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Núcleo de Educação a Distância
UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS
ASPECTOS DA HISTÓRIA DA ÁFRICA E DOS POVOS-AMERICANOS E AMERÍNDIOS
SEMESTRE 6
Créditos e Copyright	
RIBEIRO, Fábia Barbosa.
Aspectos da História da África e dos Povos Afro-Americanos e Ameríndios. Revisado por Mauro Sérgio dos Santos Silveira. Santos: Núcleo de Educação a Distância da UNIMES, 2015. 122 p. (Material didático. Curso de História).
 
Modo de acesso: www.unimes.br
Ensino a distância. 2. História. 3. História da África. 4. Povos Afro-Americanos. 5. Ameríndios
CDD 960
	
UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS
FACULDADE DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS
PLANO DE ENSINO
CURSO: Licenciatura em História
COMPONENTE CURRICULAR: Aspectos da História da África e dos Povos Afro-Americanos e Ameríndios
SEMESTRE: 3º / 6º
CARGA HORÁRIA TOTAL: 80 horas
   
EMENTA
Estudo da importância e da contribuição dos povos africanos e indígenas para a formação cultural, social e histórica de nosso país. Reflexão sobre noções de Raça e Etnia e suas implicações no Ambiente Escolar. Caracterização da África como um continente de grande diversidade. África, antes da modernidade europeia. Análise da presença do mágico-religioso nas culturas do continente. Estudo da escravidão na África. Inserção africana no Mundo Atlântico: escravismo e relações triangulares. Africanos na sociedade brasileira: cotidiano, resistência, abolição. O negro na sociedade brasileira. A questão indígena na sala de aula. Caracterização das sociedades e culturas indígenas. Discussão do etnocídio e da questão fundiária. Análise das heranças afro-ameríndias: contribuição, exclusão, estratégias de superação. Debate sobre as políticas afirmativas na sociedade brasileira atual.
  
OBJETIVO GERAL
Conhecer aspectos históricos do continente africano e produções culturais do negro, na África e no Brasil, entendidas como matriz da sociedade e identidades brasileiras; promover a reversão de estereótipos negativos em relação ao negro, possibilitando a construção de uma imagem positiva, bem como reconhecer a diversidade cultural africana; Respeitar as diferenças, construindo conceitos de igualdade.
  
OBJETIVOS ESPECÍFICOS  
UNIDADE I – As questões de raça e etnia e o ambiente escolar
Objetivos:
Reconhecer a importância do estudo da História da África; Desmistificar a figura de povos, como negros e indígenas, retratados de forma estereotipada nos livros didáticos e materiais afins;
 
UNIDADE II – África: um continente desconhecido
Objetivos:
Reconhecer o continente africano como “berço” das civilizações, destacando aspectos de sua diversidade étnico-cultural. Analisar as primeiras relações entre os povos africanos e os europeus, caracterizando as principais transformações processadas a partir dessas relações;
 
UNIDADE III – A África e o mundo atlântico.
Objetivos:
Caracterizar a chegada dos primeiros negros de origem africana no Brasil;
  
UNIDADE IV – África – Brasil.
Objetivos:
Destacar a inserção do negro africano na sociedade brasileira, destacando suas principais contribuições para a formação do povo brasileiro;
  
UNIDADE V – A questão indígena em sala de aula.
Objetivos:
Caracterizar a cultura indígena, analisando e discutindo a presença dos índios e de temas relacionados às culturas indígenas brasileiras no currículo da escola básica. 
  
UNIDADE VI – Heranças Afro-Ameríndias: Ser negro e índio no Brasil hoje
Objetivos:
Identificar as principais heranças deixadas pelo indígena em solo brasileiro, refletindo, sobretudo a partir da questão fundiária e de exclusão social dos respectivos povos na sociedade brasileira.
  
BIBLIOGRAFIA BÁSICA
GIORDANI, Mario Curtis. História da África anterior aos descobrimentos. 4. ed.  Petrópolis/RJ: Vozes, 2006. 
RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.
UNESCO. História Geral da África. UNESCO/ Ministério da Educação./Universidade Federal de São Carlos. 8 volumes, 2010.
Disponível em: <http://www.unesco.org/new/pt/brasilia/about-this-office/single-view/news/general_history_of_africa_collection_in_portuguese-1/>.  Acesso em: 13 mai. 2012.
  
BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR
ALENCASTRO, Luiz Felipe de. O trato dos viventes. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.
BRUNSCHWIG, Henri.  A partilha da África Negra. São Paulo: Perspectiva, 2000.
MUNANGA, Kabengele. Rediscutindo a mestiçagem no Brasil: identidade nacional versus identidade negra. Petrópolis: Vozes, 1999.
SILVA, Aracy Lopes da; FERREIRA, Mariana K. L. Antropologia, História e Educação. A questão indígena na escola. São Paulo: Global Editora,
SOUZA, Marina de Mello e.  África e Brasil africano. São Paulo: Ática, 2006.
  
METODOLOGIA
As aulas serão desenvolvidas por meio de recursos como: videoaulas, fóruns, atividades individuais, atividades em grupo. O desenvolvimento do conteúdo programático se dará por leitura de textos, indicação e exploração de sites, atividades individuais, colaborativas e reflexivas entre os alunos e os professores.
 AVALIAÇÃO
A avaliação dos alunos é contínua, considerando-se o conteúdo desenvolvido e apoiado nos trabalhos e exercícios práticos propostos ao longo do curso, como forma de reflexão e aquisição de conhecimento dos conceitos trabalhados na parte teórica e prática e habilidades. Prevê ainda a realização de atividades em momentos específicos como fóruns, chats, tarefas, avaliações à distância e Presencial, de acordo com a Portaria da Reitoria UNIMES 04/2014.
	
Aula 01_Porque (só agora) estudar a África?
  
Você já ouviu falar em Djibuti, Eritréia, Suazilândia, Burkina Fasso? Muito provavelmente não, certo? Mas, com certeza, sabe o que é capoeira, berimbau, cafuné, cochilo, moleque, minhoca, tanga, fuxico, marimbondo, carimbo, caçula.... Não é mesmo? Todas essas palavras e lugares têm uma coisa em comum.... A África! 
Djibuti, Eritréia, Suazilândia e Burkina Fasso são países do continente africano e essas poucas palavras que você leu e conhece muito bem, são frutos da herança deixada pelos muitos africanos que vieram para o Brasil entre os séculos XVI e XIX e que ajudaram a formar a cultura e a identidade de nosso povo. 
“Somos um país negro”. Tal afirmação é sustentada por dados estatísticos do IBGE de 2002, que apontam um percentual de 45% de brasileiros afrodescendentes. É a segunda maior população negra do mundo, perdendo somente para a Nigéria. Nesses dados estão computados aqueles classificados como “pardos”, porém a contribuição dos africanos para a formação cultural e social de nosso país é inegável e está em toda parte: na nossa culinária, na música, no vocabulário e em diversos hábitos e costumes trazidos por esses homens e mulheres negros que atravessaram o Atlântico, forçados pela escravidão. 
Apesar do fardo pesado do cativeiro, esses homens e mulheres souberam romper barreiras e impor culturas e modos de vida que acabaram por ser incorporados pelas sociedades locais.
Leia o texto abaixo com atenção: 
 
Nas décadas de 1960 e 1970, o descobrimento e a análise de restos fósseis dos hominídeos (espécies que antecedem os seres humanos modernos), de seus ambientes e dos objetos por eles criados, permitiram construir uma ideia mais precisa de evolução e do avanço técnico desde há cinco milhões de anos. 
Verifica-se assim, - passando por ancestrais pertencentes a várias espécies do gênero Astralopithecus e às espécies primitivas do gênero Homo (desde o Homo habilis até o neandertal e seus pares) – que o caminho evolutivo conduz o Homo sapiens ao homem moderno. Hoje é consenso que esse processo evolutivo teve seu começo na África. Há quase dois milhões de anos, o Homo erectus, hominídeo autor de importantes avanços na manufatura de implementos como o machado, saiu da África em ondas migratórias rumo à Ásia e à Europa, assim iniciando o povoamento do mundo 1. 
 
A partir dessas informações podemos começar a perguntar: mas se o continente está tão presente nasorigens da humanidade e tem uma importância tão grande na formação de nosso país, por que não estudamos a sua história? 
A resposta está na nossa cultura colonizada a partir dos moldes europeus que faz com que em nossos banco escolares decoremos todas as fases da Revolução Francesa e que saibamos tudo sobre a Idade Média e a história da formação do continente europeu. E o Brasil? Claro, ele só existe a partir do descobrimento! E o que dizer dos povos que já habitavam essas terras? Estamos cercados por uma educação que privilegia uma visão eurocêntrica da história. É claro que os europeus, no nosso caso, os portugueses, trouxeram também contribuições importantes para a formação do nosso país, porém os povos índios e africanos se encontram sempre em segundo plano no nosso processo de ensino e aprendizagem. E então como faremos para mudar esse curso? 
A resposta para esse grave problema, que faz com que nos afastemos cada vez mais das nossas raízes culturais, valorizando sempre “o que vem de fora”, a cultura do “outro”, está numa recente lei que foi sancionada pelo governo federal em 9 de janeiro de 2003. Segundo a lei 10.639: 
 
Art. 26 A. Nos estabelecimento de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira.
Parágrafo 1º - O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil. 
Parágrafo 2º - Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística e de Literatura e História Brasileiras. 
 
Art. 79-B. O calendário escolar incluirá o dia 20 de novembro como ‘Dia Nacional da Consciência Negra’. 
A partir da instituição dessa nova lei, fica o desafio de capacitar os professores para que possam conhecer e multiplicar a cultura afro-brasileira, para que dessa forma possamos compreender um pouco mais esse nosso país tão regional e tão múltiplo!
  
  
Até a próxima!
 
 
 ____
1 NASCIMENTO. Elisa Larkin. “Introdução à História da África”. In: Educação Africanidades Brasil. Brasília: CEAD/UNB, 2005.
Aula 02_O negro nos livros didáticos
   
Na aula anterior mencionamos a lei que institui a obrigatoriedade do ensino de História e Cultura Afro-Brasileira no ensino básico. Gostaria de propor uma reflexão: você seria capaz de se lembrar como estava representado o negro nos livros em que você estudou? Onde ele aparece? Em que momentos? 
Ele seria representado com o heroísmo de um Tiradentes? Ele estaria ligado a “grandes momentos” da história de nosso país, como a independência ou a república? E nas imagens desses livros, como ele aparece? Você pode vê-los nas ruas? Nas casas? 
Se pararmos para pensar muito bem, vamos recordar que podemos observar a presença dos negros nos livros didáticos em alguns momentos: geralmente na parte em que se retrata a história do trabalho no Brasil, quando se menciona a utilização dos africanos no trabalho escravo, nas referências às campanhas abolicionistas e em alguns aspectos estereotipados de sua herança cultural como o samba e a capoeira. 
E o que dizer dos livros utilizados nos primeiros anos do ensino fundamental? Estão recheados de imagens da família, do bairro, da sociedade, da escola, dos espaços urbanos e rurais, porém, sem a imagem de negros e índios. Desse modo, quando uma criança negra ou índia frequenta uma escola e manuseia o seu livro didático, não se reconhece nas figuras que estão ali para representar a sociedade em que ela vive. 
Mauro William Barbosa de Almeida elaborou uma pesquisa sobre o racismo nos livros didáticos brasileiros e, embora essa pesquisa tenha pelo menos vinte anos, podemos perceber que pouca coisa mudou. Segundo ele:
 
Onde aparecem os brancos? Nas situações de família em primeiro lugar. Todas as imagens de um grupo familiar mostram personagens brancos. A amostra que selecionamos repete- se exaustivamente: a de um papai, uma mamãe e filhinhos brancos, sorridentes, habitando uma casa bem mobiliada, com sofá, televisão, biblioteca e demais utensílios. O pai trabalha em escritório; a mãe trabalha em casa, onde ajudada pela filha – que assim exercita-se nas lides domésticas -, enquanto os meninos jogam bola 1. 
 
O negro aparece em situações isoladas: uma ou outra criança negra caminhando na rua ou brincando na escola. Dificilmente o negro estará no papel de professor ou de autoridades civis. A educação escolar exerce papel fundamental na formação da imagem que uma sociedade faz de si mesma, de sua história e de sua diversidade, e os livros didáticos estão longe de representar a diversidade do território brasileiro.  
 
Desafio de observação e aprofundamento: Vá a uma livraria assim que for possível e observe os títulos de literatura dedicados às crianças. Quantos deles trazem personagens negros? Em quantos a personagem principal é negra? Registre os títulos e autores, se for possível. Traga essas reflexões com você para a nossa próxima aula!
 
 
 
_____
1 ALMEIDA, Mauro William Barbosa de. “O racismo nos livros didáticos”. In: SILVA, Aracy Lopes da. A questão indígena na sala de aula. São Paulo: Brasiliense, 1987 
Aula 03_“Todo dia era dia de índio”?
  
Agora que refletimos um pouco sobre a forma como o negro aparece nos livros didáticos, que tal agora focar nossa atenção no índio? 
Responda rápido: quando estudante você já pintou um índio com arco e flecha no dia 19 de abril? Qual a imagem que lhe vem à mente quando falamos em índio? Geralmente associamos o índio à natureza, à Amazônia e a uma vida livre, não é mesmo? Veja então um trecho da música “Baila Comigo” composta por Rita Lee: 
 
“Se Deus quiser, um dia eu quero ser índio 
Viver pelado, pintado de verde num eterno domingo
Ser um bicho preguiça e espantar turista
E tomar banho de sol, banho de sol, banho de sol, sol”
 
Será que a vida do índio é assim mesmo tão fácil, tão livre e aparentemente descompromissada? Da mesma forma que a letra da música nos transmite essa ideia de uma vida boa, os livros didáticos têm hora e lugar para contar a história do índio: o momento da chegada dos portugueses ao Brasil; o contato com o homem branco, o trabalho escravo, a cristianização, o bandeirantismo (muitas vezes caracterizado como heroísmo, apesar das suas atividades de aprisionamento de índios para a escravidão), a substituição da mão de obra indígena pela africana. E, depois disso, o índio desaparece de cena, como se tivesse deixado de existir... 
Dificilmente encontramos material didático que traga informações sobre a situação dos índios atualmente. E, na grande maioria das vezes, o indígena será tratado pela mesma história que enfatiza a cultura ocidental e silencia as outras culturas. Chamamos essa história de etnocêntrica e nossos manuais de história estão carregados de etnocentrismo. O que seria esse etnocentrismo senão:
 
A maneira pela qual um grupo, identificado por sua particularidade cultural, constrói uma imagem do universo que favorece a si mesmo. Compõe-se de uma valorização positiva do próprio grupo, e uma referência aos grupos exteriores marcada pela aplicação de normas do seu próprio grupo, ignorando, portanto, a possibilidade do outro ser diferente. Mas não é só o fato de preferir a própria cultura que constitui o que se convencionou chamar de etnocentrismo, e sim o preconceito acrítico em favor do próprio grupo e uma visão distorcida e preconceituosa em relação aos demais. (...) é um fenômeno sutil, que se manifesta através de omissões, seleção de acontecimentos importantes etc  1. 
 
Os livros didáticos, em sua maioria, reproduzem o etnocentrismo do homem branco que avaliou os povos que aqui se encontravam de acordo com sua ótica, com seus valores próprios.Dessa forma, apresentam o índio como algo exótico e diferente, ressaltando que os jesuítas que vieram para o Brasil tinham a tarefa de ensinar o catolicismo. Os aldeamentos indígenas criados por esses religiosos são apresentados como lugares organizados, onde se cultivava o solo e se rezavam missas e, também, como lugares que contribuíram para a expansão do território brasileiro, tida como necessária e benéfica. Dessa forma, o litoral brasileiro pouco a pouco foi perdendo a sua população nativa, os missionários cercearam a religiosidade indígena atacando a figura dos pajés, personagens centrais dessas comunidades. 
Tais manuais, não levam em consideração o caráter violento do processo de aldeamento, muitos dos quais não deram certo devido à fuga maciça de índios. As missões jesuítas nada mais foram do que uma forma eficaz de cercear a liberdade do índio e de enquadrá-lo, impondo um modo de vida baseado na organização social ocidental e no trabalho escravo. Os livros didáticos reproduzem e reforçam o espanto estrangeiro diante da nudez, dos modos “diferentes” do indígena. Não há reflexão sobre o que era próprio da cultura indígena, mas relatos sobre o que eles “aprenderam” com os brancos. 
Ao contrário, acabam por reforçar os estereótipos da diferença entre as raças, quando mencionam a presença de índios e negros no Brasil somente quando abordam o “descobrimento”, a expansão do território e a questão do trabalho escravo no período colonial. Como trazer essa discussão para o espaço escolar? Esse será o tema de nossa próxima aula.
  
Para pensarmos um pouco mais
Observe as pessoas da sua comunidade, do seu bairro, sua igreja, sua faculdade...
  
Quais as suas características físicas?
Você acha que os livros didáticos representam a nossa diversidade cultural?
Você conhece a situação dos povos indígenas em nossa atualidade?
 
 
 
____
1 TELLES, Norma. “A imagem do índio no livro didático: equivocada, enganadora”. In: SILVA, Aracy Lopes da. A questão indígena na sala de aula. São Paulo: Brasiliense, 1987, p. 75.
Aula 04_A escola e as relações de raça e etnia
  
Nas aulas anteriores, avaliamos brevemente o espaço destinado aos negros e índios nos livros didáticos. Nesta aula gostaria que você refletisse sobre o espaço em que esses livros são utilizados: a própria sala de aula.
A diversidade racial de nosso país é algo inegável, está nos rostos das pessoas nas ruas e também na escola. Porém no espaço escolar as diferenças raciais se transformam, muitas vezes, em problemas para as crianças. Confrontada com uma sociedade que exclui o diferente, a criança indígena e a criança negra sofrem o preconceito mais doloroso e difícil de combater, o racismo mascarado. Temos, em nosso país, um preconceito mascarado contra aqueles que possuem a pele mais escura. 
A realidade da condição social de negros e índios no Brasil é evidente e denuncia a existência do racismo. Constantemente somos confrontados com situações em que os alunos negros são motivos de piadas do tipo: “macaco, cabelo pixaim, bola sete”. A televisão ajuda a mostrar um país branco, diferente daquele em que vivemos, prejudicando a percepção de nossa diversidade. Assim como não se reconhecem em nenhum espaço, os negros acabam por alienar-se de sua condição e renegar a sua afrodescendência. 
A escola, dessa forma, acaba por se tornar uma extensão dos acontecimentos da sociedade que a cerca, e o pior é que essas questões acabam não sendo debatidas em sala de aula, pois acabam causando constrangimento para os afrodescendentes: 
 
Geralmente os estudantes afrodescendentes não gostam de falar sobre o escravismo criminoso em sala de aula. Ficam envergonhados e acanhados, trata- se um assunto indigesto. As razões desta aversão são muito simples: o assunto é sempre tratado de forma inadequada e preenchido de preconceitos e racismo que inferiorizam a população negra (...) as informações sobre o continente de origem dos escravizados quase que inexistem (...) dada à pobreza de informação e aos erros de enfoque dessas apresentações, não é de se estranhar que os estudantes passem a detestar as aulas de história que falam de escravidão. Não adianta dizer que devemos tudo ao negro, se este tudo não é exemplificado e esclarecido em detalhes. Além do mais, devido ao racismo, os alunos negros são motivos de chacotas e insultos racistas pelos colegas. As piadinhas e chacotas com os negros não são simples brincadeiras. Elas são responsáveis pela desqualificação o social da população negra. Com estas piadas se aprende a desfazer da imagem do negro 1. 
 
É preciso, então, que os professores estejam preparados para lidar com a questão da presença de negros e índios em sala de aula. Sabemos muito pouco sobre a presença dessas duas culturas na formação de nosso país, mantemos a mesma visão que nos foi passada em nossa vida escolar: 
 
Negros= escravos 
Índios = selvagens. 
 
Em nossos livros didáticos, os negros e os índios aparecem somente em situações estereotipadas, o primeiro sempre com o dorso nu, sempre relacionado ao sofrimento e à condição do cativeiro; o índio, com arco e flecha na mão, é o selvagem que foi civilizado pelo jesuíta. No caso dos índios, como já mencionamos, fazendo com que se acredite que houve, desde o princípio, um contato amistoso, uma convivência pacífica, quando na verdade, em muitos casos este (des)encontro foi marcado pela violência extrema.
É preciso então que se mude o enfoque no estudo desses dois grupos— negros e índios — em nossas salas de aula. É um desafio grande e árduo, pois reproduzimos a educação que recebemos. É necessário, além disso, contar com material didático compatível com as discussões dessa realidade e abrir espaço no ambiente acadêmico para a grande mudança que vem sendo a introdução da disciplina de História da África nos cursos de graduação em História, que tem a intenção de nos preparar para uma abordagem diferenciada dessa temática. 
Somente conhecendo um pouco mais sobre a História dos povos africanos e dos povos que já habitavam o nosso país,  poderemos criar um ambiente de valorização de nossa cultura, híbrida e riquíssima e que acaba sendo “mal contada”, por um ensino que não dá condições aos alunos de perceberem que esses povos não são exatamente como os livros didáticos apresentam: pobres selvagens que foram escravizados pela necessidade de mão de obra.  
Ao contrário, os negros e os índios, principalmente, lutaram bravamente contra a escravidão, e nos deixaram um legado cultural inestimável. A imagem de que eram povos atrasados que entraram em contato com uma cultura “civilizada” e “superior”, precisa ser revista urgentemente em nossas salas de aula, pois afinal que tipo de povo civilizado pode massacrar e dizimar mais de 5 milhões de pessoas como fizeram espanhóis e portugueses na América?
 
 
Para nossa reflexão 
O que você pensa sobre o preconceito racial no ambiente escolar? 
Como lidar com o preconceito quando ele aparece? 
Qual é o papel do professor de História nessa questão? 
 
 
 _____
1 CUNHA JR. Henrique. “Falando do escravismo criminoso em sala de aula”. Revista Espaço Acadêmico, nº. 69 – Fevereiro/2007. (www.espacoacademico.com.br/ acesso em 03/02/2007). 
Resumo_Unidade I
   
Nesta unidade, a intenção foi iniciar uma discussão sobre a  questão de negros e indígenas em nossa sociedade. Falamos sobre a lei 10.639,  que instituiu a obrigatoriedade do ensino de História e Cultura Afro-Brasileira nos currículos do ensino fundamental e médio, nas escolas públicas e particulares e sobre a importância de avaliarmos de que forma são abordados esses temas nos livros didáticos. 
Podemos observar que os livros didáticos ainda apresentam uma forma de mostrar a nossa história fartamente imbuída de um caráter etnocêntrico, ou seja, mostram a história dos povos negros e índios com um olhar rápido e que os coloca como personagens de momentos específicos: o descobrimento e a escravidão, estando ausentes do restante do processo de formação do nosso país. Arealidade atual de negros e índios não está presente em nossas salas de aula, porém a cara do Brasil está e é necessário que tragamos à tona a sua história, que continua relegada a um segundo plano. 
Também pudemos compreender que os livros didáticos são uma fonte e aprendizado para crianças e adolescentes e que o professor de História desempenha um papel fundamental na forma como os conteúdos dessas obras são trabalhados. É preciso que conheçamos a história da África e dos povos indígenas para que mudemos o enfoque e o espaço dado a essas populações na História do Brasil!
   
Referências Bibliográficas
OLIVEIRA, Marco Antonio de. O negro no ensino de história. Temas e representações. 1978-1998. São Paulo: Dissertação de mestrado. Faculdade de Educação da USP, 2000. 
CUNHA JR. Henrique. “Falando do escravismo criminoso em sala de aula”. Revista Espaço Acadêmico, nº. 69 – Fevereiro/2007. (www.espacoacademico.com.br/ acesso em 03/02/2007). 
SILVA, Aracy Lopes da. (org.). A questão indígena na sala de aula: subsídios para professores de 1º e 2º graus. São Paulo: Brasiliense, 1987. 
ALMEIDA, Mauro William Barbosa de. “O racismo nos livros didáticos”. In: SILVA, Aracy Lopes da. A questão indígena na sala de aula: subsídios para professores de 1º e 2º graus. São Paulo: Brasiliense, 1987. 
TELLES, Norma. “A imagem do índio no livro didático: equivocada, enganadora”. In: SILVA, Aracy Lopes da. A questão indígena na sala de aula. subsídios para professores de 1º e 2º graus São Paulo: Brasiliense, 1987. 
REIS, Elisa, ALMEIDA, Maria Hermínia e FRY, Peter. (orgs.). Política e cultura. Visões do passado e perspectivas contemporâneas. São Paulo: Hucitec, 1996. 
Aula 05_O que sabemos sobre a África? Aspectos Gerais do Grande Continente
  
Antes de iniciarmos nossos estudos sobre o continente africano, faça um pequeno exercício de reflexão e responda à seguinte pergunta: O que você sabe sobre a África? 
Quando você pensa na África o que lhe vem à mente? 
Aids? Fome? Safáris exóticos? Gazelas perseguidas por leões ferozes? 
Quais são os seus conhecimentos sobre esse continente? (Quando você era estudante quando e como os seus mestres lhe apresentaram a história dos povos africanos? 
Se você pensar bem perceberá que pouco se sabe sobre a África, além daquilo que costumamos ver na televisão ou em filmes recentes do cinema. 
Você sabia, por exemplo, que os primeiros habitantes do nosso planeta são originários da África? 
Então já que refletimos um pouco sobre a importância do estudo de História da África e da sua aplicação no ensino fundamental nas escolas, que tal você entrar nesse mundo desconhecido? 
O continente africano está dividido, atualmente, em 53 países distribuídos por uma área territorial total de 30.272.922 de quilômetros quadrados. Sua população, segundo dados do ano de 2002, está estimada em cerca de 800 milhões de habitantes, caracterizando-se como o segundo continente mais populoso, perdendo somente para a Ásia. A divisão atual dos Estados africanos é recente, mas é resultado de um longo processo de colonização empreendido pelos países europeus, ao longo dos séculos XIX e XX. Processo esse que descaracterizou e desrespeitou por completo as diversas etnias que compunham o continente, causando confrontos interétnicos que trouxeram grandes estragos e que perduram até os dias de hoje. Esse triste capítulo da história africana acompanharemos mais adiante. 
  
Mapa da África atual
Dois grandes desertos cortam a África que é um continente tropical por excelência: o famoso Saara e o Kalahari. O deserto do Saara que está ao norte do continente, é o maior do mundo, possui 9 milhões de quilômetros quadrados, uma área superior a do Brasil. Vários países são cortados por ele, entre os quais estão o Egito, o Marrocos, a Argélia e a Líbia. O Kalahari tem proporções mais modestas e está ao sul, medindo por volta de 600 mil quilômetros. 
O continente africano é cercado pelo oceano Atlântico a oeste, Índico a leste e ao norte pelo mar Mediterrâneo. Os rios africanos são uma via importante de comunicação entre os povos, especialmente em tempos remotos. Os rios mais importantes que cortam o continente e que, há milênios, sustentam as sociedades que os cercam — constituindo, em certos casos, pontos de disputas entre comunidades — são o Níger que atravessa regiões semiáridas nos limites do Saara e desemboca no Golfo da Guiné; o Rio Congo, extensa bacia hidrográfica que abastece a floresta fluvial; nos platôs tropicais da porção meridional estão o Vaal, Orange, Limpopo e o Zambeze que desembocam nos oceanos Atlântico e Índico. E temos ainda o famoso rio Nilo, que nasce à leste próximo ao Planalto dos Grandes Lagos e cruza dez países estreitando-se pelo deserto do Saara até desaguar no mar Mediterrâneo.
Apesar da considerável extensão de seus desertos, a vegetação típica do clima tropical que recobre o continente africano é a savana - muito semelhante ao cerrado brasileiro - que mistura plantas arbóreas e herbáceas e que se espalha a partir do sul do Saara, favorecendo uma rica flora e fauna com leões, elefantes, girafas, zebras e rinocerontes, entre outros. Essa fauna deu fama ao continente de “selvagem”, gerando mitos que criaram obras-primas do colonialismo norte-americano, como o personagem Tarzan. Contudo essa rica fauna se encontra ameaçada de extinção e atualmente se restringe a algumas reservas ambientais. Há ainda em termos de vegetação a mata equatorial das florestas do Congo, as estepes e a vegetação mediterrânea. 
Existem várias divisões regionais do continente utilizadas para que possamos abordar cada região especificamente:
  
África do Norte – Marrocos, Argélia, Tunísia, Líbia, Egito, Saara Ocidental.
África Ocidental – Mauritânia, Mali, Senegal, Guiné-Bissau, Guiné, Serra Leoa, Libéria, Costa do Marfim, Gana, Togo, Benin, Burkina Faso, Níger, Gâmbia, Nigéria e Camarões.
África Central – Chade, Guiné Equatorial, Gabão, Congo, República Centro-Africana, República Democrática do Congo (antigo Zaire), Angola e Zâmbia.
África Oriental – Sudão, Eritréia, Etiópia, Djibuti, Somália, Quênia, Uganda, Ruanda, Burundi, Tanzânia, Malawi e Moçambique.
África Meridional - Zimbábue, Botswana, Lesoto, Suazilândia, África do Sul e Namíbia.
África Insular Atlântica – Cabo Verde e São Tomé e Príncipe.
África Insular Índica – Madagascar, Comores, Ilhas Maurício e Ilhas Seychelles. 
 
Portanto, pelo rápido panorama apresentado, você pode perceber que a África é um continente de múltiplas situações que se refletem na diversidade cultural e social existente. O reconhecimento dessa diversidade é a tendência atual dos estudos sobre a África, ao contrário dos estudos antigos que homogeneizavam a sua história, unindo os diversos povos pela pobreza que os cerca.
 
Aula 06_África: berço da humanidade
   
Em nossa primeira aula apontamos o dado de que os primeiros hominídeos, segundo os estudos mais recentes, teriam surgido na África, fruto da evolução do Homo erectus a quase dois milhões de anos. 
Foi na África, também, que surgiram grandes civilizações que influenciaram povos do mundo todo, dentre elas a civilização egípcia. A dinastia egípcia dos faraós durou cerca de 3.000 anos. Acredita-se que, dentre as quase 20 dinastias de faraós, algumas eram negras. Cheikh Anta Diop nos dá a seguinte informação:
 
Os egípcios trouxeram grandes contribuições para a humanidade desde a invenção da escrita até a impressionante arquitetura das pirâmides. Praticavam a medicina através de suturas, antissepsia e a prática da mumificação que demonstrava um vasto conhecimento de anatomia. Os egípcios mantiveram contato com vários povos da África e também com os gregos como atestam os testemunhos de Volney, cientista latino que visitou o Egito no século XVIII, reproduzidos por Cheikh Anta Diop: “todos eles tem faces balofas, olhos inchados e lábios grossos, em uma palavra, rostos realmente mulatos. Fiquei tentado a atribuir essas características ao clima, até que, visitando a Esfinge e olhando paraela, percebi a pista para a solução do enigma. Completando essa cabeça, cujos traços são todos caracteristicamente negros, lembrei-me da conhecida passagem de Heródoto: ‘De minha parte, considero os kolchu uma colônia do Egito, porque, como os egípcios, eles têm a pele negra e o cabelo crespo’. 
Em outras palavras, os antigos egípcios eram verdadeiramente negros, da mesma matriz racial que os povos autóctones [nativos] da África; a partir desse dado, pode-se explicar como a raça egípcia, depois de alguns séculos de miscigenação com sangue romano e grego, perdeu a coloração original completamente negra, mas reteve a marca de sua configuração 1. 
 
A partir da 21ª dinastia com as invasões que se seguiram, formaram-se dinastias estrangeiras: líbios, sudaneses e persas invadiram sucessivamente o Egito ajudando a compor um quadro miscigenado do mundo egípcio. Quadro este que obscureceu as características essencialmente africanas do império egípcio. 
A civilização egípcia foi marcada pela impressionante arquitetura das pirâmides. Eles praticavam uma matemática avançada e conheciam e a medicina e a prática da mumificação demonstrava um vasto conhecimento de anatomia. 
Outras importantes civilizações foram os Núbios e os Axumitas. Na Núbia, onde hoje se encontra o Sudão, surgiram os Cush, ricos em ouro e que dominavam a tecnologia do 
ferro que teria se espalhado pela África a partir de Meroé. Comercializavam com a China e com a Índia. Desenvolveram sua própria escrita e também construíram pirâmides e templos. Os núbios invadiram o Egito e formaram a 25ª dinastia: a sudanesa, liderando o Egito por quase 100 anos. Eram exímios navegadores, construíram grandes caravelas que, segundo estudos de Ivan Van Sertima, teriam atravessado o Atlântico e chegado à América antes de Colombo. Van Sertima constrói tal hipótese a partir das gigantescas cabeças esculpidas em pedras e construídas pelos olmecas e que representam com impressionante nitidez marinheiros núbios, com suas roupas típicas, sem falar nas pirâmides, em estilo núbio, e muitos elementos culturais compartilhados por ambos os povos que vão muito além da coincidência. 
Os Axumitas se localizavam ao norte de onde hoje se localiza a Etiópia e foram grandes comerciantes incorporaram o cristianismo a partir dos romanos com o rei Ezana.
Dessa forma podemos perceber que as civilizações africanas trouxeram grandes contribuições para a humanidade e que a sua história não pode ficar fora do contexto de História da África.   
 
 
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1 DIOP, Cheikh Anta. Origem dos antigos egípcios, História Geral da África II. A África Antiga, 1983, p. 56. APUD MUNANGA, Kabengele e GOMES, Nilma Lino. Para entender o negro no Brasil de hoje: história, realidades, problemas e caminhos. São Paulo, Graal, 2004. 
Aula 07_A África do século IX ao XV
  
Em aula anterior vimos um panorama geral do continente africano atual, aspectos de sua geografia a sua divisão territorial, que foi estabelecida no decorrer do século XIX. A historiografia atual tem dado grande atenção à história da África antes do contato mais profundo com os europeus, como é o caso da civilização egípcia que floresceu há 5 mil anos. Desde então, temos notícias das populações que povoaram o continente e sabemos que há tempos os africanos tiveram contato com outros povos. 
Os berberes, povos que habitavam a região onde hoje se localizam o Marrocos, a Argélia, a Líbia e a Tunísia, tiveram incessante contato com os povos árabes. Na região norte do continente circulavam mercadorias pelas mãos dos povos que transitavam pelo Saara. A intensificação dessas relações propiciou a propagação da religião muçulmana, a partir do século VII, que se tornou cultuada em praticamente toda a região. 
Diversos reinos e impérios formaram uma porção da África durante longo período. Entretanto, é preciso deixar claro que a concepção de reino e império dos povos africanos é completamente oposta ao conceito ocidental. Trata-se de organizações políticas complexas e extensas baseadas em relações fortes de pertencimento e de parentesco. Vamos falar agora sobre os impérios que se formaram entre os séculos IX e XV na região do Sahel 1
Império de Gana: Conhecido como Império do Ouro, foi o principal fornecedor de ouro e sal do mundo mediterrâneo até a exploração do continente americano. Mantinha comércio com os árabes, sudaneses e com os povos bérberes. Detinha um poderoso exército e também dominava profundamente as técnicas da mineração. Estendia-se nas regiões do Sahel onde hoje está o Senegal. Dividia-se em duas religiões, o islamismo e os cultos religiosos ancestrais. A cidade Kumbi-Saleh se dividia em duas partes: uma muçulmana com doze mesquitas, habitada por mercadores e estudiosos e outra onde estavam o palácio e o bosque sagrado. Por volta de 1077, o império foi invadido por povos berberes que acabaram por fragmentá-lo politicamente.  
Império de Mali: Nesse império, desenvolveu-se um grupo importante que dominava os estudos de astronomia entre os séculos XII e XV. Na cidade de Timbuctu, desenvolveram uma universidade com uma imensa biblioteca, referência na região. Também possuíam ricas minas de ouro que tornaram o Império de Mali o estado mais rico da África Ocidental, sendo governado por Mansa e chegando a dominar todo o comércio transariano. 
 
O Imperador Mansa (Atlas Catalão de Abraham Cresques - Séc. XIV)
 
Império de Songai: Comerciantes, os povos desse império também aderiram ao islamismo. O império de Songai fundiu-se em alguns momentos com o Império do Mali após algumas invasões. Tinham a agricultura como ponto forte e eram especialistas na irrigação de terras áridas. Estiveram presentes na região do Sahel durante longo período, entre os séculos IX e XVI. 
Os Iorubás: A civilização iorubá desenvolveu-se por volta do século XI, a sudoeste da atual Nigéria e ao sul do Benin, e foi composta por vários reinos, muitos com mais de 20 mil habitantes. Eram povos agricultores e artesãos e também dominavam técnicas artesanais de ferraria, tecelagem, olaria, marcenaria. São descendentes do rei Oduduwá que, segundo a lenda, desceu dos céus com uma cabaça de areia e uma galinha. A galinha teria espalhado a areia e formado as terras do povo iorubá. Havia grandes cidades como Ifé, Oió Benin e Lagos. Ifé era considerada uma cidade sagrada e constituía o centro da civilização. Não havia uma administração centralizada nas cidades, os descendentes de Oduduwá as governavam. Os diversos reinos possuíam cultura, língua e religião que lhe davam uma unidade, porém eram independentes. Em Lagos formou-se uma comunidade de remanescentes retornados do Brasil. Entre os séculos XVII e XVIII, Oió destacou-se por sua organização militar, mas rendeu-se a ataques muçulmanos. Apesar do contato com o islamismo mantiveram seus cultos tradicionais e os trouxeram para o Brasil, deixando-nos uma rica cultura da qual falaremos mais adiante. 
Império do Monomotapa: este império teria surgido por volta do século 
XI mais ao sul, entre as terras do que hoje são os países do Zimbábue, Moçambique, Malawi e África do sul. Formado pelos chamados xonas e povos islamizados, eram criadores de gado e deixaram construções monumentais em pera como os muros do Grande Zimbábue. Eram governados pelo Monomotapa que quer dizer “senhor das terras arrasadas”. Também eram comerciantes e chegaram até ao Norte para negociar tecidos e cobre, exportavam marfim e ouro. Este império durou até o século XIX. 
 
Para refletirmos: Pudemos perceber que a África formou grandes civilizações: dos egípcios aos núbios, dos grandes impérios do Mali e Songai, no entanto esses fatos são pouco divulgados. Por que esses fatos são ocultos no ensino de História? 
 
 
 
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1 Sahel é uma palavra de origem árabe que significa “borda do deserto”, e que se refere ao Deserto do Saara.
Aula 08_As sociedades africanas
  
Há uma imagem passada pela cultura colonial europeia de que os africanos eram povos atrasados e que viviam em tribos selvagens. Na verdade,as sociedades africanas configuravam complexas organizações políticas e sociais. Não é tarefa fácil estudar o funcionamento dessas sociedades. O continente africano é muito extenso e houve, ao longo de sua história, diversos tipos de formações políticas e sociais. 
Algumas sociedades formaram grandes impérios e reinos, como já mostramos: o Egito, Núbia, Axum, Mali, Songai e Gana. Outras sociedades estabeleceram-se em aldeias. Os indivíduos eram agrupados por laços de parentesco, como os povos da região centro-ocidental, conhecidos como bantos. O mundo mental africano operava a partir de uma lógica totalmente oposta ao mundo europeu, no qual o valor moral mais alto estava no indivíduo e em seus direitos. Podemos fazer uma comparação: “penso, logo existo”, é a declaração da Idade Moderna ocidental; no universo africano o valor mais alto é a comunidade: “pertenço, logo existo”. 
Cada indivíduo funciona como peça fundamental de um todo e a importância de uma pessoa é medida pela qualidade de sua teia de relações; aquele que mantém mais ligações dentro do grupo com pessoas de talento e conhecimentos diferentes, se destacará. Sua identidade é criada a partir das suas relações com a coletividade e o sujeito é aquilo que o seu grupo lhe permite ser. A experiência comunal da economia doméstica africana agrega valor às pessoas, às suas histórias, que são contadas sempre por meio de genealogias. Indivíduos ou cônjuges sem descendência são figuras sem classe, à margem da sociedade, e os casamentos entre pessoas de famílias diferentes mantêm as aldeias sempre em contato.  
Guerreiros Massai
 
Quando a sociedade africana era mais extensa, era liderada pelo chefe que vivia em uma capital, porém, sempre com consideração aos chefes menores das aldeias que compunham o seu reino. A administração respeitava o conjunto, e dificilmente havia despotismo. Os reinados e impérios eram governados de forma comunal, realizavam-se reuniões constantes para que o chefe maior tomasse contato e resolvesse problemas. Havia um conselho que auxiliava o chefe em seu governo. Ao chefe, cabiam as funções vitais para o funcionamento da comunidade: reinava para que normas e regras fossem obedecidas, liderava os guerreiros em caso de disputas, fazia a distribuição das terras e administrava o que era produzido para que nada faltasse à comunidade, em troca recebia uma parte do que as pessoas produziam. 
O parentesco é uma característica marcante das sociedades africanas, a importância da vida comunal, do indivíduo enquanto ser que “fazia parte” daquela comunidade nos dá a dimensão do conceito de administração que mantinha os povos africanos em relativa harmonia. Num continente onde as fronteiras territoriais são pouco definidas, pertencer era a chave para a sobrevivência.
Um exemplo é a civilização ioruba, cujo reino era composto por várias cidades-estado independentes: Lagos, Ifé, Oió, Ota, Eseyin, Ilesah Ibadan Abeokuta, Akure, entre outras, todas fundadas por descendentes de Oduduwá. 
As longas genealogias de chefes e dos reinos são resgatadas na cultura africana através da história dos antepassados contada pelos mais velhos. Quando não podem ser conhecidas por registros escritos, a arqueologia também tem papel fundamental na análise dos vestígios materiais deixados por esses povos. A figura dos mais velhos era essencial nas sociedades africanas, era através deles que eram passados todos os ensinamentos importantes. Os ancestrais também eram figura central, pois mesmo depois de mortos influenciavam a vida da comunidade. Veremos a relação com os ancestrais na próxima aula. 
O casamento com várias mulheres era muito valorizado, a poligamia era sinal de prestígio; ampliava o poder do chefe que mantinha relações com a linhagem de suas esposas, pois, apesar de ser uma sociedade de dominação masculina, a ascendência e o poder coletivo eram dados pela mulher, ou seja, era uma sociedade onde a “sucessão do poder linhageiro era transmitida pela linha materna”, segundo Redinha: 
 
O sistema matrilinear é observado para efeito do direito sucessório, de cargos, de títulos e até de ofícios. A regra normal da sucessão dos chefes nas sociedades do Nordeste [de Angola], é hereditária, matrilinear, cabendo ao primogênito da irmã mais velha do chefe reinante, em virtude da linha feminina defender a estirpe e os direitos de sangue pela evidência da maternidade. (...) O chefe da linha traz consigo um valor de nome e de símbolo, que a assimilação administrativa deve não só poupar mas também preservar o mais possível, uma vez que ele corresponde a disposições ancestrais das sociedades não de todo desligadas da organização tradicional. (...) Nem mesmo os mais importantes chefes exercem hegemonia sobre a totalidade de qualquer das tribos existentes. A regra observada é a de uma grande repartição do território e do povo que o ocupa, por áreas políticas da chefia de sobas principais, subdivididas por sobas menores ou sobetas. O sistema governativo informa de processos de monarquismo e democratismo, e o regime despótico, através da história, apenas se verificou por abuso 1. 
 
Podemos concluir dessa forma que as sociedades africanas se estabeleciam com base no governo comunal e na administração coletiva pelo bem estar. Os ancestrais eram muito importantes para a vida dos africanos e estavam relacionados ao mundo mágico-religioso.
  
Para pensar: Na sociedade africana as pessoas mais velhas eram muito importantes. E no mundo ocidental como são tratadas e como vivem as pessoas idosas?
 
  
 
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1 REDINHA, José. Etnossociologia do Nordeste de Angola. Braga: Editora Pax, 1966, p-. 48-49.
Aula 09_A presença do mágico-religioso na cultura africana
  
Para os povos africanos, o contato com os ancestrais era de extrema importância; eram eles que guiavam espiritualmente as comunidades e mantinham a comunicação com o mundo sobrenatural. 
Entre os povos africanos havia uma profunda relação com a morte. Para os ambundos, por exemplo, não bastava simplesmente enterrar o morto; ele deveria descansar em terras de sua própria linhagem, próximo a sua família, que poderia assim arcar com as responsabilidades inerentes ao seu corpo e ao seu espírito1. 
Mario Milheiros, que pesquisou a região de angola nos dá a seguinte definição: 
 
Os chamites orientais e da África Ocidental, crêem na aparição de um homem – um ser que consideram o Grande Antepassado (...) Para estes que protegem as crenças em seus pais, tudo é coesão, unidade (...) Para eles tudo o que é desejo e realidade, natural e sobre-natural, material e espiritual se mistura estreitamente para formar um todo onde os mortos (invisíveis mas sempre presentes) tomam a mesma parte dos vivos. Esta comunhão perpétua com os espíritos e forças do Além, dá um sentimento de plenitude que sempre surpreenderá o Branco. Acima de toda a Força está Deus, Espírito e Criador, o Mwine bukomo bwandi. É Ele que tem a Força, o Poder, em si próprio. Ele dá a existência, a subsistência e o acrescentamento às outras forças... Depois dele vêm os primeiros pais dos homens, os fundadores dos diversos clãs 2. 
 
Estes arquipatriarcas teriam recebido uma força vital, e o poder de exercê-lo sobre toda a sua descendência, tornando-se um elo entre o ser maior e os da terra; mesmo mortos são seres denominados de espirituais e mantêm o elo entre os vivos e o sobrenatural transitando naturalmente entre os dois mundos. 
Havia várias formas de comunicação entre esses dois universos. Entre os povos da África Centro-Ocidental havia imagens chamadas inkisi ou minkisi. Nessas imagens eram colocados objetos que chamavam os espíritos. 
Esse contato era intermediado por um sacerdote a quem os colonizadores mais tarde chamarão de “feiticeiros”. O contato com o mundo sobrenatural era realizado em lugares afastados, como o mato ou com a utilização da água, os minkisis deveriam ficar em lugares reservados para que pudessem ser cultuados. Pediam-se conselhos para a resolução de toda a sorte de problemas e esses seres sobrenaturaispodiam mandar sinais ou aparecer em sonhos. 
 
Enciclopédia digital livre: Encarta Msn
 
Os quiocos costumavam praticar a mahamba que era um processo de captura dos espíritos antepassados. Eles acreditavam que em vida o homem possuía asisi (alma, força vital) e que, quando morria, se transformava em sovai (o ser que sobrevive à morte ou a forma viva que a morte faz tomar ao ser humano). O sovai podia ter diversas formas, imaterial ou concreta: formas de um animal, aves, répteis ou um peixe, ou ser conhecido pelo seu próprio nome. Uma das formas da mahamba era jogar semente na terra dentro de casa: se a semente germinasse sem água era porque ali habitaria um antepassado. A crença de que os espíritos podiam habitar as árvores era amplamente difundida. 
Os povos iorubás, descendentes de Oduduwá, cultuavam diversas “deidades”, seres que faziam a ligação com mundo sobrenatural. O universo religioso ioruba é de extrema complexidade, entre as deidades: ebura, ebora, imola e orisà, esta última traria o seu panteão para as terras brasileiras e aqui ficariam conhecidos com o nome de orixás. Essas deidades representavam elementos e forças da natureza e compuseram o quadro das religiões afro-brasileiras, merecem um capítulo a parte em nossos estudos, falaremos sobre isso mais adiante. 
Como já afirmamos, os africanos estavam imbuídos, em suas práticas cotidianas, do sentimento de pertencimento. Suas tradições e sabedoria eram transmitidas não somente através da oralidade, mas também a partir de alguns mitos de origem,através do “recebimento”, do sinal de que aquela pessoa deveria receber tal conhecimento, seja uma prática técnica, como no caso dos ferreiros, ou prática ritual mágica de cura e adivinhação. 
Dica: Para saber mais sobre a cultura banto e os minkisi, consulte: www.ritosdeangola.com.br
  
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1 MILLER, Joseph. Poder político e parentesco: os antigos estados Mbuindu em Angola, p. 242.
2 MILHEIROS, Mario. A família tribal. Luanda: Imprensa Nacional de angola 
Aula 10_A escravidão na África
  
A escravidão na África é um tema que traz muitas controvérsias. O tratamento que se dá ao assunto é breve. Comumente, nos livros didáticos, está relaciona a escravidão no Brasil ao fato de “já haver escravidão no continente africano”. Vamos explorar mais esse assunto? 
A escravidão é prática muito antiga na história da humanidade, quem não se lembra da história de Moisés? Nasceu como filho de escravos hebreus e acabou sendo criado como filho do Faraó Set. Gregos e romanos também praticavam a escravidão; costumavam utilizar os prisioneiros de guerra para trabalhos domésticos, pastoreio de animais, trabalhos agrícolas e construções. As pirâmides e muitos monumentos históricos foram construídos com o braço escravo. 
O escravo na sociedade africana era quase sempre um estranho ou um prisioneiro de guerra, porém em algumas ocasiões ele acabava sendo incorporado pelo grupo que o escravizava. Muitos serviam para sacrifícios humanos: nos funerais dos chefes eram enterrados vivos junto com os bens do falecido — algumas das mulheres do chefe também eram enterradas. Essa prática visava evitar que o “espírito saudoso do convívio humano assediasse as povoações, provocando mortes ou espalhando males, por despeito com os que ficaram” 1. 
Havia também a prática de se imolar escravos, em homenagem à posse de reis e também em caso de epidemias e moléstias. No Benin, ao inaugurar o festival da colheita, três escravos perdiam a cabeça. 
Os escravos eram utilizados nos mais diversos serviços, porém não eram separados ou privados da convivência com os seus senhores. Ao contrário, tomavam parte nas refeições e atividades familiares. Aos homens se destinava o trabalho nos campos e exércitos. Havia a predileção por mulheres que além de trabalhar nos serviços domésticos e rurais eram reprodutoras e aumentavam numericamente o grupo. Muitas vezes a razão de se apresarem pessoas estava relacionada a este fato, aumentar o número de pessoas na comunidade era importante em termos de proteção e de poder. 
Não se trata aqui de amenizar a escravidão africana, havia  castigos e punições ao escravo, alguns eram humilhados e sofriam privações, porém a escravidão estava inserida numa dinâmica social, em que muitas vezes, a convivência delegava ao escravo trabalhos considerados nobres e de confiança. Os filhos das escravas com os chefes nasciam livres e gozavam de direitos. Com o passar dos anos seus descendentes perdiam a condição de escravos. Nesses aspectos, a escravidão nas sociedades africanas era muito semelhante à escravidão existente nas diversas sociedades antigas. 
O fato é que a escravidão africana nunca foi em larga escala. Aqui e acolá se capturavam inimigos e, muitas vezes, os grandes reinos e impérios incorporavam pequenas aldeias, escravizando apenas alguns elementos de maior interesse e mantendo-as como pagadoras de tributos, sem tirar-lhes a liberdade administrativa e religiosa. Segundo Alberto da Costa e Silva: 
 
Uma das formas de explorar a escravaria era reuni-la em vilarejos agrícolas, que eram obrigados a produzir certo volume de alimentos para os senhores, mas sem experimentar muitas vezes maiores constrangimentos na organização do trabalho e na condução da vida. A vigilância dos donos, sobretudo quando estes eram reis ou grandes personagens, exercia-se por meio de administradores que eram também escravos, e podia ser, em alguns casos, tão pouco severa que os cativos que labutavam na gleba talvez se tivessem por afortunados, uma vez que constituíam família e quase não sofriam o peso de sua condição, só o sofrendo porque se sabiam escravos e, portanto, sujeitos a mudar de sorte ou de feito a qualquer momento 2. Um novo feitor era capaz, com efeito, de alterar tudo e exercer sobre a mão de  obra um comando discricionário e tirânico, pois o gestor escravo tanto podia ser solidário e bondoso com seu companheiro de infortúnio, quanto contra ele derramar a sua revolta, ressentimento ou amargura 3 . 
 
Conforme Costa e Silva o encargo de cuidar de uma aldeia “escravizada” era delegado a um escravo. A aldeia gozava de certa liberdade, embora ficasse ao sabor dos humores do feitor. 
A empresa colonial capitalista mudou completamente a forma com que a escravidão se processava entre os povos africanos, alterando profundamente o seu significado; colocando a escravidão num contexto capitalista, criando um valor monetário para um indivíduo, ou seja, transformando-o em mercadoria. 
Dessa forma não podemos incorrer no erro de justificar o escravismo colonial, principiado em meados do XVI, pelo fato  de já haver na África formas de escravidão que, de modo algum, se comparam ao verdadeiro etnocídio empreendido pelos europeus, tanto na África, quanto na América. 
 
 
 
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1 REDINHA, José. Op. Cit., p. 33
2 SILVA, ALBERTO DA COSTA E. A manilha e o libambo: a África e a escravidão de 1500 a 1700. Rio de Janeiro: Nova Fronteira/Fundação Biblioteca Nacional, 2002, p. 105.
3 Idem, p. 91.
Resumo_Unidade II
   
Nesta unidade pudemos ter contato com uma nova abordagem em relação à História da África. Constatando a complexidade das sociedades africanas foi importante compreender como o continente africano abrigou e ainda abriga, uma variedade de grupos com culturas próprias e complexas que foram reduzidas a um imaginário eurocêntrico de “tribos primitivas e incivilizadas”. 
Conhecemos um pouco mais dessas sociedades, sua estrutura político-social e especialmente seu mundo mental, dominado pela presença do mágico-religioso, que muito choque causou aos europeus. Vimos a importância dos indivíduos mais velhos nessas sociedades, a intensa relação entre o mundo dos vivos e o universo espiritual, habitado pelos ancestrais e por seres que intermediavam as relações com o “ser supremo”, como no caso do povo iorubá 
Também pudemos derrubar alguns “mitos” constituídos sobre a escravidão africana, percebendo a sua dinâmica intrinsecamente relacionada a formas de vida e incorporada ao cotidiano socialde aldeias, reinos e impérios.
  
  
Referências Bibliográficas
DIOP, Cheikh Anta. Origem dos antigos egípcios. In: História Geral da África, A África Antiga. Vol.II: São Paulo/Paris/UNESCO, ORG. G. Mokhatar, 1983. 
MILHEIROS, Mario. A família tribal. Luanda: Imprensa Nacional de Angola, 1960. 
MILLER, Joseph. Poder político e parentesco: os antigos estados Mbuindu em Angola, Luanda: Imprensa Nacional de angola, 1998. 
MUNANGA, Kabengele e GOMES, Nilma Lino. Para entender o negro no Brasil de hoje: história, realidades, problemas e caminhos. São Paulo, Graal, 2004. 
REDINHA, José. Etnossociologia do Nordeste de Angola. Braga: Editora Pax, 1966. 
SILVA, ALBERTO DA COSTA e. A manilha e o libambo: a África e a escravidão de 1500 a 1700. Rio de Janeiro: Nova Fronteira/Fundação Biblioteca Nacional, 2002. 
SOUZA, Marina de Mello e. África e Brasil africano. São Paulo: Ática, 2006.
Aula 11_A África do século XV ao XVIII
  
No período compreendido entre os séculos XV e XVIII, fundaram-se alguns reinos que se tornaram peças fundamentais nas relações com os povos europeus: os reinos de Achanti, Abomé, e Congo. Vamos iniciar nossa aula conhecendo um pouco sobre eles. 
Reino de Achanti: Situado em região estratégica em meio às rotas de comércio com o norte e sul da África. Os achanti habitavam essa região há muitos séculos, porém no século XVII, reuniram-se em uma confederação de estados autônomos a fim de se protegerem dos ataques vizinhos, sob o comando do príncipe Osei Tutu com capital em Kumasi. Nessa região os portugueses construiriam um forte que seria definitivo para o comércio de escravos. 
Reino Abomé: Esse reino estava situado no antigo Daomé, onde hoje está a República de Benin; possuía um poderoso exército e teria sido fundado por volta do XVII. Sem acesso ao mar, foi conquistando aldeias e reinos próximos até chegar à costa e dominar a cidade de Ouidah, por volta de 1747. A partir daí Abomé se tornaria um dos principais centros de comércio de escravos. Tornou-se especialistas na captura de escravos, no que eram repreendidos pelo reino iorubá de Oió. Esses dois reinos travariam lutas constantes até o enfraquecimento de Oió, a partir daí os iorubas seriam os grandes alvos das expedições de captura. 
Reino do Congo: O reino do Congo possuía uma estrutura político-social que impressionou os portugueses quando de seus primeiros contatos. Isso porque, segundo eles, eram povos com um estado estabelecido aos moldes do europeu. Porém essas considerações devem ser relativizadas, pois o reino do Congo seguia o modelo estrutural de todos os outros reinos costeiros, como já vimos anteriormente. Ao rei chamavam Manicongo e este morava na capital Mbanza Congo. Diversas aldeias compunham o reino e eram administradas por membros de uma mesma linhagem. O rei possuía uma pequena guarda composta por soldados escravizados, mas a sua unidade militar não era centralizada o que tornava a reunião das várias aldeias em exército fato de extrema dificuldade. Uma diferença entre o reino do Congo e os demais, está no fato de que ao Manicongo era dada a plena liberdade de destituir funcionários sem ter de recorrer ao conselho formado por membros de todas as aldeias, tratava-se de um poder de certa forma mais centralizado.
A partir do século XV, quando se estabelecem os primeiros contatos com os europeus, especialmente com os portugueses, algumas feições do continente seriam alteradas. 
É preciso esclarecer que, até pelo menos o final do XVIII, a interferência europeia na África foi mínima e não causou abalos. É claro que a empresa escravista daria uma nova feição às relações internas dos diversos grupos africanos, porém somente na costa africana. Vamos tentar compreender essas relações. 
O primeiro contato entre africanos e europeus desde o período da Idade Antiga. Heródoto — o historiador grego — já havia registrado suas impressões a respeito daquele povo de “pele escura e lábios grossos” e seu contato com os egípcios. Sem falar da rainha de Sabá (Etiópia) mencionada na Bíblia e no Corão, que despertou o amor de Salomão. Na Idade Média registram-se contatos também com a região norte, são os “mouros” descritos por Shakespeare em seu Otelo. 
A partir da ocupação de Ceuta em 1415, no atual Marrocos, o contato com os europeus tornou-se mais constante. Num primeiro momento vinham em busca de ouro e de um caminho mais seguro que o Mar Mediterrâneo em direção às Índias. Mais tarde, utilizaram a conversão cristã como justificativa para a empreitada colonial. Onde hoje estão as terras do Senegal construíram um pequeno forte, por volta de 1445. Encontraram-se com os acãs na região onde hoje está Gana e com os quais passaram a comerciar ouro por volta de 1470. Mais tarde, construiriam ali o Forte de São Jorge da Mina no ano de 1482. Trocavam tecidos indianos, cobre, barras de ferro e vidro veneziano, por ouro, noz de cola, madeira. 
Durante dois séculos pelo menos, Portugal dominou a navegação dos mares atlânticos. A partir do século XVII, os espanhóis (até então ocupados em pilhar a América), franceses, holandeses e ingleses passaram a disputar o espaço marítimo, contestando a hegemonia portuguesa. Portugal havia investido pesadamente nas relações comerciais com os povos africanos e obteve bons resultados; contudo, a empresa escravista tornaria as relações mais agressivas.
Um desses episódios é a luta de Nzinga Mbandi Ngola (1581-1663), rainha de Matamba. Os portugueses tentavam a todo custo estabelecer um forte na região. Em 1578, Paulo Dias de Novais fundou a cidade de São Paulo de Assumpção de Luanda, território mbundu. Havia a necessidade de abrir território, pois já no início do XVI, os portugueses se associaram aos imbangalas (chamado por eles de jagas) com os quais negociavam escravos, porém os mbundus controlovam a rota naquele momento. O rei mbundu Ngola Kiluanji pai de Nzinga resistiu a todo custo e mandou sua filha negociar com os portugueses. Em troca de sua conversão ao catolicismo prometeram abandonar as terras invadidas, porém não cumpriram sua promessa e a guerra se iniciou. O comando estava com seu meio-irmão Ngola Mbandi que hesitou em atacar os portugueses. Nzinga, então, após mandar degolar seu tio que havia se encontrado com os portugueses, envenenou o próprio irmão e assumiu o poder. 
Sucedeu-se um período de longas batalhas em que Nzinga se aliou aos jagas do leste. Contudo num ataque ao forte de Massangano,suas irmãs Cambu e Fungi foram capturadas e, para reavê-las, Nzinga prometeu converter-se ao catolicismo novamente. Fungi foi executada. Após longa negociação territorial e estratégica, Nziga recuperou Cambu, pagando como resgate, uma centena de escravos além do território cedido. Segundo Carlos Serrano: 
A resistência de Nzinga à ocupação colonial e ao tráfico de escravos no seu reino por cerca de quarenta anos, usando de várias táticas e estratégias que vão desde a conversão ao cristianismo até as práticas jagas, é fonte para a criação de um imaginário que se impôs como símbolo de luta contra a opressão. 
 
A lendária rainha Nzinga
 
Vamos ver muitas histórias de luta e resistência como a de Nzinga, mais adiante.
 
Aula 12_A escravidão na África II: novas relações a partir do tráfico atlântico
  
Na aula anterior observamos os primeiros contatos entre africanos e europeus, na Idade Moderna, em que os portugueses lideraram as expedições rumo à África. Diferentemente da América — o continente “descoberto” — que logo foi ocupado e pilhado, os contatos com o mundo africano tomaram a dimensão de relações comerciais. Trocaram-se produtos e a penetração europeia era ínfima, a troca de produtos e de escravos não era novidade na África. 
Mandava-se para território africano, especialmente os missionários, que morriam aos montes de doenças típicas dos trópicos como a malária e a doença do sono. Se no princípio havia trocas comerciais, com o desenvolvimento da produção açucareira nas colônias da América, a demanda por mão de obra se tornou a grande reguladora das relações entreÁfrica e Europa. 
Os portugueses estabeleceram fortes na região da costa africana, porém tinham dificuldade em adentrar ao interior. A estratégia encontrada para a premência de cativos era aliar-se a povos guerreiros. Ao contrário do que podemos imaginar, não foi fácil ao europeu comercializar escravos na África; ficavam a sabor das oscilantes exigências dos povos africanos que solicitavam complicadas combinações de produtos para efetuar as trocas, muitas vezes os navios ficavam meses aportados a espera de que se reunisse um número suficiente de escravos para o embarque. Era vedada ao europeu a apropriação da terra. O estabelecimento português em Angola só foi possível após a ferrenha luta travada com os povos mbundos — lembrando da história da rainha Nzinga.
Até onde puderam, os africanos barraram a penetração europeia; o homem branco só era aceito plenamente quando se convertia aos valores da terra e, mesmo assim, como comerciante tratado com reservas. Segundo Costa e Silva, o mundo africano iria se abrir, com muita resistência ainda, somente em finais do século XIX 1. 
A voracidade europeia por braços escravos traria, contudo, alterações significativas no espaço territorial africano. Nos reinos próximos à costa, onde os líderes se tornaram comerciantes de escravos, houve um crescimento populacional impressionante.
O escravo, quando não era vendido (e isso ocorria com frequência), era incorporado à sua nova sociedade, as mulheres eram as preferidas para a permanência nas aldeias, dessa forma houve também um aumento no número de crianças. O contrário se observou nas regiões que eram objeto do apresamento de escravos: houve um esvaziamento das aldeias e a desorganização econômica. É preciso reforçar que esse processo se deu de modo mais contundente nos sertões que cercavam os estabelecimentos portugueses em Angola: 
 
As aldeias amanheciam em insegurança, e era com medo que seus habitantes saíam para os cuidados das roças. Sob constante ameaça, não se sentiam eles estimulados a restaurar o telhado das casas, a fiar e a tecer, a entrelaçar a palha, a amassar o barro e a levar os produtos do trabalho ao mercado 2. 
 
Nas outras regiões da África, no decorrer do século XVII, havia áreas, inclusive no litoral, onde a presença dos brancos era ínfima ou inexistente. Para algumas elites africanas, o comércio de escravos se tornara importante, exemplo do reino do Cassanje e dos imbangalas. Contudo, para a maioria das comunidades africanas, o comércio de gente representava uma parcela muito pequena de sua economia e, em alguns casos, não havia interesse em desfazer-se do escravo que, incorporado à sua sociedade, daria mais rendimentos vivendo em seu grupo.  
Não obstante todas essas relações conflituosas, o aumento da demanda escravista a partir do século XVIII, viria acompanhado com o princípio da desumanização do escravo. O desenvolvimento do capitalismo traria consigo um ataque pesado ao território africano, dessa vez, as mudanças serão profundas e trarão consequências irremediáveis. 
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1 COSTA, Alberto da Costa e. Op. Cit. p. 876.
2 Idem, p. 874.
 
Aula 13_A África no século XIX: no contexto do Imperialismo I
  
Em aula anterior, apresentamos um mapa do continente africano na atualidade. Quando olhamos para ele notamos que este apresenta uma forma de divisão particular com relação aos demais continentes. A sensação que temos é que esse continente apresenta uma divisão “perfeita”, ou seja, sua divisão geográfica se apresenta com uma simetria que não é típica em relação às divisões territoriais de outros países. Essa suposta “simetria” tem um nome: imperialismo. 
Como já comentamos, até meados do século XIX, a África permanecia de certa forma livre da presença efetiva dos europeus; o continente era fornecedor de mão de obra, por meio do tráfico negreiro que enriqueceu muitos europeus e até mesmo alguns brasileiros. 
A partir do século XIX, o desenvolvimento do capitalismo engendrou uma nova ordem social, na qual o trabalho escravo se constituía num entrave. A industrialização acelerada gerou bens industrializados em grande escala que necessitavam de mercado consumidor e os trabalhadores assalariados europeus e da América — recém independente — já não davam conta desse consumo. Além disso, havia a necessidade premente de matéria prima para a indústria, como cobre, borracha, manganês. 
Para resolver tal imbróglio a tentativa dos europeus foi partir para um controle do continente africano, a fim de solucionar seus anseios capitalistas. 
Nesse cenário sob a liderança política da Alemanha, representada pelo primeiro ministro Otto Von Bismarck, é realizada uma reunião em Berlim, entre 1884 e 1885, dos países interessados na partilha da África, para que a base de “régua e compasso” o continente africano fosse dividido, e assim, as necessidades europeias fossem atendidas. A divisão efetuada do território levou em consideração as relações já existentes entre europeus e africanos desde o século XVI. Assim, aqueles países que haviam construído fortes em terras africanas tinham primazia. 
O continente africano foi dividido entre Portugal, Espanha, Inglaterra, França, Alemanha e Itália. Essa divisão forçou a convivência numa mesma região, de grupos etnoculturais rivais ou hostis. Veja abaixo como ficou a África após a Conferência de Berlim: 
 
Mais tarde o Egito ficaria sob domínio da Inglaterra que rivalizaria com a França por sua posse. A Etiópia esteve sob intervenção italiana durante poucos anos. Quanto à Libéria, foi uma possessão norte-americana criada em 1847 para deportar africanos excedentes, ex-escravos e degredados. 
O imperialismo trouxe profundas transformações para o continente africano e a superexploração, em nada semelhante ao colonialismo vigente até fins do século XIX, ocasionou a definitiva desestruturação de organizações políticas muito antigas, não somente através da ocupação de seu espaço territorial, mas, principalmente, pela privatização da terra, espaço sempre destinado ao coletivo, nas sociedades tradicionais. Houve um emergente processo de urbanização acompanhado do surgimento de novos estratos sociais.
A ocupação da África foi um grande negócio para os países capitalistas. Literalmente, pois, fizeram parte das negociações e dos interesses de partilha grupos econômicos emergentes, aos quais podemos chamar de empresas concessionárias e que ficaram encarregadas de estabelecer a extração da matéria-prima. A Inglaterra adotou bastante essa prática. 
A investida em solo africano foi desordenada e violenta, o uso das forças armadas causou grandes estragos populacionais. 
É fácil entender o interesse dos europeus no continente africano: após o declínio do ciclo do ouro, era necessário encontrar outras fontes de riqueza, e a existência de jazidas em solo africano caiu como uma luva. Segundo Rafael Sanzio 1 o continente detém quantidades significativas de minérios:
  
80% das jazidas de diamantes conhecidas 
60% do ouro do mundo ocidental 
30% do alumínio mundial 
35% da reservas de zinco do ocidente
  
Na próxima aula continuaremos este assunto. Até lá!
  
ANJOS, Rafael Sanzio Araújo dos. “Estrutura espacial do imperialismo, a independência política no século XX e o contexto geopolítico contemporâneo. In: Educação Africanidades Brasil, Brasília: UNB, 2005, p. 77.
Aula 14_A África no século XIX: No contexto do imperialismo II
  
Os países europeus, além do uso da força, utilizaram duas estratégias para complementar o processo de invasão: a religião com o envio de missionários e o financiamento de entidades capazes de analisar e mapear o território desconhecido. 
 
Essas ações devastadoras de parcelar o continente sem o respeito a suas unidades linguísticas ou aos mosaicos culturais das sociedades, vão constituir os pilares da desestruturação social profunda, que se desencadeará na África a partir desse momento, em âmbito histórico e geográfico 1. 
 
As fronteiras traçadas pelos países europeus foram mantidas pelos africanos durante o processode descolonização, iniciado na década de 1950 e praticamente encerrado em meados dos anos 1970, com a independência de todas as ex-colônias portuguesas: Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné Bissau e São Tomé e Príncipe. O único país com situação ainda não resolvida é o Saara Ocidental, antiga colônia espanhola ocupada pelo Marrocos desde 1975. 
A manutenção dessas fronteiras artificiais criadas pelos europeus trouxe graves problemas, pois os africanos tinham uma concepção diferente de Estado e, após a descolonização, grupos rivais iniciaram uma disputa pelo poder. Um dos casos mais emblemáticos é o de Ruanda, onde tutsis e hutus promoveram verdadeiras chacinas em nome da rivalidade étnica. Há ainda o interesse na manutenção desses conflitos, pois a terra ainda é rica em minérios, e fica fácil explorar regiões em conflito. Como instaurar um Estado nacional calcado em ideais nacionalistas quando as fronteiras criadas não correspondiam à realidade sócio, político e econômica anterior? Esse era um problema com que a África teve que conviver. 
Na África do sul vigorou o regime do apartheid durante quase quarenta anos. Tratou-se de uma estratégia racista que visava separar brancos (minoria) e negros (maioria) através de uma legislação, que criava os batustões — estados tribais autônomos —, verdadeiros guetos dos quais os negros não podiam sair senão com passaporte. A lei de segregação era justificada como “respeito às etnias”, sendo que brancos e negros não podiam nem mesmo casar-se. 
No mapa acima podemos observar o processo de descolonização que reafirmou as fronteiras estipuladas pela Conferência de Berlim. Diversos fatores aceleraram os processos de descolonização: maior centralização do poder, inserção na economia mundial, e até a guerrilha armada, porém todos esses países tiveram o seu desenvolvimento comprometido.
 
 
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1 Idem, p. 72.
Aula 15_A África hoje
   
A África hoje é fruto do colonialismo e do imperialismo europeus. Continente vasto e rico de grupos étnicos e diversidade cultural que resistiu à exploração, sistematicamente, durante quase 400 anos. A investida capitalista do século XIX, no entanto, seria violenta e deixaria marcas profundas, que se refletem nos seguintes dados: 
A África é o continente onde estão os países com o pior índice de desenvolvimento humano (IDH). 
Entre os 50 países mais pobres do mundo 40 estão na África. 
40% dos aidéticos do mundo são africanos. 
Embora tenha sofrido um rápido, porém desordenado processo de urbanização, ainda é um país rural. 
Entre os anos de 1950 e 2000, segundo dados da ONU, a população africana saltou de 200 milhões para mais de 800 milhões. 
 
As grandes empresas continuam manipulando e explorando o território africano. 
Filmes atuais como o “Jardineiro Fiel” (2005) que aborda a exploração da indústria farmacêutica no Quênia, transformando seres humanos em cobaias ou como “Diamante de Sangue” (2006), que mostra a guerra na caça aos diamantes, nos dão essa perspectiva. A descolonização não significa que o continente tenha sido abandonado politicamente, ao contrário, ele continua sendo observado de perto e com interesse. A manutenção da situação africana tal como está é condição essencial para sua exploração pelos líderes do capitalismo. 
Os dados sobre a África nos fazem pensar num quadro desolador e sem perspectivas, porém é preciso avaliar que o contato com europeu, embora devastador, não foi suficiente para apagar as características culturais e sociais dos diversos grupos que compõem a África. 
Este continente continua sendo rico, fértil e com possibilidade de recuperação, não obstante todas as dificuldades. Introjetar as imagens que nos são passadas cotidianamente da África, como um lugar sem solução, cercado de miséria, seria abandonar aquilo que estivemos estudando desde as nossas primeiras aulas. É preciso olhar a África com outros olhos, a intenção deste curso é esta, mostrar o que há além do senso comum sobre a África. 
Resumo_Unidade III
   
Nesta  unidade, pudemos estudar as transformações das relações internas africanas a partir do contanto com os europeus. Pudemos contatar que, a princípio, foram relações comerciais calcadas na troca de mercadorias e que, em pouco tempo, o tráfico escravo intensificou-se e gerou desequilíbrios internos. Os portugueses foram os primeiros a chegar à costa africana e durante muito tempo dominaram o comércio atlântico. 
Pudemos constatar que a penetração europeia foi barrada de modo contundente pelos africanos, a rainha Nzinga é um exemplo dessa resistência. 
No decorrer do século XVIII e até finais do século XIX, as relações entre os dois continentes se alteraram substanciosamente e o capitalismo nascente empreendeu uma agressiva demarcação territorial que trouxe a desagregação e a convivência forçada de grupos rivais, gerando conflitos étnicos que trouxeram consequências drásticas e persistentes para o mundo africano.
  
  
Referências Bibliográficas 
GLASGOW, Roy Arthur. Nzinga: resistência africana à investida do colonialismo português em Angola (1582-1663). São Paulo: Perspectiva, 1982. 
MARTINEZ, Paulo. África e Brasil: uma ponte sobre o Atlântico. São Paulo: Moderna, 2000. 
OLIC, Nelson Bacic e CANEPA, Beatriz. África: terra, sociedades e conflitos. São Paulo: Moderna, 2005. 
SILVA, ALBERTO DA COSTA e. A manilha e o libambo: a África e a escravidão de 1500 a 1700. Rio de Janeiro: Nova Fronteira/Fundação Biblio-teca Nacional, 2002. 
REVISTA USP, Dossiê Brasil África, nº. 18, jun/jul/ago, 1993.
Aula 16_O tráfico de escravos no Brasil: o grande comércio de gente
  
Como já comentamos, a escravidão existe desde as épocas mais remotas. Assumindo características diferentes nas diversas sociedades em que esteve presente, marcou a supremacia de certos grupos sobre outros e foi, muitas vezes, utilizada como estratégia de dominação. 
Porém, a escravidão no mundo moderno, está inserida no contexto das Grandes Navegações e das relações de exploração comercial que se seguiram à “descoberta” e ocupação do “novo continente”, não encontrou paralelo em nossa história. O mundo moderno geraria uma sociedade assentada em torno da grande lavoura — a grande propriedade — cujo alicerce principal seria a mão de obra escrava. 
A forma como comumente é abordada a chegada dos africanos, costuma nos dar a impressão de que foi algo natural. É comum se creditar essa “naturalidade” ao fato de que já havia escravidão na África, e que estes homens, mulheres e crianças saíam de um lugar onde já eram escravos para outro, onde continuariam na mesma situação. Nada mais falso, pois como já estudamos, a escravidão na África possuía uma dimensão completamente diferente do destino que aguardava os africanos que faziam a grande travessia do Oceano Atlântico. 
A substituição da mão de obra indígena pela do negro não foi consequência da proteção do missionário ou do fato de o índio não se adaptar ao trabalho compulsório. Foi fruto da necessidade imediata de geração de dividendos para a coroa portuguesa, que tinha pressa em ocupar o território e que se organizava em função da grande lavoura. As constantes fugas de índios, a sua agressividade e o fato de se esconderem cada vez mais para o interior do Brasil, traziam a premência de mãos para o trabalho árduo. 
No princípio, os traficantes traziam os escravos por encomenda dos senhores de engenho; eles custeavam as expedições à África. Porém, por volta do século XVII, o tráfico de escravos africanos tomou outra dimensão. A escravidão indígena estava relacionada apenas a um comércio regional, mas o tráfico negreiro tomou características de um comércio globalizado, sobretudo, lucrativo. E, com isso, ganhou autonomia, criou-se um mercado próprio já completamente desligado dos senhores de engenho. 
 Há controvérsias quando a questão da quantidade de escravos africanos trazidos para o Brasil. Dados recentes apontam os seguintes números:
	Século XVI
	50.000
	Século XVII
	560.000
	Século XVIII
	1.680.100
	Século XIX
	1. 732.200(Até 1850).
Fonte: Estatísticas Históricas do Brasil. IBGE, 1987, p. 58.
 
Devemos levar em consideração que os dados referentes ao século XIX, dizem respeito apenas às cinco primeiras décadas, ou seja, em cinquenta anos, foi traficada quase a mesma quantidade de escravos que nos três séculos anteriores. Esse aumento se deve ao início do ciclo do café. Esses números apontam para um total de mais de quatro milhões de africanos desembarcados nos portos brasileiros! Segundo Jaime Pinsk: 
 
O historiador Luiz Felipe de Alencastro desvenda a dimensão trágica do tráfico. Segundo ele, 40% dos negros morriam nos primeiros seis meses subsequentes ao seu apresamento, no interior da África, a caminho do litoral. Doze por cento dos sobreviventes morriam durante o primeiro mês em que ficavam nos portos, aguardando o transporte. Durante a travessia, morriam 9% dos que embarcavam, e metade dos que chegavam morriam durante os quatro primeiros anos de Brasil! Dessa forma, embora os números absolutos variem conforme a fontes consultadas, o estágio atual dos estudos históricos aponta para as seguintes cifras como as mais prováveis (...) de oito milhões de negros aprisionados, só dois milhões teriam conseguido sobreviver por mais de cinco anos. Mais de seis milhões de mortos 1. 
 
Veja abaixo um esquema de navio negreiro onde se amontoava uma quantidade grande de escravos: 
Esquema de um navio negreiro – imagem Wikipédia
   
Mais adiante abordaremos as condições em que eram feitas essas viagens. 
 
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1 PINSK, Jaime. A escravidão no Brasil. São Paulo: Contexto,
Aula 17_A chegada dos “malungos”: tentativas de sobrevivência
   
O nome malungo surgiu junto com o mundo Atlântico, um mundo novo para os africanos. Ele podia significar barco, parente ou irmão e serviu para aproximar pessoas de etnias e origens diferentes, colocadas num mesmo destino. Era assim que se identificavam os africanos na travessia do oceano. 
Já comentamos a variedade de etnias que compunham o continente africano, rivalidades e ódios foram colocados de lado no novo destino. Não foi fácil e, algumas vezes, os conflitos étnicos se reproduziram aqui também. Havia a dificuldade de comunicação, pois os diferentes grupos étnicos africanos falavam diferentes línguas. Segundo Roberto Slenes 1, novas formas de contato foram sendo desenvolvidas no trajeto do apresamento em território africano, na grande travessia e sedimentadas em solo brasileiro, onde, muitas vezes, os escravos ficavam aguardando meses por quem os comprasse. 
A chegada dos malungos era cercada por rigoroso policiamento. Podemos observar através da imagem a seguir, a chegada dos navios negreiros, que era cercada de intensa vigilância por parte das autoridades: vemos oficiais em barcos no entorno dos navios e aguardando o desembarque.   
Rugendas - Chegada ao destino
Quando eram aprisionados em território africano, os futuros escravos ficavam aguardando a chegada dos navios de embarque em portos que se situavam na costa africana, especialmente na Costa da Mina e na Costa da Guiné. Eles provinham de várias regiões, porém, quando embarcados, após serem devidamente batizados, recebiam, como nomeação de origem, os portos ou lugares onde permaneceram aguardando o embarque. 
Foi assim que chegaram ao Brasil os moçambiques, angolas, congos, benguelas, cabindas. Depois de comprados recebiam novos nomes e em seus registros no Brasil, se transformavam em, por exemplo: João, da nação Congo, Maria, de nação Benguela, Antônio, de nação Angola e assim por diante. 
Essas denominações de nação foram incorporadas pelos malungos como uma nova forma de inserção social, mas principalmente de organização. 
Os africanos haviam sido retirados de sua terra, onde faziam parte de sociedades complexas cujas relações sociais se estabeleciam a partir do parentesco. A partir do momento em que conseguiram estabelecer formas de comunicação, seja pela proximidade linguística, seja pela adaptação ao idioma da nova terra, puderam recriar alguns laços que motivaram a sua resistência: a da criação de grupos de procedência. 
O pintor alemão Rugendas retratou a variedade étnica presente no Brasil   
Cabinda, Quiloa, Rebolla, Mina, Benguela, Congo, Monjolo, Angola – Rugendas
As irmandades de homens negros, das quais falaremos mais adiante, abrigaram algumas dessas nações, que muitas vezes se mesclavam com grupos étnicos realmente formados na África. Um exemplo que facilita nossa compreensão são os minas da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos no Rio de Janeiro, administrada por africanos da nação “mina”, que no século XVIII, abrigou a Congregação dos Minas Maki ou Mahi, divididos em mina-cobu, mina, mahi, mina agolin...  
Essa identidade de pertença não era, contudo, ancestral, matrilinear, pois não gerava a descendência. Ela acabava ali, com aquele membro originário da África. Seus filhos não seriam mina-cobu, nem mina mahi, seriam crioulos, escravos nascidos no Brasil. A classificação social utilizada entre os irmãos da Congregação Maki revela uma referência a grupos e lugares vivenciados antes da escravidão, porém não podem ser tomados como indício de uma reprodução social de matriz africana (territorial ou política). Esses novos grupos foram forjados nas fímbrias do império colonial português. 
  
Importante: Vimos nesta aula como os africanos, mesmo arrancados de sua terra e da convivência com seus iguais, tentaram encontrar uma nova identidade, na qual pudessem se reconhecer. Essa nova identidade seria a base para tentativas de organização de movimentos sociais. 
 
 
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1 SLENES, Robert. “Malungu, ngoma vem! África coberta e descoberta do Brasil”. Revista USP, nº. 12, 1991-1992. 
Aula 18_A dura vida de um escravo
   
Falar que a vida do escravo era dura parece desnecessário, diante do que já ouvimos sobre o período da escravidão. Porém, ao falarmos sobre as senzalas, o trabalho na lavoura ou os castigos, não devemos esquecer que o trabalho do escravo africano foi fundamental para o desenvolvimento social e econômico de nosso país. 
O primeiro grande desafio para os negros era a travessia do Atlântico, que durava de dois a três meses. Vinham sempre em grande número; numa caravela podiam caber 500 negros e num navio maior até 700. Em péssimas condições de higiene, urinavam e defecavam onde dormiam e com uma alimentação precária muitos morriam antes de chegar ao destino, de fome ou de doenças comuns naquela época, como o escorbuto, a avitaminose e a cólera. Os negros viajavam acorrentados. Muitas vezes, os doentes eram jogados, ainda vivos, ao mar, para evitar a contaminação. 
Dependendo das condições do tempo e da habilidade da tripulação, essa terrível viagem podia demorar mais de três meses, podendo chegar a seis meses. No Brasil colonial, costumava-se dizer que a chegada do navio negreiro era pressentida pelo terrível mau cheiro. Nos portos era amontoados e expostos muitas vezes nus, aos olhares dos compradores:
Mercado da Rua do Valongo – Rugendas
A economia e a organização social do Brasil colonial giravam em torno da instituição da escravidão. Eram os escravos quem realizavam todas as tarefas, das mais simples e cotidianas, como os cuidados domésticos, carregamentos de alimentos, até a lida nas pequenas e grandes lavouras. Nos canaviais e cafezais trabalhavam de 15 a 18 horas por dia sem descanso.
Os muitos viajantes estrangeiros que estiveram no Brasil, a partir de meados do século XIX, registraram com espanto a quantidade de negros que havia nas cidades e a sua ampla utilização em todos os setores. Os negros realizavam também trabalhos especializados como o de barbeiros, ourives, sapateiros, carpinteiros, ferreiros. Alguns, inclusive, exerciam a função de “médicos”, tratando enfermidades e utilizando técnicas como a sangria. 
As negras, além de amas de leite, atuavam como parteiras.
O cirurgião negro e carregadores no açougue – Debret. 
Manter um escravo era algo muito dispendioso. Além de ser caro, oescravo gerava despesas de vestimenta e alimentação. Em períodos de crise, a solução encontrada por alguns senhores era “alugar” o seu escravo. Eram os chamados “ganhadores” ou escravos de ganho, isto é, escravos que exerciam tarefas no comércio local, tais como: vendas de aves e cestos, as famosas quituteiras que vendiam doces e ensopados. Trabalhavam o dia todo e ao final do dia entregavam o que ganhassem ao seu proprietário, ficando com uma quantia mínima para suas despesas pessoais. Muitos escravos faziam desse sistema um meio de comprar a sua alforria. Essa forma de contrato gerou uma enorme quantidade de ganhadores espalhados pelas cidades e propiciou a reunião de alguns deles em associações chamadas de “cantos”. O livre circular pelas cidades permitia a troca de informações e especialmente, no século XIX, a circulação desses escravos trouxe tensões sociais devido ao seu envolvimento em tentativas de rebelião. 
Uma dessas rebeliões foi a Revolta dos Malês, ocorrida em Salvador, na Bahia, no ano de 1835. Essa revolta gerou pânico na cidade e, segundo alguns pesquisadores, contou com o apoio dos escravos de ganho. Os malês eram africanos de diferentes etnias que tinham em comum a religião muçulmana. Reunidos a um grupo de libertos ocuparam a cidade na madrugada do dia 25 de janeiro. A rebelião durou somente algumas horas, mas teve repercussões importantes, servindo de exemplo para outras tentativas. O plano era aproveitar-se da comemoração da Festa de Nossa Senhora da Guia para fugir e reunir-se com escravos e libertos dos engenhos e quilombos da região do Cabula e da Mata Escura. O dia 25 de janeiro também era especial para os muçulmanos, pois marcava o final do Ramadã 1 . 
No dia da festa os revoltosos aproveitariam a cidade vazia, pois a procissão levaria todos até a localidade do Bonfim, para poderem mobilizar-se. Porém o plano foi delatado e, a partir da denúncia, seguiram-se horas de violento combate. Alguns revoltosos foram presos e deportados outros foram fuzilados, caso dos escravos Pedro, Gonçalves e Joaquim, e dos libertos Jorge da Cunha Barbosa e José Francisco Gonçalves. Entre os revoltosos deportados estava uma escrava liberta de nome Luisa Mahin, a mãe de Luís Gama, que mais tarde seria um dos grandes baluartes da luta abolicionista. 
Com a revolta em Salvador se intensificaram a vigilância e a violência contra o escravo. O medo era grande, pois a população negra nas cidades ultrapassava a branca. Além da Revolta dos Malês na Bahia, temos notícias de outras revoltas em várias partes do Brasil. Os negros participaram também de várias revoltas populares, como a Conjuração Baiana e a Balaiada. 
As constantes revoltas, tentativas de fuga e demonstrações individuais de rebeldia, como o homicídio e até mesmo o suicídio, geraram em contrapartida um constante aumento do uso da violência e da crueldade como forma de coerção. Essa violência, além de explicar a alta mortalidade do escravo no Brasil, também ajuda a compreender como se manteve um regime de trabalho tão brutal durante tanto tempo. 
Era comum a existência de troncos espalhados pelos centros urbanos e nas sedes das fazendas. Os negros apanhavam com o “bacalhau”, um chicote com cinco pontas de ferro — muitas vezes fazia-se com que os próprios escravos se açoitassem. Nas imagens a seguir 2 podemos observar este fato, seguido de outro castigo muito comum que consistia em acorrentar o escravo pelos pés e deixá-lo exposto ao sol. 
Como pudemos observar bem o trabalho servil do negro foi um processo doloroso e que sempre gerou reação dos escravizados. Arrancados de sua terra, embarcados à força em um navio, em condições subumanas, misturados a povos desconhecidos, com línguas diferentes e lançados num mundo desconhecido e perverso, tiveram a coragem de resistir por mais de 300 anos! Das mais variadas formas possíveis... 
Nas próximas aulas conheceremos algumas estratégias de luta e sobrevivência desses homens e mulheres negros.
 
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1 O Ramadã é um feriado não fixo que se movimenta a cada ano e se localiza no nono mês do calendário muçulmano. Acredita-se que no mês do Ramadã o Alcorão sagrado foi enviado do céu como uma orientação aos homens, durante este mês os muçulmanos praticam e jejum devendo se alimentar somente à noite. A data está próxima da festa do Lailat al Qadr, que significa a “Noite do Poder”. 
2 As imagens que mostram os castigos de escravos são do pintor francês Debret.
 
Aula 19_A resistência escrava I: as comunidades quilombolas
 
Durante os pesados anos de escravidão, os escravos buscaram várias formas de resistência. Jamais foram passivos em relação à sua condição: praticavam suicídio, matavam senhores e feitores e morriam de banzo — uma tristeza enorme da sua terra que fazia com que parassem de comer a escassa comida que lhes era destinada. No entanto  as fugas e os quilombos foram as mais conhecidas formas de resistência. 
Os quilombos foram comunidades de escravos fugidos que se formavam no interior das florestas. No período colonial e pós-colonial, muitas dessas comunidades conseguiram reunir milhares de membros. Até o século XVIII  essas comunidades eram conhecidas como mocambos, conforme aponta José Flavio Gomes, somente após esse período é que a palavra quilombo tornou-se padrão 1. 
É importante conhecermos o significado dessas palavras, pois “mocambo” significava acampamento militar e moradia para os escravos trazidos da região central e centro-ocidental da África; ao passo que “quilombo” se referia a um ritual de iniciação de uma sociedade militar de guerreiros. Conhecidos pelos portugueses como jagas, eles incorporavam populações de comunidades conquistadas e as submetiam a esse ritual. 
Os quilombos se espalharam por todo o Brasil. Há notícias sobre quilombos nas quatro regiões do país, entre os séculos XVI e XIX. Só na Bahia foram cerca de trinta e cinco; em São Paulo, chegaram a vinte e três; em Minas Gerais, cerca de 20; na região Amazônica, aproximadamente 12. Os quilombos não foram fenômenos esporádicos e não ficaram restritos ao Nordeste, como muitos imaginam, pontilharam todo o território brasileiro enquanto a escravidão existiu. 
O mais famoso de todos os quilombos no Brasil foi Palmares, do qual se tem notícia desde meados de 1597. Localizado entre os estados de Pernambuco e Alagoas, era formado por mocambos menores administrados por um único líder. Segundo alguns pesquisadores, Palmares chegou a abrigar cerca de 20 a 30 mil habitantes. Os mocambos Macaco, Zumbi, Subupira, Tabocas e Cucaú, foram os mais populosos. O ambiente natural que propiciava pesca e caça em abundância garantiu a longevidade de Palmares. A distância significativa do litoral Pernambucano, cerca de 120 quilômetros, proporcionava uma certa proteção que também contribuiu para a longevidade. A maioria das expedições contra Palmares acabou por se perder na densa mata. 
Sua população, segundo dados, era composta por africanos provenientes da região centro-ocidental da África (especialmente Congo e Angola), porém havia muitos mestiço, inclusive índios, incorporados à rotina de Palmares. Eram muito organizados militarmente, e procuravam reunir-se em famílias, mesmo com o número reduzido de mulheres. Quando um mocambo era atacado, seus membros se refugiavam em outro. A extensa região que abrangiam os mocambos tornava impossível atacar Palmares de uma só vez. Os mocambos possuíam uma infraestrutura que abrigava além das residências, armazéns para a estocagem de alimentos, santuários, capelas e locais onde se reuniam os chefes. 
Produziam para consumo próprio, feijão, milho, mandioca, banana e cana de açúcar, praticavam o artesanato e dominavam as técnicas de metalurgia. E nisso eram extremamente organizados e articulados entre si, enquanto um mocambo produzia manteiga de amêndoa o outro fabricava o vinho de palma 2. Negociavam o excedente com os moradores das regiões circunvizinhas, construindo uma relação social de comércio e trocas, que inclusive gerava uma rede de proteção no seu entorno. Muitostaberneiros e sitiantes foram acusados de dar guarida e de mandar avisar aos palmarinos sempre que havia perigo de expedições punitivas. Em respostas as ofensivas os palmarinos organizavam ataques nos quais saqueavam e amedrontavam quem se atrevia a enfrentá-los.
Um dado interessante sobre o quilombo dos Palmares foi a sua importância para a economia da região. Ao mesmo tempo em que interferiam na produção das grandes lavouras, atendiam à demanda dos pequenos comerciantes, abastecendo os mercadinhos e o comércio ambulante, e gerando um espaço social de convivência e de respeito. 
O fato é que antes da destruição de Palmares, houve por parte do governo da capitania de Pernambuco, várias tentativas de acordo. Ganga-Zumba, um dos líderes tentou, no ano de 1678, um acordo com D. Pedro de Almeida, no qual prometeu se retirar das cobiçadas terras do mocambo Macaco em direção ao Cucaú. No entanto, um importante líder militar chamado Zumbi resolveu discordar e permanecer no Macaco. Além da retirada, as autoridades queriam que o quilombo se recusasse a aceitar novos escravos e que devolvesse aos proprietários os escravos que não houvessem nascido em Palmares.
Com a fragilidade das lideranças em desacordo, Palmares  voltou a ser atacada em 1692, desta vez com o auxílio de tropas paulistas. Domingos Jorge Velho foi o chefe desse ataque que culminou com o assassinato do líder Zumbi. Os quilombolas resistiram ainda por vários anos e até mais ou menos 1736, ouviram-se notícias de quilombolas na região. 
Palmares existiu e resistiu por quase cem anos. Símbolo de luta e liberdade além de demonstração da capacidade de homens e mulheres negros em ocupar espaços e organizar-se. Palmares e Zumbi ficaram para a História como sinais emblemáticos das realizações de um povo que deixou suas marcas nas comunidades remanescentes de quilombolas, que se espalham por diversas regiões do Brasil.
 
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1 GOMES, José Flávio. Palmares. São Paulo: Editora Contexto, 2005.
2 Idem, p. 86. 
 
Aula 20_A resistência escrava II: a capoeira e as irmandades de homens pretos
  
Novas formas de resistência negra vêm sendo descobertas. Atualmente, a capoeira e as irmandades religiosas de homens pretos são consideradas também uma forma de enfrentamento da sociedade escravocrata. Vamos saber um pouco mais sobre elas? 
Para começar pergunto: o que é a capoeira, afinal? Um jogo? Uma dança? Uma luta? Pois bem, foi por volta do século XVII, que se ouviu falar, pela primeira vez, em capoeira no Brasil. Segundo os estudiosos, a capoeira mistura todos esses elementos: a música, a dança e a luta.
Johan Moritiz Rugendas, litografia de 1822.
 
Existem duas correntes que pensam a capoeira no Brasil. Há aqueles que defendem que a capoeira foi inventada pelos escravos aqui no Brasil, fruto da convivência dos africanos com os povos que aqui se encontravam; e aqueles que acreditam que ela tenha sido trazida para o Brasil pelos negros que já a praticavam na África, especialmente em Angola. 
Segundo os defensores da primeira corrente, que chamamos de capoeira regional, não há vestígios de algo semelhante à capoeira em nenhum lugar da África. Mestre Bimba foi o grande precursor desse estilo, praticante desde os 12 anos de idade, desenvolveu um estilo diferente da capoeira Angola à qual juntou o Batuque.
Já aqueles que defendem a capoeira angola, acreditam que seja uma tradição vinda dessa região e foi sedimentada no Brasil pelo famoso Mestre Vicente Pastinha, um baiano que conta ter aprendido a luta com um ex-escravo vindo de Angola. Esse ex-escravo, chamado Benedito, ficou com pena do menino que sempre apanhava quando ia ao mercadinho para a madrinha e resolveu ensinar aquele moleque 1 a se defender. 
A luta da capoeira causava pânico entre a população das cidades, era sinal de arruaça e de perigo. Especialmente depois da “traumática” experiência de Palmares, pela lei, qualquer “ajuntamento” com mais de quatro ou cinco negros era considerado “quilombo”. E, como muitos escravos praticavam a capoeira como forma de defesa pessoal, a sua prática foi proibida durante muitos anos, sendo revogada a lei que a proibia, somente no ano de 1937. 
Rugendas, 1835
 
Algumas Curiosidades sobre a capoeira:
 
Os capoeiristas costumavam usar calças boca de sino e no período em que a capoeira ficou proibida por lei (1890-1937) a polícia, para detectar os capoeiristas, colocava um limão dentro das calças do indivíduo. Se o limão passasse pelas pernas e saísse pela boca das calças, a pessoa era considerada capoeirista. 
Os capoeiristas eram contratados pelos políticos para bagunçar no dia das eleições. Enquanto as pessoas desviavam a atenção para a confusão dos capoeiras, um indivíduo colocava um maço de chapas na urna ou na linguagem da época “emprenhava a urna”. Vencia as eleições o candidato que dispunha de maior número de capoeiras. 
Antigamente, era costume os capoeiristas trajarem terno de linho branco. Era considerado um bom jogador aquele que conseguisse sair da roda com o terno impecavelmente limpo. 
Muitos capoeiristas costumavam “jogar” em frente às igrejas, especialmente daquelas que abrigavam irmandades de homens pretos 2 . Era comum no Brasil colonial, os senhores permitirem que seus escravos frequentassem as missas aos domingos. A igreja católica permitiu e incentivou a criação de irmandades de homens negros, pois acreditava que era uma forma de controlar a devoção dos escravos, que juntavam esmolas e construíam pequenas capelas onde era permitido a eles o culto aos santos. A devoção mais comum era a Nossa Senhora do Rosário. Santos negros também tinham grande acolhida entre os escravos, tais como: São Benedito, Santa Ifigênia e Santo Elesbão. Costuma-se dizer que os escravos aceitaram a devoção a Nossa Senhora do Rosário por esta carregar um crucifixo. Eles associavam o rosário às contas mágicas de Ifá, uma divindade da adivinhação. 
 
As irmandades de homens pretos se espalharam por todo o Brasil. Alguns estudiosos acreditam que a sua rápida aceitação pelos escravos se deve ao fato de que, como já mencionamos, os africanos terem uma ligação muito forte com o mundo sobrenatural e, especialmente, com os antepassados. A adesão às igrejas permitia que tivessem um lugar para serem enterrados e também dessa forma eles encontravam lugar para praticar seus cultos ancestrais de forma escondida. A primeira irmandade de que se tem notícia no Brasil é a de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito no Rio de janeiro, fundada em 1639.
Recentes estudos vêm mostrar a importância das irmandades no processo de inserção social e de emancipação da população escrava, pois, além da responsabilidade no culto aos mortos, organizavam as festividades nos dias santos. Também lhes era destinado o papel de mediar conflitos entre senhores e escravos, principalmente, em relação aos maus tratos. As irmandades ainda prestavam auxílio aos enfermos e aos prisioneiros. 
Desafio: Pesquise em sua cidade e descubra se houve alguma irmandade de homens pretos. Não se esqueça que as devoções mais comuns eram as de Nossa Senhora do Rosário, São Benedito, Santa Ifigênia, Santo Elesbão e Nossa Senhora dos Remédios! 
  
 
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1 Moleque também é uma palavra de origem africana que incorporamos ao nosso vocabulário.
2 Aqui nós usamos o termo “pretos”, pois era dessa forma que as irmandades se denominavam.
Aula 21_O Abolicionismo I: Grandes nomes que fzeram a luta abolicionista
  
Em nossas últimas aulas conhecemos um pouco da luta e resistência dos negros durante os longos anos de escravidão, os quilombos, a capoeira e as irmandades foram precursores de um movimento negro que iria se formar, pouco a pouco, a partir do século XIX. 
O Brasil foi um dos últimos países do mundo a abolir a escravidão. Em 13 de maio de 1888, a princesa Isabel assinou a Lei Áurea, que extinguiu definitivamente o trabalho escravo. A escravidão jamais foi questionada de modo contundente no Brasil, pelo menos até meados da segunda metade do século XIX. Como já comentamos a economiacolonial — cuja estrutura permaneceu após a Independência do Brasil — girava em torno da mão de obra servil e o escravo era tratado como propriedade privada. Para a elite agrária seria muito difícil abrir mão desse direito. Porém, a Inglaterra, desde o começo do século XIX, através de diversos tratados, pressionava o Brasil a proibir o tráfico, tornando-o ilegal. Essa pressão causava tensões sociais que acabaram por fazer surgir paulatinamente críticas à escravidão. 
Em 1831, o Brasil finalmente concordou em proibir o tráfico de escravos, mas não houve qualquer referência à libertação dos escravos. Segundo esse tratado qualquer africano traficado ilegalmente para o Brasil deveria ser imediatamente apreendido e deportado. Comentava-se à época que era uma lei “para inglês ver”, pois jamais foi obedecida. Chegou-se ao ponto de sugerir-se que a lei fosse extinta, tal a sua inoperância. Em 1850, foi instituída a Lei Eusébio de Queiroz, que previa penas mais duras para traficantes e para os senhores que financiassem o contrabando, mesmo assim ainda se ouviam boatos sobre contrabando de escravos. 
Grande parte dos escravos trazidos para o Brasil no século XIX vieram em condições de contrabando, portanto deveriam ser livres. Mas, num país em que ser político era sinônimo de ser fazendeiro, as leis só serviam para atender aos seus interesses. Mesmo com toda a pressão dos fazendeiros para que a abolição não fosse extinta, começaram a surgir grupos que discutiam as questões do cativeiro. Homens da sociedade, negros livres e afrodescendentes mobilizaram-se em torno de entidades emancipadoras (que angariavam fundos para a compra da alforria) e jornais, dando início ao que chamamos de movimento abolicionista. 
Muitos foram os nomes que contribuíram para a propagação das ideias abolicionistas. Na literatura, novas obras com teor questionador à escravidão foram lançadas, tais como: Vítimas e Algozes (1869) de Joaquim Manuel de Macedo; O Demônio Familiar (1856) e Mãe (1858) de José de Alencar; sem falar dos poemas de Castro Alves. 
Um dos grandes nomes do movimento abolicionista foi Joaquim Nabuco, autor de O Abolicionismo. Nabuco pertenciam a uma importante família de Pernambuco, uma tradicional e composta de políticos e proprietários de terras e de escravos. Ele tornou-se abolicionista no decorrer da sua vida pública. 
Outros nomes do abolicionismo são Luiz Gama, José do Patrocínio e Antônio Bento. Este último era advogado, filho de uma rica família de São Paulo, mas os dois primeiros eram filhos de escravas. 
Luís gama nasceu em 1830, era filho de uma africana livre de nação Nagô chamada Luiza Mahin e de um comerciante baiano. Sua mãe foi deportada para a África acusada de envolvimento na Revolta dos Malês em 1835.
Com apenas 10 anos foi vendido como escravo por seu próprio pai, notório gastador que havia perdido todas as suas economias. Como escravo, chegou ao porto de Santos e de lá foi enviado a pé até a cidade de Campinas. Mas ninguém queria comprá-lo pelo fato de ser baiano. Os escravos baianos eram mal vistos, pois tinham fama de fujões e de revoltosos — eram os ecos da Conjuração Baiana e da Revolta dos Malês. 
Assim ele acabou voltando para São Paulo com o seu agenciador que o fez seu escravo. Lá aprendeu e trabalhou como escravo doméstico, exercendo várias funções como as de copeiro, sapateiro e engomador. Certo dia, por volta de 1847, esteve em casa do seu senhor, um jovem rapaz, estudante de direito, de nome Antônio Rodrigues do Prado, com quem travou amizade. Esse rapaz o ensinou a ler e a escrever. As letras lhe trouxeram uma nova visão do mundo, pois era um aluno dedicado e com inteligência apurada. Logo Luiz Gama percebeu que a sua condição de escravo era ilegal e no ano de 1848 fugiu. Durante alguns anos serviu na Guarda Urbana como soldado, até dedicar-se completamente às letras. Tornou-se jornalista famoso e escrevia em jornais ligados ao Partido Liberal como o Cabrião. Mais tarde ajudaria a fundar o Partido Republicano Paulista, sempre defendendo o fim da escravidão. 
Corria em suas veias o sangue da liberdade e da justiça, com o auxílio de amigos influentes circulava em um meio social incomum para um homem negro. Autodidata tornou-se grande conhecedor das leis e começou seu trabalho como advogado de escravos. Atuava como rábula (pessoa que pratica o exercício da advocacia sem diploma) nos tribunais. Aplicando a lei de 1831 que tornara ilegal o tráfico, conseguiu a emancipação de mais de 1.000 escravos. Em sua casa ocultou muitos negros fugidos e a sua morte em 1882, levou centenas de pessoas às ruas, tendo sido uma grande comoção. Por ocasião de sua morte, Raul Pompéia escreveu: 
 
(...) não sei que grandeza admirava naquele advogado, a receber constantemente em casa um mundo de gente faminta de liberdade, uns escravos humildes, esfarrapados, implorando libertação, como quem pede esmola; outros mostrando as mãos inflamadas e sangrentas das pancadas que lhes dera um bárbaro senhor; outros... inúmeros. E Luís Gama fazia tudo: libertava, consolava, dava conselhos, demandava, sacrificava-se, lutava, exauria-se no próprio ardor, como uma candeia iluminando à custa da própria vida as trevas do desespero daquele povo de infelizes, sem auferir uma sobra de lucro...E, por essa filosofia, empenhava-se de corpo e alma, fazia-se matar pelo bom...Pobre, muito pobre, deixava para os outros tudo o que lhe vinha das mãos de algum cliente mais abastado. 
 
Luiz Gama morreu em 1882 e não viveu para ver o final da escravidão.
 
Aula 22_O abolicionismo II: grandes nomes que fizeram a luta abolicionista e o negro na pós-abolição
  
Outros grandes nomes fizeram a campanha abolicionista. O importante aqui é observarmos que os negros livres também encontraram formas de combater a escravidão. A sociedade brasileira no século XIX já era composta por uma camada grande de homens e mulheres negros livres que de um modo ou de outro ajudaram a germinar a semente do abolicionismo!  
José do Patrocínio
 
Um desses personagens foi José do Patrocínio, nasceu em 1854, era filho de uma escrava de nação mina e do vigário João Carlos Monteiro, da paróquia de Campos dos Goitacazes, que mesmo não reconhecendo a sua paternidade, levou-o para sua fazenda, onde foi criado de modo rigoroso junto com os escravos. Com quatorze anos seu pai autorizou-o a viver no Rio de Janeiro onde trabalhou como pedreiro. A sua própria custa, terminou os estudos e ingressou na Faculdade de Medicina como aluno de Farmácia. Conheceu Joaquim Nabuco quando iniciou seus trabalhos como jornalista por volta de 1875. Na ocasião já estava casado com a filha de um militar abastado que na época havia se oposto ao casamento, pelo fato de Patrocínio ser “mulato”. 
Frequentou diversas entidades emancipadoras e escreveu em diversos jornais, iniciando a sua campanha abolicionista. Juntamente com Nabuco, fundou a “Sociedade Brasileira Contra a Escravidão”. Com a ajuda de seu sogro comprou o jornal Gazeta da Tarde e, em 1883, fundou a Confederação Abolicionista. Em 1885, visitou a sua cidade natal e foi buscar a sua mãe que fora escrava durante toda a vida e que morreria meses mais tarde.   
André Rebouças
Há ainda André Rebouças, negro, filho de rica família de políticos baianos formou-se engenheiro, porém com muitas dificuldades devido ao preconceito racial.
Outro nome que não podemos esquecer é o de Antonio Bento, formado em direito pelo Largo São Francisco, amigo de Luiz Gama. Assumiu seu lugar na liderança da luta abolicionista paulista. Em 1870 reorganizou a já existente Irmandade de Nossa Senhora dos Remédios que virou ponto de encontro dos caifazes — grupo de pessoas que iam de fazenda em fazenda, incentivando fugas e dando abrigo aos escravos fugidos. Antonio Bento a exemplo de Luiz Gama escondeu vários negros fugitivos em sua casa e advogou em seu favor. Os caifazes costumavam mandar os escravos para o quilombo do Jabaquara em Santos e de lá eram enviados para o Ceará onde a escravidão já estava abolida desde 1882. 
Apesardos esforços valorosos de todas as pessoas envolvidas no movimento abolicionista e de a escravidão ter sido extinta definitivamente em 1888, a situação do negro, agora liberto, não foi fácil. A ação do movimento abolicionista parou no momento da abolição. Não houve um plano de apoio ao ex-escravo, salvo ações isoladas. 
A realidade da liberdade mostrou-se dura. Ao se abrirem as senzalas não foram dadas aos negros, as oportunidades no campo do trabalho. Em uma sociedade acostumada a tratar o negro como objeto, dificilmente as relações entre senhores e ex-escravos seria diferente. Muitos escravos preferiram sair das fazendas e uma massa de homens e mulheres negros rumou para as cidades onde as condições se mostraram iguais, senão piores. Havia para o ex-escravo, além da concorrência dos nacionais pobres, a concorrência da mão-de-obra imigrante, trazida em larga escala para o Brasil, a partir das últimas décadas do século XX. 
Segundo o sociólogo Florestan Fernandes, grande estudioso das relações de trabalho gestadas ao final da escravidão, houve, por parte dos grandes proprietários, um processo intencional de substituição da mão de obra escrava pela livre, especialmente a imigrante. Como a abolição já era tida como inevitável a transição da mão de obra escrava para a livre foi manipulada estrategicamente, a fim de se manterem os interesses econômicos, sociais e políticos. O preconceito racial já estabelecido não permitia ao ex-escravo portar as mesmas oportunidades que seus pares. O negro, portanto, fora excluído deliberadamente do processo produtivo.
 
Para pensar: Agora que refletimos um pouco sobre as condições do negro na História do Brasil vamos tentar pensar também na situação do indígena nesse contexto? Mais um desafio para as próximas aulas! 
Resumo_Unidade IV
  
Nesta Unidade nos pudemos perceber como foi chegada dos africanos ao Brasil. A empresa escravista colonial foi violenta, pudemos comparar com as unidades anteriores que a escravidão na África era diferente daquela que foi praticada aqui no Brasil. 
O cotidiano do escravo foi marcado pelo sofrimento e pela dureza de sua condição, no entanto, pudemos constatar que sempre encontraram meios de resistir, seja através das fugas, nos quilombos, no jogo da capoeira ou nas irmandades. Sempre encontraram estratégias de resistência, souberam também recriar os laços perdidos na dura travessia, associando-se e assumindo uma nova identidade forjada no mundo colonial. Tinham mobilidade, apesar da rigidez, violência e do extremo controle e, assim, conseguiam heroicamente driblar os difíceis percalços do ser escravo. 
O movimento abolicionista é outro destaque e foi interessante perceber a participação de homens negros nessa dura batalha. Apesar da luta abolicionista as condições do negro não se alteraram e uma nova luta se iniciou para essa população, a luta contra o preconceito racial.
  
  
Referências Bibliográficas
FERNANDES, Florestan. A integração do negro na sociedade de classes. Volume I. São Paulo: Ática, 1978. 
GOMES, José Flávio. Palmares. São Paulo: Editora Contexto, 2005. PINSK, Jaime. A escravidão no Brasil. São Paulo: Contexto, 1994.Silva, Maria Beatriz Marques Nizza da (org.). Brasil: colonização e escravidão. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000. 
SLENES, Robert. “Malungu, ngoma vem! África coberta e descoberta do Brasil”. Revista USP, nº. 12, 1991-1992. 
SOUZA, Marina de Mello e. “Santo Antônio de nó-de-pinho e o catolicismo afro-brasileiro”. Rio de Janeiro: Tempo, nº. 11, Julho de 2001. 
QUINTÃO, Antônia Aparecida. Irmandades negras : outro espaço de luta e resistência - (1870-1890). São Paulo: Annablume/FAPESP, 2002.
 
Aula 23_Os verdadeiros donos desta terra
   
Todos aprendemos na escola que o Brasil foi descoberto por Pedro Álvares Cabral em 22 de abril de 1500, certo? Aprendemos também que os portugueses vieram parar aqui procurando o caminho para as “Índias” em busca das famosas especiarias, e que, quando aqui chegaram, estranharam o povo diferente, seus costumes e seus hábitos, julgando-os selvagens e primitivos. 
Começamos a estudar a “História do Brasil” sempre a partir do descobrimento. Passamos a existir, historicamente, a partir do momento em que aportaram em nosso litoral as primeiras naus e caravelas portuguesas. Estamos incluídos na visão eurocêntrica da História. É difícil encontrar elementos que nos levem a pensar como era o Brasil antes da chegada dos portugueses. O que sabemos sobre os povos que aqui habitavam vem dos registros daqueles que mais tarde seriam nossos colonizadores. 
Já comentamos que nossos conhecimentos sobre os índios esbarram na criação de um estereótipo reproduzido em larga escala: o índio era um ser selvagem, livre, que vivia nu pelas florestas, sobrevivendo da caça e da pesca, moravam em grupos que foram denominados tribos. Pintavam o corpo e cultuavam em seres da natureza. Sabemos que habitavam o litoral brasileiro, porém nossa referência geográfica atual os remete para a região do Xingu ou à Amazônia. São seres exóticos e diferentes, praticamente extintos a quem se reservam espaços cada menores em nossa sociedade. Como chegamos a tal ponto de redução da cultura indígena a um mero estereótipo? Afinal o que é ser índio? Segundo Darcy Ribeiro: 
 
Índio é todo o indivíduo reconhecido como membro de uma comunidade de origem pré-colombiana, que se identifica como etnicamente diversa da nacional e é considerada indígena pela população brasileira com que está em contato. 
 
1 Ser índio se relaciona com a identidade e abordaremos esse assunto mais adiante. A colonização do Brasil foi um processo longo e violento, muitas vidas foram ceifadas em nome da civilização europeia. Diferentemente dos escravos africanos que foram retirados de suas origens, os índios tiveram a sua terra invadida e a sua cultura arrasada pela mão do colonizador, deslocados territorialmente, tiveram ainda de aceitar costumes, hábitos e a religião do dominador. Porém nunca sem resistência, que de tão violenta reduziu a população indígena de estimados 6 milhões de indivíduos, para apenas cerca de 220 mil! Para a América, como um todo, se contabilizava de 40 a 50 milhões de habitantes. O padre Bartolomeu de Las Casas, em seus escritos, denunciou o genocídio de 40 milhões de índios em apenas 60 anos ! 2
No princípio o contato entre europeus e indígenas foi apenas de interesse mútuo e trocas. Logo de início, o que interessou aos portugueses foi o pau-brasil. Não houve povoamento maciço do território, deixavam-se apenas alguns indivíduos em feitorias ou até mesmo hospedados em aldeias para que cuidassem da madeira guardada até a chegada de algum navio. Como são escassas as informações sobre os 30 primeiros anos da descoberta, não há registros de que houvesse trabalho escravo indígena. O que parece mais seguro afirmar é que se estabeleceram trocas de pau-brasil, víveres, por objetos de metais e contas com os indígenas.
Porém as relações pacíficas são alteradas a partir do momento em que os portugueses passaram a experimentar o plantio de cana para a fabricação do açúcar. São necessários terra e braços para a lavoura e os índios, que esporadicamente cortavam e empilhavam as toras de pau-brasil, eram escravizados. Tem início um período de hostilidades com a chegada dos primeiros donatários designados para ocupar e explorar o território.
 
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1 RIBEIRO, Darcy. Os índios e a civilização. O processo de integração dos índios no Brasil moderno. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1970. 
2 RIBEIRTO, BERTA. O Índio na história do Brasil. São Paulo: Global, 1983.
Aula 24_A cultura indígena
 
A diversidade das sociedades indígenas é segundo Manuela Carneiro da Cunha: “patrimônio essencial do Brasil”. Ela nos chama a atenção para o contraste entre seus universos culturais tão ricos e a simplicidade de suas tecnologias: 
 
O que talvez mais chame a atenção seja o contraste entre a simplicidade das tecnologias e a riqueza dos universos culturais. As sociedades indígenas elaboraram cosmologiase sistemas sociais complexos, nos quais o patrimônio imaterial parece ter um privilégio sobre o patrimônio material. Enquanto a propriedade privada da terra, por exemplo, é inexistente, direitos sobre bens imateriais, tais como nomes próprios, cantos, ornamentos rituais, são objeto de detalhada regulamentação. A arte indígena, por sua vez, parece preferir suportes perecíveis: em muitas dessas sociedades, o corpo humano, a palha e as plumas são objeto de um trabalho artístico intenso - pintura corporal, cestaria, arte plumária - sobre objetos essencialmente efêmeros. 1
 
Alguns grupos praticavam o canibalismo por diversos motivos. Os tupis comiam seus inimigos como vingança e como forma de adquirir seus poderes. O canibalismo era um ritual honroso. Também comiam entes queridos. Para os tapuias, “o melhor túmulo para um feto abortado era a barriga da mãe, não uma cova na terra”. Nem sempre se comiam guerreiros rivais, podiam ser parentes em sinal de afeição e de fidelidade 2. Esses hábitos chocaram muito os europeus que, no entanto, aceitavam de bom grado a escravidão. 
Na figura a seguir, Theodore de Bry (século XVII) destacou a voracidade dos índios que se banqueteavam diante de Hans Staden perplexo. Hans Standen foi um viajante alemão, aprisionado por tupinambás no litoral fluminense. Ele foi levado para a aldeia dos índios em Ubatuba; lá presenciou diversos rituais canibais, mas conseguiu fugir e retornar ao seu país. Suas aventuras foram registradas na obra Viagens e aventuras no Brasil, publicado em 1557. 
 
A respeito da religiosidade indígena há poucos registros sobre as suas práticas. Logo de início foram reprimidas pelo projeto missionário europeu que eliminou a figura do pajé — espécie de sacerdote que dominava as práticas mágico-religiosas. Cultuavam seres relacionados à natureza, como as águas, o sol, a lua. A lenda do boto é resultado de uma mistura de crenças dos povos indígenas. Na lenda o boto é um ser sobrenatural, que assume a forma humana para se relacionar com jovens e engravidá-las. Quando toma forma de mulher atrai aos homens que não voltam mais. 
Sabe-se que alguns grupos acreditavam num grande deus Tupã e que outros buscavam “a terra sem mal”. Não se pode, contudo, generalizar nem homogeneizar tais práticas, o fato é que os rituais eram de extrema importância para os índios. 
Entoavam-se cânticos para os mais diversos acontecimentos, para fazer pedidos à natureza, comemorar momentos importantes ou prepararem-se para a guerra. Praticavam rezas e eram grandes conhecedores da medicina natural.  
Essas práticas eram consideradas pelos missionários como feitiçaria e duramente reprimidas. A dança e a expressão corporal eram e continuam sendo fundamentais para os povos indígenas. Como podemos perceber na citação de Manuela Carneiro da Cunha, a cultura imaterial era riquíssima e se revelava nos corpos que foram cobertos, nas vozes que foram silenciadas e obrigadas a entoar as ladainhas católicas e a pajelança foi substituída pela missa dominical. 
 
 
 
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1 CUNHA, Manuela Carneiro da. Povos indígenas. (www.mre.gov.br – acesso em 03/02/07).
2 RAMINELLI, Ronald. “Canibalismo em nome do amor”. Revista Nossa História, ano 2, nº. 17, março 2005, pp. 26-31.
Aula 25_Índio, “O negro da terra”¹
  
As relações entre os índios e os portugueses que em princípio eram amistosas, logo tornaram-se violentas. Quando precisaram de braços para a lavoura, os portugueses tentaram trocar mercadorias por escravos. Havia, em algumas aldeias, uma “reserva” de prisioneiros que tinham essa condição em virtude da guerra. 
Quando os portugueses chegaram, os índios souberam estabelecer relações de interesse com eles, particularmente em ações contra inimigos locais. A principal finalidade da guerra indígena era o sacrifício ritual e a voracidade dos portugueses por braços para a lavoura começou a parecer estranha aos indígenas, pois subvertia a sua lógica. Os portugueses trouxeram também o contágio com doenças que, somadas a transformação da guerra, trouxeram sérias rupturas na organização das sociedades indígenas. 2
Os donatários detinham plenos poderes em sua terra; arregimentavam colonos que deveriam cultivá-la, mas não podiam travar relações com os índios. Constituíram-se dois tipos de plantação: as roças e as fazendas. 
O indígena passou a olhar com reserva a presença do homem branco. Porém alguns grupos da costa estabeleceram relações de amizade ainda baseadas no escambo. Os Tupinambás se aliaram aos franceses e os portugueses aos Tupiniquins. 
A catequização do índio era dificultada pela presença do colono que, segundo os missionários, atrapalhavam o seu trabalho. Dessa forma, os jesuítas formaram aldeamentos com o intuito de catequizar e de impor aos índios uma rotina religiosa. Esses aldeamentos ficavam longe das aldeias e vilas para impedir o acesso dos colonos. Contavam com um pelourinho, onde os insubmissos eram açoitados. Os índios aldeados, além de receber a catequese, eram obrigados a trabalhar duro para alimentarem os missionários e a eles mesmos. 
Em pouco tempo houve um esvaziamento dos aldeamentos. Começou-se a praticar também os descimentos — deslocamento em massa de índios para locais determinados pela Coroa ou direto para fazendas e engenhos. Foi uma luta violenta que gerou a chamada “guerra justa”, justificativa dada pelos portugueses para empreender o massacre de milhares de indígenas, foi uma verdadeira caça ao índio.   
Índios Botocudos - Debret
 
A guerra justa estava regulamentada por uma contraditória lei de 20 de março de 1570 que proibia a escravidão indiscriminada, no entanto, regulamentava as condições para a guerra justa, aceita, caso os índios rejeitassem a religião católica ou se mostrassem hostis. A prática da antropofagia também era passível de punição. 
As bandeiras também funcionaram como forma de captura. Contratados para buscar ouro e pedras e também para buscar escravos, pelos fazendeiros, os bandeirantes, tão aclamados por “abrir as fronteiras” do nosso país, patrocinaram verdadeiras atrocidades junto ao povo indígena. Desenvolviam técnicas de luta, aprendendo tudo sobre o inimigo com o auxílio de grupos rivais e se mantinham fortemente armados com o uso de escopetas, carabinas, pistolas, bacamartes. Mais tarde, seriam incentivadas e recompensadas pela Coroa portuguesa. 
A utilização da mão de obra africana em algumas regiões do país só ocorreu a partir do século XVII, a exemplo de São Paulo, onde os tijupares — abrigos rústicos — começaram a virar senzalas, a partir desse período. 
O africano só seria utilizado em larga escala a partir do século XVIII.  
Soldados índios de Mogi das Cruzes - Debret
 
Na imagem, podemos observar como os índios foram utilizados no processo que ficou conhecido como bandeiras. Em busca de mão de obra, cada vez mais necessária, empreendeu-se uma longa jornada para o interior do Brasil. 
Para refletir: Você percebe semelhanças entre os primeiros contatos de portugueses e africanos e de portugueses e índios? 
 
 
 
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1 Negro da terra era um termo correlato à denominação dos negros da Guiné, seu uso para qualificar negros e índios, caiu em desuso devido ao avanço da mão de obra escrava africana. SCHWARTZ, Stuart. Segredos internos. São Paulo: Cia. Das Letras, 1988.
2 MONTEIRO, Jonh Manuel. Negros da terra: índios e bandeirantes nas origens de São Paulo. São Paulo: Cia. Das Letras, 2005, p. 29.
Aula 26_Europeus na América :O Grande Etnocídio
  
Como comentamos, as sociedades indígenas no Brasil são muito diversas entre si. São, aproximadamente, 163 línguas diferentes que, com os dialetos, aumentam para 195. Podem ser agrupados em 14 conjuntos, porém se destacam quatro grandes grupos linguísticos: Macro-Tupi, Macro-Jê, Aruak e Karib, somente os Macro-Tupi e Macro Jê incorporam mais de 20 línguas cada um. 
A língua é uma forma de classificar os povos indígenas. Mas também podemos classificá-los por suas diferenças culturais ou pela área cultural que abrangem. Territorialmenteos indígenas brasileiros se dividem em dois grupos: caçadores e coletores tornados agricultores de aldeias agrícolas da floresta tropical  1. 
Os caçadores e coletores habitam, em geral, o cerrado, aproveitando as margens do rio e plantando batata doce, deslocando-se em períodos de seca. Possuem uma cultura material simples: não produziam cerâmica, tecelagem nem canoas ou redes. Segundo o grau de “integração” com a sociedade local, Darcy Ribeiro classificou-os em: grupos isolados, grupos em contato intermitente, grupos em contato permanente, grupos integrados. 
A escravidão ceifou milhares de vida e se considerarmos a estimativa de 6 milhões de indígenas, podemos afirmar que foi um verdadeiro etnocídio, o contato entre portugueses e índios no Brasil. Etnocídio porque eliminou fisicamente uma grande quantidade de tribos e também culturalmente. 
Diversos grupos desapareceram e com eles a sua história. Além da violência da escravidão, as doenças dizimaram milhares de vidas. Morriam aos montes em epidemias de gripe, varíola, sarampo, tuberculose e sífilis. Curiosamente, os missionários, através do batismo, ajudaram a disseminar doenças, observe o relato do padre Manuel da Nóbrega: 
 
(...) uma coisa nos acontecia que muito nos maravilha a princípio e foi que quase todos os que batizamos, caíram doentes, quais do ventre, quais dos olhos, quais de apostema; e tiveram ocasião os seus feiticeiros de dizer que lhe dávamos a doença com a água do batismo e, com a doutrina, a morte 2 . 
  
A réplica indígena reproduzida por Manuel da Nóbrega, não poderia ser mais lapidar: morte física com a doença e morte cultural com a doutrina religiosa. 
A ação dos jesuítas conseguiu eliminar a nudez ostensiva dos índios, vestindo-os com longas vestes ou cobrindo seus órgãos genitais, apagando as marcas de sua cultura. Abaixo, pintadas por Debret, estão uma índia Camacã e uma índia civilizada indo à missa. 
 
Os interesses dos missionários iam muito além do simples catecismo, tinham interesses comerciais; foram grandes negociantes de escravos, chocando-se com os colonos pelo poder. Escravidão, doenças, morte cultural, dessa forma a população indígena ficou reduzida a menos de 5% do que era antes da chegada dos portugueses.
No imaginário popular, a figura do índio livre, nu, correndo pela mata continua fortemente sedimentada. A realidade é bem diferente. Despojados de suas terras se encontram apartados da nacionalidade, não são mencionados a não ser em caso de conflitos, que são inúmeros. A falta de identidade também é um complicador para esses grupos. Muitas vezes continuam sendo discriminados, pois quando estão fora de seus aldeamentos são encarados como diferentes ou exóticos.
Leia trechos de reportagens publicadas no jornal “O Estado de São Paulo”, de 14 de fevereiro de 1994 e no jornal “Folha de São Paulo”, de 8 de novembro de 1997, respectivamente: 
 
Ser índio na cidade de Manaus parece pecado. Como castigo são discriminados, recebem menos de meio salário mínimo e engrossam a lista de subempregos (...) Ocupam palafitas ou favelas e, na maioria das vezes, trabalham em troca de roupas velhas ou um prato de comida (...) Para contornar as dificuldades, um verdadeiro ‘bloqueio branco’, alguns até tentam omitir a condição indígena. Mas os traços físicos e a pele queimada do sol denunciam tudo. 
O medo do preconceito tem obrigado índios que moram em São Paulo a camuflar suas origens para conseguir emprego. Na hora de procurar trabalho, os índios se apresentam como negros, nordestinos ou índios argentinos. 
 
Tanto em Manaus como em São Paulo, onde os índios sem  aldeias moram em favelas e são discriminados, têm de esconder a sua “identidade” literalmente para conseguir melhores condições de vida. O indígena, na atualidade, está longe de superar os desafios que começaram com a chegada dos portugueses ao Brasil.
 
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1 CUNHA, Manuela Carneiro, Op. Cit. , p. 1. 
2 Padre Manuel da Nóbrega APUD RIBEIRO, Berta. Op. Cit. p, 29.
Aula 27_Índio quer terra: A Questão Fundiária
  
A questão da terra para o índio ainda está para ser resolvida. Desde a lei de 1570 foram criados mecanismos de defesa do índio, porém o desrespeito sempre foi flagrante. 
Dependendo do interesse na região, as terras foram mais ou menos demarcadas como reserva indígena. No Nordeste, Centro-Oeste, no Sul e Sudeste os índios se encontram em pequenas porções de terra. Na região da Amazônia, a extração de borracha diminuiu muito a área indígena, porém, em algumas regiões sobrevivem grupos muito pequenos que ainda não tiveram contato com o homem branco — alguns são herdeiros de grupos que já tiveram esse contato e preferem o isolamento. 
A Constituição de 1988 definiu de modo claro o que todas as outras já garantiam: a propriedade da terra. 
Reconhecimento da identidade cultural própria e diferenciada dos grupos indígenas (organização social, costumes, línguas, crenças e tradições), e de seus direitos originários (indigenato) sobre as terras que tradicionalmente ocupam. As terras indígenas devem ser demarcadas e protegidas pela União. O reconhecimento da organização social das comunidades indígenas determina a orientação da política indigenista. O abandono implícito da vocação integracionista encontrada nos textos constitucionais anteriores abriu espaço para uma nova ótica que valoriza a preservação e desenvolvimento do patrimônio cultural indígena. Por sua vez, a recuperação jurídica do instituto do indigenato (figura comum nas leis e cartas régias do período colonial) assentou o reconhecimento de que a posse indígena da terra decorre de um direito originário, que por isso independe de titulação, precede e vale sobre os demais direitos (art. 231, caput); 
As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios são aquelas por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar, e as necessárias à sua reprodução física cultural, segundo seus usos, costumes e tradições (art. 231, parágrafo 1º); 
Nas terras tradicionalmente ocupadas os índios detêm o direito de posse permanente e de usufruto exclusivo das riquezas dos solos, rios e lagos (art. 231, parágrafo 2º); 
O aproveitamento dos recursos hídricos e a pesquisa e lavra mineral em terras indígenas somente podem ser realizadas mediante autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, que terão participação assegurada nos resultados da lavra, na forma da lei (art. 231, parágrafo 3º). Trata-se, portanto de matéria que depende da aprovação de lei específica na qual se definirão os procedimentos e condições para a aprovação pelo Congresso de projetos de exploração de recursos hídricos e minerais em terras indígenas; 
As terras indígenas são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos que os índios exercem sobre elas são imprescritíveis (art. 231, parágrafo 4º); 
Os grupos indígenas não podem ser removidos de suas terras a não ser em casos de catástrofe ou epidemia, com o referendo do Congresso Nacional, ou no interesse da soberania, com aprovação prévia do Congresso (art. 231 parágrafo 5º); 
São nulos, extintos e não produzem efeitos jurídicos os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio ou a posse por terceiros e a exploração dos recursos naturais do solo, rios e lagos nas terras tradicionalmente ocupadas pelos índios. A nulidade e extinção não geram direito de indenização ou de ação contra a União, salvo quanto às benfeitorias derivadas da ocupação de boa fé. Ressalva-se, no entanto, a possibilidade de ocupação e exploração dos recursos naturais em caso de relevante interesse público da União, em circunstâncias a serem definidas em lei complementar (art. 231 parágrafo 6º) 1 ;
 
Ao observar esses artigos da Constituição podemos perceber o quão longe estão de ser cumpridos. Os ataques de garimpeiros, madeireiras e mineradoras são uma constante, gerando conflitos e tensões que chegam muitas vezes à morte. Diversos órgãos foram criados paraauxiliar o tratamento com os índios. Em 1909 foi criado o SPILT (Serviço de Proteção aos Índios e Localização de Trabalhadores Nacionais), mais conhecido como SPI, que foi inaugurado e dirigido pelo Marechal Rondon, que ficou famoso por percorrer o interior com índios para exibições que deveriam mostrar que eles eram “amigos”. 
Rondon propunha pacificar, demarcar terras e ensinar noções de higiene e sanitarismo para livrá-los das doenças adquiridas no contato com os brancos. Porém, o resultado de suas pacificações foi ocasionar a redução ou mesmo o desaparecimento de grupos como os Kaingáng e OtíXavánte em São Paulo, Botocudos em Minas Gerais e Xetá no Paraná. Esta instituição duraria até os anos 1960, até que, em 1967 foi criada a FUNAI (Fundação Nacional do Índio). 
Fundada durante o regime militar a FUNAI alcançou índices recordes de demarcação, especialmente na região Norte, não tanto em função da pressão dos índios, mas sim pela necessidade de atender aos interesses dos grupos empresários que gostariam de saber onde poderiam explorar a rica Amazônia. 
A lei não é cumprida e a constituição ainda criou a condição de se estabelecer o índio enquanto “cidadão” brasileiro, o que também é uma forma de dizer que só os cidadãos podem habitar o “território brasileiro”. A demarcação de terras pode estar ameaçada, caso tais dispositivos jurídicos continuem sendo utilizados para driblar a posse da terra. 
Ainda existem comunidades isoladas no Brasil, estima-se que sejam aproximadamente 46, segundo os dados do Instituto Socioambiental. Visite o site onde é possível saber em que região do país se encontra esses grupos e também vários dados sobre os grupos já conhecidos. http://www.socioambiental.org/
 
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1 Retirado de 
Resumo_Unidade V
   
Nesta Unidade nos pudemos perceber como foi chegada dos africanos ao Brasil. A empresa escravista colonial foi violenta, pudemos comparar com as unidades anteriores e concluir  que a escravidão na África era diferente daquela que foi praticada aqui no Brasil. 
O cotidiano do escravo foi marcado pelo sofrimento e pela dureza de sua condição, no entanto, pudemos constatar que sempre encontraram meios de resistir, seja através das fugas, nos quilombos, no jogo da capoeira ou nas irmandades. Sempre encontraram estratégias de resistência, souberam também recriar os laços perdidos na dura travessia, associando-se e assumindo uma nova identidade forjada no mundo colonial. Tinham mobilidade apesar da rigidez, violência e do extremo controle e, assim, conseguiam heroicamente driblar os difíceis percalços do ser escravo. 
O movimento abolicionista é outro destaque e foi interessante perceber a participação de homens negros nessa dura batalha. Apesar da luta abolicionista, as condições do negro não se alteraram e uma nova luta se iniciou para essa população, a luta contra o preconceito racial.
  
  
Referências Bibliográficas
FERNANDES, Florestan. A integração do negro na sociedade de classes. Volume I. São Paulo: Ática, 1978. 
GOMES, José Flávio. Palmares. São Paulo: Editora Contexto, 2005. PINSK, Jaime. A escravidão no Brasil. São Paulo: Contexto, 1994.
Silva, Maria Beatriz Marques Nizza da (org.). Brasil: colonização e escravidão. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000. 
SLENES, Robert. “Malungu, ngoma vem! África coberta e descoberta do Brasil”. Revista USP, nº. 12, 1991-1992. 
SOUZA, Marina de Mello e. “Santo Antônio de nó-de-pinho e o catolicismo afro-brasileiro”. Rio de Janeiro: Tempo, nº. 11, Julho de 2001. 
QUINTÃO, Antônia Aparecida. Irmandades negras : outro espaço de luta e resistência - (1870-1890). São Paulo: Annablume/FAPESP, 2002.
 
Aula 28_A importância de africanos e indígenas na formação do Brasil
  
Os povos africanos e os indígenas deixaram importantes contribuições para a formação de nosso país. Além de fazer parte de uma identidade, até pouco tempo contestada, deixaram marcas profundas nas artes, na culinária, na música e na cultura popular. 
É inegável o fato de que somos um país multirracial. Recuperando um pouco nossas aulas, pudemos perceber que vários grupos habitavam o que mais tarde seria o Brasil. Eram grupos humanos diferentes em sua cultura e modos de vida, mas foram “homogeneizados” sob o termo “índio”, ou sob o termo “negro”. 
De qualquer modo, as influências desses grupos podem ser percebidas em nossa cultura. A começar por nosso vocabulário, repleto de termos derivados das línguas africanas e indígenas, como por exemplo:
  
INDÍGENA
Aipim, amendoim, capoeira, babaçu, caboclo, caiçara, caju, capim, pipoca, mingau, piranha, tapera, tipóia, arara, anhanguera, araçá etc.
  
AFRICANA 
Abóbora, angu, bagunça, brucutu, carimbo, cochilo, macaco, milonga, moqueca, quitanda, quitute, samba, senzala, sunga, vatapá, xingar, zumbi, zonzo etc.
A cultura popular incorporada através de cantigas de roda e histórias como do saci-pererê, boitatá, iara, mãe do ouro, o boto cor de rosa, matitaperê, mula sem cabeça, lobisomem, anhangá, caipora... Continuam sendo contadas por gerações e gerações. No campo religioso (que merece capítulo a parte), deixaram suas referências em manifestações sincréticas como a umbanda e o candomblé. A música incorporou instrumentos e ritmos: 
 
Entre as danças populares mais comuns em todo Brasil está o bumba-meu-boi, ou boi-bumba, espécie de teatro dançado e cantado no qual é contado uma história que se repete mais ou menos igual, na qual um empregado da fazenda mata o boi preferido do patrão para satisfazer o desejo de sua mulher grávida de comer carne, vendo-se depois numa enrascada. A situação é resolvida por meio das forças mágicas usadas por um feiticeiro, que faz o boi ressuscitar e tudo ficar bem no final. Essa brincadeira que vai caindo em desuso, com os jovens preferindo formas mais modernas de diversão, deu origem a uma das maiores festas populares da atualidade, o Boi de Parintins, no qual o os elementos indígenas ganharam primeiro plano, sobrepondo- se à influência de culturas africanas, em muitas das quais o boi é um elemento central e cujos ritos mágico-religiosos estão presentes na cena da ressurreição do boi. 1
 
A partir desse trecho podemos perceber que os elementos africanos e indígenas se interpenetraram sobrepondo e misturando-se uns aos outros; a nota triste fica pela perda dessas tradições, marcada pelo avanço tecnológico, e a perda de valores culturais tradicionais. Contudo, as festas populares ainda resistem e, nelas, residem os elementos culturais afro-ameríndio, tais como os moçambiques, os jongos, cateretês. A capoeira, forma de luta e resistência escrava, como já mencionada, ganhou adeptos e divulgação internacional. Há quem pense em incorporá-la como esporte aos jogos olímpicos. 
Além da cultura não podemos esquecer que muitas técnicas de trabalho foram adquiridas com os indígenas ou trazidas pelos africanos. Com os índios, aprendemos a cultivar o solo. Entre os muitos escravos chegados ao Brasil estavam hábeis artesãos, oleiros, tecelões, ferreiros mineiros, carpinteiros e escultores que trouxeram a sua estética e a sua concepção diferenciada de arte. 
A culinária africana está presente nos usos do azeite de dendê e da pimenta; a banana também foi trazida do grande continente. A confecção de recipientes de barro modelados é uma herança indígena ainda hoje utilizada nas áreas rurais. A técnica da pesca e o conhecimento profundo da fauna e flora brasileira também são frutos da convivência com os “verdadeiros donos da terra”.
Dessa forma podemos observar a rica herança incorporada por negros e índios em nossos costumes e práticas cotidianas. É preciso valorizar nossas raízes culturais!
  
Desafio: Observe ao seu redor, sua cidade, seu bairro, sua rua. 
Você pode encontrar elementos culturais afro-ameríndios? 
 
 
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1 SOUZA, Marina de Mello e. África e Brasil africano. São Paulo: Ática, 2006, p. 135.
Aula 29_As religiões africanas no Brasil: sincretismo e trocas culturais
   
As religiões africanas foram uma das mais contundentescontribuições do negro para a sociedade brasileira. Se, no princípio, os escravos eram proibidos de praticar a sua própria religião, logo conseguiram encontrar formas de driblar a vigilância da Igreja Católica. Diferentemente dos indígenas os africanos não foram doutrinados ferrenhamente na fé católica, sua introdução era rápida e superficial resumindo-se a decorar o pai-nosso e a ave-maria e algumas frases. 
No ritual do batismo era necessário “comer” o sal de Deus; muitos escravos, especialmente da região do Congo, recusavam-se a fazê-lo, pois para eles a ingestão do sal retirava as suas forças e sua capacidade de “voar de volta à África”. Os elementos simbólicos do catolicismo, ainda que com sentido muito diferente, encontravam uso na cosmologia africana. Por exemplo, a cruz, no congo, representava um espaço ritual feito na terra que delimitava o espaço entre o mundo dos vivos e o dos ancestrais como sinal de poder. O uso de imagens de interseção entre os mundos como os minkisi, que já mencionamos, encontrou paralelo na adoração e culto aos santos do catolicismo e foi incorporado pelos africanos de modo rápido. 
Estar em contato com os santos era de extrema importância para os africanos de origem banto — grupo que cedeu a grande maioria dos braços às fazendas de café — e seus descendentes, pois traziam de suas regiões, rituais pautados também pela interseção, utilizando objetos mágico-religiosos, como a cruz, desde antes da chegada dos europeus. Tais usos  auxiliavam a compreender o mundo visível e invisível que coabitavam num mesmo plano 1. 
Os elementos cristãos, entre eles os santos, foram incorporados pelos africanos a partir de sua própria lógica, pois, em suas práticas, também se intermediavam relações entre o mundo dos vivos e dos mortos. Tanto para os europeus cristãos, como para os africanos e suas religiões naturais, os “santos” se caracterizaram como intermediários na vida dos homens (não obstante, em terras africanas, as imagens representassem uma presentificação do espírito). No Brasil, o catolicismo se revestiu de elementos mágico-religiosos que transformaram os santos em entidades divinas, capazes de atender aos pedidos e realizar milagres. Os fiéis atendidos, tal como nas religiões antigas, pagavam os tributos em oferendas e sacrifícios. Os rituais em torno dos santos católicos sempre estiveram revestidos de antigas crenças e práticas pagãs 2. 
As religiões de matriz africana são muitas vezes denominadas genericamente e pejorativamente de “macumba”, o que na verdade, faz referência a um antigo instrumento de percussão de origem africana semelhante ao reco-reco. As religiões africanas foram proibidas durante muitos anos no Brasil, porém germinaram e deram origem a formas de culto sincrético, captando elementos das culturas com que estiveram em contato. Até o século XVIII, as formas de culto africanas praticadas de modo clandestino eram chamadas de calundus, que significa dança, batuque. Os calundus foram muito noticiados e sempre reprimidos, funcionavam a princípio nos reduzidos espaços das fazendas, porém com a expansão urbana tiveram espaço para reproduzir-se de modo mais acentuado. 
O Candomblé é um culto de influência dos grupos originários da África Ocidental, onde hoje se encontram a Nigéria, Benin e Togo. Esses grupos são os iorubás, ou nagôs (keto, ijexá, legbá etc...), jejes (ewe ou fon), os fanti-achanti, e também os bantos — populações das regiões atuais de Congo, Angola e Moçambique. No Brasil, assumiram as denominações de nações que lhes foram impostas, como já comentamos, e fundaram terreiros de culto divididos a partir dessas nações. Tentaram reproduzir, de certa forma, as relações estabelecidas na África: 
 
O candomblé surge aos visitantes como uma habitação comum, ou, se se prefere, como uma aldeia africana, conservando o comportamento de ajuda mútua e de trabalho clânico. Os homens constroem as casa ou os santuários dos deuses, as mulheres entregam- se aos trabalhos caseiros ou cultivam a horta. Mas não se pode dizer que trabalham gratuitamente para o sacerdote ou sacerdotisa. Trabalham para a coletividade 3. 
 
Na África, o culto tinha um caráter familiar, ou seja, ficava nas mãos de sacerdotes específicos ou de um grupo familiar de liderança. Geralmente, cultuava-se somente um Deus por aldeia ou cidade. Assim em Oió era Xangô; em Keto Oxossi; em Ipondá Oxum e Oxobô. Como aqui não foi possível reproduzir essa estrutura, num mesmo espaço residiram várias entidades. 
A umbanda surge de forma organizada por volta de 1920. Mistura elementos da religião africana, como o culto aos orixás, aos pretos velhos, mas também entidades da cultura indígena, como os caboclos e elementos do kardecismo — corrente do espiritismo — pois utiliza concepções como o carma e a evolução espiritual. Associou ao seu panteão os santos católicos, estabelecendo para cada orixá o seu santo correspondente4. Por exemplo:
 
Ogum = São Jorge (RJ), São Roque (BA)
Exu = Demônio
Oxalá = Jesus Cristo
Xangô = São Jerônimo, São Pedro
Oxossi = São Miguel (PE); São Jorge (BA); São Sebastião (RJ)
  
É um assunto muito interessante não é mesmo? Procure saber mais! Para conhecer o panteão das religiões afro-brasileiras acesse:http://orixas.com.br/portal3/
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1 SOUZA, Marina de Mello e. “Santo Antônio de nó-de-pinho e o catolicismo afro-brasileiro”. Rio de Janeiro: Tempo, nº. 11, Julho de 2001, pp. 171-188.
2 Idem, pp. 171-188.
3 BASTIDE, Roger. As religiões africanas no Brasil. São Paulo: EDUSP, 1960, vol. II, p. 319.
4 SILVA, Vagner Gonçalves. Candomblé e Umbanda: caminhos da devoção brasileira. São Paulo: Ática, 1994.
Aula 30_O Nascimento do Conceito de Raça
  
Você saberia responder qual a diferença entre raça e etnia? 
Às vezes, pensamos que sabemos definir conceitos, mas quando somos instados a responder o que sabemos ficamos confusos, não é mesmo? Pois raça e etnia é o assunto de nossa aula hoje. 
A palavra raça vem do latim ratio, que significa sorte, categoria, espécie. Foi utilizado na zoologia e na botânica como forma de classificar animais e vegetais. Carlo Von Linné, naturalista sueco, classificou 24 “raças” de plantas, por volta de 1750. Na Idade Média usava-se o termo para determinar a linhagem das pessoas, a sua origem, conforme laços com ancestrais em comum. 
Foi François Bernier quem utilizou o termo raça para classificar a diversidade humana, em 1684. Kabengele Munanga afirma que tal fato não teria maiores problemas se a sua utilização se limitasse a compreensão da evidente variabilidade humana. Conceitos e classificações são ferramentas valiosas na operacionalização do pensamento, porém o fato é que o conceito de raça foi utilizado para hierarquizar as ditas raças, classificando-as segundo critérios valorativos de inferioridade e superioridade 1. 
A genética ajudou a comprovar o que já se suspeitava: não existe uma raça humana. A diferença entre os seres humanos que faz com que alguns grupos estejam pré-dispostos a certos tipos de doenças hereditárias talvez esteja no que os cientistas convencionaram chamar de marcadores genéticos. Pesquisas comparativas trouxeram reveladoras informações sobre a diversidade humana, pois os cientistas observaram que o patrimônio genético de um senegalês, por exemplo, podia ser mais próximo de um norueguês do que de um congolês. Ficou comprovado biológica e cientificamente que, em relação à espécie humana, não existem raças. 
Pensemos em um simples exemplo. Um gato doméstico e um tigre pertencem à mesma espécie: a dos felinos (Felidae). Essa espécie se subdivide em várias famílias; o gato doméstico pertence à família denominada felinae e o tigre à pantherinae. 
Um tigre que vive nas savanas e florestas tropicais pode chegar a pesar 324 quilos e um pequeno gatinho doméstico, no máximo 5 quilos. Bom, não é preciso pensar muito para afirmar que são animais de uma mesma espécie que jamais se reproduzirão. Quanto à espécie humana o que impede a união entre um nigeriano e uma australiana? Somente o preconceito. A inferioridadedo negro foi uma teoria criada com vistas à dominação. 
O surgimento do ideal de inferioridade do negro tem relação direta com o processo de desumanização do negro viabilizado pelo tráfico negreiro. A ideologia liberal nascente no século XVIII entrou em contradição com a utilização da mão de obra escrava. A escravidão não teria durado mais de 300 anos caso não houvessem sido criadas formas de justificá-la. 
No começo havia a justificativa religiosa: era preciso levar o “caminho certo” para as almas impuras, selvagens e “sem religião”. Utilizou-se em larga escala o mito da maldição de Caim. Segundo a teoria religiosa, Caim, Sem e Jafet eram filhos de Noé e haviam embarcado com ele na arca que sobrevivera ao grande dilúvio. 
 
Sendo Noé lavrador, passou a plantar uma vinha. Bebendo do vinho, embriagou-se e se pôs nu dentro de sua tenda. Caim, pai de Canaã vendo a nudez do pai, fê-lo saber, fora, a seus dois irmãos. Então Sem e Jafé tomaram uma capa, puseram-na sobre os próprios ombros de ambos e, andando de costas, rostos desviados cobriram a nudez do pai, sem que a vissem. Despertando Nóe de seu vinho, soube o que lhe fizera o filho mais moço e disse: Maldito seja Canaã; seja servo dos servos a seus irmãos 2.
 
Por ter zombado do pai, Caim e seus descendentes teriam sido condenados à escravidão perpétua. À justificativa religiosa sobrepôs-se a explicação racional calcada no cientificismo, dando origem ao racismo. Segundo essa nova teoria sedimentada no século XVIII, a espécie humana se dividiria em três raças: a negra, a branca e a amarela — era o início do critério de classificação racial pela cor da pele. A partir do século XIX, entram conjuntamente às características físicas, valores psíquicos e morais: a cor da pele, o formato do queixo, o tamanho da cabeça de das narinas estariam relacionados à racionalidade, altivez, preguiça, sensualidade, imoralidade. 
É claro que as qualidades ditas positivas ficaram para os brancos; aos negros e amarelos foram atribuídas características psico-morais consideradas negativas. O clima também foi associado a cor da pele para justificar supostas diferenças de comportamento: os brancos por serem oriundos de climas frios, seriam mais racionais e trabalhadores; enquanto os negros e índios, oriundos de climas tropicais, seriam temperamentais e indolentes. 
Na verdade as alterações de pele se devem às adaptações ao meio ambiente da seguinte maneira: 
 
o mais antigo ancestral de todos os homens e mulheres da Terra, a partir do qual surgiram os modernos humanos, seria uma mulher de cabelos pretos, pele escura, que teria vivido nas savanas da África entre 290 mil e 140 mil anos atrás. Essa Eva pré-histórica, diz o paleontólogo Jay Gould: “nos faz compreender que todos os seres humanos são membros de uma mesma família, que teve uma origem recente em apenas um lugar. (...) Comparando as amostras coletadas dos mais diversos grupos étnicos, os cientistas verificaram serem pequenas e triviais as diferenças entre a raças. A cor da pele, por exemplo, é resultado de mera adaptação ao clima – negra na África, para se proteger o sol forte; branca na Europa, para facilitar a absorção dos raios ultravioleta, que ajudam a produzir vitamina D. (Revista Superinteressante. Ano 2, nº 9, setembro/88) 
  
Nos séculos XVIII e XIX houve um contato intenso das elites com o mundo europeu. Como teriam chegado essas ideias ao Brasil? É o que veremos na próxima aula!  
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1 MUNANGA, Kabengele. “Uma abordagem conceitual das noções de raça, racismo, identidade e etnia”. In: BRANDÃO, André Augusto. Programa de educação sobre o negro na sociedade brasileira, Rio de janeiro: EDUFF, 2004, pp. 16-34.
2 GÊNESIS: 9, 18-29.
Aula 31_As Teorias raciais no Brasil
  
Como tudo o que vem do exterior, as teorias raciais não demoraram a chegar ao Brasil e foram incorporadas de forma eficaz em nossa terra. No final do XIX, o Brasil enfrentava, além da abolição da escravidão e da instauração da República, um processo de construção de sua identidade nacional. 
Como já vimos, os negros não foram incorporados no mercado de trabalho imediatamente após a sua liberdade. Eles ficaram a sua própria sorte. A elite pensante brasileira, oriunda em grande parte da elite agrária, foi obrigada a considerar a questão do negro. 
Logo, surgiram, sob influências trazidas da Europa, ideias sobre a inferioridade do negro. Em primeiro lugar, houve uma preocupação grande com a herança negativa que pudesse ser deixada pelos negros na sociedade brasileira. Sílvio Romero acreditava que haveria predominância cultural e biológica branca e que os elementos “não brancos” — aí incluídos os indígenas — desapareceriam. Ele usou como referências a teoria da “seleção natural” de Darwin, a imigração europeia e o fim do tráfico. 
Raimundo Nina Rodrigues, médico baiano, foi outro idealizador das teorias raciais brasileiras. Segundo ele, não poderia haver misturas raciais, pois estas poderiam acarretar desequilíbrios psíquicos e psicológicos na formação do povo brasileiro. Para ele a mistura racial geraria elementos que não serviriam para nada, elementos sem valor. Ele propunha a criação de uma legislação específica para esse grupo que possuía deformidades psicológicas; ele queria institucionalizar a diferença. Rodrigues afirmava que a mestiçagem era maléfica para a formação do povo, pois a união de raças inferiores e superiores apagaria as qualidades das superiores gerando um atavismo. 
Outra personalidade que dissertou sobre a questão racial foi Euclides da Cunha autor de “Os Sertões”, que acreditava que o sertanejo, fruto da união de brancos e índios, era a raça brasileira autêntica e não deveria misturar-se com o negro, que era uma raça impura. 
Essas teorias surgiram no Brasil no início do século XX e vigoraram durante muito tempo. A teoria da mestiçagem gerou uma ideia de que o Brasil era fruto de relações harmônicas entre as três raças que o formaram. Essa ideia foi divulgada por Gilberto Freyre que, em sua obra “Casa Grande e Senzala”, propagou ideias que, posteriormente, fundamentaram o mito da chamada “democracia racial” brasileira. Segundo Freyre, as relações entre as diferentes classes e grupos étnicos no Brasil eram muito mais suaves do que em outros lugares do mundo. Essa “suavidade” era fruto da tolerância racial dos portugueses. 
Segundo Kabengele Munanga, 1 a mestiçagem é a armadilha social do negro, pois desconstrói a sua identidade, desmobiliza e maquia o preconceito racial. Há, dessa forma, uma interferência na percepção da realidade desses negros que acabam julgando fazer parte de um país democrático e igualitário que, diferentemente dos EUA, não segrega, mistura. 
A comparação com os EUA é necessária, porque foi um país onde a segregação racial foi institucionalizada, isto é, legalizada, até pelo menos os anos de 1960. Até esse período, havia espaços reservados para brancos e negros. Aos afro-americanos era vedado o acesso às universidades em alguns estados e a perseguição aos negros era declarada, havendo até instituições criminosas criadas somente com o intuito de eliminá-los, como a famosa Ku Klux Klan. 
Comparou-se muito o modelo racial brasileiro, calcado na miscigenação, ao norte-americano. Aqui, o negro não era perseguido, era aceito em todos os ambientes e  podia frequentar universidades. Jamais houve, após a abolição, legislação que segregasse deliberadamente negros ou índios. Essas teorias ajudaram a sedimentar a teoria da igualdade entre as raças no Brasil; se, num primeiro momento, tratavam o negro como um elemento nocivo à sociedade, em um segundo momento apagavam-se todos os percalços da escravidão, da exclusão social pós-abolição, escondendo-se o preconceito sob o manto da democracia racial.  
 
Para refletir: Você acha que existe democracia racial no Brasil? 
 
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1 MUNANGA, Kabengele. Rediscutindo a mestiçagem no Brasil: identidade nacional versus identidade negra. Petrópolis: Vozes, 1999.
Aula 32_Ações afirmativas: O sistema de cotas
  
Considerando o fato inegávelde que existe um preconceito racial em nosso país, que se encontra mascarado pela ideia de uma suposta democracia racial, passamos, nesta aula, para uma reflexão sobre as práticas e formas de reverter esse quadro. Existe atualmente um aumento na preocupação com a questão racial no Brasil. Os meios televisivos têm abordado de modo tímido o preconceito racial em suas novelas e programas, porém o espaço destinado aos negros continua sendo o mesmo, a cozinha e os empregos subalternos. 
Recentemente tivemos a experiência de ter a primeira personagem principal negra da teledramaturgia, Taís Araújo encarnou esse papel na novela que levou o sugestivo nome de “Da cor do pecado”. Em “Cobras e Lagartos” tivemos dois personagens negros que se destacaram: a mesma Taís Araújo e o ator Lázaro Ramos, porém em papéis que continuam trabalhando os estereótipos criados para os negros: preguiçosos, desapegados ao trabalho, sempre “querendo se dar bem”. 
Podemos ver o negro em espaços limitados também acadêmicos, nas universidades públicas, as mais concorridas, são apenas 2% dos estudantes. O sistema bancário incorpora o trabalhador negro em níveis baixíssimos, eles são apenas 8% no quadro de funcionários e mesmo possuindo a mesma formação dos brancos recebem cerca de 21,43% a menos 1. 
A fim de combater essa realidade estão sendo criadas no Brasil políticas públicas que auxiliem os negros e índios a conquistarem a equiparação em relação aos brancos: são as chamadas “ações afirmativas”. Políticas de discriminação positiva, que tem a intenção de repensar os conteúdos sociológico-jurídico, vislumbrando colocar os indivíduos em situação de paridade. Ação afirmativa é um gênero da qual a política de cotas raciais faz parte. 
As cotas raciais são uma das estratégias das ações afirmativas, que estabelecem a obrigatoriedade de se incluírem socialmente as minorias, criando mecanismos de reentrada dessas pessoas. As cotas têm causado polêmica, especialmente na área educacional, onde são implementadas em universidades públicas tendo como objetivo que elas reflitam sobre a diversidade racial de nosso país. Também já há projetos de cotas para a mídia e para a área das grandes empresas. Mas a questão das cotas ainda caminha a passos lentos e causa grande controvérsia. A escola é o local por excelência para se debaterem tais questões. O preconceito, seja de qualquer tipo, não nasce com a pessoa, ele é adquirido socialmente, nos locais onde vivemos coletivamente, na família, igreja, escola etc.
É preciso colocar tais questões em pauta. Espero que esse curso tenha ajudado você minimamente a pensar sobre o tema, agora é mãos à obra!
 
 
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1 Dados apresentados no Jornal Folha de São Paulo em 24/07/2005 – Caderno Cotidiano, em matéria intitulada “Bancos são acusados de discriminação racial”
Resumo_Unidade VI
   
Nesta unidade tivemos contanto com a rica cultura material e imaterial deixada por nossos antepassados. Negros e ameríndios  deixaram suas marcas no Brasil e ajudaram na formação de nossa identidade. 
Nas artes, música, tradições populares e no mundo do trabalho, deixaram técnicas e tradições de seus povos, misturado crenças e práticas e criando novas formas de expressão. 
A religiosidade tem papel de destaque com as religiões afro-brasileiras, como o Candomblé e a Umbanda que muitas vezes misturam elementos das tradições africanas, ao catolicismo e ao kardecismo. O culto aos orixás tem se difundido e ganhado adeptos, mas mesmo assim continua sendo vítima do preconceito. 
Preconceito este que nos levou a expor a discussão sobre ações afirmativas e sistema de cotas, assunto polêmico que ainda se encontra em desenvolvimento e implantação no Brasil.
  
  
Referências Bibliográficas
BASTIDE, Roger. As religiões africanas no Brasil. São Paulo: EDUSP, 1960, vol. II. 
MUNANGA, Kabengele. “Uma abordagem conceitual das noções de raça, racismo, identidade e etnia”. In: BRANDÃO, André Augusto. Programa de educação sobre o negro na sociedade brasileira, Rio de janeiro: EDUFF, 2004. 
____________________. Rediscutindo a mestiçagem no Brasil: identidade nacional versus identidade negra. Petrópolis: Vozes, 1999. 
SILVA, Vagner Gonçalves. Candomblé e Umbanda: caminhos da devoção brasileira. São Paulo: Ática, 1994. 
SOUZA, Marina de Mello e. “Santo Antônio de nó-de-pinho e o catolicismo afro-brasileiro”. Rio de Janeiro: Tempo, nº. 11, Julho de 2001, pp. 171-188. 
______________________. África e Brasil africano. São Paulo: Ática, 2006.

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