNJ, a Semana Nacional da Conciliação trata-se de campanha de mobilização, realizada anualmente, que envolve todos os tribunais brasileiros, os quais selecionam os processos que tenham possibilidade de acordo e intimam as partes envolvidas para solucionarem o conflito. A medida faz parte da meta de reduzir o grande estoque de processos na justiça brasileira. (2014, www.cnj.jus.br). Para que um processo integre a Semana Nacional da Conciliação é necessário que os tribunais participantes o selecionem, vale destacar que somente serão escolhidos aqueles casos em que existam chances de se obter um acordo9. Entretanto, todos aqueles cidadãos que tenham desejo de ter seu litigio incluído na campanha podem procurar com antecedência o tribunal em que seu processo tramita. (2014, www.cnj.jus.br). manutenção dos demais vínculos, que continuam a se desenvolver com naturalidade durante e depois da discussão da causa. (BACELLAR, 2011, p. 35-36). 9 As conciliações pretendidas durante a Semana são chamadas de processuais, ou seja, quando o caso já está na Justiça. No entanto, há outra forma de conciliação: a pré-processual ou informal, que ocorre antes do processo ser instaurado e o próprio interessado busca a solução do conflito com o auxílio de conciliadores e/ou juízes. (CNJ. Disponível em: http://www.cnj.jus.br/programas-de-a-a-z/acesso-a-justica/conciliacao. Acesso em: 10 jul. 2014). 19Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem Fonte: Conselho Nacional de Justiça (CNJ) http://www.cnj.jus.br/. A Semana da Conciliação utilizando-se de frases de impacto, tais como: “Quem concilia sempre sai ganhando” e “Conciliar é Legal”, conseguiu se fortalecer e, felizmente, hoje está difundida em todo país. Sua duração difere a cada ano. No ano de 2011, a campanha durou 5 dias, já em 2012, a duração foi de 8 dias, a maior dos últimos anos. Vale destacar que inicialmente, em 2006, a campanha chamava-se “Dia Nacional da Conciliação”, tendo em vista que ocorria somente em um único dia. Fonte: Conselho Nacional de Justiça (CNJ) http://www.cnj.jus.br/. A Semana da Conciliação conta com uma força de trabalho que envolve magistrados, juízes leigos, conciliadores e entre outros colaboradores10. O ano de 2012 foi o que contou com 10 A Semana da Conciliação envolve um número grande de magistrados e colaboradores, o que mui tas vezes significa 20 Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem a maior força de trabalho, sendo este número expressamente superior aos outros anos. Pode-se perceber que este valor elevado traz impacto no número de pessoas atendidas por participante, como se pode observar: Fonte: Conselho Nacional de Justiça (CNJ) http://www.cnj.jus.br/. Fonte: Conselho Nacional de Justiça (CNJ) http://www.cnj.jus.br/. gastos consideráveis e um acúmulo de processos a serem movimentados e julgados nos dias que antecedem a tal semana (organização e preparação), nos dias de sua realização (em função das audiências) e posteriormente (no momento de tabular e informar dados). O ideal seria que a conciliação fosse proposta e realizada por profissionais autônomos, preparados especialmente para o cargo e, tal como a previsão para os mediadores, remunerados para tanto. Essa alternativa evitaria o desvio da função de serventuários e especialmente magistrados, cuja principal incumbência é julgar. (SPENGLER, 2014, p. 37). 21Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem O maior número de pessoas atendidas na Semana da Conciliação foi constatado no ano de 2011, mas este índice se mantém com baixas quedas na comparação entre os anos de 2011 e 2013. Fonte: Conselho Nacional de Justiça (CNJ) http://www.cnj.jus.br/. A cada ano o número de acordos efetivados vem crescendo. Assim, conforme o gráfico abaixo, observa-se que no ano de 2013 este número foi significativo: Fonte: Conselho Nacional de Justiça (CNJ) http://www.cnj.jus.br/. A Justiça Federal é a que conta com a maior porcentagem de acordos efetivados, haven- 22 Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem do inclusive um aumento significativo a cada ano. Por outro lado, a Justiça do Trabalho é a que possui a menor porcentagem. Essa diferença talvez ocorra pelo tipo de litígio que tramita em cada Justiça, tendo em vista que na Justiça Comum são menores os impedimentos legais para que se realize a conciliação: Fonte: Conselho Nacional de Justiça (CNJ) http://www.cnj.jus.br/. Importante também destacar o comparativo entre o número de audiências marcadas e realizadas11 no decorrer destes últimos três anos, observando que houve um aumento no número destas, se comparado ao decréscimo do número daquelas: 11 Conforme Spengler, as audiências marcadas e não realizadas são “um entrave, uma vez que cada audiência marcada e não realizada significa um possível acordo não feito em outro processo que não teve oportuni dade de passar pela conciliação”. (2014, p. 38). 23Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem Fonte: Conselho Nacional de Justiça (CNJ) http://www.cnj.jus.br/. Fonte: Conselho Nacional de Justiça (CNJ) http://www.cnj.jus.br/. Em uma análise geral, os resultados alcançados pela Semana da Conciliação são positi- vos e a cada ano vêm sendo obtidosporcentagens maiores. Assim, com os dados apresentados, percebe-se que esta campanha lançada pelo CNJ vem, ano após ano, fortalecendo-se e sendo difundida no país, auxiliando assim, para que os meios alternativos à jurisdição ganhem força na cultura, esta que, muitas vezes, influencia para que o diálogo perca lugar para o conflito. CONCLUSÃO O Estado Brasileiro, através do Poder Judiciário, enfrenta, atualmente, uma crise advin- da da sobrecarga de demandas que lhe são submetidas cotidianamente. Logo, este não consegue 24 Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem solucionar de modo eficaz todas as pretensões, fazendo surgir um sentimento de injustiça nos cidadãos ao verem que seus anseios não estão sendo analisados como deveriam, tendo em vista que a gama de direitos assegurados na legislação não é efetivamente cumprida e garantida jus- tamente por aquele que possui como missão tal compromisso. A busca por soluções eficazes e céleres se tornou o escopo na sociedade atual, munida de intensa atividade social. Neste cenário, surge a conciliação como método alternativo ao tra- tamento de litígios. Quando se está diante de um conflito e se pretende solucioná-lo, via de regra, existem dois caminhos aptos a serem seguidos. O primeiro, e tradicional, será a busca pela jurisdição estatal, a qual irá julgar o embate, impondo, assim, uma decisão. Já na segunda via, encontra-se a autocomposição, isto é, um trajeto alternativo em que se aplicarão técnicas diversas para que os litígios sejam solucionados de forma célere e eficaz – como exemplo desta modalidade en- contram-se a conciliação e a mediação. A diferenciação entre mediação e conciliação é significante e de suma importância. Assim, pode-se apresentar a conciliação como um meio alternativo em que as partes buscam a solução do seu litígio com o auxílio de um terceiro imparcial, denominado conciliador, que deve auxiliar os litigantes a chegarem a um acordo satisfatório para todos. Este método é mais utilizado para relações não contínuas, nas quais se pode colocar um fim imediato ao embate. Já na mediação, as partes devem alcançar uma avença sem a interferência direta do ter- ceiro, denominado de mediador. Além disso, este método é mais empregado para relações con- tínuas, em que seja imprescindível manter e conservar o relacionamento das partes. Percebe-se assim que o mediador não possui um papel ativo quanto à constituição do acordo. O gradativo aumento do número de conflitos que se apresentam no cenário nacional tem acarretado o exaurimento do Poder Judiciário, fazendo com que a via tradicional de resolução de conflitos não mais acompanhe os anseios da sociedade contemporânea. Assim, neste panorama, a conciliação deve ser vista como aquele método que visa pro- porcionar uma prática alternativa à jurisdição estatal. Além disso, este meio vem ganhando cada vez mais um papel de destaque no que tange a solução de conflitos, pois atende às pretensões dos cidadãos ao solucionar seus embates de forma rápida, eficaz e com baixo custo, se confron- tado com o Poder Judiciário. Logo, a conciliação apresenta-se como uma via alternativa e eficaz, conforme os nú- meros apresentados na Semana Nacional da Conciliação, para dirimir os mais diferentes tipos de litígios e, desta forma, adapta-se impecavelmente na função de caminho auxiliar ao Poder Judiciário, tendo em vista que colabora para desafogar esta função imprescindível para o bom desenvolvimento da sociedade atual. 25Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem REFERÊNCIAS ARRUDA ALVIM NETO, Jose Manuel de. Manual de direito processual civil. 14. ed. São Paulo: Ed. RT. 2011. BACELLAR, Roberto Portugal. O Poder Judiciário e o paradigma da guerra na solução de conflitos. In: PELUSO, Antonio Cezar e RICHA, Morgana de Almeida (Coord). Conciliação e mediação: estruturação da Política Judiciária Nacional. Rio de Janeiro: Forense, 2011. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988. CAHALI, Francisco José. Curso de arbitragem. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. CALMON, Petrônio. Fundamentos da mediação e da conciliação. Rio de Janeiro: Forense, 2008. CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/programas- -de-a-a-z/acesso-a-justica/conciliacao>. Acesso em: 05 mai. 2014. CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/programas- -de-a-a-z/acesso-a-justica/conciliacao/semana-nacional-de-conciliacao>. Acesso em: 05 mai. 2014. LUCAS, D. B. A Crise Funcional do Estado e o cenário da Jurisdição desafiada. In: MORAIS, José Luis Bolzan de (Org). O estado e suas crises. Porto Alegre: livraria do advogado editora, 2005. SILVA, Antônio Hélio. Arbitragem, Mediação e Conciliação. In: LEITE, Eduardo de Oliveira (Coord.). Mediação, arbitragem e conciliação. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2008, v. 7. p. 17-38. SPENGLER, F. M. Retalhos de Mediação. Santa Cruz do Sul: Essere nel Mondo, 2014. SPENGLER, F. M. ; SPENGLER NETO, Theobaldo . A busca pacificação através das téc- nicas de composição de conflito baseadas na negociação. Diritto & Diritti, v. 29865, p. 1-21, 2010. Disponível em: <http://www.diritto.it/docs/29865-a-busca-da-pacifica-o-atrav-s-das-t-c- nicas-de-composi-o-de-conflito-baseadas-na-negocia-o>. Acesso em: 09 jul. 2013. SPENGLER, Fabiana Marion. A mediação como alternativa à jurisdição no tratamento de conflitos. Revista da Ajuris, v. 35, p. 119-138, 2008. 26 Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem SPENGLER, Fabiana Marion. Da jurisdição à mediação: por uma ou tra cultura no tratamen- to de conflitos. Ijuí: Unijuí, 2010. SPENGLER, Fabiana Marion.; WARTSCHOW, E. A crise da jurisdição e a cultura da paz: a mediação como meio democrático, autônomo e consensuado de tratar dos conflitos. Revista da Ajuris, v. 117, p. 131-142, 2010. SPENGLER, Fabiana Marion; MORAIS, José Luiz Bolzan de. Mediação e Arbitragem: Al- ternativas à jurisdição. 3. ed. rev. e atual. com o Projeto de Lei do novo CPC brasileiro (PL 166/2010), Resolução 125/2010 do CNJ. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012. SPENGLER, Fabiana Marion; OLIVEIRA, Luthyana Demarchi de. O Fórum Múltiplas Por- tas como política pública de acesso à justiça e à pacificação social. Curitiba: MULTIDEIA, 2013. SPENGLER, Fabiana Marion; SILVA, Caroline Pessano Husek. Mediação, Conciliação e Ar- bitragem como Métodos Alternativos na solução de conflitos para uma Justiça célere e eficaz. Revista Jovens Pesquisadores, v. 3, p. 124, 2013. 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Orientador: Fabiana Marion Spengler. 27Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem O FÓRUM MÚLTIPLAS PORTAS E OS POSSÍVEIS CAMINHOS PARA SOLUCIONAR OS CONFLITOS Helena Pacheco Wrasse Aluna do 10º semestre (graduanda) do curso de Direito da Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC, integrante do Grupo de Pesquisas: Acesso à justiça, jurisdição (in)eficaz e mediação: a delimitação e a busca de outras estra- tégias na resolução de conflitos. Guilherme Garibaldi Dornelles Aluno do 8º semestre do curso de Direito da Universidade de Santa Cruzdo Sul – UNISC, integrante do Grupo de Pesquisas: Acesso à justiça, jurisdição (in)eficaz e mediação: a delimitação e a busca de outras estratégias na resolução de conflitos. INTRODUÇÃO As relações sociais são marcadas por duas situações distintas: a harmônica e a conflitiva. Tem-se a primeira como a regra e a segunda como a exceção. A exceção acontece quando não se alcança o equilíbrio social e a igualdade. Dessa forma, busca-se a ordem e a estabilidade através da norma jurídica e do contrato social. E, quando não ocorre o cumprimento espontâneo de ambos, cabe ao Estado a tarefa de solucionar os conflitos sociais. O Estado (detentor do monopólio jurisdicional) designou o Poder Judiciário como sen- do a tradicional instituição para resolver controvérsias. No entanto, essa instituição se encontra em desequilíbrio decorrente das dificuldades e perturbações enfrentadas pelo Estado. Nesse contexto foi introduzido o Fórum Múltiplas Portas como meio eficaz de tratamen- to de conflitos. O Fórum consiste basicamente na análise da controvérsia e no encaminhamento dela para a alternativa (“porta”) considerada adequada para o tratamento daquela problemática. São apresentadas como “portas” as seguintes alternativas: a adjudicação, a arbitragem, a media- ção, a negociação, a conciliação, o julgamento privado, a análise neutra dos fatos através de um perito, o mini-trial, o ombudsman, summary jury trial e o med-arb ou arb-med. 1 CARACTERÍSTICAS E FUNCIONAMENTO Foi em uma Conferência realizada nos Estados Unidos, em 1976, através do trabalho do Professor Frank Sander da Universidade de Harvard que a sistematização do Fórum Múltiplas Portas ocorreu. O trabalho do Professor Sander se intitulava Varieties of Dispute Processing 28 Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem (BARBOSA, 2003) e abordava a possibilidade de introduzir no Poder Judiciário americano “múltiplos mecanismos de resolução de conflitos por meio de métodos alternativos” (NUNES; SALES, 2010, p. 217). De uma forma básica, a estrutura do Fórum se dá da seguinte maneira: a partir do conhe- cimento do conflito é realizada uma análise do mesmo, tentando identificar qual a forma mais eficaz de tratá-lo. Uma vez feita a triagem, ele é encaminhado para uma das “portas”, ou seja, para o mecanismo que melhor lhe convier. A princípio, cabe ressaltar que não existe uma determinação exata quanto aos proce- dimentos adequados a serem usados em um fórum de múltiplas portas, apenas alguns cuja utilização é comum dentro do sistema. Portanto, outros métodos poderiam ser criados e utilizados com ligeiras adaptações (BARBOSA, 2003, p. 250). Trata-se de uma ideia aparentemente simples: encaminhar o conflito para a alternativa/ opção adequada para solucionar o problema. Contudo, é extremamente complexa a sua execu- ção, considerando que deve ser realizada a seleção dos casos. De acordo com Goldberg, Sander, Rogers e Cole (2007) existem quatro procedimentos “primários” de resolução de conflitos, são eles: a adjudicação, a arbitragem, a mediação e a negociação, por outro lado, ainda que não conste nessa classificação, mais um método ampla- mente difundido no Brasil e nos Estados Unidos é a conciliação (BARBOSA, 2003). Os autores também apresentam cinco modalidades denominadas “híbridas”, que resultam da combinação ou mescla dos sistemas primários, quais sejam: o julgamento privado, a análise neutra dos fatos através de um perito, o mini-trial, o ombudsman e o summary jury trial. Dentre os híbridos, também é defendido pelos autores o procedimento intitulado med-arb ou arb-med, resultado da combinação da mediação e da arbitragem. Mesmo havendo essa distinção entre primários e híbridos, é importante destacar que “não há hierarquia ou prevalência entre eles, nem entre eles e o poder Judiciário. A proposta é que se visualize a adequação ao caso concreto, ao conflito que por se caracterizar distinto re- quer mecanismos diversos de resolução” (NUNES; SALES, 2010, p. 218). Dessa forma, feita a devida triagem, o objetivo é encaminhar o conflito para a “porta” que lhe for a mais apropriada. No caso do conflito não se adequar a nenhuma, ele será encaminhado para o procedimento de adjudicação, qual seja, o Poder Judiciário. Não existe a necessidade de se ofertar todos os mecanismos mencionados para que o Fórum seja denominado Múltiplas Portas: pode acontecer de um Fórum disponibilizar somente a mediação e a arbitragem como alternativas ao Judiciário. Tem-se a possibilidade de um Fórum que disponha de métodos entendidos como mais eficazes em face da realidade social e da cul- tura da região ou país em que são aplicados ou difundidos. A ideia da criação do Fórum, apesar de nascida nos Estados Unidos, pode ser usada e adaptada em diversos países. 29Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem “O fórum de múltiplas portas é talvez o mecanismo de institucionalização sistemática dos métodos alternativos de resolução de disputas mais abrangente no âmbito do setor público” (BARBOSA, 2003, p. 248). A esse respeito, acredita-se que se houvesse a implementação do Sistema Múltiplas Portas no Brasil, este iria aprimorar a prestação jurisdicional, tornando-a mais ajustada à realidade das partes e contribuindo para a construção de soluções e tratamentos mais céleres e eficazes. Visto que se trata de um Sistema com um funcionamento diferenciado. A maior particularidade do Múltiplas Portas se dá em sua fase inicial, na qual os confli- tos são analisados e distribuídos para a “porta” na qual terão maior chance de êxito no seu trata- mento. Por exemplo, no caso de uma situação envolvendo familiares e relações continuadas, o encaminhamento será diverso daquele proferido em uma circunstância na qual configura como parte uma instituição bancária ou pessoas que nem se conheçam. Essa racionalização da solu- ção das controvérsias é o que faz a diferença, pois visa achar o procedimento mais compatível com o problema, conseguindo assim ampliar as vantagens e chances de êxito e, por conseguin- te, reduzir as desvantagens. Ainda nessa linha de raciocínio, é importante considerar que o número de métodos alternativos oferecidos pelas cortes varia muito, desde um ou dois além do jurídico-tradicional, até uma ampla gama de procedimentos. A utilização de poucos procedimentos permite concentrar energias e recursos em programas de de- senvolvimento desses processos para lograr alta qualidade nos métodos selecionados. [...]. A utilização de vários procedimentos permite uma maior adaptabilidade destes às necessidades particulares de cada controvérsia. Entretanto, cria o risco de criação de programas sem a qualidade necessária para contribuir para o desenvolvimento do Judiciário (BARBOSA, 2003, p. 256). Entende-se que é viável a ocorrência/oferecimento de mais métodos em um único Sis- tema, no entanto, deve-se ter mais cautela ao se lidar e administrar um Fórum Múltiplas Portas com essas características. Nesse sentido, cabe destacar, que os métodos alternativos de resolu- ção de controvérsias não são estanques e também, que não se trata de um rol taxativo. A difi- culdade e ao mesmo tempo a beleza desse Sistema é que é permitida a flexibilização no senso de apropriar o procedimento ao problema. Sendo assim, é muito trabalhosa a fase de triagem, devendo-se definir parâmetros e meios de identificar as causas do conflito, a fim de ser realizada a devida distribuição, além disso, muitas vezes, o verdadeiro problema, gerador da controvér- sia, encontra-se mascarado em meio a outros. Outrossim, por permitir que sejam feitas com- binações de procedimentos é que se diz não haver um rol taxativo. Seria o caso dos processos híbridos, que para melhor tratarem o verdadeiro problema, surgiram de ajustes realizados entre outros métodos preexistentes. Dependendo do tribunal em que o Sistema estiver estabelecido, o encaminhamento po- derá ser feito de diferentesmaneiras, como, por exemplo, a partir da análise dos tipos de con- trovérsias ou levando em consideração o valor atribuído a causa. Pode acontecer das próprias 30 Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem partes quererem participar de um determinado mecanismo ou do juiz indicar um que achar ser apropriado ao caso. Ou ainda, da triagem ocorrer por meio de funcionários capacitados para tanto (BARBOSA, 2003). Nesse propósito, dentre as “portas” utilizadas, encontram-se aquelas fundamentadas nos princípios da autocomposição e aquelas baseadas na heterocomposição. Ter essa noção é essen- cial no momento de avaliar o caminho que será destinado ao conflito em questão. Basicamente, o que se tem na autocomposição é a tentativa das próprias partes de comporem uma solução para o problema. Já na heterocomposição existe a intervenção de um terceiro que auxilia na resolução da disputa. Também é interessante referir quanto à voluntariedade ou compulsoriedade de partici- pação nesses procedimentos. Alguns tribunais encaminham os casos para os métodos alternati- vos de forma obrigatória, sendo as pessoas compelidas a participar; outros o fazem de maneira voluntária, ou seja, consideram a opinião das partes quanto à oposição ou à anuência em fazer parte daquele procedimento. Há, ainda, aqueles que defendam uma conciliação dessas duas correntes, tendo-se um tribunal misto, que para em certos tipos de casos se tenha a obrigatorie- dade e para outros não. Nota-se que muitas são as variáveis a serem consideradas na hora de realizar o enca- minhamento do problema à saída considerada mais justa, além do que são diversas as formas de funcionamento e adaptações permitidas nos tribunais para que estes desenvolvam o Fórum Múltiplas Portas. Por isso, muito depende do tribunal e do lugar onde esse se encontra para se- rem estabelecidas as estratégias de administração do Fórum que ali se pretender situar. A partir do exposto, é possível compreender o que se objetiva com a aplicação e desen- volvimento de um Sistema como esse, cunhado na especialidade e na humanização das contro- vérsias. Através dele cria-se uma série de alternativas, que busca satisfazer os anseios das par- tes, tenta-se proporcionar àquele ambiente no qual a pessoa se sinta confortável para enfrentar/ lidar com o seu problema. Não se trata apenas de uma solução para desafogar o Judiciário, mas também, de um meio que possibilita o atendimento dos anseios sociais. Dessa forma, com a pretensão de explorar a aplicabilidade do Fórum Múltiplas Portas no cenário brasileiro é o item que segue. 2 AS “PORTAS” UTILIZADAS PARA O TRATAMENTO DOS CONFLITOS Agora, com uma ideia geral do que trata e de como funciona o Fórum Múltiplas Portas é pertinente fazer uma apresentação e conceituação das “portas” que compõem essa sistemática, a fim de que sejam compreendidas quanto ao seu procedimento e quanto à forma de conduta de cada um dos seus participantes, dando um enfoque àquelas mais conhecidas e difundidas no Sistema de Justiça Brasileiro, quais sejam: a negociação, a mediação, a conciliação, a arbitra- 31Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem gem e a adjudicação. 2.1 Negociação Dessa feita, começar-se-á com a negociação, que é a forma mais comum de tratamento de conflitos. Ela funciona diretamente entre os interessados, não havendo a intervenção de ter- ceiros. Sendo assim, “os envolvidos buscam a solução por eles mesmos, por meio da conversa” (NUNES; SALES, 2010, p. 218), classificando-se como um mecanismo autocompositivo, ba- seado na exposição daquilo que se pensa e se quer e na escuta dos interesses do outro, preten- dendo-se uma resolução. Segundo Goldberg, Sander, Rogers e Cole (2007), a negociação é essencialmente vo- luntária e havendo o consenso, confeccionar-se-á um contrato entre as partes, não existindo a figura de um terceiro facilitador; normalmente é informal e não há instrução, não está vincu- lada à apresentação de provas e evidências, o que se objetiva é o acordo mútuo. Negociação é comunicação com um propósito persuasivo: negocia-se sobre quase tudo, desde onde sair para jantar com os amigos, que filme assistir no cinema e assim por diante. Muitos dos casos que chegam aos escritórios de advocacia seriam facilmente resolvidos por meio da negociação entre as partes. Existem muitas técnicas que podem ser úteis na hora de negociar: fazer uma oferta ini- cial maior do que a que se deseja, quando for do seu interesse deixar que a outra pessoa faça a primeira proposta; esclarecer desde o início as suas principais demandas; fazer com que a outra pessoa se comprometa primeiro e, no caso do advogado, ele deve deixar claro para o seu cliente o que está sendo acordado; fazer com que o adversário se sinta bem com o que está sendo tra- tado, dentre outras. Na cultura do litígio,11objetiva-se ganhar1 sempre, o caso só é bom ou vantajoso para si se o outro perder. Esse tipo de comportamento deveria ser desincentivado na sociedade, visto que um bom acordo pode ser metade pra si, metade para o outro. Dentre as características da negociação, pode-se mencionar que se trata de um méto- do que objetiva a comunicação bilateral, valorizando assim, a importância do diálogo para se chegar ao acordo (flexibilidade) e, funcionando dessa forma ela possibilita a produção de resultados e benefícios prolongados/duradouros para os partícipes. Também é interessante, no momento em que se pretender uma negociação, estabelecer estratégias, como: “a) objetivos tangíveis; b) objetivos emocionais e simbólicos; c) resultados desejados; d) impactos esperados nos relacionamentos” (DANTE; ALMEIDA, 2006, p. 20). Nesse viés, tem-se o planejamento da negociação e, para tanto, é fundamental a observação de certos requisitos: a) separar as pes- soas do problema; b) concentrar-se nos interesses; c) buscar alternativas de ganhos mútuos; d) encontrar critérios objetivos (DANTE; ALMEIDA, 2006, p. 21, 22). 1 Cultura do litígio é a cultura do conflitar, do discutir, do brigar. É o contrário de consenso. 32 Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem Os autores Dante e Almeida (2006) trabalham os diferentes estilos de negociador, eles analisam as classificações elaboradas por Jung, Gottschalk e Lifo. Sendo assim, ponderam na classificação de Jung os seguintes estilos: restritivo (negociadores que formulam um acordo quando forçados para tanto, imaginam que as pessoas somente ajem em prol dos seus interes- ses, também visam à obtenção da vitória, que é a única solução considerada aceitável); ardiloso (objetivam sobreviver à negociação, bem como manter o status quo, a fim de chegar a qualquer resultado, acreditam que as pessoas não podem ser influenciadas por outras); amigável (trata-se de um negociador cooperativo, equipado com espírito esportivo que faz um exame amplo da situação que lhe é dada, além disso, visa à manutenção do relacionamento, mesmo que não se chegue a um acordo substancial) e confrontador (busca um acordo sólido, objetivando o melhor acordo global em conformidade com circunstâncias existentes). Ainda com relação aos estilos de negociador, as categorizações elaboradas por Gotts- chalk são: estilo duro (dominante, agressivo e voltado para o poder); estilo caloroso (apoiador, compreensivo e voltado para as pessoas); estilo dos números (analítico, conservador e orienta- do para as questões); estilo negociador (flexível, comprometido e orientado para os resultados). Sobre esse aspecto, Lifo faz a divisão entre o negociador “dá e apoia”, cuja principal caracte- rística é a receptividade; o negociador “toma e controla”, marcado como uma pessoa explora- dora; o negociador “mantém e conserva” (acumulador) e o “adapta e negocia”, que objetiva a formulação de trocas. Percebe-se que, apesar dos diferentes nomes para os estilos, eles estão correlacionados de alguma forma, poispossuem características em comum, por exemplo, na classificação dada por Jung, está o negociador restritivo, na de Gottschalk existe o estilo duro e, por fim, na divisão criada por Lifo, o estilo toma e controla, todos reúnem as mesmas qualidades preponderantes, qual seja: maior firmeza, controle, busca pelo poder na hora de negociar. A negociação é um instituto amplo, que pode ser definido de diversas maneiras, po- dendo também funcionar na forma assistida, todavia, quando isso ocorrer, esse instituto se confunde com o da mediação, visto que o terceiro que se apresenta não pode interferir na nego- ciação. Dessa feita, é imprescindível conhecer um pouco mais acerca da mediação e o que ela representa. 2.2 Mediação De grande validade em nosso Sistema, a mediação pode ser “definida como a interferên- cia – em uma negociação ou em um conflito – de um terceiro com poder de decisão limitado ou não autoritário” (MORAIS; SPENGLER, 2012, p. 131). Esse terceiro irá ajudar as partes a che- garem de maneira voluntária em um acordo, como um meio de reestabelecer a comunicação. Trata-se de um método autocompositivo, uma vez que, o terceiro não interfere na decisão, esta é tomada pelos envolvidos. Vale ressaltar que a mediação visa atingir a satisfação dos interesses 33Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem e das necessidades dos que estão envolvidos na disputa. Um dos objetivos da mediação é criar um espaço informal e democrático, no qual, ocorre a tentativa de restaurar relacionamentos prolongados. Trata-se de uma instituição que se caracteriza por possuir maior rapidez e eficácia no tratamento dos conflitos, pois além de ser menos dispendiosa torna o processo mais célere e tende a resolver os litígios de forma mais rápida do que nos processos judiciais. Esse fator se deve em grande parcela à oralidade, porque é um espaço que propicia o debate dos problemas. Decorrente dessas características pode-se destacar a reaproximação dos participantes, bem como a preservação da relação entre as partes envolvidas. O uso da mediação proporciona o alcance ou a aproximação da tão desejada paz social. Dentre as principais características da mediação estão a privacidade, a economia finan- ceira e de tempo, a oralidade, a autonomia, o equilíbrio das relações entre as partes, a prevenção e o tratamento dos conflitos (MORAIS; SPENGLER, 2012). O papel do mediador é de extrema relevância, pois é ele que de forma neutra e imparcial tentará restabelecer a comunicação entre os envolvidos no conflito, ou seja, ele é quem procura aproximar os participantes, identificando os pontos que geram o litígio, para que se produza um acordo, deixando bem claro que o acordo é dos partícipes e não do mediador. Este não pode dar sugestões nem interferir no acordo. Segundo Moore (1998), existem três grandes classes de mediadores: a) mediadores de rede social; b) mediadores com autoridade; e c) mediadores independentes. O mediador de rede social é aquele que já possui relacionamento anterior e futuro esperado com as partes, é aquela pessoa que atua na sua comunidade, podendo ser um vizinho, uma autoridade religiosa ou um colega de trabalho; ele não é necessariamente imparcial, mas é considerado por ser justo e estar interessado em auxiliar os conflitantes. Em geral, ele continuará a se relacionar com as partes após a realização da mediação e pode fazer uso da sua função social para incentivar um acordo. Na classe dos mediadores com autoridade existe uma subdivisão, estando os mediadores subclassificados como benevolente, administrativo e com interesse investido. O benevolente pode ou não ter um relacionamento continuado com as partes, ele visa solucionar o problema de uma maneira satisfatória para todos os interessados. Via de regra, ele é imparcial no que tange à discussão central do conflito, possui autoridade para sugerir e interferir e lhe é possibilitado recurso para o acompanhamento do cumprimento do acordo. Já o administrativo desenvolve em conjunto com as partes uma solução para o problema e possui autoridade para propor o acordo. Por fim, o mediador com interesse investido busca a melhor satisfação dos seus interesses, po- dendo ser coercitivo. A terceira grande categoria defendida por Moore (1998) é a do mediador independente, que, por sua vez, é a classe aceita neste trabalho. Ela aborda o mediador como um ser neutro e imparcial, tanto com relação às partes, como em consideração aos resultados a serem objetiva- dos, serve aos desejos das partes, é um profissional que busca uma solução conjunta aceitável, voluntária (não coercitiva) e elaborada pelos partícipes. Assim, não possui autoridade para im- 34 Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem por um acordo, bem como pode ou não estar envolvido com a sua monitoração, posteriormente ao momento da mediação. Sendo o mediador neutro diante dos fatos, existe maior possibilidade da mediação atin- gir o seu objetivo principal: “a responsabilização dos protagonistas, capazes de elaborar, eles mesmos, acordos duráveis” (SILVA, 2008, p. 25); pois a grande vantagem desse procedimento é a restauração do diálogo, da comunicação entre as partes. O mediador aproxima as partes, ele facilita o acordo. Nesse sentido, Vasconcelos (2008, p. 36) defende que na mediação os mediandos não atuam como adversários, mas como corresponsáveis pela solução da disputa, contando com a colaboração do mediador. Daí por que se dizer que a facilitação, a mediação e a conciliação são procedimentos não adversariais de solução de disputas, diferentemente dos processos adversariais, que são aqueles em que um terceiro decide quem está certo, a exemplo dos processos administrativos, judiciais ou arbitrais. Nesses termos, o que se busca não é a verdade real, mas sim, a verdade para que as par- tes satisfaçam as suas pretensões, não importando se os fatos se deram exatamente da maneira acordada. Objetiva-se o consenso e não descobrir um culpado pela origem do conflito. Nesses moldes, Spengler (2011, p. 215) destaca: importante apreciar a forma como a busca e o culto pela verdade diferencia o trata- mento dos litígios realizados por modelos heterocompositivos daqueles de caráter autocompositivo. Podemos trabalhar com a perspectiva de uma verdade consensual que se opõe à verdade processual, de uma responsabilidade que não desemboca em uma sanção, mas na possibilidade de escolha das partes, na ausência da figura do juiz, na presença do mediador – figura que guia as pessoas no tratamento do conflito sem, todavia, impor uma decisão. Com base nesses argumentos é possível deduzir o caráter democrático do procedimento mediativo, porque ele rompe, “dissolve os marcos de referência da certeza determinados pelo conjunto normativo” (SPENGLER, 2011, p. 215). A mediação acolhe o conflito, possibilitando um tratamento que resulte na evolução social, apostando em uma estratégia partilhada. Cahali (2011, p. 57), explica que pode soar estranho, até mesmo às partes, em um primeiro momento, submeter-se à mediação para, no final, consumido tempo e recursos, ainda ser necessário a solução adjudicada (por arbitragem ou processo judicial). Mas para os profissionais da área, e para aqueles que se submeteram ao procedimento, há o reconhecimento do efeito po- sitivo da mediação, na inter-relação e na forma como o conflito será a partir de então conduzido. O “tratamento” gera no mínimo a conscientização das posições, a redução do desgaste emocional, o arrefecimento da animosidade, e o respeito às divergências. Dessa forma, é possível notar que a mediação não visa unicamente à estruturação de um acordo, cria-se uma expectativa em torno daquilo que será melhor para as partes, justificando-a 35Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem como um processo de amadurecimento pessoal, que interfere diretamente na evolução da so-ciedade. Por ser baseada no consenso, a mediação pode, muitas vezes, ser confundida com a conciliação, pois, em ambas, há a presença de um terceiro (conciliador/mediador), de uma dis- puta de interesses e de pelo menos dois participantes dispostos a tratarem seu conflito. Por isso, faz-se importante a análise do instituto da conciliação, para que não haja equívocos em relação às duas instituições. 2.3 Conciliação A conciliação é um mecanismo que busca “a harmonização entre os interesses diver- gentes por um terceiro denominado conciliador, buscando um acordo satisfatório para as partes envolvidas” (NUNES; SALES, 2010, p. 218). É uma das maneiras mais rápidas de tratamento do conflito e objetiva auxiliar o Poder Judiciário para que se evite o início de um novo processo judicial. Para que isso seja possível, um terceiro intermediário, o conciliador, poderá interferir diretamente na decisão, ou seja, no acordo final, pois o que se pretende é o entendimento das partes independentemente da qualidade das soluções ou da interferência na interpretação das questões. O conciliador, além da aproximação das partes, poderá sugerir apontando vantagens e desvantagens, sempre com a intenção de resolver o conflito. No Brasil a conciliação é aceita e incentivada pelo ordenamento jurídico, podendo ser ela judicial ou extrajudicial. Como exemplo disso, está previsto no artigo 125 do Código de Processo Civil Brasileiro (1973) que o juiz poderá tentar conciliar as partes a qualquer tempo. Posto dessa forma, facilmente se presume que este é um caso de conciliação judicial/incidental, pois tem espaço no curso do processo, e, aliado a isso, tem-se o fato de que é realizada pelo ma- gistrado. Em contraponto, é conveniente mencionar que a conciliação extrajudicial usualmente se dá em um momento anterior ao retratado, visto que ela busca evitar o início da demanda judicial. Assim, ressalta-se que, quando a conciliação ocorrer no decorrer da ação judicial ela poderá ser de caráter obrigatório ou facultativo, já se ela for extrajudicial, deverá ser voluntária (RODRIGUES JÚNIOR, 2006). Considerando que na maioria das vezes a conciliação ocorre em um único encontro/ reunião, recomenda-se a sua utilização na resolução de problemas relacionados ao comércio, causas que lidam com valores e em casos de relações não continuadas, ocorrendo nesses mol- des, uma vez que se objetiva um acordo e não o reestabelecimento da comunicação. Sobre esse aspecto Cahali (2011, p. 37) explica: este método é mais adequado à solução de conflitos objetivos, nos quais as parte não tiveram convivência ou vínculo pessoal anterior, cujo encerramento se pretende. O conflito é circunstancial, sem perspectiva de gerar ou restabelecer uma relação con- tinuada envolvendo as partes. Exemplos usuais de situações em que a conciliação é recomendada são: acidentes de trânsito e responsabilidade civil em geral; divergên- 36 Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem cias comerciais entre consumidor e fornecedor do produto, entre clientes e prestadora de serviços, etc. O acordo que se busca na conciliação se faz através do diálogo dos participantes, o con- ciliador salienta aspectos objetivos do conflito, estimulando uma solução rápida e não exaustiva da questão. O conciliador pode ser membro do Poder Judiciário ou não. Pode ser uma pessoa que não se dedica integralmente ao cargo, pode ser uma ocupação temporária ou permanente, voluntária ou remunerada. Normalmente, a pessoa recebe treinamento, podendo também se espelhar na atividade do juiz. O conciliador tem um papel ativo, pois emite opiniões, aconse- lhamentos e pode propor termos para solucionar o conflito, ele é um auxiliar da justiça, como um agente multiplicador da capacidade de trabalho do juiz. Cabe destacar que o procedimento conciliatório reduz o congestionamento dos juízos, educa a população a negociar por si própria suas disputas, aumenta a legitimidade do Poder Judiciário (pois, na maioria dos casos, a satisfação com o processo é superior à de outros procedimentos) e, por fim, intensifica a participação democrática popular naqueles casos em que o conciliador é escolhido entre a comunidade (BARBOSA, 2003, p. 253). O instituto da conciliação também é classificado como autocompositivo, visto que é opção das partes aceitar ou não as sugestões do conciliador. Contudo, existem métodos alterna- tivos mais conhecidos como heterocompositivos, nos quais a solução é imposta às partes, nesse viés, discutir-se-á acerca da arbitragem. 2.4 Arbitragem Como mecanismo mais semelhante ao Poder Judiciário, tem-se a arbitragem, uma ins- tituição que tem sido uma opção aos litigantes por centenas de anos. Já era utilizada por mer- cadores ingleses no século XIII, pois preferiam ter seu conflito resolvido de acordo com seus costumes do que com a lei pública. Além disso, a arbitragem comercial nos Estados Unidos antecede a Revolução Americana em Nova Iorque e em diversas outras colônias (GOLDBERG, SANDER, ROGERS e COLE, 2007). Trata-se de um procedimento voluntário e vinculante, as partes são livres para escolhe- rem o terceiro que irá proferir a decisão, este possui conhecimento especializado no assunto do conflito e, aquilo que ele determinar deverá ser cumprido. 22 A arbitragem é menos formal que a adjudicação (procedimento tradicional), pois as regras podem ser estabelecidas e/ou eleitas pe- las partes, permite espaço para a apresentação de provas e argumentos, que servirão como meio 2 Existe autonomia de vontade, tanto para participar do procedimento, como para escolher o árbitro e as regras, por isso a sentença arbitral é definitiva. Afinal, houve a livre-iniciativa dos envolvidos em participar do procedimento. 37Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem de convencimento do árbitro (GOLDBERG, et al, 2007). “Porém, quando não existir acordo entre as partes sobre as regras que deverão orientar o procedimento de arbitragem o árbitro pode fazê-lo, ou então se aplica a legislação do estado que figura como local na arbitragem” (MO- RAIS; SPENGLER, 2012, p. 234). No Brasil, a arbitragem é disciplinada pela Lei 9.307/1996, pode-se dizer que é uma estratégia de tratamento das controvérsias que tem por referência o procedimento estatal. São características desse instituto: a) a liberdade de contratação: significa que a arbitra- gem é proveniente de acordo entre as partes. Dessa forma, elas são livres para definir o objeto do litígio e até podem estabelecer regulamentos, desde que esses não violem os bons costumes e a ordem pública; b) pode ser utilizada em controvérsias que envolvam direito patrimonial dis- ponível, seja na área civil ou comercial; c) as partes podem escolher o árbitro e a ele é permitido disciplinar o procedimento, caso as partes não o tenham feito (MORAIS; SPENGLER, 2012). A liberdade de contratação se confunde com o princípio da autonomia de vontade, este preza ser fundamental à vontade dos interessados em estabelecer o método da arbitragem como sendo o mais apropriado para a resolução do conflito. A autonomia da vontade no direito contratual concede às pessoas o poder de estabele- cer livremente, através de declaração de vontade, como melhor lhes convier, a disci- plina de seus interesses, gerando os efeitos reconhecidos e tutelados no ordenamento jurídico como opção, dentre outros aspectos, de contratar, ou deixar de contratar e negociar o conteúdo do contrato (CAHALI, 2011, p. 95). Contudo, importante referir que o legislador, no artigo 1˚ da Lei 9.307/1996, restringiu o campo de atuação da sistemática da arbitragem, sendo possível a sua utilização nos casos em que se tratar de direito patrimonial disponível. Tem-se que a autonomia de vontade e a liberdade de contratação se encontram vinculadas e limitadas pelo objeto do conflito, pois são livres para contratar dentro daquele universo de possibilidades delimitado em lei.Ainda assim, por meio da arbitragem, os participantes têm um tratamento mais célere e que apresenta maior qualidade. No que diz respeito à celeridade, Morais e Spengler (2012, p. 223) explicam que: “por melhor que seja o órgão estatal competente para conhecer do conflito de interesse, o mesmo, salvo em raríssimas exceções, nunca será resolvido em seis meses”. O artigo 23 da Lei 9.307/1996 estabelece que “nada tendo sido convencionado, o prazo para a apresentação da sentença é de seis meses, contado da instituição da arbitragem ou da substitui- ção do árbitro”. O artigo 13 da Lei 9.307/1996 estabelece que o árbitro pode ser qualquer pessoa capaz, que conte com a confiança das partes, além disso, existe a possibilidade da nomeação de mais de um árbitro, de preferência número ímpar. Nota-se que a figura do terceiro possui um papel fundamental no desenrolar do procedimento, porque nela está incumbida a tarefa de proferir a 38 Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem sentença arbitral, que possui os mesmos efeitos da sentença prolatada pelos órgãos do Poder Judiciário e, quando condenatória, constitui título executivo. A sentença arbitral é o pronun- ciamento do árbitro ou tribunal arbitral para encerrar o procedimento. Assim como a sentença judicial, ela pode ser definitiva, decidindo o conflito, ou meramente terminativa, hipótese na qual é finalizada a arbitragem, mas a controvérsia persiste. De acordo com Scavone Júnior (2010), são deveres do árbitro: a) a imparcialidade, quer dizer que o árbitro não pode estar envolvido com as partes, o que não é o mesmo que neutrali- dade, pois neutro é aquele que não toma partido e, por óbvio, o árbitro acabará tomando uma decisão que possivelmente beneficiará, na maior parte ou totalmente, uma das partes; b) a inde- pendência significa que o árbitro conta com a confiança das partes, mas, deve manter-se equi- distante de ambas; c) a competência, ou seja, o conhecimento acerca da matéria controvertida; d) a diligência, que é o zelo e o cuidado a ser empregado na hora de se buscar a solução arbitral; e) a discrição, deve-se manter sigilo sobre o assunto de que tem conhecimento em virtude da arbitragem. Os autores Goldberg, Sander, Rogers e Cole (2007) elencam uma série de vantagens da arbitragem sobre a adjudicação: que a decisão será proferida por um especialista no assunto em debate; que da decisão arbitral não cabe recurso, tratando-se assim da decisão final, a privacida- de e a informalidade do procedimento, os custos mais acessíveis e a celeridade que reveste esse processo. No entanto, não se pode deixar de observar uma série de princípios processuais que também devem ser aplicados na arbitragem: o princípio do contraditório e o da ampla defesa, visto que há apresentação de provas e argumentos; o princípio da igualdade de tratamento; o da imparcialidade e da independência; o da disponibilidade e, também, o do livre convencimento do julgador (MORAIS; SPENGLER, 2012). Para compreender melhor as diferenças entre a arbitragem e a adjudicação se faz imperativo abordar esse instituto. Uma vez realizadas essas observações, passar-se-á a uma breve exposição do que é e de como funciona adjudicação. 2.5 Adjudicação A adjudicação é o sistema tradicional de justiça: o Poder Judiciário. Sendo assim, é involuntário, vinculante e a decisão pode ser alvo de recurso. Um terceiro neutro e imparcial (juiz) irá impor a sua sentença às partes litigantes. Esses atos acontecem em meio a uma es- trutura formal que atende regras rígidas, havendo momentos específicos para apresentação de provas e argumentos. Ao contrário da arbitragem, é um procedimento público (GOLDBERG, et al, 2007). Ligados pelo conflito, os envolvidos esperam que o juiz lhes apresente uma solução, que declare quem tem mais direito, ou razão, ou seja, determine um vencedor e um perdedor e, sendo assim, a responsabilidade é transferida. O sistema jurisdicional determina a aplicação do Direito ao caso concreto de forma impositiva, ele toma para si o monopólio da violência legítima. O propósito dessa sistemática é 39Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem fazer com que se respeite uma justiça abstrata, mas que cumpre seu dever de preservar a segu- rança afastando a vingança, racionalizando-a. Os litigantes transferem o seu poder de decisão para o Judiciário, esperando que um terceiro lhes diga quem é o possuidor dos direitos e vence- dor da contenda (SPENGLER, 2010). Tendo sido brevemente relatados os métodos considerados de maior repercussão no cenário jurídico nacional, far-se-á breve referência acerca de outras alternativas passíveis de utilização no Sistema Múltiplas Portas, quais sejam: o julgamento privado, a análise neutra dos fatos através de um perito, o mini-trial, o ombudsman, o summary jury trial e o med-arb ou arb-med. 2.6 Julgamento privado Começando com o julgamento privado, introduz-se uma alternativa que é realizada vo- luntariamente, com efeito vinculante às partes que a ela se submeterem, podendo a decisão decorrente desse mecanismo ser alvo de recurso. Os envolvidos selecionarão o terceiro julga- dor, que pode ser tanto um juiz, como um advogado aposentado. Trata-se de um procedimento flexível quanto ao tempo e local dos atos, podendo ser apresentadas provas e argumentações. A decisão deverá ser fundamentada nos fatos e nas conclusões legais. Normalmente, o julgamento privado é de iniciativa das partes, ao menos que seja determinado judicialmente (GOLDBERG, et al, 2007). 2.7 Análise neutra dos fatos através de um perito Prontamente, apresenta-se a análise neutra dos fatos através de um perito: pode ser vo- luntária ou involuntária. Nessa alternativa, um terceiro neutro e especialista no assunto, escolhi- do pelas partes ou pelo magistrado, irá informalmente investigar aquilo que lhe for determinado e, ao final, apresentará um relatório/laudo ou um testemunho, que poderá ou não ser admitido (GOLDBERG, et al, 2007). Trata-se de um mecanismo pouco difundido no Brasil. Contudo, seria muito eficaz nas pequenas causas, tendo em vista que o advogado, o juiz ou o promotor de justiça poderiam elaborar um pedido fundamentando a importância de uma avaliação ou parecer externo e, dessa forma, seria a demanda encaminhada para uma pessoa especializada no assunto: um avaliador neutro e experiente (OLIVEIRA; SPENLGER, 2013). Tendo uma noção prévia da matéria, estar-se-ia incentivando a realização de um acordo autocompositivo. As primeiras experiências da avaliação neutra dos fatos por um terceiro, data do início de 1980, sendo resultado do trabalho de uma comissão que se propunha a pesquisar e apresentar soluções para os problemas relativos a custo e demora dos processos judiciais. 40 Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem No caso desse mecanismo ser utilizado endoprocessualmente, isso quer dizer, no decor- rer do processo, o que normalmente acontece é o chamamento das partes, para que elas fiquem diante do avaliador designado pelo juízo. Nessa oportunidade o avaliador combinará com as partes uma data, na qual elas deverão comparecer acompanhadas de seus advogados (CAL- MON, 2008). No encontro, o avaliador/perito explicará o funcionamento desse sistema, grifando suas vantagens e segurança. Num segundo momento, são expostos rapidamente os fatos e sua argu- mentação jurídica, feito isso, pode o avaliador solicitar informações que considerar pertinentes. Ao fim, ele identifica as questões sobre as quais não há uma verdadeira controvérsia, para que haja a estimulação de um acordo entre os adversários (CALMON, 2008). Não obtendo êxito na elaboração de um acordo, o avaliador/perito irá preparar um pa- recer fundamentado, que não tenha caráter vinculante às partes, sobre o qual poderia ser, em sua opinião, a possível decisão do juiz no caso de prosseguimento do feito judicial (CALMON,2008). É possível identificar nessa sistemática a ocorrência de uma análise especializada no assunto, o que proporciona um intercâmbio de informações entre as partes, possibilitando-lhes uma ideia acerca do mérito que tange o conflito. 2.8 Mini-trial O mini-trial é procedimento voluntário no qual a obtenção de um acordo gerará um contrato entre os partícipes. O terceiro, eleito pelas partes, será um conselheiro e não precisa conhecer profundamente a matéria. É menos formal que a adjudicação, sendo as regras sele- cionadas pelos conflitantes. De forma sumária poderão ser produzidas provas e argumentações, devendo o resultado ser mutualmente aceito e, usualmente, é realizado de maneira privada (GOLDBERG, et al, 2007). Trata-se de um mecanismo que pode ser organizado de diversas maneiras, dependendo das necessidades das partes e do tipo de conflito. Além disso, é um método que permite a uti- lização de outros para o tratamento do problema, sendo recomendado quando as partes forem empresas de grande porte (OLIVEIRA; SPENGLER, 2013). Basicamente, o que se apresenta é um júri simulado, no qual é criado um espaço para a exposição dos interesses e argumentos que integram o caso. Essa técnica permite que o advoga- do exponha ao adversário os pontos que são relevantes para o seu cliente, permitindo uma con- versa direta sobre esses aspectos. A decisão resultante desse procedimento não será vinculante, serve para as partes terem uma noção acerca da problemática que lhes atingem, assim, poderão analisar de uma forma mais eficaz os elementos na hora de uma negociação (contrato). 41Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem 2.9 Ombudsman Outra alternativa é o ombudsman, também conhecida por ouvidor, sendo realizado de forma voluntária, um terceiro apontado pela instituição estatal exercerá informalmente um pa- pel investigativo, o qual resultará em uma recomendação (GOLDBERG, et al, 2007). De acordo com Calmon (2008, p. 108), o ouvidor não age apenas em face do poder público, mas constata-se sua presença em empresas e instituições privadas em geral, como órgãos de imprensa, universidades, hospitais etc. Normalmente, é nomeado para um tempo determinado, período em que goza de estabilidade sua atuação não está sujeita a superiores hierárquicos. O conceito do ombudsman é proveniente dos países escandinavos, o ouvidor era um funcionário público encarregado de escutar as reclamações dos cidadãos, a fim de conduzir uma investigação/averiguação independente, com o escopo de corrigir possíveis abusos da adminis- tração pública. Todavia, nos Estados Unidos essa personagem tem outra atribuição, o ombuds- man é considerado um integrante neutro da sociedade, seu trabalho é aconselhar informalmente àqueles que busquem resolver disputas relacionadas com o trabalho. 2.10 Summary jury trial Também se tem o summary jury trial, que voluntário ou não, seu efeito não se vincula às partes, entretanto, realizado um acordo, este será posto na forma contratual e deverá ser cumprido. Trata-se basicamente de um procedimento sumário diante do tribunal do júri. Apesar de possuir normas anteriormente estabelecidas, é menos formal que o sistema tradicional do Judiciário. Oportunamente são apresentadas evidências que servem para formar o veredicto a ser advertido como meio facilitador de um acordo. Normalmente é um procedimento público (GOLDBERG, et al, 2007). Esse mecanismo é uma opção quando o caso em pauta for de alta complexidade, no qual o procedimento convencionalmente utilizado demandaria muito tempo, bem como um custo elevado. Pode-se reduzir o número de jurados e até dividi-los em dois grupos (júris distintos), proporcionando opiniões diferentes sobre a matéria. “O júri sumário é uma adaptação do minijulgamento para os casos em que as partes querem a informação mais direta sobre a reação de um júri, já que podem receber a previsão de um consultor” (OLIVEIRA, SPENGLER, 2013, p. 96). Essa forma de julgamento pode ser presidida por um juiz ou um júri consultivo. Normalmente, os jurados são comunicados do seu papel consultivo depois do veredicto. Trata-se de uma técnica utilizada para encorajá-los a tra- tar a tarefa que lhes é dada com maior seriedade. 42 Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem 2.11 Med-arb ou arb-med Por fim, o med-arb ou arb-med, no qual as partes concordam em realizar a mediação ou arbitragem e, no caso do método escolhido não resultar em uma solução, passa-se à aplicação do outro procedimento ao conflito em questão. Ambos são mecanismos privados e deverão apresentar separadamente as funções do mediador e do árbitro e cada papel será desempenhado no momento cabível.33. No processo med-arb, a mediação é selecionada como o primeiro método, ocorrendo a falha da mediação, a pessoa do mediador funcionará como árbitro, emitindo uma decisão final e vinculante. Já no caso do arb-med, sucede o contrário: inicialmente é realizado o procedimento da arbitragem, “chegando-se à prolação da sen tença. O árbitro anuncia às partes que a sentença está pronta e inicia com as mesmas tratativas de mediação para que obte nha o acordo, antes da publicação da sentença” (OLIVEIRA; SPENGLER, 2013, p. 99). Trata-se de um sistema escalonado, que proporciona maior segurança para os partici- pantes, considerando, no caso do med-arb, que, não sendo frutífera a elaboração de um acordo, passa-se a resolver o problema através da arbitragem. Esse mesmo raciocínio é aplicável para o arb-med. As “portas” abrem um leque de opções que podem ser utilizadas, permitindo o encami- nhamento do problema à alternativa apropriada com o devido cuidado e atenção. E na busca de tratar os conflitos com zelo e prudência é que se acredita que a implementação do Sistema Múltiplas Portas no Brasil venha minimizar as desvantagens no Sistema Jurídico e proporcionar uma melhor qualidade no atendimento das demandas sociais. CONCLUSÃO Destaca-se o Fórum Múltiplas Portas como meio eficaz para o tratamento dos conflitos sociais. Através do Fórum Múltiplas Portas, a controvérsia é encaminhada para o método que melhor se ajuste para o seu tratamento, aumentando as chances de se encontrar uma solução viável para a problemática. Uma das “portas” é a adjudicação, ou seja, o caminho tradicional- mente utilizado: o Poder Judiciário. No entanto, busca-se empregar as fórmulas conhecidas como “alternativas” antes da adjudicação, como métodos prévios de resolução dos conflitos, tentando-se evitar o início de mais um processo judicial. Nessa perspectiva, a mediação e a con- ciliação prévias, bem como a negociação e a arbitragem44 seriam as estratégias que caminham no sentido de conscientizar a população, para que as pessoas venham a ter maior autonomia 3 Importante destacar a necessidade da separação das funções do mediador e do árbitro, considerando que um único indivíduo irá exercer os dois papéis, pois cada instituto possui seus princípios e características e isso deve ser respeitado/preservado. 4 Apesar de se mencionar somente a mediação, conciliação, negociação e arbitragem, as demais alternativas expostas no decorrer do trabalho estão, implicitamente, incluídas. 43Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem sobre os seus conflitos e problemas, evitando a recorrência ao Judiciário. Entende-se que é possível a utilização dessa sistemática paralelamente ao Poder Judiciá- rio, porém, é natural certa relutância face àquilo que é desconhecido. É fundamental manter-se aberto às possibilidades que se apresentam, especialmente quando o impacto na maneira de se avaliar e tratar as relações sociais pode ser tão profundo. A sociedade e os conflitos são entes di- nâmicos e, sendo assim, o Direito precisa tentar acompanhar esse dinamismo. Nesse sentido, é interessante destacar o fato de que os métodos considerados informais acolhem o conflito, pois propiciamuma discussão acerca da disputa, e é a partir desse debate que se dá a evolução social. Os procedimentos informais que foram aqui apresentados procuram fazer com que a decisão seja tomada de uma forma justa, atendendo às características de cada um dos institu- tos. O Judiciário é importantíssimo e necessário, porém, não está conseguindo garantir para a população toda a eficiência que é esperada. Existem muitos conflitos e, por isso, existem vários métodos que podem vir a auxiliar o sistema Judiciário. Apesar de se tratar de alternativas infor- mais55, elas, quando realizadas corretamente, garantem justiça. O excesso de burocracia e ritos, que fogem do conhecimento dos cidadãos, não é o que vai garantir uma justiça mais eficiente. A simplificação do Direito provoca a aproximação com o cidadão. A necessidade social faz com que os instrumentos classificados como “alternativos” sejam mais valorizados. No entanto, essa rotulação não é condizente no viés técnico e histórico. Em primeiro lugar, por não ser a via jurisdicional a mais antiga forma de solucionar conflitos e, em segundo, porque os meios chamados alternativos não excluem o judicial. O que ocorre é uma complementação. O Fórum Múltiplas Portas não vem à tona simplesmente para “descongestionar” o Judi- ciário abarrotado de processos. Ele é uma opção positiva de tratamento de controvérsias. Nesse aspecto, os conflitos podem ser considerados como negativos quando as partes não encontram uma solução satisfatória para o problema. Já quando administrados de forma condizente/ade- quada, os envolvidos resolvem a dificuldade, estabelecendo uma situação de ganhos mútuos. Através da utilização de pensamentos criativos, provocadores de motivação, pode-se chegar a uma resposta, ou seja, em um contexto de cooperação entre os envolvidos, nasce a administra- ção positiva do conflito. Essa noção da palavra conflito deve ser multiplicada, para que a so- ciedade atinja uma consciência colaborativa em relação às diferenças de opinião. E assim, por meio de uma cultura vinda do consenso, espera-se tornar a vida em sociedade uma experiência mais enriquecedora. REFERÊNCIAS BARBOSA, Ivan Machado. Fórum de Múltiplas Portas: uma proposta de aprimoramento processual. In: AZEVEDO, A. G. (Org.). Estudos em arbitragem, mediação e negociação. 5 Classificadas dessa forma por não se tratarem do rito formal do Judiciário. 44 Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem Brasília: Grupos de Pesquisa, 2003. Disponível em: <http://vsites.unb.br/fd/gt/Volume2.pdf>. Acesso em: 10 abr. 2013. p. 243-262. BRASIL. Código de Processo Civil. Brasília: Senado Federal, 1973. ______. Lei 9.307 de 23 de setembro de 1996. Brasília: Senado Federal, 1996. CAHALI, Francisco José. Curso de arbitragem. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. CALMON, Petrônio. Fundamentos da mediação e da conciliação. Rio de Janeiro: Forense, 2008. DANTE, P. M.; ALMEIDA, A. P. Negociação e solução de conflitos: do impasse ao ganha-ga- nha através do melhor estilo. São Paulo: Atlas, 2006. GOLDBERG, B. et al. Dispute resolution: negotiation, mediation and other processes. 5. ed. New York: Aspen Publishers, 2007. MOORE, Christopher. O processo de mediação: estratégias práticas para a resolução de con- flitos. Porto Alegre: Artmed, 1998. MORAIS, J. L. B.; SPENGLER, F. M. Mediação e arbitragem: alternativas à jurisdição! 3. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012. NUNES, A. O.; SALES, L. M. M. A possibilidade do alcance da justiça por meio de mecanis- mos alternativos associados ao judiciário. In: CONPEDI, 2010. Disponível em: <http://www. conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/florianopolis/Integra.pdf>. Acesso em: 25 mar. 2013. OLIVEIRA, L. D.; SPENGLER, F. M. O fórum múltiplas portas como política pública de acesso à justiça e à pacificação social. Curitiba: Multideia, 2013. RODRIGUES JÚNIOR, Walsir Edson. A prática da mediação e o acesso à justiça. Belo Hori- zonte: Del Rey, 2006. SCAVONE JÚNIOR, Luiz Antônio. Manual de arbitragem. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. SILVA, Antônio Hélio. Arbitragem, mediação e conciliação. In: LEITE, Eduardo de Oliveira. (Coord.). Grandes temas da atualidade: mediação, arbitragem e conciliação. Rio de Janeiro: Forense, 2008. SPENGLER, Fabiana Marion. Da jurisdição à mediação: por uma outra cultura no tratamento de conflitos. Ijuí: Editora Unijuí, 2010. 45Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem SPENGLER, Fabiana Marion. A busca pela verdade: uma necessidade nas práticas judiciais e uma possibilidade nas práticas comunicativas mediadas. In: SPENGLER, F. M.; LUCAS, D. C. Justiça restaurativa e mediação: políticas públicas no tratamento dos conflitos sociais. Ijuí: Editora Unijuí, 2011. VASCONCELOS, Carlos Eduardo. Mediação de conflitos e práticas restaurativas. São Paulo: Método, 2008. 46 Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem A TRANSDISCIPLINARIDADE NA MEDIAÇÃO COMO FORMA DE SOLUÇÃO DOS CONFLITOS FAMILIARES Francisco Ribeiro Lopes Mestrando do Programa de Pós-Graduação - Mestrado em Direito, da Universidade de Santa Cruz do Sul; inte- grante do grupo de estudos de “Políticas Públicas no Tratamento dos Conflitos”, liderado pela Dra. Fabiana Marion Spengler. Especialista em direito previdenciário pela Escola da Magistratura Federal-ESMAFE/POA; Membro da Academia de Letras e Artes Sepeense- ALAS. Lilian Thais Konzen Graduanda do décimo semestre do Curso de Direito da Universidade de Santa Cruz do Sul; Graduanda do terceiro semestre do Curso de Psicologia da Universidade de Santa Cruz do Sul; Bolsista PUIC vinculado ao projeto de pesquisa intitulado “Acesso à justiça, jurisdição (in)eficaz e mediação: a delimitação e a busca de outras estraté- gias na resolução de conflitos”; integrante do grupo de estudos “Políticas Públicas no Tratamento dos Conflitos”, liderado pela Dra. Fabiana Marion Spengler. INTRODUÇÃO Na sociedade atual, o Poder Judiciário necessita de novos mecanismos para dar resposta à sociedade e a mediação e a psicologia possuem um papel fundamental para harmonizar os conflitantes. Nesse contexto, é de extrema relevância mencionar que as partes antes de procurarem o Poder Judiciário, encontram-se envolvidas em acaloradas discussões, nas quais normalmente não existe o respeito, sendo prova disso os milhares de processos de separação e/ou divórcio que lotam as Varas de Família. Com isso, essas atitudes acabam gerando prejuízos tanto ma- teriais como emocionais aos litigantes, o que dificulta ainda mais a manutenção dos vínculos. Destacam-se os prejuízos emocionais acarretados com a manutenção da boa convivên- cia entre os litigantes, o que é visível em especial nos casos que envolvem menores, nos quais é necessário agir com cautela para não causar danos irreversíveis aos interesses dos envolvidos no conjunto da relação conflituosa. É com essa preocupação de resgatar o diálogo e o respeito entre os litigantes, que o Direito e a Psicologia somam-se para uma solução eficaz, sendo que a resolução de conflitos oferecidos pelo Poder Judiciário, não abrange as necessidades atuais dos conflitos familiares, pois a ausência de celeridade, de negociação e de diálogo ocasionam diversos transtornos aos abrangidos pelo certame, gerando insatisfação aos jurisdicionados que se percebem ilhados em 47Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem processos infinitamente desgastantes. Dessa forma, o grande desafio é romper esse paradigma de monopolização estatal, como forma de tratamento e deslinde de litígios. Surge assim a mediação como espécie da autocom- posição, tendo por objetivo visualizar a paz conflitual e empregar o diálogo como principal ferramenta para a satisfação mútua, e,por corolário, a almejada celeridade do tratamento da resolução. Imperioso ressaltar, que a mediação é um método eficaz e apto para a aplicação no tra- tamento envolvendo conflitos familiares, havendo a necessidade de manutenção dos vínculos entre os litigantes e a constante busca pela rapidez, o que poderá ser alcançado através da apli- cação do referido método de autocomposição, tendo como base o consenso e o diálogo entre as partes, sendo o mediador aquele que fornecerá subsídios ao deslinde processual, sem intervir na motivação e interesses dos litigantes. Registra-se, que o presente estudo visa apontar os benefícios da aplicação da mediação nas relações familiares através da transdisciplinaridade, contudo, não tem o intento de esgotar a matéria correlacionada, a qual, diga-se, é servida de grande acervo doutrinário. Outrossim, destaca-se a necessidade de enaltecer o tema supracitado para um avanço na sociedade atual em face dos conflitos familiares, sendo que a sociedade atual carece e merece soluções que abarquem o todo e não singelas soluções que no passar dos anos ocasionarão no- vamente conflitos pela falta de uma decisão mais ampla. 1 A APLICAÇÃO DOS MÉTODOS DE AUTOCOMPOSIÇÃO COMO MEIO ADE- QUADO DE DESLINDE CONFLITUAL Os conflitos familiares são sempre complicados, pois na grande maioria envolvem me- nores e os desgastes emocionais são irreversíveis se não tratados a tempo, com isso, os métodos de autocomposição vêm como alternativa para o restabelecimento do respeito, diálogo e convi- vência entre os envolvidos na retomada de suas vidas. Destaca-se que os conflitos podem ser consensualmente solucionados pela autocompo- sição, em suas diversas formas, quais sejam transação, submissão e renúncia. Assim, a solução do conflito é determinada pela vontade das partes, seja unilateralmente – no caso da submissão, em que uma das partes se submete à pretensão contrária, ainda que legítima sua resistência, como no reconhecimento jurídico do pedido no curso da lide processual (art. 269, II, do CPC) e ainda a renúncia, em que uma das partes abdica de seu direito – ou bilateralmente, no caso específico das formas de transação. Em todas as espécies autocompositivas não há decisão impositiva de um terceiro, o que condiz com um Estado Democrático de Direito, em que pese se for realizada a autocomposição no curso processual, haja o exercício da jurisdição, pois formalmente há uma sentença de mérito (art. 269, II, III e V, do CPC), embora o conflito tenha 48 Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem sido resolvido pelas partes. Uma das espécies de transação é a negociação, uma transação bidirecional concebida para chegar a um acordo, em que as partes, sem a intervenção de terceiros, conseguem chegar a uma decisão que, em muitos momentos, não tem a dimensão dos problemas sancionados. Imperioso destacar, que há outras duas formas de transação: a conciliação e a mediação, as quais têm em comum a interferência de um terceiro na busca da autocomposição e, por outro lado, diferem-se pela posição deste terceiro, isto é, na conciliação o terceiro intervém oferecen- do soluções para a composição do conflito e na mediação o terceiro intermediário constrói um diálogo entre as partes para que elas resolvam por si o conflito. Com isso, é notório que em ambos os casos, o terceiro não impõe sua vontade, e sim facilita o diálogo, viabilizando o diálogo, com técnicas para a solução integral dos conflitos familiares em nossa sociedade. Nesse contexto, a busca por formas de resolução sempre causou desgaste e muito tra- balho aos envolvidos em conflitos das mais diversas espécies, haja vista que as divergências de opiniões são decorrentes da própria vivência em sociedade, sendo, desta forma, inerente à atividade humana (SILVA, 2008, p. 19). Menciona-se ainda, que embora os conflitos sejam tratados como exceção, na atualidade surge uma cultura conflitual, onde, em diversas situações e nos variados graus de complexida- de, busca-se o embate para o alcance de determinada pretensão, ou seja, o convívio em socie- dade é uma tarefa difícil decorrente dessa cultura, na qual tudo se resolve de forma conflituosa. Nessa toada, surge a necessidade de se levantar outros métodos resolutivos de conflitos, que com o objetivo de auxiliar o judiciário poderiam inclusive viabilizar novas formas, céleres e enriquecedoras, de se alcançarem os objetivos dos demandantes. Silva e Leite (SILVA, 2008, p. 21) salientam em seu magistério que a desjudicialização da Justiça através de meios alternativos é uma das formas viáveis para solução de litígios, ci- ta-se: a adoção de meios alternativos de solução de litígios está associada a processos e movimentos de informalização e desjudicialização da justiça, à sua simplicidade e celeridade processual, através do recurso a meios informais para melhorar os procedi- mentos judiciais e à transferência de competências para instâncias não judiciais, o que não leva ao enfraquecimento do Poder Judiciário. [...] Sobre tais formas alternativas de resolução de conflitos tenho a dizer que elas podem existir paralelamente à forma tradicional. Os autores mencionam que a indicada autocomposição, como forma resolutória de con- flito, pode ocorrer tanto extrajudicial como judicialmente, o que vem ampliar sua aplicabilidade nos casos concretos, bem como fomentar sua aceitação na sociedade. 49Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem Nesse sentido, os renomados autores Spengler e Morais (MORAIS; SPENGLER, 2008, p. 75) também defendem a aplicação dos métodos de autocomposição no objetivo de buscar novas alternativas, elucida-se: esse novo modelo de composição dos conflitos possui base no direito fraterno, cen- trado na criação de regras de compartilhamento e de convivência mútua que vão além dos litígios judiciais, determinando formas de inclusão de proteção dos direitos fun- damentais. Existem outros mecanismos de tratamento das demandas, podendo-se citar a conciliação, a arbitragem e a mediação. Trata-se de elementos que possuem como ponto comum o fato de serem diferentes, porém não estranhos ao Judiciário, operan- do na busca da “face” perdida dos litigantes numa relação de cooperação pactuada e convencionada, definindo uma “justiça de proximidade e, sobretudo, uma filosofia de justiça do tipo restaurativa que envolve modelos de composição e gestão do conflito menos autoritariamente decisórios”. Os autores (MORAIS; SPENGLER, 2008, p. 77), a fim de agregar fundamentos à me- todologia da autocomposição, destacam: em termos organizacionais, o Poder Judiciário foi estruturado para atuar sob a égide dos códigos, cujos prazos e ritos são incompatíveis com a multiplicidade de lógicas, procedimentos decisórios, ritmos e horizontes temporais hoje presentes na economia globalizada. Nestes termos, o tempo do processo judicial é o tempo diferido. [...] nesse contexto, demonstrada a incapacidade do Estado de monopolizar esse processo, tendem a se desenvolver procedimentos jurisdicionais alternativos, como a arbitra- gem, a mediação, a conciliação e a negociação, almejando alcançar celeridade, infor- malização e pragmaticidade. Registra-se, ainda, que é equivocado o pensamento de que o Estado-juíz deve mono- polizar a solução dos litígios, haja vista que deve ser depositada uma dose de confiança nos cidadãos para que resolvam, por si próprios, as suas incongruências. No estado democrático a efetivação da cidadania é extremamente importante e deve ser estimulada pelos entes estatais para proporcionar a liberdade e o enriquecimento cultural até então sombreados pela tutela ju- risdicional exclusiva do Poder Judiciário (SILVA, 2008, p. 17-38). A autocomposição tem o escopo de possibilitar uma forma alternativa aos jurisdicio- nados inviabilizados pelo engarrafado sistema judiciário, bem como, inclusive, traz muitos benefíciosaté então impossibilitados pelo excesso de formalismo jurisdicional, o que, diga-se aqui, não se trata de posicionamento contrário, já que, em sua maioria, tais formalidades são necessárias. Pincelada a necessidade da utilização de novas formas resolutivas de conflitos, dar-se-á enfoque na mediação, a fim de analisá-la, bem como caracterizá-la como apta ao auxílio para o Poder Judiciário. 50 Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem 2 A MEDIAÇÃO COMO MEIO ADEQUADO DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS FA- MILIARES O instituto da mediação mostra-se como um meio não adversarial de solução de con- flitos, que visa possibilitar o diálogo, havendo uma conduta de valorização de todas as partes envolvidas no litígio, ou seja, vai ao encontro do direito de família contemporâneo que permite a incidência dos princípios fundamentais nas relações familiares admitindo uma readequação dos envolvidos através da situação narrada pelas partes. Conforme Vasconcelos (2008), há modelos diferentes de mediação, um focado no acor- do e outro focado na relação. No caso de conflitos familiares, que ocorrem entre pessoas que mantêm relações permanentes ou continuadas, a mediação focada na relação obtém melhores resultados. A sua natureza transformativa supõe uma mudança de atitude em relação ao conflito, vez que se busca capacitar os mediandos em suas narrativas, identificar as expectativas, os reais interesses, necessidades, construir o reconhecimento, verificar as opções e levantar os dados de realidade, com vistas, primeiramente, à transformação do conflito ou à restauração da relação e, só depois, à construção de algum acordo. Os conflitos familiares que transparecem sentimentos como: hostilidade, vingança, de- pressão, ansiedade, arrependimento, ódio, mágoa, medo, dificultam o relacionamento e a co- municação entre as partes. Nesse momento, durante uma crise, os parentes não conseguem conversar de forma ordenada e pacífica para resolver suas controvérsias. Assim, a mediação familiar incentiva a co- municação entre as partes, responsabilizando-as pela formação de uma nova relação baseada na mútua compreensão, respeito e diálogo para tentar proporcionar uma reflexão sobre o conflito e as possibilidades de solucionar aquela insatisfação familiar. A mediação, sobretudo a familiar, objetiva pôr fim ao conflito real, e não ao aparente, pois assim estará sendo solucionado o verdadeiro problema. Deste modo, a mediação propõe um trabalho de desconstrução do conflito, fazendo com que os mediados encontram as reais motivações de suas disputas e as solucionem de forma pacífica e respeitosa. Além disso, a mediação busca a valorização do ser humano e a igualdade entre as partes. Portanto, nos conflitos familiares, que muitas vezes são marcadas pela desigualdade entre ho- mens e mulheres, a mediação promove o equilíbrio entre os gêneros, na medida em que ambos possuem as mesmas oportunidades dentro do procedimento. Assim, a mediação não deve ser concebida somente sob o enfoque da solução de con- flitos, e sim da construção de uma cultura de paz. Isso porque tal método autocompositivo mostra-se como instrumento de distribuição de justiça com afeto (GONÇALVES, 2011, p.17) e de concretização de valores fundamentais à pessoa humana. Assim, a mediação acolhida como princípio dá vida aos direitos (BARBOSA, 2008, p. 22). O princípio de proteção da dignidade da pessoa humana é fundamento do Estado Demo- 51Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem crático de Direito e está insculpido no artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal. Com isso, menciona-se que o princípio supracitado é um superprincípio que deve ser analisado a partir da realidade do ser humano em seu contexto social (TARTUCE, 2011, p. 986). Tal princípio fundamenta também todos os valores do homem internacionalmente reco- nhecidos, os quais são privilegiados pelo princípio da mediação, isto é, capacita o ente familiar à conquista da liberdade interna e à igualdade, propiciando a manutenção da relação afetiva. Destaca-se que a mediação é opção apta para o alternativismo dos refugiados do judici- ário, em razão de viabilizar um procedimento diferenciado e com proposta de trazer inúmeros benefícios como corolário. Conforme aponta Verônica A. da Motta Cezar-Ferreira (CEZAR- -FERREIRA, 2007, p. 158): a mediação é uma prática não terapêutica que vem sendo largamente difundida, mun- dialmente, e obtendo bons resultados, sobretudo em culturas de tradição comunitária, nas quais as comunidades, há tempos, cultivam o hábito de tentar resolver os próprios problemas, antes de entregá-los às autoridades competentes. É o caso de certos Esta- dos americanos e países da Europa. A doutrina ainda prossegue com conceituações esclarecedoras da dinâmica oferecida pela mediação, a qual, através do diálogo e do bom senso, proporciona aos litigantes vias de re- solução enraizadas na maturidade e no crescimento pessoal, pois, ao que se percebe, os ganhos são mútuos, sem o enquadramento de ganhador e perdedor previstos no procedimento judicial comum. Tal expressão de autocomposição é baseada no diálogo entre os ligantes, os quais, en- volvidos em tumultuada situação de atrito material e/ou emocional, são estimulados e conscien- tizados das vantagens da escolha por um modo pacífico e maduro de deslinde processual. Desta forma, a mediação possui vários objetivos, como bem assevera Sales (SALES, 2007, p. 33-34): a mediação possui vários objetivos, dentre os quais se destacam a solução dos confli- tos (boa administração do conflito), a prevenção da má administração de conflitos, a inclusão social (conscientização de direitos, acesso à justiça) e a paz social. (Grifado original) A doutrina é didática ao trazer à baila a sua conceituação e procedimento, dizendo que “A mediação não radicaliza e procura aproveitar cada oportunidade aberta pelo discurso das partes, para favorecer e estimular o diálogo inexistente ou comprometido” (LEITE, 2008, p. 132). Visualiza-se que muitas vezes os litigantes não conseguem, através da simples nego- ciação, direcionar a discussão para o seu deslinde, sendo que então surge a figura do terceiro mediador, o qual se torna necessário para o auxílio no direcionamento dos envolvidos (SILVA, 2008, p. 17-38). Assim, sua função é de aproximação dos litigantes, procurando flexibilizá-los 52 Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem ao deslinde. A imparcialidade deste auxiliador é indispensável ao bom desenrolar do procedimento, haja vista que, caso contrário, poderá ir de encontro ao escopo desejado. Assim, nas palavras de Cezar-Ferreira (CEZAR-FERREIRA, 2007, p. 165): “Ele realmente precisará manter-se equi- distante dos interesses e necessidades dos mediados, sob risco de não poder ajudá-los”. Nesse sistema de resolução, a iniciativa das partes acaba deslocando para si a respon- sabilidade de encontrar o deslinde ao caso concreto, forçando (somente no uso expressivo da palavra) os litigantes a manter uma boa relação, diferentemente do quadro anteriormente visto, no qual se enxerga uma verdadeira guerra judiciária. No modelo tradicional de solução de conflitos – Poder Judiciário -, existem partes antagônicas, lados opostos, disputas, petição inicial, contestação, réu, enfim, inúme- ras formas de ver o conflito como uma disputa em que um ganha e o outro perde. Na mediação a proposta é fazer com que os dois ganhem – ganha-ganha. Para se alcançar esse sentimento de satisfação mútua, é necessário se discutirem bastante os interesses, permitindo que se encontrem pontos de convergência, dentre as divergências relatadas (SALES, 2007, p. 26). Outrossim, há casos específicos em que a mediação é apontada como forma mais eficaz para a busca do deslinde conflitual, nestes casos então deverá ser severamente incentivada. Assim, dentre as situações a que merecem destaque o procedimentoda mediação, menciona-se os conflitos familiares, haja vista que, em sua maioria, necessitam os litigantes manter o rela- cionamento saudável e harmonioso. A mediação, por suas peculiaridades, torna-se um meio de solução adequado a con- flitos que envolvam relações continuadas, ou seja, relações que são mantidas apesar do problema vivenciado. Ressalta-se, também, que os conflitos que tratam de sen- timentos e situações, fruto de um relacionamento – mágoas, frustrações, traições, amor, ódio, raiva – revelam-se adequadas à mediação. Isso porque, é nesses tipos de conflitos que se encontram as maiores dificuldades para o diálogo, em virtude da intensidade dos sentimentos. Na mediação, há um cuidado, por parte do mediador, de facilitar esse diálogo entre as partes, de maneira a permitir a comunicação pacífica e a discussão efetiva dos conflitos (SALES, 2007, p. 24-25). Assim, dada a importância do saudável tratamento dos conflitos envolvendo questões familiares, nas quais, por suas consequências, deve-se visar à manutenção do bom relaciona- mento entre os envolvidos, faz-se necessário analisar a viabilidade da aplicação do referido instituto nas situações mencionadas. 53Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem 4 A MEDIAÇÃO FAMILIAR A PARTIR DE UMA VISÃO PSICOJURÍDICA É relevante o pressuposto interacional de que todo litígio envolve um problema de re- lacionamento ou acaba por desembocar em dificuldade relacional, ao se discutirem questões aparentemente objetivas (CEZAR-FERREIRA, 2007, p. 162). Para algumas pessoas, a participação em um ritual jurídico pode significar um desafio psicológico. O juiz representa um poder e é a figura a quem as partes delegam a responsabili- dade pelos resultados. Tal decisão não pertence às partes, mas ao julgador, corpo de jurados, peritos e assistentes técnicos, enfim, quem participa direta ou indiretamente do resultado. Na visão psicanalítica, pode-se equivaler esse poder ao superego11. Nos casos decididos nas vias tradicionais do Judiciário, a decisão pode ser insatisfatória, porém, há o ganho secundário de ter sido cuidado por alguém maior. O mecanismo de defesa de projeção22 pode estar presente, com transferência de culpa a outras figuras pela decisão (MESSA, 2010, p. 82-83). A maior dificuldade na solução das causas de família está em que os conflitos emo- cionais/relacionais entre os litigantes, frequentemente, dão substrato à disputa. Os conflitos emocionais não elaborados da dupla parental tendem a comandar a ação (CEZAR-FERREIRA, 2007, p. 118). A sistemática judicial, da forma como se desenrola, gera por si própria um sistema de ataques mútuos, em função da necessidade de se produzir provas, concretizar argumentos satis- fatórios ao convencimento e, muitas vezes, eliminar os interesses da parte contrária. Em se tratando de Direito de Família, o processo não deve se limitar à ideia do ga- nha–perde presente na grande maioria dos processos judiciais e na própria mentalidade dos litigantes. Nas palavras de Leite (LEITE, 2008, p. 106) “o ser humano é o ator e autor principal, ressaltando ainda mais, a busca de soluções que evitem, a qualquer custo, a figura do ‘vencedor’ e a do ‘perdedor’, da vítima e do algoz”. As pessoas recorrem ao judiciário na busca da formalização de situações que materiali- zam a ruptura do relacionamento já acontecido, e na maioria das vezes ainda não realizado, no plano psicológico (ROVINSKI; CRUZ orgs. 2009, p. 238). Assim, a figura da mediação surge como alternativa para a melhor solução daqueles conflitos que geram desgaste emocional, o 1 Na psicologia freudiana, o superego, ou “super eu”, representa os aspectos morais e ideias da personalidade, sendo guiado pelos princípios moralista e idealista, em oposição a princípio do prazer do id e ao princípio de realidade do ego. O superego desenvolve-se a partir do ego e, como este, não tem energia própria. No entanto, o superego distingue-se do ego em um aspecto importante: ele não tem contato com o mundo externo e, assim, apresenta demandas irreais de perfeição. O superego tem dois subsistemas, a consciência e o ego-ideal. Freud não distinguiu claramente as duas funções, mas, em geral, a consciência resultaria de experiências associadas a castigos por comportamentos inadequados e nos revelaria o que não deveríamos fazer, enquanto o ego-ideal desenvolve-se a partir de experiências com recompensas aos comportamentos adequados e nos afirmaria aquilo que deveríamos fazer. (grifado original) (FEIST; FEIST, 2008, p. 30). 2 Quando um impulso interno produz muita ansiedade, o ego pode reduzir esta ansiedade ao atribuir o impulso indesejado a um objeto externo, geralmente outra pessoa. Este é o mecanismo de defesa da projeção, que pode ser definido como perceber em outros sentimentos ou tendências inaceitáveis que, na verdade, residem no próprio inconsciente do individuo. (grifado original) (FEIST; FEIST, 2008, p. 37). 54 Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem que acontece em especial nas Varas da Família. A mediação, nas palavras de Cezar-Ferreira (CEZAR-FERREIRA, 2007, p.164): é menos dispendiosa e menos desgastante, emocionalmente. Na família, as pessoas é que tomam as decisões sobre o seu futuro e dos dependentes. Elas é que estabelecem as normas que regerão a vida dos filhos, dividem o patrimônio e resolvem o que é mais justo a respeito das próprias necessidades. Na mediação, as pessoas são levadas a agir cooperativamente, diante de opções rea- listas, e não a fazer acusações desmedidas ou pleitos baseados unicamente em seu posicionamento pessoal. A mediação favorece a flexibilidade e a criatividade. Além disso, é efetivamente pri- vada, de modo que o casal não precisa levar aos autos do processo os problemas do casamento. Só leva as soluções. A mediação, portanto, mostra-se importante forma de deslinde processual, cuja apli- cação deve ser estimulada em especial nos casos familiares, posto que viabiliza a boa relação dos conflitantes, o que é raramente possível no processo judicial comum, haja vista que este se limita a estabelecer a razão legal, sem adentrar nas questões pessoais e de cunho emocional comumente extraviadas pelo término e pelo desgaste do relacionamento. O escopo primordial é resolver os conflitos inerentes à ordem pessoal, evitando assim que a situação se prolongue no tempo. O trunfo da mediação é a restauração do diálogo e da comunicação, alcançando sua pacificação duradoura. [...] É muito utilizada em processos de família, principalmente nos de separação e divórcio. A mediação, além do acordo, visa também à melhoria da relação entre as partes en- volvidas. Uma parte poderia, por exemplo, se sentir aliviada, satisfeita ou reconheci- da, tanto pela sua condição, quanto pela condição da outra parte. Isso permitira uma maior empatia e, consequentemente, maior facilidade na reconstrução das relações humanas. (Grifado original) (SILVA, 2008, p. 25). Em termos psicológicos, a mediação promove o deslocamento de emoções negativas para positivas, concentrando-se nelas, focalizando o bom, negociando para construí- -lo com base no sucesso das ações relacionadas com essas emoções. Distingue-se pelo foco na importância da relação interpessoal, por deslocar a figura da queixa, ou seja, os mediandos podem identificar outros interesses, exercitando suas características de personalidade de independência e autocontrole, pela neutralização do poder de uma parte sobre a outra e possível sentimento de paz interior e tranquilidade ao final de uma sessão bem-sucedida. Deve-se evitar, portanto, que o atendimento tenha um ca- ráter terapêutico, sem garantir a resolução dos acordos necessários ao fim do conflito, buscando uma conduta pautada na ética (MESSA, 2010, p 84). É importante frisar que a viabilização da mediação está ligada à maturidade das partes em lidar com a situação abstrata, pois caso não haja apercepção da importância da manutenção dos vínculos estabelecidos até então, não restará outra alternativa a não ser o acionamento do 55Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem Judiciário. Nas palavras de Leite (LEITE, 2008, p. 107): quando as partes não se submetem à solução apontada, ou quando por meio dela não se atingem os resultados esperados, ou mesmo quando as partes exigem o formalismo de uma sentença que os acautele de eventuais litígios futuros, não há a menor dúvida que a solução judicial é a mais acertada. Quando, entretanto, o conflito ainda não se manifestou em toda sua amplitude, ou quando as próprias partes manifestam suficiente maturidade para encontrar uma solu- ção, aí se revela importante a mediação que, paralela ao processo judicial, representa um papel decisivo ao lado de outros métodos de solução de disputas. A experiência do diálogo no processo de mediação do divórcio é relatada pelos partici- pantes como um momento de retomada da vida, anteriormente paralisada pela crise estabeleci- da durante a ruptura do vinculo conjugal. (RONVINSKI; CRUZ orgs, 2009, p. 245). Quando se permite às partes externarem suas emoções e exporem seus reais interesses, o aspecto psicológico do conflito é explorado e considerado (MESSA, 2010, p. 82). O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul tem obtido boas experiências ao proporcionar a mediação a muitos casais que buscam o divórcio. O trabalho do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, com Mediação do Divórcio, tem proporcionado a convivência com a realidade de muitos casais que buscam a con- cretização da ruptura da relação conjugal através das ações de separação e divórcio. As diferentes modalidades de separação destes casais revelam em si uma história que se inicia com a escolha do parceiro, perpetua-se durante a vida em comum e persiste nos temas que envolvem a separação. (RONVINSKI; CRUZ orgs, 2009, p. 236). Registra-se novamente, e com intuito fixador, que a figura do mediador é de salutar importância, pois este, que deverá ser dotado de conhecimento e treinamento técnico para for- mas resolutivas de conflitos, proporcionará a aproximação das partes, procurará identificar os pontos controvertidos e viabilizar o acordo, mas abstendo-se de sugestões (SILVA, 2008, p. 25). Desta forma, o rechaço à traumatização é mais concreto, pois com o tato do referido profissio- nal buscar-se-á o que até então não é possível visualizar nas decisões expostas nos procedimen- tos jurisdicionais comuns. O mediador familiar, em especial, vai facilitar aos oponentes confrontar seus pontos de vista quanto às questões familiares ajudando-as a discriminar seus interesses e ne- cessidades e a se voltarem para o encontro de soluções que os ajudem a dissolver os conflitos interpessoais e a dirigir sua vida e de sua família, de forma adequada e sau- dável daí pra frente. As dificuldades decorrentes da separação são de ordem familiar (CEZAR-FERREIRA, 2007, P. 165). Breitman e Porto (2001) preceituam que o mediador, e mais especificamente, o me- diador familiar, devem conhecer as intrincadas relações interpessoais; possuir habili- dades em gerenciamento de conflitos e negociação e ter noções de Direito de Famí- lia. Devem ainda, aduzem Haynes e Marodin (1996), ser percebido pelos mediandos 56 Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem como um terceiro equilibrado, imparcial e que pode auxiliar na criação e no desenvol- vimento de alternativas para a solução de seus problemas, além de ser o administrador do processo de mediação (RONVINSKI; CRUZ orgs, 2009, p. 223). A título exegético pode-se trazer à baila a questão do divórcio, talvez o mais propício para exemplificação, no qual se desbravam grandes desafios, tanto materiais quanto emocionais. A mediação do divórcio, de uma maneira geral, tem avançado como um modelo de encaminhamento de resolução de conflitos judiciais, mais breve e com menor custo emocional para as famílias, no qual o mediador se coloca no papel de facilitador de um ambiente propício à construção de um entendimento viável, que atenda a necessidade fundamental de cada pessoa envolvida. Neste contexto, é consenso, nos diferentes modelos de intervenção em mediação, a necessidade de uma postura de acolhimento às diferenças, de facilitação da comunicação e da utilização de recursos que propiciem uma diversidade de soluções (RONVINSKI; CRUZ orgs, 2009, p. 236). Para desenvolver este trabalho é preciso entender que o vínculo conjugal não é regu- lado apenas por regras fixas, estabelecidas pela cultura, pela moral, pela sociedade ou pela lei jurídica, mas se constrói também na relação que se estabelece entre os par- ceiros, dando origem a um modelo, que se traduz em normas válidas para aquele par. Toda relação possui um contrato não escrito, sob o qual são estabelecidas as normas que irão conduzir esta união, e que trazem em si aspectos de reciprocidade e comple- mentaridade das necessidades, dos desejos, anseios e medos que fazem parte da vida a dois. (RONVINSKI; CRUZ orgs, 2009, p. 236-237). Quanto à importância do advogado na resolução de conflitos familiares direcionados à mediação, considera-se errôneo o entendimento de que tal instituto veio roubar o espaço do referido profissional. Ao contrário, o advogado faz-se importante na solução do conflito, em especial o advogado familiarista, quando este se faz apto a manejar o processo de mediação, atuando em parceria com profissionais de outras áreas, tais como a psicologia e a assistência so- cial, de forma a comediar o processo, não se limitando à mera orientação profissional legal, mas sim adentrando nos casos e nas suas consequências, subjetivando o atendimento. Nas palavras de Cezar-Ferreira (CEZAR-FERREIRA, 2007, p. 162-163): no caso do Direito de Família, em especial, área jurídica em que as dificuldades emo- cionais tendem a exacerbar-se, os terapeutas familiares e os advogados familiaristas terão muito a oferecer, uma vez que sejam capacitados como mediadores familiares. Nessa área, a comediação apresentasse como instrumento desejável, e o mediador, terapeuta familiar, indispensável ao processo. Seguindo o raciocínio da atuação conjunta no processo de mediação de variadas áreas do conhecimento, interessante registrar a importante contribuição da ciência da Psicologia, considerando a questão terapêutica que se desenvolve na mediação, não como o objetivo prin- cipal do processo, mas como consequência do mesmo, vindo a atuar de forma complementar. 57Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem A proposta de Fonkert (1999) é na direção que, em geral, uma transformação terapêu- tica faz parte do processo de mediação. Essa autora, numa visão integradora e de base “sistêmica construcionista social” (p.169), sustenta que terapia e mediação, apesar das singularidades e indicações específicas, podem ser complementares e que há situações nas quais ambos os processos trazem benefício. Contudo, especificamente em relação ao ofício do mediador, a autora refere que ele é mais ativo do que o terapeuta: levanta informações, esclarece, define e organiza a situação, busca um diálogo mais colabora- tivo, estrutura as sessões, gerencia o conflito, focaliza os temas, auxilia na redação do acordo. A autora sustenta que o mediador também não é responsável pela melhoria da saúde emocional, apesar de a mediação ser menos estressante do que as intervenções competitivas de resolução de conflitos, o que gera menos ansiedade nos participantes. Um ponto que ressalta: quando os afetos aparecem nas sessões de mediação eles de- vem ser identificados, esclarecidos e levados em consideração, apesar de não serem o principal objeto da mediação, que possui temas, metas e tempo limitados e enfatiza o presente (RONVINSKI; CRUZ orgs, 2009, p. 222). Ressalta-se que a mediação visa auxiliar a questão social dosconflitos, mormente, como é o escopo no presente trabalho, nos casos familiares, haja vista o necessário cuidado para o rechaço de problemas futuros que inviabilizem pontos de extrema importância em uma família pós-ruptura. A mediação, no campo judicial da família, não deve ser vista como panacéia dos tempos modernos nem como solução para todos os problemas da área de família, - até porque nem todos os conflitos são mediáveis [...] – mas como uma prática promis- sora, como mais um meio de a rede social promover apoio aos membros da família em crise. [...] é necessário um trabalho profilático da saúde da família, nos casos de separação, sobretudo em prol dos filhos, e a mediação pode fazer parte das várias possibilidades (CEZAR-FERREIRA, 2007, p. 164). Trabalhada a importância da mediação em questões inerentes a aspectos familiares, a qual engloba os divórcios, as separações, as guardas, as visitações, as pensões, e outras formas ligadas à magnitude desta questão, percebe-se que tal ferramenta de resolução alternativa de conflitos é de suma importância, tendo-se por base as propostas de atendimento a ambos os interesses das partes, bem como a busca pela harmonia e convivência dos litigantes na fase de pós-ruptura da relação familiar. CONCLUSÃO Os conflitos familiares, como exposto no decorrer do presente trabalho, merecem espe- cial atenção dos profissionais e instituições atuantes na área da resolução de conflitos, sendo a transdisciplinaridade uma forma de resolver os conflitos da sociedade moderna que necessita de um acompanhamento mais específico do que o meio disponibilizado pelo Poder Judiciário, isto é, a forma tradicional não consegue sanar os problemas de forma célere e técnica. Deve haver um cuidado relacionado às consequências do procedimento de resolução de 58 Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem conflitos a ser adotado pelos litigantes, bem como a forma através do qual este irá se desenro- lar, haja vista que um dos objetivos é manter a paz social entre os envolvidos, os quais deverão manter a harmonia e o respeito mesmo após a ruptura do relacionamento. O instituto da mediação apresenta, portanto, uma proposta diretamente ligada aos inte- resses acima referidos, já que busca a resolução dos embates através de um diálogo direcionado e acompanhado por profissionais capacitados, os quais deverão apresentar toda a estrutura para auxiliar na busca do deslinde. Registra-se que esse auxílio não é intervencionista, não almejan- do a intromissão do mediador no escopo das partes, pois sua função primordial é proporcionar os meios para que estas consigam por si próprias entrar em um acordo que atenda aos interesses de ambas, bem como de terceiros diretamente relacionados ao conflito. As formas de justiça alternativa visam auxiliar o bem-estar dos litigantes, bem como subsidiar o Poder Judiciário ante o seu quadro de asfixia e que, de vários pontos de vista, não é o mais aconselhável para conflitos de cunho sentimental e emocional, em razão das inúmeras consequências negativas e exigências para a sua efetivação. Desta forma, não se almeja retirar a competência do Judiciário, mas tão somente viabilizar o acesso célere, econômico e efetivo à justiça em casos em que é exigido um tato mais específico para a resolução. Salienta-se também que o presente escopo não é desacreditar e surrupiar a função do Judiciário, uma vez que é incontestável seu funcionamento no exercício da manutenção e da ordem para subsidiar o pleno funcionamento do Estado de Direito, mas indicar a importância do método adequado da mediação como forma eficaz. Ainda, gize-se que há inúmeros outros con- flitos em que se faz necessário o tratamento jurisdicional, para os quais, inclusive, conseguirá dedicar-se com maior amplitude. Assim, a mediação é método de excelentíssima capacidade para dirimir tais conflitos que exigem tamanho cuidado, haja vista que o diálogo direcionado e bem instruído é mais efi- caz para uma visão de manutenção do respeito e da boa convivência. Neste ponto, o mediador ou determinado órgão responsável a tal procedimento, com os mecanismos adequados ao eficaz entendimento e ponderação dos objetivos da mediação, auxi- liará (sem intervir) nas mais diversas situações em que se deve dedicar com cautela, viabilizan- do a autocomposição e afastando os empecilhos do sistema jurisdicional comum que prendem ao formalismo, bem como a batalha entre os conflitantes. Almejando uma forma didática e ilustrativa, imagine-se o enorme número de prejuízos evitados com a efetivação desta forma dissolutiva de conflitos, como relações duradoras de pais e filhos antes embaraçados por rancor e mágoas ancoradas no passado; um divórcio conturba- do que poderia ter uma boa pós-ruptura se os envolvidos tivessem o devido direcionamento à maturidade; a questão de majoração de pensão alimentícia poderia ser facilmente deferida se os litigantes realmente ponderassem o quão importante é a filtragem de seus esforços, inclusive os materiais, para a boa educação de seus filhos. 59Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem É neste ponto que a interdisciplinaridade psicojurídica se faz tão importante. Para que as soluções acima descritas sejam deveras efetivadas é de suma necessidade que o processo de mediação seja realizado por uma equipe composta por profissionais de variadas áreas, desde aquele que será o mediador, qualificado e apto para tal serviço, até a participação de uma boa equipe jurídica, psicólogos e assistentes sociais. Como ressaltado no texto, a mediação não vem a ser um processo terapêutico, no entan- to, acaba muitas vezes por acarretar tal efeito, em especial nos casos de Direito de Família, os quais são carregados de problemas de relacionamento e questões emocionais. A mediação, em termos psicológicos, possibilita o deslocamento de emoções negativas para positivas, ao permitir o diálogo entre os litigantes e a busca, por parte destes mesmos, da solução mais adequada ao seu caso. O aspecto psicológico resta explorado quando as partes têm a oportunidade de expor seus sentimentos e interesses. Desta forma, não faltam argumentos que autorizem e indiquem a mediação como forma resolutiva de conflitos, bem como esse é o entendimento de grande parte da doutrina, conforme demonstrado com o posicionamento de diversos autores que enfatizam claramente e de forma exaustiva o quão importante é tal questão. Com base nos argumentos citados, a possibilidade de se trabalhar a mediação como método de solução de conflitos envolvendo tais relações, atentando-se para a importância da autocomposição, não somente para resolver a lide jurídico-processual, mas também a contro- vérsia social, o que dificilmente se conseguirá com a heterocomposição, sem a manutenção do diálogo entre os entes. É com esse intuito que o instituto da mediação vem colaborar com o Po- der Judiciário, cujos entes envolvidos terão o direito de expressar suas angústias e seus anseios, com base no restabelecimento do diálogo, mantendo-se um sistema que enaltece o respeito, liberdade e igualdade entre as partes. Assim, procurou-se conceber a mediação como princípio ético, além de método alterna- tivo de solução do conflito existente no caso concreto, fundamental para melhorar as relações humanas através da comunicação. Menciona-se, ainda, que a interdisciplinaridade baseia-se em uma visão unitária do or- denamento jurídico, sendo ineficaz para a sociedade atual e seus problemas que ultrapassam o Direito. Nesse sentido, o instituto da mediação através da transdisciplinaridade entre Direito e Psicologia, possuem um papel fundamental no ordenamento jurídico, pois viabiliza um enten- dimento bem mais técnico sobre o real problema e de que forma o Direito pode sanar o conflito existente sem prejudicar os envolvidos. Com isso, pode-se afirmar que a transdisciplinaridade na mediação familiar proporcionaverdadeiras transformações, conscientizando os mediados de que cada qual deve buscar uma solução mutuamente satisfatória. Assim, busca-se desenvolver a responsabilidade dos envol- 60 Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem vidos, sensibilizando-os para a importância de sua participação cooperativa nas decisões de reorganização da família. Assim, visualiza-se na mediação a forma ideal para se tratar de assuntos de grande importância emocional e sentimental, como nos casos de conflitos familiares, em que se pro- porcionará, através do diálogo e da negociação, o crescimento dos envolvidos, rechaçadas as consequências negativas visualizadas no procedimento judicial e proporcionando uma relação saudável, harmoniosa e adequada às situações de pós-ruptura. REFERÊNCIAS ALENCAR, Emanuela Cardoso Onofre de. A mediação de conflitos. In: SALES, Lilia Maia de Morais; ANDRADE, Denise Almeida de (Org.). Mediação em perspectiva. Fortaleza: Uni- versidade de Fortaleza, 2004. BARBOSA, Águida Arruda. Mediação e princípio da solidariedade humana. 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In: LEITE, Eduardo de Oliveira 61Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem (Coord.). Mediação, arbitragem e conciliação. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2008, v. 7. p. 17-38. TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil: volume único. Rio de Janeiro: Forense; São Pau- lo: Método, 2011. VASCONCELOS, Carlos Eduardo de. Mediação de conflitos e práticas restaurativas. São Paulo: Método, 2008. ROVINSKI, Sonia Liane Reichert; CRUZ, Roberto Moraes organizadores. Psicologia jurídi- ca: perspectivas teóricas e processos de intervenção. São Paulo: Vetor, 2009. Alternativa – meio complementar. 62 Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem MEDIAÇÃO ENQUANTO NOVA POSSIBILIDADE FRENTE À PRISÃO DO DEVEDOR DE ALIMENTOS Marieli Trevisan Acadêmica do Curso de Direito da Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC. Bolsista do Programa de Inicia- ção Científica – PUIC. Theobaldo Spengler Neto Mestre em Direito pela Universidade de Santa Cruz do Sul (2000), na qual é professor adjunto. Professor de Direito Processual Civil (Processo de Conhecimento, Processo de Execução, Procedimentos Especiais e Processo Cautelar) e de Direito Civil - Responsabilidade Civil. Vice-líder do Grupo de Pesquisas “Políticas públicas no tratamento dos conflitos”, certificado ao CNPq. Sócio-titular do escritório Advocacia Spengler Assessoria Empresarial – SC e da Essere nel Mondo Editora Ltda. E-mail: theobaldospengler@spengleradvocatio.com.br. INTRODUÇÃO Em se tratando de matéria de execução no processo civil, as formas utilizadas para executar crédito alimentar trazem diversas especificidades, entre as quais, a prisão. Esta, como forma de coação a fim de que o devedor salde a dívida de alimentos. Ressalta-se que a legis- lação brasileira permite que seja deferida a prisão civil por dívida, apenas nos casos de débito alimentar, conforme dispõe a Constituição Federal em seu art. 5º, LXVII: LXVII - não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimple- mento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel; Insta referir, que o depositário infiel foi retirado do rol e sumulado pelo Superior Tribu- nal de Justiça, súmula n.º 419. Mantendo-se assim, a hipótese do devedor de alimentos como única forma de prisão civil por dívida. Restritos são os procedimentos passíveis de serem utilizados para a solução do conflito alimentar, como o principal, trata-se da execução com meio coercitivo de prisão, uma medida extrema de obter do executado o pagamento dos alimentos necessários. Através do presente, busca-se apontar um novo instrumento que possa viabilizar uma solução pacífica e permanente para o litígio, a mediação. Este procedimento é desprovido de coerções e imposições, resume-se a estimular o diálogo entre os interessados, a fim de que os 63Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem mesmos encontrem a sua solução. 1 ALIMENTOS A partir do art.6 da Constituição Federal, os alimentos começam a ser enquadrados como direito do homem e do trabalhador, conforme refere o art. 7º da referida legislação. Rece- bendo proteção constitucional e infraconstitucional, tendo em vista ser necessário à mantença de uma vida digna, ostentando também, forma de imposição a alguém à prestação de alimentos a outrem. O mencionado art.7º, em seu 4º inciso, dispõe a instauração de um salário mínimo que supra as necessidades do ser humano quanto à moradia, alimentação, saúde, educação e demais. Nesse sentido, Madaleno (2013, p. 853): a sobrevivência está entre os fundamentais direitos da pessoa humana e o crédito alimentar é o meio adequado para alcançar os recursos necessários à subsistência de quem não consegue por si só prover sua manutenção pessoal, em razão da idade, doença, incapacidade, impossibilidade ou ausência de trabalho. Os alimentos estão relacionados com o sagrado direito à vida e representam um dever de amparo dos parentes, uns em relação aos outros, para suprir as necessidades e as adversidades da vida daqueles em situação social e econômica desfavorável. Como dever de amparo, os alimentos derivam da lei, têm sua origem em uma disposição legal, e não em um negócio jurídico, como acontece com outra classe de alimentos advindos do contrato ou do testamento, ou os alimentos indenizativos. Referente ao que engloba a expressão “alimentos”, explica Venosa (2008, p. 348): assim, alimentos, na linguagem jurídica, possuem significado bem mais amplo do que o sentido comum, compreendendo, além da alimentação, também o que for necessário para moradia, vestuário, assistência médica e instrução. Os alimentos, assim, tradu- zem-se em prestações periódicas fornecidas a alguém para suprir as necessidades e assegurar sua subsistência. Sendo assim, pode-se concluir que os alimentos dos quais respalda a obrigação consti- tuída em pagá-los seja por questão ex jure sanguinis, ato firmado intervivos ou mortis causa ou ainda, por indenização resultante de ato ilícito, são destinados ao suprimento das necessidades básicas do indivíduo, cujos elementos constam no referido dispositivo constitucional. Os alimentos consistem, assim, na prestação voltada à satisfação das necessidades básicas e vitais daquele que não pode custeá-las. E essa prestação pode ser devida por força de lei (CC, art. 1.694, prevista para parentes, cônjuges ou companheiros), de convenção (CC, art. 1.920) ou em razão de ato ilícito (CC, arts. 948, II, e 950). (DIDDIER JR., et al, 2012, p.703). Assim sendo, percebe-se que a obrigação alimentar vai além do dever dos pais para com 64 Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem os filhos. Nesse sentido, leciona Spengler (2002, p. 33): o interesse que se pretende assegurar com a imposiçãoda obrigação alimentar contra uns, em favor de outros, é o direito à vida, personalíssimo, cuja proteção também interessa primeiramente à família, onde se encontra inserido o indivíduo e, posterior- mente, ao Estado, o que aponta o caráter publicístico da obrigação alimentar. A classificação da obrigação alimentar quanto à natureza, finalidade, causa e momento, é de todo necessária à compreensão da base formadora da obrigação. Sendo assim, cumpre es- clarecer de qual modo se origina o dever de uma forma genérica. Aqueles que compreendem o dever quanto às necessidades básicas do ser humano, como por exemplo, habitação e saúde, são denominados naturais. Já, os que englobam além destes as necessidades morais e também intelectuais, são nomeados civis. Legítimos são aqueles impos- tos por norma legal, devido ao critério sanguíneo. Apresentado distinção frente aos voluntários, os quais são originados por ato intervivos ou causa mortis, bem como frente aos indenizatórios, que são alicerçados como indenização por ato ilícito. Ademais, apresentam distinção os alimentos determinados como definitivos, que são devidos após ato decisório final do Magistrado julgador da ação alimentar. E, os provisionais e provisórios, nos quais ambos são concedidos de forma antecipada na lide, a fim de manten- ça do autor da demanda e eventual prole (quando este for devido em virtude de dissolução de matrimônio, união estável). A diferença consiste em que, aos provisionais é possível a inclusão da verba de custeio da demanda (CPC, art. 852, parágrafo único) o que não é característico dos provisórios. Caracterizam-se, ainda, pela possibilidade de abranger uma verba suplementar, para custear as despesas do processo pendente (CPC, art.852, parágrafo único) e por exigir o preenchimento de dois pressupostos legais específicos, que são o receio de dano e a verossimilhança do direito a alimentos. De acordo com o art. 1.706 do Código Civil, os alimentos provisionais são fixados pelo juiz, nos termos da lei processual, sede em que deve ser investigada sua real natureza. (DIDDIER JR., et al, 2012, p. 705). Dessa forma, resta claro que tanto os alimentos provisionais quanto os provisórios são dados em sede de antecipação de tutela, não percebendo característica cautelar, visto que têm a finalidade de satisfazer imediatamente a prestação. Por fim, quanto ao momento, há alimentos definidos como futuros, os quais se determi- nam a partir de um acordo ou de sentença transitada em julgada, são devidos a partir daquele momento. Os pretéritos são os devidos anteriormente ao acordo ou sentença transitada em julgado. Assim sendo, é convincente que o objetivo da obrigação alimentar é satisfazer as neces- 65Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem sidades básicas do requerente da prestação, que por algum motivo ou outro, relevante à origem da obrigação, não puder prover a sua subsistência por seus próprios meios ou por ser incapaz de fazê-la. 2 DÉBITO DE PENSÃO ALIMENTÍCIA A obrigação de prestação alimentícia será executada nos moldes do Código de Processo Civil, mas especificamente, dos artigos 732 a 735. E, ainda, seguindo a ordem ditada pela Lei de Alimentos n.º 5.478/1968. Quanto à proteção conferida à obrigação de prestar alimentos, leciona Assis (2012, p. 1037): a obrigação alimentar recebe a simultânea tutela de três mecanismos diferentes: o desconto (art. 734 do CPC), a expropriação (art. 646) e a coação pessoal (art. 733, §1º). O legislador expressou, na abundância da terapia executiva, o interesse público prevalente da rápida realização forçada do crédito alimentar. Assim, o legislador conferiu diferentes possibilidades para que o requerente da pensão alimentícia execute o débito gerado pela obrigação assumida ou conferida a outra parte. No en- tanto, uma particularidade que se impõe a esse tipo de execução, conforme ensina Assis (2012, p. 1048) “a escolha do meio executório não toca soberanamente ao credor”, de tal sorte, a Lei 5.478/68 ordena as possibilidades de execução. Nesse particular, interessante transcrever a lição de Venosa (2008, p. 374): o ordenamento procura facilitar a satisfação do credor de pensão alimentícia, colo- cando à disposição várias modalidades de execução. O aspecto da prisão do devedor é apenas um deles. O CPC cuida da execução da prestação alimentícia nos arts. 732 a 735. A forma mais cômoda de execução, recomendada pelo art. 16 da lei especial, é o desconto em folha de pagamento: quando o devedor for funcionário público, militar, diretor ou gerente de empresa, bem como empregado sujeito à legislação do trabalho, o juiz mandará descontar em folha de pagamento a importância da prestação alimen- tícia (art.734). Indica-se como primeira hipótese, no art. 16 da mencionada Lei de Alimentos, o descon- to em folha de pagamento, regrado pelo art. 734 do CPC, o qual dispõe que nos casos em que o devedor for “funcionário público, militar, diretor ou gerente de empresa, bem como empregado sujeito à legislação do trabalho” o Juiz mandará descontar diretamente na folha de pagamento, através de comunicação feita à autoridade, à empresa ou ao empregador de ofício, a importância da prestação alimentícia. 66 Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem O segundo modo de execução alimentícia, conforme art. 17 da Lei 5.748/68 consiste na expropriação de aluguéis ou outros rendimentos, bem como na expropriação de bens. Esta forma regulamentada pelo art. 646 e 647 do Código de Processo Civil. Ressalta-se que por ex- propriação se entende a constrição de bens do devedor para posterior arrematação. Mencionam Wambier e Talamini (2013, p. 606), em sua obra acerca da Execução no Processo Civil: o art. 17 menciona “alugueres de prédios ou de quaisquer outros rendimentos do de- vedor”. Disso resulta ser alcançável por essa modalidade de penhora qualquer espécie de renda: aplicações financeiras, carteira de ações, recebimento de arrendamento, par- ticipação de lucros de empresas etc. Ademais, como espécie de execução restante, esta definida e devendo ser requerida apenas se todas as outras tentativas restarem falhas, a prisão civil como forma de coação/impo- sição do cumprimento da obrigação alimentar. Acerca dela, expõe o art. 18 da Lei de Alimentos, como já mencionado, última alternativa à execução, devendo ser direcionada pelo artigo 733 da legislação processual civil. De outro modo, ressalta Theodoro Junior (2014, p. 795): cabe ao credor, na abertura da execução de alimentos, optar entre requerer a citação com cominação de prisão (art. 733), ou apenas de penhora (arts. 732 e 735). Mas a escolha da primeira opção não lhe veda o direito de, após a prisão ou a justificativa do devedor, pleitear o prosseguimento da execução por quantia certa, sob o rito comum das obrigações dessa natureza (art. 733, §2º), caso ainda persista o inadimplemento. Tal é o entendimento jurisprudencial acerca do assunto: APELAÇÃO. FAMÍLIA. EXECUÇÃO DE ALIMENTOS. COERÇÃO PESSOAL CONCRETIZADA. NÃO PAGAMENTO DO DÉBITO ALIMENTAR. CONVER- SÃO PARA O PROCEDIMENTO DA CONSTRIÇÃO PATRIMONIAL. POSSIBI- LIDADE. Possível a conversão da execução de alimentos intentada pelo rito do art. 733 do CPC, que prevê a prisão civil do devedor, para a do art. 732 do CPC (expro- priação), se resultar ineficaz aquela, persistindo o débito. Há garantir ao credor de alimentos o direito de perceber verba que diz respeito a sua subsistência e que não foi paga a tempo. APELAÇÃO PROVIDA. (SEGREDO DE JUSTIÇA) (Apelação Cível Nº 70026568279, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Vasco Della Giustina, Julgado em 19/11/2008). A ordem definida pela Lei não é rígida, podendo ser flexibilizada, tendo em vista as pos- sibilidades de saldar o débito, mas deve-se tê-la como parâmetro ao dar início ao procedimento de execução. 67Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação,jurisdição & arbitragem 3 ESPECIFICIDADES DAS FORMAS DE COBRANÇA A sentença condenatória em alimentos deve ser executada como qualquer outra nas hipóteses de condenatória ao pagamento de quantia, ou seja, nas formas regidas pelos artigos 475-J e seguintes do Código de Processo Civil, observado o prazo prescricional de dois anos, segundo a determinação do artigo 206, §2º do Código Civil. A execução por folha de pagamento é o meio mais eficiente de executar a prestação alimentícia, no entanto, há ressalva de que o devedor deve possuir emprego fixo para que tenha efetividade. Ao exequente caberá o indicativo da fonte pagadora do executado, visto que cumpre ao magistrado a determinação de ofício ao empregador para que proceda ao desconto em folha de pagamento na importância da prestação constituída. Cumpre ressaltar, que os valores a serem descontados observarão, também, as condi- ções de mantença do devedor. Sendo assim, devem ser avaliadas ambas as situações, tanto a necessidade daquele que não possui meio de prover a sua mantença, quanto à possibilidade de pagamento da obrigação, para que este também consiga prover suas próprias necessidades básicas. No mesmo sentido, ressalta Lisboa (2013, p. 55): por outro lado, deve-se encontrar um equilíbrio entre aquilo que o alimentando precisa obter e o que o devedor efetivamente pode pagar. Portanto, o devedor poderá ser obri- gado ao pagamento de alimentos, em valor que não comprometa a sua subsistência. E ainda, Venosa (2008, p. 350): não podemos pretender que o fornecedor de alimentos fique entregue à necessidade, nem que o necessitado se locuplete a sua custa. Cabe ao juiz ponderar os dois valores de ordem axiológica em destaque, bem como a vida com dignidade não somente de quem recebe os pagamentos. Quanto à expropriação relativa a aluguéis e outros rendimentos do devedor, ocorre pra- ticamente o mesmo rito disciplinado ao desconto em folha, cabe ao juiz expedir um ofício ao detentor do pagamento de tais rendimentos ao alimentante, devendo então aquele que receber o ofício fazer a dedução da importância referente à prestação, a qual será entregue ao credor. Devem-se ser utilizadas para essa hipótese as mesmas ponderações feitas nos casos de desconto em folha, observando o meio mais cômodo ao alimentando. Wambier e Talamini (2013, p. 607) lecionam a respeito: 68 Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem a cobrança de alugueis ou outros rendimentos é também uma forma de penhora – ra- zão por que, antes da Lei 11.382/2006, o prazo para embargar fluía a partir da ciência, pelo devedor, do primeiro desconto. Atualmente, aplica-se o art. 738, com o prazo dos embargos correndo a partir da juntada aos autos do mandado de citação. Segundo a hierarquia legal, a fim das espécies executivas, frustrados os meios anterior- mente citados (desconto em folha e expropriação de aluguéis ou rendimentos) o credor poderá valer-se da expropriação de bens do devedor, ou seja, constrição dos bens para posterior arre- matação. Esse procedimento, observando a rápida satisfação do credor, no entanto, não deixan- do de respeitar o princípio executivo pelo qual o exequente deve alcançar o saldo do débito pelo modo menos gravoso para o devedor (artigo 620 do CPC). Como forma especial de execução e, ainda, na tentativa de coagir o devedor para que este cumpra a obrigação assumida, o legislador dispôs a prisão para uso do credor, a fim de fa- zer valer o seu direito. Ressaltando, novamente, que a prisão civil por dívida, só é possível no direito brasileiro, nos casos de débito de pensão alimentícia. Há certo debate doutrinário quanto à possibilidade de utilizar o procedimento especial somente quando a obrigação é fundada em título judicial. Diante disso, explica Diddier Jr., et al (2012, p. 709), conclui parte da doutrina, que a execução de alimentos só transcorrerá sob o rito e meios ora analisados, se fundada em: i) decisão em sentido lato (sentença, decisão interlocutória etc.) que fixa alimentos definitivos, provisórios ou provisionais; ii) de- cisão que homologue alimentos convencionados. É apontada como justificativa pare a discussão, a interpretação literal feita a partir do ar- tigo 733 do diploma processual civil, no qual se refere a “execução de sentença ou de decisão”. No entanto, a possibilidade de prisão não é dada em virtude de ser título executivo judicial ou extrajudicial, mas sim resulta da natureza da obrigação a ser cumprida pelo devedor (DIDDIER JR., et al, 2012, p. 710). Sendo assim, o credor poderá valer-se da prisão civil, disciplinada no artigo 733 do diploma processual civil, para exigir os alimentos, porém, através dessa modalidade somente poderá executar os três últimos vencidos antes do ajuizamento da execução e os que forem ven- cendo no seu curso, questão sumulada pelo STJ, n.º 309. Pode-se dizer que o credor pode prover a execução das prestações vencidas recentemen- te, bem como das mais antigas, se para isso utilizar o procedimento comum de execução, ou seja, deverá abrir mão do uso da prisão civil como meio de coerção. O juiz somente poderá decretar a prisão do devedor a requerimento do credor, com a ressalva de que não basta o simples inadimplemento da obrigação, mas sim o inadimplemento 69Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem voluntário e inescusável da prestação alimentícia. A partir da comprovação de impossibilidade temporária, o magistrado não deverá extin- guir o processo e, sim, dar seguimento ao procedimento, com a penhora e expropriação de bens. De outro modo, não sendo encontrados bens suficientes para satisfação do crédito, a execução deverá ficar suspensa (DIDDIER JR., et al, 2012, p. 711-712). Ademais, sob determinação legal, o devedor poderá ficar recolhido à prisão pelo período de um a três meses, não podendo ser preso novamente pelo débito das mesmas prestações. Tam- bém, no momento em que forem pagos os alimentos originários da prisão, esta será suspensa pelo juiz. Contudo, menciona o art. 733, §2º que apenas o cumprimento da pena não exime o devedor do pagamento das prestações vencidas e vincendas, ou seja, as prestações não serão consideradas como quitadas pelo fato de o devedor ser recolhido à prisão. 4 (IN)EFETIVIDADE DA PRISÃO DO DEVEDOR COMO FORMA DE COBRANÇA A prisão do devedor de alimentos, a fim de forçar o cumprimento da obrigação, remete aos primórdios do Direito, quando a prisão era considerada garantia de pagamento. Conforme já apresentado, a prisão não equivale a pagamento, nem mesmo como garan- tia de tal, ela apenas serve como meio de coerção ao devedor. No entanto, essa medida pode, aos olhos de muitos, ser considerada como falha, em virtude de que aquele, por já não apresentar condições de efetuar o pagamento de forma espontânea, dificilmente o fará enquanto estiver recolhido à prisão ou quando o período permitido se esgotar, visto que, é previsto que o devedor não poderá ser preso novamente pelas mesmas prestações devidas. Sobre a questão, menciona Gonçalvez (2013, p. 674), em sua obra: o §2º do art. 733 esclarece que “o cumprimento da pena não exime o devedor do pagamento das prestações vencidas e vincendas”, que poderão ser cobradas na forma convencional, com penhora de bens. Mas o devedor não pode ser preso mais de uma vez, pelas mesmas prestações. Ele poderá ser preso novamente se não efetuar o paga- mento das novas, que se forem vencendo. É oportuno ressaltar, que a prisão civil não é medida possível quando do inadimplemen- to de prestações originários de ato ilícito. Consoante é o entendimento do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul: RESPONSABILIDADE CIVIL POR ATO ILÍCITO. EXECUÇÃO DE ALIMEN- TOS FUNDADA NO ART. 733 DO CPC. PRISÃO. O procedimento executivo do art. 733 do CPC, que prevê pena de prisão em caso de inadimplemento, não se aplica aos casos em que o pensionamento originou-se de ato ilícito.Para esse caso, cabe requerer o cumprimento de sentença, postulando, quanto às prestações alimentícias, a 70 Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem constituição de capital, a fim de assegurar o adimplemento da obrigação, ou, ainda, a inclusão do benefício na folha de pagamento do réu, conforme dispõe o artigo 475-Q do CPC e a Súmula 313 do STJ. Negado seguimento à apelação. (Apelação Cível Nº 70058107327, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marcelo Cezar Muller, Julgado em 13/01/2014). Outros talvez possam adotar a teoria de que a prisão somente será devida àquele, confor- me previsto em lei, deixar de cumprir a obrigação de forma voluntária e inescusável, ou seja, o devedor que apresentar justificativa para o inadimplemento estará “salvo” da prisão. Todavia, a partir desse entendimento, o processo de execução entrará em uma discussão de juízo de valor, vez que há diversas justificativas possíveis a serem apresentadas, restando ao magistrado do caso a decisão de ser ela válida ou não, para impedir que o sujeito seja preso, podendo assim haver decisões conflitantes entre juízes a respeito da questão. Assim, comporta o entendimento da sétima câmara do Tribunal de Justiça do Rio Gran- de do Sul: HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO DE ALIMENTOS. ART. 733, CPC. A alegação de impossibilidade financeira não tem o condão de revogar a ordem de prisão, pois, em sede de habeas corpus não cabe alegar ausência de capacidade contributiva do alimentante. Ainda, o acolhimento da justificativa em demanda executiva de ali- mentos pressupõe a ocorrência de situação excepcional, verdadeira força maior que, modo inesperado, venha a retirar a possibilidade de pagamento ao devedor, o que não é o caso dos autos. ORDEM DENEGADA. (Habeas Corpus Nº 70058199043, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Liselena Schifino Robles Ribeiro, Julgado em 20/01/2014). Também, a prisão civil somente abrange as três últimas prestações vencidas antes do ajuizamento da demanda, necessitando-se assim de outro modelo de execução para as parcelas vencidas por um período maior. Nesse sentido, Lisboa (2013, p. 64): considera-se que, na execução de alimentos é ilegítima a prisão civil do devedor fun- dada no inadimplemento de prestações pretéritas, assim consideradas as anteriores às três últimas prestações vencidas antes do ajuizamento da execução. Contudo, deve-se salientar que a prisão civil gera, em tese, maior temor ao devedor de alimentos, o qual incumbido da prestação empregará maiores esforços para efetuar o paga- mento. Há, também, grandes feitos por parte dos devedores, que ao momento que recebem o mandado de prisão conseguem saldar a dívida com a rapidez suficiente para que não se efetive a prisão. Não obstante, por mais que se considere a prisão como meio coercitivo válido, não se 71Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem pode olvidar que o Poder Judiciário está sobrecarregado de tantas outras ações judicias, sendo assim, a execução de alimentos, a qual chegou até o momento de necessitar da prisão, já poderia ter sido resolvida por outros meios mais democráticos, ocasionando satisfação ao credor que receberia a prestação, bem como ao devedor que poderia pagá-la de acordo com suas condições. 5 MEDIAÇÃO COMO MEIO MAIS EFICAZ O Poder Judiciário é o meio de organização e administração da solução dos litígios, mas está longe de ser o mais democrático, devendo para tanto a justiça valer-se de outros modos de resolução, mais rápidos e por que não mais democráticos que o Poder Judiciário comum. É atra- vés dessa abertura que a mediação tenta se encaixar. Um procedimento cada vez mais visado e utilizado para a resolução das demandas. A mediação em conceito, Cahali (2013, p. 63): a mediação é um dos instrumentos de pacificação de natureza autocompositiva e vo- luntária, na qual um terceiro, imparcial, atua, de forma ativa ou passiva, como facilita- dor do processo de retomada do diálogo entre as partes, antes ou depois de instaurado o conflito. E, ainda, na visão de Almeida citada por Netto e Meirelles (2012, < https://online. unisc. br/acadnet/revista_tribunais /index.php.>): nesta linha, Tânia Almeida sustenta que a mediação mira a desconstrução do conflito e a restauração da convivência pacífica entre as pessoas, o que significa examinar a demanda de todos. Na conciliação, ao revés, as partes sentam-se à mesa procurando satisfazer, exclusivamente, as suas demandas pessoais (postura adversarial). A autora esclarece que, como o objetivo principal da conciliação é o acordo, o diálogo ten- de a ser monodisciplinar – na maioria dos casos com profissionais da área jurídica; já a mediação apregoa um olhar multidisciplinar sobre o conflito, de modo que profissionais de outras áreas (psicologia, antropologia, sociologia etc.) podem ajudar na identificação de fatores sociais e emocionais do conflito. A autora lembra que a conciliação (judicial) é marcada pela publicidade, enquanto a mediação exige confi- dencialidade do mediador. No que diz respeito à postura do negociador, o mediador atua como facilitador do diálogo, sendo-lhe vedado oferecer visão técnico-jurí- dica sobre o caso; já o conciliador age de forma intervencionista, posto que a postu- ra das partes revela-se, em regra, antagônica e não colaborativa como na mediação. (grifo próprio) O indivíduo busca uma solução rápida para o seu problema, entretanto, o Judiciário está abarrotado de processos e o seu efetivo não consegue suprir a grande demanda. Dessa forma, casos que em poucos atos e diálogo entre as partes poderiam estar “transitados em julgado”, permanecem junto às pilhas processuais dependentes dos procedimentos de praxe do Judiciá- 72 Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem rio, atrasando todo sistema, resultando na diminuição do contato entre pessoas, aumentando a coerção e o próprio conflito. A mediação busca a conversação entre os litigantes, que possa entre eles haver negocia- ção, podendo assim chegar a uma solução que satisfaça as necessidades das duas partes, evitan- do a interferência desnecessária de terceiros (cartorários, oficiais, estagiários). A mediação, como visto, é capaz de fornecer aos litigantes os meios necessários para a construção do tratamento do seu conflito, não dependendo que um terceiro “diga” o direito e solucione a contenda. Não se pode deixar de observar que a mediação é praticamente um trabalho artesanal, devendo observar as especificidades de cada caso para imbuir os sentimentos dos litigantes e auxiliá-los no tratamento do conflito, o que, porém, não é tarefa fácil e exige que os litigantes estejam inclinados a buscar o tratamento de seu conflito. (BEDIN, 2014, p. 52) Nesse sentido, Spengler (2014, grifado no original, p. 44): atualmente, a mediação vem sendo discutida também porque existe a preocupação de encon trar meios para responder a um problema real: uma enorme dificuldade de se comunicar; dificuldade esta paradoxal numa época em que a mídia conhece um extremo desenvolvimento. Nesse contexto, no qual a necessidade de comunicação se demonstra constante, permeado por partes que não conseguem restabelecer o liame perdido, rompido pelo litígio (cuja consequência é a necessidade de uma comunica- ção “mediada”), surge a mediação como forma de tratamento de conflitos que possa responder a tal demanda. O termo “mediação” procede do latim mediare, que significa me diar, intervir, dividir ao meio. Derivada da palavra mediare é também a expressão mediatione e toda uma série de outras palavras. Assim sendo, a mediação pode ser aplicada ao caso em tela, a execução alimentícia. Conforme já apresentado, o processo de execução de alimentos, perdura de acordo como forem sendo frustradas as tentativas de obter o pagamento do débito alimentar, o que na maioria das vezes se torna umprocedimento exaustivo. Em grande parte dos casos que originam pagamento de alimentos está a dissolução de um vínculo. Poucas vezes essa dissolução permitirá que as partes acordem entre si sem a in- terferência do Poder Judiciário ou, no caso, um mediador. Conforme leciona Cahali (2013, p. 73-74) a respeito da mediação em âmbito de conflitos familiares: mediação familiar: sem dúvida, para estes litígios, a melhor indicação é a media- ção, pois na maioria dos casos falta a escuta, a comunicação, e sentimentos negativos (como rancor, mágoa e frustrações), podem comprometer o diálogo. Ainda, além da enorme carga de subjetividade na relação pretérita, mesmo com o rompimento do vín- culo jurídico entre as partes, quando o debate envolve filhos comuns, a relação deverá ser continuada, a exigir um restabelecimento de equilíbrio e respeito às posições. (...) 73Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem Na mesma linha, refere Madaleno (2013, p. 930): o conflito conjugal dos pais demanda atenção especial quando respeita à busca proces- sual dos alimentos da prole relativamente incapaz, a qual outorga procuração judicial em conjunto com o seu genitor – guardião. Com a desordem conjugal, pai e mãe tendem a acentuar suas divergências e a disputarem a atenção dos filhos, embora nor- malmente estejam apenas dissimulando o verdadeiro foco das suas velhas discussões e que justamente resultam na separação do casal. Em favor do restabelecimento de conversação a mediação auxilia, para que as partes possam entre si negociar e resolver suas necessidades, pois de fato, somente elas compreendem seus próprios interesses. Nesse sentido, Cambi e Farinelli (2011, < https://online.unisc.br/acad- net/revista_tribunais /index.php.>): a conciliação e a mediação, como meios alternativos de solução dos conflitos, diferen- ciam-se dos mecanismos judiciais tradicionais, porque permitem que as partes dialo- guem e juntas encontrem a solução dos conflitos, sem a necessidade da imposição de uma decisão pelo Estado. Nessa linha, orienta Spengler (2010, p. 312-313): a mediação difere das práticas tradicionais de jurisdição justamente porque seu local de atuação é a sociedade, sendo a sua base de operações o pluralismo de valores, a presença de sistemas de vida diversos e alternativos, e sua finalidade consiste em reabrir os canais de comunicação interrompidos e reconstruir laços sociais destruídos. O seu desafio mais importante é aceitar a diferença e a diversidade, o dissenso e a desordem por eles gerados. Sua principal aspiração não consiste em propor novos valores, mas em restabelecer a comunicação entre aqueles que cada um traz consigo. Ademais, o procedimento para executar alimentos como um todo, está longe da real democracia, tendo em vista que a satisfação do exequente, como grande objetivo, acaba por vezes atropelando o executado e, vice-versa, de modo que os princípios basilares do Direito são esquecidos. Há que se reconhecer que a mediação ainda é um instrumento muito criticado pelos operadores do Direito e, também, por aqueles que sem conhecer acabam pré-julgando, princi- palmente pela sua informalidade. A respeito, leciona Spengler (2014, p. 47): a tão almejada certeza jurídica e seus critérios de previsibilidade são apontados como uma falha nos procedimentos de mediação, se comparados ao tratamento judicial dos conflitos, uma vez que, na segunda hi pótese, a autonomia privada é substituída por uma autoridade que impede a prevaricação de uma parte sobre a outra. Essa afirmativa divide-se em dois pontos principais: a) a assimetria do poder, segundo a qual o fato de confiar o tratamento do conflito a uma figura portadora de autoridade pode depender da presença de uma assimetria de poder na relação. A parte em desvantagem sabe que, 74 Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem se a resolução depende da autonomia, é possível que o acordo final requeira grandes concessões suas. Contudo, mediante a intervenção de uma autoridade que estabeleça a solução, a princípio, existe a confiança de não ocorrer pressões para que estas con- cessões aconteçam; b) a preservação das relações futuras45, uma vez que se uma das partes impõe sua posição ao outro, provavelmente prejudica a sua relação futura. A mediação não vem para desorganizar a jurisdição, vem para transformar o modo como são tratados os litígios no Judiciário, vem para realocar procedimentos não mais utilizados, como uma simples comunicação entre as partes. Essa nova possibilidade contribui para o me- lhor andamento do sistema brasileiro, não só processual, mas também humano. De fato, o que a mediação propõe é um modelo de justiça que foge da determinação rigorosa das regras jurídicas, abrindo-se à participação e à liberdade de decisão entre as partes, à comunicação de necessidades e de sentimentos, à reparação do mal mais que a punição de quem o praticou. Con tudo, esse modelo diferenciado que propõe uma outra forma de tratar os conflitos, buscando não só uma solução para o Poder Judiciário (cujo modelo de jurisdição se encontra esgotado), mas também a autonomia das partes possui, na falta de previsibilidade (baseada nas regras e nos procedimen- tos), uma causa de vantagem e outra de desvantagem. A vantagem fundamental é a não submissão a uma lex previa, o que permitirá um grau maior de atenção ao caso concreto, favorecendo a identificação de uma pluralidade de caminhos condizentes com as características de cada conflito. (SPENGLER, 2014, p. 48) Ressalta-se aqui, que, ao se utilizar a mediação como forma de solução, não se está abdicando da possibilidade de propor uma ação judicial, de se valer na máquina judiciária, o que está se propondo ao possibilitar a mediação é, na verdade, uma forma de resolver a questão entre as partes, em conjunto, sem interferência de terceiros, em que os próprios conflitantes chegarão a uma solução, sem imposição de vontade e sem que alguém, como por exemplo, um Magistrado, imponha a decisão. Assim sendo, é primordial que operador jurídico exponha aos clientes ou que a popula- ção tenha informações a respeito das possibilidades de solução do seu litígio, não há necessida- de de movimentar a máquina judiciária por palavras não ditas ou mal ditas. A execução de que aqui se trata, corresponde talvez não a buscar os direitos de um filho, um meio, um acréscimo de renda para sua educação, para o seu laser, mas sim, e, lamentavelmente, busca-se muitas vezes, a solução de um conflito interno entre os pais, a solução para uma relação mal resolvida. Esses são os termos principais que a mediação busca tratar, o restabelecimento do diá- logo a fim de possibilitar um acordo de vontades e não uma imposição, de um terceiro, na qual uma parte tenha que sair vencedora e a outra perdedora. A mediação se preocupa com o resta- belecimento de uma relação amigável, busca a melhor forma de solução, sendo esta, a solução escolhida e promovida pelos próprios interessados, onde todos sejam beneficiados, vencedores. 75Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem CONCLUSÃO A mediação como medida alternativa na solução dos conflitos, principalmente familia- res, vem como meio pacificador dos litígios que o Judiciário brasileiro não está sendo suficien- temente eficiente. A demora na tramitação dos processos seja de ordem cível, seja criminal, preocupam autoridades e jurisdicionados. A lenta tramitação de algumas matérias se deve, por que não, às medidas que o Judiciário adota para dar andamento aos litígios, no qual o processo do acusado passa por várias mãos e confronta com diferentes opiniões desde estagiários a magistrados do mais alto escalão, findando com a imposição de uma decisão às partes. Há casos em que é desnecessária a demasiada movimentação processual. Conflitos que por vezes não se resolvem por quebra de vínculo entre as partes litigantes,nesse ponto, a me- diação atua firmemente em busca do restabelecimento, para que as parte possam negociar, con- versar e assim chegar a uma solução rápida e benéfica a ambas. Ademais, a justiça precisa valer-se de meios mais rápidos e eficazes para o tratamen- to processual. De modo que o tema da mediação permanece em ascensão, críticas aparecem quanto a sua falta de rito, de organização, temerosos de que possam estar anarquizando o Poder Judiciário. Novos adeptos aparecem, com a missão de desafogar o Judiciário, já desorganizado pelo grande contingente processual. Destarte, deve restar claro que no momento em que o indivíduo resolve buscar a solução do seu conflito através da mediação, não está ele impedido de valer-se do Poder Judiciário pos- teriormente se não obtiver o resultado desejado. Não está se buscando anular a possibilidade de uma ação judicial, mas sim, que o conflito gerador da ação possa ser resolvido sem movimentar a máquina Judiciária, que este conflito seja solucionado por simples conversação entre as par- tes, para que saiam ambas vencedoras. Por fim, a instauração de demasiados processos buscando determinar a prestação de alimentos e, consequentemente, a execução desse título, está judicializando uma questão intei- ramente familiar. Deve-se considerar a hipótese de que na maioria dos casos de execução de débito alimentar é promovida pelos filhos, no entanto, estes são representados por sua genitora. Sedo assim, é provável que este filho busque apenas estabelecer vínculo com o pai/devedor, desejo esse interrompido pela vontade da mãe e pela prisão. Dessa forma, devem-se balancear os confrontos e diagnosticar a fonte dos problemas, antes de promover litígios judicias. A mediação é um instrumento apaziguador e determinado a que as próprias partes dialoguem, detectando o problema e definindo as suas próprias soluções. As famílias, ora em conflito, podem se valer da mediação como uma forma rápida e eficaz para alcançar a solução perseguida, restabelecendo e pacificando os vínculos. 76 Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem REFERÊNCIAS ASSIS, Araken de. Manual de Execução. São Paulo: Revista dos Tribuinais, 2012. BRASIL. Código Civil. Obra coletiva Editora Saraiva com colaboração de Luiz Roberto Curia, Lívia Céspedes e Juliana Nicoletti. São Paulo: Saraiva, 2013. ______. Código de Processo Civil. Obra coletiva Editora Saraiva com colaboração de Luiz Roberto Curia, Lívia Céspedes e Juliana Nicoletti. São Paulo: Saraiva, 2013. ______. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988. BEDIN, Gabriel de Lima. 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São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. 78 Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem A COMPOSIÇÃO DE CONFLITOS NO ÂMBITO TRIBUTÁRIO COMO FORMA DE POLÍTICA PÚBLICA DE INCLUSÃO SOCIAL Charlise P. Colet Gimenez Doutoranda em Direito e Mestre em Direito pela UNISC – Universidade de Santa Cruz do Sul e Especialista em Direito Penal e Processo Penal pela UNIJUÍ – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul. Professora de Direito Penal e Estágio de Prática Jurídica pela URI – Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e Missões (Santo Ângelo - RS). Membro do Grupo de Estudos “Políticas Públicas no Tratamento dos Conflitos” vinculado ao CNPq. Bolsista CAPES. Advogada. E-mail: charliseg@santoangelo.uri.br Roberta Marcantônio Mestranda em Direito da Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC. Advogada. Endereço Eletrônico: robertamarcantonio@hotmail.com. INTRODUÇÃO Com ênfase vem sendo destacada doutrinariamente a importância da composição de conflitos que são encaminhados aos órgãos julgadores, diante da necessidade da utilização de formas alternativas ao Judiciário para a resolução dos litígios. Isso decorre de diversos fatores, como a morosidade do Judiciário, a burocracia para a tramitação do processo judicial, o alto custo envolvido para a resolução das demandas, o extenso número de processos a serem analisados e a insuficiência de funcionários nos órgãos judiciais, entre outros. O custo do processo e a demora quanto a sua resolução prejudica sobremaneira a ar- recadação e o retorno dos recursos relativos aos impostos à população, o que se mostra extre- mamente prejudicial ao desenvolvimento da sociedade, que depende da promoção de políticas públicas para o seu crescimento. Ocorre que a cobrança de impostos é a principal forma pela qual o Estado consegue obter recursos para atender às inúmeras demandas sociais, investir em educação, saúde, sanea- mento básico e na criação de empregos, entre outros, sendo que, devido à imprescindibilidade do efetivo recebimento dos impostos, faz-se necessário o estudo de formas mais eficazes para que o Estado receba o seu crédito e possa revertê-lo em favor da população por meio do desen- volvimento de políticas públicas de inclusão social. Desta forma, no presente capítulo, será estudado, inicialmente, o Direito Tributário 79Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem como a área do Direito que serve para cobrar e fiscalizar os impostos, tão importantes quando são revertidos em políticas públicas para fomentar a inclusão social e, desta forma, o crescimen- to e o desenvolvimento da sociedade. No segundo momento, serão tratadas as formas alternativas de composição de conflitos, como a negociação, a conciliação, a mediação e a arbitragem, as quais se apresentam como meios complementares, aplicáveis diante das especificidades de cada caso, com o escopo prin- cipal de satisfação das necessidades das partes. Como consequências secundárias, projetam a redução do longo tempo de duração do processo, além da diminuição das despesas e de trazer um retorno mais favorável aos envolvidos no processo. Por fim, será abordado o instituto da transação tributária, na forma dos artigos 156, inci- so III e171, do Código Tributário Nacional, diante da necessidade de efetivo recebimento dos créditos tributários pelo Estado, em tempo razoável e com o menor dispêndio possível nestas demandas, a fim de que seja possível fornecer um retorno razoável destes créditos à população, dos quais tanto necessita, na forma de promoção de políticas públicas de inclusão social. 1 NOÇÕES PRELIMINARES SOBRE O DIREITO TRIBUTÁRIO Para atingir o bem comum, manter a paz social e garantir a segurança jurídica dos com- ponentes da República, deve o Estado propiciar meios, o que se dá a partir da tributação, pois o Estado, calcado no uso da propriedade privada, tem como escopo suprir a demanda financeira exigida com o fim de cumprir suas tarefas, principalmente mediante impostos. Ou seja, “sem impostos e contribuintes “não há como construir um Estado”, nem o Estado de Direito nem muito menos algum Estado Social”. (TIPKE, 2012, p. 13) Por essa razão, é necessário que o Estado, em sua atividade financeira, capte recursos para a manutenção da sua estrutura, eis que, na condição de provedor das necessidades de todos, consiga cumprir a sua tarefa de proporcionar aos cidadãos os serviços que lhes são necessários, sendo que a principal receita do Estado é oriunda da cobrança dos tributos (SABBAG, 2009, p.1). O Direito Tributário pode ser definido como o “direito que regula a cobrança e a fiscali- zação dos tributos” (SOUSA, 1975, p. 30). Trata-se de um ramo especializado do direito finan- ceiro, “que se ocupa da atuação, isto é, do funcionamento, dos institutos jurídicos financeiros relativos à receita pública” (SOUSA, 1975, p. 35). No mesmo sentido, o Direito Tributário, conforme Roque Joaquim Volkweiss, “possui normas que se enquadram preponderantemente no direito público (visa, em primeiro plano, à proteção do direito do Estado, que é o tributo, do qual não pode voluntariamente abrir mão)” (WOLKWEISS, 1997, p. 34). Dispõe o referido autor que o Direito Tributário possui, ainda, normas que se enqua- 80 Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem dram, “quase que integralmente, no direito das obrigações (visto que regula as relações entre o Estado e seus sujeitos passivos quando aquele busca, junto a estes, as arrecadações de natureza tributária a que legalmente tem direito)” (WOLKWEISS, 1997, p. 34). Desta forma, o Direito Tributário pode ser compreendido como “o ramo do direito pú- blico que tem por objeto a disciplinação jurídica das relações entre o Estado e seus devedores, decorrentes do nascimento, formalização e arrecadação de obrigações de natureza tributária” (WOLKWEISS, 1997, p. 34). Ademais, sustenta-se que o Direito Tributário “surgiu como uma especialização do Di- reito Financeiro, com o objetivo de regular as relações jurídicas decorrentes da arrecadação das receitas tributárias”, destacando-se, ainda, a importância dos tributos, vez que constituem por seu volume a forma mais relevante de receitas públicas (PONZI, 1989, p. 6). Assim, fica evidenciado que o Direito Tributário é o campo do Direito que trata da im- portante questão dos tributos, no que concerne tanto a sua instituição como a sua cobrança, e bem assim, da respectiva regulação das relações jurídicas que provém da atividade financeira do estado (PONZI, 1989, p. 6). O objeto do Direito Tributário, conforme Ponzi, são “as relações jurídicas de tributação” (PONZI, 1989, p. 6), sendo um ramo autônomo do direito sob os aspectos didático, científico e legislativo, todavia, possuindo importante relação com os demais ramos do direito público e privado, como o direito Constitucional, Administrativo, Financeiro, Penal, Processual, Interna- cional Público e Privado, Direito Civil e Empresarial (PONZI, 1989, p. 9 - 12). A importância dos tributos é evidenciada, uma vez que, por meio de sua arrecadação são promovidas as diversas demandas para o atendimento da população, a partir do desenvolvimen- to de políticas públicas, que irão estabelecer em que serão empregados os recursos angariados por meio da tributação. O Estado arrecada recursos por meio da tributação de produtos e de serviços para que possa proporcionar os serviços públicos necessários à população, sendo que essa é uma forma de o Estado fazer justiça social, reduzindo as desigualdades por meio da redistribuição das ri- quezas (REIS, 2011, p. 635). Assevera a autora, que a atuação possui guarida no princípio da solidariedade social, decorrente de lei, o qual estabelece o dever de auxiliar os necessitados, mesmo que essa assis- tência seja realizada mediante o pagamento de tributos (REIS, 2011, p. 635). Desta forma, resta garantido o poder do Estado, através da Constituição Federal, de pro- mover a arrecadação dos tributos e a conseguinte redistribuição da renda, principalmente por meio da realização de políticas públicas (REIS, 2011, p.636). [...] Nesse sentido, a República apresenta-se com um profundo significado social, na qual o governo atua em nome de e para todas as pessoas, com o intuito de alcançar o bem comum. Como decorrência do princípio republicano tem-se o princípio federati- 81Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem vo e o da solidariedade social, que dão sustentação à atuação do Estado no sentido de assegurar o bem comum. Veja-se que, em se tratando das políticas públicas que asse- guram os direitos fundamentais, as competências e as atribuições são repartidas entre os entes federados. Da mesma forma, a sociedade é chamada a participar, a partir do dever fundamental de pagar impostos, ou seja, da tributação que assegura a arrecada- ção de recursos financeiros necessários para o atendimento dos interesses públicos. O Brasil é um Estado com função social e, em decorrência, tem o dever de assegurar os direitos fundamentais dos homens, estatuídos pelo ordenamento jurídico pátrio e tam- bém pela legislação internacional que impõem ao Estado o dever de prestação, que, conforme Maliska, são aqueles que permitem o acesso e a utilização das prestações estatais com vistas a garantir a sua materialização (REIS, 2011, p.636). A partir do pagamento dos tributos, são angariados recursos para a promoção das po- líticas públicas tão importantes para o desenvolvimento e crescimento do país. Por esta razão, as dívidas tributárias são prejudiciais ao Estado e à população de um modo geral. O inadimple- mento dos tributos faz com que a máquina pública não se movimente, não gere recursos e, desta forma, obstaculize a promoção das políticas públicas. Quando ocorre o inadimplemento por parte do cidadão, o Estado tem o dever de cobrar os tributos, o que pode ocorrer tanto administrativa como judicialmente. Por esta razão, dia após dia são promovidas as cobranças dos tributos, sendo as execuções fiscais bastante numerosas. Além disso, o custo do processo para o Poder Judiciário é significativo e a execução fiscal é um processo moroso, no qual, muitas vezes, o Estado não consegue lograr êxito na cobrança. Assim, para promover a cobrança, procedimento ao qual o Estado é obrigado, é neces- sário despender recursos dos quais o Estado não dispõe, para cobrar o que muitas vezes sequer é pago, seja porque o devedor não tem recursos, seja porque não é encontrado, falece no curso do processo, entre outros fatores que acabam por não dar frutos ao Estado. E, em não havendo recursos do Estado, resta prejudicada a política pública de inclusão social, pois sem arrecadação, não são viáveis investimentos em saúde, educação, geração de empregos, ou seja, torna-se inviável a inclusão social de camadas sociais carentes e que neces- sitam e têm direito a serem incluídos socialmente. Compreende-se por tributo, nos termos do artigo 3º do Código Tributário Nacional, toda a prestação pecuniária compulsória em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamentevinculada (CTN). Assevera Roque Joaquim Volkweiss, em outras palavras, que “tributo é a contrapres- tação pecuniária, compulsória por força de lei, de serviços públicos (prestados pelo Estado).” (WOLKWEISS, 1997, p. 15). Assim, diferentemente da prestação compulsória, que diz respeito ao pagamento de multas ou penalidades, cuja finalidade é a sanção ou punição pelo cometimento do ato ilícito, a prestação compulsória dos serviços públicos serve justamente para contraprestacionar esses 82 Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem serviços. (WOLKWEISS, 1997, p. 15) Os tributos que podem ser instituídos pela União, Estados, Distrito Federal e Municí- pios estão elencados no artigo 145 da Constituição Federal e no artigo 5º do Código Tributário Nacional, sendo compreendidos por impostos (tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal específica, relativa ao contribuinte), taxas (que têm como fato gerador o exercício regular do poder de polícia ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico ou divisível, prestado ao contribuinte ou posto a sua disposição) e as contribuições de melhoria (instituída para custear obras públicas de que decor- ra valorização imobiliária, tendo como limite total a despesa realizada e como limite individual o acréscimo de valor que da obra resultar para cada imóvel beneficiado). (CTN) Além disso, a União, por lei complementar, poderá instituir empréstimos compulsórios e contribuições especiais. (CTN) O sítio eletrônico do Portal Tributário elenca noventa tributos atualmente vigentes no Brasil, (www.portaltributario.com.br) sendo que, com tamanha carga tributária, é inegável a necessidade de uma maior contrapartida do Estado em relação às necessidades das pessoas. Além disso, em razão da extensa carga tributária brasileira, a quantidade de conflitos nessa área do conhecimento jurídico é também bastante vasta, sendo que, conforme Hugo de Brito Machado, atualmente há no Brasil uma enorme quantidade de processos que decorre jus- tamente dos litígios com o fisco (MACHADO, 2008, p. 127). Esses processos que envolvem o Direito Tributário, por seu numeroso volume, acabam sobrecarregando os órgãos julgadores, na esfera administrativa e na judicial, o que ocasiona uma longa espera pela decisão, além de grandes despesas e insatisfação das partes. Ressalta Hugo de Brito Machado, no tocante ao excessivo número de demandas tribu- tárias, que “a existência de leis inconstitucionais obriga a Administração Tributária a formular exigências que afinal são inúteis em face da declaração de inconstitucionalidade” (MACHADO, 2008, p. 127). Além disso, muitas outras cobranças são feitas pelas autoridades administrativas, fundadas em interpretações oficiais da lei, mas que não são adotadas pelo Poder Judiciário, (MACHADO, 2008, p. 127). Tais procedimentos contribuem para a morosidade na resolução dos conflitos, atravan- cam o recebimento dos tributos pelo Estado, sendo que, conforme Machado, “a possibilidade de acordo no âmbito do lançamento tributário pode ser um meio extremamente eficiente para a redução do exagerado número de processos, com evidente proveito para as partes” (MACHA- DO, 2008, p. 127). Para o Estado, encurtamento do prazo para a entrada de recursos financeiros e pela redução do custo operacional dos órgãos de julgamento. E para o contribuinte, com a eliminação de pendências que se arrastam por longos anos degradando a segurança de que necessitam para o desempenho de suas atividades normas e com a eliminação dos 83Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem recursos que tais pendências implicam (MACHADO, 2008, p. 127). Diante da crise “estrutural (instalações), funcional (pessoal), substancial (métodos) do Poder Judiciário, como uma crise generalizada nas instituições (crise na educação, saúde, pre- vidência social, economia”, (MORAIS; SPENGLER, 2012, p. 132), buscam-se formas de con- tribuir para dirimir problemas da falta de ingresso de recursos públicos e o atravancamento da promoção de políticas públicas de inclusão social, tão necessárias ao desenvolvimento do país, razão pela qual se passará a analisar, no próximo, tópico outros meios para a composição de conflitos, que são considerados mais eficazes, satisfatórios e menos dispendiosos, e que podem, desta forma, constituir-se em políticas públicas de inclusão social. 2 MEIOS COMPLEMENTARES DE TRATAMENTO DE CONFLITOS COMO POLÍ- TICAS PÚBLICAS DE INCLUSÃO SOCIAL O Poder Judiciário, ao longo dos anos, não demonstra eficácia na sua atividade de deci- dir conflitos, determinando ganhadores e vencedores, visto que ao fazê-lo dessa forma, retira do ser humano a sua autonomia e responsabilidade acerca de suas ações e das consequências por elas provocadas, apresentando uma resposta precária e quantitativa. Por essa razão, realizam-se estudos e empregam-se forças nas formas complementares de tratamento de conflito. Isso ocorre em diversas áreas do Direito, como na área trabalhista, na área familiar, nos casos envolvendo direitos do consumidor, entre outros, e, inclusive, na área do Direito Tribu- tário, sobre o qual, muitos doutrinadores ainda possuem opiniões divergentes, uma vez que, enquanto há uma forte corrente que se posiciona favoravelmente à possibilidade de composição de conflitos nesta esfera, seja em razão da efetividade, seja em razão da redução dos gastos com o processo e da celeuma que os envolve, há outra corrente contrária a esta situação, e que se baseia especificamente no fato de serem indisponíveis os bens públicos. No entanto, é de destacar que o próprio Código Tributário Nacional admite, em seu arti- go 156, inciso III e no artigo 171, que efetivamente existe a possibilidade de transacionar neste campo do direito, desde que resguardados e respeitados os limites da legislação. Desta forma, é possível compreender que, diante da inevitabilidade da existência dos conflitos, torna-se necessária a utilização de outras formas para a sua dissolução que tornem possíveis deslindes mais eficazes, com maior celeridade e com o aumento da possibilidade de recebimento dos créditos pelo Estado, no caso dos litígios envolvendo o Direito Tributário. Trata-se, portanto, das formas consensuais de composição de conflitos, verdadeiras complementariedade ao Judiciário. No Brasil, verifica-se que as formas complementares de tra- tamento de conflito, expressadas na mediação e na conciliação, são pautadas nos três poderes: no Legislativo, por meio de projeto de lei que objetiva regulamentar a matéria; no Executivo, 84 Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem por meio de políticas públicas direcionadas à autocomposição de conflitos; e no Judiciário pelo gerenciamento de processos e políticas judiciárias direcionadas à mediação e à conciliação. Antes de abordar estas formas complementares, importa apresentar a negociação, con- siderada a forma mais natural de tratamento de conflito. Como refere Calmon, “é o mecanismo [...] com vistas à obtenção da autocomposição caracterizado pela conversa direta entre os envol- vidos sem qualquer intervenção de terceiro como auxiliar ou facilitador.” (CALMON, 2008, p. 113) Trata-se de um procedimento voluntário, informal, não vinculado à apresentação de pro- vas e argumentos, sendo que o resultado pode ter conclusão ou acordo aceitável. (OLIVEIRA; SPENGLER, 2013). Por outro lado, a mediação e a conciliação, também meios complementares de tratamen- to de conflito, possuem a intervenção de um terceiro. Nesta ótica, destaca Spengler: mais do que um meio de acesso à justiça, fortalecedor da participação social do cida- dão, a mediação e a conciliação são políticas públicas, que vêm ganhando destaque e fomento do Ministério da Justiça, da Secretaria da Reforma do Judiciário e do CNJ brasileiros, uma vez queresta comprovada empiricamente sua eficiência no tratamen- to de conflitos. (2014, p. 73) A conciliação é um método consensual de composição dos conflitos que ocorre com o auxílio de uma terceira pessoa, que atuará de forma ativa, podendo formular propostas, oferecer soluções ao litígio com vistas à realização de um acordo entre as partes, para pôr fim ou evitar a demanda judicial a ser instaurada. A mediação, por sua vez, é um procedimento que respeita a vontade das partes e que se realiza por meio do resgate do diálogo entre elas. Ela ocorre com a ajuda da figura do media- dor, que é um terceiro imparcial, e que, diferentemente do conciliador, não propõe acordos ou formas de resolver o conflito e tampouco manifesta sua opinião, mas apenas facilita o diálogo entre as partes, para que lhes seja viável o alcance de um consenso sobre a questão em litígio. Consoante Morais e Spengler, “com o auxílio do mediador, os envolvidos buscarão compreen- der as fraquezas e fortalezas de seu problema, a fim de tratar o conflito de forma satisfatória” (MORAIS; SPENGLER, 2012, p. 132). Ainda, conforme os autores, na mediação, como se trata de uma forma consensual de composição de litígios, “as partes apropriam-se do poder de gerir seus conflitos, diferentemente da Jurisdição estatal, tradicional na qual este poder é delegado aos profissionais do direito, com preponderância àqueles investidos das funções jurisdicionais” (MORAIS; SPENGLER, 2012, p. 132). Importa destacar que a conciliação constitui-se em uma tentativa de alcançar um acordo neutro com a participação de um terceiro que intervém entre as partes de forma oficiosa e estru- turada, dirigindo a discussão e possuindo um papel ativo ao sugerir as hipóteses de conciliação, enquanto que na mediação há uma responsabilização dos conflitantes pelo tratamento do litígio 85Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem que os une a partir de uma ética da alteridade e da outridade, encontrando, a partir de um ter- ceiro mediador, uma garantia de sucesso, aparando as arestas e divergências, e alcançando um acordo que atenda aos interesses das partes e conduza à paz social. A mediação compõe a ideia de um terceiro que se encontra entre as duas partes, não sobre, mas entre elas. O tratamento do conflito pode acontecer mediante uma pluralidade de técnicas que vão da negociação à terapia. Possui como base o princípio de religar aquilo que se rompeu, restabelecendo uma relação para tratar o conflito que deu origem ao rompimento. (SPENGLER, 2014) Enquanto a negociação, a conciliação e a mediação são métodos autocompositivos de resolução de conflitos, a arbitragem, outra forma alternativa ao Judiciário para dirimir litígios, trata-se de um meio heterocompositivo de resolução dos conflitos, pois nela existe a pessoa do árbitro, escolhido pelas partes, que irá decidir a contenda, apresentando uma sentença arbitral. Nessa ótica, conceitua-se arbitragem como o meio pelo qual o Estado, ao invés de inter- ferir diretamente nos conflitos de interesses, impondo a sua decisão, permite que uma terceira pessoa o faça, a partir de um procedimento e da observação de regras mínimas, mediante uma decisão com autoridade idêntica à de uma sentença judicial. Dessa forma, as partes, ao optarem pela arbitragem, afastam a jurisdição estatal, e substituem por outra estratégia de tratamento de conflitos, reconhecida e regulada pelo Estado, permitindo a execução das decisões proferidas, bem como sejam anuladas aquelas que não tenham observado um mínimo de regras exigidas pelo legislador. (MORAIS; SPENGLER, 2012). A partir da apresentação do instituto da arbitragem, indicam-se as seguintes vantagens: a) maior celeridade e menor custo em comparação ao processo judicial; b) execução do laudo arbitral fácil; possibilidade de continuar executando o objeto do litígio enquanto se busca uma solução à controvérsia; c) desejo de manter as relações cordiais e de colaboração entre as partes, bem como a confidencialidade ou privacidade da controvérsia; d) facilitação da transação; e e) evitar a submissão a tribunais estrangeiros, no caso da arbitragem internacional. (MORAIS; SPENGLER, 2012). Tais formas complementares de tratamento de conflito estão sendo cada vez mais utilizadas, pois objetivam garantir a autonomia e a responsabilidade das partes diante de seu conflito. Percebe-se, assim, que os métodos atuais utilizados pelo Direito não encontram adequação entre a complexidade das ações judiciais, as pessoas envolvidas e as técnicas jurídicas aplicadas, o que acarreta na morosidade, no acúmulo de demandas e na insatisfação das pessoas envolvidas no conflito. Diante do exposto, salienta-se que os mecanismos da negociação, mediação, conciliação e da arbitragem não podem ser vistos como meios diretos de desafogar o Judiciário, mas como formas de tratar adequadamente o conflito, cuja consequência a longo prazo será a redução de demandas judiciais. Reconhece-se o avanço do Poder Judiciário no Brasil ao implantar as formas complementares de tratamento de conflito, porém, peca ao institucionalizá-las, transfor- 86 Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem mando-as em mera fase do processo, com um rito a ser seguido, inviabilizando-as pela forma de capacitação dos terceiros mediadores e conciliadores, bem como pelos procedimentos a serem adotados. E, também, corrompe o papel de emancipação e autonomia das partes ao apresentá- -las como meio de diminuir o congestionamento do Poder Judiciário, fazendo com que sejam consideradas enquanto formas de redução quantitativa das demandas judiciais, a curto prazo. Trata-se de políticas públicas que garantem o acesso à justiça no sentido amplo e for- talecem a participação social do cidadão, porém, que diante da falta de utilização adequada, perdem-se pela banalização. Deve-se compreender e fomentar uma cultura de paz, de alteridade e de tratamento de conflitos de forma qualitativa. A partir da abordagem realizada, discorrer-se-á, no próximo tópico, acerca da transação tributária como modalidade de tratamento de conflito no Direito Tributário. 3 TRANSAÇÃO TRIBUTÁRIA A palavra transação é originária do latim transactio, de transigere (transigir), e exprime a ação de transigir (SILVA, 1982, p. 403). No sentido técnico do Direito Civil, transação é “a convenção em que mediante concessões recíprocas, duas ou mais pessoas ajustam certas cláu- sulas e condições para que previnam litígio, que se possa suscitar entre elas, ou ponham fim ao litígio já instaurado” (SILVA, 1982, p. 403). Em seu sentido vulgar, quer dizer pacto, convenção, ajuste pelo qual as pessoas realizam contratos ou promovem negociações, sendo esse sentido normalmente adotado na terminologia mercantil (SILVA, 1982, p. 403). A transação trata-se de um acordo em que são feitas concessões pelas partes envolvidas para que consigam prevenir ou por termo a um litígio. Conforme Venosa, a transação possui a finalidade de impedir que as partes recorram a uma decisão judicial para dirimir um conflito, ou, que coloquem termo, por meio de uma decisão conjunta, a uma demanda em curso, estando ela instalada na forma de processo ou não (VENOSA, 2004, p.315). Para ocorrer a transação, cada transator deve abdicar de uma parte de seus direitos para que possa ser evitada a judicialização do conflito ou para que seja colocado termo à demanda, sendo que este ato é imprescindível para que ocorra a transação, eis que se apenas uma das partes abre mão da integralidade de seus direitos, o negócio jurídico poderá ser confissão, reco- nhecimento do pedido ou remissão (VENOSA, 2004, p. 315). A sua previsão legal consta dos artigos 840 a 850 do Código Civil11, havendo previsão 1 Art. 840. É lícito aos interessados prevenirem ou terminarem o litígio mediante concessões mútuas. Art. 841. Só quanto a direitos patrimoniais de caráter privado se permitea transação. Art. 842. A transação far-se-á por escritura pública, nas obrigações em que a lei o exige, ou por instrumento particular, nas em que ela o admite; se recair sobre direitos contestados em juízo, será feita por escritura pública, ou por termo nos autos, assinado pelos transigentes e homologado pelo juiz. Art. 843. A transação interpreta-se restritivamente, e por ela não se transmitem, apenas se declaram ou reconhecem 87Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem específica no Código Tributário, em seu artigo 171, que dispõe: “A lei pode facultar, nas condi- ções que estabeleça, aos sujeitos ativo e passivo da obrigação tributária celebrar transação que, mediante concessões mútuas, importe em determinação de litígio e consequente extinção de crédito tributário”. Ressalta, ainda, em seu parágrafo único, que a indicação da autoridade competente para autorizar a transação em cada caso, dar-se-á por lei. Ainda, salienta-se que ocorre a reciprocidade de ônus e de vantagens, nesta modalidade indireta de extinção de crédito tributário, que é a transação. (SABBAG, 2009, p. 808) Além dis- so, a instituição da transação carece de lei que a autorize, em que deve ser referida a autoridade competente para realizar a transação em cada caso e esclarecer as concessões que poderão ser feitas aos contribuintes (SABBAG, 2009, p. 808). A lei, nos termos do artigo 172, incisos I a V, do CTN, desde que por despacho funda- mentado, pode autorizar a autoridade administrativa a conceder remissão total ou parcial do crédito tributário, conforme a situação econômica do sujeito passivo; diante de erro ou igno- rância escusável do sujeito passivo, quanto à matéria de fato; face à reduzida importância do crédito tributário; atendendo a considerações de equidade, em relação com as características pessoais ou materiais do caso; e, por fim, atendendo a considerações de equidade, em relação com as características pessoais ou materiais do caso. Convém explicitar, conforme Sabbag, que “O CTN admite tão só a transação termina- tiva, e não a “preventiva”. Com efeito, é pressuposto de tal causa extintiva do crédito tributário à existência de um litígio entre o Fisco e o contribuinte” (SABBAG, 2009, p. 808-809). Importante referir, ainda, que o artigo 171 do CTN menciona a frase “determinação do litígio”, a qual deve ser compreendida como terminação, conforme Sabbag, não distinguindo direitos. Art. 844. A transação não aproveita, nem prejudica senão aos que nela intervierem, ainda que diga respeito a coisa indivisível. § 1o Se for concluída entre o credor e o devedor, desobrigará o fiador. § 2o Se entre um dos credores solidários e o devedor, extingue a obrigação deste para com os outros credores. § 3o Se entre um dos devedores solidários e seu credor, extingue a dívida em relação aos co-devedores. Art. 845. Dada a evicção da coisa renunciada por um dos transigentes, ou por ele transferida à outra parte, não revive a obrigação extinta pela transação; mas ao evicto cabe o direito de reclamar perdas e danos. Parágrafo único. Se um dos transigentes adquirir, depois da transação, novo direito sobre a coisa renunciada ou transferida, a transação feita não o inibirá de exercê-lo. Art. 846. A transação concernente a obrigações resultantes de delito não extingue a ação penal pública. Art. 847. É admissível, na transação, a pena convencional. Art. 848. Sendo nula qualquer das cláusulas da transação, nula será esta. Parágrafo único. Quando a transação versar sobre diversos direitos contestados, independentes entre si, o fato de não prevalecer em relação a um não prejudicará os demais. Art. 849. A transação só se anula por dolo, coação, ou erro essencial quanto à pessoa ou coisa controversa. Parágrafo único. A transação não se anula por erro de direito a respeito das questões que foram objeto de controvérsia entre as partes. Art. 850. É nula a transação a respeito do litígio decidido por sentença passada em julgado, se dela não tinha ciência algum dos transatores, ou quando, por título ulteriormente descoberto, se verificar que nenhum deles tinha direito sobre o objeto da transação. 88 Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem se o litígio seria administrativo ou judicial, razão pela qual, com amparo na lição de Sabbag, entende-se ser aplicável a transação em ambas as esferas, administrativa e judicial. (SABBAG, 2009, p. 809) Para exemplificar a transação, ressalta o referido autor casos como o abatimento no valor da multa para pagamento à vista em autos de infração, a parcela única do IPVA, IPTU, com desconto, são casos em que a parte recolhida será extinta pelo pagamento, ao passo que a parcela descontada será extinta pela transação. (SABBAG, 2009, p. 809) Retomando a questão acerca da ainda controversa possibilidade de transação no âmbito do Direito Tributário, é especificamente a partir do conceito de transação que uma parcela da doutrina prefere afastar o seu aproveitamento na esfera do direito público, em face de se tratar de um direito indisponível, sob a alegação de que a cobrança e o lançamento do tributo são vinculados e obrigatórios, sendo esta corrente a de autores como Eduardo Ferreira, Manoel Álvares e Jorge Luiz Souto Maior (FERNANDES, 2013, p. 211). Segundo Fernandes, a característica da indisponibilidade ganha ênfase maior nos casos envolvendo o Direito Tributário, diante da presença acentuada do princípio da legalidade estrita e da tipicidade fechada (FERNANDES, 2013, p. 211). Por outro lado, há uma corrente doutrinária favorável à aplicação da transação no âm- bito tributário, composta por nomes como Ricardo Lobo Torres, Hugo de Brito Machado e Heleno Taveira Torres. Assevera Lobo Torres que, tanto a transação como a conciliação, a arbitragem e os demais processos alternativos de fixação e apuração do crédito tributário são meios de apro- ximação do direito brasileiro dos grandes modelos do direito comparado e, desta forma, pro- moveriam que o Brasil ingressasse em uma nova processualidade fiscal, guiada pela ideia de processo equitativo, que se coaduna com os princípios de liberdade, justiça e segurança jurídica (LOBO TORRES, 2008, p. 110). Desta forma, “seria superada a ideologia positivista da legalidade absoluta e da tipicida- de fechada” (LOBO TORRES, 2008, p. 110). Na lição de Hugo de Brito Machado, a questão primordial a ser respondida é acerca da permissão da transação na relação tributária, se isso corresponderia a uma violação ao princípio da legalidade, especialmente em momento anterior ao lançamento e quando ele é feito, ou seja, quando se permite a transação para evitar o surgimento do conflito (MACHADO, 2008, p. 112). Ressalta o autor que, considerando que a obrigação tributária é sempre ex-lege, há quem sustente, como Eduardo Marcial Ferreira Jardim, que a transação é inadmissível no âmbito tri- butário, e pregue a inconstitucionalidade do art. 171 do CTN. (MACHADO, 2008, p. 112). Invocando a doutrina de Otto Bachoff, Ferreira Jardim identifica um conflito entre a norma/princípio albergada pelo art. 3º, segundo a qual o tributo é a prestação pecuniá- ria cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada, e o artigo 171, 89Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem do Código Tributário Nacional, que admite a transação” (MACHADO, 2008, p. 112). Destaca Machado que ao encontro desse entendimento se posiciona Maria Helena Di- niz, que acolheu a referida tese ao escrever como significado da palavra transação, com ex- pressa referência a Ferreira Jardim, tratar-se de “forma extintiva da obrigação tributária que na verdade é incompatível com o regime jurídico tributário, já que a criação e extinção de tributos se subordina à edição de atos administrativos vinculados” (MACHADO, 2008, p. 113). Em conformidade com Machado, os autores totalmente avessos à transação no âmbitodo Direito Tributário assinalam uma antinomia entre os artigos 3º e 171 do CTN, pois o pri- meiro dispõe ser o tributo cobrado mediante atividade administrativa plenamente vinculada, enquanto que o segundo admite a transação (MACHADO, 2008, p. 113). No entanto, para o autor, essa antinomia é apenas aparente, e que se resolve pelo critério da especialidade, eis que são normas em aparente conflito situadas na mesma posição hierárqui- ca. (MACHADO, 2008, p. 113). Explica o autor que em outras palavras, o art. 3º do Código Tributário Nacional contém uma prescrição jurídica aplicável à atividade de cobrança de um tributo. Diz que essa cobrança há de ser feita mediante atividade administrativa plenamente vinculada. O art. 171, ao admitir a transação como forma de extinção do crédito tributário, contém uma pres- crição especial, aplicável apenas aos casos e nas condições que a lei estabelecer. Uma exceção, portanto, à prescrição genérica. (MACHADO, 2008, p. 113). No entanto, a exceção relatada mostra-se razoável, porquanto não agride a regra, com ela convivendo perfeitamente, uma vez que só haverá confronto entre o caráter vinculado da atividade administrativa se a lei ordinária atribuir competência para fazer transações às autori- dades lançadoras em geral ou aos representantes da Fazenda Pública em juízo (MACHADO, 2008, p. 114). Ainda assim, a falha será da lei ordinária e não do artigo que trata sobre a transação. Para ser obediente a esse dispositivo, a lei ordinária deve estabelecer as condições em que pode ser feita a transação com tal objetividade que restará afastada a discriciona- riedade, e atribuir competência para autorizar a transação somente a autoridades de escalões superiores da Administração Tributária para que, se alguma discricionarie- dade ainda restar, seja mais fácil o controle do ato que há de ser praticado sempre no interesse da Fazenda Pública (MACHADO, 2008, p. 114). Importante destacar a posição do doutrinador acerca da possibilidade de transação no Direito Tributário, sendo que se manifesta favoravelmente à questão, em princípio e desde que guardadas as devidas cautelas especialmente no tocante ao arbítrio da Fazenda Pública, a fim 90 Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem de que não se tenha nele um incremento, posto que tal arbítrio já é elevado (MACHADO, 2008, p. 135). Heleno Tavares Torres também se posiciona em favor da possibilidade de transação em matéria tributária. Dispõe o referido autor que tal instituto é um meio de equilíbrio entre os interesses do Estado com os limites constitucionais e direitos individuais dos cidadãos, não podendo a simplificação fiscal, como instrumento da eficiência administrativa, ser vista pura e simplesmente como meio de garantir maior arrecadação (TAVARES TORRES, 2008, p. 328). Importante a lição do autor, ao se referir quanto à necessidade de ser promovida uma simplificação nos procedimentos, “alheando-se de complexidade inúteis e de toda espécie de exageros burocráticos, servindo como instrumento de uma legalidade democrática, justa, ope- rativa, mas também segura e ponderada” (TAVARES TORRES, 2008, p. 328). O princípio jurídico e técnico da praticabilidade ou praticidade da tributação, que se deve estender aos meios de resolução de controvérsias, deve ser repensado e posto como condição de eficiência administrativa, tal como o exige o art. 37 da Constitui- ção. Adam Smith, já nos idos de 1776, enfatizava a importância da garantia de certeza e praticabilidade dos tributos, como meio de igualdade e segurança jurídica para os contribuintes (TAVARES TORRES, 2008, p. 328). Em razão do alto passivo tributário no Brasil, que somente no âmbito dos tributos fe- derais alcança cifra superior a setecentos bilhões de reais, refere Tavares Torres que se torna necessário usar alternativas como a criação de um “ombudsman” fiscal, com competência pre- ventiva, com participação tanto antes da edição das leis tributárias como para reflexão sobre as condutas vigentes, a exemplo do que ocorre em países como México, Estados Unidos, Itália, Portugal e Espanha, além de a utilização de formas alternativas às modalidades ordinárias de decisão de conflitos, como a revogação ou revisão administrativa dos atos de lançamento, tran- sação e a arbitragem em matéria tributária (TAVARES TORRES, 2008, p. 328). Segundo o autor, diversos países tiveram bons resultados na redução de seus passivos tributários com medidas equivalentes, adaptando os princípios de indisponibilidade do patri- mônio público e segurança jurídica dos contribuintes, aos da eficiência e simplificação fiscal (TAVARES TORRES, 2008, p. 328). Desta forma, adota-se a corrente favorável à aplicação da transação no âmbito tributário por ser mais coerente, desde que utilizada nos limites estabelecidos em lei, isto é, aplicada cor- retamente, beneficia tanto o Estado, que consegue receber o crédito tributário para reverter em benefício da população na forma de políticas públicas de inclusão social, como o devedor, que resolve a sua pendência de uma forma menos gravosa. Importante ressaltar, por fim, que a transação, tanto em matéria tributária como nos outros ramos do direito, extingue as obrigações mediante concessões recíprocas, sendo que, conforme Fernandes, para que isso seja possível deve haver um grau de incerteza no direito 91Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem objeto da discussão. Contudo, o grau de incerteza do direito discutido, assim como o poder do qual dispõe a autoridade competente para realizar o acordo são matérias que serão disciplinadas na lei que instituir o modelo geral da transação, a qual embasará o art. 171 do CTN (FERNAN- DES, p. 216, 2013). Desta forma, cumpre assinalar que o Projeto de Lei nº5082/2009, que estabelece as condições e os procedimentos que a União, por meio da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacio- nal e da Secretaria da Receita Federal do Brasil, e os sujeitos passivos de obrigação tributária deverão observar para a realização de transação, que importará em composição de conflitos ou terminação de litígio, para extinção do crédito tributário, nos termos dos artigos 156, inciso III, e 171 do Código Tributário Nacional tramita atualmente em regime de prioridade no Congresso Nacional. Sobre o referido Projeto de Lei, Luciana Moessa de Souza destaca que a maior inovação por ele trazida talvez seja a disciplina genérica da denominada transação por adesão (SOUZA, 2010, p. 307). Destaca a referida autora, a possibilidade de grande utilização da transação por adesão em casos envolvendo matéria estritamente jurídica e que passa a ser possível não ape- nas com base em lei específica (hipótese que o PL prevê de forma redundante), mas também quando houver “autorização do Ministro de Estado da Fazenda e do Advoga- do-Geral da União, com base na jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Federal ou de tribunais superiores (artigo 43, II)”. (SOUZA, 2010, p. 307) Poderá ser realizada a chamada “transação por adesão” tanto nos procedimentos admi- nistrativos como nos judiciais, lembrando Luciana Moessa de Souza, que mecanismo como este, inclusive já foi utilizado em nosso ordenamento recentemente com relação a diferenças na correção de saldos de Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) decorrentes de planos econômicos, assunto sobre o qual havia centenas de milhares de ações em juízo pleiteando tais diferenças. O cuidado que o legislador deve ter, ao disciplinar tais transações, é o de trazer regras acerca do pagamento de honorários advocatícios no caso de acordos celebrados em juízo, tema que, por não ter sido tratado na norma que autorizou o acordo em matéria de FGTS, foi uma das principais dificuldades na sua implementação. (SOUZA, 2010, p. 308) Desta forma, percebe-se claramente a importância que vem sendo dada a essa forma de tratamento de conflitos, que beneficia a todos osenvolvidos, constituindo-se, assim, em meios eficazes e satisfatórios. 92 Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem CONCLUSÃO A partir do estudo realizado, verifica-se que o instituto da transação tributária, na forma dos artigos 156, inciso III e 171, do Código Tributário Nacional, é passível de ser aplicado aos casos envolvendo o Direito Tributário, desde que nos limites legais, diante da necessidade de efetivo recebimento dos créditos tributários pelo Estado, em tempo razoável e com o menor dispêndio possível nestas demandas, a fim de que seja possível fornecer um retorno razoável destes créditos à população, dos quais tanto necessita, na forma de promoção de políticas pú- blicas de inclusão social. Deve-se destacar que, embora recente a alteração da concepção do conflito e seus meios de tratá-lo, há um protagonismo ao assegurar a solução pacífica dos conflitos, por meio do diálogo e consenso, quando apresenta, para tanto, a negociação, a conciliação, a mediação e a arbitragem. No presente caso, a transação tributária apresenta-se como meio adequado de tra- tamento de conflito. Nessa ótica, vislumbra-se o papel emancipador fundamentado na satisfação das ex- pectativas humanas essenciais, apresentando medidas terapêuticas para discutir os conflitos e encontrar respostas satisfatórias aos envolvidos, razão pela qual se defende a utilização dos meios complementares de tratamento de conflito como concretização de políticas públicas de inclusão social. REFERÊNCIAS CALMON, Petrônio. Fundamentos da Mediação e da Conciliação. Rio de Janeiro: Forense, 2008. FERNANDES, Tarsila Ribeiro Marques Fernandes. Transação como forma de extinção do crédito tributário: eficiência e celeridade. 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Direito Civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos con- tratos. São Paulo: Atlas, 2014. WOLKWEISS, Roque Joaquim. Direito Tributário nacional. Porto Alegre: Livraria do Advo- gado, 1997. 95Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem MEDIAÇÃO DE CONFLITOS NA ESFERA DO PODER PÚBLICO: UMA EQUAÇÃO (IM)POSSÍVEL? Josiane Caleffi Estivalet Mestranda na Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, área de concentração em Direitos Sociais e Políticas Públicas. Especialista em Direito, Sociedade e Psicanálise e em Direito Processual Civil. Integrante do grupo de pesquisa “Políticas Públicas no Tratamento dos Conflitos” certificado pelo CNPq coordenado pela Profª Pós-Dou- tora Fabiana Marion Spengler. Juíza de direito do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Endereço eletrônico: josiane.ce.santcruz@gmail.com. INTRUDUÇÃO Há previsão legal, no ordenamento jurídico brasileiro, da resolução consensual extrajudicial11 de conflitos envolvendo o Poder Público. Como exemplo, pode-se citar o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078) que acresceu o parágrafo 6º ao artigo 5º da Lei da Ação Civil Pública (Lei nº 7.347) e fez surgir a possibilidade da celebração de “ajustes de conduta” com relação a matérias como meio ambiente, patrimônio cultural, histórico e paisagístico, ordem econômica, defesa do consumidor, dentre outras22. No mesmo sentido navega o Estatuto 1 Para fins do presente trabalho adota-se o conceito de jurisdição de Arruda Alvim (1990): “Consiste a jurisdição: 1) especificamente, numa atividade ontológica e intencionalmente preordenada, à aplicação da lei, quando haja solicitação nos casos concretos controvertidos, submetidos ao Judiciário, constituindo-se a declaração lato sensu do Direito, o seu objetivo imediato; mediatamente, do global dessa atividade há de resultar a paz social, na medida em que esta daquela dependa; compreende essa função a mera controvérsia sobre a validade (= constitucionalidade) de uma lei; 2) é atividade secundária, porquanto ocorre nas hipóteses em que os litigantes não hajam realizado a atividade primária que deveriam ter realizado, para que não tivesse havido ilicitude e, assim, opera tal atividade no lugar da do litigante, a qual inocorreu, ou ocorreu incompletamente, salientando-se que decide finalisticamente sobre atividade alheia e não própria; 3) como atividade secundária, é, também, substitutiva do dos litigantes e, por isso mesmo, haverá de valer definitivamente, em lugar dos desejos dos litigantes, sendo que, para tal substitutividade realmente ocorrer, as decisões do Poder Judiciário têm que eficazmente submeter os litigantes; para isto se verificar na plenitude do necessário, tal eficácia nem mesmo por lei nova poderá ser alterada (coisa julgada, garante contra lei retroativa, entre nós); 4) é atividade desinteressada do conflito, equidistante das partes, e exclusivamente subordinada à lei; daí serem os juízes, de um lado submissos só à lei e, de outro, independentes, para que possam ser imparciais, bem como hão de obedecer a regras preestabelecidas (processo e procedimento preestabelecidos) asseguradoras da imparcialidade, tudo com o fim da aplicação precisa da Lei; 5) atua no presente, tendo em vista o futuro (segundo alguns, com a criaçãode norma individual pela sentença), geralmente à luz de fatos já verificados, antes do início do processo”. (ALVIM, 1990 p. 60) 2 Art. 5o Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar: (Redação dada pela Lei nº 11.448, de 2007). I - o Ministério Público; (Redação dada pela Lei nº 11.448, de 2007). II - a Defensoria Pública; (Redação dada pela Lei nº 11.448, de 2007). III - a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; (Incluído pela Lei nº 11.448, de 2007). IV - a autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista; (Incluído pela Lei nº 11.448, de 2007). V - a associação que, concomitantemente: (Incluído pela Lei nº 11.448, de 2007) a) esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano nos termos da lei civil; (Incluído pela Lei nº 11.448, de 2007). b) inclua, entre as suas finalidades institucionais, a proteção ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência, aos direitos de grupos raciais, étnicos ou religiosos ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico. (Redação dada pela Lei nº 12.966, de 2014) § 1º O Ministério Público, se não intervier no processo como parte, atuará obrigatoriamente como fiscal da lei; § 2º Fica facultado ao Poder Público e a outras associações legitimadas nos termos deste artigo habilitar-se como litisconsortes de qualquer das partes; § 3° Em caso de desistência infundada ou abandono da ação por associação legitimada, o Ministério Público 96 Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem da Criança e do Adolescente (Lei nº 8069)33 e o Estatuto do Idoso (Lei 10.741/2003)44. Não obtida a composição consensual extrajudicial dos conflitos nos quais estão imbricados o Poder Público e o particular, os legitimados (dentre eles o Ministério Público) podem fazer uso dos instrumentos processuais previstos no ordenamento jurídico pátrio (ações populares, ações civis públicas e outras de natureza coletiva) para levar mencionados conflitos à esfera do Poder Judiciário, a fim de que este, segundo Spengler (2010), “diga o direito”55. Atualmente, a tarefa de “dizer o Direito” encontra limites na precariedade da jurisdição moderna, incapaz de responder às demandas contemporâneas produzidas por uma sociedade que avança tecnologicamente permitindo o aumento da exploração econômica, caracterizada pela capacidade de produzir riscos sociais e pela incapacidade de oferecer-lhes respostas a partir dos parâmetros tradicionais.” (SPENGLER, 2010, p.25). ou outro legitimado assumirá a titularidade ativa. (Redação dada pela Lei nº 8.078, de 1990) § 4.° O requisito da pré-constituição poderá ser dispensado pelo juiz, quando haja manifesto interesse social evidenciado pela dimensão ou característica do dano, ou pela relevância do bem jurídico a ser protegido. (Incluído pela Lei nª 8.078, de 11.9.1990) § 5.° Admitir-se-á o litisconsórcio facultativo entre os Ministérios Públicos da União, do Distrito Federal e dos Estados na defesa dos interesses e direitos de que cuida esta lei. (Incluído pela Lei nª 8.078, de 11.9.1990) (Vide Mensagem de veto) § 6° Os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante cominações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial. (Incluído pela Lei nª 8.078, de 11.9.1990) (Vide Mensagem de veto). 3 Art. 210. Para as ações cíveis fundadas em interesses coletivos ou difusos, consideram-se legitimados concorrentemente: I - o Ministério Público; II - a União, os Estados, os Municípios, o Distrito Federal e os territórios; III - as associações legalmente constituídas há pelo menos um ano e que incluam entre seus fins institucionais a defesa dos interesses e dos direitos protegidos por esta Lei, dispensada a autorização da assembleia, se houver prévia autorização estatutária. § 1º Admitir-se-á litisconsórcio facultativo entre os Ministérios Públicos da União e dos Estados na defesa dos interesses e direitos de que cuida esta Lei.§ 2º Em caso de desistência ou abandono da ação por associação legitimada, o Ministério Público ou outro legitimado poderá assumir a titularidade ativa. Art. 211. Os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, o qual terá eficácia de título executivo extrajudicial. 4 Art. 74. Compete ao Ministério Público: I – instaurar o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção dos direitos e interesses difusos ou coletivos, individuais indisponíveis e individuais homogêneos do idoso; II – promover e acompanhar as ações de alimentos, de interdição total ou parcial, de designação de curador especial, em circunstâncias que justifiquem a medida e oficiar em todos os feitos em que se discutam os direitos de idosos em condições de risco; III – atuar como substituto processual do idoso em situação de risco, conforme o disposto no art. 43 desta Lei; IV – promover a revogação de instrumento procuratório do idoso, nas hipóteses previstas no art. 43 desta Lei, quando necessário ou o interesse público justificar; V – instaurar procedimento administrativo e, para instruí-lo: a) expedir notificações, colher depoimentos ou esclarecimentos e, em caso de não comparecimento injustificado da pessoa notificada, requisitar condução coercitiva, inclusive pela Polícia Civil ou Militar; b) requisitar informações, exames, perícias e documentos de autoridades municipais, estaduais e federais, da administração direta e indireta, bem como promover inspeções e diligências investigatórias; c) requisitar informações e documentos particulares de instituições privadas; VI – instaurar sindicâncias, requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, para a apuração de ilícitos ou infrações às normas de proteção ao idoso; VII – zelar pelo efetivo respeito aos direitos e garantias legais assegurados ao idoso, promovendo as medidas judiciais e extrajudiciais cabíveis; VIII – inspecionar as entidades públicas e particulares de atendimento e os programas de que trata esta Lei, adotando de pronto as medidas administrativas ou judiciais necessárias à remoção de irregularidades porventura verificadas; IX – requisitar força policial, bem como a colaboração dos serviços de saúde, educacionais e de assistência social, públicos, para o desempenho de suas atribuições; X – referendar transações envolvendo interesses e direitos dos idosos previstos nesta Lei. 5 Existe por parte do Conselho Nacional de Justiça o reconhecimento da necessidade de aperfeiçoamento da prestação jurisdicional. O planejamento estratégico nacional do Poder Judiciário 2015/2020 repete a revogada Resolução nº 70 de 18 de março de 2009 do CNJ, ao estabelecer objetivos estratégicos dos quais destacamos a celeridade, acessibilidade, credibilidade e modernidade. Disponível em http://www.cnj.jus.br/atos- normativos?documento=2029, acesso em 14/08/2014. 97Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem A partir da Resolução nº 125 do Conselho Nacional de Justiça, o Poder Judiciário teve ampliada a sua atuação. Além dos mecanismos processuais que trilham os caminhos para o “dizer o direito” previstos em lei, houve a institucionalização da mediação e da conciliação como métodos complementares66 de gerir77 conflitos. O propósito da mencionada institucionalização é proporcionar a aproximação das partes, fomentar o diálogo e, via de consequência, facilitar o acordo no sentido amplo, ou seja, além dos limites da lide processual, alcançando a lide sociológica e/ou as origens do conflito. Esta nova postura do Poder Judiciário brasileiro, de inclusão da mediação como forma de metabolizar conflitos, sofre “resistências da cultura belicosa com a qual é formada, por exemplo, o bacharel em Direito (uma vez que estamos falando do Judiciário) muito mais prepa- rado para o conflitodo que à sua composição” (LEAL, 2006 p. 49). A causa seria a inexistência, nos currículos da maioria dos cursos universitários, de espaços que permitam o domínio de técnicas de negociação ou conciliação que favoreçam o diálogo. O presente artigo tem como tema principal lançar questionamentos sobre a utilização da mediação como forma de gestão de conflitos judicializados, quando figurar, em um dos polos da demanda, o poder público, inclusive à luz do previsto no Projeto de Lei nº 7.169 de 201488. Souza (2012) identifica três grandes fundamentos jurídico-constitucionais para que se- jam adotados não só na mediação, como em outras formas consensuais de administração de conflitos em litígios que envolvam o poder público na esfera jurisdicional. O primeiro é o princípio do acesso à justiça, insculpido no artigo 5º, XXXV da Cons- tituição Federal que determina que sejam colocados à disposição da sociedade métodos ade- quados de gestão de conflitos. Esta adequação deve ser percebida sob os aspectos temporal, econômico e de resultados. Portanto, não se trata de uma mera garantia de acesso formal ao 6 Discute-se se a mediação seria uma forma complementar ou alternativa de enfrentamento das situações de conflito. A sigla utilizada em inglês, ADR que significa “Alternative Dispute Resolution” ou soluções alternativas de disputas, ou conflitos, amplamente difundida no mundo acadêmico, remete ao uso do vocábulo alternativo. O termo alternativo sugere a faculdade de se optar entre duas ou mais coisas, hipóteses, caminhos, escolhas. Ocorre que, nem a Resolução nº 125, nem o Projeto de Lei 7169/2004, excluem a possibilidade de os envolvidos no conflito valerem-se das vias judiciais tradicionais para o enfrentamento da contenda, caso não tenham alcançado a composição através da mediação.). Para fins do presente trabalho, a mediação será concebida como forma complementar de enfrentamento de conflitos, pois apresenta características próprias, que a distinguem da jurisdição e não se contrapõem a ela, como sugere o termo alternativo. 7 Opta-se por utilizar os termos “gestão”, “enfrentamento” e “metabolização” de conflitos, em razão de que, segundo Spengler (2010, p. 26) “conflitos sociais não podem ser “solucionados” pelo Judiciário, no sentido de resolvê-los, suprimi-los, elucidá-los ou esclarecê-los”. Bobbio, ao excluir do seu enfoque os aspectos psicológicos do conflito e declarar ser o mesmo ínsito a toda sociedade, portanto, ineliminável, (2010, p. 228) conceitua-o como “uma forma de interação entre indivíduos, grupos, organizações e coletividades que implica choques para o acesso e a distribuição de recursos escassos” (p. 225). Explica: “A supressão dos conflitos é, contudo, relativamente rara. Assim como relativamente rara é a plena resolução dos conflitos, isto é, a eliminação das causas, das tensões, dos contrastes que os originaram (quase por definição, um conflito social não pode ser “resolvido”). O processo o tentativa mais frequente é o do proceder à regulamentação dos Conflitos, isto é, à formulação de regras aceitas pelos participantes que estabelecem determinados limites aos Conflitos. A tentativa consiste não em por fim aos Conflitos mas em regulamentar sua formas de modo que suas manifestações sejam menos destrutíveis para todos os atores envolvidos.” (BOBBIO, 2010 p. 028) 8 Disponível em http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=606627, acesso 21/10/2014 98 Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem sistema judicial. Destaca ainda o princípio da eficiência, previsto no artigo 37, caput da Carta Magna que, para o presente trabalho, é visto sob a ótica da relação custo/benefício na resolução das demandas e/ou situações conflituosas. E, por fim, o fundamento da ordem constitucional, conforme previsto no artigo 1º, qual seja, o princípio democrático, do qual decorre o fato de o Estado não ser um fim em si mesmo. Assim, quando o poder púbico estiver envolvido em conflitos com particulares e/ou com co- letividades, há necessidade de que ele se disponha a dialogar, seja para encontrar uma solução adequada para o problema, seja para esclarecer os seus limites de atuação. Objetiva-se com a presente pesquisa investigar de que maneira a mediação realizada no âmbito do Poder Judiciário pode servir de estratégia de manejo dos litígios que envolvem o poder público, especialmente em razão da multiplicidade de interesses e titulares de direitos que podem compor um dos polos da relação processual. Deve-se ter em mente que, mesmo não compondo a lide, esses terceiros poderão ser afetados de forma direta e/ou indireta pelas decisões originadas, como ocorre nas ações populares, ações civis públicas e outras que tenham natureza coletiva. Abordar-se-ão, inicialmente, os conceitos de políticas públicas. Em seguida, serão traçadas linhas gerais sobre a mediação e, na sequência, serão analisadas particularidades do emprego da mediação nas demandas em que pessoas jurídicas de direito público ocupam um dos polos da ação. O método de abordagem adotado será o dedutivo, partindo da relação entre as premissas (argumentos gerais) e argumentos particulares até à conclusão. O método de procedimento será o monográfico, a partir de pesquisas realizadas em fontes bibliográficas ligadas ao tema. 1 POLÍTICAS PÚBLICAS Segundo Bittencourt (2013, p. 44), “a análise do conceito de política pública jamais poderá, em si, conter uma observação meramente jurídica”. Para Bucci (2006, p. 241), “políticas públicas são programas de ação governamental visando coordenar os meios à disposição do Estado e as atividades privadas, para a realização de objetivos socialmente relevantes e politicamente determinados”. Políticas públicas resultam das decisões tomadas em determinada sociedade na esfera da administração pública, vinculam-se às escolhas feitas pelo administrador, aos caminhos de implementação traçados e às estratégias de intervenção governamental. Não podem ser analisadas como uma mera concepção isolada do contexto histórico do Estado e da sociedade. Na sociedade civil, em razão da “crescente escala de intervenção do Estado e a complexidade dos governos nos dias atuais” percebe-se que a ação política ganha mais importância, na medida em que vem sendo constatado que existe uma “multiplicidade de 99Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem modelos políticos institucionais” e que nenhum pode ser universalmente aplicado. (SCHMIDT, 2008, p. 2307). Segundo Schmidt (2008), o futuro do Estado, assim como da sociedade em geral, demanda, sob a ótica das políticas públicas, uma análise geral, especialmente no que diz respeito ao desenvolvimento e inclusão social. Assim, tem-se que o avanço econômico do Brasil vem acompanhado da necessidade de aprimoramento das decisões, tanto na esfera pública como na privada. Para Gobert e Muller (1987) apud Höfling, políticas públicas podem ser traduzidas como o Estado em ação, implantando um projeto de governo, através de programas e ações voltadas para determinados setores da sociedade. O Estado não pode ser reduzido à burocracia pública, aos organismos estatais que conceberiam e implementariam as políticas públicas. As políticas públicas são aqui compreendidas como as de responsabilidade do Estado – quanto à implementação e manutenção, a partir de um processo de tomada de decisões que envolve órgãos públicos e diferentes organismos e agentes da sociedade relacionados à política imple- mentada. Neste sentido, políticas públicas não podem ser reduzidas a políticas estatais. Políticas públicas, portanto, levam em consideração que o espaço público é uma dimen- são mais ampla, que se desdobra em estatal e não estatal. Schmidt destaca que “as políticas orientam a ação estatal, diminuindo os efeitos de um dos problemas constitutivos do regime democrático: a descontinuidade administrativa, decorrente da renovaçãoperiódica dos gover- nantes.” (SCHMIDT, 2008, p. 2312). O autor refere que há necessidade de transparência das políticas públicas, na medida em que elas indicam as intenções governamentais em cada área de atuação do Estado. Schmidt (2008) elenca cinco fases no ciclo das políticas públicas. Fase 1: Percepção e definição de problemas, para que possam gerar uma política pública; Fase 2: Inserção na agenda política (agenda setting), ou seja, relação dos problemas e assuntos de interesse dos cidadãos e do governo. “Envolve governo, congresso, partidos políticos e atores sociais” (SCHMIDT, 2008, p. 2317); Fase 3: Formulação: momento da definição quanto à maneira de solucionar o problema político e escolha das alternativas procedimentais, dentro da esfera do Legislativo e Executivo; Fase 4: Implementação: “é a fase da concretização da formulação, através de ações e atividades que materializam as diretrizes, programas e projetos”, geralmente a cargo da admi- nistração (SCHMIDT, 2008, p. 2318); e Fase 5: Avaliação: nunca é neutra, ou puramente técni- ca, mas possibilita que os eleitores exerçam controle sobre a ação governamental (“em política, a principal é a eleitoral”) (SCHMIDT, 2008, p. 2319). Existem aspectos que são geralmente considerados e dizem respeito às seguintes questões: avaliação de efetividade, de eficácia, de eficiência, de legitimidade. Dos conceitos transcritos acerca de políticas públicas extraí-se conclusão de que existe um núcleo comum e constante: o objetivo das mesmas será o de atender a um determinado fim, de cunho econômico ou social, através de ações promovidas pelo Estado. Sua importância está diretamente ligada à possibilidade de produzir mudanças na sociedade, a partir da iniciativa do 100 Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem Estado. Buscar no Poder Judiciário, a solução, com relação da ausência de implementação de políticas públicas ou de sua precária execução, tem se mostrado a alternativa recorrente. No que diz respeito ao crescimento do número de demandas judiciais atinentes a direitos fundamentais que dependem de políticas públicas tem levado muitos a criticarem o que chamam de ‘judicialização das políticas públicas’, defendendo que a sua formulação fique imune ao controle jurisdicional. Este pensamento ignora que o progressivo incremento na missão político-jurídica do Poder Judiciário é corolário de um fenômeno iniciado nas esferas dos outros dois poderes, que tiveram seu papel sensivelmente ampliado com a passagem do Estado Liberal ao Estado de Bem-Estar Social (SOUZA, 2012). O desafio do Poder Judiciário consiste na forma com que, dentro de um prazo razoável, com as ferramentas que dispõe, possa ser viabilizado e desenvolvido o processo ou procedi- mento que não apenas solucione juridicamente o caso concreto, mas que também garanta a eficácia desta decisão ou a utilidade da mesma, sob pena de, no plano fático, o conflito que deu origem a demanda não vir a ser administrado e/ou tratado. 2 MEDIAÇÃO E PODER PÚBLICO Dentro do contexto de busca de soluções não restritas ao âmbito jurídico é que ganha importância a mediação99. Concebida como um processo de manejo de conflitos, que não apresenta soluções prontas, a mediação tem por principal objetivo ampliar as vias dialogais dos envolvidos nos conflitos. De fato, o que a mediação propõe é um modelo de justiça que foge da determinação rigorosa das regras jurídicas, abrindo-se à participação e à liberdade de decisão entre as partes, à comunicação de necessidades e de sentimentos, à reparação do mal mais que a punição de quem o praticou. (SPENGLER, 2014 p. 48). Através de um terceiro (sem poder decisório), os conflitantes são convidados e estimulados a criar ou restabelecer os canais de comunicação, transitam de uma situação em que seus objetivos são aparentemente inconciliáveis para outra em que, ou percebem que há outros objetivos e interesses relevantes a serem considerados, ou visualizam uma possibilidade de sua compatibilização, ou ambos. O mediador é acima de tudo um facilitador da comunicação, rompida, truncada ou inexistente1010. 9 Spengler (2014, p. 44) alerta que nas duas últimas décadas, especialmente nos anos de 1980 a 1990 o termo sofreu uma banalização, na medida em que passou a ser usado para muitos propósitos, divorciados do contexto jurídico. 10 “Agir, pensar e sentir caracterizam diferentes naturezas de discurso que são apresentadas ao outro, com maior ou menor objetividade e civilidade. Essas três possibilidades discursivas norteiam a construção de narrativas e podem dar a impressão de uma conversa em diferentes idiomas, quando uma ou outra natureza predomina na fala de cada um dos mediandos.” (ALMEIDA, 2014 p. 82) 101Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem Enquanto proposta mais fluida pode perfeitamente conviver com os rígidos padrões da prestação jurisdicional, das políticas públicas, das questões jurídicas e não jurídicas que compõem o cenário do conflito. Ainda, a mediação, para Spengler (2014), é a criação de um espaço de acolhimento da desordem social e de transformação do conflito e da violência, a partir de um novo modelo, democrático e garantidor de autonomia aos conflitantes. Para a resolução de uma disputa, normalmente, há necessidade da utilização de parâmetros jurídicos, porém, a solução não se limita à esfera legal, pois os litígios, via de regra, não se restringem a questões jurídicas. Na mediação, distingue-se, portanto, aquilo que é trazido pelas partes ao conhecimento do Poder Judiciário daquilo que efetivamente é interesse das partes. Lide processual é, em síntese, a descrição do conflito segundo os informes da petição inicial e da contestação apresentados em juízo. Analisando apenas os limites dela, na maioria das vezes não há satisfação dos verdadeiros interesses do jurisdicionado. Em outras palavras, pode- se dizer que somente a resolução integral do conflito (lide sociológica) conduz à pacificação social; não basta resolver a lide processual – aquilo que foi trazido pelos advogados ao processo – se os verdadeiros interesses que motivaram as partes a litigar não foram identificados e resolvidos (BACELLAR, 2003). Enquanto proposta de (re)construção de vias dialogais1111, a mediação leva em conta não apenas os problemas mediatos e/ou jurídicos, mas os fatores que, na maioria das vezes, pautaram o conflito, como os vínculos emocionais formados antes do litígio, as necessidades e os interesses dos envolvidos e a forma com que eles se comunicam. Assim, propõem-se outras leituras que não sejam as da produção de decisões verticalizadas, o que para Spengler (2014, p. 48) importa em verdadeira revolução social. Apesar do interesse acadêmico e prático que a mediação desperta no meio jurídico, es- pecialmente em razão da Resolução nº 125 do Conselho Nacional de Justiça1212, no Brasil, não há legislação específica que a discipline. Tramitam várias propostas legislativas sobre a matéria, elencadas por Spengler (2014, p. 98): Projeto de Lei do Novo Código de Processo Civil, (PL 8046 de 2010), e os Projetos de Lei nºs 517/11, 434/13, 405/13. A mais recente proposta é o projeto de Lei nº 7.1691313 de 2014 que trata da mediação entre particulares e sobre a composição de conflitos no âmbito da Administração Pública. Elege, em seu artigo 2º, como princípios da mediação: a imparcialidade do mediador, a isonomia entre as partes, a oralidade, a informali- dade, a autonomia da vontade das partes, a busca do consenso, a confidencialidade e a boa–fé. Segundo Freund (1995, p. 241), uma das características fundamentais do conflito é a dualidade, amigo-inimigo ou a bipolaridade. Assim, o conflito se define como uma relação 11 “A mediação é uma maneira de instaurar a comunicação rompida entre as partes em virtude da posição antagônica instituída pelo litígio. Tratando-se de um intercâmbio comunicativo no qual os conflitantesestipulam o que compete a cada um no tratamento do conflito em questão, a mediação facilita a expressão do dissenso definindo um veículo que possa administrar a discordância e chegar a um consenso comunicativo” (SPENGLER, 2010, p. 350). 12 Disponível em http://www.cnj.jus.br/atos-administrativos/atos-da-presidencia/323-resolucoes/12243- resolucao-no-125-de-29%20%20-de-novembro-de-2010 13 Disponível em http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=606627, acesso 18/10/2014 102 Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem marcada pela exclusão do terceiro. Este terceiro, que não está envolvido no conflito, quando atua como mediador, é encarregado de, ocasionalmente e temporariamente, encontrar meios que produzam a aproximação dos conflitantes, o que poderá permitir eventual entendimento entre eles (FREUND, 1995, p. 242)1414. Nesse contexto ganham importância às matizes do agir do mediador. Imparcialidade, para Moore (1995 p. 55), está ligada à ideia de “ausência de tendencio- sidade ou preferência em favor de um ou mais negociadores, de seus interesses ou das soluções específicas que eles estão defendendo”. Significa que os mediadores devem ter a capacidade de “separar suas opiniões pessoais quanto ao resultado da disputa do desempenho de suas funções” concentrando-se no uso das técnicas necessárias para que as partes tomem suas próprias deci- sões sem favorecer indevidamente qualquer uma delas. A isonomia pode ser compreendida para além do tratamento igualitário, pois remete à ideia de equilíbrio entre os envolvidos no conflito. Segundo Spengler (2014, p. 45), não obterá êxito a mediação na qual as partes estiverem em desequilíbrio de atuação. É fundamental que a todos seja conferida a oportunidade de se manifestar e garantida a compreensão das ações que estão sendo desenvolvidas. A prioridade do processo de mediação é a restauração da harmonia. O princípio da oralidade está associado ao da informalidade, em razão de que as pesso- as, na mediação, podem discutir os problemas que os vinculam nos seus mais diversos aspectos, na busca de identificar não só as causas do seu agir, como também as possíveis de manejar seus conflitos. Conforme Spengler (2014), inúmeras vezes pessoas que possuem convivência cotidiana (ou interesses ligados a relações continuadas – tais como: vizinhança, família, emprego, etc.) entram em dis- cordância por um motivo qualquer. Este é o caso das relações continuadas, nas quais a questio que seria debatida na corte tradicional é uma, porém, o verdadeiro conflito pode ser outro (SPENGLER, 2014 p. 101). Já a informalidade é uma das características que mais distancia a mediação do processo judicial, o que não pode ser confundido com falta de técnica ou método. Informalidade, para Sales (2010, p. 4) significa ausência de “forma única premeditada de processo de mediação”. Embora não existam formas rígidas de mediar, são empregados métodos com rigor cien- tífico, elaborados e permanentemente estudados (CALMON, 2013, p. 115). A autonomia entre as partes pode ser compreendida a partir do ensinamento de Freund 14 “Una de las características fundamentais del conflicto es como hemos visto la aparición de la dualidad amigo- enemigo o la bipolaridad. Esto significa que se produce una disolución der tercero. En este setido se puede definir el conflicto como la relación social marcada por la exclusión del tercero. O bien este se disgrega con la aparición del conflicto por una espécie de implosión en el interior de las relaciones sociales, o bien se pode fuera de circuito y deja que lós protagonistas se peleen entre si. Por ló menos ES sorprendente que aparte de algunos raros autores esta noción del tercero casi no haya sido objeto de investigaciones sociológicas. Y sen embargo es capital para cualquier comprensión del tejido social, puesto que la sociedad es un conjunto de relaciones entre terceros, que tan pronto pueden formar una unidad coherente, por ejemplo un grupo, como continuar dispersos en una massa.” (FREUND, 1995, p. 241). 103Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem (1995, p. 242). Refere que a atividade do mediador está restrita à criação de um clima favorável para a construção de uma eventual composição. Esta será sempre obra dos conflitantes. Eles são livres no sentido de que não podem ser influenciados por partes internas ou externas, seja para participar da mediação, seja para fazer qualquer tipo de acordo Os mediadores, enquanto facilitadores, podem enfatizar a melhora do relacionamento entre as partes (MOORE,1995, p. 58), mas, como refere Sales (2010, p. 3), a liberdade dos envolvidos no conflito significa que “não podem estar sofrendo qualquer tipo de ameaça ou coação. Devem estar conscientes do que significa esse procedimento e que não estão obrigadas a fazer acordos ou assinar qualquer documento”. Na busca do consenso, os mediadores, segundo Moore (1995, p. 56), devem estar preo- cupados com um processo justo e não com um acordo em particular. usualmente se distanciam de compromissos com resultados fundamentais específicos – a quantidade de dinheiro envolvida em um acordo, o tempo exato de realização e assim por diante – mas têm compromissos com padrões de procedimento como comu- nicação aberta, equidade e negociação justa, durabilidade de um acordo no correr do tempo o obrigatoriedade do acordo” (MOORE, 1995, p. 56). Como aponta Calmon (2013, p. 114), o papel do mediador é induzir as partes para que elas identifiquem quais os principais pontos de controvérsia, como podem “acomodar seus interesses aos da parte contrária”, explorando assim, as múltiplas fórmulas de ajuste que transcendem a disputa. Naturalmente, o consenso poderá não ser encontrado durante o processo de mediação, mas o avanço dos envolvidos na construção de canais de comunicação ampliará as possibilidades de gerenciar o litígio, assim como a articulação de saberes e experiências. Spengler (2010, p. 320) refere que uma das pretensões da mediação é justamente “ajudar as partes a desdramatizar seus conflitos, para que se transformem em algo de bom à sua vitalidade interior”. A confidencialidade está ligada à liberdade que os mediandos dispõem para expor todas as questões relacionadas ao seu conflito, sejam elas de ordem técnica, pessoal ou emocional. Spengler (2014, p. 87) refere que “só haverá um diálogo aberto, sincero e honesto quando os conflitantes não estiverem tomados pelo receio de que o que foi dito não será usado como prova ou penalidade posteriormente”. Almeida (2014, p. 133) refere-se à mediação como “instrumento que auxilia os sujeitos a negociarem suas diferenças, pautados no discernimento e na virtude aristotélica – deliberar com excelência a respeito do que é bom e conveniente para si e para o outro”. Acrescenta quando em mediação nos referimos à boa-fé, estamos assentados na crença aristoté- lica de que é possível aos seres humanos prescindirem de leis externas para pautarem suas condutas de forma a considerar o outro como legítimo em suas necessidades, que devem ser atendidas, tanto quanto as próprias, na justa medida. (ALMEIDA, 2014, p. 135). 104 Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem O comprometimento de todos os envolvidos no conflito em colaborar, “sem interesses escusos”, é o que caracteriza, para Spengler (2014, p. 110), o princípio da boa-fé. Diante de tais princípios, que caracterizam o processo mediativo, questiona-se se há possibilidade de serem submetidos à mediação conflitos em que figurem, em um dos polos da ação, o poder público (latu sensu). Spengler (2014, p. 117) entende que, por ser a mediação, em sua essência, voltada à manutenção e fortalecimento de laços formados a partir de relações continuadas e/ou de afeto, os litígios envolvendo a administração pública não poderiam ser submetidos à conciliação. Souza(2012, p. 57) admite esta possibilidade, inclusive, quando for objeto da demanda, questões relativas a políticas públicas, desde que observadas as peculiari- dades que serão analisadas na sequência. O Projeto de Lei nº 7.169 de 2014 cria, no capítulo II “câmaras de prevenção e resolução administrativa de conflitos”, com competência para gerir as contendas entre órgão e entidades da Administração Pública, bem como para avaliar a possibilidade de composição de controvérsias entre particulares e pessoas jurídicas de direito público e celebrar termos de ajustamento de condutas, quando couber 1515. Nestas câmaras poderá ocorrer, extrajudicialmente, a composição de conflitos em que for parte pessoa jurídica de direito público. Há inclusive menção específica de que os conflitos envolvendo a administração pública federal direta, suas autarquias e fundações poderão ser objeto de transação (Seção II). Ou seja, não há exclusão explícita da mediação judicial das demandas em que figurem em um dos polos o poder público. A questão não é pacífica e torna-se ainda mais complexa quando se ingressa no procedimento propriamente dito da mediação. Na fase preliminar da mediação ocorre a escolha do mediador e/ou mediadores. No modelo instituído pela Resolução nº 125 do Conselho Nacional de Justiça, as sessões de mediação são realizadas com a participação de um mediador e um comediador, ou cofacilitador para que o trabalho seja desenvolvido em equipe. É indispensável que os mediadores e comediadores gozem de credibilidade perante todos os envolvidos no conflito. Na hipótese de judicialização, deve ser assegurado que todas as partes do processo sejam consultadas sobre os mediadores e comediadores nomeados, facultado inclusive eventuais alterações. A precaução facilitará o desenvolvimento dos trabalhos futuros de mediação propriamente ditos1616. Os mediadores e comediadores deverão também ser capacitados com relação ao tipo de conflito, a matéria a ser enfrentada, especialmente no que diz respeito às políticas públicas envolvidas. 15 Art.33. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão criar câmaras de prevenção e resolução administrativa de conflitos, com competência para: I – dirimir entre órgãos e entidades da Administração Pública; II – avaliar a admissibilidade dos pedidos de resolução de conflitos, por meio de composição, no caso de controvérsia entre particular e pessoa jurídica de direito público; III – promover, quando couber a celebração de termo de ajustamento de conduta. Disponível em: http://www.camara.gov.br/ proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=606627, acesso 18/10/2014 16 “O mediador deve atuar de acordo com as normas estabelecidas no código de ética, jamais utilizando o processo de mediação em benefício próprio ou para benefício de uma das partes. A integridade do processo de mediação depende da conduta do mediador” (SALES, 2010, p. 52) 105Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem No Brasil, em razão da ausência de tradição na adoção da mediação, não se tem um cadastro único de mediadores. O Conselho Nacional de Justiça, a partir da Resolução nº 125, tem fomentado a utilização da mediação e investido na capacitação de servidores e voluntários para o exercício da função de mediador, no âmbito dos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (CEJUSCS), porém, não com o enfoque específico para o atendimento de conflitos que envolvam políticas públicas. No entanto, é possível pensar na contribuição, neste aspecto, da comunidade acadêmica, seja através da realização de cursos específicos de formação de mediadores, como para profissionais das carreiras públicas que precisam ter clareza da sua atuação enquanto mediandos1717. Ainda na fase preliminar, deverão ser definidos os partícipes das sessões e o escopo da mediação. Cabe ao(s) mediador(es) explicar como irá se desenvolver o processo de mediação e, em conjunto com os mediandos, delimitar as diretrizes do processo, o que inclui a estimativa de tempo a ser despedido em cada uma das etapas. Para Souza (2012, p. 159), em havendo a participação do poder público no processo mediativo, poderia ser estabelecida uma agenda flexível de sessões. Também seria importante sensibilizar os partícipes sobre a importância de que se façam presentes em todas as sessões de mediação, para as quais são convidados, a partir do esclarecimento das formas de atuação e oportunidades que terão de se manifestar. Porém, aqui reside uma dificuldade a ser enfrentada que diz respeito ao princípio da isonomia entre as partes. Considerando que, conforme Spengler (2014, p. 45), a isonomia deve ser compreendida para além do tratamento igualitário, pois remete à ideia de equilíbrio entre os envolvidos no conflito questiona-se, como manter a isonomia entre o poder público e o particular? Outra peculiaridade está relacionada à eventual impossibilidade de comparecimento ou de remarcação da sessão de mediação. Os representantes do órgão ou instituição poderiam ser orientados a enviar um substituto que esteja a par de tudo o que já foi discutido nas sessões até então realizadas (SOUZA, 2012). Ocorre que, mesmo que este substituto dispusesse de poderes, concedidos pelo órgão e/ou instituição, para atuar de forma segura, inclusive firmando eventual acordo, não se pode subtrair da mediação o caráter de pessoalidade da mesma. Ou seja, a mediação, enquanto proposta de manejo pessoal de conflitos, que ultrapassa as dimensões da conciliação, pois tem incidência subjetiva, não pode ser delegada, sob pena de a mentalidade jurídica terminar convertendo-a em uma conciliação como adverte Warat (2004, p. 66/7). Em razão da matéria envolvida, especialmente quando estão em discussão políticas públicas, poderia ser objeto desta etapa inicial a verificação da necessidade eventuais estudos técnicos que tenham sido realizados, ou mesmo a realização de novos estudos, na forma definida pelos mediandos. Almeida (2014) explica que a intervenção de um técnico ou especialista pode potencializar 17 Não se pode desconsiderar o alerta feito por Schmidt sobre a “sinergia entre Estado e sociedade civil, tão destacadas atualmente”, no sentido de que um Estado forte não pode levar “certos setores a desmerecer a necessidade de colaboração das organizações da sociedade civil nas políticas sociais” (SCHIMIDT, 2010 p. 128). 106 Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem a confiança no processo de mediação na medida em que representa o cuidado que o mediador tem com relação ao conflito que deu origem a demanda: o mediador deve sugerir a procura de técnicos ou especialistas, sempre que necessário á ampliação do entendimento dos mediandos sobre questões específicas, uma vez que cabem a eles as decisões. É dever ético do mediador justificar a conveniência e/ou a necessidade da consulta sem, no entanto, indicar o(s) especialista(s) que atuará(ão). (ALMEIDA, 2014, p. 62). Nas situações em que o conflito que se busca administrar tenha gerado amplo debate político, inclusive na mídia, recomenda Souza (2012) que, além da definição sobre o local onde se realizarão as sessões, deve haver deliberação sobre a forma pela qual se facultará a participação do público ou se os grupos receberão “manifestações por escrito relacionadas ao problema discutido no processo (conforme a amplitude da política pública debatida, pode ser apropriado receber manifestações on-line ou pelo correio, já que apenas uma minoria de pessoas, normalmente, tem condições de comparecer pessoalmente)” (SOUZA, 2012, p. 134) e também a forma pela qual o grupo divulgará informações relativas ao processo junto à imprensa. Por fim, questiona-se ainda a confidencialidade das sessões de mediação, quando num dos polos do conflito encontrar-se o Poder Público. Uma das características da mediação é que o terceiro interventor, nominado de mediador, não tempoder decisório. Assim, ele precisa conquistar a confiança das partes para possibilitar que elas tragam para a mediação informações sobre todos os aspectos fáticos relacionados ao conflito em questão1818. Para Sales (2010, p. 57) a mediação é um processo sigiloso e esse fato deve ser esclarecido às partes desde o primeiro momento da mediação. O sigilo das informações possibilita que as pessoas tenham considerável conforto ao discutir de forma profunda e aberta os seus conflitos. O mediador não deve, em hipótese alguma, revelar a terceiros o conteúdo do que foi discutido. 18 Segundo o Manual de Mediação Judicial “o mediador deve buscar adesão das partes para adoção da confidencialidade que se estabelecerá acerca de todos os fatos e situações narradas por elas durante o processo de mediação. É fundamental explicar que o(s) mediador(es) manterá(ão) em segredo tudo o que for apresentado na mediação, salvo vontade conjunta das partes em contrário. Caso alguma das partes tenha alguma preocupação ou receio que essa confidencialidade possa não ser mantida, o mediador deve adiantar às partes que ela poderá ser inserida com parte de seu acordo. Eventuais exceções também devem ser registradas na declaração de abertura”. (AZEVEDO, 2013, p. 96). Ainda, pelo princípio da confidencialidade “se estabelece que as informações constantes nas comunicações realizadas na autocomposição não poderão ser ventiladas fora desse processo nem poderão ser apresentadas como provas no eventual julgamento do caso, nem de outros processos judiciais. Nesse sentido, o mediador não pode servir como testemunha acerca de fato relacionado com seu ofício como facilitador de comunicações. Em regra, pode-se afirmar que a eficiência do mediador está relacionada à confiança que as partes depositam nele e à segurança de que alguns pontos debatidos em mediação não poderão ser utilizados como prova em um processo judicial. Sem poder coercitivo sobre as partes, o mediador depende da melhora da comunicação (se não de uma verdadeira construção de confiança) entre os disputantes. Portanto, a disposição de se expressar com franqueza é essencial à eficácia do processo, isso porque para que as partes possam se comunicar com maior liberdade há de ser garantido o sigilo profissional, para evitar o uso dessas informações em um ulterior julgamento”. (AZEVEDO, 2013, p. 192). 107Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem Para Souza (2012, p.163) é inadmissível pensar em confidencialidade quanto a: a) os termos do acordo; b) as provas e estudos técnicos produzidos durante o procedimento de mediação; c) as sessões deliberativas conjuntas, reunindo todas as partes no conflito, a fim de discutir propostas de solução, informações levantadas ou firmar o acordo final. Os motivos pelos quais a confidencialidade seria a exceção, nas situações mencionadas, residem no fato de que o Estado não pode vir a adotar critérios diferenciais, que não tenham amparo jurídico e tratar de forma desigual situações semelhantes. Justificar-se-iam exceções à confidencialidade quanto às questões que ensejam o segredo de justiça dos processos judiciais em geral, ou seja, as relativas à intimidade das partes (por exemplo, questões familiares) e questões que envolvam segredo comercial e industrial ou informações sobre a situação financeira dos envolvidos no conflito (por exemplo, sigilo fiscal relativo aos vencimentos). CONCLUSÃO Muito ainda precisa ser construído. A força da metabolização do conflito, através das vias dialogais, está exatamente na proposta de promover uma mudança comportamental das partes, valendo-se do lado bom da crise gerada pelo conflito. Em se tratando de conflitos coletivos, regra geral, todas as partes envolvidas têm respaldo jurídico para suas posições. O que a resolução consensual poderá fazer é ampliar o foco, no intuito de ajudar as partes a identificarem interesses comuns pelos quais considerem que haverá ganho maior quando reformularem suas posições. Não há espaço para dúvidas com relação à complexidade que envolve conflitos, sejam eles expostos em ações entre particulares ou de natureza coletiva. Mesmo que restritos à esfera administrativa, eles decorrem de questionamentos de ações e/ou omissões da Administração Pública ou de litígios envolvendo grupos sociais ou econômicos. Como exemplo, Souza (2012) cita os conflitos gerados a partir dos pedidos de licenciamento ambiental, ou os decorrentes da demarcação de terras indígenas, quilombolas e ainda nos processos administrativos punitivos, que podem ensejar a aplicação de penalidades. Espera-se tanto do governante quanto do magistrado que, dentro do contexto hermético e verticalizado do Poder Público, adote novas posturas no enfrentamento destas demandas e, sobretudo, que sejam encontradas novas vias dialogais. “Deve o magistrado buscar formular estas opções políticas não segundo as suas próprias opiniões o convicções, mas sim de acordo com aquilo que o ordenamento jurídico nacional demandaria em termos de escalonamento de prioridades” (ARENHARDT, 2007, p. 4). E quanto a este aspecto, a sinergia entre o Estado e a sociedade civil, o reconhecimento da necessidade de colaboração das organizações que compõe a sociedade civil, especialmente o meio acadêmico, podem servir de mola propulsora a esta mudança de paradigma. 108 Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem No caso específico do poder público, tem-se como um grande avanço a previsão da possibilidade de composição de conflitos em que for parte pessoa jurídica de direito público como trazido pelo Projeto de Lei nº 7.169 de 2014. Traz em si a ideia de permeabilidade, e não enfraquecimento. Abertura social, opondo-se a ideia de clausura e setorização. Na construção de novos conceitos e novas possibilidades jurídicas faz-se necessário atender ao alerta feito por Spengler (2014, p. 117) de que há necessidade de conter a grande confusão existente entre mediação e conciliação. A Justiça é uma obra coletiva. Todos que a integram devem sentir-se servidores, operários, sem vaidades tolas, sem submissões descabidas. Tanto é importante o juiz, o desembargador, o ministro, o promotor, o procurador, o advogado, quanto o oficial de Justiça, o escrevente, o porteiro dos auditórios, o mais modesto servidor. Se qualquer peça da engrenagem falha, o conjunto não funciona. O povo deve sentir-se agente da Justiça, participante, ator. A Justiça pertence ao povo, existe para o povo. Esse sentimento de Justiça como direito do povo é uma exigência da cidadania. (HERKENHOFF, [s. d.], <http://www.iabnacional.org.br/IMG/ pdf/ doc-11518.pdf>). REFERÊNCIAS ALMEIDA, Tania. Caixa de Ferramentas em mediação: aportes práticos e teóricos. São Paulo: Dash, 2014. 352 p. AQUINO, Albani Barroso de et al. Políticas públicas para os empreendedores individuais: um estudo de caso no município de Senhor do Bonfim-Ba. ReAC – Revista de Administração e Contabilidade. Feira de Santana, v. 4, n. 1, p. 54-66, jan./abr. 2012. 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São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. 112 Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem MEDIAÇÃO SOCIOAMBIENTAL: APONTAMENTOS PARA UM FUTURO POSSÍVEL Cássio Alberto Arend Advogado e Professor da Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC. Pós-Graduado em Demandas Sociais e Políticas Públicas e Mestre em Direito. Pesquisador na área de Política Urbano-Ambiental. Consultor na área de direito ambiental. Integrante do Grupo de Pesquisa: “Políticas Públicas no Tratamento de Conflitos”, vinculado ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq, coordenado pela Professora Pós-Dou- tora Fabiana Marion Spengler. Currículo lattes: http://lattes.cnpq.br/8421386075739904. Endereço eletrônico: cassioarend@unisc.br. Dianifer Moraes dos Santos Acadêmica de Direito da Universidade de Santa Cruz do Sul – Unisc. Integrante do Grupo de Pesquisa: “Políticas Públicas no Tratamento de Conflitos”, vinculado ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnoló- gico – CNPq, coordenado pela Professora Pós-Doutora Fabiana Marion Spengler. Luana Elisa Funck Acadêmica de Direito da Universidade de Santa Cruz do Sul – Unisc. Integrante do Grupo de Pesquisa: “Políticas Públicas no Tratamento de Conflitos”, vinculado ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnoló- gico – CNPq, coordenado pela Professora Pós-Doutora Fabiana Marion Spengler. INTRODUÇÃO A sociedade contemporânea tem se desenhado ser extremamente conflituosa nas suas interações. Essa excessiva conflituosidade tem gerado efeitos preocupantes no Poder Judiciário, pois o acirramento dos litígios e o volume dos mesmos têm tornado a jurisdição estatal tradi- cional reiteradamente questionável. Ainda, o modelo tradicional de decisão não consegue mais emitir as respostas às quais a sociedade anseia. Insta acertar que a própria sociedade estabeleceu novas formas de interação que fogem ao modelo convencional, demonstrando-se numa complexidade que aponta não haver soluções fáceis. Na mesma baila, a decisão judicial, muitas vezes, não consegue acompanhar as modifi- cações ocorridas, seja pela morosidade, seja pela incapacidade meritória da decisão. Neste cenário, também se inserem os conflitos de natureza socioambiental, em que na maioria das situações, os danos são irreparáveis, torna ainda mais árdua a tarefa dos operadores do direito pela busca de solução. Ainda, a própria característica difusa do direito ambiental de- nota que os seus efeitos, quando ocorrido o dano, atingem a todos. 113Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem Diante disso, o presente estudo pretende analisar este cenário exposto de maneira mais amiúde para compreender a necessidade de buscar alternativas à jurisdição estatal. Para tanto, traz a reflexão acerca dos métodos alternativos de resolução de conflitos, especialmente a me- diação. Em face disso, busca apontar um caminho para os conflitos socioambientais, através da mediação, como forma de encontrar um futuro possível. 2 CRISE NA JURISDIÇÃO: UMA ANÁLISE DA CONFLITUOSIDADE SOCIAL Ao tratar das questões que envolvem os métodos alternativos de resolução de conflitos, especialmente a mediação, imperioso ressaltar uma reflexão acerca da volumosa conflituosida- de social, bem como a crise da jurisdição. Tal análise pretende denotar que a sociedade con- temporânea por sua complexidade torna-se extremamente geradora de conflitos os quais não consegue solucionar e tais conflitos superlotam o Poder Judiciário. Nesse sentido, para compreender a crise da jurisdição, mister inferir acerca de alguns problemas encontrados no Poder Judiciário. Para tal, pode-se citar a falta de estrutura física, reduzido número de servidores, reduzido número de magistrados, morosidade, decisões desco- nectadas com a realidade social. Enfim, pode-se falar de uma crise que envolva dois aspectos: uma crise de eficiência e uma crisede identidade (SPENGLER, 2014, p.26). A crise de eficiência é revelada em razão da contemporânea sociedade complexa em que demanda ao Poder Judiciário uma enormidade de conflitos dos quais não recebe uma decisão em tempo adequado nem na qualidade esperada enquanto anseio social. Isso significa uma crise de eficiência tanto quantitativa quanto qualitativa. No que tange ao aspecto quantitativo, a crise se revela no elevado número de processos existentes, na taxa de congestionamento dos tribunais, na morosidade do trâmite dos processos judiciais, etc. Já no que concerne à qualidade, observa-se que as decisões judiciais em muitas vezes estão desconexas com a realidade e os anseios sociais, tornando-as inexequíveis. Para tanto, é vital compreender que o poder judiciário, na sua criação, foi moldado de acordo com a sociedade da época. Porém, com o passar do tempo, a sociedade e seus conflitos foram se modificando, a demanda no judiciário teve um crescimento considerável, o sistema tentou acompanhar, mas não obteve um resultado positivo. Neste sentido, fala Fabiana Marion Spengler: em decorrência das pressões centrífugas, da desterritorialização da produção e da transnacionalização dos mercados, o Judiciário - enquanto estrutura fortemente hie- rarquizada, fechada, orientada por uma lógica legal-racional, submisso à lei -, se torna uma instituição que precisa enfrentar o desafio de alargar os limites de sua jurisdição, modernizar suas estruturas organizacionais e rever seus padrões fun cionais, para so- breviver como um poder autônomo e independente. Os limites territoriais do Judi- ciário até então organizados de modo preciso, têm seu alcance diminuído na mesma 114 Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem proporção que as barreiras geográficas vão sendo superadas pela expansão da infor- mática, das comunicações, dos transportes e os atores econômicos vão estabelecendo múltiplas redes de interação. (SPENGLER, 2014, p. 17) Para corroborar os argumentos suscitados acerca da ineficiência, especialmente quan- titativa, bem como qualitativa, imprescindível trazer a lume a taxa de congestionamento do judiciário. O objetivo do cálculo da taxa de congestionamento é mensurar se a Justiça consegue decidir com agilidade os pleitos da sociedade, isto é, se as novas demandas e os casos pendentes do período anterior são finalizados ao longo do ano. (GOMES, 2011). No gráfico da Justiça em Números abaixo é retratado os altos índices total de conges- tionamento, abrangendo todas as instâncias de cada ramificação da Justiça do ano de 2004 ate o ano de 2009: FONTE: http://www.conjur.com.br/2011-abr-21/coluna-lfg-justica-hipercongestionada-reputacao-juizes-baixa Esses dados mostram a crise que se alastra pelo judiciário, fazendo com que a cada ano haja uma constante certeza de que deverá haver mudanças, para que se mantenha o equilíbrio e o bom andamento desse sistema autônomo que é o Poder Judiciário. Outro aspecto importante é a crise de identidade, ou seja, as demandas sociais não são contempladas nas decisões judiciais. O Poder Judiciário vem perdendo sua capacidade de ser o grande mediador de conflitos, em razão de seu afastamento com a realidade social. Isso decorre do exacerbado número processos para serem julgados, aliado à inexistência de uma política pública adequada ao tratamento dos conflitos. Assim, face a isso, surge a denominada cultura de sentença (WATANABE, 2011, p. 04), que trata de identificar o processo judicial, não como um conflito social que precisa ser resolvido, mas apenas como um documento formal e estatístico. Significa asseverar que a efetiva resolução do conflito e a pacificação social ficam em segundo plano, o que se busca é o cumprimento de uma formalidade que acaba por gerar mais conflitos ainda. 115Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem Também, vislumbra-se a existência de demandas em caráter repetitivo, ou seja, como o mesmo mérito. A origem subjetiva destas demandas litigiosas repetitivas, muitas vezes, provém de fatores psicológicos e de relacionamento interpessoal, necessitando um tratamento autocom- positivo, o que provavelmente denotaria a resolução do conflito e não significaria um retorno da demanda ao judiciário. Todavia, a realidade demonstrada pela cultura da sentença denota uma atitude massificada das demandas judiciais, numa análise superficial das questões subjetiva que estão subjacentes no litígio. A jurisdição estatal vem sofrendo reiteradas críticas pela morosidade que não coaduna com o dinamismo social contemporâneo. Para tal, pode-se constatar que há várias causas, além da quantidade de processos judiciais, tais como: excessivo número de recursos à disposição das partes, falta de um tratamento adequado a ações de massa, insuficiência de magistrados, excessiva conflituosidade social, falta de uma política mais eficiente na busca de métodos au- tocompositivos de conflitos. É importante salientar que além da dificuldade do sistema em suprir suas demandas, fazendo com que os processos se arrastem por anos e muitas vezes sem resolver o real proble- ma, também há entre os operadores do direito uma cultura do conflito. Isto dignifica dizer que há um diálogo “embativo” entre advogado com advogado, advogado com promotor, juiz com promotor e assim sucessivamente. Muitas vezes, esquecendo o motivo pelo qual exercem sua profissão, qual seja, para juntos buscarem a melhor resolução para o conflito. Essa cultura é herança do ensino jurídico que compreende a realidade social, em que os futuros operadores do direito são preparados para uma verdadeira guerra no exercício de sua profissão. Sendo assim, fica evidente a necessária formação de um profissional com perfil para diminuição do litígio e não seu acirramento. Enquanto nos modelos adversariais e nos processos heterocompositivos (arbitragem e julgamento) há sempre vencedores e vencidos (ganha/perde), nos modelos consensuais e nos processos autocompositivos (negociação, mediação e conciliação) buscam-se soluções vence- doras (ganha/ganha) (BACELLAR, 2011, p. 32). Analisando pela óptica dos modelos consensuais, não existe ganha-perde, pois a partir do momento em que há um diálogo no qual todos são ouvidos e estão de acordo em resolver o impasse consensualmente, e acordam algo que satisfaz ambas as partes, não haverá um perde- dor e um ganhador e sim ganhadores (ganha/ganha). Nestes breves e amplos apontamentos pretende-se evidenciar a crise que assola a juris- dição estatal, esta que vem perdendo gradativamente a capacidade de resolver os conflitos que lhe são propostos. Diante disso, há que se referir que a temática demonstra-se extremamente complexa, pois, ao mesmo passo, os conflitos sociais também desenham extrema complexidade e de dificultosa solução. Assim, a crise da jurisdição torna-se mais acentuada em razão da natu- reza dos conflitos sociais, o que neste estudo, demonstra-se nas questões ambientais. Os danos ambientais apontam ocorrerem localmente, mas seus efeitos são globais e 116 Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem não respeitam as fronteiras nacionais. Para tanto, as demandas envolvendo o meio ambiente também exigem uma nova forma de resolução de conflitos, em razão de seu imanente interesse difuso e, portanto, devem ter um tratamento e uma busca por solução que compreenda está ca- racterística. Assim, para encontrar soluções aos conflitos ambientais é vital conhecer a natureza desses conflitos, bem como a realidade ambiental. 3 MEIO AMBIENTE COMO UM LÓCUS DE COMPLEXIDADE E TENSIONAMENTO A realidade contemporânea tem se demonstrado preocupante quanto ao aspecto ecoló- gico, principalmente no que concerne aos impactos ambientais urbanos negativos que afloram reiteradamente, às ineficazes medidas depreservação e proteção do meio ambiente, à falta de um projeto de educação ecológica, às políticas públicas ambientais inócuas, à legislação per- missiva, às ações dos empreendedores para consecução dos seus empreendimentos e a uma inexistente consciência ecológica da sociedade. Também, observa-se que a ciência carece de uma consciência ecológica, uma outra consciência, uma nova percepção do planeta. Diante desse contexto o que este estudo pretende refletir é de que as questões que envol- vem o meio ambiente tornam-se reiteradamente complexas e conflituosas, gerando um espaço permanente de tensionamento. Ainda, voltando esta análise para os conflitos surgidos no espaço urbano. Nesse sentido, compreende-se que: a complexidade ambiental inaugura uma nova reflexão sobre a natureza do ser, do saber e do conhecer, sobre a hibridação de conhecimentos na interdisciplinaridade; sobre o diálogo de saberes e a inserção da subjetividade, dos valores e dos interesses nas tomadas de decisão e nas estratégias de apropriação da natureza. Mas questiona também as formas pelas quais os valores permeiam o conhecimento do mundo, abrin- do um espaço para o encontro entre o racional e o moral, entre a racionalidade formal e a racionalidade substantiva. (LEFF, 2006, p. 195). Para iniciar a análise do estudo proposto é imprescindível explicitar que o Brasil tem uma concentração populacional urbana em torno de 90%. Aliado a esse dado estatístico, ob- serva-se um desenvolvimento urbano-tecnológico sem qualquer forma de planejamento. Nesse sentido, proporcionam-se enormes conflitos de ordem ambiental, urbanística, social, cultural e ética. Tendo como um dos principais problemas da ocupação urbana, os impactos ambientais urbanos negativos (GUERRA, 2001, p. 17). Primeiramente, assevera-se que as cidades brasileiras protagonizam inúmeros impactos ambientais negativos que incursionam modificações no ambiente das próprias cidades e do pla- neta. O estudo dos impactos urbanos ambientais tem a precípua tarefa de refletir sobre os pro- blemas atuais que são enfrentados nas cidades brasileiras. Nesse sentido, pretende-se demons- 117Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem trar que a concepção de urbanização atual está equivocada e precisa ser revista urgentemente. Assim, o estudo parte do entendimento jungido da análise de Paulo de Bessa Antunes acerca do sentido de impacto ambiental: o impacto ambiental é, portanto, o resultado da intervenção humana sobre o meio ambiente. Pode ser positivo ou negativo, dependendo da qualidade da intervenção de- senvolvida. A ciência e a tecnologia podem, se utilizadas adequadamente, contribuir enormemente para que o impacto da atividade humana sobre a natureza seja positi- vo ou negativo. É bem verdade que os impactos ambientais positivos têm merecido uma atenção menor por parte dos estudiosos do tema. A atitude justifica-se, pois as questões ambientais têm se apresentado ao debate em razão dos “problemas” e não pelos sucessos alcançados na relação com o meio ambiente. (ANTUNES, 2005, p. 230-231). Ao se analisar os impactos ambientais é necessário referir acerca do espaço e do tempo envolvido. O espaço referido é o espaço urbano, ou seja, a cidade, que é o lócus dos processos de interação e integração dos ecossistemas. Quanto ao tempo, refere-se à pós-modernidade, que se caracteriza pela complexidade e pela organização em rede. Para melhor explicitar os argumentos suscitados e compreender toda essa efervescência complexa da cidade e qual sua relação com os impactos ambientais e a heterotrofia urbana, tem-se que: [...] para os padrões médios de consumo por cidadão americano, foi feito um cálculo de área necessária para a manutenção do mesmo, chegando-se à conclusão que são necessários 0,8 ha de terra agrícola, 0,4 ha de terra florestada para produtos de papel e madeira, 7.500 litros de água por dia para cobrir a necessidade de uma pessoa. Utilizando os mesmos parâmetros para uma cidade de um milhão de habitantes que ocupasse uma área de 250 Km2, seriam necessários 8.000 km2 só para a produção de alimentos e uma bacia hidrográfica que produza sete bilhões de litros d’água por dia. (FRANCO, 2001, P. 65) Aqui cabe ressalvar que o desenvolvimento da cidade pressupõe uma conexão entre os sistemas urbanos e rurais e que a sustentabilidade da cidade depende disso. Não existindo uma interconexão entre urbano e rural, opera-se uma falta de troca de energia e calor, causando a atrofia da cidade (FRANCO, 2001). Neste cenário, apontam-se os principais impactos ambientais negativos que são obser- vados no espaço urbano. Primeiramente, destaca-se no ranking das atividades que mais cau- saram danos ambientais na cidade do Rio de Janeiro e que o Ministério Público ajuizou uma enormidade de Ações Civis Públicas: a) poluição sonora decorrente de atividades diversas – 10 ações; b) danos ambientais decorrentes de empreendimentos imobiliários – 9 ações; c) danos ambientais decor- rentes de exploração mineral – 7 ações; d) danos decorrentes de obras públicas – 7 ações; e) danos ambientais decorrentes de deficiência no sistema de esgoto sanitário 118 Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem – 5 ações; f) danos decorrentes da ocupação irregular do solo urbano – 5 ações; g) danos ambientais decorrentes de atividades industriais – 4 ações; h) danos ambientais decorrentes do uso irregular de produtos tóxicos – 3 ações; i) danos ambientais decor- rentes da disposição final do lixo – 2 ações (GUERRA, 2001, p. 362). No caso do Rio de Janeiro, importante salientar a desordenada forma de ocupação urba- na observada e, ainda, lembrar que tal situação ocorre tanto nas habitações das camadas mais pobres da população (favelas) quanto nos loteamentos fechados e empreendimentos residen- ciais nas áreas nobres da cidade. Este modelo de reprodução urbana não é peculiar à cidade do Rio de Janeiro, mas estende-se a toda ocupação urbana do país. Outro exemplo é o impacto causado pela poluição do ar que atinge níveis elevadíssimos principalmente na região da cidade de São Paulo e ABC Paulista. A agência de controle am- biental da Secretaria Estadual do Meio Ambiente (CETESB), que monitora a qualidade do ar, aponta como os mais poluentes os de material particulado e os fotoquímicos (ozônio, monóxido e dióxido de carbono). Todos esses poluentes encontram-se na atmosfera paulista em níveis superiores ao estabelecido pelo CONAMA. São Paulo também é conhecida como “Cidade do Automóvel”, este título lhe acarreta diversos problemas ambientais. A principal causa de poluição do ar nas áreas urbanas provém dos veículos automotores. Em São Paulo, os veículos respondem por 60% das emissões de monóxido de carbono. Assim, em uma pesquisa realizada pela Secretaria Estadual do Meio Ambiente de São Paulo, pode-se observar que: de acordo com o inventário conduzido pelo Programa Estadual de Mudanças Climá- ticas Globais (PROCLIMA/SMA) (Inventário das emissões de gases de efeito estufa no estado, para a Agenda 21 Brasileira), 84% do total das emissões de CO2 no Estado provém da queima de combustíveis derivados do petróleo. A emissão de carbono per capita em São Paulo é de 0,51tC/hab., 65% superior à média brasileira. O setor de transportes responde por 47% do total de emissões provenientes da queima de com- bustíveis fósseis. Os veículos automotores produzem mais poluição atmosférica que qualquer outra atividade humana isolada, variando de acordo com as características de cada cidade e do tipo de combustível usado. (GUERRA, 2001, p. 322). Podem-se destacar também problemas ocorridos em Florianópolis, onde constantemen- te o Plano Diretor tem sido modificado para atender aos interesses dos empreendedores imo- biliários. Um dos exemplos da urbanização desenfreada que ocorre nas cidades litorâneas do país, é o da Lagoa da Conceição que no início da década de 90, com a desvalorizaçãoda moeda nacional em relação à moeda dos países da América do Sul, atraiu principalmente os turistas ar- gentinos e com isso teve início um processo de construção imobiliária desordenado. Atualmen- te, a Lagoa da Conceição e as praias adjacentes tornaram-se uma área atrativa de lazer diurno e noturno, tal crescimento tem trazido enormes problemas ambientais: o maior problema se refere justamente à falta de planejamento para a chamada bacia 119Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem da Lagoa da Conceição. Com efeito, além de estar obsoleto, o plano diretor para a área é com frequência modificado por vereadores, como exemplifica, entre outros, o Projeto de Lei n. 7.648, em tramitação atualmente, que propõe transformar o topo do chamado morro da Lagoa, principal divisor de águas da bacia, hoje classificada Área de Preservação Permanente (APP), em Área de Preservação Limitada (APL), na qual construções seriam legalizadas, contrariando normas universais de preservação de mananciais e de áreas de risco. (GUERRRA, 2001, p. 167) Com a falta de planejamento ambiental aliado a modificações no Plano Diretor, Flo- rianópolis enfrenta problema preocupante de saneamento em decorrência da autorização de construções sem que haja uma infraestrutura para suportar tais empreendimentos. A saturação da rede de esgotos e as fossas domésticas têm provocado uma contaminação excessiva de co- liformes fecais no lençol freático. Ainda, há os esgotos domésticos ligados de forma ilegal nos cursos d’água que vão desembocar no mar. Também, o aumento das construções nas encostas tem provocado erosão dos solos destruindo o cenário natural e causando danos ambientais ir- reversíveis. O caso de Florianópolis é emblemático e reproduz uma realidade comum às cidades litorâneas e turísticas do país. A falta de planejamento aliado com o oportunismo dos empreen- dedores imobiliários tem causado diversos danos ambientais e que muitas vezes contam com o apoio de instituições como Prefeitura Municipal e Câmara de Vereadores. Estes concebem alterações na legislação municipal para “regularizarem” os danos ambientais contrariando a proteção ambiental prevista na Constituição Federal, Legislação Federal e Estadual e princípios ambientais. Para tanto, imprescindível mencionar que essas alterações não promovem a legali- dade a tais empreendimentos. Também, torna-se vital mencionar sobre o lixo produzido pelas cidades e que para a maioria delas é um problema ambiental sério. Traz-se à colação o caso da cidade do Rio de Janeiro que por sua grande população já tomou proporções preocupantes. Salienta-se que a COMLURB, empresa pública que coleta o lixo domiciliar, no caso em tela é o agente poluidor. Nesse sentido, o impacto ambiental ocorre da seguinte forma: a COMLURB vem mantendo em operação, desde dezembro de 1983, vazadouro de lixo em área aproximadamente de 423 ha, na Estrada Benvindo de Novaes, em Jaca- repaguá, local onde foi instalada, no ano de 1993, a Usina de Reciclagem e Compos- tagem de Jacarepaguá, não implicando, porém, a desativação total do aterro. Antes da instalação da usina eram despejados no local, diariamente, cerca de 400 toneladas de lixo domiciliar procedente de Jacarepaguá, Barra da Tijuca, Recreio dos Bandeiran- tes, São Conrado e parte de Vila Valqueire. O terreno em questão, área alagada, cujo solo é constituído de turfa, argila mole e areia, encontrando-se o lençol freático a 0,5m da superfície, mostra-se totalmente inadequado, do ponto de vista ambiental e sani- tário, para a atividade que ali vem desenvolvendo a ré. O início da atividade no local ocorreu sem qualquer licenciamento do órgão competente, e ela vem sendo mantida ao longo dos últimos anos, afrontando as determinações da CECA quanto à necessida- de desativação (Deliberações da Comissão Estadual de Controle Ambiental (CECA) n.os 713 (12/09/85), 1.263/88, 1.393/88 e 1.711/90) (GUERRA, 2001, p. 397-398). 120 Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem Os impactos ambientais verificados no país são enormes, pois não há uma política go- vernamental séria sobre planejamento ambiental e tampouco uma consciência ecológica da sociedade. Nesse sentido, verificam-se outros impactos negativos, como os recorrentes desma- tamentos na Amazônia, Mata Atlântica e no Pantanal Matogrossense. As queimadas irrespon- sáveis que devastam áreas de preservação e parques nacionais. Também, pode-se mencionar o modelo de agricultura praticado que destrói a mata ciliar e provoca erosão e assoreamento dos rios. Ou o uso excessivo de agrotóxicos nas plantações, sendo que esses acabam contaminando os alimentos produzidos, contaminam rios e o lençol freático. Tais impactos ocorrem no espaço rural, mas acarretam efeitos no espaço urbano. Ainda há o problema da impermeabilidade do solo urbano, ocasionado pelo fenômeno do asfaltamento das cidades brasileiras. Tal fenômeno é sinônimo do progresso e desenvolvi- mento, porém, não atenta para questões como alagamentos e afetação ao ciclo das águas. No que concerne aos alagamentos, é recorrente nas grandes cidades brasileiras os decorrentes de chuvas excessivas em razão de o asfaltamento não prever as condições de escoamento pluvial, causando enormes prejuízos ambientais e materiais para as cidades e sua população. Quanto ao ciclo das águas também é afetado, pois com a impermeabilização do solo a água da chuva acaba por não penetrar no lençol freático e comprometer a incidência de chuvas e o abastecimento da cidade. Diante do exposto, aponta-se que efetivamente o cenário é complexo e denota uma rea- lidade de existência de danos ambientais que geram tensionamento social. Em razão disso, que o tema ainda suscita muita polêmica, a saber: a controvérsia entre economistas e ecologistas, quanto ao desenvolvimento sustentá- vel, passa necessariamente por um crivo ético onde são pontos de destaque três ques- tões: justiça intergerações – até que ponto é justo ou ético utilizar recursos que podem comprometer o bem-estar das gerações futuras; definição do que é necessário preser- var ou sustentar, tendo em vista que alguns economistas consideram os recursos como “capital social”; capacidade dos ecossistemas para suportar o impacto das atividades humanas, tanto para fornecimento dos recursos necessários quanto para absorver os resíduos dessas atividades (FRANCO, 2001, p. 33). Desta forma, observa-se que a realidade urbano-ambiental brasileira é extremamente complexa no que concerne à incidência de impactos ambientais urbanos negativos. Em face disso, também se pode afirmar que esses impactos são comuns a muitas cidades brasileiras, em razão de estarem alicerçadas nos mesmos modelos de urbanização. Assim, em razão disso, sur- gem espaços de conflitos em que se demonstra necessária a construção de um modelo diferente da jurisdição estatal para efetivamente resolver estes conflitos. Nesse sentido, o estudo propõe a utilização da mediação como uma forma de resolução de conflitos ambientais, propiciando a árdua tarefa de integrar os diversos atores e setores da sociedade para que se promova uma nova consciência ambiental. 121Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem 4 MEDIAÇÃO COMO FORMA ALTERNATIVA DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS 4.1 O conflito inerente às relações humanas A vida pacífica em sociedade em tempos atuais se torna cada vez mais difícil e desejada. Manter a ordem entre pessoas que dividem um mesmo espaço, de forma harmônica sem que estas percam a capacidade de boa convivência entre si, é um desafio nos dias de hoje. Cada pes- soa encara um conflito a seu próprio modo, de acordo com suas influências familiares e a forma como foi educada. Fatores culturais também influenciam na tomada de decisões, um mesmo fato sob o ponto de vista de várias pessoas ensejará em diferentes modos de agir. Os benefícios e os problemas da vida emsociedade são um desafio da atualidade. Por um lado, o indivíduo beneficia-se de atividades em comum. Por outro, há conflito entre pessoas que vivem juntas. (COSTELLO; et al, 2012). Originariamente, a palavra conflito designa situações de discórdia entre pessoas, discus- sões, desavenças, oposição. Carrega em si uma conotação negativa, de algo importuno que cau- sa desassossego da paz. O conflito entre pessoas existe desde os tempos mais remotos. Embora seja algo indesejável, em se tratando de relações sociais em que pessoas de diferentes culturas dividem ou compartilham um delimitado espaço, é praticamente impossível viver e conviver sem qualquer situação conflituosa ou divergente. No entanto, deve-se ater não à simples exis- tência dos conflitos, mas à forma de solucioná-los, a qual vem sofrendo constantes modifica- ções. Parte-se do extremado uso da força da sociedade primitiva e se chega a tempos em que se recorre demasiadamente ao judiciário para solucionar as mais diversas questões. Sabe-se que o conflito existe, e que é encarado como algo negativo, mas nem por isso deve permanecer com esta conotação. A forma como se trata essa divergência, essa disparidade de opiniões é que pode definir a convivência futura dos envolvidos, podendo tornar-se uma ferramenta evolutiva. 4.2 Da administração e resolução dos conflitos No entendimento de Serpa, “a administração e resolução de conflitos podem ocorrer via decisão judicial, também denominado processo adversarial, “que não propicia a mudança necessária para a evolução que o conflito pode provocar”; ou via extrajudical, processo não adversarial, em que é utilizado algum mecanismo alternativo de resolução de disputas como a: negociação, mediação, conciliação, arbitragem, entre outros”. (SERPA, 1999, p.32). Quando um conflito é levado à via judicial e, por conseguinte chamado de litígio, é inegável a contradição ideológica qualificada por uma pretensão resistida. Neste procedimento o foco de interesse é costumeiramente patrimonial e normativo, tendo pouco espaço para o 122 Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem acolhimento e satisfação emocional das partes, tampouco visando à reconciliação dos mesmos. Realidade muito presente em um processo em que a decisão é imposta em forma de sentença em que se chega ao conhecido perde-ganha sendo inevitável que uma das partes saia insatis- feita, e que, por sua vez, poderá exercer seu direito de recurso, protelando ainda mais a situação de forma geral. Já como métodos extrajudiciais, conta-se com mecanismos conhecidos como ADR (Al- ternative Dispute Resolutions) ou RAD (Resolução Alternativa de Disputas). Esta denomina- ção teve origem nos Estados Unidos e qualifica múltiplas opções não litigantes para solução de conflitos e divergências que, em contraste ao processo contencioso judicial, as ADRs objetivam maior celeridade no procedimento, economia tanto financeira como temporal, resultados mais benéficos e qualitativos tanto no objeto tratado como no fator emocional das partes que volun- tariamente aderem às práticas. Como muito bem citado por Spengler: as práticas de ADR apresentam inúmeros pontos positivos, dentre os quais aliviar o congestionamento do Judiciário, diminuindo os custos e a demora no trâmite dos casos, facilitando o acesso à justiça; incentivando o desenvolvimento da comunidade no tratamento qualitativamente melhor dos conflitos, residindo aí a sua importância”. (SPENGLER, 2010, p.295) Muitas laudas seriam necessárias para mencionar todas as formas de ADR já criadas tanto nos Estados Unidos, como as trazidas e praticadas no Brasil. Entretanto, pretende-se, nes- te trabalho, focar os olhares às práticas autocomposivas da mediação, as quais vêm ganhando cada vez mais espaço, vez que, no campo de trabalho em questão – meio ambiente – tratam-se, na grande maioria das vezes, de relações humanas e sociais continuadas e com forte envolvi- mento afetivo. 4.3 A mediação como tratamento adequado dos conflitos As relações sociais vêm se modificando significativamente e a sociedade contemporâ- nea, sofrendo constantes modificações nos mais variados âmbitos, em especial ao meio ambien- te. Nesse sentido, observa-se uma disparidade de opiniões e contrassensos na qual reside desde os pequenos conflitos até os mais complexos de uso ou não de recursos naturais, que acabam sendo objetos de litígios judiciais, abarrotando ainda mais este sistema moroso e embativo. A mediação é um meio alternativo de solução de conflitos, e trata-se de um processo pacífico de autocomposição, informal, consensual e não adversarial que incentiva o respeito e a comunicação nos relacionamentos pelo qual uma terceira pessoa o mediador - escolhido ou aceito – de forma imparcial, incentiva na condução do conflito rumo à solução adequada. 123Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem Esta prática segue os princípios informativos dos juizados especiais dispostos no Art. 2º da Lei 9.099/95, dentre outros, são eles: A voluntariedade: as partes participam do procedimento de forma consensual exercen- do plena autonomia volitiva; Não adversariedade: busca-se a solução de um problemade for- ma livre, participativa e respeitosa buscando a (re)aproximação das partes; Terceiro imparcial: o mediador exerce a figura do terceiro imparcial que não irá decidir pelas partes, ouvindo-as e auxiliando-as de forma igualitária para que tenham consciência de seus direitos; Competên- cia: O mediador deve estar apto para atuar no conflito; Independência: se julgar necessário, o mediador poderá interromper as sessões, suspendê-las e até recusá-las sem qualquer pressão interna ou externa, visando ao bom desenvolvimento do trabalho em condições próprias; Au- toridade das partes: Intimamente relacionado com a autonomia da vontade, as partes detêm o poder de decisão, podendo dispor livremente sobre o que será acordado, desde que não venha a contrariar a ordem pública; Informalidade: a mediação é informal no sentido de não seguir um rito específico e preestabelecido. Os atos, no entanto, devem ser claros, precisos e com a simpli- cidade necessária para o entendimento das partes; Confidencialidade: as informações obtidas no decorrer do procedimento serão sigilosas e não poderão ser utilizadas como prova se houver processo judicial posterior, assim como, o mediador não poderá testemunhar no processo que envolva assuntos tratados na mediação. Isso faz com que as partes depositem maior confiança no mediador e na mediação durante o procedimento. Necessário se faz o exercício da empatia, de um indivíduo saber se colocar no lugar do outro num estado de mútua cooperação. Não basta que esteja sensibilizado, pois a sensibilidade sem controle pode ser algo negativo dentro do procedimento de mediação, mais do que isso, é necessário máximo controle das emoções levando-os a um discurso racional. Ademais, quando todos se identificarem autores e detentores do poder de decisão, sentir-se-ão parte inerente, ele- vando com isso o comprometimento. Pois, como defende Sales (2007, p. 23): muitas vezes as pessoas estão de tal modo ressentidas que não conseguem visualizar nada de bom no histórico do relacionamento entre elas. Desta forma a mediação busca resgatar e estimular, através do diálogo o resgate dos objetivos comuns que possam existir entre os indivíduos que estão vivendo o problema. Podem participar da mediação toda e qualquer pessoa, natural ou jurídica, pública ou privada, ou grupo de pessoas como é o caso quando se trata de conflitos socioambientais. As grandes vantagens da mediação no âmbito ambiental são: a preservação das relações, visto que o meio ambiente propicia relações de múltiplos vínculos; a possibilidade de tratar previamente um problema que poderia tornar-se um litígio num futuro próximo; celeridade: uma vez que as partes resolvem o conflito mais rapidamente que na via judicial. Ademais,um procedimento saudável e célere faz mais do que simplesmente “desafogar” o judiciário, transforma uma cul- 124 Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem tura em que todos podem ganhar incentivando as relações humanas não conflituosas. 5. MEDIAÇÃO SOCIOAMBIENTAL: APONTAMENTOS PARA UM FUTURO POS- SÍVEL Os conflitos socioambientais surgem na esteira dos problemas enfrentados pela socie- dade contemporânea, ou seja, surgem conflitos envolvendo questões acerca da sustentabilidade e qualidade ambiental. A natureza desses conflitos indica uma relação de efeitos que atingem a toda sociedade por se tratar de ofensa a direito difuso. Ainda, a jurisdição estatal tradicional encontra severas dificuldades em conseguir vislumbrar solução adequada a esses conflitos, em razão dos mesmos revestirem-se de extrema complexidade e enfoque multidisciplinar. Nesse sentido, as questões ambientais, pressupõem um imprescindível diálogo com toda sociedade, carecendo de uma nova forma de resolução de conflitos. Para tanto, surge a mediação como um caminho importante para busca de soluções às demandas envolvendo o meio ambiente1.1 Imperioso ressaltar que o art. 225 da Constituição Federal de 1988 estabelece o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como um direito fundamental, denotando as ca- racterísticas de inalienabilidade, indisponibilidade e indivisibilidade. Ainda, em conformidade com o art. 60 § 4º da Constituição Federal de 1988, constitui cláusula pétrea, ou seja, não po- dendo sofrer modificação que signifique retrocesso. O cenário complexo torna a tarefa do direito ainda mais árdua e angustiante na produção de decisão. Para isso, o direito precisa compreender a realidade social, assim, a proposta não é criar um suporte legalista, mas criar soluções a partir dos instrumentos existentes. Nesse senti- do, vital entender que: o paradigma ecológico caracteriza-se, dizíamos, pela processualidade complexa, que engendra inevitavelmente a incerteza. Ora, cabe ao direito transformar esta incerteza ecológica em certeza social. Mas não o conseguirá, no entanto, senão aumentando sua própria flexibilidade. As normas jurídicas clássicas, concebidas como mandamentos ou instituições encerrando um procedimento, substituir-se-ão actos jurídicos em cons- tante reelaboração, como se a processualidade do objecto atingisse igualmente a regra que o compreende. A norma jurídica será igualmente trabalhada, para se adaptar aos progressos dos conhecimentos e das técnicas; trata-se aqui, aparentemente, da única maneira de sair de uma situação onde se trata de tomar decisões duras num contexto de conhecimentos friáveis. (OST, s.d. p.114) Nesse mesmo diapasão, insere-se a Lei 6.938 de 1981 que estabelece a Política Nacional do Meio Ambiente. Essa lei estipula os objetivos e finalidades da política ambiental no Brasil, 1 RESTA, 1997. p. 92 “mediazione indica un complesso di attività rivolto a collegare due termini distanti ma tra loro collegati. Mediare, come forma verbale che connota l' attività di mediazone, vuol dire ricollegare quello che è adesso sconesso perché la relazione e il circuito si sono interroti, ma il circuito e la relazione erano e potranno ancora essere in funzione. Si può mediare tutto il mediabile: la tautologia in questo caso aggiunge qualcosa e non si limita a inutile ridondanza. I suoi punti di riferimento construtttivistici sono la statistica e la geografia; più naturale il linguaggio”. 125Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem bem como os instrumentos e mecanismos de aplicação. Ainda, fica estabelecido o Sistema Na- cional do Meio Ambiente – SISNAMA, tendo como órgão superior o Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA. Na lei de Política Nacional do Meio Ambiente podem-se destacar alguns objetivos, como a integração entre desenvolvimento socioeconômico e garantia do meio ambiente ecolo- gicamente equilibrado, definição de áreas prioritárias de ação governamental, estabelecimento de critérios e padrões de qualidade ambiental, desenvolvimento de pesquisa e tecnologia para o uso racional, difusão e informação de novas tecnologias, preservação e restauração dos recursos naturais, imposição ao poluidor e ao predador de pagar para recuperar ou indenizar os danos causados. Desses objetivos, insurgiram diversos princípios ambientais, que estavam concate- nados com os ditames da preservação ambiental pós-Conferência de Estocolmo, quais sejam: poluidor pagador, usuário pagador, princípio da informação, princípio da intervenção estatal em defesa do meio ambiente. Também são estabelecidos alguns instrumentos para auxiliar a consecução dos obje- tivos do plano nacional. Estes instrumentos são os seguintes elencados: estabelecimento de padrões de qualidade ambiental, zoneamento ambiental, avaliação de impactos ambientais, li- cenciamento e revisão de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras, incentivo à produção de tecnologias voltadas para a qualidade ambiental, criação de espaços territoriais protegidos pelo poder público, sistema nacional de informações, Cadastro Técnico Federal de atividades e instrumentos de defesa ambiental, penalidades disciplinares e compensatórias em caso de não cumprimento das medidas ambientais, instituição do Relatório de Qualidade Ambiental, garantia de informações relativas ao meio ambiente, Cadastro Técnico Federal de atividades potencialmente poluidoras ou utilizadoras de recursos naturais, instrumentos econômicos de concessão florestal, servidão ambiental, seguro ambiental, entre outros. Quanto aos instrumentos estabelecidos, pode-se asseverar que: também se pode observar no conjunto de instrumentos descritos acima, que a Política Nacional do Meio Ambiente prevê três categorias de instrumentos de gestão ambiental pública: a) Instrumentos regulatórios e punitivos, que correspondem aos instrumentos de comando e controle. b) Instrumentos de mercado ou incentivos econômicos. São estabelecidos no texto da Lei os incentivos à produção e instalação de equipamentos e à criação ou absorção de tecnologia voltados para a melhoria da qualidade ambiental. c) Instrumentos de informação. A lei prevê ainda, além dos instrumentos anteriores, alguns instrumentos de informação, que são o Sistema Nacional de Informações, o Cadastro Técnico Federal de Atividades Potencialmente Poluidoras, o Relatório de Qualidade do Meio Ambiente, dentre outros. (SOUZA, 200, p. 291). Além dos instrumentos estabelecidos, a Política Nacional de Meio Ambiente trouxe enorme avanço para o ambientalismo contemporâneo ao propiciar a participação popular. Essa participação consubstancia-se na forma de audiências públicas para avaliar e fiscalizar em- preendimentos e/ou atividades potencialmente poluidores. Isso demonstra a influência do mo- 126 Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem vimento ambientalista em querer participar das decisões da política ambiental em um momento que o país iniciava da discussão acerca da abertura democrática. Cabe salientar que o ambienta- lismo brasileiro também engendrou nas suas reivindicações a luta pela democracia. (MORATO LEITE; AYALA, 2004) As políticas públicas ambientais ganharam instrumento extremamente importante para a sua consecução, quando da inclusão na Lei 6.938/81 do Estudo de Impacto Ambiental - EIA para as atividades ou empreendimentos potencialmente poluidores. O estudo de impacto am- biental vincula-se diretamente com o licenciamento ambiental, pois é pelo estudo que se analisa a possível viabilidade de um empreendimento ou atividade. Atualmente, o estudo de impacto ambiental está disciplinado na Constituição Federal de 1988, no artigo 225, § 1o, inciso IV. O licenciamento ambiental, estipulado posteriormente à Lei 6.938/81, constitui em exi- gir das atividades e empreendimentos potencialmente poluidores submeter à apreciação do Po- derPúblico o estudo de impacto ambiental para autorização de funcionamento. Para tanto, o licenciamento está formatado em três fases: Licença Prévia - LP, Licença de Instalação – LI e Licença de Operação - LO. O licenciamento ambiental está positivado no Decreto 99.274/90 no art. 17 e nas resoluções 01/86, 06/87, 09/87 e 237/97 do CONAMA. Atualmente, o Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA exerce papel funda- mental na construção da política ambiental no país. Este órgão, além de privilegiar a partici- pação popular, por meio de associações e ONGs, também exerce função deliberativa, ou seja, produzindo resoluções que visam auxiliar no regramento do meio ambiente. Cumpre asseverar que as resoluções do CONAMA gozam de vinculatividade jurídica e constituem uma das fontes legais mais importantes do direito ambiental, face à seriedade com que o órgão trata a matéria. Diante do exposto, importante entender a seguinte lição: de fato, a concretização do Estado de Direito Ambiental converge obrigatoriamente para mudanças radicais nas estruturas existentes da sociedade organizada. E não há como negar que a conscientização global da crise ambiental exige uma cidadania participativa, que compreende uma ação conjunta do Estado e da coletividade na pro- teção ambiental. Não se pode adotar uma visão individualista sobre a proteção am- biental, sem solidariedade desprovida de responsabilidades difusas globais. Trata-se de um pensamento equivocado dizer que os custos da degradação ambiental devem ser repartidos por todos, em uma escala global ninguém sabe calcular. Esta visão é dis- torcida e leva ao esgotamento total dos recursos ambientais e a previsões catastróficas. Portanto, somente com a mudança para a responsabilização solidária e participativa dos Estados e dos cidadãos com os ideais de preservação ecológica é que se achará uma luz no fim do túnel (MORATO LEITE, 2000. p.33-34). O estudo não pretende formular a construção de um Estado Ambiental, todavia não questiona a importância da concretização desse modelo de estado. Reside a preocupação em estabelecer um novo modelo de democracia para as cidades com intuito efetivar a proteção do meio ambiente. Salienta-se que o êxito no objetivo desse trabalho permitiria a formatação de um Estado Ambiental. Ainda há muito que se fazer, mas algumas possibilidades podem ser vis- 127Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem lumbradas, apesar das inúmeras dificuldades já apontadas. (SANTOS, 2004). Não se pode esquecer da imensa contribuição proporcionada pelo movimento ambien- talista, que muito auxilia na tentativa de propor essa nova concepção. O movimento ecológico surgiu como um espaço de discussão e ação para a proteção ambiental. Algumas vezes também considerado espaço democrático de participação e outras vezes não. Mister asseverar que ao movimento ambientalista também é necessário compreender que a democracia participativa se constitui num instrumento de concretização do princípio democrático e de possibilitar a pre- servação ambiental. O imbricamento com a ecologia desponta quando a população participa das decisões políticas de maneira direta e conforme os seus reais interesses, sem sujeitar-se às manipulações da gestão econômica. As questões expostas até o momento residem no âmbito global, pois é nessa esfera que se desenham imperativo que incursionam reflexos no local. Todavia, esses imperativos globais não precisam ser acatados pelos locais. A ordem local pode ter sua própria racionalidade, esta- belecer suas estruturas e organização. O trabalho denota uma proposição de caminhos a partir da análise local em face das transformações globais. É no território local das cidades que se concentram os antagonismos, os impactos, os conflitos e as desordens provocadas pela ação global. Sendo assim, há que partir da cidade a formulação de soluções para os seus próprios problemas e que influenciarão o ambiente global. Pensar localmente e agir globalmente, para a compreensão da cidade ecológica. No que concerne às relações de interação entre a ordem global e a ordem local, pode-se afirmar que: a ordem global serve-se de uma população esparsa de objetos regidos por essa lei única que os constitui em sistema. A ordem local é associada a uma população contí- gua de objetos, reunidos pelo território e como território, regidos pela interação. No primeiro caso, a solidariedade é produto da organização. No segundo caso, é a organi- zação que é produto da solidariedade. A ordem global e a ordem local constituem duas situações geneticamente opostas, ainda que em cada uma se verifiquem aspetos da outra. A razão universal é organizacional, a razão local é orgânica. No primeiro caso, prima a informação que, aliás, é sinônimo de organização. No segundo caso, prima a comunicação. (SANTOS, 2004. p. 337-338). Desta forma, traz-se à colação, a experiência evidenciada em Nova Lima nos Estado de Minas Gerais em que a 1ª Promotoria Justiça, juntamente com a Faculdade Milton Campos im- plementou um projeto de Mediação Socioambiental via Centro de Estudos de Direito Minerário e Ambiental. Neste projeto foi desenvolvido um método para a resolução do conflito através da mediação. Este método se verifica da seguinte forma: o caso em litígio é submetido à Câmara de Mediação, às partes interessadas e ao Ministério Público são convidados a participar, estabe- lecem o procedimento e após a realização da mediação é redigido um Termo de Mediação que pode ser positivo ou negativo. 128 Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem Nesse sentido, assevera a Promotora Andressa de Oliveira Lanchotti: na sessão de mediação, as partes são primeiramente esclarecidas sobre o procedimen- to de mediação e a razão pela qual o caso foi selecionado. O estudo do conflito é apre- sentado. Em seguida, é oportunizado a cada parte expor a sua versão sobre a questão. Pautando-se na narração realizada, a mediadora, em conjunto com as partes e com a representante do Ministério Público, busca estipular o procedimento da mediação. Em alguns casos é necessária a realização de uma sessão privada com as partes (causing) ou uma comediação, que pode ser realizada, por exemplo, por um técnico de outra área socioambiental. (LANCHOTTI, 2014. p. 61) Ainda, o Termo de Mediação equivale ao Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) proposto pelo Ministério Público, resguardando a sua característica de título executivo extraju- dicial. Todavia, a grande diferença do Termo de Mediação positiva é que sua construção ocorre por um amplo e democrático diálogo e empoderamento das partes propiciando legitimidade ao acordo. Importante salientar que os participantes da sessão são as partes diretamente envolvi- das, comunidade interessada, ONGs, autoridades ambientais, Ministério Público, mediador, etc. Imperioso assentar que esse método de resolução de conflitos por meio da mediação não afeta o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado disposto no art. 225 da Constituição Federal de 1988. O que se busca não é flexibilizar direitos constitucionais, mas propiciar soluções para os danos ambientais, dentro da legalidade, que extrapolem as limitações burocráticas da jurisdição tradicional. A mediação socioambiental justamente propõe a busca por alternativas que denotam a solução dos conflitos, aliada aos preceitos do próprio direito ambiental: neste sentido, é importante esclarecer que o método utilizado pelo CEDIMA não pos- sibilita tais manobras de renúncia à proteção ambiental, não havendo a possibilidade de anuência, pelos envolvidos (principalmente o Ministério Público), de consolidação de dano ambiental e/ou desrespeito aos limites estabelecidos em lei. O que se busca é a possibilidade, caso tenha havido o desrespeito à lei, por parte de algum dos envol- vidos, que este retorne aos limites da legalidade, conforme planos de atuação escritos após diálogoentre todos os interessados, possibilitando, assim, uma recuperação e/ ou proteção efetiva do bem ambiental. Busca-se uma solução científica e executável, tendo em vista a natureza do dano, a realidade fática do local, tempo e partes envol- vidas e os limites do impacto ambiental legalmente estabelecidos. (LANCHOTTI; ASSUMPÇÂO, 2012, p. 240). O que se denota é que nos conflitos socioambientais um novo futuro é possível e o caminho é a mediação. O exemplo de Nova Lima no Estado de Minas Gerais demonstra isso. Denota que as soluções para os problemas ambientais estão nas ações locais, ainda mais nos métodos alternativos de resolução de conflitos. É na mediação que se torna possível vislumbrar os preceitos do direito ambiental, tais com o amplo diálogo com a comunidade envolvida, as- sim como criar soluções às quais a jurisdição estatal não consegue conceber. Assim, o caminho existe e o futuro é possível. 129Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem REFERÊNCIAS ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental. 8. ed. rev., amp. e atual. 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Rio de Janeiro: Forense. 2011. 131Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem A MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA COMO POLÍTICA PÚBLICA TRANSFORMADORA DA SOCIEDADE Rodrigo Nunes Kops Mestrando do Programa de Pós-Graduação - Mestrado em Direito, da Universidade de Santa Cruz do Sul – Bol- sista CAPES/CNJ; integrante do grupo de estudos de “Políticas Públicas no Tratamento dos Conflitos”, liderado pela Dra. Fabiana Marion Spengler. Mediador no projeto de extensão “A crise da jurisdição e a cultura da paz: a mediação como meio democrático, autônomo e consensuado de tratamento dos conflitos” Especialista em Direito Civil e Processo Civil pela Faculdade IDC. Evelyn Caroline Jora Graduanda de Direito na Universidade de Santa Cruz do Sul – Bolsista PROBEX, integrante do grupo de estudos de “Políticas Públicas no Tratamento dos Conflitos”, liderado pela Dra. Fabiana Marion Spengler. Bolsista no projeto de extensão “A crise da jurisdição e a cultura da paz: a mediação como meio democrático, autônomo e consensuado de tratamento dos conflitos”. Ana Paula Zitzke Graduanda de Direito na Universidade de Santa Cruz do Sul – integrante do grupo de estudos de “Políticas Públi- cas no Tratamento dos Conflitos”, liderado pela Dra. Fabiana Marion Spengler. INTRODUÇÃO Esse artigo tem como objetivo principal apresentar a mediação comunitária, destacando os aspectos principais e fundamentando o entendimento desta prática como forma emancipa- dora de acesso à justiça. Nesse contexto pretende definir e defender o pressuposto de que a mediação comunitária é um exercício de cidadania e independência de uma comunidade. Segundo objetivo desse trabalho é justificar como a mediação comunitária pode ser uma forte aliada no desenrolar de conflitos sem o auxilio do Poder Judiciário. Sendo assim, a comunidade se torna menos dependente do sistema jurisdicional, aumentando a coesão interna e construindo uma independência de seus membros, por poderem resolver seus próprios con- flitos. Afinal, a mediação surge como possibilidade de restaurar e promover o diálogo perdido. Abordar-se-á a comunidade em um contexto histórico, desde a filosofia grega até a atua- lidade, com o cenário existente na América Latina e outros países que, muitas vezes, se distan- ciaram por questões políticas, culturais, econômicas e politicas, provenientes de autoritarismo e pouco investimento em políticas públicas. 132 Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem Através de políticas públicas é que o cidadão moderno participa da sociedade atual, este processo é descrito por meio da Constituição Federal de 1988. A mediação comunitária é diferente de outras práticas conservadoras, justamente por ser seu local de trabalho a comunidade, na qual vários valores envolvem um sistema de vida. Consequentemente, demonstrar sua efetividade junto a práticas de políticas públicas. A metodologia empregada para desenvolvimento deste artigo foi o método dedutivo, no qual se pretendeu identificar e abordar o papel fundamental referente ao tema da mediação comunitária como processo – historicidade, políticas públicas, conflitualidade, mediação, con- ciliação. Além da evolução da mediação no decorrer dos tempos, também se aplicou a técnica de pesquisa bibliográfica, servindo de suporte no transcorrer do tema. 1 ANTECEDENTES E BREVE HISTÓRICO DA MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA A mediação é encontrada em diferentes culturas ao redor do mundo. Desde comunidades religiosas, judaicas, islâmicas, budistas, como tradição, o líder desempenhava o papel de media- dor, buscando resolver situações e diferenças entre os indivíduos. Na China, o confucionismo desempenhou um importante papel na evolução e no desenvolvimento da mediação no âmbito comunitário. De acordo com essa filosofia,a harmonia entre os homens só pode ser conseguida quando as pessoas suportam mutuamente a natureza individual de cada um. Confúcio ensinava que preservar essa harmonia é dever de todos e só quando a comunidade reconhece ser incapaz de realizar essa tarefa é que se deve recorrer ao direito positivo e à regulação. (MOORE, 1998). Podemos ainda citar o papel do mediador desde a Bíblia, o papel do Clero, nada mais era que mediar a congregação e Deus entre os devotos. Até o período da Renascença, a Igreja Católica e a Igreja Ortodoxa podem ser citadas como organizações de resolução de conflitos da sociedade ocidental. Em outras culturas como indianas, islâmicas, seitas religiosas como Puritanos e Quakers também foram desenvolvidos métodos para resolver questões de conflitos. Conclui-se que a função do conflito é estabelecer um contrato, um pacto entre os ad- versários que satisfaça os respectivos direitos, a fim de se chegar à construção de relações de equidade e de justiça entre os indivíduos no interior de uma mesma comunidade e entre di- ferentes comunidades, isto é, o conflito nada mais é que um elemento estrutural das relações interpessoais e, por conseguinte, de toda a vida social. A mediação é muito mais antiga do que se pensa, retrocedendo muitos anos na história, surgia mediante a necessidade de resolver o conflito existente. (MULLER, 1995). Os grupos imigrantes do século XIX também tiveram importante participação no histó- rico da mediação comunitária. Colônias italianas, gregas, holandesas, escandinavas e judaicas, principalmente na América do Norte, frequentemente desenvolviam câmaras de mediação e arbitragem para resolver conflitos internos. Além desse objetivo, tais instituições alternativas de 133Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem resolução de disputas tinham também a finalidade de evitar a aculturação da comunidade pela imposição dos valores presentes no sistema legalista. A formação de elites e a consequente ne- cessidade de proteção dos interesses individuais, a exemplo do que ocorreu no período colonial, acabaram favorecendo a supremacia da lei e a lenta e progressiva aculturação das comunidades imigrantes por sua desagregação em meio à sociedade. (MULLER, 1995). Vale dizer que, somente no Século XX, a mediação se tornou efetivamente instituciona- lizada, passando então a ser uma atividade profissional reconhecida. Esta prática expandiu-se nos últimos trinta anos, tendo como base a dignidade humana e a dignidade dos indivíduos. Nos Estados Unidos, em meados da década de 70, pleiteava-se por uma reforma do sistema judiciário e pela inclusão de formas não judiciais para a resolução de conflitos. Àquela época, os tribunais norte-americanos enfrentavam uma crise provocada por um excessivo acúmulo de funções. Alternativas como a mediação e a arbitragem ressurgem com uma finalidade diversa: a de descongestionar o sistema judiciário. Já no Brasil, a prática de mediação comunitária ainda é nova e está sendo explorada aos poucos. No entanto, podem-se citar alguns projetos de justiça comunitária que vêm sendo desenvolvidos no Mato Grosso do Sul adotado pelo Tribunal de Justiça, no Distrito Federal e Territórios pelo Tribunal de Justiça. 1.1 Comunidade e a mediação como resolução de conflitos Na história grega, a comunidade origina-se juntamente com a ideia de pólis, ou seja, considerava-se que o individuo poderia ser ele mesmo. Desde a vida comunitária política, so- cial, civil, econômica ou até religiosa acontecia diante de celebrações e encontros interpessoais. Na Enciclopédia Saraiva do Direito, comunidade é: a comunidade é uma sociedade localizada no espaço, cujos, membros cooperam entre si (com divisão de trabalho), seja utilitaristamente (para obter melhores, mais eficien- tes resultados, práticos, reais), seja eticamente (tendo em vista valores humanos – fa- miliais, sociais, jurídicos, religiosos etc.). (FRANÇA, 1977, p. 478). Ainda, segundo Deleon (2010, p. 573-593), existem dois tipos de comunidades: o primeiro como organizações - que em si são as comunidades, por exemplo, pequenas associações cooperativas, profissionais em gru- pos de práticas, corpos docentes e etc. O segundo é uma profissão, uma afiliação que pode complementar ou concorrer com sua participação em uma organização à qual pertencem muitos administradores públicos. Para Giddens (1999, p. 89-90): comunidade não implica a tentativa de recapturar formas perdidas de solidariedade local; diz respeito a meios práticos de fomentar a renovação social e material de bair- 134 Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem ros, pequenas cidades e áreas locais mais amplas. Não há fronteiras permanentes entre governo e sociedade civil. Dependendo do contexto, o governo precisa por vezes ser empurrado mais profundamente para a rena civil, por vezes recuar. Onde o governo se abstém desenvolvimento direto, seus recursos podem continuar sendo necessários para apoiar atividades que grupos locais desenvolvem ou introduzem – sobretudo em áreas mais pobres. Contudo, é particularmente em comunidades mais pobres que o incentivo à iniciativa e ao envolvimento locais pode gerar o maior retorno. Desta forma, a comunidade, então, é decorrente de uma vontade orgânica das pessoas, produzida a partir das relações de parentesco, vizinhança e amizade. É o lugar dos sentimentos, do amor, da lealdade e da compreensão, sendo três os elementos que a constituem: sangue, localidade e espírito (NAUJORKS, 2013, p. 82). Comunidade, enfim, sugere uma coisa boa: é bom ter uma comunidade e estar em uma. Ela produz uma sensação confortante, de paz, tranquilidade, relaxamento e proteção, seja por- que é um lugar cálido ou porque é aconchegante. O vocábulo evoca tudo aquilo que se precisa para viver seguro e confiante, soando nos ouvidos como música (BAUMAN, 2003). Essa nova comunidade, nascida da evolução de todas as outras anteriores, é aquela que retoma a autonomia, o respeito, a identidade, as individualidades de cada membro e que, ao mesmo tempo, consegue organizar, de forma compartilhada e consensual, a gestão e tratamento de seus conflitos, sejam eles internos ou externos. Segundo Ghisleni e Spengler (2011b, p. 180), consiste, aquela que, “para proteger seus participantes, dá-lhes meios de encontrar respostas comunitárias para problemas comunitários, gerando proteção e segurança sem abrir mão da liberdade”. A comunicação, consequência da mediação comunitária, movimenta de certa forma toda a mudança social, pois as relações atuais estão multifacetadas, estruturam-se por diversos vínculos e se perpetuam pelo equilíbrio instaurado nessas relações pelo mecanismo da comu- nicação. Por conseguinte, o diálogo não busca encontrar uma verdade absoluta ou universal, tampouco um ganhador ou perdedor, mas sim a cooperação, integração, respeito e harmonia entre os envolvidos. (SPENGLER, 2011). 1.2 O mediador comunitário O mediador desempenha um papel fundamental na realização da solução do conflito, isto, porque existem critérios específicos para ser um. O mediador deve ser um terceiro impar- cial que, por meio de uma conversa com as partes, os ajude a chegar a um melhor consenso. Na mediação é importante que o mediador estabeleça uma comunicação hábil entre as partes. Com isso, costuma-se utilizar a expressão “estabelecer o rapport” entre os indivíduos. O rapport está 135Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem ligado ao grau de liberdade experimentado na comunicação, ao nível de conforto das partes, ao grau de precisão do que é comunicado e à qualidade do contato humano que se estabelece. (MOORE, 1988, p. 88). Spengler (2012) conclui: a mediação comunitária é uma maneira de instaurar o diálogo rompido entre as partes em virtude da posição antagônica instituída pelo conflito. Constitui-se, por isso, como um intercâmbio comunicativono qual os envolvidos estipulam o que compete a cada um no tratamento da contenda. Ela então facilita a expressão do dissenso, definindo um veículo que possa administrar a discordância e chegar a um entendimento por meio de processos linguísticos. Para Spengler (2012, p. 165), o mediador tem como seu principal objetivo não é gerar relações calorosas, aconchegantes ou uma ordem harmoniosa, mas sim encontrar mecanismos que possibilitem uma convivência comu- nicativamente pacífica, na qual os indivíduos possam falar e ouvir a parte contrária sem, contudo, perceberem-se como rivais. Nesse contexto distinguimos o mediador do juiz, pois ele é neutro e imparcial e inerente às decisões tomadas pelos mediandos. Destacam Ghisleni e Spengler (2011, p. 104-105) “O mediador não é um juiz, uma vez que não impõe um veredicto, mas, como um, merece o respei- to e a consideração das partes, conquistados com sua atuação”. Não é também um negociador que se posiciona em favor de uma parte com interesse direto nos resultados, tampouco um árbi- tro que emite laudos ou decisões, haja vista que, mesmo sendo especialista no assunto tratado, não poderá prestar assessoramento sobre a questão em discussão. Não obstante, na mediação comunitária, o conflito é encarado como algo de certa forma bom, construindo e reavaliando valores na vida social, diferentemente da sua constatação no poder judiciário e em outras formas de resolução de conflitos. Portanto, em especial, o conflito é visto como um ente inerente à vida em sociedade, algo que acontece em todos os ambientes e que deve ser tratado. Ou seja, um conflito não deve ser encarado como uma disputa, na qual uma parte busca derrotar a outra e vice-versa. Pelo contrário, deve-se vê-lo como uma nova oportunidade de constituir um diálogo verdadeiro e natural, em que ambas as partes cheguem por suas próprias convicções a uma alternativa benéfica de resolver esse litígio. Nesse contexto, pode-se dizer que a mediação co- munitária surge com uma alternativa importantíssima ao acesso à justiça também, sendo que na sua aplicação supera-se muito mais do que o conflito trazido à tona, mas se restabelece uma convivência harmônica e de bem-estar. 136 Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem 1.3 A mediação comunitária como auxiliar do Poder Judiciário Em tempos em que a maior parte das pessoas passa o dia todo fora de casa e a tecnologia tomou conta das relações, diferentemente dos tempos em que entes queridos e vizinhos se visi- tavam ou se falavam ao telefone e que hoje não passam de conversas rápidas por e-mails, Skype, whatsapp, facebook, entre outros. Os relacionamentos atuais estão cercados de individualismo, falta de tempo e, muitas vezes, de tolerância um com o outro. A mediação comunitária surge como forma de participação, cultura da paz e construção de elos entre as pessoas. A mediação surge também como possibilidade de desafogar o poder judiciário, este que tem passado por uma série de crises com relação à vagarosidade do processo judicial, à buro- cracia e à busca por solução de tais conflitos. Muitas vezes, estes conflitos que regem o proces- so judicial são conflitos gerados por falta de diálogo entre as partes, estas, que no decorrer do processo judicial, não têm espaço para manifestar e conversar, para solucionar seus problemas. É preciso ater-se ao fato de que a mediação atua nos casos em que as partes mantêm um convívio constante ou diário, desde relações familiares, entre vizinhos e até amigos. Isso acon- tece, pois a relação que as partes têm e que já vem sendo desenvolvida por determinados vín- culos é uma relação constante e duradoura. Sendo o mais indicado, estes indivíduos cheguem a consenso para resolução de seus conflitos. (SPENGLER, 2012). Dentre os princípios para a realização da mediação, podem-se citar alguns considerados como os mais importantes, como o princípio da liberdade das partes que visa garantir a volun- tariedade das partes envolvidas no conflito. Na mediação, as pessoas devem escolher livremen- te qual o caminho para resolver o seu conflito. (SPENGLER, 2012). Já o princípio do poder de decisão das partes, com isso, inversamente do processo judicial, aqui o mediador não impõe a decisão, somente define as normas de comuni- cação para encontrem uma solução pacífica. O poder de decisão das partes não é ab- soluto. Deste modo, o mediador pode (e deve) impedir que sejam celebrados acordos cujo objeto seja ilegal ou que tragam desvantagem para uma das partes. (SPENGLER, 2012, p. 24). Além do princípio não competitividade, em que momento na mediação é encontrado este procedimento para o respeito entre as partes? Enxergar o conflito como um espaço de competição, passando a vê-lo como algo natural que deve ser superado mediante colaboração de ambos, é que estará criado o ambiente propício para o diálogo e para o acerto de contas de forma pacífica. (SPENGLER, 2012). Ainda, encontra-se o princípio da competência do mediador e da participação de terceiro imparcial, ou seja, o mediador deve ter competência psicológica, que ajude às partes na comu- nidade inserida, sem deixá-las inseguras de tais decisões. “Bem como o contexto cultural onde as partes estão inseridas [...] contribuindo positivamente na busca da solução mais satisfatória 137Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem para a resolução do conflito”. (SPENGLER, 2012, p. 27). 2 MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA COMO POLÍTICA PÚBLICA DE ACESSO À JUSTIÇA Atualmente, as pessoas passam a maior parte do dia fora de casa, vizinhos não se conhe- cem, visitas são constantemente substituídas por e-mails, pessoas por eletrônicos, e frequente- mente usam desculpas como falta de tempo para explicar a falta de paciência para interagir com o outro, mas esse problema é ainda maior para as pessoas que vivem à margem da sociedade. Um número considerável da população é vulnerável à exclusão, preconceito, violência, entre outros problemas sociais, e é em meio a essa realidade que surge a mediação comunitária como uma fonte fomentadora de paz, respeito e participação popular, que trabalha o pluralismo de valores e os diversos sistemas de vida a partir da abertura de comunicações interrompidas, nas palavras de Caroline Wust (2014, p. 91): a mediação comunitária emerge como uma nova maneira de olhar o conflito, que propicia uma real revolução no modo como o acesso à justiça é encarado, na relação entre as partes e na sociedade como um todo, uma vez que almeja o tratamento da controvérsia, a prevenção da má administração dos conflitos, a inclusão social e a convivência pacífica. Desta maneira, a mediação comunitária é considerada uma política pública que tem o desafio de aceitar as pluralidades das pessoas, bem como suas diferenças e singularidades, através da comunicação, fortalecendo o sentimento de cidadania e de integração da vida em sociedade. Uma sociedade democrática deve se caracterizar pela existência de pessoas que sejam capazes de solucionar os problemas sociais, e isso só será possível com o desenvolvimento de práticas cotidianas de participação livre e experiente da cidadania, e é nesse aspecto que a mediação comunitária surge como um método que busca favorecer o diálogo e encontrar desta forma uma solução equânime para os envolvidos. Nesse sentido, é importante destacar a real noção sobre a justiça comunitária como meio democrático de acesso à justiça, bem como instrumento operoso no tratamento de conflitos de uma determinada comunidade, segundo Fabiana Marion Spengler (2012, p. 198-199), “A mediação comunitária aparece como meio de tratamento de conflitos e como possível resposta à incapacidade estatal de oferecer uma jurisdição quantitativa e qualitativamente adequada”. A mediação comunitária tem por objetivo principal, fazer com que as pessoas adminis- trem bem seus conflitos, tendo como principal arma o diálogo, prevenindo e conscientizandoa população sobre a importância de suas participações na discussão de seus problemas, causando 138 Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem assim, um sentimento de inclusão na sociedade. Desta forma, a mediação comunitária mostra- -se como um importante meio de solução de conflitos, principalmente se se levar em conta os indivíduos que vivem à margem da sociedade, assolados pela desigualdade social que atinge parte da população do país. Caroline Wust (2014, p. 92) diz em sua obra que “a mediação comunitária é uma polí- tica pública eficaz não apenas por proporcionar a democratização do acesso à justiça, mas por empoderar os sujeitos e torná-los verdadeiros cidadãos”. Além disso, à medida que a sociedade se conscientiza de que o ser humano evolui com as contraposições, entende que os conflitos devem ser administrados positivamente e que a téc- nica da mediação previne a má-administração dos desentendimentos e o surgimento de novos conflitos. Neste aspecto, a mediação comunitária atua com a lógica de um mediador independente, membro desta mesma comunidade, que pretende levar aos demais moradores o sentimento de inclusão social, na tentativa de efetivação de um acesso irrestrito e eficaz à justiça, bem como para seus resultados nas relações sociais. Essa inclusão dos componentes da comunidade pode ser concretizada mediante a autonomização e a responsabilização por suas escolhas e por suas decisões, seja no concernente a conflitos vivenciados ou a conflitos ocultos. Assim, criam-se vínculos, fortalecendo o sentimento de cidadania e de participação da vida social da comunida- de (SPENGLER, 2012). A mediação comunitária, nesse sentido, cumpre duas funções: primeiro oferece um espaço de reflexão e busca de alternativas na resolução dos con- flitos nas mais diversas esferas: família, escola, no local de trabalho e de lazer, entre outros. Em segundo lugar o indivíduo possui um ganho que, não obstante parecer secundário, assume proporções políticas importantes quando ao resolver autonoma- mente seus conflitos passa a participar mais ativamente da vida política da comuni- dade. Assim, ele estimula e auxilia os indivíduos a pensarem como conjunto (nós) e não mais como pessoas separadas (eu-tu). A resolução do conflito é boa quando sa- tisfatória para todos. Nesse contexto, a maior lição é valorizar o bem comum mais do que os bens ou ganhos individuais. Consequentemente a cidadania acontece de modo efetivo quando os “conflitantes comunitários”, com o auxilio do mediador, entendem e usufruem de seu poder de decisão, respeitando e zelando pelo bem-estar social. (SPENGLER, 2012, p. 227-228). Mais do que um meio de acesso à justiça estimulador da participação social, a mediação comunitária é uma política pública que vem ganhando estímulo do Ministério da Justiça, da Se- cretaria de Reforma do Judiciário, do Conselho Nacional de Justiça, uma vez que comprovada está sua eficiência na administração e resolução de conflitos (SPENGLER, 2012). 139Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem 2.1 Comunidade e seu conceito Uma sociedade ideal seria aquela na qual ninguém é desrespeitado, todos são merece- dores de respeito e todos juntos podem alcançar seus objetivos, um ajudando ao outro. Escuta-se que o conceito de comunidade é vago, mas o que acontece é que seu conceito muitas vezes se confunde com a noção de sociedade e ambas se diferem por diversos motivos, a comunidade, por exemplo, é natural e espontânea, enquanto a sociedade é, de certa maneira, artificial, Spengler (2012, p. 220) conceitua comunidade como: “estado do que é comum; pa- ridade; comunhão; identidade [...]. Conjunto de cidadãos de um Estado, de habitantes de uma cidade com afinidades sócio-econômicas ou geográficas”. Ao se ler o conceito de comunidade, percebe-se que o termo deve ser analisando sob diversas perspectivas, do ponto de vista sociológico, filosófico moral, e aspectos políticos, que visualizam as formas de participação comunitária como uma forma de democracia viva. Porém, comunidade possui um significado muito mais amplo, ao passo que, compreen- de todas as formas de relação que possuem um considerado grau de intimidade. Cultivar as comunidades é essencial para a formação de um futuro que preserva os bens sociais. Uma sociedade se sustenta melhor com uma boa base de organização, serviços mútuos e com a renovação comunitária, que pode ser facilitada se for proporcionado o intercâmbio social, e para que isso aconteça necessita-se de políticas públicas que favoreçam a participação social. Compreende-se assim, que uma boa sociedade combina o interesse coletivo, mas res- peitando os direitos individuais, bem como a satisfação das necessidades básicas das pessoas com a expectativa de que os membros de uma comunidade tenham respeito e responsabilidade, consigo mesmo e com a comunidade em geral. 2.2 A comunicação como fomentadora da transformação social e papel do mediador comunitário nesse contexto A mediação comunitária tem como papel principal romper o silêncio e instaurar um diá- logo entre as partes para solucionar o conflito existente, para a realização desse processo cabe destacar um importante personagem, o mediador comunitário. O mediador comunitário é uma pessoa qualificada para o bom processo de mediação, ou seja, capaz de ouvir o problema, facilitar a comunicação pacífica entre as partes, observan- do sempre o conflito dentro do contexto de seu nascimento, desenvolvimento, consequências atuais e futuras e é escolhido pelas partes para estimular e facilitar o diálogo, atuando para solu- cionar o conflito, assim como para evitar futuros litígios, mas sem indicar uma solução, ele so- 140 Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem mente estimula as partes para que elas sejam capazes por si próprias de encontrar uma solução e chegar a um acordo que proteja os seus interesses. Nas palavras de Fabiana Marion Spengler (2012, p. 200), “a mediação comunitária trabalha com a lógica de um mediador independente, membro desta mesma comunidade, que pretende levar aos demais moradores o sentimento de inclusão social”. Assim, a comunicação é facilitada por um terceiro, o mediador, responsável por garantir o andamento pacífico da composição de interesses e, ao mesmo tempo, manter uma postura de neutralidade de modo a não manipular decisões. Cada processo de mediação é único e possui peculiaridades. O trabalho do mediador requer neutralidade, paciência, confidencialidade e facilidade de comunicação, dentre outras habilidades. Cabe esclarecer que o objetivo do mediador não é produzir relações calorosas ou próxi- mas, mas sim, encontrar formas para que as partes possam ao menos conviver e se comunicar de forma pacífica, em que um pode ouvir o outro, mas sem se enxergarem como rivais. Dessa forma, o potencial dialógico neste processo está assegurado na horizontalidade com que o mediador comunitário conduz o processo e também, na participação da comunidade como corresponsável na celebração de compromissos mútuos que garantam um futuro de paci- ficação social, dentro da diversidade. (SPENGLER, 2012). Diferentemente do processo judicial, que é regido pela autoridade da lei e pela transfe- rência de prerrogativas a um terceiro, o juiz, que tem a faculdade de dizer quem tem mais ou menos direitos no intuito de assegurar a estabilidade social, na mediação comunitária, as partes são conduzidas pela ética da alteridade, em que cada uma delas enxerga a outra como a um semelhante que tem diferenças, tendo sempre como pressupostos a amizade e a fraternidade na busca de um consenso que corresponda às expectativas de ambos os envolvidos. (WUST, 2014). Sendo assim, tem-se como principal característica a execução da mediação comunitá- ria dentro da própria comunidade e com participação de uma pessoa dessa comunidade como mediador,que foi escolhida e capacitada para atuar em beneficio da comunidade em que vive, movida pelo sentimento de amizade, solidariedade e inclusão social. 2.3 Mediação comunitária: uma política pública para o desenvolvimento e transformação social As políticas públicas de Estado diferenciam-se frontalmente das de governo, haja vista que aquela está amplamente institucionalizada, isto é, enraizada nas estruturas estatais (ins- tâncias legislativas, administrativas e judiciárias), de tal modo que, ao mudar o governo, não deixará de existir, nem tampouco será modificada abruptamente. Ao passo que a governamental 141Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem é fruto de decisão do governo em exercício e depende da vontade política para que se mantenha vigente; o que varia, então, é o grau de institucionalização e sua consequente perspectiva de permanência, não significando que uma seja pior ou melhor que a outra. (WUST, 2014). Nesse viés, o Conselho Nacional de Justiça se mostra importante para fomentar a cria- ção de novas políticas públicas, principalmente através da Resolução 125 de 2010, que estimula a resolução de conflitos por meios de soluções extrajudiciais, determinando, por exemplo, a criação de núcleos permanentes para solução de conflitos, garantindo à população o direito à resolução dos conflitos de forma adequada, analisando as peculiaridades de cada caso. Outra relevante conquista é o Projeto de lei 7169 de 2014, que traz importantes pro- gressos, tratando sobre a mediação entre particulares como meio alternativo de resolução de controvérsias e sobre a composição de conflitos no âmbito da Administração Pública. A essência das políticas públicas de Estado é precisamente o fato de ser responsável pela consolidação de direitos por meio de ações sociais. Nesse ponto, a mediação comunitária pode ser considerada uma política pública de Estado, pois foi estabelecido juntamente para garantir o direito fundamental de acesso à justiça, inclusão e desenvolvimento social, pois proporciona às próprias partes a chance de tratar seus conflitos sem a intervenção estatal, nessa linha, Fabiana Marion Spengler (2012, p. 230) ensina que: a mediação comunitária pode ser apontada como uma política pública, uma vez que se trata de um “conjunto de programas de ação governamental estáveis no tempo, racionalmente moldados, implantados e avaliados, dirigidos à realização de direitos e de objetivos social e juridicamente relevantes. A mediação comunitária é um instrumento para o tratamento dos conflitos. Com esse método, os laços de integração e participação da sociedade se fortalecem, além de estimular as pessoas a pensarem juntas em busca de uma solução que satisfaça os interesses de todos os envolvidos e valorize a participação popular, fazendo da mediação comunitária uma política pública que tem como foco dar poder aos atores comunitários para que eles sejam os responsá- veis pelas decisões tomadas. Então ela se realiza pela comunidade e para a comunidade, ocasionando em um novo olhar para a forma como solucionar os conflitos, onde o interesse coletivo recebe destaque, so- brepondo-se ao interesse individual. Ela auxilia o desenvolvimento da democracia, a inclusão social e responsabiliza os cidadãos, com a importância da sua participação, fazendo como que se exerça a cidadania, por isso, assim como na mediação comunitária, na prática cidadã também há a necessidade de participação, pois quanto maior a participação, maior será sua autonomia. Nas palavras de Caroline Wust (2014, p. 122): a mediação comunitária torna-se uma ferramenta hábil a proporcionar uma verdadeira transformação social, haja vista que não apenas pretende desafogar o Poder Judiciá- rio, mas também tratar os conflitos de forma adequada em termos qualitativos, o que 142 Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem gera, por consequência, o acesso a uma ordem jurídica justa e eficaz. A mediação comunitária estimula a amizade, a fraternidade, a solidariedade e conscien- tiza a parte envolvida de que ela é capaz de tratar seu conflito de forma consensual e harmo- niosa, sem precisar da intervenção do Poder Judiciário, o que não quer dizer que a parte não respeitará as normas jurídicas, mas ela terá liberdade para resolver seus próprios problemas. Cabe ainda ressaltar que a mediação comunitária previne novos conflitos, uma vez que as partes compreendem que através do diálogo conseguirão resolver seus conflitos e restaurar vínculos. Resumidamente, a mediação comunitária traz vantagens como o fornecimento de um local de transparência de normas e valores, além da construção de entendimentos compartilha- dos com as trocas de diálogos entre os integrantes da comunidade, resultando na diminuição de novas tensões sociais. 3 A MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA Nesse capítulo será abordado sobre o que é a mediação comunitária e como essa poderá se mostrar eficaz para a resolução de conflitos e, também, como já analisado, um instrumento de fomento de Política Pública de Acesso à Justiça, o que gera muitos benefícios para a sociedade. Como essa prática de mediação age dentro de uma determinada comunidade, ela acaba abrindo um leque muito amplo para que os conflitantes possam, através de um terceiro, resol- ver de forma pacífica e cordial suas questões que possam ter origem em problemas familiares, escolares, trabalhistas, de vizinhança, entre outros (SPENGLER, 2012). Lília Maia de Morais Sales (2003, p. 135) escreve sobre os objetivos da mencionada prática: a mediação comunitária possui como objetivo desenvolver entre a população valores, conhecimentos, crenças, atitudes e comportamentos conducentes ao fortalecimento de uma cultura político-democrática e uma cultura de paz. Busca ainda enfatizar a re- lação entre os valores e as práticas democráticas e a convivência pacífica e contribuir para um melhor entendimento de respeito e tolerância e para um tratamento adequado daqueles problemas que, no âmbito da comunidade, perturbam a paz. E também acaba por incentivar o convívio e o estreitamento de laços entre as pessoas que convivem em um ambiente comum. Pois, quando se valoriza e se zela algo que se mostra vantajoso para todos, não só os envolvidos diretamente na resolução de um conflito saem ga- nhando, mas os indiretos e o ambiente em que vivem. (SPENGLER, 2012). Assim, quando a mediação é praticada na própria comunidade, os resultados dessa reor- 143Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem ganizam a mesma e a fortalecem integrando mais os membros e os tornando mais responsáveis pelos seus atos e cientes dos reflexos que esses causam para o bem-estar comum, o que pode gerar uma emancipação do próprio cidadão. (SPENGLER, 2012). Essa prática visa trabalhar e estimular a comunicação entre os indivíduos que estão passando por alguma forma de situação conflituosa, tendo como objetivo maior reestabele- cer os laços afetivos através do diálogo, para que as partes consigam, através das técnicas de mediação, com o mediador comunitário, chegar a um acordo que seja proveitoso para ambos. (WUST, 2014). Nesse diapasão, Alejandro Marcelo Nató, Maria Gabriela Rodríguez e Liliana Maria Carbajal (2006, p. 109) dissertam sobre o tema que: o âmbito comunitário é, em si, um espaço de grande riqueza por sua aptidão em difun- dir e aplicar os métodos pacíficos de gestão de conflitos ou tramitação de diferenças. A mediação, como instrumento de apto a esse propósito, brinda os protagonistas – aque- les compartilham o mesmo espaço comunitário – com a oportunidade de exercer uma ação coletiva na qual eles mesmos são os que facilitam a solução dos problemas que se apresentam em suas comunidades. Nesse sentido, o desenvolvimento destes pro- cessos, assim como a transferência de ferramentas e técnicas específicas de mediação aos integrantes das comunidades, constituemum valioso aporte e um avanço concreto relativo à nossa maturidade como sociedade e colabora efetivamente em prol de um ideal de uma vida comunitária mais satisfatória. Quando o procedimento da mediação é realizado por membros de uma comunidade ele não se limita a procurar soluções para a demanda que poderia ser encaminhada ao Poder Judiciário e termina não sendo, acaba por promover mais o diálogo e reestabelecer alguns laços afetivos que se enfraqueceram frente ao litígio, o que também seria uma forma preventiva para que não ocorra isso novamente. (WUST, 2014). Na esfera comunitária podem-se auferir muitos ganhos para todos os envolvidos na prática da mediação comunitária para que as partes conversem e tentem chegar a uma solução pacífica para um conflito. Já que quando as partes podem ouvir e expressar seus sentimentos e elas mesmas chegam a um denominador comum quem ganha é também a própria grei. (SPEN- GLER, 2012). O que se diferencia da lide que tramita no Poder Judiciário é que é através de uma ter- ceira parte, mas nesse caso, com poderes para decidir sobre as questões dos litigantes, sendo de forma arbitrária e com base em parâmetros legais que o magistrado chega a uma conclusão para determinado caso em que os envolvidos precisam acatar e nesse processo acabam muitas vezes por terem a sua comunicação rompida. (WUST, 2014). Na mediação é de suma importância para uma melhor compreensão do tema a diferen- ciação de duas formas de atuação como mediador, há aqueles que são vinculados a instituições e aqueles que são denominados de cidadãos1.1 Os primeiros laboram exclusivamente em prol de 1 A mediação comunitária pode ser institucional que é aquela que cumpre um trabalho específico a serviço ao 144 Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem entes estatais e seus mantenedores, com o intuito de desafogar os mesmos, atuando de forma de prevenção para que novos processos sejam impetrados. Possuem uma formação específica e visam atender um propósito preestabelecido (WUST, 2014). Já, os mediadores cidadãos possuem uma ideia de mediação um pouco distinta que os possibilitaria resolver contendas com mais autonomia, nas quais não possuem ligação nenhuma com as instituições públicas. Mas agem no sentido de fazerem com que pessoas do seu meio de convivência voltem a se falar, agindo apenas como condutores dessa conversa, sem nenhum tipo de coação, atuando somente com a confiança neles imposta. (SPENGLER, 2012). Conforme conceitua Six (2001, p. 136), os mediadores comunitários/cidadãos seriam aqueles que: mesmo sendo grandes técnicos, são, sobretudo, gente da rua, gente do ramo, aqueles que pensam seu lugar dentro de uma visão de conjunto, que recusam todos os corpo- rativismos e querem organizar juntos, com todos, uma vida em comum. Foley (2010, p. 92), nesse diapasão, destaca que, [...] tal qual um pastor que, em sua tarefa religiosa, dedica-se a atender às necessi- dades espirituais, o mediador comunitário deve ouvir as partes, reconhecer os seus clamores e emoções e, ao fornecer um ambiente seguro, permitir que as raízes do conflito floresçam. Nesse sentido, há um aspecto restaurativo na justiça comunitária, pelo qual os disputantes podem compreender uns aos outros e, em desenvolvendo aptidões para a comunicação e prevenção, trabalhar na direção de cura dos danos causados pelo conflito. Ainda, quem atua como mediador comunitário deverá prestar muita atenção nas atitudes e expressões que os mediandos demonstram em uma sessão, para que suas técnicas e também a sua sensibilidade possam ajudar as partes para que reconstruam o seu ponto de divergência e cheguem a um acordo. (WARAT, 1998). Como expressa Foley (2010, p. 146) “[...] é por meio do protagonismo dos agentes locais que a comunidade poderá formular e realizar a sua própria transformação [...]”. O mediador comunitário auxilia a identificar os conflitos e os interesses dos litigantes e busca um tratamento coletivo, pertencer à própria comunidade ajuda e muito no processo. Assim, o que tornaria a mediação comunitária tão especial é simplesmente o fato de ela ser exercida por um membro que está inserido na própria comunidade, que tem capacidade e foi escolhido justamente para tornar mais harmônicas as relações presentes nessa. E sendo a atuação do terceiro que realiza essa prática na forma de voluntariado, nota-se que ele age com mesmo tempo de sua instituição e dos clientes desta ou autônoma na qual se encontram os mediadores cidadãos. Sua origem é totalmente diferente. Eles são fabricados pelas instituições, são mediadores “naturais”, que nascem nos grupos sociais, são como que secretados por eles pela necessidade da comunicação. Eles não têm poder como tal, não são juízes que vão sentenciar, nem árbitros aos quais se delega a conclusão de uma contenda, eles não têm mais autoridade do que moral (SPENGLER, 2012b). 145Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem os mais nobres sentimentos para auxiliar quem o procura. (SPENGLER, 2012). Porém, é muito importante ressaltar-se que mesmo quando a mediação comunitária é feita no cerne de um núcleo social e com a atuação de mediadores que residem nesse, também existiria a possibilidade do Estado atuar. O que ocorre quando o poder público intervém de alguma forma, mas sempre protegendo a autonomia da comunidade, para potencializar uma mudança no panorama da grei da qual os litígios emergem. (FOLEY, 2011). 4 ALGUNS EXEMPLOS DA ATUAÇÃO NA PRÁTICA DA MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA Hoje, o Brasil possui exemplos bem sucedidos de projetos que praticam a mediação comunitária, que ajudam a prevenir e a colocar no mundo dos fatos todas as vantagens que se viu anteriormente sobre o tema. (WUST, 2014). Um desses é o projeto promovido pela ONG VIVARIO, chamado de Balcão de Direitos, que é um programa que estimula a mediação em comunidades carentes que sofrem a violência e a criminalidade. (NASCIMENTO, 2010). O poder público também vem implementando iniciativas nessa área, que estimula o diálogo em uma comunidade, através de política pública do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania – Pronaci, com vínculo com o Ministério da Justiça (VASCONCELOS, 2012). Com o projeto nomeado de “Justiça Comunitária” que possui como meta democratizar o acesso à justiça, com um dos pilares três pilares fundados na prática da mediação comunitá- ria, através da implementação nas cinco regiões brasileiras os Núcleos de Justiça Comunitária. (BUSTAMANTE, 2013 citado por WUST, 2014, p. 100). O programa apresentou resultados muito satisfatórios entre os anos de 2008 e 2012, 51.948 pessoas de maneira direta ou indireta foram atendidas pelos agentes que atuam na co- munidade prestando trabalho voluntário, pois sabem da importância da sua atuação para um melhor bem-estar para a sua grei. (WUST, 2014). Então, pode-se concluir que as práticas da mediação comunitária podem ser praticadas através de organizações sociais compostas e mantidas pelos membros da comunidade. Tam- bém, existe a possiblidade de firmamento de uma parceria desta com o poder público, mediante políticas públicas, para ajudar na gestão de centros de mediação que podem atender ainda me- lhor a todos os envolvidos em uma situação de conflito. Por fim, independentemente da forma que aquela é praticada, ela visa não só ao firmamento de acordo, mas para que haja mais comu- nicação entre os membros de uma comunidade. (WUST, 2014). 146 Do conflito à solução adequada: mediação, conciliação, negociação, jurisdição & arbitragem CONCLUSÃO Primeiramente é necessário fazer uma análise histórica sobre as diversas culturas exis- tentes no passado. Nessa época era muito forte o papel do líder, que ainda que de forma diversa e com outra nomenclatura exercia o papel do mediador, desenvolvendo assim, os primeiros vínculos comunitários. Passaram a existir regras que garantiam a segurança da coletividade,