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(In)Visibilidade perversa adolescentes infratores como metáfora da violência

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA
DOUTORADO EM SOCIOLOGIA
(In)Visibilidade Perversa:
Adolescentes infratores como metáfora da violência
DOUTORANDA:
Mione Apolinario Sales
N° USP - 3247835
ORIENTADOR:
Prof. Dr. Sérgio França Adorno de Abreu
São Paulo
2004
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA
DOUTORADO EM SOCIOLOGIA
(In)Visibilidade Perversa:
Adolescentes infratores como metáfora da violência
Tese apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Sociologia da
Faculdade de Filosofia, Letras e
Ciências Humanas da Universidade de
São Paulo como requisito parcial para
a obtenção do título de Doutora em
Sociologia, sob a orientação do
Professor Doutor Sérgio França
Adorno de Abreu.
São Paulo
2004
Banca Examinadora
Título: (In)visibilidade Perversa: Adolescentes infratores como
metáfora da violência
Autora: Mione Apolinario Sales
Tese submetida ao corpo docente da Faculdade de Filosofia, Letras e
Ciências Humanas da Universidade de São Paulo como requisito parcial para
a obtenção do título de Doutora em Sociologia, e defendida em sessão pública
em 19 de abril de 2005.
Aprovada por:
____________________________________
Prof. Doutor Sérgio França Adorno de Abreu
____________________________________
Profa. Doutora Esther Hamburguer
____________________________________
Profa. Doutora Maria Helena Oliva
____________________________________
Profa. Doutora Marília Pontes Sposito
____________________________________
 Profa. Doutora Vera Silva Telles
(In)visibilidade Perversa Mione Apolinario Sales
Abstract
Perverse (in)visibility: Juvenile offenders as a metaphore of violence
This Sociology Doctorship’s thesis analyses theoretically visibilility as being a
political and social human condition, compared to that one conquered by the poor
teenagers in the public sphere, specially juvenile offenders. In virtual citizenship
times, these teenagers, issued mainly from working classes, are described by the
media as metaphores of violence. This research also points out nowadays that the
Brazilian Government public agenda absorbs and faces the expressions of the Social
Issue only when they are turned public by the mass media. Taking as sources some
important youth violence cases focused by Brazilian media, respectivelly in 1999 and
2000, such as, FEBEM*’s rebellions, in the state of São Paulo, and a very known
case: the hijacking of “bus 174”, in Rio de Janeiro, this thesis sustains the following
hypothesis: 1st - teenagers like to be in evidence, in a deeply tuned in attitude of the
cultural industry generation; 2nd - teenagers want to be seen associated to concepts
and values, like beauty, irreverence, recognition and social prestige experienced by
celebrities of the culture (music, theather, movies, etc.) and sport worlds; 3rd - facing
the impossibility of an immediate gratification concerning consumption, pleasure,
entertainment, social recognition (as the mass culture way of life demands), due to a
very difficult access to social opportunities (education, job, good salaries, etc.), many
teenagers say “yes” to crime callings, in their various forms: theft, mugging, traffic,
etc.; 4th – juvenile offenders understand the power and strength of image which may
associate them with rebelious behaviors, taking advantage of that; 5th - the society
and the governmental institutions usually negociate and respect social rights in
extreme situations only, which means that they act under pressure alone, or upon
dealing with violent events, such as kidnapping, threat to someone’s life, etc., i.e.,
under the impact of violence itself. So, all these elements stress some of the main
youth and human dramas of scant citizenship in Brazil today.
Key-words: media, public sphere, violence, citizenship, juvenile offenders.
 
* Institution that looks after adolescent offenders.
(In)visibilidade Perversa Mione Apolinario Sales
Résumé
L'(in)visibilité perverse:
Les adolescents délinquants comme métaphore de la violence
Cette thèse de doctorat en Sociologie se propose de confronter l’analyse théorique de
la visibilité en tant que condition humaine, politique et sociale, avec l´image obtenue
par les adolescents pauvres dans l’espace public, en particulier les jeunes qui ont
commis des délits. En ces temps de citoyenneté virtuelle, ces adolescents, issus
principalement des classes laborieuses, sont associés dans les médias comme des
métaphores de la violence. Ce travail tente démontrer aussi que le programme public
de l´État brésilien n’incorpore et ne fait face aux expressions de la question sociale
contemporaine que lorsqu’elles sont divulguées par les moyens de communication de
masse. En nous appuyant sur l´analyse de quelques situations concrètes - les
rébellions de la FEBEM*, à São Paulo, et la prise d’otages de l´autobus 174, à Rio de
Janeiro - nous avons établi les hypothèses suivantes: 1) Les adolescents aiment être
vus , une attitude en accord avec la génération de l´industrie culturelle; 2) Les
adolescents veulent être vus comme associés aux valeurs de beauté, d’irrévérence, de
reconnaissance et de prestige social dont jouissent les icônes du monde culturel
(musique, théâtre, cinéma...) et du sport; 3) Dans l´impossibilité d´une gratification
immédiate en termes de consommation, plaisir, loisir, reconnaissance sociale
(stimulés par la culture de masse), et ce, en raison des difficultés d´accès à chances
offertes par la société (école, travail, rémunération, etc.), beaucoup de jeunes
répondent aux appels de la criminalité dans toutes ses expressions: petits délits, vols
à main armée, trafic de drogue et autres; 4) Les adolescents comprennent le pouvoir
et la force de l´image qui les associe à la révolte, à des comportements transgressifs
et à la violence, et ils en tirent parti ; 5) La société et les agences gouvernementales
ont tendance à négocier et à reconnaître les droits que dans des situations limites,
sous la pression de révoltes, enlèvements, menaces à la vie d´autrui, etc., c´est-à-dire
sous l’impact de la violence proprement dite. Tous ces éléments composent l´état de
pénurie de la citoyenneté au Brésil.
Mots-clés: Médias, espace publique, violence, citoyenneté, jeunes délinquants.
 
* Institution qui s’occupe des adolescents délinquants.
(In)visibilidade Perversa Mione Apolinario Sales
Resumo
(In)visibilidade Perversa: Adolescentes infratores como metáfora da violência
O presente trabalho é uma tese de Doutorado em Sociologia, a qual analisa
teoricamente a visibilidade como uma condição humana, política e social, em
contraste com aquela que é conquistada pelos adolescentes pobres na esfera pública,
em especial os autores de ato infracional. Em tempos de cidadania virtual, tais
adolescentes, oriundos em sua maioria das classes trabalhadoras, são projetados na
mídia como metáforas da violência. O trabalho mostra ainda que a agenda pública do
Estado brasileiro somente incorpora e enfrenta as expressões da questão social na
contemporaneidade, quando estas são publicizadas pelos meios de comunicação de
massa. Com base na análise de algumas situações concretas, a saber, as rebeliões da
FEBEM - São Paulo e o conhecido caso doseqüestro do ônibus 174, no Rio de
Janeiro, o trabalho reúne as seguintes hipóteses: 1- os adolescentes gostam de ser
vistos – numa atitude bastante sintonizada com a geração da indústria cultural; 2- os
adolescentes querem ser vistos associados à beleza, à irreverência e ao
reconhecimento e prestígio social que ícones do mundo da cultura (música, teatro,
cinema, etc.) e do esporte desfrutam; 3- na impossibilidade de gratificação imediata
em termos de consumo, prazer, lazer, reconhecimento social (estimulados pela
cultura de massas), devido às dificuldades de acesso a oportunidades sociais (escola,
trabalho, remuneração digna, etc.), muitos jovens aderem aos apelos da
criminalidade em seus diversos matizes: furtos, assaltos, tráfico, etc.; 4- os
adolescentes compreendem o poder e a força da imagem que os associa à rebeldia, a
comportamentos transgressores e à violência, e tiram partido dela; 5- a sociedade e as
agências governamentais muitas vezes só negociam e atendem direitos em situações-
limite, sob a pressão de rebeliões, seqüestros, ameaças à vida de terceiros, etc., ou
seja, sob o impacto da violência propriamente dita. Todos esses elementos compõem,
assim, o estado de cidadania escassa no Brasil.
Palavras-chave: mídia, esfera pública, violência, cidadania, adolescentes autores de
ato infracional.
(In)visibilidade Perversa Mione Apolinario Sales
5
Sumário
Introdução................................................................................................... 11
Capítulo I - Cidadania escassa: Juventude, direitos e violência no Brasil ... 28
1.1. Desigualdade e cultura de violência no Brasil: “conluio entre dois hemisférios” ................ .............. 38
1.2. Indesejáveis, perigosos e sem-direitos ................................................................................................. 49
1.3. Família, sociabilidade e pobreza......................................................................................................... 54
1.4. Da (in)visibilidade perversa à cidadania da infância e adolescência................................................. .69
Capítulo II – A visibilidade como condição humana .......................................... .80
2.1. Esfera pública, visibilidade e cidadania.................................................................... .86
2.2. Efêmera Aparência: indivíduo, cultura e visibilidade no Ocidente ....................................................... 95
2.2.1 “A juventude está nas ruas”: cultura de massa, consumo e democracia............................................. 101
2.2.2. O “nó no peito”: dilemas da condição de indivíduo no mundo moderno............... . 115
2.3 A crítica antivisual e seu duplo: a paixão pelo olhar ............................................................. .. ............ . 120
2.3.1 O olhar no foco da crítica........................................................................................ 123
2.3.2 O olhar feliz........................................................................................................................................ 125
2.3.3 De olhos vendados................................................................................................................................. 132
2.3.4 O olhar corpóreo.................................................................................................................................. 133
2.3.5 O olhar penal: do ethos visível da punição à disciplina dos corpos vigiados........................................ 137
2.3.6 Sob a luz do humanismo: suavidade e dissimulação da vontade de punir................ 141
2.3.7 Cultura imagética e barbárie: o eterno retorno do espetáculo punitivo.................... 149
Capítulo III - Cidadania virtual, cidadania denegada: Adolescentes infratores
como metáfora da violência.................................................. 156
3.1. Lanterna dos desesperados: indústria cultural, imagem e semelhança................................................... 158
3.2. Da estética da guerra à guerra do discurso........................................................................ ................... 164
3.2.1. Laços de não-ser: violência e ritualização da morte............................................................................ 166
3.2.2. Dragão da maldade: indivíduo, crime e natureza .......................................................... ................... 173
3.2.3. A delinqüência como verdade jurídica............................................................................ .................. 178
3.2.4. Balas perdidas: adolescentes infratores na mira da imprensa brasileira............................................ 183
3.3. Política e Revolta: a violência como condição de aparecimento........................................................... 193
3.3.1.Juventude extraviada de direitos: uma crônica das rebeliões na FEBEM/SP....................................... 197
3.3.2. “Eu vi um Brasil na TV”: o seqüestro do ônibus 174.............................................. 222
Conclusão...................................................................................................... 254
Bibliografia.................................................................................................... 262
(In)visibilidade Perversa Mione Apolinario Sales
6
Introdução
Em 2000, demos início ao processo de doutoramento em Sociologia na USP,
com o projeto de pesquisa: “Crianças e adolescentes no Brasil dos anos 90: entre
uma cultura de violência e um novo paradigma ético-político”. Nesse ínterim,
cursamos as disciplinas - Abordagens dos Meios de Comunicação de Massa (Profª.
Esther Hamburguer), Legalidade e Construção Social Burguesa (Prof. Sérgio
Adorno), e Conflitos Sociais, Direitos e Cidadania (Profª. M.ª Célia Paoli) - e o
Seminário de Projeto (Prof. Reginaldo Prandi), que foram fundamentais para o
desenvolvimento do tema em foco e para uma revisão bibliográfica atualizada e
crítica.
As novas interlocuções acadêmicas e o avanço em termos de consolidação do
marco teórico tenderam, assim, a contribuir para a alteração do projeto original, em
decorrência do envolvimento e subseqüente desenvolvimento pessoal e intelectual
ligado à investigação de instigantes processos sócio-políticos e culturais. O
movimento teórico-metodológico, portanto, que culminou na atualização e na
delimitação mais precisa do objeto de estudo e do campo empírico da tese intitulada
“(In)visibilidade perversa: Adolescentes infratores como metáfora da violência” será
exposto ao longo dessa introdução.
Há que se registrar, antes de tudo, que fomos impulsionadas para a pesquisa
de tema afeto à área da criança e do adolescente em função da docência em Serviço
Social1 e da experiência de representação política em entidades e órgãos dessa
política setorial (Fórum Nacional DCA e CONANDA). Essa inserção profissional e
política levou-nos a identificar a profunda relevância social da temática e – o mais
significativo - a carência de estudos afins de maior fôlego teórico. Reconhecíamos,
no entanto, a rica e massiva produção de estudos e sistematizações de experiências
 
1 Sou professora do Departamento de Política Social da Faculdade de Serviço Social da UERJ, onde pude
desenvolver uma reflexão / produção no PIARJ (Programa de Estudos e Pesquisas sobre Infância e Adolescência
no Rio de Janeiro) nas áreas temáticas de ética, família, política social e direitos de crianças e adolescentes,
violência e direitos humanos; e expandir uma interlocuçãopolítico-intelectual e profissional extra-muros (via
representação no Conselho Federal de Serviço Social).
(In)visibilidade Perversa Mione Apolinario Sales
7
no campo das organizações governamentais e não-governamentais nas últimas duas
décadas2. Esta, por sua vez, se acrescia, divulgava e socializava os direitos em tela,
não continha a densidade que alguns dos seus desafios intelectuais e políticos
demandavam. Além disso, havia uma grande parcela de produções teóricas e
pesquisas científicas nesse campo temático, que, não obstante a sua contribuição para
o desvendamento da realidade social da infância e adolescência no Brasil, possuíam
ora um caráter histórico, ora um teor de legislação comentada, ou ainda um viés
excessivamente particularizado, afeto a determinadas frentes de luta e pólos de
denúncia social, a saber: violência e exploração sexual, trabalho infantil, adoção,
adolescentes em conflito com a lei, crianças e adolescentes em situação de risco
pessoal e social, dentre outros. Enfim, cabia fortalecer perspectivas e tendências de
análises que propiciassem explicações em escala nacional e fizessem ilações teórico-
críticas sobre a condição da infância e adolescência como expressão da questão
social3 em articulação com os demais desafios societários do país, dando-lhe a
centralidade e visibilidade devidas.
Desde então, felizmente, a temática dos direitos das crianças e dos
adolescentes - que se inscreve na agenda dos Direitos Humanos - vem se
consolidando e se renovando como um objeto de estudo relevante pelas Ciências
Sociais no Brasil (Bierrenbach et alii., 1987; Adorno, 1993; Martins, 1993; Alvim,
1994). Trata-se, porém, de uma área ainda a exigir esforços teóricos concentrados, à
altura da grande rede de atores e processos envolvidos na implementação do Estatuto
da Criança e do Adolescente (Lei 8.079 /90 - ECA), considerado um novo paradigma
ético-político no que concerne aos direitos da infância e adolescência no Brasil.
Infelizmente, apesar da ruptura ético-política com a menorização da infância e
adolescência pobres como representação-chave nos Códigos de Menores (1927 e
 
2 Alguns títulos podem ser elencados como representativos do universo não-governamental referido: Revista
Fórum DCA, Cadernos ABONG, Revista da ANCED, Revista CEAP, Subsídio INESC; mais apostilas, textos de
discussão, relatórios de pesquisas e levantamentos de entidades como CECRIA, Save The Children, Projeto
Roda-Viva, dentre outros. Na esfera governamental sobressai o investimento do Departamento da Criança e do
Adolescente (antigo CBIA) do Ministério da Justiça no tema do adolescente em conflito com a lei; produções do
Ministério da Saúde sobre saúde e sexualidade dos adolescentes; e mais recentemente da Comissão Nacional de
População e Desenvolvimento, etc. No Legislativo Federal conta-se com cartilhas, documentos, especialmente
dos mandatos comprometidos com o tema. Há ainda o apoio substantivo a produções via agências de cooperação,
como UNICEF, UNESCO, OIT, Pommar, etc.
3 Por questão social entende-se o conjunto das refrações produzidas pelo modo de produção capitalista que, para
se produzir e reproduzir, destitui uma parcela majoritária da população do acesso à riqueza social. Portanto, trata-
se de uma relação social marcada pela desigualdade, o que, na formação social brasileira, se transforma em
(In)visibilidade Perversa Mione Apolinario Sales
8
1979), tem-se ainda a prevalência da pobreza no cerne deste debate, em virtude do
aprofundamento da desigualdade social, apesar dos novos preceitos legais e
constitucionais pós-1988 (Londoño, 1992).
Portanto, para um melhor balanço da questão social brasileira na
contemporaneidade, avaliávamos e continuamos avaliando, é mister, por um lado,
reconhecer a importância desse território de políticas sociais, práticas, valores e
densidade ontológica; e por outro analisarmos as contradições e descompassos no
processo de apropriação sócio-cultural e política quanto à implementação do ECA.
Algo que qualificamos como cultura de violência, sobre o que discorreremos ao
longo da tese - ligada ao processo de formação da sociedade brasileira e à nossa
rarefeita cidadania, sobretudo no que diz respeito historicamente às classes
trabalhadoras - interpunha-se na forma de uma resistência conservadora exercida por
vários setores sociais ao ECA, a seus princípios democráticos e à perspectiva de uma
reforma cultural - moral e intelectual - no país, o que certamente desborda a infância
e a adolescência (Rolim, 1999; Gramsci, 1978; Sales, 1993).
Mesmo quando tencionávamos tratar conjuntamente crianças e adolescentes e
as expressões agudas da violência social4 por eles vivenciados, já insistíamos num
processo de invisibilidade social (Soares, 2000) desse amplo segmento - conivente
com a reprodução de condições sócio-econômicas geradoras e/ou perpetradoras de
situações de iniqüidade social - somente rompido em momentos de crise, conflitos e
violência extrema, sofrida ou praticada por eles. E muito embora um segmento
dentro desse universo tenha pouco a pouco chamado a nossa atenção, continuamos
pensando que problemas como trabalho infantil, exploração e violência sexual, ou
ainda o abandono social de largas parcelas da infância brasileira e suas famílias,
relegadas a um cotidiano de risco pessoal5 e múltiplas vulnerabilidades (Castel,
1998), exigem pesquisas macroscópicas e um enfrentamento político, econômico e
sociológico de grande monta. Neste sentido, importa ressaltar, de um lado, que todos
 
iniqüidade. A questão social passa a ser reconhecida e enfrentada em fins do século XIX, a partir do Estado, em
função da organização política dos trabalhadores (Iamamoto e Carvalho, 1982).
4 A categoria violência social envolve questões como a desigualdade, o desemprego, a precarização do trabalho, a
degradação das condições de vida, a incivilidade, a alienação no trabalho e nas relações, o menosprezo de valores
e normas em função do lucro, o consumismo, o culto à força e o machismo, dentre outras (Minayo, 1994; e
Telles, 2001).
5 A noção de risco é vista como a probabilidade da ocorrência de algum evento indesejável, interrelacionada a
uma rede de fatores culturais, históricos, políticos, sócio-econômicos e ambientais. Neste sentido, o fato de
(In)visibilidade Perversa Mione Apolinario Sales
9
esses problemas, em sua particularidade ou genericidade, constituem expressões da
questão social no Brasil; e de outro, que crianças e adolescentes pobres muitas vezes
deslocam-se erraticamente de uma condição a outra, de uma experiência de violência
e violação de seus direitos a outra. Não se trata, portanto, de algo estanque, embora
se fale de sujeitos e situações de vida que implicam vínculos, práticas, lugares sociais
e permanências.
Logo, diferenças no amplo segmento de crianças e adolescentes (gênero,
idade, raça/etnia, e condição social), seus problemas, mais as formas de reagir e/ou
conviver com eles, se fazem notar e começaram a nos mobilizar criticamente cada
vez mais. Foi possível perceber, por exemplo, que havia de parte da sociedade – civil
e política - uma fratura ética, política e intelectual na acepção e relação com crianças
e adolescentes. A encimar tal processo de diferenciação entre eles a presença e
entrada em cena do adolescente autor de ato infracional,resultando em posturas que
se estendem da resistência passiva ao repúdio explícito ao ECA.
Neste sentido, é mister destacar que o ECA em si não suscita reações
contrárias quando advoga os direitos de todas as crianças e adolescentes (Livro I,
Título II), posto que, além disso, se refere a uma programática geral de
possibilidades e intenções, de ações desejáveis para esse segmento, apesar dos
obstáculos sociais, econômicos, políticos e culturais que se lhes interpõem. Mesmo
sabendo-se da situação de cidadania escassa, ou de acesso precário e intermitente da
maioria das crianças e adolescentes brasileiros aos direitos sociais, essa parte do
ECA é vista como sendo dotada de positividade ética e jurídica, podendo até soar
inverossímil em sua exigibilidade e garantia, mas, grosso modo, por não ferir
crenças, valores e práticas sociais, não suscita disposições questionadoras e
indignadas. Há, contudo, exceções quando o assunto é essa ênfase na dimensão dos
direitos; exceções que se valem da retórica disciplinadora e conservadora -
largamente difundida por juristas, políticos e setores da mídia que se opõem ou
fazem restrições ao ECA -, a qual se detém em torno da necessidade também da
estipulação dos deveres de crianças e adolescentes (Cavallieri, 1999).
 
famílias com crianças e adolescentes das classes trabalhadoras depararem com circunstâncias especialmente
difíceis para cuidar de seus filhos torna-os mais expostos ao sofrimento e à morte.
(In)visibilidade Perversa Mione Apolinario Sales
10
Vale a pena, portanto, dar a conhecer alguns elementos que integram, ao nosso
ver, o domínio das representações sociais6 pertinentes ao citado processo de
diferenciação entre crianças e adolescentes, cujo mapeamento e significado
contribuiu para reordenar, na forma e no conteúdo, o que veio a ser esta tese. São
eles:
- Há um largo consenso no país acerca da necessidade de proteção social da infância,
muito embora haja um certo conformismo quanto a inúmeras tragédias sociais que
acometem as crianças, desde a desnutrição e a mortalidade, ao trabalho infantil7. Males
típicos de um país de capitalismo periférico e “em desenvolvimento”. Algo da ordem do
Outro e dos “males necessários”, destituídos de responsabilização social;
- Como conseqüência todos os esforços políticos, sociais e financeiros governamentais e
não-governamentais são válidos, embora, já seja sabido e “assimilado”, nunca serão
suficientes no sentido de extirpar pela raiz a pobreza e a miséria que corroem a infância
brasileira. Este é um quadro social que mais gera pena do que revolta, pois,
supostamente, é da ordem também do destino e da sorte de cada um. Isto é aceito, não
obstante as estatísticas falarem de milhões de crianças, o que condiz, senão com um
processo de invisibilidade, certamente com um fenômeno de opacidade social (Arendt,
1987);
- Respostas individuais e familiares diante do desespero da precariedade das condições de
vida e falta de opções para o grupo familiar, consubstanciadas no trabalho infantil, na
exploração sexual e até no abandono dos filhos, ora são justificadas pelo senso comum
como as alternativas possíveis, ora são veementemente condenadas, responsabilizando-
se sobretudo os pais8 em atitude moralizadora e redutora à esfera privada de problemas
de natureza pública;
- Em suma: apesar da gravidade dessa realidade social, ela chega a ser tolerada, porque da
ordem da vitimação (Saffioti, 1989), do sofrimento, do silêncio e da amargura social de
 
6 A noção de representações sociais será trabalhada na tese em apoio à discussão das questões afetas à produção
simbólica e ao imaginário coletivo, em seu entrecruzamento com os discursos e narrativas veiculadas pela mídia.
Não se pretende fazer um estudo exaustivo ou exclusivamente centrado nesta categoria metodológica, nem
tampouco descolado dos processos sociais; estando ciente de que o contexto explica as representações e não o
contrário (Marx e Engels, 1987).
7 A infância e a adolescência pobres, muitas vezes negra, têm sido privadas do direito à educação e encerradas no
círculo vicioso do trabalho precoce. O Brasil conta, por exemplo, ainda com 1,1 milhão de jovens entre 12 e 17
anos analfabetos, isto é, que não sabem ler ou escrever, o que equivale a 5,2% da população nesta faixa etária.
Além desses, 8 milhões de jovens entre 12 e 17 anos possuem baixa escolaridade, com apenas cinco anos de
escolaridade formal; jovens provenientes de famílias com renda per capita inferior a meio salário mínimo (IBGE,
2000 e UNICEF, 2002).
(In)visibilidade Perversa Mione Apolinario Sales
11
amplos contingentes populacionais, de uma ponta a outra do país; algo que revela a
universalização das necessidades e carências das camadas mais pauperizadas das classes
trabalhadoras urbanas e rurais, tanto do passado quanto do presente;
- Entre a realidade de vitimação e as respostas da alçada das políticas sociais, muitas vezes
parece se erguer um fosso simbólico – cimentado ideologicamente -, deixando entrever,
à moda estruturalista, a esfera da política e das ações públicas como algo intangível, de
difícil alcance e interferência, de natureza e regulação próprias;
- Crianças e adolescentes submetidos a esse tipo de violência social, até então, não têm
aparecido na cena pública de forma coletiva, nem impactante9. Por exemplo: o peso da
exploração do grupo familiar e o medo são tão grandes que, no Brasil, não se ouve falar
em queima de canaviais ou algo semelhante nas minas de carvão, praticado por crianças,
adolescentes e seus familiares, revoltados com as condições do trabalho infantil no
campo ou mesmo na cidade. Predomina ao lado da fome, da miséria e da
superexploração, a resignação10;
- Meninas e adolescentes pobres, desde os rincões aos grandes centros urbanos do país,
submetidas à exploração sexual são apanhadas por outras teias silenciadoras (Rocha-
Coutinho, 1994), na medida em que o comércio do corpo e do prazer sofre diversas
sanções: pela religião, pela moral sexual familiar e pela lei. Assim, são múltiplas as
interdições num tal ambiente cultural historicamente repressivo, permeado por toda uma
sorte de outras violências de gênero no cotidiano, o que contribui para a dissimulação
por parte daquelas que são coagidas pela família ou por terceiros, ou pelas que são
tentadas individualmente a sobreviver por meio desse artifício, em razão do medo da
punição. Já a sociedade responde aos dados da exploração sexual de meninas e
adolescentes pobres de maneira tão hipócrita quanto indiferente, quando moraliza as
precoces “más” escolhas femininas ou as justifica diante da falta de recursos e opções
sociais do grupo familiar, principalmente nas regiões mais empobrecidas do país;
- Quando situações de violência social como as citadas acima se mesclam a outras de
caráter familiar, isto é, quando a família deixa de ser suporte e guardiã dos elos de
afetividade e sociabilidade, abstendo-se de suscitar a reciprocidade em termos de direitos
e deveres entre os membros do grupo doméstico e, mais: abusa, maltrata, negligencia,
 
8 É importante, no entanto, ressaltar que muito além das expectativas burguesas do jeito ideal de criar e educar
filhos as famílias das classes trabalhadoras desenvolveminúmeros esforços no sentido de realizar seu papel
socializador.
9 A não ser sob a forma de imagens, no caso do trabalho infantil, capturadas pelos já lendários ensaios
fotográficos de João Roberto Ripper e Sebastião Salgado, e por inúmeros documentários.
10 Não se quer com esta afirmação dizer que não há luta por melhores condições de vida e de trabalho no campo,
vide a experiência organizativa do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra) e tantas outras
(In)visibilidade Perversa Mione Apolinario Sales
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enfim, é cruel, tais crianças e adolescentes em geral fogem do convívio familiar pelas
diversas portas da luta pela sobrevivência. São, porém, respostas individuais e, a
princípio, de pouquíssima ou nenhuma visibilidade, as quais só vão ganhando alguma
densidade quando começam a se metamorfosear em grupos com práticas lesivas ao
patrimônio público - bandos e galeras de crianças e adolescentes que erram cidade e país
afora no capitalismo periférico - e procedem à incômoda ocupação de ruas, praças e
calçadas;
- Enfim, as crianças e adolescentes vitimados, alvos de sucessivas violações de direitos
sociais, não se manifestam, não perturbam a ordem, a menos quando, já pela condição
fronteiriça de quem quer transpor a (in)visibilidade perversa11, tentam vender os seus
chicletes nos bares e sinais, mas ainda assim, porque de forma pacífica, inspiram no
máximo irritação e piedade. Seus apelos são individuais. Contam para dar voz e vulto às
suas necessidades e reivindicações com uma série de agentes e entidades defensoras de
direitos ou mesmo de organismos assistencialistas e filantrópicos, dentre outros. São os
adultos que por meio de suas câmeras, microfones e redes de apoio vão dando corpo a
esses sujeitos e suas trajetórias, marcados pela opacidade social, embora sejam milhões;
- Já os adolescentes que perambulam pelas ruas, praticam pequenos roubos e até
assassinatos, quando são mortos ou cooptados pelo tráfico de drogas; ou ainda quando se
tornam vítimas da truculência do aparelho do Estado, e em função disso incendeiam
unidades de internação, estão a conferir visibilidade ao estado degradado e aviltado da
cidadania da infância e adolescência do país. Com a exibição de suas dores, misérias e
falta de projetos de vida promovem discursos e encetam linguagens que rompem
silêncios sociais cúmplices de violências domésticas, de atrocidades institucionais, da
exploração do trabalho de crianças e adolescentes, dentre outros. Enfim, atraem a crítica
e a condenação, mas também a sensibilização para sua situação específica e a das
condições de vida das crianças e adolescentes brasileiros. São pessoas em
desenvolvimento e, de acordo com a Constituição de 1988, prioridade absoluta, mas, na
prática, essa condição é quase sempre sobrepujada por interesses de maior relevância
econômica;
- Neste sentido, é emblemática a discussão sobre a redução da idade penal, ponto de
inflexão e encruzilhada ideológica do mais resistente conservadorismo, a qual tem sido o
calcanhar de Aquiles dessa área. Apesar de uma nova concepção e prática política e
 
historicamente existentes no país, mas acentuar a baixa capacidade de reação e indignação das famílias
trabalhadoras rurais quanto ao trabalho infantil, quando em estado de isolamento político.
11 A adoção da categoria visibilidade perversa foi inspirada na argumentação e discussão feita por Sueli Carneiro
em entrevista à Revista Caros Amigos (2000).
(In)visibilidade Perversa Mione Apolinario Sales
13
jurídica no trato com a infância e a adolescência proposta pelo ECA, nem ele tem
conseguido aplacar a cultura punitiva da sociedade brasileira na relação com a questão
dos adolescentes autores de ato infracional. Sabe-se, no entanto, que apenas 18,6% de
homicídios (IPEA et alii., 2002) cometidos no Brasil podem ser atribuídos a menores de
18 anos. Não obstante, os apelos contidos nos projetos de lei do Código Penal, que
antecipariam maioridade penal para 16 e até 14 anos, sugerem banimento, ocultação,
evitação, enfim, a consumação do apartheid social. Tais adolescentes são elevados à
condição de bárbaros e pré-humanos, pré-cidadãos, indignos de uma atenção social mais
justa, que leve em conta os percalços sociais, econômicos e morais da vida que os
conduziram ao delito (Adorno, 1993);
- Por vezes, os ruídos produzidos por esses adolescentes, mesmo sem intencionalidade
política a priori, terminam em sua contundência e efetividade por sacudir as aparências e
forçar a discussão de assuntos públicos, vide a onda de rebeliões na FEBEM paulista, em
1999. Conseguiu-se uma atenção e respostas concretas (mesmo não de todo satisfatórias)
para a agenda da implementação das medidas sócio-educativas e seu sistema operativo,
que esforços locais e nacionais dos conselhos de direitos e diversos parceiros até aquele
crack institucional não conseguiram. Isto porque o ajuste fiscal - um dos motes da
política neoliberal encetada no Brasil nos últimos dez anos - dificulta ainda mais a
capacidade de escuta do Estado, que adia o enfrentamento das expressões da questão
social até o limite, no tocante à cobertura de novos problemas ou à resposta ao desgaste
do aparato das políticas públicas.
Em apoio às nossas preocupações teóricas, vale citar o último Censo do IBGE
(2000) e várias outras pesquisas afins, os quais têm atestado o caráter masculino e
metropolitano da violência e, conseqüentemente, de mortes por causas externas, com
destaque para a faixa etária entre 15-24 anos (Bercovich; Dellasoppa e Arriaga,
1998). Dentre as mortes violentas, chamam atenção aquelas provocadas por armas de
fogo e o caráter essencialmente urbano desse mapa de homicídio da juventude
brasileira. Índice alarmante, mas encarado já de forma banalizada por alguns
segmentos da sociedade, sejam aqueles comprometidos ou coniventes com as
práticas de extermínio sejam os que se sentem acuados em suas casas e locais de
trabalho pelo medo da violência: real ou imaginário.
Esse sentimento difuso de medo, sobretudo da classe média e dos setores
mais abastados socialmente, obscurece, inclusive, a realidade de que crianças,
(In)visibilidade Perversa Mione Apolinario Sales
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adolescentes e suas famílias, que têm que conviver diariamente com a presença e
força do narcotráfico nas favelas e periferias, também sentem medo. O contato com o
mundo da criminalidade, sem dúvida, implica uma piora da qualidade de vida para o
grupo doméstico como um todo. Um medo nada abstrato, porque também acrescido
do risco das balas perdidas nas trocas de tiro entre polícia e bandidos, ou da simples
limpeza étnico-social que negros, pardos e mulatos sofrem de grupos de justiceiros,
exterminadores, policiais, dentre outros. Isso significa que o traço étnico-racial
combina-se à exploração e à violência, significando mais um fator de vulnerabilidade
em geral, e em particular dos adolescentes brasileiros. São discriminações que
atualizam o drama da inexistência da cidadania dos tempos pré-republicanos.
Esses são alguns elementos que apontam, de um lado, a invisibilidade do
sofrimento e dor por que passam crianças e adolescentes nas suas áreas de moradia e
socialização, não bastassem as privações materiais, culturais e, muitas vezes, até
afetivas às quais são submetidos. De outro, sinalizam o tipo de malhas simbólicas e
ideológicas que permitem a visibilidadedos adolescentes, uma visibilidade
intensificada pelo preconceito e medo da violência, balizados apenas em
características físicas, sociais e geográficas, supostamente reveladoras da
periculosidade dos seus portadores (Alvim e Paim, 2000; e Machado, 2000). Trata-
se, portanto, de uma condição de visibilidade perversa, seletiva e reprodutora de
discriminações históricas contra os setores mais pauperizados e insubmissos das
classes trabalhadoras urbanas.
Justiça e democracia são, assim, profundamente marcadas pela cultura e
pelas particularidades políticas e econômicas locais, muito embora sofram as
influências e intempéries do cenário mundial. Integram o leque de desafios da
sociabilidade e do pacto civilizatório no século XXI contra a barbárie capitalista,
produtora de desemprego, misérias e violências. E no Brasil a impunidade e a
corrupção - traços pérfidos da cultura política nacional -, de um lado, atualizam-se e
se metamorfoseiam ante as novas relações produtivas, e, de outro, se expandem nos
vazios de autoridade e de eficácia do sistema sócio-jurídico, no qual se incluem as
entidades e a política de atendimento sócio-educativo a adolescentes autores de ato
infracional, contribuindo para fazer desmoronar a confiança no Estado e na esfera
(In)visibilidade Perversa Mione Apolinario Sales
15
pública12 e em sua capacidade de regular os conflitos sociais. Configura-se, assim,
uma situação que intensifica a crise ética em curso no país, acirrada pelos percalços
políticos e econômicos dos governos da redemocratização.
O abismo da desigualdade, pois, compromete a lógica da justiça numa
sociedade como a brasileira, e demonstra o estado da garantia dos direitos civis –
vida, integridade física, propriedade, segurança, liberdade -, considerados alicerces
dos direitos políticos e sociais, uma vez que aqueles são dependentes do sistema
policial e judiciário. Logo, encontram-se em condição bastante deficiente e precária
(Carvalho, 1996). Os obstáculos sócio-históricos ao cumprimento das suas funções
dizem, assim, tanto do grau de cidadania conquistado - a cidadania real - quanto das
contradições de classe que atravessam a sociedade e sacodem as falsas crenças na
impermeabilidade entre Direito e política, ou Direito e economia.
O tema da penalização é, todavia, essencialmente conservador
(Singer,1998). Além do componente punitivo que lhe é intrínseco e direcionado às
classes perigosas, prevalecem muitas vezes, e até por isso, entre os operadores do
direito a dissimulação e a despolitização dos conflitos. É mister reconhecer, portanto,
a atitude e perfil reacionários da ideologia jurídica hegemônica, com seu viés
positivista na interpretação e prática do direito, e presença do racismo nos
encaminhamentos da justiça criminal.
No entanto, vale destacar que a lei e o direito têm sido resignificados
dentro de mais uma estratégia de luta pela democracia, invertendo-se a mão da
justiça (tradicionalmente guardiã dos privilégios das camadas dominantes) em favor
de minorias discriminadas e da maioria historicamente constituída. As conquistas e
inovações nesse campo, porém, ainda são poucas diante de uma lógica milenar ora
do direito positivista, ora da justiça do “olho por olho”.
Cabe, no entanto, registrar a preocupação de Singer (1998) quanto à
ascensão da penalização como recurso jurídico contemporâneo acionado largamente
 
12 A noção de esfera pública , segundo Raquel Raichelis (1998), remete à construção e ao aprofundamento da
democracia pela via do fortalecimento do Estado e da sociedade civil, expresso fundamentalmente na inscrição
dos interesses das maiorias nos processos de decisão política, a partir da criação e garantia de espaços de
interlocução entre os diferentes sujeitos sociais. Logo, concebemos a esfera pública não como um espaço
intermediário entre sociedade civil e Estado, ou inteiramente distinto. À maneira gramsciana, defendemos que ela
se constitui e se realiza no âmbito do Estado, visto de forma ampliada. Na perspectiva de publicizar os interesses
em disputa democrática, a esfera pública, para além da polarização estatal-privado, se afirma como comunidade
politicamente organizada e baseada no reconhecimento do direito de todos à participação na vida pública. Ela é,
(In)visibilidade Perversa Mione Apolinario Sales
16
à direita e à esquerda, ainda que com propósitos políticos totalmente distintos13.
Também como alertou Wacquant (2001a), diante do enfraquecimento do Estado
caritativo ou de Bem-Estar Social, onde chegou a ser implementado, tem se erguido
mais e mais o Estado penal-policial. O resultado das novas políticas punitivas, como
a de tolerância zero, é bastante conhecido: abuso do expediente de encarceramento
massivo e de criminalização da miséria. Pareceria démodée ou clássica esta
alternativa, a recordar a severidade com que foi punido o personagem Jean Valjean,
em Os Miseráveis de Victor Hugo, pelo roubo de um pão, não fosse o investimento
contemporâneo na economia e indústria do controle do crime, em que os Estados
Unidos são o exemplo neoliberal mais categórico e lamentável. Naquele país, a
população carcerária atingiu a marca de dois milhões de presos. Além de ocultar o
índice de desemprego, esse recurso constitui fonte de vultosos lucros para a iniciativa
privada, com a construção e administração de presídios e fornecimento de
equipamentos. A perversidade desse sistema draconiano de combate à violência é
demonstrada pelo fato de hoje alguns estados americanos, como a Califórnia,
investirem mais nos cuidados aos detentos do que em educação. E ainda mais se se
considerar que as políticas punitivas das últimas décadas não produziram efeitos de
limitação do comportamento criminoso e violento (Singer, 1998; Sekles, 1999 e
Aith, 2000).
Na América Latina e no Brasil, em particular, o Estado Penal-Policial
tem já um longo lastro histórico: desde o Império ao entra-e-sai de ditaduras. Ele
persiste hoje também nas democracias do continente. No caso brasileiro, aos
problemas crônicos de uma cultura de corrupção e de brutalidade institucional, ou
cultura de violência, de cariz social mais amplo, soma-se no âmbito da justiça, do
sistema sócio-jurídico - sócio-educativo e penitenciário - um perfil de uma pobre
política social para os pobres (Behring, 1997). Uma moldura institucional marcada,
dentre outros, pelo exorbitante poder dos delegados e juízes, mais um treinamento de
 
assim, por definição, arena privilegiada de debates e embates, lugar da visibilidade dos sujeitos sociais e dos
temas fundamentais para a coletividade.
13 Neste sentido, vale a pena lembrar da “compulsão” legislativa no Brasil, vide a profusão de projetos de lei
(PLs) e de emendas constitucionais (PECs), revelando tanto a tendência populista-normativa, disciplinadora e
punitiva do Parlamento, em sintonia com múltiplos apelos da população quanto a historicamente baixa
capacidade política reguladora da Constituição, à diferença do significado da experiência contratualista
republicana em países como França, Inglaterra e Estados Unidos da América (Arendt, 1988; Novaes, 2003).
(In)visibilidade Perversa Mione Apolinario Sales
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policiais, monitores de unidades de internação de adolescentes e agentes
penitenciários freqüentemente inadequado.
Assim, cabe desnudar o significado de propostasde redução da idade
penal, ora para 16 ora para 14 anos, em face da subumana e nada educativa ou
ressocializadora realidade prisional brasileira de 223 mil detentos (DEPEN, 2001), a
qual atesta a natureza perversa, seletiva e opressora do sistema penal, em razão de:
descaso oficial, superlotação de cadeias, presídios e penitenciárias, rebeliões, maus
tratos, alimentação ruim, além da falta de assistência médica e jurídica (inclusive na
fase de execução da pena, o que faz com que os pobres permaneçam mais tempo na
prisão). A degradação é máxima no verão, quando os problemas de saúde proliferam:
desidratação, febre, micoses e outras doenças da pele. Do ponto de vista da saúde
pública, contudo, a disseminação da AIDS no sistema penitenciário é ainda mais
grave, em decorrência da promiscuidade, falta de preservativos e reservas no seu uso.
Em média, 68% dos presos têm menos de 25 anos, 89/% não têm atividade produtiva
ou trabalho (do que eles muito se ressentem), 76% são analfabetos ou analfabetos
funcionais, 2/3 da população carcerária são formados por negros e mulatos, e 85% é
a taxa de reincidência no país. Outros dramas humanos que fazem parte do seu
cotidiano são a ausência de vínculo familiar permanente, a supressão da atividade
sexual regular, a solidão e a falta de projetos de vida. É mister destacar, contudo, que
72% dos processos penais devem-se a furtos e roubos; sendo os outros 28%, frutos
de homicídios, lesão corporal, aborto, corrupção, estupro e tráfico de drogas. Sabe-se
que existem leis que asseguram os direitos humanos, mas que são ignoradas na
maioria das vezes, como, por exemplo, a lei que tipifica o crime de tortura, a qual, no
entanto, não é adotada pela maioria dos juízes e promotores (Relatório da Comissão
de Direitos Humanos da ONU - 2000, Apud. Agegge, 2001; e Leali e Melo, 2001).
Ademais, com o passar dos anos e a complexificação da problemática urbana
e da questão social, vem se aprofundando o enlace entre violência e mídia, na
tentativa dos veículos de comunicação em dar respostas à população sobre as ações
individuais e coletivas mais visíveis, diante da dificuldade de compreensão das bases
societárias geradoras de uma incivilidade crescente (Telles, 2001). O dado novo é
que, ao longo do século XX, a indústria cultural (Adorno e Horkheimer, 1985)
cresceu e apareceu, contribuindo para aprimorar tendências de desenvolvimento
(In)visibilidade Perversa Mione Apolinario Sales
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econômico e social nos terrenos da informação, da cultura e do divertimento, mas
que contribuiu também para massificar, por meio do rádio, da imprensa e, mais tarde,
da televisão, noções, valores e atitudes reificadores do senso comum, momento em
que se unifica o conservador e o popularesco.
O gosto pela notícia cor de sangue, construída em forma e conteúdo em ritmo
de folhetim, tão ao agrado das massas, vem se somar à exploração imagética e às
narrativas de personagens e casos emblemáticos de violência, ano após ano,
conjuntura após conjuntura, governo após governo (Sales, 2002). Como pano de
fundo de uma violência lida apenas em suas expressões singulares ou de forma
abstrata e generalizada, tem-se a sociedade brasileira e suas dificuldades em se firmar
como nação efetivamente democrática, em construir um aparato sócio-institucional e
jurídico de esteio aos direitos civis, políticos e sociais (Carvalho, 2002), em garantir
condições de vida dignas à população, por meio do acesso ao trabalho e à terra,
dentre outros.
Um paradoxo, porém, envolve o problema em análise. Não se trata, nesta
tese, apenas de uma constatação acerca de como são vistos os adolescentes das
classes trabalhadoras, tenham eles cometido ou não algum tipo de delito, tenham
eles passagem pelo sistema sócio-educativo ou não. Não se trata de um discurso ou
reflexão vitimista. Outros aspectos da (in)visibilidade perversa a que estamos nos
referindo gozam ainda mais da nossa preocupação e curiosidade investigativa:
- Os adolescentes gostam de ser vistos – numa atitude cultural bastante em sintonia com a
geração da indústria cultural, isto é, a geração midiática;
- Os adolescentes querem ser vistos associados à beleza, à irreverência e ao
reconhecimento e prestígio social que ícones do mundo da cultura (música, teatro,
cinema, etc.) e do esporte desfrutam;
- Na impossibilidade de gratificação imediata em termos de consumo, prazer, lazer,
reconhecimento social (estimulados pela cultura de massas), devido às dificuldades de
acesso a oportunidades sociais (escola, trabalho, remuneração digna, etc.), muitos jovens
aderem aos apelos da criminalidade em seus diversos matizes: furtos, assaltos, tráfico,
etc.;
- Os adolescentes compreendem o poder e a força da imagem que os associa à rebeldia, a
comportamentos transgressores e à violência, e tiram partido dela;
(In)visibilidade Perversa Mione Apolinario Sales
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- A sociedade e as agências governamentais muitas vezes só negociam e atendem direitos
em situações-limite, sob a pressão de rebeliões, seqüestros, ameaças à vida de terceiros,
etc., ou seja, da violência propriamente dita.
Tudo isto demonstra o estado de cidadania escassa no Brasil - país em que é
baixa a interlocução, a capacidade de negociação e de respeito à organização e à
autonomia política das entidades civis e movimentos sociais. A força como medida
do poder dos sujeitos envolvidos em disputas e litígios, típica de uma sociedade
hierarquizada, centralizada e autoritária, traduz-se em leituras hoje pelos segmentos
“subalternizados” urbanos14, em suas estratégias pessoais e coletivas de
enfrentamento do status quo. Exemplo disto é o investimento cada vez mais
ostensivo em armamentos pesados por parte do narcotráfico, com a demonstração de
força e poderio numa guerra civil urbana, sem bandeiras e ideologias. Em tela apenas
a resolução de conflitos, as disputas de territórios, a luta pela garantia da
comercialização de drogas ilícitas, sob a égide da convicção numa sociedade sem lei
e historicamente fomentadora de uma cultura de violência.
A problemática da (in)visibilidade perversa e da associação de adolescentes
infratores como metáfora da violência pela mídia e pelo senso comum torna-se
complexa, à medida que se metamorfoseia em questões de natureza cultural e afetas
à sociabilidade contemporânea, inclusive em escala mundial. É mister registrar que
esse medo da juventude – real ou imaginário – tem par na Europa e também nos
Estados Unidos. Num certo sentido, a crise do Estado de Bem-Estar Social em países
como a França, somada às tensões da imigração (africana e árabe, em particular) e do
processo de integração cultural daí decorrente, vem aguçar a discussão de temas
tratados nos anos 50 e 60 pela sociologia da juventude norte-americana, o que
significa, ao nosso ver, a retomada de uma onda intelectual, política e filosófica, em
certa medida conservadora. Resguardada a especificidade da expressão
contemporânea dos problemas juvenis europeus, vê-se que tanto lá como aqui eles
podem ser relacionados às modificações no mundo do trabalho, à falta de
 
14 Já dista muito no tempo a idéia de que a violência armada era algo típico das relações sociais e culturais
sertanejas no Nordeste (Zaluar, 1994), onde os conflitos interpessoais eram resolvidos ou provocados com armas
brancas e de fogo: por cangaceiros, no passado, e mais tarde por jagunços, sempre a mando dos senhores
proprietários de terras; ou algo imbuído de ideais políticos revolucionários, como as guerrilhas urbanas e rurais
nas décadas de 60 e 70.
(In)visibilidadePerversa Mione Apolinario Sales
20
perspectivas para as novas gerações, a padrões culturais, etc. Portanto, há que se ter
cuidado com a tentação de dar respostas conservadoras para problemas novos.
 Tem-se lá uma era de incertezas diante do desmoronamento da seguridade
social e do fim da era do “pleno emprego” keynesiano. Incertezas que pouco a pouco
deixam de dizer respeito apenas às galeras das banlieues e se estendem como
possibilidade concreta à juventude de modo geral. Do ponto de vista cultural e da
subjetividade transgressora, alguns analistas vêm estudando o significado da
ascensão de valores individualistas e narcisistas, nos moldes de um individualismo
negativo (Fitoussi e Rosanvallon, 1996), ao lado da desconstrução de laços sociais e
de referências hierarquizantes, representados por grupos como a família e a escola,
dentre outros. Um olhar mais acurado para a performance violenta de alguns setores
da juventude em seus vínculos e raízes societárias permite descobrir
responsabilidades públicas e coletivas a médio e longo prazo. Não se trata apenas de
uma psiqué rebelde, como já denunciava Lapassade (1968), mas de um conjunto
sincronizado de fenômenos sociais, econômicos, culturais e políticos no âmbito do
capitalismo.
Em função destes e de outros elementos, vê-se que os adolescentes pobres
e/ou autores de ato infracional estão no cerne do debate atual sobre a questão social,
violência, sociabilidade, cultura, justiça e direitos humanos. Sua performance
transgressora isolada ou coletiva é quase sempre geradora de reações, ações sociais,
políticas, e há muito no Brasil vem sendo também incensada em termos de
visibilidade e medo pela mídia.
A centralidade e importância da problemática que hoje afeta sobretudo os
adolescentes pobres, cooptados pelo narcotráfico em expansão na sociedade
brasileira, têm contribuído para romper a falsa concepção dessa área temática como
algo bastante específico e frágil do ponto de vista intelectual. Foi intenção deste
estudo, portanto, contribuir para superar a cultura de “subtema” da política social e
dos direitos de crianças e adolescentes, explicitando os vínculos dessa área com os
desafios à consolidação da cidadania e de uma cultura pública e democrática no
Brasil - país em que é patente a falta de tradição e de convicção nos direitos
humanos.
(In)visibilidade Perversa Mione Apolinario Sales
21
Tivemos a ousadia, portanto, de querer aprofundar:
o Os paradoxos da violência ou a (in)visibilidade perversa dos adolescentes infratores
no Brasil dos anos 90, em que aquela ora os estigmatiza, ora é um dos poucos
recursos capazes de mobilizar a atenção da mídia, da sociedade política e da
sociedade civil e, porquanto, de acionar orçamentos e políticas públicas;
o O conhecimento teórico sobre os adolescentes autores de ato infracional e o papel
regulador que sua imagem, atos e delitos desencadeiam junto à população
(problemática hoje com variantes internacionais);
o A relação entre o ser e o aparecer para os adolescentes (Novaes, 1992), isto é, quais
são os esforços e custos para eles da ruptura com a (in)visibilidade perversa:
significado pessoal e coletivo;
o A responsabilidade da mídia em sua dimensão de esfera pública: entre o reforço da
associação dos adolescentes autores de ato infracional como metáfora da violência, e
o apoio à implementação do ECA, à construção do sistema de garantia de direitos e à
interlocução com os agentes governamentais e não-governamentais afins (Ferreira,
2000; Hamburguer, 1998; ANDI, DCA/MJ e AMENCAR, 2001; e ANDI/IAS,
2001);
o O polêmico debate sobre a violência como valor na contemporaneidade
(Herschmann, 2000) e como condição de aparecimento para muitos jovens;
o A correlação entre a “cidadania escassa”, a cultura de violência existente no Brasil e
a política de atendimento a eles destinada;
o Em suma, quis-se dar a conhecer as conseqüências para os adolescentes e para a
sociedade da desigual equação entre direitos e violência, ainda em voga.
Elegemos, portanto, dois episódios de larga divulgação na mídia para tratar
empiricamente do tema acima. O primeiro - as rebeliões da FEBEM/SP, em1999 –
possui uma expressão coletiva e toca no cerne das contradições da política social e
respectivo aparato sócio-educativo oferecido aos adolescentes autores de ato
infracional. Não obstante a existência do ECA há 14 anos, uma situação de
precariedade e falta de qualidade nas instituições responsáveis pela medida de
internação ainda se arrasta e reproduz Brasil afora. Logo, têm-se na FEBEM paulista
e nos eventos das rebeliões, do lado da esfera governamental, a demonstração da
cristalização de uma lógica conservadora, no limite meramente reformista de
regulação dessa expressão da questão social; do outro lado, a catarse coletiva dos
adolescentes, a exibir o esgotamento de uma forma superada de reeducação dos que
cumprem medida de internação. A performance desses jovens em rebeliões
sucessivas ao longo de 1999 teve uma importante repercussão política, demarcando
um novo estágio do debate e da luta em torno das condições de atendimento ao
adolescente autor de ato infracional no Brasil. Não importa as que vieram antes, nem
as que virão depois, as rebeliões de 1999 fizeram história. Exigem, assim, uma
(In)visibilidade Perversa Mione Apolinario Sales
22
análise atenta do significado do recurso à violência como estratégia de denúncia-
movimento por parte dos adolescentes, incluída aí a gratificação individual e coletiva
momentânea do aparecimento como sujeito na cena pública e na mídia; e da
capacidade de esse recurso extremo – sob a forma do litígio (Rancière, 1996a ) -
fazer as coisas se moverem em termos de compromissos assumidos pelos gestores,
com o subseqüente acionamento de recursos públicos e políticas sociais afins.
O segundo – o seqüestro do ônibus 174 – plenamente inserido na ordem de
um acontecimento , destituído de previsibilidade, tornou-se um exemplo
paradigmático do percurso de um adolescente pobre que vai para as ruas, torna-se
autor de ato infracional, tem passagem pelo sistema sócio-educativo e, na condição
de reincidente, ingressa e foge diversas vezes do sistema penal. Mas a história de
vida de Sandro do Nascimento ajuda a contar outras histórias, como a da Chacina da
Candelária e respectivo destino dos seus sobreviventes. O episódio do seqüestro,
fruto do acaso e, ao mesmo tempo, de um misto de coincidências históricas e de
desresponsabilização social, é justamente o momento em que ele rompe com a
invisibilidade a que sempre esteve subjugado e, diante das câmeras de TV, exercita
toda a sua capacidade de aparecimento e visibilidade, consciente do jogo de forças,
poderes e discursos envolvidos. Ruptura de um anonimato que teve um custo fatal
pessoal já imaginado, e que ofereceu à história do Rio de Janeiro e à do país uma
oportunidade de balanços simultâneos acerca do(a): conhecimento da performance de
autoridades e instituições de segurança pública em face de um seqüestro de longa
duração; ética da mídia no processo de transmissão da notícia ao vivo; relação da
população com os direitos humanos em geral, e os direitos de crianças e adolescentes
em particular, dentre outros. Embora Sandro já fosse maior de idade, a repercussão
que o seqüestro obteve se deve sobretudo à sua figura e percurso individual
emblemáticos e ao que ela pôs em evidência, para além da opacidade social, do
destino virtual dos adolescentes autores de ato infracional. Adolescentes com
passagens em um sistema sócio-educativoem crise, seja pelos desafios da ordem da
cidadania e da democracia quanto ao oferecimento de um atendimento e serviços
sociais de qualidade, seja pela dificuldade em assistir institucionalmente jovens
socializados em meio à violência e profissionalizados pelo narcotráfico.
(In)visibilidade Perversa Mione Apolinario Sales
23
Enfim, são dois casos que tiveram ampla cobertura da mídia escrita e
televisiva15, repercussão nacional e internacional, acontecidos em territórios-chave
do país – São Paulo e Rio de Janeiro. Um de natureza coletiva e outro paradigmático
do ponto de vista de uma trajetória individual. Ambos revelam também o papel de
esfera pública da mídia, na medida em que, não obstante os aspectos polêmicos da
cobertura de ambos os eventos, ela contribuiu para gerar respostas, enquanto canal e
passaporte da ruptura da (in)visibilidade perversa dos jovens envolvidos.
Por tudo isso, entendemos que é desafiante aprofundar o significado e as
controvérsias da (in)visibilidade perversa dos adolescentes autores de ato
infracional - condição que os insere entre os principais artífices da violência na
sociedade brasileira, ou simplesmente como sua metáfora.
Como se pode ver, o objeto desta tese está atravessado pelo que Foucault
chamava de inquietude da atualidade, frente à necessidade de pensar e se pôr
questões sobre o presente. Não obstante, foi preciso fazer, no capítulo 1, um
profundo balanço sócio-histórico sobre as raízes da violência na sociedade brasileira,
perscrutando as diversas formas com que se teceu a nossa cidadania escassa, a qual
encurta a vida e a perspectiva de liberdade de muitos, em particular da juventude das
classes trabalhadoras. No capítulo 2, para dar conta do tema da visibilidade humana
enquanto aspiração política e cultural legítima dos indivíduos desde a era clássica e
mais do que nunca na contemporaneidade, quando se soma às possibilidades da
tecnologia, sentamos deuses e diabos na mesma mesa para proceder a diálogos antes
considerados blasfemos. Para tanto, recorremos a Hannah Arendt, com sua visão da
política e da esfera pública, como lócus da vida ativa e da visibilidade na
modernidade. Buscamos também a companhia do herético Gilles Lipovetsky, com
sua defesa do mundo das aparências, da frivolidade do reino da moda e da apoteose
individualista – valores mundanos indispensáveis para se conhecer por que um
adolescente se arrisca e perde a vida nos tempos atuais, para poder exibir um tênis
Mizuno16. Foucault aprofunda o caráter profano desse encontro, porque vem não
coroar, mas justamente desconstruir o feixe de relações e de poderes que se ocultam
 
15 Privilegiamos a consulta a fontes secundárias , como jornais, revistas e Internet. Para tanto, reunimos vasto
material empírico sobre os dois casos sugeridos para análise. Tivemos a sorte de contar, ainda, com o recurso do
filme-documentário “Ônibus 174” (direção José Padilha, 2002), o qual possibilitou valiosas informações
posteriores ao fato, e cuja linha de análise do evento do seqüestro, mais o destaque dado à história de vida de
Sandro e aos seus vínculos institucionais, acha-se em estreita sintonia com a nossa pesquisa.
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24
por detrás do olhar, enquanto sentido soberano do conhecimento, da punição e
disciplina modernas. No fundo do olho: o poder.
Como o Brasil é mesmo o país da contradição, ele tem os pés fincados numa
realidade de cidadania escassa, mas a cabeça a navegar pelas ondas magnéticas da
cidadania virtual. Com uma modernidade pujante de um lado e uma miséria aviltante
do outro, não é difícil que os dramas de muitos adolescentes das classes
trabalhadoras transitem hoje entre o desejo de ser – visível – e o sofrimento de ser
visto demais ou mal visto, ou seja, de gozar, enfim, de uma indesejada visibilidade
perversa. Benjamin, Adorno e Horkheimer são companhias mais afinadas, que no
capítulo 3 nos ajudam a enxergar criticamente em meio às luzes de um mundo
próximo demais. Compelidos ao delito pelo afã fetichista do consumo, resta a muitos
dos adolescentes autores de ato infracional, portanto, livrarem-se dos mitos e dos
medos dos Outros, ou seja, do imaginário social da violência incensado pela mídia
escrita e televisiva, que juntos podem condená-los de volta ao nada. Quando somente
a revolta pode resgatá-los individual e coletivamente, ou senão, pelo menos ajudá-los
a imprimir outros rumos e perspectivas - uma história de direitos para outros
adolescentes, que, do contrário, virão e se deslumbrarão com as vitrines, e, não
conformados, furtarão e recomeçarão toda uma história de riscos e violências.
Foucault nos incita aí a pensar diferentemente, haja vista que conhecer é inserir algo
no real e deformá-lo. Sugere ainda sermos, como intelectuais, mais jornalistas que
profetas. Jornalistas de nós mesmos. Jornalistas do nosso tempo. Penso que o convite
de ir além dos demônios das circunstâncias e da objetividade foi aceito e o estendo a
você que vai ler esta tese.
 
16 Cf. o documentário “Noticias de uma guerra particular” (João Moreira Salles e Katia Lund, 1999).
(In)visibilidade Perversa Mione Apolinario Sales
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Capítulo I
Cidadania Escassa: Juventude, direitos e violência no Brasil
“As leis não bastam.
Os lírios não nascem / da lei.
 Meu nome é tumulto, e escreve-se / na pedra.”
Carlos Drummond de Andrade
Na história moderna, desde pelo menos o século XVII, tem-se constituído um
modelo de cidadania1 e, conseqüentemente, a defesa de determinados direitos em
resposta aos embates econômicos, sociais, políticos e culturais da ascensão da
burguesia como classe decisiva no processo produtivo. Trata-se, por meio do pleito
de uma nova institucionalidade jurídica, da adequação da situação política dessa
classe, economicamente dominante, frente à Igreja e ao Estado, na época, sob a
monarquia absoluta. Eis que operam processos de reforma e revolução em países
como os Estados Unidos, Inglaterra e França, combinados a movimentos políticos e
intelectuais, como o liberalismo; religiosos, como por exemplo a Reforma (séc.
XVI), e sociais, que vão, sobretudo no século XVIII, desaguar em Declarações de
Direitos, como a da Independência Americana, de Virgínia nos EUA (1776), e a
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, lançada pela Revolução
Francesa. Movimentos sociais e declarações que vão posteriormente influenciar a
redação das Constituições de vários países, no processo de construção de governos
republicanos.
Foi um período histórico bastante agitado e por vezes sangrento, com um
saldo político-social deveras importante, pela difusão de perspectivas emancipadoras:
a defesa do direito à vida, à liberdade e à igualdade, e da autonomia do indivíduo em
face das instituições, contra a arbitrariedade dos poderes constituídos. Saldo, porém,
estreitamente condicionado e subordinado até hoje ao direito à propriedade, cujas
principais implicações são o individualismo e a desigualdade social. Tratava-se,
 
1 A concepção de cidadania aqui adotada, enquanto fenômeno complexo e historicamente definido, ultrapassa o
sentido marshaliano (1967), o qual preconiza que ao longo dos últimos 250 anos foi sendo incorporado um
conjunto de direitos civis, políticos e sociais, gradativamente, tendo como unidade o indivíduo. Concorda-se com
as ponderações críticas contidas no denso balanço realizado por Barbalet (1989), assim como com as indicações
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29
neste sentido, do aporte de uma cidadania restrita, pois reivindicava basicamente os
direitos civis e políticos dos proprietários, abrindo curso para a hegemonia burguesa.
Os cidadãos eram aqueles que possuíam independência econômica, excluindo-se
mulheres e trabalhadores. Além disso, o voto não era universal, mas sim censitário -
um direito conferido apenas a alguns, segundo critérios de instrução e riqueza. Logo,
embora a cidadania fosse declarada universal, na realidade não era (Chauí, 2000).
O papel do Estado, reduzido ao mínimo, passa a ser justificado pela realidade
de insegurança que ronda a propriedade. Ele existe sobretudo para protegê-la, assim
como os indivíduos a serem protegidos são fundamentalmente os proprietários. Isso
significa que o Estado moderno é impensável sem o capital - seu real fundamento -, e
este, por sua vez, tem no Estado o seu complemento necessário (Antunes, 2002).
Como diria Marx - ferrenho crítico do individualismo egoísta, da desigualdade, dos
privilégios e da desumanização engendrados pela propriedade privada -, a segurança
é o conceito social supremo da sociedade burguesa, o conceito de polícia (1991).
Um tema cada vez mais premente na contemporaneidade, seja pelas contradições
ligadas ao incremento das forças produtivas e ao fetiche gerado em torno das
mercadorias, seja pelos antagonismos sociais decorrentes da apropriação de bens e
riquezas por uma minoria. Em razão disso, ergue-se todo um aparato para proteger o
capital, em suas mais diversas formas humanas e materiais, e para vigiar e controlar
os indivíduos insubmissos e transgressores da ordem. Como bem lembra Foucault,
antevendo a realidade já neste começo de século de câmeras ocultas por toda parte2,
sob o pretexto da segurança, enquanto apogeu do olhar penal: “a vigilância torna-se
um operador econômico decisivo, na medida em que é uma peça interna no aparelho
de produção e uma engrenagem específica do poder disciplinar” (1996:157).
Segurança para a burguesia e para os ideólogos do liberalismo significava, então, e
ainda significa, garantia da propriedade, manutenção da paz e da ordem, necessárias
ao processo de produção e acumulação. Já para os não-proprietários significava a via
de sua exploração e de sua submissão a uma ordem da qual estavam excluídos
(Lesbaupin, 1984).
 
de Paoli (1993) acerca de uma clara reformulação do conceito de cidadania pelas ciências sociais, no qual estão
presentes uma dimensão coletiva e “ativa” e uma articulação com a dinâmica democrática.
2 Caso emblemático de Londres (Inglaterra), “ totalmente controlada pelo grande olho das câmeras da polícia do
país” (Reis, 2003). O Brasil, por sua vez, investe 90 bilhões de reais por ano em instrumentos de segurança
privada e pública (Chauí, 2000).
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Muito embora a Declaração de 1789 seja o prenúncio de um sentido novo
para a condição humana - pelo seu conteúdo paradoxalmente também democrático,
porque instituinte de direitos considerados primordiais e desligados da autoridade
divina -, vai levar ainda muito tempo até que o poder ali celebrado como sendo do
conjuntodos homens avance e/ou se realize. Na prática, a massa dos indivíduos
submetidos a ela, logo estendida para toda a Europa, vai se defrontar com uma
experiência social de direitos muito diferentes. Isto porque no fundo a lógica e o
ethos liberal emergentes predominariam a título da interpretação e implementação de
tais valores e direitos, em nome da primazia do privado (indivíduo, interesses de
classe, propriedade, etc.) sobre o público e o coletivo. Desta forma, o acesso à
cidadania plena dar-se-ia somente por meio da propriedade, situação que persiste até
hoje enquanto característica intrínseca ao modo de produção capitalista.
No entanto, falava-se em direitos dos homens3, em direitos humanos. Apesar
de tudo, qual a sua importância?
“Os direitos do homem foram a arma dos indivíduos contra a arbitrariedade do
poder. O indivíduo devia ser protegido contra as intromissões abusivas do
Estado. A afirmação dos direitos do indivíduo colocava ao Estado um limite: o
de uma organização cuja razão de ser é garantir-lhes esses direitos.”
(Lesbaupin, 1984)
Achava-se, assim, em primeiro plano nas duas grandes revoluções liberais-
democratas do século XVIII, como vimos, a liberdade, donde a formulação de
direitos de resistência ou de oposição frente ao Estado e seus abusos autoritários
(Bonavides, 1997). Proclamava-se a emancipação do poder político do jugo do
Estado absoluto e religioso, ao passo que se avançava também quanto a
procedimentos, como por exemplo a separação dos poderes, segundo um mecanismo
e entendimento de que “nenhum poder pode alargar-se sem limites, uma vez que é
travado por outros poderes” (Aron, 1994). Este princípio, oriundo historicamente da
obra de Montesquieu, pressupõe ainda o seguinte: a condição do respeito das leis e
da segurança dos cidadãos é a de que nenhum poder seja ilimitado. Por isso, a
 
3 Nas Declarações de Virgínia e na de 1789, são assim elencados e posteriormente ratificados e ampliados na
Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948): direito de sufrágio, liberdade de imprensa, liberdade de
religião, princípio da soberania, separação dos poderes executivo, legislativo e judiciário, resistência à opressão
(contra toda sorte de absolutismo), igualdade perante a lei (ainda que formal), uma Constituição escrita (
simbolicamente, um contrato social).
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Declaração francesa em particular é considerada marco da modernidade
constitucional e da liberdade contemporânea (Schilling, 2003). Não obstante, foi
somente a pressão do movimento operário ao longo dos séculos XIX e XX que levou
à ampliação do sentido da liberdade, de perfil mais individualista, e da igualdade,
presentes na primeira geração de direitos, com vistas a uma noção de direitos
coletivos, e à incorporação de direitos sociais (trabalho em condições dignas,
assistência social, proteção ao trabalho da mulher, etc.) nas formulações jurídicas e
nas políticas implementadas pelo Estado em vários países do mundo.
A luta dos trabalhadores para estender a noção de direito vigente no século
XVIII implicou, portanto, uma mudança de perspectiva na maneira de encarar o seu
sujeito, uma transformação de seu conteúdo e uma mutação radical dos deveres do
Estado. Direitos que passaram a exigir do poder público uma resposta social inscrita
sobretudo nas experiências keynesianas do Estado de Bem-Estar Social e socialistas,
e por meio dos quais enuncia-se também o que o cidadão pode e deve esperar
enquanto proteção e retaguarda da sociedade. Todo esse processo propiciou, assim, a
expansão de uma nova maneira de pensar e de agir, regida pela consciência dos
direitos, o que se tornará mesmo uma marca do século XX (Bobbio, 1992).
Vale ressaltar que os chamados direitos de segunda geração reivindicam a
atuação do Estado para criar as condições necessárias à sua realização, ao invés de
limitar o seu poder como uma função negativa. Os direitos econômico-sociais e
culturais requerem, portanto, uma ação positiva do Estado (Lesbaupin, 1984). Esse é
o caso da Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948 e da série de
Convenções Internacionais a ela vinculadas, inclusive a de 1989, que dispõe sobre os
Direitos da Infância. Cabe registrar que a proteção aos Direitos Humanos das
crianças começou a ganhar força quando em 1959 as Nações Unidas editaram a
Declaração Universal dos Direitos da Criança.
Contudo, apesar dos seus significados contra a barbárie, a guerra, a tortura e a
miséria, a limitação dessas Declarações está no reconhecimento apenas formal de
direitos e liberdades, pois não entram no mérito de como é possível realizá-los.
Arendt (1989b) foi uma das primeiras a sinalizar os problemas das normatizações
internacionais quanto ao vácuo legal e político em termos da exigibilidade e
 
(In)visibilidade Perversa Mione Apolinario Sales
32
exeqüibilidade de deveres e direitos ali contidos no cenário geopolítico de Estados
nacionais. Seria este, por exemplo, o drama vivido desde o segundo pós-guerra por
organismos supranacionais como a Organização das Nações Unidas4. Figurariam,
pois, muitas das determinações dos vários documentos mundiais apenas como
recomendações e códigos morais5.
Um outro melancólico balanço que se pode fazer com base em dados
fornecidos pela ONU, em 1998, é o de que, entre os 185 então membros da
instituição6, 141 países não respeitavam os princípios da Declaração Universal dos
Direitos do Homem. Assinada em 1948 como símbolo de repúdio da comunidade
internacional às violências desmesuradas praticadas na Segunda Guerra Mundial e
como apelo a um novo patamar de relações humanas, a Declaração foi novamente
apreciada em 1993 e objeto de apoio por parte de 171 países integrantes. Não
obstante, no ano em que eram comemorados os seus 50 anos de existência, apenas
7% da população mundial conheciam essa Carta, que trata de direitos políticos e
civis básicos, como liberdade de expressão e associação, e também de direitos
sociais e econômicos ao trabalho, à educação e à propriedade, entre outros. É
lamentável, outrossim, que persistam na contemporaneidade problemas que
concernem desde as liberdades individuais até as necessidades sociais básicas, como:
trabalho escravo (infantil7, inclusive), prostituição infanto-juvenil 8, execuções
ilegais, presos políticos, tortura, violência policial, além da fome9e falta de
saneamento básico. Esse painel trágico pode ainda ser ampliado em 2004, por causa
 
4 Penso que o problema da falta de poder efetivo de órgãos como a ONU ficou bem ilustrada no episódio do seu
posicionamento acerca da guerra no Iraque: a despeito da flagrante derrota naquele espaço político, os Estados
Unidos, com o apoio principalmente da Inglaterra, deram prosseguimento ao seu projeto bélico anti-terrorista,
bombardeando Bagdá em março de 2003. Não obstante todas as controvérsias e equívocos do empreendimento
militarista de George Bush, demonstrados de forma mais evidente após a comprovação da inexistência de armas
de destruição massiva, o custo ético-político da desmoralização de uma agência mundial como a ONU ainda está
por ser devidamente avaliado.
5 Uma novidade, porém, quanto à superação desses impasses jurídico-políticos está ligada a uma iniciativa
recente da ONU, qual seja: o Estatuto de Roma (1°/07/2002), o qual criou o Tribunal Penal Internacional.Com a
perspectiva de promover o alargamento da rede de obrigações internacionais, essa instância tem como fim julgar
e sancionar crimes contra a humanidade, genocídio, tortura e outros. O objetivo é ir além das sanções apenas de
caráter moral, até então prevalecentes, submetendo a condenações, sempre que necessário, aqueles países que
aceitaram livremente legitimá-lo e obedecê-lo (Gregori, 1998). Pelo seu curto tempo de existência, é cedo ainda
para avaliar o resultado de tal iniciativa.
6 Em setembro de 2002, os Estados-membros da ONU perfaziam já um total de 191 nações.
[http://juventude.gov.pt/PortalJuventude/Cidadao/Internacional/OrganizacoesInternacionais/ONU.htm]
7 Segundo a ONU, 250 milhões de crianças trabalham no mundo.
8 Seriam 2 milhões de pessoas com menos de 18 anos em todo o mundo.
9 Na América Latina, os piores índices ficam com Bolívia e Haiti; e no mundo, com Moçambique, Burundi,
Afeganistão, Eritréia e Somália.
(In)visibilidade Perversa Mione Apolinario Sales
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de acontecimentos tão graves quanto reais que se desenrolam no presente: guerra,
atos terroristas e massacres em vários países.
Sabe-se também que para dar conta da complexidade da garantia das
liberdades civis e da ambicionada universalidade dos direitos, foi preciso neste pouco
mais de meio século elaborar uma série de pactos, convenções e tratados, de forma a
aprofundar os dramas e necessidades de inúmeros povos e nações, construindo
consensos mínimos acerca de questões como: direitos da criança, da mulher; dos
refugiados, dos deficientes físicos, intolerância religiosa, desenvolvimento,
trabalhadores imigrantes, povos indígenas, proteção ao meio ambiente, dentre outros.
Todavia, a vigência dos direitos humanos depende da adesão progressiva e geral de
todos os países aos princípios e normatizações vinculadas à Declaração,
ultrapassando fronteiras e cristalizadas resistências nacionais. É preciso, portanto, ter
a convicção de que a existência de diferentes culturas não contradiz, ou pelo menos
não deveria contradizer10, a universalidade e a indivisibilidade dos direitos do
homem. Com diz Badinter (1998), seguro de que tais princípios e direitos são
indivisíveis: “O ser humano é um. Privá-lo de alguns de seus direitos fundamentais
equivale a negá-los em sua totalidade”.
Apesar desse amargo balanço, a importância deste e de outros tantos tipos de
esforços político-legais de definição de direitos, em escala nacional e internacional, é
considerada inconteste. Como diz Chauí: “A prática de declarar direitos significa, em
primeiro lugar, que não é um fato óbvio para todos que aqueles são portadores de
direitos, nem que tais direitos devam ser reconhecidos por todos” (1989). Nesta
direção, Rolim (2001) destaca justamente o aspecto de construção artificial dos
direitos, isto é, o fato de serem frutos do artífice humano em razão das lutas e
conquistas sociais, e como tal, dotados de sentido igualitário atribuído pelos próprios
homens, o que permite que sejam sempre renovados. Os direitos seriam, assim, a um
só tempo conquista histórica e política, mas também invenção democrática.
 
10 Na verdade, não se trata apenas de questão cultural (a interferir sobretudo nas relações dos países do
continente africano e asiático com as Nações Unidas), mas, essencialmente, de divergências quanto a interesses
econômicos e questões políticas. Os casos mais dissonantes em torno da não acatação dos princípios da
Declaração são a China, que até hoje se recusa a assinar o Pacto Internacional relativo aos Direitos Civis e
Políticos de 1976, e os Estados Unidos, que não assinaram o Pacto Internacional relativo aos Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais (1966). Mais recentemente, a atitude desse país, ao não assinar o Protocolo de
Kioto sobre Mudanças Climáticas, contraria os esforços mundiais por uma segurança do meio ambiente e uma
qualidade de vida para as gerações futuras.
(In)visibilidade Perversa Mione Apolinario Sales
34
Não podem ser vistos, portanto, como simples legado da natureza - crítica que
estaria na base do questionamento da tese jus naturalista de que “os homens nascem
iguais”. Sabe-se, no entanto, que essa formulação desempenhou a princípio um
importante papel democrático no contexto em que foi lançada: o do abismo das
diferenças sociais do mundo feudal e da transmissão hereditária do poder pela
aristocracia. A convenção inglesa “Bill of Rights”, ligada à Revolução Gloriosa de
1689, por exemplo, foi a primeira a citar os “direitos naturais do homem” e a
rechaçar, ao mesmo tempo, o direito divino dos reis.
 A democracia requer, portanto, a criação contínua de novos direitos – como
aqueles assegurados pelo ECA -, o que certamente conduz ao confronto com o
instituído: “a prática democrática não cessa de expor os poderes estabelecidos aos
conflitos que os desestabilizam e transformam” (Chauí, 1987). Isto porque a história
dos direitos é também uma história das classes sociais e dos projetos sociais em
disputa. Uma história de lutas sociais, de forças históricas em confronto, cada qual
com o objetivo de tornar dominantes suas concepções e interesses, bem como uma
determinada forma de cultura e sociabilidade.
É preciso, porém, estar ciente, conforme Alencar (1998), de que se os
direitos podem transformar, comover e fazer mover os indivíduos e a sociedade,
também demoram em se fazer verdade coletiva. Correm ainda o risco de
permanecerem letra morta, de modo que a sua realização remete à política e à
capacidade de organização e mobilização de todos e cada um. Vê-se então que,
mesmo diante do longo percurso de construção social dos direitos civis, políticos e
sociais , inúmeros sujeitos sociais, grupos, coletividades e nações continuam
destituídos do direito a ter direito: a decidir livremente sobre o seu destino e a contar
com a proteção social e pública. Resta, pois, o desafio de incorporar da maneira mais
profícua as conquistas da liberdade, da igualdade e da democracia presentes nos
ideários e declarações de direitos construídas nesses pouco mais de dois séculos, e de
lhes fazer valer. Trata-se, portanto, de investir na resolutividade das decisões
formalizadas em declarações compartilhadas de direitos (Rolim, 2001 ).
Pode-se dizer, todavia, a despeito das inúmeras dificuldades de realização dos
direitos humanos, que depois de 1789 as massas não foram mais as mesmas, porque,
desde então, o mundo foi semeado pela força e dimensão simbólica dos seus
(In)visibilidade Perversa Mione Apolinario Sales
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princípios (Catalão, 1998): alguns dos quais aquisições irreversíveis do pensamento
político11. Os direitos humanos funcionam como uma poderosa idéia reguladora e
orientadora da práxis política, da qual é possível e necessário extrair proposições
ainda mais avançadas e radicais, idéia que é capaz de ensejar novas relações sociais.
Eles constituem, assim, um vigoroso mecanismo de questionamento da realidade, dos
direitos e das leis, e de estímulo às lutas democráticas, balizados pelo projeto de
sociedade que desejamos construir e pela promessa de resgate de uma humanidade
que não perdeu de todo sua grandeza, mesmo após o horror do nazismo12.
No Brasil, que não passou por nenhuma revolução, como a Inglaterra, a
França ou os Estados Unidos, como bem lembra Carvalho (2002) , o processo de
construção da cidadania e de aprendizado democrático é ainda mais lento. Compõe
os desafios da práxis política e, porquanto, também os dos direitos humanos. Nem
sempre, porém, esteúltimo liame foi tão evidente, inclusive pelo próprio lugar e
tratamento dado ao tema: ora despolitizado e elevado à categoria do humanitarismo,
ora excessivamente politizado e renegado pela fúria conservadora, ora ainda
subestimado em seu potencial por setores da esquerda, presos a uma visão formalista
e céticos quanto ao papel transformador do direito.
A questão da cidadania aqui transitou, assim, durante muito tempo entre a
luta pela liberdade, como direito civil fundamental do qual estavam destituídos os
escravos, e o universo de necessidades e garantias que cercam o direito ao trabalho
na cidade e à terra no campo. Um processo que seguiu, de certa maneira, o fluxo
mundial de lutas sociais e de complexificação das aspirações e demandas jurídico-
políticas, mas marcado ao mesmo tempo pela defasagem histórico-social que
caracteriza um país de capitalismo periférico. Defasagem que se deve à diferença de
ritmos, escolhas políticas e percursos sócio-econômicos da formação social brasileira
em relação ao capitalismo como modo de produção mundialmente dominante
(Behring, 2003), e ao liberalismo enquanto referência civilizatória burguesa. Isto
 
11 Referimo-nos, por exemplo, ao “direito de provar a inocência”, “ a liberdade de pensamento”, dentre outros.
12 Polêmica é, por exemplo, a afirmação de Theodor Adorno de que “depois de Auschwitz não é mais possível
escrever poemas”. Há desde quem questione uma certa ambigüidade do pensador alemão em face do horror
nazista (Adolfo Garcia Ortega, escritor espanhol) até quem ache que, depois de Hiroshima e Auschwitz, a poesia
não só é possível como necessária (Jerome Rothenberg, poeta americano). Consta inclusive que Adorno
posteriormente reviu o seu posicionamento aporético inicial, ao reconhecer que “a arte pode enfrentar a
representação de tais calamidades sem lhes trair a essência” (Telles, 2001). Ademais, o homem, como diria o
poeta Ulisses Tavares, para além de qualquer pessimismo irredutível, “sempre foi uma grande tragédia e uma
grande esperança”, e “a poesia uma aspiração do que de melhor e mais pleno existe em nós”.
(In)visibilidade Perversa Mione Apolinario Sales
36
significou, de um lado, uma inserção subordinada no cenário internacional e, de
outro, uma performance regressiva e conservadora local, em razão de uma ascensão
heterônoma do Estado liberal nestas paragens. Eis-nos, portanto, após a
Independência e a ascensão da República, querendo nos perfilar como sociedade
ocidental (Coutinho, 1989), mas sem proceder a rupturas políticas fundamentais com
o passado oligárquico-escravista, donde a presença de traços socioculturais
patrimonialistas, clientelistas, paternalistas e elitistas na nossa cultura política até os
dias atuais. No Brasil, essa situação requereu uma acomodação de tempos, formas e
experiências distintas de liberalismo, marcada por mudanças graduais, ambigüidades
e particularismos, possível somente pela versatilidade da política para lidar com
temporalidades e conteúdos heterogêneos. Como dizia Fernandes, “as idéias liberais
não se podiam praticar, sendo ao mesmo tempo indescartáveis” (1987:22). Esse tipo
de desacordo entre representação e contexto foi, no entanto, funcional à dominação
política burguesa nacional, a qual se movia, em muitos aspectos, na direção contrária
a da utopia liberal (Behring, 2003).
 A especificidade brasileira e latino-americana consistiu ainda no decurso do
século XX, em sucessivas interrupções do jogo democrático pela eclosão de golpes
militares13 e instalação de ditaduras mais ou menos longas, o que levou a uma
prevalência do debate e da organização política em torno dos direitos civis e
políticos. A despeito disso, os anos 60 e sua torrente político-cultural inovadora em
termos de movimentos sociais e de questionamento das velhas formas de fazer
política, à direita e à esquerda, sacudiram o mundo e penetraram também o Brasil.
Não obstante, as demandas civis e sociais ali suscitadas quanto ao direito das
mulheres, negros, minorias, à emancipação e à liberdade sexual, preocupações
ecológicas, o combate à dominação e à opressão14, entre outras, levaram um tempo
maior para começar a fazer parte do jogo político nacional, enquanto pauta de
reivindicações, lutas e conflitos assumidos por sujeitos coletivos – algo que vai
acontecer somente na segunda metade dos anos 70. Mais um tempo seria necessário
ainda até que pudessem se deixar absorver culturalmente e se exprimir na tessitura
 
13 A participação política dos militares no Brasil vem desde a proclamação da República (1889); participação, em
geral, de caráter desenvolvimentista-conservador, isto é, capaz de combinar repressão política com estratégias de
modernização e crescimento econômico. Na última ditadura, a mais sangrenta de todas, estiveram
aproximadamente 20 anos no poder.
(In)visibilidade Perversa Mione Apolinario Sales
37
das relações sociais. Os discursos e práticas afetos a essas novas demandas começam
a se expandir, então, nos anos 80 e a ganhar rosto e voz, para além dos ativistas
políticos, nos anos 90, tendo, inclusive, em parte, passado a integrar as novas
estratégias do mercado e da indústria cultural15.
Neste país, teria havido na verdade, de acordo com a leitura de Carvalho
(2002), uma inversão da ordem dos direitos, considerada a formulação e a
cronologia marshallianas. Assim, contra qualquer norma temporal imaginária rígida
(Bensaid, 1999), aqui os direitos sociais, à maneira populista e autoritária,
sobrepuseram-se aos direitos políticos e civis, isto é, impuseram-se segundo uma
combinação assistencialista e repressiva, e não como fruto da liberdade e do
exercício da política, de forma autônoma pelas classes trabalhadoras e seus
representantes legítimos. Esse processo teria similitude com o que Coutinho (1989),
baseado em Gramsci, qualifica de revolução passiva: mudanças forjadas “pelo alto”,
especialmente durante o período do varguismo e da ditadura militar, quando houve
uma profusão de políticas sociais, embora o contexto fosse de restrição das
liberdades políticas (Behring, 2003). Isso resultou em corporativismos e no
fortalecimento do Executivo16, com perdas e danos para os direitos políticos e
também para os direitos civis; enfim, para a democracia.
Em meio a um tal desenho irregular e diferente de cidadania, a desigualdade
assoma como a principal fonte de denúncia contemporânea das opções sócio-
econômicas que se fizeram no passado em detrimento dos interesses e necessidades
da maioria da população. A sociedade brasileira, portanto, depara ainda hoje com
graves problemas de emprego, educação, saúde e saneamento. Estes e tantos outros
 
14 “We don’t need no thought control” (Pink Floyd, 1979) tornou-se o apelo eloqüente de uma juventude que não
queria ser apenas mais uma peça no jogo do poder.
15 No Brasil e no mundo, vai ser explorado pelo mercado o filão dos produtos voltados à população negra, com
suas diferenças de cabelo, pele e cultura, e ao universo gay; e também o dos produtos ecologicamente corretos.
Os cidadãos afro-brasileiros, em particular, começam a ter parte da sua auto-estima recuperada. Ganham
visibilidade em revistas voltadas para esse público, em propagandas diversas, em novelas, dentre outros: homens
e mulheres negros que correspondem a padrões estéticos de beleza e/ou que demonstram talento profissional e
são alvode sucesso econômico. Culturalmente, isto significa um avanço em termos do combate aos velhos
preconceitos e estereótipos, como saldo das lutas entabuladas pelos movimentos negros, mas, uma vez imbricadas
as suas necessidades e demandas com o ethos liberal e consumista do mercado, terminam por reproduzir, de certa
maneira, a mesma mecânica do poder quanto à ocultação do que é pobre, feio e não vai tão bem assim; e ao
fortalecimento da lógica disciplinar do “faça a coisa certa”. Para além da confusão operante hoje entre cidadania e
consumo, a conquista mais importante do ponto de vista político para os movimentos negros no Brasil foi a
definição do racismo como crime inafiançável e imprescritível, na Constituição de 1988.
16 A esse investimento no Executivo estão associadas uma série de representações acerca da necessidade de um
“Estado forte” para a “salvação da pátria” . Em contrapartida, enfraquecidos para um grande contingente da
(In)visibilidade Perversa Mione Apolinario Sales
38
mais integram a história de profunda injustiça social e descaso pelo destino de
milhões de cidadãos sem sobrenome, sem propriedade, sem estudo, sem dignidade:
“sem lenço e sem documento”. Dentre tais problemas, a violência avulta como
produto dessa história de cidadania escassa no Brasil e coloca-se como desafio à
democracia e à criação de um verdadeiro estatuto para os direitos civis: uma
realidade a que ninguém pode permanecer indiferente. Vítimas e agressores, em
particular, enredam-se numa trama sócio-jurídica, cujo lastro histórico os ultrapassa,
mas contribui para que, no presente, tenham seus direitos cerceados. Não se sentem,
pois, protegidos pela sociedade nem pelas leis.
No que tange aos adolescentes infratores, é possível rastrear seus dramas e
dilemas, para além das suas vidas de misérias sociais e morais, no tratamento
institucional que sempre receberam: em geral, repressivo e punitivo, entrecortado por
eventuais injunções assistencialistas e benevolentes. No final dos anos 70, contudo,
essa situação começa a ganhar foro de questão pública relevante dentro de um novo
prisma - o dos direitos17, e a participar do conjunto de reflexões e críticas anti-
institucionais ao lado das demandas de presos políticos, prisioneiros comuns e
loucos. Porém, somente em fins dos anos 80 e, mais expressivamente, a partir da
década de 90, vai se perfilar, mais do que como um problema penal, como um
desafio sócio-educativo.
Cada vez mais, portanto, como vimos, os direitos humanos vão se imiscuir
nas lutas sociais – mundiais, nacionais e locais - e se revelar como uma força
emancipadora e libertária. E é desta fonte sócio-política e histórica que provém a
motivação de análise da condição de metáfora da violência vivida pelos adolescentes
autores de ato infracional e estendida pelo preconceito a um largo contingente da
juventude pobre das classes trabalhadoras. Torna-se de suma importância, pois, tanto
na análise quanto na ação sócio-política (Netto, 1995), um olhar generoso, porque
 
população “os males do Brasil são”: o Legislativo e o Judiciário, sendo aquele considerado corrupto e este último
injusto (Chauí, 2000: 94).
17 O problema ético da responsabilidade individual, no que se refere ao da imputabilidade penal, embora seja
bastante instigante do ponto de vista filosófico e jurídico não constitui para nós um plano privilegiado de análise,
uma vez que este é o atalho preferido para os que, abstraindo toda a historicidade e toda as causalidades sociais
na produção de representações sobre a juventude pobre e de subjetividades transgressoras e violentas, são porta-
vozes de um “entranhado conservantismo sóciocultural e político” (Fernandes, 1987). Opõem-se ao Estatuto da
Criança e do Adolescente e ao paradigma da proteção integral, assim como preferem trilhar os (des)caminhos da
penalização da miséria, da rigidez legal e do endurecimento policial. Nem heróis nem vítimas nem vilões:
queremos proceder a uma análise de conjunto desse segmento insubmisso e rebelde da juventude das classes
(In)visibilidade Perversa Mione Apolinario Sales
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justo18, para esse segmento, no que tange: 1) às suas trajetórias de riscos, crimes e
sofrimento, segundo o principio de que “nada do que é humano nos pode ser
estranho” (Marx); e 2) às suas chances de futuro, pelo que neste problema concerne a
cada um de nós e à sociedade em termos de responsabilidade, excessos e omissões.
Para proceder a uma tal reflexão e se deixar contagiar por uma perspectiva inovadora
e radicalmente democrática, é preciso antes de tudo se despojar do sentimento de
vingança, enquanto marca da cultura e razão punitiva existente no Brasil. Este é o
mote e o contraponto, por exemplo, da visão de justiça defendida por Ribeiro (2000),
à qual recorreremos a título de inspiração:
“O desejo de vingança é um anseio de desfazer o que aconteceu de mau, e de
retornar a um passado miticamente bom. Punindo quem nos feriu, ele reequilibra o
que foi perturbado na balança das coisas e restaura uma ordem que pensamos
recordar, mas que, na verdade, fantasiamos. Já a busca da justiça está voltada para
o futuro. Ela exige, pois, que esqueçamos. Não há justiça sem esquecimento.
Esquecimento quer dizer também anistia. Não há justiça sem algum grau de perdão
pelo passado, porque o que ela busca é construir um tempo futuro. Por isso todo
anseio de justiça tem algo de utópico, na medida em que sua matéria-prima, seu
terreno de intervenção é o mais feito de imprevistos, o tempo por vir. Isso significa,
finalmente, um certo paradoxo. Para haver justiça - no futuro - é preciso perdoar o
passado...” (pp.139-140).
Segundo esse prisma, procuraremos perscrutar e aprofundar a história dos
direitos da juventude no Brasil - uma história de múltiplas violências e violações de
direitos, uma história de cidadania escassa.
 
trabalhadoras, sem absolutizar atos e eventos isolados, perfis individuais e conseqüências sobre outrem; nem
tampouco relativizar responsabilidades.
18 Expectativa que não pode ser universalizada para todas as camadas e classes sociais do país, pois o olhar dos
que participam da lógica dominante, ao se dirigir para a complexa e polêmica questão dos adolescentes infratores,
ora resvalaria, dentre os mais bem-intencionados, para o humanitarismo abstrato; ora para o ceticismo quanto à
possibilidade de mudança pessoal de quem supostamente provém de um meio muitas vezes pobre em estímulos
positivos, e ora para a vingança e para o ressentimento, caso de muitos policiais e outros tantos sujeitos
conservadores da sociedade brasileira. Quanto às elites propriamente ditas, Machado de Assis, que já havia
perdido as esperanças no papel progressista dos liberais no Brasil, soube desvendar nelas “uma operação íntima”,
um mecanismo por elas recorrentemente acionado, qual seja: a suspensão do remorso (Behring, 2003; e
Schwarz, 1990).
(In)visibilidade Perversa Mione Apolinario Sales
40
1.1. Desigualdade e cultura de violência no Brasil: “Conluio entre dois
hemisférios”*
A análise da realidade da infância e adolescência como uma das faces mais
pungentes da questão social requer alguns aportes teórico-históricos que explicitem
os nexos entre a formação social, a cultura política19 e os dilemas de construção dacidadania e da democracia no Brasil. Somente assim torna-se possível discutir as
representações contemporâneas sobre juventude pobre e violência, em nada abstratas,
porque marcadas pelo limo da história - a história de uma cidadania escassa -
sobretudo a de inúmeras crianças e adolescentes, mas também a de muitos outros
segmentos pertencentes às classes trabalhadoras.
Para tanto, é preciso cumprir um breve percurso analítico: desde um arco de
práticas e valores que cercam tal questão e se originam na esfera privada da distante
Colônia até a sua localização atual como política pública, associada a uma vigorosa
movimentação e organização política, consubstanciada numa rede de atores,
processos e arenas de negociação em defesa dos direitos de crianças e adolescentes.
A formação social brasileira carregará, pois, desde a gênese, as marcas de
uma ordem alicerçada na dependência externa, no latifúndio monocultor e na
apartação social expressa na escravidão20. Em consonância com a forma como o
processo de produção estava estruturado no Brasil, diga-se, a agricultura assentada
sobre o trabalho escravo e negro, a consciência de classe e o ethos burguês
endossaram o preconceito e o racismo, por dentro dos objetivos de diferenciação
social. Tais elementos tiveram, assim, grande repercussão social e contundência
ideológica sobre a existência de muitos indivíduos, pela acentuação da discriminação
 
* Parafraseando a caracterização feita por Antônio Cândido a propósito da relação entre ordem e desordem no
Brasil, inspirado no romance “Memórias de um Sargento de Milícias”, de Joaquim Manoel de Macedo.
19
 As culturas políticas representam configurações de valores formados historicamente, e não escolhas valorativas
individuais. Ao estudar o impacto de determinados valores na configuração de uma política pública - o ECA-,
resultado da interlocução de um conjunto de atores, é possível observar a força da cultura política, seja para
desenvolver seja para erodir valores democráticos numa conjuntura particular (Viola e Mainwaring, 1987).
Afirma-se, portanto, a importância dos nexos entre cultura e política, no sentido de desvendar a complexidade do
modo de ser e de organizar a sociedade brasileira (Dagnino, 1994). Por cultura política entende-se ainda os
valores políticos que dão base aos discursos, ideologias e práticas políticas, os quais deixam entrever a visão
social de mundo que orienta a ação dos sujeitos sociais.
20 Da segunda metade do século XVI até 1822, calcula-se que tenham sido importados 3 milhões de escravos
(Carvalho, 2002).
(In)visibilidade Perversa Mione Apolinario Sales
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e exclusão social que incidem sobre as classes trabalhadoras (Costa, 1989; Adorno,
1996; Santos, 1999).
Nesta grande fratura social residem, pois, as raízes de uma sociabilidade
autoritária, cujas principais características eram: segregação racial, desprezo pela
massa despossuída, naturalização da grande distância social em termos de condições
de vida e de trabalho entre os brasileiros, desvalorização cultural do mundo do
trabalho, banalização da violência ou recurso à violência privada contra desde os
escravos até os trabalhadores, dentre outros. Valores e práticas que constituem traços
indeléveis no inconsciente coletivo cultural e jurídico-institucional brasileiro, ou
como diria Caio Prado Jr. (1979), “nesse passado se constituíram os fundamentos da
nacionalidade”.
É necessário concordar com Benjamin et alii. (1998), porém, de que nem tudo
sempre esteve errado e foi mau (vide outras tendências de desenvolvimento
associadas às lutas e movimentos sociais aqui travados, pela independência, pela
Abolição e pela nossa própria composição étnica ricamente diversificada). Mas
também é preciso reconhecer os sólidos entraves à emergência de uma cidadania e à
participação política21, tendo como pano de fundo um processo de modernização
capitalista sem rupturas políticas fortes, sem construção de uma institucionalidade
democrática e, sobretudo, sem incorporação social. Tortuoso, portanto, foi o caminho
de construção da nação22, a ponto de ainda haver claramente uma tensa convivência
entre passado e presente, como por exemplo a distância que continua a separar, no
Brasil da contemporaneidade, o povo da esfera pública.
Da Colônia ao Império e à República, o Estado, hegemonizado pelas elites
econômico-políticas, sempre se mostrou deveras conservador no tocante às relações
sociais, com repercussões políticas, econômicas e culturais duradouras. Nesse
movimento e sob a sua tutela foi se engendrando a formação social brasileira e se
 
21 A questão do analfabetismo no Brasil, por exemplo, constituiu historicamente um fator limitante, o que não
equivale a dizer que fosse ou seja impeditivo da participação política, como pensam os liberais conservadores
(Cf.Benevides, 1991). Excluídos formalmente do sistema representativo desde 1881, nem por isso deixaram de
participar, haja vista a série de revoltas populares ocorridas no período pré-Republicano e mesmo depois de
1889. O descaso das elites pela educação do povo, sabe-se, vem desde a Colônia. No início do século XIX, 85%
da população era analfabeta, inclusive muitos proprietários rurais eram “incapazes de ler um jornal, um decreto
do governo, um alvará da justiça, uma postura municipal” (Carvalho, 2002:32). Em 1920, eram apenas 24% os
que sabiam ler e escrever. Quase dois séculos depois, os avanços, mesmo lentos, foram significativos: em 1998,
eles eram 8% dos eleitores. Com a Constituição de 1988 corrigiu-se uma injustiça secular e o voto se tornou
universal, embora facultativo aos analfabetos.
(In)visibilidade Perversa Mione Apolinario Sales
42
delineando a sociedade política, com seu campo de interesses e prioridades públicas.
Neste sentido, é digno de nota dizer que até o início do século XX o Estado relegou a
atenção aos segmentos pauperizados e excluídos, da ordem da vez, à Igreja Católica
(Iamamoto e Carvalho, 1982). A título ilustrativo, vale lembrar que o trabalho
educativo, religioso e moral que essa Igreja desenvolveu junto às crianças, desde as
indígenas às mestiças, inaugurou as bases de uma pedagogia do medo e de um
prática correcional, cheias de disciplina, punições e castigos. Trabalho que em seus
desdobramentos encontrava a resistência dos jovens e adolescentes, os quais, por sua
vez, eram vistos como tendo “uma idade perigosa e ingrata na qual as raízes falam
mais alto”. Eis por que os movimentos pioneiros de catequese preocupavam-se
sobretudo com os órfãos e abandonados, os quais seriam mais moldáveis, como
“papel blanco”, do que os indiozinhos e mestiços locais (Del Priore, 1991).
Condizente com o liberalismo corrente na época, era esse um pouco o cenário
de privatização do social, sendo estratégica a atuação da Igreja Católica para a
legitimação do poder político do Estado. Ela participou, assim, do processo de
montagem e consolidação da sociedade colonial, de caráter patriarcal, autoritário e
sem compromisso com a cidadania de todos. Carvalho (2002), a propósito, destaca:
“no Brasil, a religião católica, que era oficial, não combatia a escravidão” (p.50).
Este é um dado importante para dimensionar o significado e o peso político-
ideológico das práticas associadas à Igreja Católica - como a filantropia e a caridade
-, em seu longo lastro político e assistencial na sociedade brasileira23. É um dado
crucial, pois, para a análise da relação entre público e privado, principalmente entre
Estado e sociedade civil na área dos direitos da criança e doadolescente e dos demais
direitos sociais. Na opinião de Landim, “pensar essa sociedade passa
necessariamente pela Igreja e seu papel de órgão público na organização da
sociedade civil” (1993:13). Em outras palavras, a atuação da Igreja Católica
engendrou sulcos profundos na dinâmica social e política do país, e imprimiu, e em
certa medida continua a imprimir, contornos à sociedade civil, misturando público e
privado. Combinada a elementos confessionais, constituiu-se, assim, uma cultura
 
22
 Concordamos com a leitura de Behring (2003), inspirada em Fernandes (1987), de que “o Brasil é uma nação
realizada”, pela via conservadora, uma nação moderna, industrializada, urbanizada, desigual e para poucos.
23 É mister registrar que aconteceu uma divisão nas hostes católicas, com uma renovação no pensamento social
cristão católico na década de 60, inaugurando uma práxis política de compromisso com a libertação social dos
(In)visibilidade Perversa Mione Apolinario Sales
43
política no terreno da ação social privada, dotada de forte personalização, valorização
do altruísmo, da abnegação e da caridade - elementos que recambiados ao mundo
política podem servir aos propósitos do clientelismo, a jogos fisiológicos e a
manipulações políticas.
Essas forças sociais, laicas e religiosas, com suas práticas, projetos e
interseções conservadoras ganham maior nitidez ao se compreender o contexto no
qual elas se exprimiam e se metamorfoseavam. Fora controverso, por exemplo, o
cenário de ascensão dos primeiros direitos civis e políticos, como o direito de voto,
no início dos oitocentos. Lembra Carvalho: “a luta política era intensa e violenta. O
que estava em jogo não era o exercício de um direito do cidadão, mas o domínio
político local” (2002:33). Ultrapassada a escravidão e já sob a República Velha, a
principal expressão social desse tipo de poder político foi o coronelismo, o qual
revelava ainda a situação de hegemonia agrário-exportadora. Tratava-se de uma
política regionalizada e oligárquica, a qual se ergueu24 em detrimento de um projeto
nacional que integrasse a sociedade advinda dos processos sócio-econômicos
anteriores. As elites da época prosseguiam, pois, em seu sentimento de estar muito
acima do povo e agora também acima das leis. Ou nos termos de Hahner (1993), as
elites norteavam sua atuação com os objetivos de preservação de status, acesso às
riquezas e controle do poder político.
Torna-se possível, assim, perceber as nuances da cultura política brasileira
ensejada desde os tempos da Colônia, com ênfase ora na conciliação, na harmonia
entre as classes, na hierarquia, no mito da democracia racial e da vida pacífica
nacional ora num funcionamento social calcado em atitudes e ideologias tipicamente
autoritárias e discriminatórias. Intensificaram-se, então, historicamente, vincos que
até hoje influenciam os processos políticos e sociais. Como diz Chauí:
“(...) Vivemos numa sociedade verticalizada e hierarquizada (...) na qual as
relações sociais são sempre realizadas ou sob a forma da cumplicidade (quando
os sujeitos sociais se reconhecem como iguais), ou sob a forma do mando e da
obediência entre um superior e um inferior (quando os sujeitos sociais são
percebidos como diferentes, a diferença não sendo vista como assimetria, mas
como desigualdade). (...) A forma autoritária da relação é mascarada por
 
pobres, a qual se expandiu na forma das Comunidades Eclesiais de Base. Foram setores, porém, que nunca
detiveram a hegemonia social da Igreja Católica no Brasil.
24 E em alguma medida se mantém até hoje sob a forma de fortes enclaves de poder de chefes políticos locais nos
mais diversos cantos do país.
(In)visibilidade Perversa Mione Apolinario Sales
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aquilo mesmo que a realiza e a conserva: as relações de favor, tutela e
clientela” (1994:27).
Essas características mostram a força de uma tradição política e cultural no
Brasil com ênfase na esfera privada e no recuo das funções públicas do Estado. Este
se legitima tardiamente no novo cenário capitalista desenhado após 1929 sob um
formato estatal-desenvolvimentista (era Vargas), recorrendo ora a estratégias de
cooptação ora ao monopólio da força, como condição para redirecionar a economia.
Via-se, assim, a dificuldade das classes dominantes em ceder diante de novos pactos
e contratos, somada a uma profunda resistência a instaurar mecanismos políticos e
jurídicos universalizantes e democráticos. A violência real e simbólica no período,
patrocinada pelo Estado e pelas elites, assumiu, pois, as seguintes variações políticas
e ideológicas: populismo25, mandonismo e paternalismo. Mesmo durante a ordem
democrática limitada entre 1945 e 1964, a arquitetura institucional da cidadania foi
marcada pelo corporativismo, o que Santos (1979) cunhou teoricamente como
cidadania regulada, criando entre os trabalhadores uma cultura de disputa por
concessões e privilégios, especialmente no âmbito da previdência social, à revelia
dos interesses comuns de classe e de suas condições objetivas de vida.
Em meio a todo esse processo, consolidou-se, porém, pela via da
modernização conservadora26, a dominação burguesa no Brasil: nossa “revolução
burguesa, sem revolução”. Pelo bem e pelo mal, concluiu-se a transição – não-
clássica – para o capitalismo (Behring, 2003). Contra todas as ilusões de quem
achava que esse era um processo ainda em curso, com chances de a burguesia
nacional se apossar a qualquer momento de um sentido e um papel revolucionário27,
imprimindo um novo rumo para o país e para todos os descendentes de tapanhumas e
 
25 O populismo consiste num fenômeno político essencialmente urbano, caracterizado por uma relação ambígüa
entre os cidadãos e o governo, porque atrai as massas para a política, mas sob uma posição de dependência ante
os líderes. Trata-se, como diz Carvalho, de uma cidadania passiva e receptora, bem diferente da cidadania ativa
(2002:126). Seu espectro ideológico pode variar da esquerda à direita, constituindo menos uma vinculação
autêntica com as causas populares e mais um apelo paternalista ou carismático. Exerce um fascínio especial junto
às camadas mais pobres da população, em razão da adoção de inúmeras medidas sociais.
26 Behring, em mergulho sobre a obra de Barrington Moore Jr., sintetiza: “são processos caracterizados pelo
enraizamento do capitalismo industrial sem revolução popular (...), uma revolução vinda de cima”. O Estado, por
meio de um governo conservador e autoritário, desenvolve um programa de reforma e industrialização ancorado
numa aliança com os elementos mais reacionários das classes superiores – a aristocracia proprietária de terras, e
numa separação de governo e sociedade. O militarismo é, assim, um dos recursos para “modernizar sem alterar as
estruturas sociais” (2003:107).
27 Ilusões nacionalistas que fizeram parte historicamente (se ainda não fazem) das táticas de setores da esquerda
brasileira nos anos 50 e 60.
(In)visibilidade Perversa Mione Apolinario Sales
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icamiabas28. Uma história que encontrou seu lance final no golpe de 1964 e na longa
ditadura militar que o sucedeu. Isto porque, considerados todos os pactos, aliados
nacionaise internacionais que deram sustentação ao regime militar, a dominação
burguesa, na avaliação de Fernandes (1987), mostrou-se como ela é – pragmática e
nada utópica. Assim, entre tentativas de restauração e movimentos de renovação, o
Brasil se tornou um país industrial, moderno, urbano e complexo: uma economia
competitiva, monopolista dependente, na periferia do capitalismo.
A cultura política engendrada no Brasil, da Colônia aos dias de hoje, não
obstante momentos e movimentos de investimento na construção de vínculos
civilizatórios, tem sido, como vimos, marcada por: discriminações sociais, étnicas, de
gênero, religiosas e culturais, polarização entre privilégios e carências, repressão,
corrupção e autoritarismo, em razão estes últimos da forte penetração do Estado
pelos interesses das classes dominantes. Esse pacto fundador da sociedade brasileira
tem, senão inviabilizado, dificultado a constituição de um pólo político coletivo
aglutinador caucionado por leis e direitos, em que a população se reconheça e se
inscreva nos marcos da cidadania. O que se constata na sociedade brasileira é tanto
uma forte resistência em assegurar direitos legais (sobretudo hoje no contexto
desregulador do neoliberalismo) quanto uma prevalência de práticas sociais
inibidoras da democracia, ancoradas num alto grau de desigualdade. Os direitos e o
padrão de cidadania existente numa sociedade dizem respeito, antes de mais nada, ao
modo como as relações sociais se estruturam. No caso do Brasil, avalia Telles:
“(...) essa é uma sociedade em que a descoberta da lei e dos direitos convive
com uma incivilidade cotidiana feita de violência, preconceitos e
discriminações; (...) em que a defesa de interesses se faz em um terreno muito
ambígüo que desfaz as fronteiras entre a conquista de direitos legítimos e o
mais estreito corporativismo; em que a experiência democrática coexiste com a
aceitação ou mesmo conivência com práticas as mais autoritárias...” (1994:93).
Cabe pontuar aqui um traço cultural revelador da maneira como a sociedade
brasileira foi constituída, o qual aparece muitas vezes como graça ou leveza, mas é,
no fundo, expressão histórica e sempre reatualizada de uma fratura, uma tensão que
vai particularizar as relações sociais. Trata-se da “dialética da malandragem”,
 
28 Homenagem aqui ao povo brasileiro com base no universo arquetípico e mitológico marioandradiano de
Macunaíma (1928). Tapanhumas são, segundo o dicionário Houaiss, “escravos negros”, negros africanos
residentes no Brasil; e icamiabas: índias guerreiras; amazonas.
(In)visibilidade Perversa Mione Apolinario Sales
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perscrutada ainda em 1970 por Antônio Cândido, em sua análise do romance
Memórias de um Sargento de Milícias, de autoria de Manuel Antônio de Almeida. A
história transcorre na cidade do Rio de Janeiro e é representativa dos usos e costumes
dos grupos populares no Brasil joanino. O significado especial dessa obra prende-se
ao fato de ela ser a única produção da literatura do século XIX a não adotar a visão
da classe dominante. Em primeiro plano, portanto, está o “malandro”, com toda a sua
carga valorativa e conduta de negação do stablishment - conduta que não é
passageira, mas integra, em certa medida, a lógica das relações sociais aqui
constituídas, pondo em evidência outros atores e instituições existentes que com ele
se relacionam. A intenção ali, porém, não é reduzir a discussão aos indivíduos
singulares cujo comportamento colide ou não com as normas do grupo social
hegemônico. A indagação suscitada pelo romance, segundo Cândido, é mais densa e
se apresenta da seguinte forma: como se gesta a relação entre ordem e desordem
social historicamente no cotidiano das cidades brasileiras? Dentro disso, o romance
Memórias e seus personagens põem em evidência alguns arquétipos, dotados de uma
grande força universalizadora: uns representando a autoridade, outros a “súcia”.
Percorrendo o imaginário da época, Cândido atenta para a intensa comunicação,
maleabilidade e, por vezes, imbricamento existente entre esses dois extremos, o que
resultaria numa espécie de equivalência da ordem e da desordem. Capturava, assim,
por meio da crítica literária, sobre as trilhas das práticas e representações sociais do
passado, pistas que em muito contribuem para se pensar os dilemas do Brasil nos
anos noventa e mesmo no século XXI:
“(...) a sociedade que formiga nas Memórias é sugestiva (...), porque manifesta
num plano mais fundo e eficiente o referido jogo dialético da ordem e da
desordem (...) Ordem dificilmente imposta e mantida, cercada de todos os lados
por uma desordem vivaz (...) Sociedade na qual uns poucos livres trabalhavam e
os outros flauteavam ao deus-dará, colhendo as sobras do parasitismo, dos
expedientes, das munificências, da sorte ou do roubo miúdo. Suprimindo o
escravo, Manuel Antônio suprimiu quase totalmente o trabalho; suprimindo as
classes dirigentes, suprimiu os controles do mando. Ficou o ar de jogo dessa
organização bruxuleante fissurada pela anomia, que se traduz na dança entre
lícito e ilícito, sem que possamos afinal dizer o que é um e o que é o outro
porque todos acabam circulando de um para outro com uma naturalidade que
lembra o modo de formação das famílias, dos prestígios, das fortunas, das
reputações, no Brasil urbano da primeira metade do século XIX. Romance
profundamente social, pois, não por ser documentário, mas por ser construído
(In)visibilidade Perversa Mione Apolinario Sales
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segundo o ritmo geral da sociedade, vista através de um dos seus setores”
(1991:209).
Em Memórias, as relações humanas e a trama da sociabilidade brasileira
emergente são analisadas por um senso e perspicácia agudos, em que pese a
singeleza que marca o texto em sua íntegra. O desfecho dos conflitos sociais, pela
lógica traçada, tende a se dar ou a não ultrapassar, de acordo com Cândido, o “suave
conluio dos dois hemisférios”: ordem e desordem (1991:208). Esse movimento
detectado em meio à inventividade literária de cariz etnográfico de Almeida é dotado
da “capacidade de intuir (...) certos princípios constitutivos da sociedade - elemento
oculto que age como totalizador dos aspectos parciais” (1991:200).
Todos esses elementos são bastante preciosos para a análise do cenário social
urbano no presente, quando se tornaram esgarçadas as relações no território da
sociabilidade, convivendo os indivíduos com um grau de tensão impressionante. É
possível, então, recorrer mais uma vez a Cândido para retratar o pano de fundo das
relações intersubjetivas numa espacialidade - o Brasil -, onde mais do que nunca
aqueles hemisférios se mostram entrelaçados num determinado nível de interesses,
donde a desordem se faz ordem aparente (1991:207). Ou será o contrário ? Diz ele:
“No Brasil, nunca os grupos ou os indivíduos (...) tiveram a obsessão da ordem
senão como princípio abstrato, nem da liberdade senão como capricho. As
formas espontâneas de sociabilidade atuaram com maior desafogo e por isso
abrandaram os choques entre a norma e a conduta, tornando menos dramáticos
os conflitos de consciência” (1991:214).
A sociedade brasileira desponta, assim, historicamente eivada pela lógica da
privatização selvagem, em que o familialismo, as oligarquias, e os favores têm, desde
a Colônia, dado a tônica no projeto nacional (Da Matta, 1987; Costa, 1989; Chauí,
1994; e Schwarz, 1990). E entre os dramas modernos que desafiam a
institucionalidade democrática e o Estado de Direito, sinônimo da ordem legal,
sobressaem a corrupção, a violência e o crime organizado. Zaluar (1990 e 1994)
chega a ver entreo passado e o presente a presença de uma certa anomia combinada
a uma fraqueza institucional, principalmente no âmbito da Justiça, onde outros
enxergam os percalços da construção da cidadania e a força avassaladora de uma
cultura da desigualdade e da violência (Telles, 1994; e Chauí, 1995).
(In)visibilidade Perversa Mione Apolinario Sales
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São leituras que vêem a violência atravessar a sociedade brasileira de
múltiplas maneiras, como um fio condutor invisível, mas profundamente criador de
sentidos e práticas. A violência é, pois, manifestação do poder, expressão de como as
relações sociais estão aqui organizadas, de como o capitalismo se engendrou e se
perpetua no país. É exploração, opressão e dominação, mas não é somente força
pura, é também ideologia e sutileza. Violência que embora seja estruturalmente
produzida pelas elites, como um dos mecanismos que sustentam e fazem a política e
a economia, não constitui seu patrimônio exclusivo. Reproduzida pelos mais diversos
estratos sociais, tende, porém, a ser associada de maneira reducionista e invertida,
pelo senso comum, aos pobres e miseráveis, vistos como “classes perigosas” e de
onde provêm os “maus elementos”. Associação que se reforça e ganha visibilidade
sobretudo por meio dos indivíduos mais insubmissos das classes trabalhadoras nos
seus embates cotidianos, nem sempre visíveis, contra o processo de sujeição e
também como expressão dele. Ações e reações que ora são puro fetichismo e
alienação, ora se transmutam em política e revolta.
Por cultura de violência entendemos, portanto, uma sociabilidade que
valoriza o recurso histórico e atual do emprego da violência para a solução de
conflitos. Ancora-se ao longo da história brasileira no binômio definido por Costa
(2000) como “desigualdade máxima combinada como máxima injustiça”. Trata-se,
portanto, de uma sociabilidade e cultura (punitiva, para uns, e de impunidade, para
outros) produzidas por uma ordem hierárquica e autoritária (Velho,1996; e Soares,
2000). Vem, porém, se conjugando como ideologia e moralidade aos apelos estético-
narcisistas e midiáticos-exibicionistas de força, intensidade, gratificação, brevidade,
velocidade e visibilidade da sociabilidade burguesa contemporânea, expressando
novas formas de dominação e poder, e, ao mesmo tempo, de subjetivação,
transversais em termos de classes sociais. São manifestações e determinações de
violência novas, inclusive com ilações mundiais, mas que repetem e se fundamentam
no pior do passado, contribuindo, no caso do Brasil, para desfazer o mito da nação
cordial e democrata-racial. Não obstante os seus componentes histórico-estruturais
nacionais e locais (Chauí, 1999), a cultura de violência aludida não constitui algo
universal, capaz de mobilizar todos os indivíduos (Cardia, 2000), nem se reduz à
criminalidade violenta nem a práticas sociais associadas à pobreza (Zaluar, 1994).
(In)visibilidade Perversa Mione Apolinario Sales
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O fato é que neste meio tempo de quase dois séculos aquela equivalência
entre ordem e desordem, combinada às contradições econômicas e políticas do
modus operandi do capitalismo dependente e periférico no país, perdeu a leveza
boêmia do malandro e do capoeira, tendo a exclusão social e moral assumido faces
mais perversas.
Toda essa experiência histórica de violência e cidadania escassa leva, assim,
muitos setores da sociedade a traduzirem de forma recorrente e submissa as
dificuldades de construção da democracia justamente pelo seu contrário. Em lugar do
antídoto, o veneno, qual seja: o ressentimento pela falta de um poder com elevado
grau de arbítrio. A mistificação do poder, implicada nesta visão, que cumpre um arco
de variações ideológicas desde o reformismo-populista até o autoritarismo social,
consistiria, pois, em personalizá-lo e associá-lo a arquétipos viris, duros e fortes,
como o do pai, o do guerreiro, dentre outros. O desdobramento dessa acepção
conservadora e abstrata, pois em detrimento do significado da larga presença de
regimes ditatoriais em nosso país e continente, seria o de acreditar que esse tipo
ideal, na condição de senhor, líder ou chefe, poderia: governar e promover o
interesse geral; realizar um amplo programa de atendimento às necessidades
coletivas; garantir a lei sem qualquer questionamento ou controvérsias; combater a
violência de uma vez por todas, dentre outros. O recurso político real e imaginário a
esse poder, assim, acalma e conforta, porque poda o conflito (democrático) que existe
em torno da justiça e das leis.
Sob esse foco de expectativas em torno de um superpoder, sobressaem,
porém, hoje, na sociedade brasileira, em detrimento de anseios e esforços
democráticos, libertários e igualitários daqueles que lutam por um mundo melhor: 1)
certos políticos, administradores públicos, empresários, juízes, policiais e toda uma
rede criminosa ilegal – caso dos exterminadores, justiceiros, pistoleiros, etc. -, que
exercem ou pretendem exercer um poder / uma dominação sobre determinada região
ou negócio, amparados numa máquina de corrupções e extorsões, controlando as
insubordinações, lideranças e movimentos sociais, bem como o pequeno banditismo
local29; 2) e de outro lado, aqueles que estão à frente dos comandos do tráfico, sendo
 
29 O filme O Homem do Ano (2003), de José Henrique Fonseca, com base no livro O Matador de Patrícia Melo,
ilustra bem esse tipo de associação espúria entre bandidos e pessoas influentes numa determinada região do país,
para fins obviamente privados, mas com repercussão pública. No caso dessa ficção, trata-se da região
(In)visibilidade Perversa Mione Apolinario Sales
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a favela o território-símbolo da contravenção, desde a época da hegemonia do “jogo
do bicho”, assim como bairros inteiros, comunidades, periferias, subúrbios e até
prisões (caso do PCC – Primeiro Comando da Capital, em São Paulo), etc.,
recolonizados, redefinidos espacial e politicamente, segundo as diretrizes de
segurança dos negócios ilegais; o fora-da-lei ali é também uma espécie de xerife e
juiz, apaziguador de querelas entre vizinhos e entre os malfeitores do lugar, ele
próprio autor das leis e mantenedor da “paz local”, ainda que sob o panorama de
jovens circulando com AR-15, escopetas, revólveres, etc. No cenário mundial mais
recente, poderíamos incluir aí o controverso papel dos grupos terroristas de vários
matizes ideológicos e seus métodos destruidores e violentos.
Deste modo, pode-se ver que a fantasia conservadora da paz a qualquer preço
e da eliminação de conflitos e discordâncias, segundo uma política do medo, nada
mais é que alimentadora de novas redes anti-sociais, tecidas com a morte de muitos.
Erguem-se a partir daí cenários sociais desoladores e infelizes, e cada vez mais
distantes do sonho de tranqüilidade e abundância desejado pela maioria. Essas
variações contemporâneas do poder absoluto, porque não controlado
democraticamente, ultrapassam, sem dúvida, a demanda popular idealista de
eliminação dos perigos e da injustiça, revelando ingredientes perversos e
temperamentais de quem comanda esse tipo de economia punitiva paralela30, porque
estritamente ligada ao jogo de trocas e vantagens materiais, bem como à fidelidade
pessoal e corporativa. Senão vejamos, como bem já capturava Foucault, a propósito
da expressão pré-moderna desse poder. Tratava-se, segundo ele:
“de um poder que se afirma como poder armado, e cujas funções de ordem não são
inteiramente desligadas das funçõesde guerra; de um poder que faz valer as regras
e as obrigações como laços pessoais cuja ruptura constitui uma ofensa e exige
vingança; de um poder para o qual a desobediência é um ato de hostilidade, um
começo de sublevação, que não é em seu principio muito diferente da guerra civil;
de um poder que não precisa demonstrar por que aplica suas leis; mas quem são
 
metropolitana do Rio de Janeiro. Os estudos de José Cláudio S. Alves (1998 e 2001) também, sobre a Baixada
Fluminense confirmam esse tipo de conluio de poderes.
30 No Brasil, o caso recente mais trágico dessa manifestação de poder “bárbaro”, despótico e totalmente sem
controle, à “l ‘ancienne”, com sinal contrário, foi o do assassinato do jornalista Tim Lopes (02/06/2002) pelo
bando de Elias Maluco, na favela Vila Cruzeiro (Complexo do Alemão), Rio de Janeiro. A suposta delação
promovida pelo jornalista em razão do uso de câmeras ocultas em reportagem sobre exploração sexual e venda de
drogas nos bailes funks locais resultou na sua morte, dentro de um ritual de justiciamento, cujos ingredientes de
crueldade e da mais absoluta falta de possibilidade de defesa relembram os tempos dos suplícios medievais, com
a diferença de que aqueles eram feitos em nome da lei e este apesar dela. Para um balanço desse tipo de atuação
controversa e “heróica” da mídia, consultar Moretzsohn, 2002; de Paula, s/d.
(In)visibilidade Perversa Mione Apolinario Sales
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seus inimigos, e que forças descontroladas os ameaçam; (...) de um poder que se
retempera ostentando ritualmente sua realidade de superpoder” (1996:56).
O desafio à democracia e à cidadania, no Brasil, portanto, como se vê,
desborda hoje o Estado31, no sentido clássico, e configura-se como uma tarefa
ampliada, como um problema cuja envergadura e enraizamento nas tramas da
sociabilidade implica seguramente a sociedade civil e seus diversos atores. O
aguçamento das tensões entre os hemisférios da ordem e da desordem, ou, à nossa
maneira, entre os pólos da desigualdade e da cultura de violência, tem, pode-se dizer,
aprofundado ainda mais o desafio democrático. Avancemos, pois, na compreensão
do lastro social que compõe o quadro de cidadania escassa aqui aludido nos
domínios da justiça e dos indicadores sociais, pois é ele que ainda tolhe o futuro de
milhares de crianças e adolescentes, e ora lhes despe ora lhes cobre com o manto da
(in)visibilidade perversa.
1.2. Indesejáveis, perigosos e sem-direitos
A justiça no Brasil, portanto, traz as marcas de uma sociedade historicamente
partida, desigual, cindida sobretudo pelo que foi a experiência da escravidão – dentre
todos, o fator mais negativo para a cidadania32. Findo o processo de libertação dos
 
31 Mesmo sem entrarmos na análise do Governo Lula, podemos destacar que essa experiência, até o momento,
parece encerrar de vez a versão moderna do sonho populista do “pai dos pobres”. Lula não se propõe a isso,
mesmo que sofra pessoalmente algumas tentações, nem as forças políticas que sustentam e fazem o seu governo
não lho permitem. Em outras palavras, a superação dos problemas estruturais da sociedade brasileira não são
tarefa de um governo apenas, mesmo com a referência histórica de esquerda do PT, ou mesmo trazendo na
bagagem política bem sucedidas experiências de administração municipal. No longo prazo, competem à esfera
pública e à sociedade como um todo. No entanto, isso não significa eximir este ou qualquer outro governo do seu
papel de direção política e social da Nação, para o que foi eleito: para governar e implementar medidas de acordo
com um determinado projeto societário. Isto quer dizer que o Estado tem primazia, enquanto locus de poder e de
decisão acerca das políticas sociais, e, porquanto, deve assumir a responsabilidade pelo seu impacto (ou por sua
ausência) no modo de vida e de trabalho do conjunto da população. É nesse espaço, portanto - o Estado -, que os
direitos são reclamáveis, a despeito de tantas indefinições entre o que é público e privado no Brasil, hoje.
Expressão de um posicionamento crítico da sociedade civil, no âmbito da esfera pública, direcionado ao Estado
segundo a acepção acima, foi o da CNBB, na pessoa do seu Vice-Presidente, D. Antônio Celso Queiroz, apenas
passados oito meses de Governo Lula: “não é possível mudar a fisionomia de um país em seis meses, um ano ou
até quatro anos. (Mas) é preciso indicações claras de que as mudanças começaram”. Ver “Indicadores sociais
são criticados pela CNBB”.
 [http://www.veritatis.com.br/artigo.asp?pubid=1925]. 
32 Perduram, assim, ainda, mais de um século depois, a humilhação e toda uma série de privações materiais para
uma parcela significativa da população, mais a arrogância e privilégios como forma de poder e dominação por
parte de uma minoria (Carvalho, 2002). Por isso, já decantava suas dores o poeta negro Cruz e Sousa (1995):
“Quanto magoado sentimento eterno”.
(In)visibilidade Perversa Mione Apolinario Sales
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escravos no Brasil (1888), os negros não foram alvo de nenhuma política pública
expressiva: não receberam escolas, nem terras, nem empregos. As conseqüências
desse processo, porém, não recaíram apenas sobre a população negra, a qual foi
particularmente atingida a ponto de deter, até hoje, os piores indicadores de
qualidade de vida. Foi a formação da cidadania como um todo que se viu fissurada
no país, em especial o sentido de igualdade (Carvalho, 2002).
Como diz Ceneviva (1999), “nos 500 anos de vida do Brasil, o Direito teve
pouca influência transformadora das condições sociais, econômicas e políticas do
povo brasileiro”. Em lugar da sociedade escravista disciplinada, ergueu-se um
aparato de controle social, de inspiração jurídico-política ibérica33 (Batista, 1999),
calcado ora no terror ora no espetáculo da lei e da ordem. Assim, a justiça brasileira
foi moldada à imagem e semelhança de uma sociedade autoritária, rigidamente
hierarquizada e desigual. Esses valores e ideologia fizeram-se notar até mesmo no
movimento Abolicionista, cujos limites decorriam da sua profunda vinculação com o
horizonte de classe das elites. Em mais um falsete do liberalismo no Brasil34, essa
luta foi conduzida sem as massas e sem que os seus representantes se irmanassem de
fato com os negros e mulatos (Behring, 2003). Esse sonho da libertação, por sua vez,
vinha carregado de intenções disciplinares, donde a preocupação em fortalecer os
laços que prendiam os homens aos seus níveis sociais. Esse espírito de elite,
duramente criticado por Fernandes, podia ser percebido na crença subjacente ao
movimento abolicionista: “(no) mito de que o Brasil é ingovernável sem a versão
autocrática-paternalista do despotismo esclarecido” (1987:165).
A justiça tem, pois, contribuído desde o século XIX, por meio de uma
teatralidade do poder, para a produção de mecanismos de natureza ideológica, como
por exemplo um ethos punitivo e uma subjetividade intolerante, dirigidos aos
segmentos étnico-culturais mais vulneráveis: índios, pretos, pobres e insurgentes
(Malaguti Batista, 2001). Mantiveram-se, também, algumas marcas da sociedade
escravista no exercício do direito penal público, como a coerção corporal, conatural
ao escravismo: no caso, a pena corporal de açoites, vigente até 1886 (Batista, 1998).
 
33 A tradição cultural ibérica dava ênfase à supremacia da hierarquia sobre a igualdade e do todo sobre as partes.
Distinta da tradição anglo-saxônica, erabaixo o seu apelo à liberdade individual, assim como achava-se pouco ou
quase nada influenciada pelo aportes liberais e igualitários advindos do Iluminismo (Carvalho, 2002).
(In)visibilidade Perversa Mione Apolinario Sales
53
Nesta linha, há reiteradas denúncias de âmbito internacional, inclusive, da prática de
tortura para obtenção de confissões em delegacias por todo o país, e também do
expediente rotineiro de surras e outras formas de castigo nos presídios e unidades de
internação para adolescentes infratores (Relatório da Anistia Internacional, 1999 e
Relatório da Comissão de Direitos Humanos da ONU, 2000).
O severo controle penal e exterminador dos pobres e outros
marginalizados é ainda dominante, expressão do clamor punitivo que grassa na
sociedade brasileira por maior repressão, mais prisões e penas mais rigorosas.
Segundo Karam (1994), é preciso perceber a eficácia das funções não-declaradas das
penas e das prisões contra as classes perigosas -instrumentos de manutenção e
reprodução da desigualdade e da opressão vigentes na sociedade capitalista, dirigidos
a todos aqueles desprovidos de poder.
O século XIX é emblemático nesse sentido, ao assomar como período de
grande efervescência social no país em razão do final da escravidão e da ascensão da
República - fatos que requisitaram a montagem de um arcabouço legal caucionador
da nova cidadania. O universo ficcional da literatura brasileira do período permite
que se observe, ao lado do elogio das leis e do esmero jurídico na fabricação da nova
ordem burguesa e seu respectivo contrato social - “As leis são belas, belíssimas” (diz
um personagem de Dom Casmurro, na fina ironia de Machado de Assis) -, a mais
veemente desconfiança das figuras que compunham o mundo jurídico: do policial ao
magistrado. Por meio de uma estética do visível, a literatura favorece a visualização
das imagens circulantes, de valores e experiências socialmente compartilhadas, da
visão de mundo que as produzia e das contradições por elas expressadas (Sussekind,
1984; Junqueira, 1998 e Carvalho, 1990). Autores como José de Alencar, Manuel
Antonio de Almeida, Aluísio de Azevedo, Júlio Ribeiro, dentre outros, encetaram
uma representação do direito e do mundo das leis, enfim, do sistema de
administração da justiça, então corrente na sociedade brasileira oitocentista que se
caracterizava por práticas patrimonialistas, pelo prestígio, pelo favor e pela
corrupção. As leis submetiam-se ao tráfico de influências e os conflitos, mormente,
eram resolvidos privadamente. Imperavam as práticas de compadrio, que levam à
 
34 Nesta direção, Chauí lembra que “ não havia nenhuma incompatibilidade entre ser liberal e senhor de escravos
ou em ser liberal e monarquista constitucional, não havendo uma conexão necessária entre liberalismo e
abolicionismo e liberalismo e republicanismo” (2000:44).
(In)visibilidade Perversa Mione Apolinario Sales
54
constatação, segundo Batista (1998) e Junqueira (1998), de um padrão de
continuidade público-privada - característica, mais do que do sistema jurídico-penal,
do Estado e da cultura política brasileira. Senão, veja-se: “Ora, a lei (... ), o que é a
lei, se o Sr. Major quiser?” (Memórias de um Sargento de Milícias, de Manuel
Antonio de Almeida).
Engendrava-se, portanto, a nova ordem jurídica dentro dos ideais liberais
e democráticos, mas de maneira justaposta à permanência da velha ordem, assentada
em relações privadas, em um universo sem leis. Tratava-se de um mundo distante de
uma esfera pública juridicamente orientada, sendo negado às classes populares o
acesso à justiça - setores na direção dos quais a polícia sempre agiu de forma violenta
e arbitrária. O paradoxo está em que o rigor da lei e da justiça serviam justamente
para atingir esses indivíduos desprovidos de vínculos sociais significativos, os quais
ficavam a mercê das regras públicas impessoais, concebidas como obrigações e não
como direitos.
O direito, portanto, não constituía na época uma prática ou instrumento
de intermediação e regulação dos conflitos. E se hoje se atribui um papel ao jurista e
às leis no processo de eticização da política, constata-se a baixa densidade e
penetração social do mundo das leis para além das elites. Ainda se faz também o
balanço do custo da ausência de direitos versus o enraizamento histórico e
contemporâneo da violência na sociedade brasileira - herança cultural renovada e
ampliada na última experiência de ditadura que o país viveu (Pilatti, 1994).
Segundo uma pesquisa sobre os direitos humanos realizada junto às classes
populares no Rio de Janeiro, os direitos são fundamentalmente necessidades ou
exigências não atendidas. Ainda no final do anos 70, um morador de Nova Iguaçu
dizia a respeito: “Os direitos que eu conheço como direitos humanos são exatamente
os direitos que eu não tenho”. E outro: “Eu acho que nós estamos muito longe do que
se diz de viver como gente. Nós não estamos vivendo” (Lesbaupin, 1984).
Uma tradução simples e clara efetuada com base na experiência de um
cotidiano marcado por privações e, muitas vezes, violações de direitos propriamente
ditas. Daí por que parece esvaziada de substância social e histórica a caracterização
da palavra direito, como um sistema de normas jurídicas que regulam a convivência
(In)visibilidade Perversa Mione Apolinario Sales
55
das pessoas em sociedade. No Estado de Direito, em tese, a lei valeria,
indistintamente, para todos.
Neste sentido, a história social e política brasileira oferece um painel variado
de situações de descaso pelos pobres, desrespeito às leis vigentes e autoritarismo
estatal (materializado na hipertrofia do Executivo e num Legislativo servil e adepto
do clientelismo). Somente na década de 40 são dados os primeiros passos na direção
da configuração da assistência social 35 (com todas as limitações) como política
social, quando da criação da LBA / Legião Brasileira de Assistência. E somente na
Constituição de 1988 ela se tornará um direito social e dever político, sendo definida
como política pública, instituinte de um Estado de Direito.
O pólo máximo de resistências ao reconhecimento legal dessa política social
como um direito gira em torno do conflito histórico com a organização social do
trabalho. Basta lembrar que o trabalho livre surge no Brasil, tendo como herança
política e cultural o secular trabalho escravo, e por dentro de um processo lento e
nada radicalizado de transição, em termos de direitos e de uma nova cidadania, de
um sistema a outro (Behring, 2003). Em função desse continuum, ele nasce, segundo
Fernandes, “fadado a articular-se, estrutural e dinamicamente ao clima de
mandonismo, do paternalismo e do conformismo, imposto pela sociedade existente,
como se o trabalho livre fosse um desdobramento e uma prolongação do trabalho
escravo” (1987:193).
São estas e outras tensões, assim, que envolvem a inscrição social dos sujeitos
no processo produtivo da sociedade capitalista, com seus processos de exploração e
obtenção de mais-valia. Desde pelo menos o século XIX, em países como a França,
convencionou-se, fruto das lutas políticas e conquistas sociais das classes
trabalhadoras, assegurar amparo e proteção social àqueles cuja situação não lhes
permite trabalhar: maternidade, infância, adolescência, velhice, deficiência. Aos que
não se encaixavam nesse perfil competiaserem alvo de políticas de promoção social,
visando atingir o mercado de trabalho, mesmo dado o receio liberal-conservador de
estimular a preguiça e o ócio. No Brasil, por sua vez, os pobres em condições de
trabalhar (homens e mulheres adultos, e adolescentes,) foram, historicamente,
 
35 A política de assistência social merece ser destacada por constituir, historicamente, um dos campos do
atendimento e proteção social de crianças e adolescentes e também espelho de profundas tensões e conflitos
envolvidos no direito a ter direito desses sujeitos.
(In)visibilidade Perversa Mione Apolinario Sales
56
repelidos pelas ações assistenciais. Desde a década de 20, por exemplo, o Estado
procurou, antes de mais, regular o trabalho do menor36, proibindo-lhe o turno da
noite, mas reforçando, ao mesmo tempo, que o seu destino era o trabalho; destino
ainda hoje de milhares de crianças com idades a partir de 5 anos. Para as classes
trabalhadoras, o trânsito para a cidadania é compreendido, assim, como uma
decorrência quase que exclusiva do trabalho e não do suporte de uma política pública
de proteção social - plenamente justificável, no passado e no presente, em inúmeros
casos.
O direito ao trabalho não é, porém, nem mesmo nestas condições assegurado
a todos. Logo, a tensão acima referida entre assistência e trabalho é reveladora e
provocadora de iniqüidades sociais. Expectativas ideológicas e disciplinares liberais
de ontem, e neoliberais de hoje, que mostram suas profundas contradições (ou, quem
sabe, grande consonância) com a realidade contemporânea de reestruturação
produtiva e redução de empregos estáveis e permanentes, tanto nos países europeus
como na América Latina (Ferreira, 2003).
Dentro disso, os pobres e mendigos “válidos” (por oposição aos “inválidos”,
merecedores de benefícios, auxílio e ajuda social) sempre foram considerados nas
regulações da ordem social como vagabundos, como incapazes de exercer um
trabalho, ou seja, “maus pobres” (Idem, 2003). No caso das crianças e adolescentes
brasileiros, isto levou, historicamente, à discriminação da sua parcela mais
pauperizada e insubmissa que vive nas ruas como “menores”, “delinqüentes”,
“marginais”, “infratores”, e a de suas famílias, taxadas como em “situação irregular”,
de acordo com a definição do Código de Menores (1979). Uma solução histórica foi
o recolhimento e reclusão de mendigos ou o banimento dos mais dessocializados,
indesejáveis e perigosos, devolvidos pela via repressiva a seus locais de origem.
Dentre eles, trabalhadores temporários, mendigos, assaltantes e também crianças.
Conseqüências passadas e presentes desta lógica: o pauperismo de um lado, e o
incremento de alternativas repressivas de outro, como a criminalização da miséria.
Gigantesca tarefa diante do montante de 55 milhões de pessoas (30% da população),
 
36 A primeira legislação sobre o trabalho de menores (terminologia adotada na época e atualmente recusada por
todos os que defendem os direitos de crianças e adolescentes, pelo componente juridicamente massificador e
estigmatizante da infância e juventude pobres) data de 1891, logo no início da República. Pretendia regular esse
tipo de trabalho na capital federal, mas consta que foi inócua (Carvalho, 2002:62).
(In)visibilidade Perversa Mione Apolinario Sales
57
segundo o Censo 2000, que viviam com renda abaixo de um salário mínimo mensal,
dentre os quais 35 milhões viviam com renda abaixo de meio salário mínimo mensal.
 Vejamos, então, o tamanho do desafio da família das classes trabalhadoras
no Brasil dos anos 90 e deste início de novo século: o desafio de “ser dois e ser dez e
ainda ser um37”.
1.3. Família, sociabilidade e pobreza
Dimensionar a realidade social da cidadania da infância e adolescência a
partir dos anos 90 requer que se entre em contato com alguns indicadores sócio-
econômicos38 engendrados e/ou reforçados sobretudo nos últimos três decênios. São
indicadores que revelam um investimento sistemático, nesse ínterim, por parte do
Estado num modelo de desenvolvimento econômico capitalista acelerado, o qual
alargou sobremaneira a base da pirâmide no tocante à desigualdade social,
promovendo uma gigantesca concentração de renda, que surpreende até hoje os
organismos mundiais.
A família merece destaque nesse processo de desvendamento do quadro da
infância no país, na conjuntura dos anos noventa, vide as sucessivas denúncias do
abandono de crianças e adolescentes por seus pais. Porém, os dados de algumas
pesquisas específicas com este grupo social, ainda nos anos oitenta, curiosamente
indicavam que tais crianças em sua maioria possuíam vínculos familiares (Rizzini,
1986). Eis que, então, as famílias pobres deixam de ser consideradas como
indiferentes à sorte da sua prole, impondo-se como instituição social a ser decifrada
em suas profundas transformações e necessidades.
Logo, as famílias de crianças e adolescentes das classes trabalhadoras vão,
diante da impossibilidade de ocultar toda a crise social de que são portadoras, via o
não cumprimento satisfatório de funções provedoras e socializadoras, contribuir para
 
37 Inspirada na poesia de “ Dos Margaritas” ( Paralamas do Sucesso), referimo-nos à solidariedade e ao projeto
coletivo que representa a família, ainda mais necessários entre os que não têm outro tipo de suporte institucional
38 A produção de indicadores sociais no Brasil guarda certas polêmicas em função do recorte imprimido por
órgãos como o IBGE na coleta de dados, ficando de fora, por exemplo, aqueles que não possuem domicílio ou
crianças menores de 10 anos que trabalham (Pereira Jr. e Drska, 1992). Os pesquisadores se ressentem da
dificuldade de acessar os dados em geral junto aos institutos de estatística do país. Aqui infelizmente a área social
não goza do mesmo nível de monitoramento que a área econômica stricto sensu.
(In)visibilidade Perversa Mione Apolinario Sales
58
a visualização das condições de vida e de trabalho da população brasileira. A
situação de vulnerabilização das famílias das classes trabalhadoras viu-se, assim,
aprofundada pelas conseqüências de uma drástica redução dos investimentos sociais
a partir dos anos 80 e pela ausência de políticas sociais integradas. Trata-se,
portanto, de um processo que está em curso e que exige perscrutar algumas pistas
satisfatórias para o presente e para o futuro das novas gerações num país como o
Brasil. Isto porque uma das tarefas básicas cumpridas historicamente pela instituição
família, qual seja, a da reprodução dos indivíduos depara com pressões e limites
objetivos em função das profundas modificações da economia capitalista,
sobremaneira no que tange ao mundo do trabalho.
A família sofre alterações também de natureza cultural, o que não deixa de
ser um produto mesclado daqueles processos, mas com capacidade de neles
interferir. Dentro disso, tem-se a ruptura de velhos padrões de vida familiar, com
transformações significativas nos papéis de gênero e nas obrigações para com jovens
e velhos. O rearranjo da sua estrutura em decorrência de fatores econômicos e
culturais vem gerando um formidável vazio institucional, na medida em que é
escasso o suporte social para além da família. Este quadro aponta, assim, uma crise
geral do modo de cuidar dos dependentes e de promover a interdependência no
mundo de hoje39 enquanto responsabilidades outrora básicasda família (Coontz,
1995). Aqui este processo dá-se concomitantemente ao esgarçamento do já precário
padrão de proteção social.
Se falta uma sólida rede de apoio a esta família, a qual vivencia tensões
permanentes quanto à garantia da sua sobrevivência, não lhe sobrando tempo para
formar os indivíduos, isto é, socializá-los adequadamente com base em princípios e
valores assentados na perspectiva da reciprocidade (Velho, 1996); ou mesmo se não
se trata de questão de falta de recursos e de políticas, mas, sim, da legítima
necessidade de emancipação feminina da exclusividade da esfera doméstica, a quem
caberá tecer os liames destas necessidades e relações sociais?
Esse montante de transformações e contradições foi ainda acirrado, a partir
dos anos 80, pela ascensão, no cenário mundial, do neoliberalismo - nova ordem
econômica que tem como principais vetores a flexibilização e a desregulamentação.
 
39 Crise também deflagrada em outros países, embora em proporções e situações diversas.
(In)visibilidade Perversa Mione Apolinario Sales
59
Trata-se, porém, de um amplo processo sócio-político que visa sobretudo recuperar a
taxa de lucro do capital; e, para tanto, rever e reduzir os direitos sociais, mais sua
legislação pertinente, deixando os trabalhadores a mercê da imprevisibilidade, do
desemprego estrutural e do trabalho temporário. Esse quadro se agrava ainda muito
mais em razão do redesenho do papel do Estado, o qual se torna enfraquecido e
submisso frente aos ditames do mercado (Behring, 2003).
Em face desse contexto adverso aos direitos e às políticas sociais, há que se
indagar como a família pode desenvolver pelo menos satisfatoriamente o seu
conjunto de tarefas. Isto porque pertenceria ao universo de expectativas sócio-
institucionais que a família deveria preencher a capacidade de prover garantias
materiais, morais e afetivas aos seus filhos, bem como “a socialização das crianças
por meio da educação e da transmissão da cultura, [constituindo], portanto, um
poderoso agente para manutenção da continuidade cultural” (Gomes, 1994).
Convém somar a estas uma outra percepção fundamental acerca das tarefas da
família. A saber: “caberá à família como espaço do privado, o estatuto englobado da
relação, da diferença, da hierarquia - e portanto, da ética (...)” (Duarte, 1995).
O que se observa, então, no Brasil, em todas as classes sociais e com maior
ênfase nas camadas médias e populares, é uma erosão da capacidade da família em
termos de aglutinação e regulação dos indivíduos para a vida em sociedade. E isto
torna-se um problema mais amplo, na medida em que o Estado na atual conjuntura,
deliberadamente desinteressa-se de tudo o que concerne à reprodução dos
trabalhadores e suas famílias, disponibilizando-a para a capitalização e para a
privatização. Logo, às famílias brasileiras cabe mover-se entre uma dilacerada rede
de proteção social e múltiplas e exaustivas estratégias de sobrevivência, o que
concorre para tornar ainda mais frágeis os vínculos sociais e pessoais num país onde
a cidadania é sonho distante.
Os estudos para a montagem de um quadro referencial atinente às condições
de vida de crianças e adolescentes e suas famílias permitem atestar a gravidade da
situação atual, incompatível com as possibilidades engendradas pela tecnologia
produzida neste final de século. Ao que parece não se pretende efetivamente
globalizar a vida, a saúde, o respeito e a educação.
(In)visibilidade Perversa Mione Apolinario Sales
60
Estas observações mais recentes somam-se ao balanço de que a vida familiar
se modificou nos últimos 30 anos para todos os segmentos da população brasileira,
sendo notáveis as implicações demográficas desse processo. Mas, em escala micro,
percebe-se ainda mais o quanto é fenomenal o impacto de tais mudanças, como diria
Pereira, sobre “os tradicionais mecanismos de solidariedade familiar, considerados
elementos básicos de proteção dos indivíduos e anteparo primário contra as
agressões externas e a exclusão social” (1994:04). Os mecanismos de solidariedade
familiar adquirem agora o formato de “uma interação limitada e precária” entre
apenas alguns membros da família (Pereira, 1994). Na ausência de outros suportes
sócio-institucionais e de renda suficiente com capacidade de gerar a autonomia
financeira do núcleo familiar40, constata-se a participação ativa das esposas e filhos
no mercado de trabalho e na renda doméstica, dividindo com o chefe as exigências
de reprodução da família, o que conduz a uma redefinição dos padrões de hierarquia
e sociabilidade.
Há que se considerar que se tais transformações recaem sobre as famílias de
modo geral, a exigir uma adequação em termos de estratégias de organização
domiciliar e sobretudo no que tange ao cuidado com os dependentes - crianças,
idosos, doentes, portadores de deficiência -, pense-se nos recursos e energias que
precisam mobilizar os indivíduos pertencentes aos segmentos mais pauperizados. A
análise detém-se em particular sobre o conjunto de desafios que se colocam às
famílias com crianças e adolescentes das classes trabalhadoras, em sua maioria em
condição de pobreza.
A definição de pobreza é alvo de acirrados debates no cenário nacional e
também internacional. Duas posições majoritárias envolvem uma abordagem da
pobreza como absoluta e outra como relativa. A primeira refere-se ao mínimo que o
ser humano precisa para sobreviver, e conta como medição mais usual a da renda e o
conceito de necessidades básicas (Rowtree). Já a segunda baseia-se na posição de
uma pessoa ou família em comparação com as outras da comunidade, conforme
padrão considerado necessário para viver numa determinada sociedade (Atkinson)41.
 
40 Hoje no Brasil, há um debate caloroso em torno de propostas de implementação de programas de renda
mínima, algumas sob a forma de projetos de lei em andamento no Senado, outras como experiências municipais,
a exemplo de Campinas/SP. Conferir Sposati et alii., 1997; e Ferreira, 1999.
41 Estas posições estão presentes no Observatório da Cidadania - Monitorando o Desenvolvimento ( Bissio et
alii., 1997).Trata-se de uma iniciativa consolidada em publicação, a qual faz parte da rede Social Watch, que
(In)visibilidade Perversa Mione Apolinario Sales
61
Alguns dos limites da mensuração absoluta são apanhados por Lessa, Salm,
Tavares e Dain (1997), os quais questionam dados fornecidos tanto pelo IBGE
quanto pelo IPEA. Numa discussão sobre a interface da política social com a
economia, falam de uma certa generalização e conseqüente superficialidade
permitida pelo coeficiente de renda, computado como renda familiar per capita, em
função do não cruzamento deste com dados significativos pertinentes à realidade da
família: redução do tamanho das famílias brasileiras e incorporação de um número
crescente de membros da família no mercado de trabalho (Lessa et alii., 1997).
À guisa de ilustração, identifica-se numa leitura de dados sobre a relação
entre família e rendimento efetivada por Ribeiro et alii. (1994) elementos que vão em
apoio ao argumento acima. Senão veja-se: elas sinalizam que a pobreza familiar
diminuiu no período 1981/1990, mas devido ao ingresso de maior número de
membros da família - mulheres cônjuges e filhos com dezoito anos ou mais - no
mercado de trabalho (formal ou informalizado), uma vez que a distribuição da renda
pessoal piorou consideravelmente na década.À primeira vista, o dado diminuição da
pobreza parece indicar uma melhoria das condições de vida. No entanto, ao se
indagar mais profundamente sobre ele, descobre-se que, para assegurar a
sobrevivência do núcleo familiar ou para mantê-lo num determinado patamar, se
exigiu a entrada de mais membros da família no mercado de trabalho.
Vê-se, então, quão complexa é a tarefa de mensurar a pobreza42. Chamam
atenção, assim, os esforços para comprovar a diminuição desta sob a égide do Plano
Real - 1994/97 (Rocha, 1996). A título de ponderação sobre o impacto real deste
último e da inclusão social por ele operada, Cohn, discorrendo sobre “Pobreza,
Desigualdade e Políticas Sociais”43 (1997), introduz um elemento bem interessante.
Ela diz que o enfoque da pobreza presente na agenda pública visa ao seu alívio e não
à sua superação, na medida em que não contempla o enfrentamento das
 
reúne ONGs do mundo inteiro, com o objetivo de monitorar e tentar assegurar os compromissos firmados em
eventos como a Cúpula Mundial de Desenvolvimento Social (Copenhague, 1995), a IV Conferência sobre a
Mulher (Pequim, 1996), a Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento (Cairo, 1994) etc. No
Brasil, participam dessa iniciativa, o CEDEC (Centro de Estudos de Cultura Contemporânea), o IBASE, a FASE
(Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional), o INESC (Instituto de Estudos Socioeconômicos),
o SOS-CORPO - Gênero e Cidadania e a Rede Dawn (Rede Alternativas de Desenvolvimento com Mulheres para
uma Nova Era).
42 Uma contribuição crítica a esse debate pode ser encontrada em Carvalho (1997). Segundo ele, “ o Brasil não
tem uma definição uniforme, oficialmente regulamentada, de pobre, de indigente e de miserável, embora várias
ações do Estado dependam dela”.
43 Referimo-nos aqui à palestra que proferiu durante o Seminário “Observatório da Cidadania” (RJ, julho/97).
(In)visibilidade Perversa Mione Apolinario Sales
62
desigualdades - por exemplo de gênero, raciais e regionais. E acrescenta ainda que o
fator renda isolado não permite ascensão ou mobilidade social. Neste caso, diminui o
número de pobres, mas não a desigualdade.
Semelhante balanço foi realizado por Lessa et alii., quando dizem que “o
crescimento econômico por si só não tem redundado em diminuição dos níveis de
pobreza” (1997:03). Segundo eles, bem se vêem os limites do enfoque da pobreza
defendido pelas agências governamentais: “(...) achar, por exemplo, que com um
quarto, meio ou até um salário mínimo (...) o pobre poderá atender ‘suas
necessidades básicas no âmbito do consumo privado’ é, no mínimo, de uma total
‘frieza estatística’ ” (1997:13).
Para se ter uma noção das variáveis implicadas na mensuração da pobreza,
com recomendações claras para a produção e adoção de políticas públicas, e da
extensão das necessidades básicas dos indivíduos, vale resgatar as referências
propostas por Desai. Na sua opinião, são consideradas como básicas e necessárias
aos indivíduos e suas famílias as seguintes capacidades: “a) a capacidade de
permanecer vivo/gozar de uma vida longa; b) a capacidade de assegurar a
reprodução intergeracional; c) a capacidade de levar uma vida saudável; d) a
capacidade de interação social; e e) a capacidade de ter conhecimento e liberdade
de expressão e de pensamento”(Apud Bissio,1997:17).
A delimitação da linha de pobreza, por sua vez, é estabelecida, conforme os
parâmetros internacionais44. Para Lessa et alii., “ esta linha de pobreza é o aspecto
mais controvertido na mensuração da pobreza absoluta” (1997:13). Isto se deve à
maleabilidade no estabelecimento dessa linha divisória entre pobres e não-pobres, o
que necessariamente conduz a resultados diferenciados quanto à melhora ou piora da
pobreza. Na verdade, sabe-se que o capitalismo teve que lidar com limites histórico-
morais, no que refere à determinação do valor da força de trabalho. Dessa forma, é
correta a afirmação de Carvalho, ao perceber o caráter arbitrário dessa mensuração,
quando diz que “a questão do que é necessário à vida, no capitalismo, é uma
 
44 A Linha de Pobreza é calculada da seguinte maneira: após definição da cesta alimentar básica, seguida do
cálculo do seu custo, divide-se a proporção de gastos realizados com alimentação no total do custo das
necessidades básicas, que se pode obter entre os mais pobres nos estratos médios ou no estrato de referência.
Integram este cálculo as seguintes necessidades: alimentação; vestuário, calçados e cuidados pessoais; higiene das
pessoas e do domicílio; transporte e comunicações básicas; gastos privados em serviços de moradia; e gastos
privados em saúde e educação.
(In)visibilidade Perversa Mione Apolinario Sales
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‘variável dependente’ do que se considera o mínimo para a reprodução da força de
trabalho como mercadoria útil ao capital” (1997:58).
Sugerem Lessa et alii., por fim, que o patamar de pobreza em questão,
quando restrito ao consumo da cesta básica de alimentos, corresponde em verdade à
linha de indigência. Cabe ir aos dados disponíveis na literatura consultada.
Para contribuir com a visualização e compreensão da pobreza brasileira,
cabe citar, antes de tudo, pesquisa de 1994 sobre as “Condições de Vida da Grande
São Paulo”45, realizada pela Fundação SEADE 46. A pesquisa considera muito pobres
aqueles que não dispõem de rendimento para adquirir cesta básica alimentar estimada
em aproximadamente _ salário mínimo-SM por pessoa; já os pobres dispõem de
renda para satisfazer custos de alimentação, mas não conseguem cobrir gastos com
cesta de bens e serviços que somariam aproximadamente 1,4 SM por pessoa; e os
não-pobres têm renda per capita suficiente (ou maior) para cobrir gastos com cesta
alimentar e de bens e serviços. Após entrevistar um universo amostral de 3.600
famílias, a pesquisa concluiu que 2,3 milhões de pessoas viviam na Grande São
Paulo em condição de pobreza absoluta, o que significa que muitos dos pertencentes
a este grupo não tinham emprego, não iam à escola e não podiam comprar cesta
básica. O percentual de famílias miseráveis, no intervalo de 1990 a 1994, cresceu de
11,3% para 14,5%. Em suma, do total de 4,45 milhões de famílias da Grande São
Paulo, 640 mil ou 14,5% delas viviam em situação de miséria. Somando-se em
números absolutos os pobres com os muito pobres, chegava-se a 2,08 milhões de
famílias ou 7,7 milhões de pessoas (Biancarelli, 1995).
Refeita em 1998, esta pesquisa, agora ainda mais abrangente, porque cobriu
4.500 domicílios47, constatou um aumento do valor real da renda familiar entre 1994
e 1998, na Região Metropolitana de São Paulo (uma ampliação da ordem de 20% da
renda familiar total e de 32% da renda familiar per capita), e concluiu também que a
 
45 A utilização de indicadores paulistas quase nos dispensa de justificativas, mas vamos a elas: 1) relevância
sócio-econômica da maior metrópole brasileira; 2) elemento de contraste e/ou confirmação para os dados do
Brasil; e por fim, 3) São Paulo foi o locus das rebeliões da FEBEM, analisadas no capítulo 3 desta tese.
46 Instituição estadual paulista dedicada à produção e análise de dados.
47Além disso, a Fundação SEADE, procurando contribuir com a produção sistemática de informações, para além
dos Censos Demográficos (IBGE), ampliou o espectro da Pesquisa de Condições de Vida, que já cobria a Região
Metropolitana de São Paulo,para o interior do estado: caso dos municípios com população acima de 50.000
habitantes. A despeito de suas inovações, houve o cuidado de garantir a comparabilidade temporal de seus
indicadores mais importantes.
(In)visibilidade Perversa Mione Apolinario Sales
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desigualdade na sua distribuição agravou-se no período. Segundo o Relatório da
PCV,
“em 1998, na RMSP, os 5% de famílias mais ricas auferiam rendimento total pelo
menos 45 vezes maior que os 5% de famílias mais pobres. (...) (Ademais), a parcela
apropriada pelos 5% de famílias mais ricas passou de 23% para 25%, entre 1994 e
1998, nesta região”.
Concorreu para o agravamento desse quadro distributivo o aumento das taxas
de desemprego nesses quatro anos, e também a maior concentração de renda nos
estratos mais ricos da população ocupada – supostamente os mesmos que detêm
rendimentos patrimoniais e financeiros48. Como um dos paradoxos desse tipo de
mensuração sócio-econômica, conforme discutimos acima, os dados levantados
sugerem ter havido uma diminuição significativa da intensidade de pobreza no
período, em razão: a) da elevação do valor real dos rendimentos do trabalho e dos
benefícios pagos pela previdência social49; b) além do aumento da contribuição dos
cônjuges e de outros rendimentos na composição da renda familiar. Donde se pode
concluir que, apesar do relativo aumento da renda, a situação das famílias não sofreu
alterações significativas em relação a 1994, tendo até mesmo se agravado.
Esse quadro de leve, mas controversa, melhora da situação de pobreza pode
ainda ser ilustrado através da análise comparativa da consolidação de informações
que serviram de base para o “Relatório Nacional Brasileiro para a Cúpula Mundial
para o Desenvolvimento Social50” (Copenhague/1995) e, mais tarde, para o
documento “Copenhague + 5”. Os primeiros dados apontavam que, de um total
aproximado de 40% de domicílios pobres urbanos, 12% destes eram alvo de uma
pobreza estrutural ou indigência (16,6 milhões de pessoas), 21% seriam os pobres
mais recentes, e 6% pobres com necessidades básicas insatisfeitas51. Vale dizer
também que 41% dos domicílios pobres possuíam renda mensal de até 1 salário
mínimo. Já no documento “Copenhague + 5” (2000), no qual o Governo Federal
 
48 Esta constitui uma tese polêmica, como veremos logo a seguir.
49 Vale registrar que somente a partir dessa PCV é que se passou a contabilizar a renda oriunda dos benefícios da
Previdência Social.
50 Fonte: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio de 1990.
51NBIs: Método que identifica domicílios e/ou pessoas pobres, de acordo com o grau de satisfação de
necessidades, tais como serviços de água e drenagem, nível educacional dos adultos e de assistência escolar a
crianças e adolescentes, eletricidade, moradia, mobiliário e equipamento do domicílio, e tempo de lazer.
(In)visibilidade Perversa Mione Apolinario Sales
65
efetuou um balanço do compromisso brasileiro de “erradicação da pobreza e combate
à exclusão”, assumido em 1995, consta a seguinte avaliação:
“Por conta da estabilização dos preços, o número de pobres diminuiu de forma
expressiva nesta década. Em 1990, 43,8% da população total do Brasil eram
pobres (63,1 milhões de pessoas), contingente que diminuiu para cerca de 32,7%,
em 1998 (50,1 milhões de pessoas). Nesse período, portanto, 13 milhões de
pessoas ultrapassaram a linha de pobreza52 e se integraram à sociedade (sic!).
A situação dramática da indigência também foi mitigada. Em 1990, 21,3% dos
brasileiros (32,6 milhões de pessoas) eram indigentes – pouco mais de um em
cada cinco. Em 1998, o contingente de indigentes diminuiu para 13,9% da
população – 23,1 milhões de pessoas ou um em cada sete brasileiros. Significa
dizer que, em oito anos, 9,5 milhões de pessoas foram resgatadas da pobreza
absoluta”.
[Grifo nosso. Fonte: https://www.presidencia.gov.br/]
Avaliação que não é consensual, seja em razão do ufanismo relativo às
benesses do Plano Real53, seja quanto ao método da focalização54 empregado
largamente nas ações sociais de combate à miséria e à pobreza do governo Federal na
era FHC, pelo Programa Comunidade Solidária e pelo Ministério da Assistência
Social (Pereira, 2003). Há quem fale, inclusive, em aumento da pobreza, no período
de 1995/99 ( Del Grossi et alii, 2001), na casa de 9,324 milhões de famílias,
principalmente nas regiões metropolitanas, em razão justamente dos efeitos desse
Plano, o qual teria provocado o aumento do desemprego, da ordem de 9%, em 1999:
dado confirmado pelo IBGE55 e pela Fundação SEADE56.
 
52 Uma outra forma de contabilizar a linha de pobreza, adotada pelo Banco Mundial, é a partir do gasto de U$ 2
per capita/ por dia, valor que cobre apenas relativamente os recursos necessários à reprodução do ser humano. A
linha de indigência seria definida pelo valor de U$ 1 / dia.
53 Neste sentido, fica patente no documento governamental a redução da cidadania à esfera do consumo.
Cidadão, pois, para os neoliberais, é o consumidor, cujo poder de compra resgatado permite a ele, sem outras
mediações e políticas públicas afins, se (re)integrar na sociedade, ou melhor, no mercado.
54 A principal crítica a esse método diz respeito à sua estratégia de focalização na pobreza extrema e ao caráter
das suas ações sob a forma de projetos isolados e descontínuos, ferindo ambos o princípio da universalidade da
assistência social como política pública, definido pela Lei Orgânica da Assistência Social (Lei 8.742/93). Logo, o
governo anterior, em seus oito anos de gestão do social, contribuiu para uma ainda maior desarticulação entre as
políticas sociais e a política econômica, deixando excluídos do acesso aos benefícios e serviços outros tantos
segmentos sociais pobres e vulneráveis, que não estavam exatamente na indigência ou miséria absoluta. Ver
ainda Martins (2003).
55 É polêmica também a forma de mensuração do desemprego no Brasil pelo IBGE, o índice desse instituto só
considera desempregados os que procuraram vaga nos 30 dias anteriores à resposta ao questionário. A pesquisa
fica restrita também apenas às seis maiores regiões metropolitanas. Quem teve alguma ocupação precária na
semana anterior à pesquisa, por exemplo, não é contado como desempregado. O DIEESE, por sua vez, amplia
esse universo e inclui os que procuraram trabalho nos 12 meses anteriores à pesquisa, mais os que participaram
(In)visibilidade Perversa Mione Apolinario Sales
66
Mais do que um problema metodológico – focalização – ou mesmo
relacionado ao recuo das políticas sociais no Governo Fernando Henrique Cardoso,
trata-se de uma situação que extrapola o cenário nacional e o momento atual.
Remonta ao processo de reestruturação produtiva desencadeado nos países de
capitalismo central no início dos anos 70 e cujo impacto vai ser sentido, de forma
dramática, nas décadas de 80 e 90, pelos países latino-americanos, dentre eles, o
Brasil. Os ajustes neoliberais – privatizações, desregulamentação, flexibilização,
austeridade fiscal, etc. – vão, assim, deparar, nessa latitude, com uma base social
inteiramente distinta da Europa e Estados Unidos para a aplicação desse modelo,
uma vez que aqui nunca houve pleno emprego nem Estado de Bem-Estar Social, no
sentido estrito, e a previdência deu cobertura historicamente apenas a algumas
categorias de trabalhadores. A cidadania no Brasil permaneceu, pois, restrita, ou
escassa, segundo a terminologia que vimos utilizando ao longo deste capítulo. Até a
Constituiçãode 1988, o quadro político-legal será de vazio quanto a direitos
universalmente extensivos ao conjunto da população. Os novos processos sociais e
econômicos, portanto, vão, segundo Maricato (2000), aprofundar ainda mais “a
desigualdade numa sociedade historicamente e tradicionalmente desigual” (p.7).
Houve, assim, em decorrência da adoção do modelo neoliberal no Brasil e em várias
partes do mundo, nas décadas de 80 e 90 (esta última também considerada “perdida”
pela autora), o aumento da concentração de renda, o desemprego, as relações
informais de trabalho e a pobreza nas áreas urbanas.
O então governo federal, no entanto, sabia, pelo menos, estabelecer bem a
diferença entre as variações conjunturais da pobreza, relacionadas a uma política
econômica e monetária, e o quadro mais persistente de desigualdade social, citado no
mesmo documento, em que se lê: “Todavia, pouco se alterou o quadro da
concentração de renda, problema crucial em qualquer estratégia de combate à
pobreza e de promoção da integração social, no Brasil” (Idem., “Copenhague + 5”).
Dados mais recentes da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicilio -
PNAD (IBGE/2003) mostram, também nessa direção, que houve no Brasil, na última
 
apenas de atividade precária ou não remunerada. Para o DIEESE, o desemprego está em 19% na região
metropolitana de São Paulo. Já o IBGE aponta a média de 12,3% em 2003 (Benayon, s/d).
56 Dado que se torna preocupante quando se sabe que a cada dois desempregados no Brasil, um tem menos de 25
anos de idade. Acrescente-se que 4 milhões de jovens declaram não estudar, não trabalhar e não procurar
emprego (IPEA, 2003).
(In)visibilidade Perversa Mione Apolinario Sales
67
década, alguns avanços no desenvolvimento humano57, muito embora seguido da
manutenção de taxas contrastantes, como a da queda do rendimento e o aumento da
desocupação. Constitui, porém, aquele um resultado lento, referido sobretudo à
redução do analfabetismo e à melhoria do acesso à educação básica58, além do
importante avanço na luta contra a mortalidade infantil59 (Behring, 2003).
Vale a pena, pois, ponderar o fato de que temos um país tecnologicamente
moderno60, mas que convive com uma situação de pobreza e miséria enorme,
sobretudo nas áreas urbanas61. Trata-se, portanto, de uma realidade paradoxal, em
que um pequeno estrato da população brasileira usufrui de níveis de desenvolvimento
econômico-social típicos de Primeiro Mundo, enquanto a grande maioria tem padrão
de país de Terceiro Mundo. Não obstante, cumpre também estar atento aos rumos do
capitalismo, na medida em que surge toda uma gama nova de necessidades e
exigências sociais, econômicas e culturais. Neste sentido, a preocupação agora passa
a ser, dentre outras, com a questão da exclusão digital, que remete, de um lado, à
gravidade do problema educacional, e de outro à juventude e suas chances de
 
[http://64.29.218.115/?pobreza_fatos].
57 Eis aqui algumas referências em termos de mensuração do desenvolvimento humano . Na primeira delas, o
Brasil aparece em 39º lugar em um ranking de 111 países sobre qualidade de vida, publicado na revista britânica
The Economist. Para elaborar o índice foram utilizados fatores que vão da renda per capita à saúde da população,
passando pela liberdade, o desemprego, a vida em família, o clima, a estabilidade política, a segurança e a
igualdade entre os sexos. Na segunda, o Brasil - 15ª economia mundial, dono da 31ª maior renda per capita do
planeta - ocupa a 109ª posição pelo IES - Índice de Exclusão Social (Cf. Atlas da Exclusão Social, estudo
produzido por pesquisadores paulistas). O estudo parte de dados oficiais e traça um perfil da pobreza, da
desigualdade e da concentração de renda. Foram pesquisados 175 países e, diferentemente do IDH (Índice de
Desenvolvimento Humano) que reúne indicadores de renda per capita, saúde e educação formal, o IES identificou
variáveis como a desigualdade de renda, o desemprego aberto, a vulnerabilidade infantil e a violência.
[http://www.care.org.br/?pobreza_fatos]. O Brasil ocupa ainda o 65º lugar no Índice de Desenvolvimento
Humano (IDH), das Nações Unidas.
58 Alguns dados sobre educação, segundo o Censo 2000 (1BGE): em 91, eram 79,5% de crianças de 7 a 14 anos
na escola. Em 2000, no Brasil, esse numero saltou para 94,9%. Agora quanto às crianças que estão na faixa da
pré-escola apenas 33,8 de cada 100 estão freqüentando alguma instituição educativa (creche ou escola), sendo
ainda mais baixo o percentual entre 0 e 3 anos, com 11,6%. Outro problema importante, considerado um desafio
para a educação, são os analfabetos funcionais, aqueles que têm até três anos de estudo. Eles correspondem a
quase um terço da população com mais de 10 anos, o que equivale a 31,2% dos brasileiros. Quanto aos
analfabetos, em 1991, eles compreendiam 20,1% da população de 15 anos ou mais. Em 2000, essa taxa era de
13,5%, ou seja, houve uma redução em um terço da taxa de analfabetismo em uma década.
59 Em dez anos, a mortalidade infantil caiu 38%, passando de 48 mortes de bebês por mil nascidos vivos para
29,6/1000.
60 Muitos balanços acerca do impacto do neoliberalismo indicam, no entanto, um quadro de destruição não
criadora (Tavares,1999), isto é, do patrimônio acumulado em quase um século de esforço industrial e
desenvolvimentista. Modernidade que é, talvez, até por isso, muito mais uma expressão dos investimentos feitos
no passado, dada a amarga constatação mesmo no atual governo Lula de que é pífio o investimento produtivo do
Estado.
61 O ministro das Cidades (Governo Lula), Olívio Dutra, qualifica esse fenômeno como urbanização da pobreza .
Ele declarou durante o II Fórum Mundial Urbano (Barcelona, 2004) que cerca de 15 milhões de brasileiros não
têm moradia e 83 milhões não contam com água potável em casa. Para superar esse quadro, seria necessário um
investimento de US$ 6,6 bilhões por ano até 2020.
(In)visibilidade Perversa Mione Apolinario Sales
68
inserção social. Assim, se devemos comemorar a diminuição dos índices de
indigência e pobreza ao longo da década passada, segundo os órgãos oficiais, por
outro lado há que se ter a noção de que os objetivos de desenvolvimento humano
nesse meio tempo se complexificaram ainda mais, face ao atual estágio das forças
produtivas. Isto significa que se há algo a comemorar, há muito também a lamentar
em termos, por exemplo, do que foi a década de 80, considerada “década perdida”.
Por isso, diante das restrições fiscais alegadas por sucessivos governos nos anos 90,
costuma haver um impasse muito grande com relação ao caminho que se quer e o
que se pode trilhar. Ou não. O caminho escolhido por FHC foi o da contra-reforma
(Behring, 2003), isto é, o da desestruturação do Estado, da perda e restrição de
direitos sociais, da flexibilização e das privatizações.
Vejamos, então, qual foi, de fato, o saldo da década de 90. De 1993 a 2003
(PNAD 2003), os 10% dos ocupados com os maiores rendimentos, que detinham
quase metade do total das remunerações (49,0%) em 1993, passaram, em 2003, a
deter 45,3% do total. No outro extremo, os 10% dos trabalhadores com os menores
rendimentos, que ficavam com 0,7% do total das remunerações, passaram a receber
1,0% do total de todos os rendimentos, em 2003. Houve uma leve diminuição da
concentração da renda, mas continua muito grande a distância entre os 10%mais
abastados e os 40% mais pobres.
Diante, pois, do dado de que, de 1999 para 2000, o percentual da população
ocupada que ganha mais de 20 salários mínimos caiu de 2,0 % para 1,4 % do
universo considerado, cabe registrar a crítica de Durão (2003) ao caráter falacioso
desse tipo de indicador da desigualdade social:
 “Para essa espécie de crítica da desigualdade social, é preciso que os dados sobre
o perfil da concentração de renda sejam sempre construídos com base nas
desigualdades de renda entre as diferentes camadas da população ocupada,
considerando-se exclusivamente a renda do trabalho e esquecendo-se a renda do
capital. (...) Esse foco nas desigualdades entre os rendimentos dos trabalhadores faz
parte da estratégia inaugurada por Collor e FHC - e, infelizmente, em pleno vigor
nos dias de hoje - que consiste em jogar a grande maioria excluída ou pobre da
população brasileira contra a classe média, nela incluídos - para os fins dessa
retórica falsamente distributiva - quaisquer trabalhadores um pouco menos mal
remunerados”.
(In)visibilidade Perversa Mione Apolinario Sales
69
Na verdade, na última década, os trabalhadores perderam espaço na
economia. De toda a riqueza produzida em 1992, por exemplo, 44% era transformada
em salários e remunerações, mas em 2002 o percentual relativo à renda do trabalho
caiu para 36% do PIB (produto interno bruto): uma queda de 18%. Em contrapartida
- condizente com o modelo econômico em que predominam grandes empresas
transnacionais, num cenário de financeirização da economia -, os bancos e o capital
financeiro em geral tiveram lucros exorbitantes. Segundo Durão (2003), eles, sim,
têm sido os principais beneficiários do processo de concentração de renda no Brasil,
em detrimento, inclusive, do capital produtivo.
Na falta de um contraste sócio-econômico correto nas pesquisas oficiais, é
possível, pelo menos, visualizar o montante da pobreza brasileira por um outro
ângulo, com base ainda nos dados do IBGE (2002). Eles apontam que _ dos
trabalhadores, isto é, da população ocupada, algo em torno de 24,4%, recebiam, no
ano acima referido, até 1SM. Se acrescermos esse número de todos aqueles que
recebem alguma renda (aposentadoria, pensões, etc.) nessa mesma faixa de ganhos,
isto perfaz um total de 33,6% da população brasileira que ganha até 1 SM. Num
universo de 176 milhões de habitantes, em números absolutos, há, portanto, no país
em torno de 56,9 milhões de pobres (IPEA, 2003). Na situação de extrema pobreza
ou indigência, são 24,7 milhões de brasileiros (14,6%)62.
Embora a população brasileira esteja mais educada e possua domicílios com
mais infra-estrutura, é ainda muito pobre, conformando um amplo segmento que é
obrigado a residir em favelas, loteamentos periféricos ou terras agrícolas
improdutivas - áreas de risco para a vida e para a saúde. Nessas condições, os mais
vulneráveis são as crianças e jovens de 0 a 17 anos, dependentes de famílias com
renda mensal de até _ SM per capita (Minayo, 1993a). Vale ainda dizer que o Brasil
apresentou intenso processo de urbanização, especialmente na segunda metade do
século XX. No final do século XIX, apenas 10% da população moravam nas cidades.
Em 1940, a população urbana era de 26,3% do total, e em 2000 ela já era de 81,2%.
Dito de outra maneira: em 1940, a população que residia nas cidades era de 18,8
 
62 Segundo o IPEA (1993), o universo de pobres é composto principalmente por: a) crianças (mais de 50% das
crianças com até 2 anos de idade são pobres); b) afrodescendentes (representam 45% da população total, mas
63% dos pobres e 70% dos indigentes); c) nordestinos ou moradores das regiões metropolitanas do Sudeste; d)
membros de famílias chefiadas por adultos de baixa escolaridade; e e) membros de famílias chefiadas por
trabalhadores autônomos ou por empregados sem carteira assinada. [http://64.29.218.115/?pobreza_fatos].
(In)visibilidade Perversa Mione Apolinario Sales
70
milhões de habitantes, e em 2000 ela era de aproximadamente 138 milhões. Em
particular, nas décadas de 80 e 90, a pobreza torna-se eminentemente urbana. Isto
fica ainda mais patente quando se sabe que, nos anos 90, “as periferias das
metrópoles cresceram mais do que os núcleos centrais”, significando um aumento
relativo das regiões pobres (Maricato, 2000).
A maior parte dos domicílios brasileiros, portanto, está localizada em áreas
urbanas e um terço deles se encontra abaixo da linha de pobreza: algo em torno de
11,2 milhões de famílias63 (Cf. site do Ministério do Desenvolvimento Social e
Combate à Fome, 2004). Entre tais unidades domiciliares sobressaem aquelas
compostas por mulheres com filhos e sem cônjuge. Em 1998, por exemplo, 45,2%
delas viviam sem rendimentos ou com menos de um salário mínimo (Berquó, 2002).
Há desigualdades também por cor na estrutura das famílias e trajetórias de
vida familiar das mulheres. A maior proporção de famílias monoparentais em 1989
era entre as mulheres negras (21%) comparadas com as pardas (18%) e com as
brancas (14%). Além disso, tem-se, numa síntese das principais desigualdades
sociais, como se observou acima, que as maiores chances de serem pobres ou
indigentes estão nos domicílios com as populações pardas e pretas, casais jovens
com filhos, idosos e os residentes em domicílios plurifamiliares, sobretudo mulheres
jovens, sem cônjuge e com filhos (Goldani, 1994).
Como se pode ver, a família atravessa uma crise enquanto instituição no
cenário mundial, mas certamente, como atestam os indicadores apresentados, são as
famílias dos segmentos mais pauperizados das classes trabalhadoras as que sofrem os
maiores impactos sócio-econômicos. Este fato é testemunhado pela própria imprensa,
quando dá voz aos institutos de estatística: “Na base da pirâmide, a família que
ganha pouco lança mão de todos os artifícios de que dispõe para manter o mínimo
de qualidade de vida” (Filho, 1993:28).
Desses esforços de manutenção do grupo familiar participam, cada vez mais,
crianças e adolescentes, ingressando precocemente no mercado de trabalho. Agora
com um instrumental mais afinado ao levantamento das reais condições de existência
 
63 Número calculado com base numa média de 4,7 pessoas por família, correspondente ao percentual típico dessa
camada social. Por exemplo, em 99, uma família com renda per capita até 1/4 do salário mínimo tinha, em média,
5 pessoas (IBGE, 2001).
(In)visibilidade Perversa Mione Apolinario Sales
71
da infância no país64, o IBGE conseguiu identificar, na PNAD 2002, que temos 5,4
milhões de crianças e adolescentes de 5 a 17 anos trabalhando: 12,6% dos 43,3
milhões de pessoas nessa faixa de idade. Dos ocupados, 5,2% tinham de 5 a 9 anos,
49,8% tinham de 10 a 15 anos e 45,1%, 16 ou 17 anos. Cerca de 42% deles vivem no
Nordeste. Concluiu ainda que no Brasil, em 16,5% das famílias com membros de 5 a
17 anos, há pelo menos uma criança ou adolescente que trabalha. Segundo a “Síntese
de Indicadores Sociais” do IBGE (2002), portanto, a condição de pobreza atinge a
maior parte das crianças de 5 a 17 anos de idade ocupadas no país: 23,2% delas
pertencem a famílias do estrato de mais baixa renda (com rendimento familiar
mensal de até _ de salário mínimo por pessoa). No Nordeste, 40,1% das crianças
ocupadas pertencem a esse estrato de renda.
O pior de todo este sacrifício da infância brasileira - uma situação de
exploração que só perde para o Paraguai e Haiti - é que ele,se ameniza parcialmente
as dificuldades de subsistência do grupo doméstico, em particular as de alimentação,
reproduz as desigualdades, ao privar da escola um terço desse exército de pequenos
trabalhadores.
Esta moldura se completa quando se sabe que, em média, _ da população
infanto-juvenil, por volta de 15 milhões de crianças e adolescentes, pertencem a
famílias indigentes - aquelas que contam com menos de _ do salário mínimo (IPEA,
1993). Cabe registrar que 25% desse universo de brasileiros indigentes com menos
de 18 anos encontram-se em famílias chefiadas por mulheres. Portanto, não causa
estranheza que, no Brasil, 22% dos filhos das trabalhadoras fiquem sozinhos no
horário do expediente (CCDH/AL-RS, 1995). Pobreza e trabalho infantil precoce
são, assim, expressões do mesmo drama social.
Mais uma vez, é preciso lembrar que essas estratégias-armadilhas - uma
encruzilhada de vida e morte para os membros da família -, não são fruto do puro
acaso ou livre arbítrio sem compaixão de pais e mães. A crise social, contra qualquer
resistência político-econômica e moral conservadora, é causada pela pobreza e não
pela irresponsabilidade dos pais. Decorrem, assim, aquelas das múltiplas pressões
sociais e econômicas sobre o núcleo doméstico, o qual produz respostas objetivas e
 
64 A situação de crianças de 5 e 7 anos trabalhando já vinha sendo apontada por vários estudos e pesquisas sobre
o trabalho infantil no Brasil (Martins, 1993; Diniz, 1994; Husak e Azevedo, 1994; e Rizzini et alii., 1996).
(In)visibilidade Perversa Mione Apolinario Sales
72
subjetivas. Algumas das principais razões que subjazem a estas pressões sobre a
família no Brasil são, na opinião de Ribeiro et alii.:
[Primeiro] o aprofundamento da situação de pobreza, decorrente da crise
econômica pela qual vem passando a sociedade brasileira contribuiu para a
não manutenção do padrão tradicional [de família]. [Depois], o fato de o
homem adulto ter sido o mais afetado pelo desemprego nessa década [de 80],
por exemplo, trouxe consigo enormes dificuldades para o desempenho do seu
papel de provedor do grupo familiar (1994:137).
Complementam Ribeiro et alii.: “Na falta de uma outra pessoa adulta, exigia-
se maior esforço por parte da mulher e dos filhos, que se engajavam desde muito
cedo na luta pela sobrevivência” (1994:154). Sabe-se que são muitos os obstáculos
para a inserção da mulher no mercado de trabalho regular, como a exigência de
participação em tempo integral, sendo quase nulas as contrapartidas dos patrões e do
Estado em oferecer suporte ao cuidado com as crianças pequenas. Deste modo, as
“escolhas” feitas pelas mulheres mães de família repercutem fortemente sobre a
educação das crianças (Ribeiro et alii., 1994).
Diante dos indicadores sócio-econômicos apresentados, cabe a pergunta de
Coontz: “quando a família é o único lugar onde se espera que o compromisso e o
altruísmo prevaleçam, o que impedirá as pessoas de abandonarem este fardo pela
liberdade da obrigação que existe em todos os outros lugares? ”(1995:19). Este é
certamente um dos componentes que permeiam as escolhas de crianças e
adolescentes no Brasil em seu trajeto de casa para a rua. Esse segmento social, aliás,
ilustra com bastante clareza todas estas tensões quanto à inversão de valores,
obrigações e autoridade dos mais velhos sobre os mais jovens - situação que, em
muitos aspectos, foi arruinada ou minada por fatores externos à família, como a
pobreza, o desemprego e o subemprego.
A reprodução social dos indivíduos em face de tantos dados que falam de
vidas ameaçadas e de sofrimento real, portanto, não deve ser vista como algo
estritamente privado, mas sim como uma pauta central da esfera pública (Coontz,
1995). No tocante à relação do Estado com a família hoje no Brasil, são válidas as
apreensões de Goldani: A incapacidade do sistema para satisfazer as demandas da
população (...) e a ênfase no modelo neoliberal, favorecendo as iniciativas pessoais
e privadas, aparecem como o pano de fundo de uma tendência crescente de
(In)visibilidade Perversa Mione Apolinario Sales
73
transferência de responsabilidades do Estado (...) para a comunidade e a família
(1994:8).
No cerne das inquietações aqui formuladas, porém, estão as crianças e
adolescentes como alvos de uma ou outra direção social, um ou outro programa de
política social. Em meio à falta de proposta e vazio ético do neoliberalismo, marcado
pelo “horror econômico”, ficam registrados neste começo de novo século os riscos
que continuam a pairar sobre a juventude, principalmente a pobre. De acordo com
Forrester: É aí, nesse vazio, nessa vacância sem fim que destinos são aprisionados e
desagregados, é aí que se afogam energias, que se anulam trajetórias (...) À
pergunta: ‘Como você se vê daqui a dez anos?’, um deles respondeu: ‘Não me vejo
nem até o fim da semana’ (1997: 60).
Instado, ao mesmo tempo, pela sensibilidade e pela indignação, ante situações
de risco social e pessoal, e histórias de vida como estas, marcadas por violências e
violações de direitos, o movimento social de luta pelos direitos de crianças e
adolescentes vai, a partir dos anos 80, cumprir um papel singularíssimo de resgate
histórico-social da infância e juventude no Brasil. Serão inúmeras vozes, mãos e
projetos, do Oiapoque ao Chuí, visando a construir pontes emancipadoras entre o
passado e o presente, resignificando fatos, renomeando experiências e sujeitos.
Tarefa ousada de enfrentamento do discurso da ordem, principalmente para o
adolescente em conflito com a lei, aquele cuja herança de injustiça e cidadania
escassa brasileira diz que “não pode ter nome/só pode letra/não pode ter olhos/só
tarja preta”65, como parte do processo de representação social de suas condições e
modo de vida como metáforas da violência. Todo esse percurso e investimento
humano e sócio-político, como se sabe, materializaram-se no ECA, o qual, muito
mais que uma legislação, constitui uma política de aposta no presente e no futuro das
crianças e adolescentes de todo o país. Uma aposta na visibilidade como exercício da
liberdade e da cidadania. Um pouco dessa história é o que vai se contar agora.
 
65 Trecho da música “Batalha Naval” de Pedro Luís e Bianca Ramoneda.
(In)visibilidade Perversa Mione Apolinario Sales
74
1.4. Da (in)visibilidade perversa à cidadania da infância e adolescência
Como num caleidoscópio, vêem-se as imagens partidas da infância e
adolescência pobres do último século. Aparecem, em primeiro plano, os capoeiras,
dos terreiros da Tia Ciata, no Rio de Janeiro, ao Pelourinho, em Salvador,
eternizados literariamente nos capitães de areia (Amado, 1992). A referência
simbólica à terra fala de um Brasil agrário, e também se acha presente no pós-50 na
descoberta dos que vivem no morro, como os meninos vendedores de amendoim, de
uma metrópole que ardia a quarenta graus (Santos, 1955). Em ritmo acelerado e
iluminado por néons, surgem algum tempo depois novas figuras, já sem a mística da
malandragem e sua dialética (Cândido, 1991 e Da Matta, 1983). São os
“trombadinhas”, “pivetes”, “guris”, “mirins”, personagens anônimos de uma
sociedade urbanizada e modernizada - uma sociedade do asfalto -, muito bem
representados em seu universo de infância institucionalizada e violentada, em Pixote
(Babenco, 1980). Apresenta-se aqui esta terminologia exatamente porque ela se
refere àqueles sujeitos, cuja presençana cena pública e atitudes de desobediência
civil, dotada de grande impertinência no vestir, no falar, no andar em grupos, bandos
e galeras, chama e concentra a atenção da população até os dias de hoje, no que tange
à infância e adolescência das classes trabalhadoras. Diante deles, tornam-se
obscurecidos os órfãos, os abandonados assistidos oficialmente, as crianças e
adolescentes trabalhadores, enfim, toda ‘a criançada a se alimentar (apenas) de
luz’66 nos milhares de lares brasileiros.
Enxerga-se, pois, nessas múltiplas circunstâncias e modos de vida, a
persistência de problemas sociais seculares, que comportam situações de risco social
e pessoal que ameaçam milhões de crianças e adolescentes brasileiros. Não obstante,
a questão da infância e adolescência pobres no Brasil foi submetida historicamente a
um processo de jurisdicionalização e de associação sem mediações à área penal67,
desde fins do século XIX, ainda no nascedouro da República. Impõe-se como prática
e ideologia por intermédio da primeira legislação afim, o Código de Menores de
1927, conhecido como Código Mello Matos, e persiste na qualificação das condições
 
66 Cf. “Brejo da Cruz”, música de Chico Buarque.
(In)visibilidade Perversa Mione Apolinario Sales
75
de vida de crianças e adolescentes e de suas famílias na década de 70 como situação
irregular no Código de Menores de 1979. Mas o país foi, no trânsito dos anos 80,
pressionado a rever a sua visão e as políticas sociais dedicadas à infância e
adolescência. Esta pressão, primeiro externa, decorrerá do acúmulo e experiência de
vários países no terreno das medidas sócio-educativas (Adorno, 1993), e depois será
fruto de uma inédita organização da sociedade civil nessa área (Santos, 1992;
Carvalho e Pereira, 1993).
 Lá fora, desde o final da Segunda Guerra Mundial, sopraram ventos
tentativamente reanimadores do potencial civilizatório no Ocidente, por meio de
iniciativas formais de grande conteúdo e impacto ético-político, conforme a
Declaração dos Direitos do Homem de 1948. Tornou-se possível, então, assegurar
também através de uma normativa internacional uma proteção jurídico-política atenta
às especificidades do universo de pequenos seres humanos, isto é, as crianças. Surge,
assim, a Declaração dos Direitos da Criança (1959) e numa esteira histórica, teve-
se, em 1979, o Ano Internacional da Criança e uma década depois, firmou-se a
Convenção Internacional dos Direitos das Crianças e Adolescentes da ONU. O
caráter inovador desse documento repousa justamente onde ele rompe com o pacto
antes instaurado, mesmo após 1959, de reconhecimento da infância como uma
categoria diferenciada dos adultos, mas à custa da decretação de sua incapacidade
política, civil e jurídica. A Convenção rompe, assim, com as teses da incapacidade e
cidadania incompleta da criança.
Da diluição no mundo adulto antes da era moderna, quando transitavam
indistintamente entre as esferas pública e privada, isto é, entre a casa e a rua, à
descoberta da infância nos séculos XVI e XVII, e à completa submissão ao poderio
e controle dos adultos, na família, na escola, e demais instituições sociais desde então
(Ariès, 1973), as crianças ganharão pouco a pouco um novo estatuto jurídico e cívico
no século XX. Inaugura-se, pois, também para este segmento no Brasil, às vésperas
do novo milênio, uma era de direitos (Bobbio, 1992) e se delineia uma nova
concepção de infância e adolescência, agora, enfim, como sujeitos de direitos.
Essa concepção, com sua cultura política e ethos insurgente, começou a
permear os olhares políticos e acadêmicos sobre a criança brasileira no final da
 
67 As exceções ficam por conta de legislações afetas ao trabalho infanto-juvenil desde o século XIX, denotando
(In)visibilidade Perversa Mione Apolinario Sales
76
década de 70, tecendo-se uma nova sensibilidade e mentalidade acerca desses
pequenos cidadãos e da política e ação social a eles destinadas. Um terreno para o
qual convergiram historicamente iniciativas repressivas e filantrópicas (Mendez,
1993), imbuídas de valores que estigmatizavam a infância pobre. Contudo, no final
dos anos 70, a partir de uma crítica e denúncia da situação da infância e da
adolescência e do sistema de internação de menores68 no país, constituiu-se uma
militância em torno dos seus direitos, a qual se somou à causa dos exilados, presos
políticos, mulheres, dentre outros, compondo a agenda política da redemocratização.
Se, inicialmente, tais preocupações intelectuais e políticas recaíam sobre as
crianças e adolescentes inseridos no sistema FEBEM, porque alvos do mais absoluto
controle, ocultamento e violência institucionalizada (Bierrenbach et alii., 1987;
Herzer, 1984), diante da sua falência, assim como de uma série de outras políticas
praticadas na época da ditadura militar, e do crescimento exponencial da pobreza e
da miséria das famílias brasileiras, elas vão se voltar a posteriori para o fenômeno
social em ascensão dos meninos e meninas de rua. Já em 1985 nasce o Movimento
Nacional de Meninos e Meninas de Rua, uma ONG, que, junto com outras, vai
fundar o Fórum Nacional DCA, responsável pela mobilização no processo da
Constituinte em prol da garantia de emendas representativas dos direitos de crianças
e adolescentes (Carvalho e Pereira, 1993; e Boschi, 1994).
Fruto de todo este cadinho de mobilizações, questionamentos e redefinições,
inscrevem-se na Constituição de 1988 os artigos 227 e 228, cuja regulamentação dará
vida ao Estatuto da Criança e do Adolescente (lei 8.069/90), uma legislação que
institui, no Brasil, a cidadania da infância e as bases ético-políticas de uma profunda
transformação cultural. Tem-se a noção do tempo transcorrido e da demora em dar
tão importante passo histórico a partir do que sentencia Mendez: “A cidadania da
 
sempre e apenas preocupações com o controle social e o disciplinamento deste segmento (Alvim, 1994).
68 O sistema integrado da FUNABEM – Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor - e FEBEM- Fundação
Estadual do Bem-Estar do Menor – foi criado na década de 60, no contexto do regime militar, em substituição ao
SAM – Serviço de Assistência ao Menor, instituído em 1941, alvo de críticas pelos maus-tratos a crianças e
adolescentes. Aquele sistema funcionava sob a égide do Código de Menores (1927 e 1979) e só foi desmontado
após o ECA. Em seu lugar, surgiu a FCBIA – Fundação Centro Brasileiro para a Infância e Adolescência, em
1990, no Governo Collor, a qual se transformou posteriormente no atual Departamento da Criança e do
Adolescente do Ministério da Justiça. Ainda existem algumas unidades de internação de adolescentes que se
intitulam FEBEM – em São Paulo e Rio Grande do Sul, por exemplo -, mas estão submetidas ao Estatuto da
Criança e do Adolescente, muito embora não corporifiquem no cotidiano, de maneira desejável, nem os
princípios nem os direitos lá salvaguardados legalmente. Expressão disto são as constantes denúncias de
violações de direitos mais a ocorrência de rebeliões, em razão da não implementação adequada do sistema de
cumprimento das medidas sócio-educativas, sobretudo no que concerne ao regime de privação de liberdade.
(In)visibilidade PerversaMione Apolinario Sales
77
criança é a Revolução Francesa que chega à infância com 200 anos de atraso”
(1997:30).
Confirma-se, assim, a hipótese de Calderón e Jelin (1987) quanto à relevância
social da temática dos jovens na América Latina nos anos 80, combinada não só à
proliferação de estudos de casos de lutas, mas à gestação de novas formas de ação
coletiva. É inegável que se formaram novos atores no período, se desnudaram e se
redefiniram os campos de conflito afetos a essa área, com uma participação mais
laica no terreno da intervenção social e política, por intermédio de organizações não-
governamentais, e um nítido perfilamento de setores progressistas da Igreja Católica
(a exemplo da Pastoral do Menor) e também de outros credos.
A área dos direitos de crianças e adolescentes, mais conteúdos e práxis
ético-política afins, adquiriu relevo no Brasil, portanto, no contexto jurídico pós-
Constituição de 1988. A luta pelos direitos desse segmento foi, então, se
consolidando com base numa movimentação e organização política consubstanciada
numa grande rede de atores, processos e arenas de negociação em torno do ECA
enquanto novo paradigma. Exemplo dessa mobilização são as reações articuladas da
sociedade civil, como denúncias, atos políticos, campanhas e marchas contra as
violações desses direitos. Infelizmente, as principais problemáticas que os afligem
(mortalidade infantil, mortes violentas, trabalho infantil, exploração sexual e conflito
com a lei) tendem a aparecer para a opinião pública como icebergs, isolados do
contexto mais geral em que vivem e sobrevivem milhões de cidadãos privados do
acesso a bens de consumo e da distribuição de riquezas. É mister, portanto,
compreender a situação da infância e adolescência como expressão da questão social,
logo em conexão com os demais desafios societários do país, assegurando-lhe a
centralidade e visibilidade devidas. Pois, como diria Mendez,
 “o que está em jogo, em última instância, é o tema da democracia e da
cidadania (...) Ninguém que fale da infância, do ponto de vista do paradigma
da proteção integral, deixa de falar em democracia. Mas são poucos aqueles
que, falando de democracia, falam de infância” (1997:29-30).
Neste sentido, a década de 90 foi palco de movimentos significativos para a
sociedade brasileira, como por exemplo o Movimento pela Ética na Política, o qual
promoveu uma ampla mobilização nacional e colocou na pauta da discussão da
(In)visibilidade Perversa Mione Apolinario Sales
78
cidadania a política e a cultura brasileiras. Constitui esta década, portanto, um
período singular da história recente do Brasil, pois ela acolhe sujeitos e projetos
coletivos modificados pelos embates da luta pela redemocratização nos anos 70 e 80.
Deste modo, foi além das reivindicações democráticas típicas do período da ditadura
por direitos civis e políticos, e também das demandas econômico-corporativas,
englobando no seu campo crítico e propositivo a sociedade e seus sujeitos. A
denúncia da corrupção explicitou os meandros das formas de fazer política no país,
culminando no impeachment de Collor de Melo69; e alcançou também a alma
nacional com a critica do “favor” e do famoso jeitinho brasileiro (Schwarz, 1990;
Barbosa, 1992; e Chauí, 1991). Desvelou ainda facetas societárias, até então, pouco
conhecidas da maioria da população, como o fisiologismo, o paternalismo, a
profunda desigualdade social, a crueldade e a intolerância para com o outro.
A cidadania tornada ativa (Benevides, 1991) e instigada pelo debate da ética
passa a interrogar, sistematicamente, em defesa da esfera pública, os sentidos da
prática da política na história e na contemporaneidade, no que se refere à relação
entre fins e meios. Deste modo, explicita-se a contraposição existente entre
cidadania e violência, e se tem a dimensão de que o desafio da consolidação
democrática é ainda mais denso (Telles, 1994; Dagnino, 1994; Chauí, 1995; Velho e
Alvito, 1996). Não se esgota nos processos eleitorais nem se limita a estratégias de
conquista do Estado. Antes, requer a criação de condições sociais, culturais,
econômicas, administrativas e políticas necessárias à institucionalização de direitos
sociais e econômicos por dentro de reformas e mudanças estruturais (Faria, 1993).
Pressupõe também o envolvimento da sociedade e a sua transformação, segundo um
necessário processo de reforma intelectual e moral, tal qual preconizava Gramsci
(1978 e 1984); uma profunda reforma cultural, segundo termos mais atuais (Rolim,
1999).
Crianças e adolescentes consistem, assim, num dos segmentos sociais que
mais exprime o estado da cidadania e do tratamento dos direitos humanos no Brasil
hoje. São alvo de uma violência social (Minayo, 1994), expressa na falta de projetos
de vida, no desemprego, nas dificuldades de acesso a serviços públicos de educação,
 
69 Tratou-se de um fato de extrema importância para a história cívica do país e da América Latina, haja vista a
tradição política local golpista de afastamento de presidentes indesejados. Como recorda Carvalho (2002), antes
do Brasil somente o Panamá tinha levado a termo um processo de impeachment.
(In)visibilidade Perversa Mione Apolinario Sales
79
saúde, cultura, esporte e lazer de qualidade, que se traduzem no que Veríssimo
(1999) qualifica como negligência planejada. O montante de crianças e adolescentes
que vivem em condição de pobreza, ou seja, que fazem parte de famílias com renda
per capita de até _ SM, é de 21,1 milhões - 34,4% do número total de jovens de todo
o país (IBGE, 2002). Encontram-se, então, em estado de risco social as novas
gerações - pessoas em desenvolvimento70- que não possuem autonomia e capacidade
de auto-sustento, muito embora estejam previstas na Constituição (Artigo 227)
proteção integral71 e prioridade absoluta , como responsabilidade do Estado, da
família e da sociedade.
São muitas, portanto, as resistências à implementação do ECA, as quais,
acredita-se, coincidem com os processos sócio-políticos e econômicos que dificultam
a consolidação de uma esfera pública no país. Torna-se necessário, assim, identificar
os vetores conservadores e os de mudança em disputa, as correlações de forças, os
valores, as representações ressignificadas ou aquelas que constituem sinais efetivos
de uma renovação ídeo-política e cultural. Como no caso das demais políticas,
também é uma área atravessada por diferentes projetos societários e soluções
coletivas estabelecidos pelas classes sociais no país, com incidência nas políticas
governamentais.
Apesar da ruptura ético-política e jurídica com a menorização da infância
e adolescência pobres como representação-chave no Código de Menores (1927 e
1979), a pobreza, como se viu na discussão sobre família e sociabilidade, ainda
prevalece neste debate. No contexto de mundialização, financeirização da economia
e reestruturação produtiva, há setores que pouco escolarizados, informados e
educados, como as crianças e adolescentes das camadas sociais mais pauperizadas
claramente não interessam ao capital e ao mercado, consistindo na parcela
“inempregável”, logo descartável e desfiliada, e quando muito subempregada e em
condição de extrema vulnerabilidade (Sader, 1997 e Castel, 1998). O custo do
passaporte para a globalização é, pois, o de aprofundar processos de desigualdade
 
70 O reconhecimento dessa condição peculiar remete ao respeito ao processo de desenvolvimento da criança e do
adolescente com o aprovisionamento de condiçõesfamiliares, sociais, ambientais e educacionais em cada etapa
do seu crescimento, para que possam expandir suas capacidades individuais e sua sociabilidade (Guará, 1995).
71
 Constitui o novo paradigma de atendimento às necessidades da população infanto-juvenil, em que todas as
crianças e todos os adolescentes são sujeitos de direitos, rompendo com a doutrina da “situação irregular” do
menor. Neste sentido, levam-se em conta as necessidades integrais de crianças e adolescentes, para além das suas
necessidades básicas (Idem., 1995).
(In)visibilidade Perversa Mione Apolinario Sales
80
seculares, reatualizando a condição do Brasil de vanguarda do atraso (Behring,
1998; e Oliveira, 1997).
Nesse cenário, a luta democrática vai ganhando consistência e outros
formatos, tornando-se fundamental a modificação e diversificação das estratégias
políticas da sociedade civil. A sociedade política72 também não pode permanecer
infensa à participação da população, representada pelos seus setores organizados, nos
processos de decisão dos rumos da nação no âmbito da esfera pública (Telles, 1994;
e Raichellis, 1998). O que significa que, embora haja mecanismos estruturais,
difíceis de serem removidos, superados ou transformados, há uma cultura de direitos
em gestação, uma cidadania das classes trabalhadoras, fazendo o trânsito da condição
de inexistente para ativa (Benevides, 1991 e Telles, 1992).
Na acepção de Oliveira (1994), os contornos do processo político
brasileiro contemporâneo têm sido forjados à maneira inglesa, isto é: a sociedade
ajudando a definir o Estado e não o contrário, com vistas ao alargamento da
democracia. Mas cada palmo trilhado e respectivas conquistas obtidas nesta luta
requerem um redobrado esforço para a sua realização, garantia e defesa, num
contexto de reformas de cariz neoliberal, a exemplo do que foi o governo Fernando
Henrique Cardoso73, com seu empenho em destruir o aparato de direitos adquirido a
 
72 As noções de sociedade civil e sociedade política aqui utilizadas partem da formulação original de Gramsci
acerca do Estado ampliado e a função de hegemonia, quando define dois grandes níveis superestruturais: “(...) o
primeiro pode ser chamado de ‘sociedade civil’, isto é, o conjunto de organismos vulgarmente denominados
‘privados’; e o segundo, de ‘sociedade política’ ou do ‘Estado’. Esses dois níveis correspondem, de um lado, à
função de ‘hegemonia’, que o grupo dominante exerce em toda a sociedade, e de outro, à ‘dominação direta’ ou
ao comando, que é exercido através do Estado e do governo ‘jurídico’ ” (Gramsci, 1984).
73 Priorizamos, como pano de fundo de nossa análise, o ambiente político e cultural neoliberal da era FHC e seus
oito anos de tensões e contradições, no que concerne ao exercício da política e ao fortalecimento da esfera
pública na sociedade brasileira; inclusive, porque foi sob o seu governo que aconteceram os dois casos –
Rebeliões da FEBEM de 1999 e o seqüestro do ônibus 174 - que aqui analisamos. Pelo relativo curto tempo de
existência do governo Lula, deixamos o balanço dos direitos das crianças e adolescentes sob uma administração
de centro-esquerda para um outro momento. Ademais, ao nosso ver, uma política, como a neoliberal, com sua
visão de mundo, valores, direção social, projeto societário, e programática de medidas governamentais não se
esgota no final de uma gestão ou de um mandato político, como os de FHC, atuantes e propositivos no sentido da
desconstrução do público e conectados com as determinações da nova ordem mundial, pós-Consenso de
Washington. Certamente, está presente ainda hoje em setores e técnicos do Executivo federal, tendo em quase
uma década de governança se espraiado nos mais diversos estados e municípios brasileiros; e também,
respectivamente no Legislativo e Judiciário, sem falar na difusão intelectual e cultural dessa ideologia para o
conjunto de organismos públicos e privados da sociedade. Infelizmente, à medida que avança o mandato do
Presidente Lula, vê-se que a orientação neoliberal permanece e não somente apenas por causa da presença de
corpo técnico do governo federal influenciado pela gestão anterior, ou da difusão da programática econômica
combinada a uma nova cultura política governamental. Alguns exemplos são a manutenção do velho paradigma
de que é a partir do crescimento econômico que haverá desenvolvimento social; e a resistência a mudanças
profundas de ordem política, administrativa e social. Como diz Ferreira: “a vontade política demonstrada pelo
Governo Federal (...) se imobiliza diante desses dois aspectos. E os recursos financeiros despendidos em
programas humanitários, como Fome Zero e Bolsa Alimentação, ficam longe de serem suficientes para modificar
a realidade brasileira e (...) a diminuição da pobreza” (2004:31). Em recentes documentos de balanço sobre o
(In)visibilidade Perversa Mione Apolinario Sales
81
partir de 1988. No processo de desconstrução do público desencadeado e de
mistificação das forças civilizatórias e auto-reguladoras da esfera privada e do
mercado, acha-se ameaçado o acúmulo político e cultural democrático
consubstanciado na nova Carta Constitucional. É temerário, portanto, para o destino
de milhões de crianças e adolescentes, que o Estado subtraia todo um conjunto de
responsabilidades da sua alçada, submetendo o pacto civilizatório, em que consistem
as políticas sociais públicas, à lógica da lucratividade.
Contraditoriamente, o contexto que projeta a família e as crianças e
adolescentes e suas necessidades no cerne da esfera pública e os engrandece como
um dos campos fecundos de (re)desenho da cidadania e das políticas sociais no
Brasil é o mesmo que os deteriora, corrompe, vulnerabiliza e expõe. É um cenário de
contradições acirradas pela ordem econômica mundial sob a égide do neoliberalismo,
cuja diretriz é a desregulamentação, o que significa desatar os nós das âncoras dos
direitos sociais, deixando os trabalhadores navegarem nas águas da
imprevisibilidade, do desemprego estrutural, do trabalho temporário... Como se vê, o
capitalismo no século XXI não está muito preocupado com laços ou com seguridade;
pelo contrário, a palavra de ordem é desamarrar. Donde, o Estado na atual
conjuntura, deliberadamente desinteressa-se da matéria e de tudo mais que concerne
à reprodução dos trabalhadores e suas famílias, disponibilizando a satisfação dessas
necessidades para a capitalização e privatização.
Como falar de política, então, a propósito de um segmento social ainda
em desenvolvimento e, particularmente, no tocante àqueles que ainda adolescentes se
chocam com o establishment? No novo ordenamento jurídico (ECA e CF/1988), são
considerados sujeitos de direitos. Põem em cena na esfera pública uma série de
demandas e mobilizam atores tanto da sociedade política quanto da sociedade civil
em torno dos seus interesses, mas a rigor não constituem em si protagonistas
autônomos da luta que tem por inspiração a sua causa e condições de vida. Integram
movimentos, sim, como o Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua
(MNMMR) e tomam parte de outras iniciativas das organizações não-
 
quadro socio-econômico do Brasil, a CNBB (2004) também critica: a perda de independência do Banco Central;
a falta de políticas públicas que alterem mecanismos concentradores de renda e de riqueza; os danos causados
pelo serviço da dívida pública; a continuação da política de “responsabilidade fiscal” em detrimento de uma
intensapolítica de atendimento às necessidades populares de massa; a ausência de investimentos produtivos; e a
manutenção da especulação financeira.
(In)visibilidade Perversa Mione Apolinario Sales
82
governamentais (ONGs), mas são ações coordenadas por adultos: profissionais,
militantes, políticos, dentre outros. Por isso, de acordo com a Constituição de 1988, a
implementação do ECA e, logo, dos direitos de crianças e adolescentes prevê a figura
dos Conselhos de Direitos nas três esferas - instância paritária de controle e definição
de políticas - no âmbito do sistema de garantia de direitos.
É mister dizer que foi uma conquista dos setores populares ganhar
assento no debate e monitoramento das políticas públicas, nos três níveis. Não
obstante, a cultura política brasileira, com seu veio histórico conservador, de ênfase
no Executivo e secundariamente nos poderes Legislativo e Judiciário, concorre, por
meio de muitos dos seus membros, não só para abafar e obscurecer esses espaços
públicos e democráticos perante a sociedade como para emudecer as vozes que
representam as crianças e adolescentes.
Vê-se a questão social da infância e da juventude transcender a sua condição
historicamente periférica e extremamente setorializada no seio das políticas públicas,
mas, em certa medida, ligada sobretudo a preocupações quanto ao aumento da
violência. Foi e é preciso que algumas situações de risco social e pessoal ultrapassem
o limite do tolerável e conquistem visibilidade - fruto de denúncias e reações
defensivas e/ou organizadas da parte dos adolescentes, para merecer a atenção devida
em termos de providências, recursos e políticas públicas. Se a discussão, a
mobilização e o pleito coletivo em torno de uma cidadania da infância e da
adolescência, cujas necessidades são transversais a várias políticas básicas, como
educação, cultura, esporte, lazer, saúde e assistência social, acham-se avançadas e
encimadas pelas noções de prevenção e direitos, no plano da política governamental,
age-se sobretudo sob pressão. Desde instâncias federais até os mais longínquos
rincões locais, submetidos à lógica contábil do orçamento e da “austeridade” fiscal,
em detrimento dos investimentos sociais de médio e longo prazo, prevalecem as
lacunas sociais e a reprodução mecânica de velhas ações (merenda escolar,
distribuição de leite74, etc.)
Desse modo, as crianças e adolescentes, mesmo depois do ECA,
continuam ainda presas da manipulação ideológica e da aposta na lógica da
fragmentação, e suas condições de vida e necessidades não recebem o devido suporte
(In)visibilidade Perversa Mione Apolinario Sales
83
em termos de uma política pública (Sales, 1998). Os governos federal, estaduais e
municipais revelam-se pouco determinados a ser criativos e eficazes na lida com esta
expressão da questão social, de tão grave monta em seus aspectos visíveis e
invisíveis, em face do que submetem o seu foro à política de segurança pública e de
justiça, reatualizando os vínculos naturalizadores das teses acerca da criminalidade e
pobreza. Como bem complementa Jussara de Goiás, com uma fala do interior da luta
pela garantia dos direitos de crianças e adolescentes :
“É importante conseguir enxergar a realidade da violência, da negação de
direitos e de extrema exclusão social para que não pareça ilusório o processo
de ‘invenção democrática’ em desenvolvimento e que se reafirma na prática da
representação, interlocução e negociação de interesses nas diversas esferas
sociais” (1996:09).
Após mais de uma década de implementação do ECA, no entanto, vê-se que
há muito ainda a ser feito. Até por ser um instrumento de direitos humanos, as
resistências ao cumprimento de suas determinações normativas deixam entrever o
grau de tensão entre as práticas político-jurídicas, sociais e econômicas geradoras
e/ou mantenedoras de desigualdades, e a defesa efetuada pela sociedade civil
democraticamente organizada em torno da integralidade e exigibilidade do sistema
de garantia de direitos. O empenho atual desses setores consiste em tentar superar de
vez a cultura da discricionariedade, da arbitrariedade, e o seu caráter ambígüo, entre
a compaixão e a repressão, com que sempre foram tratadas a infância e a juventude, e
elevar em seu lugar uma cultura de direitos, embasada em garantias e no paradigma
da proteção integral.
Enuncia-se, assim, um desafio no plano da cultura e da política, o qual remete
à relação entre democracia, cidadania, infância e seus múltiplos impedimentos numa
sociedade como a brasileira. Na opinião de Mendez, “o problema da cidadania da
infância é hoje a metáfora para discutir o presente e o futuro da cidadania de todos”
(1997:32).
E é a esse tipo de metáfora que preferimos nos aferrar contra a indiferença
neoliberal e a visão banalizadora da miséria e da sorte errática de muitos meninos e
meninas Brasil afora. Contra a naturalização realizada pelo mundo do trabalho e pela
 
74 Importantes, sem dúvida, mas não suficientes para dar conta das necessidades sociais de crianças e
adolescentes, pobres ou não, na contemporaneidade.
(In)visibilidade Perversa Mione Apolinario Sales
84
“máquina” do capital75 acerca do vínculo entre pobreza e conformismo –
identificado na ignorância, preguiça e falta de “coragem para uma organização”76 da
vida, de um lado - ou pobreza e insubmissão – quando é vadiagem, mendicância ou
criminalidade, de outro. Como diria Chauí, “essa naturalização, que esvazia a gênese
histórica da desigualdade e da diferença, permite a naturalização de todas as formas
visíveis e invisíveis de violência” (2000:90). São narrativas, ou como diria Foucault,
discursos que dão abrigo a soluções imaginárias para o que não pode ser percebido
nem tampouco resolvido no nível da realidade.
Meninos do seu tempo desejam o “bom”, enfeitiçados pelo mundo das
mercadorias -, mas também provam do seu “pior” – a alienação do desejo, a privação
e a expulsão como párias da nova ordem econômica. Em face de tudo isso,
discordâncias e sentimentos de injustiça impulsionam muitos adolescentes e jovens
para a deriva (Matza, 1968) ou para a revolta, ou para um misto das duas. O fio da
política se une aí ao da necessidade de singularidade e, por vezes, se estica pela via
da transgressão e do delito, ou é torcido pela revolta de um ou de muitos.
Por tudo isto, é preciso entender o sentido de realidade que só se manifesta
no espaço público, na medida em que reafirma a condição humana, bem como o
lugar da visibilidade na sociedade moderna. Tramas tecidas e reveladas aqui pela via
da subjetividade e das necessidades dos adolescentes infratores no Brasil e na
América Latina, como contraponto local ao fenômeno universal da rebeldia da
juventude no Ocidente capitalista. O poder de que é investido o olhar do Estado e da
sociedade sobre eles, inclusive como polícia da alma e dos corpos, também é algo a
ser examinado. Este é o convite ao próximo capítulo.
 
75 Em Macunaíma, o herói sem nenhum caráter, um épico ao povo brasileiro, lê-se, por exemplo, algumas
impressões de um “filho da mandioca” – o protagonista - em face do domínio da máquina, o mundo capitalista:
“com a máquina ninguém não brinca porque ela mata. A máquina não era deus não (...) Era feita pelos homens.
(...) A Máquina era que matava os homens porém oshomens é que mandavam na máquina. (...) Os homens é que
eram máquinas e as máquinas é que eram homens” (Andrade, 1991: 42-43). Diante de tudo isso, eis que ele
suspirava: “Ter de trabucar, ele, herói... Ai, que preguiça!” (Idem, p.39). Algo que também pode ser lido, nas
entrelinhas da ironia marioandradiana, como resistência ao trabalho alienado e critica à falta de realização
humana na produtividade dirigida do capitalismo, por meio de uma ode à preguiça, que corrói o equilíbrio da
sociedade da máquina e contra a qual o liberalismo historicamente lança toda sorte de artifícios políticos,
institucionais e disciplinares.
76 A uma certa altura do seu périplo existencial, Macunaíma desiste de viver, porque para tanto “carecia de ter um
sentido. E ele não tinha coragem para uma organização” (p.181).
(In)visibilidade Perversa Mione Apolinario Sales
80
Capítulo II
A visibilidade como condição humana
“Existe uma volúpia em ser gente”
Clarice Lispector
Há uma construção social que regula política e culturalmente os indivíduos,
mesmo quando parece estar em crise e no centro das polêmicas filosóficas, qual seja:
a esfera pública. Desde os gregos, ela reúne os cidadãos, instaura disposições e é
também berço de mudanças e de revoluções. Na sociedade moderna, dela fazem
parte todos os indivíduos e suas expressões coletivas, mesmo sem o saberem e se
darem conta. A esfera pública é, pois, por excelência, o lugar do encontro com o
outro. E é sobre essa esfera e sua força centrípeta, geradora da sociabilidade, que nos
interessa falar; essa esfera para a qual os indivíduos olham e se sentem instados a
produzir opiniões, agir, trabalhar, criar, comportar-se, sempre par rapport a outrem.
Alargamos aqui, como se pode ver, o conceito de esfera pública além do seu
papel político já anteriormente referido, no sentido de englobar antropologicamente
todo um conjunto de determinações políticas, econômicas e culturais, materializadas
em forças sociais, espaços coletivos, instituições, entre outros, que engendram,
positiva ou contraditoriamente, a sociabilidade. O sentido de esfera pública ora
aludido poderia, pois, em certa medida, apoiar-se em Habermas (1984), como o
domínio da sociedade onde a opinião pública é formada e fundada. Esse espaço da
troca social equivaleria, para além da política, ao mundo da vida1, aquele em que se
faz uso do senso comum, mas também do bom senso. Uma porção da esfera pública
expressar-se-ia, pois, em cada conversação e interação entre os seres humanos no
cotidiano. Resguardado o sentido de mão dupla dessa esfera, os indivíduos poderiam
ser reconhecidos e iluminados em suas pluralidades e diferenças, na perspectiva da
integração da individualidade no coletivo (Rabotnikof,1993).
 
1 Não se trata aqui da esfera da intimidade e do privado stricto sensu, nem daquilo que pode e deve estar
preservado, fechado, vedado aos outros (Rabotnikof, 1993:75), mas daquele âmbito do processo da vida e das
relações sociais - extensivo da casa à rua -, cujas necessidades, de uma forma ou de outra, são canalizadas como
aspirações e demandas para a esfera pública.
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81
Sabe-se, no entanto, que originalmente essa concepção habermasiana
enfatizava sobretudo as virtudes da esfera pública burguesa em sua gênese, enquanto
locus de relações “ilustradas” entre segmentos da classe ascendente. Suas práticas
sociais – trocas literárias, debates teóricos, etc. – convertiam-se em idéias e espaços
culturais tornados públicos2. O incremento sócio-econômico da sociedade capitalista,
lado a lado ao do papel da imprensa e da publicidade de modo geral, vai ofuscar esse
nicho intelectual e crítico, à medida que a burguesia se eleva à condição de classe
dominante, conforme os paradigmáticos desdobramentos da Revolução Francesa.
Desde o início, porém, as estruturas de poder se sentiam ameaçadas pela imprensa,
em razão, dentre outras, da velocidade da multiplicação da informação. Seria preciso,
pois, como parte das estratégias de controle delineadas pela ordem do capital, cortar
o elo entre verdade e informação, despindo as leituras da realidade da influência do
pensamento crítico (Lucchesi, 2002). A esfera reservada às pessoas na qual circula e
prolifera a opinião pública - torna-se, então, progressivamente, suscetível às leis do
mercado e à lógica do consumo. Os processos de comunicação pública tendem, pois,
de um lado a se dissolver e de outro a se converter em atos de recepção isolada
(Almeida, 1999).
Abandonamos sem demora, portanto, a companhia de Habermas, na medida
em que a sua visão inicial de esfera pública ampliada, como vimos, entra em crise de
vez, em função da ascensão de novos medias no século XX, os quais
potencializariam aquela, mas sob o preço da perda de conteúdos políticos e de uma
leitura totalizante do real. Acreditamos, contudo, que não houve aí exatamente uma
ruptura de papéis e de funções, mas, em virtude da mudança estrutural a que ele
mesmo se refere, uma inovação das formas de comunicação e de raciocínio.
Mudaram os canais, mas os produtores das informações, ideologias e mercadorias
permaneceram, em sua maioria, burgueses. Acentuaram-se, é verdade, as distâncias
das pessoas comuns 3 e mesmo dos que participam do processo de formação de uma
opinião pública – intelectuais, camadas médias, etc. –, em relação à máquina de
 
2 Habermas é aqui também flagrado, assim como Adorno por Kehl (2004), em uma relação nostálgica com um
ideal de indivíduo: para Adorno, ele não se cumpriu, mas para Habermas, seria uma certa expressão burguesa
desse indivíduo na esfera pública que punha em marcha esse ideal perdido.
3 Foucault (1996) lembra, neste sentido, o esforço político do poder público, no século XVIII, em arrefecer a
produção e o gosto popular pela leitura de folhetins, cujos personagens muitas vezes eram bandidos da época:
neles contavam-se as façanhas destes últimos e o desfecho de suas vida por meio de execuções supliciantes. Pela
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veiculação de fatos, notícias, pautas culturais e representações, em que consiste a
mídia. Ao longo do século XX, porém, será vertiginoso o seu crescimento, sendo
cada vez mais refinado o seu tratamento da linguagem e da imagem. Houve, assim,
realmente uma refuncionalização da esfera pública, com elementos que assinalam,
inclusive, uma “feudalização” dos medias 4. Todavia, como a experiência
democrática tem demonstrado5, não constituem estes fatores absolutos e de mão
única na apreciação do papel cultural desses meios. Trata-se, quando em presença da
democracia, muito mais de um campo tensional entre Estado e sociedade civil, em
que há uma forte disputa de opinião e de visão social de mundo.
 À idealização da imprensa, a princípio, como "instituição por excelência da
esfera pública", segue-se, para Habermas, o desencantamento do seu papel, à medida
que a sociedade burguesa avança e outros meios de comunicação surgem. Ante um
“jornalismo publicitário”, pórtico de entrada de interesses privados na esfera pública,
dar-se-ia, segundo ele, a primazia da comercialização de idéias e produtos de um
lado, e a difusão do conformismo do outro, em detrimento da liberdade de opinião e
de uma representação autêntica do público. Agora, se é certo que com o advento da
sociedade de massas e da indústria cultural passa a vigorar uma certa
superficialização da política e dodebate político, isto não quer dizer, entretanto,
como bem lembra Almeida (1999), que
“a midiatização da sociedade e da política, tenha eliminado a existência da
opinião pública e de outras mediações da sociedade ou que impossibilite a
construção de uma efetiva esfera pública democrática. Assim, é preciso discutir
seu processo de produção e em que circunstâncias as opiniões podem ser mais
ativas”.
 
proximidade do ambiente das ações e das tramas com o universo dos leitores, preocupava a identificação destes
com as narrativas.
4 No Brasil, salta aos olhos a concentração dos meios de comunicação nas mãos de empresários, dublês de
políticos, e de algumas poucas famílias poderosas, os quais fazem desse oficio um negócio lucrativo, muitas
vezes em detrimento do papel social e público que deveria ser a sua marca maior. Trata-se de um vício de
formação, na medida em que os meios de comunicação aqui já nasceram privatizados. Logo, esta é uma dinâmica
que acompanha a historia da indústria cultural no país, como parte dos acordos tácitos e velados entre o Estado –
entidade responsável pela concessão de canais de rádios e TVs - e as elites. Contra esta tendência e em defesa de
uma TV publica, veja-se o Artigo 223 da Constituição de 1988: “compete ao Poder Executivo outorgar e renovar
concessão, permissão e autorização para o serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens, observado o
principio da complementaridade dos sistemas privado, público e estatal”. Como diz Leal Filho, se esse artigo
ainda não se tornou realidade, tem servido pelo menos “como referência fundamental para o debate que se trava
em torno do aprofundamento do processo democrático no país” (2000:163).
5 Com o apoio, inclusive, dos estudos e pesquisas sobre mídia realizados por uma série de observatórios
sociológicos e antropológicos nacionais e internacionais, como por exemplo a escola anglo-saxônica e a escola
francesa.
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83
Cabe, pois, mover esforços na direção de um controle público democrático
dos mídias privados e/ou estatais6, de forma que estes avancem no sentido de se
tornarem efetivamente esfera de visibilidade pública (sem qualquer redundância) da
opinião pública e não de visibilidade da opinião de sujeitos e interesses privados que
se dirigem ao público (Almeida, 1999).
É mister destacar, ainda, o papel socializador de meios como a televisão –
papel controverso7, massificado e muitas vezes despolitizado, mas ainda sim
potencializador de uma cidadania virtual. Num país de escala continental como o
Brasil, em que apenas 2% da população se informam regularmente pela imprensa
escrita e em que é grande o número de analfabetos funcionais, é de se imaginar o
tamanho da tarefa para superar tal déficit de cultura. Por outro lado, há que se
reconhecer o papel educativo da televisão nesse universo iletrado (Baccega, 2000).
Há quem admita, como Canclini (1997) e Almeida (1999), não obstante a baixa
autonomia e racionalidade implicadas no uso desses meios, a possibilidade de
construir exigências e necessidades sociais pela via do consumo, resultando em
estratégias de pressão para o seu atendimento e obtenção. Logo, há sempre a chance
de se dar um maior engajamento social desse cidadão-consumidor (Mota, 1995) nas
questões ligadas à proteção dos seus direitos, inclusive como consumidor8, com a
adesão a espaços e processos mais amplos de participação popular. Diante do
fenômeno do consumo, uma outra possibilidade que se abre para toda uma gama de
sujeitos (sobre a qual vamos insistir ao longo da tese), é a ruptura com a lei, por meio
de ações delituosas, violentas ou não, mas incensadas pela fetichização das
mercadorias, revelando a plenitude das contradições entre a lógica da propriedade
privada e a fomentação do desejo consumista9 em cenários sociais marcados pela
 
6 Cf. Leal Filho, 2000; e Bucci, E. “Apêndice: Direitos do telespectador” (2004).
7 Bucci, sem maiores idealismos, enxerga na TV brasileira, com base na analise da Globo, gigante das
comunicações à maneira de um polvo e seus múltiplos tentáculos espalhados por sobre todo o território nacional,
não somente um papel socializador do povo, mas também das elites: “Digamos que ela tenha ajudado a
modernizar a sociedade por automatismo ideológico (...) Ela possivelmente concorreu para transportar alguns
bolsões mais atrasados da sociedade, que se encontravam num nível medieval de relações de mando, para um
nível industrial de exploração capitalista” (2000:237).
8 Esse é o paradoxo, por exemplo, do Código do Consumidor (Lei 8.078, de 11/09/1990), instrumento legal
considerado inovador e bastante avançado por operadores do direito, que se perfilam à esquerda do jogo político
nacional.
9 A força do imaginário do consumo no Ocidente, com sua marca de “ menos-valia” e destituição social para os
que dele participam modestamente ou não participam, não se aplica somente aos países da periferia do
capitalismo: veja-se o seu impacto sobre a psiquê de inúmeras pessoas mundo afora, as quais gastam
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pobreza e pela miséria. Para Bucci, a TV, por exemplo, “ao fomentar o consumo e o
prazer a qualquer preço convida ao gesto violento” (2000:11).
Por tudo isto, entendemos que a esfera pública é muito mais que um espaço
de debate; é o centro de articulação da vida social, o lugar onde se processa a luta
pela afirmação política e cultural. É algo que concerne também à disputa de
hegemonia e de formação, à maneira de Gramsci, de blocos sociais, políticos e
culturais, como a fina aliança que se tece entre os indivíduos na esfera privada e as
organizações da sociedade civil, ou junto às experiências público-estatais
participativas10, as quais têm maior capacidade de escuta e alcance de demandas na
base da sociedade. São esses investimentos coletivos que contribuem para o resgate
de uma opinião pública ativa, capaz de engendrar uma esfera pública autenticamente
democrática e de romper a exclusividade da visibilidade na sociedade moderna pós-
século XX, segundo uma dimensão fetichista e individualista, enquanto redução ética
e estética operada pela indústria cultural.
Vale dizer ainda que essa esfera provocadora de atitudes gozou
historicamente de diferentes hegemonias, conforme a primazia econômica, política e
social de cada época e formação social. Envolve, assim, dimensões particulares e
universais; locais e globais, segundo terminologia mais recente. Deste modo, a
despeito das especificidades nacionais, há algo no território da cultura que desborda
países e continentes e se impõe como modelo em termos de pensamento e produção
social. A influência desse processo se faz sentir no âmbito da esfera pública, com sua
capacidade, ampliada sobremaneira na era das virtualidades midiáticas, de dar
visibilidade a valores culturais, práticas sociais e, conseqüentemente, a certos
indivíduos e grupos sociais.
Bucci (2004a) resume a potencialidade desse espaço público11 instaurado
com a inequívoca participação dos meios de comunicação. Trata-se, segundo ele, de
 
compulsivamente (cartão de crédito, cheque especial, etc.), em atitudes deletérias para si e para o grupo familiar.
Sob o impulso do prazer do consumo e do valores sociais a ele agregados,como discutiremos logo mais, perdem
o sentido da realidade, assumindo, por vezes, esse tipo de comportamento características patológicas. Perto de
nós, Pereira (2003), em seu estudo sobre jovens universitários em Santo André (ABC paulista), diz que os
compradores compulsivos, quando comparados com outros consumidores, demonstram baixa auto-estima, grande
tendência à fantasia, altos níveis de depressão, mais reações de ansiedade e obsessão. Cf.
[http://nourau.strong.com.br/document/get.php/13/Artigo_prof_grad_LHP_01.pdf.]
10 Caso da prática do Orçamento Participativo , iniciado em Porto Alegre e cujo teor democrático-popular das
formas de gestão da coisa pública alcançou reconhecimento internacional, tendo, dentre outros, motivado naquela
cidade a realização de três Fóruns Sociais Mundiais. Cf. [http://www.forumsocialmundial.org.br].
11 O autor prefere esta expressão, mas utiliza de forma sinônima à esfera pública. Cf. id., p. 232.
(In)visibilidade Perversa Mione Apolinario Sales
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um campo gerado pela comunicação social. “É um espaço por excelência
comunicacional”. E recorrendo a um Habermas, mais recente12 – pós-crise -, apoia a
tese aqui sustentada de que a esfera pública não consiste em apenas um lugar, uma
instituição ou organização. Ela pode ser melhor traduzida como o “espaço social
gerado pela comunicação” (Idem:232). Não exclui, assim, a esfera pública em seu
sentido clássico, como veremos em Arendt; transcende-a, pautando comportamentos
e engendrando novas formas de sociabilidade.
Os principais padrões veiculados são, todavia, aqueles identificados com os
valores e tendências da classe ou fração simbólica e economicamente dominante,
mostrados quase sempre como os mais “inteligentes”, “belos”, “valorosos”,
“importantes” e “poderosos”. Entretanto, essa esfera opera também historicamente
por contraste e exibe um cortejo de figuras supostamente anti-sociais, mas nem por
isso destituídas de poder. O intuito, neste caso, é, porém, o de regular condutas e
desqualificar transgressões como eventos contra e fora da ordem.
Muito embora esse processo esteja em curso há tanto tempo quanto existem
homens e valores ético-morais, bem como formas de poder e de punição associadas à
figura do Estado ou seus equivalentes, ele adquire maior complexidade na
contemporaneidade, na medida em que se mescla à tecnologia de projeção de
imagens e representações de longo alcance13. Quando se coaduna à mídia, essa esfera
assume inéditos contornos virtuais14, ganhando uma nova densidade. Pode, então,
ampliar sua influência coletiva, com muito poucas restrições de fronteira 15, ao tempo
 
12 Habermas, J. Between facts and norms. Cambridge, MIT Press, 1996. [Apud. Bucci, 2004, p. 232].
13 Refiro-me aqui não só à televisão e ao cinema, que impactaram a história da humanidade no século XX, mas
também à imprensa, com seu precioso papel comunicativo e intersubjetivo desde o século XVI - meios que
contribuíram para formar, nos termos de Benedict Anderson (1993), comunidades “imaginadas”, em escala
nacional e internacional.
14 Processo que se intensificou em razão da globalização de mercadorias e da subseqüente difusão de valores e
estilos de vida a ela associada. Nesse cenário, a noção de espaço e tempo, que já vinha sofrendo fortes mudanças
desde o surgimento dos satélites e a possibilidade de transmissão ao vivo de imagens à distância, provenientes de
todas as partes do país e do mundo, se alterou ainda mais com o advento da Internet comercial na década de 90.
Isto porque esse sistema permite a interação em tempo real entre os indivíduos participantes da rede mundial e
lhes dá autonomia de busca de conhecimento, informação e imagens, conforme os seus interesses. Rompe, assim,
com a rígida estrutura comunicacional de um para muitos, típica das mídias de massa (jornal, rádio e televisão), e
permite o contato de um para um e de muitos para muitos, segundo o formato de uma rede em que todos os
pontos se equivalem e não há um comando central. Deste modo, corrobora com o exercício da cidadania em
regimes democráticos, ao diversificar as fontes de informação, o que favorece tanto a tomada de decisão
consciente dos indivíduos quanto a diminuição da influência exclusiva do Estado na determinação da agenda
política (Pinto, 2004).
15 Movimento que se expande do Ocidente – Estados Unidos e Europa - para o Oriente, e do Norte para o Sul do
Globo. As restrições quanto ao acesso a novas tecnologias, com seu poderoso manancial cultural, no passado
recente, foram eminentemente de ordem política, haja vista o fenômeno da Guerra Fria, e hoje se devem
(In)visibilidade Perversa Mione Apolinario Sales
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em que é acessada por todos os que dispõem das condições materiais e sociais
necessárias 16. Fortalece-se, assim, de um lado, a perspectiva de uma macro-esfera de
opinião pública internacional (Castro, 2001). Mas de outro, sobretudo num âmbito
mais próximo, nacional e local, a midiatização do público pode servir, por vezes, a
controversas necessidades/finalidades de palco, espetáculo, espelho, tribuna, púlpito
e até cadafalso.
Redemoinho de experiências, ponto de inflexão de existências, parâmetro de
condutas, estandarte de modos de vida, os indivíduos vêem e são vistos no âmbito
dessa esfera. Claro que alguns são dotados do fenômeno social da invisibilidade17 ou
de uma visibilidade perversa18. Dentre eles, gostaríamos, pois, de enfatizar a
experiência dos adolescentes infratores, adolescentes pobres das classes
trabalhadoras, os quais também participam de todos esses processos, em sua face
cotidiana de invisibilidade e também de desejos de visibilidade e projeção social.
Voluntária ou involuntariamente, portanto, dá-se muitas vezes a exibição midiática
de suas vidas e trajetórias como contra-modelos, sendo eventualmente elevados à
condição de espetáculo, quando suas ações expressam-se coletivamente, associadas à
prática de violência, a revoltas e rebeliões.
Para entender teórica e historicamente o processo de regulação e o poder
envolvido nas estratégias de visibilidade e invisibilização social mediados pela esfera
pública, lançamos mão do apoio sobretudo de Arendt, Lipovetsky e Foucault, com
suas distintas análises sobre a sociedade burguesa. Assim, perscrutaremos alguns dos
 
sobretudo, para além das limitações de ordem econômica e tecnológica, a questões étnico-religiosas, caso
principalmente dos países fundamentalistas.
16 Chamamos a atenção para o enorme desafio colocado aos países em desenvolvimento, como o Brasil, num
cenário neoliberal, quanto à universalização do acesso aos equipamentos (aparelhos de radio, TV, computador,
etc.); e das capacidades afins à cidadania cultural de nosso tempo ( leitura mais oportunidade social e financeira
de adquirir ou consultar revista, jornal, entre outros).
17 Caso dos garis em São Paulo: pesquisa realizada pelo psicólogo social Fernando Braga da Costa, que resultou
na dissertação de mestrado (USP) : "Garis – Um Estudo de Psicologia sobre Invisibilidade Pública". Nela, o autor
sugere que a percepção humana é condicionada pela divisão social do trabalho. Por isso, na cena social, os garis
desaparecem como atores sociais. É como se eles deixassem de ser pessoas e se tornassem objetos, coisas
imperceptíveis. Ignorados no cotidiano pela sociedade, é como se não existissem. Esse fenômeno, chamado de
invisibilidade pública, segundo Costa, é anterior ao capitalismo, mas se perpetua nele por causa da valorização da
propriedadeprivada e da divisão social do trabalho. É expressão, portanto, da violência da desigualdade de
direitos e de dignidade. O autor escolheu essa categoria por considerá-la limite: “não existe um ofício mais
desqualificado, mais subalterno do que limpar e recolher a sujeira dos outros”. De certa maneira, pode-se dizer
que esta situação de discriminação e preconceito, que integram o filtro do olhar-passaporte- para-a-visibilidade e
que remete os sem-nome, sem-rosto, sem-dinheiro e sem-escolaridade para a obscuridade social, poderia ser
estendida para muitos trabalhadores braçais no Brasil. A propósito, ver VIGARELLO, Georges. O Limpo e o
Sujo. Uma história da higiene corporal. SP, Martins Fontes, 1996.
18 Sueli Carneiro destaca, por exemplo, em muitas de suas análises sobre o racismo, o fenômeno de
(in)visibilidade perversa que recai sobre negros e mestiços. Conferir id., 2000.
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múltiplos sentidos da visibilidade na modernidade: como condição humana - acepção
tributária do ideal da cidadania político-republicana; como fetiche associado ao
império da moda e sua estética do visível; e, por fim, como mecânica de um poder
que historicamente seduz, controla e vigia pelo olhar.
São questões fundamentais num tempo social regido pela mídia e pela
indústria cultural. Tempo este também marcado por uma sociabilidade atravessada
pelas profundas contradições do modo de produção capitalista em suas características
mais desiguais e excludentes. Por isso, alguns jovens, premidos pela cultura
fetichista e pela alienação do desejo a que são obrigados a se submeter na sociedade
do capital, resolvem, muitas vezes, esse tipo de impasse no cotidiano de maneira
individualista e violenta, o que gera a associação indiscriminada dos adolescentes
infratores como metáfora da violência. Queremos checar, no decurso da tese, essa
imagem e forma de visibilidade, mais as respostas políticas contidas na revolta
individual e coletiva que elas despertam.
2.1. Esfera pública, visibilidade e cidadania
“A palavra associa o traço visível à coisa invisível,
à coisa ausente, à coisa desejada ou temida,
como uma frágil passarela improvisada sobre o abismo”.
Ítalo Calvino
Em tempos neoliberais e sob a égide do pensamento único (Ramonet,
1998), a perspectiva de fortalecimento da esfera pública torna-se uma exigência
ainda mais viva. Por isto, as ações políticas nesse campo passam a ser mediadas pela
sugestão de Bobbio (1988) de que quanto mais democracia melhor; logo, com signo
inverso ao do liberalismo clássico, porque requer não a existência de menos poder na
sociedade, mas a socialização do poder. As lutas no âmbito da democracia
funcionam também como antídoto político à desqualificação e aniquilamento moral
dos que se organizam e divergem do modelo econômico mundial em curso.
Ao longo da década de 90, a democracia veio, pois, sendo resgatada em
sua substância de princípio e de valor universal pela esquerda em todo o mundo
(Coutinho, 1984). Sem ingenuidade mas também sem falsos temores, abandonou-se
uma compreensão da democracia como algo estritamente formal e mera
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instrumentalização burguesa, com a convicção de que ela é crucial ao êxito e ao não
isolamento da construção coletiva. Assim, quanto mais visibilidade e oportunidades
de fala melhor, quanto mais espaços de poder a serem redesenhados e resignificados
também. Pois, como diria Wittgenstein, citado por Calvino, “o que está oculto não
nos interessa” (2000:90).
Ademais, como bem pontua Arendt, o mundo é “o resultado do nosso esforço
comum”19 (1989b:336). Não está pronto, requer a manutenção e preservação dos
espaços adequados à construção da sociabilidade, no caso a esfera pública: esse lugar
intermediário entre as pessoas. Merleau-Ponty chama-o de intermundo, “onde se
cruzam nossos olhares e se confrontam nossas percepções” (2000:55), e onde
floresce a intersubjetividade.
Por excelência político, democrático e humano, esse lugar e esse encontro
dizem da paridade, da isonomia, da igualdade fundamental entre os sujeitos, e
permitem torná-los visíveis e audíveis (Arendt, 1987). Garante uma interconexão
entre liberdade e igualdade, tornando tangíveis e reais as atividades e experiências
dos indivíduos, ao permitir que apareçam, sejam observadas, julgadas e preservadas
na memória (Arendt, 1988).
Em países como o Brasil, porém, apesar de todos os esforços e princípios
democráticos de ampliação do exercício da cidadania nas duas últimas décadas, é
ainda enorme o contingente de indivíduos e grupos sociais que ficam de fora desse
processo. Castro (2001) diz que isto acontece, “porque nem sequer possuem
identidade, sobrevivem a cada dia, sem moradia, trabalho e dignidade; não são
sequer subcidadãos” (Idem: 98). Para Arendt, são sujeitos destituídos da condição
humana, a vivenciar formas novas de escravidão, porque se acham, na prática,
privados da liberdade e da visibilidade, obscurecidos e condenados a não deixar
vestígios de que tenham existido. O conjunto de vulnerabilidades sociais que os
caracteriza impediria a ultrapassagem do universo das “necessidades necessárias”
(Heller, 1974), e, em função disso, a admissão e livre participação na esfera pública
(1989:58). Logo, Oliveira tem razão ao pensar no neoliberalismo como uma forma
de totalitarismo, na medida em que contribui para o desenraizamento dos homens, ao
lhes desagregar a vida privada e corroer os laços sociais. Como diria Arendt: “não ter
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raízes significa não ter no mundo um lugar reconhecido e garantido pelos outros; ser
supérfluo significa não pertencer ao mundo de forma alguma” (Grifo nosso.
1989b:244).
Neste tocante, há que se ponderar e acrescentar algumas questões do ponto de
vista político e teórico: uma prende-se ao sentido clássico da política e de esfera
pública para Hannah Arendt, para quem o cidadão, tal como o concebiam os gregos,
é alguém livre da submissão ao mundo da necessidade. Trata-se de uma definição
correta, mas ao mesmo tempo restritiva e elitista. Deste modo, se este é um ideal a
ser perseguido para o conjunto da população na perspectiva de uma cidadania plena,
o que se esboça como possibilidade da ação política no presente de democracias
imperfeitas como o Brasil é a luta pela transformação de carências em direitos e,
como conseqüência, em políticas sociais públicas. No caso, esses sujeitos podem ter
os seus interesses representados no espaço público desde a Constituição de 198820,
seja através de membros com capacidade de discurso e ação dos próprios grupos
sociais referidos, vide os vários movimentos nacionais (sem-teto, sem-terras, e
outros) e internacionais (homeless, chômeurs, SDF/sans domicile fixe), seja por meio
de aliados - representantes de entidades da sociedade civil e políticos à frente de
mandatos populares.
 Não obstante, são sujeitos que integram os dilemas da cidadania escassa e da
ausência de igualdade no país, dilemas de difícil resolução pela via exclusiva da
democracia formal e representativa. Portanto, na travessia histórica em direção à
contemporaneidade de um país que sempre privilegiou as regulações econômicas em
detrimento da esfera pública, que se modernizou de forma desintegradora, sem
modernidade, ou como já dissemos, pela via conservadora, não há como eximir as
elites e os diversos governos de sua responsabilidade pelo acirramento da questão
social. Em decorrência disso, é grandea falta de confiança no Estado, devido ao não
pequeno lastro de corrupção e patrimonialismo que o caracteriza no Brasil21. São
 
19 Como diz M. Ponty: “há o mundo, há alguma coisa, no sentido forte em que o grego fala (...), há coesão, há
sentido” (2000:90).
20 Como usuários da assistência social, eles têm direito à participação política, segundo o que determina a Lei
Orgânica da Assistência Social (op.cit.). Em função das dificuldades referidas acima, trata-se infelizmente de uma
participação desejável, mas nem sempre real.
21 Gostaríamos de chamar a atenção, neste sentido, para as formas de poder invisíveis que subjazem aos pactos
políticos e promessas clientelistas, sobre o que já tratamos historicamente no capítulo 1. Quanto à percepção
teórica acima, cabe, porém, situá-la no seio da concepção de política que sustenta as nossas reflexões nesta tese e
também em outros trabalhos de nossa autoria (Sales, 2004 e 1999). De acordo com Ribeiro (1981), a política
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inúmeras, portanto, as perdas societárias, à medida que se esvaem referências
coletivas e multiplicam-se soluções individualistas e regressivas do ponto de vista da
civilidade e da legalidade, como as mobilizadas por muitos adolescentes infratores. O
Estado mostra-se, pois, em razão da crise de que é portador, incapacitado de
estabelecer a ordem e fazer cumprir as leis a contento (Castro, 2001).
 Vê-se, com isso, a um só tempo o significado e a importância de tomar parte
do processo democrático que se desenrola na esfera pública, muito além do
parlamento, justamente pelo fato de as forças em movimento e disputa tecerem
hegemonias e elegerem critérios distintos na distribuição das partes. É preciso
disputar politicamente esse processo, cientes de toda carga de litígio que ele
concentra, na perspectiva da ampliação dos direitos e do resgate de uma cidadania
para a maioria. Para tanto, faz-se necessário que a supressão desse espaço comum
não esteja em jogo. Neste caso, a situação ficaria ainda mais agravada, uma vez que a
perda da relevância da fala e do reconhecimento do outro traz sérias implicações em
termos de perda dos referenciais humanos, deserção da realidade e de barbarização
da vida. Como assinala Rancière (1996a), o fim da vida pública e a negação da
política não promovem ganhos sociais, nem tampouco a quietude e o consenso, mas
sim fecundam privatismos, ressuscitam particularismos violentos e irracionais, como
as xenofobias e o racismo.
 Lipovetsky (1989), por sua vez, acrescenta a partir da sua reflexão sobre a
modernidade alguns elementos importantes à compreensão do papel do conflito
como integrante do que ele chama de idade democrática. As sociedades ocidentais
contemporâneas, segundo ele, seriam inseparáveis do antagonismo permanente do
sentido, de focos sucessivos de dissenso, de novos conflitos de idéias e valores. A
democracia não se fundaria, pois, na similitude de opiniões e na unidade de crenças,
ainda que a liberdade e a igualdade constituam sua base comum. Esta seria, assim,
uma era que favorece um ilimitado processo de crítica e que se acha distante da
uniformização de convicções e de comportamentos, apesar das determinações da
 
envolve o exercício do poder e revela: quem manda, por que manda e como manda. Revela os sujeitos, os
projetos societários em jogo e a visão de mundo, mais as estratégias de quem se organiza para se opor ou
defender o status quo. Refere-se tanto ao poder que se manifesta e se torna visível, quanto àquele que se organiza
em silêncio e veladamente. Trata-se, portanto, de uma práxis, cujas conseqüências são revestidas de extrema
complexidade, passível de entendimento via análise dos discursos, fatos e interesses em disputa. A política
concerne, em suma, à canalização e encaminhamento de interesses para a formulação e tomada de decisões que
afetem de alguma maneira a coletividade.
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indústria cultural e seus ventos massificantes. Em apoio às teses rancièrianas, ele
também defende que os homens se mantêm juntos, paradoxalmente, “nas e pelas suas
oposições, nas e pelas suas divergências”. Diz ele:
“o próprio conflito sobre as significações sociais e os interesses, longe de
quebrar o laço de sociedade, encarrega-se de produzir uma dimensão de
comunidade de pertença. A divisão e o antagonismo social são criadores de
laço social simbólico, soldam os homens uns aos outros (...) Meio de fazer
participar os indivíduos, de os implicar na definição de um mesmo universo, o
conflito é fator de socialização, de inclusão e de coesão social” (1989: 369).
O desejo de supressão do conflito pela eliminação do outro ou pela sua
manutenção na invisibilidade vai, assim, na contramão das pulsões dialéticas da vida
social e do sentimento de permanência do mundo. Encarna em lugar disto o
fenômeno totalitário e, sob o signo de Thánatos, a morte da liberdade. A história da
humanidade mostra, no entanto, que mesmo em seus momentos mais trágicos, como
o nazismo e o fascismo, não pereceram a esperança e a capacidade de resistência de
suas vítimas (Heller, 1989), e a dos que se organizaram contra estas modalidades de
totalitarismo. Neste caso, é precisa a análise de Arendt, quando afirma que a força e
o poder não constituem a mesma coisa:
“o poder surge apenas onde as pessoas agem em conjunto (...). Nenhuma força
jamais é grande o suficiente para substituir o poder; onde quer que a força se
confronte com o poder, ela sempre sucumbirá”(1987:29).
A defesa de valores como liberdade, cidadania e democracia, enunciados e
buscados individual e coletivamente na prática social histórica, não pode prescindir,
portanto, do espaço público e da efetivação do poder. Como alerta Arendt, “se (este)
não é efetivado, perde-se”, porque “o poder é sempre (...) um potencial de poder e
não uma entidade imutável” (1989b:212). E, afinal, é ele que mantém a existência da
esfera pública. Segundo Vargas (2000), esta idéia distingue-se da concepção de
poder “ubíqüo e onipresente”, em Foucault, ao passo que, em Arendt, ele é potência
que se atualiza por meio da ação e do discurso em público, o que faz com que essa
esfera não se desvaneça.
No território peculiar à política operam, pois, impulsos e sujeitos que primam
e lutam pelo direito à expressão, à visibilidade, à fala, essenciais à possibilidade de
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atestar e conferir humanidade ao homem. Para tanto, é preciso instaurar o mundo ou
os assuntos comuns aos homens, como objeto de discurso (Arendt, 1987), passível de
discussão, conversa e, na percepção refinada de Rancière, de litígio. A importância
da fala no espaço público está associada à necessidade de desprivatização da
realidade; é necessário que as coisas humanas conquistem a aparição pública, isto é,
sejam expostas em público para adquirir alguma forma de existência. Neste sentido,
de acordo com a formulação arendtiana, “a aparência constitui a realidade (...),
garante-nos a realidade do mundo e de nós mesmos”(1989a:59-60)22.
A questão da (in)visibilidade em Arendt e em Rancière também difere, de
certa maneira, da percepção foucaultiana. Para o filósofo francês,esta sociedade é
dotada da capacidade de ocultar mostrando, vide as malhas e armadilhas do
empirismo e do panopticismo. Suas reflexões acerca do poder, sobretudo em Vigiar e
Punir (1996), permitem que se indague se tornar-se ou deixar-se ficar visível é um
imperativo democrático ou mais uma tirania da domesticação pela ordem, que
pretende controlar e regular todos os aparecimentos e acontecimentos. Agora, se
Foucault resistia ao ocularcentrismo e suas miragens científicas num combate
travado em companhia de muitos de seus contemporâneos franceses, por outro lado,
é um inconteste crítico do totalitarismo23 – termo cunhado por Arendt (1989b) -,
associando a exposição à visibilidade dos indivíduos pelo Estado e suas várias
agências de controle à perda da autonomia e da liberdade. Tese que certamente não
afronta os pressupostos teóricos da crítica de Arendt ao totalitarismo.
 
22 Para os marxistas, a aparência, embora integre a essência, é sempre terreno da pseudoconcreticidade ( Kosik,
1989): ora como presa da ideologia e suas falsificações do real, ora como expressão do alcance limitado e
enviesado do senso comum, e também como objetividade factual, sempre passível de regularidade e classificação,
conforme sustentam o positivismo/funcionalismo, o que equivale, em termos durkheimianos, à coisificação dos
fenômenos e processos sociais, com a conseqüente perda da sua complexidade sócio-histórica e caráter
multifacetado. Eis por que, para Marx, não há uma recusa da aparência, posto que ela é o concreto – ponto de
partida e ponto de chegada da análise. A proposta política e metodológica marxiana é, porém, ir além dela para
reconstruí-la como concreto pensado. A aparência, assim, para ele, esconde e revela, ao mesmo tempo, a
realidade do mundo; para os mais rígidos e ortodoxos, algo difícil de apanhar à primeira vista, resultando em
falsas oposições e mecanicismos.
23 O totalitarismo, segundo H. Arendt (1989b), consiste numa forma de governo e sistema de poder ilimitado,
baseada na organização centralista e burocrática de massas, apoiada no emprego do terror e da ideologia, como
por exemplo a repressão a qualquer movimento de oposição e à livre expressão. A política do medo, com a
descartabilidade generalizada das pessoas, encetada pelo nazismo na Alemanha e nos períodos mais duros do
stalinismo na URSS, a título do controle e dominação total da sociedade pelo Estado, constitui, para ela, também,
paradoxalmente, uma face da modernidade ocidental - a mesma que foi palco de lutas pela democracia e pelos
direitos humanos, e de experiências inovadoras de bem-estar social e desenvolvimento econômico. Hoje, fala-se
que “escapou” à autora a dimensão totalitária do mercado e do terror praticado pela ideologia do “capitalismo
total”, mais do que nunca em vigor (Kurz, 1999) .
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Para Arendt, a visibilidade, desejada como enriquecedora da condição
humana e expressão da cidadania ativa, não se presta a um papel conformista e
limitado. Impulsionada pela política, ela é um dos artífices da democracia24 e se opõe
tenazmente ao totalitarismo: eis por que deve ser algo intermitente. Opondo-se tanto
ao controle panóptico penal e disciplinar dos indivíduos, quanto ao mito da
evidência total do tempo das fogueiras das vaidades midiáticas, diz ela: “Uma
existência vivida inteiramente em público, na presença de outros, torna-se, como
diríamos, superficial. Retém a sua visibilidade, mas perde a qualidade resultante de
vir à tona a partir de um terreno mais sombrio” (1989a:81). Ninguém, pois, pode
viver permanentemente nesse espaço.
Ademais, a ação política, segundo a formulação arendtiana, seria pertinente à
esfera da liberdade, a qual, a despeito das diferenças de posição e perspectivas25,
requer a persuasão por meio da palavra26, e recusa a violência como um modo pré-
político de lidar com as pessoas. Em termos societários, esta última pertenceria,
enquanto expressão assimétrica das relações sociais, à escala da força, do mando e da
imposição, o que supõe, por sua vez, na outra ponta, a obediência, a submissão, a
aquiescência e ainda a sujeição à violência praticada por outrem. A autoridade
política representada pelo Estado deveria ser limitada, assim, à maneira liberal, com
vistas a resguardar a liberdade. Porém, a violência pode vir a ser admitida como
forma de se emancipar das contingências severas ligadas ao plano das necessidades e
de conquistar a liberdade no mundo. Seriam legítimos, embora ilegais, todos os
movimentos que mobilizassem tal expediente de luta contra a opressão, mais a
revolta que eles encerram.
 
24 Vale destacar o discurso e as lutas empreendidas pela esquerda hoje no Brasil e no mundo em defesa da
transparência, no sentido de uma adequada relação entre público e privado, no que tange ao aparelho estatal, e
como um requisito ético-político da democracia a atestar a fecundidade e a complexidade da relação entre
(in)visibilidade, política e esfera pública. A importância destas lutas e bandeira prende-se, assim, ao compromisso
com a visibilidade do poder (Vargas, 2000). Daí por que Arendt, contra qualquer tentação pragmática
“maquiavélica” ou veleidade ética na relação com a política e o poder, cita e complementa o próprio pensador
italiano (O príncipe, cap.8): “Qualquer método pelo qual ‘um homem possa realmente conquistar o poder, mas
não a glória’, é mau” (1989a:88).
25Como reforça Merleau-Ponty: “na ausência de toda diferença, não haveria mediação, movimento,
transformação” (2000:94). Diz ainda, dentro do mesmo espírito, radicalizando expectativas políticas e
democráticas ante as proposições da esquerda de sua época, mas não desprovido de intuito polêmico e crítico, que
é essencial à dialética, como filosofia e/ou pensamento de situação, ser autocrítica.
26 Tal qual Rancière (1996a e 1996b), que alerta para os sentidos distintos que uma mesma palavra pode ter num
contexto de embate político de luta pelas partes, no sentido de capacidade de escuta e entendimento diversos,
segundo o lugar que se ocupa no mundo, assim M. Ponty também alerta que o significado unívoco constitui
apenas uma parte da significação da palavra. Além disso, há sempre “uma auréola de significação que se
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É preciso, em contrapartida, assegurar democraticamente o ambiente plural de
muitas vozes e a presença dos outros, por meio dos discursos e enfrentamentos
políticos, em nome da durabilidade do mundo. Nesse embate, todas as estratégias de
socialização do poder possíveis de serem acionadas, enquanto demanda radicalmente
democrática, vêm a fortalecer o processo de erradicação da dominação e do
despotismo que ainda persistem na vida pública (Castro, 2001). Arendt esclarece
ainda que “é possível dividir o poder sem reduzi-lo” (1989b:214). Por meio da
interação de poderes, pode-se, inclusive, gerar mais poder. E como diria Laclau
(1998), “o poder é a sombra da liberdade”.
Contrária, assim, à confiança na existência de uma verdade única,
eliminadora da discordância dos tempos, falas e sujeitos, afirma Arendt: “o mundo
comum acaba quando é visto somente sob um aspecto e só se lhe permite uma
perspectiva” (1989a:68). O totalitarismo se fertilizaria, assim, na obscuridade, o
outro nome do fim da democracia. A esfera pública é, em contrapartida, locus da
sociabilidade, da cidadania ativa e da experiência do mundo.
Por fim, o sentido de público para ela, como espaço do visível, equivale a
concebê-lo, pois, como produto do empenho político coletivoem tratar os assuntos
comuns de forma aberta e manifesta, tendo como requisitos fundamentais a coragem
e a ousadia para defender o que é justo e empreender o novo e o inesperado. É da
natureza, portanto, das ações políticas dotadas de grandeza violar os padrões
consagrados e atingir o plano do extraordinário, como fruto da convivência entre os
homens em sua pluralidade.
De acordo com o patrimônio político e filosófico clássico grego, respaldado
na obra de Arendt, a coragem era considerada a virtude política por excelência, em
função dos riscos que corre aquele que a abraça em defesa da liberdade. A covardia,
o medo da morte e o apego excessivo à vida eram, por sua vez, vistos como as piores
formas de servilismo e de indignidade (Arendt, 1989a:45). Da ação política imbuída
do valor da coragem, revelada no ato vivo e a posteriori, como manifestação da
identidade – quem se é realmente - advem, pois, a possibilidade da glória e da
imortalidade. O cume da existência humana estava, assim, associado à prática
política, com sua marca de exposição e revelação inscritos em palavras e atos -
 
manifesta em modos de empregos novos e inesperados, que há uma operação da linguagem sobre a linguagem
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atividade que não visaria um fim, porque esgota o seu significado no instante mesmo
do seu desempenho. Tratar-se-ia, pois, de uma modalidade de ascese, sob o impulso
da eticidade e da liberdade, e, como tal, desprovida de interesses privados,
pragmáticos e mesquinhos. Nesta perspectiva, a esfera pública, segundo Arendt, seria
“reservada à individualidade: (como) o único lugar em que os homens podiam
mostrar quem realmente e inconfundivelmente eram” (Id. Ibid.:51).
Do mesmo modo, só é admitido no mundo público o que é relevante, digno
de ser visto ou ouvido. Seria, pois, este um espaço protegido contra a futilidade,
reservado à permanência dos homens, com seus feitos e ações, e à durabilidade do
mundo. O irrelevante, do ponto de vista do interesse coletivo, pertenceria, assim, ao
reino dos assuntos privados, mesmo aquele dotado do maior dos encantos.
Todas estas acepções opõem seguramente o pensamento de Arendt à cultura
engendrada pela sociedade de massas, a qual coincide, para ela, historicamente, com
a realidade de perda quase que completa de uma autêntica preocupação com a
imortalidade. Em seu lugar na era moderna, propagar-se-ia a “vanglória”, isto é, o
desejo de notoriedade apenas como vício privado da vaidade, em que a admiração
pública figura, lado a lado da recompensa financeira: algo a ser usado e consumido
(Id.ibid.65-66). O risco implícito, na fábrica de sonhos que constitui a indústria
cultural, seria o de tornar as pessoas prisioneiras da subjetividade da sua própria
existência, fazendo-as perder o seu lugar no mundo. A contraface do desejo de palco
e brilho acalentado por muitos, também submetida às determinações dessa indústria,
seria o fenômeno de massa da solidão de outros tantos, encerrados em seus lares,
apenas antenados às telas da TV e, mais recentemente, do computador.
Como expressão da auto-alienação da sociedade e da desumanização
percebida em relações fetichizadas, permutáveis e reguladas pela troca, a
exacerbação do individualismo contida na idolatria moderna, ligada a expressões
decadentes da arte, assomaria para os homens, magnetizados por todos esses
processos, como escravidão de si mesmos - resultado humilhante, degradado e
vulgar da inspiração original da visibilidade como condição humana.
Trata-se de uma preciosa crítica, como se pode ver, balizada em princípios e
valores democráticos universais, adensados pela história da complexa relação entre
 
que (...) remeteria a linguagem a uma nova história. (...) A linguagem é ela mesma um mundo” (2000:97-98).
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política, poder e esfera pública no último século. Todavia, a despeito de tudo isso, é
certo que os meios de comunicação de massa alteraram o quadro das possibilidades
tradicionais de visibilidade, exercendo um grande impacto na esfera pública. À
maneira de Vargas (2000), portanto, indagamos: “dado que os medias massivos
(também) se apresentam como um espaço de aparição, cabe perguntar qual é o
regime de visibilidade que atualizam e quais são os atores que incluem?”. Neste
sentido, o nosso ponto de partida e de chegada neste debate permanece sendo como
os adolescentes infratores aparecem na cena pública.
É o que queremos continuar a perscrutar, somado ao élan do ethos e da
estética do visível que fortemente os influencia, por meio da polêmica, mas
inovadora, leitura de Lipovetsky, o qual vai discorrer sobre a moda - essa
“encantadora alma das ruas”27 da modernidade - e a febre de consumo que ela
inspira.
2.2. Efêmera aparência: Indivíduo, cultura e visibilidade no Ocidente
“Quand on regarde quelqu’un,
 on se voit dans son regard:
 l’image que j’ai de moi, c’est donc toujours à travers un point de vue, une subjectivité.
 (...) Nous n’existons que par représentations et projections successives.
C’est à la fois merveilleux et terrifiant ! »
Orianne Charpentier
Todo começo é um pouco arbitrário. Pode-se, inclusive, contar uma história a
partir do seu fim ou meio28. Nenhuma forma de contar é, portanto, absoluta.
Queremos, no caso, contar uma história da esfera pública e sua capacidade de
difundir modelos e experiências políticas, culturais, sociais e econômicas, sobretudo
pelo ângulo do que mobiliza os indivíduos em sua singularidade e vínculos sociais -
familiares, grupais, de gênero e geracionais.
Mesmo que nos reportemos ao passado como história, é no cerne do presente
que nos interessa perceber o poder de atração que a esfera pública, ou em outras
 
27 Inspirado no cronista e dândi carioca João do Rio, considerado uma das figuras mais inventivas da entrada do
Brasil do século XX.
28 Lefort (2000) diz que para Kafka as coisas também se apresentavam a ele “não pelas raízes, mas por um ponto
qualquer situado no meio” (p.261).
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palavras, o espaço social da visibilidade, representa para os indivíduos, em particular
os adolescentes. Como se trata muitas vezes para o senso comum apenas de uma
atração pelas aparências dos processos sócio-culturais e políticos em curso, deixemo-
nos levar um pouco por esta pista: a preocupação com a aparência conectada ao
desejo de aparecimento, a se metamorfosear no presente como desejo de consumo e
a revelar a força da indústria cultural.
Este é um processo social que tem lugar sobretudo na modernidade e radica
nas razões e contradições do ascenso da sociedade burguesa. Menos denso e severo
que o direito à vida pública e ao aparecimento na sociedade grega, quando era algo
interditado a mulheres, crianças e escravos, guarda, em periodização histórica mais
recente, algo de igualitário e democrático, não obstante envolva critérios e maneiras
de distinção. Se lá estava indissociavelmente ligado à política, como arte do discurso
e da retórica, e à teoria, como vida contemplativa, ambas práticas exclusivas do
cidadão,na modernidade é ainda pela política que se inscrevem, no espaço público,
os sujeitos e suas necessidades e que se luta para assegurar direitos. O trabalho, mais
o processo de produção e o acumulo de riquezas, tem também, nesse território,
extraordinário relevo como criação e afastamento das barreiras naturais, domínio de
técnicas e garantia de condições materiais de sobrevivência para os indivíduos. Mas é
sobretudo por meio de outras formas de objetivação, como a arte e a diversão, e por
que não dizer do consumo de massa, que se expressa o pleito dos indivíduos ao
direito à diferenciação, à singularização ou simplesmente à fruição de bens e
serviços. Pode-se dizer que constitui uma marca do capitalismo tardio, ou
simplesmente da modernidade nos séculos XX e XXI.
A febre da modernidade e sua voracidade criativa, própria da lógica de
reprodução do capitalismo, já tinham encantado Marx, em o Manifesto Comunista
(1848). E é sobre essa sede de novidade – traço constitutivo da sociedade burguesa -
que Lipovetsky assenta a sua tese sobre a moda, como um dos principais vetores de
expressão do ethos urbano e das transformações sociais desde fins da Idade Média.
Embora o debate sobre a moda não nos interesse ipse liter, nem tampouco
concordemos com o elogio permanente ao liberalismo, subjacente no seu texto,
reconhecemos que o autor de O Império do Efêmero conseguiu apanhar uma
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variedade de elementos, no âmbito dos valores e significações culturais modernas,
que atravessam o imaginário e a subjetividade urbana no século XX.
Identificamos, assim, para melhor discernir o lugar de produção da
(in)visibilidade social na contemporaneidade, um enlace entre: a) a esfera pública,
enquanto seio de definições e ações políticas, e também como pólo de disputas e
decisões econômicas; b) a mídia e c) outras dimensões socioculturais, como a moda e
a fama - atributos da indústria cultural29, ligados sobretudo ao cinema e à televisão30.
Se partilhamos da crítica à espetacularização enquanto componente usado e
abusado pela cultura midiática, por outro lado não há como deixar de reconhecer o
fascínio exercido por esta última junto aos indivíduos, no contexto de uma sociedade
cada vez mais seduzida pelas imagens31. Para um largo setor democrático e
pluralista, também já se tornou mais complexo o olhar quanto: à “sujeição da razão”
pelos mass medias; à redução da indústria cultural a meros estereótipos; ao suposto
embrutecimento dos indivíduos pela televisão, dentre outros - temas das primeiras
críticas.
Há que se pensar, por exemplo, na influência do ethos do efêmero sobre o
valor da vida32 junto aos adolescentes, de modo geral, e sobre os autores de ato
infracional, em particular. O que poderia estar dentro daquilo que Lipovetsky
qualifica como “o melhor e o pior”, isto é, os efeitos ambígüos, dessa era dominada
pela moda (1989:27); uma era marcada pela instabilidade, metamorfoses incessantes,
 
29 Há um claro contraste entre as perspectivas de Arendt e também de Habermas em relação às premissas e
desdobramentos dessa concepção de esfera pública, sob o domínio da moda. Não obstante a justa resistência
daqueles a esse respeito, assentada na crença da decadência da esfera pública burguesa e no intuito de reconstruí-
la sob inspiração democrática mais autêntica, acreditamos que a política não saiu ilesa dos processos históricos
locais e mundiais do século XX, pelas opções feitas ao longo por partidos, estadistas e militantes; opções nem
sempre impregnadas da aura moral e dos desprendimentos almejados quanto a uma vida ativa, efetivamente
comprometida com a democracia e a visibilidade do poder. É preciso, pois, reconhecer-lhes os próprios excessos
– representados nas experiências ditatoriais e totalitárias - e insuficiências, e não como algo tributário da
ascensão da indústria cultural. Como veremos oportunamente nos próximos capítulos, o papel da mídia é coisa
realmente complexa, porque contribui, inclusive, para monitorar os abusos do poder, como macrotestemunha da
historia (Rondelli, 1997). Ousamos, portanto, nesse capítulo, estabelecer pontes entre essas produções, tecendo
diálogos improváveis, à primeira vista, no que elas possuem de melhor e também de mais realista, porque para
compreender o presente e o que será feito das novas gerações, e poder lhes fazer as melhores promessas (Arendt,
1989a), é preciso ir além da crítica teórica elitista e moralista, e deixar-se misturar à poeira das ruas. Ali onde é
possível conhecer os gostos, os cheiros e as aspirações populares. Nem sempre tão “altas, nobres e lúcidas”, como
falava o poeta, mas capazes de permitir saber mais do nosso tempo.
30 Porém, somente a televisão em intersecção com a mídia escrita interessam para os objetivos desta tese.
31 Desde as reflexões de Walter Benjamin sobre o flaneur baudelairiano, por exemplo, já se admitia que a cidade
grande (em particular, a metrópole) era marcada pela preponderância da atividade visual, com impacto nas
relações de reciprocidade entre os indivíduos pela ausência da palavra (1989:36).
32 Desde a Ilíada (séc.VIII a.C.), percebe-se o quanto o fio da vida é tênue em contextos violentos, no caso uma
guerra prolongada. Agora, o que movia os aqueus e troianos era a crença nos valores - coragem, lealdade, honra,
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curiosidade e gosto pelas realidades do exterior, artifícios, extravagância e também
pela renovação das formas. Tudo isto adquire um valor mundano e se torna regra no
Ocidente moderno, por meio sobretudo da esfera do parecer (ou domínio da
aparência) - seu pólo arquetipal, mas presente também na linguagem, maneiras,
gostos e idéias, artistas e obras culturais. É mister constatar, ademais, sem prejuízo
de qualquer percepção crítica, a frivolidade e a futilidade, em meio às práticas de
consumo burguesas e à dinâmica individualista, formadoras de um gosto estético
dominante ou estandardizado, copiado e desejado pelas massas33.
Torna-se interessante ainda, no que concerne à compreensão da juventude e
dos conflitos geracionais a ela associados no contexto da socialização moderna,
reconhecer o significado da moda34 como um fenômeno social clivado por fortes
agitações, e mudanças, acelerador do fluxo da história. No âmbito do ser e do
parecer, isto se traduz por uma grande demarcação frente ao legado e à legitimidade
do passado35, incluída uma depreciação da ordem antiga, mais uma apologia do
presente e do novo, e o reconhecimento da autonomia dos homens para modificar a
organização do seu mundo. Como destaca Lipovetsky: “o êxtase do novo é
consubstancial aos tempos democráticos” (p.139).
A história da moda, desabrochada no período aristocrático e dotada da
capacidade de encetar mudanças, permite, segundo Lipovetsky, perceber “o
sentimento do tempo que passa através dos diferentes modos de vestir” (p.41); enfim,
adensa a noção de temporalidade, na medida mesma em que esta se torna mais curta.
Como descontinuidade e ruptura histórica, sob a égide da moda fundam-se novos
 
disciplina, hierarquia, etc. - e também a sua fé nos deuses. De todo modo, moviam-se instados por valores
coletivos e não puramente pela mera satisfação individual.
33 Fazer esta afirmação não é o mesmo que defender isto, é reconhecer-lhe um papel na história e um lugar na
subjetividade contemporânea. Cabe ainda relativizar, historicamente,a direção de influências e gostos, porque na
história do Brasil e das Américas, a contribuição de negros e índios para a cultura nacional (americana e latino-
americana) é enorme. Aqui, após o processo de miscigenação, residual e marcante ao mesmo tempo entre as
classes trabalhadoras urbanas do país, os jovens do subúrbio, como a Zona Norte, e das “favelas”, numa
metamorfose com a cultura musical e estética mundial, criam, inspirados pelo funk, rap, samba, pagode, afro-
reggae, etc., uma moda disseminada entre os grupos de classe média e classe média alta no Rio de Janeiro e
demais estados do país.
34 O autor salienta, desde o início de sua análise, o domínio feminino no campo da moda, como principal fonte de
inspiração e de consumo das criações estéticas no território do parecer, desde o período artesanal até o momento
da consolidação de uma indústria de massa, no século XX. Todavia, consideramos que o movimento de
individualização e de configuração diferenciada das esferas pública e privada, processos de grande fôlego que
atravessam vários séculos da nossa história mais recente, certamente desborda a condição feminina. Por isto, não
nos ateremos a esta diferença de gênero em primeiro plano, mas ao que é fundamental em termos de cultura e
valores consubstanciais às sociedade modernas.
35 Isto não quer dizer que o passado tornou-se inteiramente desvalorizado, mas apenas que deixou de ser um
modelo a ser reproduzido e venerado (Idem., 1989:363).
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laços sociais - propriamente um sistema social de essência moderna - e abre-se um
novo tempo social legítimo. O presente impõe-se como eixo temporal e a novidade
torna-se marca de excelência social, amor pela mudança, paixão pelo “moderno”.
Seu principal trunfo é, assim, o de contribuir para revelar a soberania e autonomia
humanas:
“Antes de ser sinal da desrazão vaidosa, a moda testemunha a capacidade dos
homens para mudarem e inventarem a sua maneira de aparecer, é uma das
faces do artificialismo moderno, do empreendimento dos homens para se
tornarem senhores da sua condição de existência.” (1989:45)
Firmado esse poder de iniciativa sobre o parecer, merece destaque também a
sua precipitação no universo da sedução e do espetáculo, segundo a lógica do
efêmero e da fantasia estética. Apesar da sua dimensão de fenômeno de massa, a
moda também educou o olhar civilizado para distinguir as pequenas diferenças.
Configura-se, então, uma verdadeira arte de observar e interpretar os semelhantes:
“os seres nunca mais vão parar de se observar, de apreciar o aspecto uns dos outros”
(p.52). Aparelho de juízos estéticos e sociais, a moda fortalece o sentido de esfera
pública, de pertencimento, de identidade e diferença em relação ao Outro, nunca de
indiferença36. Via de mão dupla, essa esfera do parecer também suscita o
investimento em si, a auto-observação estética, o alargamento do culto do Eu, enfim,
institui a individualização narcísica. Como diz Lipovetsky: “ a moda está ligada ao
prazer de ver, mas também ao prazer de ser olhado, de se exibir ao olhar do outro”
(p.52). Requisito ineliminável desse processo: a visibilidade, aqui como uma
expressão fetichizada do seu significado para a condição humana, mas com uma
larga participação na formação da individualidade ocidental moderna.
Para além das finalidades estéticas em si, a moda consiste, portanto, num
dispositivo de regulação e pressão sociais, algo como um “dever” de adoção, o que
implicaria numa certa conformidade social. Todavia, não se pode esquecer que ela é
também movida pelo desejo dos indivíduos de se comportarem e se assemelharem
 
36 Mesmo não sendo uma peça representativa da moda, o véu utilizado obrigatoriamente pelas mulheres de
religião muçulmana constitui um bom exemplo das polêmicas suscitadas pela aparência do outro. No caso aqui
com um signo carregado de valores opressivos da condição feminina em muitos países árabes e africanos. Na
França - país de tradição republicana -, o seu uso passou a ser vetado nas escolas públicas desde 2003, assim
como a exposição de símbolos de outras religiões, em nome da defesa do princípio da laicidade.
(In)visibilidade Perversa Mione Apolinario Sales
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aos que resplandecem bom gosto e status social. Seria, assim, um instrumento de
representação e afirmação sociais, signo de pretensão social.
 A propósito dos sujeitos sociais enfocados na tese, cabe relembrar, que
segundo Lipovetsky, “a expansão social da moda não alcançou imediatamente as
classes subalternas37. Durante séculos, a maneira de vestir respeitou globalmente a
hierarquia de condições” (Grifo nosso, p.54). De início, ela é aristocrática, depois por
volta dos séculos XVI e XVII, ela torna-se pequeno-burguesa; enfim, só muito lenta
e limitadamente, democratiza-se a moda. Como pano de fundo desse processo parcial
de nivelação das aparências e instrumento de igualdade de condições, teve-se a
ascensão econômica da burguesia e a expansão do Estado moderno: “conjuntamente
puderam dar realidade e legitimidade aos desejos de promoção social das classes
sujeitas ao trabalho” (Grifo nosso, p. 56).
Misto de parâmetro discriminador e de (desejos de) superioridade social38, a
moda é indissociável do individualismo. Mesmo tendo contribuído, por vezes, para o
sentimento de pertencimento a uma comunidade política e cultural – condição, classe
e país -, dado um certo caráter de norma de conjunto, um dos seus principais traços
constitutivos e criativos é o de deixar espaço às escolhas e ao gosto pessoal. É, pois,
instrumento de inscrição da diferença e da liberdade individuais, e um meio
privilegiado de expressão da unicidade das pessoas, porque, como diria Lipovetsky,
“é preciso ser como os outros e não completamente como eles” (p.59). Daí a
legitimidade da individualização do parecer, por meio do inédito, originalidade,
inovação, audácia e diferença. A moda ajudou, assim, a exprimir e a formatar
mundanamente uma invenção própria do Ocidente: o indivíduo livre, desamarrado,
criador e o êxtase do Eu.
Mas nem “tudo que é sólido desmancha no ar”. Foi somente a partir do
momento em que a Europa ultrapassou as “invasões bárbaras” e alcançou uma
profunda estabilidade cultural que se tornou possível garantir uma ancoragem para
uma identidade coletiva: “na raiz do princípio de inconstância, a constância da
 
37 E mesmo depois que a moda as alcançou, as classes trabalhadoras permanecem como as que menos encontram
um orçamento disponível para as despesas de vestuário; a tendência é sempre consumir timidamente, reduzir
gastos e privilegiar a quantidade sobre a qualidade. Por causa disto, conflitos familiares e tensões na experiência
de ser jovem e pobre.
38 Apesar da inequívoca característica de diferenciação encetada pela moda, o autor discorda de uma redução do
seu papel a meras estratégias de distinção social pelas elites, no sentido de impor uma distância daqueles que
realizam um “trabalho produtivo e indigno” (p. 74). 
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102
identidade cultural ocidental, excepcional na história” (p.66). Num cenário de
enriquecimento das classes burguesas, mais de renascimento urbano e da irrupção de
uma nova divisão do trabalho e conseqüente dinamismo do artesanato, com a
presença de várias corporações de ofícios – costureiras, sapateiros, alfaiates,
chapeleiros, etc. -, a moda pôde se desenvolver e prosperar.
Se a moda dependeue ainda depende das múltiplas inovações produtivas
(tecelagem, tinturaria, técnicas, etc.), trata-se, porém, de um fenômeno que requer
sobretudo iniciativa e imaginação individuais, sendo totalmente dependente da
exaltação moderna do novo e da procura das novidades. Sua lógica, assim, é
fundamentalmente social, mais que econômica. Seu apelo preponderante vai na
direção de novos marcos de referência, de novas finalidades e aspirações sócio-
históricas. Um outro traço essencial é o de que as reviravoltas e agitação sociais
ligadas à moda resultam, segundo Lipovetsky, da valorização, no campo das
mentalidades, da “nova posição e representação do indivíduo relativamente ao
conjunto coletivo” - uma nova relação de si com os outros, a partir da consciência de
se ser indivíduo e único; do desejo de afirmar uma personalidade própria; e da
celebração cultural da identidade pessoal (p.79). Ideais e experiências estético-
inovadoras de individualização do parecer, dotados de uma nova legitimidade social,
mas que permaneceram por longo tempo um privilégio das classes superiores.
Para além da consagração da individualidade e da novidade, importa ainda,
desde a revolução cultural cortês dos séculos XI e XII até hoje, associar ao
sobreinvestimento da ordem das aparências a emergência de uma nova sensibilidade
coletiva, mundana e moderna, uma moral e uma prática do prazer: prazer de agradar,
de surpreender e de deslumbrar. Prazer dos olhos. Apuramento dos prazeres do
olhar39.
Tratou-se de um lento trabalho de civilização40 dos costumes e dos prazeres,
implicando na construção de novos valores, como: aspiração a uma vida mais bela,
 
39 Lipovetsky polemiza com Lucien Febvre acerca do lugar do papel da vista no Renascimento. Para este, havia
mesmo um atraso nesse sentido, uma vez que os poetas e escritores daquela época preferiam utilizar imagens
acústicas e olfativas em detrimento de cores e formas físicas. Para aquele, o desenrolar da moda, surgida por volta
do século XIV, requer uma revisão desse paradigma antivisual, pois ela consiste e consagra mundanamente o
avanço do olhar estético (1989:86).
40 Trabalho de civilização que não pode ser dissociado dos primeiros pilares de construção de uma cidadania
burguesa, em particular os direitos civis, individuais e de propriedade. No Brasil, este processo vai se intensificar
somente no século XIX e permanecerá por várias décadas algo restrito às elites (Costa, 1989), e de certa maneira,
inconcluso. A não expansão dos direitos de cidadania por aqui resultou, como muito bem registrou Telles (1992),
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103
necessidade de estetismo, culto da ornamentação e do espetáculo, o gosto do cenário
teatral, a atração do exotismo, e o rebuscamento mundano. Somado ao amor, como
expressão mais singular da vida privada e do processo de individualização do homem
moderno, a sedução vai se tornar um dispositivo imanente ao universo da moda e de
estetização das aparências.
A arte também vai contribuir para a ultrapassagem das sombras e do inefável,
buscando a descrição pictórica do “real da vida na sua diversidade”. Secularização da
arte que acontece sob a égide do Renascimento41, denotando um maior interesse pela
experiência visual e pelas aparências, e traduzindo imageticamente a captura do
significado do espetáculo do homem no Ocidente. Integram, portanto, o mesmo
plano de atenções, as quais vão repercutir mais tarde na esfera do parecer: a paixão
pelos pormenores e pelas superfícies, a curiosidade pelas características individuais,
o prazer estético e a exaltação das coisas visíveis.
2.2.1 “A juventude está nas ruas”**: Cultura de massa42, consumo e
democracia
Na segunda metade do século XIX, a moda efetivamente se instala e com ela
todo um processo de produção, agora também industrial, e de difusão; sobretudo por
meio do élan da Alta Costura na virada e ao longo do século XX. Passa a
materializar uma nova e poderosa forma de poder, ao aprofundar a valorização da
ordem das aparências, a estética da sedução, mais a organização do novo e do
efêmero que ela já vinha encarnando historicamente, agora em plena sintonia com a
dimensão inaudita assumida pelo urbano.
 
em pesquisa sobre as famílias das classes trabalhadoras urbanas em São Paulo, no recrudescimento de
incivilidades; e mais que isso no renascimento da barbárie (Menegat, 2003).
41 Mesmo quando se tratam de imagens religiosas – Madona e bambini, Virgem, etc. -, elas são mais concretas,
humanas, reais. Nesse sentido, a arte cristã, desde a fase gótica, já começara a desenvolver e expressar a
consagração do homem em sua estada terrestre, procedendo à reabilitação das coisas visíveis, lado a lado ao
amor aos seres divinos. Somente a arte, como bem ressalta Lipovetsky, poderia realizar tarefa tão paradoxal, em
meio ao projeto moral e metafísico de salvação cristã (1989, p. 91).
** Parafraseando a palavra de ordem do Movimento de Maio de 68 na França: “A beleza está nas ruas...”.
42 Segundo Lipovetsky, a cultura de massa é uma cultura de consumo inteiramente mergulhada na vertigem do
presente e misto de evasão com integração. Privilegia o lazer e a diversão, a despeito de preocupações com a
educação e a elevação do espírito; rege-se pelo código da modernidade; e é, na prática, uma cultura efêmera,
porque não se propõe a deixar vestígios no futuro. Logo, é uma cultura perecível, descartável (1989: 281-283) .
(In)visibilidade Perversa Mione Apolinario Sales
104
Vale destacar que a moda moderna inaugura o que viria a constituir uma
marca do século XX: o consumo de massa. Esse fato vai acentuar ainda mais
algumas características em curso no Ocidente já há alguns séculos, com o apoio
doravante dos meios de comunicação de massa, a saber: a dinâmica dos estilos de
vida, os valores modernos e também a diminuição das grandes diferenças no modo
de vestir das classes. Lipovetsky qualifica esse momento de deflagração de uma certa
estandardização da moda como a “era da aparência democrática” (p.100).
Efetivamente, esse contexto foi precedido pelas primeiras grandes lutas da classe
operária no século XIX, às quais sobrevieram os partidos socialistas, expandindo-se
em múltiplas direções o imaginário democrático da igualdade de condições. Isto não
significava, porém, uma uniformização do parecer, sendo resguardados, agora de
forma mais sutil, os signos de distinção social43. Um ideal estético, todavia, sempre
ancorado em valores individualistas/democráticos, em particular o da autonomia das
pessoas.
O direito democrático à moda somente vai ser usufruído com uma
legitimidade de massa após a Primeira e Segunda Guerras Mundiais, muito embora
camadas sociais cada vez mais amplas tenham vindo, historicamente, partilhando,
paripassu, do ethos da mudança, do culto da modernidade e do desejo de moda. Esse
desejo de pertencimento e de visibilidade suscitado pela moda foi instigado e
alargado pela nova representação social e densidade que ela adquire, já desde o
século XVIII e que se aprofunda no século XIX. Além disso, a atmosfera e dinâmica
em torno dela são lúdicas, mas ao mesmo tempo marcadas por descontinuidades,
pela sede e excitação do Novo, e também pelas excomunhões, rivalidades e lutas de
tendência relativas ao mundo dos criadores (p. 110-11).
“Ser uma pessoa na moda” torna-se razão de cobiça para homens e mulheres,
revelando um sobreinvestimento dos assuntosrelacionados com o parecer, na
expectativa da aprovação estética do Outro, da reciprocidade do olhar e do gozo
visual, no momento mesmo em que a moda se afirma como objeto sublime:
sociológica, midiática e literariamente. Produz-se, assim, uma psicologização do
parecer, que se manifesta, por exemplo, no prazer narcísico de “mudar de pele”, de
 
43 Algo como “a Ford com assinatura Chanel” traduzia, na época, uma das edições da Vogue americana (Id. Ibid.:
p.101).
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se tornar e se sentir outra pessoa44, mudando simplesmente de indumentária ou de
layout. Uma nova sensibilidade passava a predominar, promovendo desde o gosto
pelas superfluidades, em detrimento do moralismo cristão e dos valores heróicos de
essência feudal, à preconização da liberdade, da felicidade, do prazer e das
facilidades materiais. Operava-se, assim, uma dignificação das coisas terrestres, mais
uma reabilitação dos desejos humanos em geral, dando vazão a um espírito hedonista
e a uma nova moral individualista. Passa a ter lugar uma concepção menos elevada e
rigorosa do belo, com a prevalência das coisas úteis e dos refinamentos temporais.
Deseja-se agora um novo tipo de elevação, de caráter mundano, mas com o máximo
de brilho e demarcação do vulgar, revelando uma estetização acrescida das
aparências.
A moda suscita, portanto, desejos de originalidade e de conformismo,
vontade de ser diferente e igual ao mesmo tempo: de estar na moda. Paradoxos do
trabalho da igualdade e da democracia, como bem cita Lipovetsky uma passagem de
Tocqueville: “nos tempos de democracia, aqueles que não se parecem naturalmente
entre si só querem tornar-se semelhantes e copiam-se” (Apud. Lipovetsky, p. 186).
Caem por terra os antigos privilégios, na medida em que a desigualdade de
nascimento deixa de ser algo legítimo e desaparecem outros signos estáveis de
dignidade social. O prestígio torna-se algo a conquistar na linha do self-made man,
isto é, da ética burguesa do triunfo com base no trabalho, na poupança e no mérito.
A moda exprime, assim, anseios democráticos, mesmo que o seu glamour e lógica –
desrazão frívola - se mantenham graças a criações voltadas para alimentar a espiral
de diferenças distintivas. A moda reedita, pois, num contexto igualitário, a
sacralização de algumas pessoas: “superindividualidades aduladas pelas massas”. Na
sociedade moderna, são elas: grandes atrizes, grandes costureiros, ídolos do show
business, cantores, etc. Como diz Lipovetsky:
“(...) erguem-se no campo ‘cultural’ figuras quase divinas, monstros sagrados,
desfrutando de uma consagração sem igual e que assim prorrogam uma certa
dessemelhança hierárquica no interior do mundo igualitário moderno” (p.128).
 
44 Esse processo é semelhante à relação de algumas pessoas com o “cabelo”, a qual é repleta de determinações
estéticas e subjetivas. Tal processo, ao nosso ver, pode ser claramente integrado às exigências do parecer e aos
ditames da moda. Sobre o conjunto de sensações e investimentos na aparência, Santos (2002) analisou dois
grupos de adolescentes negras no Rio de Janeiro, com ênfase na sua relação com o cabelo, ligada, entre outras, à
vivência e consciência étnico-racial.
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Tem-se, assim, uma nova lógica do poder, ligada a instituições como a Alta
Costura e de modo geral, ao mundo do espetáculo, que funciona graças: a processos
inéditos de sedução, à glorificação do luxo, à teatralização da mercadoria, à
publicidade feérica, à embriaguez da mudança, às metamorfoses da aparência, e à
grande revolução comercial. Sedução, como já se viu, ancorada no mito da
individualidade, na possibilidade de escolha, na originalidade, no afã de poder
conjugar o “eu profundo” com a aparência exterior.
A partir dos anos 50 do século XX, porém, dá-se um salto no aludido
processo de democratização da aparência, quando se expande a confecção industrial
e irrompe verdadeiramente o prêt-à-porter: o fabrico do vestuário de massa45. E nos
anos 60, uma novidade: a descoberta da juventude e sua audácia como fontes de
inspiração primordial para a moda e seu apelo de mudança. Inaugura-se, portanto,
uma estética com impacto de massa, assentada em valores juvenis: a mini-saia, o
jeans46, etc., tendo como pano de fundo, por exemplo, o rock e toda a significação
imaginária da qual ele é portador (o charme noir, a sensualidade agressiva, a
virilidade, o jeito andrógino, o estilo descuidado, rasgado, gasto, etc.). O look jovem
torna-se, então, o novo ideal individualista moderno. Como diria Hobsbawm, “a
cultura juvenil tornou-se dominante nas economias de mercado desenvolvidas”
(1995:320).
Não obstante os componentes sedutores dessa estética jovem, aliados
sobretudo a uma nova relação com o corpo, com as drogas, com a arte e
principalmente com a música, pode-se dizer que o final dos anos 50 e a década de 60
inauguram um outro tipo de olhar sobre a juventude. Em razão do contexto urbano e
da constituição de suas periferias, ela parece perder cada vez mais o seu ar nonsense
e adquirir ingredientes de rebeldia real e idealizada, isto é, sobreinvestida de
representações defensivas e conservadoras alimentadas por certos setores instituídos
do mundo adulto. A realidade de apartheid dos jovens pobres, inclusive, não será
uma prerrogativa brasileira ou latino-americana: ela se dá nos guetos étnicos
 
45 Se antes os produtos industriais no terreno da moda eram cópias, reproduções vulgares, nesta nova fase, o prêt-
à-porter exige, de quem fabrica, estilo, mesmo no plano das recriações, e oferece para quem compra uma
qualidade aliada à praticidade do cotidiano.
46 Responsável pela estandardização de massa das aparências, o jeans, o qual alia praticidade e durabilidade, é
talvez um dos símbolos mais característicos da moda na segunda metade do século XX e do parecer
democrático-individualista (Idem, ibidem., p. 198).
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americanos (hispânicos, negros, italianos, irlandeses, etc.) e também na Europa, com
destaque para França e Inglaterra, e seu crônico problema cultural-imigratório,
ligado, por vezes, à condição de juventude operária. A tradução política dessa
experiência de desproteção social e, conseqüente, desfiliação (Castel, 1998),
multiplicada pelo medo e suas representações sociais, é a associação indiscriminada
dos jovens à violência. Tudo o que os jovens pobres questionam e produzem
irreverentemente, aqui e alhures, e a tudo o que reagem é concebido,
invariavelmente, como violência, mesmo em se tratando de meras transgressões e
incivilidades: como a prática recorrente nas banlieues parisienses, desde os anos 60,
de queimar automóveis; o grafite47 ou pichação, que teve início nos Estados Unidos
ainda nos anos 70 e se propagou mundo afora; o surfe ferroviário no Rio de Janeiro
dos anos 90, dentre outros. A criminalização pela polícia dessas práticas
posteriormente vai atrair a mídia, consumando-se um ciclo de culpabilização a priori
dos adolescentes, de um lado; e de provocação por parte deles como forma de
chamar atenção e conquistar visibilidade, pós-anos 50, numa era que já começa a ser
do império da imagem48 (Muchielli, 2003).
Com apoio dessa reflexão sobre a moda, pretendemos, portanto, captar a
formação do ethos e da cultura contemporânea,estreitamente vinculados às novas
formas de produção e reprodução do capitalismo contemporâneo (Mandel, 1982; e
Harvey, 1998), cujas características de rapidez, ritmo incessante de novidades e
apelo à visibilidade seduzem especialmente a juventude. A idéia é compreender o
desejo de aparecimento na cena pública49, manifestado pelos adolescentes pobres em
 
47 Uma forma de expressão sociocultural urbana contemporânea, desenvolvida pelos jovens sobretudo da
periferia, subúrbios e favelas das grandes cidades, que traduz um esforço ambíguo de conquistar visibilidade
social: por meio da criatividade, singularidade (dado o peso que as assinaturas – “pseudônimos”- têm nessa
prática), mas também da audácia e da transgressão. O grafite é, assim, considerado por muitos (as autoridades e a
sociedade, de modo geral) mero vandalismo, mas também possui uma dimensão de jogo, competição entre
gangues e galeras, ou ainda de contracultura propriamente dita. A atitude de pichar prédios e monumentos
públicos acabou levando a opinião pública a associar o grafite com violência e a polícia a perseguir e vigiar
cerradamente os grafiteiros, terminando por ser uma minoria aqueles que o consideram uma expressão artística.
Para os adeptos, o grafite, nascido nas ruas, é vivido como um movimento, um desafio e um gesto de liberdade
autoproclamada. O objetivo de escrever o “nome” nos lugares mais improváveis, por serem de difícil acesso,
proibidos, etc., para que as pessoas o leiam lhes permite, de certa maneira, serem vistos por um grande número,
ainda que o sabor / a “adrenalina” esteja em correr riscos, ao pichar / grafar, sem se deixar prender ou flagrar: um
jogo, portanto, de visibilidade e invisibilidade. Para Jean Baudrillard, por exemplo, a cena ou o movimento
grafite consiste numa maneira de exportar o gueto para todas as artérias da cidade: uma forma de se apropriar do
cenário urbano (Battaglia, 2004).
48 Cf. Fontenelle (2002).
49 Como contraponto desta análise, consideramos importante a referência política e cultural ligada ao
pensamento crítico ocidental, segundo um tempo histórico mais largo, qual seja: as motivações clássicas da
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geral e infratores, em particular, conectado a esses valores; desejo que se tornará
exacerbado após a popularização da televisão.
Outras formas de representação coletivas e artísticas na era moderna, como a
escultura e a pintura50, com sua respectiva capacidade de inscrição visual dos
sujeitos, e o cinema num tempo histórico bem mais recente, pertencem ainda ao nível
da arte para poucos. A sua difusão, mais capacidade de inclusão e acesso à
visibilidade, contemplará sobretudo as elites aristocráticas e burguesas, por meio do
registro de fatos históricos, e da memória do grupo social, família ou indivíduo, com
seu perfil, personalidade e feitos. Desde o nascimento da fotografia (1839), porém,
permitiu-se gradativamente a ampliação social do arco de registro da memória e
inscrição imagética dos indivíduos, com suas histórias de vida e aparências (retratos
de família ou simplesmente das pessoas). Trata-se, sem dúvida, de um marco na
história do desenvolvimento do sentimento de identidade individual e, porquanto, do
esforço de afirmação e consciência de si (Coelho, 1999).
 O desejo de conquistar visibilidade no espaço público, em contrapartida,
aprofunda-se no início do século XX, primeiro, com a grande imprensa e o
fotojornalismo, e, posteriormente, em plena era da indústria cultural, com a televisão
- aparelho por excelência de veiculação de imagens, cuja presença nos domicílios
democratiza o direito a olhar e a expectativa de ser visto. Trata-se de uma via de
mão dupla, pois esses meios de comunicação querem também ver / conhecer a vida
das pessoas para depois exibi-la. E não se sabe o quanto pessoas e mídias se
influenciam e influenciaram, desde então, nesse desejo comum, mas nem sempre
passível de realização de ambas as partes: fronteiras da vida privada, de um lado,
versus o caro preço / custo de acesso à visibilidade público-midiática, de outro. No
caso dos adolescentes infratores, na impossibilidade de conquistarem o direito a essa
participação na esfera pública e, por conseqüência, a chance de serem vistos e
reconhecidos como sujeitos, eles adotam a violência51 como estratégia e esta se torna
o seu principal passaporte para a visibilidade numa era de cidadania virtual.
 
política, do conhecimento e da arte; e mais amplamente as determinações da práxis: universalidade, liberdade,
consciência, objetivação e socialização.
50 Diego Velasquez (1599-1660) e Francisco de Goya (1746-1828) foram dois gênios da pintura universal que,
para sobreviver e se notabilizar, tiveram que pintar a nobreza: desde grandes nomes da aristocracia até a família
real de Espanha (tendo à frente, respectivamente, Felipe IV e Carlos IV).
51 A violência desencadeada pelos adolescentes infratores não possui apenas esse signo individualista.
Discutiremos no capítulo III outras expressões e sentidos para o emprego da violência, como quando ela se
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Mas o desejo de moda não se restringiu apenas aos jovens; ele acometeu
todas as camadas sociais, sobretudo após a Segunda Guerra Mundial, quando emerge
uma sociedade que prefere viver o presente, estimulada pela sucessão de novidades e
magnetizada pelo fetiche do consumo. O impacto mais importante da cultura
anticonformista jovem sobre a moda deu-se no sentido de fragmentar os cânones do
parecer, de multiplicar e justapor estilos os mais diferentes. Desaparece o consenso
no plano das aparências, ao mesmo tempo em que são acolhidas todas as formas da
alteridade social. “Já não há uma moda, há modas”(p.168), diz Lipovetsky,
inspiradas por novos valores como o humor, o cosmopolitismo, a juventude e o culto
ao corpo. Cada vez mais, o parecer deixa de ser um signo de distinção social ou de
excelência individual; e se torna uma referência de identidade por idade, perspectiva
existencial e postura contestatória.
A sociedade burguesa - o império do efêmero -, mergulha, então, a partir dos
anos 80, no seu momento flexível e comunicacional, e alcança o seu apogeu:
explosão das necessidades, da publicidade, dos media, dos lazeres de massa. Tem
como fio condutor imaginário a moda e seu princípio de sedução, o qual toca em
profundidade, e sob a febre do espetacular, desde a cena política à informação; e se
propaga por instâncias cada vez mais amplas da vida coletiva. Prevalecem, como
marca dessa cultura e do novo investimento social nos valores democráticos, a
mudança, o frívolo, o desejo de consumo, as escolhas e a socialização pela imagem.
Mas nem tudo é festa, nem regido apenas pelo frisson hedonístico da moda.
No mesmo tempo histórico em que ela se expande socialmente, acontecem guerras e
atentados terroristas, propagam-se a xenofobia e a insegurança cotidiana, e acelera-
se a crise do capital. E como mesmo um bom vinho deixa um sedimento ao fundo,
que pode atrapalhar, ao final, o prazer da degustação, e pode até avinagrar, assim os
valores culturais da liberdade, do gosto pelo diferente e pelo novo também
contribuiriam, indiretamente, para engendrar o que Heller chamaria de desvalores52
(1989). A moda, como epicentro da indústria do consumo, está, assim, também

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