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Diarreias Por Ana Clara Borges Braga A diarreia é definida como a eliminação de fezes não moldadas ou anormalmente líquidas com maior frequência do que o normal. A diarreia pode ser definida ainda como aguda se durar < 2 semanas, persistente se durar 2-4 semanas e crônica se durar > 4 semanas. Dois distúrbios comuns, em geral associados à eliminação de fezes totalizando < 200 g/dia, devem ser diferenciados da diarreia, porque existem diferenças terapêuticas. Pseudodiarreia, ou a eliminação frequente de pequenos volumes de fezes, muitas vezes é associada à urgência retal, tenesmo ou a uma sensação de evacuação incompleta e acompanha a SII ou proctite. Incontinência fecal é a eliminação involuntária do conteúdo retal, causada com maior frequência por distúrbios neuromusculares ou problemas anorretais estruturais. CLASSIFICAÇÕES: Quanto a localização: Alta: acomete predominantemente intestino delgado. As fezes são volumosas, com restos alimentares, odor pútrido e costuma acompanhar de cólicas periumbilicais. Baixa: acomete predominantemente intestino grosso, em geral, o hemicólon esquerdo e retossigmoide. Com fezes de pequeno volume, urgência, tenesmo, muco, pus, sangue, com alta frequência acompanhada de puxo. Quanto a etiologia: Não inflamatória: caracteriza por fezes aquosas, volumosas, sem sangue, muco ou pus. Não costuma cursar com febre, mas pode ocorrer. As fezes não terão leucócitos alterados e a pesquisa de sangue oculto costuma ser negativa. As causas mais comuns são vírus, bactérias, protozoários. Inflamatória: caracterizada por evacuações frequentes de pequeno volume, com presença de muco e pus, algumas vezes com sangue. É comum febre, toxemia, dor abdominal intensa e tenesmo. As fezes apresentam grande quantidade de leucócitos e sangue. As causas mais frequentes são bactérias enteroinvasivas. Quanto a fisiopatologia: Diarreia osmótica: distúrbios da digestão ou da absorção de nutrientes ou eletrólitos mantém um conteúdo hiperosmolar, determinando a passagem de líquidos parietais para a luz intestinal. Isto é, alta concentração de solutos hipertônicos leva a retenção de água. Cessa com o jejum. Diarreia secretora: resulta da hipersecreção de água e eletrólitos pelo enterócito, mantendo uma elevada taxa de transporte de líquido das células epiteliais para o lúmen do TGI. Isto é, do aumento da secreção e bloqueio da absorção de fluidos e eletrólitos. É persistente durante o jejum e fezes isotônicas em relação ao plasma. Diarreia motora: resulta de alterações motoras com trânsito intestinal acelerado ou por redução da área absortiva em consequência de ressecções intestinais ou fístulas entero-entéricas. As diarreias por aumento da motilidade (hipermotilidade) caracterizam-se por fezes volumosas, com osmolaridade aumentada por nutrientes não absorvidos e esteatorreia. Diarreia por má absorção (disabsortiva): capacidade deficiente de digerir ou absorver determinado nutriente. Geralmente, provoca diarreia com esteatorreia. Diarreia exsudativa: decorre de enfermidades causadas por lesões da mucosa e submucosa do íleo termina e intestino grosso, resultantes de processos inflamatórios, infecciosa ou infiltrativos, que podem levar a perdas de proteínas do soro, sangue, muco e pus, aumentando o volume (variável) e fluidez das fezes e ocorrendo aumento da motilidade do cólon com frequentes defecações e tenesmo. Persistem no jejum. DIARREIA AGUDA: A diarreia aguda é uma alteração intestinal que leva a diminuição da consistência das fezes, geralmente aumento da frequência, aumento do volume fecal e com duração inferior a duas semanas. Cerca de 90% dos casos de diarreia aguda são causados por agentes infecciosos; frequentemente acompanhados por vômitos, febre e dor abdominal. Os 10% restantes são causados por motivos não infecciosos, como: medicações, ingestões tóxicas, isquemia, alimentação não balanceada. Etiologia: Agentes infecciosos: A maioria é adquirida por transmissão fecal-oral ou, mais comumente, pela ingestão de alimentos ou água contaminados com patógenos a partir de fezes humanas ou de animais. Bactérias e vírus, habitualmente causam diarreia de duração de até 7 dias. Vale destacar que a cólera e Shigella são as principais causas de diarreia epidêmica. Os distúrbios da flora provocados por antibióticos podem levar à diarreia pela redução da função digestiva ou permitir a proliferação de patógenos como Clostridium difficile. A fisiopatologia subjacente da diarreia aguda por agentes infecciosos produz manifestações clínicas específicas que também podem ser valiosas no diagnóstico. A diarreia aquosa profusa secundária à hipersecreção do intestino delgado ocorre com a ingestão de toxinas bacterianas pré-formadas, bactérias produtoras de enterotoxina e patógenos enteroaderentes. Os microrganismos produtores de citotoxina e invasivos provocam, sem exceção, febre alta e dor abdominal. Com frequência, as bactérias invasivas e a Entamoeba histolytica provocam diarreia sanguinolenta (conhecida como disenteria). Yersinia invade as mucosas ileal terminal e colônica proximal, podendo gerar dor abdominal particularmente intensa com sensibilidade à palpação, simulando apendicite aguda. A diarreia aguda com duração maior do que 7 dias levanta a hipótese de infecção por protozoário, como giardíase, criptosporidiase e amebíase. Por fim, a diarreia infecciosa pode estar associada a manifestações sistêmicas: A artrite reativa (Síndrome de Reiter), a artrite, a uretrite e a conjuntivite podem acompanhar ou suceder as infecções por Salmonella, Campylobacter, Shigella e Yersinia. A iersiniose também pode acarretar uma tireoidite tipo autoimune, pericardite e glomerulonefrite. E. coli êntero-hemorrágica e Shigella podem levar à síndrome hemolítico-urêmica. A SII pós-infecciosa é reconhecida como uma complicação da diarreia infecciosa. A gastrenterite aguda pode preceder o diagnóstico de doença celíaca ou doença de Crohn. Achados Clínicos: Na história clínica deve-se buscar informações precisas sobre o quadro: sua duração, gravidade, dor, febre, náuseas, vômitos, anorexia, dor abdominal, sangue e pus nas fezes. Em pacientes que apresentam náuseas e vômitos mais intensos e graves que a diarreia, suspeitar de etiologia viral ou intoxicação alimentar por toxinas pre-formadas. É importante questionar sobre o uso de medicações e se há comorbidades associadas. Da mesma forma como história epidemiológica e se há pessoas próximas ao paciente com quadro semelhante. Exame físico: Gravidade da desidratação: quantificar sinais vitais e estimar o grau de desidratação. Presença de toxemia, icterícia, alteração do estado mental, IR, oligúria e arritmias. Exame abdominal: ruídos, descompressão dolorosa, dor. Abordagem ao paciente: A maioria dos episódios de diarreia aguda é leve e autolimitada, não justificando intervenções diagnósticas ou farmacológicas. As indicações para avaliação incluem diarreia profusa com desidratação, fezes sanguinolentas, febre ≥ 38,5°C, duração > 48 horas sem melhora, uso recente de antibiótico, novos surtos na comunidade, dor abdominal grave associada em pacientes com > 50 anos de idade e idosos (≥ 70 anos) ou imunocomprometidos. A base do diagnóstico naqueles em que se suspeita de diarreia infecciosa aguda grave é a análise microbiológica das fezes. A investigação inclui culturas para patógenos bacterianos e virais, exame parasitológico das fezes e imunoensaios para determinadas toxinas bacterianas (C. difficile), antígenos virais (rotavírus) e protozoários (Giardia, E. histolytica). Podemser analizados alguns marcadores inflamatórios nas fezes, tais como: incluir a positividade no sangue oculto, grande quantidade de leucócitos, teste positivo para lactoferrina e calprotectina. A diarreia persistente é comumente devida à Giardia, mas os microrganismos causais adicionais que devem ser considerados incluem C. difficile (especialmente quando tiverem sido administrados antibióticos nas últimas 4 semanas), E. histolytica, Cryptosporidium, Campylobacter e outros. Quando os exames de fezes são inconclusivos, a sigmoidoscopia flexível com biópsias e a endoscopia alta com aspirado e biópsia duodenais podem estar indicadas. O exame estrutural por sigmoidoscopia, colonoscopia ou tomografia computadorizada (TC) abdominal pode ser apropriado nos pacientes com diarreia persistente não caracterizada, a fim de se excluir a DII, ou como uma abordagem inicial nos pacientes em que se suspeita de diarreia aguda não infecciosa. Diagnóstico diferencial de agentes infecciosos: S. aureus (diarreia produzida pela ingestão de toxinas alimentares) Alimentos ricos em proteínas, principalmente maionese, ovos, presuntos e saladas e produz a toxina em algumas horas. As toxinas não alteram o alimento e são termoestáveis. O quadro clínico envolve vômitos intensos, dor abdominal em cólica, sem febre, com ou sem diarreia, que aparecem após 6h da ingestão. A melhora ocorre em menos de 24h. Diagnóstico: história e exame clínico Tratamento com antieméticos e reposição hidroeletrolítica Rotavírus e Norwalk Muito frequentes, de transmissão fecal oral, embora surtos oriundos de água e alimentos também possam ocorrer Causam má absorção transitória a açucares e gordura. Tipicamente se dissemina nos meses de inverno, em crianças de quatro meses a quatro anos. Adultos frequentemente são oligossintomáticos. Diarreia autolimitada E. coli enterotoxigênica Incubação de 24-48h após a ingestão de água ou alimentos contaminados. Produzem toxinas termoestáveis e termolábeis que estimulam a secreção de cloro. Diarreia aquosa leve, dores abdominais e vômitos. Os casos mais graves se assemelham a cólera. É um dos maiores causadores de diarreia em países subdesenvolvidos e maior parte dos casos de diarreia dos viajantes. Ausência de marcadores inflamatórios nas fezes. Coprocultura não é útil pois a bactéria faz parte da flora intestinal. Diarreia autolimitada Shigella Incubação de 2-3 dias após transmissão via fecal – oral. Dor abdominal em cólica, seguida de febre alta e diarreia. Nas formas leves são fezes líquidas, esverdeadas, com muco e restos alimentares. Nas formas graves, ocorre diarreia aquosa, seguida por sanguinolenta (ulcerações da mucosa, perfurações são raras), com muco, tenesmo, febre alta, urgência, vômitos e mialgia. Fezes com achados inflamatórios. Coprocultura definitiva. ATB para casos moderados a graves (ciprofloxacino/ levofloxacino) 3 dias, em imunocomprometidos usar 7-10 dias. Salmonella O período de incubação é de 8-48h, adquirida por alimentos contaminados, particularmente aves e derivados. Afeta diversas faixas etárias e portadores assintomáticos podem eliminar o bacilo por semanas a meses. O quadro clínico são náuseas, vômitos, febre, dor em cólica e diarreia, ocasionalmente com muco e sangue. A melhora dos sintomas ocorre de 5-8 dias com manifestações leves na maioria dos casos, exceto em imunossuprimidos. Fezes com achados inflamatórios. Hemocultura positiva em pacientes graves. O diagnóstico definitivo é pela coprocultura/ hemocultura. ATB para casos moderados a graves (ciprofloxacino/ levofloxacino) 7-10 dias, em imunocomprometidos usar 14 dias. E. coli enterohemorragica O período de incubação é de 4-9 dias, adquirida por ingestão de carne malcozida. Produz uma toxina (verotoxina) que causa citotoxicidade a parede vascular intestinal, o que pode levar a uma colite enterohemorrágica. Há diarreia aquosa, sanguinolenta, com cólica abdominal intensa e vômitos. Não há febre. Leucócitos nas fezes positivos, mas em baixa quantidade. Cultura e sorologia. SHU e PTT podem ocorrer e ATB aumenta a chance da primeira. Clostridium difficile Relacionado ao uso de ATB atual ou recente (últimos 4 meses) Comum em adultos e grave em crianças. Quadro envolve diarreia, podendo ser sanguinolenta com casos de perfuração de cólon Diagnóstico: toxina do Clostridium nas fezes Tratamento: metronidazol e vancomicina oral. Entamoeba histolytica Água e alimentos contaminados Pouca higiene, viagens e áreas endêmicas. Diarreia disentérica Fezes com achados inflamatórios. Pesquisa de ameba positiva Tratamento: tinidazol ou metronidazol associado a iodoquinol Strongyloides stercoralis Água e alimentos contaminados Diarreia leve, com formas mais graves (sepse, febre e dispneia) em imunossuprimidos Diagnóstico: presença de larvas nas fezes, história de imunossupressão e manifestações sistêmicas Tratamento: ivermectina, albendazol Tratamento: A reposição hidreletrolítica é de importância primordial em todas as formas de diarreia aguda. A reposição isolada de líquidos pode ser suficiente nos casos leves. As soluções de eletrólito com glicose devem ser instituídas de imediato nos casos de diarreia grave para limitar a desidratação, que é a principal causa de morte. Os pacientes profundamente desidratados, em especial lactentes e idosos, necessitam de reidratação intravenosa. Na diarreia moderadamente grave, afebril e não sanguinolenta, os agentes antissecretores e antimotilidade, como a loperamida, podem ser medidas adjuvantes. Esses agentes devem ser evitados nos casos de disenteria febril, que pode ser exacerbada ou prolongada por eles. O subsalicilato de bismuto pode reduzir os sintomas de vômito e diarreia, mas deve ser evitado em pacientes com IRA. A cobertura com antibióticos está indicada quer um microrganismo causal seja descoberto ou não em pacientes imunocomprometidos, que tenham valvas cardíacas mecânicas ou enxertos vasculares recentes ou sejam idosos. Assim, pacientes toxemiados, com diarreia sanguinolenta, sintomas gastrointestinais exuberantes, imunosuprimidos ou idosos, devem ser imediatamente atendidos, com coleta de exames, análise das fezes, hidratação e ATB empírico. OBS1: em pacientes com diarreia sanguinolenta, sem febre e sem toxemia, aponta para E. coli enterohemorrágica, de modo que nessa situação não se deve prescrever ATB pelo aumento do risco de SHU. OBS2: soro fisiológico IV não tem qualquer benefício em pacientes estáveis, com preferência pela reidratação oral. DIARREIA CRÔNICA: Diarreia que dura > 4 semanas exige avaliação para se excluir uma patologia subjacente grave. Em contrapartida com a aguda, a maioria das causas da diarreia crônica não é de origem infecciosa. Dentre as causas, pode-se dividir: Secretoras Osmóticas Esteatorreicas Inflamatórias Dismotilidade Iatrogênicas Laxativos exógenos Laxantes osmóticos (Mg2+, PO4–3) Má digestão intraluminal (IH, proliferação bacteriana) DII (Crohn e Retocolite Ulcerativa) Síndrome do Intestino Irritável Colecistectomia Uso crônico de álcool Deficiência de lactase e outros dissacarídeos Má absorção da mucosa (doença celíaca, isquemia) Colites linfocítica e colagenosa Neuromiopatias viscerais Ressecção ileal Fármacos e toxinas Carboidratos não absorvíveis (lactulose) Obstrução pós mucosa (linfática) Doença de mucosa imunorrelacionada Hipertireoidismo Cirurgia Bariátrica Laxativos endógenos (ácidos di-hidroxibiliares) Intolerânciaao glúten - Infecção Vagotomia - Diarreia de ácido da bile - - Lesões por radiação Medicamentos - Ressecção, doença ou fístula intestinal (↓ absorção) - - Malignidades - - Tumores produtores de hormônios - - - - - Doença de Addison - - - - - Defeitos congênitos da absorção de eletrólitos - - - - - Causas secretoras: O consumo crônico de etanol pode gerar diarreia do tipo secretora devido à lesão dos enterócitos, com comprometimento da absorção de sódio e água, bem como trânsito rápido e outras alterações. Embora incomuns, os exemplos clássicos de diarreia secretora são as mediadas por hormônios. Os tumores carcinoides gastrintestinais metastáticos ou os carcinoides brônquicos primários podem produzir apenas diarreia aquosa ou fazer parte da síndrome carcinoide, que compreende rubor episódico, sibilância, dispneia e cardiopatia valvar direita. A diarreia é gerada pela liberação de potentes secretagogos intestinais na circulação, tais como serotonina, histamina, prostaglandinas e várias cininas. O gastrinoma, um dos tumores neuroendócrinos mais comuns, apresenta-se com maior frequência com úlceras pépticas refratárias, mas a diarreia acontece em até 33% dos casos e é a única manifestação clínica em 10% deles. Embora diversos secretagogos liberados com a gastrina possam desempenhar uma função, a diarreia resulta com mais frequência da má digestão lipídica decorrente da inativação da enzima pancreática pelo pH intraduodenal baixo. Causas osmóticas: acontece quando solutos ingeridos, pouco absorvíveis e osmoticamente ativos, atraem líquido suficiente para o lúmen, excedendo a capacidade de reabsorção do cólon. O débito hídrico fecal aumenta proporcionalmente a essa carga de soluto. Em geral, a diarreia osmótica cessa com o jejum ou com a suspensão da ingestão oral do agente causador. A má absorção de carboidratos decorrente de defeitos adquiridos ou congênitos nas dissacaridases da borda ciliada e em outras enzimas resulta em diarreia osmótica com pH baixo. Uma das causas mais comuns de diarreia crônica em adultos é a deficiência de lactase. Causas esteatorreicas: a má absorção de lipídeos pode induzir diarreia com fezes gordurosas, de odor fétido e difíceis de escoar, frequentemente associada à perda ponderal e deficiências nutricionais decorrentes da má absorção concomitante de aminoácidos e vitaminas. O aumento do débito fecal é causado pelos efeitos osmóticos dos ácidos graxos, especialmente depois da hidroxilação bacteriana, e, em menor extensão, pela carga de lipídeos neutros. A má digestão intraluminal é um distúrbio que resulta, com maior frequência, da insuficiência pancreática exócrina, que ocorre quando > 90% da função secretora pancreática são perdidos. A pancreatite crônica, em geral uma sequela do abuso de etanol, provoca disfunção pancreática com maior frequência. Outras causas compreendem fibrose cística, obstrução do ducto pancreático e, raramente, somatostatinoma. A proliferação bacteriana no intestino delgado pode desconjugar os ácidos biliares e alterar a formação de micelas, o que compromete a digestão dos lipídeos. A cirrose ou a obstrução biliar podem acarretar esteatorreia leve devido à concentração intraluminal deficiente de ácidos biliares. A má absorção na mucosa ocorre a partir de uma variedade de enteropatias, porém ocorre com mais frequência devido à doença celíaca. Causas inflamatórias: são geralmente acompanhadas de febre, dor, sangramento ou outras manifestações de inflamação. O mecanismo da diarreia pode ser não apenas a exsudação, mas, dependendo do local da lesão, pode incluir má absorção lipídica, redução da absorção hidreletrolítica e hipersecreção ou hipermotilidade decorrente da liberação de citocinas e outros mediadores inflamatórios. O aspecto unificador na análise fecal é a presença de leucócitos ou de proteínas derivadas de leucócitos, como calprotectina. Com uma inflamação grave, a perda proteica exsudativa pode acarretar anasarca (edema generalizado). A doença de Crohn e a retocolite ulcerativa crônica, estão entre as causas orgânicas mais comuns da diarreia crônica em adultos e sua gravidade varia de leve a fulminante e potencialmente fatal. Elas podem estar associadas a uveíte, poliartralgias, doença hepática colestática (colangite esclerosante primária) e lesões cutâneas (eritema nodoso, pioderma gangrenoso). A colite microscópica, incluindo tanto a colite linfocítica quanto a colite colagenosa, é uma causa cada vez mais reconhecida de diarreia aquosa crônica, especialmente em mulheres de meia-idade e pacientes que usam AINEs, estatinas, inibidores da bomba de próton (IBPs) e inibidores seletivos da recaptação da serotonina (ISRSs). Causas associadas a dismotilidade: o trânsito rápido pode acompanhar muitas diarreias como um fenômeno secundário ou contribuinte, mas a dismotilidade primária é uma etiologia incomum de diarreia. Com frequência, os achados fecais sugerem uma diarreia secretora, mas a esteatorreia leve pode ser induzida por má digestão a partir apenas de um trânsito rápido. Hipertireoidismo, síndrome carcinoide e certos fármacos (p. ex., prostaglandinas, agentes pró-cinéticos) podem causar hipermotilidade com resultante diarreia. As neuromiopatias viscerais primárias podem ocasionar estase com proliferação bacteriana secundária, que causa diarreia. A diarreia diabética, frequentemente acompanhada por neuropatias autonômicas periféricas e generalizadas, pode advir, em parte, da dismotilidade intestinal. A SII é extremamente comum e se caracteriza por comprometimento das respostas sensoriais e motoras intestinais e colônicas a vários estímulos. Abordagem ao paciente: 1) A anamnese, o exame físico e os exames de sangue rotineiros devem tentar caracterizar o mecanismo da diarreia, identificar as associações valiosas para o diagnóstico e avaliar os estados hidreletrolítico e nutricional do paciente. Os pacientes devem ser inquiridos sobre o início, a duração, o padrão, os fatores agravantes (especialmente a dieta) e atenuantes, bem como as características das fezes diarreicas. Deve-se observar a presença ou ausência de incontinência fecal, febre, perda ponderal, dor, determinadas exposições (viagem, medicamentos, contatos com diarreia) e as manifestações extraintestinais comuns (alterações cutâneas, artralgias, aftas orais). Podem ocorrer leucocitose sanguínea periférica, elevação da taxa de sedimentação ou da proteína C-reativa, que sugerem inflamação; anemia refletindo perda sanguínea ou deficiências nutricionais; ou eosinofilia, que pode ocorrer com parasitoses, neoplasia, doença vascular do colágeno, alergia ou gastrenterite eosinofílica. A bioquímica sanguínea pode mostrar distúrbios eletrolíticos, hepáticos ou outros distúrbios metabólicos. A mensuração de anticorpos teciduais IgA contra a transglutaminase pode ajudar a detectar doença celíaca. Os pacientes nos quais se suspeita de SII devem ser inicialmente avaliados com sigmoidoscopia flexível e biópsias colorretais para excluir DII, ou particularmente colite microscópica, que não é clinicamente distinguível de SII com diarreia; aqueles com achados normais poderiam ser tranquilizados e, conforme indicado, tratados empiricamente com antiespasmódicos, antidiarreicos ou antidepressivos (p. ex., agentes tricíclicos). Qualquer paciente que se apresente com diarreia crônica e hematoquezia deve ser avaliado com exames microbiológicos fecais e colonoscopia. No caso das diarreias secretoras (aquosas, com hiato osmótico normal), os possíveis efeitos colaterais ligados a medicamentos ou o uso clandestino de laxativo devem ser reconsiderados. Os exames microbiológicosdevem ser realizados, incluindo culturas bacterianas fecais (inclusive em meios para Aeromonas e Plesiomonas), exame parasitológico de fezes para detectar ovos e parasitas e ensaio para o antígeno de Giardia (o teste mais sensível para a giardíase). A proliferação bacteriana no intestino delgado pode ser excluída por aspirados intestinais com culturas quantitativas ou testes respiratórios com glicose ou lactulose que consistem em medir o hidrogênio, o metano ou outro metabólito. A avaliação adicional da diarreia osmótica deve incluir os testes para intolerância à lactose e ingestão de magnésio, as duas causas mais comuns. Um pH fecal baixo sugere má absorção de carboidratos; a má absorção de lactose pode ser confirmada por teste com lactose no ar exalado ou por uma prova terapêutica com a exclusão da lactose e observação do efeito de uma carga de lactose. Para aqueles com diarreia gordurosa comprovada, deve-se empreender a endoscopia com biópsia de intestino delgado; e, quando esse procedimento é inconclusivo, a radiografia de intestino delgado constitui uma etapa seguinte apropriada. Quando os exames do intestino delgado são negativos ou se suspeita de doença pancreática, a insuficiência pancreática exócrina deve ser excluída com testes diretos, como o de estimulação com secretina-colecistocinina ou observação por via endoscópica. Deve-se suspeitar de diarreias crônicas do tipo inflamatório ante a presença de sangue ou leucócitos nas fezes, achados que exigem culturas de fezes; exame para detecção de ovos e parasitas; ensaio para a toxina do C. difficile; colonoscopia com biópsias; e, quando indicado, exames do intestino delgado com contraste. Tratamento: O tratamento da diarreia crônica depende da etiologia específica e pode ser curativo, supressor ou empírico. Quando não se consegue diagnosticar a causa ou o mecanismo específico da diarreia crônica, a terapia empírica pode ser benéfica. Os opiáceos leves, como o difenoxilato ou a loperamida, são frequentemente valiosos na diarreia aquosa leve ou moderada. Para aqueles com diarreia mais grave, a codeína ou a tintura de ópio podem ser benéficas. Esses agentes antimotilidade devem ser evitados na DII grave, porque poderiam precipitar megacólon tóxico. A clonidina, um agonista α2-adrenérgico, pode permitir o controle da diarreia diabética, embora a medicação possa não ser muito bem tolerada porque ela causa hipotensão postural. Os antagonistas do receptor 5-HT3 (p. ex., alosetron) podem aliviar a diarreia e a urgência em pacientes com diarreia por SII. Em todos os pacientes com diarreia crônica, a reposição hidreletrolítica é um componente importante do tratamento.