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TECNOLOGIA E SEUS IMPACTOS SOBRE A SOCIEDADE Tema: Ciência, Tecnologia e Sociedade CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI Rodovia BR 470, Km 71, nº 1.040, Bairro Benedito 89130-000 - INDAIAL/SC www.uniasselvi.com.br Curso obre Tecnologias e seus Impactos Sobre a Sociedade Centro Universitário Leonardo da Vinci Autora Maquiel Duarte Vidal Organização Elisabeth Penzlien Tafner Meike Marly Schubert Sonia Adriana Weege Tatiana Milani Odorizzi Reitor da UNIASSELVI Prof. Hermínio Kloch Pró-Reitoria de Ensino de Graduação a Distância Prof.ª Francieli Stano Torres Pró-Reitor Operacional de Ensino de Graduação a Distância Prof. Hermínio Kloch Diagramação e Capa Letícia Vitorino Jorge Revisão Joice Carneiro Werlang José Roberto Rodrigues 1 Ciência, Tecnologia e Sociedade Tecnologias e seus Impactos sobre a Sociedade Copyright © UNIASSELVI 2015. Todos os direitos reservados. EmEnta Sociedade entre ciência e tecnologia. Avanços tecnológicos. Relações de trabalho. CIÊnCIa, tECnOLOGIa E SOCIEDaDE 1 IntRODUÇÃO Caro acadêmico, para adentrarmos nos assuntos relacionados à Ciência, Tecnologia e Sociedade é necessário entendermos os fundamentos de cada tema, e, somente então, relacionarmos com o todo. Desta forma, convido você a discutir ciência sob diferentes óticas, analisar definições e pensamentos acerca da tecnologia e algumas formas de interpretar a sociedade. A seguir, abordaremos algumas relações sobre ciência e tecnologia, tratando sob o contrato de neutralidade desta parceria; trataremos ainda do processo de análise da evolução da sociedade sob algumas perspectivas; e, assim, analisar a entrada da participação da sociedade nas discussões da, então, falida parceria ciência e tecnologia. Somente então abordaremos a nova formatação da CTS com embasamento nas discussões levantadas pelo trabalho dos pesquisadores Milton Santos e Wiebe Bijker. E para finalizar, algumas considerações acerca de modernidade, pós-modernidade e globalização. 2 CIÊnCIa Entender eventos, situações ou fatos novos é sempre uma tarefa fácil para você? Se fosse designado para a incrível tarefa de defender um determinado episódio, como você procederia? Essas indagações fazem-se necessárias para que ampliemos nossos horizontes sobre o fato de que as pessoas constroem formas próprias para compreender a realidade, seja observando pelo viés cultural, histórico, geográfico, ambiental, enfim. A mitologia, a arte, a religião e até mesmo a ciência são observadas quando o foco é explicar as situações que cercam os seres humanos. Você, com certeza, já deve ter ouvido sobre Isaac Newton! Não se recorda? E sobre Isaac Newton e a história da maçã que caiu sobre sua cabeça, originando assim a teoria da gravidade? Ficou mais fácil, não? Pois bem, é desta forma que a sociedade explica situações do cotidiano: apoiando-se em diferentes pensamentos para defender o que acontece ao seu redor. Quando contrapomos a ciência natural à ciência humana podemos perceber o jogo de conflitos, pois, conforme Omnés (1996), a ciência é capaz de explicar a realidade bastando para 2 Ciência, Tecnologia e Sociedade Tecnologias e seus Impactos sobre a Sociedade Copyright © UNIASSELVI 2015. Todos os direitos reservados. QUADRO 5 - ETAPAS PARA EXPLICAÇÃO DO COTIDIANO ATRAVÉS DA CIÊNCIA FONTE: Adaptado de OMNÉS (1996) Faz-se de suma importância a compreensão sobre ciência e o conhecimento gerado por ela. Porém, não se pode deixar de lembrar que o conhecimento científico avança pelo campo da prática e não só pelo patamar teórico. isso, princípios, regulamentos e normas. De qualquer maneira, tais conflitos são indissociáveis da epistemologia e da política, uma vez que ocorre a tentativa de autoridade de uma ciência sobre a outra. Desta forma, a realidade é comumente explicada pela ciência. A ciência apresenta características que a fazem singular; é cumulativa, ou seja, não se costuma descartar informações ou dados obtidos; é computável, permite o devido registro de tais informações ou dados, e, além disso, é irrevogável. Segundo Abbagnano (2000), além de utilizar sua própria linguagem, é baseada em métodos e fundamentos epistemológicos, o que faz com que seja clara e objetiva. Diversos são os métodos utilizados para explicar o cotidiano através da ciência. Severino (2007, p. 102) nos diz que um método científico pode ser “um conjunto de procedimentos lógicos e de técnicas operacionais que permitem o acesso às relações causais constantes entre os fenômenos”. Já para Omnés (1996, p. 272), é “um conjunto de regras práticas que permitem garantir a qualidade da correspondência entre a representação científica e a realidade”. Nessa mesma perspectiva, Omnés (1996) também propõe que o método deve cumprir ainda algumas etapas que visam diminuir a distância entre a cientificidade do conhecimento e a proposta de explicação do mesmo, que seriam: 3 Ciência, Tecnologia e Sociedade Tecnologias e seus Impactos sobre a Sociedade Copyright © UNIASSELVI 2015. Todos os direitos reservados. 3 tECnOLOGIa O que surge no seu pensamento ao ouvir a palavra tecnologia? Porventura seriam máquinas sofisticadas, ou, quem sabe, computadores de última geração? Exatamente, esses são sinônimos de tecnologia, mas convido você a aprofundar seus conhecimentos ainda mais. Veja, pelo menos, outras três vertentes possíveis para a utilização dessa palavra, segundo Ferreira (2004): 1. Linguagem peculiar a um ramo determinado do conhecimento, teórico ou prático. 2. Conjunto dos processos especiais relativos a uma determinada arte ou indústria. 3. Aplicação dos conhecimentos científicos à produção em geral. Por mais simplificadas que sejam estas três conceituações, elas permitem a análise inicial acerca da discussão sobre tecnologia. Vamos iniciar falando sobre conjunto de processos utilizados em uma determinada área, neste estamos falando de teoria e prática aliadas a fim de atingir um objetivo. Isso nos faz inferir que o conhecimento científico não ocorre somente na academia, mas também no ambiente de trabalho, ou seja, não só há produção de conhecimento científico no ambiente acadêmico, mas nas prestadoras de serviço, as quais testam a teoria promovida pela ciência, agora no campo da prática. NOT A! � Sobre isso há de se destacar uma situação relevante nas questões tecnológicas, no âmbito de país, a capacidade de produção de tecnologia também diferencia os países desenvolvidos dos em desenvolvimento. Você consegue perceber, nessa explanação inicial, a ação do ser humano em tudo o que se refere à tecnologia? Normalmente, quando se fala nesse assunto, logo se pensa em tecnologia de ponta, sondas espaciais, nanotecnologia, enfim; porém, a própria transformação das peles de animais em roupas, dos elementos da natureza em utensílios domésticos, o uso do fogo, entre outros ao longo da história, são exemplos de tecnologia. E, sim, a tecnologia está presente desde muito cedo na vida do ser humano. 4 Ciência, Tecnologia e Sociedade Tecnologias e seus Impactos sobre a Sociedade Copyright © UNIASSELVI 2015. Todos os direitos reservados. FIGURA 12 - A PRIMEIRA RODA FONTE: Disponível em: <http://waz.com.br/ blog/2013/08/26/cinco-tecnologias-que- mudaram-o-mundo/>. Acesso em: 15 maio 2015. Maior complexidade há quando analisamos a tecnologia do ponto de vista técnico, pois incluímos o campo de atuação da atividade humana e aumentamos os dados acerca do que vem a ser tecnologia. Como já exposto, a tecnologia está em todos os meios, seja científico, cultural, social; com isso, ratificamos as colocações de que em todas as ações humanas há técnica e, portanto, a tecnologia está amplamente disseminada, como preconiza Abbagnano (2000).Outrossim, é relacionada às implicações sobre todo esse conhecimento desenvolvido; segundo Claval (2005), o uso, o aproveitamento e os resultados são de acordo com o objetivo para o qual foi desenvolvida e o meio em que está inserida. Pode-se perceber que a técnica está tão enraizada entre a natureza e o ser humano que, para Santos (2006), é quase impossível separá-la, pois o homem já não se vê mais sem o uso de tecnologia, que facilita, medeia e auxilia em muitos processos. Talvez possa surgir aí um fator de preocupação: substituição (em demasia) dos elementos naturais por processos artificiais. Fica a deixa para você pesquisar e analisar o que se apresenta de prós e contras nessas questões. Agora, partimos para a análise do último item sobre tecnologia, este pode ser traduzido como tecnocracia, ou seja, o uso do conhecimento científico nos demais meios, porém, com a divulgação exclusiva a partir do que a ciência e a técnica propõem como resultado. Neste último, tal ação elimina as demais análises feitas a partir da concepção política, ideológica e social, o que, por sua vez, pode causar o determinismo tecnológico. Não se esqueça, tais 5 Ciência, Tecnologia e Sociedade Tecnologias e seus Impactos sobre a Sociedade Copyright © UNIASSELVI 2015. Todos os direitos reservados. ações terão reflexo direto nas questões relacionadas à sobreposição das ciências humanas às ciências da natureza. Pelo que foi apresentado nesta breve explanação, pode-se perceber que as ações são interligadas e que agem como reação em cadeia. Nesse processo, faz-se necessário entender a sociedade como agente integrante e mediador de todos esses processos. 4 SOCIEDaDE Ao entender a importância de discutir a sociedade como parte integrante de todo o processo relacionado à tecnologia, abre-se precedente para muitas indagações. As discussões seriam inúmeras, pois seria necessário abrir alinhamentos no mais amplo sentido a fim de ajustar as arestas para que se forme o conhecimento acerca do assunto. Seja no âmbito político, econômico, social, cultural, ambiental, faz-se necessário apurar o contexto em que ocorrem, a fim de compreender seu impacto. Lembrando que a ciência humana apresenta grande diversidade de pressupostos metodológicos e epistemológicos, e estes serão abordados, através de alguns autores e suas perspectivas, a seguir. QUADRO 7 - PERSPECTIVAS DE TEORIAS E SEUS AUTORES SOBRE SOCIEDADE FONTE: Adaptado de Tello e Mainardes (2012) 6 Ciência, Tecnologia e Sociedade Tecnologias e seus Impactos sobre a Sociedade Copyright © UNIASSELVI 2015. Todos os direitos reservados. Pode-se perceber que cada autor defende uma linha de pensamento, ora específica, ora compartilhada por outro autor, porém, divergentes; no entanto, nas propostas de conceituação sobre sociedade, cada um nas suas perspectivas defende seus pontos de vista. Vejamos, por exemplo, Comte, em cuja teoria fez uso de leis e métodos das ciências naturais, entendendo a sociedade como um grande organismo vivo, interligado e interdependente. O principal conceito defendido por Comte era de que a sociedade evoluía apenas em uma direção, ou seja, sua postura frente às mudanças era conservadora. Com base nesta teoria surgiram outras, nesta mesma linha de pensamento, denominadas como Neopositivismo. Por outro lado, Spengler entendia que a sociedade evoluía em ciclos que se encerravam em grandes períodos, citando como exemplos as sociedades babilônica, egípcia, romana. Marx, por sua vez, defendia a ideia de que a sociedade, como capitalista, começara a dividir as classes sociais e tal divisão proporcionava observar a evolução da sociedade num viés de produtividade e capitalismo. Husserl tinha grande preocupação com a essência dos objetos e não com o materialismo. Desta forma, considerava mais importante a experiência da consciência do que os demais fatores materiais ou ideias. Michel Foucault defendia a ideia de que o saber estava fortemente ligado ao poder, e propunha uma genealogia para analisar a sociedade com a ideia de que o saber estaria presente nas relações humanas e nas instituições disciplinadoras. Assim, diversas são as teorias acerca da evolução da sociedade, que não se encerram e tampouco foram todas apresentadas, mas que permitem dar-nos base para analisar, no contexto da sociedade atual, a implicação da sociedade nas práticas atuais. Acertadamente, podemos inferir que nenhum fator até aqui estudado age sozinho ou de maneira isolada, é no conjunto da obra que a sociedade evolui, a ciência melhora e a tecnologia se adapta. (BAZZO, 2010) 5 SOCIEDaDE EntRE CIÊnCIa E tECnOLOGIa Já vimos a definição de tecnocracia, pela qual a ciência passa a ter razão sobre tudo e todos. Pois bem, esta visão apresenta um modelo de progresso linear, pelo qual o desenvolvimento social é apenas consequência do desenvolvimento proposto pela ciência, que, por sua vez, geraria o desenvolvimento tecnológico e, somente então, chegaria no desenvolvimento social. 7 Ciência, Tecnologia e Sociedade Tecnologias e seus Impactos sobre a Sociedade Copyright © UNIASSELVI 2015. Todos os direitos reservados. FIGURA 13 - O PROGRESSO DO PONTO DE VISTA DA TECNOCRACIA FONTE: Adaptado de Auler e Delizoicov (2006) Quando se trata do modelo linear apresentado, a perspectiva é de que tanto a ciência quanto a tecnologia determinam as ações e melhorias, e a sociedade, por sua vez, somente as recebe sem possibilidade de interação. Nesse modelo, a relação entre o desenvolvimento científico e o social é casual, o que é fortemente criticado; outro fator de desagrado nesse modelo, conforme Bourdieu (1983a) é da neutralidade da ciência. Segundo ele, esse fator é tido como “utopia de interesses”, ou seja, coloca a ciência como melhor explicação da real condição da sociedade. Conforme pudemos observar, a tecnocracia, ou seja, a decisão de manter apenas uma vertente entre ciência, tecnologia e sociedade não é neutra, pois age sobre interesses políticos. O movimento ciência e tecnologia, ainda nos anos 60 e 70, foi duramente criticado por promover, além do já exposto, problemas ambientais, além da aplicação da tecnologia bélica, como, por exemplo, nas guerras mundiais. Foi a partir das décadas de 60 e 70 que o movimento de neutralidade da dupla ciência e tecnologia perdeu força e a sociedade passou a exercer seu papel de analisar criticamente a parceria entre as duas frentes e participar das discussões técnico-científicas propostas pelo, agora, grupo (ANGOTTI; AUTH, 2001 e AULER; BAZZO, 2001). A partir desse movimento, outras frentes foram incorporadas às discussões sobre o que seria conhecimento científico e tecnológico, bem como suas evoluções. Como fora visto, mais precisamente após a II Guerra Mundial, a parceria entre ciência e tecnologia passou por profundas mudanças, principalmente por começar a levar em conta o bem- estar social. O primeiro avanço foi no sentindo de considerar o desenvolvimento tecnológico um dos impulsionadores do progresso. A ciência, de certa maneira, também passou por mudanças, ganhando a cada período maior importância. Passemos, agora, a analisar algumas reações entre a parceria da ciência, da tecnologia e da sociedade, que se deu após essas grandes adequações e modificações. 8 Ciência, Tecnologia e Sociedade Tecnologias e seus Impactos sobre a Sociedade Copyright © UNIASSELVI 2015. Todos os direitos reservados. 6 CIÊnCIa, tECnOLOGIa E SOCIEDaDE (CtS) – IntERPREtaÇÕES SOBRE a nOVa FORmaÇÃO Sob a nova ótica de formação, agora com o criticismo social, ciência e tecnologia passam a ter uma conotação diferente e menos isolada. Para isso, convido-o para analisarmos, juntos, duas interpretações, baseadas nos filósofos Wiebe Bijker e Milton Santos.6.1 CTS SOB NOVAS ÓTICAS Ao debater o tema CTS, procuramos trazer para a conversa a contribuição dos seguintes pesquisadores: Wiebe Bijker e Milton Santos. Wiebe Bijker (1951- ) é um construtivista social que trabalhou visando estabelecer novas bases teóricas e metodológicas entre a CTS. O elo para esta nova parceria seria a sociedade e, no momento em que assume este ponto de vista, começa a trabalhar com o também construtivista social Trevor Pinch. Ambos envolvidos na divulgação de documentos que debatem o relacionamento entre ciência e tecnologia, e destacando a importância da essência social (BENAKOUCHE, 2005). Outro pesquisador que traremos para a discussão é Milton Santos (1926-2001), um geógrafo brasileiro que, por sua vez, tratou das questões relacionadas à CTS sob a ótica da informação. 6.2 CTS SOB A ÓTICA DE MILTON SANTOS Milton Santos traz à luz a discussão do meio ambiente e sua relação com CTS. Aborda questões como o espaço e a sucessão de relacionamento entre o homem e a natureza, bem como, a da organização humana. Desta forma, faz uma interessante análise sobre a divisão do espaço geográfico. Para entender melhor, trazemos um trecho do texto “A natureza do espaço”, que trata sobre as considerações do autor sobre meio natural, meio técnico e meio técnico-científico-informacional. O meio natural Quando tudo era meio natural, o homem escolhia da natureza aquelas suas partes ou aspectos considerados fundamentais ao exercício da vida, valorizando, diferentemente, segundo os lugares e as culturas, essas condições naturais que constituíam a base material da existência do grupo. 9 Ciência, Tecnologia e Sociedade Tecnologias e seus Impactos sobre a Sociedade Copyright © UNIASSELVI 2015. Todos os direitos reservados. Esse meio natural generalizado era utilizado pelo homem sem grandes transformações. As técnicas e o trabalho se casavam com as dádivas da natureza, com a qual se relacionavam sem outra mediação. O que alguns consideram como período pré-técnico exclui uma definição restritiva. As transformações impostas às coisas naturais já eram técnicas, entre as quais a domesticação de plantas e animais aparece como um momento marcante: o homem mudando a Natureza, impondo-lhe leis. A isso também se chama técnica. Nesse período, os sistemas técnicos não tinham existência autônoma. [...]. A harmonia socioespacial assim estabelecida era, desse modo, respeitosa da natureza herdada, no processo de criação de uma nova natureza. Produzindo-a, a sociedade territorial produzia, também, uma série de comportamentos, cuja razão é a preservação e a continuidade do meio de vida. Exemplo disso são, entre outros, o pousio, a rotação de terras, a agricultura itinerante, que constituem, ao mesmo tempo, regras sociais e regras territoriais, tendentes a conciliar o uso e a “conservação” da natureza: para que ela possa ser outra vez utilizada. Esses sistemas técnicos sem objetos técnicos não eram, pois, agressivos, pelo fato de serem indissolúveis em relação à Natureza que, em sua operação, ajudavam a reconstituir. O meio técnico O período técnico vê a emergência do espaço mecanizado. Os objetos que formam o meio não são, apenas, objetos culturais; eles são culturais e técnicos ao mesmo tempo. Quanto ao espaço, o componente material é crescentemente formado do “natural” e do “artificial”. Mas, o número e a qualidade de artefatos variam. As áreas, os espaços, as regiões, os países passam a se distinguir em função da extensão e da densidade da substituição, neles, dos objetos naturais e dos objetos culturais, por objetos técnicos. Os objetos técnicos, maquínicos, juntam à razão natural sua própria razão, uma lógica instrumental que desafia as lógicas naturais, criando, nos lugares atingidos, mistos ou híbridos conflitivos. Os objetos técnicos e o espaço maquinizado são lócus de ações “superiores”, graças à sua superposição triunfante às forças naturais. Tais ações são, também, consideradas superiores pela crença de que ao homem atribuem novos poderes, o maior é a prerrogativa de enfrentar a Natureza, natural ou já socializada, vinda do período anterior, com instrumentos que já não são prolongamento do seu corpo, mas que representam prolongamentos do território, verdadeiras próteses. Utilizando novos materiais e transgredindo a distância, o homem começa a fabricar um tempo novo, no trabalho, no intercâmbio, no lar. Os tempos sociais tendem a se superpor e contrapor aos tempos naturais. [...]. O meio técnico-científico-informacional O terceiro período começa praticamente após a Segunda Guerra Mundial, e sua firmação, incluindo os países de terceiro mundo, vai realmente dar-se nos anos 70. É a fase 10 Ciência, Tecnologia e Sociedade Tecnologias e seus Impactos sobre a Sociedade Copyright © UNIASSELVI 2015. Todos os direitos reservados. a que R. Richta (1968) chamou de período técnico-científico, e que se distingue dos anteriores pelo fato da profunda interação da ciência e da técnica, a tal ponto que certos autores preferem falar de tecnociência para realçar a inseparabilidade atual dos dois conceitos e das duas práticas. Essa união entre técnica e ciência vai dar-se sob a égide do mercado. E o mercado, graças exatamente à ciência e à técnica, torna-se um mercado global. A ideia de ciência, a ideia de tecnologia e a ideia de mercado global devem ser encaradas conjuntamente, e desse modo podem oferecer uma nova interpretação à questão ecológica, já que as mudanças que ocorrem na natureza também se subordinam a essa lógica. Neste período, os objetos técnicos tendem a ser ao mesmo tempo técnicos e informacionais, já que, graças à extrema intencionalidade de sua produção e de sua localização, eles já surgem como informação; e, na verdade, a energia principal de seu funcionamento é também a informação. Já hoje, quando nos referimos às manifestações geográficas decorrentes dos novos progressos, não é mais de meio técnico que se trata. Estamos diante da produção de algo novo, a que estamos chamando de meio técnico-científico-informacional. Da mesma forma como participam da criação de novos processos vitais e da produção de novas espécies (animais e vegetais), a ciência e a tecnologia, junto com a informação, estão na própria base da produção, da utilização e do funcionamento do espaço e tendem a constituir o seu substrato. [...]. Podemos então falar de uma cientificização e de uma tecnicização da paisagem. Por outro lado, a informação não apenas está presente nas coisas, nos objetos técnicos, que formam o espaço, como ela é necessária à ação realizada sobre essas coisas. A informação é o vetor fundamental do processo social e os territórios são, desse modo, equipados para facilitar a sua circulação. [...]. Os espaços assim requalificados atendem, sobretudo, aos interesses dos atores hegemônicos da economia, da cultura e da política e são incorporados plenamente às novas correntes mundiais. O meio técnico-científico-informacional é a cara geográfica da globalização. FONTE: Santos (2006, p. 157-161) Após esta leitura, você conseguiu identificar os aspectos importantes da relação entre CTS que Milton Santos aborda? Como você pôde ver, essa questão é analisada na perspectiva de que as relações foram sendo estabelecidas ao longo do tempo e de maneira dialética. O autor destaca questões que merecem ser reanalisadas, como: a necessidade de determinar as características do mundo atual (como modernidade, pós-modernidade e globalização), assim como a história das relações entre CTS. Outro ponto que merece ser revisitado são as relações entre CTS em uma lógica de mercado, ou seja, buscar reflexões sobre o sistema 11 Ciência, Tecnologia e Sociedade Tecnologias e seus Impactos sobre a SociedadeCopyright © UNIASSELVI 2015. Todos os direitos reservados. Sustentando que os vários elementos envolvidos no processo de inovação tecnológica constituem uma teia contínua (“seamless web”), Bijker pretende dar conta dessa realidade através da elaboração de uma teoria que: a) explique tanto a mudança quanto a estabilidade das técnicas; b) seja simétrica, ou seja, possa ser aplicada tanto às técnicas que dão certo como às que falham; c) considere tanto as estratégias inovadoras dos atores como o caráter limitador das estruturas; e, finalmente d) evite distinções a priori entre o social, o técnico, o político ou o econômico. Diante de tal agenda, propõe o uso de alguns conceitos básicos e operacionais, postos inclusive à prova nos vários estudos de caso que realizou, dentre os quais se destacam os de grupos sociais relevantes, estrutura tecnológica (“technological frame”), flexibilidade interpretativa (“interpretative flexibility”) e estabilização ou fechamento (“closure”). Os “grupos sociais relevantes” são aqueles mais diretamente relacionados ao planejamento, desenvolvimento e difusão de um artefato dado; na verdade, seria na interação entre os diferentes membros desses grupos que os artefatos são constituídos. Nesse processo, os atores não agem aleatoriamente, mas segundo padrões específicos, isto é, agem a partir das “estruturas tecnológicas” às quais estão ligados; esta noção – central, neste quadro analítico- descritivo – é ampla o suficiente para incluir teorias, conceitos, estratégias, objetivos ou práticas utilizados na resolução de problemas ou mesmo nas decisões sobre usos, pois não se aplica apenas a grupos profissionais especializados, mas a diferentes tipos de grupos sociais. Segundo Bijker, existiriam diferentes graus de inclusão nessas estruturas, isto é, de envolvimento. Na medida em que os grupos atribuem diferentes significados a um mesmo artefato, sua construção supõe um exercício de negociações entre esses mesmos grupos, onde o uso da retórica é um recurso poderoso, ou seja, é objeto de uma “flexibilidade interpretativa”. Quando esta atividade de ajustes se estabiliza e um significado é fixado ou aceito, diz-se que o artefato atingiu o estágio de “fechamento”. É justamente a prática da flexibilidade interpretativa que retira dos artefatos sua obturacidade; é ela que explica porque os mesmos não têm uma identidade ou produtivo como um todo. 6.3 CTS SOB A ÓTICA DE WIEBE BIJKER Um dos principais incentivadores do movimento construtivista social foi Wiebe Bijker. Para entendermos melhor suas ideias e ideais, gostaria de compartilhar um pequeno trecho do artigo “Tecnologia é Sociedade: contra a noção de impacto tecnológico”, de Benakouche (1999), que aborda os principais vieses deste pesquisador. 12 Ciência, Tecnologia e Sociedade Tecnologias e seus Impactos sobre a Sociedade Copyright © UNIASSELVI 2015. Todos os direitos reservados. FONTE: Benakouche (1999, p. 11-13) propriedades intrínsecas, as quais seriam responsáveis por seu sucesso ou o seu fracasso, seus “impactos” positivos ou negativos. Em outras palavras, o não reconhecimento da importância desse processo é que leva à crença equivocada do determinismo da técnica. Assim é que tudo, numa tecnologia dada, do seu planejamento a seu uso, estaria sujeito a variáveis sociais, e portanto, estaria aberto à análise sociológica. No entanto, pode-se perguntar: ao se adotar essa perspectiva não se corre o risco de se cair num reducionismo social? Não, respondem os pesquisadores identificados com a mesma. O reconhecimento da existência de estruturas tecnológicas evitaria esse risco: na medida em que as mesmas influenciam a ação dos diferentes grupos sociais relevantes, essas estruturas seriam justamente as pontes que ligam tecnologia e sociedade, levando à constituição de conjuntos sociotécnicos (BIJKER, 1995). Após esta leitura, você pode traçar os principais pontos elencados pelo autor? Se você citou a questão da importância de debater as ações do trio CTS em conjunto, com o enfoque nas ações sociais, você fez uma excelente leitura. Wiebe Bijker foi um dos grandes defensores da participação da sociedade nas discussões relacionadas à ciência, e como consequência, demonstra em todos os seus discursos o repúdio à parceria entre sociedade e tecnologia. A partir das colocações proporcionadas pelos dois autores é possível elencar pontos que merecem ser revistos, como, por exemplo, a forma com que as comunicações de massa são disponibilizadas e utilizadas pela sociedade, assim como a importância da tecnologia no cotidiano e a dependência tecnológica. 7 CaRaCtERIZanDO O mUnDO atUaL Ao caracterizar o mundo atual, faz-se necessário observar três vertentes singulares: modernidade, pós-modernidade e globalização. É importante analisar esses três pontos para que se possa avançar nos estudos sobre CTS. Vamos lá? 13 Ciência, Tecnologia e Sociedade Tecnologias e seus Impactos sobre a Sociedade Copyright © UNIASSELVI 2015. Todos os direitos reservados. QUADRO 8 - PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DOS CONCEITOS DE MODERNIDADE, PÓS- MODERNIDADE E GLOBALIZAÇÃO FONTE: Adaptado de David Harvey (2003) O que vem a ser a modernidade? Para muitos, o conceito de modernidade refere-se a ideias bastante controversas, compreendendo desde pequenas práticas a formas de perceber, conceber e viver o mundo. Para melhor situá-lo, relembramos três grandes eventos: Revolução Industrial, Revolução Francesa e Revolução Científica. A pós-modernidade ainda é complexa e a ideia não é amplamente aceita por todos os cientistas e pensadores. As dúvidas e diferenças surgiram em torno de 1970 e 1990, mas ainda assim pode-se verificar duas linhas de discursos, quando o termo é pós-modernidade: a da continuidade e a do rompimento. Agora, quando o assunto é globalização, o termo é mais conhecido, tendo em vista que é assunto atual e amplamente divulgado e trabalhado na mídia. Como todo conceito, este também apresenta seus prós e contras, pois está fortemente ligado à maneira como foi apreendida pela sociedade. O marco inicial da globalização é fracamente indicado, como no período da Revolução Tecnocientífica, porém, viu-se nesse uma importante ferramenta de longo alcance, com ligações para diferentes partes do mundo. A globalização está amparada, principalmente, nos avanços tecnológicos, assim como nas relações sociais e econômicas, no mercado da conectividade e da virtualidade. A compressão da globalização, conhecida como compressão tempo-espaço, é abordada como sendo a responsável por alterar a forma de comunicação entre as pessoas, como a telefonia móvel. (HARVEY, 2003). Porém, como tudo tem seu outro lado, assim também é na globalização, 14 Ciência, Tecnologia e Sociedade Tecnologias e seus Impactos sobre a Sociedade Copyright © UNIASSELVI 2015. Todos os direitos reservados. podendo proporcionar tanto a inclusão como a desigualdade social. Uma importante observação precisa ser feita sobre esse ponto: deve-se cuidar para que os avanços tecnológicos não venham a causar o determinismo tecnológico, o que ocasionaria o mesmo pensamento de que a ciência e a tecnologia são neutras. Nesse momento, o que se deve buscar é usar a tecnologia como ferramenta e não como base. 15 Ciência, Tecnologia e Sociedade Tecnologias e seus Impactos sobre a Sociedade Copyright © UNIASSELVI 2015. Todos os direitos reservados. REFERÊnCIaS BIBLIOGRáFICaS ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2000. ANGOTTI, José André Peres; AUTH, Milton Antonio. Ciência e Tecnologia: implicações sociais e o papel da educação. Ciência e Educação, v. 7, n. 1, p. 15-27, 2001. AULER Décio; DELIZOICOV, Demétrio. Educação CtS: articulação entre pressupostosdo educador Paulo Freire e referenciais ligados ao movimento CTS. Las relaciones CTS en la educación científica, 2006. BAZZO, Walter Antonio. 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